Dos periódicos oitocentistas ao...
Transcript of Dos periódicos oitocentistas ao...
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM
LABORATÓRIO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM JORNALISMO – LABJOR
ANA FLORA SCHLINDWEIN
Dos periódicos oitocentistas ao ciberfeminismo:
a circulação das reivindicações feministas no Brasil
Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem e ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Mestre em Divulgação Científica e Cultural na área de concentração de Divulgação Científica e Cultural.
Orientador: Prof. Dr. Marko Synesio Alves Monteiro
Campinas
2012
II
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR
TERESINHA DE JESUS JACINTHO – CRB8/6879 - BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM - UNICAMP
Sch39d
Schlindwein, Ana Flora, 1975-
Dos periódicos oitocentistas ao ciberfeminismo : a circulação das reivindicações feministas no Brasil / Ana Flora Schlindwein. -- Campinas, SP : [s.n.], 2012.
Orientador : Marko Synesio Alves Monteiro. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. 1. Mulheres e jornalismo. 2. Feminismo. 3.
Ciberfeminismo. 4. E-zines. 5. Mídia Digital. I. Monteiro, Marko Synesio Alves, 1975-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital Título em inglês: From the nineteenth-century periodicals to cyberfeminism: the dissemination of feminist demands in Brazil. Palavras-chave em inglês: Woman and jornalism Feminism Cyberfeminism E-zines Digital Media Área de concentração: Divulgação Científica e Cultural. Titulação: Mestra em Divulgação Científica e Cultural. Banca examinadora: Marko Synesio Alves Monteiro [Orientador]
Simone Pallone de Figueiredo Paulo Cesar Teles Data da defesa: 12-12-2012. Programa de Pós-Graduação: Divulgação Científica e Cultural
III
IV
V
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer
ao professor Marko Monteiro por ter aceitado me orientar, bem como por
sua confiança e paciência;
aos professores Simone Pallone de Figueiredo e Paulo Cesar Teles por
terem participado da banca de defesa desta dissertação, assim como por
suas inestimáveis contribuições;
à Alessandra, secretaria do curso, por ter me ajudado em diversas
situações burocráticas;
à minha família, que precisou conviver com a minha ausência;
ao meu companheiro, Gustavo, cuja paciência foi testada ao limite durante
o processo de elaboração deste trabalho.
VI
VII
Was mich nicht umbringt, macht mich stärker1 T1 Friedrich Nietzsche
1 Todas as sugestões de traduções de citações em língua estrangeira usadas nesta obra se encontram no final desta dissertação e seguem a seguinte convenção: a letra “T” para indicar que há uma tradução seguida de um número (iniciado em 1) em ordem crescente.
VIII
IX
RESUMO
O objetivo geral desta pesquisa foi observar como coletivos feministas no Brasil estão (ou não) se apropriando e usando as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) e como as questões sobre gênero estão circulando nesses novos meios. Principalmente no período pós Segunda Guerra Mundial escolas distintas (como a Escola de Frankfurt e a Escola de Toronto de Comunicação, entre outras) tiveram como objetivo entender o lugar das TICs na sociedade, alternando abordagens mais tecnofóbicas ou tecnofílicas. Uma das preocupações desta pesquisa foi mostrar a relação entre as teorizações sobre comunicação e mídia e os coletivos feministas, observando se as abordagens acima mencionadas se fazem (ou não) presentes nas publicações online de grupos de defesa da mulher quando estas tratam das questões de gênero. Após apresentar um panorama da relação entre as feministas brasileiras e a mídia a partir, principalmente, de periódicos (desde o século XIX até o século XXI), esta dissertação traz como corpus de análise o material produzido e publicado no formato e-zine (eletronic fanzine) pelo Grupo de Ação Feminista (GAFe), de Florianópolis (SC). Dentre os quesitos ponderados na escolha desse material estão o período de sua produção, a constante publicação de novos tópicos e o contato entre esse grupo e outros movimentos sociais. A abordagem metodológica adotada foi híbrida - análise de conteúdo e pesquisa interpretativa – e objetivou a saturação dos dados. Os resultados apontam que o coletivo promove uma profunda crítica à subordinação feminina ao aparelho genital e à perpetuação da dualidade de gênero, sendo temas como violência, aborto e direitos da mulher os mais debatidos. As considerações finais mostram que apesar do GAFe se auto-identificar como um coletivo de mulheres e homens que buscam o fim da dualidade de gênero e de afirmarem que o feminismo não é o contrário do machismo, o seu material no geral apresenta uma preocupação maior com questões femininas e delegam ao homem geralmente a figura de opressor. Com relação ao seu posicionamento frente à comunicação e à mídia, tanto momentos tecnofóbicos quanto tecnofílicos são observados.
Palavras-chave: divulgação cultural, feminismo, ciberfeminismo, e-zines,mídia digital.
X
XI
ABSTRACT
The aim of this research was to observe how feminist groups in Brazil are (or are not) taking control and using new information and communication technology (ICT) and how gender issues are moving through these new media. Mainly after the World War II different schools (as Frankfurt School and Toronto School, among others) had as their goal to understand which place the ICTs had in our society, switching more technophobic and technophilic approaches. This research was concerned about showing the relation between communication and media theories and the feminist groups, observing if the approaches mentioned before can (or can not) be found in online publications of women defense groups when they talk about gender issues. After showing a brief view of the relation between Brazilian feminism and the media, mainly through newspapers (since the 19th century until the 21st century), this dissertation has as its corpus the material produced and published in an electronic fanzine format by Grupo de Ação Feminista (GAFe), from Florianópolis (Santa Catarina State). Among the aspects considered to choose that specific material are (a) how long its production lasted, (b) the frequency of new publications and (c) the contact the group had with other social movements. The methodological approach was hybrid – content analysis and interpretative research – and it aimed the data saturation. The results demonstrate the group has a heavy criticism about women subordination to the female reproductive system and about the gender dualism, and themes as violence, abortion and women’s rights as the most debated ones. The Final Considerations show that although considering itself as a group of men and women who search for the end of the gender dualism and stating the feminism is not the opposite of sexism, the material produced by GAFe presents, in general, more debates about women’s issues and men have the role of the oppressor. About its position when the subject is communication and media, the group shows both technophobic and technophilic posture.
Key-words: Woman and journalism; Feminism; Cyberfeminism; E-zines; Digital Media
XII
XIII
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 – Capas das revistas Wired e Galileu .................................... 17
Imagem 2 – Christabel Pankhurst e Annie Kenney …................................ 33
Imagem 3 – Fanzine Ficção………………................................................. 68
Imagem 4 – Fanzine Manifesto Punk ....……………................................ 69
Imagem 5 – Banda Dominatrix ....……...................................................... 71
Imagem 6 – Riot = Not Quiet ..………....................................................... 73
Imagem 7 – VNS Manifesto.............……………....................................... 80
Imagem 8 – Perfil do usuário ………….................……............................. 89
Imagem 9 – Printscreen da carta de apresentação da GAFe ................. 90
Imagem 10 – Barra superior fixa ......................……………….................. 92
Imagem 11 – Barra lateral fixa .................................................................. 92
Imagem 12 - Viva La Resistencia …………….......................................... 93
Imagem 13 – Membro da Via Campesina ............................................... 93
Imagem 14 – Para cada Mulher, de Mabel Burim.................................... 98
Imagem 15 – Legalização do aborto agora! ............................................ 99
Imagem 16 – Colagem ............................................................................... 104
Imagem 17 - Quem são elas? X É nóis! .................................................... 117
Imagem 18 – Resistir para existir ............................................................. 110
Imagem 19 - Soy Feliz, descobri mi clitóris !!! .......................................... 111
Imagem 20 - 1 ano de GAFe! Soy Feliz, descobri mi clitóris !!! ............... 111
XIV
XV
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 17
I. A MÍDIA E O(s) MOVIMENTO(s) FEMINISTA(s) ....................................... 23
1.1. Brevíssimo olhar: algumas teorias sobre a comunicação e as mídias .. 23
1.2 O(s) Movimento(s) Feminista(s) .............................................................. 32
1.3 Gênero e Teoria Queer ............................................................................ 36
II. DOS PERIÓDICOS OITOCENTISTAS ÀS PUBLICAÇÕES DO
FINAL DO SÉCULO XX .................................................................................. 45
2.1. Os primórdios da imprensa feminina e feminista no Brasil ...................... 47
2.2. A virada do século XX: a primeira metade ............................................... 54
2.3 A segunda metade do século XX no Brasil ............................................... 61
III. FANZINES, E-ZINES E O CIBERFEMINISMO .......................................... 67
3.1. Fan(E)Zines Feministas ............................................................................ 71
3.2. Ciberfeminismo .......................................................................................... 75
IV. ANALISANDO O GAFe .............................................................................. 85
4.1 Descrição e Análise ................................................................................... 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 115
REFERENCIAS ................................................................................................ 119
NOTAS DE TRADUÇÃO ................................................................................ 133
ANEXO ......................................................................................................... 137
XVI
INTRODUÇÃO
As capas das revistas Wired2 de janeiro de 2012 e Galileu3 de fevereiro
de 2012 ilustram bem como a mídia tem destacado a si própria e as novas
tecnologias de informação e comunicação (doravante TICs) como elementos de
mudança social, seja em situações na qual há a organização da sociedade em
comunidades virtuais em defesa de certas causas ou em situações chamadas de
“insubordinação civil”, nas quais um grupo de pessoas conta, por exemplo, com o
sistema de telefonia móvel e internet para sua atuação.
Imagem 1 – Capas das revistas Wired e Galileu
2 Wired é uma revista americana lançada em 1993 em São Francisco, Califórnia, e que é atualmente publicada tanto em papel como na internet. Essa revista é uma referência no que diz respeito à relação entre novas tecnologias, cultura, economia e política. 3 A Galileu surgiu em 1998 quando a revista Globo Ciência, que circulava desde 1991, foi rebatizada. De acordo com Flores (2011) a Galileu tem uma circulação nacional de cerca de 149.907 exemplares mensais.
18
Na primeira revista Bill Wasik aponta o que ele chama de paradoxo:
embora as TICs e os aplicativos que são constantemente lançados no mercado
façam de tudo para nos manter fora das multidões, o rápido agrupamento de
jovens que ocorreu no distrito de Tottenham4 em Londres em dois dias do mês de
agosto de 2011 e que ganhou os noticiários internacionais devido a sua
intensidade e violência, deve-se, em parte, pelas trocas de mensagens via celular.
Tonon (2012, p.37 e p.43) no artigo “Faça sua revolução” publicado na
revista Galileu afirma que “com a internet e as redes sociais, nasce uma nova era
de ativismo”. Nesse mesmo texto o entrevistado Ronaldo Lemos5 observa que a
disseminação de ideais que visavam o ativismo de uma certa causa “dependia da
mídia tradicional, de movimentos comunitários ou de mídias alternativas, que
tinham pouco alcance”, o que reforça a ideia da importância da internet como
ferramenta de veiculação de ideologias e de mobilizações. Porém, a tecnologia
por si só não é garantia de que uma mobilização em prol de uma causa ocorrerá
ou dará certo, como aponta o jornalista e escritor americano Malcolm Gladwell6:
ele alerta que muitas pessoas limitam sua contribuição ao mundo virtual, o que o
autor chama de “engajamento de ocasião”. O mesmo é observado por Warf e
Grimes (1997) que afirmam que embora a internet possibilite a manutenção e
expansão de causas existentes – como a luta contra a violência urbana – ela não
as cria. Um exemplo citado na reportagem que ilustra esse conceito de Gladwell
foi a criação em maio de 2011 do evento “Churrascão da Gente Diferenciada”7 na
rede social denominada Facebook que obteve 50.0000 confirmações de presença
no evento, mas que no dia contou com 4.000 pessoas (sendo difícil estipular qual
porcentagem dessas 4.000 de fato pertencem ao grupo de 50.000).
4 A causa apontada para tais revoltas foi a de morte Mark Duggan, um morador do distrito de Tottenham, que teria sido baleado por policiais londrinos. 5 Ronaldo Lemos é professor da Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro) e da Universidade de Oxford (Inglaterra), é fundador da página Overmundo sobre cultura brasileira e é diretor do Creative Commons Brasil. 6 Autor do best-seller Outliers, publicado no Brasil com o título Fora de Série pela editora Sextante. 7 Essa mobilização teve como objetivo protestar contra a oposição que um grupo de moradores da região da Avenida Angélica apresentou para a construção de uma estação de metrô nessa área.
19
As duas reportagens de capa aqui apresentadas trazem a tona uma
abordagem comum ao se lidar com as TICs: a tecnofilia. Muitos estudiosos, como
Marshall McLuhan8 e Pierre Levy9, acreditam que as TICs sejam o caminho que
conduzirá a sociedade para a democracia plena.
Embora a internet seja um espaço onde circulam discursos
contrahegemônicos10 que buscam questionar ou desafiar o status quo e as
instituições legitimadas de poder, dando mais visibilidade a grupos marginalizados
ou minoritários, ela é também usada para “commercial, academic, and military
purposes, reinforces entrenched ideologies of individualism and a definition of the
self through consuption”T2 (WARF e GRIMES, 1997, p.260). Coleman (2010, p.
488) ao comentar a pesquisa de Miller and Slater (2000)11 aponta que as
tecnologias digitais colaboram, em muitos casos, para a reprodução de estruturas
sociais, “catalyzing expansive realizations of self and culture”T3. Como Pickles
(1995) afirma a internet é um produto cultural repleto de relações e sujeito a usos
e desusos do poder.
E qual é o lugar do movimento feminista nesse panorama? Como
coletivos feministas no Brasil estão (ou não) se apropriando e usando as novas
tecnologias de informação e comunicação? A tentativa de responder tais questões
culminou com a elaboração desta pesquisa dentro da proposta apresentada pelo
Mestrado em Divulgação Científica e Cultural, na área de concentração de
Divulgação Científica e Cultural.
Devido às contigências tempo-espaciais apenas um coletivo feminista
(o da cidade de Florianópolis (SC) denominado GAFe - Grupo de Ação Feminista)
foi escolhido como objeto de estudo. Mais especificamente, o material produzido e
publicado por esse grupo na internet – através do seu e-zine - constitui o corpus
de análise desta dissertação. Vários pontos foram considerados para a escolha 8 Para mais detalhes ver MCLUHAN, M (1974). Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem; e MCLUHAN, M (1969). O meio e a mensagem. 9 Para mais detalhes ver LEVY, P (1999). Cibercultura. 10 Warf e Grimes (1997, p.260) definem contrahegemônico como “varied messages from groups and individuals who refuse to take existing ideologies and politics as normal, natural, or necessary, typically swimming against the tide of public opinion”T4. 11 MILLER, D; SLATER, D. The Internet: an ethnographic approach. Oxford/New York: Berg, 2000.
20
desse material, como o período de sua produção (de 2007 a 2011), a constância
na apresentação de novos tópicos e o diálogo estabelecido por esse grupo com
outros movimentos sociais. Porém, antes de iniciarmos a análise dos dados
algumas considerações precisaram ser tecidas.
Primeiramente, o feminismo, tanto no exterior quanto no Brasil, teve
várias fases, iniciando sua luta pelos direitos civis, políticos e trabalhistas que
eram negados às mulheres, passando depois a combater o sexismo expresso de
diversas formas e em diferentes áreas da vida - desde nas relações íntimas e
familiares, até no campo econômico. Durante todo esse trajeto a circulação das
ideias e reivindicações feministas foram de extrema importância para o
movimento, fosse tal compartilhamento feito através de cartazes, panfletos, artigos
em jornais e revistas, livros, dissertações e teses e mais recentemente através de
fanzines e da internet.
As diversas fases apresentadas pelo(s) feminismo(s), tanto o
estrangeiro e brasileiro, serão apresentadas resumidamente no primeiro capítulo
deste trabalho. Tal apresentação tem o intuito de auxiliar o leitor a se localizar
frente as mudanças que o movimento foi sofrendo – sendo o foco principal nesta
pesquisa a relação entre o feminismo brasileiro e a mídia, ou seja, como se deu (e
se dá) a circulação das ideias feministas. Também alguns conceitos-chave, como
o gênero e a heteronormatividade, serão introduzidos visando uma melhor
compreensão dos debates atuais acerca desse movimento. Para se entender
melhor a relação entre feminismo brasileiro e mídia, bem como compreender as
reivindicações feitas pelo GAFe, é necessário ter uma noção sobre algumas das
principais teorias existentes sobre os meios de comunicação, o que será também
feito no capítulo 1.
Portanto, quando apresentamos no capítulo 2 um panorama das
publicações de alguns grupos de mulheres no Brasil (começando no século XIX
indo até o século XX) não estamos propondo uma nova classificação. Nossa
intenção é por em evidência as formas de relacionamento entre a imprensa
feminista brasileira - sempre pensada em conjunto com a imprensa feminina - e a
21
mídia, dando destaque para as formas de veiculação adotadas pelos coletivos
feministas.
Ao finalizar o capítulo 2 observamos que no final do século XX uma
publicação denominada fanzine ocupou um lugar importante no intercâmbio de
ideias e na publicação de reivindicações. Por esse motivo o capítulo 3 buscou
entender melhor esse tipo de periódico, bem como a sua versão mais atual – o e-
zine – e como eles têm sido apropriados por diversos grupos sociais, como o
feminista. Ao estudarmos o e-zine percebemos a necessidade de tratar do
ciberfeminismo, cuja definição se mostra um desafio mesmo para as chamadas
ciberfeminsitas.
Tendo percorrido esse caminho que buscou embasar o trabalho aqui
proposto, o capítulo 4 é constituído pela descrição e análise do material publicado
na Internet pelo grupo GAFe no período de 2007 a 2011. A abordagem adotada
para estudar as publicações foi híbrida - análise de conteúdo e pesquisa
interpretativa – e a adoção de ambas teve como objetivo metodológico a
saturação dos dados.
Durante a análise foi possível observar que o coletivo promove
atividades como oficinas, conversas, intervenções visuais na cidade e a prática de
autodefesa tendo como ponto de partida uma forte crítica à subordinação feminina
ao aparelho genital e à perpetuação da dualidade de gênero. Com relação aos
temas, os mais presentes no e-zine foram o da violência e da saúde
(principalmente no que diz respeito a questões de reprodução e aborto). O
primeiro surge tanto na forma verbal como não-verbal e a violência está
relacionada a diversas questões, como ao gênero, ao sexo, à mídia, à religião e à
legislação. Com relação ao tema saúde, ele geralmente está associado à violência
ou ao fato do governo desamparar a mulher no que tange os cuidados com a sua
saúde, tantos os preventivos quanto os paliativos. Pensando esses dois temas, a
violência e a saúde, em relação ao material como um todo os sentidos que são
trazidos à tona são os da biologização da mulher por parte da ciência, da
medicina, do estado e da sociedade. A mulher é um ser definido e entendido a
22
partir do seu aparelho reprodutor (útero e hormônios) e de seus genes,
compreensão essa que é atacada pelo coletivo.
Porém, apesar do GAFe buscar, por exemplo, alternativas linguísticas
para não marcar a dualidade do gênero (como o uso do @ para incluir o masculino
e o feminino), pois eles se identificam como um grupo de “homens e mulheres que
não gostam de ser homens e mulheres” e por eles defenderem que o feminismo
não é o contrário do machismo, os posts que abordam questões sobre a mulher
são predominantes e a figura do homem ainda é muito associada ao do agressor.
23
I. A MÍDIA E O(s) MOVIMENTO(s) FEMINISTA(s)
Antes de tratarmos da relação do(s) feminismo(s) com a mídia é
importante, ainda que brevemente, entender as abordagens que foram sendo
desenvolvidas pela sociologia ao analisar os meios de comunicação, uma vez que
tanto o(s) movimento(s) feminista(s) como muitos estudos sobre a representação
da mulher pela mídia adotaram – cientes ou não – algumas dessas abordagens.
Ao vislumbrar as diferentes posturas que os estudiosos tiveram frente aos meios
de comunicação e às mídias, posturas essas normalmente denominadas
“escolas”, teremos mais condições de identificar e analisar a presença – ou
ausência – de tais abordagens nas várias fases do(s) movimento(s) feminista(s) -
que também serão tratados neste capítulo - bem como no corpus foco de
interesse deste trabalho (que será analisado no capítulo 4).
1.1. Brevíssimo olhar: algumas teorias sobre a comunicação e as mídias
Ao olharmos o panorama histórico das teorias sociológicas sobre a
comunicação e as mídias notamos uma certa constância de dois posicionamentos
opostos: um tecnofóbico que vê nos meios de comunicação uma ferramenta de
controle das massas (população mimética) e o outro tecnofílico, que pode ser de
cunho comunitarista (a tecnologia nos transformando numa grande aldeia global)
ou tecnicista (a tecnologia seria a solução de vários problemas, sejam eles de
natureza política, econômica ou social) (MAIGRET, 2010).
Essas visões surgiram principalmente depois da primeira Grande
Guerra, embora a sociologia tenha começado a se estabelecer como campo de
conhecimento autônomo no século XIX, através das reflexões de Durkheim, Marx,
24
Weber, Tocqueville entre outros (SCOTT, 2006). A posição em geral pessimista
desses primeiros autores sobre as mudanças tecnológicas e sociais que ocorriam
naquele período influenciou muitos estudos que foram desenvolvidos
posteriormente.
Embora os meios de comunicação não tenham sido um objeto de
destaque nos estudos realizados pelos primeiros cientistas sociais12, Maigret
(2010, p. 57) ressalta que o trabalho de Durkheim13 sobre o suicídio já refuta “a
ideia da influência direta dos jornais sobre as consciências individuais” e
Magalhães (2000) debate a teorização que Tocqueville apresentava sobre a
opinião pública. Foi na primeira metade do século XX que os estudos sobre os
meios de comunicação ganharam evidência ressaltando, por exemplo, os efeitos
nocivos das tecnologias de informação sobre as pessoas. Outra vertente desse
período buscava analisar as relações entre estímulos midiáticos e o
comportamento dos indivíduos.
Entre as décadas de 1930 e 1940, Theodor Adorno e Max Horkheimer –
considerados os fundadores da Escola de Frankfurt (SCOTT, 2006) - elaboraram
uma visão crítica da cultura de massa, postulando que o capitalismo havia
imprimido um perfil industrial à cultura do século XX. Através da oferta de produtos
que promoveriam uma sensação efêmera, mas de satisfação compensatória aos
sujeitos, a indústria cultural submeteria os indivíduos a um monopólio paradoxal
que ofereceria “uma novidade para consumo, uma novidade, todavia, veladora da
mesmice: a repetição e a exaustão são os protótipos daquilo que quer aparecer
como novo e diferente” (BOLOGNESI,1996, p.80). Esse consumo tornaria os
indivíduos acríticos, pois a “indústria da diversão e do lazer faz com que a arte e a
cultura se vejam como integradas ao cotidiano alienante, concomitantemente
como forma de fuga e de inserção” (Idem, ibid.). Cabe notar que embora o termo 12 Alguns exemplos dos poucos trabalhos realizados são o texto de Gabriel Tarde (Les Lois de l’Imitation, 1890) sobre o fluxo de comunicação e o de Marx e Engels (Die heilige Familie oder Kritik der kritischen Kritik, 1844) sobre o romance popular socialista 13 O suicídio - Estudo sociológico de Émile Durkheim (1858-1917) foi publicado pela primeira vez na França, em 1897. Como ressalta Rodrigues (2009, p 702), para Durkheim a explicação do fenômeno do suicídio como fato social dependia da “elaboração de uma taxa social de suicídios, que se constitui por uma tendência, presente em todas as sociedades, de uma "aptidão definida para o suicídio" (DURKHEIM, 1977, p. 16)”.
25
“cultura de massa“ seja inicialmente usado de forma equivalente a “indústria
cultural“, ele passa a ser entendido como a produção vinda do povo e de seus
costumes regionais, enquanto que o que é produzido pela “indústria cultural“ tem
como objetivo o tipo de consumismo anteriormente descrito.
A Teoria Crítica desenvolvida por Adorno e Horkheimer, e continuada e
expandida por Jürgen Habermas nas décadas de 1960 e 1970, “não se
fundamenta na ideia vulgar de estímulo”, pois está baseada na reflexão sobre a
“ideologia no campo da pesquisa sobre os meios de comunicação (...) e em fazer
o elo entre história e comunicação” (MAIGRET, 2010, p.99). A grande crítica que
recai sobre essa teoria é que a “produção dos meios de comunicação é
considerada estereotipada, monolítica em sua elaboração, unificada em seus
efeitos sobre os público” (Idem, p. 102). Após um período de apagamento, a
Escola de Frankfurt será renovada nas décadas de 1960 e 1970 pelos estudos de
Erich Fromm e Herbert Marcuse, que condenarão a sociedade de massa (SCOTT,
2006).
Na década de 1940, paralelamente aos trabalhos da Escola de
Frankfurt, a Escola Americana de Comunicação, ou Mass Communication
Research, foi fundada por Harold Lasswell. Juntamente com Lazarsfeld, Merton e
outros cientistas sociais essa escola ficou conhecida como Funcionalismo
(SCOTT, 2006), pois sua técnica visava a investigação empírica, sendo que os
conhecimentos práticos deveriam advir da experiência. People’s choice (1941),
livro escrito por Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, apresenta a análise das variações
e condicionantes do comportamento dos indivíduos que votaram na eleição
presidencial americana de 194014. Os autores concluíram que o voto não é uma
escolha individual, mas está condicionado a três variáveis (a classe, a origem
geográfica e a religião):
“(...) people who live together under similar external conditions are likely to develop similar needs and interests. They tend to see the world through the same colored
14 Foi nessa eleição que o então presidente Franklin D. Roosevelt foi reeleito pela terceira vez.
26
glasses; they tend to apply to common experiences common interpretations. They will approve of a political candidate who has achieved success in their own walk of life; they will approve of programs which are couched in terms taken from their own occupations and adapted to the moral standards of the groups in which they have a common ‘belonging’”T5 (LAZARSFELD, BERELSON, & GAUDET, 1948, p. 148 apud ARAUJO, 2010, p18).
A propagação de ideias dependeria não apenas dos meios de
comunicação, mas dos chamados opinion leaders (“formadores de opinião”), ou
seja, isso mostraria a importância das relações interpessoais na comunicação. Em
Personal Influence (1955), a partir da enquete de Decatur15 sobre marketing,
moda, cinema e assuntos públicos, Lazarsfeld irá aprofundar seus estudos sobre
opinião pública e sobre seu modelo de comunicação em dois tempos16. Esse
modelo veio substituir a chamada “Teoria das Balas mágicas”:
A teoria das balas mágicas popularizou-se a partir de 1920, e fundava-se no conceito de que o processo de comunicação de massas é equivalente ao que se passa numa galeria de tiro. Bastava atingir o alvo para que este caísse. As balas eram irresistíveis, as pessoas estavam totalmente indefesas (SANTOS, 1992, p. 18)
Já o modelo de comunicação em dois tempos postula que a
comunicação não se dá em um esquema “Estímulo – Resposta” (E → R), mas
dependeria, como mencionado antes, das relações interpessoais (no estudo de
Lazarsfeld tais relações são exemplificadas pela influência dos formadores de
opinião).
Embora se concentrem em questões pontuais, colocando de lado uma
análise global da sociedade, e tenham um excesso de positivismo e um
apagamento de questões ideológicas, as teorizações de Lazarsfeld têm o mérito
de reintroduzir as “redes sociais na análise dos meios de comunicação” e de
15 Oitocentas mulheres da cidade de Decatur, em Illinois (EUA), foram entrevistas em dois momentos diferentes. A tabulação das respostas obtidas nessas duas visitas permitiu identificar quais dentre essas 800 mulheres eram influentes e em que áreas (a saber: bens de consumo, filmes, moda e de interesse público). 16 Em inglês, two-step flow of communication
27
mostrar que “os efeitos dos meios de comunicação são indiretos e limitados,
filtrados pelas capacidades cognitivas dos indivíduos e difundidos
horizontalmente” (MAIGRET, 2010, p.121).
