dos Irmãozinhos de Maria Irmão Seán D. Sammon, FMS ... · santa caridade”.5 Portanto, a...

84
Maravilhosos companheiros A vida comunitária dos Irmãozinhos de Maria Irmão Seán D. Sammon, FMS Superior Geral Instituto dos Irmãos Maristas Volume XXXI, n.° 2 25 de março de 2005 CIRCULAR

Transcript of dos Irmãozinhos de Maria Irmão Seán D. Sammon, FMS ... · santa caridade”.5 Portanto, a...

Maravilhosos companheirosA vida comunitária dos Irmãozinhos de Maria

Irmão Seán D. Sammon, FMSSuperior Geral

Instituto dos Irmãos MaristasVolume XXXI, n.° 225 de março de 2005

CIR

CU

LAR

Seán D. Sammon SGMaravilhosos companheiros. A vida comunitária dos Irmãozinhos de MariaCirculares do Superior Geral dos Irmãos MaristasVolume XXXII – n.º 225 de março de 2005

Título original inglês:Marvelous Companions. Community life among Marcellin’s Little Brothers of Mary

Tradução:Sr. Ricardo Tescarolo e Irmão Salvador Durante, FMS

Editor:Instituto dos Irmãos MaristasCasa GeralRoma, ITÁLIA

Redação e Administração:Irmãos MaristasPiazzale Marcelino Champagnat, 200144 Roma, ITÁLIATel. (39) 06 545171Fax. (39) 06 [email protected] www.champagnat.org

Diagramação e Fotolitos:TIPOCROM S.R.L.Via G.G. Arrivabene, 2400159 Roma, ITÁLIA

Impressão:C.S.C. GRAFICA, S.R.L.Via G.G. Arrivabene, 2400159 Roma, ITÁLIA

Fotografia:Onorino Rota, fms

Citazione da inserire qui,

usandola font

SimonciniGaramond,

corpo 11, interlinea 12,con una scala

orizzontale del80%. Grazie

SUMÁRIO

Amor 5

Introdução 7

Parte IConstituições e Estatutos 19

Parte IIComunidades Religiosas como Grupos 41

Parte IIIDesafios para a vida comunitária marista 53

Notas 80

Agradecimentos 83

5

FILHOSDE UMA NOVA ESTAÇÃO

X

Amor: uma cesta cheia de pãesa nos saciarnos tempos vindouros;pães cheirosos, quentinhos, saborosos, milagrosamente multiplicados;jamais cesta sem pão,jamais pão amanhecido.

Catherine de Vinck, 19741

7

INTRODUÇÃO

Dia 25 de março de 2005.Festa da Anunciação do Senhor

Caros Irmãos

Há cerca de um ano e meio, vocês receberam a cir-cular intitulada Uma Revolução do Coração. Desde en-tão, muitos Irmãos manifestaram diversas reações à sualeitura e partilharam orações, reflexões e discussões.Sou muito grato a todos os que responderam com umapalavra de gratidão, um ponto de vista alternativo e al-gumas idéias ou sugestões úteis.

Uma Revolução do Coração foi a primeira de três cir-culares que estou escrevendo sobre o tema da nossa iden-tidade. E, como devem se recordar, ao abordar a espiri-tualidade de Marcelino, anunciei que as circulares se-guintes tratariam da identidade nas perspectivas respec-tivamente da vida comunitária e da missão apostólica.

Não deve causar surpresa, portanto, que a presentecircular – Maravilhosos companheiros – retome a dis-cussão sobre identidade, agora focalizando a vida em

8

comunidade. A terceira e última dessa série de circula-res, que refletirá sobre a missão da Igreja, as nossasobras apostólicas e os Montagnes de hoje, será lançadaantes da próxima Conferência Geral.

Conquanto o tema ‘comunidade’ abranja muitas ques-tões relevantes, tratarei apenas de alguns aspectos especí-ficos. A tarefa de escrever sobre outros pontos igualmen-te importantes fica reservada a outra pessoa ou ocasião.

Os tópicos discutidos aqui podem ser reunidos emduas categorias: uma referente aos desafios que enfren-tamos hoje para viver em nossas comunidades maristas;outra relacionada àquelas qualidades que esperamosencontrar em qualquer experiência de vida em comuminspirada na tradição de Marcelino.

Os aspectos suscitados pelo segundo tópico se fun-damentam na idéia de identidade. Na circular anterior,propus a seguinte pergunta, que ocupa o centro de nos-sos conflitos sobre esse assunto: “A quem ou a que em-penhamos nossos corações?”.

O que mais acalentamos e valorizamos deveria ficarbem visível, não apenas em nossa vida espiritual, mastambém em nossa vida comunitária; não apenas na sim-plicidade que deve caracterizar os lugares onde vivemos,mas igualmente no nosso modo de orar e adorar, na for-ma como nos relacionamos com nossos Irmãos e com asoutras comunidades e pessoas, bem como no espírito deperdão e reconciliação que o nosso grupo demonstra.

Dois questionamentos merecem destaque aqui. Al-guém pode estar se perguntando por que a circular é di-rigida apenas aos Irmãos e não aos leigos maristas. Ou-tros, ainda, devem estar imaginando o que me motivoua dar prioridade ao tema da vida comunitária, ao invésde discutir a Missão, nestas reflexões sobre Identidade.Pois vou responder a uma pergunta de cada vez. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

9

Em primeiro lugar, a restrição se deve à constataçãode que a vida comunitária do laicato marista com-preende formas tão diversas de organização que nãopermitem que sejam adequadamente discutidas em umdocumento com a natureza e a abrangência deste. Defato, só será consistente uma circular que focalizeaspectos bem específicos do tema em pauta, o que nãoocorreria se fosse abrangente demais. Portanto, umadiscussão sobre a vida comunitária de nossos parceirosleigos fica mais adequada em uma circular dirigidaespecialmente a eles, que espero escrever ainda no cor-rente ano. Nessa ocasião, analisarei mais detalhadamen-te alguns modelos emergentes de comunidades consti-tuídas por Irmãos e leigos maristas.

Ao omiti-los deste tema, portanto, não estou negan-do a importância da comunidade nas vidas de leigas eleigos que compartilham o carisma de Champagnat.Neste momento, entretanto, desejo concentrar-me nosaspectos mais importantes da vida comunitária dos Ir-mãos que exigem atenção urgente.

Em segundo lugar, ao me ater nesta circular ao temada comunidade em vez de discutir o da missão, gostariade começar reconhecendo que, embora não se duvideque constituam dimensões específicas de nosso modo devida, elas são, no entanto, inseparáveis uma da outra.Afirmo isso bem consciente de que somos freqüente-mente lembrados de que a vida religiosa não existe porcausa da comunidade. De fato, os institutos apostólicos,como é o caso do nosso, foram em geral fundados paraatender a uma necessidade humana como causa evangé-lica: no nosso caso, a gritante deficiência de evangelizaçãoentre as crianças pobres na França pós-revolucionária.2

Deus, contudo, também se empenhou pessoalmentee por suas obras em nosso favor, e fazendo isso nosconvidou a tornar Jesus Cristo o centro e a paixão denossas vidas. Ao aceitarmos esse convite, tornamo-nos

O que maisacalentamos e

valorizamosdeveria ficar

bem visível, nãoapenas em nossa

vida espiritual,mas também em

nossa vidacomunitária.

10

seus discípulos. Apenas esse fato torna inócua qualquersuposição de separação entre missão e comunidade.

Os participantes do nosso XX Capítulo Geral colo-caram algo semelhante em sua Mensagem. Eles nos de-safiaram, como Maria, “a centrar apaixonadamentenossas vidas e nossas comunidades em Jesus Cristo”.Nossa identidade de discípulos de Cristo constitui ocerne de nossa missão e de nossa vida em comum, co-mo Irmãos em comunidade.

Pelo Batismo, participamos dessa comunidade dediscípulos, conhecida como Igreja3; na primeira profis-são, avançamos uma etapa, prometendo encontrar nos-sa identidade e o sentido de nossas vidas em um grupoespecífico de discípulos no Povo de Deus.4 Ao fazer-mos o juramento público, anunciamos solenemente atodos os fiéis que, daí por diante, nossa identidade seconfundiria com a intenção de viver radicalmente e emplenitude a Boa-Nova de Jesus Cristo na comunidadedos Irmãozinhos de Marcelino.

Nossa incapacidade de reconhecer que a comunida-de e a missão representam em verdade dois elementosde uma mesma substância, fez com que aceitássemoscom muita rapidez certas descrições simplistas, mas ina-dequadas, de nossa vida em comum. O fato de viver-mos unidos, fazermos trabalhos em equipe e assumir-mos um Plano de Vida Comunitária, por exemplo, nãoassegura a existência de uma comunidade marista. Es-ses elementos certamente ajudam, mas não garantemque formemos uma comunidade que Marcelino reco-nhecesse como sua.

Ora, a nossa relutância em colocar o compromissode discípulos no cerne da vida comunitária nos levou aadotar soluções cosméticas e superficiais, ineficazes,portanto, para a solução das adversidades encontradasem nossa vida em comum. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

11

UMA CONTRIBUIÇÃO PARA DEFINIR VIDACOMUNITÁRIA MARISTA

É surpreendente descobrir que, em algumas partesdo nosso Instituto, a maior dúvida sobre a vida comu-nitária está precisamente em sua definição, em verda-de um grande desafio que muitos Institutos enfrentamhoje.

Sabemos que Marcelino tinha especial consideraçãopela vida comunitária. A esse respeito encontramos oseguinte pedido em seu Testamento Espiritual: “Preza-díssimos Irmãos, eu lhes peço com todo o afeto de mi-nha alma e por todo o afeto que vocês têm por mim: es-forcem-se para que se mantenha sempre entre vocês asanta caridade”.5 Portanto, a virtude da caridade cons-titui o fundamento para qualquer comunidade que sediga inspirada no espírito do Fundador.

Qual seria a melhor definição de comunidade para onosso Instituto hoje? Talvez a definição mais simples se-ja identificá-la como ‘um caso de amor’. Antes e acimade tudo, viver com nossos Irmãos nos desafia, você e eu,a criar e cultivar um coração amoroso.6 Sem isso, pode-mos até sobreviver, mas jamais floresceremos como co-munidade.

Que significado atribuo à expressão ‘um coraçãoamoroso’? A resposta pode ser encontrada em umconto intitulado ‘Os Presentes dos Reis Magos’, prova-velmente já conhecido por algumas pessoas.

Um jovem casal passava por grandes dificuldades fi-nanceiras, e os únicos bens de algum valor que cada umpossuía eram o relógio de ouro de Jim e os formosos ca-belos castanhos de Della.

Em um Natal, desejando dar de presente a Jim umacorrente de ouro para o relógio, Della vendeu seus be-

12

los cabelos. Jim, por sua vez, decidido a presenteá-lacom um requintado diadema que ela um dia admirarana vitrina de uma loja, vendeu seu relógio.

O autor conclui sua narrativa com o seguinte co-mentário: “Os Reis Magos, como sabemos, eram ho-mens sábios — extraordinariamente sábios — que leva-ram presentes para o Menino Jesus na manjedoura.Acabo de relatar aqui a crônica aparentemente patéticade um casal de tolos que inadvertidamente teria sacrifi-cado um para o outro os tesouros mais preciosos quepossuíam. Pois me permito, aqui, dirigir uma exortaçãoaos sábios contemporâneos: de todos os que já oferece-ram seus dons a alguém, essas duas pessoas foram asmais sábias. São elas os Reis Magos".7

Se desejamos cultivar um coração amoroso, portanto,precisamos nos perguntar: “O que estamos dispostos asacrificar pelo bem da comunidade que integramos?”.

É fácil apontar os aspectos da convivência comuni-tária que nos incomodam. Difícil é reconhecer que o fa-to de sermos convocados como grupo por Deus é o quetransforma em graça a nossa vida em comunidade.

UMA REFLEXÃO INICIAL

Uma outra razão me leva a escrever sobre comuni-dade: a preocupação sobre a situação que venho cons-tatando atualmente da nossa vida em comum em algu-mas partes de nosso Instituto. Se a qualidade de nossavida comunitária causa inquietação, muito mais aindauma comunidade que dissimula seus problemas, em ra-zão do impacto negativo que isso provoca na capacida-de de realização da missão que lhe foi confiada. É tristedizer, mas as deficiências da vida comunitária têm cons-tituído, em anos mais recentes, uma das razões mais fre-qüentes para os pedidos de dispensa de votos. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

13

Ao refletir sobre a vida comunitária, pretendo desta-car a nossa realidade cotidiana, e não tanto o ideal quenos inspira. Isso nos impõe de início destacar as mara-vilhosas comunidades de nosso Instituto: núcleos gene-rosos abertos e virtuosos de fraternidade. Ao longo deminha vida, tive a felicidade de ser integrante de algu-mas delas.

O que torna essas comunidades tão memoráveis? Asnossas Constituições e Estatutos colocam com muita clare-za: porque, unidos pelo amor por Jesus Cristo e Sua Boa-Nova, aceitamo-nos diferentes, mas complementares.

Com esse entendimento, cumprimos a vontade deDeus, vivemos com simplicidade e nos interessamos pe-la vida e pelo apostolado uns dos outros. No empenhode superarmos nossos egoísmos e melindres, perdoa-mos e aceitamos o perdão ofertado. Com o tempo, es-sas comunidades se tornam não apenas centros deevangelização, mas lugares de amizade e partilha ondeas qualidades humanas e espirituais de cada integrantepodem se desenvolver livremente.

Em anos mais recentes, abençoado pela oportunidadede conhecer Irmãos de todas as partes do mundo e deconversar com eles, descobri que muitos tiveram a expe-riência, como eu, de conviver com muitas pessoas dedica-das, espiritualizadas e competentes, especialmente Irmãos.

Partilhando comigo sua experiência de vida em co-munidade, por exemplo, um coirmão espontaneamenteme disse: “Seán, Deus me abençoou com maravilhososcompanheiros na minha trajetória de vida”. Entendimuito bem o que ele quis dizer com isso.

No entanto, a despeito desses exemplos auspiciosos,não posso deixar de manifestar preocupação com aque-les Irmãos que vivem de modo independente uma boaparte do tempo, alguns até mesmo o tempo todo.

Antes e acima de tudo,

viver comnossos Irmãos

nos desafia, você e eu,

a criar e cultivarum coração

amoroso.

Como afirmei há pouco, o fato de se viver sob o mes-mo teto não assegura a existência de vida comunitária.O Irmão Basílio certa vez disse: “Há Irmãos que deixa-ram o Instituto há muito tempo, mas simplesmente nãomudaram de endereço”.8

Como explicar tal fenômeno? Há inúmeras razõespara isso. Alguns Irmãos, por exemplo, podem se sen-tir pressionados pela vida em comunidade ou lhes fal-tam as competências mínimas necessárias para conviverem um grupo heterogêneo e desafiador de adultos emum mesmo espaço físico. Como resultado, acabam ape-nas tolerando coabitar com outras pessoas.

Conseqüência dessa situação? Independência, impa-ciência e decepção crescentes.

Além disso, enfrentamos um outro problema tam-bém bastante sério – o ativismo – causador de imensoprejuízo emocional e espiritual. Dedicados exclusiva-mente ao trabalho apostólico, voltamos para a comuni-dade, muitas vezes também bastante ocupada, e nossentimos incomodados com a experiência de meditaçãoe oração pessoal de alguns Irmãos. Essa situação podecomprometer a capacidade de uma pessoa abraçar odom de encontrar-se consigo mesma.

Há Irmãos que, ao atingirem a meia-idade, sur-preendem-se quando se descobrem estranhos a si mes-mos. A pessoa que mais precisamos conhecer e comquem é crucial estabelecer um vínculo de amizade, logono início da vida, somos nós mesmos. Isso só acontececom o tempo, e isso se aprendermos a nos sentir bemquando estivermos sós, em nossa própria companhia.

