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Milagros Coromoto García Cardona Linguagem dos riscos e sujeitos posicionados: o uso de agrotóxicos no Vale de Quíbor, Venezuela Doutorado em Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2004

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Milagros Coromoto García Cardona

Linguagem dos riscos e sujeitos posicionados: o uso de agrotóxicos

no Vale de Quíbor, Venezuela

Doutorado em Psicologia Social

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo 2004

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Milagros Coromoto García Cardona

Linguagem dos riscos e sujeitos posicionados: o uso de agrotóxicos

no Vale de Quíbor, Venezuela

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social, sob a orientação da Profa. Dra. Mary Jane Paris Spink.

PUC/São Paulo 2004

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Milagros Coromoto García Cardona

Linguagem dos riscos e sujeitos posicionados: o uso de agrotóxicos

no Vale de Quíbor, Venezuela

São Paulo, 03 de setembro 2004

BANCA EXAMINADORA

Dr. Peter Kevin Spink

Dr. Marcos Reigota

Dr. Carlos Machado de Freitas

Dra. Bader Sawaia

Dra. Mary Jane Paris Spink

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A Andrés Rafael, meu pai (in memorian) À Maura, minha mãe, fonte de amor constante. A Jesús, meu grande amor e companheiro de todos os dias. A Jonas e Maurício, meus filhos, razão maior de todos os meus projetos.

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AGRADECIMENTOS

Chegou a hora dos agradecimentos, uma das melhores coisas da vida!!! À profa. Mary Jane Spink, por sua dedicação como orientadora e a valiosa contribuição teórica e metodológica. Por todas as oportunidades que me proporcionou, sempre pronta a me ajudar quando precisei, sempre atenta às minhas necessidades, sorrindo, ensinando e aprendendo de cada um de nós do núcleo. Agradeço por ter me aceitado como sua orientanda, pois muitas coisas que aprendi, ainda sem ela mesma saber, fazem parte hoje desta tese e continuarão a fazer parte do meu trabalho como docente e em minha nova formação em psicologia social. Valeu a pena a experiência!! A todos os meus interlocutores que participaram deste trabalho em Quíbor, sem os quais esta tese não teria sido possível. Ao prof. Peter Spink por suas aulas inspiradoras, sempre com novas idéias e posturas. Participar do núcleo que ele coordena foi sempre uma descoberta, sempre uma pergunta a ser respondida. Agradeço também por sua valiosa contribuição no exame de qualificação. Ao prof. Marcos Reigota, pela leitura cuidadosa do texto da qualificação apontando acertados questionamentos que ajudaram a esclarecer muitas das páginas desta tese e pela valiosa contribuição para que eu pudesse entender melhor o vasto campo da ecologia, especialmente as posturas mais comprometidas nesse campo. À família Brigagão − Jacqueline, Hélcio, Gabriela e Miguel − minha família também, especialmente a Jacqueline por estar sempre presente, ligar nos momentos de solidão, contribuir com a escrita deste trabalho e esclarecer as inúmeras dúvidas durante a sua construção. Sua ajuda foi fundamental para mim. À Rose e ao Hamilton, meus irmãos pernambucanos, especialmente à Rose pela leitura carinhosa de manuscritos e as contribuições que me ajudaram em vários momentos da escrita deste trabalho. A amizade de vocês é mais um presente que ganhei no Brasil. A Cássia, minha amiga querida de vários anos. Foi um prazer morar perto de você e desfrutar de tantos momentos juntas. A João e à Andréia, que contribuíram para fazer nossa vida mais cheia de carinho e menos solitária, por estarmos longe de nossas famílias e de nossos filhos. À Mila, Daniela e Selena, meu muito obrigada por tudo que já fizeram por nós. À Vera e ao Marcos, por seus gestos de solidariedade, quando mais precisamos.

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À Maria Luisa e ao Pedro, pela amizade, a solidariedade e o carinho. Á Alejandra, obrigada pela amizade incondicional. Sua companhia e alegria de viver trouxeram sempre a presença de nosso espírito venezuelano. Aos meus amigos do Núcleo de Organização e Ação Social, Tânia, Mônica, Carla, Gustavo, Tatiana, Agnaldo, Neiza e, especialmente a Alexandre pela solidariedade em momentos difíceis. Aos meus amigos Serginho, Maroca, Nina, Vanda e Claudinha, pelo carinho e os momentos inesquecíveis de convívio em São Paulo. Aos velhos e novos amigos do nosso Núcleo de Estudos e Pesquisas em Práticas Discursivas e Produção de Sentidos, Xili, Ricardo, Tina, Jefferson, Rafaela, Pedro Paulo, Lenise, Isabela, Adriana, Eliette. A Beto. Obrigada pela ajuda com a bibliografia sobre os agrotóxicos. A Carlos Pereira, meus agradecimentos pela ajuda imensa na tramitação de documentos legais no Brasil e pelos conselhos sempre oportunos que facilitaram muito minha vida como estrangeira neste país de grandes labirintos burocráticos. Aos meus amigos Dácil, Alberto, Donald, Guido e Lisbeth e à Empresa Sistema Hidráulico Yacambú/Quíbor, na figura de seu presidente Franklin Quintero. Seu apoio foi fundamental para a culminação desta tese. Obrigada especialmente a Alberto e Guido por sua disposição constante em esclarecer dúvidas e enviar informações relevantes. À Universidad Centrocidental ‘Lisandro Alvarado (UCLA), pela bolsa de estudos para realizar o doutorado, especialmente ao meu Departamento de Medicina Preventiva e Social pela licença outorgada e aos meus colegas Carlos Núñez e Mercedes Franco por me substituirem durante estes três anos e meio nas responsabilidades docentes. Ao vice-reitor acadêmico da UCLA, Prof. Dr. Leonardo Montilva, pela força e interesse em contribuir para minha formação e às funcionárias da Dirección de Formación de Personal Acadêmico (DFPA), especialmente a Ing. Laura Paparella, a Lic. Katy Leone e a Dra. Maria Gómez. Aos meus irmãos, Maura e Jesús Rafael, meu cunhado Julio e minha sobrinha Daniela, pelo apoio e o amor na distância, me ajudando sempre que possível, especialmente a Maura por ser a mãe substituta de Mauricio nestes últimos meses de doutorado. Graças mil. À Ayolaida, graças por tomar conta de nossa casa e pela ajuda com documentos e tramitações. Obrigada.

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À PUC-SP, especialmente à profa. Ana Cintra, presidente da Pós-Graduação, e ao Departamento de Psicologia Social da PUC-SP, a seus professores, especialmente à professora Bader Sawaia. À A Marlene, nossa secretária, sempre disposta a ajudar, obrigada.

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GARCÍA CARDONA, Milagros C. Linguagem dos riscos e sujeitos posicionados: o uso de agrotóxicos no Vale de Quíbor, Venezuela. Tese (Doutorado em Psicologia Social)

RESUMO Partindo do pressuposto que nos diversos de campos de conhecimento se desenham formas de falar sobre os riscos, que são específicas a certas tradições discursivas que se vinculam com determinadas maneiras de gerenciar os riscos, esta tese aborda a questão dos riscos no uso de agrotóxicos, a partir da perspectiva da linguagem dos riscos. Tem como objetivo maior desenvolver novos enfoques de análise para uma problemática amplamente estudada em várias disciplinas, vinculadas à abordagem da psicologia discursiva. Nesse afã, busca contribuir para a compreensão das especificidades da linguagem dos riscos, nas práticas discursivas no cotidiano, segundo o posicionamento de diversos atores na rede de relações que sustentam o uso de agrotóxicos em uma região agrícola do semi-árido ocidental venezuelano. Buscou-se compreender as possibilidades de dar sentido ao risco no uso de agrotóxicos baseados nas experiências cotidianas das pessoas que se vinculam com essa questão, a partir de variadas posições de pessoa nesse jogo de relações: quem compra e usa o agrotóxico, quem vende e promove seu uso, quem cuida e trata os efeitos de seu uso, quem se contrapõe ao uso e informa dos riscos, e quem controla seu uso, por meio do estudo do uso de repertórios para dar sentido aos riscos e suas implicações para o gerenciamento/controle desses riscos. Nas práticas discursivas dos interlocutores do Vale de Quíbor, tradições discursivas são articuladas para falar do risco tanto como evento adverso, como evento positivo. Há uma aproximação de repertórios utilizados na área da saúde e aqueles utilizados pelo discurso da indústria química, existindo uma diferenciação que é marcada pelo uso de repertórios provenientes do discurso ambientalista, que estabelecem a distinção ente riscos e danos. Já o discurso da gestão pública dos riscos se utiliza, principalmente, de repertórios provenientes da epidemiologia e da educação em saúde. Além disso, o risco embutido no uso de agrotóxicos é referido com uma conotação positiva, na medida em que a utilização desse tipo de substâncias oferece benefícios coletivos por possibilitar a produção em grande escala de alimentos que, por outros métodos, seria supostamente impossível de se alcançar. No contexto da produção agrícola, o risco dos agrotóxicos é o centro da ação da promoção e educação em saúde e da promoção do uso sob normas de segurança. No Vale de Quíbor, o controle dos riscos se dá por meio da conjugação de estratégias disciplinadoras e de vigilância, exercidas por meio de ações de treinamento no uso seguro de agrotóxicos que enfatiza, de um lado a higiene e, de outro lado, os dispositivos de segurança. A escola pública é também alvo das ações de treinamento no uso de agrotóxicos, tornando-se meio para alcançar objetivos de manutenção das condições produtivas atuais. Quanto a isso, os desafios estão nas mudanças que tem de vir não somente na forma de produção que existe no Vale, mas também, na forma como a prevenção é pensada e organizada. Como nos posicionar, do lado de quem e para que fins? O trabalho insere-se na produção do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Práticas Discursivas e Produção de Sentidos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e foi possível graças à bolsa de estudos concedida pela Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), da Venezuela. Palavras-chave: linguagem dos riscos, práticas discursivas, agrotóxicos, posicionamentos, semi-árido, Venezuela.

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GARCÍA CARDONA, Milagros C. Language of risks and positioned subjects: the use of agrotoxics in the Valle de Quíbor, Venezuela. Thesis (Doctor in Social Psychology)

ABSTRACT

Based on the assumption that in different knowledge areas there are ways of talking about risks, and that they are specific to certain discursive traditions, linked to ways of risk management, this thesis approaches the study of risks in pesticides use, from the language of risks perspective. It has as a main objective to develop new forms of analyses to understand a largely studied subject, from the discursive psychology approach. It is aimed to contribute to understanding the specificity of the language of risks in day-to-day contexts, according to actors positioning in the network relations that sustain the use of pesticides, in an agricultural semi-arid region of Venezuela. It tried to comprehend the possibilities of giving meaning to risks in pesticides use based on peoples daily experiences, from different individual positions, such as, who buys and use pesticides, who sells and promotes its use, who takes care and treats the effects of its use, who is opposed to it and report about its risks and who controls its use, by the study of use of repertoires of risks and its implications to the management and control of risks

In the Valle de Quibor region, speakers’ discursive practices articulate discursive traditions to talk about risk as an adverse event as well as a positive event. There is an approximation use between health linguistic repertoires and that of the chemical industry discourse. It has also used repertoires originating from the environmental discourse, establishing a differentiation between the concepts of risk and damage. The public management of risks discourse mainly uses epidemiological and health educational repertoires. In addition, the risk of pesticides use also has a positive connotation, as long as the use of those substances offers collective benefits which make it possible to produce food in the long scale which could not be supposedly possible without using pesticides. In the context of agricultural production the risk of using pesticides has been at the center of education and health promotion and the use of agrochemicals under security norms. In the Valley, risk management takes play through the conjugation of disciplinary and surveillance strategies practice through training actions of safe use of pesticides, emphasizing hygiene as well as security devices. Children’s training activities on pesticides use have been introduced in the region’s public schools looking forward to maintain the present technological pattern. The challenge is to introduce changes in future agricultural production within the region as well as developing new ways of thinking and organizing health prevention strategies. How should we be positioned about? Besides whom to stand? For what purposes?

This work is part of the production of the Research Centre on Discursive Practice and the Production of Meaning at the Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Brazil. It was possible thanks to a scholarship from the Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), Venezuela.

Keywords: language of risks, discursive practices, pesticides, positioning, semi-arid, Venezuela.

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GARCÍA CARDONA, Milagros C. Lenguaje de los riesgos y sujetos posicionados: el uso de agrotóxicos en el Valle de Quíbor, Venezuela. Tesis (Doctorado en Psicología Social)

RESUMEN Partiendo del presupuesto que en los diversos campos del conocimiento se construyen formas de hablar sobre los riesgos, que son específicas a ciertas tradiciones discursivas vinculadas, a su vez, con determinadas maneras de administrar los riesgos, esta tesis aborda la cuestión de los riesgos del uso de agrotóxicos, a partir de la perspectiva del lenguaje de los riesgos. Tiene como objetivo general, desarrollar nuevos enfoques de análisis a partir del abordaje de la psicología discursiva, para una problemática ampliamente estudiada por otras disciplinas. Además, busca contribuir para la comprensión de las especificidades del lenguaje de los riesgos, en las prácticas discursivas del cotidiano, según el posicionamiento de diversos actores en la red de relaciones que sustentan el uso de agrotóxicos, en una región agrícola del semiárido occidental venezolano. Buscó comprender las experiencias de los actores que se vinculan con esa cuestión, a partir de sus diferentes posiciones de persona: quien compra y usa el agrotóxico, quien vende e promueve su uso, quien cuida y trata los efectos de su uso, quien se contrapone al uso e informa de los riesgos y quien controla su utilización, a través del estudio del uso de repertorios lingüísticos para darles sentido a los riesgos y sus implicaciones en la administración/control de dichos riesgos. En las prácticas discursivas de los interlocutores del Valle de Quíbor, se articulan tradiciones discursivas para hablar del riesgo, tanto como un evento adverso como de un evento positivo. Hay una aproximación entre los repertorios utilizados en el área de la salud y aquellos utilizados en el discurso de la industria química, presentándose, sin embargo, una diferenciación muy marcada cuando se utilizan repertorios provenientes del discurso ambientalista, en los cuales se establece una distinción clara ente riesgos y daños. En cuanto al discurso de la gestión pública de los riesgos, se utilizan, principalmente, repertorios provenientes de la epidemiología y la educación en salud. Por otro lado, el riesgo intrínseco al uso de agrotóxicos también es referido con una connotación positiva, basado en que la utilización de ese tipo de substancias ofrece beneficios colectivos, en la medida que posibilita la producción de alimentos en gran escala, que por otros métodos sería supuestamente imposible de alcanzar. En el contexto de la producción agrícola, el riesgo que representan los agrotóxicos es el centro de la acción para la promoción y educación de la salud, así como de la promoción de su uso bajo normas de seguridad. En el Valle de Quíbor, el control de los riesgos se da por medio de la conjugación de estrategias de disciplina y vigilancia, ejercidas a través de actividades de entrenamiento sobre el uso seguro de agrotóxicos, que enfatizan, de un lado, la higiene y del otro, los dispositivos de protección y seguridad. El entrenamiento llevado a la escuela pública también es una meta, transformándose en un medio para alcanzar objetivos de mantenimiento de las condiciones productivas actuales. Los retos están en los cambios que tendrán que venir, no sólo de la forma de producción que existe en el Valle, como también, de la forma como la prevención es pensada y organizada. ¿Cómo posicionarnos, al lado de quién y con cuáles fines? El trabajo se enmarca en la producción del Núcleo de Estudios e Investigaciones en Prácticas Discursivas y Producción de Sentidos, de la Pontificia Universidad Católica de San Pablo (PUC/SP) y fue posible gracias a la beca de estudios otorgada por la Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), de Venezuela.

Palabras clave: Lenguaje de los riesgos, prácticas discursivas, agrotóxicos, posicionamientos, semiárido, Venezuela.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................... 1

CAPÍTULO I − A cena (o agrotóxico)............................................................................... 9

1. Da origem dos agrotóxicos................................................................................................ 12 2. Dos impactos e regulamentações...................................................................................... 14

CAPÍTULO II − Sobre os usos e sentidos do risco.......................................................... 21

1. Dos repertórios sobre risco............................................................................................... 21 2. A abordagem do risco: as várias tradições....................................................................... 24

2.1 A construção dos riscos e o enfoque macro-social............................................. 28 2.2 Da linguagem dos riscos e os micro-lugares...................................................... 29

3. A materialização do risco na saúde: a questão da segurança e os agrotóxicos................ 34 3.1. Risco, segurança e agrotóxicos: epidemiologia, medicina do trabalho e saúde ocupacional........................................................................................... 34 3.2 Segurança química: a Agenda 21....................................................................... 39

CAPÍTULO III − A formatação do agrotóxico como risco na cena pública................. 43

1. A construção da problemática dos agrotóxicos: algumas considerações teóricas............ 43 2. A indústria química e a descoberta dos agrotóxicos......................................................... 50

2.1 Os anos do agrotóxico como milagre químico.................................................... 52 2.2 Da ameaça ao risco: Rachel Carson, Theo Colborn e a indústria química norte-americana................................................................................................... 53 2.3 José Lutzenberg e ‘O Manifesto Ecológico’: as ressonâncias no movimento ambientalista brasileiro..................................................................... 70

CAPÍTULO IV − O lugar da pesquisa.............................................................................. 75

1. O Vale de Quíbor: uma região no semi-árido da Venezuela............................................. 75 2.Trilhando o caminho do agrotóxicos no Vale de Quíbor................................................... 82

2.1 Do uso de agrotóxicos na Venezuela e sua regulamentação: apontamentos históricos.............................................................................................................. 82 2.2 A trajetória da pesquisa........................................................................................ 87

CAPÍTULO V − Sobre redes e posicionamentos: a circulação dos repertórios sobre riscos e agrotóxicos....................................................................... 91

1. Aprofundando a questão dos posicionamentos na compreensão da análise social............ 94

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1.1 Saberes locais e sujeitos posicionados: a contribuição da antropologia crítica.................................................................................................................... 95 1.2 Donna Haraway e o conhecimento posicionado: uma postura feminista pós-moderna......................................................................................................... 100 1.3 O posicionamento como processo de comunicação: a contribuição da psicologia discursiva de Bronwyn Davis e Rom Harré....................................... 102

CAPÍTULO VI − Delineando a rede de relações do agrotóxico em Quíbor: estratégias metodológicas..................................................................... 107

1. Conversando com nossos interlocutores em Quíbor: sobre as entrevistas e sua análise.......................................................................................................................... 113 2. Dos procedimentos de análise: as entrevistas e documentos............................................. 117

CAPÍTULO VII − A linguagem dos riscos e os agrotóxicos no cotidiano dos interlocutores no Vale de Quíbor................................................ 122

1. Que risco é esse dos agrotóxicos?..................................................................................... 124

1.1 Do risco e suas nomeações.................................................................................. 124 1.2 Do risco no uso.................................................................................................... 131 1.3 Do risco como toxicidade e efeito....................................................................... 139

2. Quem (Quê) está em risco?............................................................................................... 147

2.1 Quem manipula: “as pessoas que aplicam estão mais em risco.......................... 148 2.2 O risco ambiental: “todos estamos em risco”...................................................... 150 2.3 Quem consome: “nos estão contaminando, e também aos outros....................... 153

2.4 Está em risco quem pode se intoxicar................................................................. 154 2.5 que usa: “o agricultor é o responsável”............................................................... 156

3. Como se gerencia (m) o (s) risco (s)?............................................................................... 157 3.1 O controle pela informação: “a chave é informar, educar,

conscientizar”...................................................................................................... 158 3.2 O controle pela melhoria do uso: os agrotóxicos um mal necessário?............... 167 3.3 Para além do controle: as ações coletivas........................................................... 173

4. Reflexões sobre este capítulo........................................................................................... 176

Considerações gerais.......................................................................................................... 179

Referências bibliográficas................................................................................................. 189 Fontes................................................................................................................................... 198

Apêndices............................................................................................................................. 199

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LISTA DE TABELAS E FIGURAS

Tabela 1. Ampliando a compreensão da rede local: a presença da rede

(primeira aproximação) no Fórum................................................................................. 112

Figura 1. 1962 Union Carbide Ad.................................................................................. 49

Figura 2. DDT: Killer of Killers……………………………………………................. 52

Figura 3. Mapa de localização relativa do Vale de Quíbor............................................ 81

Figura 4. Mapa do Município Florencio Jiménez.......................................................... 81

Figura 5. Pulverização manual no Vale de Quíbor......................................................... 82

Figura 6. Paisagem do Vale de Quíbor........................................................................... 90

Figura 7. O Crime do Silêncio........................................................................................ 122

Figura 8. O Espantalho................................................................................................... 164

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INTRODUÇÃO

Partindo do pressuposto que nos diversos de campos de conhecimento se desenham

formas de falar sobre os riscos, que são específicas a certas tradições discursivas que se vinculam

com determinadas maneiras de gerenciar os riscos, esta tese aborda a questão dos riscos no uso de

agrotóxicos, a partir da perspectiva da linguagem dos riscos.

Tem como objetivo maior desenvolver novos enfoques de análise para uma problemática

amplamente estudada em várias disciplinas, vinculadas à abordagem da psicologia discursiva.

Nesse afã, busca contribuir para a compreensão das especificidades da linguagem dos riscos

segundo o posicionamento de diversos atores na rede de relações que sustentam o uso de

agrotóxicos em uma região agrícola do semi-árido ocidental venezuelano.

Trabalhando com os sentidos dos riscos na vida cotidiana, visa superar as abordagens

individualistas tradicionalmente empregadas para entender a maneira de lidar com os riscos na

vida moderna, orientando-se à compreensão da complexidade envolvida na produção de sentidos

sobre os riscos, como um empreendimento coletivo e em permanente construção, em contextos

socioculturais particulares.

Procuramos contribuir com a produção de pesquisas reflexivas e comprometidas com as

pessoas com as quais trabalhamos por meio do estudo de fenômenos locais de interesse para essas

pessoas e da busca conjunta de soluções para seus problemas. Assim, resgatamos a importância

de se fazer pesquisa partindo de lugares específicos como este estudo sobre a linguagem dos

riscos na questão dos agrotóxicos no Vale de Quibor, na Venezuela, embora os vinculando com

problemas econômicos e políticos mais amplos, em âmbitos nacionais e internacionais. Isto

porque entendemos que problemáticas amplas que têm uma abrangência mundial se expressam

de maneira heterogênea em locais específicos, apresentando desafios para assimilar e formular

possíveis propostas de ação.

Partindo do pressuposto que o conhecimento é sempre parcial, este trabalho, realizado em

Quibor, resulta da interação de por nossas visões e das visões dos vários interlocutores que

participaram desta pesquisa. As interpretações a que chegamos neste trabalho surgiram, então, do

tipo de relações que as pessoas estabelecem no Vale de Quibor e das conexões possíveis entre

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elas, as quais permitem ou dificultam determinados processos de comunicação e posicionamentos

perante essa realidade.

O desenvolvimento da tecnologia para a fabricação de agrotóxicos e sua aplicação

massiva no mundo inteiro é caracterizado como um processo de construção coletiva influenciada

por diversos elementos interligados aos diferentes atores envolvidos e ao uso dessa tecnologia

nos diferentes países e regiões do mundo. Nessa construção, o uso de substâncias químicas

utilizadas no combate às pragas na agricultura moderna é referido, de um lado, como um dos

maiores avanços da humanidade, e de outro, como fonte de perigos, riscos e ameaças, as quais

surgiram com o estabelecimento de um modelo tecnológico agrícola que se sustenta,

fundamentalmente, no desenvolvimento e no uso de produtos químicos sintetizados1.

A capacidade de sintetizar produtos químicos juntando moléculas criou, a partir dos anos

1940, uma nova era tecnológica de escala ilimitada que fez possível a produção de qualquer

químico (herbicida, plásticos sintéticos, inseticidas) para diversos usos com custos muito baixos.

Na medida em que começaram a aparecer os sinais de alarma pelos efeitos à saúde e ao ambiente

por causa do uso indiscriminado desses produtos, as grandes indústrias fabricantes iniciaram a

corrida pela conquista de novos produtos e mercados, utilizando estratégias cada vez mais

sofisticadas de marketing para minimizar os ataques contra a indústria.

Assim, o campo dos agrotóxicos tem se estruturado como uma densa matriz de atores,

instituições e materialidades na qual as formas de falar sobre os riscos sustentam estratégias de

controle (governo) desses riscos em níveis internacionais e locais.

As controvérsias surgidas ao longo do tempo sobre a utilização de agrotóxicos, e os

chamados efeitos nocivos ao ambiente e às pessoas, têm gerado o estabelecimento de formas de

‘controle’ na sua fabricação, na sua venda e em sua utilização. Exemplo disso é a série de

regulamentações internacionais e nacionais orientadas a fim de diminuir os riscos do uso e a

adoção de medidas para desenvolver, de um lado, tecnologias para melhorar sua utilização −

buscando otimizar a aplicação desses produtos na produção agrícola, utilizando técnicas que

combinam o emprego de produtos químicos e medidas de controle biológico − e, por outro lado,

1 Sintético aqui significa substâncias químicas desenvolvidas em laboratórios, sintetizadas a partir de vários compostos químicos inorgânicos, como por exemplo, os organoclorados, como o DDT, organofosforados como o Paration, e piretróides sintéticos como Deltametrina.

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substituir, progressivamente, os agrotóxicos por métodos denominados, ecologicamente,

sustentáveis.

Várias são as justificativas contra o emprego de agrotóxicos. Considera-se que seu uso

continuado perpetua o desequilíbrio ecológico dos agroecossistemas, e provoca também a

resistência genética de insetos, de plantas e de fungos, resultando em um processo pelo qual

essas espécies desenvolvem mecanismos bioquímicos que permitem que a dose aplicada já não

seja mortal, transmitindo essa resistência às gerações posteriores.

A questão da resistência genética é uma dentre muitos argumentos contra o uso dos

agrotóxicos, embora haja também argumentos a favor, fato que evidencia a existência de um

campo de controvérsias do qual participam fabricantes, ambientalistas, pesquisadores, órgãos

nacionais e internacionais da área da saúde, assim como os produtores agrícolas e grupos sociais

no mundo todo que denunciam as seqüelas produzidas pelo uso de produtos químicos altamente

tóxicos.

Do ponto de vista ambiental, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente −

PNUMA- , menciona, entre alguns dos principais problemas causados pelo uso intensivo de

agroquímicos a eliminação de insetos benéficos − chamados inimigos naturais, que contribuem

para manter o equilíbrio ecológico − e a mobilidade do agrotóxico no ambiente, contaminando

não apenas o solo, mas também as águas superficiais e subterrâneas e o ar.

Com relação aos agrotóxicos e ao seu impacto à saúde humana, alguns autores (Carson

1962, Paschoal 1979, Lutzenberg 1986, Bull & Hathaway 1986, Henao e Finkelman 1993,

Betancourt 1995, Herculano e outros (org.), 2000, Garcia 2001, Alves Filho 2002, Colborn e col.,

2002) têm apresentado, ao longo de mais de quarenta anos, vários questionamentos importantes,

apontando, principalmente, para dois aspectos: 1) a amplificação biológica dos agrotóxicos que

se concentram na gordura de animais ao longo da cadeia alimentar, principalmente os

organoclorados, lipossolúveis e de lenta degradação; 2) as intoxicações provocadas pela

exposição ao agrotóxico, sejam elas de tipo agudas, provocadas pela ingestão dos produtos, sejam

as crônicas, que ocasionam doenças de longo prazo, como o câncer e doenças do sistema nervoso

central.

Como podemos observar, no campo dos agrotóxicos, estão presentes diversos discursos.

De um lado, os que divulgam os perigos e riscos que esses produtos pretendem controlar ou até

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eliminar, não apenas para as pragas, mas também para o próprio ser humano e o ambiente. Por

outro lado, há aqueles a favor que justificam seu uso por razões econômicas (o volume de

produtos agrícolas produzidos no mundo todo e o número de empregos na agroindústria) e até

humanitárias (a alimentação de uma parte importante dos habitantes do planeta estaria ameaçada

se as pragas tomassem conta das lavouras). Esses discursos defendem a necessidade e a

possibilidade de se estabelecerem formas de segurança e controle dos riscos, em aberta

contraposição àqueles que apregoam a contradição evidente de pensar numa possível segurança

diante da natureza intrinsecamente tóxica desses produtos. Mas também se fazem presentes

argumentos intermediários a favor da integração de métodos químicos e biológicos na tentativa

de estabelecer mecanismos progressivos de mudança.

O argumento mais utilizado para defender o uso dos métodos da agricultura moderna é

que eles constituem a única maneira eficiente de resolver o problema da fome mundial e da

alimentação das massas, em decorrência do aumento da população mundial. Mas, tal como

argumenta José Lutzenberg (2001), respeitado ambientalista brasileiro e autor de inúmeros livros

e artigos críticos sobre os impactos da agricultura moderna;

É tempo de acabar com a mentira de que apenas a agricultura promovida pela tecnologia pode salvar a humanidade da inanição. O oposto é verdadeiro. É preciso uma nova forma de balanço econômico que, à medida que soma o que é chamado de “produtividade” ou “progresso” na agricultura, também deduza todos os custos: as calamidades humanas, a devastação ambiental, a perda da diversidade biológica na paisagem circundante, e ainda, a mais tremenda perda, a biodiversidade em nossos cultivares (Lutzenberg, 2001:70).

Partindo desses debates, nosso foco de estudo centra-se nos posicionamentos assumidos

nos processos cotidianos de comunicação sobre o uso de agrotóxicos perante os riscos da

utilização desses produtos e as implicações disso para a orientação de ações de controle e

gerenciamento.

O lugar no qual abordamos essa questão, entendido aqui como “o espaço social da ação,

um horizonte de ações e ligações, de produção de sentidos e de lutas” (SpinK, P., 2000:4), é a

região do semi-árido ocidental venezuelano, e mais especificamente o Vale de Quíbor, região de

reconhecida importância agroeconômica e ambiental da Venezuela. O semi-árido venezuelano

apesar de compartilhar algumas das características de qualquer outro semi-árido, como o

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Nordeste brasileiro e o ocidente da Venezuela, delas se diferencia, por se tratar de uma das

regiões produtivas mais importantes do país.

O Vale de Quíbor tem sofrido profundas transformações produtivas desde a década de

1950, quando chegaram ao Vale os primeiros imigrantes espanhóis, estabelecendo-se aí um

sistema de latifúndio de monocultura intensiva que utiliza toda a tecnologia própria desses

sistemas produtivos, incluindo irrigação e uso constante de agrotóxicos, com amplos efeitos para

o ambiente e a saúde humana. Esta lógica de produção agrícola tem possibilitado o surgimento de

certas formas de relações sociais que só podem se explicar observando a constituição das

características produtivas que existem hoje em Quíbor.

De acordo com Morales (1990), ao relatar as histórias de vida desses imigrantes,

procedentes das Islas Canárias, foi no ano de 1960 que se produziu o que o autor chama de

‘sucesso produtivo nacional’, após vários anos de ensaios e erros, e de duros enfrentamentos com

um meio tão difícil como o semi-árido do Vale de Quíbor.

Allí se comenzó a dar luz verde a un fenómeno agrícola que iba a tener amplio y profundo significado no sólo en el Valle de Quibor, sino en toda la región, con hondas repercusiones a escala nacional. A partir de esta fecha, con lentitud los primeros dos años y con mayor celeridad después, fueron llegando importantes contingentes de agricultores canarios a este Valle, cuya labor fue cambiando el rostro a su superficie. La intensa labor desarrollada por estos hombres influye en forma determinante en toda la zona, determinando cambios sustanciales en el campo económico, social, financiero, político y cultural (Morales, 1990:58).

O Vale não voltaria mais a ser uma região de agricultura familiar de pequenos

loteamentos, cuja produção estava marcada pelo ritmo das estações de estiagem e chuva. A

introdução de sistemas de irrigação possibilitou o surgimento de uma produção agrícola em

grande volume, destinada ao mercado urbano das principais cidades do país. A paisagem do Vale

foi se modificando até estruturar uma das maiores áreas de produção nacional, mudando também

as relações de propriedade da terra e a dinâmica econômica do lugar.

Alguns estudos recentes têm sido feitos nessa região (SHYQ, 1998; García e outros 2000;

Tagliaferro, 2001; Sandia, 2000) para compreender esses impactos e propor soluções, embora

nenhum deles tenha se aprofundado nas relações cotidianas estabelecidas pelos vários atores

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locais e seus processos cotidianos de comunicação na busca de dar sentido aos riscos envolvidos

no uso de agrotóxicos.

O tema dos riscos que trazem os agrotóxicos tem sido objeto de muitos debates ao longo

de vários anos, desde que esse problema começou a adquirir visibilidade na cena pública da

região. Aspectos vinculados ao gerenciamento dos riscos no uso de agrotóxicos também têm sido

alvo das políticas locais, implementadas a partir da visão de funcionários e técnicos, com restrito

envolvimento da ampla gama de atores (fabricantes, produtores, profissionais de saúde,

ambientalistas, pessoas afetadas pelo uso) que participam desta problemática no Vale.

Recursos têm sido investidos em programas informativos para o ‘uso seguro’ de

agrotóxicos e de prevenção de intoxicação por agrotóxicos desenvolvidos pela indústria

fabricante de agrotóxicos no país, a prefeitura de Jiménez, cuja capital é Quíbor, pela

Universidad Centroccidental ‘Lisandro Alavarado’, através da Faculdade de Medicina, pela

Comisión de Qualidad Ambiental e por outras instituições locais. Esses programas tendem a ter

uma orientação vertical, dando ênfase à prescrição de medidas de otimização e de proteção no

uso de agrotóxicos, tradicionalmente sugerida por técnicos agrícolas e profissionais de saúde,

sem maiores resultados.

Nossa motivação para pesquisar a questão dos riscos no uso de agrotóxicos surge, assim,

dessa realidade complexa de posições de pessoas e grupos perante um risco de conseqüências não

muito claras e suas implicações para o gerenciamento desses riscos. Desse modo, a partir de uma

abordagem da Psicologia Social Discursiva de cunho construcionista, buscamos entender a

linguagem dos riscos utilizada no cotidiano pelos vários atores envolvidos com a problemática

dos agrotóxicos na região do semi-árido venezuelano. Procuramos, sobretudo, analisar a relação

entre os aspectos mais permanentes da linguagem dos riscos na modernidade2 (linguagem

2 O conceito de risco tornou-se relevante, principalmente, influenciado pelos estudos socioculturais do risco que exploram as implicações de uma nova consciência dos riscos nas condutas pessoais, num estágio avançado da modernidade. Dois dos autores mais relevantes no campo dos estudos socioculturais do risco são Ulrich Beck e Anthony Guiddens, os quais baseiam seu entendimento desse período avançado da modernidade considerando-o como: 1) um ambiente de risco caracterizado pelo surgimento de riscos imprevisíveis vinculados aos processos de industrialização e globalização, que cria um certo tipo de identidade e um senso pessoal de segurança; 2) o risco é visto como um elemento central da cultura na modernidade tardia que tem se tornado elemento-chave no cálculo do self.

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formalizada) e as práticas discursivas da vida cotidiana. Esses dois níveis interagem

permanentemente, embora nossa ênfase seja nas práticas discursivas cotidianas.

Apoiamo-nos em Spink, M.J (2002) para definir o que entendemos por linguagem dos

riscos;

Ao nos referirmos à linguagem dos riscos, embora usando o singular, não estamos propondo a existência de uma linguagem unitária. Estamos sugerindo que no interior de cada campo desenham-se formas de falar sobre os riscos que lhe são específicas e que estão presas às três tradições de discursos sobre riscos por nós identificadas em estudos anteriores: o governo de coletivos, a disciplinarização da vida privada e a aventura (p. 2).

Os aspectos mais permanentes da linguagem dos riscos no campo dos agrotóxicos foram

abordados procurando identificar os repertórios lingüísticos sobre riscos na literatura referente a

essa problemática. Os repertórios lingüísticos são entendidos aqui, de acordo com a definição

dada por Potter e Wetherell (1987), como dispositivos lingüísticos que utilizamos para construir

versões de ações, eventos e outros fenômenos que estão à nossa volta. Estes repertórios se

encontram numa variedade de produções lingüísticas e atuam como substrato nas argumentações

que construímos nos processos cotidianos de comunicação. Os autores argumentam que a idéia

de repertórios, análogos aos repertórios dos movimentos no balé, encerra os diferentes

movimentos (termos, metáforas) que são invocados dependendo do que convenha ao contexto

imediato de uso.

As práticas discursivas do cotidiano, por sua vez, foram pesquisadas nas relações

estabelecidas no ‘campo do agrotóxico’, entendido aqui como uma densa matriz de relações em

que interagem pessoas, instituições, regulamentações, locais de trabalho e os próprios

agrotóxicos. Nela, os repertórios sobre risco circulam nas conversas cotidianas e nas várias

formas institucionalizadas de se referirem aos riscos no uso dos agrotóxicos.

Nesse contexto, partindo do pressuposto de que a linguagem dos riscos assume

construções e modalidades específicas de acordo com o posicionamento dos diversos atores na

rede de relações que sustentam o uso de agrotóxicos, pretendemos entender: a) a diversidade de

repertórios utilizados para dar sentido aos riscos associados ao uso de agrotóxicos; b) suas

implicações para o gerenciamento/controle dos riscos.

A tese está estruturada em sete capítulos, seguidos pelas considerações finais.

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O primeiro capítulo aborda o papel do agrotóxico na cena produtiva mundial como parte

do modelo tecnológico surgido após a Revolução Verde. São discutidas as principais nomeações

utilizadas para se referir aos agrotóxicos e as origens dessas nomeações. Em seguida, se apresenta

um apanhado geral da origem dos agrotóxicos discutindo as fases de desenvolvimento desses

produtos e o papel da descoberta dos inseticidas sintetizados como o DDT nessa evolução, os

impactos que o uso desses produtos tem gerado e as tentativas de regulamentação de seu uso.

Nessa revisão,demos ênfase às classificações internacionais sobre a toxicidade destes produtos, às

regulamentações para a comercialização, às principais proibições na cena mundial e os usos que

são feitos da linguagem dos riscos na construção de formas de subjetividade e efeitos de seu uso

sistemático em contextos específicos de gestão dos riscos.

O segundo capítulo trata dos usos da palavra risco a partir de uma descrição histórica de

origem e evolução do termo e as formas de uso dos repertórios sobre risco, segundo as várias

tradições que estudam essa questão, com ênfase na proposta analítica da linguagem dos riscos.

Em seguida, abordam-se a materialidade do risco na saúde e a questão da segurança e os

agrotóxicos. Faz-se uma discussão sobre a relação risco, segurança e agrotóxicos na

epidemiologia, na medicina do trabalho e na saúde ocupacional. Por último, versa-se sobre a

interface dos discursos ambientalistas e das políticas públicas sobre segurança química na

Agenda 21.

O terceiro capítulo trata da formatação do agrotóxico como risco na cena pública a partir

de aspectos gerais da consolidação da hegemonia da indústria química e do papel desempenhado

pela descoberta dos agrotóxicos. São examinados eventos críticos no campo da ciência

bioecológica que possibilitaram a emergência da questão da ameaça dos agrotóxicos e o papel da

linguagem nessa construção. Discutem-se conceitos como modernidade tardia, a relação global-

local nos problemas ambientais, as abordagens da sociologia ambiental construcionista e da

psicologia discursiva na compreensão da linguagem nessa construção. Apresenta-se

detalhadamente a análise das linhas argumentativas de dois trabalhos internacionais e um

nacional, pioneiros no debate público sobre os riscos dos agrotóxicos para a saúde e o ambiente:

Primavera Silenciosa de Rachel Carson: O Futuro Roubado de Theo Colborn e col.; e O

manifesto Ecológico Brasileiro de José Lutzengerg.

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O capítulo quatro faz uma caracterização do lugar da pesquisa: o Vale de Quíbor, no

semi-árido ocidental venezuelano, destacando a relevância desta questão para alguns dos

interlocutores envolvidos nessa problemática, nesse lugar. Discutem-se o papel dos agrotóxicos

na dinâmica agrícola produtiva da região e as tentativas de regulamentação de seu uso ao longo

de mais de 50 anos. Por fim, relata-se a trajetória da pesquisa, seus antecedentes, pesquisas locais

relacionadas e dados estatísticos gerais relevantes.

No capítulo cinco discute-se o conceito de redes e posicionamentos, aprofundando a

questão dos posicionamentos na compreensão da análise social a partir dos conceitos saber local

e sujeito posicionados da antropologia cultural crítica de Renato Rosaldo e Clifford Geertz;

conhecimentos situados e posicionamentos móveis propostos por Donna Haraway; e de

posicionamento como processo de comunicação proposto pela psicologia discursiva de Davis e

Harré, com ênfase no conceito de pessoa em relação nos processos de produção de sentidos nas

práticas discursivas cotidianas.

O capítulo seis apresenta as estratégias metodológicas utilizadas, com a descrição geral

das formas de abordagem e a apresentação dos interlocutores que participaram da pesquisa. São

descritos as categorias e procedimentos de análise utilizados.

O capitulo sete, sobre a linguagem dos riscos na fala dos interlocutores em Quíbor,

discute em detalhe os repertórios lingüísticos utilizados para dar sentido aos riscos que estão

envolvidos no uso de agrotóxicos. A análise está estruturada em três eixos analíticos: que risco é

esse, quem está em risco e como esses riscos podem ser controlados.

Por último, são apresentadas as considerações finais com especial destaque para as

possibilidades de resignificação da prevenção seja na perspectiva da mudança do modelo de

produção, seja na ótica dos sujeitos. A ênfase, nesse caso, recai sobre o pequeno produtor, não

mais como sujeito de disciplina, mas sendo protagonista.

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CAPITULO I

A cena (o agrotóxico)

Uma grande quantidade de substâncias químicas tem sido desenvolvida para o combate de

pragas na agricultura. Tais substâncias são modernamente definidas como orgânico-sintéticas,

organossintéticas (Paschoal, 1979, Garcia, 2001) ou sintetizadas a partir de vários elementos

químicos.

Segundo Lutzenberg (2001), partindo do ponto de vista de uma postura ecológica, durante

a década de 1940, muitas pesquisas agrícolas visavam às soluções biológicas, “A perspectiva era

ecológica, embora mal se falasse em ecologia. Se esta tendência tivesse podido continuar,

teríamos hoje muitas formas de agricultura sustentável localmente adaptadas e altamente

produtivas” (p. 71).

Mas, após a década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, avanços tecnológicos

inéditos surgiram na cena mundial. Alguns dos autores que discutem a questão dos agrotóxicos

(Pachoal, 1979, Bull & Hathaway, 1986, Garcia, 2001, Lutzenberg, 2001, Alves Filho, 2002)

apontam para a descoberta das propriedades inseticidas do DDT como sendo um desses avanços.