Na década de 1960 a Escola de Toronto de Comunicação, formada por
membros como Innis, Havelock e McLuhan (SCOTT, 2006), traz novas propostas
para se abordar a relação entre tecnologia e sociedade. Marshall McLuhan
escreveu dois livros que se tornaram referência: The Gutenberg Galaxy (1962),
considerada a sua obra mais importante, e Understanding Media (1964). No
primeiro texto McLuhan tece uma análise da evolução midiática (que seria
determinante para as mudanças culturais ocorridas na sociedade humana) e no
segundo ele apresenta a proposta da existência de certas propriedades que
diferenciariam cada um dos meios de comunicação. Para McLuhan:
toda tecnologia se torna um ambiente, ou seja, transforma-se em um ordenador social e cultural e, além disso, essas tecnologias vêm afetar nossos corpos e mentes. A emergência de uma nova tecnologia é uma reprogramação sensorial, elas forjam as formas de ver o mundo, representar as coisas e perceber a nossa própria vida (REVISTA MEIO & MENSAGEM, nº1468, p.4)
Além de defender que as mudanças nas relações do homem na
estrutura da sociedade ocorram por causa das tecnologias, McLuhan acredita que
“os meios de comunicação estruturam a sociedade não por motivos econômicos,
mas sensórios” (MAIGRET, 2010, p.150), ou seja, as questões sociais e
econômicas não ocupam um lugar de destaque na sua teoria. Várias foram as
críticas por ele recebidas, como a feita por Humberto Eco, que disse “C’è del
buono in McLuhan come c’è nei fumatori di banana e negli hippies. Stiamo a
vedere cosa combineranno ancora”T6 (PIGLIACAMPO, 2011, p10), e por Williams
(1990, p.127) que afirmou que “If the medium (..) is the cause, of all other causes,
all that men ordinarily see as history is at once reduced to effects”T7. Maigret
também tece alguns comentários sobre a proposta de McLuhan:
28
O que define os meios de comunicação não é somente o fato de serem prolongamentos mais ou menos precisos dos sentidos humanos, mas serem extensões sociais dos indivíduos e dos grupos que os utilizam para se reunir e se opor: encontramos todas as contradições sociais num mesmo meio de comunicação. (MAIGRET, 2010, p. 153, grifo nosso)
Ainda segundo o autor supra citado, em muitos aspectos os Estudos
Culturais (doravante ECs) – tanto o britânico quanto o americano - poderiam ser
descritos como “uma síntese dos esforços empreendidos (...) sobre o tema cultura
de massa” (idem, p.223). Tais estudos começaram a se constituir no seio de
grupos que buscavam novas abordagens para entender a cultura, que passa a ser
concebida não como uma “expressão orgânica de uma comunidade” ou como uma
“esfera autônoma de formas estéticas”, mas sim como um “contestado e
conflituoso conjunto de práticas de representação ligados ao processo de
composição e recomposição de grupos sociais”17 (FROW e MORRIS, 1997, p.
356).
Como fica evidente, a cultura é uma questão essencial para os ECs e
por ser um conceito tão complexo de ser delineado, a variação de definições do
que sejam os ECs é algo esperado. Encontramos desde concepções mais amplas
como: (a) “um conjunto de abordagens, problematizações e reflexões situadas na
confluência de vários campos já estabelecidos” (COSTA, SILVEIRA e SOMMER,
2003, p. 40); (b) “[ECs] accretes various tendencies that are splintering the human
sciences (…)T8” e ao invés de focar produções artísticas tradicionais, lideranças
governamentais ou dados sociais quantitativos, eles tratam das “subcultures,
popular media, music, clothing, and sportsT9” (MILLER, 2001, p.01); (c) até a
proposta por Maigret (2010, p.240) “os ECs trazem um modelo de negociação do
sentido ou da comunicação polifônica que permite ultrapassar as oposições
radicais entre cultura nobre/dominante e cultura popular/dominada”
17 No original: “contested and conflictual set of practices of representation bound up with the processes of formation and re-formation of social groups”
29
Os dois principais acontecimentos históricos que corroboraram para o
surgimento dos ECs foram o fim de impérios coloniais, como o Britânico, o
Francês e o Português e as mudanças das relações culturais em sociedades
capitalistas. Sua origem é atribuída à criação, na Universidade de Birmingham, do
Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (em inglês a sigla é CCCS), em
1964 (SANCHES, 2011) e são geralmente citados como fundadores dos ECs
britânicos Richard Hoggart, Edward Thompson, Stuart Hall e Raymond Williams
(MATTELART e NEVEU, 2010).
Hoggart publicou The Uses of Literacy: aspects of working-class life
with special reference to publications and entertainments, em 1957, no qual
descreveu a vida diária dos trabalhadores britânicos, assim como sua relação com
os modernos meios de comunicação. A obra de Thompson apontada como sendo
sua contribuição chave foi The Making of The English Working Class (1963), na
qual ele focou a vida e as “práticas de resistência das classes populares”. Sua
abordagem lhe garantiu fortes críticas dos marxistas que defendiam o modelo
estruturalista18. Williams possui dois livros que juntos são referência nos ECs:
Culture and Society (1958) e The Long Revolution (1961). No primeiro ele
aborda como a noção de cultura foi se constituindo e se modificando desde o
século XVIII até o século XX através de escritores como Carlyle, Arnold, T.S. Eliot
entre outros; no segundo ele investiga a relação entre mudança social e os
sistemas educacionais (e o acesso à alfabetização) e de comunicação. Hall, por
sua vez, trata - através de inúmeros artigos - de temas variados, que incluem
desde a fotografia e seu uso pela impressa até o movimento punk (MATTELART e
NEVEU, 2004, p.46). Através de seus textos, Hall apresenta a cultura como um
espaço de conflitos:
a cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos — e mais imprevisíveis — da mudança histórica no novo milênio. Não deve nos surpreender, então, que as lutas pelo poder sejam, crescentemente, simbólicas e discursivas, ao invés de
18 Em 1978 Thompson publicou The Poverty of Theory, livro no qual ele critica os pensamentos de Louis Althusser e a influência do modelo estruturalista na teoria Marxista da época.
30
tomar, simplesmente, uma forma física e compulsiva, e que as próprias políticas assumam progressivamente a feição de uma “política cultural” (HALL, 1997, p.20)
A importância desses autores, segundo Maigret (2010, p.226), foi ter
tornado possível uma “reflexão distanciada da teoria da Escola de Frankfurt, mas
reivindicando o pertencimento a uma nova esquerda”. Vários outros autores19
contribuíram para os ECs, como os pesquisadores da vertente americana20, que
propuseram uma reestruturação disciplinar para se trabalhar com essa nova
abordagem, realizando “deslocamentos teóricos e metodológicos”, ao mesmo
tempo em que se colocaram contra os WASPs21, “aliando-se” às lutas de grupos
marginalizados, como o das mulheres, dos negros e dos homossexuais.
Embora ressalte que os ECs geralmente não aprovam oposições
binárias, pois elas falham em reconhecer a interdependência logocêntrica das
oposições supostas, Miller (2001) propõe um quadro no qual mostra trabalhos que
podem ser considerados como ECs e trabalhos que não poderiam ser
identificados como tal. A seguir alguns dos estudos usados como exemplos são
mostrados.
Tabela 1 – Estudos Culturais
ESTUDOS CULTURAIS
O que é O que não é
Moda Design técnico
Semiótica social Lingüística formalista
Saúde pública crítica Treinamento médico
Os estudos listados na coluna da esquerda colocam em evidência o
“comprometimento do conhecimento articulado com a mudança social”. Já a 19 Veja o quadro em ANEXO proposto por Richard Maxwell em “Cultural Studies”. In Understanding Contemporary Society: Theories of the Present, eds. Gary Browning, Abigail Halci, and Frank Webster, London: Sage, 281-95. 20 Nos EUA departamentos inteiros foram criados em diversas universidades visando estabelecer os ECs como uma área de estudo reconhecida. 21 Sigla de White, Anglo-Saxon and Protestant, ou seja, Branco, Anglo-Saxão e Protestante.
31
coluna da direita mostra a correlação do “conhecimento articulado com a
reprodução social” (MILLER, 2001, p.07).
Alguns estudiosos entendem que partes dos estudos feministas (assim
como a Teoria Queer) são uma vertente dos Estudos Culturais, principalmente
quando se voltam para o Women’s Studies Group (composto por escritoras como
Charlotte Brunsdon e Dorothy Hobson) que fazia parte do Centro de Birmingham.
Esse grupo publicou em 1978 o Women take issue: aspects of women's
subordination22 no qual discussões sobre gênero foram apresentadas. Porém
Brunsdon (1996), em seu texto “A thief in the night: Stories of feminism in the
1970’s at CCSS”23, observa que a relação entre o feminismo e o Centro de
Birmingham - que teve início em 1973-4 - foi caracterizada por tensões (das 10
edições24 do Centro, apenas quatro tinham artigos sobre mulheres). Em 1981
ocorreu a publicação do texto que ela considera como um símbolo do
encerramento dessa primeira fase de coexistência dos grupos:
Women’s continuing ‘invisibility’ in the journal, and in much of the intellectual work done within CCCS (although things are changing), is the result of a complex of factors, which although in their particular combination are specific to our own relatively privileged situation, are not unique to it. We want here to outline some of the problems the Women’s Studies Group has faced, in a way which gives this book some sort of history, but also attempts to deals with more general problems of women’s studies and trying to do feminist intellectual work. (Editorial Group, Women’s Studies Group Centre for Contemporary Cultural Studies University of Birmingham, Women, 1978, p.7 apud MCGUIGAN, 1992, p. 31)T10
22 Como observam Costa, Silveira e Sommer (2003, p.42), Women take issue “em inglês é um trocadilho linguístico de duplo sentido. Significa tanto o número ou edição de uma publicação, indicando, neste caso, que as mulheres se apossaram da publicação da revista do Centro de Birmingham, como também take issue quer dizer discordar, referindo-se, assim, ao fato de que as intelectuais feministas introduziram suas vozes discordantes nos EC” (HALL, 1996). 23 Esse texto faz parte da coletânea Stuart Hall – critical dialogues in cultural studies organizado por David Morley e Kuan-Hsing Chen, publicado em 1996 pela Routledge. 24 A primeira edição de Working Papers in Cultural Studies foi lançada em 1971.
32
Se ampliarmos o nosso olhar para publicações feitas por mulheres
sobre as mulheres e que de alguma forma reivindicavam uma mudança na
maneira como a mulher era vista ou tratada pela sociedade em geral e pelos
homens, buscando assim estabelecer padrões mais justos de tratamento e
convivência, concluiremos que embora o feminismo tenha vários pontos de
tangência com os Estudos Culturais (e que em alguns casos tais estudos se
entrelacem, principalmente quando abordam a mídia), a teoria feminista é uma
área de conhecimento autônoma, como iremos ver a seguir.
1.2. O(s) Movimento(s) Feminista(s) Women have been kept ‘off the record’ in most, if not all, branches of knowledge by the simple process of men naming the world as it appears to them. They have taken themselves as the starting point, defined themselves as central, and then proceeded to describe the rest of the world in relation to themselves.T11 Dale Spender25
Conforme o contexto sócio, histórico, econômico e cultural, as
demandas das mulheres foram se alterando. Geralmente as reivindicações
feministas são divididas em períodos denominados “ondas” (COSTA, 2002;
NOGUEIRA, 2001). A primeira onda26 ocorreu no final do século XVIII até o
começo do século XX, dependendo do país observado. Ela é caracterizada pelo
seu nascimento como movimento organizado27 e pela luta feminina pela igualdade
de direitos civis, tais como espaço na vida política e acesso à educação, que eram
naquela época privilégios dos homens.
25 Spender, D. Invisible Women: The Schooling Scandal. London: Writers & Readers, 1982. 26 Também chamada de primeira geração 27 Christine de Pizan (séculos XIV-XV), Lucrécia Marinelli, Moderata Fonte e Arcângela Tarabotti (Século XVII) às vezes são apontadas como precursoras do movimento feminista (GARCIA, 2011), mas como elas eram vozes isoladas não são consideradas como o marco do início do movimento (entendido como um grupo de mulheres).
33
Imagem 2: Christabel Pankhurst e Annie
Kenney Fonte: http://herstoria.com/?p=253
A primeira onda feminista é
constantemente associada ao movimento
sufragista que ocorreu em países como a
Inglaterra, a França, os Estados Unidos e a
Espanha, pois ele exigia o acesso à vida política28
por parte das mulheres, bem como inventou
manifestações como “a interrupção de oradores
mediante perguntas sistemáticas, a greve de fome”
entre outras formas de protestos que “logo foram
seguidas por outros movimentos políticos como o
sindicalismo e o movimento em prol dos direitos
civis” (GARCIA, 2011, p.58).
Se olharmos para militantes de destaque
desse período inicial, como Harriet Taylor
(sufragista inglesa, casada com Stuart Mill), Flora Tristán (socialista utópica
francesa), Clara Zetkin (socialista marxista alemã, diretora da revista Die
Gliechteit) e Alexandra Kollontai (socialista marxista russa) e Emma Goldman
(anarquista), já é possível ver a pluralidade do movimento feminista, diversificação
essa que irá se intensificar nas décadas seguintes.
Devido à ocorrência de duas grandes guerras (a primeira de 1914 a
1918 e a segunda de 1938 a 1945), a segunda onda feminista começou a ganhar
corpo apenas na década de 1960, tendo destaque em países como a França e os
Estados Unidos, e sendo marcada pelo lema “O privado é político”29. Entre as
décadas de 1960 e 1980 as mulheres questionavam a suposta superioridade
masculina, condenavam as diversas formas de repressão e violência contra a
mulher, assim como o controle de seus corpos, e lutavam por melhores condições
de trabalho. 28 Em 1868 Elizabeth Cady Stanton fundou a Associação Nacional pelo Sufrágio da Mulher nos Estados Unidos. 29 Não se sabe quem cunhou com certeza esse lema, porém ele foi popularizado graças ao artigo "The Personal is Political" escrito por Carol Hanischs e publicado na antologia Notes From the Second Year: Women's Liberation em New York pela Radical Feminism em 1970.
34
Alguns estudiosos30 dividem os primeiros anos da segunda onda em
duas vertentes denominadas “feminismo da igualdade” e “feminismo da
diferença”31. O primeiro afirmava que homens e mulheres eram iguais e, portanto,
deveriam ter os mesmos direitos e deveres. Embora lutasse contra a inferiorização
da mulher, colocando-a no mesmo patamar que o homem, essa vertente adotou
como referência a posição masculina, se tornando um feminismo das “mulheres
brancas heterossexuais da classe média” (FRASER, 1996, p. 201). A segunda
vertente buscava evidenciar a história da mulher e o seu silenciamento,
salientando as diferenças entre homens e mulheres, concebendo a existência de
uma “natureza feminina”. Autoras como Haraway (1991) e Buttler (1997) alegam
que essa linha acaba por enfatizar uma “mulher universal”, assim como promove
uma “romantização” de valores considerados femininos.
A terceira onde surgiu no final da década de 1980 e começo da de 1990
sob a influência de pensadores como Michel Foucault e de Jacques Derrida
(MISKOLCI, 2009). Questões sobre a alteridade, a subjetividade e a sua
construção através dos discursos são trazidas à tona, e há um deslocamento do
debate sobre o sexo para o conceito de gênero (que será detalhado a seguir).
Esta brevíssima apresentação do movimento feminista demonstra como
ele é plural desde sua origem, por isso a divisão do feminismo em ondas tem sido
revista e discutida por vários autores, como os citados por Ginzberg (2002) -
dentre eles Terborg-Penn (1998), Peterson (1995), Newman (1999), Isenberg
(1998) McFadden (1999) e Anderson (2000) que buscam novas abordagens sobre
o feminismo do século XIX -, e os comentados por Evans (2002, p.259), como
Brownmiller (1999), Rosen (2000), e Baxandall Gordon (2000) e Deslippe (2000),
que revisitam a segunda onda do feminismo, motivados pela seguinte pergunta:
"how to approach this massive, dy-namic, thrilling, angry, and incredibly diverse
30 Como MAFFIA, D. “Crítica Feminista à Ciência”. In COSTA, A.; SARDENBERG, C. Feminismo, Ciência e Tecnologia. Salvador: REDOR/NEIM-FFCH/UFBA, 2002; e OLIVEIRA, R.. Elogio da diferença. São Paulo: Brasiliense, 1993. 31 De acordo com Schienbinger (2001), o “feminismo da diferença” teria contribuído para refutar a neutralidade de gênero das ciências, revelando que valores considerados femininos foram excluídos das ciências e que desigualdades de gênero foram construídas na produção e estrutura do conhecimento.
35
movement”T12? Com relação à terceira onda, Harris (2008) irá apresentar uma
análise que propõe três grandes formas de abordá-la (cohort-based, age-based e
theory-based)T13 sugerindo que essa onda feminista pode ser melhor
compreendida como uma “identidade” do que como uma perspectiva teórica
distinta.
Se pensarmos no contexto brasileiro a separação seria diferente. Por
exemplo, Duarte (2003) ao pesquisar a relação entre o feminismo e a literatura
propõe a seguinte divisão:
primeiro momento, em torno de 1830 - o foco era a reivindicação da
educação para as mulheres;
segundo momento, 1870 – buscava a ampliação do acesso è
educação bem como começam a pedir o direito ao voto;
terceiro momento, 1920 – exigência ao direito de votar, ao curso
superior e à ampliação do campo de trabalho; e
quarto momento, 1970 – período de grandes debates sobre a
sexualidade, o direito ao prazer e ao aborto, à participação política e
de produção acadêmico e literária.
Se observarmos o quadro do pensamento teórico feminista nos últimos
50 anos - tanto no Brasil quanto no exterior - veremos que ele é marcado por
muitas crises, mudanças e divergências. Entre as décadas de 1960 e 1970
ocorreu a introdução da categoria “gênero” como conceito analítico, o que
substituiu a noção de “identidade”. Com isso há uma mudança de abordagem dos
estudos feministas que passam a examinar os processos de construção das
relações de gênero e como o poder articula tais relações em certos contextos
sócio, histórico e econômicos. Outra teoria que ganhou corpo no final da década
de 1980 ao estabelecer um contraponto crítico aos estudos que eram realizados
sobre às chamadas minorias sexuais e à política identitária de movimentos sociais
36
foi a teoria Queer32. Partindo do pressuposto que a sexualidade é uma construção
social e histórica e “questionando a concepção cartesiana do sujeito33 como base
de uma ontologia e de uma epistemologia” (MISKOLCI, 2009, p.152), a teoria
Queer abriu novas formas de se abordar questões caras para o feminismo, como
por exemplo a definição do ser “mulher” e a dualidade homem-mulher.
Pelas razões acima mencionadas tanto o conceito de gênero como a
teoria Queer serão tratados com mais detalhes a seguir, pois ambos serão peças-
chave para a compreensão dos movimentos feministas atuais, bem como para a
análise do corpus desta pesquisa.
1.2 Gênero e Teoria Queer
Nancy Fraser (1996) ao analisar os debates feministas que tinham
como foco a noção de diferença, nos Estados Unidos, propôs a existência de três
tendências teóricas. A primeira foi presente no final da década de 1960 e durante
a década de 1970 (e que sofreu forte influência dos escritos de Gayle Rubin34 e de
sua noção de sexo/gênero35) e concebia a diferença baseada no gênero, ou seja,
entre o homem e a mulher. Apesar da ausência de consenso sobre a explicação36
da existência de tal distinção, a diferença de gênero ocupava um lugar de
destaque.
A partir da década de 1970 o debate sobre a alteridade começa a
ganhar corpo principalmente dentro de movimentos anticoloniais, de grupos que 32 Miskolci (2009, p.152) - ao comentar o termo inglês queer a partir de Jagose (1996) - observa que ele “é muito antigo e tinha, originalmente, uma conotação negativa e agressiva contra aqueles que rompiam normas de gênero e sexualidade”. 33 Miskolci (2009) sugere a leitura de A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, de Stuart Hall, que faz uma análise do processo de “abandono” do sujeito cartesiano. 34 A noção de sexo/gênero era descrita por Rubin como um conjunto de disposições a partir dos quais uma sociedade convertia a sexualidade biológica em produtos da ação humana. RUBIN, G. The traffic in women: notes on the “political economy” of sex. In REITER, R, (Ed.) Toward an anthropology of women. New York: Monthly Review Press, 1975, pp.157-210. 35 Linda Nicholson (2000) critica essa noção de Rubin, pois Rubin não problematizaria as categorias binárias que a compõe. 36 As explicações incluíam diferenças culturais, biológicas ou uma combinação de ambos.
37
tratavam de questões étnicas e raciais e dos coletivos de mulheres e
homossexuais. Houve um descentramento da noção de sujeito37 e a proliferação
de debates sobre conceitos como marginalidade, alteridade e diferença
(HOLLANDA, 1994).
Na década 1980 várias críticas de diversas autoras feministas foram
direcionadas à adoção da palavra “mulher” como um termo que englobaria de
forma unificadora todas as mulheres38 em prol de uma mesma luta. Tal
mobilização, além de reivindicar interesses que seriam comuns a essas mulheres,
também combateria a posição de oprimidas que as mesmas ocupavam na
sociedade. Mas como a opressão sofrida por uma mulher branca, rica, de um
centro urbano pode ser igual a de uma mulher negra39, pobre e da região rural?
Essa pergunta aparentemente simples colocou em cheque o chamado “Feminismo
Clássico”40, pois ela evidenciou o apagamento das diferenças existentes ao se
adotar o termo “mulher” como coletivo de seres que seriam “iguais” frente à
discriminação e ao patriarcalismo, e mostrou que somente a distinção de gênero
não era explicação suficiente para a opressão sofrida por diferentes mulheres.
A terceira e última tendência apontada por Fraser (1996) é constituída
por ter iniciado trabalhos que enfocavam não apenas a diferença entre as
mulheres (como fez a tendência anterior), mas que apontavam para as diferenças
no interior das próprias mulheres.
Algumas teóricas feministas buscaram pensar a categoria de gênero a
partir do pós-estruturalismo, como Donna Haraway (1991, 1994). Haraway ao
escrever um ensaio sobre a palavra ‘gênero’ comenta que esse termo além de
utilizado para análises de cunho lingüístico estava sendo associado nas últimas
décadas aos conceitos de sexo e orientação sexual, e para a elaboração de uma
37 Vide as discussões realizadas por Foucault, Deleuze, Barthes, Derrida e Kristeva, como aponta Hollanda (1994, p.09). 38 Fossem elas brancas, negras ou asiáticas, ricas, classe média ou pobres, jovens, maduras ou idosas. 39 Um exemplo fascinante é o de Sojourner Truth, escrava liberta de Nova York, que foi precursora do movimento feminista negro (GARCIA, 2011). 40 O Feminismo Clássico geralmente se refere ao período em que as feministas tinham uma proposta de igualdade que pretendiam que fosse universal, extinguindo dessa forma a desigualdade e a discriminação contra a qual lutavam.
38
“classificação de sistemas de diferença” (HARAWAY, 1991, p.130), de tal maneira
que o conceito gênero acabou por representar oposições binárias. A autora
propõe então a imagem do ciborgue como símbolo para o feminismo do final do
século XX. De acordo com Santaella (2007, p.40) o termo ciborgue tem origem em
1960, através da junção do início da palavra “cybernetic” com o início da palavra
“organism”, cuja criação se deve a Clynes e Nathan Kline. A partir de então
a ideia de um ser humano ampliado pelas tecnologias começou a se generalizar e, quando Haraway fez uso do termo, o imaginário cultural acerca desse ser híbrido já estava suficientemente fertilizado pelo cinema e pela TV (Idem, ibid.).
Portanto a escolha de Haraway reside no fato do ciborgue unir de forma
difusa categorias como orgânico e máquina (é muito difícil – ou até mesmo
impossível - separar o que é organismo do que não é), apresentando assim um
ser-artefato. Santaella continua sua reflexão sobre a presença constante do
ciborgue nos discursos feministas mais recentes, comentando que:
O interesse das feministas nas tecnologias políticas do corpo resulta do papel que o corpo, como figura socialmente construída, desempenha nos modos pelos quais a cultura é processada e orientada (Halberstam e Livingston, 1995). Reivindicar a existência de corpos pós-humanos significa deslocar, tirar do lugar, as velhas identidades e orientações hierárquicas, patriarcais, centradas em valores masculinos (...) Com seu questionamento das dicotomias ocidentais entre mente/corpo, organismo/máquina, natureza/cultura, antinomias estas que também davam suporte ao patriarcado, a ideia do ciborgue penetrou intensamente na cultura, colocando em questão não apenas a relação do humano com a tecnologia, mas a própria ontologia do sujeito humano (SANTAELLA, 2007, p.39).
Portanto Haraway (1994) consegue com o seu ciborgue um ser do
mundo pós-gênero.
39
Outras duas autoras que merecem destaque são Judith Butler (1986;
1990) e Teresa de Lauretis (1990; 1994), ambas geralmente citadas como teóricas
Queer. A teoria Queer emergiu no final da década de 1980 nos Estados Unidos
através da contestação aos estudos que eram feitos sobre as chamadas minorias
sexuais. Como aponta Miskolci (2009, p.151) “a despeito das boas intenções, os
estudos sobre minorias terminavam por manter e naturalizar a norma
heterossexual”. Annamarie Jagose, estudiosa da teoria Queer, a define da
seguinte maneira:
Broadly speaking, queer describes those gestures or analytical models which dramatize incoherences in the allegedly stable relations between chromosomal sex, gender and sexual desire. Resisting that model of stability – which claims heterosexuality as its origin, when it is more properly its effect – queer focuses on mismatches between sex, gender and desire (JAGOSE, 1996, p.3)T14.
Portanto os teóricos Queer buscam a multiplicidade das configurações
identitárias, evitando a falsa estabilidade de uma identidade marcada pela
naturalização da dualidade sexual e da normatividade heterossexual. Seus
estudos não se restringem a questões que envolvem a homossexualidade apenas,
pois problematizam a naturalização da sexualidade:
Institutionally, queer has been associated most prominently with lesbian and gay subjects, but its analytic framework also includes such topics as cross-dressing, hermaphroditism, gender ambiguity and gender corrective surgery. Whether as transvestite performance or academic deconstruction, queer also locates and exploits the incoherences in those three terms which stabilize heterosexuality. Demonstrating the impossibility of any ‘natural’ sexuality, it calls into question even the apparently unproblematic terms as ‘man’ and ‘woman’. (JAGOSE, 1996, p.03)T15.
40
Uma das influências que a teoria Queer recebeu foi a dos trabalhos de
Foucault sobre a sexualidade, influência esta que está presente na sua
compreensão da sexualidade como um dispositivo histórico de poder:
A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se aprende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder (FOUCAULT, 2005, p.100)
Também influenciada pelas propostas de Foucault41, Judith Butler é
uma importante pensadora42 que apontou a instabilidade da categoria mulher, bem
como desconstruiu43 o conceito de gênero44. Em seu livro Gender Trouble a
pensadora irá abordar dois pontos fundamentais tanto para o atual feminismo
quanto para a teoria Queer: a heteronomartividade (chamada de “matriz
heterossexual”) e o processo que tornou natural a correspondência entre aparelho
reprodutivo humano (dualidade genital), a representação social do sexo (chamada
de identidade de gênero) e o desejo sexual. Monteiro (2000, p.122) aponta que ao
refletir sobre a filosofia em geral e sobre as teorias lésbicas e feministas, Butler fez
emergir debates a respeito do sujeito, do corpo humano e da biologia e como a
“epistemologia ocidental associa de forma particular esses elementos a fim de
41 Monteiro (2006, p.7-8) observa que Foucault “é visto pelas correntes “pós-modernas” com um autor fundamental, que possibilita vislumbrar saídas produzidas para impasses colocados pela racionalidade moderna. Ao mesmo tempo é combatido por autores contrários a essa corrente como um filósofo irracionalista, que vê poder em toda a parte que, ao negar a possibilidade de ação do sujeito, impossibilita qualquer mudança política”. 42 Além de tratar sobre gênero e sexualidade, Judith Butler aborda questões que envolvem a psicanálise, a filosofia judaica, a ética, a política e a filosofia ocidental dos séculos 19 e 20 (PORCHAT, 2010). 43 A desconstrução conduzida por Butler é paralela a que Derrida realizou com a unidade do signo linguístico e a estrutura binária significante/signifcado. Para maior detalhes ver DERRIDA, J. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2004. 44 “The problems encountered in elaborating a theory of the body beyond the sex/gender distinction are paralled by problems that feminists have found with orthodox Marxist approaches to women’s oppression in terms of the dualism of ideology/material base”T16. McNAY (1994, p. 24).
41
“naturalizar”45 uma posição de sujeito e engendrar lugares específicos para o
homem e para a mulher”. Um bom exemplo desse processo de naturalização é
mostrado através da pesquisa realizada por Stepan (1994) que focou as analogias
que associavam a raça ao gênero nos séculos XIX e XX. Durante o século XIX “o
cientista podia usar a diferença racial para explicar a diferença de gênero e vice-
versa” (idem, p.74) e como o peso dos cérebros de mulheres brancas era menor
do que dos homens brancos e era análogo ao peso dos cérebros de ‘raças
inferiores’, como a dos negros e asiáticos, as mulheres eram consideradas seres
inferiores.
