Dos livros para as telas de TVs

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1 DOS LIVROS PARA AS TELAS DE TVS A TRANSPOSIÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA DAS CRÔNICAS DO GELO E FOGO NO ROTEIRO ADAPTADO DA SÉRIE GAME OF THRONES Mélker Queiros da Silva, acadêmico. Rafael Jose Bona, professor orientador. Resumo São muitas as adaptações audiovisuais disponíveis. Transformar um livro em uma minissérie televisiva ou um longa-metragem é algo que vemos acontecer todos os dias. Na série Game of Thrones(2011), adaptação produzida pela rede mundial de tv HBO, a história antes disponível apenas em livros, agora pode ser expectada também na tela da televisão. Com o objetivo de entender a relação que há na linguagem utilizada no seriado, buscou-se fazer uma análise da linguagem usada na adaptação audiovisual do primeiro livro das crônicas do gelo e fogo para a primeira temporada do seriado de TV Game of Thrones. Para tal, foi feita uma pesquisa exploratória descritiva e uma análise do livro e dos episódios, numa amostragem probabilística intencional, analisando e interpretando o material coletado de acordo com os autores descritos na fundamentação teórica. Após as análises, pôde-se identificar os pontos identificar todos os pontos do roteiro mencionados por Comparato (2009). Também foi possível entender a relação entre o texto original e o roteiro adaptado e que na adaptação a fidelidade ao original não é obrigatório, já que mudanças são essenciais para se fazer a transição de uma mídia para outra. Palavras-chaves: Linguagem literária, roteiro adaptado, crônicas de gelo e fogo, game of thrones. Introdução As adaptações existem há muito tempo, e são famosas por trabalharem com algo que já possui público. São vários os exemplos de obras literárias que serviram de inspiração para diretores cinematográficos. Na televisão também temos muitos exemplos de adaptações que fizeram histórias, um exemplo de produção audiovisual para televisão no Brasil que fez muito sucesso, foi a minissérie Capitú (2008), que baseados no romance de Machado de Assis, Dom Casmurro (1899), trouxe para o audiovisual toda a magia do livro, adaptando sua linguagem literária para a linguagem audiovisual das telenovelas. “Muito antes de os livros existirem como objetos físicos, os contadores de histórias transmitiam dados essenciais às sucessivas gerações em forma de narrativa” (EPSTEIN, 2002). Baseado nisso, é possível afirmar que o processo narrativo já existia desde os primórdios da vida humana, mesmo antes do surgimento da escrita. O homem em sua necessidade de exteriorizar e aludir histórias de seu universo, fictício ou não, fazia desta

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Dos livros para as telas de TVs - a transposição da linguagem literária das Crônicas do Gelo e Fogo no roteiro adaptado da série Game of Thrones. Acadêmico: Mélker Queiros da Silva.

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DOS LIVROS PARA AS TELAS DE TVS – A TRANSPOSIÇÃO DA LINGUAGEM

LITERÁRIA DAS CRÔNICAS DO GELO E FOGO NO ROTEIRO ADAPTADO DA

SÉRIE GAME OF THRONES

Mélker Queiros da Silva, acadêmico.

Rafael Jose Bona, professor orientador.

Resumo

São muitas as adaptações audiovisuais disponíveis. Transformar um livro em uma minissérie

televisiva ou um longa-metragem é algo que vemos acontecer todos os dias. Na série Game of

Thrones(2011), adaptação produzida pela rede mundial de tv HBO, a história antes disponível

apenas em livros, agora pode ser expectada também na tela da televisão. Com o objetivo de

entender a relação que há na linguagem utilizada no seriado, buscou-se fazer uma análise da

linguagem usada na adaptação audiovisual do primeiro livro das crônicas do gelo e fogo para

a primeira temporada do seriado de TV Game of Thrones. Para tal, foi feita uma pesquisa

exploratória descritiva e uma análise do livro e dos episódios, numa amostragem

probabilística intencional, analisando e interpretando o material coletado de acordo com os

autores descritos na fundamentação teórica. Após as análises, pôde-se identificar os pontos

identificar todos os pontos do roteiro mencionados por Comparato (2009). Também foi

possível entender a relação entre o texto original e o roteiro adaptado e que na adaptação a

fidelidade ao original não é obrigatório, já que mudanças são essenciais para se fazer a

transição de uma mídia para outra.

Palavras-chaves: Linguagem literária, roteiro adaptado, crônicas de gelo e fogo, game of

thrones.

Introdução

As adaptações existem há muito tempo, e são famosas por trabalharem com algo que

já possui público. São vários os exemplos de obras literárias que serviram de inspiração para

diretores cinematográficos.

Na televisão também temos muitos exemplos de adaptações que fizeram histórias, um

exemplo de produção audiovisual para televisão no Brasil que fez muito sucesso, foi a

minissérie Capitú (2008), que baseados no romance de Machado de Assis, Dom Casmurro

(1899), trouxe para o audiovisual toda a magia do livro, adaptando sua linguagem literária

para a linguagem audiovisual das telenovelas.

“Muito antes de os livros existirem como objetos físicos, os contadores de histórias

transmitiam dados essenciais às sucessivas gerações em forma de narrativa” (EPSTEIN,

2002). Baseado nisso, é possível afirmar que o processo narrativo já existia desde os

primórdios da vida humana, mesmo antes do surgimento da escrita. O homem em sua

necessidade de exteriorizar e aludir histórias de seu universo, fictício ou não, fazia desta

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prática ancestral em forma de oralidade que mais tarde contribuiu na construção do universo

literário presente na história da humanidade.