Acreditava-se que com o DDT seria possível erradicar definitivamente todas as pragas, fato que

veio a ser amplamente questionado posteriormente. Após a guerra, outros produtos sintetizados

quimicamente foram desenvolvidos, o que contribuiu para o fortalecimento da indústria química

mundial. Segundo Paschoal (1979);

A indústria dos praguicidas organossintéticos desenvolveu-se em ritmo acelerado no período pós-guerra. As vendas passaram de US$ 40 milhões em 1939 para US$ 300 milhões em 1959 e US$ 2 bilhões em 1975. Por volta de 1963, mais de 100 mil toneladas de DDT foram produzidas globalmente. Em 1966, mais de 8 mil firmas estiveram preparando 60 mil formulações diferentes a partir de 500 praguicidas básicos (p.1).

Dessa forma, no início da década de 1950, a indústria química conseguiu estabelecer um

novo paradigma, nas faculdades de agronomia, nas atividades de extensão e na pesquisa agrícola.

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Lutzenberg (2001), ao discutir a estrutura desse novo paradigma, o chama, “NPK + V. NPK que

corresponde a nitrogênio, fósforo, potássio, o V significa veneno” (p 71).

O processo de mecanização da agricultura, produto da Revolução Industrial, criou as

condições que contribuíram para o desenvolvimento desses produtos químicos de uso agrícola.

Foi necessário produzir fertilizantes artificiais que pudessem substituir os fertilizantes de origem

animal. Tudo isso possibilitou o estabelecimento de extensos terrenos de monoculturas. Para Bull

& Hathaway (1986), a chamada ‘Revolução Verde’3 “levou à plantação de áreas relativamente

grandes com uma única variedade de uma só cultura, proporcionando as condições ideais para as

pragas às quais a variedade é mais susceptível” (p. 8). Esse modelo tecnológico, de uso intensivo

de agroquímicos e de grandes plantações, foi desenvolvido na Europa e nos Estados Unidos, a

partir da segunda metade do século XX.

Vários termos ou nomeações têm sido utilizados para se referir a esses produtos que, após

a Segunda Guerra Mundial, se tornaram um elemento indispensável do modelo tecnológico

agrícola desenvolvido e utilizado nos países mais industrializados do mundo e importado para os

países menos industrializados. O termo pesticida (do inglês pesticide) foi o primeiro a ser

utilizado, pois foram as empresas alemãs e norte-americanas que desenvolveram tais produtos. O

termo pesticida tenta reforçar a idéia, amplamente difundida pela indústria fabricante mundial, de

que ele somente combate as pragas, escamoteando qualquer implicação com os efeitos para o ser

humano e os animais.

A denominação plaguicida é uma tentativa de tradução do termo originário do inglês para

o castelhano, tornando-se um termo de uso comum, mantendo o mesmo significado.

No Brasil, no início, falava-se também em pesticida. Para Paschoal (1979:34), essa

denominação apresenta problemas, não sendo adequada à língua portuguesa, pois de maneira

literal significa “o que mata a peste”, incluindo na denominação de peste qualquer doença

epidêmica grave da fácil propagação e letal. Hoje, o termo cotidianamente mais usado é

agrotóxico, embora o termo pesticida ainda seja utilizado em documentos científicos e pela

própria indústria fabricante desses produtos.

3 Segundo Gonçalves Pereira (2002), “Um dos desdobramentos mais importantes do pacote no pós-Segunda Guerra Mundial foi a Revolução Verde, como ficou conhecido o desenvolvimento de sementes melhoradas altamente produtivas e adaptáveis a diferentes solos e climas e resistentes a pragas e doenças” (p.13).

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O termo agrotóxico passou a ser utilizado em substituição ao termo defensivos agrícolas,

utilizado no Brasil até a década de 1980. Isso foi possível após mobilização da sociedade civil

organizada representada em sindicatos e cooperativas rurais, desencadeando, no final da mesma

década, a mudança do termo e sua inclusão numa lei federal (Peres e col., 2004). A denominação

tem-se difundido amplamente por toda a América Latina, como parte do mesmo movimento de

contestação ambientalista. Mais do que uma simples mudança de nome, esse termo pretendeu

colocar em evidência a toxicidade desses produtos ao meio ambiente e à saúde humana. Porém,

os termos praguicidas ou pesticidas são ainda genericamente utilizados na literatura de língua

portuguesa.

O Programa Ambiental das Nações Unidas (Unep), a partir da assinatura do Tratado de

Stokholm4, estabeleceu o uso de um outro termo para se referir aos químicos sintetizados:

Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), em inglês Persistent Organic Pollutants, chamando a

atenção para seu potencial tóxico ao se espalhar e se manter no ambiente por longos períodos. O

Unep estabeleceu um programa mundial de controle dos POPs que, em 1997, elaborou uma lista

de 12 poluentes persistentes, chamada pelas organizações ambientalistas do mundo como a Dúzia

Suja (em inglês Dirty Dozen).

Ainda encontramos um outro termo utilizado no cotidiano dos agricultores na América

Latina: o veneno. Tal como é referido por eles, não utiliza eufemismo algum, envenena e mata as

pragas e a pessoa desprevenida que não ‘sabe’ como utilizá-lo. De acordo com Peres e col.

(2004);

O termo‘veneno’ deriva da experiência concreta do trabalhador rural (e em nossa opinião, constitui a mais digna e acurada denominação para tais produtos), que, desde o inicio da

4 Conferência diplomática na qual os governos assinaram a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes para que os poluentes orgânicos persistentes (POPs nas siglas em inglês) e outras substancias tóxicas persistentes fossem eliminadas do meio ambiente mundial. Acordado em 22 de maio de 2001, Governos de 122 países chegaram a um acordo para banir globalmente algumas das substâncias mais tóxicas do planeta. O tratado internacional tem como objetivo acabar com a produção e uso de novos Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), além da eliminação das fontes de contaminação existentes. Os "Doze Sujos" - lista inicial de 12 POPs que devem ser banidos (2) - incluem agrotóxicos organoclorados, PCBs - usados como isolantes em transformadores elétricos - e as dioxinas, que podem provocar câncer. Informação sobre este e outros aspectos do Programa Unep – POPs está disponível em: http://www.pops.int.

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utilização dos agrotóxicos no meio rural, vem observando além de seus efeitos previstos – matar pragas -, também seus efeitos nocivos à saúde humana e animal (por exemplo, morte de peixes, roedores, animais domésticos etc) (p.23-24).

Como se pode observar, nenhum dos termos mencionados escapa das respectivas

conotações que os acompanham. Eles mesmos ‘falam’ de suas origens e identificam seus autores.

Mas o que é significado quando se fala em pesticidas, plaguicidas, agrotóxicos, poluentes

orgânicos persistentes e venenos? Explicitar seus sentidos talvez possa nos auxiliar na

compreensão do uso que lhes é dado nos diferentes lugares e para os atores envolvidos em seu

desenvolvimento, uso e controle. Mas antes de dar qualquer definição, é pertinente contarmos

uma breve história do surgimento dos agrotóxicos na cena mundial.

1. Da origem dos agrotóxicos Historicamente, a humanidade tem tentado controlar as pragas que atacam as plantas,

porém a evolução da tecnologia baseada no controle passou por várias etapas. Como indica

Estrada (1998), a história dos pesticidas pode-se resumir em três etapas. A primeira, quando foi

descoberta, acidentalmente, a ação praguicida de alguns elementos naturais como enxofre, cobre,

arsênico e fósforo. Os gregos já haviam utilizado súlfur para combater certas pragas, e os

Romanos queimavam betume para remover insetos das plantações de uvas. Em meados de 1800,

a London Horticultural Society recomendava o uso de súlfur para combater os fungos que

apareciam nos pessegueiros. Na França, em 1800, foi descoberto que o uso de uma mistura feita à

base de cobre podia destruir fungos de forma muito eficaz.

A segunda etapa estaria marcada pelo uso de diferentes óleos inseticidas e pelo

desenvolvimento do primeiro agrotóxico sintético, o potassium dinitro-2-cresylate, que foi

comercializado na Alemanha. No começo de 1900, foram introduzidas substâncias inorgânicas e,

ao final de 1932, iniciou-se a comercialização de produtos para combater pragas domésticas.

Antes da Segunda Guerra Mundial, a maior parte dos produtos utilizados para combater as

pragas era inorgânica e muitos deles continham vários metais pesados, como mercúrio, arsênico e

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chumbo. Apesar de terem sido banidos por seus efeitos tóxicos em longo prazo, alguns elementos

inorgânicos são ainda utilizados.

Para Alves Filho (2002), esses tipos de elementos são denominados ‘primeira geração’ de

agrotóxicos;

Ao final do século XIX e nas três primeiras décadas do século XX, ocorre um grande avanço no uso de produtos químicos para a proteção de plantas contra pragas e doenças, produtos estes basicamente constituídos por compostos inorgânicos à base de flúor, arsênico, mercúrio, selênio, chumbo, bórax, sais de cobre e zinco (p.24).

Porém, tem-se abandonado seu uso extensivo, não só por serem considerados ampla e

altamente tóxicos, mas também por não serem muito eficazes.

A terceira etapa corresponde ao período da Segunda Guerra Mundial, que criou as

condições para três novos produtos: o inseticida DDT desenvolvido por Paul Müller em 1940, os

inseticidas organofosforados e os herbicidas de ação seletiva. Esses produtos são considerados a

‘segunda geração’ de agrotóxicos, incluindo ampla gama de compostos orgânicos sintéticos.

Sintético aqui quer dizer elaborado pelo homem, e orgânico, que contém carvão. Desde então,

têm-se desenvolvido venenos potentes contra pragas, sendo a maior parte deles organoclorada e

organofosforada.

Uma ‘terceira geração’ de agrotóxicos vem sendo desenvolvida recentemente pela

indústria química mundial5 em resposta à pressão e à preocupação do público com os efeitos

adversos do DDT e dos produtos similares. Esse novo tipo de agrotóxico é de menos persistência

que o DDT e outros organoclorados, mas é muito mais solúvel na água, o que faz com que seja

potencialmente mais poluente das águas subterrâneas e superficiais e que tenha um efeito tóxico

não só agudo como crônico no homem. São chamados de carbamatos e componentes

organofosforados, ingredientes ativos da maioria dos inseticidas e de alguns herbicidas em uso.

5 Segundo Grippi (2000), “nos últimos cinqüenta anos a indústria de agrotóxicos procura desenvolver agrotóxicos menos tóxicos e mais seletivos em seus alvos, requerendo menores doses por hectares e com menor persistência no ambiente. Os produtos correspondentes àquilo que os especialistas chamam de terceira geração de agrotóxicos reduziram muito a dosagem, mas a toxicidade destes agrotóxicos cresceu ao menos dez vezes desde o final da Segunda Guerra Mundial” (p.1).

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A história do agrotóxico está vinculada à Segunda Guerra Mundial, quando foi usado

como arma química pelos norte-americanos. Foram os alemães, no entanto, os primeiros a

inventar a arma química que hoje chamamos de agrotóxico. É interessante observar que os

maiores produtores de agrotóxicos no mundo são empresas multinacionais alemãs como a Bayer,

a Basf, a Hoeschst. Em segundo lugar está a francesa Rhodia, depois a americana Dow, Cynamid

e a Union Carbide6.

Os fertilizantes comerciais tornaram-se um grande negócio depois da Primeira Guerra Mundial. Logo no começo da guerra, o bloqueio Aliado cortou o acesso dos alemães ao salitre chileno, essencial para a produção de explosivos. O processo Haber-Bosch para a fixação de nitrogênio a partir do ar era conhecido, mas ainda não tinha sido explorado comercialmente. Quando a guerra acabou existiam enormes estoques e capacidade de produção, mas não havia mais um grande mercado de explosivos. A indústria, então, decidiu empurrar os fertilizantes nitrogenados para a agricultura. A Segunda Guerra Mundial deu um grande empurrão para uma pequena e quase insignificante indústria de pesticidas e, realmente, projetou-a para uma produção em grande escala (Lutzenberg, 2001:72)

2. Dos impactos e regulamentações Decorrente das muitas controvérsias surgidas ao longo do tempo com a utilização de

agrotóxicos e seus comprovados efeitos nocivos ao ambiente e às pessoas têm-se formulado

regulamentações para o ‘controle’ da fabricação, venda e utilização desses produtos.

Segundo normas internacionais, os agrotóxicos são classificados de várias formas: de

acordo com os organismos vivos que controlam, de acordo com sua concentração, seu modo de

agir, sua composição química, segundo a apresentação de suas formulações comerciais e segundo

6 A partir da década de 1960, as maiores empresas transnacionais fabricantes de agrotóxicos construíram fábricas em países do terceiro mundo procurando escapar de regulamentações cada vez mais rígidas em seus países de origem e na procura por empreendimentos de maiores lucros e menos custos operativos. Um dos piores desastres químicos aconteceu em dezembro de 1984, quando cerca de 40 toneladas de metil isocianato e outros gases letais vazaram de uma dessas fábricas de agrotóxicos, da Union Carbide Corporation, em Bhopal, na Índia. Segundo cifras de Greenpeace (2003), estima-se que entre 3,5 e 7,5 mil pessoas morreram em decorrência da exposição direta aos gases, mas o número exato ainda se desconhece. Os efeitos desse vazamento se estendem até hoje e, após o vazamento, a Union Carbide abandonou a área deixando no local um volume enorme de produtos venenosos. Desde então, cerca de 16 mil pessoas morreram e mais de meio milhão ficou ferida. Em 1999, a Union Carbide se fusionou com a Dow Chemicals, com sede nos Estados Unidos, criando-se a segunda maior empresa do mundo. A Dow Chemicals passou a ter responsabilidade legal pelos afetados no acidente de Bhopal, caso que ainda está sendo julgado na justiça norte-americana devido à empresa se recusar a pagar pelos danos causados.

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o uso a que se destinam. No entanto, é conveniente lembrar que, por definição, como seu nome

indica, todos os agrotóxicos são considerados substâncias tóxicas desenvolvidas para interferir

em mecanismos fisiológicos fundamentais dos insetos ou modificá-los, mas que também são

compartilhados por outros animais, incluindo o ser humano, e que em determinadas

circunstancias podem provocar-lhes a morte.

Os agrotóxicos de amplo espectro passaram a ser denominados biocidas, pelo seu poder

de matar indiscriminadamente, como no caso dos inseticidas, tanto os insetos cuja população tem

crescido, tornando-se pragas, como outros insetos benéficos, que podem servir de controladores

biológicos naturais a outras populações de insetos. O termo biocida aparece, em uma de suas

primeiras referências, no famoso livro Primavera Silenciosa escrito pela bióloga americana

Rachel Carson (1962), em que ressalta os riscos crescentes envolvidos na manutenção dos

padrões de uso dos agrotóxicos e a necessidade urgente de mudanças em busca de práticas

alternativas de menor impacto ao ambiente e à saúde humana. Em capítulos posteriores

aprofundaremos a questão do impacto desta publicação para a compreensão da linguagem dos

riscos e os agrotóxicos.

Desse modo, como apontam Bull & Hathaway (1986), considera-se que o uso continuado

de agrotóxicos perpetua o desequilíbrio ecológico de um agroecossistema. Seu uso crescente

pode provocar, também, ainda segundo esses autores, a resistência genética de insetos, de plantas

e de fungos, resultando no processo pelo qual essas espécies desenvolvem mecanismos

bioquímicos que permitem que a dose aplicada já não seja mortal, transmitindo essa resistência às

gerações posteriores.

Como comenta Alves Filho (2002), entre 1950 e 1989, cerca de 500 principais espécies de

insetos considerados pragas desenvolveram resistência genética a um ou mais inseticidas, e pelo

menos 20 espécies de insetos são agora aparentemente imunes a todos os inseticidas.

As regulamentações internacionais e nacionais incorporam uma série de classificações,

porém duas são mais significativas: a primeira, segundo os organismos que os agrotóxicos são

capazes de controlar, e a segunda, de acordo com a sua composição química.

Quanto aos organismos que controlam, subdividem-se em:

Inseticidas: quando controlam insetos.

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Fungicidas: quando controlam fungos. Herbicidas: quando controlam plantas ou arvenses. Acaricidas: quando controlam ácaros. Rodenticidas: quando controlam roedores.

De acordo com sua composição química, classificam-se em:

Inseticidas Herbicidas Fungicidas

Organoclorados Dinitrofenoles Compostos de cobre, enxofre.

Organofosforados Triazinas Fenoles

Carbamatos Ácidos Tricloroacéticos Outros

Piretroides Outros Outros

Fonte: FAO. Código Internacional de Conduta para a Distribuição e Utilização de Agrotóxicos. 2002

A Organização Mundial da Saúde (OMS)7 estabeleceu uma outra classificação, de acordo

com o grau de perigo do produto, que deve obrigatoriamente acompanhar a etiqueta das

embalagens de agrotóxicos. O grau de perigo é estabelecido com base na Dose Letal Média

(DL50)8, seja sólido ou líquido, do produto formulado pelos fabricantes, ou seja, a dose que mata

em média a metade da população exposta ao produto.

A diretriz sobre as etiquetas dos agrotóxicos, estabelecida pela FAO9, recomenda que elas

incluam frases de advertência que indiquem o grau de perigo, uma faixa de cor diferente para

cada um e símbolos ilustrados para cada categoria. Esses códigos têm-se tornado um tipo de

linguagem aceito por fabricantes de agrotóxicos, pesquisadores internacionais, órgãos

controladores nacionais e internacionais e os próprios vendedores dos produtos. Embora seu uso

não seja totalmente compreendido pelos agricultores, esses símbolos servem de referência para

7 Segundo critérios estabelecidos pela OMS na área de Saúde Ambiental (em inglês Environmental Health Criteria). Disponível em: http://www.inchem.org/pages/ehc.html. 8 A ação dos agrotóxicos sobre o meio ambiente, e conseqüentemente sobre a saúde pública, é dimensionada basicamente, pela sua Dose Letal Média (DL50), sua diluição, seu veículo, sua formulação (o risco é estabelecido na seguinte ordem: aerossol ou gás, pastilhas fumigantes, líquido, pó e grânulos – esta é a formulação menos perigosa), rapidez da ação tóxica no organismo, possibilidade de contar com o tratamento adequado, persistência, efeitos colaterais a fatores idiossincráticos e alergizantes (Pereira, 1997:121) 9 A FAO estabeleceu o Código Internacional de Conduta para a Distribuição e Utilização de Agrotóxicos, que é periodicamente revisto e serve de referência para as regulamentações e leis nos países. A última versão desse código é de novembro de 2002.

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orientar sobre o grau de perigo dos produtos que eles manipulam. Uma discussão mais detalhada

sobre este aspecto será abordada em capítulos posteriores.

Classificação estabelecida pela FAO

Fonte: FAO (2003)

Cabe advertir que esta classificação é limitada, pois só mede a toxicidade aguda, ou seja,

os efeitos em curto prazo, e não nos indica nada sobre seus efeitos crônicos. Um agrotóxico que

apareça com faixa verde, por exemplo, na categoria IV, como ‘aparentemente inócuo’, pode, no

entanto, ter potencial de causar efeitos crônicos graves. É por isso que não deve ser considerado,

segundo as normas internacionais, como sinônimo de pesticida ‘seguro’.

Com relação à questão da segurança, é conveniente comentar o trabalho de Garcia (2000),

que discute sobre a existência do que ele chama de um enfoque simplista:

[...] que baseia sua análise na idéia de que o risco no trabalho com agrotóxicos estaria associado basicamente ao manuseio e aplicação, e não à própria substância. No entanto, o risco associado a uma substância é uma função de dois fatores: suas propriedades tóxicas e as condições de exposição do homem a essas substâncias.

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Ou seja, o risco não é determinado apenas pela exposição a essa substância: a sua toxicidade também é de fundamental importância (p. 64-65).

A palavra ‘seguro’, utilizada de forma reiterada nas atividades informativas sobre manejo

de agrotóxicos, oferece uma sensação de segurança garantida, embora não exista um manejo

eficientemente seguro. O que existe é um manejo recomendado que tenta diminuir, embora não

consiga eliminar, os riscos associados à manipulação desses produtos.

Uma outra classificação dos agrotóxicos surgiu a partir do Programa das Nações Unidas

para o Meio Ambiente (Unep), decidindo-se, após mobilizações de grupos ambientalistas, e como

resultado da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada

no Rio de Janeiro em 1992, que os chamados POPs deveriam ser eliminados do meio ambiente.

‘Dúzia Suja’

Nome do composto químico Tipo de produto Aldrin10 Agrotóxico-inseticida Clordano Agrotóxico DDT Agrotóxico-inseticida Dieldrin Agrotóxico Endrin Agrotóxico Heptacloro Agrotóxico-inseticida Hexaclorobenceno (HCB)

Agrotóxico-inseticida

Mirex Agrotóxico utilizado como formicida Toxafeno Agrotóxico

Fonte: adaptado de Greenpeace (2001).

10 Em 1975, a Shell iniciou a construção de uma planta industrial para a fabricação de agrotóxicos, incluindo a produção de Endrin e Aldrin e o processamento de Dieldrin, três agrotóxicos organoclorados. A fábrica iniciou suas atividades no ano de 1977. A comercialização destes produtos foi interrompida no Brasil em 1985, através da portaria 329 de 2 de setembro de 1985 do Ministério da Agricultura, sendo ainda permitida a comercialização de iscas para formigas e cupinicida destinada a reflorestamentos elaborados à base de Aldrin. Entretanto a fabricação para exportação continuou até 1990. Em 1998, através da Portaria n.º 12 do Ministério da Saúde (do Brasil), estes produtos foram completamente proibidos. Em 1993, a Shell iniciou o processo de venda de suas unidades produtoras de agrotóxicos para a American Cyanamid Co. A Royal Dutch/Shell Group of Companies possui empresas operando em mais de cem países e emprega 135 mil pessoas. Uma das maiores companhias do mundo, a Shell possui um faturamento superior a US$ 100 bilhões anuais. A empresa carrega histórico de agressões ao homem e ao meio ambiente. A seguir estão relacionados mais alguns casos que retratam parte da conduta da empresa. Companhias como a Shell, Dow Chemicals, Velsicol, Hoechst e Diamond Shamrock exportaram dieldrin, endossulfan, heptaclor e hexacloreto de benzeno para o Paquistão desde a década de 1970. Disponível em: http://www.greenpeace.org.br/toxicos/pdf/relatorio_shell_gp1.doc (consulta realizada em 15 de março 2004)

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Nessa conferência, doze agrotóxicos foram incluídos numa lista chamada ‘Dúzia Suja’

(“Dirty Dozen”), na maior parte dos documentos das ONGs ambientalistas do mundo,

considerados altamente tóxicos. Todos os elementos da lista, difundida internacionalmente, são

organoclorados e a maioria é de agrotóxicos.

Segundo o Greenpeace (2001), a maior parte dos POPs pertencentes à ‘Dúzia Suja’,

identificados pela Unep, são produzidos pela indústria na forma de inseticidas, fungicidas,

agrotóxicos e subprodutos industriais, em sua maioria, proibidos em muitos países. Embora

alguns sejam usados em países em desenvolvimento, “sabe-se que, por exemplo, tanto a Índia

quanto a China fabricam, usam e exportam o DDT, um POP proibido desde os anos 60” (p.3).

Como podemos observar, o campo dos agrotóxicos é constituído por um discurso de

perigos e riscos não apenas para as pragas que pretendem controlar ou até eliminar, mas também

para o próprio ser humano.

Consumo Mundial de agrotóxicos −1983-1998 Taxa anual de crescimento (US$ milhões)

Região 1983 1993 1998 1983/

1993 1993/1998

América do Norte

3.991 7.377 8.980 6.3 4.0

América Latina 1.258 2.307 3.000 6.3 5.4 Oeste da Europa 5.847 7.173 9.000 2.1 4.6 Leste da Europa 2.898 2.571 3.190 -1.2 4.4 Afr/Or. Médio 942 1.258 1.610 2.9 5.1 Ásia/Oceania 5.571 6.814 8.370 3.0 4.4 Total 20.507 27.500 34.150 3.0 4.4

Fonte: Yudelman , 1998: 10. Fredonia Group, cited in Agrow 1995c

Existe uma magnitude de interesses em jogo no negócio dos pesticidas. Segundo

Yudelman (1998), os gastos mundiais nesse segmento passaram de US$ 20 bilhões a US$ 34,1

bilhões, entre 1983 e 1998. Durante esse mesmo período, foi na América Latina que mais

cresceram as vendas.

O consumo de agrotóxicos cresceu muito a partir dos anos 1950, apresentando um

aumento de mais de 10% ao ano até o começo da década de 1980. Como podemos observar no

quadro anterior, a partir de 1983, o crescimento anual teve em média um aumento de 3%,

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alcançando um aumento de 4.4% para 1998. Segundo Yudelman (1998), o crescimento no

consumo de agrotóxicos será maior por conta dos paises do chamado terceiro mundo. O mesmo

autor destaca que embora o uso de agrotóxico tenha tido um aumento muito rápido no mundo

todo, a partir dos anos de 1950, esse consumo não foi homogêneo. Atualmente, os agrotóxicos

são utilizados em um terço das terras cultiváveis do mundo. Mais de 50% do consumo mundial

de agrotóxicos acontece na América do Norte e na Europa Ocidental, a região com cerca de 25%

da produção agrícola mundial. Por outro lado, cerca de 20% do consumo global ocorrem por

responsabilidade dos países em desenvolvimento, onde se encontram 55% das terras cultiváveis

do planeta.

O padrão de consumo mundial tem se mantido mais ou menos igual nos últimos 15 anos,

com um incremento maior no consumo da América do Norte, de 15,4% em 1983 para 26,3% em

1998, como mostra o quadro acima. Yudelman (1998) já indicava que a Holanda e o Japão

incrementariam seus consumos por causa do tipo de agricultura intensiva que precisa de maior

quantidade de agrotóxicos por hectare. De acordo com o mesmo autor, a América Central

apresenta o maior consumo de agrotóxicos na região, principalmente a Costa Rica, que, com uma

agricultura intensiva num território restrito para o cultivo da terra, precisa de maior quantidade de

agrotóxicos por hectare, (7,7 quilogramas por hectare), embora o país tenha implementado

programas de controle no uso desses produtos. Segundo dados da FAO (1986–1996), El

Salvador e Honduras também apresentam um alto consumo de agrotóxicos (3.7 e 1.6 quilogramas

por hectare, respectivamente), sobretudo, em virtude da produção intensiva de frutas e vegetais

para exportação.

Dados recentes, proporcionados pela Pesticide Action Network Update (PANUPS,

2003)11, segundo cifras da Agrow World Crop Protection News de 2002, mostram certo declínio

nas vendas mundiais por agroquímicos. Em 2001, o mercado mundial encolheu 4,1%, embora o

declínio total tenha sido de 12% nos últimos cinco anos. Os herbicidas constituem a maior

parcela das vendas mundiais de agrotóxicos, representando 46,6% do total vendido.

11 PANUPS é um serviço semanal de notícias via e-mail que publica informações diversas sobre os agrotóxicos que não aparecem regularmente na grande mídia. A informação é produzida pela Pesticide Action Network Update na região da América do Norte, uma ONG sem fins lucrativos que trabalha pelo desenvolvimento de alternativas sustentáveis aos agrotóxicos em todo o mundo.

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Até aqui tentamos descrever, de maneira geral, qual é o campo-tema de estudo envolvido

na problemática do uso dos agrotóxicos. Apresentamos uma visão de conjunto do campo-tema de

estudo e a matriz no qual é constituído. Para isso, fizemos uma revisão do surgimento das

substâncias químicas destinadas ao combate das diferentes pragas e utilizadas principalmente na

agricultura moderna. Posteriormente, apontamos as várias definições construídas ao longo dos

últimos 50 anos de história dos agrotóxicos, como uma forma de evidenciar as diversas vozes e

os diversos contextos histórico-sociais que dão sentido ao uso desses produtos. Por último,

discutimos sobre os impactos ao ambiente e à saúde do uso dos agrotóxicos e as tentativas

internacionais de regulamentação e controle de sua fabricação, venda e utilização.

Apoiamo-nos em Peter Spink (2003) para compreender o campo-tema dos agrotóxicos

considerando-o não mais, e só, como um lugar específico, mas referido à processualidade de

temas situados. De acordo com o mesmo autor, a noção de campo-tema incorpora “as idéias de

Kurt Lewin (1952) sobre o campo como a totalidade de fatos psicológicos que não são reais em

si, mas são reais porque tem efeitos” (p. 1), partindo de uma abordagem que considera variadas

fontes e documentos na busca de “acompanhar eventos no tempo em vez de congelá-los como

numa fotografia instantânea”. Desta forma, o campo-tema dos agrotóxicos é visto como “a

situação atual de um assunto, a justaposição de sua materialidade e sociabilidade (LAW & MOL,

1995). Nesta ótica, “não é o campo que tem o assunto, mas – seguindo Bourdieu (ORTIZ, 1983) -

é o assunto que tem um campo” (Spink, P, 2003:1).

Por outro lado, a noção de campo-tema incorpora a preocupação crescente com a

intersubjetividade e com a discussão construcionista sobre linguagem e ação, que considera os

processos históricos e os lugares onde eles adquirem materialidade como produtos sociais e não

como realidades independentes. O foco deste estudo, portanto, é no uso posicionado da

linguagem dos riscos. No que diz respeito à linguagem nesse debate, embora não

desconsideremos que ela passa pela estruturação no e pelo indivíduo, nosso foco centra-se na

valorização da experiência como pano de fundo de sentidos compartilhados, desenfatizando um

ego-self individual e valorizando necessariamente a presença dos outros (Spink MJ, 2003:5).

Interessa-nos compreender os usos que são feitos da linguagem dos riscos, nas suas várias

modalidades discursivas, para a construção de formas de subjetividade e os efeitos de seu uso

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sistemático em contextos específicos de gestão dos riscos, como por exemplo, no campo da

prevenção de agravos à saúde no uso de agrotóxicos.

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CAPÍTULO II

Sobre os usos e sentidos do risco

Nesta parte do trabalho serão abordados, em primeiro lugar, os sentidos da palavra risco a

partir de uma breve descrição histórica do surgimento do termo, apoiando-nos, principalmente,

nos trabalhos desenvolvidos por Lupton (1999), Ayres (1997) e Spink, M.J. (2001) e as formas

de uso dos repertórios sobre risco. Em seguida, serão discutidas as diferentes posturas teóricas

que abordam a questão dos riscos.

1. Dos repertórios sobre risco

A palavra risco não teve sempre o mesmo sentido e nem sequer existia como termo para

se referir ao que hoje consideramos risco. As mudanças de sentido e uso têm influenciado as

diferentes aplicações em várias disciplinas científicas, como a epidemiologia e a economia.

Chama a nossa atenção uma afirmação de Ayres (1997), em seu livro Sobre o Risco:

para compreender a epidemiologia, que na epidemiologia moderna, risco parece ser um termo

que sempre existiu e sempre teve o mesmo significado. O autor comenta que risco, tão

fundamental para a epidemiologia moderna, não é um conceito sobre o qual tenha havido

qualquer tipo de questionamento: “... não há rigorosamente nenhum trabalho sistemático de

recuperação histórica desse processo impressionantemente rico e relevante que é a emergência do

conceito de risco...” (p. 291). Segundo essa afirmação, o conceito de risco pode ser considerado

exemplo da naturalização ocorrida na sua aplicação no campo da epidemiologia. O uso e o

sentido do conceito de risco, dentro da epidemiologia, o transformaram em uma categoria que

outorga identidade à disciplina como um todo.

Lhumann (1996) argumenta que as origens da palavra risco são desconhecidas, mas que

há alguns indícios da procedência árabe da palavra, encontrada em textos medievais europeus. No

entanto, é a partir da chegada da imprensa no século XVII, na Itália e na Espanha, que a palavra

começa a ser registrada.

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O risco, como palavra e conceito, não existia antes da era moderna. Os perigos, muitos

deles relacionados aos eventos da natureza, eram atribuídos a forças sobrenaturais, e a

responsabilidade por esses eventos ficava restrita aos deuses ou a entidades não-humanas

(Lupton, 1999:131).

A atribuição de ‘responsabilidade’12 pelos eventos perigosos é um dos elementos

distintivos da passagem para a modernidade, destacando-se que, assim como dito anteriormente,

as mudanças de sentido e uso do conceito de risco começaram no século XVII e se consolidaram

no século XVIII.

Um outro elemento importante nessa mudança foi o surgimento, durante o período do

Iluminismo, de uma proposta civilizadora que apregoava o progresso humano a partir da

produção de um conhecimento baseado na captação ‘objetiva da realidade’, tarefa própria da

ciência positivista. O cálculo e a medição tornaram-se fonte inesgotável de possibilidades para

descrever e prever eventos que anteriormente pareciam escapar do controle humano.

Luhmann (1996) argumenta, nesta mesma direção, que, “com a ampliação das pretensões

do saber, as velhas limitações cosmológicas, as essências e mistérios da natureza são substituídas

por novas distinções que caem na esfera do cálculo racional. É assim como se entende o risco até

hoje” (p. 135).

Assim, o conceito de risco tem tido sua maneira particular de uso, dependendo da língua e

do contexto histórico particular. Segundo Spink (2000):

Há uma incorporação gradativa de termos, passando de fatalidade a fortuna, [...] e incorporando paulatinamente os vocábulos hazard (século XII), perigo (século XIII), sorte

12 A reflexão sobre a abordagem da noção de responsabilidade na era moderna, com suas intensas mudanças tecnológicas, pode ser aprofundada a partir do trabalho de Zancanaro (1988) sobre a obra do filósofo alemão Hans Jonas, que migrou para a Inglaterra após a perseguição nazista na década de 30. O autor discute sobre as novas tarefas da ética no mundo moderno na busca de um novo conceito de responsabilidade adequado ao agir tecnológico. As inovações criadas pelos avanços científicos colocaram a ética em crise e obrigaram a filosofia a repensar a realidade sob novos princípios, dado que os anteriores se mostram insuficientes para reger as ações presentes. Várias questões são abordadas por Zancanaro: em que imperativos se sustentará a ação, diante do grande poder de transformação da moderna tecnologia? Qual o imperativo ético proposto por Hans Jonas? Em que bases se fundamenta? Qual a razão de se falar em ética da responsabilidade? Existe ética sem responsabilidade? Por que Jonas lhe dá tanta importância? O trabalho é uma reflexão sobre a ética dos limites, do cuidado, da renúncia, da prevenção, da antecipação dos riscos, ante a possibilidade de os efeitos tecnológicos conduzirem o planeta a conseqüências imprevisíveis. Trata-se de uma leitura das obras de Hans Jonas, em que o imperativo da responsabilidade na busca de uma ética da era tecnológica se propõe como algo fundamental para a compreensão dessas questões.

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e chance (século XV) e, no século XVI, risco. Após emergir como vocábulo na pré-modernidade, risco haveria de tornar-se um conceito fundamental na modernidade clássica. Entretanto, a possibilidade de efetivamente utilizar o conceito de risco como estratégia de governo envolve um longo processo de formalização (p 6).

A partir do século XIX, a noção de risco se amplia localizando as fontes de perigo

também no comportamento humano. De acordo com Lupton (1999), “... o conceito moderno de

risco representou uma nova forma de ver o mundo e suas manifestações caóticas, suas

contingências e incertezas” (p. 6).

A marca distintiva dessa nova visão do risco é o cálculo de eventos futuros utilizando para

isso ferramentas técnicas desenvolvidas para estabelecer as probabilidades de ocorrência de tais

eventos. Doravante, o dilema passa a ser: tornar o desconhecido em conhecido e a incerteza em

certeza calculada. A possibilidade do cálculo traz consigo conotações positivas e negativas. As

chances de ocorrência de eventos que podem propiciar perdas ou ganhos passam a ser aspecto

constitutivo da visão moderna de risco.

Durante o século XX, a palavra risco foi ganhando cada vez mais uma conotação de

perigo e dano, relacionando-se principalmente a resultados negativos ou não-desejados. No

entanto, Spink (2001) ressalta que, nesse movimento de usos e sentidos, novos repertórios

interpretativos sobre o risco estão surgindo, modificando a visão negativa do risco que tem

predominado até hoje. A autora afirma que;

(...) estamos vivendo formas variadas de destradicionalização do risco que se fazem visíveis não apenas na multiplicidade de novas modalidades de aventura, mas também no uso metafórico do risco-aventura para referir-se, sobretudo, à imponderabilidade e volatilidade dos riscos manufaturados (p. 2).

Outro aspecto interessante do debate sobre os usos e sentidos atribuídos ao risco é seu

emprego fora dos campos disciplinares, no cotidiano das pessoas. Misturam-se aí sentidos

diversos com predomínio de conotações negativas de ameaças, perigos ou danos, embora, como

já dissemos, novos sentidos vão se incorporando numa época na qual é valorizado arriscar-se em

esportes radicais, investimentos econômicos, relações amorosas cibernéticas e até na escolha de

morar em grandes cidades que, apesar dos altos índices de violência, oferecem mais

oportunidades de emprego e lazer.

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Assim temos, de acordo com Spink (2001:4), três dimensões presentes na compreensão da

formação histórica do risco: uma forma de se relacionar com o futuro, uma forma de conceituar o

risco e uma forma de gerir os riscos.

Quanto à relação com o futuro, a palavra risco teria surgido no período pré-moderno,

coincidindo com a origem dos Estados-nação, e é a partir desse momento que se faz necessário

um novo conceito para denotar a probabilidade de ocorrência de eventos futuros que poderiam

ser controlados. O desenvolvimento das técnicas de cálculo de probabilidades e do seu uso como

ciência do Estado, ainda segundo Spink (2001:5), contribuiu para a formalização necessária do

conceito de risco e o estabelecimento, na segunda metade do século XX, de um campo

denominado gestão dos riscos.

A gestão dos riscos apóia-se na análise dos riscos que considera tanto o cálculo desses

riscos para identificar efeitos adversos potenciais, como o estudo da percepção do público sobre

situações de risco. Entender como o público percebe o risco torna-se cada vez mais necessário

para orientar políticas variadas, como por exemplo, a regulação da indústria química mundial ou

a gestão dos riscos por meio de apólices de seguros, legislações nacionais ou internacionais. A

análise dos riscos tem se transformado em elemento fundamental das estratégias de governo da

modernidade.

2. A abordagem do risco: as várias tradições

O conceito de risco é fundamental para entender as sociedades num estágio avançado do

capitalismo industrial. Ele se tornou o elemento-chave nas formulações científicas e técnicas na

área econômica, ambiental, política, médica, etc., em que é visto como algo que pode ser

controlado, medido, ou gerenciado, estabelecendo-se indicadores de risco que subsidiam escolhas

individuais ou coletivas e que estabelecem padrões de deveres e direitos.

É por isso que, para entender a linguagem dos riscos, é fundamental partir da

compreensão das diferentes posturas teóricas que abordam essa questão, sublinhando que há

posturas contraditórias e outras, aparentemente complementares. De acordo com Lupton (1999),

o fenômeno do risco é abordado em duas perspectivas: uma abordagem que a autora chama de

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realista (ou de aproximação técnico-científica) e outra chamada de construcionista social (ou de

aspectos sociais e culturais do risco).

Já Spink, M.J. (2002), a partir de um enfoque da Psicologia Social Discursiva, nos fala de

“‘tradições’ distintas de discursos sobre o risco” (p. 143), ao se referir aos pontos de encontro e

distanciamento entre as várias abordagens. Segundo a autora, teríamos discursos sobre risco

formatados no âmbito da tradição do governo das populações, partindo da noção proposta por

Foucault (1979,1991). Na tradição quantitativa dos riscos, predominam abordagens que

coincidem com a classificação da perspectiva realista apresentada por Lupton.

Mas, Spink, MJ a amplia, no sentido de entender a tradição realista, quando incorpora

uma ‘subclassificação’ dentro dela. A primeira estaria constituída pelo discurso sobre os fatores

de risco, própria da ciência epidemiológica (e dos epidemiologistas) e preocupada com os

“fazeres humanos: as pessoas, seus movimentos no espaço, seu bem-estar físico e psíquico” (p.

144).

A segunda inclui as diversas formas por meio das quais a engenharia associa tecnologias e

riscos industriais e a terceira, os discursos ecologistas que têm como foco as relações entre o ser

humano e a natureza, com ênfase nos efeitos causados pela intervenção indiscriminada de

indivíduos e grupos nos ecossistemas, principalmente as indústrias poluidoras.

Foi especialmente a partir dos anos 60 que estes estudos técnicos e quantitativos de risco passaram a ser realizados dentro de várias disciplinas, como: toxicologia, epidemiologia, psicologias – behaviorista e cognitiva – e engenharias. Os métodos formulados por esta abordagem foram adotados como centrais para os procedimentos regulatórios realizados por agências dos Estados Unidos como a Environmental Protection Agency (EPA), a Food and Drug Administration (FDA) e a Occupational Safety and Health Organization (OOSHA), cujos critérios e standares servem como parâmetro para as políticas de outros países (Guivant, 1998:2).

Assim, para a tradição realista se poderia considerar o risco, de acordo com as seguintes

características:

• Ele é produto de um evento adverso com chances probabilísticas de ocorrência.

• Ele é preexistente e, portanto, passível de ser calculado, contando para isso com o

desenvolvimento e a utilização de diversas técnicas preditivas que permitem prever os

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possíveis danos. O conceito de risco aceitável é elemento-chave dentro dessa concepção,

estabelecendo uma relação entre riscos e benefícios.

Há várias implicações em considerar os riscos conforme essa perspectiva realista. Por um

lado, os riscos são tomados como ‘entidades externas’ sobre as quais o conhecimento técnico

possibilita uma aproximação objetiva. Passam a ser eventos possíveis, que podem ser previstos a

partir de séries estatísticas que projetam eventos passados para situações futuras.

Por outro lado, conhecer os riscos é trabalho de especialistas dentro de um sistema de

conhecimento perito, de acordo com o conceito de Giddens (1995), e a ação do conhecimento

perito sobre os indivíduos permite criar padrões de prevenção que levem à adoção de práticas

seguras. A educação em saúde, no seu sentido mais tradicional, adota abertamente essa postura,

enfatizando a necessidade de dar informação técnica como forma eficaz de promover práticas de

segurança seja no trabalho, seja na vida familiar ou nas relações sociais mais amplas.

Na tradição construcionista ou sociocultural (Lupton, 1999; Spink, 2002), que não está

isenta de variadas classificações, podemos identificar três grupos.