Retomando o pensamento de Butler, ela estabelece que a divisão
“masculino” e “feminino” não é um dado da natureza, pois as categorizações de
gênero (homem e mulher), assim como as de desejo sexual (hetero, homo e
bissexual) são resultantes de inúmeras construções históricas e do efeito da
opressão patriarcal. Como Costa (2003) tão bem sintetiza a questão do gênero
para Butler:
Gênero é um conhecimento/discurso que estabelece significados para as diferenças sexuais, ou seja, o gênero é o conhecimento que constitui o sexo e a diferença sexual (masculino ou feminino), a qual irá representar. Não há gênero por trás do discurso do gênero; ele é uma ficção reguladora que cria uma falsa unidade (identidade) a partir de elementos heterogêneos. A aparente coerência interna entre sexo/gênero/sexualidade e desejo (heterossexual) é uma dessas ficções (ou efeito de linguagem) constitutivas de oposições binárias entre masculino e feminino que, por sua vez, são incompatíveis com a imensa variabilidade humana. Em outras palavras, o gênero masculino/feminino assinala um lugar ontológico fundamentalmente inabitável (COSTA, 2003, p.172)
45 Outro exemplo dessa “naturalização” de uma posição sujeito no que tange questões sobre raça está presente no livro The Bell Curve (A Curva do Sino), publicado em 1994. Richard Herrnstein e Charles Murray, baseados nos resultados de testes de QI (coeficiente de inteligência), afirmavam a existência de diferenças entre raças, sendo que os brancos tinham médias melhores que os negros.
42
Femenías (2003) comenta que as ponderações de Butler são
consideradas mais polêmicas e ousadas que a corrente feminista pós-moderna, a
ponto de muitos a denominarem pós-feminista.
Já a crítica de Teresa de Lauretis sobre a noção de gênero reside na
sua tendência de universalização da dicotomia homem/mulher, contra a qual ela
propõe o uso da noção de “subjetividade múltipla” e o conceito de “sujeito do
feminismo”.
Who or what is a woman? Who or what am I? And, as it posed those questions, feminism – as a social movement of and for women – discovered the nonbeing of woman: the paradox of a being that is at once captive and absent in discourse, constantly spoken of but of itself inaudible or inexpressible, displayed as spectacle and still unrepresented or unrepresentable, invisible yet constituted as the object and the guarantee of vision; a being whose existence and specificity are simultaneously asserted and denied, negated and controlled. (De Lauretis, 1990, p.115)T17
Hollanda (1994, p.17) aponta que a grande vantagem do conceito de
sujeito do feminismo é atuar em um “espaço ambíguo” e fora dos tradicionais
quadros de representação.
Os debates sobre o gênero e a teoria Queer serão retomadas ao longo
desta pesquisa, principalmente no capítulo 3, quando ao abordarmos a questão do
ciberfeminismo veremos que ele é constituído por uma convergência de posturas
provenientes dos estudos sobre os meios de comunicação e mídias (brevemente
apresentados no início deste capítulo) e de diversas formas de se teorizar o
feminismo. Tal discussão estará presente também no capítulo 4 durante o
desenvolvimento da análise do corpus.
Complementado o panorama geral do(s) movimento(s) feministas
descrito(s) neste capítulo, o próximo focará o surgimento das chamadas “imprensa
feminina” e “imprensa feminista” no Brasil. Apontaremos o que distingui as duas,
dando ênfase no desenvolvimento da segunda, buscando observar quais eram as
43
reivindicações desse coletivo em terras nacionais e como ele foi se apropriando de
diferentes mídias para a divulgação de seus ideais.
44
45
II. DOS PERIÓDICOS OITOCENTISTAS ÀS PUBLICAÇÕES DO FINAL DO SÉCULO XX
Um dos pontos centrais desta pesquisa é abordar a circulação das
reivindicações feministas no Brasil e sua relação com os meios comunicacionais –
como periódicos impressos e mais recentemente a internet - portanto faz-se
necessário olhar, ainda que de forma sucinta, o surgimento da imprensa feminista
brasileira no século 19 e como ela foi se apropriando das mídias que foram
surgindo desde aquele período até os dias de hoje.
O século 19 não foi escolhido de forma aleatória. Com a transferência
da Corte Portuguesa para o Brasil, mais precisamente para o Rio de Janeiro, em
1808, foi criada a Imprensa Régia e diversos tipos de impressão – como panfletos
e jornais - começaram a serem produzidos. Os primeiros periódicos brasileiros do
século XIX apresentavam a figura da mulher de maneira rarefeita. Sua presença,
quando ocorria, referia-se a transação comercial de escravas negras46, em um
espaço que seria equivalente aos classificados dos jornais de hoje. Isso irá mudar
a partir da segunda metade da década de 1820, com o surgimento da chamada
imprensa feminina. Serra (1997, p.23) comenta que os editores e livreiros
perceberam o potencial de um novo público leitor, o da “sinhazinha”, e um
considerável número de periódicos “dedicados aos interesses da mulher”47
passaram a ser produzidos. Em sua maioria eles traziam conteúdo sobre moda,
medicina doméstica e literatura (romances e poemas).
46 Apesar da economia escravocata ser predominante e a mulher aparecer geralmente nos periódicos como escravas sendo negociadas, Martins (2008), baseada no trabalho de Marcus Carvalho, comenta que um número considerável de mulheres livres anunciavam sua disponibilidade para trabalhos domésticos em jornais que circulavam no Recife na década de 1840. 47 De acordo com Perrot (2007), no século XVIII surge na Europa a primeira imprensa feminina especializada – a da moda – que no início é feita por homens, mas que aos poucos vai abrindo espaço para as mulheres, apresentando, durante o século XIX, um grande desenvolvimento. Virginia Woolf (1995, p.92) expressou o que pensava sobre esse tipo de publicação “There is much to support the view that it is clothes that wear us and not we them; we may make them take the mould of arm or breast, but they would mould our hearts, our brains, our tongues to their liking”T18.
46
Juntamente com a imprensa feminina surgia a imprensa feminista. De
acordo com Buitoni (1990, p.16) a diferenciação entre as duas é a seguinte: a
“imprensa feminina é aquela dirigida e pensada para mulheres. A feminista,
embora se dirija ao mesmo público, se distingue pelo fato de defender causas”.
Perrot (2007, p.34) também diferencia a imprensa feminina da feminista dizendo
que a última “é mais engajada”.
Porém, a diferenciação entre as duas no século XIX nem sempre é
uma tarefa fácil. Embora existissem publicações que exigiam algumas mudanças
sociais - como o direito amplo à educação - a maioria dos jornais e revistas que
circulava no século XIX no Brasil valorizava a mulher no papel de esposa
submissa e mãe dedicada, sendo ela a responsável pela moral e pelos bons
costumes familiares.
Buitoni (2009), em seu livro Mulher de papel aborda a imprensa
feminina brasileira a partir da análise de publicações como o Correio das Modas,
de 1841 até revistas da década de 1990, como a Capricho e Marie Claire. Sua
pesquisa foi guiada pelas seguintes questões:
Que estereótipos, modas, modelos, modismo, estrangeirismos, nacionalismos, enfim, qual ideologia foi transmitida em mais de um século, período de grandes transformações em nossa sociedade? Em que medida a imprensa, como um fator cultural, difundiu conteúdos que influíram na formação da consciência da mulher? (BUITONI, 2009, p.23)
Não se tem a intenção de aqui realizar o trabalho já feito por Buitoni
(2009), por isso apenas alguns exemplos de publicações voltadas ao público
feminino serão abordados, sempre em contraponto com as publicações
consideradas mais engajadas. Dessa forma pretende-se através de exemplos
demonstrar que as teorias que pregam que as comunicações em massa – como
são os periódicos – propiciam a criação de uma população alienada não se
sustenta, pois se isso assim ocorresse vozes dissonantes não seriam ouvidas,
47
nem as tecnologias que se tornavam mais disponíveis no Brasil no início do século
XIX possibilitaram o início de uma grande revolução para as mulheres que
estavam insatisfeitas com a maneira como a sociedade as limitava.
2.1. Os primórdios da imprensa feminina e feminista no Brasil
O Espelho Diamantino – periódico de política, literatura, belas-
artes, teatro e modas, dedicado às senhoras brasileiras - é geralmente
considerado o primeiro periódico feminino brasileiro. Criado em 1827, no Rio de
Janeiro, pelo francês Pierre Plancher, seu objetivo era a “instrução” e o
“entretenimento do belo sexo da corte”. Contando com artigos em francês, sua
publicação era quinzenal e ela teve 14 edições, sendo finalizada em 1828
(FERREIRA, 1994; BUITONI, 2009, LUSTOSA, 2012). Logo surgem outros títulos,
em diferentes localidades brasileiras, como veremos a seguir.
A) O Jornal das Senhoras (1852-1855)
É considerado um dos primeiros periódicos dedicados a mulheres que
era escrito também por mulheres. De acordo com o expediente do jornal: “Publica-
se todos os domingos: o primeiro número de cada mês vem acompanhado de um
lindo figurino de melhor tom em Paris [...]” (APSP, 2012). Além da seção de moda
a publicação apresentava seções de Belas Artes, Teatro e Crítica, assim como
partituras de piano e romances no formato folhetins, dentre eles A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas (LIMA, 2010).
Porém há controvérsias sobre quem o redigia. Fonseca (1941, apud
BUITONI, 2009) afirma que era D. Cândida do Carmo Souza Menezes; Sodré
(1966, idem) cita Violante Ataliba Ximenes de Bivar e Velasco, e Martins (2008)
menciona Joanna Paula Manso de Noronha, sendo que Violante Ataliba Ximenes
48
de Bivar e Velasco teria assumido o jornal 6 meses após seu lançamento. Lima
(2007), que também aponta Joanna Paula Manso de Noronha como principal
redatora, apresenta esse jornal como feminista, pois ele continha críticas sobre,
por exemplo, a forma possessiva como os esposos tratavam suas esposas,
afirmando que para um número grande homens o casamento era uma forma de
satisfazer um desejo ou de garantir sua fortuna. Muzart (2003) inclusive alega que
a imprensa feminista teria nascido com Joanna de Noronha, e que suas ideias
foram fonte de inspiração para outras mulheres que abraçaram a vertente que
demandou mais direitos às mulheres através da publicação de periódicos. Isso
exemplifica que existiam periódicos “híbridos”, ou seja, continham tanto material
que pode ser interpretado como feminista (devido à natureza de suas
reivindicações) quanto conteúdo não-feminista (que muitos autores irão chamar de
pedagogizante, pois com isso o status quo estaria tentando educar e disciplinar as
mulheres, mantendo assim o padrão social da época).
B) O Jornal das Famílias (1863-1878)
Editado por Baptiste Garnier, esse jornal ilustra bem a tentativa de uma
educação informal, via mídia, das mães de família. A publicação continha as
seguintes seções distribuídas em 32 páginas bastante ilustradas: literatura,
romances (Machado de Assis era seu colaborador), novelas e poesias, história,
biografias, viagens, anedotas, floricultura e agricultura, medicina
doméstica/popular, economia doméstica e moda48. Embora a impressão fosse
feita na França, sua distribuição atingia várias províncias do Brasil. Bastos (2002)
observa que apesar de praticamente não ocorrer anúncios publicitários nesse
jornal, são apresentados trechos do catálogo de livros editados por Garnier, tendo
48 Esse formato ainda é encontrado em muitas revistas femininas da atualidade, como apontou a Profa. Dra. Simone Pallone.
49
destaque as obras do médico Pedro Luiz Napoleão Chernoviz49, como o
Dicionário de Medicina Popular. De acordo com Fry e MacRae (1983, p.61) foi
depois de 1850 que tanto na Europa quanto no Brasil surge uma forte
preocupação médica com relações sexuais de qualquer natureza que ocorressem
fora do matrimônio. A ocorrência de doenças como a lepra, a sífilis e outras
sexualmente transmissíveis também se tornou foco de atenção e a importância do
controle da sexualidade ganhou destaque, pois acreditava-se que a “‘saúde’ da
família” deveria ser regulada e a mulher era responsável pela saúde de seus
entes.
C) A Mãe de Família - jornal scientifico, litterário e ilustrado (1879-1888)
Lançado em 1879 no Rio de Janeiro pelo médico Carlos Costa esse
jornal era voltado “às dignas senhoras (...) sendo já ou devendo ser mães de
familia”. Seu público alvo era, portanto, a mulher, tanto aquela que já era mãe,
como aquela que se tornaria uma. Costa, ciente do índice de analfabetismo entre
as brasileiras, escreve uma solicitação no primeiro número do jornal: “a vós,
minhas senhoras, que sois mais favorecidas pela sorte, também incumbe repeti-
los a essas mulheres que sendo mãis como vós, não tenham entretanto a
felicidade, ao menos, de saber ler”. O periódico era dividido em seções, como
“Moléstias das Crianças”, “Palestra do Médico” e “Pharmacia Domestica” e tinha
como objetivo orientar as mães para que melhor criassem seus filhos50.
A Mãe de Família tinha um forte cunho higienista de orientação
biológico-determinista: “A organização anatômica da mulher lhe indica qual o
papel que lhe traçou o Creador, o de ser mãi!51“. Para Walkowitz (1990, p.403):
49 De acordo com Barbosa (1923, apud BASTOS, 2002), Chernoviz foi um médico francês que teve grande influência na medicina brasileira, parte dela devido à sua presença em publicações como o Jornal das famílias. 50 A Mãi de Família; 1879; n.º 1, apud Turack, 2002, p.2. 51 A Mãi de família, no. 8, 1879
50
A sexualidade do século XIX era um terreno de viva contestação, onde se jogavam, tanto em privado como em público, conflitos de classe, de raça e de sexo. Através do pânico moral, de escândalos sexuais e de medidas legislativas, diversos grupos sociais e interesses profissionais tentaram alargar a sua autoridade política e cultural.
Rohden (2003, p.39) observa que "a ciência virava moda e era cultuada
nos jornais e nos romances naturalistas. Nas cidades, a onda de programas de
higienização e saneamento contribuía para este movimento". A publicação
semanal Sciencia para o povo exemplifica a observação de Rohden. Criada em
1881 por Felix Ferreira, os artigos de Sciencia para o povo eram em sua maioria
relacionados à ciência e continham seções como "A educação da mulher" e
“Mistérios da geração" e dentre os temas abordados estavam o divórcio, a frigidez,
a gravidez, a esterilidade e a impotência (MASSARANI, 1998).
D) A Estação - Jornal ilustrado para a família (1879–1904)
Essa publicação quinzenal editada pela tipografia Lombaerts, no Rio de
Janeiro, teve destaque dentre as revistas femininas do fim do século. A revista era
“uma continuação brasileira da publicação francesa La Saison (da qual conservou
igual a diagramação do cabeçalho), que circulou no Brasil entre 1872 e 1878”
(MEYER, 1993, p. 76).
A Estação era dividida em o “Jornal de modas” e a “Parte literária”, e a
primeira parte era uma versão traduzida da revista alemã Die Modenwelt, da
empresa Lipperheide de Berlim. Além de um editorial sobre a moda em Paris,
essa publicação continha um grande número de figurinos, riscos e trabalhos
manuais, assim como orientações sobre economia e utilidade doméstica. A
segunda parte (a literária) apresentava contos, romances, crônicas teatrais, relatos
51
de viagens e etc. e era desenvolvida especialmente para a edição do Brasil
trazendo a participação de autores de nome da literatura nacional52.
Paralelamente ao nascimento da imprensa feminina no Brasil surgem
as primeiras reivindicações do que mais tarde se tornaria o movimento feminista
brasileiro. As mulheres iniciam sua luta pelo direito à educação53, pois as meninas
só eram admitidas no 1º grau, o número de escolas era muito pequeno e a
instrução era voltada para atividades do lar (TELES, 1993).
Dionísia Gonçalves Pinto - mais conhecida como Nísia Floresta
Augusta, considerada uma abolicionista, defensora dos direitos da mulher à
educação, à profissionalização e ao exercício de seus direitos civis e políticos -
traduziu em 1832 a obra de Mary Wollstonecraft, A vindication of the Rights of
Women54 (SARDENBERG e COSTA, 1994). Dionísia também teve uma forte
atuação nos jornais cariocas a partir de 1851, tais como o Brasil Ilustrado, O
Diário, o Novo Mundo, e o Jornal do Comércio (SHARPE-VALADARES, 1989).
No jornal O Liberal foi publicada uma série de artigos de sua autoria intitulados “A
emancipação da mulher” que abordava a necessidade de se oferecer boa
educação para as mulheres (SCHUMAHER e BRASIL, 2000).
Em 1862 começou a ser publicado em Campanha da Princesa (MG) e
no Rio de Janeiro o jornal feminista O Belo Sexo, sob a direção de Júlia
Albuquerque Sandy Aguiar. Como observa Martins (2008), as mulheres que
atuavam nessa publicação tinham instrução secundária e ao produzirem suas
crônicas literárias não usavam o anonimato, como outras autoras de outros
periódicos faziam. Ainda em Campanha da Princesa (MG), porém 11 anos depois,
52 Machado de Assis publicou 37 contos, seis poemas, uma novela e um romance (CRESTANI, 2008) assim como publicaram poemas Raymundo Corrêa (em 1883) e Presciliana Duarte (em 1889) (BUITONI, 2009). 53 Somente em 1881 uma mulher ingressaria em um curso superior no Brasil (TELES, 1993). 54 Nesse livro escrito no século XVIII Wollstonecraft argumenta contra as idéias de Burke e de Rousseau, defendendo que a mulher deveria ter os mesmos direitos civis que os homens e o acesso à boa educação, assim como criticava os direitos que os esposos tinham sobre suas companheiras. Fergurson (1999, p.450) observa que “Wollstonecraft’s economic and moral egalitarianism are radical insofar as they confront the sociohistoric limits of the ruling ideas of her day. It was radical to argue for women’s essential rationality, their right to education and careers, and to tie those demands to an argument for a relative equality of property in a period when the dominant liberal ideas were heavily influenced by notions of aristocratic privilege and inherited honours. Such demands, like those of her fellow radical democrats, were beyond the historic possibilities imagined by a ruling class composed of those from bourgeois and aristocratic backgrounds”T19.
52
o jornal Sexo Feminino começou a ser editado por Francisca Senhorinha Motta
Diniz. Nesse jornal, Diniz escrevia que as mulheres deveriam tomar consciência
de suas identidades e direitos, ressaltando que a dependência econômica era
responsável pela sujeição feminina, sendo a educação de qualidade o caminho
para mudar essa realidade. O Sexo Feminino também abordava questões
referentes à abolição e ao movimento feminista em outros países (TELES, 1993).
Nunes (2008, s.p.) comenta que esse jornal foi um dos periódicos do gênero “de
maior duração e sucesso” deixando “evidente o conceito de imprensa sexuada”,
pois ele convocava a leitora para lutar “pelos direitos e responsabilidades das
mulheres, como o direito à alfabetização, à escola secundária e aos estudos
superiores, direito às carreiras proibidas e ao trabalho remunerado”, o que,
segundo a pesquisadora, já é o gérmen da “necessidade de rescindir o ideal
normativo do discurso masculino”.
Ao final do século XIX, o Brasil via crescer o número de defensoras dos
direitos femininos, assim como de literatas, e não era incomum encontrar
senhoras e senhoritas que “se dividiam entre ambas as atividades”. Um fator
importante para o movimento feminista brasileiro foi a quebra do isolamento, o que
possibilitou que “grupos de mulheres escritoras de importantes cidades brasileiras”
entrassem em contato com coletivos de “centros urbanos que não aqueles em que
se formaram e, geralmente, contribuíam com os jornais e revistas umas das
outras, consubstanciando um esforço que atingia cantos opostos do país.
(HAHNER, 2003, p. 246)
Ao analisar o movimento feminista durante as décadas de 1890 e 1930,
Marson (1996) o classifica em dois grupos por ela denominodos “feministas
liberais” e “feministas libertárias”. Geralmente faziam parte do grupo das
“feministas liberais” as mulheres burguesas de poder aquisitivo maior e que
reivindicavam a emancipação intelectual da mulher, além do sufrágio feminino. De
acordo com Rago (1996, p.28):
53
ao mesmo tempo em que defendiam a entrada da mulher na esfera pública, as feministas liberais procuravam deixar claro que isso não significaria uma destruição da família, mas sim seu fortalecimento. E para completar a definição do papel da “mulher moderna” na sociedade, procuravam orientar seu comportamento em todos os espaços da vida social, inclusive organizando sua aparência física.
Marson (1996) cita as revistas paulistanas A Mensageira (1897-1900) e
a Revista Feminina (1914-1936) como exemplos de publicações do feminismo
liberal. A revista A Mensageira começou a ser editada pela poetisa Presciliana
Duarte de Almeida e veiculava poemas e notícias relativas à situação da mulher
brasileira, assim como trazia novidades sobre os avanços do feminismo no
exterior (TELES, 1993). DeLuca (1999), ao elaborar um estudo analítico que teve
como corpus as edições, um índice onomástico e um dicionário biobibliográfico de
colaboradores e colaboradoras dessa publicação, comenta que as escritoras
desse periódico tinham como projeto um feminismo “sereno”. DeLuca (idem, p.11)
o denominou dessa forma pois ele focava a universalização da educação e o
direito ao exercício de profissões em diversos níveis, tendo também como
preocupação a “construção de um panteão nacionalista e com a adoção de uma
estética essencialmente neo-romântica, anti-elitista e espontânea em harmonia
com as raízes populares brasileiras”:
Uma mãe instruída, disciplinada, bem conhecedora dos seus deveres, marcará, funda, indestrutivelmente, no espírito de seu filho, o sentimento da ordem, do estudo e do trabalho, de que tanto carecemos, Parece-me que são esses os elementos de progresso e de pás das nações55.
Embora a revista tivesse reivindicações como direitos iguais entre
homens e mulheres, a maternidade ainda era considerada a principal função da
mulher, e por isso, aquela que fosse mãe deveria ser educada, pois somente
assim ela poderia formar adequadamente as gerações futuras.
55 “Entre amigas”, in A Mensageira, n.01, São Paulo, 15.10.1897 apud Marson (1997, p.80).
54
Já o grupo das feministas libertárias era constituído por mulheres
anarquistas que objetivavam a emancipação plena, ou seja, a emancipação
intelectual, financeira e amorosa da mulher (MARSON, 1996). Suas publicações
se fizeram presentes no Brasil principalmente depois do ano de 1905, como será
mostrado mais adiante.
Além das questões envolvendo os direitos da mulher, o comércio do
sexo será outro tema de debate das feministas no final do século XIX. Elas eram
contrárias a qualquer forma de prostituição, considerada uma “escravidão branca”,
como defendia Josephine Butler56.
A identificação de Butler com o ‘mundo feminino sofredor’ estava ainda carregada de contradições e dificuldades. Enquanto defensoras da causa das mulheres perdidas e das raparigas ‘em perigo’, as reformadoras femininas estabeleceram uma relação hierárquica e protetora com as ‘filhas’ que tinham decidido proteger. A sua linguagem melodramática de vitimização feminina privava as prostitutas de qualquer capacidade de acção e de qualquer complexidade subjectiva: ela só podia representá-las como vítimas inocentes apanhadas ardilosamente numa vida de vício, como actrizes involuntárias de sua própria história, sem paixão sexual, não ainda ‘mortas para a vergonha’, conservando apesar de tudo uma ‘modéstia feminina’ (WALKOWITZ, 1990, p.419).
2.2. A virada do século XX: a primeira metade
Em 1917 surge o primeiro jornal feminino de Santa Catarina, em
Florianópolis, editado e escrito por mulheres. Com circulação nacional, Penna
Agulha e Colher - Jornal de Donas e Donzellas (1917-1919), começou como
56 Josephine Butler atuará fortemente na Inglaterra contra a exploração das mulheres e contra as leis conhecidas como Contagious Diseases Acts - consideradas invasivas por Butler, pois submetiam a mulher à situações humilhantes e constrangedoras - obtendo a sua revogação em 1886. Butler acreditava que a prostituição existia por causa de um “vício” masculino e a mulher era uma vítima que deveria ser “salva” de sua situação (ROBERTS, 1998)
55
uma coluna de um periódico católico chamado A Época, porém cresceu e ganhou
autonomia (PEDRO, 1998). De orientação católica, ele continha receitas de
cozinha, cartas das leitoras, poemas, charadas, peças de teatro e crônicas.
Bittencourt (2005, p.30), ao analisar essa publicação, fez um paralelo entre o título
dela e as expectativas que existiam com relação à mulher:
Penna remetia à preocupação com a educação feminina, visto que, com o advento da instalação da República, as mulheres eram responsáveis pela instrução de seus filhos; Agulha remetia aos conhecimentos da arte da costura que uma boa moça prendada deveria saber para poder se casar; Colher remetia a função das mulheres na preparação das refeições e na manutenção da alimentação de toda a sua família. Até mesmo o sub-título Jornal ou Semanário das Donas e Donzellas, remete ao espaço configurado como o destino das mulheres na sociedade Florianopolitana.
As análises geralmente feitas sobre esse tipo de material afirmam que
tais publicações (assim como fariam as revistas das décadas de 1950, 1960 e
1970) tratavam a mulher como uma criança, como se ela precisasse ser ensinada,
orientada, protegida e consolada, colocando-a numa posição de passividade e
incapacidade. Essa abordagem nos remete à postura dos estudos sociais da
mídia no qual o público seria uma massa acrítica pronta para consumir a
informação.
Uma publicação semanal de grande duração foi o Jornal das Moças
(1914–1961), do Rio de Janeiro. Sua distribuição ocorria em todo o Brasil, tanto
nas capitais quanto em algumas cidades do interior. Seu conteúdo era composto
por artigos sobre moda (tendo inclusive moldes), conselhos domésticos, contos,
poemas, piadas, notícias de cinema, receitas, anúncios diversos, partituras
musicais e etc. O auge dessa publicação ocorreu na década de 1940, quando
constava entre os títulos mais vendidos (TESSER, 2005). Dentre os conselhos
trazidos em suas páginas estavam que a esposa não deveria irritar seu marido
com ciúmes e dúvidas e caso ela desconfiasse da infidelidade do esposo, ela
56
deveria redobrar seu carinho e provas de afeto. Além de sempre manter a
aparência impecável diante do marido, a mulher também não deveria incomodar
seu companheiro com serviços domésticos, deixando-o descansar nas horas
vagas. E, claro, a moça deveria lembrar sempre que um homem dificilmente
perdoaria uma mulher que não tivesse resistido a “experiências pré-núpciais”.
Essas publicações voltadas ao público feminino possuem uma linguagem que
busca se aproximar da leitora
Vós, tu, você: o texto na imprensa feminina sempre vai procurar se dirigir à leitora, como se estivesse conversando com ela, servindo-se de uma intimidade. Esse jeito coloquial, que elimina a distância, que faz as ideias parecerem simples, cotidianas, frutos do bom senso, ajuda a passar conceitos, cristalizar opiniões, tudo de um modo tão natural que praticamente não há defesa. A razão não se arma para uma conversa amiga. Nem é preciso raciocinar argumentos complicados: as coisas parecem que sempre foram assim. Ou então é apenas mais um momento de emoção, cujo único requisito é sentir junto. (BUITONI, 1981, p. 125)
Como observou Lima (2007), ao adotar essa linguagem, a publicação
se coloca em uma posição de “amiga” da leitora.
Por detrás do tom coloquial, existe todo um ordenamento de conduta. “Você, minha amiga” traz uma imposição sub-reptícia; a leitora aceita muito mais facilmente a ação que vem sugerida logo adiante. A utilização de formas verbais imperativas – “Faça”, “Olhe”, “Ande” – diminui a faixa de liberdade da leitora. Numa linguagem muito próxima da publicitária, os textos dirigidos à mulher são verdadeira comunicação persuasiva, aconselhando-a a todo momento sobre o que fazer (BUITONI, 1990, p. 75).