Finalmente, causam-me preocupação alguns relatossobre Irmãos que vivem permanentemente mal-humo-rados e irritados em comunidade. Todos temos nossosdias menos favoráveis, sem dúvida. Contudo, se subme-

14

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

15

temos nossa comunidade a uma dieta perpétua de mau-humor e irritação, não estaremos sendo apenas injustos,mas arruinaremos a capacidade de o grupo construiruma vida que sustente os ideais que lhe dão sentido e,principalmente, de promover vocações. O compromis-so que assumimos é o de viver de tal maneira que o espí-rito de felicidade, que deve identificar o nosso modo devida, seja bem visível para todos.

Sabemos que as comunidades em que vivemos apre-sentam imperfeições. E isso acontece porque fazemosparte dessas comunidades, e temos consciência de queninguém é perfeito, nem mesmo aqueles que vivemconosco. Mas, afinal de contas, não é essa a realidade detodas as comunidades humanas?

É compreensível, pois, que muitos aspectos da nossavida em comum possam ferir suscetibilidades e causardesapontamentos. As desavenças cotidianas são co-muns entre as pessoas, e aquelas com quem vivemosnem sempre correspondem a todas as nossas expectati-vas. Por isso, qualquer comunidade que se proclameherdeira do carisma do Fundador deve cultivar em seucoração o espírito de reconciliação e tolerância.

ESTRUTURA DA CIRCULAR

Esta circular está dividida em três partes. Na primei-ra, analiso as passagens de nossas Constituições e Esta-tutos que dizem respeito à vida em comunidade. Essedocumento apresenta uma preciosa teologia da comu-nidade, um ideal que, não obstante, freqüentemente fi-camos longe de realizar. Integram ainda essa seção al-gumas considerações sobre as evidentes diferenças cul-turais e de geração que se manifestam nas comunidadesmaristas atualmente e uma discussão a respeito dos mo-delos que têm sido empregados para descrever a vidacomunitária.

16

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

Examino, em seguida, algumas fases pelas quais ascomunidades passam quando se formam e à medidaque se desenvolvem. Ao ler essa segunda seção, tenhamsempre em mente o seguinte: a menos que os membrosde uma comunidade marista sejam capazes de partilharum pouco de suas vidas pessoais e espirituais, permitamque os outros Irmãos possam contar com o seu tempopessoal e seus talentos, favoreçam um espírito derespeito mútuo e aprendam a discordar e a sobreviveràs eventuais diferenças, será muito difícil, ou mesmoimpossível, atingir os ideais que as Constituições e Esta-tutos mencionam.

E, na última parte, menciono alguns desafios concre-tos enfrentados por não poucas comunidades maristashoje em dia e sugiro algumas maneiras de lidar comeles.

Como é possível, por exemplo, mantermos vivo onosso entusiasmo pela vida em comum ao longo dotempo? O que podemos realmente esperar dos outrosdo grupo e o que eles podem esperar de nós? Como épossível intervir quando o abuso de bebida alcoólica ououtro problema semelhante prejudica alguém do gru-po? Que tipos de intervenção são de fato efetivos paralidar com outros comportamentos destrutivos na comu-nidade, tais como: mau-humor crônico, negativismo,agressividade e estados permanentes de angústia ou res-sentimento?

Como contribuir para construir um espírito dehospitalidade e de oração entre nós e aqueles comquem vivemos? Como é possível expressar afeição, ca-rinho e cuidado uns com os outros com uma sensibili-dade construtiva? É possível lidar com os conflitos ent-re os membros de uma comunidade de modo a estreitaro relacionamento do grupo? Como aprender a assumira responsabilidade pelas contrariedades que surgem navida comunitária e a pedir perdão?

17

Enfim, colocando de modo mais direto, como sere-mos capazes de construir uma comunidade marista emque o perdão se torne um hábito e a reconciliação nãoseja uma coisa estranha?

A última parte inclui mais uma indagação: se Marce-lino fosse visitar qualquer uma de nossas comunidadeshoje, reconheceria ele o que pensou quando falou estaspalavras em seu Testamento: “Que se possa dizer dosPequenos Irmãos de Maria como dos primeiros cris-tãos: ‘Vede como eles se amam’"?9 Esta circular se en-cerra com a resposta a essa indagação, ao identificar asqualidades que denotam uma comunidade que Marce-lino reconheceria como sua.

19

PARTE IConstituições e Estatutos

A Teologia não oferece certezas absolutas nemrespostas simples, mas propicia um contextopara entendermos a experiência humana como

pessoas crentes e fiéis.

O texto de nossas Constituições e Estatutos faz refe-rência a pelo menos seis dimensões de nossa vida co-munitária: trinitária, marial, espiritual, apostólica, hu-mana e evangélica. O início do terceiro capítulo noslembra que o amor entre o Pai, o Filho e o Espírito San-to é a fonte de nossa vida em comum. A unidade entrenós é um sinal de que o amor que Deus derrama emnossos corações por obra do Espírito Santo é maior doque nossas limitações humanas.10

Formando uma comunidade com os apóstolos, Jesusos exortou para que fossem um, como Ele e o Pai eramum, convite também proposto a nós hoje.11 O Pai dese-ja um mundo onde todos os homens e mulheres se in-tegrem para formar uma única família humana, ummundo em que todas as pessoas sejam amadas como ir-mãs e irmãos.12

20

Maria ocupa lugar de destaque em nossa vida em co-mum. Ora, se Jesus era o cerne da vida dela, Ele não po-de ocupar lugar menos importante nas nossas. Como osdiscípulos que se reuniram no Pentecostes, permanece-mos conscientes da presença de Maria, de seu papel co-mo Mãe da Igreja, nossa Boa Mãe e irmã na fé. Confia-mos nela também para nos ajudar a viver como irmãose a compreender em plenitude que constituímos umúnico corpo em Cristo.13

Como Maria em Nazaré, nossa vida deve ser simplese dedicada ao trabalho. Imitando sua generosidade decoração quando visitou Isabel e participou das bodasde Caná, devemos estar sempre atentos às necessidadesda comunidade e do mundo.

A espiritualidade que herdamos de nosso Fundadore dos primeiros Irmãos é tanto marial quanto apostóli-ca. Seguindo o exemplo de Marcelino, vivemos na pre-sença de Deus e Lhe confiamos os resultados de nossotrabalho, convencidos de que “se o Senhor não constróia casa, em vão trabalham os seus construtores”.14

Sabemos também que a dúvida, a perda de entusias-mo e o desencanto representam uma experiência coti-diana para a maioria de nós. Na certeza, porém, de sa-ber que Deus é sempre fiel, e confiando em Maria e emnossos Irmãos, empenhamo-nos firmemente em nostornar dádivas para Deus e para o próximo.

Nossa vida em comum dá testemunho concreto dosconselhos evangélicos.15 Nossa devoção à pobreza deveser visível em nosso estilo simples de vida e em nosso de-sejo de partilhar livremente nossos talentos e tempo comaqueles cujas vidas entram em contato conosco.16 Pratica-mos a obediência buscando incessantemente conhecer avontade de Deus.17 A castidade, uma virtude que preparaos nossos corações à amizade, torna-nos aptos a receber oamor dos outros como se fosse do próprio Senhor.18 M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

21

Desse modo, unidos como Irmãos em comunidade,reconhecidos por nosso espírito de acolhida, e nutridospor uma vida dinâmica de oração, estamos sempredispostos a assumir o nosso projeto apostólico: tornarJesus Cristo conhecido e amado entre as crianças e osjovens excluídos.19

Nesse contexto teológico, interessamo-nos pela vidae pelo trabalho de todos, porque nos aceitamos dife-rentes, mas complementares, uns dos outros. Como oamor que dedicamos a nossos Irmãos é despretensiosoe caloroso, fica mais fácil entender e partilhar suas difi-culdades e alegrias.20

Superando o egoísmo e a impaciência, que algumasvezes constituem as reações a um Irmão em busca deapoio e conselho, nós, ao contrário, aceitamos comsimplicidade o que ele tem a dizer, e refletimos sobre osignificado disso. Quando errados, pedimos perdão, equando erram conosco, somos os primeiros a oferecerperdão. Desse modo, a comunidade em que vivemos setorna um lugar de fraternidade e de vida partilhada emque as qualidades humanas e os dons espirituais de ca-da um podem florescer com vigor.

Finalmente, valorizamos cada um de nossos Irmãospela pessoa que é, não importando a idade nem a signi-ficância ou a contribuição que porventura possa dar aotrabalho apostólico.21

Os jovens Irmãos e seus confrades de meia-idadecontribuem com a riqueza de seus dons intelectuais esua sensibilidade para a comunidade. Embora ambospartilhem seu entusiasmo e seu zelo pelo nosso modode vida, os Irmãos de meia-idade podem fazê-lo plena-mente conscientes de seus sucessos e fracassos. E nos-sos Irmãos idosos nos dão o melhor testemunho de fi-delidade a Deus que é possível encontrar: sua perseve-rança.

A dúvida, a perda

de entusiasmo e o desencanto

representamuma experiência

cotidiana para a maioria

de nós.

22

E como retribuição, todos recebem algo: nossos jo-vens Irmãos, um apoio para sua vocação; nossos peregri-nos de meia-idade, o encorajamento de seus Irmãos; eaqueles avançados em anos, o respeito e o amor de todos.

Em qualquer discussão sobre comunidade, nossasConstituições e Estatutos representam excelente refe-rencial. O que aí encontramos reflete muito bem as nos-sas esperanças em relação à vida comunitária. É precisopersistir em nossos esforços para viver esse ideal, aindaque sempre fiquemos aquém dele.

DIFERENTES PONTOS DE VISTA

Com o encerramento do Concílio Vaticano II, o tex-to de nossas Constituições e Estatutos passou a ser lidoa partir de uma diversidade de pontos de vista, e issoserve tanto para a versão preliminar que vigorou de1968 até 1985, quanto para o documento promulgadopelo XVIII Capítulo Geral. Alguns leram esse textocom olhares ocidentais, outros com uma perspectivaoriental, ou dos pobres, dos místicos, dos jovens, entreoutros. E o que lemos era encorajador, desafiador, ins-pirador.

A experiência de ler as Constituições e Estatutos,portanto, não tem sido a mesma para todos. Acionamosuma diversidade de compreensões sobre como atuar nomundo, sobre diferentes medos e esperanças, sonhos edecepções. Entretanto, muitos não conseguem enten-der que há modos distintos de apreciar uma mesma rea-lidade.

Ao ler as histórias bíblicas sobre a criação, por exem-plo, aqueles com uma racionalidade ocidental, que ten-de a priorizar o self, ressaltam sempre o individual. Es-sas passagens, então, tornam-se narrativas de Deuscriando cada indivíduo à sua imagem e semelhança. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

23

Há, porém, diferentes maneiras de se compreenderuma mesma história. Por exemplo, é também válido en-tender que, como o relacionamento entre o Pai, o Filhoe o Espírito Santo constitui o fundamento da concep-ção cristã de Deus, Adão e Eva foram gerados à Suaimagem e semelhança exatamente por terem sidoconcebidos como casal. O pecado deles é original nãopor ter sido o primeiro, mas por ir contra suas própriasorigens: afinal, eles romperam a comunhão que os uniaentre si e a Deus. Caim repete esse pecado quando ma-ta seu irmão Abel.22

Embora a cosmovisão ocidental dominante para amaioria dos Irmãos em nosso Instituto tenha aspectospositivos que a recomendam — como qualquer outra,aliás — apresenta igualmente seus limites. Às vezes, talconcepção de realidade nos pressiona com padrões deracionalidade de tal modo polarizados e hierárquicosque chega a interferir em nossa capacidade de apreciara unidade inerente à criação de Deus. Para superar es-se pensamento fragmentado e reducionista, deveríamoscomeçar por entender por que, ao se afastarem da mis-são, os integrantes da comunidade tendem tão rapida-mente a se fechar em si, enquanto aqueles imersos namissão encontram a fonte da vitalidade na própria co-munidade.23

24

PERGUNTAS PARA REFLEXÃO

Orientações: Reserve um tempo para refletir sobre algumasquestões. Pegue um bloco de anotações e uma caneta ou lápis eanote os pontos que julgar importantes. Eles poderão ser depoisrecordados com mais facilidade quando for discuti-los em co-munidade ou em algum encontro regional.

Agora libere sua mente de outras preocupações e medite sobreas seguintes perguntas:

1.Como tem sido sua experiência de vida comunitária duran-te estes anos como Irmão?

2.Reflita alguns momentos sobre as comunidades maristas quecontribuíram de modo mais significativo para o seu cresci-

mento humano e espiritual e zelo pela missão. O que havia nes-sas comunidades que as tornava tão pródigas em graça?

3.Que partes das Constituições e Estatutos descrevem melhor asua experiência de vida comunitária? Que passagens desse

documento parecem não corresponder à sua experiência de vidaem comunidade?

Citazione da inserire qui,

usandola font

SimonciniGaramond,

corpo 11, interlinea 12,con una scala

orizzontale del80%. Grazie

25

DIFERENÇAS DE GERAÇÃO E CULTURAIS

É possível constatar outras diferenças na vida comu-nitária marista hoje além das mencionadas até aqui, co-mo é o caso das perspectivas de cultura e de geração.No entanto, à medida que elas forem sendo discutidas,considere sempre o seguinte: a nossa identidade maris-ta, por mais difícil que seja representá-la em palavras,constitui um elemento fundamental que nos une comoirmãos de Marcelino. É sobre essa base que devemosfirmar a nossa identidade, conquanto busquemos novosmodos comunitários de viver e servir em um mundo empermanente transformação.

a. Diferenças de geração

Nossa preparação para a vida em comunidade temsido condicionada, em parte, pelos anos de formaçãoinicial. Em decorrência disso, para alguns de nós, a vi-da comunitária sempre correspondeu a um conjunto depráticas fixas que marcavam cada dia, como os váriosmomentos de oração, algumas refeições em comum eum período de recreação. Uma previsível uniformidademarca a vida dos integrantes da comunidade e o modocomo interagem.

Quando enfrentam algumas questões sobre a nature-za e a finalidade da vida comunitária, alguns Irmãos re-correm à tradição e às normas. Eles insistem, não obs-tante o Concílio Vaticano II e as Constituições e Estatu-tos maristas, que há apenas uma forma de viver em co-munidade. “Leiam as normas”, dizem eles. “Elas sãobastante claras e admitem poucas exceções”.

Esse primeiro grupo contribui com dons importan-tes para a vida comunitária. Qualquer comunidade sebeneficia com a vida de oração marcada pela regulari-dade. Para a maioria, poder contar com o apoio perma-nente de uma comunidade na vida de oração pessoal e

Há Irmãos que,ao atingirem a

meia-idade,surpreendem-se

quando se descobrem

estranhos a si mesmos.

26

comunitária é um tesouro que freqüentemente só valo-rizamos quando não mais o temos.

Geralmente, quem está comprometido com a regula-ridade em comunidade também é fiel na celebração deferiados, dias santos, aniversários e outras ocasiões espe-ciais. Esses e outros dons não podem ser negligenciados,pois são importantes em qualquer comunidade marista.Tais esforços levam algum tempo até que se consiga cons-truir um sentido de fraternidade entre as pessoas.

Um segundo grupo se identifica com um modelocompletamente diferente de vida comunitária. Nessecaso, a previsibilidade, a pontualidade e a regularidadenão são tão importantes quanto a qualidade dos rela-cionamentos pessoais.

Desejando promover um nível de intercâmbio alémdo superficial, os membros desse tipo de grupo se em-penham em conversar com os outros sobre a vida afeti-va e a experiência com Deus. Alguns buscam formasmais eficazes para expressar seus sentimentos de cuida-do e afeição, bem como suas dúvidas e preocupações.