Lançado em abril de 2011 pela rede de televisão a cabo norte-americana HBO, o

seriado Game of Thrones traz em seu enredo, estruturado de maneira multiplots (diversos

enredos que correm paralelamente), uma complexa trama ambientada em um universo

ficcional que mistura elementos de histórias de capa e espada com temas sobrenaturais e

ficção histórica medieval.

O seriado é baseado na saga As Crônicas de Gelo e Fogo, escritos por George R. R.

Martin, também produtor do seriado televisivo. O autor citado vendeu os direitos para a

emissora de TV paga HBO, que por meio da adaptação audiovisual transformou a história, já

aclamada pelos leitores há quase 20 anos, em uma superprodução televisiva e tão aclamada

quanto.

E no contexto da primeira temporada de Game of Thrones e no primeiro livro da saga

As Crônicas de Gelo e Fogo que este trabalho se insere, na busca de identificar a relação da

linguagem literária na transposição para a linguagem audiovisual utilizada na série produzida

e apresentada pela rede de TV fechada HBO.

Adaptações

Uma transcrição de um código1 literário ficcional para a linguagem audiovisual não se

dá de forma simples. É necessário fazer uma adaptação da linguagem.

Comparato (1983, p. 206) diz que “adaptação é uma transcrição da linguagem:

mudamos o suporte linguístico usado para contar uma estória.” Já Maciel (2003, p.142) dá a

origem da palavra: “A palavra transcrição foi primeiramente criada por Haroldo de Campos

para designar o processo de tradução criativa de textos poéticos – traduções que eram

recriações do original”.

Adaptar uma obra literária para outros meios como cinema e televisão é uma realidade

entre os roteiristas. Seger (2007) diz que tais adaptações tem como origem contos, peças de

teatro, romances. Tudo isso é possível, embora passem por processos diferentes.

Por sua própria natureza, a adaptação é um processo de transição de uma mídia para

outra. Assim, o material original sempre oferecerá resistência à adaptação, como se

dissesse: Me aceite do jeito que sou. Porém, a adaptação implica mudança. Implica

um processo que tudo seja repensado, reconhecido. (SEGER, 2007, p. 17)

1 Código: conjunto de todos os elementos linguísticos vigentes numa comunidade e postos à disposição dos indivíduos para servi-lhes de

meios de comunicação; língua. (Petter, 2002)

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Muito embora essas adaptações estejam em variados meios, e esses meios preencham

parte do espaço social ocupado pelo anterior, no caso o romance, vale dizer que a relação

entre eles deve ser vista mais pela ótica da complementaridade que da substituição. Silva

(2002) afirma que os meios de comunicação ajudam a formar um conjunto de informação e

formação, deste modo, cada mecanismo não suplanta e sim complementa o outro. Segundo

Field (1995, p.174) diz que adaptar um livro para um roteiro significa mudar um para o outro,

e não superpor um ao outro.

É comum verificar uma aparente superficialidade do produto audiovisual em relação à

obra literária, que Rey (1989, p.59) explica que é porque “a câmera não tem a sutileza das

palavras. Ela é capaz de criar, mas sua profundidade não vai além da pele. Ela pode revelar o

sentido de uma obra literária, suas intenções, mas não o recheio nem a beleza ou a

singularidade do estilo.”

O que é mostrado na tela é “real” para o espectador; os atores são as personagens, os

lugares e fatos são tão reais quanto o cineasta consegue fazê-los parecerem reais. Já o leitor

evoca imagens de pessoas, lugares e fatos que ele próprio tem em mente e encanta-se com os

apartes e reflexões do autor. Essa invocação imaginosa e esse vagar sem pressa pela mente de

quem conta a história são impossíveis num filme, porque, necessariamente, o filme tem de

expor manifestações visuais, enquanto o livro usa a imaginação do autor. (HAYWARD, 2000,

p.38).

Musburger (2008, p.206) escreve que “criar, eliminar, combinar, alterar personagens e

até acrescentar, são algumas modificações que podem ser feitas para, por exemplo, aprimorar

a estrutura dramática e narrativa da história, criando assim uma adaptação de um roteiro”.

Para Rey (1989, p. 60) como o livro não foi criado para o audiovisual, ele não atende as

necessidades que o meio exige para se fazer um bom filme, como ritmo e linguagem, por

exemplo. “Não copie simplesmente um romance para o roteiro; faça-o visual, uma historia

contada em imagens”. (FIELD, 2001, p. 176)

Seger (2007, p.25) defende que “só existe um tipo de adaptação impossível: aquela na

qual o escritor e o produtor não tenham “licença criativa” 2, pois mudanças são absolutamente

essenciais para fazer uma transição de uma mídia para outra.”.

Linda Hutcheon (2011) defende que as adaptações, de qualquer espécie, estão em todo

lugar nos dias atuais. E ainda faz um importante debate sobre a prática de classificar as

adaptações como secundárias, como trabalhos derivados e, ao tentar entender a constante

2 Licença criativa ou licença literária: é a necessidade do autor de modificar elementos da história, seja retirando, condensando ou

acrescentando elementos, na busca de um roteiro mais com cara de audiovisual.

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critica de que, no cinema adaptado da literatura, as obras secundárias nunca chegam à

consistência artística da obra literária.