Na primeira década dos anos de 1900 o processo de urbanização de
cidades como São Paulo se acentua. As mulheres que compõem grande parte do
proletariado no Brasil no início do século XX eram retratadas de várias formas:
57
Frágeis e infelizes para os jornalistas, perigosas e “indesejáveis” para os patrões, passivas e inconscientes para os militantes políticos, perdidas e “degeneradas” para os médicos e juristas, as trabalhadoras eram percebidas de vários modos (...) lidamos muito mais com a construção masculina da identidade das mulheres trabalhadoras do que com a sua própria percepção de sua condição social, sexual e individual (RAGO, 2007, p.579)
O ambiente fabril era muitas vezes descrito como “antro de perdição”57,
“bordel” ou “lupanar” e as operárias ou mulheres que trabalhavam fora de casa
eram descritas como “passivas” e “indefesas”, além de serem “facilmente
influenciáveis”. O que chama atenção é que tal forma de pensar não é
exclusividade do homem burguês, sendo encontrado no meio operário58 também:
O papel de uma mãe não consiste em abandonar seus filhos em casa e ir para a fábrica trabalhar, pois tal abandono origina muitas vezes conseqüências lamentáveis, quando melhor seria que somente o homem procurasse produzir de forma a prover as necessidades do lar (jornal operário A Razão, 29 de julho de 1919, apud RAGO, 2007, p. 585)
Por outro lado mulheres como Ernestina Lésima buscavam fortalecer o
trabalho feminino através da criação da Associação de Costureiras de Sacos, em
57 A idéia que o trabalho externo, fora do lar, “pervertia” o sistema reprodutor feminino, assim como deixava as mulheres expostas aos perigos das ruas e a mercê da corrupção moral eram muito difundida não só no Brasil, mas na Europa também: “as operárias eram expostas às investidas dos contramestres mais do que dos diretores da fábrica (...). Ao fim do século XIX, os jornais operários do norte da França – Lê Forçat, Lê cri du forçat... – abrem ‘tribunais dos abusos’ nas quais denunciam a lubricida57 dos ‘porcos do capital’” (PERROT, 2007, p.76-7) 58 Os sindicatos do final do século XIX e início do século XX eram formados em sua maioria por homens e eles não costumavam aceitar as mulheres em suas organizações. “Na sua maioria, os sindicalistas procuravam proteger os seus empregos e salários mantendo as mulheres afastadas das suas profissões e, a longo prazo, afastadas do mercado de trabalho.Aceitavam como inevitável o facto de os salários femininos serem mais baixos do que os masculinos, e por isso tratavam as mulheres trabalhadoras mais como uma ameaça do que como potenciais aliadas” (SCOTT, 1990, p.464). Na Inglaterra, por exemplo, os setores têxtil, de vestuário, do tabaco e do calçado eram exceções, pois contavam, em sua maioria, com mão de obra feminina e onde a concentração de mulheres era expressiva, elas próprias fundavam seus sindicatos, como a British Women’s Trade Union League, de 1889. Os sindicalistas alegavam que “a estrutura física da mulher determinava o seu destino social como mãe e dona de casa e que, portanto, ela não podia ser nem trabalhadora produtiva nem uma boa sindicalista” e por isso eles não queriam incluí-las em suas organizações (SCOTT, 1990, p. 464). Jules Simon inclusive declarou, em 1860, que se uma mulher se tornava trabalhadora ela deixava de ser mulher.
58
1906, (SCHUMAHER e BRASIL, 2000). Ainda nesse ano a operária Maria Lopes,
juntamente com Teresa Carini e Teresa Fabri (entre outras) assinaram um
Manifesto às Trabalhadoras de São Paulo que foi publicado no jornal anarquista
A Terra Livre. Nesse manifesto, as autoras incentivavam as costureiras a
denunciarem os baixos salários, as jornadas de trabalho muito longas e as
precárias condições de vida (MATOS, 2003). Quatro anos depois Ernestina
Lésima inicia a publicação do jornal operário Anima Vita, em São Paulo (TELES,
1993).
Em 1918 Bertha Lutz começou sua atuação como bióloga no Instituto
Osvaldo Cruz (TOSCANO e GOLDENBERG, 1992) assim como publicou na
Revista da Semana uma carta-denúncia sobre a forma como o sexo feminino era
tratado, propondo a formação de uma associação de mulheres visando unificar
esforços isolados. Um ano depois Lutz, juntamente com Olga de Paiva Meira,
participa da I Conferência do Conselho Feminino da Organização Internacional do
Trabalho, quando foi aprovado o princípio de salário igual para trabalho igual
(MONTEIRO e BARROS, 1998). Nesse mesmo ano é fundada a Liga para a
Emancipação Intelectual da Mulher, por Bertha Lutz e Maria Lacerda de Moura
(ALVES e PITANGY, 1991).
A década de 1920 presenciou eventos importantes, como a fundação
do Partido Comunista do Brasil e a realização da Semana de Arte
Moderna(CHAIA, 2001), ambos em 1922:
Criou-se um caldo de cultura para o aparecimento de novas formas de organização da sociedade. O movimento das mulheres parece ser um exemplo das formas que essa organização podia tomar e aponta para um aspecto importante: não se tratava apenas de um grupo que lutava diante das instâncias do Estado, ou que simplesmente buscava deputados para propor projetos de seu interesse, nas uma estratégia mais complexa. O uso constante dos jornais, a presença em eventos públicos e até a realização de uma passeata mostram que essas mulheres não eram apenas exceções excêntricas em uma época de recato, mas pessoas que pretenderam ampliar sua base de apoio
59
buscando formar uma opinião pública a seu favor (PINTO, 2003, p.18).
O I Congresso Feminista Internacional foi realizado em 1922 e esse
evento foi a gênese da criação, no Rio de Janeiro, da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino (FBPF) sob a liderança de Bertha Lutz. Duas propostas
básicas dessa Federação eram orientar as mulheres na escolha de uma profissão
assim como buscar esclarecer a necessidade de obter direitos políticos através do
voto. (LEITE, 1984; MONTEIRO e BARROS, 1998).
Em 1923 Maria Lacerda de Moura59 lança a revista Renascença, uma
publicação cultural divulgada no movimento anarquista. Moura combatia as
concepções masculinas sobre a inferioridade biológica da mulher, afirmando que a
mulher não “nasceu exclusivamente para ser mãe, para o lar, para brincar com o
homem, para diverti-lo” (RAGO, 1997, p.97) e acreditava que o trabalho era o
caminho que conduziria a mulher à independência:
(...) reafirmamos, e reafirmaremos sempre como profunda convicção, que a verdadeira emancipação feminina é a do trabalho. A mulher educada no preparo de qualquer rendosa profissão – e ela tem provado no respectivo desempenho, que a competência é igual à do homem – não tem receio do futuro, nem se preocupa com a ideia de que lhe proporcione um bom ou mau marido, nem mesmo a oprime a expectativa de não conseguir aquele que deseja, Amparada pela linda profissão, em vez de aceitar o ambicioso marido-arrimo, ela pode escolhê-lo, porque o seu trabalho lhe garante a independência, a felicidade (apud MARSON, 1996, p.81-2)60
Moura também questionava fortemente o formato padrão das relações
conjugais:
59 Maria Lacerda de Moura publicou vários livros também, entre eles Em torno da educação (1918), A mulher moderna e o seu papel na sociedade atual (1923), Amai e não vos multipliqueis (1932); Han Ryner e o amor plural (1928) e Fascismo: filho dileto da Igreja e do Capital (1928). 60 A Principal Emancipação Feminina, in Renascença, n.5. julho de 1923, apud Marson (1996, p.81-2)
60
Até aqui, temos vivido a civilização uni-sexual, a mulher não passou de espectador no cenário da vida (...) E o homem continua a querer entravar-lhe os movimentos e, portanto, a cercear-lhe o progresso. A mulher só tem direito de sair, de se locomover se vai trabalhar, ganhar dinheiro. Continua dando conta ao homem de todos os seus passos e até do seu salário. É outra espécie de exploração. É o cafetismo em família. (apud RAGO, 1997. p.100-101)
Em 1931, na Rádio Sociedade61, Bertha Lutz deu início a uma série de
palestras semanais chamadas “Cinco minutos feministas”. Segundo SOUZA
(2009, P.149) suas primeiras palavras nesse programa foram “O momento atual é
altamente significativo para o progresso do sexo feminino no Brasil”. Para
embasar sua afirmação, Lutz comentou sobre a permissão concedida a uma
mulher do exercício de funções públicas62.
Uma forte tensão política63 marcou tanto a década de 1930 quanto a de
1940, não só no Brasil quanto no exterior também. De acordo com Lopes (2008) a
Carta constitucional outorgada em 1937 trouxe a censura sobre a imprensa. Em
1939, através do decreto-lei nº 1915, o governo criou o Departamento de Imprensa
e Propaganda (DIP) que controlava o conteúdo do que era produzido pela
comunidade jornalística e artística, emitindo, inclusive, listas de assuntos que
eram considerados “proibidos”. Isso afetou diretamente a imprensa feminista, que
voltará a ser atuante no Brasil apenas na década de 1960.
61 Em 1916 foi criada a Sociedade Brasileira de Ciências que seis anos depois se tornaria a Academia Brasileira de Ciências. Em 20 de abril de 1923 a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foi fundada e tinha como objetivo a difusão de assuntos culturais e científicos. Em 1936 a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foi doada ao Ministério da Educação. 62 Lutz estava provavelmente referindo-se a Maria José de Castro Rabello, que ingressou no Ministério das Relações Exteriores entre 1917 1918 e torna-se a primeira diplomata do Itamaraty. 63 A Revolução de 1930, a Revolução de 1932, o início do Estado Novo em 1937 e o seu fim em 1945.
61
2.3 A segunda metade do século XX no Brasil
O crescimento econômico que caracterizou o final dos anos 1960 e
grande parte da década seguinte, em particular a expansão industrial, foi
acompanhado pela aceleração do processo de urbanização (é nessa época que a
população urbana supera a rural) e pela redução do analfabetismo64. Em
conseqüência dessas transformações, a imprensa brasileira passou por mais um
ciclo de mudanças: houve um aumento de circulação dos jornais de maior porte e
a sua modernização tecnológica com a introdução da fotocomposição e da
impressão offset na década de 1970 e com a informatização (MEZA, 2008), já na
fase de transição do regime militar para a redemocratização.
Com o passar das décadas novas revistas vão surgindo: Querida
(1958-1968), Jóia (1957) - da Bloch Editores, virou Desfile em 1969 -, Manequim
(1959), Cláudia (1961) e Nova (1973). Muitas revistas e jornais da década de
1950, principalmente com artigos direcionados ao público feminino, propagaram a
ideia de que uma mulher saudável é aquela que segue o seu destino: “herdeiras
de ideias antigas, mas sempre renovadas, de que as mulheres nascem para ser
donas de casa, esposas e mães (...), por isso a importância do casamento na vida
de uma mulher” (BASSANEZI 2007, p.607). Há uma convergência do discurso
religioso (a função da mulher é ser mãe e boa esposa) e médico-higienistas (a
sexualidade feminina “normal” conduz a mulher ao casamento e à maternidade):
Lugar de mulher é o lar (…) a tentativa da mulher moderna de viver como um homem durante o dia, e como mulher durante a noite, é a causa de muitos lares infelizes e destroçados. (...) Felizmente, porém, a ambição da maioria das mulheres ainda continua a ser o casamento e a família. Muitas, no entanto, almejam levar uma vida dupla: no trabalho e em casa, como esposa, a fim de demonstrar aos homens que podem competir com eles no seu terreno, o que
64 De acordo com Ferraro e Kreidlow (2004, p.186) “de 1920 a 1960 acelera-se a queda do analfabetismo. Para o conjunto do País, a taxa cai, no período, de 71,2% para 46,7% entre as pessoas de 5 anos ou mais, uma redução de 24,5 pontos percentuais”
62
frequentemente as leva a um eventual repúdio do papel feminino. Procurar ser à noite esposa e mãe perfeitas e funcionária exemplar durante o dia requer um esforço excessivo (...) O resultado é geralmente a confusão e a tensão reinantes no lar, em prejuízo dos filhos e da família (Querida, nov. 1954, apud BASSANEZI, 2007, p.624)
Algumas mudanças de hábitos e de comportamentos (ou posturas)
sexuais ocorridas nas décadas de 1960 e 1970, “vistas e digeridas, bem ou mal,
são ratificadas pela intervenção crescente de saberes científicos, “neutros” ou
“isentos de preconceitos”, de acordo com Engel (1989, p.14).
Neckel (2007) pesquisou uma série de revistas voltadas para o público
feminino publicadas entre as décadas de 1960 e 1970 e concluiu que esses
“saberes científicos” estão bem distantes da “neutralidade” alegada. A passagem a
seguir é muito interessante, pois foi retirada de uma revista de ampla circulação
nacional65 elaborada durante o período da revolução sexual:
Os sentimentos desempenham um papel de maior importância na vida da mulher, podendo levá-la à satisfação máxima ou comprometer irremediavelmente todo o seu relacionamento amoroso na faixa dos sentimentos negativos; destacam-se o medo e a vergonha, provenientes quase sempre de uma educação à base de mistérios e tabus, que provocam inibições e reações de autodefesa. No extremo oposto, uma excessiva liberdade cobra juros altos àquelas que a adotam, pois como disse há pouco um médico sueco, “a pior aventura que pode acontecer à sexualidade é a sua queda para o plano do mecanismo funcional. O automatismo tanto quanto a inibição conduzem à neurose e à frigidez” (revista Ele Ela, ano 1, n.6, out.1969, p.8, apud NECKEL, 2007, p.325, grifo meu)
Embora apresente avanços quando comparada às publicações da
década de 1950, há um eco do passado que reverbera no artigo, quando, por
exemplo, observamos os trechos destacados. O discurso que se faz presente é
65 Em 1975 essa revista tinha cerca de 973.300 leitores/as, de acordo com Neckel (2007, p. 318)
63
aquele que atesta que a sexualidade feminina só é saudável se baseada em
sentimentos como o amor. A mulher tem um relacionamento amoroso e não
sexual e caso ela tente automatizar o sexo, tal como o artigo afirma que os
homens o fazem, fica à mercê de uma neurose ou da frigidez.
Monteiro (2000) também pesquisou a revista Ele Ela (entre 1969-1972)
e observou que embora ela trouxesse alguns questionamentos sobre a situação
da mulher66 e sobre a identidade masculina67, seu perfil ainda continha traços
tradicionalistas, por exemplo, reforçando a instituição do casamento e tachando a
homossexualidade como “desvio” e “doença”.
O controle do corpo, que durante tanto tempo foi feito pelos dogmas da
Igreja, agora é normatizado pela ciência. Foucault (2009) em seu livro Vigiar e Punir comenta sobre esses dispositivos disciplinares criados pelo poder tem como
meta transformar um indivíduo em um “corpo dócil”. Dessa forma o corpo pode ser
controlado, e os procedimentos adotados constituem uma maquinaria de poder
que visa um processo de sujeição do corpo social. E aquele que não se sujeita, é
punido. No caso da reportagem da revista EleEla, a danação no inferno foi trocada
peça ameaça de neurose e ausência de desejo – e por conseqüência, de prazer.
Neckel (2007) ressaltou que na maioria dos artigos lidos para a sua
pesquisa, a mulher era o leitor-alvo e a mensagem que se pretendia passar era
que sua felicidade estava fortemente associada ao casamento. A leitura feita da
revolução sexual apresentada nos artigos da revista EleEla era “uma oposição às
propostas libertárias e contrárias a relações emocionais, fixas e monogâmicas” e
os textos buscavam ensinar “como facilitar o ajustamento perfeito do casamento
em seus aspectos sexuais” (Idem, p.327).
Vários pesquisadores68 apontam as décadas de 1960 e 1970 como o
momento no qual o feminismo (assim como outros movimentos, dentre eles os
pelos Direitos Civis negros nos Estados Unidos e na África do Sul e dos católicos
66 Como o artigo “Vale a pena ser dono de casa?” (EleEla, ano 3, n.29, set. 1971, apud MONTEIRO, 2000, p.61) 67 O autor cita o artigo “Até que ponto o homem é feminino?” como exemplo (idem, p.54). 68 Dentre elas RAGO, 1996 e ROBERTS, 1998.
64
na Irlanda do norte, as rebeliões de estudantes em diversas partes do mundo e as
passeatas em defesa dos homossexuais) adquire importância, questionando a
organização sexual, social e política. Roberts (1998) afirma que o final da década
de 1960 marca o renascimento do movimento feminista ocidental. No Brasil, Sarti
(2004, p. 36) comenta que uma parcela expressiva dos grupos feministas das
décadas de 1960 e 1970 articulavam-se com “organizações de influência
marxista”.
No campo da produção acadêmica, a editora Vozes lança o livro A mulher na construção do mundo futuro de Rose Marie Muraro, em 1966,
abordando as mudanças tecnológicas do século XX e a necessidade das
mulheres tomarem posse dessas transformações. Três anos depois a tese de
Heleieth Safioti A mulher na sociedade de classe: mito e realidade é editada,
atingindo uma grande repercussão internacional. (TOSCANO e GOLDENBERG,
1992).
Ao revisitar o feminismo da década de 1970, Sarti (2004, p.41) observa
duas fortes tendências dentro desse movimento:
Uma direcionada pra a atuação pública de mulheres, organizando-se
politicamente e focando em tópicos relativos “ao trabalho, ao direito,
à saúde e à redistribuição de poder entre os sexos”;
A outra trazia aspectos mais subjetivos, das relações interpessoais,
organizando-se a partir de ”grupos de estudos, de reflexão e de
convivência”.
Em 1975 é criado o Centro da Mulher Brasileira, com sede no Rio de
Janeiro. Dentre os seus objetivos se encontravam a pesquisa, a reflexão e a
análise da condição da mulher e a sua direção era formada por um colegiado de
mulheres (TOSCANO e GOLDENBERG, 1992). Um ano depois o jornal feminista
Nós Mulheres é fundado por Mariza Corrêa contando com a colaboração de
cerca de 30 mulheres. Essa publicação contribuiu de maneira decisiva para o
65
avanço das ideias feministas pelo país, combatendo a discriminação contra a
mulher:
Acreditamos que a liderança da luta feminista cabe às mulheres das classes trabalhadoras que não são só oprimidas enquanto sexo, mas também enquanto classe. No Brasil, dada a insipiência da organização de todos que lutam por uma sociedade democrática e, em particular, da organização das mulheres, essa liderança ainda não foi assumida (...) Será somente quando os movimentos amplos de mulheres das classes trabalhadoras e os atuais grupos feministas – em geral, mulheres pertencentes à classe média que tiveram acesso mais fácil ao conhecimento – integrarem-se como um todo orgânico, que o feminismo se tornará uma força concreta de transformação social. Por isso, Nós Mulheres continuará defendendo a perspectiva das mulheres trabalhadoras, registrando suas lutas e, ao mesmo tempo, tentando avançar na discussão de todos os aspectos que envolvem a repressão da mulher – e que vão desde o lugar ocupado por ela na estrutura produtiva até a própria repressão sexual69.
Com oscilações de tiragem e periodicidade, Nós Mulheres deixou de
ser publicado em 1978 (TELES, 1993). Além das reivindicações sobre trabalho e
repressão sexual, no final da década de 1970 e início dos anos 1980 dois casos
marcaram a luta contra a violência contra a mulher. O primeiro foi o espancamento
de uma mulher cujo autor foi o seu próprio marido, um professor universitário.
Desse acontecimento surgiu o slogan "o silêncio é cúmplice da violência" (TAUBE,
2002). O segundo caso, – e provavelmente o mais famoso – foi o assassinato de
Ângela Diniz pelo seu companheiro, Doca Street, no Rio de Janeiro em 1976.
Esse crime gerou as primeiras manifestações feministas contra a impunidade em
casos de assassinatos de mulheres por homens e gerou o slogan "Quem ama não
mata" (BLAY, 2003).
69 Editorial do jornal Nós Mulheres, n.07, março de 1978.
66
Em 1981, em São Paulo, foi fundado o jornal Mulherio, tendo como
jornalista responsável Adélia Borges e no seu corpo editorial pesquisadoras,
professoras e jornalistas (TELES, 1993).
Por que Mulherio? Mulherio. Quase sempre, a palavra é empregada em sentindo pejorativo, associada a histerismo, gritaria, chatice, fofocagem ou, então, ‘gostosura’. Mas qual é a palavra relacionada à mulher que não tem essa conotação? O próprio verbete ‘mulher’ já é apresentado no dicionário de forma especial. (...) Mulherio, por sua vez, nada mais é do que ‘as mulheres’. É o que somos, é o que este jornal será. Sim, nós vamos nos assumir como Mulherio e, em conjunto, pretendemos recuperar a dignidade, a beleza e a força que significam as mulheres reunidas pra expor e debater seus problemas, De uma maneira séria e conseqüente, mas não mal-humorada, sisuda ou dogmática.70
Embora tenha existido de 1981 até 1987 e contado com o apoio
financeiro da Fundação Ford e da Fundação Carlos Chagas, a publicação chegou
a ficar sete meses fora de circulação entre 1983 e 1984 devido à problemas
monetários.
Na década de 1990 uma forma de publicação que existia desde a
década de 1930 e que foi muito popular no meio do movimento punk nas décadas
de 1970 e 1980 (tanto no exterior quanto no Brasil) ganha espaço no seio do
movimento feminista – o fanzine. De acordo com Chidgey (2007) os fanzines
podem ser considerados a primeira geração de mídia feminista feita “em seus
próprios termos”, pois ela seguia a filosofia do “faça você mesmo”71. A seguir
iremos explorar mais o surgimento e o desenvolvimento dessa mídia, bem como
sua relação com os movimento(s) feminista(s).
70 Editorial do jornal Mulherio, n.0, de março/abril de 1981 71 Do inglês “do it yourself“, essa filosofia surgiu em 1957 através da Internacional Situacionista (movimento italiano que mesclou diversas tendências artísticas), e depois abraçada pelo movimento punk e das Riot Grrrls.
67
III. FANZINES, E-ZINES E O CIBERFEMINISMO
Vários autores72 apontam a importância do fanzine (e, posteriormente,
de sua versão eletrônica) na circulação de ideias e reivindicações de diversos
coletivos, sendo um deles o feminista. Como a proposta desta pesquisa é
ponderar sobre a relação entre o(s) movimento(s) feminista(s) e a forma como
eles se apropriaram dos meios de comunicação, tratar do fanzine e de sua versão
eletrônica faz-se basilar no processo de compreensão da relação “feminismo e
mídia”.
Há várias explicações para a origem do fanzine, sendo uma das
versões mais aceitas a de que ele surgiu nos Estados Unidos entre as décadas de
1920 e 1930. Porém, a palavra fanzine é um neologismo que foi criado por Russ
Chavenet apenas em 1941, através da contração (ou aglutinação) de duas
palavras inglesas “fanatic“ e “magazine“ (MAGALHÃES, 1993).
Não menos desafiante é definir o que seria um fanzine. De acordo com
Houaiss (2000, p.1307) fanzine significa “revista para fãs, especialmente sobre
ficção científica, música e cinema”. Atualmente o fanzine, ou apenas zine, engloba
todo tipo de tema, desde material sobre diversão e cultura, como histórias em
quadrinhos (sejam as tradicionais ou os mangás japoneses), ficção científica,
música, cinema, jogos de computador e vídeo-game, como tópicos que adentram
no campo político e social (defesa dos direitos dos gays, feminismo, anti-racismo,
corrupção, violência contra a mulher e etc.). De acordo com Magalhães (1993, p.
14-15):
Ao tentarmos conceituar o termo fanzine, uma questão que se apresenta complexa refere-se à sua abrangência e limites. Assim como revista alternativa, ou de forma mais ampla imprensa alternativa, gerou inúmeras definições a partir de diferentes pontos de vista, a mesma dificuldade
72 Richardson (1996), Green e Taormino (1997), Rosenberg e Garofalo, (1998), Warnick (2002) entre outros.
68
encontra-se para definir fanzine, já que não existe consenso nem mesmo entre os editores e leitores desse tipo de publicação (...) O maior problema é definir fanzine como gênero ou como categoria de publicação. O fanzine, por vezes, confunde-se com as próprias revistas alternativas pela forma de produção, veiculação e apresentação. Mas diferencia-se pelo seu conteúdo publicado.
O fanzine geralmente possui uma tiragem pequena, não tem regras
para a sua edição ou editoração (embora haja uma tendência a fazê-lo
manualmente, no estilo recorta-e-cola, e com textos muitas vezes escritos à mão)
e cuja periodicidade não segue uma norma. Sua distribuição costuma ser gratuita
ou é cobrado um valor simbólico para cobrir os custos de sua produção.
O boom dos fanzines aconteceu na década de 1970, seguindo o
apogeu do movimento punk. Sniffin’ Glue (Cheirando Cola), lançado em 1976, é
considerado um dos primeiros fanzines punk. No início ele possuía em média oito
páginas e uma tiragem de duzentas cópias (que pulou para mil
no número 4 e para oito mil cópias no número 10)
(MAGALHÃES, 1993).
No Brasil, o primeiro fanzine de que se tem notícia
foi criado em 1965, em Piracicaba, por Edson Rontani. Seu
título era Ficção73, sua impressão era feita através de um
mimeógrafo a álcool – no formato ofício – com páginas
variando entre dez e doze. Trazia textos de natureza
informativa, assim como apresentava uma lista de produções
brasileira de quadrinhos desde 1905. Sua tiragem era de cerca
de 300 exemplares e sua periodicidade era muito irregular (entre 1965 e 1968
foram publicados 12 números).
73 No ano de 1995, o fanzine foi relançado, comemorando os 30 anos de publicação, pelo Comix Club.
Imagem 3 – Fanzine Ficção Fonte: http://edsonrontani. blogspot.com.br/
69
Já o primeiro fanzine punk brasileiro foi o
Manifesto Punk, criado por Tatu da banda
Coquetel Molotov, no início da década de 1980
(MAGALHÃES, 1993). A sua diagramação
“caótica”, a mistura de recursos tais como
“colagens, escrita à mão, uso de diferentes
tipografias numa mesma página, artigos
fotocopiados de revistas e jornais” criou a
estética desse tipo de fanzine (CARRIJO,
2011).
Richardson (1996, p.10) comenta
que os fanzines se apresentam como uma
arena para muitas populações que a autora denominou ‘marginalizados’,
destacando-se as feministas, pois “particularly in today’s backlash climate, ‘zines
provide an alternative to, as well as an oasis from, the mainstream press’s
(mis)representations of ours experiences as women” T20.
A produção dos fanzines caiu drasticamente no final de década de 1980
e início de 1990 devido aos custos da sua produção. Mesmo assim sua
importância foi notada e, em 1986, foi criada na França a Fanzinothèque de
Poitiers74, a primeira do gênero na Europa, tendo como idealizadora Didier
Bourgoin. O Brasil, mais precisamente a cidade de São Vicente, em São Paulo,
possui a segunda fanzinoteca do mundo. Para a sua inauguração, em 2004, foi
confeccionado um catálogo contendo 1.000 exemplares de fanzines, cuja
apresentação é feita por Gazy Andraus75 e posfácio de Sonia M. Bibe Luyten76.
Nos últimos anos o fanzine impresso sofreu um revival, como pode ser
observado através da realização de convenções, dentre elas a “Fanzinecon” e a
74 Página oficial disponível no endereço <http://www.fanzino.org/> 75 Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA – USP e mestre em Artes Visuais pela Unesp, possui vários artigos publicados em livros e na Internet. 76 Autoras dos livros O que é história em quadrinhos, publicado peça Editora: Brasiliense e Mangá, o poder dos quadrinhos japoneses, publicado pela Editora Estação Liberdade.
Imagem 4 – Fanzine Manifesto Punk
Fonte: http://www.skatecuriosidade.com
70
“Fanzine expo”77. Em 2011 foi lançado o I Anuário de Fanzines, Zines e
Publicações Alternativas editado por Douglas Utescher e Leandro Márcio da
Ugrapress. Além de trazer mais de 120 resenhas, o Anuário conta também com
uma matéria sobre a utilização de fanzines em sala de aula. Atualmente os
editores estão coletando material para a edição do III Anuário (a ser lançado em
2013), que deverá cobrir publicações da América do Sul78.
Mas não só o fanzine impresso ressurgiu; sua versão eletrônica, que foi
batizada de e-zine, tem também se popularizado. Um exemplo é a criação da
Zinewiki definida como “an open-source encyclopedia devoted to zines and
independent media. It covers the history, production, distribution and culture of the
small press79”T21. Dentre as explicações para a migração do papel para o virtual
estão o baixo custo de produção, a facilidade de “distribuição”80 e de criação81.
A passagem do fanzine impresso para o e-zine merece atenção, pois
de acordo com Chartier (1999, p.138):
Efetivamente, mesmo que seja exatamente a mesma matéria editorial a fornecida eletronicamente, a organização e a estrutura da recepção são diferentes, na medida em que a paginação do objeto impresso é diversa da organização permitida pela consulta dos bancos de dados informáticos.
Quando o fanzine eletrônico apareceu, muitos não sabiam dizer qual seria
a diferença entre ele e, por exemplo, um blog. No início o blog era considerado
uma versão eletrônica do antigo “diário”, mas a sua diversificação acabou
tornando mais complexa a sua definição. Há estudos que classificaram o blog
como um gênero de escrita, porém atualmente ele é considerado um “ambiente
digital que proporciona o surgimento de múltiplos gêneros discursivos” (ABRÃO,
2007, p.15), ou seja, é possível ter um e-zine hospedado em um blog.
77 Página oficial disponível no endereço: <http://www.fanzineexpo.com.br/index.htm> 78 Informações disponíveis no endereço <http://www.ugrapress.com.br/> 79 Definição disponível no endereço <http://www.zinewiki.com/>. 80 A pessoa não precisa ter um computador, pois uma hora em uma lan house custa cerca de R$2,00 e a hospedagem da página geralmente é de graça 81 Graças aos vários programas de editoração gratuitos disponíveis atualmente.