No primeiro grupo encontramos as abordagens focadas na percepção dos riscos, onde

importa o papel da subjetividade do indivíduo na estruturação dos limites entre o que deve ou não

ser entendido como situação de risco. Assim, o risco é considerado socialmente determinado a

partir dos papéis que as pessoas ocupam. Para Lupton (1999), Mary Douglas é a representante

mais conhecida deste grupo, com sua teoria cultural dos riscos desenvolvida de forma mais

acabada no livro Risk and Culture: An Essay on the Selection of Technical and Environmental

Danger (1982), “oferecendo uma visão dos riscos além do foco no indivíduo e das respostas

cognitivas e psicológicas perante os riscos, dando ênfase aos contextos sócio-culturais onde os

indivíduos fazem seus juízos sobre os riscos” (Lupton, 1999:3).

O segundo grupo engloba as tradições que buscam entender o que sustenta o sentido que

se dá ao risco, tendo como foco a função do risco num contexto determinado. Aqui encontramos

posturas macrossociais como a da sociedade de risco e da modernidade reflexiva, assumidas por

Beck (1996) e Giddens (1996). Saindo da análise no plano das percepções, ambos os autores

apontam para as especificidades dos riscos contemporâneos. Considerados de natureza distinta,

os riscos contemporâneos, de tipo ambiental e tecnológico, não produzem apenas efeitos

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colaterais; tornam-se elementos constitutivos desse tipo de sociedade. Assim, quem trabalha com

a linha de Beck tende a focalizar os riscos próprios da modernidade tardia e suas manifestações

socioestruturais.

O terceiro grupo, seguindo a tradição foucaultiana, focaliza a regulamentação e a

disciplinarização dos corpos e das populações pelos discursos sobre risco e como as concepções

sobre risco moldam comportamentos específicos de autocontrole, segundo padrões

preestabelecidos. Aqueles que seguem essa tradição trabalham com os mecanismos de

gerenciamento dos riscos.

A ação civilizatória neste meio-de-campo complicado entre a racionalidade do risco e a subjetividade dos que ‘correm riscos’ pauta-se nos processos de disciplinarização a que se refere Foucault. As estratégias de disciplinarização vêm se ampliando paulatinamente passando do foco nos corpos individuais (a disciplina do corpo através da ‘higiene’, que tem na educação seu principal apoio), ao foco no estilo de vida (Spink, M.J. 2002:145).

Resumindo teríamos, de um lado, as abordagens realistas e, de outro, as abordagens

construcionistas, nas quais encontramos o enfoque macro-social do risco de Beck e Guiddens

(que, no caso deste segundo autor, aponta para as conseqüências da modernidade tardia, numa

tentativa de entender o indivíduo); e, ainda, se apresentam os ‘herdeiros’ das propostas de

Foucault (1991) com as estratégias de governo (governamentalidade), entendidas como “o

conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que

permitem exercer estas formas bastante específicas e complexas de poder, que tem por alvo a

população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos

essenciais os dispositivos de segurança” (p. 277), e de seus mecanismos de gerenciamento dos

riscos.

Na vertente construcionista é importante a identificação de discursos que participam da

construção de noções e realidades e os sentidos atribuídos aos riscos. Trata-se de sentidos

situados, incorporando tanto referências ao macro-social, como também, a produção de sentidos

sobre os riscos no âmbito micro-social.

Dentro dessa tradição, o risco não é considerado como uma realidade objetiva ou uma

entidade acabada e passível de ser conhecida fora dos lugares onde o sentido é produzido. Como

aponta Lupton (1999), a perspectiva construcionista considera que o que mensuramos,

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identificamos e gerenciamos como risco é sempre uma construção coletiva e discursiva.

Decorrente disso, o risco não é um fenômeno estático e objetivo; ele é constantemente construído

e negociado numa rede de interações sociais e de formação de sentidos.

Assim, surgem algumas questões sobre a compreensão do risco como uma construção que

entram em conflito com as posturas realistas. Abre-se o debate para as materialidades (dos riscos)

e as situações consideradas de risco; a inexistência real (como fato) dos riscos na qual tudo

parece depender de como é considerado; o papel do debate público, a mídia e os especialistas, na

construção de uma retórica dos riscos e a rede de atores envolvida nesse processo e, por último, o

risco como mediador de perigos ‘reais’ que se tornam ameaças.

Essas questões são perpassadas por concepções epistemológicas e políticas que adquirem

contornos particulares à luz de problemáticas específicas. Tal é o caso do debate público dos

riscos associados aos agrotóxicos, entendidos como uma mescla de sentidos (e retóricas) e

materialidades.

A seguir, abordaremos duas perspectivas para serem analisadas. Elas nos permitem

aprofundar nas posturas que discutem mais abertamente a questão dos riscos e suas formas de

gerenciamento, num diálogo com a proposta foucaultiana.

2.1 A construção dos riscos e o enfoque macro-social

Ulrich Beck (2000), num capítulo do livro The risk society and beyond, critical issues for

social theory, introduz um debate instigante para entendermos o conceito de risco, retomando

algumas críticas feitas ao seu trabalho sobre a sociedade de risco. Escolhemos este trabalho do

autor por ser um de seus últimos escritos em que ele introduz elementos críticos à sua proposta

teórica. Suas reflexões podem nos subsidiar na compreensão da natureza construída dos riscos no

uso dos agrotóxicos, mormente quando o que está em pauta, na agenda pública, são os efeitos

visíveis de intoxicações em grandes parcelas da população trabalhadora do campo, seus efeitos à

saúde, em longo prazo, da população geral e a contaminação do ambiente e de produtos agrícolas

de consumo humano. Nesse debate, resgatam-se três aspectos da reflexão feita por Beck sobre a

natureza construída dos riscos a partir de um enfoque macro.

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Beck considera o conceito de risco como um estado intermediário entre segurança e

destruição, cujo sentido atribuído às ameaças determina a forma de entendê-lo e as ações

empreendidas para controlá-lo: “... é a percepção e definição culturais que constituem os riscos.

O risco e a definição (pública) do risco são a mesma coisa” (p. 213).

Segundo essa definição, o que é expresso como risco constitui-se no marco de referência

pública, tornando-se um tipo de realidade virtual ou, mais especificamente, uma virtualidade

real. Essa nomeação chama a atenção para o fato de o risco tornar-se real a partir de um processo

de construção, de sua materialização. Nesse sentido, a gestão pública dos riscos, na medida em

que eles têm algum tipo de efeito sobre as populações, pode ser considerada parte desse processo

de materialização.

Além disso, a difusão pública de um certo tipo de conhecimento autorizado que estabelece

a relação entre um determinado fenômeno e o risco, também faz parte da materialização desse

risco. Ambos os elementos poderiam sustentar a necessidade de maiores cálculos dos riscos (do

ponto de vista realista), mas, por outro lado, serve de base para afirmar que é só pelo

conhecimento e o controle que podemos dizer que o risco existe.

Segundo Beck, o que caracteriza o conceito de risco (no contexto da sociedade de risco e

das incertezas manufaturadas) é precisamente a possibilidade de sintetizar conhecimento e

imperceptibilidade (unawareness). Essa imperceptibilidade é considerada aqui como uma

incapacidade simultânea de prever conseqüências, produzir conhecimentos sobre algo e, ao

mesmo tempo, conhecer o futuro, gerando uma complexidade das formas e possibilidades de

cálculo e governo. O controle e a falta de controle são manifestações das incertezas

manufaturadas.

Seguindo esta linha de argumento, haveria duas estratégias fundamentais para lidar com

as incertezas. A primeira seria que, perante a impossibilidade de conhecimento das incertezas,

não há outro caminho senão negar a existência dos riscos. A segunda nos levaria ao fato de que,

ao assumir a defesa da possibilidade de obter o conhecimento que permite calcular e proteger

contra os riscos, uma ampla variedade de fenômenos se tornasse risco e o temor coletivo

invadisse a estrutura social. Mas, como aponta Beck, “os riscos sugerem apenas o que não

deveria ser feito; não o que deve ser feito” (p. 218).

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O terceiro e último elemento que trazemos para nossa discussão é que os riscos são

“híbridos fabricados pelo homem”, em sentido amplo13, integrando políticas, ética, matemática,

mídia, tecnologias e definições culturais. O risco não seria apenas uma noção central para uma

variedade de disciplinas e sim a forma como uma sociedade híbrida, a sociedade reflexiva, se

olha, se descreve, se avalia e critica a si própria.

2.2 Da linguagem dos riscos e os micro-lugares

Os riscos ao ambiente, e à saúde, associados aos agrotóxicos, têm se tornado matéria

obrigatória de pesquisas na área médica, das declarações de grupos ambientalistas diversos e dos

posicionamentos da própria indústria química, que proclama os avanços obtidos pelo uso de

agroquímicos no desenvolvimento de uma atividade agrícola moderna e de altos rendimentos.

A poluição do ar, do solo e da água pela disseminação de agrotóxicos e as intoxicações

(envenenamentos) dos (as) trabalhadores (as) agrícolas, além da contaminação dos alimentos,

denunciam determinados efeitos e conformam uma matriz de materialidades. Essa matriz se

constitui a partir de uma determinada pirâmide de interesses, numa rede de interações que dão ao

risco sua materialidade ou, como afirma Beck, sua virtualidade real. Trata-se, por exemplo, de

insumos agrícolas como os agrotóxicos que viajam de lugares remotos do planeta para produzir

alimentos numa região e serem consumidos no mundo inteiro, independentemente das distâncias

e das mudanças climáticas.

A fala de Rosenthal (1997), representante da Red de Acción en Plaguicidas para América

Latina (RAP-AL)14, traz um exemplo claro a esse respeito ao comentar o caráter globalizado da

agricultura mundial e o uso de agrotóxicos;

13 A definição em inglês: “risks are man-made hybrids. They include and combine politics, ethics, mathematics, mass media, technologies, cultural definitions and perceptions; and most important of all, you cannot separate these aspects and ‘realities’, if you want to understand the cultural and political dynamics of the world risk society. Hence, ‘risk’ is not only a notion which is used in a central matter by very different disciplines, it is also the way the ‘hybrid society’ watches, describes, values and criticizes its own hybridity” (p. 221). 14 ONG lationamericana que faz parte da Pesticide Action Network (PAN), uma rede de mais de 600 ONGs, instituições e colaboradores de mais de 90 países dedicados a promover a substituição de agrotóxicos por alternativas ecologicamente sustentáveis. Seus programas e campanhas são coordenados por cinco centros regionais autônomos: América do Norte, América Latina, Europa, Ásia e o Pacífico e África.

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Uma amostra da globalização da agricultura é que agora se podem comprar uvas chilenas durante o inverno em Nova York e bananas do Equador em Moscou, para iso cada um desses produtos tem viajado, aproximadamente, a metade do planeta. De igual maneira, os insumos agrícolas (praguicidas e fertilizantes) também têm percorrido uma grande parte do planeta para serem usados pelos produtores dos países em desenvolvimento. Geralmente os ingredientes técnicos se produzem nos países industrializados; estes são enviados a outros países, com maior freqüência para o sul, para serem formulados e depois atravessarem outras fronteiras antes de chegar nos campos de cultivos e florestas onde são aplicados (Rosenthal, 1997: V).

Todo esse panorama de controvérsias e confrontos cria, do ponto de vista analítico, uma

matriz densa em que pessoas, instituições, pesquisas, regulamentações e os próprios agrotóxicos

interagem em determinados lugares. Assim, teríamos de um lado essa natureza global dos riscos e

suas manifestações numa sociedade na qual os riscos constituem e são constituídos e de outro

lado, esta sociedade globalizada se faz presente em microlugares em que os riscos adquirem

sentidos específicos.

As tensões que se fazem presentes ao adotar focos de análise dos riscos do ponto de vista

do macro ou microprocessos nos colocam desafios teóricos e metodológicos importantes. Nesse

sentido, Dean (1999) oferece uma outra possibilidade de se pensar os riscos vistos, não apenas

dentro de um esquema geral de narrativas de fases da modernidade (dentro da proposta do Beck)

e das condições ontológicas atuais da humanidade, mas ainda como um componente de práticas,

técnicas e racionalidades preocupadas com as formas de governo do risco (dentro da proposta

mais foucaultiana). O autor amplia a noção de formas de governo dos riscos que nos parece útil

para melhor entendermos como as situações de risco, envolvendo os agrotóxicos, foram se

transformando em objetos de cálculo e governo ao longo do tempo.

A primeira questão é a que o autor denomina ‘regimes de governo’ (regimes of

government), nos quais o risco está imbricado e determinados programas políticos desdobram

suas tecnologias de cálculo.

O que é importante sobre o risco não é o risco em si, mas as formas de conhecimento que o fazem pensável a partir da estatística, da sociologia e da epidemiologia, assim como administração e contabilidade, das técnicas que o descobrem a partir do cálculo de

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probabilidades e das entrevistas, das tecnologias sociais que buscam governá-lo através das avaliações de riscos, dos estudos de casos e do seguro social (Dean, 1999: 131).

Uma segunda questão, derivada da anterior, é entender com que estratégia de governo é

possível tornar calculável o incalculável e as diferentes maneiras de se fazer isto. O autor propõe

que o enfoque da sociedade de risco, nas teorizações de Beck, precisa da análise sobre as formas

específicas de práticas, tecnologias e racionalidades por meio das quais o risco é construído como

uma ‘entidade de governo’. Mas, refletindo também sobre as práticas específicas e racionalidades

do risco e a possibilidade de compreensão do processo de transformação de práticas de governo

contemporâneas. Para resolver essa aparente contradição, Dean (1999) introduz o conceito de

governo reflexivo (em inglês reflexive government ou governamentalidade do governo), para se

referir à “mudança da problemática liberal de segurança; de uma segurança dos processos

econômicos e sociais para a segurança dos mecanismos de governo” (p. 134).

Pensamos que esta proposta pode contribuir para enriquecer nossa análise dos processos

de governo no controle de uso dos agrotóxicos, já que os governos de alguns dos países estão

renunciando a seu papel de reguladores dentro dos blocos de comércio regionais que apresentam

uma grande influência das companhias transnacionais, propondo mecanismos de

‘harmonização’15 e falhando na fiscalização das leis nacionais vigentes.

As regulamentações dos agrotóxicos na América Latina são baseadas nos processos de

registro das substâncias tóxicas, junto a outros instrumentos legais. Mas, os esforços de

regulamentação internacionais têm se concentrado no intercâmbio de informação e deixado de

estabelecer proibições internacionais sobre produção e venda de agrotóxicos altamente tóxicos,

que têm sido eliminados nos países industrializados do Norte. Essas formas de controle acabam

beneficiando os países produtores de agroquímicos e deixam os países pobres desprotegidos e

com poucos recursos para prevenir os danos causados pelo uso desses produtos.

Nesse sentido, o foco de nosso trabalho se alinha à proposta de Spink, M.J. (2002) sobre

linguagem dos riscos: uma abordagem muito peculiar de análise discursiva que “busca trabalhar

numa interface entre a compreensão dos microprocessos de produção de sentidos dos riscos no

aqui-e-o-agora das interações sociais, privilegiando as interações dialógicas que nos permitam 15 Segundo Rosenthal (1997), a ‘harmonização’ regional aponta para a construção de regulamentações-padrão nos diferentes países que fazem parte de um bloco comercial específico. Pode-se referir, também, ao grau de controle econômico estabelecido por meio de impostos e políticas aduaneiras, entre outras medidas.

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uma análise orientada à circulação de repertórios lingüísticos como estratégias de

governamentalidade” (p. 3).

Trata-se, neste trabalho, de prestar atenção aos usos da linguagem dos riscos no uso de

agrotóxicos: onde se fala sobre agrotóxicos, como se fala dos agrotóxicos, para que se fala e para

quem se fala, dando ênfase à prática de gerenciamento dos riscos. Entendemos que os riscos não

existem apenas como fenômenos observáveis, mas que há sentidos a eles atribuídos e que esses

sentidos trazem formas específicas de cálculo que envolvem tecnologias políticas e morais que

lhes dão visibilidade.

Voltando ao enfoque da linguagem dos riscos, esse se orienta à compreensão dos sentidos

dos riscos na vida cotidiana que, a partir de uma postura da Psicologia Social Discursiva de

cunho construcionista, considera as formas de falar sobre os riscos em lugares específicos na vida

cotidiana.

Para Spink. M.J. (2001), “os discursos sobre risco definem territórios lingüísticos que, por

sua vez, demarcam campos de gestão” (p. 3), desenvolvendo-se formas específicas de falar sobre

os riscos, que, segundo a autora, estão presas a três tradições de discursos sobre riscos ou gêneros

de fala: o governo das populações, a disciplinarização da vida privada e a aventura (esta última

não abordada neste trabalho).

Segundo essa compreensão, a linguagem dos riscos é entendida como uma linguagem

social, caracterizada pelo uso formalizado de repertórios lingüísticos que se encadeiam em

gêneros de fala específicos de uma dada área de conhecimento. De acordo com Spink, M.J.

(2000:1-2), os repertórios lingüísticos que circulam para falar sobre o risco se integram em uma

linguagem social e são expressos nos diferentes campos em que se fala sobre risco por meio de

gêneros de fala que lhes são específicos.

Essas noções se fundamentam na compreensão dada por Bakhtin (1986) à relação

dialética entre discurso institucionalizado e práticas discursivas que se dão de maneira dialógica

no cotidiano. Compreender a linguagem como discurso, segundo o autor, é caracterizá-la pelo

uso formalizado de conceitos, de repertórios lingüísticos, no âmbito de domínios de saber

específicos, encadeados em gêneros de fala próprios de uma área de conhecimento;

Considerar repertórios lingüísticos implica pesquisar o contexto de formulação de conceitos e origens de termos centrais ou prototípicos, buscando entender possíveis

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reformulações – suas continuidades e descontinuidades – produzidas nos diferentes contextos de uso. Não se trata de fazer pesquisas históricas, mas fazer uso de histórias contadas por outras pessoas (Menegon, 2003:39).

Uma linguagem social é constituída por discursos peculiares a estratos específicos da

sociedade, como por exemplo, grupos de profissionais, em lugares específicos e em determinados

momentos históricos. Os gêneros16 de fala, por sua vez, são tipos relativamente estáveis de

enunciados elaborados por diferentes esferas de utilização de língua, como por exemplo, o

diálogo cotidiano, a conversa, as declarações públicas, a exposição científica, os modos literários.

Nas práticas discursivas, por seu caráter fluido e dialógico, nos quais os interlocutores

assumem diversos posicionamentos, as linguagens sociais disponíveis se articulam de forma

criativa e o uso de termos e conceitos acontece nos diferentes processos de comunicação em que

as pessoas se engajam, sejam por meio da escrita ou da fala oral. Para Bakhtin, autor em quem

nos apoiamos, a linguagem é uma prática social, preocupada, portanto, com a ‘linguagem

‘praticada’, “com a linguagem realizada e que ganha contornos nessa realização, dependendo da

situação mais imediata e da mais geral em que ocorre; com a linguagem que tem um autor, que se

dirige a alguém, que é suscitada por algo, que tem uma finalidade, que ocorre numa situação

social concreta” (Mazilli, 2000:39).

Adotar o enfoque da linguagem dos riscos na abordagem que está sendo desenvolvida no

núcleo de Práticas Discursivas e Produção de Sentidos da PUC-SP, é uma tentativa de considerar

tanto os aspectos institucionalizados (ou mais permanentes) das noções sobre risco (fazendo parte

de formas específicas de discurso, ou tradições discursivas, sobre os riscos e dentro de disciplinas

ou campos de saber), quanto os sentidos atribuídos aos riscos (nas práticas discursivas) no

cotidiano das pessoas e em lugares específicos.

Entendemos a linguagem dos riscos como uma linguagem social formatada na

modernidade com determinados repertórios que circulam socialmente, mas ao mesmo tempo, ela

apresenta especificidades em campos de saber, como o ambiente e a saúde e seus saberes

médicos particulares - na área do trabalho, epidemiologia, toxicologia. De igual modo, a

16 “Há gêneros primários, simples, orais, considerados universais, como por exemplo, o diálogo cotidiano; e gêneros secundários, complexos, específicos de determinada época e cultura, como por exemplo, o romance, o teatro, o discurso científico” (Mazilli, 2000:47).

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linguagem dos riscos adquire contornos particulares nas práticas discursivas de pessoas em

lugares específicos, podendo reproduzir esses repertórios e também criar novas formas de se

referir aos riscos.

Como afirma Fairclough (2001), as práticas discursivas são constitutivas tanto de maneira

convencional como criativa; contribuem não só para reproduzir a sociedade, mas também para

transformá-la. As pessoas são sempre confrontadas com as “instituições reais (em um conjunto

limitado de formas variantes) com práticas concretas, relações e identidades existentes que foram

elas próprias constituídas no discurso, mas reificadas em instituições e práticas” (p. 93), porém,

essas instituições e práticas estão abertas a transformações, pois a constituição discursiva da

sociedade não acontece no vazio, ou apenas na cabeça das pessoas, e sim como uma prática

social que “está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais concretas, orientando-se

para elas” (p. 93).

3. A materialização do risco na saúde: a questão da segurança e os agrotóxicos

A questão da segurança no uso dos agrotóxicos se insere como uma possibilidade de

controle dos riscos decorrentes de seu uso, num sentido amplo, considerando desde a fabricação

até a disposição final dos resíduos. Assim, a utopia da segurança é uma mistura de repertórios

provenientes da epidemiologia clássica, da medicina do trabalho e da saúde ocupacional e, mais

amplamente, da interfase dos discursos ambientalistas e das políticas públicas encontrados, por

exemplo, em documentos como o da Agenda 21. Esses repertórios orientam as práticas e ações

em relação aos agrotóxicos, como veremos a seguir.

3.1 Risco, segurança e agrotóxicos na epidemiologia, a medicina do trabalho e a saúde ocupacional.

Nos últimos cem anos tem acontecido um processo de substituição da noção de perigo,

com seu foco nas estratégias médicas de prevenção, pela noção de risco. Como argumenta Castell

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(1991), á medida que a noção de risco se faz autônoma da noção de perigo, inicia-se um

movimento de mudança no papel do profissional de saúde: do praticante passa-se para o

administrador/gerente de saúde. Neste contexto, o risco não surge da presença de um perigo

objetivo, num grupo ou indivíduo concreto, porém é a conseqüência da combinação de fatores

abstratos que fazem mais ou menos provável a ocorrência de formas de comportamento

indesejáveis (Castell, 1991: 287).

Essa mudança tem desencadeado políticas sanitárias adaptadas às novas realidades de

governo das sociedades pós-indústrias baseadas na noção de fatores de risco, no cálculo da

probabilidade de ocorrência e de situações de risco para pessoas ou grupos. Essa política de

prevenção, de acordo com Castell (1991), promove um novo modelo de vigilância chamado de

‘detecção sistemática’.

No campo dos agrotóxicos, considera-se que o ‘mau uso’ ou o ‘uso inseguro’ dos

agrotóxicos é, de modo geral, a principal causa atribuída aos riscos envolvidos no seu uso. Esse

argumento se repete constantemente nos documentos distribuídos pela indústria fabricante desses

produtos, nos programas de prevenção de intoxicações por agrotóxicos, nos folhetos

disponibilizados pelas lojas que vendem os agrotóxicos, etc. Esta concepção tem influenciado

fortemente as formas de controle e gerenciamento dos riscos neste campo, dando realce ao

desenvolvimento da ‘auto-responsabilidade’ do trabalhador no uso correto dos produtos.

Desse modo, a palavra ‘uso inadequado’ dos agrotóxicos é uma constante que justifica o

incremento de programas informativos e de treinamento para garantir o ‘uso seguro’. Essa visão é

compartilhada pela segurança do trabalho, na sua versão mais restrita, que contrapõe o

aprimoramento dos ‘cuidados’ como fator primordial no controle dos riscos no trabalho com

substâncias químicas diversas, incluídos os agrotóxicos.

Garcia (2001), ao comentar sobre a presença de um enfoque restrito na segurança do

trabalho, caracteriza-o da seguinte forma;

Trabalhos científicos publicados ou apresentados em congressos técnicos, com o objetivo de investigar aspectos relacionados aos riscos de exposição aos agrotóxicos, avaliam as possíveis causas dos problemas de saúde e das exposições excessivas quase sempre analisando apenas os aspectos estritamente relacionados ao uso de equipamentos de proteção individual, hábitos de higiene e imperícia ou negligência do aplicador, o que está correto, do ponto de vista de quem pretende avaliar apenas as causas e conseqüências diretas da exposição. Mas as conclusões, freqüentemente, extrapolam a análise sobre a

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influência do mau uso na exposição dos aplicadores e, sem haver estudado o assunto no trabalho relatado, acabam sugerindo que o problema é de “educação” e que o aplicador precisava ser treinado (p. 55).

O ‘uso seguro’ dos agrotóxicos tem se tornado, assim, uma estratégia fundamental das

políticas da indústria de agrotóxicos, sendo difundida mundialmente por meio das diversas

associações de fabricantes. Ao mesmo tempo, os discursos veiculados nas diretrizes emanadas

dos programas informativos dessas associações, permeiam outros discursos institucionais, como

o discurso da saúde do trabalho e da área da medicina toxicológica. Nesse sentido, a Gifap,

Associação Internacional de Fabricantes de Agrotóxicos, já estabeleceu programas de segurança

no uso de agrotóxicos no mundo todo, inclusive na Venezuela e em outros países da América

Latina, como mostraremos posteriormente.

A relação entre risco, segurança e uso seguro está sustentada em alguns pressupostos. Um

primeiro pressuposto seria o de que existe um risco no uso dos agrotóxicos, associado à aplicação

dos produtos, camuflando, por vezes, o fato de que o agrotóxico, como materialidade, possa

causar qualquer efeito, dano, ou representar algum perigo. No entanto, há tensões que se derivam

dessa concepção, como pode ser visto tanto na epidemiologia como no campo da saúde

ocupacional tradicional.

Segundo um dos princípios da epidemiologia, o risco estaria associado tanto à substância

como ao grau de exposição da pessoa a ela. A partir dessa visão, os danos do agrotóxico são

decorrentes de sua toxicidade, pondo em dúvida a possibilidade de uso seguro.

O conceito de risco na tradição da epidemiologia clássica é adotado também pela área da

saúde ocupacional, embora alguns autores desta área o considerem um ‘conceito confuso’ ou um

‘conceito polivalente’.

Para Betancourt (1999), na saúde ocupacional, quando se fala em riscos físicos, químicos,

biológicos, ergonômicos e psicossociais, o risco é sinônimo de ‘agente’. Em tal caso, o risco não

é uma probabilidade, “é uma concreta condição perigosa que existe no lugar de trabalho. Desde

esta posição, e emoldurado na simples e mecânica relação causa-efeito, o risco do trabalho se

torna uma causa” (p. 50).

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Além disso, ao se referir aos riscos no trabalho, definem-se, também, problemas de saúde

que surgem de ‘condições perigosas’. É freqüente ouvir que os riscos no trabalho decorrem dos

acidentes e das doenças do trabalho, como por exemplo, as intoxicações por agrotóxicos,

transformando-se assim em efeito. Temos assim que o risco é entendido, de maneira simultânea,

como causa potencial, como fato ou realidade causal, como efeito potencial e, também, como um

efeito objetivo. Esses diferentes sentidos estruturam-se como repertórios que circulam nos

diferentes discursos sobre o campo dos agrotóxicos, principalmente, tratando-se de aspectos

vinculados aos efeitos à saúde.

Quanto ao risco e segurança no caso de substâncias químicas, Fernícola & Jaug (apud

Garcia 2001:64) definem, “risco como a probabilidade de que uma substância produza um dano

em condições específicas de uso. Por sua vez, segurança é a probabilidade de que não se produza

um dano pelo uso de uma substância em condições específicas”. As ‘condições específicas de

uso’ determinam a exposição, mas a noção de ‘dano’ está relacionada à toxicidade da substância,

que é definida, por sua vez, como a ‘condição inerente da substância química’ de produzir um

efeito nocivo sobre os seres vivos.

Assim, especificar o nível de segurança aceitável ou tolerável dos agrotóxicos em uso

torna-se um elemento fundamental de controle. Como foi discutido anteriormente, o cálculo é um

dos componentes-chave do conceito de risco e uma característica fundamental na formalização

dos critérios de segurança. Analisando o conceito de segurança com relação às substâncias

químicas, discute-se o fato de que certos riscos são mensuráveis, mas que as limitações da ciência

tornam impossível conhecer de forma exata as condições que tornariam o risco nulo. O cálculo

faria essa tarefa de estabelecer os umbrais de segurança, mas como tornar calculável o risco?

Que estratégias seriam utilizadas para se fazer isto?

A primeira tentativa para instituir uma estratégia de cálculo e, talvez, a mais aceita e

difundida pelos órgãos internacionais de controle como a OMS, é o cálculo do nível de

toxicidade, embora seja ao mesmo tempo o mais problemático, por se tratar de uma medida

‘grosseira’ da relação entre dose e efeito. Perante a impossibilidade de se estabelecerem

claramente padrões de segurança que permitam relacionar dose de exposição e efeito causado e, a

partir disso, falar de graus de risco, como seria esperado, conforme os pressupostos

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epidemiológicos, a ação dos agrotóxicos sobre o meio ambiente e, conseqüentemente, sobre a

saúde pública é dimensionada, basicamente, pela Dose Letal Média (DL50) do produto;

São estudados os efeitos de algumas substancias químicas em animais e os resultados se extrapolam aos seres humanos. Em base a estas investigações se obtém um indicador de referência que se denomina Dose letal 50 que é a quantidade de tóxico capaz de matar 50% dos animais de experimentação, em um período determinado. A dose letal 50 serve, especialmente, como elemento de referência para definir a toxicidade aguda das substâncias (Betancourt, 1999:73).

Uma outra tentativa de controle é estabelecida com base nos princípios de segurança e

higiene do trabalho que consideram que “as ações de controle de riscos não devem ser

prioritariamente exercidas sobre os sujeitos expostos a esses riscos, mas sim sobre o ambiente e

as condições de trabalho, incluindo, quando necessário, a intervenção sobre o próprio processo de

produção” (Garcia, 2001:69).

Certas medidas são definidas para manter sob controle a exposição do (a) trabalhador (a).

Medidas aparentemente qualitativas se transformam em medidas de cálculo a partir de três

estratégias básicas: implantação de sistemas de controle dos ambientes de trabalho (identificação

e quantificação de ‘agentes danosos’ à saúde, controle dos equipamentos e máquinas), medidas

de controle do processo de trabalho (padrões de tarefas associadas a fontes de contaminação) e

medidas de ‘proteção’ individual no trabalho (equipamentos de proteção individual − EPI).

No caso do uso de agrotóxicos, os critérios de controle tornam-se inviáveis à medida que

o próprio processo de trabalho dificulta sua implementação. O controle estabelecido é

principalmente dirigido ao trabalhador e à proteção individual. Em vista disso é que o discurso

que justifica o uso seguro está colocado quase exclusivamente sobre os equipamentos individuais

de proteção.

Outras formas de controle, como a diminuição das emissões dos poluentes e as

modificações do processo produtivo como, por exemplo, à substituição dos agrotóxicos voltado a

desenvolver um sistema agroecológico, parecem impensáveis em um modelo produtivo poluidor

por natureza.

Como argumenta Garcia (2001), ao discutir sobre as particularidades da segurança do

trabalho na agricultura, ela “é provavelmente a única atividade produtiva em que a contaminação

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do ambiente de trabalho é intencional, e, mais, do que isso, é o próprio objetivo da atividade”. O

autor vai além e questiona, “como proceder quando a contaminação é a finalidade da atividade?”

(p. 70).

Como podemos observar, existem múltiplas tensões vinculadas à definição de risco dentro

da epidemiologia clássica e sua aplicação na área da saúde ocupacional ou do trabalho. Há

contracorrentes que questionam o uso do modelo de fatores de risco e também a aplicação do

conceito sem incluir aspectos intrínsecos aos processos de trabalho (os chamados ‘processos

perigosos’). Além do mais, dependendo do uso de determinados referenciais, o conceito de risco

assume sentidos específicos. No caso do campo dos agrotóxicos, encontramos elementos do

modelo de fatores de risco misturados aos que migraram para a área da saúde ocupacional,

ampliando-a para além da epidemiologia clássica. Por exemplo, as propostas de integração

médico-sanitária que se iniciaram a partir da metade do século XX renderam seus frutos, servindo

de base para a estruturação da medicina do trabalho, chamada de saúde ocupacional pelas

correntes mais progressistas, na América Latina.

Temos assim repertórios próprios da epidemiologia do risco, segundo definição de Ayres

(1997), que estabelecem “chances probabilísticas de susceptibilidade, atribuíveis a um indivíduo

qualquer de grupos populacionais particularizados, delimitados em função da exposibilidade a

agentes (agressores ou protetores) de interesse técnico ou científico” (p. 294). E, ao mesmo

tempo, novas tendências da saúde ocupacional, surgidas no movimento sindical italiano nos anos

de 1970 com a proposta do modelo operário e adaptadas na América Latina na década de 1980,

que têm introduzido propostas para reinterpretar a questão dos riscos ocupacionais não-

circunscritas apenas à detecção da presença ou ausência dos riscos e de ‘agentes causadores do

risco’. Busca-se transcender, de acordo com Betancourt (1995), a posição reducionista que

concentra tudo em uma relação de causa-efeito, focalizando os processos de trabalho que

estabelecem as condições para o surgimento de determinadas condições de risco ocupacional.

Uma delas é a desenvolvida por Laurel e Noriega (1989) da Escola de Saúde Ocupacional

da Universidade Autônoma Metropolitana de México, Unidade Xochimilco, que propõe

estabelecer uma diferenciação entre riscos e exigências. O risco estaria circunscrito aos objetos e

meios de trabalho, que na definição clássica de risco estaria referido aos riscos físicos, químicos e

mecânicos, passando a incluir as exigências que se derivam da organização e divisão do trabalho

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e da atividade do trabalhador, ampliando a compreensão para as relações no trabalho. Fala-se em

nocividade do trabalho, estudando os riscos e as exigências no trabalho a partir da discussão

desses aspectos com os próprios trabalhadores que elaboram o chamado ‘mapa de riscos’17 que se

tornaria a marca registrada das propostas mais críticas no campo da saúde do trabalhador. Porém,

o risco continua sendo um ‘agente’, tal como na postura tradicional.

Outra proposta introduzida pela escola de saúde ocupacional do Equador, no Centro de

Estudios y Asesorias en Salud (CEAS), propõe a noção de processos perigosos para a saúde no

trabalho, fazendo referência a toda situação que possa comprometer a saúde do trabalhador. Tal

como argumenta Betancourt (1999), um dos integrantes da equipe do CEAS, introduzir a noção

de processos perigosos, em contraposição ao conceito de ‘riscos do trabalho’, possibilita chamar

a atenção para o fato de que o trabalho não se dá no vazio, mas é dinâmico e depende das

características dos elementos que fazem parte do processo de trabalho que, por sua vez, muda de

acordo com as suas particularidades. As interações de vários processos perigosos no trabalho e

num local específico definem, segundo este enfoque, maneiras particulares de adoecer e morrer.

3.2 Segurança química: a Agenda 21

O termo ‘segurança química’, utilizado na Agenda 2118, se agrega à nossa discussão sobre

as possibilidades de controle dos riscos envolvendo o uso de agrotóxicos. A Agenda 21 apresenta

determinados repertórios sobre risco dentro da tradição discursiva do governo das populações:

17 O mapa dos riscos tem sido uma ferramenta de análise das condições de trabalho muito útil para movimentos mais críticos dessa área. Ele se disseminou por todo o mundo, chegando ao Brasil na década de 1980. Existem duas versões de sua divulgação: a primeira atribui às áreas acadêmicas e sindicais, através do DIESAT (Departamento Intersindical de Estudos de Saúde e Ambiente de Trabalho); A segunda atribui a Fundacentro. Hoje o método é utilizado pelo Instituto Nacional de Saúde do Trabalhador da CUT. Na Venezuela, os mapas dos riscos também vêem sendo utilizados por organizações sindicais mais politicamente de esquerda e nos cursos de saúde do trabalhador das universidades de Carabobo e Centroccidental “Lisandro Alvarado’, em parceria com o Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador da Universidade Nacional do Equador. 18 A comunidade internacional, durante a ECO-92, aprovou um documento contendo compromissos para mudança do padrão de desenvolvimento no próximo século, denominando-o Agenda 21. Refere-se ao termo 'Agenda' no seu sentido de intenções, desígnio, desejo de mudanças para um modelo de civilização em que predomine o equilíbrio ambiental e a justiça social entre as nações. É importante destacar que a Agenda 21 não é uma agenda ambiental, e sim, uma Agenda de Desenvolvimento Sustentável, na qual o meio ambiente é uma consideração de primeira ordem.

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formas discursivas empregadas na prevenção dos agravos à saúde, assim como repertórios

próprios do campo das políticas públicas nas áreas ambiental, econômica e social.

Segundo Spink, M.J;

O governo dos coletivos relaciona-se à crescente necessidade de governar populações, a partir da modernidade clássica, destinado a gerenciar relações sociais espaciais – a distribuição e o movimento de pessoas nos espaços físicos e sociais. Nesta tradição discursiva a metáfora mais utilizada para posicionar as pessoas com relação aos riscos é estar em risco (2003:16. Grifos nossos).

Outras dimensões se agregam a essa estratégia de governo na qual pessoas e produtos

químicos parecem interagir numa relação que, apesar de ser amplamente reconhecida como de

risco, possa, ao mesmo tempo, vir a estar dentro dos princípios de desenvolvimento sustentável e

de melhoria da qualidade de vida da humanidade: questão, a princípio, contraditória.

Embora o termo ‘segurança química’ tenha implicações mais abrangentes, já que ele não

faz referência apenas aos agrotóxicos, serve como argumento, também, para o gerenciamento de

seu uso. De acordo com Machado de Freitas e de Brito Sá (2004), a ‘segurança química’ como

tema de preocupação internacional aparece já na Conferência Mundial das Nações Unidas Sobre

Meio Ambiente Humano (CNUMH), realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972. As

recomendações surgidas dessa conferência serviram de base para a estruturação do Programa

Internacional de Segurança Química (PISQ), “uma jointventure da Organização Mundial da

Saúde (OMS), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do programa das Nações

Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)” (Machado de Freitas e de Brito Sá, 2004: 227).

A segurança química implica, segundo o texto da Agenda 21 (ONU, 1992), no seu

capítulo 19, o manejo ‘ecologicamente sustentável’ das substâncias químicas: boa relação

custo−eficiência e com alto grau de segurança. Trata-se de assegurar o manejo das substâncias

químicas tóxicas conforme os princípios de desenvolvimento e de melhoria da qualidade de vida

da humanidade.

A Agenda reconhece dois dos principais problemas para tornar isso viável, em particular,

nos países em desenvolvimento: a falta de dados científicos para avaliar os riscos inerentes à

utilização de numerosos produtos químicos e a falta de recursos para avaliar os produtos

químicos para os quais já se dispõem de dados. Assim, as áreas de programas envolvem, em

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diversos graus, a avaliação dos perigos (baseada nas propriedades intrínsecas dos produtos

químicos), a avaliação dos riscos (compreendida como avaliação da exposição), a aceitabilidade

dos riscos e o manejo dos riscos.

Mas, imediatamente surge a pergunta: como é possível utilizar substâncias químicas de

forma ‘ecologicamente sustentável’? O conceito de risco tem um papel-chave na resposta a essa

pergunta. Vejamos por quê.

No texto da Agenda, atenta-se à segurança química de forma transversal, incorporando

aspectos agrícolas, econômicos, ambientais e de saúde humana, dando ênfase à contaminação das

águas, aos efeitos ao ambiente, aos estudos ecotoxicológicos e epidemiológicos.

Seis aspectos são definidos para alcançar esse tipo de manejo no uso das substâncias

químicas:

• Avaliação dos riscos em nível internacional.

• Implantação de sistemas de intercâmbio de informação sobre produtos e riscos

químicos.

• Implantação de programas de redução de riscos.

• Harmonização das regulamentações sobre classificação e rotulagem dos produtos

químicos.

• Controle do tráfico de substâncias tóxicas proibidas.

• Desenvolvimento de tecnologias para o manejo dos produtos químicos.

Quanto aos efeitos ao ambiente, a Agenda propõe o incremento de estudos sobre os

impactos a curto e longo prazo. Os estudos ecotoxicológicos são dirigidos à avaliação dos riscos

para o meio ambiente, considerando para isso, desde a fabricação até a destinação final das

embalagens e dos resíduos.

Quanto aos estudos epidemiológicos, são considerados de importância para caracterizar a

ação tóxica dos produtos nos lugares de trabalho, no ambiente e nos alimentos. Privilegia-se o

uso de indicadores biológicos que permitam medir a exposição, os efeitos e a susceptibilidade em

humanos, como uma maneira de reconhecer os diferenciais de exposição aos riscos e seus efeitos.

Os campos de gestão delineados na Agenda, a partir das formas específicas de se referir

aos riscos, contemplam quatro estratégias básicas: comunicação dos riscos, prevenção dos riscos,

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legislação e regulamentação e controle de mercados. Essas são estratégias que se derivam das

metas propostas e das recomendações sugeridas dentro da Agenda.

A estratégia de comunicação dos riscos refere-se explicitamente à necessidade de ampliar

os sistemas de informação locais sobre os riscos no manejo de substâncias químicas,

considerando aspectos econômicos, agronômicos e toxicológicos (ambientais e do trabalho) e

seus efeitos à saúde. Os porta-vozes reconhecidos na Agenda para levar adiante essa estratégia

de comunicação dos riscos são as indústrias fabricantes, os governos, a sociedade civil

organizada e a comunidade científica.

A estratégia de legislação e regulamentação dos produtos químicos é considerada uma

ferramenta indispensável para a limitação do uso ou até mesmo sua eliminação. As chamadas

‘medidas legislativas’ visam atuar sobre as políticas de meio ambiente dentro das políticas de

desenvolvimento dos países.

Finalmente, a estratégia de prevenção dos riscos se fundamenta, principalmente, na

avaliação dos riscos segundo medidas toxicológicas em combinação com a implantação de uma

agricultura sustentável que tenha como características básicas a preservação da biodiversidade e a

exploração das terras de forma não-agressiva ao meio ambiente e de caráter economicamente

sustentável.

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Bill Mauldin (1962). “Caricatura publicada no jornal Chicago Sun-Times, em 1 de Setembro de 1962, mostra um homem usando pesticidas como o DDT e o ‘Clobber-All’, inseticida em aerossol usado em jardinagem para combater insetos. Em quanto o inseto cai no chão, o homem perde o ar pela fumaça venenosa do pesticida que usou para matá-lo” (The Library of Congress, 2004).