Mas afinal: o que é uma adaptação? Nas palavras de Hutcheon (2011), a adaptação

pode ser estudada em três vertentes:

1. ENTIDADE OU PRODUTO 2. PROCESSO DE

RECRIAÇÃO

3. PROCESSO DE RECEPÇÃO

Entenderíamos a adaptação como

transposição particular de um

trabalho ou trabalhos, uma espécie

de transcodificação. Pode-se então

contar uma história sob um ponto

de vista diferente ou ainda expor

(transpor) uma nova interpretação.

Processo de reinterpretação e

recriação, processo esse no qual

primeiramente apropria-se do texto

fonte para depois recriá-lo, comum

na adaptação de obras literárias

canônicas para públicos de faixa

etária jovem.

Processo de recepção entende-se a

adaptação como uma forma de

intertextualidade, o texto baseia-se

em outros textos para criar-se

existindo de modo intertextual com

os primeiros.

Tabela 1 - Tipos de adaptação na visão de Linda Hutcheon.

Para Hutcheon (2011), adaptação, pode-se considerar a conversão do real pelo

ficcional, quando dramatizamos ou narramos acontecimentos históricos ou biografias

pessoais. Afirma ainda que adaptar não significa fidelidade, e fidelidade não deve ser um

parâmetro de julgamento ou foco de análise para as obras adaptadas. A autora ressalta que por

um longo tempo, esse foi um critério comum ao se falar de obras adaptadas, principalmente

quando se lidava com obras reconhecidas.

Ao falar em fidelidade, Hutcheon assume primeiramente que a adaptação deve ser uma

reprodução do texto adaptado, porém a estudiosa manifesta-se contrária a essa suposição ao

classificar a adaptação como repetição, mas repetição sem replicação, e lembra ainda, que de

acordo com o dicionário, adaptar refere-se a ajustar, alterar, o que pode ser feito de diferentes

maneiras.

Ao assumir a questão da fidelidade como essencial estaríamos assumindo ainda, a

literatura como mais distinta, venerável e primordial do que o audiovisual. (STAM, 2000). A

justificativa para essa posição é que pelas palavras, verbalmente, existiria uma sutileza maior

ao se expressar sentimentos e pensamentos. Porém, o autor ressalta exatamente o contrário,

para ele os vários recursos do audiovisual possibilitariam uma maior expressão para a

exposição das mais diferentes emoções, combinando o verbal com a densidade informacional

contida nas imagens, assim como fatores relacionados à intensidade sonora: música, ruídos,

entonação, etc.

O conceito de fidelidade por si só já é considerado problemático pelo autor. Não

podemos falar de exatidão absoluta já que se admite que o processo de adaptação ocorra em

uma mudança de meio, o que é denominado como diferenciação automática.

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Por diferenciação automática entendemos os processos ocorridos durante as filmagens

da obra audiovisual: ângulos são explorados, inseridos, suprimidos/ objetos em cena

ou detalhes da história são esquecidos; ocorrem mudanças na edição, dentre outros

fatores que causam, automaticamente, divergências entre a obra audiovisual e o texto-

base. (STAM 2000)

Ao examinar a perspectivada adaptação como leitura com o objetivo de discutir a

questão da fidelidade, apoiamo-nos na visão do texto como heterogêneo, admitindo que

qualquer texto ou obra de arte, “resulta de um processo de produção de sentidos”

(CORACINI, 2005, p.33). Poderíamos ainda usar as palavras da autora, afirmando que não se

pode falar em: “[...] respeitar a unidade do texto ou da obra de arte, unidade esta que, aliás,

não passa de uma falácia e de uma ficção; não se trata de respeitar as ideias principais ou as

intenções do autor, que só fazem sentido no esquema racional, reduzindo tudo à possibilidade

de controle, exercido por quem detém poder.” (CORACINI, 2005, p.24).

A obra audiovisual parte, então de uma leitura e torna-se o que Gardies (1998)

conceitua como uma transcritora. A leitura realizada pelos idealizadores do filme é transcrita

em imagens, sons e palavras, levando em conta fatores intra e extratextuais. Nessa visão, o

autor considera o texto literário como uma fonte na qual o realizador da obra cinematográfica

busca aspectos que ele próprio julga necessários para que sua leitura pessoal da obra possa ser

transposta para o novo discurso.

Ao classificar a obra audiovisual como discurso narrativo, o papel do espectador seria

também o de ler, interpretar, construir sentido em cima da obra, num exercício de

reconhecimento e compreensão, prazer e fruir, já citados pelos trabalhos de Barthes (1999).

Considerando o ato de assistir a uma obra também como um ato de leitura, o expectador

estaria apto a criar sobre a obra assim construindo seu próprio sentido para o texto

lido/assistido.

Tendo aceitado que toda e qualquer adaptação é uma leitura, exigir a fidelidade seria o

mesmo que exigir uma leitura única e universal do texto literário, e ao exigir esta leitura

universal estaríamos causando a extinção do literário, já que “a essência do literário só se

realiza com a leitura, fora isso o que há são traços negros sobre o papel.” (SARTRE, 1948).

Roteiro Audiovisual

Não é muito comum que pessoas fora do meio das produções audiovisuais tenham tido

acesso a um roteiro, mas se questionadas sobre o que é um roteiro, muito provavelmente,

pouquíssimas não se arriscariam a responder, muitos talvez acertassem, porém poucos

poderiam dar uma definição mais profunda.

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Roteiro “é uma forma literária efêmera, pois só existe durante o tempo que leva para

ser convertido em um produto audiovisual. No entanto, sem material escrito não se pode dizer

nada, pois isso um bom roteiro não é garantia de um bom filme, mas sem um roteiro não

existe um bom filme”. (COMPARATO 2009).