71
De acordo com Warnick (2002, p.82) a Internet se abriu para as
mulheres, através, por exemplo, de vários sites não-comerciais: “some of these
sites took the form of “zines”, or in their eletronic form, “e-zines”. Such small
magazines focused on aspects of female experience often ignored in the
mainstream press” T22. A importância dos fanzines e de sua versão eletrônica no
movimento feminista reside, como observado por Richardson (1996), no fato
dessa forma de publicação ter oferecido um espaço e a liberdade necessários
para a divulgação das ideias e reivindicações desse grupo antes da world wide
web, e de continuar a proporcionar isso – de uma maneira diferente - agora com a
internet. Ao pensar como as mulheres ainda lutam por direitos básicos – a Lei
11.34082, também conhecida como Lei Maria da Penha foi aprovada apenas em
2006 e a sua aplicação ainda é extremamente falha – os e-zines feministas trazem
à tona questões delicadas e atuais que proporcionam um rico material de análise,
como será mostrado no capítulo 4.
3.1. Fan(E)Zines Feministas
Filhas, mães e irmãs Dominatrix Um de vocês vai dizer que não viu nada, não ouviu nada. Um de vocês vai me dizer 'vai devagar, sem acusar'. A violência se faz, A indiferença se faz, A intolerância se faz sem testemunha. Dentro de casa, nas ruas do subúrbio, Dentro de casamento e nas delegacias. Não faz mal pensar que não se está só. (x2) Um de vocês vai dizer que não viu nada, não ouviu nada. Um de vocês vai me dizer 'vai devagar, sem acusar'. E também sofrem as ricas disfarçadas, as mães executivas, e as presidiárias. O grito mudo das filhas do subúrbio penetram nas entranhas do teu ouvido surdo. Não faz mal pensar que não se está só.
82 Lei disponível no endereço < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>
Imagem 5 – Banda Dominatrix
Fonte: http://sonzeirapunk.blogspot.com.br /2010_09_01_archive.html
72
Na introdução da antologia que organizaram, contendo diversos
fanzines produzidos na década de 1990, Green e Taormino (1997, xii) comentam
a ampla gama de temas abordados pelos “Girls zines”
Girls zines cover just about anything that concerns the girls who create them (...) Some zines have a political nature, focusing on feminist issues, such as race, gender, and class. Some are strictly personal, with revelations about self-esteem, relationships, growth, and pain. Some focus on taboo issues of incest, rape, violence, sexual abuse, and mental illness with an intense emotional range. Then there are zines that are fun, that mock society, or that focus on the nostalgia of childhood. And yet there are still more zines about being in high school, going to rock shows or worshipping particular personalities (…)T23
É necessário diferenciar, portanto, os fanzines “de garotas” (Girls Zines)
e os fanzines feministas. Enquanto os primeiros são no geral produzidos e lidos
por mulheres, sua temática não necessariamente abrange questões feministas
(um exemplo é a produção de um fanzine por meninas fãs da saga do Harry
Potter). Já os fanzines feministas trazem a militância em suas páginas, com seus
questionamentos e reivindicações. Ao refletirmos sobre a diferença entre fanzines
“de garotas” e os feministas somos remetidos às distinções estabelecidas nas
tentativas de se diferenciar a imprensa feminina da feminista. Ao contrapormos
tais tentativas observamos que a questão do engajamento e da profunda reflexão
e questionamento do status quo no que ser refere à situação das mulheres são os
fatores que delineiam a separação entre publicações femininas e feministas.
Porém cabe ressaltar que há publicações que acabam sendo controversas, pois
ao mesmo tempo em que apresentam reportagens sobre a luta da mulher por
respeito e por seus direitos na sociedade atual veiculam artigos de “como agradar
seu homem”.
Um dos grupos feministas que adotou o fanzine e posteriormente a
tecnologia (e o e-zine) como forma de divulgar suas ideias foi o Riot Grrrl. Esse
movimento surgiu nos Estados Unidos, em Olympia, na década de 1990, quando
73
duas garotas punks, Kathleen Hanna e Tobi Vail, elaboraram o fanzine
Revolution Girl Style Now. Outro zine, Bikini Kill, foi produzido pouco tempo
depois, desta vez com a colaboração de Katie Wilcox. Bikini Kill também é o nome
de uma banda formada só por mulheres que é considerada a “banda-mãe” do Riot
Grrrl. Melo (2008, p.10) define as Riot Grrrls como:
jovens garotas que, ao associar música e política, questionam, denunciam e desconstroem as relações desiguais de gênero e suas conseqüências, em especial as relativas à juventude, e constroem, a partir de uma linguagem e de práticas, uma identidade feminista.
Rosenberg e Garofalo (1998) explicam que
a forma “grrrl” é uma retomada da palavra “girl” com
um posicionamento menos educado e mais assertivo
politicamente. Já o termo “riot” possui diversas
traduções, tais como “distúrbio”, “tumulto”, “agitação”,
“desordem violenta”, “barulho” até “ocasião ou pessoa muito divertida”83. Assim a
denominação riot grrrl coloca em circulação sentidos que reverberam uma força –
ou um toque de violência, como comenta Braidotti (1997) – que desafia o status
quo.
O movimento começou a se expandir e Bratmobile, outra banda de
garotas, iniciou uma série de eventos onde bandas se apresentavam, as garotas
se encontravam e trocavam fanzines e palestras sobre desordens alimentares,
estupro, abuso, auto-mutilação, racismo, auto-defesa e produção de fanzines
eram oferecidas. Conforme Rosenberg e Garofalo (1998, p.810) observam “at a
time in their lives when girls are taught to be silent, Riot Grrrl demands that they
scream”T24.
83 Dicionário Michaelis online: http://michaelis.uol.com.br/moderno/ingles/index.php?languageText=ingles-portugues&palavra=riot
Imagem 6: Riot = Not Quiet Fonte: http://rebelgrrrl.wordpress.
com/2010/02/24/the-riot-grrrl-manifesto/
74
Richardson (1996) comenta que os fanzines feitos pelas garotas do Riot
Grrrl cobriam assuntos variados, desde sexismo no meio da cultura punk, dilemas
juvenis, críticas de programas de televisão até lista de coisas divertidas para fazer.
Segundo Rosenberg e Garofalo, (1998, p.811):
Riot Grrrl sees zine writing and publishing as a basic method of empowerment; zine production is self-motivated, political activism that a girl can do entirely independently. Zines subvert standard patriarchal mainstream media by critiquing society and the media without being censored and also give girls a safe place to say what they fell and believe.T25
No Brasil, as ideias das Riot Grrrls começaram a ser difundidas por
volta de 1995 e a banda Dominatrix é considerada uma das principais
responsáveis pela divulgação (MELO, 2008). Isso se deve ao fato dos membros
dessa banda terem trazido para as terras brasileiras o LadyFest84 (aqui chamado
de LadyFest Brasil), evento que promove o movimento Riot Grrrls.
A forma como as Riot Grrrls e outros grupos formados por mulheres
usam os e-zines para propagar suas ideias e defender seus direitos pode ser
entendida através de um processo de apropriação da Internet. Esse processo é
definido por Rodriguez (2006, p. 38) como:
[...] a capacidade de tomar para si, de assimilar e, ampliando um pouco mais esta concepção, de compreender e transformar, estabelecendo quais usos o objeto apropriado pode ter e quais são os efeitos que este uso acarretará para si e para o grupo. É um movimento que acontece em um processo dinâmico, que pode envolver momentos de adaptação e reinvenção de significados.
A ideia de apropriação também foi trabalhada por Buzato (2007) ao
revisar o conceito de inclusão digital a partir da observação de um telecentro da
periferia de Guarulhos, São Paulo:
84 Detalhes disponível no endereço http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/02/308421.shtml
75
a apropriação de uma tecnologia, seu uso, transformação e aplicação em favor de interesses e necessidades individuais e comunitárias requer muito mais do que a capacidade de codificar e decodificar mensagens mediadas por um determinado código e por determinados dispositivos técnicos (BUZATO, 2007, p.143).
Como o pesquisador afirmou (idem, p.143) “há formas de inclusão que
não se igualam à padronização, e formas de diferenciação que não implicam o
isolamento”, que é, por exemplo, o que as Riot Grrrls buscam: serem ouvidas sem
terem que se sujeitar à padronização.
3.2. Ciberfeminismo
“If I'd rather be a cyberfeminist than a goddess, I'd damned well better know why, and be willing to say so”T26. Faith Wilding (1997).
Abordar o ciberfeminismo não é uma tarefa fácil, pois, assim como o
feminismo em geral, ele é abrangente e se estende através da teoria, do ativismo,
de práticas políticas e artísticas e das várias formas de intersecção dessas. Como
observa Sørensen (2007) o ciberfeminismo se constituiu como um projeto político
incômodo, mas produtivo, em um contraditório panorama digital que se apresenta
para as mulheres como um espaço tanto de promessas quanto de ameaças.
Warnick (2002, p.82) comenta que o termo “ciberfeminismo” abrange
uma gama de pensamentos feministas que surgiram entre as décadas de 1980 e
1990: como um conceito “it covers feminist simulations of technology, most literally
through debates about power, identity and autonomy and the role of women in the
new technological industries such as the World wide Web and the internet”T27.
Através do ciberfeminismo é possível desenvolver novos tipos de prática e teoria
feministas que consideram as novas e complexas condições sociais criadas pelas
TICs (WILDING, 1998).
76
Dependendo da perspectiva em que é analisado, o ciberfeminismo é
separado em vertentes. Hall (1996) ao tratar do ciberfeminismo do início da
década de 1990 o divide em dois tipos. O primeiro, denominado ciberfeminismo
liberal, e influenciado pela discussão pós-modernista sobre gênero, via a
tecnologia como o caminho para a libertação da dicotomia homem/mulher e
hetero/homossexual, possível graças ao mundo virtual85. O outro, chamado de
ciberfeminismo radical, focava o patriarcalismo e o sexismo representados na
internet, sendo um exemplo muito citado o caso de MUD86-rape87 ocorrido em
LambdaMoo88 na década de 1990. Tais formas de violência propiciaram a criação
de espaços virtuais onde somente mulheres podiam fazer parte89, situação que
Hall (1996, p.159) vê com apreensão, pois esses ‘guetos virtuais’ “impose a
female/male dichotomy instead of obscuring it”T28.
Estudos mais recentes, como os de Elm e Sundém (2007), observam
que apesar da fluidez inerente ao ciberfeminismo é possível delinear duas
tendências maiores: as “teóricas” e as “com base prática”90. A versão teórica do
ciberfeminismo estaria mais próxima da terceira onda feminista, que trouxe à tona
o entrelaçamento de questões de natureza pós-estruturalistas e pós-modernas, a
teoria Queer, a teoria pós-colonial e o questionamento de posições de poder,
assim como apresentou a fragmentação da diferença feminina em facetas como
sexualidade, raça, etnia e classe. Um exemplo desse ciberfeminismo é a obra de
85 Hall (1996) apresenta como exemplo a revista Future Sex, publicada em São Francisco na década de 1990 pela Kundalini Publishing. Essa publicação apresenta artigos e entrevistas que tratam de temas como modificação corpórea, liberação sexual, fotografia erótica e etc. 86 MUD – abreviação de sigla de Multi-user dungeon, dimension, ou domain é um jogo virtual no qual os usuários assumem a identidade de um personagem que os mesmos montaram. O universo é criado através de informações textuais que descrevem ambientes, seres e objetos. Os jogadores interagem entre si desenvolvendo ações e criando a trama. Para visualizar um exemplo desse jogo acesse <http://www.arkadiamud.com.br/news.php>. 87 O MUD-rape ocorreu no MUD conhecido com LambdaMOO. Um personagem identificado como Mr. Bungle atacou sexualmente outros dois personagens. Através de um programa ele conseguiu controlar as ações dos outros personagens, fazendo com que eles se sujeitassem ao seu desejo. Após o segundo ataque ele foi banido do jogo por um “controlador” do MUD. A violência ocorreu na forma de texto, mas a conseqüências foram bem concretas como cita Dibbell (1998). 88 Criada no final de 1990, começo de 1991, LambdaMoo é uma comunidade online do tipo MUD. 89 A lista SAPPHO é citada como sendo do ciberfeminismo radical 90 Os autores ressaltam que apesar da nomenclatura por eles propostas sugerir uma divisão clara entre teoria e prática, a teoria é em si um tipo de prática e as atividades provenientes da tendência “baseada na prática” podem ser inspiradas por questões teóricas (ELM e SUNDÉM, 2007)
77
Donna Haraway que apresenta o ciborgue como aquilo que transcenderia a
categorização dicotômica do mundo.
Fariam parte dessa tendência também as pensadoras Sadie Plant e
Sandy Stone, pois ambas viram na Internet um espaço para a subjetividade re-
corporificada (re-embodied subjectivities) e/ou um espaço na qual a utopia
feminista poderia se concretizar.
Sadie Plant no seu livro Zeroes and Ones91 (1997), partindo da vida de
Ada Lovelace92 e Grace Hooper93, procura resgatar o lugar da mulher na história
do desenvolvimento de novas tecnologias, assim como apresenta uma visão
diferente da relação entre as mulheres e as novas TICs: haveria uma ligação
íntima entre ambas que possibilitaria uma mudança de paradigma. Através de
analogias entre o processo de tecer e a estrutura do World Wide Web, da citação
do papel das mulheres na Revolução industrial e nas telecomunicações (como as
das telefonistas), Plant (2000, p.335) estabelece que o ciberespaço seria o lugar
de libertação, porque a Internet é essencialmente feminina:
ciberspace is out of man’s control: virtual reality destroys his identity (…) man confronts the system he built for his own protection and finds it is female and dangerous. (…) Cyberfeminism is an insurrection on the part of the goods and materials of the patriarchal world, a dispersed, distributed emergence composed of links between women, women and computers, computers and communications links, connections and connections nets.T29
Autores como Henwood e Wyatt (2000) a chamam de “tecnofórica”, pois
sua posição de entusiasmo com relação às TICs obliteraria sua visão e Gere
91 Plant faz uma analogia entre a linguagem binária do computador (0 e 1): o zero é feminino e o 1 é fálico e masculino. “The digital future is feminine, distributed, nonlinear, a world in which the zeros are displacing the phallic order of the ones “(GILL, 2005, p.99) T30 92 Augusta Ada Byron (1815-1852) era filha do Lorde Byron e de Ann Isabella Milbanke, uma matemática. Ada trabalhou junto com Charles Babbage – inventor do engenho diferencial, um tipo de máquina de calcular – e é considerada a primeira mulher programadora de computadores do mundo (SCHWARTZ et all, 2006) 93 Grace Murray Hooper (1906-1992) trabalhou na Universidade de Harvard na programação da série de aplicações para os computadores Mark I, II e III assim como desenvolveu diversas pesquisas no campo da linguagem computacional. Ela é responsável pelos termos bug e debug para se referir a um problema que ocorreu na programação de um computador, bem como para a sua solução.
78
(1999, p.153) a chama de determinista tecnológica e a compara com Marshall
MacLuhan, pois a tecnologia teria um papel primário e determinante na formação
tanto do social quanto do cultural. Além disso, poderíamos incluir que ao adotar a
analogia da linguagem binária do computador (0 e 1) para abordar a relação entre
o homem e a mulher, Plant está reforçando o binarismo que regula a relação entre
eles, o que vai contra uma forte tendência do feminismo atual, que é desconstruir
tal visão dicotômica do sexo, do gênero e da orientação sexual.
Sandy Stone, no livro The war of desire and technology (1995),
afirma que no ciberespaço o corpo transgênero se torna o corpo “natural”, pois a
transsexualidade ocuparia um lugar que desafiaria a oposição binária homem e
mulher. Como notam Elm e Sundém (2007, p.06) “the violence inscribed in the
transsexual body can be turned into a deconstructive force – even though this
process may be severely painful”T31.
Através de diversos relatos sobre a vida no ciberespaço e ao redor
dele, Stone mostra sua preocupação com a criação e manutenção de identidades
e comunidades em situações mediadas pelas novas TICs.
The nets are space of transformation, identity factories in which bodies are meaning machines, and transgender – identity as performance, as play, as wrench into the smooth gears of social apparatus of vision - in the ground state (STONE, 1995, p.180-181) T32.
Gere (1999) ao analisar essa obra de Stone ressalta que nem todos os
relatos são completamente verídicos, mas que isso não é evidenciado para o leitor
(apenas algumas pistas são deixadas no texto). Somente em algumas notas no
final do livro é que a autora explica que alguns dos relatos têm um certo grau de
ficção. Gere (1999, p.155) não crê que isso foi feito com a intenção de enganar o
leitor, mas se trata de uma estratégia para evidenciar a instabilidade das
aparências, das identidades:
Her stories, which concern the complexity and ambiguity of identity, have themselves complex identities. But they also
79
accede to the demand that they appear one thing or another, fiction or non-fiction, much as we demand that our fellow humans appear one thing or another, either male or femaleT33.
Retomando as tendências propostas por Elm e Sundém (2007), a
segunda é denominada “com base prática” e estaria mais relacionada com a
segunda onda feminista, pois buscaria através do uso das TICs criar espaços
femininos de resistência na Internet.
Porém esses mesmos autores que propõe a divisão do ciberfeminismo
em duas linhas apontam que tais tendências se entrelaçam na chamada “práticas
artísticas ciberfeministas”, representadas principalmente pelo grupo VeNus Matrix
(ou apenas VNS Matrix). Formando por quatro artistas da Austrália (Josephine
Starrs, Francesca di Rimini, Julianne Pierce e Virginia Barratt), esse grupo
transitou entre a arte, a política e a teoria. Inspiradas pelo A Manifesto for
Cyborgs de Donna Haraway (publicado pela primeira vez em 1985), elas
escreveram O Manifesto Ciberfeminista para o Século XXI94, onde
compartilharam suas ideias sobre a tecnologia com sendo feminina e sexual.
Com frases como “O clitóris é a linha direta para a matriz” e através da
ironia, da paródia e de conteúdo de cunho sexual, o NVS Matrix criou uma série
de intervenções – como a mostrada anteriormente – que se aproxima das
estratégias adotadas pelo movimento Grrrl e Guerrilla95:
The ironical force, the hardly suppressed violence and the vitriolic wit of feminist groups like Guerrilla or the Riot Girls are an important aspect of the contemporary relocation of culture, and the struggle over representation (…). The riot girls want to argue that there is a war going on and women are not pacifists, we are the guerrilla girls, the riot girls, the bad girls. We want to put up some active resistance, but we
94 Informação disponível no endereço < http://www.sysx.org/gashgirl/VNS/TEXT/PINKMANI.HTM> 95 In 1985, a group of women artists founded the Guerrilla Girls. They assumed the names of dead women artists and wore gorilla masks in public, concealing their identities and focusing on the issues rather than their personalities. Between 1985 and 2000, close to 100 women, working collectively and anonymously, produced posters, billboards, public actions, books and other projects to make feminism funny and fashionable. At the turn of the millennium, three separate and independent incorporated groups formed to bring fake fur and feminism to new frontiers. Fonte <http://www.guerrillagirls.com/index.shtml>T34
80
also want to have some fun and we want to do it our way (BRAIDOTTI, 1996, p.13) T35.
Abaixo temos o VNS Manifesto:
Imagem 7: VNS Manifesto
Fonte: http://www.sysx.org/gashgirl/VNS/TEXT/PINKMANI.HTM
O material do grupo GAFe de Florianópolis que será analisado no
capítulo 4 apresenta um forte diálogo com essa vertente, uma vez que ele também
adota intervenções de cunho artístico para protestar e veicular suas
reivindicações, como veremos durante a análise do corpus.
81
Lemos (2009), ao afirmar que historicamente o ciberfeminismo se
separou em duas frentes, propõe uma divisão um pouco diferente da elaborada
por Elm e Sundém (2007). De um lado estaria a “política radical” que incluiria a
escritora Sadie Plant, o VNS Matrix e o coletivo Old Boys Network
Old Boys Network (doravante OBN) foi criado na Europa por um grupo
de mulheres, dentre as quais Cornellia Solfrank, Faith Wilding, Yvonne Volkart e
Helene von Oldenburg, que tinha como objetivo proporcionar espaços tais como
listas na internet e encontros presenciais nos quais as mulheres poderiam debater
temas de seu interesse com mais autonomia e liberdade. Embora relutassem em
apresentar uma definição do que seria o ciberfeminismo, o OBN elaborou
coletivamente um manifesto contendo 100 “anti-teses” 96, tais como:
1. cyberfeminism is not a fragranceT36 2. cyberfeminism is not a fashion statement 3. sajbrfeminizm nije usamljen 4. cyberfeminism is not ideology 5. cyberfeminism nije aseksualan 6. cyberfeminism is not boring (…) 15. cyberfeminism is not error 101 16. cyberfeminism ist kein fehler (…) 18. cyberfeminism is not an ism 19. cyberfeminism is not anti-male (…) 22. cyberfeminismo no es uns frontera (…) 55. cyberfeminisme n'est pas une pipe 56. cyberfeminism is not a motherboard 57. cyberfeminism is not a fake 63. cyberfeminism is not a wound 64. cyberfeminism is not a trauma (…) 99. cyberfeminism is not stable 100. cyberfeminism has not only one language97
96 De acordo com Faith Wilding (1997) esse manifesto é uma paródia das teses de Martin Luther. 97 Disponível no endereço <http://www.obn.org/inhalt_index.html>
82
Esse manifesto é um exemplo da tentativa das ciberfeministas de
delinearem sua prática sem se filiar a uma ideologia determinada, dando-lhes
ampla liberdade de ação e teorização (BAYLE e TELFORD, 2007)
Juntamente com outros grupos, o OBN organizou o 1st Cyberfeminism
International durante o Documenta X98, realizada em Kassel, na Alemanha, em
1997. Várias palestras, workshops e projetos para a web foram apresentados
durante o evento, abrangendo temas como representações de gênero, pornografia
feminina, auto-representação de mulheres através de avatares na internet,
paranóia criada pelas novas tecnologias e etc. Uma questão de destaque do
evento foi a discussão sobre a necessidade ou não de elaborar uma definição do
ciberfeminismo. Wilding (1997), ao analisar a situação, aponta tendências que
colaboram para a resistência em se propor uma definição, assim como defende a
importância de fornecer uma, pois:
Definition can be fluid, and need not mean limits; rather, it can be a declaration of desires, strategies, actions, and goals. It can create crucial solidarity in the house of difference-- solidarity, rather than unity or consensus--solidarity which is a basis for effective political action.T37
A outra vertente sugerida por Lemos (2009) é composta por escritoras
como Susan Haethorne e Renate Klein. Susan Hawthorne (2000), em uma
entrevista para a ABC Radio Nacional, demonstrou sua crítica frente às condições
naquela época das mulheres no ciberespaço, afirmando que
What I see being presented through a great deal of cyberculture is the same old stuff. The Virtual Valeries who epitomise objectified women, the Webbies used to sell more fashions, as well as the overwhelmingly white and homogenised look; it can be thin, muscly, or have pointy breasts, but rarely goes beyond these stereotypes. Market
98 Documenta é uma exposição de arte moderna e contemporânea que ocorre a cada cinco anos na cidade de Kassel, na Alemanha. Neste ano de 2012 ocorre a sua 13º edição. Para maiores detalhes acesse <http://d13.documenta.de/>.
83
research indicates that most computer products are made for the ten-year-old (white) boy in Idaho. Is this where we want our intellectual development to stop? Do we really want all girls to do as they are told and never grow old? As a feminist, I thought we had made it past these markers. As a cyberfeminist, I know we are just beginning (Hawthorne, 2000)T38
Este pequeno panorama teve como objetivo mostrar a complexidade da
delimitação do termo ciberfeminismo, que varia conforme a abordagem e o recorte
que os autores fazem. Nesta pesquisa adotaremos a definição de que o
ciberfeminismo é um movimento multifacetado – portanto, ciberfeminismoS – que
atua tanto no campo teórico, em intervenções de natureza mais prática, quanto em
atividades teórico-práticas, tendo pelo menos um ponto de sustentação: a relação
entre as mulheres e a tecnologia, seja tal interação no campo das ciências
(mulheres como produtoras de tecnologia), no campo do ativismo (as mulheres se
apropriando das TICs e as utilizando para fazer circular suas reivindicações), seja
na confluência dessas duas interações. Não buscaremos, portanto, dividi-lo em
vertentes “um” e “dois”, pois isso significaria criar uma visão dicotômica desse
movimento, visão essa que este trabalho está problematizando, seja nos estudos
sociais da comunicação, seja nas abordagens sobre gênero. A compreensão que
há “ciberfeminismos’ é muito mais interessante e menos restritiva ao realizarmos
análises, pois nos permite ver nuances que uma postura mais “classificativa”
provavelmente não possibilitaria.
Tendo apresentado essa posição frente a definição do ciberfeminismo,
no próximo capítulo iremos introduzir o coletivo GAFe de Florianópolis, bem como
propor uma análise do seu material veiculado principalmente na internet.
84
85
IV. ANALISANDO O GAFe
Considerando o percurso realizado até agora, neste capítulo a análise
buscou mostrar como certas abordagens existentes em diferentes teorias sobre a
comunicação e as mídias se fazem presentes na postura adotada pelos
produtores do material do GAFe quando os mesmos tratam da relação entre as
mulheres, a mídia e as TICs. Também almejou-se evidenciar através do corpus e
da análise realizada a partir dele como a pluralidade do feminismo e do
ciberfeminismo permeia as páginas do e-zine do GAFe. A escolha do material
desse coletivo se baseou em algumas questões importantes como:
a) o tempo de existência do e-zine (de 2007 a 2011), pois muitos (tanto
eletrônicos como os impressos também) têm uma duração muito
curta o que dificulta a sua análise, principalmente quando buscamos
a saturação de dados99;
b) a constância na apresentação de novos tópicos (durante os anos de
2007 e 2009 foram colocadas novas matérias quase todos os meses,
geralmente sendo exceção os meses de férias da faculdade, como
janeiro e julho);
c) o diálogo que esse e-zine estabelece com outros movimentos sociais,
como o Centro de Mídia Independente100 e o coletivo Mujeres Publicas101, o que propicia uma circulação mais dinâmica de
informações
A análise aqui proposta foi elaborada a partir das seguintes etapas:
99 Entende-se que a saturação ocorre quando as informações obtidas começam a apresentar uma sequência de repetição. Essa forma de tratar o corpus é muito usada em estudos na área da antropologia. 100 Disponível no endereço <http://midiaindependente.org/> 101 Disponível no endereço <http://www.mujerespublicas.com.ar/>
86
a) Primeiramente foi feito um levantamento de fontes documentais e
bibliográficas que fossem relevantes para o objetivo proposto nesta
pesquisa;
b) Tanto a contextualização histórica apresentada como a
fundamentação teórica desenvolvida nos capítulos anteriores (e que
sustentaram a análise que será aqui mostrada) foram elaboradas a
partir da leitura de livros, dissertações, teses e artigos, assim como
através do acesso a documentários e vídeos, disponíveis tanto em
mídias físicas quanto em páginas na internet especializadas no
compartilhamento de vídeos;
c) A abordagem do material foi feita de forma híbrida, ou seja, foram
adotadas a análise de conteúdo (doravante AC) bem como a
pesquisa interpretativa, considerada qualitativa.
De acordo com Bardin (1977, p.38) a análise de conteúdo “pode ser
considerada como um conjunto de técnicas de análises de comunicações, que
utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos102 de descrição do conteúdo das
mensagens”. A descrição é feita através da elaboração de categorias, que podem
ser palavras, temas, personagens ou itens. Para este trabalho optamos em usar
duas categorias, a palavra e o tema, sendo a primeira “a menor unidade de
registro usado” pela AC e o segundo a “asserção sobre determinado assunto”,
representado através de uma “sentença, um conjunto delas ou um parágrafo”
(PUGLISI e FRANCO, 2005, p.38-9). A inclusão da categoria “tema” ocorreu por
ele possibilitar não apenas o trabalho com o texto escrito, mas também com
imagens e outros recursos gráficos usados pelo grupo na produção do seu
material, ampliando assim a capacidade analítica do corpus.
Tais categorias podem ser definidas a priori ou ao longo da pesquisa. No
caso desta dissertação, elas foram definidas depois de repetidas leituras do
102 Cabe aqui ressaltar que estamos cientes que a imparcialidade, a objetividade e a precisão que a ciência clama apresentar nada mais é do que uma construção discursiva.
87
material, ou seja, não foram a priori. Durante a sua elaboração buscamos seguir
os princípios apresentados por Richardson (1999, p.240) que ressalta que as
categorias devem:
(a) ser exaustivas, permitindo a inclusão de todos os elementos de
determinado tema;
(b) ser exclusivas, pois nenhum elemento pode ser classificado em
mais de uma categoria;
(c) ter concretude, na medida em que evitam a complexidade de
classificar termos abstratos;
(d) ser homogêneas, com categorias sendo construídas a partir do
mesmo princípio de classificação, e
(e) objetivas e fiéis, com a definição de variáveis e indicadores que
determinam a classificação em cada categoria.