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CAPÍTULO III

A formatação do agrotóxico como risco na cena pública

Nesta parte do trabalho se discute em detalhe a formatação do agrotóxico como risco na

cena pública. Para tanto, apresentamos aspectos gerais da conformação histórica da hegemonia da

indústria química e o papel desempenhado pela descoberta dos agrotóxicos na economia mundial,

para dar o contexto mais amplo do negócio dos produtos químicos no mundo. São examinados

eventos críticos no campo da ciência que possibilitaram a emergência da questão dos agrotóxicos,

primeiro como ameaça e posteriormente como risco para a humanidade e o papel da linguagem

nessa construção do agrotóxico como risco (ambiental, social, de saúde).

1. A construção da problemática dos agrotóxicos: algumas considerações teóricas

Na modernidade tardia os problemas ambientais e os riscos decorrentes são

simultaneamente globais e locais. De acordo com Guiddens (1996), a modernidade na sua forma

inicial e suas posteriores formas institucionais se tornou uma questão fundamental na análise

sociológica durante o século XX e mais ainda no inicio do século XXI. As instituições modernas,

segundo essa compreensão, diferem das formas anteriores de ordem social, em primeiro lugar

pelo seu dinamismo, fruto do qual se produz um desgaste dos hábitos e costumes tradicionais, e,

em segundo lugar, por seu impacto global.

No entanto, essas não são apenas as únicas transformações extensivas; a modernidade

alterou radicalmente a natureza da vida cotidiana e as manifestações mais intimas de nossa

experiência. Um de seus traços mais distintivos é a crescente interconexão entre os extremos da

extensão e intenção: de um lado, efeitos globalizantes, por outro lado, disposições pessoais. A

modernidade, segundo Guiddens, é uma ordem pós-tradicional sem que por isso devamos

confundi-la com um marco social em que as certezas e hábitos da tradição tenham sido

substituídos pelas certezas do conhecimento racional. A modernidade é uma cultura do risco, mas

isso não significa que a vida social moderna seja mais arriscada que nas sociedades precedentes.

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O que acontece é que o conceito de risco tornou-se fundamental para o modo como os atores

(leigos e especialistas) organizam o mundo social; “a modernidade reduz riscos em certas áreas e

modos de vida, porém, ao mesmo tempo, introduz novos parâmetros de risco desconhecidos,

totalmente em sua maior parte, em épocas anteriores” (Guiddens:1996:37). Esses parâmetros

incluem riscos de extensas conseqüências: riscos derivados do caráter globalizado dos sistemas

sociais da modernidade.

Assim, nesse contexto da modernidade tardia os desajustes ambientais provocados pela

intervenção humana ou por fenômenos naturais, como a desertificação, a falta de água potável, a

contaminação química e os resíduos tóxicos, não têm fronteiras políticas nem limites geográficos.

A globalização é muito mais do que um fenômeno econômico, pois que se estende e seus efeitos

podem ser identificados em ‘locais’ específicos e em terrenos como o da cultura, o ambiente e a

comunicação. Como destaca Barcena (2001), a partir do discurso ecológico, “os graves desajustes

ecológicos globais têm seus ‘pés’ locais” (p. 1).

Em decorrência de os problemas passarem a serem vistos de forma tanto local como

global, as estratégias para lidar com eles também transitam entre o global e o local. Um exemplo

disso é o fenômeno do estabelecimento de convênios e programas internacionais, organizações e

campanhas que tentam pôr um freio nos problemas ambientais para além dos limites locais.

De acordo com Reigota (2002), as questões ecológicas19 deixaram de ser preocupação

exclusiva de pequenos grupos e passaram a fazer parte da agenda pública “estimulado pela

difusão dos meios de comunicação de massa, pela realização de megaconferências internacionais,

pelo surgimento de movimentos sociais e ecologistas, partidos políticos verdes, além da produção

científica, assim como obras artísticas, manifestos e depoimentos de personalidades do mundo

acadêmico, político e artístico” (p. 33).

Nos apoiamos, neste trabalho, nas teorizações de Ulrich Beck, em seu trabalho intitulado

Risk Society Revisited: Theory, Politics and Research Programmes (2000) e em seus argumentos

sobre a sociedade de risco. Ele afirma que para disser que estamos diante de uma sociedade de

19 É importante ressaltar que segundo este mesmo autor a ecologia como filosofia de um movimento social não é uma questão homogênea, pois, não há um pensamento ecologista, mas sim vários. Reigota defende o pensamento da ‘ecologia global’ que tem suas raízes na vertente ecologista do ‘Movimento de 68’ e que deu origem ao pensamento ecologista mais radical baseado no pacifismo e oposto às incursões nucleares, que “traz implícita a dimensão da globalização, não sendo temas que dizem respeito apenas a grupos locais ou nacionais, mas toda a humanidade” (p. 34).

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risco se faz necessário que os perigos e ameaças globais moldem as ações e facilitem a criação de

instituições internacionais. Isso explica, segundo Beck, o fato de que a maior parte dos acordos

ambientais internacionais, pelo menos os mais relevantes, foram subscritos nas duas últimas

décadas dos anos 1990.

Como acontece com a dinâmica econômica, o global adquiriu seu sentido e justificativa a

partir do controle e manejo do local, o espaço onde se afirma e se apóia. Essa relação nos permite

pensar a questão ambiental, por exemplo, em termos dos efeitos produzidos pelo

desenvolvimento da indústria química em geral e dos agrotóxicos, de maneira particular, como

um dos elementos que nos interessa destacar aqui. Trata-se de um processo amplo de

globalização do debate sobre os riscos localizando-os e visualizando-os em lugares específicos.

Porém, embora o global esteja intimamente relacionado com o local, isso não significa

que seja uma relação unívoca. Problemáticas ambientais que têm ligações muito claras com

processos mais amplos ganham uma dimensão específica nos espaços locais. Milton Santos

(1997), ao discutir a questão da relação entre o global e o local, considera-a uma totalidade,

“onde fragmentos [da rede] ganham uma dimensão única e socialmente concreta, graças à

ocorrência, na contigüidade, de fenômenos sociais agregados, baseados num acontecer solidário,

que é fruto da diversidade, e num acontecer que não exclui a surpresa” (p. 214).

A discussão sobre o global e o local nos interessa à medida que ela nos permite pensar

sobre riscos ambientais globais, classificados como problemas de impacto mundial e que estão

muito presentes no discurso ambientalista globalizado. Tal é o caso dos agrotóxicos e outros

produtos químicos tóxicos. Neste capítulo vamos explorar o processo de globalização dos riscos,

abordaremos as possíveis conexões e as múltiplas redes que existem entre os vários atores e

realidades materiais envolvidas na construção dos agrotóxicos como elementos de risco.

Para tanto, partimos do pressuposto de que as idéias, conceitos ou noções circulam em

público dentro de determinadas matrizes20, de acordo com a definição dada por Ian Hacking

(1999), e que adquirem significado dentro dessas matrizes. Ao argumentar que as idéias e

20 “Ao utilizar a palavra ‘idéia’ eu não faço referencia a algo mentalmente curioso. As idéias (da maneira como as utilizamos ordinariamente) circulam em público. Elas podem ser propostas, criticadas ou rejeitadas. As idéias não existem num vacum. Elas existem em espaços sociais. Chamaremos matriz o espaço onde um tipo de conceito é construído” (Hacking, 1999:10).

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conceitos, como, por exemplo, o conceito de risco e seus desdobramentos no campo dos

agrotóxicos, são uma construção social e, portanto, não existem no vazio, a noção de matriz

permite entender questões de natureza complexa onde se inserem variados interesses e o uso de

determinados sentidos. Na matriz do risco-agrotóxico coexistem instituições, conhecimentos,

profissionais, leis, objetos específicos, locais, pessoas, etc., que se articulam para sustentar esse

conceito ou idéia. Segundo essa compreensão, as idéias se encontram circulando em público

podendo ser concomitantemente contestadas, acolhidas ou rejeitadas. O agrotóxico como risco se

constitui em uma matriz que incorpora elementos fluídos diversos em períodos históricos e

lugares também diversos. O marco maior que serve de referência é a chamada ‘era química’, que

estabelece uma classificação de risco historicamente datada.

A preocupação com problemas ambientais não é algo constante, pelo menos para as

pessoas e grupos que fazem parte de movimentos dedicados a questões ambientais, e, tal como

outros problemas sociais, eles se materializam a partir de processos de construção micro e

macrossociais. São os grupos e indivíduos que consideram preocupante alguma situação

particular organizando-se para questionar e/ou implantar ações que possam contribuir para mudar

o panorama.

De acordo com Ferreira (2002), a Sociologia Ambiental, surgida após os anos do pós-

guerra, teve um papel importante na inclusão do debate ambiental nas interpretações sobre as

crescentes pressões sociais com implicações políticas de movimentos comunitários, grupos de

protestos e movimentos ecologistas. A crescente pressão e intensificação dos impactos negativos

ao ambiente, devido à expansão econômica, criaram as condições para que as questões

ambientais se tornassem um elemento central no campo da sociologia.

Ainda segundo a mesma autora, “a sociologia ambiental assumiu uma posição relevante

no estudo das divergências e conflitos sobre a natureza (entendida aqui no seu sentido amplo,

tanto natural como construída) e as causas e magnitude dos problemas ambientais, de acordo com

os atores envolvidos” (p 4). Este tipo de orientação teve seu maior desenvolvimento nos anos de

1980 devido, principalmente, ao crescimento do movimento ambientalista mundial e a ampliação

crescente do debate sobre os efeitos globais dos riscos ambientais.

Dentre as correntes da sociologia ambiental, Ferreira (2002) ressalta o papel das

tendências recentes na sociologia ambiental pós-moderna com sua proposta de analise das

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relações entre sociedade e ambiente a partir da noção de reflexividade, por meio da qual atores

não são apenas receptores passivos das forças da modernidade. Enfatiza que a capacidade da

sociedade refletir sobre os impactos e exercer pressão sobre os grupos de interesses podem

propiciar a busca de soluções para os graves problemas ambientais. Este tipo de interpretação dos

problemas ambientais deu impulso para o desenvolvimento dessas novas correntes na sociologia

ambiental.

Nesse sentido, autores como Hannigam (1995) e Yearly (1996), a partir de uma postura da

Sociologia Ambiental de tipo construcionista, têm chamado atenção, precisamente, para a

compreensão dos problemas ambientais como construções sociais, buscando entender a forma

como esses problemas são formulados, legitimados e contestados (em certas matrizes).

Essa postura oferece alguns elementos para a discussão sobre como surgem, na esfera

pública, problemáticas ambientais locais que se tornam globalmente relevantes a partir da

intervenção de grupos e de indivíduos. Para Hanningam (1995) os problemas ambientais,

enquanto moralmente condenados, são ligados mais diretamente às descobertas e exigências

científicas. Embora sejam identificados com a intervenção humana, os problemas têm

conseqüências concretas físicas, uma materialidade que se impõe, “quase de modo uniforme,

sendo eles representados como ‘reais’, ‘identificáveis’ e intrinsecamente ‘danosos’” (Hannigam,

1995:55). Muitos problemas ambientais tornaram-se também problemas ‘visíveis’ após a

movimentação de grupos locais, organizações populares e outros, afetados diretamente pelo

impacto negativo de algum problema em particular.

Por outro lado, os problemas ambientais são geralmente apresentados seguindo uma certa

‘ordem temporal’ de desenvolvimento, sendo caracterizados a partir de determinada progressão.

Partem geralmente de uma descoberta inicial (evento crítico) encaminhando-se até a política de

implementação de soluções, que nem sempre consegue resolver a problemática denunciada.

Inserido na discussão sobre a conformação de problemáticas ambientais, Hannigan

(1995), ao dialogar com outros autores, identifica três momentos que operam sobrepostos na

conformação de uma problemática específica: animação, legitimação e demonstração do

problema. Da mesma forma, destaca alguns elementos que poderiam orientar nossa compreensão

na construção de uma problemática ambiental. Primeiramente, teríamos o processo de

monopolizar a atenção; segundo, exigir a legitimidade; e, por último, apelar para algum tido de

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ação. O interesse estaria em chamar a atenção para o fato de que as questões ambientais não

surgem do nada e que elas vão se conformando até se tornar objeto de debate público e ação

específica.

Yearly (1996) oferece uma outra dimensão para compreender os problemas ambientais.

Ele discute a globalização do interesse pelas questões ambientais, ressaltando que,

subjetivamente, a preocupação pública por esses problemas tem-se aprofundado e expandido,

gerando uma maior sensibilidade do público sobre as variadas interconexões biogeográficas do

planeta. A contribuição que este autor traz para o debate está focalizado na discussão sobre os

espaços onde os impactos ambientais são mais críticos, problematizando a definição mesma dos

problemas chamados globais que segundo ele, são definidos, na maioria das vezes, por órgãos ou

agencias internacionais que representam os interesses do primeiro mundo, minimizando a

importância de problemas locais no terceiro mundo.

Harré (1999) nos oferece uma outra perspectiva que enfatiza os aspectos histórico-

culturais, filosóficos e psicológicos do discurso ambientalista. O autor argumenta que a

compreensão dos fenômenos ambientais pode ser ampliada, investigando a natureza e os usos da

linguagem. Ele se refere à necessidade de examinar como a linguagem interage com realidades

culturais e materiais. Para isso, examina como o processo de construção do discurso verde21 tem

encorajado o desenvolvimento de uma certa moral e sensibilidade ética que têm influenciado

nossas formas de vida modernas. O discurso verde não se restringe ao discurso no sentido

ortodoxo da palavra, já que este engendra outras formas de comunicação, como por exemplo, as

imagens22.

O discurso ambientalista, segundo o autor, teve um papel central na inclusão de valores

ecológicos nas várias modalidades assumidas pela vida pública e privada que testemunhamos nas

duas últimas décadas. Deste modo, a ‘Fala Verde’, como é denominada pelo autor, se articula

numa variedade de gêneros discursivos, desde os tipos naturais até científicos, narrativas morais e 21 Utilizamos aqui o termo discurso verde traduzido do termo original Greenspeak empregado por Harré (1999). 22 Reigota (2002), partindo de uma outra interpretação do papel das imagens na conformação das representações socias sobre os problemas ambientais, em seu livro A floresta e a escola: por uma educação ambiental pós-moderna, reflete sobre a difusão de imagens de conteúdo ambiental na ‘materialização’ dessas representações, discutindo sobre as diferentes interpretações de profissionais da mesma área sobre uma mesma informação e sobre as implicações políticas, culturais e pedagógicas dessa questão. O autor parte do pressuposto que as “imagens trazem consigo, de forma explícita ou implícita, o potente capital simbólico das instituições, grupos e pessoas que as produzem e divulgam” (p. 93).

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literárias, o que tem demonstrado ser útil para o exame dos poderes persuasivos das variadas

formas de discurso ambiental.

A seguir discutiremos em detalhe a emergência do agrotóxico como risco na cena pública.

Para tanto, apresentaremos aspectos gerais da conformação histórica da hegemonia da indústria

química e o papel desempenhado pela descoberta dos agrotóxicos na economia mundial, para dar

o contexto mais amplo do negocio dos produtos químicos no mundo. Posteriormente,

continuaremos nossa análise dividindo-a em duas fases, cada uma delas com seus interlocutores-

chave.

A primeira fase abrange o período de 1940 a 1950, com a industria química norte-

americana e seu discurso de progresso e salvação após o desenvolvimento dos agrotóxicos.

As maiores empresas de fabricantes de agrotóxicos estavam, e ainda estão, localizadas,

nos Estados Unidos, embora, com o processo de globalização posterior, a partir da década de

1960, muitas delas iniciaram a construção de fábricas também em países estratégicos ao redor do

mundo, como foi o caso da construção, pela Union Carbide, do complexo químico de Bhopal, na

Índia, como mostra a imagem abaixo. Machado de Freitas (2000), ao discutir o impacto desse

movimento de globalização da industria química mundial, destaca que foi dos anos setenta em

diante que os riscos derivados das operações dessas indústrias em países do terceiro mundo, em

termos de acidentes industrias, ganharia visibilidade pública, “tendo não mais apenas os

trabalhadores industrias como vitimas predominantes, mas atingindo também as populações

vizinhas às indústrias” (p. 129). Figura 1

Nesse aviso publicitário, publicado em 1962 na revista da Union Carbide, sob o título ‘A ciência ajuda construir a nova India’, a empresa se refere à construção de uma das maiores fábricas de produtos químicos do mundo, que estava sendo projetada em Bhopal. Na propaganda lê-se: nós, da Union Carbide damos as boas vindas à oportunidade de utilizar nosso conhecimento e destrezas em parceira com os cidadãos de muitos países maravilhosos. Fonte: http://www.chemicalindustryarchives.com/dirtysecrets/bhopal/

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A segunda fase engloba o período da década de 1960 à década de 1990. Nela são

discutidos dois eventos críticos no campo da ciência que possibilitaram a emergência da questão

dos agrotóxicos, primeiro como ameaça, e posteriormente como risco para a humanidade, dentro

de um enfoque de dimensões globais, e o papel da linguagem nessa construção do agrotóxico a

partir da perspectiva do risco (ambiental, social, de saúde). Trata-se do trabalho de Rachel

Carson, Primavera Silenciosa, publicado em 1962, considerado um clássico da literatura

ambientalista mundial, e o de Theo Colborn et al., O Futuro Roubado, publicado em 1996, o

qual tenta estabelecer uma ligação posterior com algumas das principais questões levantadas por

Rachel Carson. Ambas autoras são consideradas aqui como interlocutoras-chaves. Fazendo parte

desta segunda fase são abordadas as ressonâncias que as denúncias feitas por Rachel Carson e

Theo Colborn, além de outros fatores, tiveram tanto nos argumentos construídos pela indústria

química, para dar resposta a tais denúncias, como nos desdobramentos que, em termos de

políticas, foram sendo desenvolvidos, primeiro nos Estados Unidos e posteriormente no resto do

mundo.

Por último, apresentamos o trabalho de José Lutzenberg, O Manifesto Ecológico

Brasileiro: o fim do futuro? Trata-se de autor influente na cena pública brasileira e um dos mais

importantes ecologistas do país que escreveu inúmeros artigos e publicou vários livros sobre o

impacto dos agrotóxicos ao ambiente a à saúde humana. As argumentações utilizadas por este

autor servem para mostrar o impacto que o movimento ecologista mundial teve no âmbito

brasileiro, estendendo-se para outros países da América Latina onde seus livros foram traduzidos

e utilizados em vários cursos de agronomia e ecologia.

2. A indústria química e a descoberta dos agrotóxicos

Jacques Demajorovic (2003) proporciona um excelente material para entendermos o papel

da indústria química no surgimento e desenvolvimento da sociedade de risco23. O autor discute o

23 Utilizamos aqui o conceito original de sociedade de risco acunhado por Beck (1996:203), que a considera como um estágio da modernidade, em que a partir do desenvolvimento da sociedade industrial as ameaças “produzidas” ocupam um lugar predominante. Ele descreve a fase de desenvolvimento da sociedade moderna em que os riscos sociais, políticos, ecológicos e individuais escapam do controle das instituições. (Beck 1996:27 apud Spink, M.J. (1999).

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papel desempenhado por uma ampla variedade de produtos químicos na vida diária moderna “os

produtos químicos estão presentes no dia-a-dia das pessoas nas mais variadas formas:

diretamente, como produtos farmacêuticos, fertilizantes, tintas, plásticos e borrachas; e

indiretamente, como insumos nas indústrias têxtil, automobilística e eletrônica, entre outras” (p.

65). O autor avança ainda mais ao catalogar nossa era como uma ‘era química’, em que a

sobrevivência da indústria química é justificada precisamente pelo desenvolvimento de novos

produtos.

O surgimento da hegemonia da indústria química se encontra referido às pesquisas feitas

antes, durante e depois da Revolução Industrial, dirigidas a gerar novas matérias-primas e que

serviram de base ao grande movimento da indústria química moderna como “principal vetor da

mudança social e econômica do século vinte” (Demajorovic, 2003:66).

Mas é a partir da Segunda Guerra Mundial que se dá o crescimento e a expansão

econômica que facilita a consolidação da hegemonia dos produtos químicos. Como afirma Carlos

Freitas (2000), a construção de grandes complexos da indústria química ocorreu de forma rápida;

Uma planta para craquear nafta e produzir 50.000 toneladas/ano de etileno era considerada de grande porte até os anos 60. Nos anos 80, essa dimensão seria considerada antieconômica, e plantas industrias dez vezes maiores para a produção de etileno e propileno ultrapassariam a escala de produção de 1 milhão de toneladas (p. 129).

O desenvolvimento de produtos químicos de uso agrícola se insere na própria evolução da

indústria química como um todo, observando-se um processo de constantes mudanças

propiciadas não apenas pelas descobertas científicas da própria indústria como pela intervenção

de pesquisadores de fora da indústria que, ao longo de várias épocas, vêm alertando para os

efeitos negativos do uso desses produtos. No cabeçalho de uma brochura do Conselho Químico

Americano (American Chemistry Council, 2002)24, aparece em seu cabeçalho o titulo ‘a química

define o século XX’. Os produtos químicos são referidos como a tecnologia milagrosa que tem

dado base para a maior parte dos avanços do mundo moderno. 24 Material informativo publicado pela Associação de Fabricantes de Produtos Químicos dos Estados Unidos, sob o título de A History of Accomplishment. Chemistry is one of the miracle Technologies that have laid the foundation for most advances in the modern world. With the advent of these innovantions came awareness of the need for environmental safeguards. After the publication os Rachel Carson’s bestseller Silent Spring in 1962, concerns regarding the long-term impact of chemicals emerged bringing attention to the business of chemistry”. Disponível em: http://www.americanchemistry.com

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Como podemos observar nesse discurso da indústria, avanços, impactos e preocupação

pública formam os elementos básicos do argumento para falar do papel relevante da indústria

química na vida moderna. Por outro lado, a própria indústria reconhece a influência que teve a

entrada na cena pública das denúncias feitas por Rachel Carson sobre os efeitos dos agrotóxicos

para a saúde humana e ambiental. O que foi numa época motivo de fortes disputas foi apropriado

pela indústria e tornou-se parte de seu argumento. É esse argumento que irá justificar o interesse

por desenvolver produtos chamados ‘seguros’.

As mudanças têm ocorrido, dentre outras coisas, pela pressão exercida por grupos

ambientalistas do mundo todo, que em alguns casos têm feito alianças com cientistas de

vanguarda. Desse modo, a evolução dos agrotóxicos, como os conhecemos hoje, tem passado

pela introdução comercial de agrotóxicos altamente tóxicos, persistentes e bioacumulativos,

como o DDT, e, mais recentemente, pela produção de agrotóxicos que se degradam rapidamente

no meio ambiente com efeitos tóxicos de longo prazo. Os países industrializados já proibiram

muitos dos antigos agrotóxicos devido a seus efeitos tóxicos potenciais sobre o ser humano e/ou

seu impacto negativo sobre os ecossistemas e têm aprovado o uso de agrotóxicos de formulação

moderna25.

Nos países menos industrializados alguns dos agrotóxicos mais antigos continuam a ser os

mais baratos do ponto de vista da sua fabricação e, para alguns fins, os mais eficazes. É o caso do

DDT na luta contra a malária, que como na Venezuela ficou restrito seu uso apenas para o

combate desse tipo de doenças endêmicas e sob controle do Ministério da Saúde. Em alguns dos

países no terceiro mundo, no entanto, o DDT continua a ser comercializado de forma clandestina

amparado na debilidade dos sistemas de vigilância nacionais, contribuindo com sua fabricação

em seus países de origem.

O dilema entre custo−eficácia e impactos ecológicos à saúde, incluídos os efeitos a longa

distância, como conseqüência do transporte atmosférico, e o acesso às formulações de

agrotóxicos modernos de baixo custo continuam a ser uma questão polêmica de alcance mundial. 25 Incluem-se aqui os chamados agrotóxicos de terceira geração que têm sido desenvolvidos recentemente pela indústria química mundial em resposta à pressão do público com os efeitos adversos do DDT e produtos similares. Esse novo tipo de agrotóxico é menos persistente que o DDT e outros organoclorados, mas é muito mais solúvel na água, o que faz com que seja potencialmente mais poluente das águas subterrâneas e superficiais e tenha um efeito tóxico não só agudo como crônico no indivíduo. Esses são chamados de carbamatos e componentes organofosforados, ingredientes ativos da maioria dos inseticidas e de alguns herbicidas em uso.

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Além dos efeitos ecológicos nos países que os manipulam diretamente, é preciso ter em conta as

conseqüências que esses produzem em lugares muito afastados.

Alguns agrotóxicos proibidos já há algum tempo nos países industrializados (por

exemplo, DDT, toxafeno, etc.) ainda estão presentes na atmosfera e se encontram com freqüência

em áreas remotas como a região Ártica. Os produtos químicos que se aplicam em países tropicais

e subtropicais são transportados por longas distâncias pela circulação mundial do ar e as águas e

resíduos diversos. A situação geral tem se deteriorado até o ponto de que muitos países tenham

aprovado, na Convenção Mundial sobre os Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), a proibição

da maior parte desses produtos, a maioria clorada com altos níveis de toxicidade, muito

persistente e bioacumulativa.

2.1 Os anos do agrotóxico como milagre químico

Na seguinte foto26 mostra-se uma dona de casa aplicando o DDT numa região agrícola

americana nos anos 50 quando era comum seu uso em fazendas e áreas suburbanas do país para

combater insetos causadores de doenças como a malaria. Uma cena típica à época que contou

com o aval da propaganda da indústria química.

Figura 2

DDT: Killer of Killers

26 Foto: O. T. Zimmerman, PhD, and Irvin Lavine, PhD. (1946).

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Antes de 1950 o DDT era considerado o milagre do progresso, sendo promovido como

produto praticamente não tóxico para os humanos, embora a Food and Drug Administration

(FDA), nos Estados Unidos, já tivesse sido forçada a alertar sobre seus perigos, e, como

conseqüência, tentado tirá-lo do mercado.

A partir dos anos de 1950, o DDT foi continuamente incriminado publicamente até que

saiu de circulação comercial em 1968 e, proibido definitivamente em 1972 no mercado

americano e em outros países ao redor do mundo. O ano de 1950 marcou assim um ponto de

crescente preocupação pública, mudanças na legislação, retirada ‘voluntária’ do produto por parte

da indústria de fabricantes, estabelecimento de exigências de etiquetar produtos desse tipo e

campanhas para desencorajar o uso por parte dos agricultores. O uso do DDT e de outros

produtos parecidos se tornou objeto de perseguição, embora se saiba que ainda hoje é aplicado

em florestas e lugares onde a vigilância é menos rígida e o negocio é ainda rentável, como no

caso dos países do Terceiro Mundo.

Após os anos de 1950, o governo americano conseguiu aprovar uma regulamentação para

o etiquetas e o manejo dos agrotóxicos que permitiu confirmar publicamente a ameaça que

significava o uso desses produtos. Em 1954, a produção de DDT incrementou-se, por conta,

principalmente, de sua exportação para outros países no mundo todo. Devido ao debate público

sobre os efeitos do DDT e por conta de inúmeras mudanças legislativas e políticas, a

contabilização de seu uso e do uso de outros produtos similares se tornou cada vez mais difusa e

difícil de acessar.

Esses acontecimentos ocorridos na cena norte-americana criaram condições para o

desenvolvimento da preocupação do público com os riscos no uso dos agrotóxicos. O clima de

ameaça que começava a se espalhar pelo país, acoplado às incipientes medidas de controle que o

governo era forçado a estabelecer, foi o contexto para receber o discurso de Rachel Carson sobre

a ameaça desses produtos.

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2.2 Da ameaça ao risco: Rachel Carson, Theo Colborn e a indústria química norte-americana

A preocupação do público com o ambiente é resultado de um processo automático e,

tampouco, essa preocupação é constante, flutuando ao longo do tempo, aumentando e diminuindo

em diferentes períodos. No entanto, há eventos marcantes que nos auxiliam na compreensão

desses processos.

Analisando os vários estudos já feitos sobre a problemática dos riscos do uso de

agrotóxicos ao longo da história, surgem indícios de que em determinado momento o tema teria

se tornado uma problemática com características de ameaça para a humanidade no debate público

mundial, passando posteriormente a ser qualificado de risco. Os agrotóxicos haviam aparecido na

cena pública como um fator que podia contribuir para a expansão da produção agrícola ameaçada

por pragas várias. Mas, pouco tempo depois, em contrapartida, esse mesmo avanço cientifico

tornou-se fonte de riscos ao ambiente e à saúde humana.

Caberia então perguntar como o desenvolvimento técnico-científico dos agroquímicos foi

sendo duplamente formatado: como avanço no combate às pragas e, concomitantemente, como

ameaça para o mundo. Como foi possível essa formatação?

Interessa-nos compreender como são formulados, legitimados e contestados os diversos

argumentos que foram sendo construídos sobre os agrotóxicos como uma solução técnica-

científica e econômica, dentro de uma retórica do progresso agrícola moderno, e, por outro lado,

como risco para a humanidade, ultrapassando as fronteiras do local e se configurando em uma

‘ameaça’ à saúde do planeta. Tal como afirma Reigota (1999:55) a complexidade política e

cultural contemporânea imprime um caráter estratégico às questões ecológicas, inseridas nessa

complexidade e ocupando um papel estratégico, na medida em que os problemas ecológicos se

ampliam, não obedecem a fronteiras geográficas e exigem o envolvimento de pessoas com

diferentes características sócio-culturais na tentativa de encontra soluções.

A percepção pública de que existem riscos envolvidos na questão dos agrotóxicos parece

estar associada ao surgimento do movimento ambientalista, principalmente nos Estados Unidos

durante os anos 60. O movimento ambientalista, por sua vez, teve na mesma época uma forte

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influência de outros movimentos sociais que Spink, M.J. (1999) chama de movimentos de

contracultura: o movimento antinuclear na Europa e o movimento de Direitos Humanos nos

Estados Unidos. Assim, temos que as questões ambientais têm flutuado ao longo do tempo e o

foco tem mudado dependendo de momentos históricos específicos, influenciados pela

participação de atores-chave;

As questões focalizadas nas políticas ambientais têm mudado ao longo do tempo: da preocupação com a proliferação dos químicos, na década de 1960, para o esgotamento de recursos na década de 1970, o poder nuclear nos últimos anos da década de 1970, a chuva ácida no final da década de 1980, e a biotecnologia na década de 1990. A partir de 1980 mudanças importantes têm acontecido nas políticas ambientais. Na medida que os problemas ambientais globais têm tomado a dianteira, o discurso ambientalista tem-se tornado parte, e passado a ser uma porção das políticas de ‘centro’, e o governo e a indústria tem se apropriado das ‘questões verdes’. Este ‘esverdeamento’ da indústria se constitui num processo multifacetado que inclui mudanças no processo produtivo, nos hábitos dos consumidores e regulamentações governamentais, criando uma convergência entre ONGs multinacionais e corporações multinacionais. Deste modo, ‘no final da década de 1980, na maior parte das sociedades industrializadas, o ambiente tem sido adotado como agenda “oficial” das grandes empresas, dos governos, e das instituições internacionais como, por exemplo, a OECD, na Comunidade Econômica Européia. Compromissos globais foram vistos como medidas urgentes e necessárias para mitigar os riscos globais’ (Szerszynski, Lash and Wynne 1996:19, apud Spink, M.J, 1999:17).

O panorama descrito por Spink, M.J. (1999), nos coloca diante de vários elementos

importantes que merecem serem analisados de maneira detalhada, mas que, neste capítulo, serão

abordados a partir de dois trabalhos científicos e um manifesto ecologista sobre a questão dos

agrotóxicos.

Os perigos e ameaças: Rachel Carson

Ainda temos uma limitada percepção da natureza da ameaça. Essa é uma era de especialistas que só olham para seus próprios problemas e desconsideram ou não toleram o contexto maior onde eles se inserem. Trata-se também de uma era dominada pela indústria onde o direito ao lucro a qualquer custo é poucas vezes questionado. Quando confrontado com óbvias evidências sobre os efeitos prejudiciais da aplicação dos pesticidas, o público protesta e lhe são dados comprimidos tranqüilizantes de meias verdades. Precisamos acabar com esta falsa segurança de fatos inaceitáveis. É do público que está sendo exigido correr os riscos que os controladores de insetos calculam. O público tem que decidir se continua nesse caminho, e ele só pode fazer isso com pleno conhecimento dos

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fatos. Segundo as palavras de Jean Rostand, ‘A obrigação de perdurar nos dá o direito de saber. (Rachel Carson, “Silent Spring”. Capítulo 2, p. 29)27

A citação acima sintetiza bem as questões mais relevantes da postura assumida por Rachel

Carson sobre as implicações ambientais e sociais da utilização dos pesticidas numa época de

boom desses produtos. Chama nossa atenção a combinação de termos como ameaças, efeitos

prejudiciais, falsa segurança e correr riscos, para engendrar o discurso questionador da autora. A

palavra ameaça tem um destaque especial no argumento que abre o parágrafo e estabelece o tom

da fala posterior e introduz secundariamente o termo risco para jogar a culpa dos efeitos desses

produtos na indústria química que, irresponsavelmente, submete a população ao desconhecido.

Embora não fosse Rachel Carson a única a proclamar os perigos dos agrotóxicos para a

cadeia alimentar, foi ela a mais bem-sucedida do ponto de vista do debate público. A importância

do seu trabalho reside na forma como foram endereçados os argumentos e o tipo de respostas

surgidas na sociedade norte-americana, principalmente por parte da indústria química, de outros

atores governamentais e do setor acadêmico mundial, o que viria influenciar fortemente a

formatação posterior de uma retórica dos riscos no uso de agrotóxicos e serviria de base para a

estruturação de repertórios lingüísticos de circulação pública mundial.

Em 1962, quando o livro Silent Spring foi lançado no mercado americano, o mundo

conhecia os efeitos da Revolução Cubana e as tensões produzidas pela possibilidade da guerra

nuclear. Eram os anos da Guerra Fria e o ‘sujeito’ do livro de Carson, o DDT e outros

agrotóxicos sintéticos, era um produto tecnológico dessa mesma guerra.

O DDT, que havia sido desenvolvido em 1939, foi o agrotóxico mais potente criado na

época, expondo a vulnerabilidade da natureza, já que, diferentemente de outros agrotóxicos cuja

efetividade só estava dirigida à destruição de um ou dois tipos de insetos, o DDT era capaz de

matar muitos tipos de insetos ao mesmo tempo. Havia sido usado, pela primeira vez, e em

grande escala, no final da Segunda Guerra Mundial para proteger os soldados e a população civil

de doenças produzidas por insetos, sendo considerado um dos maiores avanços na luta contra

doenças que dizimavam grandes parcelas de populações. Assim, o DDT e outros químicos

27 Grifos nossos.

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desenvolvidos posteriormente foram tidos como os heróis da resposta da ciência moderna para o

controle das pragas, que prometia fazer a vida mais segura que em épocas anteriores.

A noção de segurança inaugurada pelo desenvolvimento desses produtos não durou muito

tempo. O livro “Silent Spring” iniciava a ‘proclama’ dos perigos e ameaças dos pesticidas28 para

toda a humanidade. Sua autora, Rachel Carson, uma bióloga, ecologista, ativista e escritora,

embora não tenha de forma alguma sido a primeira cientista a falar sobre tais perigos e ameaças,

foi a que conseguiu produzir um impacto na opinião pública norte-americana. Seu livro abalou a

confiança do público nas ‘maravilhas’ da ciência como no caso dos pesticidas, especificamente

do DDT, considerado até então uma panacéia na solução dos males da agricultura. Trata-se de um

exemplo típico de reflexividade no sentido dado por Giddens (1995), de autoconfrontação29, que

alerta para os efeitos colaterais latentes.

Quando em 1945 o DDT se tornou disponível para a população civil, poucas pessoas

manifestaram dúvidas sobre esse produto. Uma delas foi Rachel Carson que escreveu para o

Reader’s Digest (Toxic Chemicals &Health, 2002), para propor um artigo sobre uma série de

testes sobre o DDT que estavam sendo conduzidos em Maryland, não longe de onde ela morava.

A revista, como era de se esperar, rejeitou a idéia.

Treze anos depois, em 1958, o interesse de Carson se renovou após receber uma carta de

uma amiga alertando-a sobre a morte de grandes quantidades de pássaros que ocorrida em Cape

Cod como resultado de pulverizações intensivas de DDT. Durante esse ano, foram vendidos

cerca de 200 milhões de dólares em pesticidas.

Na época, o uso de DDT tinha proliferado grandemente e Rachel Carson havia acumulado

várias pesquisas sobre o tema, a partir das quais ela organizou seu livro Silent Spring. Um dos

capítulos mais controvertidos do livro foi chamado “A Fable of Tomorrow”, (A Fábula do

Amanhã). Aí se descreve uma cidade americana qualquer onde a vida de peixes, pássaros e até

crianças havia sido silenciada como conseqüência dos efeitos do DDT.

28 Utilizamos aqui o termo pesticida traduzido diretamente do inglês, o mesmo utilizado por Carson, embora nossa opção seja pelo uso do termo agrotóxico, de uso corrente na língua portuguesa. 29 Segundo Giddens (1995), “a modernização reflexiva pode ser diferenciada em contraposição a um equívoco fundamental. Este conceito não implica (como pode sugerir o adjetivo ”reflexivo” ) reflexão, mas (antes) confrontação. A sociedade de risco não é uma opção que se pode escolher ou rejeitar no decorrer de disputas políticas. Ela surge na continuidade dos processos de modernização autônoma, que são cegos e surdos a seus próprios efeitos e ameaças” (p. 16).

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O livro combinava fatos científicos com discursos literários, próprios de uma ativista e

escritora. No entanto, ela fala mais como ativista do que como cientista, apoiando-se numa

retórica literária que teve muito sucesso. The New Yorker, revista publicada por The New York

Times, lançou uma serie de cadernos contendo capítulos do livro, acompanhado de análises

(Waddell, 2000). Essa publicação criou um estado de alarme na população norte-americana e

causou uma reação muito forte na indústria química dos Estados Unidos, acontecimento que teve

efeitos surpreendentes, ainda hoje evidenciados pela grande mobilização da indústria química

mundial no sentido de criar um programa global para amenizar as críticas contra os efeitos

produzidos pelos agrotóxicos, tanto a primeira geração deles, os antigos, proibidos hoje, como os

posteriores desenvolvimentos da indústria.

O livro Silent Spring é tomado aqui como um exemplo típico de construção de um

discurso na era moderna: ele estabelece convenções retóricas que se tornaram, após anos, moeda

de uso comum no debate ambientalista, migrando também para outros campos de conhecimento.

“A crítica que o Silent Sping fez do uso ampliado do que foi considerado de maravilhas químicas,

não foi outra coisa mais do que um julgamento à própria vida moderna” (Glotfelty, 2000:159).

Segundo Ralph Lutts (2000:18), o livro Silent Spring teve um papel fundamental no processo que

estimulou o surgimento do movimento ambientalista contemporâneo, pois nunca antes um grupo

tão diverso de pessoas – desde conservacionistas, passando por administradores de áreas

ambientais, profissionais da saúde pública e habitantes de subúrbios norte-americanos – havia se

juntado para lutar contra uma ameaça comum de magnitudes nacionais e internacionais.

Segundo alguns autores, Rachel Carson utilizou uma linguagem de guerra própria da

época, redimensionando esses conceitos para aplicá-los à guerra do homem ‘contra a natureza’.

Para tanto, Carson inicia uma guerra contra os fabricantes de agrotóxicos e empresas que

aplicavam esses produtos nas diversas atividades agrícolas.

Nos interessa, sobretudo, discutir as diversas formas de falar sobre os perigos, ameaças,

riscos e danos que começaram a ser utilizados a partir dos argumentos criados por Rachel Carson.

Por outro lado, buscaremos identificar elementos retóricos empregados para caracterizar os

agrotóxicos e os elementos conectores com as situações de risco envolvidas em seus usos. Para

tanto, partimos da análise das principais linhas argumentativas construídas pela autora para

identificar temas ou tópicos que sustentam uma construção lingüística maior. Apoiamo-nos em

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Corbett (2000), quando afirma que os tópicos, ou topoi, são agrupamentos de argumentos para

um tema particular que podem ser considerados regiões, lugares, onde certas categorias ou

argumentos se localizam.

O eixo central da argumentação de Carson era tornar ‘real’ e imediata a ameaça dos

pesticidas químicos para a saúde e a vida – uma ameaça que parecia muito remota para muitas

pessoas. Como destaca Oravec (2000), Carson construiu uma retórica de ficção para um corpus

de fatos e evidencias sobre a ameaça, mas conservando a credibilidade desses fatos.

Particularmente, ela escolheu a ferramenta da ‘narrativa mítica’ para atrair seus leitores e

aumentar sua preocupação.

Em nossa análise, identificamos três linhas argumentativas principais, que se articulam de

modo a tornar o discurso coerente, embora possam existir outras.

A primeira linha argumentativa contrapõe à definição de pesticidas a outros termos que

buscam reconceituá-los, associando-os diretamente com aos efeitos prejudiciais produzidos não

apenas para as pragas, como também para o indivíduo e a vida no planeta. Para isso, ela cria

alguns termos como:

Biocida: químicos com o poder de destruir qualquer tipo de vida no planeta. A idéia era, a partir

do termo pesticida, ampliar o argumento utilizado pela indústria, que se restringia apenas às

pragas específicas, incorporando todos os seres vivos.

Moderno inseticida mortal. A nomeação de moderno refere-se ao fato de que se trata de produtos

nunca antes conhecidos, resultado da experimentação moderna e com conseqüências letais.

Agente de morte. O pesticida deve ser entendido segundo essa nomeação como uma entidade

capaz de levar à morte onde quer que seja utilizado.

Material tóxico. Relaciona o uso com sua toxicidade como potencialidade de produzir dano.

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Químico perigoso. Associa químico à idéia de perigo. Essa idéia parece ter sido amplamente

assimilada pelo público e faz com que os químicos, em geral, sejam vistos, hoje, como tendo

certa periculosidade inerente.

A segunda linha argumentativa chama a atenção para o fato de considerar o meio

ambiente uma totalidade. Com base na nova definição que Carson propõe para os pesticidas, ela

argumenta que a poluição atinge o ambiente, entendido de maneira total (total environment), a

partir da retórica dos efeitos acumulativos nos tecidos de plantas, animais e células.

A terceira linha argumentativa discute a questão da bioacumulação dos pesticidas para as

futuras gerações, com especial ênfase na vulnerabilidade dos filhotes de animais (incluindo o ser

humano), a acumulação no solo e nos produtos de consumo humano contaminados.