A presença física nos momentos de oração não éuma preocupação tão grande para esse segundo grupocomo o é a preparação para o trabalho, a maneira comoé realizado e a capacidade de adaptação de todos na co-munidade.

Os Irmãos dessa segunda forma de entender a or-ganização comunitária podem ser acusados de cultiva-rem uma “mentalidade de supermercado” por selecio-narem determinados aspectos de nosso modo de vidapara observarem. No entanto, também propiciammuitos dons para a comunidade: uma bem-vindaespontaneidade, novas idéias e uma perspectiva reno-vada. Apresentam uma vida de fé em desenvolvimen-to, reservam-se momentos pessoais de oração e se M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

27

comprometem com a vida da comunidade. Suaconcepção a respeito de cada um desses aspectos,contudo, é muito diferente daquela dos Irmãos do pri-meiro grupo mencionado.

Pois é nesse ponto que se estabelece grande parte daconfusão: é evidente que temos no Instituto diferentesgerações de Irmãos; o que não está claro até agora é ograu de diferença entre elas. O fato de alguns Irmãosmais jovens serem capazes de falar de Jesus, espirituali-dade e sua experiência humana, mas não de cumprircertos exercícios comunitários, confunde alguns Irmãosmais antigos, formados nas advertências sobre as ami-zades particulares e no valor do regulamento.

Ao mesmo tempo, sem a experiência do mundo daIgreja e da vida religiosa anterior ao Concílio VaticanoII, muitos jovens Irmãos não têm consciência dos sacri-fícios que esses Irmãos mais experientes fizeram paraassegurar a vida marista como existe hoje.

Um exemplo das diferenças de geração, comuns emnosso Instituto atualmente, pode ser encontrado na se-guinte observação que um Irmão mais antigo fez há al-guns anos: “Hoje em dia, todo o mundo me pergunta oque eu penso. Francamente, não sei o que eu penso.Durante 40 anos me disseram para deixar que o Supe-rior da comunidade pensasse. Nossos irmãos mais jo-vens, porém, são diferentes. Eu os invejo por sua capa-cidade de dizer o que pensam, mesmo que isso contra-rie a opinião da maioria. Quanto a mim, com freqüên-cia não estou muito seguro do que penso”.

E, finalmente, há quem entenda que, a despeito daidade, um relacionamento de discípulo é o que cria umaaliança entre os componentes de qualquer uma de nos-sas comunidades maristas. Marcelino foi explícito emseu desejo de que as comunidades de seus Irmãos seespelhassem nas comunidades cristãs que se reuniam

Em todas as comunidades

maristas, cada Irmão

carrega suas histórias e anseia pela

oportunidade de contá-las.

28

para partilhar as histórias sobre Jesus e a Eucaristia. Eleescreveu: “Que não haja entre vós senão um mesmo co-ração e um mesmo espírito”.24

É triste reconhecer, todavia, que alguns Irmãoscontinuam a confiar em certos valores de vida comuni-tária que serviram em outra época, quando a concepçãode convivência em comunidade era muito diferente.Em conseqüência, sentimo-nos às vezes perdidos quan-do enfrentamos a realidade da vida em comunidade ho-je. Tomemos como exemplo a virtude da caridade. Mui-tos Irmãos aprenderam a entendê-la como resignação.No entanto, caridade significa muito mais falar a verda-de com amor do que calar com receio de magoar os ou-tros. Hoje, em muitas partes do Instituto, precisamosurgentemente desenvolver novas habilidades para vi-vermos unidos em comunidade.25

Em todas as comunidades maristas, cada Irmão car-rega suas histórias e anseia pela oportunidade decontá-las. Se prestarmos bem atenção na narrativa decada um, aprenderemos algo sobre os dons de cadaum e os desafios enfrentados na trajetória pessoal devida. Poderemos também avaliar com mais cuidado ainfluência que a cultura e a família exerceram na for-mação do autoconhecimento, da fé e das convicções arespeito da vida em comum. E, mais importante, vis-lumbraremos o amor que Deus lhe dedicou ao longoda vida, tanto nos bons momentos quanto nos temposdifíceis.

Mais à frente ofereço sugestões de como nos prepa-rar melhor para a vida em comunidade no século 21.Por ora, contudo, tenhamos em mente que convivemno Instituto diversas gerações com características dife-rentes. Cada uma apresenta uma experiência própria deformação, distintas expectativas de vida comunitária e,em alguns casos, concepções diferentes sobre a própriavida religiosa. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

29

b. Diferenças culturais

Bem, chegou o momento de tratarmos da questãocultural. A cultura tem sido um dos instrumentos deque Deus se vale para cultivar nossa vocação. A culturatem igualmente nos ajudado a modelar nossas esperan-ças e expectativas com respeito à vida comunitária. Es-ses elementos – esperanças e expectativas quanto à vidacomunitária – podem se diferenciar bastante entre osmembros das diversas comunidades, e isso ocorrerá demodo ainda mais significativo quando forem de cultu-ras e países diferentes.

Mas esse fato não é de forma alguma surpreendente.Afinal, para um Instituto presente em 77 países dife-rentes, o pluralismo e a diversidade deveria ser a regra,não a exceção.

Qual o sentido de ‘cultura’? Esse conceito é geral-mente usado para descrever os costumes e as tradiçõesde qualquer grupo de pessoas. Logo, quando emprega-mos a expressão diferenças culturais estamos nos refe-rindo à diversidade existente entre um e outro grupo noque concerne a certas práticas, tais como os processosde tomada de decisão e as formas de cuidar dos idosose celebrar as festividades.

O multiculturalismo — um conceito utilizado paradescrever a convivência de diversas culturas — implicadois grandes desafios hoje. De um lado, enfrentar o ris-co de que o pluralismo fatalmente provocará desuniãoe divisão. De outro, admitir que o nosso conhecimentosobre diferenças culturais freqüentemente se baseia empouco mais do que uma análise ligeira e superficial daspontas de diversos icebergs. Boa parte de uma cultura étácita, escondida, invisível à observação.

Cada Instituto também tem sua própria cultura, e onosso não é uma exceção. A cultura marista influencia

30

as formas de organização de nossas vidas e ajuda a de-terminar aqueles hábitos e expressões que aceitamoscomo sagrados. Como parte dessa cultura, um deter-minado apostolado, uma espiritualidade, algumas tradi-ções relacionadas à vida comunitária, bem como outroselementos — alguns datando dos tempos do Fundador— são transmitidos de uma geração de Irmãos a outra.

À medida que um Instituto religioso se expande, le-vando a missão a outros territórios e atingindo novospovos, contudo, ele enfrenta mais um desafio. Não obs-tante respeite o passado, esse Instituto deve, ao mesmotempo, encarnar a cultura em que se encontra. A apren-dizagem do idioma do povo da região e o estudo de suahistória, tradições e costumes são importantes sinais derespeito.

A identidade de qualquer instituto deveria ser sufi-cientemente sólida para permitir-se fincar raízes no no-vo terreno e deixar-se cuidar pelas pessoas que há tan-to tempo cultivam esse solo.

As histórias de muitas congregações religiosas, a nos-sa incluída, demonstram que nem sempre esse resulta-do foi atingido, e não como decorrência de má vontadeou falta de empenho por parte dos envolvidos. Infeliz-mente, algumas antigas concepções missiológicas julga-vam inferiores, sem valor e heréticas as novas culturas.Os idiomas locais eram freqüentemente classificadoscomo dialetos, e antigos costumes e tradições eram su-primidos. Deus precisava ser introduzido nessas cultu-ras, e não descoberto nelas.

Embora os anos de experiência nos tenham ajudadoa compreender melhor a complexidade cultural, as difi-culdades permanecem. Esses choques culturais nãopassam de reflexos do que se passa em nossa Igreja emsua luta para transformar um pensamento ocidental pa-ra um que seja verdadeiramente ‘católico’. O teólogo M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

31

Karl Rahner nos recorda que o Vaticano II foi “o pri-meiro grande evento oficial em que a Igreja de fato co-meçou a se atualizar como uma Igreja mundial”.26

No futuro, a simples condição demográfica tornaráesse último desafio extremamente urgente. No início doséculo vinte, por exemplo, cerca de oitenta por cento dapopulação católica vivia na Europa e nas Américas doSul e do Norte. Em 2020, contudo, estima-se queaproximadamente oitenta por cento de todos os católi-cos serão dos hemisférios sul e oriental, com a Europae a América do Norte contando com os restantes vintepor cento. Em um período de cento e vinte anos, a dis-tribuição demográfica da Igreja Católica inverteu-secompletamente.27 Embora os padrões de imigraçãopossam alterar em alguma medida as porcentagens pro-jetadas, a tendência fica configurada.

É preciso lembrar também que o passado não podeser refeito, apenas remediado. Mas é nosso dever reme-diá-lo e assumir as tarefas que isso nos impõe. Essas ob-servações não são apenas válidas no âmbito global, mastambém no cotidiano de nossas comunidades maristas.

Se nossa experiência de vida comunitária deve serum modelo para a Igreja e o mundo, então a comunica-ção, o respeito pelas diferenças e um espírito de tole-rância serão elementos essenciais na vida de qualquergrupo que viva e trabalhe em ambiente culturalmenteplural. Sem esses mecanismos básicos, os envolvidospodem rapidamente assumir posições polarizadas e le-vantarem suspeitas sobre as motivações e ações dos ou-tros na comunidade. Como alguns erros serão inevita-velmente cometidos, um espírito de perdão e reconci-liação deve sempre estar presente entre os membros dacomunidade.

Encontros internacionais anteriores, tais comoConselhos e Capítulos Gerais, proporcionam muitos

Theologian KarlRahner has

reminded us thatVatican II was

“the first majorofficial event in

which theChurch in fact

began toactualize itselfprecisely as a

world Church.”

O teólogo Karl Rahner

nos recorda queo Vaticano II

foi “o primeirogrande eventooficial em que

a Igreja de fatocomeçou a se

atualizar como uma

Igreja mundial”.

32

casos de mal-entendidos decorrentes do multicultura-lismo. Um jovem Irmão da China, John, por exemplo,participando como observador durante a ConferênciaGeral em Roma em 1997, perguntou-me durante o caféda manhã: “Seán, onde está o arroz?” Imediatamentepercebi que o arroz ‘à moda asiática’ não constava docardápio do desjejum. Para alguns asiáticos, o arroz éprato habitual na primeira refeição do dia. Prometi en-tão alertar os cozinheiros para que a situação fosse cor-rigida na manhã seguinte.

À mesma hora na manhã seguinte, porém, John seaproximou novamente e me perguntou: “Seán, onde está oarroz?”. Eu lhe disse que o pessoal da cozinha havia me ga-rantido que o arroz estaria servido na refeição da manhã eque deveria estar em alguma travessa no bufê de serviço.

Finalmente o encontramos. Infelizmente, o arroz eraà moda italiana, como ‘risotto’, preparado com camarãoe creme! Sem dúvida um prato saboroso para quem oaprecia no almoço ou no jantar, mas jamais servido nocafé da manhã na Itália, e certamente nem um poucoapreciado pelo nosso jovem Irmão John. Eu ainda melembro da reação dele: “Seán”, me disse, “arroz empa-pado, eu só quero arroz empapado, à moda chinesa”.

Um segundo exemplo mais significativo ocorreu du-rante o 20º Capítulo Geral. Certo dia, quando um Irmãoafricano coordenava os trabalhos, um capitular apresen-tou uma intervenção parlamentar que, por sua natureza,exigia que o coordenador parasse imediatamente o de-bate e fizesse uma consulta ao plenário do Capítulo pa-ra determinar se a discussão deveria ser interrompida epromovida uma votação sobre o tema em pauta.

Ao invés de seguir esses trâmites formais, contudo, ocoordenador simplesmente anotou em uma lista o no-me do Irmão que fizera a intervenção regulamentar,mas não interrompeu o debate. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

33

Houve um burburinho audível no plenário. No en-tanto, o coordenador continuou a dar toda a atençãoaos debatedores que estavam com a palavra, mesmoquando o Irmão que fizera a intervenção parlamentarvisivelmente se inclinou sobre a mesa da coordenação àsua frente para se certificar de que não apenas seria ou-vido, mas também visto por todos no plenário do Capí-tulo.

Finalmente, houve o recesso. Perguntei, então, aomoderador por que não interrompera o debate. “Seán”,disse-me ele, “em minha cultura é terrivelmente ofensi-vo interromper alguém que está com a palavra. Eu sim-plesmente não consegui fazer isso.”

Nesse dia, aprendi uma importante lição sobre dife-renças culturais. O que alguns podem julgar ser um mo-do eficiente de encurtar e, em sua opinião, levar umadiscussão improdutiva a uma conclusão rápida, aos o-lhos de uma pessoa de outra cultura pode constituiruma ofensa. Fiquei depois pensando quantos exemplosde conflitos culturais seriam encontrados se nos dedi-cássemos a analisar a dinâmica que ocorre em nossosencontros internacionais.

O mesmo tipo de mal-entendido pode ocorrer noâmbito comunitário, particularmente quando seus inte-grantes representam grupos culturais ou lingüísticos di-ferentes. Esse tipo de ocorrência está se tornando mui-to mais comum atualmente, na medida em que ajusta-mos nossas vidas nas Províncias formadas pelo proces-so de reestruturação em que muitas passaram a ser mul-ticulturais e plurilíngües.

Ao planejar encontros para os componentes dessasnovas Unidades Administrativas, por exemplo, são ne-cessários serviços de tradução simultânea. Merece, pois,estudo como os aniversários e as datas festivas devemser celebrados, os dias santificados observados e os re-

34

tiros organizados. É igualmente ingênuo, e mesmoofensivo, acreditar que, no futuro, a formação nos tor-ne iguais nesse aspecto. Nossas culturas têm participa-ção importante demais na essência de nossas vidas paraserem assim tão facilmente esquecidas.

Uma observação final sobre esse tema. Cada Irmão, pa-ra estar preparado para as exigências da vida marista, ago-ra e no futuro, deve se beneficiar da aprendizagem de pe-lo menos um idioma além do materno. Muitos já dominamduas ou mais línguas, mas, para aqueles que não fazem par-te desse grupo, assumir o desafio de aprender um outroidioma constitui um passo concreto a ser dado no sentidode desenvolver algumas das competências necessárias nomundo marista multicultural que se desenha hoje.

PREOCUPAÇÕES

Ao concluirmos esta seção, sentimo-nos encorajadospelo fato de um número crescente de Irmãos se preo-cupar hoje com o estado e o sentido da vida comunitá-ria no Instituto.

Muitos integram comunidades maristas que anual-mente se reúnem para elaborar um plano de vida que re-cebe a contribuição de todos os membros. Esse docu-mento passa a servir de referência para os integrantes dogrupo ao longo dos doze meses seguintes, ajudando-os arefletir sobre essa importante dimensão de suas vidas.

Em algumas Províncias e Distritos, os Irmãos estãobuscando novas formas de vida em comum. Alguns seempenham em abrir suas comunidades para torná-lasespaços de acolhida e oração, conforme está descritonos documentos do Instituto. Às vezes, tais iniciativasincluem comunidades onde Irmãos e jovens voluntáriosou leigos maristas se integram. Outros ainda estão sim-plificando seus estilos de vida e se esforçam para cons- M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

35

truir comunidades que possam atingir os ideais apre-sentados em nossas Constituições e Estatutos.

Ao mesmo tempo, alguns problemas aparecem. HáIrmãos, por exemplo, cuja reação à palavra comunidadeé defensiva, resistente e silenciosa. Alguns garantemque comunidade não significa obrigatoriamente viversob o mesmo teto, e escolhem colegas de trabalho, fa-miliares ou um círculo de amigos como fontes de apoio.