Resumindo, o principal critério na elaboração de uma categoria é que
ela tenha coerência interna. Stokes (2003, p.58) nos alerta sobre o uso103 da AC,
afirmando que “although content analysis gives you evidence to support an
argument, it does not provide you with an argument in itself“T39. Seguindo seu
aviso e visando apresentar um quadro mais completo para o leitor, a pesquisa
interpretativa (uma abordagem de natureza qualitativa) foi escolhida para
complementar o trabalho. Ela consiste na descrição e análise dos “conceitos e
raciocínios utilizados” pelas pessoas que produziram o material em análise
(COULON, 1995, p.62). Essa escolha se deve ao fato da pesquisa qualitativa ser
um campo “transdisciplinar envolvendo as ciências humanas e sociais, assumindo
tradições ou multiparadigmas de análise (...) adotando multimétodos de
investigação para o estudo de um fenômeno situado no local em que ocorre”
(CHIZZOTTI, 2003, p.221). A pesquisa qualitativa requer um recorte espaço- 103 Stokes (2003, p.58) usa o seguinte exemplo para ilustrar seu aviso: “in studies of violence on television, scholars have often simply counted acts of violence without distinguishing between vengeance, justice or acts committed by a mythical beast against a farm animal”T40
88
temporal que delimita o campo e a dimensão no qual a análise será realizada.
Seguindo esse princípio, o escopo deste trabalho consiste no material publicado
na página do GAFe disponível na internet durante os anos de 2007 e 2011, que
marcam o início e fim de suas atividades, respectivamente.
A união dessas duas abordagens buscou a saturação dos dados, por
isso a observação e a pré-análise foram feitas e refeitas até que a coleta de dados
e a ponderação sobre os mesmos não produzissem novas informações, ou seja,
até que as informações se tornaram redundantes. Por esse motivo as análises
mais detalhadas são principalmente das primeiras produções do grupo GAFe, pois
depois de alguns meses o que ocorrerá é a redundância de temas abordados. A
seguir a descrição e a análise dos dados serão apresentadas concomitantemente.
4.1 Descrição e Análise
O material do GAFe - Grupo de Ação Feminista, está disponível no
endereço <http://gafeminista.blogspot.com.br/>, ou seja, ele está hospedado em
um blog. Como comentado anteriormente, o blog aqui é entendido como uma
plataforma onde diversos tipos de produção são disponibilizados. A análise do
layout do material do GAFe, assim como do seu estilo de escrita (que será feito a
seguir), temas e discussões permitem afirmar que tal publicação é um e-zine
feminista.
É possível conhecer o GAFe através da sua primeira postagem, feita no
dia 16 de novembro de 2007 intitulado “Carta da GAFe”, na qual eles se
apresentam:
o coletivo começou em Florianópolis e estudantes universitários
formam uma parte de seus componentes, porém não é possível
saber exatamente em qual proporção, pois isso não é
89
evidenciado no perfil disponível (Imagem 8), nem ao longo do
corpus;
sua origem está associada ao Movimento Passe Livre104;
devido ao surgimento de discussões envolvendo gênero sentiu-
se a necessidade de organizar um grupo autônomo;
o primeiro momento foi informalmente realizado na casa de uma
das participantes.
Imagem 8 – Perfil do usuário
A partir dessa primeira reunião ocorrida em outubro de 2007 o grupo
criou uma lista de e-mails para discussão, iniciou uma série de eventos e publicou
o e-zine, reproduzido a seguir.
104 De acordo com o seu site “O Movimento Passe Livre luta pela gratuidade do transporte coletivo urbano, a TARIFA ZERO! O MPL é atuante em muitas cidades brasileiras e tem como princípios a horizontalidade, a autonomia e o apartidarismo”. Disponível no endereço http://mplfloripa.wordpress.com/about/
Imagem 9 – Printscreen da carta de apresentação da GAFe
91
Na página anterior foi possível ver um printscreen do site do GAFe que
contém a sua apresentação. As imagens que a compõe chamam a atenção do leitor
pelo seu tamanho e temática. A forma como a imagem é apresentada, seja em um texto
impresso, seja na tela do computador, afeta a maneira como o leitor se relaciona com a
mesma. Burke (2004) mostra em seu livro Testemunha ocular: história e imagem
como a imagem é rica em significados e como é possível investigar os diferentes usos
dela como fonte de documentação histórica. Tânia de Souza (2001, p. 25) observa que:
(...) ao se interpretar a imagem pelo olhar – e não através da palavra – apreende-se a sua matéria significante em diferentes contextos. O resultado dessa interpretação é a produção de outras imagens (outros textos), produzidas pelo espectador a partir do caráter da incompletude inerente (...) à linguagem verbal e não-verbal. O caráter de incompletude da imagem aponta, dentre outras coisas, à sua recursividade. Quando se recorta pelo olhar um dos elementos constitutivos de uma imagem produz-se outra imagem, outro texto, sucessivamente (...)
Um dos primeiros itens que chamam a atenção são as cores presentes. A
predominância é do cinza, vermelho e preto, e elas se repetem em todo o material, o
que é relevante, pois as cores são socialmente significadas e o seu uso transmite
sentidos. Guimarães (2000, p.59) afirma que “podemos compreender a cor como um
dos elementos da sintaxe da linguagem visual, e a linguagem visual como um dos
diversos códigos da comunicação humana”. O vermelho pode produzir sentidos tanto
positivos quanto negativos, sentidos esses que, embora “naturalizados” possuem uma
historicidade. O vermelho é a cor do calor que aquece, da boca, do coração, da paixão,
do amor, da entidade Cruz Vermelha (que salva vidas). Também é a cor da violência,
do sangue (derramado) e da menstruação, do ódio, do fogo que queima, da interdição
(do semáforo, da placa de “Perigo”). O vermelho também é associado à militância, a
grupos que lutam e reivindicam os seus direitos.
No cabeçalho superior da tela vemos uma barra que será constante durante
toda a navegação.
92
Essa imagem é composta (da
direita para a esquerda) por um desenho (da
mulher com um lenço sobre a boca), uma
foto (de cartazes colados em um muro), uma
pichação (gafe!, escrito em letra de mão), um
estêncil (perfil de uma menina) e uma
ilustração (que pode ser um estêncil mais
elaborado ou um grafite). Essa mistura de
elementos geralmente está presente não só
nos fanzines impressos, mas nos eletrônicos
também.
À esquerda da tela temos uma
coluna que também permanece fixa durante
a navegação e traz mais informações sobre o
grupo.
A primeira é o nome completo do
coletivo e a sua localização: Grupo de Ação
Feminista – Florianópolis. Logo abaixo há a
sentença “... livres ou mort@s. Jamais
escrav@s!”. O uso da arroba105 ocorre nas
palavras mort- e escrav- no lugar do que
seria a vogal “a” ou “o”. Esse recurso é muito
usado em textos feministas na busca de
105 É possível encontrar textos acadêmicos que adotaram esse padrão de escrita. Como exemplo há o trabalho de Marlene Tamanini (2003) que já traz a arroba no seu título “Novas tecnologias conceptivas à luz da bioética e das teorias de gênero: casais e médic@s no sul do Brasil” e o de Vinicius Kauê Ferreira (2011), “Histórias de Rodapé:Conflitos na constituição das antropologias indianas”, que a adota na elaboração do seu texto de conclusão de curso em Ciências Sociais da pela Universidade Federal de Santa Catarina
Imagem 10 – Barra superior fixa
Imagem 11 – Barra lateral fixa
93
evitar a opção entre o masculino ou o feminino, principalmente em situações nas quais
a palavra designaria os dois, homens e mulheres.
Essa é uma estratégia para não perpetuar as relações binárias
homem/mulher, pois mesmo que um grupo seja formado por 99 mulheres e um homem,
a forma de designação desse grupo será masculina. Adotando um símbolo como a
arroba busca-se a inclusão de tod@s, sejam homens, mulheres e transgêneros, como
explicarão os membros do coletivo GAFe em um texto do dia 04 de março de 2008,
onde é ressaltado que a arroba foi a maneira encontrada para não privilegiar nenhum
marca lingüística de masculino ou feminino.
De Lauretis, (1990, p.118) ao refletir sobre a fala de MacKinnon106, comenta
que o feminismo é uma crítica à dominação masculina e ao
male point of view which “has forced itself into the world, and does
force itself upon the world as its way of knowing.” Gender itself,
she continues, is less a matter of (sexual) difference than an
instance of that dominanceT41.
Ao buscar alternativas linguísticas para não marcar a dualidade do gênero, o
GAFe mostra justamente a sua preocupação sobre tais questões.
Abaixo da sentença “... livres ou mort@s. Jamais escrav@s!” vemos a
imagem de uma garota/mulher com uma lenço preto sobre sua boca, e com a mão
esquerda segurando um
cajado, estando circundada
pelos dizeres “Viva la
resistencia!”. Essas
informações juntas nos
remetem aos movimentos de
luta, como o do campesinato
no qual as mulheres tem
ganho espaço. Isso se torna
106 Feminista Americana cujos trabalhos giram em torno do assédio sexual e da pornografia.
Imagem 13 – Membro da Via Compesina Fonte: http://gafeminista.blogspot.
com.br/2008/03/mulheres-da- via-campesina-em-luta.html
Imagem 12 – Viva La Resistencia
94
mais evidente quando comparamos essa imagem com a foto abaixo, disponível no dia
09 de março de 2008, na própria página do grupo.
Nessa data foi publicada no GAFe um artigo originalmente da Mídia
Independente intitulado “Mulheres da Via Campesina em luta”. Esse artigo relata a
violência com que mulheres e crianças desse movimento foram tratadas durante a
desocupação de uma área não-urbana privada que continha eucaliptos numa região há
400 quilômetros de Porto Alegre. No final do relato, o GAFe expressa sua solidariedade
às mulheres da Via Campesina.
Retomando a observação da página inicial, no item Apresentação o GAFe se
define como sendo “um grupo de homens e mulheres que não gostam de ser homens e
mulheres”. Logo depois eles desenvolvem essa ideia afirmando que a identidade de
cada um não deveria ser “subordinada ao fato de que nascemos com uma vagina ou
um pênis”, posição essa expressa novamente na publicação “Carta de Apresentação”
que será analisada mais adiante. A crítica do coletivo à subordinação ao aparelho
genital reverbera um dos pontos trabalhados – com já mencionado anteriormente – por
Butler:
It would make no sense, then, to define gender as the cultural interpretation of sex, if sex itself is a gendered category. Gender ought not to be conceived merely as the cultural inscription of meaning on a pregiven sex (a juridical conception); gender must also designate the very apparatus of production whereby the sexes themselves are established (BUTLER, 1990, p.7).T42
Continuando sua explicação, o grupo escreve “Nós não nascemos mulher,
nos tornamos mulher. Não nascemos homens, aprendemos a ser homens”. A primeira
parte dessa fala é retirada do livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. Ao fazer
uma leitura da obra de Beauvoir, Butler propõe duas interpretações totalmente
diferentes dessa afirmação. Na primeira, publicada em 1986107, Butler sugere que
Beauvoir rejeita a concepção dualista cartesiana do ser humano ao escrever que a
mulher não nasce como tal, mas se torna uma, assim como apresenta uma série de
desafios para a teoria do gênero, por exemplo “até que ponto é a “construção“ do
gênero um processo de auto-reflexão?” Butler começa então a mostrar como:
107 BUTLER, J. ”Sex and Gender in Simone de Beauvoir's Second Sex.” in: Yale French Studies. Simone de Beauvoir: Witness to a Century. No. 72, pp. 35-49, Winter 1986
95
Simone de Beauvoir’s accounts of ‘becoming’ a gender reconciles the internal ambiguity of gender as both ‘project’ and ‘construct’ (…) In keeping "become" ambiguous, Beauvoir formulates gender as a corporeal locus of cultural possibilities both received and innovated.T43
Butler (1986, p.49) termina a sua análise sobre a relação entre sexo e gênero
na obra O Segundo Sexo afirmando que “revealing the natural body as already clothed,
and nature's surface as cultural invention, Simone de Beauvoir gives us a potentially
radical understanding of gender”T44 e conclui dizendo que “her vision of the body as a
field of cultural possibilities makes some of the work of refashioning culture as mundane
as our bodily selves”T45.
Já em Gender Trouble, Butler (1990) muda seu posicionamento sobre a
escrita de Beauvoir, e declara que a autora francesa mantém o dualismo mente/corpo
característico do pensamento de Descartes. Essa nova leitura ocasionou uma série de
críticas, como a de Heinämaa108 (1997) e Femenías109 (2003).
Retomando a descrição do e-zine, ainda no item Apresentação os
componentes do grupo GAFe citam os tipos de atividades que eles promovem (oficinas,
conversas, intervenções visuais na cidade, prática de autodefesa), assim com elencam
os temas que são focos das atividades, tais como corpo, sexualidade, identidade,
gênero, feminismo, direitos da mulher, aborto e violência. Porém o grupo ressalta que
nem as atividades nem os temas são fixos. O coletivo termina com um convite para
aqueles que tenham interesse em participar do movimento “Você pode chegar junto e
sugerir novas coisas, novas atividades, escutar, falar, ouvir, aprender... enfim,
construir!”.
Finalizando, há ainda nessa coluna um ícone com o e-mail de contato do
grupo - que pode ser visto logo acima do índice contendo os arquivos do blog,
organizado por ano (2007-2011) - e a citação dos links amigos, tais como:
o do Centro de Mídia Independente110,
o do Movimento ”Passe Livre” em Florianópolis111; 108 HEUNÄMAA, S. What is a woman? Butler and Beauvoir on the Foundations of the Sexual Difference. Hypatia, vol. 12, n. 1, pp.20-39, 1997. 109 FEMENÍAS, M. Judith Butler: introducción a su lectura. Buenso Aires: Catálogos, 2003. 110 Disponível no endereço <http://midiaindependente.org/>
96
Wendo Brasil (que atualmente está fora do ar);
Corpus Crisis112;
Retome a tecnologia!113;
Mujeres Públicas114 (Argentina) e
Mujeres Creando115 (Bolívia).
A retomada da leitura dos temas mencionados pelo GAFe, juntamente com a
observação feita do material todo, formaram a base para a elaboração das categorias
para a AC. Algumas dessas categorias foram sendo alteradas durante o processo, pois
se mostraram redundantes em alguns casos. Como os temas de interesse
apresentados pelo grupo foram corpo, sexualidade, gênero, feminismo, direitos das
mulher, aborto e violência, eles serviram de ponto de partida para a observação da
freqüência com que palavras relacionadas a esses temas ocorriam.
A tabela abaixo relaciona as palavras que tiveram mais de 20 ocorrências, o
que corresponde a cerca de 15% do total de palavras presentes nos posts (incluindo os
títulos) entre os anos de 2007 e 2011:
Tabela 2 – Palavras e suas ocorrências
PALAVRA NÚMERO DE OCORRÊNCIAS
a) mulher 341
b) aborto 96
c) homem 90
d) direitos 59
e) corpo 48
f) gênero 37
g) violência 32
h) saúde 29
i) estupro 24
111 Disponível no endereço <http://mplfloripa.wordpress.com/> 112 Disponível no endereço <https://www.sarava.org/> 113 Disponível no endereço <http://retomeatecnologia.wordpress.com/> 114 Disponível no endereço <http://www.mujerespublicas.com.ar/> 115 Disponível no endereço <http://www.mujerescreando.org/>
97
A palavra “mulher” inclui a sua forma singular e plural, assim como os
sinônimos “garota(s)” e “menina(s)” quando se referiram a mulheres e não a crianças. A
palavra “menina(s)” significando criança(s) apareceu 07 vezes, 06 delas no texto que
fala sobre Wendo116.
A palavra “aborto” inclui apenas ela mesma, pois não foi encontrada
nenhuma variação dela, como o verbo abortar.
A palavra “homem” inclui a sua forma singular e plural, assim como os
sinônimos garoto(s) e menino(s) quando se referiram a homens e não a crianças. A
palavra menino significando criança apareceu apenas 01 vez em um texto que
questionava a educação diferenciada para meninos e meninas.
A palavra “direitos” apareceu geralmente associada primeiramente aos
direitos sexuais e reprodutivos (ao aborto, à escolha, ao planejamento familiar e à
saúde da mulher), seguido pelos direitos trabalhistas e pelos direitos humanos (como a
liberdade, o respeito e etc).
A palavra “corpo” inclui a sua forma singular e plural, assim com a palavra
“corporal”, e é usado tanto para falar de questões de saúde, como o (des)conhecimento
que temos do nosso próprio corpo, até como o corpo é foco de violência.
A palavra “violência” inclui a sua forma singular e plural, assim como a
palavra “agressão”, quando se referia, por exemplo, à agressão doméstica, mas não ao
estupro.
A palavra “gênero” inclui a sua forma singular (a maioria) e plural e está
geralmente associada às palavras luta, opressão, violência e igualdade.
A palavra “saúde” é quase sempre usada para se falar sobre questões como
aborto e reprodução.
A palavra “estupro” inclui a sua forma singular e plural assim com a palavra
“abuso”, pois todas as vezes que ela surgiu nos textos era no sintagma “abuso sexual”.
A palavra “agressão”, quando era de cunho sexual, também foi incluída aqui.
Ao compararmos os temas que foram mencionados como sendo de interesse
do grupo (corpo, sexualidade, gênero, feminismo, direitos das mulheres, aborto e
violência) e a ocorrência de certas palavras nos cinco anos de produção do material,
116 Wendo é uma arte marcial, uma técnica de auto-defesa exclusiva para mulheres
98
observamos, primeiramente, que a palavra mulher aparece quase quatro vezes mais do
que a palavra homem. Apesar do coletivo se apresentar como um grupo de “homens e
mulheres que não gostam de ser homens e mulheres”, os posts que abordam questões
sobre a mulher são predominantes e a palavra “homem” geralmente aparece referindo-
se ao agressor, ao opressor. Um das exceções é o texto Para cada mulher de Mabel
Burim, publicado no dia 09 de abril de 2008 e abaixo reproduzido:
Imagem 14 – Para cada Mulher, de Mabel Burim
Fonte: http://gafeminista.blogspot.com.br/2008_04_01_archive.html O texto de Burim busca mostrar que para cada opressão ou exigência que
existe em relação à mulher, há uma equivalente em relação ao homem. Este foi um dos
poucos momentos em que é proposta uma reflexão sobre como o machismo traz
consequências negativas também para os homens.
99
Além de “mulher” e “homem“, as palavras mais citadas foram “aborto”,
“direitos” e “corpo”. Se conjugarmos essas três teremos uma temática constante no
material do GAFe: o direito da mulher sobre o seu próprio corpo, exemplificado através
do direito ao aborto.
Imagem 15: Legalização do aborto agora!
Fonte: http://gafeminista.blogspot.com.br/2008/05/legalizao-do-aborto-agora.html
100
O direito sobre o seu próprio corpo também é trazido à tona quando
pensamos na violência física e no estupro; o direito de dizer não e ter esse direito
respeitado. Essas questões são levantadas no texto 8 de março – Respeito e não flores, publicado em 04 de março de 2008.
Todos os dias, quase 6 mil mulheres são espancadas, e mais de 40 são estupradas. Convivemos ainda com violências mais mascaradas, que não deixam marcas aparentes em nossos corpos. (...) A GAFe – Grupo de Ação Feminista – é um espaço para TOD@S (homens e mulheres) que se incomodam com essa situação.
Com relação aos temas, veremos que eles complementam e ratificam os
dados obtidos com o levantamento das palavras. Os dois temas mais presentes em
todo o material foram o da violência e da saúde. Sobre a violência, ela aparece tanto na
forma verbal como não-verbal relacionada ao gênero, ao sexo, à mídia, à religião e à
legislação.
A) Violência relacionada ao gênero
Ela ocorre principalmente através da imposição de diferenças entre homens
e mulheres que acarretam sofrimento para ambos. O texto escrito por Mabel Burim (09
de abril de 2008) mencionado anteriormente exemplifica bem essa forma de violência.
Outra passagem é encontrada no texto 8 de março – Respeito e não flores (04 de
março de 2008.
No nosso grupo, discutimos e planejamos ações que procuram mudar e questionar o lugar dos homens e das mulheres na sociedade. O FEMINISMO é um movimento que luta pela IGUALDADE entre os sexos, procurando assegurar e promover os direitos das mulheres. Ao contrário do que se pensa muitas vezes, o feminismo também é uma luta dos homens, e NÃO é o oposto do machismo.
101
B) Violência sexual
Seja através do assédio ou do estupro essa forma de violência é uma
preocupação constante no material do GAFe e nos eventos por ele organizados, como
o Resistir para existir I, em 2007, (que será detalhada mais adiante) e Resistir para
existir II, em 2008, promovidos para marcar o dia mundial contra a violência à mulher.
C) Violência midiática
Esse tipo ocorre quando a mídia busca impor padrões de beleza (geralmente
impossíveis) e estabelecer expectativas comportamentais, ou seja, quando ela tenta
regular os corpos femininos de maneira geral. O texto de Marjorie Rodrigues, 8 de Março, Dispenço Essa Rosa!, publicado em 11 de março de 2009, mostra como essa
busca pelas padrões apresentadas pela mídia é uma jornada inatingível.
é só passar em frente a uma banca de revistas (...). Você nunca está bonita o suficiente, bobinha. Não pode ser feliz enquanto não emagrecer. Não pode envelhecer. Não pode ter celulite (embora até bebês tenham furinhos na bunda). Você só terá valor quando for igual a uma modelo de 18 anos (...). Mas mesmo ela não é perfeita: tem de ser photoshopada. Sua pele é alterada a ponto de parecer de plástico: ela não tem espinhas nem estrias nem olheiras nem cicatrizes nem hematomas, nenhuma dessas coisas que a gente tem quando vive. Ela sorri, mas não tem linhas ao lado da boca. Faz cara de brava, mas sua testa não se franze. É magérrima (às vezes, anoréxica), mas não tem nenhum osso saltando. É a beleza impossível, mas você deve persegui-la mesmo assim, se quiser ser “feminina”. Porque, sim, feminilidade é isso: é “se cuidar”. (...) Usar uma porrada de cosméticos e fazer plásticas é a maneira (a única maneira, segundo os publicitários) de mostrar a si mesma e aos outros que você se ama. “Você se ama? Então corrija-se”. (Grifo meu)
Outra forma de violência veiculada na mídia é apontada no texto de
Rodrigues (2009) é a desumanização da mulher, que é apresentada como um objeto de
satisfação sexual dos homens, o que incentivaria certos comportamentos considerados
102
ofensivos por algumas mulheres, como as “cantadas” recebidas em lugares públicos –
como a rua – feitas por desconhecidos.
Em outro comercial, o russo garoto-propaganda puxa três mulheres para perto de si, para que os telespectadores entendam que o “combo” da NET engloba três serviços (...) Aparentemente, isso ajuda a vender TV por assinatura. Muito provavelmente, os publicitários criadores desta peça não sabem o que é andar pela rua sem ser interrompida por um completo desconhecido ameaçando “chupá-la todinha”.
D) Violência religiosa
Uma das principais características apontadas no material veiculado pelo
GAFe como sendo uma forma de violência religiosa é o fato de muitas religiões tirarem
do indivíduo o direito de escolha. Isso é apresentado, por exemplo, no Manifesto de
Católicas pelo Direito de Decidir sobre a Campanha da Fraternidade de 2008
- Pode-se afirmar a defesa da vida e desrespeitar o princípio fundamental à realização de uma vida digna e feliz, que é o direito de decisão autônoma sobre o próprio corpo? Condenar as mulheres a levar adiante uma gravidez resultante de estupro, a não interromper uma gravidez que coloca a vida delas em risco, ou cujo feto não terá nenhuma condição de sobreviver?
Outra questão também presente nesse manifesto é o tratamento desigual
dado para homens e mulheres, neste caso, na religião católica:
- Pode-se afirmar a defesa da vida e denunciar as desigualdades, quando a mesma Igreja mantém uma situação de violência em relação às mulheres, submetendo-as a normas decididas por outros, impedindo-as de realizarem sua vocação sacerdotal, relegando-as a uma situação de inferioridade em relação aos homens da hierarquia católica?
E) Violência legislativa
Quando o Estado não se mantém laico e submete decisões de bem-estar
social à questões religiosas ele acaba criminalizando, por exemplo, a mulher por
103
exercer suas escolhas sobre o seu próprio corpo. Essa forma de violência é apontada
no texto Direitos Sexuais e Reprodutivos: desafios para a cidadania (26 de maio de
2008)
Apesar do aborto no país ser permitido apenas nos casos que oferecem risco de vida para as gestantes, má formação congênita grave do feto, ou por estupro, o Brasil é signatário de diversos tratados e acordos internacionais de proteção aos direitos humanos, nos quais assumiu junto com outros países o compromisso de reformar as leis que punem as mulheres que cometeram abortos, independentemente dos casos. Todavia, o artigo 128 do Código Penal de 1940 que criminaliza o aborto e herança ditatorial do Estado Novo, ainda permanece inalterado.
Outro exemplo citado é o tratamento diferenciado que as empregadas
domésticas recebem no que tange os direitos trabalhistas, abordado no texto Direitos Iguais para as Trabalhadoras Domésticas!, artigo que foi originalmente publicada
pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria - CFEMA117 e que foi disponibilizado
pelo GAFe em 04 de maio de 2009:
Quando a Constituição Federal dá tratamento diferenciado para a maior categoria feminina, negra e empobrecida do país, é um sinal de que temos um problema de raça, gênero e classe para ser enfrentado pela sociedade brasileira.
Cabe mencionarmos que a divisão das formas de violência anteriormente
proposta serve como uma ferramenta metodológica que auxilia a observação dos temas
presentes no material do GAFe, mas muitos desses tipos de violência se entrelaçam
formando um panorama de opressão que é denunciado pelo e-zine do coletivo de
Florianópolis.
A imagem na página seguinte foi feita através da colagem de figuras
existentes no material do GAFe, algumas delas aparecendo repetidas vezes (como o
desenho da mulher crucificada em um útero). O tema saúde costuma aparecer
associado à violência ou ao desamparo por parte do governo. Ao se conjugar esse dois
temas, os sentidos aqui evocados são os da biologização da mulher por parte da
117 Disponível no endereço <http://www.cfemea.org.br/noticias/detalhes.asp?IDNoticia=911>
104
ciência, da medicina, do estado e da sociedade, que a definem e a explicam a partir do
seu útero, de seus hormônios e de seus genes. Essas imagens, juntamente com os
textos, são trazidas pelo GAFe justamente por esse grupo questionar a divisão binária
homem/mulher, por tal organização se basear na diferença dos órgãos sexuais e por
essa estrutura acarretar processos de inferiorização, discriminação e violência.
Imagem 16: Colagem
Fonte: Colagem feita a partir de imagens veiculadas na página do GAFe
Os dados acima apresentados serviram para dar uma ideia geral das
principais preocupações do coletivo durante a escrita do e-zine.
Agora iremos detalhar a carta de apresentação do grupo. Embora o grupo
seja misto, a primeira reunião ocorrida na casa de uma das participantes contou
exclusivamente com a presença de mulheres, como mostram os trechos abaixo
destacados:
“Num primeiro momento, marcamos uma conversa informal entre meninas na casa de uma amiga”
“De início, estávamos inseguras quanto a existência de espaços exclusivos a participação feminina. Depois desse dia, percebemos que é importante criar espaços confortáveis em que as mulheres
105
se sintam a vontade pra conversar sobre sua saúde, seu corpo e seus sentimentos” (grifo meu)
Essa fala lembra muito os comentários de Hall (1996) sobre o ciberfeminismo
radical, com a sua criação de espaço na internet exclusivos para mulheres. Mas apesar
desse primeiro encontro ter sido exclusivo para as mulheres, o grupo comenta a
necessidade de incluir os homens no diálogo que estão propondo, pois:
“Mais importante ainda foi perceber que essa conversa precisa extrapolar o espaço feminino e chegar aos homens” (grifo meu).
Os autores da carta criticam a heteronormatividade, não apenas como
sistema repressivo da mulher, mas como fonte de sofrimento para os homens também:
“uma sociedade que cria relações desiguais, dentre elas a de gênero que modela padrões de masculino e feminino, não faz ninguém muito feliz” (grifo meu)
“uma sociedade mais justa, nesse sentido, não se dá só com a libertação da mulher, mas também com o fim dos padrões de comportamento viris, fortes, provedores e tal que são impostas aos meninos” (grifo meu)
Essa passagem reforça o comentário anteriormente feito que esse coletivo
tem conhecimento das questões atuais sobre gênero, como o fato do “gender is not to
culture as sex is to nature”T46. Assim, o “gender is also the discursive/cultural means by
which “sexed nature” or a “natural sex” is produced and established as “prediscursive”,
prior to culture, a politically neutral surface on which culture acts (BUTLER, 1990,
p.5)T47.
O grupo então faz um convite, adotando novamente a arroba para indicar a
inclusão de todos, sejam homens, mulheres ou transgêneros: “convidamos todAs e
todOs para construirmos junt@s o debate, as ações, os eventos, o coletivo, a cidade e
a sociedade!!!”. No final da carta elas lembram os leitores que no dia 25 de novembro é
o dia mundial contra a violência de gênero, e para promover tal data elas estavam
organizando uma programação que iria acontecer em dois dias (24 e 25 de novembro)
106
no espaço do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Santa
Catarina. Encerrando essa primeira publicação, o coletivo avisa que o próximo encontro
será em breve e que nele serão acertados os detalhes para i evento do sai 25 de
novembro.