O roteiro é uma rota não apenas determinada, mas decupada, dividida, por meio da

discriminação de seus diferentes estágios. Roteirizar significa sair de um lugar, passar por

vários outros até atingir um objetivo final. Ou seja, “o roteiro tem começo, meio e fim –

conforme Aristóteles observou na tragédia grega como uma necessidade essencial da

expressão dramática.” (MACIEL 2003).

Há diferentes formas para se definir um roteiro. A mais simples e direta, de acordo

com Comparato (2009) seria “a forma escrita de qualquer projeto audiovisual”. Já Field

(2001) define como “uma história contada em imagens, diálogos e descrição, localizada no

contexto da estrutura dramática.” E, ainda completa, “é sobre uma pessoa ou pessoas, num

lugar ou lugares, vivendo sua coisa. Todos os roteiros cumprem essa premissa básica. A

pessoa é a personagem e viver sua coisa é a ação”.

Um projeto audiovisual, seja ele longa ou curta metragem, documentário, videoclipe,

publicitário ou programa para TV, nasce a partir de uma ideia, que se transforma em um

roteiro. A ideia nasce a qualquer momento, lugar e por diversas razões. A vida de nossos

amigos, contos, livros, sonhos, tudo que acontece em volta pode se transformar em ideia.

Para Carrière (1994) o roteirista está muito mais para o diretor e para a imagem do que

para o escritor. O roteiro é o principio de um processo visual e não o final de um processo

literário. “Escrever um roteiro é muito mais do que escrever. Em todo caso, é descrever de

outra forma. Com olhares e silêncios, movimentos e imobilidades, com conjuntos

incrivelmente complexos de imagens e de sons que podem possuir mil ligações entre si, que

podem ser nítidos ou ambíguos, violentos ou suaves. Podem impressionar a inteligência ou

alcançar o inconsciente, se entrelaçar, misturar ou até repudiar. Fazem surgir as coisas

invisíveis...” Comparato (2009) complementa dizendo que “o romancista escreve, enquanto o

roteirista trama, narra e descreve.”

Comparato (2009) ainda afirma que o roteiro deve possuir três aspectos fundamentais:

LOGOS PATHOS ETHOS

A ferramenta de trabalho

que dará forma ao roteiro

e o estruturará é a palavra.

O logos é essa palavra, o

discurso, a organização

Um roteiro contém uma história que

provoca identificação, dor tristeza. Phatos é

o drama, a porção dramática para ativar a

ação. É a projeção da vida em ação, o

conflito cotidiano que eclode em

A mensagem tem sempre uma

intenção. Tudo é escrito para

produzir uma influencia, mesmo

que esta seja somente para divertir.

É o ethos, a ética, a moral, o

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verbal de um roteiro, sua

estrutura geral. A lógica

intrínseca do material

dramático.

acontecimentos. O phatos afeta os

personagens que, arrastadas por sua própria

história e drama, reagem aos fatos se

convertendo em heróis ou vítimas, ou

inclusive em motivo de divertimento numa

comédia.

significado último da historia, as

suas implicações sociais, políticas,

existenciais e anímicas. O ethos é

aquilo que se quer dizer, a razão

pela qual se escreve.

Tabela 2 - Aspectos fundamentais do roteiro. (Comparato, 2009)

Escrever um roteiro é um processo passo a passo. Um passo de cada vez. Primeiro,

encontra-se um tema. Depois estrutura-se a ideia. Em seguida as personagens, mais

tarde procuram-se os dados que faça falta. Posteriormente estrutura-se o primeiro ato

em fichas e então se escreve o roteiro. (COMPARATO 2009, p.29)

A própria subjetividade da explicação anterior reflete o aleatório da fragmentação do

processo. Na realidade, as fases que demonstram a composição de um roteiro provem de uma

experiência: do autor ou da empresa produtora. Não existem receitas magistrais: apenas

talento e trabalho. Vamos nos propor a cobrir seis etapas no processo que nos leva ao roteiro

final.

Ideia

Um roteiro sempre parte de uma ideia, um fato, um acontecimento que provoca no escritor

a necessidade de relatar. A procura da ideia ou a sua descoberta são atividades nem sempre

fáceis de abarcar. As ideias são por vezes sutil e difíceis de alcançar. Isso exige o maior

cuidado para descobrir, isolar e definir ideias dramaticamente pertinentes.

Conflito

Mas a ideia audiovisual e dramática deve ser definida por um conflito essencial. A esse

primeiro conflito, que será a base do trabalho do roteirista, chamaremos conflito matriz.

Embora a ideia seja algo abstrato, o conflito matriz deve ser concretizado por meio de

palavras.

Personagens

Devem-se criar as personagens. Há quem pense que são as personagens que dão origem a

uma história. Kit Reed (1991), recomenda que os roteiros sejam revistos com base nas

personagens: “Começo pela personagem, porque creio que as personagens se movem

juntas para construir um argumento”. Já Seger 2003 diz “Os críticos adoram dizer de um

filme que as personagens não se desenvolvem, nem mudam... Uma personagem bem

desenhada ganha amiúde com sua participação no argumento, e um argumento ganha

alguma coisa com a implicação da personagem.”.