Outros há que — referindo aqui exemplos de algu-mas comunidades obviamente problemáticas — dizemsimplesmente não tolerar mais o que julgam ser um mo-do pouco funcional ou superado de adultos viveremjuntos. “Não quero mais viver com gente louca”, pro-testam.

Uns poucos ainda desejam simplesmente viver à par-te. Podemos citar, como causas desse problema, tensõesdecorrentes do trabalho apostólico e ressentimentosprovocados pelas rígidas estruturas do passado ou peloexercício arbitrário da autoridade, levando-os aconcluir que viver separado evita novos desgostos e, nofinal das contas, é muito menos complicado.

A vida comunitária é freqüentemente apresentadanos documentos da Igreja e do Instituto como funda-mento da vida consagrada. Ao invés disso, porém, paraalguns Irmãos tornou-se um dos problemas mais espi-nhosos desde o Concílio Vaticano II.

O QUE A VIDA COMUNITÁRIA NÃO É

É fácil definir a vida comunitária no plano abstrato.Mas conferir-lhe conteúdo e forma concretas no coti-diano de nossas vidas é um desafio bem maior. Ao lon-go da História da Vida Consagrada, foram construídosdiversos modelos que descreviam a natureza e a finali-

Embora os anosde experiência

nos tenhamajudado

a compreendermelhor a

complexidade cultural,

as dificuldadespermanecem.

36

dade da comunidade para nos ajudar nessa tarefa. Em-bora tenham sido úteis então, a maioria parece ser depouca ajuda hoje.

Fomos encorajados, por exemplo, a reconhecer a co-munidade como uma família, o que é muito visível emnossa cultura marista. Diversas imagens das Escriturase da tradição reforçam essa analogia, com a visão idea-lizada da Sagrada Família em Nazaré aparecendo emprimeiro lugar. Ainda que a vida em comum em qual-quer uma de nossas comunidades possa servir de exem-plo para alguns dos aspectos positivos da vida em famí-lia, uma comunidade religiosa não é uma família.

Uma família, por sua própria natureza, supõe rela-cionamentos entre pessoas de poder e condição desi-guais. Considere, por um momento, uma mãe zangadacom o seu rebelde filho adolescente tentando discipli-ná-lo com a seguinte advertência: “Enquanto você viversob este teto e eu pagar as contas, você vai fazer exata-mente o que lhe for ordenado e seguirá as regras destacasa!”. Tal relacionamento dificilmente representa reci-procidade ou níveis equivalentes de interdependência.

O emprego do modelo familiar para descrever umacomunidade religiosa pode também sugerir estruturashierárquicas incompatíveis com a natureza da vidaconsagrada. Com efeito, algumas congregações não sereferiam, em tempos idos, a alguns integrantes da co-munidade como ‘mãe’, ‘irmão’ ou ‘pai superior’? Nãoé estranho, pois, que alguns participantes tenham re-gredido a padrões de comportamento mais compatí-veis com a infância ou com a rebeldia adolescente,projetando no líder da comunidade todas as diferen-ças anteriormente não resolvidas com pais e autorida-des.

Nossas comunidades decididamente não são comu-nidades terapêuticas. Há, não resta dúvida, uma preo- M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

37

cupação com o cuidado do outro em nossa vida em co-mum. Nas comunidades em que os participantes sãoponderados e solícitos, o apoio mútuo é perfeitamentepossível. No entanto, ainda que uma comunidade reli-giosa possa e deva ser um lugar onde cada integranteprospere humana e espiritualmente, o desenvolvimentopessoal de seus componentes não é a finalidade pri-mordial de sua existência.

Já a preocupação prioritária, a principal tarefa e omotor de um grupo desse tipo é exatamente o desen-volvimento pessoal de cada um de seus integrantes. Lo-go, a pessoa e suas necessidades constituem a priorida-de na comunidade terapêutica. Livre das distrações ex-ternas, seus componentes passam boa parte do tempodiscutindo a vida do grupo e os comportamentos indi-viduais. Os resultados disso? Todos acabam tendo umanoção melhor das razões de suas atitudes e uma melhorcompreensão do impacto que cada um provoca nos ou-tros. No entanto, sobra pouco ou nenhum tempo paraoutra preocupação ou assunto.

Nossas comunidades maristas, porém, foram funda-das para viver o Evangelho e proclamar a Palavra deDeus. E nossa missão essencial é amar a Deus e torná-lo conhecido e amado. Ao nos definirmos como discí-pulos de Jesus Cristo, o nosso foco passa a ser o mundoexterno à comunidade.

Ora, se for aplicado o modelo de uma comunidadeterapêutica à vida religiosa marista, correremos o riscode nos desviar de nossa meta, suscitando expectativasirreais para a comunidade e seus membros e distorcen-do a verdadeira natureza e a finalidade de sua vivênciaevangélica.

Finalmente, em diversas Províncias, alguns Irmãosadotaram modelos do mundo empresarial para ajudá-los a compreender a dinâmica de uma comunidade re-

38

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

ligiosa contemporânea. Não obstante certas caracterís-ticas de modelos corporativos serem úteis para se obterum melhor entendimento da dinâmica de uma comuni-dade religiosa, ela tampouco é um empreendimentoempresarial.

As corporações desse tipo são muitas vezes marcadaspor uma cultura burocrática, em que o valor de seus in-tegrantes é avaliado por sua competência no desem-penho de certas atribuições em realizar tarefas especia-lizadas. A execução de um serviço assume uma impor-tância que excede sua utilidade. Uma frase familiar queocasionalmente se ouve em qualquer grupo classificadocomo burocrático é: “Esse serviço não é meu!”

A vida de nossas comunidades maristas não pode sergovernada pelo tempo do relógio e o espírito de gene-rosidade não combina com a objeção de que “esse ser-viço não é meu”!

Muitas vezes, a atuação mais efetiva nas comunida-des maristas é de Irmãos cuja utilidade é menos perce-bida. Nossa contribuição para deixar clara a verdadeiranatureza da comunidade religiosa no mundo atual éanulada ao tentarmos reduzirmos às atividades de umacorporação empresarial ou comercial o que deveria sera ação de uma comunidade inspirada no Evangelho.

A essa altura você deve estar se perguntando: “Se a co-munidade não é uma família, nem uma comunidade tera-pêutica e tampouco uma corporação, o que ela é afinal?”.

A verdade é que não há uma analogia adequada pa-ra a comunidade religiosa. Diferentemente de outrosgrupos, os integrantes de um Instituto como o nossoformam uma comunidade em resposta a uma convoca-ção divina que os faz assumir um compromisso baseadomenos no desejo de conforto pessoal do que em umprojeto que os transcende. A verdade é que os mem-

39

bros de uma comunidade religiosa genuína buscam aautotranscendência mais do que a auto-realização.

VIDA COMUNITÁRIA E SOLIDÃO

Uma palavra agora sobre vida comunitária e solidão. OAntigo e o Novo Testamentos tratam desses tópicos, assimcomo muitos escritores espirituais e teólogos ao longo dostempos. Nossas Constituições e Estatutos, ao descreveremo mistério da escolha, colocam o chamamento pessoal nocerne da convocação para a vida consagrada:

Deus escolhe homens e os chama, cada qual pessoal-mente, para conduzi-los ao deserto e falar-lhes ao cora-ção. Reserva para si aqueles que o escutam. Converte-ossem cessar por seu Espírito e os faz crescer em seu amorpara enviá-los em missão.

Nasce assim uma aliança de amor em que Deus se dáao homem e o homem se dá a Deus, aliança que a es-critura compara a esponsais.

É no coração dessa aliança que se situa a dinâmica daconsagração.28

Em contrapartida, mesmo considerando tudo o quefoi refletido até aqui, somos obrigados a admitir, no fi-nal das contas, que cada um de nós é um viajante soli-tário na estrada da vida. Seja uma pessoa casada ou sol-teira, um integrante de um Instituto religioso ou um pa-dre secular, não importa a filosofia de vida, cultura oucrença religiosa, anos de educação e uma infinidade deoutros fatores, todos viemos ao mundo sós e, ao viver-mos nele, continuamos não menos solitários.29

Alguns questionam a convocação à vida comunitáriaquando esse tipo de solidão se torna um fardo. No iní-cio de nossa vida como Irmãos, quando nos defronta-

Muitas vezes, a atuação

mais efetiva nas

comunidadesmaristas

é de Irmãos cuja utilidade

é menospercebida.

mos com o problema da subjetividade; ou na meia-ida-de, quando ficamos diante da dura realidade da morte;ou ainda em nossa velhice, quando choramos a perdade amigos de longa data, novamente nos lembramosque estamos sós, e a comunidade jamais poderá nos ali-viar desse peso.

Em verdade, ninguém se desprende da própria som-bra, pois essa é a condição humana. Diariamente damosrazão a Agostinho: “Senhor, criastes-nos para Vós, enosso coração não tem paz enquanto não repousar emVós”.

O encontro pessoal na subjetividade, nessa solidãoque nos caracteriza como seres humanos, constitui umamediação para nos aproximar de Deus e das outras pes-soas. Facilmente nos interessamos apenas por nossospróprios problemas. Pois a solidão da subjetividadetem o poder de nos tirar de nosso egoísmo e nos ajudaa compreender que não somos, afinal, o que há de maisimportante na vida. Há um Outro muito mais impor-tante do que nós. Dag Hammarskjöld, que durante al-gum tempo serviu como Secretário-Geral das NaçõesUnidas, escreveu certa vez: “Recolha-se e reze, pois issopode ajudá-lo a encontrar algo por que viver e bastanteimportante por que morrer”.

40

41

PERGUNTAS PARA REFLEXÃO

Orientações: Novamente, reserve uns momentos para refletir so-bre algumas questões. Pegue um bloco de anotações e uma ca-neta ou lápis e anote os aspectos ou idéias que julgar relevantes,pois poderão ser depois lembrados mais facilmente quando qui-ser discuti-los em comunidade ou em algum encontro regional.

1.Identifique algumas das diferenças de geração que você temenfrentado na vida comunitária. Como essas diferenças

contribuem positivamente para a vida comunitária e que dificul-dades causam na vida do grupo?

2.A cultura ajuda a construir a forma e a natureza de nossascomunidades maristas, seja a cultura marista, a dos inte-

grantes da comunidade ou a do país em que está a comunidade.Que mal-entendidos resultaram dessa questão cultural em suaexperiência de vida em comum?

3.Qual o papel da solidão (se é que isso ocorre), na sua vida decomunidade? Você considera essa condição um fardo ou

uma fonte de crescimento? Explique.

42

43

PARTE IIComunidades religiosascomo grupos

Os participantes do 20º Capítulo Geral nos desafia-ram com o compromisso de construir comunidades emque o desenvolvimento humano e espiritual pudesse defato se realizar.30 Embora não seja uma tarefa fácil, te-mos certeza de que Deus propicia as graças e os donsnecessários para levar esse compromisso a bom termo.

Nesse caso, a Psicologia pode ser de grande valia.Nos anos seguintes ao Vaticano II, essa ciência tem sidofonte de um melhor entendimento para muitos Irmãose os ajudou a ampliar a consciência acerca da dinâmicada vida comunitária, entre outros aspectos.31

No entanto, ainda que a Psicologia constitua uma aju-da importante para se viver a experiência comunitária emsua plenitude, os sociólogos também têm algo a dizer arespeito desse assunto. Enquanto a Psicologia tem emmente a pessoa em sua individualidade, a Sociologia fo-caliza o grupo. Nesse sentido, a contribuição global daSociologia para a nossa compreensão da comunidade, àsvezes, pode superar aquela da ciência psicológica.

44

GRUPOS

Um grupo se constitui na medida em que duas outrês pessoas se reúnem e interagem em bases mais oumenos permanentes. Por conseguinte, uma importantedimensão de qualquer comunidade marista é o fato deser um grupo.

Os grupos se apresentam em todas as formas e ta-manhos e são dirigidos a inúmeras finalidades. O em-pregado de uma empresa, por exemplo, pertence a umgrupo de trabalhadores. A ocupação que une esses tra-balhadores define essa comunidade.

Os sociólogos entendem que um grupo também po-de ser identificado pelo grau de comprometimento deseus integrantes. Em uma comunidade intencional comoa nossa, por exemplo, comprometemo-nos consciente-mente a viver, trabalhar, orar e dividir o tempo livrecom um determinado grupo de pessoas. Já em uma as-sociação, os recursos do grupo que visem à consecuçãode certa meta ou objetivo comum são investidos apenasaté certo ponto.32

No passado, não parecia haver outro tipo de comu-nidade religiosa exceto a do tipo intencional. Participardela implicava, porém, um preço: um espírito de morti-ficação característico daqueles que a constituíam, alémde outras exigências que lhes consumiam o tempo e aenergia. Também se aprendia rapidamente que a missãotranscendente da comunidade precedia às necessidadespessoais. Por intuição, muitos chegaram a entender queaquilo que os realizava pessoalmente poderia ofuscar arealização efetiva do carisma do grupo.

Em nosso caso específico, o sacrifício nos prendia aoInstituto: éramos obrigados a nos vestir de determinadamaneira, a aceitar trabalhos sem quaisquer tipos deconsulta prévia, a acatar sem hesitação a vontade do M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

45

Superior e a seguir o que pode ser descrito, com certabenevolência, como ‘uma rotina diária rígida’.

Desde a formação inicial, as rotinas e os rituais —muitos datando dos tempos de Marcelino — tambémmarcaram a vida do Instituto. Certos costumes e come-morações, como as cinco grandes celebrações mariais eo calendário permanente, eram sistematicamente orga-nizados e seguidos por todos incondicionalmente.

Em contraste, o modelo de associação é ilustrado pe-la situação em que um Irmão vive praticamente porconta própria a maior parte do tempo, mantendo suaindependência e o controle quase total sobre o seu tem-po. Muito freqüentemente, alguns Irmãos agem comose a Província ou Distrito e o Instituto não tivessem odireito de lhes fazer qualquer tipo de exigência.

Essa situação fica bastante confusa para alguns Ir-mãos e para os jovens que almejam seguir o nosso mo-do de vida. Como exemplo disso, certo dia um jovemcandidato me perguntou: “Quando será que viver so-zinho o tempo todo, definir por minha própria conta otipo de trabalho que vou realizar e passar sozinho qua-se todo o meu período livre, com um contato apenasesporádico com a Província e o Instituto, deixará de ser‘minha vida’ e se tornará uma outra forma de ‘vida co-munitária marista’?”.

É por isso que devemos nos alertar: o Instituto quevive como uma associação corre o risco de não duraralém da geração atual.

Com esta reflexão sobre as categorias de organizaçãode grupo como comunidade intencional ou como asso-ciação, não estou defendendo uma volta às rígidas es-truturas do passado. No entanto, se nos familiarizarmoscom o que os sociólogos têm a nos dizer sobre as duasformas de organização, poderemos aprender importan-

46

tes lições sobre a vida marista contemporânea e o futu-ro dela.

Afinal, estamos suficientemente abertos para nospermitir imaginar como seria hoje uma comunidademarista intencional à luz das diferenças culturais encon-tradas atualmente no Instituto e de tudo o que apren-demos nos últimos quarenta e tantos anos de renova-ção?

A verdade é que o problema da vida comunitária écrucial para o nosso Instituto. Creio que a missão ma-rista e o nosso modo de vida morrerão naquelas Pro-víncias e Distritos em que um número significativo deIrmãos estiver vivendo em total independência — ouquase total, se considerarmos a mínima interação queesses Irmãos estiverem estabelecendo com os outrosmembros da comunidade.

Acredito que se pode prever a mesma conseqüêncianaquelas Unidades Administrativas em que os Irmãosdesenvolvam um nível de ativismo que possa ser reco-nhecido como patológico, ou nas quais a escolha da co-munidade seja uma questão puramente individual e as-sim se justifique que um Irmão permaneça na mesmacomunidade anos a fio.