O efeito da acumulação foi um dos argumentos mais eficazes de Carson, na medida em

que deu visibilidade a outras pesquisas da época que apontavam para a mesma questão. Na

construção dessa linha argumentativa, a autora incorporou dados científicos específicos que

comprovavam esse fato, preparando um cuidadoso arquivo de depoimentos dos mais importantes

cientistas do país, que leram e aprovaram o manuscrito do livro.

Eminentes cientistas a apoiaram, provocando uma reação favorável do presidente John F.

Kennedy. O presidente do Comitê Científico Assessor da Presidência da República, enviou um

relatório reivindicando a pertinência do trabalho feito por ela e após esse acontecimento, o DDT

foi supervisionado mais de perto pelo governo americano e proibido posteriormente.

As construções discursivas se dão em contextos particulares e Rachel Carson escreveu seu

livro numa época muito distinta da nossa: as questões ambientais eram muitos menos

perceptíveis, havia mais credibilidade na ciência como empresa benigna, e o papel da sociedade

civil e dos movimentos ambientalistas estava em formação. Isso explica a escolha de linhas de

argumento e determinados termos utilizados por Carson. Tais estratégias combinaram o uso de

fatos ficcionais com toques científicos, eliminando a figura da primeira pessoa e incorporando as

múltiplas vozes de cientistas, pessoas comuns e outros atores relevantes. A autora fez uma mescla

de variados posicionamentos, compartilhando a responsabilidade pelos dados citados no texto.

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Os riscos globalizados: Theo Colborn e seus colaboradores

O quer que fosse, os sintomas não eram visíveis e claros como aqueles que tinham feito Rachel Carson escrever Primavera Silenciosa quase um quarto de século antes (p. 31). Os riscos que enfrentamos se originam da lacuna existente entre nossa capacidade tecnológica e nosso entendimento dos sistemas que sustentam a vida. Não é só uma questão da qualidade da ciência que descreve o problema, mas também de como nós vemos os riscos e quanto do risco estamos dispostos a correr (Theo Colborn et al. (1996). O Futuro Roubado. Pp. 276-277).

O Futuro Roubado é o segundo livro a ser analisado. Escrito por Theo Colborn, cientista

da World Wildlife Fund e seguidora das pesquisas de Rachel Carson, inclui também a

participação de mais dois autores: Dianne Dumanoski, jornalista de questões ambientais

americanas e globais, e John Peterson Myers, diretor da W. Alton Foundation, instituição privada

que patrocina projetos de proteção ao meio ambiente e prevenção à guerra nuclear.

Essa parceria exemplifica bem o tipo de discurso que vem se formatando na cena pública

mundial nos últimos 30 anos, com o qual cientistas, ativistas e comunicadores sociais se

articulam para promover argumentos altamente politizados sobre questões ambientais. Segundo

as palavras dos próprios autores;

Decidimos embarcar nesta colaboração porque os problemas, cada vez mais complexos, que enfrentamos no final do século XX exigem colaborações desse tipo. São problemas que exigem mais do que a contribuição que qualquer indivíduo pode dar isoladamente para enfrentar o desafio (Colborn et al., 2002: 15).

O sumário do livro apresenta quatorze capítulos que utilizam termos retóricos dramáticos

como, por exemplo: ‘Presságios’, ‘Venenos Hereditários’, ‘Mensageiros Químicos’, ‘Até os

Confins da Terra’, ‘Aqui, Acolá e em Toda Parte’, etc. Em seus vários capítulos, os autores

abordam a questão de como uma ampla variedade de agentes químicos sintéticos altera os

sistemas hormonais. Sistemas esses que têm um papel fundamental no desenvolvimento sexual

humano, na conformação do comportamento, na inteligência e no funcionamento do sistema

imunológico.

O argumento central do livro gira em torno da idéia de que não importa onde vivamos,

não existe mais nenhum lugar seguro e descontaminado, pois os agentes químicos descobrem o

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caminho até nosso corpo, significando uma ameaça para a geração posterior. Essa afirmação

exacerba o senso de insegurança que foi inaugurado no discurso ecologista pela geração de

produtos químicos como o DDT, denunciado por Carson, como vimos anteriormente, e que nos

anos 1990 se materializa na terceira geração desses produtos: Agentes Químicos Persistentes

(PCBs) e Dioxinas.

No discurso de Colborn e colaboradores identificamos três principais linhas

argumentativas:

A primeira linha argumentativa é construída a partir do conceito de ‘venenos

hereditários’. Embora esse já houvesse sido um argumento levantado por Rachel Carson, ele não

tinha ainda os contornos que tem hoje, produto dos avanços tecnológicos alcançados no

desenvolvimento dos agentes químicos. Segundo os autores, por meio do processo de

magnificação, a concentração de um agente químico persistente, que resiste à decomposição e se

acumula na gordura corporal, pode ser 25 milhões de vezes maior num predador do topo da

cadeia alimentar do que na água que o circunda.

Os agentes químicos encontrados nos corpos dos animais adultos funcionam como

venenos hereditários, passados de uma geração para a outra, tornando vitimas, até os que ainda

não nasceram e os muito jovens. Os venenos hereditários encontrados na gordura do corpo dos

animais silvestres têm uma coisa em comum o fato de alteram os hormônios que regulam os

processos vitais internos do corpo e orientam as fases críticas do desenvolvimento pré-natal.

Nesta categoria encontramos os PCBs (Agentes Químicos Persistentes)30, o DDT e as Dioxinas.

Os agentes químicos sintéticos se movem por todos os lugares, até mesmo através da barreira

placentária e para dentro do útero, expondo os que ainda não nasceram durante estágios mais

vulneráveis de seu desenvolvimento.

A segunda linha argumentativa sustenta que os PCBs não podem ser considerados

venenos clássicos, nem cancerígenos típicos. Funcionam por regras diferentes já que nos níveis

em que se encontram normalmente no nosso ambiente, as substancias químicas disruptoras

hormonais não matam células nem atacam o ADN; seu objetivo são os hormônios, os

mensageiros químicos que se movem constantemente dentro da rede de comunicação do nosso

30 Eles são ingredientes de corantes, vernizes, tintas, venenos domésticos e agrotóxicos. O primeiro cientista a identificar os PCB’s foi Sören Jensen, químico nascido na Dinamarca.

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corpo. Eles ocasionam assim uma ampliação dos perigos (ameaça), à proporção que eles se

encontram espalhados pelo mundo. Eles reportam riscos que viajam e que, por serem

persistentes31, não se sabe em que medida ocasionam dano;

Os agentes químicos alteradores de hormônios não são venenos clássicos ou cancerígenos típicos. Eles jogam por regras diferentes. Desafiam a lógica linear dos atuais protocolos de análise que se baseiam na suposição de que doses maiores causam danos maiores. As tentativas de aplicar princípios de toxicologia convencional e soluções epidemiológicas a esse problema normalmente resultaram mais em confusão do que em iluminação (Colborn et al., 2002: 230-232).

Dessa maneira, a ampliação dos perigos é associada ao aparecimento do risco que, por

não pode ser calculado, passa a ser definido como dano. As Dioxinas são caracterizadas como o

agente mais tóxico dentre os agrotóxicos. Elas representam um perigo especial já que atuam

antes do nascimento: nos fluidos corporais, como o esperma do homem e o leite materno, e nos

alimentos de consumo humano. Dá-se aqui uma ampliação da noção de ameaça que vimos surgir

no trabalho de Rachel Carson, incorporando outros repertórios associados à ameaça para falar de

risco e dano, dentro de uma cadeia causal.

A terceira linha de argumento se refere aos riscos inerentes (estrutural). Quem se

encontra no topo da cadeia alimentar, que neste caso seria o homem, estaria sujeito a riscos

inerentes e, contrariamente ao que sempre se pensou, algumas das pessoas que vivem mais

distantes dos centros industrias e das fontes de poluição sofrem maior contaminação, pois os

agentes químicos viajam grandes distâncias e se acumulam durante a viagem até atingir

concentrações elevadas. Os agentes químicos não causam doenças, mas comprometem funções.

Os autores pretendem, assim, demonstrar que os seres humanos são vulneráveis a agentes

químicos sintéticos que alteram os hormônios.

31 “A persistência é considerada como uma virtude em seres humanos. Em agentes químicos, é a marca de um desordeiro. A industria de agentes químicos sintéticos ajudou a trazer a conveniência e conforto para os lares dos Estados Unidos, mas, ao mesmo tempo, libertou dúzias de agentes químicos, inclusive os PCB’s , que se tornaram famosos por combinarem as propriedades demoníacas da estabilidade externa, volatilidade e afinidade pela gordura” (Colborn, et al. 2003: 118).

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Ameaças, perigos e riscos dos agrotóxicos: as ressonâncias no discurso da indústria

química norte-americana

Um executivo de uma empresa multinacional norte-americana, a American Cynamid

Company, declarou, em 1962, o seguinte: “Se fôssemos seguir as lições da Senhora Carson,

retornaríamos aos negros anos e os insetos, doenças e vermes voltariam a dominar a terra” (Toxic

Chemicals & Health, 2002:s.p.). Um contra-ataque foi organizado pelas empresas químicas

Monsanto, Velsicol, American Cynamid, apoiadas pelo Ministério da Agricultura dos Estados

Unidos, que havia declarado que a utilização do DDT, com certas precauções, não representava

riscos.

No campo da Medicina as coisas tampouco eram muito promissoras. A Associação

Médica Americana (AMA) foi amplamente criticada por Carson ao declarar que os panfletos

publicados por ela eram ambíguos com relação aos efeitos à saúde no uso do DDT. Alguns meios

de comunicação também manifestaram sua desconfiança no trabalho apresentado por Carson.

A Monsanto, uma das maiores empresas químicas do país e do mundo, publicou e

distribuiu cinco mil cópias de um folheto parodiando Silent Spring, intitulado “O ano desolado”

(Brooks, 2000), relatando a devastação e os problemas surgidos no mundo onde a fome, as

doenças e os insetos se espalhavam por todo lugar devido à proibição dos pesticidas.

A palavra ecologia, que era quase desconhecida do público, se tornou um dos mais fortes

repertórios do século XX. Segundo Brooks (2000), um dos biógrafos da autora e amigo pessoal,

“quando ela começou a escrever, o termo ambiente tinha pouca das conotações de hoje. A

conservação não era ainda uma força política. Para a maior parte do público, a palavra ecologia –

derivada do grego habitation – era desconhecida, assim como o era o conceito do qual se

derivava” (p. xviii).

A legitimidade que a ciência oferecia ficou claramente estabelecida no debate que ocorreu

após a publicação de Silent Spring. Essa discussão evoluiu rapidamente tornando a questão dos

agrotóxicos numa ameaça. Tratava-se agora de estabelecer critérios para determinar não só se os

pesticidas eram perigosos, mas, sobretudo, quais pesticidas eram perigosos, jogando grande parte

da responsabilidade nas provas oferecidas pela indústria química, para testificar a condição de

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segurança. Pela primeira vez, surgiu a necessidade de regulamentação da indústria e dos avanços

técnicos produzidos por ela.

Para melhor entendermos o processo seguido pela indústria química após as fortes críticas

feitas ao DDT, e que teria um impacto em outros produtos químicos desenvolvidos

posteriormente, examinamos em detalhe a forma como a indústria construiu seus argumentos

para contestar a onda de críticas surgidas desde a publicação do livro de Rachel Carson, em 1962,

e as respostas suscitadas pelo livro de Theo Colborn, em 1996. Posteriormente, apresentamos

alguns dos elementos da postura atual das empresas químicas através do surgimento de um

posicionamento abertamente ‘comprometido’ com a segurança no uso de pesticidas.

Para tanto, utilizaremos dois tipos de documentos: inicialmente, uma série de documentos

privados que foram tornados públicos pelo Environmental Working Group, um grupo

ambientalista do Estado de Washington, nos Estados Unidos, que obteve a permissão de publicar

os arquivos secretos da indústria química norte-americana em 1998. Nesses arquivos escolhemos

os relatórios das reuniões realizadas pela diretoria da Associação de Fabricantes de Produtos

Químicos (Manufacturing Chemist’s Association − MCA) dos Estados Unidos em que aparecem

explicitamente referências sobre o posicionamento da indústria perante as denúncias feitas por

Rachel Carson e Theo Colborn. A seguir, utilizamos uma brochura promocional dessa associação

e suas filiais no mundo, disponibilizada na página da web.

A polêmica suscitada teve sua primeira manifestação na indústria como um problema que

devia ser resolvido pelo departamento de relações públicas da associação.

Em 1962, a indústria química discutiu o lançamento do livro Silent Spring e registrou em

dois dos relatórios;

O General Hull referiu-se a sua carta de 30 de julho para o Contato Executivo das Firmas, mencionando três artigos aparecidos em números recentes da revista New Yorker fixando posição sobre os supostos efeitos prejudiciais e de longo prazo produto do mau uso e inadequada aplicação de pesticidas. O artigo era a reprodução de um dos capítulos de um livro que será lançado sob o titulo de “Primavera Silenciosa” escrito por Rachel Carson, sua autora, uma bióloga marina. A Associação está considerando o assunto seriamente, e a reunião do Comitê de Relações Públicas que será realizado em 10 de agosto, discutirá medidas que deverão ser tomadas para colocar essa questão numa melhor perspectiva, perante os olhos da opinião pública. A Associação está desenvolvendo um programa para ser administrado como um empreendimento com a participação de outros da indústria interessados nesta questão, e será apresentado para o Conselho de Diretores para uma

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análise urgente. Pode se tratar de um programa imediato ou ‘programa de impacto’. Também está sendo considerado um programa de saúde ambiental de longo prazo para abranger não só questões relacionadas com os pesticidas, mas também questões similares. (Associação das Indústrias Químicas, Inc. Minutas de Reuniões. Agosto 9, 1962).

As tarefas imediatas, levadas adiante junto à Associação Química Agrícola Nacional, têm se precipitado pela próxima publicação do livro de Rachel Carson, “Primavera Silenciosa” (Associação de Fabricantes de Produtos Químicos, Inc. Minutas de Reuniões. Setembro, 27 de 1962).

Em 1963, o Programa Especial de Pesticidas, criado pela indústria, já estava em

andamento. Ele dependia do Programa Geral de Relações Públicas de Emergência, destinou 66

milhões de dólares à sua implementação. No entanto, o comitê executivo da associação decidiu

que seriam as empresas químicas fabricantes de pesticidas que financiariam diretamente o

programa, visando mantê-lo de forma permanente.

Para a indústria química, a necessidade do programa de emergência era controversa e, de

1963 até 1966, o tema não havia sido retomado para discussão nas reuniões da associação. Um

executivo encarregado de garantir o orçamento para o programa escreveu uma carta para o

comitê executivo manifestando as dificuldades encontradas na procura de recursos e chamando

atenção para a necessidade de evitar outra catástrofe, como a acontecida com as denúncias de

Rachel Carson. “Eu tenho vindo diante de vocês, geralmente, com a minha mão estendida em

sinal de súplica por apóio financeiro, para evitar esforços ou possíveis conseqüências de qualquer

assustadora ameaça, como aquela de Rachel Carson”.

Em maio de 1964, foi novamente discutido o impacto na opinião pública das denúncias

feitas por Rachel Carson. Numa carta escrita para o comitê de relações públicas, referido

anteriormente, Cleveland Lane, um executivo das empresas químicas expressa, em parte, o que

viria a ser, posteriormente, o desenvolvimento de uma postura política das empresas visando

estabelecer mecanismos para contrapor opiniões adversas aos “avanços tecnológicos” da

indústria. Nessa carta, foi reconhecida a fragilidade da indústria para promover a confiança da

opinião pública nos produtos químicos;

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O Comitê de Relações Públicas tem percebido que o medo do público sobre os químicos é uma doença que não será nunca totalmente erradicada. Ela pode ficar adormecida ou aparecer de vez em quando como uma erupção rápida, mas que ela pode ascender a qualquer momento como uma grande ainda que debilitada febre para nossa indústria, como resultado de poucos ou quiçá alguns momentos, como, por exemplo, a morte de peixes no Mississipi, a publicação de qualquer alarmista muito lido, ou de qualquer questão levantada por algum político precisando de visibilidade. Não temos qualquer controle sobre onde ou quando estes incidentes possam aparecer, portanto, embora planejar e antecipar sejam muito importantes, o Comitê Assessor em Saúde Ambiental deve estar sempre preparado para lidar com situações de emergência. Na medida que nós produzimos produtos ou desenvolvemos operações que podem causar danos à saúde, incomodar o público, ou danar propriedades, devemos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para prevenir essas situações (Relatório do Comitê Assessor em Saúde Ambiental. MCA, sobre as Atividades do Comitê de Relações Públicas. Maio, 1964).

No fim dos anos de 1960, o impacto do movimento ambientalista e a sua influência no

discurso da indústria química já se haviam consolidado. Vários anos de ataques e disputas

começaram a se refletir na venda de pesticidas, como o DDT que seria rapidamente proibido e

substituído por outros agroquímicos mais modernos e de efeitos mais imperceptíveis. Em 1969,

um fato foi reconhecido pela indústria: a retórica do medo aos produtos químicos tinha se

espalhado através de publicações na mídia e nos jornais acadêmicos;

O desenvolvimento de um ‘olhar lunático’ pós-Rachel Carson tem nos deixado sob o domínio de um tipo de mídia baseada em publicações medrosas tanto na imprensa pública como nas científicas. Apenas alguns indivíduos míopes da industria mundial podem não estar cientes do imenso interesse e influencia que é direcionada para a prevenção da poluição ambiental. A pressão pública e legal para eliminar ou prevenir a contaminação global são inevitáveis e provavelmente não poderão ser contidas com sucesso (‘Pressões que poderão afetar as vendas e o uso de aeroclor 1254 e 1260’. Outubro, 1969).

Na mesma época, o Ministério da Agricultura dos Estados Unidos declarou numa reunião

realizada com a MCA, que a controvérsia surgida sobre os pesticidas envolvia uma relação muito

próxima entre o governo e a indústria. O ministério exigiu que a industria defendesse o papel dos

químicos na sociedade e ao mesmo tempo tentasse ensinar às pessoas a “conviverem com os

químicos”. A indústria respondeu dizendo que eles não podem garantir uma absoluta segurança

na utilização dos produtos químicos.

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Entre a década de 1970 e o início de década de 1990, a indústria norte-americana

consolidou sua proposta na área de comunicação pública, estabelecendo as bases, em 1979, de

seu plano nacional de comunicação. A introdução do plano define os objetivos que buscam;

Proteger nossos funcionários e o público contra os riscos inerentes da produção e uso dos produtos da indústria. Nossa preocupação tem se traduzido num maciço investimento na proteção ambiental, assim como na melhoria de ações diretas dirigidas ao gerenciamento dos riscos nos produtos, nos locais de fabricação, nos meios de transportes e na disposição final dos produtos. Apesar dessas atividades positivas e construtivas, a indústria encontra-se muitas vezes em dificuldade causada pelo pouco conhecimento por parte do estado e do público sobre o que ela faz. Os problemas ganham mais atenção que as soluções, originando um clima adverso relacionado com posições do público, legislação e regulamentações adversas (MCA, 1974: introdução).

Em março de 1996, no relatório da MCA, encontramos referência à discussão surgida na

indústria com o lançamento do livro de Theo Colborn, Our Stolen Future. Mencionava-se no

relatório que um dos seus executivos, Mr. Holtzman, afirmara que o livro estava sendo vendido

“como uma seqüela de Silent Spring” (MCA, 1996:300-3). A MCA juntou-se a outras

associações da indústria para formular a resposta a esse livro. Mr. Holtzman menciona que a

Environmental Protection Agency (EPA) ainda não tinha uma posição a respeito do livro e que a

Reunião de Abertura do Comitê de Comunicações havia programado para o dia 20 de março a

participação de um dos autores de Our Stolen Future, Dr. John Peterson Myers, para fazer uma

apresentação.

Em entrevista com Dawn Forsyth32, ex-gerente de relações com o governo da Sandoz

Agro Inc. (agora Novartis AG), fabricante de agrotóxicos, ela assegura que a indústria tinha

obtido uma cópia do livro antes de ser lançado e que este fora distribuído entre os funcionários da

área gerencial. Assim que o livro veio a público, as associações de industrias químicas dos

Estados Unidos definiram uma estratégia comunicacional baseada no contato com jornalistas-

chave, que passariam para o público o posicionamento da indústria.

32 Ela foi presidente do primeiro Comitê criado pela indústria de agrotóxicos sobre o tema dos disruptores endócrinos até o ano de 1996.

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Além disso, a indústria contratou empresas para fazer acompanhamento às várias

apresentações públicas de Theo Colborn, principalmente àquelas feitas para grupos

ambientalistas. Ainda segundo Forsyth, o livro foi considerado seriamente pela industria e que,

desde o livro de Rachel Carson, a indústria nunca tinha se preocupado tanto com um trabalho

científico.

O Futuro Roubado abre um novo horizonte que, muito provavelmente, produza novos

tratados internacionais, assim como ocorreu com os CF’s, que afetam a camada de ozônio,

mesmo contra a posição das indústrias químicas. Segundo argumenta Santamarta (2001),

atualmente, podemos encontrar no mercado umas 100 mil substâncias químicas sintéticas. A cada

ano são introduzidas mil novas substâncias, a maioria sem nenhuma verificação ou revisão

adequada. Já foram identificados 51 produtos químicos que alteram o sistema hormonal, mas se

desconhecem os possíveis efeitos hormonais da grande maioria. Um dos aspectos que inquieta

mais é que alguns de seus efeitos se produzem com doses muito baixas.

Compreendemos assim, que os argumentos que sustentam a reação da indústria contra o

livro de Theo Colborn podem ser resumidos da seguinte forma: 1) a partir de 1960, a indústria

tem testado os pesticidas, mas a questão sobre o câncer tem sido evitada; 2) eles têm partido do

pressuposto que “a dose faz o veneno”, e em concordância com isso, têm assumido que as

pessoas têm de receber doses maciças de pesticidas, ou ao menos doses pela vida toda, para que o

câncer possa se formar. Mas, Theo Colborn afirma que qualquer dose, no momento certo, pode

causar efeitos. Tal afirmação seria capaz de destruir a base científica da indústria para realizar

seus testes; 3) se a indústria não tivesse a base científica para realizar testes, seus produtos se

tornariam muito vulneráveis no mercado mundial. As empresas poderiam ir à falência se

obrigados a endossar que seus produtos são disruptores endócrinos.

As normas atuais, que regulamentam a comercialização dos produtos químicos sintéticos,

se desenvolveram sobre a base do risco de câncer e de graves problemas de nascimento e se

calculam estes riscos tendo referência, como já discutimos anteriormente, um jovem masculino

de 70 quilos de peso (dose letal média). Não é levada em consideração a especial vulnerabilidade

das crianças antes do nascimento e nas primeiras etapas de vida, nem os efeitos no sistema

hormonal. As normas oficias e os métodos de teste de toxicidade avaliam, atualmente, cada

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substância química, separadamente, encontrando-se, de fato que as pessoas utilizam complexas

misturas de substâncias químicas.

Como destacou Stanley Silverman (1998), presidente de uma corporação de empresas, na

reunião anual da Associação Nacional de Distribuidores de Produtos Químicos, a reação da

indústria com as denúncias de Rachel Carson foi de desacreditar de suas descobertas enquanto

que o público começava a perceber os riscos à saúde humana e ao ambiente, desconsiderando as

vantagens do uso de pesticidas. Todavia, no caso do livro O Futuro Roubado, a resposta foi

completamente diferente.

Na sua resposta a Silent Spring a indústria mostrou pouca preocupação com os impactos dos pesticidas à saúde humana e o ambiente, o que ficou demonstrado no seu modo de agir reativo e defensivo. Na sua resposta a O Futuro Roubado a indústria utiliza agora um modo de resposta pró-ativo e responsivo tentando dirigir sua agenda para o estudo do impacto dos químicos denunciados. Para melhorar sua imagem a indústria deve agir segundo o interesse da sociedade e deve ser percebida pelo público como fazendo isso. A indústria química deve ouvir as críticas, decidir quais delas são válidas e agir para reponde-las. (p 4).

A indústria tem focalizado, então, na estruturação de estratégias dirigidas a atuar sobre a

percepção pública dos riscos ambientais em geral e dos riscos específicos causados pelos

agrotóxicos. O discurso sobre os perigos, as ameaças e, posteriormente os riscos, vêm se

conformando paulatinamente num movimento que vai dos efeitos individuais aos efeitos

coletivos. Como destaca Spink, M.J. (1999), “A percepção dos riscos tem percorrido um longo

caminho, ela tem se tornado mais politizada na medida que os impactos extrapolam a arena

individual e se transformam em impactos coletivos” (p. 25).

Junto ao desenvolvimento do movimento ambientalista, a industria fabricante dos

agrotóxicos também tem evoluído ao longo do tempo, construindo um discurso que pretende

confrontar as críticas cada vez mais aprimoradas sobre produtos químicos mais refinados. A

preocupação pública com os agrotóxicos não desapareceu, mas tem se transformado, misturando-

se com outros problemas relevantes da atualidade. Agrotóxicos mais potentes, mescla de

agrotóxicos e herbicidas, e última onda dos transgênicos ocupam o cenário diário da produção

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agrícola moderna, seja nos países industrializados, criadores dessas tecnologias, seja nos países

menos industrializados e entre os compradores e comercializadores desses produtos.

A indústria enfrentou, num primeiro momento, a crítica social aos agrotóxicos como um

problema de ‘relações públicas’; de imagem da indústria. Na medida em que os grupos científicos

foram apontando elementos de comprovação da ameaça desses produtos e dos efeitos adversos à

saúde, a indústria foi adaptando seu discurso para falar de responsabilidade e da ‘inevitabilidade’

do uso dos agrotóxicos na vida moderna.

Novos programas têm sido criados pela indústria química, desta vez vinculados à área da

saúde ambiental. A partir de então, como já discutimos, a industria química estabeleceria de

forma permanente ações institucionais para construir uma proposta política para os efeitos

adversos produzidos por agrotóxicos e outros produtos químicos. O discurso da

‘responsabilidade’ e do ‘uso seguro dos agrotóxicos’ se constituiria na versão mais avançada de

uma “indústria ambientalista”;

Importantes mudanças nas políticas ambientais têm acontecido desde a década de 1980. Na medida que os problemas globais têm tomado a dianteira o discurso ambiental tem-se tornado parte das políticas de ‘centro’ dos governos e a indústria tomou para si ‘assuntos verdes’ (Spink, M.J. 1999: 25).

Ao final da década de 1980 o conglomerado das indústrias químicas nos Estados Unidos,

representadas pelo American Chemistry Council (ACC) e seus aliados no mundo todo e

representados pela International Council of Chemical Associations (ICCA), lançaram o Programa

do ‘Cuidado Responsável’ (Responsible Care), para a administração dos produtos químicos ao

redor do mundo. Saúde, segurança e ambiente são os três pilares do programa que sustentam uma

nova e aprimorada linguagem da indústria química como resultado de várias décadas de

confronto com a crítica sistemática aos danos provocados pelos produtos químicos.

Uma brochura do ACC fala dos produtos químicos como ‘milagres tecnológicos’ que

sustentam a maioria dos avanços do mundo moderno. Junto com esses avanços surgiu a

‘consciência’ da necessidade da segurança do ambiente que inclui o impacto do trabalho de

Rachel Carson na mudança no discurso da indústria química como um todo;

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Após a publicação do bestseller de Rachel Carson, em 1962, a preocupação com o impacto de longo prazo dos produtos químicos surgiu, chamando atenção sobre a indústria dos químicos (ACC, 2003:3).

Em suma, a indústria passou a incorporar em sua retórica o que uma vez foi chamado de

discurso alarmista dos cientistas e posteriormente dos ambientalistas.

A visão do ‘não acidente, lesão ou dano ao ambiente’ é um objetivo que continuará a inspirar o caminho das melhoras e fará parte da resposta pública sobre o nosso desempenho em termos da saúde global e de segurança ambiental. (ACC, 2002:4).

2.3 José Lutzenberg e ‘O Manifesto Ecológico’: o debate mundial sobre os agrotóxicos e suas ressonâncias no Brasil

O livro Fim do futuro? Manifesto Ecológico Brasileiro, escrito por José Lutzenberg 33 e

publicado em 1986, é considerado uma referência para o movimento ambientalista brasileiro e

um exemplo das ressonâncias que idéias ambientalistas mundiais tiveram no Brasil. Nele,

encontramos coincidências nas formas de falar sobre os perigos, ameaças, riscos e danos do uso

de agrotóxicos, que começaram a ser utilizados nos argumentos criados por Rachel Carson, além

de apresentar características particulares decorrentes do contexto da produção agrícola brasileira.

Por sua importante repercussão no pensamento ecologista nacional, principalmente, para o

movimento ambientalista surgido no Sul do país, ele é incluído neste trabalho, por causa de seus

argumentos mais críticos a favor de uma agricultura que respeite as dinâmicas ambientais

naturais. Como o titulo do livro indica, trata-se de um chamado de alerta que utiliza umtom de

denuncia permanente.

Já no prefacio, Lutzenberg focaliza o processo de abandono de uma vasta região do

Parque de Torres, no Rio Grande do Sul, o qual deveria ter se tornado reserva ecológica e acabou

se transformando em objeto da especulação imobiliária. O autor menciona que o que havia 33 Ambientalista braileiro, conhecido e respeitado mundialmente por suas lutas conservacionistas, as quais tiveram início na década de 1970. Falecido em 2002, dedicou seus últimos esforços à defesa do desenvolvimento sustentável, principalmente na agricultura e no uso dos recursos não renováveis, procurando alertar para os perigos que a globalização, nas suas atuais tendências, representava para a humanidade em nível ecológico e social.

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acontecido e continuava a acontecer em Torres, refletia em miniatura “o quadro geral, local,

nacional e mundial: pequenos oásis de preservação local, gigantesca devastação no horizonte. Por

enquanto, pouca esperança de inversão de tendências”. (Lutzenberg, 1986: prefacio).

Apesar de o autor reconhecer que a situação que existia entre os anos de 1975-76, quando

escrevera o livro, não havia mudado muito de quando fora publicado sua quarta edição, em 1986,

um aspecto importante é ressaltado no quadro geral de mudanças acontecidas no Brasil;

Quando escrevi Fim do Futuro? pessimismo e esperança se misturavam. Agora, dez anos mais velho, a situação que vejo não é muito diferente, só mais aguda – mais desespero e também mais esperança. Existe hoje uma consciência ecológica incipiente, muito além do que naquela época se podia esperar para tão cedo, mas ela é ainda insuficiente para a gravidade da situação que confrontamos. Por iso prefiro deixar o livro como está. Ele documenta um momento importante na historia do movimento ambientalista brasileiro e mundial. (Lutzenberg, 1986: prefacio)

O texto organize-se em um preâmbulo e duas partes; o preâmbulo situa o livro como um

alerta para ‘os graves perigos que a humanidade enfrenta’: “... um documento de luta. Sua

finalidade é esclarecer, sacudir, chocar. È fazer pensar, promover discussão. A linguagem é

deliberada. Os minúsculos grupos que hoje lutam pela conscientização ecológica e contra a total

desestruturação ambiental e social, não mais podem ater-se à linguagem tímida” (p 10).

Numa introdução à primeira parte, Lutzenberg apresenta os elementos teóricos de sua

visão da ecologia resumido num termo por ele utilizado − GAIA34 − e que inspirou o nome de

uma fundação criada por ele. Quatro aspectos são destacados: o conceito de Ecosfera como uma

unidade funcional, em que compara as peças do ambiente com os órgãos no organismo; o

interesse na preservação de todas as espécies; a homeostase entendida como um equilíbrio auto-

regulado, a base da sobrevivência do sistema; e a reciclagem perfeita e perpétua de todos os

materiais de que se serve a vida. Ecosfera, homeostase e reciclagem fazem parte de uma proposta

34 GAIA é o nome poético dado pelos antigos gregos à Deusa da Terra e James Lovelock, pesquisador britânico, reintroduziu esse nome nos anos de 1970 na apresentação de sua Hipótese Gaia. Segundo essa hipótese, a Terra é um sistema vivo que dispõe de mecanismos de auto-regulação, ou seja, homeostase: mecanismos gerados e regulados pelos processos vitais, que propiciam a manutenção das condições ambientais necessárias à Vida. Esse modo holístico de se olhar para o nosso planeta, enquadra a nós, humanos, como parte integrante de um todo, onde tudo age interligado a tudo.

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ainda muito vinculada com uma concepção fortemente influenciada pelos conceitos da biologia.

No entanto, no resto do livro, Lutzenberg amplia sua visão, atentando para a construção de uma

proposta política de mudança do pensamento ecologista brasileiro.

Na primeira parte do livro, sob o título Demolição da ecosfera descreve-se o processo de

exploração extrativa em grande escala. Conforme o autor, a ‘agricultura de rapina’ desenvolvida

no oeste do Paraná, serve para exemplificar o impacto de um tipo de produção agrícola que

produz erosão dos solos, produto da queima indiscriminada. Junto à agricultura de rapina,

desenvolveu-se também o que Lutzenberg nomeia como a ‘moderna agricultura empresarial em

grande escala’;

O alto grau de mecanização, o cultivo de seleções genéticas de alta produtividade, mas também de elevada exigência e vulnerabilidade, da chamada ‘Revolução Verde’ e o uso intensivo dos métodos da agroquímica fazem com que estas formas de agricultura, no consenso quase geral, sejam aceitas como um grande progresso, única maneira de ainda alimentar as massas da avalanche demográfica. Mas esta é outra mentira infame. Estes métodos interessam à grande indústria, não à sobrevivência! . A agricultura moderna é outra forma de rapina, de rapina mais irreversivelmente destruidora que a rapina do caboclo. Os métodos agrícolas modernos são métodos imediatistas que significam produtividade momentânea às custas da produtividade futura. (Lutzenberg, 1986:23)

Ele avança ainda na descrição dos elementos da agricultura industrial ressaltando seu

caráter intensivo que pressupõe grandes monoculturas o que produz uma simplificação dos

ecossistemas agrícolas contraria à homeostase dos sistemas, que se baseia na complexidade

destes. A simplificação gera vulnerabilidade, principalmente às pragas que são combatidas com

agroquímicos cada vez mais potentes.

Inescrupulosamente, a agroquímica promove agressões antes inimagináveis. Basta citar o caso dos ‘desfolhantes’ na Guerra de Vietnam e sua continuação como herbicidas aplicados por avião, para a destruição, em grande escala, da floresta ou vegetação arbustiva, com o intuito míope de transformá-las em pastos simplificados, em monoculturas, ecologicamente insustentáveis (Lutzenberg, 1989:24).

Os estragos produzidos por esse tipo de abordagem, dos chamados inimigos da produção

agrícola, também são denunciados por Lutzenberg. Um aspecto interessante sobre os impactos do

uso de agrotóxicos é o que o autor chama de ‘calamidade agroquímica’. Nesse particular, ele

menciona que a linha oficial é atribuir os impactos negativos, intoxicações e morte de espécies

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animais, ao mau uso dos químicos, argumento que, ainda hoje, faz parte do discurso de técnicos

agrícolas, de profissionais da saúde, de produtores, e de funcionários da própria industria.

Segundo o autor, o problema não decorre só do mau uso, “o próprio uso correto, constitui arma

indiscriminada. O agricultor que pretende ver-se livre de um determinado inseto em sua lavoura,

aplica uniformemente em toda ela um veneno fulminante e persistente”. (Lutzenberg:1986:25)

Um outro aspecto sobre o impacto da agricultura, baseada nos métodos químicos, é o

deslocamento de populações de agricultores sem capital para investir em tecnologias modernas;

Do ponto de vista social, a agricultura moderna é responsável por sérios transtornos estruturais. Ela elimina a mão-de-obra no campo e contribui diretamente à hipertrofia das grandes cidades. Só lucra mesmo com a maquinaria pesada e a agroquímica quem já é forte. Ao pequeno agricultor só resta retirar-se e partir para o trabalho assalariado, quando houver (Lutzenberg: 1986:25).

Na segunda parte do livro, chamada Reconquista do Futuro, alerta para as conseqüências

futuras da tendência globalizada de degradação ambiental e exaustação dos recursos, aumentando

gradativamente as dificuldades e tensões. Lutzenberg, num tom de premonição, aponta para os

efeitos sociais e políticos dos problemas ambientais, citando a possibilidade de conflitos

internacionais e convulsões sociais incontroláveis; “em poucas décadas nos veremos

confrontados, todos, com o momento da verdade. A calamidade será global e irreversível. Nossos

filhos, as crianças e os jovens de hoje, sentirão em carne e osso o preço de nossa imprevidência

atual”. (Lutzenberg, 1986:59).

Mas embora pareça que o discurso seja de desesperança e falta de saídas, nas paginas que

se seguem, propõem-se algumas ações. A primeira das recomendações é a necessária mudança de

nossas atitudes, o reexame dos valores sobre o progresso e o desenvolvimento. Para isso, ele

sugere uma ciência com ética que permita o surgimento de tecnologias menos agressivas e mais

sustentáveis;

Fundamentalmente, a solução dos problemas ambientais está na educação. Mas a educação é um processo lento, demasiado lento para conter ainda a avalanche que se aproxima do estrondo. Para que ainda tenha sentido a educação da juventude, devemos fixar já os novos caminhos, devemos começar logo a reparar o que pode ser reparado. Para isto devemos abjurar a simplória ideologia do crescimento ilimitado, do desenvolvimento sem freios, do preenchimento dos últimos ‘vazios’. A visão da Ecosfera como um todo

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sinfônico terá que estar na base de nossas considerações políticas e econômicas. (Lutzenberg,1986:60) (grifos nossos)

O livro traz uma proposta sob o título de Ética da Terra. Segundo Lutzenberg, a

agricultura em sua forma atual é uma das principais causas da devastação. Por isso, deve-se

iniciar uma reorientação das práticas do caboclo e do pequeno e grande produtor;

No sentido de dar-lhes tradição camponesa, isto é, amor e apego à terra, respeito e cuidado do solo pela reciclagem de toda matéria orgânica, pela diversificação e rotação de cultivos e pelo controle da erosão. O ecossistema agrícola terá que voltar a paisagens culturais equilibradas, o que levará também a um equilíbrio social estável (Lutzenberg: 1986:65).

O uso dos métodos agroquímicos não é o caminho que deveríamos seguir, pois eles só

produzem alimentos desequilibrados que afetam os sistemas imunológicos. Medicina e

agropecuária segundo Lutzenberg, deveriam se juntar na procura de uma população mais sã. O

autor aproveita para introduzir uma crítica à medicina que aborda o ser humano como máquina

que precisa ser reparada e aos agrônomos, que por sua vez, só se preocupam pela quantidade de

alimento que é produzida e não pelo impacto na saúde pública. “Uma política agropecuária e

sanitária que visse a saúde global da Vida, partiria do princípio ecológico fundamental de que

saúde do solo, da planta, do animal e do homem são uma só coisa indivisível” (Lutzenberg,

1986:66).

No fim do livro o autor insiste na idéia do equilíbrio como norteadora de seu pensamento,

conseqüente com a postura ecológica. O equilíbrio ecológico é definido por ele como cultura

ecológica dentro de um patriotismo ecosférico. A educação como base terá uma nova ênfase,

qual é longe da especialização reducionista e sem preocupação ética, ampliando o sentido de

responsabilidade difusa e inclusiva.

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CAPITULO IV

O lugar da pesquisa

Nossa intenção, nesta tese, foi discutir questões teóricas e contextuais associadas à

formatação do agrotóxico como risco e, ao mesmo tempo, analisar como se manifesta isso no

semi-árido ocidental venezuelano, mais concretamente no Vale de Quíbor35. Para consecução

destes objetivos faremos, a seguir, uma caracterização do lugar a partir do qual surgiu o nosso

interesse em pesquisar a linguagem dos riscos no uso de agrotóxicos, destacando sua relevância

para alguns dos interlocutores envolvidos nessa problemática.

1. O Vale de Quíbor: uma região no semi-árido da Venezuela

O Vale de Quíbor está localizado na região centro-ocidental da Venezuela, no Município

Jiménez do Estado Lara. A cidade de Quíbor é a capital desse município, estando situada a 30

quilômetros ao sudeste de Barquisimeto, a capital do Estado.

Os limites da superfície utilizável para o desenvolvimento agrícola do Vale de Quíbor

foram estabelecidos no decreto presidencial nº 1592, de 19 de agosto de 1982, e mediante este

decreto declarou-se o Vale como Zona de Aproveitamento Agrícola36, ficando incluída uma

superfície de 43.395 hectares. (Sandia, 2000:110).

35 A primeira vez que a região quiboreña é mencionada em documentos da colônia espanhola é em 1545, quando López Montalvo de Lugo, por ordem do Governador Jorge Spira, se adentrou nas terras de um vale e chegou ao lugar que os índios chamavam ‘Quíbor’. Às vezes, o nome mudava de ‘Quíbor’ para ‘Quibure’. A palavra ‘Quibore’ ou ‘Quibure’ significa, em dialeto indígena, Colheita. Os primeiros habitantes do Vale de Quibor foram os pacíficos Ajaguas. Quibor foi fundado em 1620 pelo Capitão Geral Francisco de La Hoz Berríos, na época, Governador da Província de Venezuela. Disponível em: http://www.elimpulso.com/enciclopedia/. Data de consulta: 25/05/2004.

36 Essa definição estabelece que não é permitido o uso da terra para atividades outras que as de exploração agrícola.

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É definida como uma região semi-árida pela escassez de chuvas, que só ocorrem em dois

períodos do ano, entre abril e junho e entre outubro e novembro. Entre esses dois períodos,

durante os meses de janeiro e março, acontece o momento mais forte de estiagem.

A paisagem, predominantemente seca, é interrompida pelas terras utilizadas para a

agricultura sob irrigação, razão pela qual pode-se observar um grande mosaico de terrenos

submetidos a diferentes tipos de cultivo, especialmente de hortaliças, e sob sistemas intensivos de

produção agrícola. Além disso, há as áreas de uso urbano da cidade de Quíbor, localizadas no

centro do Vale e compostas de pequenos assentamentos humanos distribuídos por toda a área.

A principal atividade econômica do Vale é agropecuária, com destaque na produção de

hortaliças, cana de açúcar, frutas, pastagens e a criação de bovinos para a produção de leite e

carne. Destacam-se também, as atividades artesanais, elaboração de réplicas de peças do período

pré-colombiano originárias da região e uma grande variedade de peças de argila e barro. Da

mesma forma, as fábricas familiares de tecidos são reconhecidas como um dos mais famosos

artesanatos da região e do país.