A segunda publicação deles é sobre um evento realizado no dia 10 de
novembro chamado "Um Mundo Escondido no Córrego Grande". Córrego Grande é um
bairro que fica na porção central da ilha de Santa Catarina, ao centro do município de
Florianópolis, e próximo à Universidade Federal de Santa Catarina. Nesse dia o grupo
organizou um bate-papo bem como uma dinâmica: com o fornecimento de vários
recortes de revistas, fotografias e imagens que tinham como foco mulheres diversas, as
participantes teriam que montar dois painéis. No primeiro seriam coladas as figuras que
mostrassem “mulheres estereotipadas produzidas pela mídia e pela padronização
sexista”. No segundo painel seriam fixadas aquelas que representassem como “nós,
mulheres, somos de verdade”. Cada participante pegava uma imagem, a colava em um
dos painéis, explicava para os demais membros qual o motivo da sua escolhida. Os
dois painéis produzidos podem ser visualizados a seguir. É possível observar que no
primeiro cartaz a maioria das mulheres são magras, bonitas e jovens. Muitas usam
biquínis que expõe seus corpos esculturais ou usam roupas típicas de desfiles de moda
– que pouco tem a ver com o nosso dia-a-dia. Já no segundo cartaz vemos imagens de
mulheres trabalhando, protestando ou cuidando da família. Algumas são pobres, negras
e mulatas, e nenhuma delas possui um corpo esculpido com malhação em academias
ou pelo trabalho de um bisturi. Pelo contrário, a maior foto presente no cartaz é de um
close do corpo de uma mulher que apresenta dobras de pele, algo impensável nas
revistas de moda e dieta.
Como observa Del Priori (2000, p.96), recentemente a construção social do
que é ser mulher – seja ela adolescente ou mais velha – está muito calcado “na
montagem e escultura desse novo corpo (...) um corpo cirúrgico, esculpido, fabricado e
produzido, corpo que é o centro das atenções e fetiche de consumo”.
107
Imagem 17: Quem são elas? X É nóis!
Fonte: http://gafeminista.blogspot.com.br/2007/11/no-dia-10-de-novembro-gafe-participou.html
108
Esse corpo-produto é veiculado – dentre outras formas - por publicações
impressas, que como aponta Castro (2003) legitimam suas informações ao buscar
especialistas que orientam como cuidar do corpo seja no que diz respeito à
sexualidade, à moda ou à beleza. Como a autora afirma “é curioso observar que o
momento em que identificamos a intensificação do culto ao corpo é o mesmo em que as
duas revistas [Corpo a Corpo e Boa Forma] nascem” (CASTRO, 2003, p.47). Com
relação à última revista (Boa Forma), Andrade (2003), em sua pesquisa de
mestrado118, fez uma análise dessa revista, considerada a primeira desse estilo no
mercado editorial brasileiro, tendo surgido em 1986.
Boa Forma é uma revista que conta tudo sobre o corpo: exercícios, alimentação saudável, beleza e qualidade de vida. As reportagens orientam a leitora que quer adotar um estilo de vida mais saudável, com sugestões de nutrição, cosméticos, moda esportiva e equipamentos de ginástica (PENTEADO, 2001, apud ANDRADE, 2003, p.111).
Usando o conceito de “pedagogias culturais”119 a autora observou como
ensinamentos do que significa ser uma mulher são veiculados em revistas femininas,
em especial na seção “Desafio de verão” da revista Boa Forma:
Os discursos das revistas femininas estão envoltos em relações de poder, poder de regular as condutas, de dizer como agir, o que comer, que atividades físicas praticar, em que horário e local, que roupas estão na moda, etc. (...) A revista funciona, então, como um guia norteador das condutas femininas, estimulando o treinamento e a educação do corpo em cada uma das suas prescrições (ANDRADE, 2003, 120-121).
Outra pesquisa que buscou compreender como o corpo se constrói a partir
do seu aspecto biológico e de sua inserção na cultura foi Representações de corpo
feminino adolescente na revista Capricho120 de Figueira (2003). Tendo como corpus
118 Uma boa forma de ser feliz – representações de corpo feminino na revista Boa Forma. UFRGS 119 Considerada tanto o ensino quanto o aprendizado que ocorre em uma gama ampla e em diversas áreas do social e do cultural que, embora incluam a escola, não se limitam a ela, “Os espaços pedagógicos são vistos, assim, com aqueles lugares onde o poder é organizado e difundido” (ANDRADE, 2003, p.110) 120 Dissertação de mestrado
109
a revista Capricho121 – criada em 1952, é considera a primeira revista feminina dirigida
ao público adolescente – a autora observa como esse periódico se coloca como veículo
de informação sobre o que uma adolescente precisa saber para se considerar alguém
“de seu tempo”. Porém, como Figueira (2003) apontou, a adolescente-alvo da revista é
branca, de classe média e heterossexual, sendo esse o padrão de normalidade e
aceitabilidade social que acaba sendo valorizado pela publicação. Outro ponto
observado é que há uma busca pela perfeição do corpo feminino em diversas matérias,
seja pelos constantes artigos sobre como perder peso ou manter um peso ideal através
de exercícios e dietas, assim como dicas de esconder ou minimizar defeitos – rugas,
espinhas, celulite, estrias e etc – através de truques de maquiagem ou tratamentos
estéticos: são textos e imagens que estão não apenas orientando, acompanhando e
informando as leitoras sobre os usos do seu corpo, mas estão, sobretudo, produzindo
esse corpo (idem, p.129). É interessante notar que a análise de Figueira (2003) sobre a
ditadura da perfeição impossível se faz presente no texto de Marjorie Rodrigues
anteriormente comentado. Os cartazes produzidos pelas mulheres que participaram do
encontro no Córrego Grande expressam as observações feitas por Buitoni (2009, p.14),
“continuo a procurar mulheres de verdade nas revistas femininas, embora saiba que a
publicidade e consumo lidam principalmente com mitologias”
Retomando as publicações do grupo, a terceira trata da divulgação do evento
“Resistir para Existir”, que seria realizado nos dias 24 e 25 de novembro e a quarta
publicação é uma reflexão feita após esse evento e ambas serão detalhadas em
conjunto.
O objetivo de “Resistir para Existir!!!” era “(re)pensar e, principalmente
(re)agir frente aos papéis masculinos e femininos que a sociedade nos coloca”. O
coletivo buscou “propor ações públicas que procurem desconstruir os papéis de gênero
presentes na sociedade”. Para tanto o coletivo propôs uma série de atividades, como se
vê no cartaz a seguir.
121 Revista quinzenal, de formato pequeno, com fotonovelas (ou “Cinenovela”, como eram chamadas na época) Ainda em 1952 a revista sofre mudanças, passa a ser mensal e traz tópicos como moda, beleza, comportamento, contos e variedades. Informação disponível no endereço <http://capricho.abril.com.br/clube/historia.shtml>
110
Imagem 18: Resistir para existir
Fonte: http://gafeminista.blogspot.com.br/2007/11/resistir-para-existir-24-e-24-de.html
A riqueza desse pôster é o de sintetizar questões que são caras ao coletivo.
A oficina “Conhecendo os corpos” foi dada pela ginecologista Maria Inês que através de
maquetes do sistema reprodutor feminino e masculino mostrou o funcionamento dos
corpos considerando as diferenças sexuais. Os membros da GAFE observam que a
médica esclareceu muitas dúvidas e “Tod@s ficaram chocados, que mesmo com a
quantidade de informações correntes sobre o assunto, a nossa ignorância em referente
a nosso próprio corpo é enorme”.
Para homenagear a participação da médica o grupo pendurou um cartaz na
parede com os dizeres: “Sou feliz, descobri meu clitóris!". É provável que esse cartaz
tenha sido inspirado a partir de um feito pelas Mujeres Públicas das Argentina, visto
adiante. Essa hipótese ganha força quando lembramos que esse grupo é citado pelo
GAFe em links amigos e quando observamos a imagem usada pelo GAFe para
comemorar um ano de existência. Ambas as imagens são reproduzidas a seguir.
111
A conversa ”espaços públicos x privados - liberdade, autonomia e violência”
debateu temas como aborto, maternidade, religião, violência contra a mulher e papéis
de gênero:
“a luta incessante e diária de desconstruir os papéis de gênero e desnaturalizar atitudes, comportamentos e falas machistas que atribuem as pessoas do sexo feminino características negativas e contribuem para a violência contra a mulher, como é o caso das buzinadas na rua e diversas propagandas, como as de cerveja”
Os assuntos debatidos dentro de uma conversa intitulada ”espaços públicos
x privados” retoma o enunciado “The personal is political”, tão presente no feminismo da
década de 1970, como apontado no capítulo 1.
A exibição do filme “Libertárias” é um exemplo de apropriação de um produto
considerado da “indústria cultural” como ferramenta de conscientização. Esse filme,
cujo título original é Las Libertarias122 (1996, 121 minutos), é espanhol e escrito e
122 No Brasil o título foi traduzido para Liberdade. Para maiores informações acessar IMDB <:http://www.imdb.com/title/tt0113649/>
Imagem 20: 1 ano de GAFe! Soy Feliz, descobri mi clitóris !!! Fonte: http://gafeminista.blogspot.com.br/2008/10/sou-feliz-
descobri-meu-clitris.html
Imagem 19: Soy Feliz, descobri mi clitóris !!! Fonte: http://www.mujerespublicas.com.ar/
112
dirigido por Vicente Aranda. A história123 é ambientada durante o início da Guerra Civil
Espanhola124 (1936-1939) através de uma perspectiva anarquista e feminina, que
mostra as divergências ideológicas que ocorrem dentro de um movimento social, assim
como as relações entre mulheres de origens e classes sociais diferentes.
A oficina de estêncil foi oferecido por um “companheiro” e nela foram
confeccionadas camisetas e pôsters com os dizeres :"Vulva a Revolução", "Mulheres na
noite" e "Livres". O grupo usou a arte como forma de intervenção social, pois após o
workshop as mulheres foram às ruas espalhando o material para:
“resignificar e retomar os espaços públicos do qual fomos excluídas. Colamos cartazes e fizemos pichações até o Centro buscando dar visibilidade as reivindicações feministas e da mulher”.
Essa retomada dos espaços públicos e sua tentativa de ressignificação é
uma intervenção que pode ser considerada paralela ao que faziam os membros do VNS
Matrix e do Old Boys Network.
No dia 25, dia mundial contra a violência à mulher, foi realizada uma oficina
de Wendo, que é conhecido por ser uma técnica criada no Canadá de autodefesa
feminista (pois é ensinada exclusivamente para mulheres). De acordo com a palestrante
“mostrar vulnerabilidade é o primeiro passo para ser atacada”.
Novamente a questão da violência (de gênero e sexual) está presente.
Durante todo o material haverá uma forte preocupação sobre esse tema, que coloca em
pauta a diferenciação do gênero, a suposta necessidade superior do homem pelo sexo
e a transformação da mulher em um objeto de uso para a satisfação sexual: “sexualized
objectification is what defines women as sexual and as women under male supremacy.”
(DE LAURETIS, 1990, p.118) T48
Com relação à mídia o grupo possui uma relação ambígua: ao mesmo tempo
em que a ela tentaria padronizar os comportamentos das mulheres, ao estabelecer
modos de se vestir, se maquiar, se apresentar, bem como se comportar, a mídia
123 A jovem freira Maria, ao fugir do convento que está sendo saqueado pelos revolucionários, procura abrigo em um prostíbulo. Um grupo de guerrilheiras denominado “Mujeres Libres” também chega ao local. A partir daí o filme mostra as relações entre mulheres tão diferentes. 124 Que no final viu a tomada de poder de Franco, o que mudaria completalmente a vida dos espanhóis
113
também pode ser uma ferramenta nas mãos dos coletivos, principalmente da mídia
independente:
“mulheres estereotipadas produzidas pela mídia e pela padronização sexista” (18 de novembro de 2007) “A mídia vende a ideia de que todas as conquistas que eram necessárias já aconteceram, não restando qualquer motivo para indignação diante a condição atual das mulheres. Mas você acha mesmo que há igualdade está presente na nossa sociedade?” (4 de março de 2008) “(..) descobrir o clitóris é retomar nosso corpo antes moldado e expropriado pelos discursos dos técnicos, dos especialistas, dos médicos, dos académicos, dos cafetões, da família, do trabalho, das propagandas, da mídia, das cobranças, dos padrões, dos psiquiatras, da escola, do Estado, da igreja” (07 de outubro de 2008) você odeia a mídia? seja a mídia! (10 de março de 2008) Mulheres e homens que rebelam-se contra o machismo e a opressão de gênero; a luta contra o capital que, com suas catracas, nos retira o direito de ir e vir; a construção de redes alternativas de mídia que visam a uma comunicação livre da ideologia de quem está no poder (22 de agosto de 2008) ações de mídia livre, pesquisa acadêmica, grupos de dança e a formação de uma cooperativa de artesanato no combate à segregação social de um bairro de periferia e ao estigma de que são vítimas os seus jovens (23 de agosto de 2008)
Se concordarmos com Galloway (2004, p. 195) que o ciberfeminismo usa a
mídia e outras instituições “for their own subversive purposes (…) using language,
performance, irony and humour to put flesh and filth into the machines and expose the
gendered biased hardwired into computer culture” T49 então o GAFe é um exemplo
muito interessante do atual ciberfeminismo no Brasil. O GAFe usa a arte como forma de
intervenção e convite à reflexão, seja através de panfletagem nas ruas, da elaboração
de estêncil que serve tanto para produção de camisetas como de grafites ou da
publicação de material na internet. O grupo nos convida a usar a própria mídia – que de
114
acordo com o GAFe sufoca as mulheres com padrões irreais de beleza e as oprime
reservando a elas o papel de objeto sexual – para combater a mídia, assumindo uma
postura de apropriação que transforma os meios de comunicação em favor de
interesses e necessidades do coletivo.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O percurso realizado nesta dissertação buscou mostrar que a lógica do
pensamento cartesiano e a explicação através da dualidade não consegue abarcar a
complexidade de acontecimentos sociais, como, por exemplo, as questões de gênero.
Partindo das teorizações sobre comunicação e a mídia foi mostrado que diferentes
escolas buscaram no decorrer da história – principalmente no período pós Segunda
Guerra Mundial – entender o lugar das TICs na sociedade, cada uma contribuindo
através de sua perspectiva. Algumas tendências foram observadas e denominadas de
tecnofobia e tecnofilia. Novamente vemos a dualidade presente na forma de se
compreender questões sociais, o que nos leva geralmente a visões parciais e
engessadas.
O estudo das teorias sobre a comunicação e as mídias foi importante pois
forneceu os alicerces para um melhor entendimento da relação entre os movimentos
feministas e as TICs, desde do século XIX até o presente momento, principalmente no
Brasil. Tendo já sido abordada a parte que dialogava sobre a comunicação, foi então
apresentado um breve histórico do movimento feminista no geral, que possibilitou
acompanhar as mudanças que foram ocorrendo nos tipos de reivindicações feitas pelas
mulheres e as maneiras como elas eram feitas. Nesse ponto nossa atenção foi focada
no processo de circulação das ideias no Brasil, ou seja, como as mulheres faziam com
que suas ideias viajassem tamanha extensão territorial. Começando com periódicos
como jornais e revistas, passando pelo rádio, pelos livros e pela produção acadêmica
até chegar aos fanzines e à internet, os movimentos feministas brasileiros foram se
apropriando dos meios de comunicação que iam surgindo e se expandindo, buscando
nesse processo divulgar suas reivindicações.
Especial atenção foi dada ao fanzine devido à sua natureza “faça você
mesmo”. Enquanto a adoção de jornais e revistas para a veiculação de informações
sobre o feminismo exigia um poder econômico que não era acessível a qualquer grupo
social – o que às vezes significava que apenas mulheres brancas da classe médio-alta
é que tinham acesso a tais mídias – o custo do fanzine era igual ao número de cópias
116
que seriam feitas, pois a matriz poderia ser produzida basicamente com uma folha de
papel A4, tesoura, cola, canetas e muitas ideias para compartilhar. O fanzine propiciou
maiores possibilidade de expressão e circulação de ideais, de experiências e de
demandas, o que foi potencializado de forma expressiva com a sua migração para a
internet. Como buscamos ressaltar durante esta pesquisa, a internet não foi nem é
responsável por movimentos sociais, elas apenas amplia fatores como acesso e
divulgação, embora ainda falte muito para que todos se apropriem dela.
Com o intuito de entender essa relação entre os movimentos feministas e as
novas TICs, o chamado ciberfeminismo foi estudado, o que tornou possível observar
como esse conceito é multifacetado e plural, abrangendo desde elaborações teórico-
filosóficas, práticas ativistas até intervenções artísticas, muitas vezes se apresentando
como um ser híbrido, como um ciborgue. Almejando compreender o ciberfeminismo no
Brasil foi proposta aqui a análise do material produzido pelo Grupo de Ação Feminista
de Florianópolis (GAFe) que é disponibilizado na Internet através de um blog. O estudo
do seu conteúdo, tanto verbal quanto não verbal, mostrou a riqueza do corpus através
do seu multifacetamento. Nele estão presentes diversas tendências tanto de teorias que
abordam a questão da comunicação (indústria cultural x tecnologia para a mudança)
como feministas:
questões de gênero e heteronormatividade,
arte como forma de intervenção e caminho para a mudança,
reivindicação de diretos como à saúde, à educação, ao aborto
luta contra a violência
apropriação e exploração do espaço virtual
Através da promoção de diversas atividades o grupo evidenciou sua crítica à
subordinação feminina ao seu aparelho reprodutor, assim como denunciou a
perpetuação da dualidade de gênero e a forte presença da heteronormatividade na
nossa sociedade. Por meio do seu e-zine ou de encontros presenciais, o coletivo
colocou em debate questões sobre o gênero, o sexo, a mídia, a religião e a política.
Porém, embora o GAFe se auto-identifique como um coletivo de mulheres e homens
117
que buscam o fim da dualidade de gênero e de afirmarem que o feminismo não é o
contrário do machismo (eles usam o @ para incluir o masculino e o feminino, adotando
uma forma linguística que não marca a diferença entre os gêneros), o seu material no
geral apresenta uma preocupação com questões femininas delegando ao homem
geralmente a figura do opressor.
Finalizando, a apresentação constante dos temas violência e saúde
demonstra que apesar das mulheres terem alcançado inúmeras conquistas há muito
ainda que precisa ser mudado e melhorado.
118
119
REFERÊNCIAS
Negar la sucesión temporal, negar el yo, negar el universo astronómico, son desesperaciones aparentes y consuelos secretos. El tiempo es la substancia de que estoy hecho. El tiempo es un río que mearrebata, pero yo soy el río; es un tigre que me destroza, pero yo soy el tigre; es un fuego que me consume, pero yo soy el fuego. El mundo, desgraciadamente, es real; yo, desgraciadamente, soy Borges.
Jorge Luis Borges
ABRÃO, J. Interação No Meio Virtual: A Constituição De Múltiplos Gêneros No Ambiente Blog. Língua, Líteratura E Ensino – Maio/2007 – Vol. II, Disponível no endereço <http://www.iel.unicamp.br/revista/index.php/lle> ANDRADE, S. Mídia impressa e educação de corpos femininos. LOURO, G.; NECKEL, J.; GOELLNER, S. (orgs). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. ALVES, B.; PITANGUY, J. O que é feminismo. São Paulo: Brasiliense (Coleção Primeiros Passos), 1991. ARAÚJO, G. Grupos Sociais E Preferência Política: As Igrejas Evangélicas E a Definição Do Voto. Mestrado em Ciência Política. Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2010. BAILEY, J. TELFORD, A. What’s so “cyber” about it?: Reflections on Cyberfeminim’s contribution to legal studies. Canadian Journal of Women and the Law. Vol. 19, n. 2, 2007, p. 243-271. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Rio de Janeiro, Edições 70, 1977. BASSANEZI, C. Mulheres dos Anos Dourados. DEL PRIORE, M. (org). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2007. BARBOSA, M.L. Os franceses na Histórica do Brasil. Rio de Janeiro: Briget, 1923. In BASTOS, M. Leituras das famílias brasileiras no século XIX: o Jornal das Famílias (1863-1878). Revista Portuguesa de Educação, Universidade do Minho/Portugal, v. 15, n. 2, p. 169-214, 2002. BASTOS, M. Leituras das famílias brasileiras no século XIX: o Jornal das Famílias (1863-1878). Revista Portuguesa de Educação, Universidade do Minho/Portugal, v. 15, n. 2, p. 169-214, 2002.
120
BITTENCOURT, V. As imagens femininas representadas no jornal Penna, Agulha e Colher nos anos de 1917 a 1919. Florianópolis (SC): Monografia de Conclusão de Curso. Bacharel em História, 2005. BLAY, E. Violência contra a mulher e políticas públicas. Estudos Avançados, vol.17, no.49, São Paulo Setembro/Dezembro, 2003. BOLOGNESI, M. A Mercadoria Cultural. Trans/Form/Ação; São Paulo, 19, pp 75-86, 1996. BRAIDOTTI, Cyberfeminism with a difference. Universiteit Utrecht. Disponível no endereço: <http://www.let.uu.nl/womens_studies/rosi/cyberfem.htm>. Acessado em Dezembro de 2011. BRUNSDON, C. A thief in the night: Stories of feminism in the 1970’s at CCSS. In MORLEY, D.; CHEN, K. (eds.). Stuart Hall – critical dialogues in cultural studies. Lonodn: Routledge, 1996 BURKE, P. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru, Edusc, 2004. BUZATO, M. Entre a fronteira e a periferia: linguagem e letramento na inclusão digital. Tese de Doutorado em Lingüística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem. Unicamp. Campinas (SP). 007. BUITONI, D.S. Imprensa Feminina. São Paulo: Ática, 1990. BUITONI, D.S. Mulher de Papel. São Paulo: Loyola, 1981 e 2009. BUTLER, J. ”Sex and Gender in Simone de Beauvoir's Second Sex.” in: Yale French Studies. Simone de Beauvoir: Witness to a Century. No. 72, pp. 35-49, Winter 1986. BUTLER, J.. Gender trouble: feminism and the subversion of identity. New York: Routledge, 1990. CASTRO, A. Culto ao corpo e sociedade. Mídia, estilos de vida e cultura de consumo. FAPESP/Annablume, 2003. CARRIJO, A. A música nos fanzines e a formação de comunidade virtuais. Anais do I Seminário Internacional História do tempo Presente. Florianópolis: UDESC, ANPUH-SC; PPGH; 2011. CHAIA, M. A busca política da beleza e da justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol.16, no.47, São Paulo, Outubro, 2001.
121
CHARTIER, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP / Imprensa Oficial do estado de São Paulo, 1999. CHIDGEY, Red. Riot grrrl writting. In: MONEM, Nadine. (ed.) Riot Grrrl: revolution girl style now!. Londres, Black dog, 2007, pp.100-141. CHIZZOTTI, A. A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais: evolução e desafios. Revista Portuguesa de Educação. Braga: Universidade do Ninho, Vol. 16, n. 02, pp 221-236, 2003. COLEMAN, E.G. Ethnographic Approaches to Digital Media. The Annual Review of Anthropology, 2010, no. 39, pp. 487-505 COSTA, C. Paradoxos do Gênero. Gênero. Niterói: UFF, v.04, n.01, 2º semestre de 2003, pp.169-177. COSTA, C. L. O sujeito no feminismo: revisitando os debates. Cadernos Pagu, 2002, 19, 59-90. COSTA, M.; SILVEIRA, R.; SOMMER, L. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação, v. 23, Maio/Jun/Jul/Ago 2003. COULON, Alain. Etnometodologia e educação. Petrópolis: Vozes, 1995. CRESTANI, J. O perfil editorial da revista a estação: jornal ilustrado para a família. Revista da Anpoll - A Língua Portuguesa na Imprensa: 1808 – 2008, Vol. 1, No 25, 2008. DE LAURETIS, T. Eccentric Subjects Feminist Theory and Historical Consciousness. Feminist Studies. Vol. 16, n. 1, 1990, p. 115-155 DE LAURETIS, T. A tecnologia do gênero. HOLLANDA, H.B. (org) Tendências e impasses – o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. DE LUCA, L. A Mensageira; uma revista de mulheres escritoras na modernização brasileira. Campinas, SP: Dissertação de mestrado em Sociologia. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. 1999. DEL PRIORI, M. Corpo a corpo com a mulher – pequena história do corpo feminino no Brasil. São Paulo: Senac, 2000. DERRIDA, J. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2004.
122
DIBBELL, J. A Rape in Cyberspace (Or TINYSOCIETY, and How to Make One), My Tiny Life, 1998. Disponível no endereço <http://www.juliandibbell. com/articles/a-rape-in-cyberspace/>. Acessado em Dezembro de 2011. DUARTE, C. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados. vol.17 no.49 São Paulo Sept./Dec. 2003 ELM, M.; SUNDÉN, J . Cyberfeminism in Northen Lights. ELM, M.; SUNDÉN, J (Ed,). Cyberfeminism in Northen Lights: Digital Media and Gender in a Nordic Context. Newscastle: Cambridge Scholars Publishing, 2007. ENGEL, M. G. Meretrizes e Doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). São Paulo: Brasiliense, 1989. EVANS, S. Re-viewing the second wave. Feminist Studies, Vol 28, n. 2 Summer 2002 258 - 267 FEMENIAS, M.L. Judith Butler: introduction a su lectura. Buenos Aires: Catálogos, 2003. FERGUSON, S.The Radical Ideias of Mary Wollstonecraft. Canadian Journal of Political Science, Vol.32, No. 3, Sep., 1999. FERRARO, A; KREIDLOW, D. Analfabetismo no Brasil: configuração e gênese das desigualdades regionais . Educação e Realidade, n. 29, v.2, Jul/Dez, 2004. FERREIRA, V.K. Histórias de Rodapé:Conflitos na constituição das antropologias indianas. Trabalho de Conclusão de Curso. Graduação em Ciências Sociais. Universidade Federal de Santa Catarina. 2011. FIGUEIRA, M. A revista Capricho e a produção de corpos adolescentes femininos. LOURO, G.; NECKEL, J.; GOELLNER, S. (orgs). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. FLANAGAN, M.; BOOTH, A (eds.). Reload: rethinking women + cyberculture. MIT, 2002. FLORES, N. Identidades Midiáticas: A Construção da Identidade de Ciência na revista Galileu. Universidade Federal De Santa Maria centro De Ciências Sociais E Humanasdepartamento De Ciências Da Comunicaçãoprograma De Pós-Graduação Em Comunicação, Santa Maria, Rs 2011 FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. São Paulo: Graal, 2005. __________ . Vigiar e Punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
123
FRASER, N. Equality, difference, and radical democracy: The United States feminist debates revisited. TREND, D. (Ed.) Radical democracy: identity, citizenship, and the state. New York: Routledge, 1996, pp 197-208. FREDERICO, C. Recepção: divergências metodológicas entre Adorno e Lazarsfeld. MATRIZes. N2 Abril 2008. pp 157 - 172 FRIEDMAN, S.S. Mappings: Feminism and the Cultural Geographies of Encounter. Princeton: Princeton University Press, 1998. FROW, J.; MORRIS, M. Australian cultural studies. In STOREY, J. (ed.). What is cultural studies? A reader. 2nd ed. London: Arnold. FRY, P.; MacRae, E. O que é homossexualismo. São Paulo: Brasiliense, 1983 GALLOWAY, A.R. Protocol: how control existis after decentralization. Cambridge: MIT, 2004. GAFe – Grupo de Ação Feminista. E-zine disponível no endereço <http://gafeminista. blogspot.com/> GARCIA, C.C. Breve História do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011. GERE, C. Writing Cyberculture. Oxford Art Journal. Vol.22, n.1, 1999, p. 149-157. GILL, R. Review: Technofeminism. Science as Culture 14(1), 2005, 97–101. Ginzberg, L. D. (2002) Re-Viewing the First Wave. Feminist Studies, 29(2), 419-434 GREEN, K.; TAORMINO, T. (edit.). A girl’s guide to taking over the world – writings from the girl zine revolution. New York: St. Martin’s Griffin, 1997. GUARALDO, T. Aspectos da pesquisa norte-americana em comunicação Primeira metade do Século XX. Disponível na Biblioteca On-Line de Ciências da Comunicação, no endereço < http://www.bocc.ubi.pt/> v. 2007, p. 01-22, 2007. Acessado em Dezembro de 2011. GUIMARÃES, L. A cor como informação: a construção biofísica, lingüística e cultural da simbologia. São Paulo: Annablume, 2000 HAHNER, J. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil (1850-1940). Florianópolis: Editora Mulheres, 2003. HALL, S. A Centralidade da Cultura: Notas sobre as Revoluções Culturais no nosso tempo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº2, p. 15-46, jul./dez. 1997.