A vida religiosa nunca foi pensada para constituirum grupo de pessoas que conviva amistosamente ouinteraja superficialmente. Fomos, ao contrário, chama-dos para ser uma presença marcante no mundo, e essafinalidade apenas pode ser realizada se permitirmos quea vontade de Deus seja mediada por nossos Irmãos. Is-so é tanto mais verdadeiro para a composição de nossascomunidades quanto para os trabalhos apostólicos queassumimos em nome do Instituto e em outros setores denossa vida. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

47

UMA GRAÇA VALIOSA

A vida comunitária é uma instância em que a fra-queza humana fica evidente. Por isso, precisamos sem-pre nos fazer as seguintes perguntas: Estamos dispostosa colocar os objetivos da comunidade acima de nossasnecessidades humanas, ainda que legítimas? Isso fica vi-sível no modo como vivemos, rezamos e partilhamosnossas vidas? Queremos de fato assumir as responsabi-lidades pela vida e pela orientação de nossas comunida-des, ou ficamos o tempo todo criticando aqueles que ofazem? O espírito de seguimento como discípulo é tãoclaro em nosso cotidiano comunitário, quanto nos tra-balhos apostólicos que assumimos em nome de Jesus?

Dietrich Bonhoeffer, um pastor luterano cujasconvicções acerca da mensagem evangélica lhe custa-ram a vida na II Guerra Mundial, expressou de modotocante a experiência de seguimento como discípulo.Com isso, estabeleceu uma distinção entre dois tipos degraça: uma, muito valiosa, outra, de baixo valor.33

A primeira representa um dom que é preciso desejar,ansiar, querer; é valiosa porque seu preço correspondeao valor total de nossas vidas; e é graça porque sua re-tribuição é a única vida que vale a pena ser vivida. Emcontraposição, não se gasta praticamente nada na graçade baixo valor, pois ela não implica o comprometimen-to de ser discípulo, nem da cruz e tampouco de JesusCristo, vivo e encarnado.

Infelizmente, alguns Irmãos, assustados com o altocusto da graça valiosa, escolhem a consolação da graçadesvalorizada. Ineficaz na sustentação da experiênciada vida comunitária marista contemporânea, esse tipode graça sempre nos deixará insatisfeitos.

Afinal, a fé traz conseqüências. O comprometimen-to de ser discípulo exige o sacrifício de nosso conforto

A reconciliaçãosupõe um

processo em queoptamos por não

permitir que araiva continue a

interferir emnossos

relacionamentos.

48

e a coragem de agir, mesmo correndo certos riscos. Je-sus falou com muita firmeza quando nos propôs tal sa-crifício: “Se alguém me quiser seguir, renuncie a si mes-mo, tome a sua cruz e me siga”.34 Mas foi igualmentemuito incisivo quando prometeu a vida em plenitude,neste mundo e no outro, como reconhecimento por es-se seguimento.

OS ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO

Como vimos, toda comunidade marista é um grupo.É possível pressupor que cada grupo, ao invés de semanter estático, passa por estágios progressivos, desdequando seus componentes o constituem até o momen-to em que se encerra, seja pela partida de alguns Ir-mãos, seja pela entrada de novos.

O primeiro estágio na formação de qualquer comu-nidade marista envolve a experiência de simplesmenteintegrar-se. A comunidade integra, reúne, aproxima aspessoas. Os estágios seguintes incluem enfrentar e resol-ver diferenças entre os integrantes da comunidade, defi-nir normas para o grupo e, finalmente, empenhar-se natarefa de viver e servir juntos. Cada estágio leva algumtempo para ser atingido, e a omissão de alguma dessasetapas resulta em perigo de se rejeitar a oportunidadede viver em comunidade de modo radicalmente huma-no e profundamente espiritual.

Para a maioria de nós, o primeiro estágio na vida emqualquer comunidade implica um período de orienta-ção. Afinal, os inícios geralmente apresentam algumasdificuldades. Em qualquer situação com que não esti-véssemos familiarizados, precisaríamos de algum tempopara nos ambientar. Ao ingressar em uma nova comuni-dade, por exemplo, tentaríamos logo de início encontrarnosso lugar no grupo. Se nos sentíssemos ansiosos e in-seguros, facilmente começaríamos a fazer comparações M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

49

entre a nova situação e a anterior. Entretanto nós noscomportaríamos da melhor maneira possível nesse iníciode integração comunitária. E, se tivéssemos quaisquerimpressões negativas sobre o grupo ou seus integrantes,provavelmente não nos manifestaríamos a respeito.

Durante esse primeiro estágio do desenvolvimentocomunitário, os membros veteranos precisam ser cuida-dosos para não ficar o tempo todo emitindo comentá-rios sobre as pessoas e os fatos com que estejam fami-liarizados. Se isso acontecer, os novos integrantes dogrupo precisam entender bem o que está acontecendo,senão correm o risco de se sentir excluídos das conver-sas do dia-a-dia.

Também o Plano de Vida Comunitária precisa sem-pre ser realizado nessa etapa. Mesmo que a comunida-de já possua um em vigor, seus detalhes devem ser re-discutidos e renegociados. Essa iniciativa é importantesempre que a constituição do grupo mudar.

A cada partida ou ingresso de alguém, impõe-se à co-munidade um recomeçar, e de muitas maneiras. Em-bora alguns possam alegar que o trabalho de reelabora-ção ou revisão do Plano de Vida Comunitária seja umaperda de tempo e energia, um investimento importantedemais para um retorno tão pequeno, uma comunidadepode colher incontáveis benefícios ao longo de um ano.

A melhor forma de descrever o segundo estágio naformação de uma comunidade marista é enfrentando eresolvendo as diferenças. Para que ocorra o crescimentoalém do estágio inicial de integração, podemos muitasvezes discordar como Irmãos, até mesmo veemente-mente, mas resolvendo nossas diferenças de maneiramutuamente aceitável. Infelizmente, algumas falsas no-ções sobre o que seja realmente caridade tornaram mui-tos de nós incapazes de dizer a verdade. Como resulta-do, calamo-nos para preservar a tranqüilidade.

50

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

A virtude da caridade é praticada quando digorespeitosamente a verdade a alguém. E faço isso seja averdade dura ou não. Não é preciso, no meu ponto devista, dizer a verdade toda de uma vez só, mas a carida-de exige que se fale sempre a verdade. É muito maisconstrutivo, por exemplo, responder a um Irmão ho-nestamente durante uma reunião da comunidade, apassar toda a semana seguinte espalhando para todo omundo na casa o que você queria dizer a ele. A primei-ra atitude é fraterna, a segunda, hipócrita.

Do mesmo modo, permanecer calado, deixando al-guém permanentemente mal-humorado, independenteou alcoolizado controlar a comunidade com o seu com-portamento não tem nada a ver com a vida do Evange-lho. Nesse caso, a omissão acabará por prejudicar todosos componentes do grupo.

Lembre-se: nossas comunidades maristas apresen-tam uma natureza sistêmica. Portanto, o que acontecena vida de um dos Irmãos afeta todos os que compõemo grupo. Embora geralmente prefiramos responsabili-zar a pessoa que estiver causando o problema como afonte da dificuldade, ao permanecermos em silêncio es-tamos sendo cúmplices daquela pessoa e contribuindodiretamente para a desestabilização do grupo.

Discordar e resolver diferenças são competênciassuscetíveis de serem aprendidas. E está mais do que nahora de aprendê-las! Afinal, haverá outra alternativa?Talvez ficar nos lamentando resignadamente pelo esta-do em que ficou a comunidade? Tal atitude, como bemo sabemos, terá pouca validade para melhorar a vida nogrupo.

Durante esse segundo estágio de desenvolvimentocomunitário, alguém pode tentar assumir o controle.Alguns Irmãos podem testar sua influência sobre o gru-po, quase sempre de um modo não explícito. Outros

51

podem tentar estabelecer uma hierarquia de importân-cia entre os membros da comunidade, baseada em ida-de, graus acadêmicos, concepção progressista ou tradi-cional de vida religiosa e sua renovação ou quaisqueroutros critérios.

Qual o melhor antídoto contra esses movimentos daparte de alguns componentes para obter maior poderdentro da comunidade? Certificar-se de que todos nogrupo tenham um sentido de auto-estima.

O segundo estágio de desenvolvimento é um perío-do desconfortável na vida de qualquer comunidade. Omedo de conflito e a hesitação de alguns em aceitar asdiferenças que naturalmente existem entre os integran-tes de qualquer grupo podem fazer com que se transfi-ra toda a responsabilidade a um líder mais decidido.Como conseqüência, muitas decisões que precisam sertomadas por todo o grupo são simplesmente evitadas.Quando isso ocorre, o desenvolvimento da comunida-de sofre um bloqueio.

O terceiro estágio de formação da comunidade ma-rista é quando as normas são estabelecidas. Tendo che-gado a um acordo de que é seguro discordar e os mem-bros da comunidade podem falar honestamente arespeito de suas expectativas e desapontamentos, é pos-sível chegar a um consenso sobre os detalhes de sua vi-da em comum. Quem administrará as finanças do gru-po? Como e quando os integrantes do grupo rezarãojuntos? Que responsabilidades assumirão uns com osoutros? Essas são apenas algumas das questões que de-vem ser discutidas.

Evidentemente, nossas Constituições e Estatutos têmpapel particularmente importante na vida do grupo noterceiro estágio. Se estivermos comprometidos em for-mar uma comunidade de desenvolvimento espiritual,emocional e interpessoal, será preciso discutir como

grupo as diretrizes desse documento e do XX CapítuloGeral.

Finalmente, tendo vencido os estágios de (1) integra-ção, (2) enfrentamento e superação das diferenças e (3)definição e acatamento de diretrizes comuns, a comuni-dade atingirá o quarto e último estágio em seu desen-volvimento: realizar a tarefa assumida.

O que exatamente esse estágio implica? Tendo cons-truído bases sólidas para a vida em comum, podemosagora enfrentar honestamente a realidade cotidiana co-mo qualquer grupo. Tudo sairá bem se o respeito mú-tuo for cultivado e as relações adequadas forem ativa-mente encorajadas.

Nesse quarto estágio estaremos finalmente aptos arealizar, como comunidade, a tarefa assumida: sendo ir-mãos uns dos outros e proclamando a Boa-Nova de Je-sus Cristo às crianças e aos jovens excluídos.

Uma observação ainda. Ao se formar uma comuni-dade, seus integrantes passam por uma série de está-gios. Do mesmo modo, quando alguém sai, um outroprocesso ocorre. Assim, uma celebração orante podeajudar todos os envolvidos a ritualizar a mudança econtrolar os sentimentos que inevitavelmente a suce-dem. É igualmente interessante que nessas ocasiões umdos presentes dirija algumas palavras a quem se despe-de, destacando o valor de sua presença durante o tem-po em que conviveu com o grupo.

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

53

PERGUNTAS PARA REFLEXÃO

Orientações: Pela terceira vez, recolha-se alguns minutos pararefletir sobre as perguntas propostas a seguir. Anote as idéias queconsiderar importantes. Assim elas serão lembradas com mais fa-cilidade nas reuniões da comunidade ou em algum encontro re-gional.

1.Faça um retrospecto do momento em que você ingressou emalguma comunidade marista nova.

a. O processo de sua integração nessa comunidade tem algumasemelhança com o que foi descrito aqui?b. A nova comunidade conseguiu atravessar bem o estágio de“enfrentar e resolver as diferenças”? Se a resposta for afirmativa,descreva a experiência; caso contrário, que obstáculos impedi-ram que isso acontecesse?

1.Como você responderia às perguntas relacionadas a seguir:

a. É vontade de Deus, mediada por meus Irmãos, a fonte de meuchamamento para a Missão e para a comunidade, ou foi minhadeterminação?b. Aceito a condição de colocar em segundo plano as minhas le-gítimas necessidades humanas e priorizar as metas da comunida-de? c. Anseio sinceramente assumir a responsabilidade pela vida epelo sentido da comunidade, ou fico criticando aqueles que o fa-zem?d. Estou aberto à avaliação que meus Irmãos fazem de mim?Consigo aceitá-la quando é justa e respondo a meus Irmãos comrespeito quando não é?e. O espírito do meu compromisso como discípulo fica evidenteno cotidiano da minha vida comunitária tanto quanto no traba-lho apostólico que realizo em nome do Senhor?

54

55

PARTE IIIDesafios para a vida comunitária marista

Quais são os grandes desafios que enfrentamos hojena vida comunitária marista? Embora eu não pretendaapresentar uma lista exaustiva, gostaria de destacar al-guns.

Em primeiro lugar, como vimos, é preciso esclarecero que queremos dizer com o conceito de comunidade, àluz do mundo multicultural em que o nosso Instituto seinsere e das tradições que herdamos desde os tempos doFundador. A vida comunitária se apresenta de diversasformas na Igreja e no mundo hoje. Nem todos os Insti-tutos religiosos entendem comunidade do mesmo jeito.Precisamos, portanto, chegar a um acordo sobre umadefinição distintiva para os Irmãozinhos de Marcelino.

Em seguida, as responsabilidades do líder ou supe-rior da comunidade merecem alguma reflexão. Em al-gumas Províncias e Distritos, esse papel foi reduzido apouco mais do que o de um recepcionista oficial, mui-to distante, portanto, do animador que deveria ser.

56

Atingir maior simplicidade de vida na comunidadeque integramos e nas outras comunidades de nossasProvíncias é outro desafio que muitos Irmãos enfren-tam. As nossas Constituições e Estatutos são muito cla-ras a respeito. Como, pois, implementar a visão quetransmitem?

Finalmente, há o permanente desafio da convivênciacom tipos difíceis nas comunidades: colecionadores deinjustiça, mal-humorados crônicos, negativistas e mani-puladores, só para citar alguns. Ainda que sejam em pe-queno número, o impacto que causam em qualquer co-munidade local pode ser bem forte.

O mesmo acontece com o dilema que enfrentamosquando é preciso decidir o que fazer para cuidar me-lhor de um Irmão com problemas de abuso de bebidaalcoólica, de comida ou de Internet, ou que esteja atra-vessando um período particularmente confuso e angus-tiante em sua vida. Qual é a nossa responsabilidade emrelação a eles e à comunidade em geral?

A partir dessa introdução, vamos analisar brevemen-te cada um desses desafios.

UMA DEFINIÇÃO DE VIDA COMUNITÁRIA MARISTA

Há muitas maneiras de se viver em comunidade.Conta-se a história de um sacerdote dominicano queperguntou a seu colega jesuíta quantas comunidades daCompanhia de Jesus havia no mundo. Sem a mínimahesitação, o jesuíta respondeu: “Tudo depende do nú-mero de jesuítas que há hoje no mundo”. O comentáriopode ser injusto com os nossos confrades jesuítas, masa mensagem é evidente.

Nesta circular, meu objetivo é identificar o modo ma-rista de viver em comunidade. Mas um ponto precisa fi- M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

57

car desde já bem claro: em nosso Instituto, viver em co-munidade implica estarmos reunidos fisicamente, umdiante do outro, envolvendo-nos intimamente na vidado grupo. A seguinte mensagem pode ser lida no capí-tulo sobre vida comunitária e em outras partes de nossasConstituições e Estatutos. No artigo 82, capítulo 5, porexemplo, que trata da Vida Apostólica, podemos ler:

Numa comunidade de apóstolos

Nosso apostolado é comunitário. Começa pelo testemunho de nossa vida consagrada, vivida em comunidade.Toda a comunidade mostra-se solidária; sustenta e incentiva cada membro em seu trabalho apostólico.35

Quando o assunto é comunidade, cada Instituto temsuas próprias tradições. Por isso, em nosso modo ma-rista de vivê-las, encontramos tanto bênçãos especiaisquanto desafios. Nos tempos atuais assumimos a tarefade desafiar aquelas competências necessárias para viverbem nossa vida em comum e fortaler cada um de nos-sos Irmãos a usá-las.

