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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de História Textos e documentos O futuro do passado [A memória e a história] François Dosse “A memória plural, fragmentada, hoje ultrapassa de todos os lados o ‘território do historiador’. Instrumento maior do vínculo social, da identidade individual e coletiva, ela se encontra no centro de um verdadeiro jogo e espera do historiador que ele lhe devolva, tarde demais, o sentido, à maneira da psicanálise. Durante muito tempo instrumento de manipulação, ela pode ser reinvestida numa perspectiva aberta para o futuro, fonte de reapropriação coletiva e não simples museografia amputada do presente. A memória, pressupondo a presença da ausência, permanece a ligação essencial entre o passado e o presente, desse difícil diálogo entre o mundo dos mortos e dos vivos. Ciência da mudança como dizia Marc Bloch, a história elimina, pouco a pouco, os caminhos obscuros e complexos da memória até em seus modos de cristalização extremas, tanto ideais quanto materiais para melhor compreender os processos de transformação, os ressurgimentos e rupturas instauradas do passado. Bem longe das leituras. Bem longe das leituras filtradoras que só têm por ambição acumular casos e procurar-lhes as causas, a história social da memória permanece atenta a qualquer alteração como fonte de movimento do qual é preciso seguir os efeitos. Ela tem por objeto um ausente que age, um ato que só pode ser atestado se for objeto de interrogação do seu outro: ‘Bem longe de ser um relicário ou lixo do passado, ela [a memória] vive de acreditar, dos possíveis e de esperá-los, vigilante, à espreita’(CERTEAU, Michel de. L’invention du quotidien. Paris: Folio, 1990. I. Arts de faire. P. 131) Fonte: DOSSE, François. A História. São Paulo: EDUSC, 2003, p. 290-291 Tradução: Maria Elena Ortiz Assumpção A reprodução para fins educacionais não comerciais é permitida desde que citada a fonte.

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François Dosse, historiador

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISFaculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de HistóriaTextos e documentos

O futuro do passado

[A memória e a história]

François Dosse

“A memória plural, fragmentada, hoje ultrapassa de todos os lados o ‘território do historiador’.

Instrumento maior do vínculo social, da identidade individual e coletiva, ela se encontra no centro

de um verdadeiro jogo e espera do historiador que ele lhe devolva, tarde demais, o sentido, à

maneira da psicanálise. Durante muito tempo instrumento de manipulação, ela pode ser reinvestida

numa perspectiva aberta para o futuro, fonte de reapropriação coletiva e não simples museografia

amputada do presente. A memória, pressupondo a presença da ausência, permanece a ligação

essencial entre o passado e o presente, desse difícil diálogo entre o mundo dos mortos e dos vivos.

Ciência da mudança como dizia Marc Bloch, a história elimina, pouco a pouco, os caminhos

obscuros e complexos da memória até em seus modos de cristalização extremas, tanto ideais quanto

materiais para melhor compreender os processos de transformação, os ressurgimentos e rupturas

instauradas do passado. Bem longe das leituras. Bem longe das leituras filtradoras que só têm por

ambição acumular casos e procurar-lhes as causas, a história social da memória permanece atenta a

qualquer alteração como fonte de movimento do qual é preciso seguir os efeitos. Ela tem por objeto

um ausente que age, um ato que só pode ser atestado se for objeto de interrogação do seu outro:

‘Bem longe de ser um relicário ou lixo do passado, ela [a memória] vive de acreditar, dos possíveis

e de esperá-los, vigilante, à espreita’(CERTEAU, Michel de. L’invention du quotidien. Paris: Folio,

1990. I. Arts de faire. P. 131)

Fonte: DOSSE, François. A História. São Paulo: EDUSC, 2003, p. 290-291Tradução: Maria Elena Ortiz AssumpçãoA reprodução para fins educacionais não comerciais é permitida desde que citada a fonte.