Ação Dramática

É a maneira como se contará o conflito básico vivido por aqueles seres chamados

personagens. Ao o que, quem, onde e quando, juntados então com o como. Como se

contará a história? Com a ação dramática. Para trabalhar a ação dramática, o roteirista é

obrigado a construir uma estrutura. A estrutura é um dos fundamentos do roteiro e a tarefa

que maior criatividade exige de quem o escreve.

Tempo

Dramático

A noção de tempo dramático é muito complexa. Pode-se dizer que dentro de uma cena se

desenvolve uma ação dramática. Esta decorre num determinado tempo, que pode ser lento,

rápido, ágil etc. Jackson (1987) observa que “o tempo é o segredo, não só para uma boa

comédia, mas também para qualquer bom texto dramático.” Esse tempo dramático,

juntamente com a ação dramática, dá o sentido da função dramática. Tempo dramático é o

quanto, quanto tempo terá cada cena.

Unidade

Dramática

Na unidade dramática, trabalhar-se-á as cenas. O roteiro final é o guia para construção do

produto audiovisual. É o momento em que a unidade dramática, a cena, se torna realidade.

Segundo um dito tradicional, há três erros que se podem cometer num produto audiovisual:

erro no roteiro, erro na direção ou erro na montagem.

Tabela 3 - Etapas de um roteiro por Doc Comparato 2009.

A vida real não é exatamente igual à vida no audiovisual. Na vida real, as nossas

reações de caráter variam de acordo com a situação e o momento. Numa produção

audiovisual, uma vez definido o caráter de uma personagem, suas reações serão sempre

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coerentes, ou o expectador ficará confuso. Uma personagem ambiciosa, amoral na

perseguição dos seus objetivos, terá sempre uma característica de caráter durante todo o

desenrolar da história. Não se deve confundir caráter com personalidade. Uma personagem

pode ter uma personalidade simpática ou rabugenta, mas com caráter diferente de sua

personalidade.

As crônicas de gelo e fogo – o livro.

O primeiro volume da obra foi lançado em 1996 e hoje conta com 5 volumes

publicados e 2 ainda sem data marcada para publicação. Tal historia épica, se passa em um

reino onde há disputa por um trono, traições, alianças e jogos de poder. Há um equilíbrio entre

violência verbal e física, intriga política, apelo sexual e elementos fantásticos, como dragões,

gigantes, bruxos e wargs3.

A história se passa no fictício reino de Westeros, dividida em regiões administradas

por famílias ou casas, como se fossem feudos. Em A Guerra dos Tronos, o primeiro livro, o

leitor é conduzido para o norte do país, para Winterfell, cujo senhor é Eddard Stark, um nobre

com princípios e que se destaca por sua honra, tantas vezes aclamada ao longo da historia.

O livro é dividido em pontos de vistas dos personagens e não em capítulos. E são as

perspectivas de alguns deles que conduzem o romance, permitindo que o leitor seja facilmente

manipulado pelo narrador onisciente. Essa manipulação ocorre de forma natural, pois somente

o narrador sabe a verdade, e somente ele tem o poder de mostrá-la na dose que deseja para a

compreensão do leitor.

O fenômeno Game of Thrones afetou e impactou o polissistema literário4 e cultural,

redimensionando a obra literária em seu contexto original de produção e trazendo a obra para

o polissistema brasileiro.

O título da série, que também é o titulo da primeira obra, Game of Thrones, já adquiriu

no contexto atual um significado de algo perigoso, politicamente complexo, entrando no

vocabulário referencial do grande publico. No geral, diversas instancias do universo de Game

of thrones se transformaram em referencia também fora do universo ficcional.

Game of Thrones – A série.

Lançado em abril de 2011 pela rede de televisão a cabo norte americana HBO, a série

Game of Thrones traz em seu enredo, estruturado de maneira multiplot5, uma complexa trama

ambientada em um universo ficcional que mistura elementos de histórias de capa e espada

3 Seres humanos que podem assumir e controlar o corpo de animais e até de outros humanos. 4 5 Diversos enredos que correm paralelamente

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com temas sobrenaturais e ficção histórica medieval. Até o momento já foram exibidas três

temporadas compostas por dez episódios cada, a quarta temporada está em exibição semanal

na HBO.

Ambientada em um universo ficcional formado pelo continente de Westeros e pelas

cidades livres situadas do outro lado do Mar Estreito, a narrativa, que mistura esses elementos

fantásticos e ficção história medieval, tem como arco narrativo principal a disputa pelo poder

e pela possibilidade de governar os sete reinos do continente.

Uma característica importante que marca a complexidade narrativa em Game of

Thrones é o grande número de personagens, mais de 40 aparecem na primeira temporada,

além daqueles que são citados durantes os diálogos, o que torna difícil definir uma

personagem que seja a principal, pois a inter-relação entre os enredos dificulta a definição de

um centro, além de todos os arcos narrativos terem um papel de destaque no desenvolvimento

da narrativa.

Pôde se identificar na série certas estratégias arregimentadora de público. A rapidez na

progressão das tramas, os conflitos que surgem e são rapidamente solucionados, dando lugar a

novos conflitos, o que faz com que a narrativa progrida de forma rápida, esse ritmo de

desenvolvimento condiz com a realidade do homem contemporâneo, que a cada dia dispõe de

menos tempo para o lazer, então, ao buscar a fruição num objeto cultural como as narrativas

seriadas, ele optará por aquele que identifique uma correspondência com a sua realidade. “Os

novos formatos demandam novas competências de leitura por parte dos telespectadores”.

(JOHNSON, 2012 p. 54).