Não pode haver dúvida de que a comunidade eracentral na visão de Marcelino. Em sua circular de 12 deagosto de 1837, ele escreveu: “Como é bom e agradável,para mim, pensar que dentro de muito pouco tempo te-rei o enorme prazer de dizer-lhes, em uníssono com osalmista, enquanto os abraço: ‘Quam bonum et quam ju-cundum habitare fratres in unum’. É uma doce consola-ção para mim tê-los todos reunidos aqui, formando umsó coração e um só espírito, não constituindo senãouma só família, não buscando senão a glória de Deus eos interesses da religião”.36

O Fundador foi igualmente modelo de muitas virtu-des que servem para construir comunidade. O Ir. João

Infelizmente,algumas falsas

noções sobre oque seja

realmentecaridade

tornaram muitosde nós incapazes

de dizer averdade.

58

Batista Furet nos conta o seguinte ocorrido entre Mar-celino e um jovem Irmão: “Outra vez, após entregar acarta de obediência a um jovem Irmão para um estabe-lecimento a pouca distância, abriu a gaveta da escriva-ninha para dar-lhe um pouco de dinheiro. Não haven-do mais do que dois francos e cinqüenta cêntimos, o jo-vem lhe disse que não precisava de dinheiro e podiachegar em casa sem gastar nada. ‘Poder, você pode,meu filho’, respondeu-lhe o Padre, ‘mas não quero quevocê fique desprevenido se acontecer algum imprevisto.Está certo que não dispomos de mais nada, porém aProvidência não nos abandonará’. E entrega ao jovemum franco e vinte e cinco cêntimos”, a metade do queestava na gaveta”.37

O cuidado que tinha com os Irmãos e com o seubem-estar, bem como o realismo e o espírito fraterno doFundador, ficam bem evidentes nessa história.

O SUPERIOR OU ANIMADOR DA COMUNIDADE

As Constituições e Estatutos Maristas apresentam osuperior, ou animador da comunidade, como aqueleque “contribui para criar um clima de entendimento ede harmonia entre os Irmãos. Estimula e coordena o es-forço coletivo e assegura continuidade e sintonia deação de todos”.38

Apesar dessas palavras tão inspiradoras, poucos Ir-mãos no Instituto atualmente estão preparados para as-sumir as atribuições de líder local ou comunitário, ale-gando que não se sentem suficientemente competentespara enfrentar esse desafio. Como me disse um Irmãorecentemente: “Na minha Província, para ser um supe-rior local, você precisa dominar as capacidades de umdiretor espiritual, um terapeuta e um especialista emadministração de conflitos, além do bom-senso para en-tender, afinal, que algumas pessoas nunca vão mudar”. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

59

Em contraposição, minha concepção de Superior lo-cal é bem mais simples. Antes de descrevê-la, porém,devo destacar que, aqueles que aceitam a indicação deseus Irmãos para assumir esse ministério apostólico tãoimportante, recebem uma graça muito especial. Basta,pois, que a solicitemos e ela nos será dada. Afinal, oSenhor não nos atribuirá tal responsabilidade sem nosdotar com a disposição necessária, além das demaiscondições, para essa tarefa.

Um animador comunitário marista deve assumir trêsresponsabilidades: a primeira é entrevistar os Irmãos desua comunidade; a segunda, animar a oração do grupo;e a terceira, convocar as reuniões da comunidade.39 Elenão é obrigado a assumir diretamente as três responsa-bilidades, mas deve tomar a iniciativa em relação a elas.Assim, poderá não apenas conhecer melhor seus Irmãos,mas também compreender mais profundamente a dinâ-mica de um grupo de pessoas que compartilha a vida.

Um animador de comunidade não é obrigado, porexemplo, a planejar e coordenar todas as orações dogrupo, mas é ele o responsável por organizar os Irmãosda casa nesse sentido, garantindo os recursos necessá-rios para uma oração significativa e bem preparada.

A mesma orientação é válida para as reuniões da co-munidade. O superior não precisa coordenar todas asreuniões. Outras pessoas do grupo podem ter condi-ções de fazê-lo, mas é ele que deve estabelecer o local ea hora regulares da reunião e a discussão da vida da co-munidade.

Embora a maioria dos superiores de comunidadeaceitem esses dois aspectos de seu compromisso apos-tólico, alguns evitam entrevistar os Irmãos. Alguns pro-testam: “Não sou psicólogo nem assistente social parafazer isso”. Ao que eu responderia: “Graças a Deus!”.Digo isso porque, embora essas especialidades sejam

60

consideradas importantes em algumas culturas, um lí-der de comunidade precisa ser, antes de tudo, um Ir-mão entre seus Irmãos. O interesse que deve demons-trar por eles e pelos detalhes de suas vidas deve ter umsentido fraterno. Ele age mais como um ouvidor, umafonte de encorajamento quando estão desanimados e demotivação se precisam de apoio.

Que conselho eu daria a um superior local sobre omodo de entrevistar seus Irmãos? Lembre-se de algumaocasião em que você conversou à vontade com um ami-go. O primeiro sentimento que deve vir à sua lembrançaé um diálogo tranqüilo e cheio de confiança. Pois bem, éexatamente esse clima de tranqüilidade e de confiançaque o animador deve dar a uma entrevista com um Irmãoda comunidade, e tudo acontecerá sem problema.

SIMPLICIDADE DE VIDA

Em nossas Constituições e Estatutos, lemos:

Guiados pela voz da Igreja, de acordo com nossa vo-cação própria, nós nos solidarizamos com os pobres esuas causas justas. Reservamos-lhes nossa preferência, on-de quer que estejamos e qualquer que seja nosso trabalho.Gostamos dos lugares e das casas que nos permitem par-tilhar a condição deles e aproveitamos das ocasiões decontato com a realidade cotidiana dos mesmos.40

Mais à frente, no mesmo texto, encontramos: “Os re-cintos da comunidade serão [...] mobiliados de forma ademonstrar pobreza”.41 E finalmente pode se ler: “Vive-mos concretamente a pobreza pessoal e comunitária le-vando vida laboriosa e sóbria, sem busca do supérfluo”.42

Como discípulos de Jesus, somos continuamentechamados a abandonar confortos estéreis que apenasservem para domesticar os nossos espíritos e esgotar M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

61

nossa sede de Deus. A adoção de um modo de vida sim-ples, austero mesmo, não apenas nos liberta das preo-cupações inerentes à posse material, mas igualmentepermite que sejamos mais efetivos em nosso serviço en-tre os materialmente pobres.43 Ainda que as situaçõespossam variar conforme o país ou a cultura, em todosos lugares onde exista uma comunidade marista deve fi-car bem evidente para todos que seus integrantes vivemo espírito e a prática das Bem-aventuranças no cotidia-no de suas vidas.44

O egoísmo e a auto-suficiência, contudo, mais umavez podem levar vantagem nesse caso. Além disso, corre-mos o risco de rapidamente abandonarmos os valoresevangélicos e abraçarmos aqueles que se opõem à men-sagem de Jesus. O abandono dos valores do Evangelhofica especialmente evidente com a acumulação de bens.45

Durante alguns anos, Irmãos de diversas Provínciase Distritos tinham o hábito de colocar seus pertencespessoais em um pequeno baú, que na época servia co-mo mala, ao final de cada ano para voltar a usá-los noreinício do ano letivo. Esse costume tinha uma dupla fi-nalidade. De um lado, como as trabalhos apostólicospara o ano seguinte eram normalmente atribuídos du-rante o retiro provincial realizado ao final de cada ano,guardar os pertences na mala ajudava aqueles que eramtransferidos para outras comunidades, evitando a cor-reria de última hora.

De outro lado, essa prática permitia que cada Irmãosimplificasse sua vida. Afinal, era preciso colocar todosos pertences de uso pessoal no pequeno baú. À medidaque os anos passaram, esse costume de guardar os per-tences no baú foi caindo em desuso, mas outros logo osubstituíram. Mais recentemente, por exemplo, em umaProvíncia, um Irmão de meia-idade que se transferiapara uma outra comunidade precisou de um caminhãopara transportar tudo o que acumulara ao longo de um

62

quarto de século. Ao observar a cena, um colega co-mentou: “Percorremos um longo caminho no processode renovação – de um Irmão com mala para um Irmãocom caminhão”.

Falando mais seriamente, a simplicidade no nossomodo de vida reflete a simplicidade de pensamento ede coração que Marcelino considerava a virtude quedava sentido à vida de seus Irmãozinhos de Maria.Qualquer que seja o trabalho apostólico em que nosenvolvamos e o nível socioeconômico daqueles a quemsomos chamados a servir, cada um de nós tem a obri-gação de dar testemunho de simplicidade em nossa vi-da diária. Além disso, nunca seremos testemunhasconfiáveis para os jovens e as outras pessoas da Igreja,se o nosso modo de viver é pouco mais do que um re-flexo de certos valores de classe média encontrados emalgumas culturas, não importa o quanto pareçam tole-ráveis.

Como vimos, por ocasião de nossa consagração, pro-metemos viver em plenitude e radicalmente a Boa-No-va de Jesus Cristo.46 Nossas Constituições e Estatutosnos recordam que o testemunho decorrente desse com-promisso deveria ser visível em nossa vida comunitária,como o é em outros aspectos de nossas vidas.47

COMPANHEIROS DIFÍCEIS

O problema de pessoas difíceis em comunidade ébastante complicado, e uma circular como esta não po-de servir de manual prático do tipo “Como lidar semesforço com situações e colegas difíceis”. Tendo deixa-do isso claro, permito-me algumas observações.

Em primeiro lugar, não há soluções simples para asdificuldades em comunidade. Se houvesse, nós já asconheceríamos e as teríamos usado. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

63

Em segundo, devemos admitir que muitos de nós po-demos alguma vez ser considerados ‘difíceis’. Afinal, to-dos nos enfezamos, somos teimosos, reclamamos ou nostornamos bastante antipáticos em alguma oportunidade.

O exemplo seguinte pode bem ilustrar essa situação.Como jovem Irmão, passei vários anos estudando Psi-cologia. O terceiro período do curso foi especialmenteestressante. Era exigido que o aluno trabalhasse vinte equatro horas por semana em um hospital, cerca de se-tenta e dois quilômetros da universidade, dedicasse ou-tras dez horas de serviço de aconselhamento a alunosem uma clínica localizada no campus da universidade,cumprisse nove créditos por semestre, participasse desessões de supervisão semanal com diversos terapeutase desenvolvesse atividades de aconselhamento indivi-duais e em grupo.

Certo dia, com o ano letivo pelo meio, voltei para ca-sa às nove horas da noite. Como os demais Irmãos já ha-viam jantado, fui à cozinha, peguei no forno o prato quehavia sido guardado para mim e me sentei para comer,lendo um jornal.

Alguns minutos depois, três companheiros da comu-nidade vieram à sala de jantar e sentaram-se para me fa-zer companhia. Eles haviam feito isso algumas vezes,por isso eu não estava preparado para o que aconteceua seguir. Depois de algum tempo, um deles me disse:“Precisamos conversar seriamente, pois está quase im-possível viver com você”. Em seguida, citou uma listade situações em que eu agira com irritação e descontro-le e me afastara completamente do grupo. E concluiudizendo: “Estamos com receio de que, se esta situaçãocontinuar, você acabe desistindo ou ninguém mais quei-ra viver em comunidade com você”.

Por mais difícil que tenha sido ouvir essa descriçãohonesta de meu comportamento durante aqueles últi-

64

mos meses, esses três companheiros de comunidade mefizeram um imenso favor naquela noite. Graças à inter-venção deles, reexaminei o meu horário e fiz algunsajustes. Em conseqüência, não fiquei tão cansado nassemanas seguintes e consegui, assim, participar maisdas atividades da comunidade. Mais importante, po-rém, foi saber que eu podia contar com três pessoas na-quela comunidade que me ajudariam a ser honesto comas mudanças que eu me prometera fazer. Levei algunsmeses para conseguir isso, mas ao final as coisas melho-raram muito para mim e para meus companheiros decomunidade.

PESSOAS CRONICAMENTE DIFÍCEIS

Pessoas cronicamente difíceis representam um desa-fio para qualquer comunidade, pois, com muita fre-qüência, o comportamento delas simplesmente parecedeixar todo o mundo louco. No entanto, devemos termuito cuidado ao reconhecer alguém como ‘cronica-mente difícil’. É preciso saber, antes de tudo, que ao di-zer que um companheiro de comunidade tem algumaatitude negativa não estamos nos referindo à pessoa to-da. Por isso, devemos sempre avaliar bem a situação.

Quais os comportamentos que as pessoas freqüente-mente classificadas como difíceis apresentam? Nessacategoria poderíamos incluir o mau-humor crônico, ainsensibilidade contumaz, o negativismo, o comporta-mento vacilante e esquivo, acessos de raiva e o hábitode fazer promessas fantasiosas.

Todos conhecemos vários candidatos que se en-caixam facilmente em cada uma dessas categorias. Antesde tirarmos conclusões apressadas, todavia, precisamosnos lembrar de que qualquer um de nós pode ter umamanifestação mais emocional ou perder a paciência comalgum bom amigo no final de um dia especialmente ten- M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

65

so e ser por isso facilmente classificado de ‘mal-humora-do crônico’ por algum observador estranho.

Por isso, precisamos responder a algumas perguntasantes de prosseguir.

Primeira pergunta: Já tentamos realmente ter umaconversa franca como forma de resolver o comporta-mento difícil? Muitos tendem a comentar o problemacom todos na comunidade, menos com o Irmão emquestão. Persistir nesse comportamento é garantia demudança nenhuma.

Segunda pergunta: Estamos lidando com uma pes-soa apenas voluntariosa? Nesse caso, se somos muitosuscetíveis, facilmente ficamos então incomodadosquando alguém está irritado ou desapontado. Será queo fato de um Irmão agir episodicamente desse modo medá o direito de classificar esse comportamento de difí-cil? Nesse caso cabe questionar: Será que o problemano final das contas não é comigo?

Mais uma pergunta: A pessoa nunca agiu assim an-tes? Se for esse o caso, devemos reavaliar a situação pa-ra verificar se realmente o comportamento apresentadoé de uma pessoa cronicamente difícil.

E finalmente: Alguma coisa aconteceu antes dessareação que nos pareceu ofensiva? Talvez a pessoa tenharecebido alguma notícia desapontadora ou esteja sub-metida a forte tensão. É claro que nenhuma razão justi-fica atitudes censuráveis, mas cada uma dessas circuns-tâncias pode nos ajudar a entender por que alguém te-ve determinada atitude, e assim evitar considerar essapessoa cronicamente difícil.

Com alguém verdadeiramente difícil, no entanto, aresposta a cada uma das perguntas será consistente-mente negativa. O que poderemos fazer quando en-

A duradouraimpressão

que os visitantesde uma de

nossascomunidades

deveriamsempre ter é a de queestiveram

entre pessoas de oração.

66

frentarmos uma situação assim? Se desejarmos obter al-gum alívio, precisamos começar por mudar nossa rea-ção a esse tipo de comportamento. Isso significa reagirao mal-humorado crônico não o ignorando ou evitan-do, mas de forma a estimulá-lo a resolver o problemaem vez de ficar resmungando.

Do mesmo modo, o negativista, aquele tipo de pes-soa que condena automaticamente qualquer idéia novaantes mesmo de conhecê-la ou analisá-la — vive protes-tando que isso já foi tentado antes e não deu certo eque, como último recurso, dirige sua artilharia contra aliderança local ou provincial — também pode ser acal-mado. Se declararmos nosso otimismo realista ou lheperguntarmos o que de pior pode acontecer e planejar-mos ações eficazes contra tal possibilidade, é possívelmudar o contexto da conversa.