Segundo as estatísticas (Sandia et al., 2000), Quíbor é considerado o primeiro produtor do

país dos seguintes cultivos: 54,6% da produção nacional de cebola, 44,9% de tomate e 31,4% de

pimentão, apresentando uma intensa atividade produtiva ao longo do ano. Dados recentes da

Direção de Estatísticas do Ministério da Agricultura e Terras (MAT, 2002) mostram que o estado

Lara é o segundo produtor nacional de tomate, com uma produção de 33.034 toneladas, 65% da

produção nacional, atrás do estado Guárico, o primeiro produtor do país, com 37.650 toneladas.

Em 2002 o estado Lara era também o primeiro produtor nacional de pimentão, com uma

produção de 30.232 toneladas, 50% da produção nacional total, nesse rubro.

O Vale de Quíbor é uma região que pode ser facilmente dividida entre o centro

urbanizado da cidade e as áreas de plantio que estão ao seu redor. Grandes fazendas e plantios

menores encontram-se em todas as direções da cidade. Trata-se de uma região controlada por

grandes fazendeiros que foram adquirindo todas as terras disponíveis durante um período de mais

de quarenta anos. De acordo com Morales (1990) a forma de apropriação da terra passou por um

processo de compra paulatina de terras a pequenos agricultores oriundos da região. Os novos

donos alugavam as terras, por meio de um contrato verbal, que durava o período da colheita,

oferecendo-lhes a infra-estrutura necessária para a produção, desde que, em troca, o agricultor

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lhes desse uma determinada porcentagem do lucro que variava entre 25% e 35%, sobre o valor de

toda a colheita. Esses contratos funcionavam como acordos mútuos que eram rompidos quando

as partes descumpriam o acordado.

Hoje, as grandes unidades produtivas, superiores a 200 hectares, são as que contribuem

para os maiores volumes de produção que chegam aos mercados de consumo nacionais, pois, elas

dispõem de reservatórios de água, equipamento para irrigação, além de outros recursos.

Apesar da baixa disponibilidade de água para irrigação dos plantios, o Vale de Quíbor tem

sido submetido ao desenvolvimento de atividades agrícolas e pecuárias desde o período colonial

(Fudeco, 1972). Originalmente o Vale produzia apenas cana de açúcar, mas, a partir dos anos de

1960 e com a introdução da irrigação com água subterrânea e a incorporação de novas formas de

produção, trazidas pelos novos colonos europeus, a produção de cana de açúcar foi sendo

paulatinamente substituída (SHYQ, 1997).

As maiores unidades de produção estão nas mãos de um pequeno número de produtores.

Trata-se de famílias que possuem o capital necessário para sustentar os altos níveis de

investimento requeridos. Os grandes proprietários localizam-se fundamentalmente na zona norte

do Vale, lugar onde, nas décadas de 1950 e 1960, começou a atividade agrícola extensiva e a

monocultura, quando se iniciou a exploração de águas subterrâneas.

Nesses anos chegaram produtores estrangeiros, principalmente das Ilhas Canárias na

Espanha, investindo fortemente na infra-estrutura necessária para plantar e adquirir

progressivamente grandes lotes de terreno. A presença de agricultores Canários, procedentes

particularmente das regiões de Agulo e Alojera, na Espana, é muito importante em todo o Estado

Lara, e especificamente em Quíbor, onde até hoje seus descendentes continuam a investir na

região.

Poucos produtores tradicionais independentes da região têm conseguido escapar da

tendência à concentração da terra, estabelecendo-se um padrão de ocupação do espaço agrícola

com predomínio dos latifúndios.

Segundo um diagnóstico realizado pela Empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor −

SHYQ (1997), o cultivo de hortaliças tem se desenvolvido sob um padrão tecnológico que exige

um alto consumo de insumos agrícolas, incluindo os agrotóxicos.

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O uso de maquinaria agrícola é generalizado tanto por parte dos grandes produtores como

dos pequenos, sendo que 92% dos produtores da região emprega maquinarias para preparar o

terreno, e 87% as utilizam para aplicar os agrotóxicos nas diversas culturas agrícolas.

Um elemento que ratifica o caráter intensivo da exploração agrícola no Vale é o uso

generalizado de produtos químicos em todas as etapas do processo produtivo. Num questionário

aplicado a uma amostra de produtores do Vale de Quíbor (Fudeco-SHYQCA, 1995), 95%

disseram haver utilizado fertilizantes, 83%, algum tipo de agrotóxico e 85%, herbicidas. O

quadro abaixo mostra o padrão de consumo no país, de acordo a cifras disponíveis, o qual varia

um pouco da proporção de consumo que existe no Vale de Quíbor.

Venezuela: consumo de agrotóxicos em toneladas37

Agrotóxico/Ano 1990 1991 1992

Herbicidas 200 343 1.499

Inseticidas 468 606 767

Fungicidas, Bact. 1.154 1.460 1.662 Fonte: Cepal, baseado em dados de FAOSTAT, 2001.

Um elemento importante a destacar é o fato de que a maior parte dos insumos agrícolas

utilizados na região é comprada nas lojas locais, o que demonstra a consolidação do agro-

comércio e a estreita relação estabelecida com os produtores da região, que utilizam também os

serviços de assistência técnica proporcionados pelas casas comerciais. Esta relação é favorecida

pela participação de grandes produtores da região como parceiros das lojas de agroquímicos, em

atividades diversas ligadas à produção agrícola.

Em um estudo realizado pelo Centro de Investigaciones Agropecuarias del Estado Lara

(CIALA) entre 1982 e 1992 (Sandia et al, 2000), observou-se que em um grupo de 22

37 Dados mais recentes sobre consumo de agrotóxicos na Venezuela não foram localizados. De acordo com um funcionário do Ministério de Agricultura e Terras do país há uma dificuldade constante de acessar dados de consumo devido a que os distribuidores de agrotóxicos não são obrigados por lei a proporcionar informação de maneira atualizada.

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propriedades (entre pequenas, médias e grandes unidades de produção), utilizava-se uma

variedade de 107 produtos agrícola comercializados na região, integrados por 64 tipos de

ingredientes ativos. Entre eles, 34 (53,1%) eram inseticidas, 21 (32%) fungicidas, e 9 (14,1%)

herbicidas.

Os dados dessa pesquisa mostram, em primeiro lugar, que mais da metade dos

agrotóxicos utilizados na região busca controlar os insetos que atacam os cultivos. Em segundo

lugar, usam-se os fungicidas, que constituem uma terceira parte do total. Os menos utilizados são

os herbicidas, numa proporção de 10%. Entre os produtos que participaram da pesquisa, os

inseticidas são considerados de maior risco, pois 32% deles são extremamente tóxicos, 26,5% são

altamente tóxicos, 20,6% são moderadamente tóxicos e apenas 14% são ligeiramente tóxicos.

Dos tipos de inseticidas utilizados na região, o DDT e o metasystox incluem-se na

categoria I dos pesticidas, que embora proibidos ou severamente restringidos pelo Código de

Conduta da FAO, circulam no Vale em situação ilegal. A categoria II está referida aos que podem

causar riscos à saúde e ao ambiente. Desses, foram identificados Acerón, Carbodán, Furadán,

Lannate, Metacide, Metavin, Methion Monitor, Nudrín, Penco Monitor e Tamarón. Além de

tudo, os inseticidas DDT, Endrín, Metacide e Methion e o herbicida Gramoxone estão incluídos

na “Dúzia Suja” dos produtos catalogados como potencialmente perigosos pela Red de Acción en

Plaguicidas (RAP-AL, 1992).

De acordo com estatísticas do Departamento de Epidemiologia da Direção Setorial de

Saúde do Estado Lara e do Centro Toxicológico da Região Centro Ocidental da Venezuela, das

3.350 intoxicações agudas registradas no Estado Lara entre 1.984 e 1.996, 560 corresponderam

ao Distrito Sanitário de Quíbor, 16,7%, cifra similar à observada em Barquisimeto, apesar da

importante diferença do número de habitantes de ambas localidades (Ludewig et al, 1999).

Dados recentes do programa de vigilância epidemiológica do estado Lara, divulgados na

imprensa local, 90% dos casos de intoxicação registrados no Vale são provocados pelo uso de

agrotóxicos, “entre 1997 e 2002 a região passou a ocupar o primeiro lugar nacional como o maior

registro de morbilidade por essa causa, representando 2.310 dos casos reportados” (El Impulso,

2003: B-11).

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Segundo as pesquisas referidas, esses dados parecem sugerir a existência de vários fatores

de risco, ligados à atividade agrícola desenvolvida no Vale de Quíbor, especialmente àqueles

vinculados ao uso de agrotóxicos: transporte, preparação, aplicação e armazenagem dos produtos.

Diante da dificuldade de estabelecer controles mais eficazes no uso de substancias tóxicas

no Vale, a Prefeitura de Jiménez, cuja capital é Quibor, aprovou, em 21 de novembro de 1996,

uma regulamentação municipal sobre comercialização e manejo de agrotóxicos no município,

amparada na Ley Orgânica de Regimen Municipal, que prevê a promulgação de leis específicas,

em âmbito municipal, para legislar sobre problemas que afetam localidades geográficas

particulares. A elaboração e posterior aprovação de dita regulamentação foi uma iniciativa da

Comisión de Calidad Ambiental del Valle de Quibor (CCAVQ), com a participação da prefeitura,

representantes dos Ministérios do Ambiente, de Saúde, de Agricultura e Cria, a Empresa Sistema

Hidráulico Yacambú-Quíbor (SHYQ, C.A), e as Forças Armadas de Cooperação (FAC).

A justificativa apresentada na introdução do texto dessa regulamentação aponta os

problemas enfrentados no município de Jiménez pela ausência de normativas específicas, que

ajudem a estabelecer um maior controle dos efeitos que o amplo uso de agrotóxico vem

acarretando para a saúde da população do Vale de Quibor.

Na Venezuela, apesar da existência de normas específicas sobre a matéria, a comercialização e uso de praguicidas de todo gênero têm passado a ser um problema crônico, que, sem lugar a dúvidas, invade os prédios da salubridade e a ordem pública. É algo comum, sobre o qual nos temos habituado, que os meios de comunicação informem sobre mortes de pessoas por envenenamento, sobre contaminação dos rios os cursos de água, de alimentos, do ar que se respira, devido à ação desses compostos. Em todo este assunto o Município Jiménez não é uma exceção. Sua característica de região em crescente desenvolvimento, a fecundidade de suas terras com vocação agrícola tem convertido este Município num típico centro de distribuição e uso de praguicidas no estado, com todas as conseqüências derivadas disso. São essas algumas das razões que justificam a necessidade de esta lei municipal (Consejo Municipal de Jiménez, Estado Lara, 1996: 3-4).

Um outro aspecto a ser ressaltado é que, segundo o discurso que circula na imprensa, na

mídia regional e entre os profissionais da saúde, o uso ‘inadequado’ de agrotóxicos pode derivar

em danos à saúde do trabalhador que manipula diretamente o produto, assim como para um grupo

importante da população exposta de maneira indireta; outros trabalhadores (as) do campo,

familiares e residentes de zonas adjacentes às áreas nas quais se usam estes produtos.

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Fala-se da necessidade de realizar investigações para melhor caracterizar os riscos e

propor as medidas de controle. Além disso, tem se ressaltado que a falta de um sistema de

vigilância epidemiológica, eficiente e específico para intoxicação por agrotóxicos, e de alcance

estadual, torna impossível conhecer os efeitos que em longo prazo poderia causar o uso

indiscriminado de agrotóxicos à população, como no caso das intoxicações crônicas por esses

produtos e outras manifestações como o câncer, mutações, malformações congênitas, esterilidade

e outros efeitos sistêmicos que a literatura científica tem associado aos agrotóxicos.

Figura 3

Mapa de localização relativa do Vale de Quíbor

Fonte: SHYQ (1998).

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Figura 4

Mapa do Município Florencio Jiménez

Fonte: El Impulso (2004) 2. Trilhando os caminhos do agrotóxico no Vale de Quibor

Figura 5: Pulverização manual no Vale de Quíbor Foto: Jesús Canelón (2000)

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2.1 Do uso de agrotóxicos na Venezuela e sua regulamentação: apontamentos

históricos

Há registros do uso de substâncias químicas tóxicas, na Venezuela, chamadas inseticidas

ou praguicidas, desde o inicio do século XX, principalmente no ocidente do país. No entanto, a

aplicação desses produtos era ainda muito isolada e em uma escala muito pequena. Segundo

Rodríguez Campos (1982) há informação de que o governo venezuelano decretou, em 1915, a

livre importação de uma substância química, um alcalóide vegetal denominado quinina, com a

finalidade de controlar um brote de Malaria em Barquisimeto, capital do Estado Lara. Após isso,

em 1922, o governo nacional emitiu um decreto recomendando a utilização desse produto para o

combate da malária.

Em 1927, é introduzido no país o uso do aceto arsênico de cobre, conhecido

comercialmente como ‘Verde Paris’, nas campanhas antimaláricas. Mas, não seria senão em

meados da década de 1940, que, formalmente, começara a utilização destes produtos químicos no

país, principalmente para fins sanitários. A partir de 1945 iniciam-se as campanhas nacionais de

controle de vetores, de controle de doenças endêmicas e as campanhas de luta contra a Malaria. A

Divisão Nacional de Malariologia teve um papel essencial no processo de difusão do uso de

produtos químicos, para o combate de doenças de amplo alcance populacional. O uso do DDT foi

veiculado também dentro desse movimento sanitário. Foi assim que, entre 1945 e 1951, o produto

foi amplamente utilizado em todo o país, embora já para 1952 os pesquisadores haviam reportado

a crescente resistência do transmissor da malária, o anopheles, especificamente na região oriental,

na parte sul-ocidental do Lago de Maracaibo, e no ocidente do país.

Outras substâncias químicas de amplo poder residual e muito eficazes, como o Dieldrin,

também da família dos inseticidas órganoclorados, começaram a ser utilizados durante a década

de 1950, sob a coordenação da antiga Divisão de Malariologia do Ministério da Saúde. Durante

essa mesma década, a Venezuela entra na lista mundial de consumidores de inseticidas

organoclorados, ocupando o espectro predominante de uso das substâncias químicas disponíveis

no país.

Rodríguez Campos (1982) denomina essa fase de a ‘época dos inseticidas

organoclorados’, os quais eram estocados em grandes quantidades, em várias regiões do país, e

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administrados pelo Programa Nacional de Endemias Rurais. A estocagem desses produtos, ainda

segundo o autor, facilitou o aparecimento dos primeiros casos de intoxicação em humanos,

obrigando o Ministério da Saúde, sob a coordenação da Divisão de Malariologia, a criar o

Serviço de Estudos Clínicos Toxicológicos, o primeiro desse tipo no país.

Uma fase importante nesta tentativa de historiar a introdução de produtos químicos para o

combate de pragas, em sentido amplo, é quando esses produtos passam a ser utilizados na

produção agrícola. Concomitantemente, se amplia uma nova modalidade de uso para o combate

de pragas domésticas utilizando inseticidas organoclorados, contribuindo, também, para o

aumento da intoxicação em humanos e animais domésticos.

Pela primeira vez, o governo venezuelano criou uma regulamentação para o controle de

empresas desinfetadoras em ambientes domésticos, estabelecendo uma série de normas de uso de

substâncias tóxicas; a resolução ministerial No. 27 da Direção de Saúde Pública do Ministério da

Saúde y Assistência Social de 29 de setembro de 1954. (Rodríguez-Campos, 1982:5).

Uma segunda fase é caracterizada pela utilização de um novo grupo de organoclorados

quimicamente diferentes. Trata-se dos inseticidas organoclorados utilizados principalmente na

agricultura, com a introdução de produtos conhecidos comercialmente na Venezuela, como

Paration, Malation e Diazinon.

O aumento de intoxicação por agrotóxicos inaugura no país, em fins de 1950 e inicio da

década de 1960, o estudo e vigilância epidemiológica de casos de intoxicação em humanos,

estabelecendo-se, de maneira mais permanente, o registro estatístico da quantidade de

agrotóxicos importados no país. Em 1 de agosto de 1952, o governo decretou o Reglamento de la

ley de abonos, insecticidas y fungicidas para usos agrícolas o pecuários y de alimentos

concentrados para animales, que lhe dá ao Ministério de Agricultura e Cria o controle sobre a

elaboração, distribuição e venda dos inseticidas no país. De acordo com Alves Filho (2002:15), a

Venezuela inicia o processo de autorização escrita para venda de agrotóxicos já desde a década

de 1960, em avançada legislação comparado a países da Europa, como a Polônia, processo que só

aconteceu no Brasil no final da década de 1980.

Ainda nessa época, o estado venezuelano se debatia num contexto de novas tensões entre

os benefícios e malefícios da utilização dos inseticidas, introduzindo exigências para a tomada de

decisões, em prol do resguardo da saúde da população. Essa tensão entre os casos de intoxicações

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e a crescente utilização dos produtos químicos nas atividades agrícolas e de luta contra vetores,

propiciaram a restrição de certos produtos de uso exclusivo pelo Ministério da Saúde, como no

caso dos inseticidas utilizados nas campanhas nacionais contra a malária e outras endemias

rurais.

Com a comercialização de produtos químicos formulados no país, para sua utilização

doméstica, agrícola ou sanitária, a década de 1950 a 1960 foi marcada pela ausência de qualquer

instância governamental para analisar e controle do consumo de substancias químicas.

Em 1961 o Ministério de Agricultura e o Ministério da Saúde concordam em definir

certas normas de controle dessas substancias, decorrente do aumento no consumo nacional.

Surgem desse acordo duas resoluções: 1) a Resolução AG-112, da División de Sanidad Vegetal

do Ministério de Agricultura e Cria, de 19 de maio de 1961, sobre Distribución, expendio,

embalaje, almacenmiento, manejo y utilização de inseticidas, fungicidas y demás produtos

tóxicos de uso agrícola o pecuário; 2) a Resolução No. 1 da Dirección de Malariologia e

Saneamento Ambiental, em 24 de maio de 1961, que “proíbe a venda, armazenamento e

utilização de inseticidas de alta toxicidade em aqueles estabelecimentos onde se armazenem,

elaborem ou ofereçam à venda produtos alimentícios ou bebidas” (Rodríguez-Campo, 1982:7).

Embora o país tivesse iniciado a corrida pelo controle do uso dos agrotóxicos, por meio

do estabelecimento de regulamentações com força de lei nacional, tanto o Ministério de

Agricultura como o Ministério da Saúde não dispunham de uma infra-estrutura para a vigilância

dessas normas, sobretudo nos espaços do cotidiano agrícola do país. Isto teve como resultado o

aumento constante das estatísticas de intoxicações e propiciou a criação, no Ministério da Saúde,

do Servicio Nacional de Controle de Inseticidas, sob a coordenação da Dirección de

Malariologia e Saneamiento Ambiental, encarregado de formar funcionários para as labores de

vistoria de locais de venda dos produtos químicos, o controle das fumigações domésticas e a

supervisão do uso em áreas agrícolas.

Em 23 de julho de 1964, o Ministério de Agricultura e Pecuária promulga a Ley de

Abonos y demás agentes susceptibles de operar uma acción beneficiosa em plantas, animales,

suelos y águas, e dois anos mais tarde, em 16 de junho de 1967, os Ministérios de Agricultura e

da Saúde, criam a Comisión Nacional de Prevención de Accidentes derivados de la utilización de

Productos Tóxicos em Actividades Agrícolas y Sanitárias. A comissão buscava elaborar projetos

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de leis, resoluções e normas que contribuíssem na solução de problemas derivados do uso

crescentes de agrotóxicos, sendo formada por técnicos da Faculdade de Agronomia da

Universidade Central da Venezuela (UCV), do Ministério de Agricultura e Pecuária e do

Ministério da Saúde. Essa comissão elaborou o primeiro projeto de Resolução do Reglamento

General de Plaguicidas, em 10 de julho de 1968, segundo decreto No. 1.151.

De acordo com Fernández e Cermelli (1982), na década de 1960 se inicia um movimento

em Venezuela, que, influenciado pelo impacto do debate ambientalista mundial, tentou criar

consciência sobre os riscos do uso indiscriminado de agrotóxicos, tanto para o ambiente como

para o homem;

Coincidindo com o ambiente de angustia internacional, gerado pela publicação de Rachel Carson ‘Primavera Silenciosa’, a qual assinala, em termos dramáticos, os problemas que ocasionara o uso de praguicidas nos ecossistemas, e o mais importante, evidencia a contradição entre o valor econômico da agricultura e a industria química e o valor social, criando um movimento internacional sobre o uso de biocidas e seus efeitos. Este movimento, na Venezuela, faz possível a promulgação do Reglamento General de Pesticidas em 1968 (p 3).

Deste modo, entre 1968 e 1975 foram produzidos vários instrumentos legais para o

controle progressivo do uso de agrotóxicos no país, reformulando também as funções da

Comisión Nacional de Plaguicidas, que para finais da década de 1970 já havia assumido uma

orientação mais clara, ampliando o espectro da participação de organizações e grupos vinculados

com a questão mais ampla da fabricação, venda, manejo e vigilância do uso de substancias

consideradas tóxicas. Para tanto, estrutura-se a Comissão Nacional com a participação da

Federação Médica Venezuelana, a Sociedade Venezuelana de Engenheiros Sanitaristas, a

Sociedade Venezuelana de Agrônomos, a Associação de Fabricantes de Produtos Químicos

Agropecuários, a Comissão Nacional de Normas Industrias, o Ministério de Fomento Industrial, o

Ministério do Ambiente e o Ministério da Saúde.

Entre as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pela influencia crescente da pesquisa

agrícola na procura de mudanças no controle das pragas, tentando estabelecer um ‘controle

químico’ que buscasse otimizar as aplicações e, em alguns casos, promovendo a participação de

grupos de pesquisadores da área agrícola que desenvolvessem o ‘controle integrado de pragas’,

combinando o controle biológico e mecânico.

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Durante a década de 1980, deu-se muita ênfase à publicação de experiências de extensão

agrícola, utilizando vários métodos de controle de pragas, recomendando-se o tratamento

localizado e a utilização de praguicidas biodegradáveis, embora cada dia a industria química

produzisse novas formulações de produtos, como no caso da introdução dos piretroides38. A

pesar das recomendações de vários grupos de técnicos da área agrícola, a favor da substituição

progressiva do controle químico das pragas, e de uma certa racionalização das aplicações de

agroquímicos, ainda hoje este tipo de controle continua sendo o principal método utilizado no

país.

A Red de Acción en Alternativas al Uso de Agrotóxicos de Venezuela (RAPAL-VE) (2001)

elaborou uma síntese das principias mudanças ocorridas na Venezuela em matéria de legislação

para o controle do uso de agrotóxicos, entre os anos de 1983 e 2000, principalmente as proibições

e restrições e as leis orientadas à redução do uso de agrotóxicos.

Quanto às proibições, destacam-se três decisões legislativas importantes ocorridas a partir

de 1983. A primeira delas corresponde à proibição do DDT, em junho de 1983, segundo

resolução conjunta do Ministerio del Ambiente (No. 512), do Ministerio de Sanidad y Asistencia

Social (No. 177) e do Ministerio de Agricultura y Cria (No. 196), destinando seu uso de forma

exclusiva para o controle de vetores por razões médicas, sempre que aplicado sob a consulta e

supervisão do Ministerio de la Salud. Em segundo lugar, em 23 de dezembro do mesmo ano, foi

proibido o uso de uma lista de organoclorados Tipo I, extremamente tóxicos, dentro da legislação

fitosanitária, restringido seu uso para o controle de pragas agrícolas em situação de emergência,

sob a coordenação do Ministerio de Agricultura y Cria.

Por último, em janeiro de 2000, em decreto 3220 do Ministério do Ambiente, proíbe-se o

uso de Bromuro de Metilo na fumigação de silos industriais e na indústria de charutos, embora

ainda seja utilizado em algumas regiões do país, na produção de morangos e na fumigação de

imóveis públicos e privados.

Quanto às medidas para a redução do uso se destaca:

38 Na Lei Federal brasileira, nº 7.802 de 11/07/89, regulamentada através do Decreto 98.816, no seu Artigo 2º, Inciso I, classifica-se os piretróides dentro do grupo de inseticidas, junto aos carbamatos, organoclorados, organofosforados e fungicidas. Os piretróides são definidos como compostos sintéticos que apresentam estruturas semelhantes à piretrina, substância existente nas flores do Chrysanthemum (Pyrethrun) cinenarialfolium. Alguns desses compostos são: aletrina, resmetrina, decametrina, cipermetrina e fenpropanato. Ex.: Decis, Protector, K-Otrine, SBP.

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- A aprovação do Reglamento General de Plaguicidas, em janeiro de 1992, segundo Gaceta

Oficial de la República de Venezuela No. 34877, que orienta o executivo nacional em todos os

estados do país recomendando guias de ação, atividades e outras medidas necessárias para a

fabricação, importação, formulação, registro, manejo e controle dos agrotóxicos no país.

- Apresentação de uma proposta, em 2000, para criar o Conselho Nacional de Agricultura

Ecológica, elaborada pela Fundación para la Agricultura Ecológica (FUNDAGREA), a Red

Agroecológica Venezolana (REAVE), a RAPAL-VE, a Associación Nacional de Fabricantes de

Insumos Biológicos, a Federación Nacional de Juntas Ambientalistas, Comunidades indígenas, e

representantes dos Ministérios do Ambiente, da Saúde e da Ciência e a Tecnologia.

2.2 A trajetória da pesquisa

Os antecedentes desta pesquisa remontam ao ano de 1998, quando iniciamos nossa

participação numa investigação sobre as intoxicações crônicas por agrotóxicos na região do Vale

de Quíbor no município Florêncio Jiménez, Estado Lara-Venezuela39.

Na época, o projeto estava sendo coordenado pelo Departamento de Medicina Preventiva

e Social da Faculdade de Medicina da Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado”

(UCLA-Lara) e pretendia oferecer subsídios para construir uma base de dados mais precisa sobre

o impacto do uso de agrotóxicos na saúde da população do Vale, região que já havia sido

identificada, por entidades internacionais, como a OMS, apresentando uma situação grave de

contaminação por agrotóxicos.

Do ponto de vista epidemiológico, contava-se na época com dados estatísticos sobre os

casos de intoxicação aguda, mas sabia-se muito pouco sobre os efeitos em longo prazo na saúde

da população. A equipe foi constituída principalmente por médicos, incluindo toxicologistas,

epidemiologistas e médicos do trabalho, além de enfermeiras, sanitaristas, uma socióloga e um

39 Investigação realizada a pedido da Empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor chamada Evaluación y Vigilancia del Impacto del Uso de Plaguicidas en la Población del Valle de Quibor, para caracterizar a situação das intoxicações crônicas por agrotóxicos, numa população de agricultores do Vale de Quíbor. A pesquisa contou com o apoio técnico da empresa e o financiamento da Fundación para el Desarrollo de la Ciência y la Tecnologia del estado Lara (Fndacite-Lara) e do Conselho de Desenvolvimento Científico da Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” , para o período 1999-2000.

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antropólogo. Devíamos contribuir com uma aproximação ‘social’ ao problema das intoxicações

por agrotóxicos, principalmente no que dizia respeito à visão dos agricultores da região sobre o

problema em questão.

Pesquisas posteriores surgiram para aprofundar alguns aspectos dessa problemática, como

o estudo para o Diseño de um Programa Educativo sobre Plaguicidas Dirigido a los Estudiantes

de Educación Básica del Valle de Quíbor, realizado por Diaz (2000), e o estudo sobre Niveles de

Organoclorados en Leche Materna, realizado por Tagliaferro (2001).

O estudo de Díaz (2000) propõe a implementação de uma estratégia educativa formal nas

escolas da região, partindo do pressuposto de que as informações utilizadas pelos agricultores,

sobre o manejo de agrotóxicos, são, principalmente, informais e pouco estruturadas, gerando mau

uso desses produtos que repercutem na saúde da população ocupacionalmente exposta; discute a

dificuldade de produzir mudanças no comportamento de agricultores adultos, e se propõe então

incidir diretamente na população infanto-juvenil, considerada uma população ainda em formação

e aberta às mudanças, além de ser a futura população de agricultores da região.

O estudo de Tagliaferro (2001) buscou determinar a presença de substâncias como o

DDT, no leite materno de mulheres que moram no município de Jiménez, no Vale de Quibor. O

estudo concluiu que existiam evidencias da presença de metabolitos de DDT no leite analisado,

argumentando a favor da tomada de decisões que permitissem aprofundar esses resultados e

promovessem ações de controle de produtos que, como o DDT, têm sido proibidos no país.

Como resultado dessas, e de outras, experiências têm surgido questões instigantes que

reafirmam a necessidade de uma melhor compreensão dessa complexa problemática, que não se

esgota apenas nos aspectos clínicos ou epidemiológicos.

Ao concluirmos o projeto iniciado no segundo semestre de 1998, evidenciou-se que os

efeitos adversos do uso dos agrotóxicos era um tema que atingia os interesses de grupos sociais e

econômicos muito poderosos na região, embora essa questão não houvesse sido explicitamente

pesquisada, e também, o quanto era complicado falar abertamente sobre isso.

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Esse fato ficou claro quando, em 199940, foram apresentados os primeiros resultados da

pesquisa, que mostravam a existência de uma situação de saúde muito grave ao constatar que

grande parte da população estudada apresentava sintomas severos de intoxicação crônica que

nunca antes haviam sido diagnosticados; que as intoxicações não atingiam apenas a população

ocupacionalmente expostas ao uso dos agrotóxicos, estando em risco, também, as famílias dos

(as) agricultores (as), os professores (as) das escolas, os (as) técnicos (as) agrícolas e outras

pessoas que conviviam cotidianamente na região.

Os resultados eram inéditos e levantaram sérias polêmicas na região, propiciando o

repúdio por parte de um setor dos grandes produtores do Vale que se manifestaram criticando o

‘tom alarmista’ utilizado. A imprensa da região já havia abordado o problema em épocas

anteriores, havendo divulgado dados baseados em estudos respaldado pelo discurso médico da

região, e em dados empíricos específicos sobre os níveis de intoxicações crônicas. O jornal El

Impulso, um dos jornais de maior circulação no estado Lara, tem publicado várias matérias sobre

a situação dos impactos à saúde sofridos pela população de Quíbor, assim como os efeitos ao

ambiente. Em série cronológica apresentada no apêndice 1, pode-se observar que o debate sobre

os problemas decorrentes do uso de agrotóxicos no Vale de Quíbor, tem sido constante, ao longo

de mais de uma década, abrangendo questões de saúde, ambientais, legais, e econômicas.

O debate em questão abordava vários aspectos, mas entre eles o que chamava mais a

atenção era a necessidade de relativisar o que era considerado ‘estar em risco’, pois, segundo os

grandes produtores do Vale, era temerário afirmar que toda a população, até eles mesmos,

poderia eventualmente sofrer algum tipo de problema severo de saúde.

Essa noção expandida de risco fugia do sentido clínico-epidemiológico clássico, centrado

no (na) trabalhador (ra) usuário (a) de agrotóxicos que se intoxica, porque o problema apontado

não era individual. Tratava-se de um problema coletivo com implicações políticas e econômicas

que podiam parecer ameaçadoras para os interesses daqueles que defendem um modo de

40 O estudo se concluía que a população do Vale de Quibor apresenta problemas de exposição atual e acumulada de vários tipos de organoclorados cujo uso é proibido no país. Encontrou-se que existia uma prevalência de intoxicações crônicas por inseticidas: organofosforados e carbamatos em 6,38% das pessoas estudadas. Das pessoas intoxicadas, 19% eram crianças com menos de cinco anos, e 61% das pessoas que participaram da pesquisa apresentaram níveis hemáticos de organoclorados, principalmente pp’DDE, metabolito do DDT, tanto em crianças como em adultos, embora o uso destes produtos tenha sido restringido no país desde a década de 1970.

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produção agrícola estruturalmente estabelecido em Quíbor e altamente dependente do uso de

agrotóxicos.

As várias formas de falar sobre os riscos envolvidos no seu uso (considerado num sentido

amplo) na região do Vale de Quíbor e os sentidos atribuídos, por diferentes atores das redes

locais, ao uso de agrotóxicos motivaram a realização desta pesquisa que busca entender os

posicionamentos que dão sustentação ao uso dos agrotóxicos, considerando as possíveis relações

entre formas de falar sobre os riscos aí envolvidos e as formas de controle estabelecidas e/ou

propostas por indivíduos, grupos e instituições locais e internacionais.

Para isso, nos propomos a estudar os repertórios que circulam em níveis nacional e

internacional e os posicionamentos a partir dos quais falam os vários atores envolvidos no campo

da fabricação, venda, e manejo desses produtos, além dos atores envolvidos com o atendimento à

saúde de trabalhadores na agricultura no Vale de Quíbor.

Figura 6: Paisagem do Vale de Quíbor

Foto: Jesús Canelón, 2000.

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CAPÍTULO V Sobre redes e posicionamentos: a circulação dos repertórios sobre riscos e agrotóxicos

Para entendermos a linguagem dos riscos no campo dos agrotóxicos optamos por focalizar

as práticas discursivas, entendidas como “as maneiras a partir das quais os vários atores

produzem sentidos e se posicionam perante as situações cotidianas” (Spink, M.J. e Medrado,

1999: 45).

A partir deste foco, as estratégias metodológicas empregadas nesta pesquisa estão

voltadas para a linguagem em uso, privilegiando as informações disponíveis publicamente sobre

os riscos e os agrotóxicos. As informações podem estar presentes nas falas e/ou em documentos

escritos dos mais variados tipos, tomados como documentos de domínio público (Spink, P.,

1999). Pretendemos estudar os múltiplos sentidos atribuídos aos riscos do ponto de vista das

práticas sociais e dos discursos e posições que assumem no cotidiano. Interessa-nos entender

tanto os aspectos institucionalizados41 da linguagem dos riscos sobre os agrotóxicos, como as

argumentações e conversas que se dão no cotidiano das pessoas que convivem com os

agrotóxicos em Quíbor.

Consideramos o campo dos agrotóxicos como um fenômeno complexo que se insere

numa matriz. A pergunta norteadora para entendermos essa matriz é: como é que o agrotóxico é

construído como um elemento de risco nos discursos dos interlocutores em Quíbor?

Assumimos aqui a noção de matriz de Ian Hacking (1999), discutida no capítulo 3. As

idéias sobre risco, no campo dos agrotóxicos, são sustentadas pela matriz na qual elas são

construídas. Essa matriz constitui-se, concomitantemente, de diversos elementos, sociabilidades

e/ou materialidades, como: os próprios agrotóxicos; o marketing da indústria química que os

fabrica e estabelece programas informativos para o uso dos produtos; a contraposição dos

ambientalistas que constantemente proclamam os efeitos negativos de seu uso e a necessidade de

41 Segundo Spink, M.J. (1999), a linguagem institucionalizada tem uma tendência à permanência no tempo, embora o contexto histórico possa mudar radicalmente os discursos.

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optar por um modelo de agricultura alternativo; o controle do manejo dos agrotóxicos pelas

agências de governo; os produtores de grande, médio ou pequeno porte e seus interesses

econômicos; os profissionais e instituições de saúde envolvidos no diagnóstico e na vigilância das

intoxicações por agrotóxicos e na aplicação de programas de educação em saúde, e as leis que

pretendem estabelecer controles específicos ao comércio e uso dos agrotóxicos.

Ao mesmo tempo, essa matriz se sustenta nas redes de relações sociais, fluxos de

informação tanto nacionais, como internacionais, e de artefatos variados, alguns deles

contraditórios e outros confluentes.

Mas antes de avançarmos na nossa argumentação, acreditamos ser importante ampliar a

compreensão que temos do conceito de rede, já que entendemos que a matriz pode ser

operacionalizada a partir da constituição de redes de relações de atores e materialidades.

O conceito de rede tem sido amplamente debatido pelas várias disciplinas das ciências

sociais. Devido a isso é que podemos encontrar diferentes definições e usos de acordo com os

objetivos propostos para cada área em particular. Segundo Scherer-Warren (1999), que faz uma

revisão do conceito de rede de acordo com as várias abordagens disciplinares, as ciências sociais

têm utilizado o termo para se referir tanto a um conceito teórico como a uma estratégia

metodológica, mas também há um uso mais recente que o considera uma noção que estabelece

determinado tipo de relação ou prática social.

Assim temos que, ainda segundo a autora, a noção de redes pode ser considerada como

uma metodologia de análise científica (ou seja, como um instrumento para a organização dos

dados para a análise), como uma teoria substantiva (ou seja, como conceito teórico, definidor de

uma realidade), como uma rede técnica (ou seja, na condição de conceito operacional-

instrumental para o planejamento), ou como estratégia de ação coletiva (ou seja, como conceito

propositivo de atores coletivos, movimentos sociais) (Scherer-Warren, 1999:22).

Trazemos para nossa análise a compreensão da noção de rede segundo Bruno Latour

(1994). Ao questionar o conceito de rede estabelecido pela ciência moderna, o autor destaca que

o que serve de base a esse conceito é a visão da realidade como uma entidade homogênea e

exterior a nós, capaz de ser capturada em modelos que em nada representam as práticas sociais

que lhes servem de sustentação.

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A preocupação com as causas e as conseqüências de fenômenos sociais cada vez mais

amplos, como é o caso das questões ambientais atuais, tem conduzido a ciência (positiva) a criar

artifícios analíticos que lhe permitam ‘congelar’ aqueles aspectos que poderiam dar respostas a

esses questionamentos. Surge assim o que Latour (1994:114) denomina como o paradoxo dos

modernos, e também dos antimodernos, ao aceitar explicações cognitivas e psicológicas

gigantescas para explicar efeitos igualmente gigantescos enquanto que, em todos os outros

domínios científicos, tem se procurado por pequenas causas para as conseqüências.

Ao que parece, enquanto as causas e conseqüências dos problemas, por exemplo, os

ambientais, são locais e geram efeitos locais, mais capazes somos de segui-las. Mas por que

somos incapazes de seguir os intrincados caminhos que levam do local ao global e voltam ao

local? Na medida em que as redes construídas pela ciência têm se estruturando cada vez mais a

partir de territórios estritamente físicos e de objetos aparentemente separados das práticas sociais

das quais faziam parte, cada vez mais tem ficado restringida nossa compreensão dos processos

que sustentam as ditas práticas e que se estendem continuamente do local ao global, articulando

relações e materialidades de maneira concomitante.

O desenvolvimento das tecnologias com a criação de novas relações entre máquinas e

humanos “gerou efeitos extraordinários de dimensionamento, ao provocar a variação das relações

entre o global e o local” (Latour, 1994:115). Desse modo, nossa tendência é a de transformar

fenômenos amplos em totalidades sistemáticas e globais perdendo a riqueza de sua

heterogeneidade e particularidade.

Utilizando o recurso explicativo das ferrovias como sistema de transporte, o autor

questiona nossa tendência de querer explicar a realidade a partir da elaboração de sucessivas

generalizações que não dão conta das especificidades. Assim, o convite é para pôr em dúvida a

definição antecipada de conexões entre fenômenos denominados locais e globais que pode

funcionar muito bem quando nos referimos às redes técnicas: compostas de locais particulares,

alinhadas através de uma série de pontos interconectados que permitem o transporte a outros

lugares.

No entanto, pensar os conhecimentos, os saberes, os discursos e as próprias práticas

cotidianas das pessoas a partir do modelo de rede técnica, acarreta outras dificuldades que não as

estritamente físicas. O persistente interesse dos epistemólogos, segundo Latour, em fazer o trajeto

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das circunstancias particulares às generalizações rompeu as finas linhas que nos levavam às

contingências. “Local e global, entretanto, são bem adaptados às superfícies e às geometrias, mas

inadequados para as redes e a topologia” 42. Ele reivindica o papel das práticas sociais como

ponto de partida para compreender o local e o global;

Existe um fio de Ariadne que nos permite passar continuamente do local ao global, do humano ao não humano. É a rede de práticas e de instrumentos, de documentos e traduções. É um emaranhado de redes materializadas em faturas, organogramas, procedimentos locais e acordos particulares, os quais permitem, na verdade, que [est]a rede seja estendida sobre um continente, contanto que não cubra este continente” (p 119).

A rede, segundo esta proposta, a qual nós aderimos, está representada pelos

agenciamentos intermediários de pessoas e coisas. Assim, como o natural e o social, são termos

criados para se referir ao coletivo, mas que nada têm a ver diretamente nem com o social nem

com o natural, da mesma maneira os termos local e global possibilitam pontos de vista sobre

redes que não são, por natureza, ou diríamos por nós assim naturalizadas, nem locais nem

globais, mas que podem ser mais ou menos longas ou mais ou menos interconectadas.

Portanto, para nós, nesta pesquisa, o termo rede envolve tanto uma postura perante a

realidade como as implicações práticas que essa postura tem para nossa compreensão da pesquisa

social. Entender as práticas sociais como sustentadoras de redes de relações e materialidades, em

matrizes, parte da idéia de que essas práticas se traduzem em posicionamentos intersubjetivos,

envolvidos em conexões que traspassam os limites de grupos e categorias.

O pressuposto de base, segundo essa visão, é que as relações sociais que se estabelecem a

partir das conexões entre as pessoas e as materialidades não formam uma cadeia única nem

uniforme, “não podemos encontrá-la nem aqui nem ali” (Barns:1987:167). Nesse sentido, a rede

de relações sociais que se foi delineando para entendermos a problemática dos agrotóxicos em

Quíbor partiu de determinados atores relevantes para esta pesquisa, e seus pontos de vista

particulares, traduzidos em posicionamentos discursivos, dando ênfase às conexões, e mediações

por eles reconhecidas e estabelecidas, segundo seus propósitos e fins. Nosso interesse tem sido

entender essa rede constituída por atores e seus discursos, locais, lugares e outras materialidades,

em conexões específicas de relevância para nosso estudo. 42 Mini Aurélio: Topologia sf 1. Topografia. 2. Gram. O estudo da colocação das palavras na frase Topografia sf descrição minuciosa de uma localidade.

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1. Aprofundando a questão dos posicionamentos na compreensão da análise social

Há argumentos produzidos nas diferentes disciplinas científicas, que têm ressonâncias em

autores variados e em momentos diferentes, que não seguem uma seqüência, mas que, ao nos

determos neles, encontramos certas semelhanças. Parece-nos, por um lado, que as idéias que os

inspiraram circularam no cenário científico, em um determinado período histórico, produzindo

confrontos, mas também, complementaridades. Por outro lado, representam movimentos que

acontecem no interior dos campos disciplinares e da própria ciência como parte das ressonâncias

de movimentos sociais e reformulações intelectuais mais amplas.