Certas narrativas nos forçam a pensar mais para alcançar uma compreensão ao passo

que outras são deixadas em suspenso e depois até somem. Parte do trabalho cognitivo que

vem dos múltiplos fios narrativos é manter as linhas do enredo trançadas na cabeça enquanto

se assiste à série. Mas outra parte envolve o espectador de modo que ele vá preenchendo as

lacunas, tirando um sentido da informação que foi deixada obscura de propósito. Narrativas

exigem que o espectador insira elementos cruciais para a complexidade, num nível mais

desafiador.

Todos esses elementos identificados na complexificação das narrativas seriadas,

especificamente no seriado Game of Thrones, despertam nos telespectadores a curiosidade

sobre os detalhes da trama, fazendo com que se tornem um público engajado, que busca

informações e as dissemina, assumindo uma postura ativa.

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Metodologia

A metodologia empregada neste estudo foi exploratória, pois teve a intenção de

aprofundar o conhecimento sobre um determinado tema tendo como pano de fundo um estudo

de caso que, nada mais é do que um estudo profundo de um ou de poucos objetos. A pesquisa

exploratória é aquela que objetiva proporcionar maior proximidade com o problema. O

planejamento da pesquisa possibilita a consideração de vários aspectos relativos ao tema

estudado. De acordo com Gil (2002), a grande parte das pesquisas exploratórias envolve

levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas relacionadas ao objeto de estudo e a

análise dos dados.

Além de exploratória, a pesquisa também é descritiva, pois “as pesquisas descritivas

têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou

fenômeno, ou então, o estabelecimento de relações entre variáveis” GIL (2002, p. 41).

“Pode-se definir pesquisa como o procedimento racional e sistemático que tem como

objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos.” (GIL, 2002 p. 41).

O universo estudado foram todos os episódios da primeira temporada do seriado Game

of Thrones. Para amostra da análise foram coletados fragmentos de 02 minutos de 03

episódios da primeira temporada que, ao todo, é constituída por 10 episódios, além dos

capítulos inerentes a esses episódios do primeiro livro da saga as Crônicas de gelo e fogo, A

Guerra dos Tronos.

Os episódios fragmentados e posteriormente analisados foram:

.Winter Is Coming. 2011 Primeiro Epsódio 00:00:11:00 – 00:00:13:00

The Wolf and the Lion 2011 Quinto Epsódio 00:00:31:00 – 00:00:33:00

Fire and Blood 2011 Décimo Epsódio 00:00:47:00 – 00:00:50:00

Tabela 4 - Relação dos Epsódios e das cenas fragmentadas / tempo.

De cada Epsódio foi selecionada uma cena de dois minutos, decupada e em seguida,

analisadas.

Análise do objeto

As Cenas foram descritas uma a uma para depois serem analisadas.

Fragmento Descrição

01 Um desertor da grande muralha é capturado nas terras de Winterfell, Lorde Eddard Stark, o

protetor das terras do norte, reúne seus filhos para presenciarem a execução do desertor, já que

essa é a pena para quem abandona seu posto na patrulha da noite.

02 Em Porto Real, o Rei Robert Baratheon se reúne com seus conselheiros a fim de enviarem um

assassino além-mar, assassinar a Jovem Daenerys Targaryen, filha do antigo rei, destituído pelo

rei Robert. Ned Stark se recusa a participar da morte de uma “criança”, sob a premissa que ela

não lhes causaria dano nem ameaça ao reinado de Robert. O Rei o obriga a aceitar a proposta do

assassinato, então Ned retira o distintivo de “mão do rei” e diz que voltará ao norte, não mais

querendo ocupar tal cargo, pois não compactuaria de tal crime. Robert grita com Ned e o

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destrata.

03 Nas terras além-mar, a rainha dos Dothraki Daenerys Targaryen, se prepara para queimar o

corpo de seu filho, nascido morto e de seu esposo Khal Drogo, que esta em estado vegetativo.

Ela faz um discurso aos seus liderados, dizendo que quem desejar seguir outro caminho está

livre, e quem desejar segui-la que fiquem. Após coloca a bruxa que matou seu filho na pira de

fogo e a acende. Enquanto queima a bruxa canta e os demais observam.

Tabela 5 - Descrição das cenas fragmentadas

As três cenas selecionadas dentre os dez episódios foram analisadas sob a ótica de

Hutcheon (2006), Comparato (2009) e Carrière (1994).

A primeira temporada de Game of Thrones, teve seu roteiro adaptado do primeiro livro

das Crônicas do Gelo e Fogo, a partir destra transposição de linguagem puderam-se extrair

três pontos que Hutcheon (2006) define como as vertentes de uma adaptação.

ENTIDADE OU

PRODUTO

Na versão literária, a história é contada com muito mais detalhes, como se o narrador oculto

estivesse na cena. Já na versão audiovisual a história ganha uma sequencia mais lógica e o

expectador assume o papel do narrador, que agora observa de longe os acontecimentos.

PROCESSO DE

RECRIAÇÃO

O roteiro adaptado do livro ganha elementos inexistentes do livro, como ações suprimidas

da versão original e perde algumas explicações importantes no livro, mas que no seriado

perde-se a importância.

PROCESSO DE

RECEPÇÃO

O texto é todo baseado na historia original, não foi identificado intertextualidade com outros

textos pré-existentes, apenas ao texto da história original.

Tabela 6 - Análise das Cenas na ótica de Hutcheon (2006)

Além destes pontos, as cenas também foram analisadas sob a ótica de Comparato

(2009) que cita 6 passos do processo de criação de um roteiro.