A mudança no modo como reagimos ao mal-humo-rado crônico e ao negativista muitas vezes pode fazercom que a situação comece a melhorar. Precisamos en-tender, porém, que não somos obrigados a suportar emsilêncio o comportamento destrutivo ou abusivo dequalquer membro da comunidade que possa prejudicara vida em comum. Ao contrário, devemos tomar medi-das para melhorar a situação. Por exemplo, embora osintegrantes de uma comunidade não tenham a respon-sabilidade de diagnosticar um caso de alcoolismo deum Irmão cujo nível de consumo de bebida alcoólicapreocupe a todos, é possível entrar em acordo com as li-deranças provinciais para providenciar uma interven-ção que motive aquela pessoa a procurar uma avaliaçãopara o seu caso.

SITUAÇÕES DOLOROSAS

Em todos os Institutos religiosos há certamente inte-grantes cujos problemas emocionais causam enorme so- M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

67

frimento. Suas dificuldades psicológicas são tão gravesque exigem intervenção médica e/ou psiquiátrica. Osci-lações extremas de humor, em que uma pessoa alternaestados de profunda depressão e euforia, a ponto deconstituir um transtorno, é um exemplo desse tipo deproblema. Um outro seria o tipo de desordem mentalem que a pessoa perde completamente o sentido de rea-lidade ou desenvolve uma suspeita tão forte em relaçãoaos outros que chega a imobilizá-la. A ação da comuni-dade nesses casos também é a de entrar em contato comas autoridades da Província para que seja providencia-da a ajuda necessária.

Finalmente, devo observar que, vez por outra, qual-quer um de nós pode se deparar com o caso de algumIrmão da comunidade que apresente um comporta-mento destrutivo e não demonstre qualquer motivaçãopara mudar. O conceito que geralmente se emprega pa-ra descrever esse tipo de dificuldade é ‘caracterologia’.

Embora esse distúrbio provoque grande sofrimentonos outros, o próprio Irmão que o apresenta sofre pou-co. Por isso, não se sente motivado a mudar. Muitas ve-zes seus companheiros de comunidade acabam por es-timulá-lo a permanecer assim, ao viver à parte dele maisdo que com ele. Dessa forma contribuem para que elenão assuma a responsabilidade pelas conseqüências deseu comportamento problemático.

É pouco construtivo, a meu ver, reconhecer comoprofundamente espiritual um Irmão grosseiro e desa-tencioso com todas as pessoas com quem se encontra.Não tenho dúvidas de que Deus ama a todos incondi-cionalmente. Entretanto, é difícil eu aceitar que alguémseja considerado profundamente espiritual quando tra-ta os outros com rudeza e desdém e aterroriza todo omundo com atitudes reprováveis, justificando-as porconta de alguma injustiça ocorrida com ele há muitotempo. E esse juízo permanece verdadeiro, não impor-

68

ta quanto tempo se dedique à oração na capela da co-munidade.

Concluindo, quero destacar que somos abençoadoscomo um Instituto em que o número de pessoas real-mente difíceis é insignificante, se comparado com oenorme contingente empenhado com generosidade eespírito de sacrifício a viver em comunidade. Devemosessa mesma dedicação a todos os nossos Irmãos. No ca-so daqueles realmente difíceis, a caridade impõe alterarnossa reação ao comportamento deles e adotar medidasque propiciem a ajuda de que necessitam.

QUALIDADES DE UMA COMUNIDADE MARISTA SAUDÁVEL

Com as idéias que desenvolvemos sobre o que umacomunidade não é e os estágios que percorre em seu de-senvolvimento inicial, além de uma rápida visão sobrealguns dos desafios que enfrentamos na vida em co-mum hoje, daremos atenção agora ao como deve e podeser uma comunidade de Marcelino. É muito importan-te aqui examinar o lugar central que o perdão e a re-conciliação ocupam na vida de qualquer comunidadereconhecida como a de seus Irmãozinhos de Maria.

Atualmente, muitos jovens demonstram grande interes-se na possibilidade radical de adultos viverem em comuni-dade, dando testemunho de reconciliação e de paz. E nãoé justamente isto que as comunidades maristas deveriamser: um grupo de Irmãos e, às vezes, de leigas e leigos que,unidos, partilham o carisma de Marcelino, reunindo-se emcomunidade para viver a Boa-Nova de Jesus Cristo?

Mas o que isso implica? Antes e acima de tudo quetodas as comunidades maristas sejam centros de espiri-tualidade e oração. A duradoura impressão que os visi-tantes de uma de nossas comunidades deveriam sem-pre ter é a de que estiveram entre pessoas de oração. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

69

Mas, afinal, quais são os fatores que tornam a oraçãotão importante para todas as nossas comunidades? Oprimeiro fator é a transformação que a oração provocaem nossa visão da realidade, tornando-nos mais sim-ples, humildes e compassivos, e como isso acontece.Com efeito, quando rezamos, desenvolvemos significa-tivamente a prática da paciência, questionamos os nos-sos preconceitos e nosso amor ganha em generosidade— precisamente as qualidades que o Fundador pediuque fossem cultivadas junto com o espírito de reconci-liação. São esses os dons especiais para a vida de todasas comunidades maristas.

Nossas Constituições e Estatutos determinam que aEucaristia é central na vida consagrada e na nossa co-munidade.48 Nada consegue descrever a intimidade e aunião que estabelecemos com Jesus e entre nós quandocelebramos a Missa. Em nenhum outro lugar o corpode Cristo é tão físico, encarnado, sensível e disponívelpara a unidade.49

A Eucaristia é mais radical do que a Palavra de Deusencontrada nas Escrituras, que é sacramental, mas me-nos física do que o corpo e o sangue de Cristo. Entre-tanto o que é mais alarmante em algumas de nossas co-munidades maristas hoje é não apenas que raramentecelebram a Eucaristia, mas que ela está quase comple-tamente relegada.

Precisamos descobrir maneiras inovadoras de pro-mover essa oração da Igreja tão importante nas vidas deMarcelino e de nossos primeiros Irmãos e, insisto, cen-tral nas nossas. Celebrar a Missa com nossos Irmãospropicia que sejamos fisicamente acolhidos por Deus:quem não desejaria tal experiência todos os dias da vi-da? O corrente Ano Eucarístico Internacional nos pro-porciona a oportunidade, como Instituto, de restaurar aEucaristia naquelas comunidades em que quase desa-pareceu, fortalecendo-a em outras.

Nada conseguedescrever aintimidade

e a união queestabelecemos

com Jesus e entre nós

quandocelebramos

a Missa.

70

O segundo se refere ao momento em que ingressa-mos em uma congregação religiosa. Nessa ocasião, aeducação familiar nos acompanha, embora a Congrega-ção não seja uma família, como vimos, e nossa famílianão nos acompanhe mais fisicamente. Mas tudo o que afamília nos ensinou sobre auto-estima, comunicação, fée espiritualidade, relacionamentos e um sem-número deoutras áreas, segue conosco no noviciado e em todas ascomunidades em que vivemos.

Ao deixar a família e se pôr a caminho, a maioria denós leva consigo umas poucas ferramentas rudimentaresnecessárias para viver com autonomia. Com o passar dosanos, contudo, percebemos que estamos desguarnecidospara enfrentar muitos desafios inéditos que vão surgin-do. Para quem ingressa na vida religiosa, o processo deformação serve para corrigir essa situação.

Entretanto, como vimos, embora a formação inicialpossa ter nos preparado para enfrentar o futuro, poucofez para nos propiciar as necessárias capacidades de vi-ver em comunidade. Que capacidades são essas? Depoder discordar, ser gentil, sentir-se acolhido no pró-prio lar com atenção, afeição e carinho, ser sincero eperdoar, bem como aceitar o perdão sem hesitação.Ainda que eventuais diferenças culturais sejam respei-tadas, a aprendizagem dessas e de outras capacidades,imprescindíveis para viver em comunidade hoje, mere-cem ocupar lugar de destaque nos programas de for-mação inicial e permanente.

O terceiro fator é a constatação de que, quando sevive em uma comunidade marista, o senso de humor émuito útil. Alguns se levam a sério demais e perdem acapacidade de rirem de si próprios. Como esperamsuperar as agruras da vida? O bom-humor nos ajuda areinterpretar alguns acontecimentos e diminui os efei-tos das decepções e reveses comuns na vida de todo omundo.50 M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

71

Mas há uma outra importante razão para colocarmosem ação o senso de humor. O nosso modo de vida devetornar as pessoas felizes. Não como comicidade ou hu-morismo, mas como um profundo contentamento ex-perimentado por quem encontra, além de maravilhososcompanheiros de jornada, sentido e razão para a vida.Não consigo imaginar melhor publicidade para a vidareligiosa.

O quarto fator é ‘a preocupação ativa’ com os outrosmembros da comunidade – o que implica tomar a ini-ciativa e não apenas reagir, o que demanda muito tem-po até que vínculos saudáveis sejam construídos no gru-po de que participamos.

Conta-se a história de um homem que foi visitar umamigo e passou com ele uma semana. Todas as manhãs,eles saíam a caminhar e passavam por um camelô. Oamigo sempre saudava o homem com um respeitoso“Bom dia!”. O camelô, no entanto, nunca respondia. Acerta altura, o visitante perguntou ao amigo por que elepersistia em saudar uma pessoa que o ignorava comple-tamente? “Porque é a coisa certa a fazer”, respondeu-lhe o amigo. “Eu espero que a qualquer hora ele respon-da, como deveria”. A lição aqui é clara: o amigo do visi-tante estava esperando sempre o melhor do camelô,pensasse ele ou não o mesmo do amigo do visitante.51

O quinto fator é a certeza de que a prática das ‘pe-quenas virtudes’ entre os integrantes de qualquer co-munidade marista contribui significativamente para au-mentar a qualidade de vida do grupo. Quais são as ‘pe-quenas virtudes’? Além daquelas que tradicionalmenteconsideramos ‘as pequenas virtudes maristas’, devemoshoje acrescentar as seguintes: atender à porta ou ao te-lefone, dar uma boa acolhida aos visitantes, lembrar-sedo aniversário e de outras ocasiões especiais, ofereceruma palavra de agradecimento ou de felicitação e dizersimplesmente ‘olá’ para aqueles com quem vivemos.

72

Saber celebrar é outra ‘pequena virtude’ que fortale-ce a vida comunitária. Nesse sentido, façam-se as se-guintes perguntas: “Você gosta de ficar junto com osoutros membros de sua comunidade? Qual foi a últimavez que os Irmãos de sua comunidade passaram algumtempo reunidos pelo simples prazer de estarem todosjuntos?".

Grupos sem espírito de celebração raramente cons-tituem comunidades. Seus integrantes acabam procu-rando fora do grupo o que lhes falta de apoio emocio-nal. Essas ‘pequenas virtudes’ não custam muito, mas épreciso percorrer um longo caminho até que possamcriar um clima tal na comunidade marista que voltarpara casa passe a ser uma bênção.

Conceber uma comunidade marista não quer dizerque ela ganhe vida como num passe de mágica, e suaforça e seu sucesso não resultam de amizade ou mesmode um alto grau de compatibilidade entre seus compo-nentes. Embora uma certa combinação de pessoas emuma comunidade possa representar uma vida em co-mum mais ou menos desafiadora, a presença dessasqualidades revitalizantes em qualquer grupo é o resul-tado do trabalho árduo de seus membros. Semelhante auma amizade ou a um casamento, a vida na comunida-de marista exige que respeitemos aqueles com quem vi-vemos, façamos sacrifícios pelo bem comum e nos em-penhemos pelo consenso.

E também nos enganamos quando argumentamosque a responsabilidade pela vida da comunidade podeser transferida para os outros membros do grupo. Cadaum de nós tem o dever diário de renovar o compromis-so com aqueles com quem vivemos. Nesse caso, preci-samos nos perguntar: “O que fiz hoje para melhorar aqualidade de vida entre os integrantes de minha comu-nidade?”. Se a minha resposta for ‘muito pouco’, entãotenho muito trabalho pela frente. M

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

osIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GM

arav

ilhos

os co

mpa

nheir

os

73

Finalmente vem o espírito de reconciliação, que é ocoração de qualquer comunidade que se considere ma-rista.52 De vez em quando enfrenta-se uma situação emque a animosidade entre dois Irmãos provoca um rom-pimento que chega a durar anos. Ou então alguma in-justiça provocada por um superior faz com que algunsIrmãos sofram muito e optem por alimentar suas feri-das, dando sobrevida ao rancor e rejeitando qualquerpossibilidade de reconciliação. No fim ficam tão ligadosa seu ressentimento que acabam por perder a capacida-de de projetar o futuro com liberdade e esperança.

A raiva é uma defesa contra a humilhação e um pro-testo contra a perda da auto-estima.53 Uma coisa, po-rém, é sentir raiva, e outra bem diferente é agir com rai-va. Como com outras emoções, o objetivo que estabele-ço para mim mesmo quando estou com raiva normal-mente determina a atitude que vou tomar. Se eu desejopunir alguém, posso insultá-lo, ou então simplesmenteanular a minha afeição e me petrificar no meu silêncio.Alguns Irmãos, contudo, tendo aprendido a calar suaraiva, não conseguem expressá-la de nenhuma formaconstrutiva. O perdão, que muitas vezes está aguardan-do no outro lado do relacionamento, acaba então frus-trado.54

A reconciliação é outro modo de lidar com a raiva.Supõe um processo em que optamos por não permitirque a raiva continue a interferir em nossos relaciona-mentos e decidimos responder a qualquer um que nosdeixe com raiva, ao invés de recalcá-la. O que foi fei-to é perdoado pelo bem de quem fez. Ainda que tais de-cisões e escolhas caibam a nós, as diferenças culturais, afalta de um vocabulário adequado para expressar asreações emocionais ou a história de um passado cheiode dificuldades na solução de conflitos pode tornarmais difícil iniciarmos o processo de reconciliação. Re-cusar tal iniciativa, porém, com muita freqüência nossubmete ao sofrimento de nossa própria raiva.

Embora o perdão envolva uma escolha e uma decisão,também aciona um processo demorado. Qualquer res-sentimento leva tempo para cicatrizar; a confiança traídaem um relacionamento só se reconstrói gradativamente.Às vezes, portanto, podemos nos beneficiar ritualizando oprocesso da reconciliação. Mediante símbolos e palavras,em uma atmosfera de oração, começamos por admitirque os relacionamentos humanos são naturalmente frá-geis. Não obstante isso, tomamos a iniciativa de restauraro compromisso com quem estivemos rompidos. O revi-goramento que decorre desse processo não repercute sónas pessoas envolvidas. Em verdade, a reconciliação éuma graça para toda a comunidade.

O perdão, porém, é uma faca de dois gumes. Há si-tuações em que apenas uma parte se sente ofendida.Nesse caso, ao revisitar meu ressentimento, admito tercontribuído de alguma forma para que o problemaocorresse. O perdão genuíno seqüestra o meu ressenti-mento e, assim, não posso mais usá-lo contra a outrapessoa.

Existiria algum ressentimento ou desapontamentoimpossível de ser superado? Não, se estivermos abertosà graça de Deus e desejosos da reconciliação. Em tudoisso, não podemos esquecer a orientação de Jesus deque devemos perdoar setenta vezes sete.

A reconciliação, ao nos recordar de nossa fraqueza,impregna o nosso coração com amor e compaixão. E ocoração, assim impregnado, ajuda-nos a olhar qualquerpessoa nos olhos e a aceitá-la como irmão. O desenvol-vimento gradativo dessa competência nos leva final-mente ao entendimento de que, independentemente dahora, nunca mais será noite para nós.