Partindo desse pressuposto, discutimos aqui as possibilidades que nos oferecem quatro

conceitos provenientes de campos disciplinares e orientações epistemológicas diferentes e

aparentemente distantes. Os autores (as) analisados (as) oferecem subsídios que permitem a

elaboração de argumentos a favor de uma postura sobre a produção do conhecimento que

privilegie as produções parciais, locais (incluída sua conotação física de lugar) e posicionadas,

em contraponto ao não-comprometimento com o processo de construção, interpretação e

mudança dos fenômenos sociais, baseando-se na compreensão da realidade como algo externo,

susceptível de ser captada na sua ‘totalidade’ mediante procedimentos de generalização e

simplificação dos fenômenos sociais.

Três contribuições nos parecem especialmente relevantes. Primeiramente os conceitos

saber local e sujeitos posicionados (e reposicionados), ambos provenientes do movimento crítico

na Antropologia Cultural. O primeiro, proposto pelo antropólogo Clifford Geertz (2001a, 2001b),

figura relevante nas novas posturas críticas da antropologia cultural interpretativa. O segundo,

proposto pelo antropólogo pós-moderno, norte-americano, de origem mexicana, Renato Rosaldo,

(1989, 2000) representante da chamada antropologia comprometida.

A segunda contribuição é a noção de conhecimentos situados, cunhado por Donna

Haraway (1991), autora feminista pós-moderna, muito respeitada no mundo acadêmico e político.

E a terceira contribuição é a noção de posicionamento(s) como fenômeno da ordem da

comunicação, nos processos de conversação cotidianos, proposto por Bronwyn Davis e John

Harré, (1990) psicólogos sociais ingleses, a partir do referencial da psicologia discursiva.

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Nosso interesse é destacar as contribuições dos (as) autores (as) para o debate sobre a

produção de conhecimentos na atualidade, ressaltando os conceitos que são incorporados na

nossa análise.

1.1 Saberes locais e sujeitos posicionados: a contribuição da Antropologia Crítica

A partir dos anos sessenta, tanto a antropologia, como outras disciplinas nas ciências

sociais, sofreu mudanças importantes. Tais mudanças foram estimuladas por transformações

ocorridas no mundo todo que incluem, segundo Rosaldo (1989) a descolonização, os movimentos

de direitos civis, a intensificação da economia globalizada e a maciça intervenção do

desenvolvimentismo.

Decorrente disso surgiu, nas ciências sociais, o apelo para se voltarem para a análise

social centrada nas aspirações e demandas de grupos freqüentemente nomeados como marginais

pela ideologia nacional dominante, fortemente influenciada pelos movimentos da contracultura,

como o ambientalismo, o feminismo, os movimentos gays e lésbicos, os movimentos dos

indígenas, a luta dos negros e os das minorias raciais. Deste modo, “a reorientação da

antropologia foi ela mesma parte de uma série maior de movimentos sociais e reformulações

intelectuais” (Rosaldo, 1989:36).

Ainda segundo este autor, surge nesse movimento um emergente paradigma da

investigação etnográfica que tem alocado crescente interesse na história e na política em

contextos de desigualdade e opressão, baseado em fatores como a ocidentalização, o

imperialismo mediático, a invasão da cultura material e as diferenças de classes, gêneros,

etnicidades e orientações sexuais.

Ao se referir ao tipo de antropologia que ele defende, chamada por ele ‘comprometida’, o

autor afirma que ela faz parte do movimento crítico na antropologia, ressaltando que na análise

dos fenômenos culturais;

...[a] antropologia comprometida tem rompido as noções relativistas herdadas dos anos entre 1920 e 1930, principalmente por duas razões: primeiro, porque a idéia de culturas separadas e iguais, não é mais exata. As culturas não estão separadas; elas não estão confinadas nos seus próprios casos individuais de museu. Elas existem lado a lado no mesmo espaço. Além disso, temos percebido que há desigualdades no interior das próprias culturas – relações de dominação e subordinação. As relações formadas no período

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colonial, e após ele, criaram desigualdades que uma antropologia comprometida deve questionar (Rosaldo, 2000:2).

Deste modo, ao fazer um balanço do impacto das mudanças mais importantes acontecidas

no campo dos estudos culturais, Rosaldo (1989) argumenta a favor de um processo de erosão

paulatino da antiga concepção de verdade e objetividade: “a verdade do objetivismo – absoluto,

universal e sem tempo – tem perdido seu estatuto monopólico” (p 21). O objetivismo convive, em

termos mais ou menos iguais, com a ‘veracidade’ dos estudos de caso que partem de contextos

moldados por interesses locais e coloridos pelas percepções locais.

Derivada dessa postura, a antropologia crítica tem redirecionado seu olhar para a maneira

como as pessoas constroem suas próprias historias, e como o interjogo do poder e resistência,

substitui progressivamente, embora não completamente, as discussões hegemônicas sobre as

teorias de manutenção e equilíbrio de sistemas sociais.

Ao detalhar sua proposta e discutir as questões de método, Renato Rosaldo cria a

metáfora do etnógrafo solitário de modo a questionar as posturas objetivistas na antropologia. É

o etnógrafo solitário que, ao cair da tarde, encontra ‘seu nativo’ e que, após uma série de testes,

acha o objeto de sua busca numa terra distante: “seus escritos representavam os objetos humanos

da empresa civilizadora humana como se eles fossem recipientes ideais da responsabilidade do

homem branco” (1989:30).

O conceito-chave, que queremos destacar aqui, proposto por Rosaldo é o de sujeitos

posicionados (e reposicionados). Este conceito parte de uma idéia geral de reflexividade na qual

o pesquisador (antropólogo) é capaz de refletir a partir da sua própria experiência e falar sobre

seu papel e suas ações.

De acordo com essa perspectiva, nos processos rotineiros de interpretação (em

concordância com a abordagem hermenêutica) os etnógrafos são sujeitos posicionados num

contexto particular, e se auto-reposicionam, na medida em que eles mesmos vivem a experiência

da compreensão de outras culturas. Os etnógrafos começariam assim suas pesquisas com uma

série de questionamentos que são revistos à luz do próprio processo de investigação e, no final,

acabam com perguntas que não tinham sido consideradas no início. Esse movimento constante de

respostas recebidas, reflexividade e negociação de sentidos são partes importantes da postura

defendida por Rosaldo, da qual compartilhamos. Nesse sentido, ele afirma que “todas as

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interpretações são provisórias: elas são feitas a partir de sujeitos posicionados que estão

preparados para conhecer certas coisas e não outras” (1989:8).

A contribuição que Rosaldo traz para a análise dos fenômenos sociais, à luz do que nos

interessa destacar aqui, focaliza, principalmente, a forma de entender a pesquisa como um

processo reflexivo que questiona nossos próprios pressupostos culturais, ao entendê-la como um

encontro negociado a partir das posições assumidas tanto pelo pesquisador como por aqueles com

os quais se relaciona.

Ainda discutindo as mudanças ocorridas no campo da antropologia, Clifford Geertz tem

falado de maneira eloqüente sobre a ‘re-configuração do pensamento social’, desde os anos de

1960. Cientistas sociais, segundo ele, têm desviado cada vez mais sua atenção de explicações

gerais e leis, atentando para estudos de casos e sua interpretação. O autor argumenta que os

pressupostos objetivistas sobre a produção da teoria, a linguagem e a postura do pesquisador

neutro não se sustentam mais, devido à mudança de agenda do social.

De acordo com Geertz, as ciências sociais têm sofrido profundas mudanças nas suas

concepções sobre: a) o objeto de análise, b) a linguagem da análise, e c) a posição do

pesquisador. Seu livro, O Saber Local, publicado em 1983 em sua versão original em inglês,

chamou nossa atenção para a importância dada pela antropologia cultural ao estudo

interpretativo43 das culturas na busca de reconhecer a diversidade de maneiras que os seres

humanos utilizam, ao construírem suas vidas, no processo de vivê-las e de institucionalizá-las em

práticas culturais.

43 Com relação à Antropologia interpretativa, não podemos deixar de trazer para nossa discussão a compreensão de James Clifford (2002) sobre o fazer de uma certa Antropologia Interpretativa. Nesse sentido, ele faz uma crítica muito mais explicita à antropologia interpretativa tradicional que, apegada ainda às posturas realistas, não consegue superar a prática de retratar as realidades culturais de outros povos sem colocar sua própria realidade em questão, mas que, no entanto, abriu o espaço para questionar a autoridade do conhecimento produzido pelo etnógrafo destacando o fato de que nenhuma atividade de interpretação do pesquisador científico pode ser inocente. Deste modo a Antropologia Interpretativa, “ao ver as culturas como conjuntos de textos, frouxa e, por vezes, contraditoriamente unidos, e ao ressaltar a inventiva poética em funcionamento em toda a representação coletiva, contribuiu significativamente para o estranhamento da autoridade etnográfica. Torna-se necessário conceber a etnografia não como a experiência e a interpretação de uma’outra” realidade circunscrita, mas sim como uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois, e muitas vezes mais, sujeitos conscientes e politicamente significativos. (Clifford, 2002:43)

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Essa maneira de entender a prática de pesquisar tem seus limites e possibilidades, que o

autor discute mais claramente em seu texto mais recente, Um Novo Olhar Sobre a Antropologia,

publicado em português, em 2001, no qual logra sintetizar uma postura reflexiva do fazer

científico da antropologia e de sua própria prática como antropólogo-pesquisador.

Na introdução do livro Geertz afirma;

Ver-nos como os outros nos vêem pode ser bastante esclarecedor. A largueza do espírito, no entanto sem a qual a objetividade é nada mais que autocongratulação, e a tolerância apenas hipocrisia, surge através de uma conquista muito difícil: a de ver-nos, entre outros, como apenas mais um exemplo da forma que a vida humana adotou em um determinado lugar, um caso entre casos, um mundo entre mundos. (2001: Introdução).

Geertz (2001) discute a opção pela perspectiva ‘tipo’ saber local apoiando-se no que ele

denomina de hermenêutica social, “o entendimento do entendimento”. Ele advoga pelo abandono

de tentar explicações de fenômenos sociais através de uma metodologia que os tece em redes

gigantes de causas e efeitos, e, em vez disso, tentar explicá-los em estruturas locais de saber

(conhecer). O autor afirma que essa perspectiva opta por trocar uma série de ‘dificuldades bem

mapeadas’, por outra de ‘dificuldades quase desconhecidas’, algo que, a nosso ver, é muito mais

instigante e libertário que aquelas posturas científicas que buscam congelar antecipadamente o

que pretensamente afirmam não conhecer.

Um outro elemento que destacamos na reflexão proposta por Geertz (2001) é a produção

do conhecimento a partir da idéia de lugar, que na perspectiva deste autor, na época em que foi

publicado inicialmente o livro Saber Local, parece ainda ter uma forte conotação de espaço

físico, mas também não deixa de fora o papel ativo de quem olha (conhece), seja ele o

pesquisador ou sejam elas as diferentes formas de olhar das pessoas que o etnógrafo encontra nos

lugares onde desenvolve seu trabalho.

A diversidade de saberes, produzidos por variadas posições, podem ser exploradas a partir

da noção do saber local. No entanto, o autor considera que há uma variedade de

posições/concepções na antropologia e que nem sempre a concepção de relativismo do

conhecimento tenha sido uma prática tão reflexiva assim para toda a Antropologia. O próprio

Geertz, em seu texto mais recente, Um novo olhar sobre a Antropologia, confessa abertamente

ser partidário de um certo tipo de prática antropológica que não representa o todo do fazer na

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antropologia que conhecemos hoje. Para ele, “a antropologia sempre teve um sentido aguçado de

que aquilo que se vê depende do lugar em que foi visto, e das outras coisas que foram vistas ao

mesmo tempo. Para um etnógrafo, remexendo na maquinaria das idéias passadas, as formas de

saber são sempre inevitavelmente locais inseparáveis de seus instrumentos e de seus invólucros”

(Geertz, 2001:11).

Ao ampliar a sua visão sobre o saber local, Geertz estabelece uma ponte com as propostas

de Renato Rosaldo que afirma que todos somos observadores posicionados (ou situados),

resgatando aqui o papel de quem olha;

É uma de suas facetas mais atraentes e o que mais conferem poder. A renúncia à autoridade, proveniente das “visões que partem de lugar nenhum (vi a realidade e ela é real), não constitui uma perda, mas um ganho. A postura que diz: bem, eu, um norte-americano de classe média de meados do século XX, mais ou menos padrão, e do sexo masculino, fui a tal lugar, conversei com algumas pessoas que consegui induzir a falarem comigo, e acho que as coisas se passam com elas, por lá, mais ou menos de tal ou qual maneira. Talvez isso não seja excitante, mas tem uma certa franqueza (Geertz, 2001b: 127)”.

Qual a importância dos argumentos oferecidos por Geertz? Ele introduz, a nosso ver, uma

ruptura importante no campo da antropologia clássica ao propor uma crítica à autoridade

científica do etnógrafo, tomando-o como um observador posicionado, e por conseqüência do

saber etnográfico, argumentando a favor de um tipo de conhecimento não-inocente,

comprometido com a reflexão sobre o tipo de conhecimento científico que produzimos.

Quando Geertz propõe olhar para as estruturas locais de saber, embora nos pareça que

ainda persiste a preocupação com as formas institucionalizadas desse saber, abre uma janela para

a relevância do lugar na produção do conhecimento. Isto nos possibilita resgatar essa visão

ampliando-a para pensar o papel do lugar como local-particular, na estruturação de saberes e

posições de pessoas em interação.

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1.2 Donna Haraway e o conhecimento posicionado: uma postura feminista pós-

moderna44

No campo dos estudos feministas, uma das autoras que se destaca na reflexão sobre

ciência é Donna Haraway (1991) que advoga a favor do conceito de conhecimentos situados. Este

conceito se insere numa postura epistemológica que busca refletir sobre as relações entre o

conhecimento da realidade e suas possibilidades de transformação provenientes de uma posição

comprometida.

Ela parte do pressuposto de que todo tipo de conhecimento é criado pela soma de

diferentes ingredientes, sendo cada um deles questionável a princípio. O conhecimento é parcial e

‘posicionado’, o que quer dizer que não há ‘perspectivas desde lugar nenhum’. As posições não

comprometidas se sustentam num poder e numa retórica na sociedade e na ciência baseadas no

ideário masculino, que por meio de processos de negociação e persuasão tem se tornado

legitimas.

Os conhecimentos situados, ao estarem posicionados, têm diferentes sentidos segundo o contexto que os produz. Desta maneira, a noção de conhecimento situado aponta para a compreensão do conhecimento como algo fragmentado e parcial, objetivo no sentido de ser algo que é produzido a partir da visão de pessoas em contexto, “la objetividad feminista trata de la localización limitada y del conocimiento situado, no de la trascendencia y el desdoblamiento del sujeto y el objeto” (Haraway, 1991:327).

A identidade dos sujeitos é criada por meio de diferentes posições com as quais eles se

identificam – como médico, agricultor, ambientalista - de uma determinada localidade. Qual das

identificações adquire mais relevância vai depender dos contextos de relações estabelecidos pelas

pessoas. Isto tem implicações para a prática científica já que o que deveremos buscar é,

44 De acordo com Montenegro e Pujol (2000), “el postmodernismo feminista, niega la neutralidad del método científico y la posibilidad de una posición privilegiada de acceso a la realidad. Desde esta perspectiva, debemos evitar las dicotomías que cruzan el debate sobre la producción del conocimiento, como la de sujeto-objeto, racional-irracional, mente-cuerpo, humano-no humano, animado-inanimado, hecho-ficción, realismo-idealismo, libertad-determinismo, justicia-perdón, etc. No podemos hablar de una experiencia universal de ‘ser mujer’, las diferentes experiencias deben ser consideradas dentro de su micro-política local a la vez que organizadas a través de meta-narrativas y discursos hegemónicos. Las identidades son fragmentadas y la legitimidad del conocimiento no se produce por su correspondencia con la ‘realidad’, sino a través del establecimiento de formas de solidaridad entre las distintas posiciones de conocimiento y visiones de mundo que éstas generan” (p 11).

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precisamente, as posições de sujeitos e não a identidade dos sujeitos, quer dizer, as conexões

parciais que nos permitem nos posicionar criticamente perante o mundo.

A autora critica as posturas construcionistas radicais, quando questiona não só a

necessidade de construirmos cada vez melhores descrições sobre como o mundo é visto pelas

sociedades, na sua contingência histórica e os modos de construção das coisas, mas também, a

necessidade de promover uma prática crítica dessas construções sociais que se fundamentem na

multiplicidade dos conhecimentos locais e parciais.

Ao entender os conhecimentos como sendo situados, a autora considera alguns

pressupostos que nos ajudam a entender melhor nosso papel como pesquisadoras: o compromisso

ético e político e as possibilidades práticas de entendermos o processo de produção de

conhecimento em âmbitos locais.

Entendemos, então, que a epistemologia dos conhecimentos situados privilegia o olhar de

pessoas com e sobre coisas, localizadas e particulares, em contraposição a um olhar supostamente

objetivo e despojado de qualquer intencionalidade, sem localização alguma. Nesta perspectiva se

parte sempre de pessoas localizadas, e aqui não nos referimos apenas à localização física no

espaço, embora isso também seja importante; de pessoas posicionadas diante de suas vidas

cotidianas, o que possibilita explicitar o grau de responsabilidade que a(s) pessoa(s) tem com o

conhecimento que ela(s) mesma(s) co-produz (em), negocia(m) e legitima(m). ‘La alternativa al

relativismo son los conocimientos parciales, localizables y críticos, que admiten la posibilidad de

conexiones llamadas solidaridad en la política y conversaciones compartidas en la epistemología”

(Haraway, 1991:329).

Um outro aspecto a ser considerado é o protagonismo, nosso e dos outros, na construção

do mundo. Segundo Haraway, todos os olhos, incluídos os nossos, por exemplo, no papel de

pesquisadoras, constroem maneiras de ver, e por isso, há possibilidades visuais que organizam o

mundo. A posição que cada um de nós ocupa permite que surjam diferenças e especificidades.

Trata-se, então, de problematizar nossa maneira de traduzir o ponto de vista nosso e o do outro

numa construção que seja ao mesmo tempo responsável e crítica, pois o que devemos buscar é a

explicitação de todos os possíveis posicionamentos e não sua igualdade ou homogeneidade.

Donna Haraway advoga pelos posicionamentos móveis, no sentido em que somos

responsáveis pelos deslocamentos de nossas posições, “a visão é sempre uma questão de poder

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ver e, quiçá, da violência implícita em nossas práticas visualizadoras” (p 331). Decorrente disso,

a ênfase está na parcialidade e corporeidade das distintas formas de visão, uma objetividade

corporificada em sujeitos de conhecimento localizados no campo onde se produz um determinado

fenômeno. Haraway sustenta que os pontos de vista das pessoas não são posições inocentes, pois

elas dependem de quem as assume e de onde elas são assumidas.

Entretanto, as posições que assumimos, não tem um status ontológico e, portanto, nossas

localizações nas redes de relações e conhecimentos que se constituem no mundo não são dadas de

antemão: podemos fazer escolhas através de estratégias de posicionamentos.

Podemos concluir, então, que de diferentes posições de sujeito, podemos ver diferentes

realidades, mas deixando claro que, segundo comentam Montenegro e Pujol (2000) “haveria uma

relação imanente entre a posição do conhecimento e o conhecimento gerado. Esta relación de

inmanencia, sin embargo, no caería en un puro relativismo, dado que cada posición es susceptible

de articularse con otras posiciones” (p12).

Mas o que é que nos permite afinal esta postura epistemológica dos conhecimentos

situados? Permite-nos entender a produção dos conhecimentos como um processo parcial e

localizado e nos possibilita estarmos abertos para que novas e inesperadas conexões possam

aparecer;

A única maneira de encontrar uma visão mais ampla é estar em algum lugar em particular. A questão da ciência feminista trata da objetividade como racionalidade posicionada. Suas imagens são a conjunção de visões parciais e vozes titubeantes em uma posição de sujeito coletivo (...) viver dentro de limites e contradições, de visões desde algum lugar (Haraway, 1991:339).

1.3 O posicionamento como processo de comunicação: a contribuição da psicologia discursiva de Bronwyn Davies e Rom Harré

Posicionar-se, estar posicionado e sermos posicionados vêm sendo discutidos até agora

numa tentativa por compreender como é que co-produzirmos os conhecimentos e as implicações

teóricas e práticas (políticas) dessa co-produção.

Queremos discutir, na seqüência, com mais detalhe, o papel que cumprem os processos de

comunicação na construção de realidades sociais, utilizando para isso a forma como a psicologia

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discursiva entende o papel dos posicionamentos nessa construção. Interessa-nos destacar a idéia

de pessoa(s) em relação (Spink, MJ, 1999) no processo de produção de sentidos nas práticas

discursivas cotidianas.

Para tanto, partimos do conceito de posicionamento, entendido como “o processo

discursivo através do qual os selves são situados nas conversações como participantes

observáveis e subjetivamente coerentes em linhas de história conjuntamente produzidas” (Davies

e Harré, 1990:48) como um caminho para a análise da dinâmica da comunicação em contextos de

interação.

Esta noção de posicionamento, apesar de reconhecer a influência de posições

institucionalizadas, focaliza as formas de construção de identidades sociais, presentes no jogo de

posicionamentos que as pessoas assumem nas práticas discursivas no cotidiano.

Segundo Davies e Harré (1990), posicionar-se e ser posicionado pelos outros é um

fenômeno da ordem da conversação, a qual, por sua vez, é uma das formas de interação social

que se dá nos processos de comunicação. Ao desenvolverem seu argumento sobre os

posicionamentos como formas de fazer e dizer, nos encontros conversacionais, os autores

esclarecem alguns elementos fundamentais para entendermos sua proposta analítica.

Em primeiro lugar, conhecer algo é conhecê-lo em termos de um ou vários discursos. A

compreensão que alguém tem de si próprio, estando baseada em conhecimentos e experiências

vividas no mundo que está a sua volta, é um produto construído discursivamente e em constante

negociação. De acordo com esta perspectiva, o discurso é entendido como um processo público e

multifacetado, por meio do qual os sentidos atribuídos ao mundo são dinâmica e

progressivamente construídos.

Em segundo lugar, ao reconhecer a força constitutiva do discurso, e em particular das

práticas discursivas, enfatiza-se a capacidade de as pessoas fazerem escolhas na construção

dessas práticas. Nesse sentido, Spink e Medrado (1999) destaca que, “a força constitutiva das

práticas discursivas está em poder prover posições de pessoa: uma posição incorpora repertórios

lingüísticos interpretativos, assim como uma localização num jogo de relações inevitavelmente

permeado por relações de poder” (p 56).

Em terceiro lugar, ser pessoa se configura no processo de interação social através das

várias práticas discursivas nas quais ela participa, o que se contrapõe à idéia da pessoa como uma

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entidade fixa. O que somos é sempre uma realidade em negociação que depende das posições

assumidas na comunicação com os outros, por intermédio da qual damos sentido às nossas

histórias e às dos outros.

A configuração do sentido de ser uma pessoa e de se posicionar perante os outros envolve,

segundo Davies e Harré (1990), cinco processos:

• Aprender a incluir e excluir certas categorias de pessoas como, por exemplo, categorias de

gênero, de parentesco, etc.

• Participar nas várias práticas discursivas nas quais os sentidos dessas categorias adquirem

uma conotação particular.

• Posicionar-se como um ‘eu’ que pertence a uma certa categoria e não a uma outra.

• Reconhecer-se como alguém que tem características próprias, que é capaz de desenvolver

um sentido de pertença ao mundo e assumir uma posição a partir dessas características.

Posicionar-se envolve, então, uma dinâmica e conteúdos que são veiculados e que estão

pautados, segundo Davies e Harré, por processos reflexivos de autoposicionamentos e por

posicionamentos interativos nos quais o que uma pessoa diz desencadeia o posicionamento de

uma, ou de outras pessoas.

Nos jogos de posicionamentos, num contexto de conversação, os autores identificam cinco

dimensões:

1. As palavras que uma pessoa escolhe para se comunicar contêm imagens e metáforas

que traduzem as formas como essa pessoa se assume numa conversação particular.

2. As (os) participantes utilizam aquelas palavras e imagens disponíveis no contexto

cultural de que elas fazem parte, podendo não ter a inteira compreensão de suas origens.

Essas imagens invocam certas formas de ser e se transformam em formas típicas de falar

em circunstancias especificas.

3. A forma como situações particulares de comunicação são vistas pode variar de um

participante para outro. A responsabilidade moral e política, o tipo de pessoa que o

participante acredita ser, a atitude da pessoa com relação às outras, a disponibilidade de

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recursos discursivos críticos que facilitem seu posicionamento pessoal, estão todos

implicados na forma como os participantes se posicionam numa conversação.

4. As posições criadas no fluxo duma conversação são fragmentos cumulativos de

autobiografias vividas, não são partes de autobiografias lineares e não-contraditórias,

como as que conhecemos na sua forma escrita.

5. As posições podem ser vistas por um ou por outro participante, em termos de papéis

conhecidos (reais ou metafóricos), ou em termos de personagens em linhas de histórias

compartilhadas, ou podem ser muito mais efêmeras, envolvendo alterações no poder,

acesso ou bloqueio de certas características da identidade reivindicada ou desejada.

Uma forma prática de entendermos o conceito de posicionamento proposto por Davies e

Harré é pela utilização de um exemplo em que se evidencia o que acontece com duas pessoas que

participam da leitura de uma história, uma lendo o texto e a outra ouvindo a história.

Ao contar a história, a pessoa utiliza uma narrativa contendo uma série de linhas de

história. Cada linha de história é organizada em volta de certos pólos de eventos, personagens e

dilemas morais. Neste caso, o foco está no papel assumido pelos personagens e a narrativa

descreve os fragmentos das vidas desses personagens. Ao ler a história, o leitor tem uma gama de

possíveis leituras e posicionamentos com relação ao que se passa na narrativa. Ao ouvir a

história, os posicionamentos vão depender do modo como ela foi contada, dos argumentos que o

escritor usa e, também, da percepção de cada ouvinte. Assim, as posições assumidas vão

depender das relações estabelecidas com a narrativa.

Resumindo, a relevância que tem o conceito de posicionamento, partindo do

entendimento proposto pela psicologia discursiva, é que ele possibilita orientar nossa atenção

para o processo mediante o qual uma sucessão de efeitos, intencionais ou não, acontecem no

processo de comunicação. A esta sucessão de conseqüências só é possível ter acesso, se

levarmos em conta como o ato de uma pessoa se posicionar e posicionar a outra, de uma forma

positiva ou negativa, tem conseqüências morais e políticas para as pessoas envolvidas nos

processos cotidianos de comunicação.

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O que os conceitos e noções discutidos nesta parte do trabalho acrescentam à

compreensão de nosso campo-tema de pesquisa?

Por um lado, os autores analisados servem de sustento para nossa postura epistemológica

que busca produzir pesquisas reflexivas e comprometidas com os contextos dos quais nós

partimos. Nesse sentido, nosso trabalho não pretende produzir generalizações abstratas sobre

como os fenômenos sociais devem ser abordados, e sim contribuir para a compreensão desses

fenômenos partindo de problemáticas locais de interesse para as pessoas envolvidas e na busca de

soluções para seus problemas.

Resgatamos a importância de se fazer pesquisa originada de campos-tema particulares,

como o caso do estudo da linguagem dos riscos na questão dos agrotóxicos no Vale de Quíbor, e

sua vinculação com problemas econômicos e políticos mais amplos, em âmbitos nacionais e

internacionais.

Por outro lado, ao focalizar o Vale de Quíbor, nos interessa destacar o papel das pessoas

situadas em contextos locais na construção de suas explicações, olhando para as estruturas locais

de saber e os processos de comunicação que as pessoas estabelecem, a partir de determinadas

posições, na construção de suas vidas cotidianas.

Acreditamos que o conhecimento é sempre parcial e que este trabalho realizado em

Quíbor é produzido tomando como referência nossas visões e as visões dos vários interlocutores

que participaram desta pesquisa. As explicações encontradas neste trabalho surgiram, portanto,

do tipo de relações que as pessoas estabelecem no Vale de Quíbor e das conexões possíveis entre

elas, as quais permitem ou dificultam determinados processos de comunicação e posicionamentos

diante dessa essa realidade.

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CAPÍTULO VI

Delineando a rede de relações do agrotóxico em Quibor: estratégias

metodológicas.

Nesta pesquisa, optamos por utilizar várias estratégias para compreender a rede envolvida

na questão dos agrotóxicos em Quíbor. A primeira foi a retomada dos contatos estabelecidos

previamente, por ocasião da pesquisa realizada em 1999, para ter um panorama da situação atual

dos agrotóxicos na região, encontrar pessoas conhecidas e por meio delas poder conversar e

refletir sobre os questionamentos que nos levaram de volta ao Vale.

Essa etapa da pesquisa foi norteada por duas questões: 1) como é que o risco veio a ter

visibilidade na questão dos agrotóxicos, entendendo esse processo como uma construção coletiva

de conhecimentos situados e posições de pessoas e materialidades; 2) como o risco tem adquirido

características particulares a partir dos saberes locais no Vale de Quíbor.

Como ponto de partida da pesquisa, retomamos o contato com um dos agricultores que

conhecemos em 1999, o José e, após uma conversa, buscamos entender, segundo sua própria

maneira de falar, a rede envolvida na questão mais ampla do uso de agrotóxicos no Vale. De

início, procuramos entender os percursos seguidos por ele na busca de informação (técnica,

médica, etc.) sobre agrotóxicos: nas lojas, nos centros de saúde, no centro toxicológico do Estado,

na universidade, etc. Para isso, identificamos no discurso dele uma rede de atores e locais, e

passamos a buscar as informações, mapeando todos os atores, que falavam diretamente sobre uso

de agrotóxicos.

Nesta primeira aproximação à rede, estruturada na viagem ao Vale e realizada entre

dezembro de 2001 e janeiro de 2002, demos prioridade à posição de alguém que compra e usa

agrotóxico, incorporando todas as referências às instituições, materialidades e pessoas presentes

no discurso de José.

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Diagrama 1

Primeira aproximação: a rede na perspectiva de um pequeno produtor

Quem compra (pequeno produtor) Loja 1 (‘L. C’) e usa -Técnicos Yacambú Afaq Peritos agrícolas UCLA/UCV (Funcionária) (especialistas) Loja 2 Outros produtores da região Associação de fabricantes Fundac. Contrabandistas DDT e outros agrotóxicos da América Latina Leis de nacionais de uso de agrotóxicos

Hospital de Quíbor não há informação disponível sobre agrotóxicos (Epidemióloga) (urgência) Centro Toxicológico(Bqto.) (toxicologista chefe) (Intoxicação aguda) Ministério de Saúde (Malariologia) Hospitais do Estado Comissão Qualidade Ambiental (técnico) Jovens voluntários Brigadas ambientalistas Prefeitura

A partir de então, passamos a procurar esses atores e conversar sobre a questão,

considerando dois movimentos: um de aproximação e de conversas informais, que eram

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sistematicamente anotadas; e outro de busca de informações mais amplas sobre o Vale, por

intermédio de documentos públicos. O diagrama acima é uma tentativa de visualização da rede de

atores, locais, materialidades e suas intersecções, que encontramos nessa primeira aproximação.

Como já exposto, naquela ocasião conversamos com José, o pequeno produtor, e

indagamos sobre as seguintes questões: 1) Quando precisava de agrotóxicos, onde ele, e

agricultores como ele, iam comprar? 2) Quando queriam algum tipo de recomendação sobre uso,

quem procuravam? 3) Quando estavam com algum problema de saúde, aonde iam? 4) Quando

achavam que o problema de saúde era decorrente do agrotóxico, onde buscavam solução?

Duas referências inicias surgiram dos questionamentos feitos. Em primeiro lugar, uma das

lojas de venda de agrotóxicos, nomeada Loja 1, destacava-se por oferecer orientação técnica e

preços accessíveis à maior parte dos produtores da região. O fato de a loja oferecer boas

condições de crédito também fazia com que ela fosse preferida pelos produtores.

A segunda referência foi o Hospital de Quíbor, lugar que é utilizado, em primeira

instância, no caso de intoxicação por agrotóxicos ou quando existe a suspeita de problemas de

saúde decorrentes do uso desses produtos.

A terceira referência correspondeu aos peritos agrícolas, alguns deles funcionários das

lojas, que davam assistência técnica sobre uso de agrotóxicos e solução de problemas vinculados

com os plantios.

A quarta referência foi uma funcionária da associação de fabricantes de agrotóxicos no

país, que dava palestras nas fazendas sobre essa questão com o apoio de uma associação de

produtores da região.

Como numa ‘bola de neve,’ nosso percurso seguiu as referências dadas pelo pequeno

produtor, (por nós posicionado como alguém que compra e usa agrotóxico). Conforme indica o

diagrama, as lojas e seus peritos, o Hospital, a associação de fabricantes de agrotóxicos (Afaq), a

fundação que agrupa os grandes produtores de cebola da região (Fundac), nos levaram para

outros interlocutores e materialidades, ampliando nossa rede e possibilitando-nos olhar a questão

de outras posições.

Tomamos as lojas e a Afaq como referência para falar com quem vende e promove o uso

de agrotóxicos. Já o Hospital de Quíbor e o Centro Toxicológico Regional permitiram localizar

interlocutores que falam na posição de quem cuida e trata, referindo, por sua vez, e trazendo

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para a rede maior, quem fala a partir de quem controla o uso, como por exemplo, a Comissão de

Qualidade Ambiental.

Estas entidades e pessoas se tornaram nossos interlocutores mais importantes, sendo por

nós visitados, participando de conversas e proporcionando material disponível sobre os

agrotóxicos. As conversas nos permitiram estar atentos às diferentes formas de se referir aos

agrotóxicos: os usos, as formas de proteção, os riscos reconhecidos, os posicionamentos perante

eles, as estratégias utilizadas para controlar efeitos adversos à saúde, dentre outros aspectos,

delineando, pouco a pouco, um panorama de posições e conhecimentos locais a partir dos quais

passamos a entender a questão mais ampla do uso de agrotóxicos e os riscos a eles associados.

Durante nossa segunda viagem ao Vale, em 2000, a aproximação à rede se fez mediante a

participação em um evento público: um Fórum nomeado Agrotóxicos: uso e impacto sócio-

ambiental45, que discutia os impactos sócio-ambientais dos agrotóxicos no Vale. Tratando-se de

um debate público, novos interlocutores e posições se apresentaram neste foro, abrindo outras

possibilidades de ampliar nossa compreensão sobre a problemática dos agrotóxicos.

Este fórum foi produto da iniciativa de um grupo de professoras da região que haviam

realizado um diagnóstico os alunos das escolas básicas sobre os problemas mais importantes na

região. Uma das questões levantadas pelas crianças neste diagnóstico foi o efeito negativo do uso

dos agrotóxicos em sua vida cotidiana, evidenciado pelo desconforto e doenças produzidas como

conseqüência do despejo de gases tóxicos em lugares muito próximos de suas casas.

As professoras solicitaram à Coordenação de Centros de Ciência e Tecnologia e Educação

Ambiental, do Ministério da Educação, sediada no estado Lara, que as ajudasse a organizar um

evento para discutir o tema e proporcionar orientações para os professores desenvolverem

atividades de prevenção e educação ambiental com as crianças, nas escolas. As palestras

realizadas no foro foram gravadas, transcritas e analisadas, tornando-se o foco de nossa análise

nesta segunda aproximação.

45 O fórum foi realizado em 26 de setembro de 2002, na sede de uma das cooperativas do Vale, abordando os seguintes temas: Tipos de agrotóxicos e zonas mais afetadas no Município Jiménez; Agrotóxicos... Necessidade e seqüelas; Praguicidas; Agrotóxicos e Saúde. Nele participaram representantes da Prefeitura de Jiménez, do Ministério do Ambiente, do Ministério da Saúde, do Instituto Nacional de Pesquisas Agrícolas com sede no estado de Lara, e de ambientalistas da região.

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O fórum incluiu a participação de ambientalistas e pesquisadores da área agrícola, os

quais se posicionaram contra o uso intensivo de agrotóxicos, postura abertamente em confronto

com aquela assumida ao longo dos anos pelos grandes produtores da região, e em concordância

com a postura predominante assumida pelos vários governos municipais que já passaram pelo

Vale. Tomando em conta esse fato, e a partir das referências encontradas na literatura sobre

agrotóxicos, foi considerado importante incorporá-los à nossa rede de interlocutores que seriam

entrevistados, sobretudo considerando o papel desses grupos na produção de discursos

diferenciados e na ampliação do debate, na região e no mundo.

Para possibilitar a visualização da intersecção dos sentidos, que circulam no Vale de

Quibor sobre o uso de agrotóxicos, entre as pessoas envolvidas no cotidiano das ações, e as

pessoas convidadas pela comunidade para falar, enquanto especialistas, sobre a questão do

agrotóxico, construímos a Tabela 1 (abaixo). Nela foram incluídas todas as pessoas, recursos da

comunidade, locais e materialidades associadas ao agrotóxico que apareceram na primeira

aproximação que fizemos ao campo-tema e sintetizamos no Diagrama 1. Organizamos essas

referencias nas seis posições de pessoa: quem compra e usa, quem vende e promove, quem

controle o uso, quem se contrapões e informa, quem cuida e trata, quem se intoxica. Estas

posições estão localizadas na coluna à esquerda. Marcamos com um X as pessoas, instituições,

leis, etc., a que cada um dos participantes se referiu.

Essa tabela foi duplamente importante: 1) nos possibilitou uma leitura ampliada da rede

de pessoas, instituições, locais, materialidades, envolvidas no uso do agrotóxico, visualizando

uma articulação dos discursos mais locais e os discursos de organismos nacionais e internacionais

(ecológicos ou não) 2) a partir da análise do quadro foi possível identificar e acrescentar novos

interlocutores, tomando os participantes do fórum como representantes de entidades; como

pessoas em posição.

Em suma, o fórum nos ofereceu uma ‘outra dimensão’ da rede. Na primeira aproximação,

a rede foi estruturada a partir da entrevista com um pequeno produtor e de uma lógica de tipo

exploratória: de ‘um passeio comprometido’. A rede resultante do fórum veio de uma situação

formal decorrente da preocupação de um grupo social muito importante como o das professoras

da região, permitindo incorporar a perspectiva da comunidade.

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Nesta ampliação da rede local, a partir do fórum, foram cruzadas as referencias fornecidas

pelos palestrantes com as posições delineadas na aproximação à rede a partir do pequeno

produtor. As referencias a pessoas, instituições e materialidades que aparecem somente no fórum

e que não estavam no discurso do pequeno produtor e dos outros interlocutores surgidos na

primeira aproximação à rede, foram colocadas entre parênteses permitindo diferenciá-las das

referencias comuns às duas aproximações à rede: a do pequeno produtor e a do fórum.

Tabela 1

Ampliando a compreensão da rede local: a presença da rede (primeira aproximação) no Fórum

participantes do Fórum Quem na rede Prefeito

do Município

Pesquisador da área agrícola

Funcionária Ministério do ambiente

Engenheira Sanitarista Ministério da Saúde

Médica Ministério da Saúde

Quem compra e usa - O agricultor - produtores da região - (grandes produtores) - (produtores de outros estados)

X

X

X

X

X X

Quem vende e promove o uso - Lojas de venda de agrotóxicos em Quibor - Contrabandistas DDT

X

X

X

X

Quem controla o uso - Afac. - Peritos - Associação dos fabricantes - Fundac. - (Ministério da Saúde) - Comissão de Qualidade Ambiental - Brigadas Ambientalistas - Prefeitura - Ministério do Ambiente - (Agência de Proteção Ambiental USA) - (Ministério da Educação) - (Educadores do Vale) - Engenharia e Controladoria Sanitária. - Ministério de Saúde local - Leis nacionais de uso de agrotóxicos - (FAO) - (OMS) - (SASA) - (Guarda Nacional)

X X

X X

X X

X

X

X

X

X X X

X

X X

X

X X

X

Quem se contrapõe e informa - Especialistas UCLA/UCV - (jornais locais) - (INIA)

X

X X X

X

Quem cuida e trata

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- Hospital de Quíbor - Centro Toxicológico regional - Hospital do estado - (Deus) - (médicos) - (equipamentos de proteção)

X

X

X

X Quem se intoxica - Pacientes intoxicados - (Associação local de pais de filhos doentes) - (população jovem) - (todos nós) - (donas de casa) - (individuo susceptível) - (crianças do Vale) - (células do corpo humano)

X

X

X

X X

X X

X

X

A análise da rede buscou explicitar as diversas posições que se fazem presentes nos

espaços de uso do agrotóxico, facilitando a compreensão dos sentidos sobre os riscos no manejo

desses produtos, pressupondo que a produção de sentidos se dá em posição: em lugares de

produção de conhecimentos e materialidades que sustentam essas posições. No capítulo 7

discutiremos mais detalhadamente algumas das posições que apareceram na tabela do fórum.

1. Conversando com nossos interlocutores em Quíbor: sobre as entrevistas e sua análise A aproximação à pesquisa proveniente da constituição da rede possibilitou a escolha de

interlocutores que participaram de conversas-entrevistas (gravadas), buscando garantir a presença

de posições diversas sobre o uso de agrotóxicos.

As entrevistas foram entendidas aqui como práticas discursivas: “ação (interação) situada

e localizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da realidade”

(Pinheiro, 1999:186). Procuramos estabelecer uma forma de interação marcada pelo ritmo de

uma conversa, ao invés de um questionamento tipo inquérito, buscando que as pessoas

envolvidas na entrevista pudessem explicitar os argumentos utilizados na sua compreensão dos

riscos no uso de agrotóxicos.

Para tanto, definimos algumas questões centrais, partindo do pressuposto de que esse é

um problema construído coletivamente: que não é apenas um problema de quem usa o

agrotóxico, nem um problema circunscrito à indústria química ou ao padrão tecnológico

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disponível aos agricultores. Em suma, adotamos o pressuposto que qualquer ‘risco manufaturado’

tem caráter sistêmico 46.

Foram três as questões que orientaram as entrevistas:

• Que risco é este? Esta primeira pergunta buscou entender o tipo de risco que aparece nos

discursos dos vários interlocutores, focalizando as nomeações, conceitos e termos usados

por eles para se referir aos riscos.

• Quem está em risco? Por meio dessa pergunta abordou-se o entendimento que nossos

interlocutores tinham dos impactos do uso de agrotóxicos tanto individuais como

coletivos, por exemplo, para as pessoas, os animais e as plantas.

• Como é que se gerencia este risco? Ou seja, entender as formas e instâncias reconhecidas

de controle dos riscos, fossem elas autoridades governamentais centrais; legislações

específicas; atuação das ONGs, por meio de ações políticas junto aos órgãos

internacionais; participação de profissionais de saúde, por meio de programas de

educação em saúde e sistemas de vigilância epidemiológica; implementação de

programas informativos, na tentativa de manter as condições atuais de uso, mas sob

medidas de proteção e da possibilidade do bom uso dos agrotóxicos, etc.