Figura 1 - Cena do fragmento 01

IDEIA Anúncio da história, introdução do enredo que perdurará por toda a temporada.

CONFLITO O desertor corre para longe da muralha por ter medo dos White walkers, e por isso foge

para o mais longe que puder.

PERSONAGES Desertor, Lorde Eddard Stark, Bran Stark, Rob Stark, John Snow, Soldados do Castelo.

AÇÃO

DRAMATICA

A pena para quem foge da muralha é a morte, e como a captura aconteceu em Winterfell,

o guardião das terras deve executar a ação.

TEMPO

DRAMATICO

O tempo acontece de forma lenta, para evidenciar a necessidade da execução e dar tempo

de todos os personagens se fazerem entender da situação.

UNIDADE

TRAMATICA

O momento em que Lorde Eddard dá a sentença e corta a cabeça do acusado.

Tabela 7 - Análise da Cena/Fragmento 01 na ótica de Comparato (2009)

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Figura 2 - Cena do Fragmento 02

IDEIA O princípio da disputa pelos sete reinos.

CONFLITO Rei Robert temendo perder sua coroa para a filha de seu antecessor, pretende assassiná-la.

PERSONAGES Rei Robert, Lorde Eddard, Lorde Varys, Mindinho, Henley Baratheon.

AÇÃO

DRAMATICA

A filha do rei assassinado por Robert casa-se com o líder dos Dothrakis, a mesma pretende

retomar o reinado tirado de seu pai. Robert tenta evitar que isso aconteça.

TEMPO

DRAMATICO

O tempo acontece de forma rápida, quando Lorde Eddard nega participação na decisão de

enviar um assassino para matar uma Criança, Daenerys Targaryen.

UNIDADE

TRAMATICA

O momento em que Lorde Eddard abre mão do cargo de Mão do rei e causa a ira do rei

Robert.

Tabela 8 - Análise da Cena/Fragmento 02 na ótica de Comparato (2009)

Figura 3 - Cena do fragmento 03

IDEIA A morte do Líder dos Dothrakis e o nascimento da Rainha dos Dothrakis, mãe dos

dragões.

CONFLITO Com a morte de seu filho e a demência de seu esposo, causado por uma bruxa, Daenerys

resolve queimá-los acreditando que a mesma não morreria, por ser a Nascida do Fogo.

PERSONAGES Daenerys Targaryen, Khal Drogo, a Bruxa, os guerreiros Dothrakis.

AÇÃO

DRAMATICA

Com a morte de seu líder, a maioria dos guerreiros deixa o grupo e vão embora. Daenerys

cria uma pira de fogo e coloca seu filho Natimorto e seu marido com demência e a bruxa

que causou a morte de ambos.

TEMPO

DRAMATICO

O tempo é lento, para evidenciar o sofrimento e esperança de Daenerys enquanto observa

seus entes queimar junto à bruxa. Que canta sua dor.

UNIDADE

TRAMATICA

A bruxa cantando e queimando amarrada à pira de fogo.

Tabela 9 - Análise da Cena/Fragmento 03 na ótica de Comparato (2009)

Diferente da produção audiovisual, no livro os capítulos não seguem a lógica

identificada nos episódios.

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No livro, cada capítulo aborda um personagem e seus feitos, além de que todos os

acontecimentos são pela ótica deste personagem. A ligação entre os capítulos são feitos

através dos personagens que possuem alguma afinidade e/ou que estejam tratando do mesmo

tema dentro da história maior.

Discussão e resultados

Em cada cena analisada, pode se identificar todos os pontos do roteiro mencionados

em Comparato (2009). Nas cenas, que uma vez fragmentadas, tomam, de certa forma, o

formato do identificado no livro.

No primeiro fragmento, no qual são apresentados os protetores da Grande Muralha, os

caminhantes brancos e posteriormente a família Stark, é possível identificar todos os pontos

citados por Comparato, pontos esses fundamentais na produção de um roteiro audiovisual.

A ideia, o conflito, as personagens, a ação dramática, o tempo dramático e a unidade

dramática, são facilmente identificados em cada fragmento de cena. Tais elementos, por

exemplo, não fica tão explicito nos capítulos do livro, já que o tempo dramático é um pouco

mais lento.

Uma constatação simples que pode ser observada em todo o seriado, é a fidelidade

encontrada nas cenas quando se relacionadas com o capitulo literário. É claro que para que os

elementos da cena tenham seu espaço no roteiro, muitos outros elementos foram esquecidos

ou mesmo que estejam presentes, se encontram de forma subjetiva.

Hutcheon (2006) diz que a adaptações estão em todo lugar, e que elas não precisam ser

totalmente fieis ao texto original, e isso podemos encontrar nos fragmentos analisados.

No fragmento número 2 por exemplo, quando o conselho do rei está reunido para

decidir o futuro de Daenerys, no audiovisual o foco principal é a confiança que o Rei Robert

deposita em seu amigo e mão do rei Ned Stark, e na frustração que este o causa ao negar

participação em tal decisão. Já nos material literário, a cena é muito mais abrangente,

destacando cada participante do conselho, contando um pouco de sua origem e as atividades

que exercem no castelo do rei.