74

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

75

O AMOR E A VIDA COMUNITÁRIA

Podemos dividir em três grupos as pessoas que acre-ditam que é fácil amar: os santos, que ao longo de mui-to tempo de penosa prática tornam o amor um hábito;os manipuladores, que confundem auto-satisfação como verdadeiro amor; e os românticos desesperançados,para os quais o amor não passa de ilusão.55

Essa classificação é descrita de outra maneira porFyodor Dostoyevsky em seu romance “Os Irmãos Ka-ramazov”, em que ele narra o encontro de “uma mulhersem fé” com Frei Zósimo, um santo monge. Ela veio àprocura dele em razão de suas dúvidas sobre a existên-cia de Deus.

Frei Zósimo respondeu que não era capaz de provara existência do Todo-Poderoso, mas que ela poderia seconvencer disso pela prática do amor ativo: “Tenteamar seus vizinhos ativamente e sem descanso”, disse-lhe o monge.

“Quanto mais você puder amar, mais você seconvencerá da existência de Deus e da imortalidade daalma. E quanto mais você conseguir uma dedicaçãocompleta e autêntica em amar o seu vizinho, então vo-cê acreditará plenamente e nunca mais a dúvida habita-rá o seu coração. Isso já foi testado. E comprovado”.

A mulher, então, falou a Zósimo sobre a época emque chegou a pensar em deixar tudo e se tornar uma Ir-mã de Caridade. Mas hesitou. O motivo para a hesita-ção? Ela não seria capaz de suportar a ingratidão da-queles a quem serviria.

A resposta do sacerdote foi direto ao âmago da ques-tão: “O amor dos sonhos é ávido de realizações imedia-tas e de atenção. Quem ama assim pode até mesmo es-tar disposto a dar a própria vida, desde que isso seja

bem rápido e, como no teatro, receba a admiração e oselogios do público. O amor da ação, ao contrário, é ár-duo e desagradável”.

Moral da história? A vida em comunidade, hoje, exi-ge uma vontade de viver um amor exigente e penoso, enão um amor que acontece nos sonhos. É o tipo deamor ao qual o Padre Champagnat estava se referindoquando disse aos primeiros Irmãos: ”Sabem que vivo sópara vocês. Não há nenhum bem verdadeiro que eu nãopeça a Deus, diariamente, para vocês e que eu não este-ja disposto a conseguir à custa dos maiores sacrifí-cios”.56

Se desejarmos continuar a viver com generosidade egratidão, mesmo não recebendo nada em troca, entãocomeçaremos a entender com mais profundidade a na-tureza divina do amor. O amor de Deus não diminui,mesmo quando o consideramos garantido. Nossa soli-dão nada mais é do que a indicação de nosso anseio porDeus, um sinal de que nossos corações foram feitos pa-ra Ele e uns para os outros. Ao fazer Jesus o centro denossa vida e paixão, participamos de Seu recolhimentoredentor. E nesse recolhimento encontraremos alívio enos tornaremos um.

76

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

77

PERGUNTAS PARA REFLEXÃO

Orientações: Mais uma vez, reserve alguns momentos para pen-sar nas seguintes perguntas. Anote as idéias que considerar im-portantes. Assim você se lembrará delas com mais facilidade nasreuniões da comunidade ou em algum encontro regional. Façaum retrospecto do momento em que você ingressou em algumacomunidade marista nova.

1.Dê a sua definição pessoal de vida comunitária marista. Ex-plique por que considera tão importantes os elementos in-

cluídos nessa definição.

2.Descreva uma pessoa difícil com quem você já viveu em co-munidade. Como você administrou essa situação? O que vo-

cê faria hoje em uma situação semelhante?

3.Você viveu alguma situação que o tenha deixado ressentidoou algum relacionamento que precisa ser resgatado? Elabo-

re um plano, prevendo um prazo de um mês, com os estágios queconsiderar imprescindíveis para consolidar o processo de supera-ção do seu ressentimento ou de reconciliação com esse Irmãocujo relacionamento com você tenha ficado estremecido.

78

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

CONCLUSÃO

Irmãos, ao chegar ao fim desta circular, coloco devolta a mesma questão do início: o do nosso compro-misso de discípulos. É sendo e agindo como Jesus queentenderemos melhor a nossa identidade de Irmãozi-nhos de Maria e descobriremos a riqueza da vida em co-munidade e cuidaremos dela. A contemplação exerceimportante papel aqui, mas a contemplação como mo-do ativo de ver, cuja fonte é Deus, e não como entregapassiva ao Todo-Poderoso. 57

A nossa redescoberta das Escrituras nos anos que seseguiram ao Vaticano II mudou significativamente nos-sa visão de Deus, não mais um distante provedor daHistória, mas Ele mesmo, plenamente dedicado à trans-formação de nosso mundo. As narrativas evangélicasnos recordam que, quando a vida esteve em perigo, Je-sus a salvou; quando o espírito humano ficou encarce-rado, Ele se apresentou para libertá-lo.58

Os clamores dos pobres e dos excluídos da socieda-de eram tão fortes que Jesus não podia parar de pregara Boa-Nova, mesmo à custa da própria vida. Ele foicondenado exatamente porque deixou muito claro comquem estava e para quê.59

Como cristãos, somos chamados à vida comunitária,que constitui importante aspecto de nossa identidade,não apenas como Irmãozinhos de Marcelino, mas tam-bém como discípulos de Jesus. Em seu discurso duran-te a Última Ceia, Jesus desafiou seus apóstolos e todosos que os seguissem a testemunhar às futuras geraçõesque Ele fora enviado ao mundo pelo Pai. Ao longo daHistória, a unidade entre os discípulos de Jesus foi sem-pre citada como prova de Sua presença.

O testemunho que Jesus nos pede hoje é tão neces-sário quanto o foi em outras épocas. Temos assim a

79

oportunidade única, por nossa vida em comum comoIrmãos, de oferecer um sinal de esperança ao mundo in-teiro. E em muitas regiões de nosso planeta, o anseiofundamental da maioria das pessoas de conviver em cli-ma de cooperação e confiança mútua é frustrado todoo tempo. Resultado? Alienação e indiferença. ComoReligiosos, professamos publicamente testemunhar eproclamar o Evangelho de Jesus Cristo, o que nos com-promete a provar, por nossa vida comunitária, que omundo pode e deve ser melhor.60

A Mensagem do nosso 20º Capítulo Geral nos re-corda que fomos chamados a construir comunidadesem que o desenvolvimento de todos deve ser preocupa-ção de todos, e a confiança, os relacionamentos inter-pessoais saudáveis e o espírito de família sejam plena-mente visíveis. Comunidades assim ajudam os nosso jo-vens a adquirirem experiência e os nossos Irmãos maisexperientes a sentirem o respeito e a afeição de seuscompanheiros de missão.61

Essas comunidades são escolas de fé para todos nós,para os jovens, para todos os que estão ávidos de Deus.São comunidades dedicadas à missão e abertas a serviro nosso mundo.62

Com essas palavras, chegamos ao final desta circular.Em qualquer discussão sobre a vida comunitária, hoje,não podemos deixar nos enganar por promessas deajustes ligeiros, mas nos dedicar ao mais importante.Alguns, por exemplo, consideram que o número de Ir-mãos por comunidade é um elemento relevante em suaconstituição. Alegam que comunidades menores sãomelhores do que composições institucionais muito nu-merosas. Outros, é claro, defendem o ponto de vistaoposto. Entretanto, o tamanho da comunidade não é oque mais importa, mas sim o espírito de generosidade,o coração aberto, a paixão pelo Senhor, a vontade depensar sempre o melhor dos outros e nunca o pior, o ze-

80

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

Ir. S

eán

D. S

amm

on, S

GIr

. Seá

n D

. Sam

mon

, SG

Mar

avilh

osos

com

panh

eiros

lo apostólico e a simplicidade de vida. Essas são as qua-lidades que contribuem para a vida comunitária maris-ta ser o que deveria ser.

A comunidade é uma graça do Espírito Santo.Reunidos sem nos ter escolhido, acolhemo-nos uns aos outros como dádiva do Senhor. Juntos, num esforço incessantemente renovado de reconciliação e de comunhão, tornamo-nos sinalde unidade para os que nos vêem viver. Entretanto não deixamos de perceber a defasagementre essa graça sempre oferecida e a realidade de nossa vida. Por isso é que rezamos sempre para, apesar das dificuldades, permanecer unidos em nome do Senhor Jesus.63

Além disso, o interesse por nossos Irmãos, a aceita-ção e o respeito por eles, o cuidado mútuo e a preocu-pação pelo bem-estar de todos são os elementos neces-sários para uma vida comunitária saudável entre os Ir-mãozinhos de Marcelino, uma vida comunitária quenos impulsiona à realização da missão. Vale lembrartambém que tais qualidades transcendem idade, cultu-ra, temperamento e muitos outros aspectos que interfe-rem na vida em comum.

Desde a fundação do nosso Instituto, tivemos aoportunidade de partilhar nossa jornada marista comcompanheiros maravilhosos. Começando com nossosprimeiros Irmãos – Francisco, João Batista, Luís Maria,Silvestre, Lourenço, Hipólito e muitos outros – e conti-nuando até os dias de hoje, acompanhamos incontáveisexemplos de homens virtuosos vivendo o modo maris-ta em plenitude, com entusiasmo, dedicação e convic-ção. Homens cujo único desejo foi cumprir sempre avontade de Deus. Homens que colocaram no centro desuas vidas a oração, a Eucaristia, Maria e a vida em co-

81

mum. Cada um de nós deve seguir seus exemplos, com-panheiros maravilhosos de uma nova geração de Ir-mãos. Homens que entregam totalmente sua vida à mis-são de tornar Jesus Cristo conhecido e amado entre ascrianças e os jovens.

Finalmente, uma palavra de gratidão a vocês que se-guem construindo a nossa vida comunitária. Saibam to-dos que temos, os Irmãos do Conselho Geral e eu, ca-da um de vocês sempre em nossos pensamentos e emnossas orações. Somos privilegiados por tê-los como Ir-mãos. Que Deus continue a abençoá-los, protegê-los eacolhê-los e que Maria e Marcelino, maravilhosos com-panheiros de jornada, sejam sempre nossa fonte de vi-gor.

Com minha bênção e afeição,

Irmão Seán Sammon, FMSSuperior Geral

82

NOTAS

1 DE WINCK, Catherine. A Time to Gather: Selected Poem. Allendale, NJ: AlleluiaPress, 1974, p. 58.

2 Cf. A Vida Fraterna em Comunidade. Roma: Congregação para os Institutos deVida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, 1994, n. 59. Disponível em< http://www.vatican.va/roman_curia/ccscrlife>

3 Idem, n. 9.4 TURNER, Mary Daniel, SND de Namur. The Inseparability of Community and

Mission. In: The Report of the Interdisciplinary Dialogue on Community. Chicago,IL: The Center for the Study of Religious Life, 2002, p. 50.

5 Testamento Espiritual de Marcelino Champagnat. In: Constituições e Estatutos.São Paulo: SIMAR, 1993. Disponível em <http://www.intratext.com>.

6 MALICH, John, FMS. Community: Life Giving or Stagnant. Canfield, OH: AlbaHouse Cassettes, 1997.

7 Cf. Henry, O. The Gift of the Magi. Disponível em http://www.night.net/christ-mas/Gift-Magi.html.

8 FLANIGAN, Michael, FMS. Personal communication, 31 de dezembro de 2004.9 Testamento Espiritual de Marcelino José Bento Champagnat. In: Constituições e

Estatutos. São Paulo: SIMAR, 1993. Disponível em <http://www.intratext.com>10 Constituições e Estatutos 47; Vida Fraterna em Comunidade 11.11 Idem 47; idem 10. 12 Ibidem; idem 11.13 Constituições 48.14 Salmo 127.15 A Vida Fraterna em Comunidade 10.16 Constituições 32.17 Idem 42, 43.18 Idem 24.19 Idem 82.20 Idem 23.21 Idem 53.22 RIEBE-ESTRELLA, Gary, SVD. The Ground of Community: Christology or

Theology? In: The Report of the Interdisciplinary Dialogue on Community. Chica-go, IL: The Center for the Study of Religious Life, 2002, p. 41-47.

23 TURNER, Mary Daniel, SND de Namur, The Inseparability of Community andMission, p. 48-60.

24 Testamento Espiritual de Marcelino José Bento Champagnat, p. 129.25 A Vida Fraterna em Comunidade 37; cf. também Escolhamos a vida. In: Atas do

83

20º Capítulo Geral. Roma: Casa Geral, 2002, 18.26 Apud FOX, Tom. Pentecost in Asia: A New Way of Being Church. Maryknoll, NY:

Orbis Books, 2002, p. 1.27 FOX, Tom, op. cit. , p. xiv.28 Constituições 11.29 Jó 1,21.30 Escolhamos a vida 24.31 A Vida Fraterna em Comunidade 38.32 Cf. WITTBERG, Patricia. The Rise and Fall of Catholic Religious Orders: A So-

cial Movement Perspective. Albany, NY: State University of New York Press,1994.

33 Cf. BONHOEFFER, Dietrich. The Cost of Discipleship. Nashville, TN: Broad-man & Holman Publishers, 1999).

34 Marcos 8,3435 Constituições 82.36 Cartas de Marcelino J.B. Champagnat. Roma: Casa Generalizia dei Fratelli Maris-

ti, 1991, p. 248. 37 FURET, João Batista. Vida de Marcelino José Bento Champagnat. Tradução de

Ângelo José Camatta. São Paulo: Loyola; SIMAR, 1999, p. 402-403.38 Constituições 52.39 A Vida Fraterna em Comunidade 31.40 Constituições 34.41 Idem 61.42 Idem 32.43 A Vida Fraterna em Comunidade 44.44 Ibidem; Escolhamos a vida 25.45 BERQUET, Maurice, FMS. Use of Material Goods: a Plan of Discernment. In:

FMS Message, 43(33), p. 42-45; cf. também ARBUES Benito, FMS. A Propósitode Nossos Bens. Circulares dos Superiores Gerais do Instituto dos Irmãos Maris-tas das Escolas. Casa Generalícia, Roma, 31 de outubro de 2000, 30(4). Disponí-vel em <http://www.intratext.com>

46 Cf. SAMMON, Seán, FMS. Religious Life in America. Staten Island, NY: AlbaHouse, 2002.

47 Constituições 43, 63.48 Idem 6949 Cf. DUBUS, Andre. Broken Vessels. Boston, MA: David R. Godine, Pub., 1991.50 WHITEHEAD, Evelyn Eaton; WHITEHEAD James D. Seasons of Strength: new

visions of christian maturing. Garden City, NY: Doubleday, 1984, p. 124-125. 51 JOHNSTON, John. Look to the Future: build communities today that are inno-

84

vative, creative and holy. Roma: Tipografia S.G.S., 1998, p. 63.52 Constituições 51.53 WHITEHEAD, op. cit., p. 117-127.54 Ibidem. 55 Cf. ROLHEISER, Ronald. The Restless Heart. New York, NY: Doubleday, 2004. 56 Constituições 49.57 TURNER, Mary Daniel, op. cit., p. 51.57 Ibidem.58 Idem, p. 48-60.59 Escolhamos a vida 22.60 Idem 24.61 Idem 25.62 Constituições 63.

AGRADECIMENTOS

Minha gratidão aos companheiros do Conselho Geral, Irmão Donnell Neary,FMS, além de muitos outros Irmãos do Instituto e numerosos amigos e colegas queleram as versões preliminares desta circular e contribuíram com sugestões úteis. Soumuito agradecido a cada um deles. Agradeço à Irmã Marie Kraus, SND de Namur, eao Irmão Gerard Brereton, FMS, que editaram o texto em língua inglesa, bem comoaos tradutores do texto em francês: Irmão Joannès Fontanay, FMS; em português :Sr. Ricardo Tescarolo e Irmão Salvador Durante, FMS; e em espanhol: Irmão CarlosMartin Hinojar, FMS.