124
HALL, K. Cyberfeminism. In HERRING, S. (ed.), Computer-mediated Communication: Linguistic, Social, and Cross-cultural Perspectives. Amsterdam: John Benjamins, 1996. HARAWAY, D. “Gender” for a marxist dictionary: the sexual politics of a Word. HARAWAY, D. Simians, ctyborgs, and womern: the reinvention of nature. New York: Routledge, 1991. _________. Um manifesto para os cyborgs: ciência, tecnologia e feminismo socialista na década de 1980. . HOLLANAD, H.B. (org) Tendências e impasses – o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. HARRIS, A. Next wave cultures: feminism, subcultures, activism. New York: Routldge, 2008. HAWTHORNE, S. Women's Bodies and CyberFeminism.. Ockham's Razor. ABC Radio National. Sunday 30 April 2000 8:45AM Transcrição disponível no endereço http://www.abc.net.au/radionational/programs/ockhamsrazor/womens-bodies-and-cyberfeminism/3466340 Acessado em Dezembro de 2011. HENWOOD, F.; WYATT, S. Persistent Inequalities? Gender and Technology in the Year 2000. Feminist Review. N.64, Spring, 2000, p.128-131. HEINÄMAA, S. What is a woman? Butler and Beauvoir on the Foundations of the Sexual Difference. Hypatia, vol. 12, n. 1, pp.20-39, 1997. HOLLANDA, H.B. Introdução – Feminismo em tempos pós-modernos. HOLLANDA, H.B. (org) Tendências e impasses – o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. HOUAISS, A. et al. Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. JAGOSE, A. Queer Theory: an introduction. New York: New York University Press, 1996. LEITE, M. Outra face do feminismo. São Paulo: Ática, 1984. LEMOS, M.G. Ciberfeminismo: novos discursos do feminino em redes eletrônicas. Mestrado em Comunicação e Semiótica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2009. LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: editora 34, 1999 FERREIRA, O. C. A imagem e a letra. São Paulo, EDUSP, 1994
125
LIMA, S. Imprensa Feminina, Revista Feminina, A imprensa Feminina no Brasil. In Projeto História. São Paulo, n. 35, dezembro, 2007. LIMA, J.V. "Jornal das Senhoras": as mulheres e a urbanização na Corte. Caderno CERU. vol.21 no.2 São Paulo dez. 2010
LOPES, D. Contra o arbítrio, pela liberdade. Repressão durante o Estado Novo de Vargas e censura imposta pelo governo militar foram alguns dos grandes desafios da imprensa brasileira no século 20. Jornal da USP. Ano XXIII, n.831, de 2 a 6 de junho de 2008. Disponível no endereço <http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2008/jusp831/ pag10.htm>. Acessado em Janeiro de 2012.
MAFFIA, D. Crítica Feminista à Ciência. COSTA, A.; SARDENBERG, C. Feminismo, Ciência e Tecnologia. Salvador: REDOR/NEIM-FFCH/UFBA, 2002. MAGALHÃES, F. O passado ameaça o futuro Tocqueville e a perspectiva da democracia individualista. Tempo Social, vol.12 no.1, São Paulo, Maio 2000, 141-164 MAGALHÃES, H. O que é fanzine? São Paulo: Brasiliense, 1993. MAIGRET, E. Sociologia da Comunicação e das Mídias. São Paulo: Senac, 2010. MARSON, M. Da Feminista “Macha” aos Homens Sensíveis: o Feminismos no Brasil e as (des)construções das identidades sexuais. Mulher, História e Feminismo. Cadernos AEL: Campinas, Arquivo Edgard Leuenroth/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, n.3/4, 1995- 1996. MASSARANI, Luisa. A divulgação científica no Rio de Janeiro. Algumas reflexões sobre a década de 20. Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado em Ciência da Informação. Instituto Brasileiro de Informação em C&T (IBICT) e Escola de Comunicação/UFRJ. 1998. MARTINS, AL. Imprensa em tempos de império.MARTINS, AL; LUCA T.R. (org.) História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008 MATOS, M. I. Trama e poder. São Paulo, Edusp, 2003 MATTELART, A.; NEVEU, E. Introdução aos Estudos Culturais. São Paulo: Parábola, 2010. MAXWELL, R. Cultural Studies. In BROWNING, G.; HALCI, A.; WEBSTER, F. Understanding Contemporary Society: theories of the present. Sage, 2000, p.281-295. MCGUIGAN, F. Cultural Populism. London: Routledge, 1992.
126
McNAY, L. Foucault and Feminism. Cambridge: Polity Press, 1994. MELO, E. Cultura juvenil feminista Riot Grrrl em São Paulo. Dissertação de Mestrado. Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas (SP), 2008. MEZA, M. A impressão offset no Brasil. Tecnologia Gráfica. São Paulo, n.62, vol 5, ano XII, 2008. MEYER, M. Caminhos do imaginário no Brasil. São Paulo: Edusp, 1993 MILLER, D; SLATER, D. The Internet: an ethnographic approach. Oxford; New York, N.Y.: Berg, 2000. MILLER, T. What it is and what it isn’t: Introducing… Cultural Studies. In MILLER, T. (Ed). A Companion to Cultural Studies. Oxford: Blackwell Publishers, 2001. MONTEIRO, M. Masculinidade em revista: um estudo da VIP Exame, Sui Generis e Homens. Dissertação de Mestrado. Departamento de Antropologia. Instituto de Filosofia e Ciência Humanas. Unicamp. Novembro de 2000. _________. Sujeito e Fragmentação: uma visão do gênero. Revista Linhas, Florianópolis: UDESC, v. 7, p. 1-11, 2006 MONTEIRO, Angélica; BARROS, Guaraciana Leal. Mulher: da luta e dos direitos. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1998. (Coleção Brasil; 3) MUZART, Z. Uma espiada na imprensa das mulheres no século XIX. Revista de Estudos Feministas, vol.11, no.1 Florianópolis Jan./June 2003. NECKEL, R. A “sexualidade” e “vida a dois” nas revistas femininas e masculinas nos anos de 1970. Caderno Espaço Feminino, v.17, n. 01, Jan./Jul, 2007. NEGRÃO, T. Feminismo no plural. In Tiburi, M; MENEZES, M; EGGERT, E. (Orgs.), As mulheres e a filosofia. São Leopoldo: UNISINOS, pp. 271-280, 2002. NICHOLSON, L. Intepretando o gênero. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, v.08, n01, p.9-42, 2000. NOGUEIRA, C. Feminismo e discurso do gênero na psicologia social. Psicologia e Sociedade, vol. 13, n.1, 2001, p. 107-128. NUNES, A.M. A Imprensa Oitocentista nas Páginas de Dona Francisca Senhorinha. Recorte - Revista De Linguagem, Cultura e Discurso. Ano 5, n.8, Janeiro/Junho , 2008.
127
OLIVEIRA, R. Elogio da diferença - o feminino emergente. São Paulo: Brasiliense, 1993. PEDRO, J. Mulheres honestas, mulheres faladas: uma questão de classe. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1998. PERROT, M. Minha História das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007. PICKLES, J. Ground Truth. New York: Guildford Press, 1995. PINTO, C. Uma História do Feminismo no Brasil. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2003. PLANT, S, ‘‘On the Matrix: Cyberfeminist Simulations,’’ in BELL, D.; KENNEDY, B. (Eds). The Cybercultures Reader. New York: Routledge, 2000. PLIGLIACAMPO, M. Introduzione – Il mosaico McLuhan. In Marshall McLuhan, Aforismi e profezie. Scenari della comunicazione. Roma: Armando Editore, 2011 PLUGISI, M.; FRANCO, B. Análise de Conteúdo. Liber Editora: Brasília, 2005. PORCHAT, P. Respirar, desejar, amar e viver. Revista Cult, ed. 118, Março de 2010. RAGO. M. Trabalho feminino e sexualidade. DEL PRIORE, M. (org). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2007. __________. Adeus ao Feminismo? Feminismo e (Pós) Modernidade no Brasil. Cadernos AEL: Campinas, Arquivo Edgard Leuenroth/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, n.3/4, 1995- 1996. __________. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. __________. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar, Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Revista MEIO & MENSAGEM, GrupoM&M, Ano 33, nº1468, p.39-46.18 de Julho de 2011.ISSN:0101-3327 RICHARDSON, A. Come on, join the conversation! ‘Zines as a medium for feminist dialogue and community building. Feminist Collections, vol. 17, nos. 3-4, Spring-Summer, 1996. RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999
128
ROBERTS, N. As Prostitutas na História. Rio de Janeiro: Record/ Rosa dos Tempos, 1998. RODRIGUES, M. Suicídio e sociedade: um estudo comparativo de Durkheim e Marx. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. vol.12 no.4 São Paulo Dec. 2009, p. 698-713 RODRIGUEZ, C. L. O movimento de apropriação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) por adultos escolarizados em exercício de sua profissão: um estudo com Agentes Comunitários de Saúde. Dissertação de Mestrado em Multimeios. Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2006. ROHDEN, Fabiola. A arte de enganar a natureza: contracepção, aborto e infanticídio no início do século XX. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 2003. ROSENBERG, J.; GAROFALO, G. Riot Grrrl: Revolutions from within. Signs, vol. 23, no. 3. Feminisms and Youth Cultures, University of Chicago Press, Spring, 1998. RUBIN, G. The traffic in women: notes on the “political economy” of sex. In REITER, R, (Ed.) Toward an anthropology of women. New York: Monthly Review Press, 1975, pp.157-210. SANCHES, T. (Org.). Estudos Culturais – uma abordagem prática. São Paulo: Senac, 2011. SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. SANTOS, José Rodrigues. O que é comunicação Lisboa, Portugal: Editora DifusãoCultural, 1992 SARDENBERG, Cecília M. B.; COSTA, Ana Alice. Feminismos, feministas e movimentos sociais. BRANDÃO, M.; BINGEMER, M. (org). Mulher e relações de gênero. São Paulo: Loyola, 1994. SARTI, Cynthia. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Estudos Feministas, Florianóppolis, 12 (2): 264, maio-agosto de 2004. SCHWARTS, J. et all. Mulheres na informática: quais foram as pionerias?. Cadernos Pagu, julho-dezembro de 2006, pp.255-278. SCHIENBINGER, L. O Feminismo mudou a ciência? Bauru-SP: EDUSC, 2001. SCHUMAHER, S.; BRASIL, É. (org.) Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
129
SCOTT, J. A mulher trabalhadora. História das Mulheres no Ocidente. Porto: Afrontamento, 1990. SCOTT, J. Sociology – the key concepts. Routledge, 2006. SHARPE-VALADARES, P. Estudo introdutório e notas. FLORESTA, N. Opúsculo humanitário São Paulo: Cortez ; Brasília (DF) : INEP. Biblioteca da educação. Série 3 ; mulher tempo, v. 1, 1989. SERRA, T. Antologia do romance-folhetim (1839 a 1870). Brasília: UNB, 1997 SØRENSEN, A.S. Digital Media and Cyberculture: a feminist and Nordic Approach. ELM, M.; SUNDÉN, J (Ed,). Cyberfeminism in Northen Lights: Digital Media and Gender in a Nordic Context. Newscastle: Cambridge Scholars Publishing, 2007. SOUZA, L. Educação e Profissionalização de Mulheres. Trajetória Científica e Feminista de Bertha Lutz no Museu Nacional do Rio de Janeiro (1919-1937). Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado. História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo, 2009. SOUZA, T. Análise do não verbal e os usos da imagem nos meios de comunicação. Rua, Campinas, n.7, 2001. SPENDER, D. Invisible Women: The Schooling Scandal. London: Writers & Readers, 1982. STEPAN, N.L. Raça e gênero: o papel da analogia na ciência. HOLLANDA, H.B. (org) Tendências e impasses – o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. STOKES, J. Content analysis. How to do Media and Cultural Studies. London: Sage, 2003. STONE, A.R. The War of Desire and Technology at the Close of the Mechanical Age. Ca,bridge:MIT Press, 1995. TAMANINI, M. Novas tecnologias conceptivas à luz da bioética e das teorias de gênero: casais e médic@s no sul do Brasil. Doutorado em Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas. Universidade Federal de Santa Catarina. 2003. TAUBE, Maria José. “Quebrando Silêncios, Construindo Mudanças: O SOS/Ação Mulher”. In: CORRÊA, M (org.). Gênero & Cidadania. São Paulo: PAGU/Núcleo de Estudos de Gênero, UNICAMP, 2002.
130
TEIXEIRA-FILHO, F.; RONDINI, C.; BESSA, J. Reflexões sobre homofobia e educação em escolas do interior paulista. Educação e Pesquisa. vol.37, no.4, São Paulo, Dec. 2011. TELES, M. Breve historia do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993. TESSER, P. A Propaganda de Moda na Mídia Impressa Brasileira Um olhar do presente para o passado. . Antenna Web. nº.1: jan/mar 2005. Disponível no endereço <http://www.antennaweb.com.br>. Acessado em Dezembro de 2011. TONON, R. Faça sua revolução. Galileu, n.247, Fev. 2012 TOSCANO, M.; GOLDENBERG, M. A revolução das mulheres: um balanço feminismo no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1992. TURACK,. C. A mãe de familia: memória e construção de sentidos em um periódico scientifico, litterario e illustrado (1879). Universidade Severino Sombra. 2002. VARÃO, J. "Jornal das Senhoras": as mulheres e a urbanização na Corte. Caderno CERU vol.21 no.2 São Paulo dez. 2010 WALKOWITZ, J. Sexualidades perigosas. História das Mulheres no Ocidente. Porto: Afrontamento, 1990. WARF, B.; GRIMES, J. Counterhegemonic Discourses and the Internet. Geographical Review, vol. 87, no. 2. Cyberspace and geographical Space (Apr. 1997), pp. 259-274. WARNICK, B. Critical literacy in a digital era: technology, rhetoric, and the public interest. Lawrence Erlbaum Associates: New Jersey, 2002. WASIK, B. Crowd Control. Forget anarchy. Today’s protests, revolts and riots are self-organizing, hyper-networked – and headed to a city near you. WIRED. Jan. 2012 WILDING, F. Where is the Feminism in Cyberfeminism?. 1997. Disponível no endereço <http://www.obn.org/cfundef/faith_def.html>. Acessado em Dezembro de 2011. __________ ; Critical Art Ensemble. Art Journal. Vol. 57, No. 2 (Summer, 1998), pp. 46-59 1998. Disponível no endereço <http://www.jstor.org/discover/10.2307/ 778008?uid=3737664&uid=2129&uid=2&uid=70&uid=4&sid=47698940490487>. Acessado em Dezembro de 2011. WILLIAMS, R. (ed.) Television Technology and Cultural Form. London: Routledge, 1990. WOOLF, V. Orlando. Hertfordshire (UK): Wordsworth Classics. 2003.
131
De Olho no Passado - Periódico O Espelho Diamantino - 06/03/2012, Quadros apresentados pela historiadora Isabel Lustosa especial para o Observatório da Imprensa sobre a trajetória da imprensa no Brasil. TV BRASIL. Disponível no endereço <http://www.youtube.com/watch?v=kE-CRAoLUSM>. Acessado em Julho de 2012.
132
133
NOTAS DE TRADUÇÃO
T1 - O que não nos mata, nos torna mais fortes.
T2 – “propósitos comerciais, acadêmicos, e militares, reforçando ideologias sedimentadas do individualismo e uma definição de si através do consumo”
T3 – “catalizando amplas realizações do “eu” e da cultura”
T4 – “mensagens variadas de grupos de indivíduos que se recusam em aceitar ideologias e políticas existentes como normais, naturais ou necessárias, tipicamente nadando contra a maré da opinião pública’
T5 – “(...) pessoas que vivem junto sob as mesmas condições externas provavelmente desenvolverão necessidades e interesses similares. Eles tendem a ver o mundo através dos mesmos óculos [vidros] coloridos; eles tendem a aplicar as experiências comuns, interpretações comuns. Eles concordarão com um candidato [político] que tenha alcançado o sucesso através dos seus próprios estilos de vida; Eles concordarão com os programas nos quais eles tem um “pertencimento” em comum“.
T6 – Há boas coisas em McLuhan como há nos fumadores de banana e nos hippies. Vamos ver no que vai dar.
T7 – Se o meio é a causa, de todas as outras causas, tudo que os homens simplesmente enxergam como história é imediatamente reduzido a efeitos.
T8 – “entrelaçam várias tendências que estão estilhaçadas nas ciências humanas (...)”
T9 –“subculturas, mídia popular, música, moda e esportes”
T10 - A contínua invisibilidade das mulheres no jornal, e muito no trabalho intelectual feito dentro do CCCS (embora as coisas estejam mudando) é o resultado de um conjunto de fatores, os quais apesar de serem específicos para a nossa relativamente privilegiada situação em sua combinação particular, não são os únicos. Nós não queremos aqui traçar alguns dos problemas que o Grupo de Estudos das Mulheres tem encarado, de uma forma que dá a este livro um certo tipo de história, mas também tenta lidar com problemas mais gerais dos estudos das mulheres e tenta elaborar um trabalho intelectual feminista.
T11 - As mulheres têm sido mantidas “fora dos registros” na maioria, senão em todas, as ramificações do conhecimento pelo simples processo dos homens nominarem o mundo com este lhes parece. Eles têm tomado a si mesmos como pontos de partida, definido a si mesmos como centrais e então continuaram a descrever o resto do mundo em relação a eles mesmos.
T12 – “como abordar este movimento incrivelmente monumental, dinâmico, emocionante, nervoso e diverso?”
T13 – (baseado em grupo, baseado em período e baseado em teoria)
T14 – Amplamente falando, queer descreve aqueles gestos ou modelos analíticos os quais dramatizam incoerências nas relações alegadamente estáveis entre cromossomo sexual, gênero e desejo sexual. Resistindo a esse modelo de estabilidade – o qual afirma a heterossexualidade como sua origem, quando ele é mais precisamente seu efeito – queer foca nos desencontros entre sexo, gênero e desejo.
T15 – Institucionalmente, queer tem sido associado mais proeminentemente com questões lésbicas e gays, mas seu quadro teórico também incluis tópicos como cross-dressing, hermafroditismo, ambigüidade de gênero e cirurgia corretiva de gênero. Seja como performance travesti ou desconstrução acadêmica, queer também aponta e explora as incoerências nos três termos os quais estabilizam a heterossexualidade. Demonstrando a impossibilidade de qualquer sexualidade “natural”, coloca-se em questão até mesmo os termos aparentemente não problemáticos tais como “homem” e “mulher”
134
T16 – Os problemas encontrados ao elaborar uma teoria do corpo além da distinção entre sexo/gênero são paralelos aos problemas que as feministas têm encontrado com as abordagens ortodoxas marxistas sobre a opressão das mulheres em relação ao dualismo da ideologia/materialismo.
T17 – Quem ou o que é uma mulher? Quem ou o que eu sou? E, como colocam essas questões, o feminismo – como um movimento social de e para as mulheres – descobriu o não-ser da mulher: o paradoxo de ser que é simultaneamente presente e ausente no discurso, constantemente falado sobre, mas ele mesmo inaudível ou inexpressível, apresentado como espetáculo e ainda assim não representado ou irrepresentável, invisível porém constituída como o objeto e a garantia de visão; um ser cuja existência e especificidade são simultaneamente afirmadas e desmentidas, negadas e controladas.
T18 – Há muito para apoiar a visão que são as roupas que nos usam e não nós a elas; nós podemos moldá-las para terem o formato de um braço ou seio, mas elas moldariam nossos corações, nossos cérebros, nossas línguas ao seu bem-querer.
T19 – O iqualitarismo moral e conômico de Wollstonecraft são tão radicais que eles confrontam os limites sócio-históricos das ideias dominantes de sua época. Era radical argumentar sobre o racionalismo essencial das mulheres, seu direito à educação e a uma carreira, e de relacionar tais demandas com um argumento a favor de uma considerável igualdade de propriedade em um período quando as ideias liberais dominantes eram pesadamente influenciadas pelas noções de privilégio aristocrático e honras herdadas. Tais exigências, assim como aquelas dos seus colegas democratas radicais, estavam além das possibilidades históricas imaginadas por uma classe dominante composta por pessoas com passado burguês e aristocrático.
T20 – particularmente no atual clima de retrocesso, os fanzines proporcionam uma alternativa para, bem como um oásis das, interpretações equivocadas da grande mídia/imprensa sobre nossas experiências como mulheres.
T21 – uma enciclopédia com recursos abertos voltada para zines e mídia independente. Ela cobre a história, produção, distribuição e a cultura da imprensa menor [smallpress].
T22 – algumas dessas páginas tomaram a forma de ‘zines’, ou da sua forma eletrônica, ‘e-zines’. Esses periódicos focaram aspectos da experiência feminina geralmente ignorados na grande m[idia/imprensa.
T23 – Zines de garotas cobrem simplesmente qualquer coisa que diga respeito às garotas que o criaram (...) alguns zines têm uma natureza política, focando questões feministas, tais como raça, gênero, e classe. Alguns são extremamente pessoais, com revelações sobre auto-estima, relacionamentos, amadurecimento e dor. Outros ficam tabus como o incesto, o estupro a violência, o abuso sexual, e a doença mental com uma gama de intensidade emocional. Então há os zines que são engraçados, que tiram sarro da sociedade, os que focam na nostalgia da infância. Há ainda os zines sobre estar no colegial,m ir a shows de rock ou idolatras certas personalidades.
T24 – em um momento de suas vidas na qual as garotas são ensinadas a ficar em silêncio, o Riot Grrrl exige que elas gritem
T25 – O Riot Grrrl vê a escrita e publicação de zines como um método de “empoderamento”; a produção de zines é um ativismo político auto-motivado que uma garota pode fazer inteiramente de forma independente. Os zines subvertem o padrão patriarcal da grande mídia ao criticar a sociedade a mídia sem serem censurados e também dão às garotas um lugar seguro para dizerem o que elas sentem e no que acreditam.
T26 – Eu prefiro ser uma ciberfeminista do que uma deusa, e é melhor que diabos eu saiba porque e esteja disposta a explicar.
T27 – como um conceito, ele diz respeito a simulações feministas sobre a tecnologia,mais literalmente através de debates sobre poder, identidades e autonomia e o papel das mulheres nas novas indústrias tecnológicas tais como o www e a internet.
T28 – impõe uma dicotomia feminino/masculino ao invés de apagá-la
135
T29 – o ciberespaço está fora do controle dos homens : a realidade virtual destrói sua identidade (...) o homem confronta o sistema que ele construiu para a sua própria proteção e descobre que ele [o sistema] é feminino e perigoso (...) Ciberfeminismo é uma insurreição na parte das mercadorias e dos materiais do mundo patriarcal, um surgimento disperso e distribuído compostos por links entre mulheres, entre mulheres e computadores, entre computadores e links de comunicação, entre conexões e redes de conexões.
T30 – O futuro digital é feminino, disperse, não-linear, um mundo no qual os zeros estão deslocando a ordem fálica dos uns.
T31 – A violência inscrita no corpo transexual pode se transformar em uma força desconstrutiva – embora esse processo possa ser extremamente doloroso
T32 – As redes são espaços de transformação, fábricas de identidades nas quais corpos são máquinas significantes, e transgênero – identidade como performance, como atuação, como um golpe nas engrenagens polidas da visão do aparato social – em estado fundamental.
T33 – Suas histórias, que dizem respeito à complexidade e ambigüidade da identidade, têm elas [as histórias] mesmas identidades complexas. Mas elas também atendem à demanda para que elas aparecerem uma coisa ou outra, ficção ou não-ficção, tanto quanto nós exigimos de nossos companheiros humanos que eles aparentem uma ou outra coisa, ou masculino sou feminino.
T34 – Em 1985, um grupo de artistas mulheres criou o Guerrilla Girls. Elas assumiram os nomes de artistas mulheres falecidas e usaram máscaras de gorila em público, resguardando suas identidades e focando em questões ao invés de suas personalidades. Entre 1985 e 2000, perto de 100 mulheres, trabalhando coletivamente e anonimamente, produziram posters, outdoors, ações públicas, livros e outros projetos para tornar o feminismo divertido e na moda. Na virada, três grupos separados e independentes foram formados para prazer pelo e feminismo para novas fronteiras.
T35 – A força irônica, a violência dificilmente contida e o raciocínio cáustico de grupos feministas Omo o Guerrilla ou o Riot Girls são um aspecto importante do reposicionamento contemporâneo da cultura, e da luta por representação (...). As Riot Girls querem discutir que há uma guerra em progresso e as mulheres não são pacifistas, nós somos as garotas da guerrilha, as garotas do motim/tumulto, as garotas más. Nós queremos construir uma resistência ativa, mas também nós queremos nos divertir e nós queremos fazê-lo da nossa maneira.
T36 – 1. ciberfeminismo não é uma fragrância 2. ciberfeminismo não é uma moda 3. ciberfeminismo não é solitário/isolado 4. ciberfeminismo não é uma ideologia 5. ciberfeminismo não é assexuado 6. ciberfeminismo não é chato (...) 15. ciberfeminismo não é um erro 101 16. ciberfeminismo não é uma falha (...) 18. ciberfeminismo não é um “-ismo” 19. ciberfeminismo não é anti-masculino (...) 22. ciberfeminismo não é uma fronteira (..) 55. ciberfeminismo não é um cachimbo 56. ciberfeminismo não é uma placa mãe 57. ciberfeminismo não é falso 63. ciberfeminismo não é um ferimento 64. ciberfeminismo não é um trauma (...) 99. ciberfeminismo não é estável
136
100. ciberfeminismo não tem apenas uma língua/linguagem
T37 – A definição pode ser fluida, e não necessariamente significa limites; ao invés disso ela pode ser uma declaração de desejos, estratégias, ações e objetivos. Ela pode criar a solidariedade crucial na casa da diferença – solidariedade ao invés de consenso – solidariedade que á a base da ação política eficaz.
T38 – O que eu vejo sendo representado através de uma grande parte da cibercultura é a mesma velha história. As Virtual Valeries que epitomizam a mulher coisificada, as Webbies costumavam vender mais moda, assim como a sufocante aparência branca e homogeneizada; ela ([aparência] pode ser magra, definida, ou ter peitos pontudos, mas raramente vai além desses estereótipos. Pesquisas de mercado indicam que a maioria dos produtos para computadores são feitos para garotos (brancos) de 10 anos de idade de Idaho. É ai onde queremos que nosso desenvolvimento intelectual pare? Nós realmente queremos que todas as garotas façam o que lhes é dito e nunca envelheçam. Como feminista, eu pensei que nós tínhamos passado por esse pontos. Como ciberfeminista eu sei que nós estamos apenas começando.
T39 – embora a análise de conteúdo ofereça a você evidências para sustentar um argumento, ela não fornece a você o argumento em si.
T40 – Em estudos sobre a violência na televisão, estudiosos têm freqüentemente apenas contado os atos de violência sem fazer diferença entre vingança, justiça. Ou atos cometidos por bestas místicas contra animais de fazenda.
T41 – ponto de vista masculino o qual ‘tem se imposto ao mundo, e se impõe sobre o mundo como sua forma de conhecimento’. O gênero em si mesmo, ela continua, é menos uma questão de diferença (sexual) do que um caso de dominação
T42 – Não faria sentido nenhum, então, definir gênero como a interpretação cultural do sexo, se o sexo em si é uma categoria já “generificada”/definida pelo gênero. O gênero não deveria ser concebido simplesmente como a inscrição cultural da acepção do sexo pré-definido (a concepção jurídica); gênero deve também designar o instrumento de produção através do qual os sexos em si são estabelecidos.
T43 – As explicações de Simone de Beauvoir sobre “tornar-se” um gênero reconcilia a ambigüidade interna do gênero como sendo simultaneamente projeto e construção. Mantendo “tornar-se” ambíguo, Beauvoir formula o gênero com,o um lócus corpóreo de possibilidade culturais tanto aceito como inovado.
T44 – “revelando o corpo natural como já vestido e face da natureza como invenção cultural, Simone de Beauvoir nos dá um entendimento potencialmente radical sobre o gênero.
T45 – sua visão do corpo como um campo de possibilidades culturais faz o trabalho de remodelar a cultura tão mundano como os nossos ‘eus’ corpóreos
T46 – gênero não está para a cultura, assim como sexo não está para a natureza
T47 – gênero é também um meio discursivo/cultural pelo qual a natureza sexuada ou o sexo natural é produzido e estabelecido como pré-dicursivo
T48 – objetificação sexualizada é o que define as mulheres como sexuais e como mulheres sob a supremacia masculina
T49 – para os seus próprios propósitos de sobrevivência (...) usando linguagem, performance, ironia, e humor para colocar carne e sujeira nas máquinas e expor a parcialidade de gênero programada na cultura do computador
137
ANEXO
138
139
Estudos Cultuais no Mundo
140