No fragmento 03, Daenerys está desolada com a morte de seu filho e esposo, também

tem ódio da bruxa que foi a responsável por tais feitos, mas no roteiro audiovisual, Daenerys

tem atividade e usa o momento de queimar os corpos como oportunidade para chamar os seus

contra os inimigos, que agora eram inimigos comuns. No material literário, Daenerys, além de

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sempre pensar em reconquistar seu reino, ela precisa conquistar seu povo e essas partes ficam

em segundo plano do audiovisual.

Logo ao comparar o texto do livro com a Decupagem das cenas identificado nos

fragmentos retirados dos episódios da primeira temporada, podemos ver que a adaptação não

necessariamente precisa ser fidedigna ao material original, mesmo que consigamos identificar

bastantes elementos praticamente idênticos, tais elementos foram adaptados para compor um

roteiro assertivo.

Assim como Stam (2000) que diz que ao exigirmos a fidelidade dos textos, estaríamos

elevando a literatura a um patamar mais alto, deixando a linguagem do audiovisual em uma

posição inferior.

Nos episódios de Game of Thrones, existe sim certa fidelidade com o texto literário,

porém essa fidelidade existe como uma essência do meio de expressão estudada por Stam

(2000). Não necessariamente fidedigna a ponto de trazermos os mesmos elementos da obra

literária para a obra audiovisual.

Considerações finais

Escrever um roteiro é um processo lento, gradual, um degrau de cada vez. Comparato

(2009) diz que depois de percorrer todos os passos da construção, revisões e alterações

necessárias, ai é que se podem chamar de roteiro.

Um roteiro adaptado também é muito trabalhoso e demorado, pois além de ter todos os

cuidados em seguir todos os passos e inserir todos os elementos, o roteirista antes precisa ter o

cuidado de não deturpar a historia e deixa-la irreconhecível para os espectadores.

Mesmo sendo visto como cópias, as adaptações devem manter elementos da historia

original para não perder a sua essência, assim como Amorim (2012) não deixa de frisar.

Neste trabalho, podem-se entender as semelhanças e as dessemelhanças entre uma

obra literária e um roteiro audiovisual adaptado. Pode-se também entender que para de

adaptar uma obra, não é necessário mantê-la fiel em sua totalidade, pois muitos elementos não

caberiam na historia adaptada, outras nem sentido fariam.

Mesmo em uma mega produção audiovisual como a Série Game of Thrones, no qual o

próprio escritor acompanha a criação dos roteiros, cenários e filmagens, adaptações são

necessárias e na maioria das vezes fundamentais. Não extraindo assim o brilho já alcançado

da obra adaptada.

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Como Hutcheon (2006) já disse que o processo de adaptação é algo livre e sem

necessidade de ser fiel, também o processo de criação do roteiro adaptado é livre, desde que

siga os elementos fundamentais do processo citado por Comparato (2009).

O presente trabalho teve como principal intuito estudar essa relação entre o texto

original e o roteiro adaptado, a fim de entender se realmente é necessário haver uma maior

fidelidade entre os dois.

Enquanto nos livros os detalhes não apenas constroem ideias, fornecessem

informações uteis e fascinantes por si só, já na adaptação o escritor e o produtor tem total

liberdade de mudar, pois as mudanças são absolutamente essenciais para se fazer a transição

de uma mídia para outra. (SEGER, 2007)

Sugestões de estudo

Sugiro que para os estudos futuros sobre o tema, outras vertentes sejam estudadas, tais

como o fenômeno que acontece entre os fãs dos livros e série, que se apaixonam de tal forma

que muitos até criam comunidades baseadas na história ficcional.

Também poderia ser estudado o porquê de essa história em específico se destacar tanto

das demais histórias fantásticas existentes na literatura mundial. Qual é o diferencial que esta

história tem em relação às outras.

Referências

AMORIM, Marcel Álvaro de. A tradução/adaptação de obras literárias para o cinema

sob a ótica do dialogismo-intertextual. Ed. Temática, v. 01, p. 1-12, 2012.

BARTHES, R. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1999.

BRASIL, A. Cinema e literatura. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1967.

CARRIÈRE, Jean Claude. A linguagem do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.

COMPARATO, doc. Da criação ao roteiro, Rio de Janeiro, Rocco, 2009.

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(org). Leitura: múltiplos olhares. São Paulo: Mercado das Letras, 2005.

EPSTEIN, Jason. O Negócio do Livro: passado, presente e futuro do mercado editorial.

Rio de Janeiro: Ed. Record, 2002.

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janeiro: Objetiva, 2001.GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São

Paulo: Atlas, 2002.

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16

HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Trad.

Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1991.

JOHNSON, S. Tudo que é ruim é bom para você: como os games e a TV nos tornam

mais inteligentes. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2012.

Maciel, Luis Carlos. Roteiro de Cinema. Record, Rio de janeiro, 2003.

MUSBURGER, Robert B. Roteiro para mídia eletrônica. Rio de Janeiro: Elsevier.

PETTER, Margarida. Linguagem, língua e linguística. Introdução à Linguística. Vol. 1

Objetos Teóricos. São Paulo: Contexto, 2002, P. 11-13.

REY, M. O roteirista profissional tv e cinema. São Paulo: Ática, 1989.

Hayward, Susan (2000). O Estudo de cinema – a chave conceito. Londres: Routledge.

SARTRE, J. P. Qu'est-ce que la littérature? Paris: Gallimard, 1948.

SEGER, Linda. A arte da adaptação: como transformar fatos e ficção em filme. São

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(1989)

STAM, Robert. The dialogics of adaptation. In: NAREMORE, James (Ed.). Film

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Tradução de Natalie Gerhardt, 2008.