As entrevistas foram realizadas com 10 (dez) pessoas envolvidas no uso do agrotóxico no

Vale de Quíbor. A seguir apresentaremos um breve perfil de nossos interlocutores47. Embora

nossos interlocutores sejam indivíduos, e, como tais, são aqui apresentados, os consideramos

como pessoas em posição, de acordo com o que foi discutido anteriormente neste capítulo. Por

este motivo, os agrupamos em cinco posições-chave para o uso de agrotóxicos: os que compram

e usam, os que vendem e promovem o uso, os que se contrapõem e informam, os que controlam o

uso, e os que cuidam e tratam.

46 O risco manufaturado segundo Beck (2000) refere-se aos riscos estruturais ‘produzidos’ pela própria dinâmica econômica e social da sociedade globalizada, que neste caso concreto se refere à agricultura desenvolvida a partir da Revolução Verde com seu padrão de produção tecnológico intrinsecamente contaminante. O autor utiliza também o termo incertezas manufaturadas para se referir ao processo de tornar a natureza industrializada e a tradição mera opção, possibilitando o surgimento de novas formas de incerteza. 47 Todos os nomes de nossos interlocutores usados aqui são fictícios.

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Os que compram e usam

Paulo é presidente de uma fundação que agrupa grandes produtores de cebola (Fundac),

além de ser um dos maiores produtores do Vale. Filho de Canários que chegaram à Venezuela na

década de 1950 pode-se dizer que ele expressa a ‘postura típica’ dos grandes produtores da

região, embora se trate de um produtor que faz questão de afirmar que trabalha tanto quanto seus

empregados e que se considera mais um dentre eles.

Lucas é um pequeno produtor e presidente de uma Associação de ‘Semilleristas’48,

moradores de duas aldeias agrícolas do Vale. Lucas faz parte de um grupo de produtores que está

tentando, de um lado, desenvolver um projeto para produzir sementes localmente e sem o uso de

agrotóxicos e, de outro, fazer com que os grandes produtores utilizem essas sementes em vez de

importá-las. Essa atividade é realizada num projeto conjunto com alguns dos grandes produtores

da região, sob a coordenação e apoio financeiro da empresa (SHY/Q) que está construindo o

futuro Sistema de Irrigação Yacambú-Quíbor49.

José, pequeno produtor independente já apresentado, foi incluído também nesta segunda

fase do trabalho por oferecer o posicionamento do pequeno produtor sem vínculos empregatícios

com os grandes produtores.

Os que vendem e promovem o uso

Heloisa, engenheira agrônoma, é funcionaria e representante, na região, da associação que

agrupa as indústrias fabricantes de agrotóxicos (Afaq). Seu papel fundamental é coordenar e

executar programas informativos e de assistência técnica que a industria desenvolve em Quibor.

48 Conservamos o termo ‘semilleristas’ em espanhol por considerá-lo mais apropriado. Se fosse traduzido, tornaria-se “sementistas”. 49 Segundo o planejamento estratégico do futuro Sistema de Irrigação Yacambú/Quíbor, a construção, o manejo, a distribuição, e a administração da água do sistema prevê a participação ativa dos produtores na estruturação de todo esse processo. Decorrente disso, e de acordo com as informações que nos foram dadas por alguns dos funcionários da empresa, um aspecto fundamental é a conformação de juntas de usuários por setores de irrigação, requerendo para isso que estes produtores se associem. Associar-se para usar a água do sistema representa uma área de trabalho estratégica, buscando estreitar os vínculos, ou criar novos vínculos entre os vários tipos de produtores do Vale. A situação predominante tem sido a ausência de trabalhos conjuntos entre eles, e mais ainda, o predomínio dos grandes produtores sobre qualquer tipo de organização por parte dos pequenos produtores. Foi assim como em 2000, a empresa assinou um convenio com três associações de produtores: uma de grandes produtores, e duas de pequenos produtores, no caso, a Associação dos Semilleristas, na busca por desenvolver projetos que permitissem começar um processo de aproximação e de trabalho conjunto, na solução de problemas de interesse para essas associações.

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Parte significativa do seu trabalho se concentra na realização de palestras e oficinas

desenvolvidas nas fazendas e escolas locais sobre ‘uso seguro de agrotóxicos’.

Os que controlam o uso

Gustavo, produtor agrícola por tradição familiar, foi contratado pela empresa SHY/Q há

alguns anos. Seu conhecimento da realidade local e seus vínculos com os vários grupos sociais do

Vale têm feito dele uma pessoa chave para as estratégias de desenvolvimento local da empresa.

Há um ano e meio passou a fazer parte da Comissão de Qualidade Ambiental do Vale de Quíbor,

trazendo para a Comissão tanto sua visão de produtor, como a postura da empresa para as

questões ambientais em Quíbor. A questão dos agrotóxicos se tornou matéria específica dessa

Comissão, incorporando ações de vigilância ambiental, educação ambiental e difusão de

informação, relacionada com esse e outros temas ambientais da região.

Fernando é o presidente da Comissão de Agricultura do município, a qual é responsável

pela aprovação de regulamentações locais na área agrícola. Ele é um ativista partidário com

muitos anos de trabalho político na região. Atualmente representa um grupo que se contrapõe ao

partido de governo.

Os que se contrapõem e informam

Miguel, veterinário, é presidente da Comissão de Ambiente do Estado Lara, além de

ativista ambiental de longa data. Suas atividades educativas e políticas visam promover uma linha

de trabalho que busca criar posturas alternativas para o desenvolvimento ambiental e social. Ele

tem vínculos com ONGs ambientalistas locais e nacionais e faz parte do diretório do Comité de

Enlace Regional Ambiental del Estado Lara (Cera-Lara), uma organização ambientalista ativista

na área do desenvolvimento ambiental sustentável.

João é considerado um dos mais importantes pesquisadores da região na área de

entomologia. Fez parte, até o ano passado, quando se aposentou, da equipe de pesquisadores do

Inia-Lara50, tendo pesquisado amplamente os problemas agrícolas da região, como os aspectos

relacionados ao controle de pragas e o uso de agrotóxicos. Muitas de suas pesquisas deram

50 Instituto de pesquisa agrícola nacional, o correspondente à Embrapa no Brasil, que tem núcleos de pesquisa em todo o país.

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origem a intensos confrontos com alguns dos grandes produtores de Quíbor. Ele é a favor de

posturas que apregoam o controle integrado das pragas agrícolas e a ruptura com modelos de

produção fundamentalmente dependentes dos agroquímicos.

Os que cuidam e tratam

Marcos é médico toxicologista e diretor, há vários anos, do Centro Toxicológico

Regional, localizado em Barquisimeto, capital do Estado Lara, e o único centro de atendimento

médico especializado nessa área na região, sendo responsável pelo tratamento de pacientes

intoxicados por agrotóxicos, além de outros tipos de intoxicações. Esse centro coordena, junto

com outras instituições públicas, o processo de implantação de um sistema regional de vigilância

epidemiológica de casos de intoxicações por agroquímicos em várias cidades do estado, incluída

a cidade de Quíbor.

Inês, também é médica, especialista em epidemiologia e coordenadora do Departamento

de Epidemiologia no Hospital de Quíbor. Tem como responsabilidade as ações de vigilância

epidemiológica locais e as atividades de prevenção e diagnóstico de intoxicações por agrotóxicos.

Eventualmente é convidada para participar em atividades preventivas programadas pela

Comissão de Qualidade Ambiental do Vale de Quíbor.

Todos os interlocutores autorizaram gravar as conversas. No entanto, preferimos utilizar

nomes fictícios para identificá-los e resguardar seu anonimato. Os locais das entrevistas foram

decididos em conjunto, aproveitando a facilidade proporcionada pelos vínculos da empresa

SHY/Q51 com a maioria das pessoas que seriam entrevistadas.

51 Algumas das entrevistas foram feitas na sede da empresa a nos possibilitou o acesso a espaço apropriado para as conversas e para a gravação das conversas. Entre dezembro de 2002 e janeiro de 2003, porém, devido à situação política do país que estava sofrendo os impactos da greve dos trabalhadores da indústria petrolífera, apresentaram severas restrições para o uso de transporte e o nosso deslocamento de Barquisimeto para a cidade de Quíbor. Foi então que a partir de uma solicitação de apoio feita à presidência da empresa, foi autorizada, em janeiro de 2003, a utilização de uma casa de sua propriedade, para ficarmos durante o tempo necessário para a realização das visitas e entrevistas na região.

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2. Dos procedimentos de análise: entrevistas e documentos

As entrevistas foram analisadas a partir das formas como os participantes expressaram seus

entendimentos, posturas afetivas e experiências sobre os temas em pauta, focalizando o uso de

repertórios sobre risco e as ressignificações desses repertórios no contexto de suas experiências

no local. Esta abordagem dá relevância ao modo como as pessoas se autoposicionam e

posicionam os outros, usando variados argumentos criados para dar resposta às questões

apresentadas no decorrer das entrevistas.

No processo de argumentação os participantes e a pesquisadora lançaram mão de repertórios

e discursos disponíveis, estruturando a escolha de frases, conceitos e figuras discursivas. Assim,

ao relatar suas experiências buscando dar sentido à questão do risco no uso de agrotóxicos, as

pessoas de Quíbor utilizaram repertórios compartilhados, ou seja, que circulam no lugar. Da

mesma forma, a pesquisadora entrou no jogo de posicionamento, trazendo sentidos confluentes

ou contrapostos que se incorporaram nessa construção52.

O objetivo desta análise é oferecer uma visão ampla sobre a forma como os diversos

interlocutores, nesta pesquisa, definem o risco nos seus desdobramentos específicos no uso de

agrotóxicos. Essa discussão serve de porta de entrada para estabelecermos outras conexões entre

o risco e problemáticas mais amplas, como por exemplo, as experiências e preocupações

relacionadas com a sobrevivência da produção agrícola baseada no padrão químico, as pesquisas

agrícolas para o combate de pragas, a prática do cuidado à saúde por causa das constantes

intoxicações por agrotóxicos, etc.

As entrevistas-conversas sempre expuseram uma breve introdução sobre os objetivos da

pesquisa e as implicações da participação de cada um, podendo variar segundo o local da

52 Existem poucos trabalhos sobre a questão dos agrotóxicos e sobre como uma ampla gama de posições de pessoa vê o risco de ‘lidar’ com substancias tóxicas no dia-a-dia, a partir de variadas experiências: como produtor-dono, agricultor-paciente, médico-educador, fabricante-vendedor, e que dimensões, desses riscos, são vistas afetando realmente suas vidas, e as dos outros, e as implicações disso para um possível, e tal vez desejável, controle dos riscos. No contexto venezuelano, essa forma de compreensão da questão dos agrotóxicos é ainda menos encontrada, predominando as pesquisas sobre aspectos clínico-epidemiológicos das intoxicações por agrotóxicos; enfoques clássicos sobre as atitudes dos trabalhadores agrícolas, diante das exigências de proteção nas tarefas de aplicação desses produtos; e algumas propostas incipientes de programas informativos orientados à prevenção de intoxicações na população infantil e juvenil, com ênfase em temas ambientais em escolas da região.

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entrevista, a pessoa entrevistada e a sensibilidade da pesquisadora para introduzir o tema no

momento mais oportuno. Tais cuidados foram considerados necessários porque o tema dos

agrotóxicos em Quibor tende a despertar receio e atitudes defensivas, como já foi discutido

anteriormente neste trabalho.

Esse fato foi um elemento importante e sempre esteve presente em cada um dos encontros

que tivemos com nossos interlocutores. Foi necessário lançar mão de vários recursos

argumentativos para contornar possíveis resistências ou mal entendidos que pudessem dificultar

as conversas, possibilitando sempre a construção de um ambiente de descontração e respeito

mútuo pelas posições por vezes conflituosas e abertamente críticas a favor ou contra o uso dos

agrotóxicos. Nesse particular, podemos dizer que Quibor não escapa das tensões que acontecem

em outros países e regiões em torno da questão dos agrotóxicos.

As entrevistas foram realizadas seguindo a lógica do diálogo, ajustando as formas de

abordagem de modo a encontrar a melhor maneira para discutir um tema critico para as pessoas

da região. Os exemplos que mostramos aqui servem para ilustrar nossa concepção da entrevista e

as variadas formas encontradas por nós para dar inicio às conversas.

Na entrevista com Paulo, um dos grandes produtores do Vale que, em teoria, defende o

padrão atual de uso de agrotóxicos, estabelecemos o diálogo abrindo um leque de possíveis

respostas, deixando livre a escolha da melhor forma de iniciar a conversa, embora tentamos

enfatizar os temas que esperávamos serem abordados:

(o M corresponde à voz da pesquisadora)

Paulo: ¿Quería saber si debo hablar como Paulo el productor, o como presidente de Fundac? M: Vamos a hacer una cosa, pudiéramos conversar primero, tú PR como productor que representas, a lo mejor, un sector de los productores... Paulo: exacto, exacto M: y luego pudiéramos hablar algo sobre Fundac, lo que tú consideres que pudiera ser comentado Paulo: no, es mejor que conversemos y tú haces el resumen... M: entonces vamos a comenzar conversando sobre, ¿cuál es la problemática de los plaguicidas?, si es que podemos decir que hay alguna problemática, ¿crees que existe alguna situación problemática en relación a eso? ¿Por que se discute tanto sobre los plaguicidas como una cosa que afecta, que implica riesgos?

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De inicio, Paulo negocia as regras da conversa e o posicionamento que deveria assumir

para responder às perguntas feitas por nós. Ele queria ter certeza que sua fala corresponderia à

nossa expectativa ao que nós respondemos com uma contraproposta e que aparentemente

resolveu sua inquietação. Utilizamos o termo ‘problemática dos agrotóxicos’ para oferecer uma

abertura maior ao tema e só depois introduzimos a questão dos impactos, e por fim, a relação

impacto-risco.

Uma outra estratégia utilizada com Heloisa, representante da indústria fabricante de

agrotóxicos no país, foi deixar claro os objetivos da pesquisa. Para tanto, elucidamos como

estávamos abordando a questão dos agrotóxicos nas conversas com os demais interlocutores com

os quais havíamos entrado em contato. De maneira complementar, retomamos a conversa que

havia sido iniciada um ano antes, apontando nosso atual interesse em resgatar os diferentes

‘pontos de vista’ sobre o tema em questão e solicitando seu posicionamento como funcionária da

indústria fabricante.

M: hay como tres preguntas que yo le he estado haciendo a todos los que he entrevistado, una de las cosas que me interesa recoger en esta oportunidad es los diferentes puntos de vista con relación al manejo de los plaguicidas, por que los ambientalistas tienen su visión y los médicos la suya y los fabricantes tienen la suya y yo he estado tratando de tener más claro el panorama, que es un panorama mucho más amplio, a partir de varias visiones, un panorama mucho más complejo. Yo le preguntaba ayer a Paulo, que si pudiésemos hablar en términos del manejo de plaguicidas, cuales serían los riesgos implicados en el uso de los productos agroquímicos, entonces yo te hago la misma pregunta. ¿Qué piensa Afaq de eso?

Utilizamos a palavra ‘panorama’ para nos referirmos à diversidade de discursos e vozes

das várias representantes das instituições, pessoas e grupos envolvidos na questão dos

agrotóxicos. Trouxemos para a conversa as figuras dos ambientalistas, dos médicos e o discurso

do grande produtor, como interlocutores-chave na questão dos agrotóxicos, para deixar claro

nosso interesse em incorporar, principalmente, a posição da Afaq.

No caso das entrevistas realizadas com interlocutores considerados por nós como menos

resistentes ao debate sobre a questão dos riscos no uso de agrotóxicos, por exemplo, os médicos e

os ambientalistas, a abordagem dos temas foi muito mais direta:

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(ambientalista) Miguel: Las preguntas serían, ¿qué riesgos son los que están relacionados con el uso de plaguicidas?, si usted considera que hay riesgos, por que pudiera ser que usted considere que no los hay, y si existen, ¿como cree usted que deberían ser administrados, gerenciados, reducidos o como trabajar con esa problemática?, y según usted ¿quien (cree usted que) está en riesgo?, si es que cree que hay alguien que está en riesgo.

(médico) Marcos: Vamos a conversar sobre tres preguntas que me gustaría que respondieras. La primera es, en relación a la problemática de los plaguicidas, ¿quién crees tú que está en situación de riesgo? La segunda, ¿que sería necesario hacer para ‘gerenciar’ ese riesgo, para administrar ese riesgo? ¿Qué tipo de riesgo es ese que esta implicado en el manejo de los plaguicidas?

Cada entrevista foi transcrita na integra e cada linha da entrevista foi numerada para

facilitar a escolha posterior de trechos para discussão.

Uma vez feita a transcrição integral da entrevista, cada uma delas foi transformada numa

transcrição seqüencial (ver exemplo em Apêndice 2) que buscou identificar temas presentes nos

três eixos temáticos definidos para orientar as entrevistas: que risco é esse, quem está em risco, e

como se gerencia o risco. A transcrição seqüencial foi feita fazendo uma breve descrição das

temáticas presentes na entrevista. A partir disso, foi possível localizar os trechos específicos em

que se fazia referencia aos eixos temáticos anteriormente mencionados e construir uma tabela

geral (ver exemplo em Apêndices 3a, 3b, 3c) de interlocutores e temas. Isto facilitou uma visão

de conjunto das temáticas abordadas pelos participantes da pesquisa.

A partir da construção da tabela geral de eixos temáticos foram confeccionadas tabelas

cruzando as colunas dos 10 (dez) interlocutores, com a coluna dos temas, e sub-temas, a partir

dos sentidos atribuídos pelos participantes às questões colocadas nas entrevistas. Desse modo,

realizamos a análise a partir de 3 (três) grandes questões e organizamos os discursos em três

tabelas:

• Que risco é esse? (Apêndice 4).

• Quem está em risco? (Apêndice 5)

• Como se gerencia o risco? (Apêndice 6)

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As tabelas permitem visualizar: a) para cada questão, os temas maiores e sub-temas; b) quais

e quantos interlocutores falam sobre o tema maior e quais e quantos o fazem nos sub-temas, c) as

contribuições de temas e sub-temas de interlocutor e/ou posições de pessoa.

Foram também analisados os documentos coletados nas diversas fases do trabalho em

Quíbor, surgindo uma estratégia que nos permitiu ser congruente com nosso enfoque da

linguagem em uso. Ou seja, ao em vez de considerar todo e qualquer material coletado durante o

período da pesquisa em Quibor, só foram incluídos na análise aqueles documentos mencionados

pelos diferentes porta-vozes, elaborando um quadro que cruza interlocutores e documentos.

A tabela foi confeccionada conservando o mesmo formato utilizado para a análise dos

temas e sub-temas, cruzando os interlocutores com uma coluna de documentos (ver Apêndice 7).

Os documentos, como materialidades, fazem parte desta análise na medida que eles são

indissociáveis das relações sociais dos interlocutores em Quibor. Eles são inseridos nos

argumentos construídos no processo de entrevista e são colocados, com determinado estatuto, na

rede de conexões relatadas pelos interlocutores.

No capítulo seguinte se discute em detalhe, a partir da análise das entrevistas, observações

e documentos públicos o uso de repertórios lingüísticos pelos diferentes interlocutores que

participaram desta pesquisa, para dar sentido à questão dos riscos no uso de agrotóxicos no Vale

de Quíbor.

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CAPÍTULO VII

A linguagem dos riscos e os agrotóxicos no cotidiano dos interlocutores no Vale

de Quibor

Ilustração: Edgar Vargas. (Fonte: El Impulso, 2000).

Figura 7: desenho aparecido no jornal “El Impulso”, em 19 de dezembro de 2000. Trata-se de uma reportagem especial que ocupou uma página inteira da edição do dia domingo, alertando sobre os efeitos dos envenenamentos por praguicidas e “a falta de responsabilidade do Estado venezuelano que aplica corretivos apenas quando existem denuncias e não impõe a prática da prevenção” (p. D6). A página foi organizada a partir de um título no cabeçalho, O crime do silêncio, e três sub-títulos: Freqüência de intoxicações, Proibição violada e A morte avisa, ilustrada com o desenho mostrado acima, da morte dirigindo um trator.

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Retomando brevemente a discussão sobre risco, introduzida no capítulo 2, partimos do

pressuposto de que focalizar os discursos e práticas sobre os vários tipos de risco nos possibilita

refletir sobre as transformações na forma de entender as subjetividades contemporâneas e as

relações sociais que são estabelecidas nesse contexto. Tal afirmação se sustenta em três

considerações:

Em primeiro lugar, o que é convencionado como risco é uma construção coletiva que refere a

uma determinada sociedade e a um momento histórico específico, considerando-se não apenas

aspectos ‘reais’ ‘objetivos’ desses riscos, que os tornam mensuráveis e, portanto, objetos de

cálculo em campos de saber específicos, mas também por que são produto da experiência de

pessoas, a partir de situações onde cada uma se sente ou sentiu em risco.

Em segundo lugar, na medida em que o risco é uma construção coletiva, ele nos permite

entender as noções de pessoa que orientam essa construção e as práticas que a sustentam. Daí,

podemos então entender como uma sociedade ou grupo vê a(s) pessoa(s) que corre(m) riscos e as

ações derivadas dessa compreensão.

Em terceiro lugar, ao estudar a noção de risco numa dada sociedade buscamos entender como

são estabelecidas as relações entre aqueles que definem e implementam ações de controle, sejam

elas individuais ou coletivas, e os sujeitos dessas ações de controle.

Desse modo, e em consonância com a proposta teórica desenvolvida no Núcleo de Estudos e

Pesquisas em Práticas Discursivas e Produção de sentidos da PUCSP, “trabalhamos com a

linguagem dos riscos na vertente da pragmática para entender o uso dos repertórios sobre risco na

confluência entre os imperativos da interação e a disponibilidade de repertórios numa perspectiva

sócio-histórica” (Spink M.J, 2003:3).

Compreendemos assim que os riscos são fenômenos socialmente situados e que as noções

sobre risco são objetivadas nas práticas institucionalizadas estabelecidas para regrar as relações

entre as pessoas. Essas práticas, institucionalizadas em formas de controle, são permanentemente

negociadas e permeadas por valores e posições políticas que podem ser estudadas a partir dos

posicionamentos das pessoas nos processos de interação social. Para tanto, buscamos

compreender as possibilidades de dar sentido ao risco no uso de agrotóxicos baseados nas

experiências cotidianas das pessoas que se vinculam com essa questão, a partir de variadas

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posições de pessoa nesse jogo de relações: quem compra e usa o agrotóxico, quem vende e

promove seu uso, quem cuida e trata os efeitos de seu uso, quem se contrapõe ao uso e informa

dos riscos, e de quem controla seu uso.

Os discursos sobre os riscos envolvidos no uso dos agrotóxicos, misturam-se num complexo

de nomeações, causas e efeitos, invocados pelas perguntas que possam dar certa ordem às nossas

conversas, mas que, como poderemos observar a seguir, fazem parte indissociável de uma

argumentação maior.

Conforme descrito anteriormente, abordaremos esse emaranhado de repertórios a partir de

três eixos analíticos: que risco é esse; quem está em risco; como os riscos podem ser controlados.

1. Que risco é esse dos agrotóxicos?

Deixando de ser um conceito abstrato, o risco na perspectiva das práticas discursivas

cotidianas é expresso de formas diferentes em contextos distintos e assume conotações singulares

e usos específicos, ficando colorido pelos gêneros de fala53 típicos das práticas discursivas nas

arenas de atividades. Essa diversidade, conforme pode ser observado no apêndice 4, foi por nós

organizado em três temas: como é nomeado; os riscos associados aos usos e os riscos na

perspectiva de seus efeitos.

1.1 Do risco e suas nomeações

Quatro nomeações foram referidas: veneno, agroveneno/agrotóxico;

praguicidas/substancias tóxicas; dúzia suja.

53 De acordo com Spink, MJ (2003), os gêneros de fala são caracterizados, sobretudo, por temas e situações típicas de comunicação. Esta noção, acunhada por Bakhtin (1994), nos permite entender os conteúdos presentes nas formas de comunicação cotidianas, onde a partir de certos enunciados fazemos conexões de repertórios disponíveis, como parte de linguagens sociais mais amplas, tipo a linguagem dos riscos, e com usos específico desses repertórios em campos particulares, como no caso do uso de agrotóxicos e num lugar particular como o Vale de Quibor.

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a linguagem do uso: “no campo se usa veneno”

Nomear o agrotóxico como ‘veneno’ é uma das maneiras de se referir a ele; é, mais

precisamente a forma naturalizada pelos produtores do Vale, embora seu uso não exclua outras

nomeações.

Para Paulo, o grande produtor, a nomeação ‘veneno’ é a maneira típica de se referir ao

agrotóxico, nessa região, uma maneira usual de se falar sobre ele entre os produtores. Porém, ao

se posicionar perante a questão dos riscos, no contexto de nossa conversa, ele utiliza, de maneira

alternada, a nomeação agroquimico, mais próxima da sua posição como presidente da associação

que ele representa.

M: ¿por que se discute tanto sobre los plaguicidas como una cosa que afecta, que implica riesgos? Paulo: En el Valle de Quíbor se usan muchos agroquímicos, sí es verdad, pero es por que se siembra mucho y se siembra durante todo el año (L 19-22). M: por que hay gente que utiliza el término plaguicidas, otros agrotóxicos, otros agroquímicos? Paulo: mira, hay de todo, fitoterápicos, en Argentina que fui, le dicen así, demoré para saber y entender. Cada quien…, agroquímico, veneno, en el campo es más veneno, pero no importa si es fungicida, a todos se les dice veneno. M: te lo pregunto por que cuando uno dice veneno yo asocio con muerte... Paulo: si, e inclusive muchos han tenido el cuidado de decirme que cambie la palabra, me cuesta por que estoy más metido en mi medio como productor y uso la palabra veneno, veneno, así no sea veneno, yo aplico un herbicida y no importa, es un veneno. Yo digo en la finca; “quienes son los veneneros hoy”, a los que están pasando con la pipa para echar el veneno... si, e inclusive muchos han tenido el cuidado de decirme que cambie la palabra, me cuesta por que estoy más metido en mi medio como productor y uso la palabra veneno, veneno, así no sea veneno, yo aplico un herbicida y no importa, es un veneno (L 251-261).

O termo agro-químico pode ser considerado mais ‘neutro’: é usado genericamente para se

referir a todo e qualquer químico que é utilizado na agricultura, despojando-o de conotações

negativas ou positivas. Já o termo veneno, de sentido claramente negativo, é trazido para a

conversação a partir de nosso questionamento sobre o por quê do uso de variados termos para se

referir, aparentemente, ao mesmo objeto. Buscamos com isso posicionar Paulo no debate sobre

os riscos no uso de agrotóxicos.

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Paulo esclarece que o uso de determinado termo parece depender da escolha de cada

pessoa, inclusive de cada país. No entanto, toma relevância seu uso naquele lugar - o campo -

deixando claro para nós que ainda não sendo ‘realmente’ um veneno, ele é nomeado dessa forma.

Quando associamos, na conversa com ele, o veneno com a morte, Paulo se posiciona como

‘produtor’ reconhecendo o uso do termo pela tradição e declarando o sentido negativo que o

termo veneno gera para quem ‘está fora’ do cotidiano deles: muitos têm tido o cuidado de me

dizer que mude essa palavra, mas é difícil, pois, estou metido neste meu meio como produtor.

Assume aqui maior relevância a forma típica de se falar sobre este tema no lugar e a

reivindicação de uma identidade que Paulo reconhece é dada pela sua posição como produtor

agrícola.

Na fala de José, o pequeno produtor independente, se reafirma o uso do termo ‘veneno’,

como uma nomeação típica dos produtores do Vale. Partindo da conversa sobre sua prática de

utilização de agrotóxicos e respondendo a nossa pergunta sobre o que ele fazia, José posicionou-

se rapidamente como alguém que ‘usa venenos’. Plantar e usar veneno faz parte de uma prática

indissociável, de acordo com a sua resposta. Nós esclarecemos a pergunta, confirmando nosso

interesse em conhecer o que ele fazia, de maneira ampla. O termo veneno aparece de novo como

elemento natural na cadeia de atividades que ele realiza, embora o fato de se intoxicar, usando-o,

pode sugerir que ele tenha um sentido negativo. O sentido negativo é ao mesmo tempo

ambivalente, pois, José declara que utiliza venenos há treze anos de maneira constante, fazendo

várias aplicações durante a semana. O sentido de possível ameaça é retomado por ele ao

conversarmos sobre os efeitos do uso de agrotóxicos, questão que analisamos mais adiante neste

capítulo.

M: ¿Qué es lo que tú haces José? José: ¿con la preparación de veneno? M: bueno si, ¿tú qué haces? José: yo siembro y trabajo, echando los venenos aproximadamente cada dos días, cada tres días, eso depende de..., por lo menos esta semana que pasó eché casi tres veces de veneno y no me he llegado a intoxicar ni una vez y tengo como aproximado trece años trabajando con venenos (L 1-7).

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José utiliza então o termo que lhe está disponível na posição de pequeno produtor

independente e como parte de uma longa tradição familiar como agricultores no Vale,

desconsiderando questionamentos ou divergências possíveis surgidas no posicionamento de

Paulo que parece ter acesso a outros repertórios provenientes de outros campos de uso dos

agrotóxicos.

a linguagem da denúncia: “agrotóxicos/agrovenenos - esse é nosso nome”

Outras nomeações surgem nas práticas discursivas dos interlocutores no Vale de Quibor.

Agora é a vez do discurso da denúncia e do alerta: agrotóxico, agroveneno, plaguicida,

substância tóxica.

Para Lucas, o pequeno produtor associado, a nomeação agroquímico e agrotóxico parece

ter o mesmo sentido. Porém, se atentarmos para o contexto da fala, podemos observar que eles

fazem parte de um argumento maior que o insere numa postura crítica perante a origem desses

termos. O tom do discurso de Lucas é bastante politizado, congruente com sua posição atual

como membro do diretório da associação de pequenos produtores que ele representa.

Lucas: A veces vemos también que lo enfocamos más que todo en el problema, somos muy radicales cuando queremos emitir una opinión y no estamos yendo al fondo de la situación. Para nadie es un secreto que, bueno, que después de la Revolución Verde en Europa, las grandes transnacionales productoras de agroquímicos, agrotóxicos, han apuntado hacia Latinoamérica como el mercado factible por que no existen controles ni por parte del Estado, y si los hay, están siempre de manos con esas grandes transnacionales. Y así se ha hablado del Valle de Quíbor, yo pienso que cuando los pequeños productores hablan sobre la contaminación, como dice usted, le tienen miedo, los grandes productores siempre tienen sus excusas pues dicen que tienen que producir al máximo importándonos poco cuanto se contamine el suelo, las aguas y si estos productos van a ser consumidos (L 11-20).

O fato de os agrotóxicos terem sido desenvolvidos pelas transnacionais, imprime a eles,

segundo Lucas, a seguinte leitura: uma ameaça que foi importada para a América Latina, diante

da ausência de controles por parte do Estado, ou pela conivência com as transnacionais.

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A posição que ocupa, como pequeno produtor associado e identificado com as lutas

sociais de pequenos agricultores que por muitos anos têm se debatido numa arena de tensões com

grandes produtores do Vale, tal como discutido anteriormente neste trabalho, parecem explicar

seu discurso crítico que questiona um tipo de produção agrícola que sua associação busca

modificar produzindo sementes por métodos não convencionais.

Lucas vincula ainda sua crítica aos grandes produtores do Vale, que promovem o uso

irrestrito de agroquímicos para aumentar sua produção, sem demonstrar responsabilidade pelos

impactos ambientais.

Miguel, o ambientalista, se alia a Lucas, no discurso da denuncia, afirmando que o termo

que ‘deve’ ser utilizado é agrotóxico, congruente com o lugar a partir do qual ele fala, como

ambientalista, e utilizando os repertórios que circulam nesse campo. O termo agrotóxico ganha

um sentido ampliado na voz do Miguel, decorrente da interpretação que ele faz dos conceitos de

risco como probabilidade, entendido como cálculo de fatores que, se combinados, podem resultar

em um evento adverso, e dano como efeito, independente de qualquer fator de manipulação.

Miguel: aparte del riesgo, yo creo que... estoy convencido de que no es nada más riesgo, hay un daño, M: me podrías diferenciar eso Miguel: si, cuando tú estableces riesgo, estas estableciendo unas condiciones de que probablemente la persona puede ser afectada, probablemente el producto bien usado o mal usado. Daño es más marcado, bien usado o mal usado tiene los mismos efectos dañinos. Incluso los ambientalistas no decimos insecticidas, establecemos un nombre de agrovenenos, de agrotóxicos, ese es nuestro nombre y está bien identificado y en el congreso se ratificó que debemos hablar en esa terminología. M: ¿en el congreso que se hizo ahora? Miguel: si, en el Congreso Ambientalista Francisco Tamayo, el vigésimo sexto congreso. M: ¿y por que se deben llamar agrotóxicos? Miguel: por que eso clarifica al consumidor, al distribuidor, y al que no está en ese entorno de usarlo, comprarlo y venderlo, que es la gran mayoría de la población, establecer un marcaje visual y conceptual de lo dañinos que son, de lo peligroso que son. Entonces nosotros si identificamos bien, agrovenenos, agrotóxicos, biocida, en el sentido de que el pueblo inmediatamente esa palabra exista en tu mente y en tu oído estas identificando el peligro y el causal que puede producir el estar en contacto con él. Partiendo de ese criterio no es nada más riesgo, es efecto lo que está produciendo el uso de estos productos. Y en el sentido de los riesgos, verdad, es inconmensurable (L 9-24).

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Como podemos notar, Miguel avança na explicação da origem do termo: o nome

agroveneno ou agrotóxico é o nosso nome, traçando uma linha divisória entre ‘os ambientalistas’,

com seu discurso de crítica, e os demais, além de reclamar a autoria do termo que foi cunhado,

segundo ele, pelo movimento ambientalista nacional.

Quando questionado por nós sobre o por quê do uso desse termo, Miguel menciona o

caráter político que a palavra ‘agrotóxico’ tem: esclarece para o consumidor, entendido por ele

como aquele quem usa, compra, e vende, uma marca visual, e conceitual, do perigo a eles

associado. Miguel adiciona mais um termo do seu repertório, biocida, para ampliar o argumento

sobre os danos que ocasionam, associando esse termo a uma estratégia intencionada de alertar o

povo sobre a relação entre agrotóxico-dano e risco. Esta nomeação é um claro legado do

movimento ambientalista mundial para a formatação do agrotóxico como risco.

a linguagem da ciência: “são substancias tóxicas”

Na fala de João, o pesquisador da área agrícola, o argumento é construído lançando mão

de repertórios provenientes das ciências agrobiológicas, pontuando o caráter de substâncias (com

propriedades específicas) dos praguicidas, utilizando uma estratégia discursiva e argumentativa

apoiada na decomposição etimologica do termo: ‘cida’ que quer dizer que mata, e ‘praga’ que

representa um animal, uma planta ou um organismo que ocasiona problemas ao homem.

João: Bueno, mira ¿cuál es el riesgo que hay con los plaguicidas? Con el uso de plaguicidas siempre hay un riesgo, ¿porqué?, por que esas son sustancias que su mismo nombre lo dice, la terminación “cidas”, que quiere decir matar y “plaga”, es un animal o un vegetal o un organismo que le causa un problema al hombre, ese es un termino antrópico, que el hombre lo invento para señalar a un organismo que le causa un problema, sea un insecto, roedor, maleza, etc. El uso de plaguicidas trae riesgos por que son sustancias tóxicas… (L 19-24).

Ainda utilizando repertórios próximos da sua área de formação, João emprega o termo

antrópico, relacionado ao predomínio da vida humana, para argumentar que o termo praguicida

foi criado pelo homem, na sua hegemonia sobre os outros elementos do ambiente. O mesmo

argumento, utilizado por alguém formado nas ciências humanas, teria sido construído utilizando,

talvez, o termo antropocêntrico, mais próximo do referencial da antropologia.

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Conhecendo a trajetória de João, no Vale e dos confrontos que ele teve, em várias épocas

de sua vida profissional, com funcionários da indústria de agrotóxicos e com os próprios

fazendeiros da região, insistimos em conversar sobre a questão da diversidade de nomeações que

encontramos ao longo de nossas entrevistas. Pedimos para João comentar sobre a resistência de

Heloisa, funcionária da indústria química, em utilizar o termo agrotóxico.

Para tanto, mencionamos o encontro que tivemos com ela para discutír esse mesmo tema.

Sua resposta tem ligação com sua trajetória como ‘pesquisador no lugar’, argumentando que o

posicionamento de Heloisa é pautado pelos limites impostos pelo cargo que ela ocupa,

reconhecendo a postura de confronto da indústria diante do termo e as disputas constantes na

busca da utilização de nomeações ‘neutras’.

M: Heloisa tiene un programa..., que utiliza el slogan de uso seguro de plaguicidas, y yo le digo agrotóxicos, y ella me dice que no use esa palabra

João: por que a ella le dicen que no permita eso (L 201-208)… no les gusta ni que le digan agrotóxicos (L 220).

a linguagem do gerenciamento: “os americanos chamam de dúzia suja”

A nomeação dúzia suja é referida no discurso do governo e do controle no uso de

agrotóxicos.

Fernando, o vereador Hilda, do Ministério do Ambiente (fórum) F.S: Aquí están utilizando productos que los americanos llaman la ‘docena sucia’. Está el DDT, el Tamarol M: ¿Los están usando? F: si, están prohibidos, y los traen aquí a Quibor y los revenden a un precio altísimo.(L 17-20)

Quiero hacer hincapié en las campañas que hace la Oficina Mundial de la Salud sobre la ‘docena sucia’. Si nosotros le llegásemos a los agricultores para decirles cuáles son los doce plaguicidas prohibidos por la Oficina Mundial de la Salud, tendríamos algún acierto.(L 8-12)

Para Fernando, a ‘dúzia suja’ é um termo criado pelos ‘americanos’, país que pauta, de

acordo com seu entendimento, as normas internacionais de comercio destes produtos. Para,

Hilda, do Ministério do Ambiente, a nomeação dúzia suja, definida pela OMS, precisa ser

traduzida como praguicidas proibidos no momento de ser explicitada para os agricultores. Para

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ambos, o sentido mais importante da nomeação é seu caráter de produtos proibidos pela

regulamentação internacional.

Chama a atenção que, em matéria aparecida no jornal ‘El Impulso’ (apêndice 1), de

circulação em todo o Estado Lara, em dezembro de 1999, sob o título Los plaguicidas lesionan la

vida del hombre y el ambiente. ¿Cómo evitar envenenamientos?, aparece pela primeira vez, de

forma explícita, no levantamento de matérias sobre o tema dos agrotóxicos por nós realizado

desde 1994 e até 2004, o uso do termo ‘dúzia suja’, inserido na discussão sobre a importância da

utilização de medidas preventivas para alertar sobre a proibição de certos produtos nomeados de

agrotóxicos ou biocidas, de alta toxicidade.

Classificamos os depoimentos dos interlocutores ao se referir à nomeação do agrotóxico

como ‘linguagem’ do uso, da denuncia, da ciência e do gerenciamento para enfatizar no uso

polissêmico que caracteriza os discursos ao lançar mão de uma variedade de repertórios e

combinações de termos nas práticas discursivas que se fazem presentes ao falar sobre esses

produtos, influenciado pelas maneiras em que os agrotóxicos são nomeados dependendo de onde

nossos interlocutores estavam falando. Entendemos polissêmico aqui não como um fenômeno

semântico, no sentido dado pela lingüística, quando se refere à existência de vários sinônimos

para uma mesma idéia, e sim à propriedade que uma palavra possui (numa dada época) de

representar várias idéias diferentes, de acordo com a compreensão dada por Spink, M.J e

Medrado, B. (1999: 48).

Assim, para Paulo e José, por exemplo, toma relevância a nomeação ‘veneno’ partindo do

posicionamento como produtor, embora essa nomeação possa ser questionada por Paulo, quando

ele passa a se posicionar como alguém que já foi alertado da inconveniência de seu uso, por seu

sentido negativo. Em cada contexto de uso uma nomeação especifica toma maior destaque

ressaltando o caráter situado dos sentidos que atribuímos ao mundo que nos cerca.

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1.2 Do risco no uso

O segundo tema abordado nas entrevistas, os riscos associados ao uso, é referido por

todos os interlocutores, sendo identificados os seguintes sub-temas: o bom e o mau uso, o

agrotóxico proibido e a toxicidade.

do bom/mau uso: “se cumprir as normas, que risco a gente corre?”

Quanto à relação entre risco e bom/mau uso dos agrotóxicos, mostrou-se ser um tema do

qual todos os interlocutores tiveram alguma coisa a dizer. A questão do bom/mau uso também é

um dos temas incorporados nos programas informativos desenvolvidos em Quibor por

profissionais da área da educação em saúde do trabalhador, e na própria estratégia informativa da

industria local e mundial fabricante de agrotóxicos. Vejamos os elementos contrastantes e as

coincidências presentes quanto ao uso de repertórios e figuras discursivas, como, as frases e

outros elementos argumentativos, por exemplo.

O risco, envolvido no bom/mau uso de agrotóxicos, apareceu principalmente referido a

dois aspectos: o uso de normas e a compra ilícita de produtos proibidos, ou seja, de contrabando.

Para Paulo, o grande produtor, o argumento é construído organizando sua postura a favor

do uso de agrotóxicos, baseado no bom uso.

M: ¿tú crees que los plaguicidas tienen riesgos para la salud de las personas? Paulo: si, si, si le das un mal uso, sobre todo (…) por que uno no los ve ya como peligrosos, inclusive en el pasado yo llegué a tener mi tope máximo, por no usar guantes y no ponerme también fuerte con la gente, yo tuve cuatro intoxicados en un mes, en mi finca, cuando se empezó a usar el Carbodán, por el hecho de que la gente lo tocaba y se llevaba las manos a la boca (L. 249-261).

O risco só existe quando o agrotóxico é mal utilizado, sem proteção. O perigo é coisa do

passado, quando não eram seguidas as normas que hoje, segundo Paulo, fazem parte da rotina em

Quíbor. Ele reconhece que houve uma época em que ele próprio alguma vez contribuiu a

estabelecer um ambiente de riscos, em virtude das intoxicações sofridas na sua fazenda, ao

desconsiderar as mínimas normas de proteção e manipulação desses produtos.

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Para José, o pequeno produtor independente, os venenos só podem ser vistos como uma

constante ameaça, contrapondo-se desta maneira à fala de Paulo. Ao ser questionado sobre

formas seguras de aplicação dos venenos, ele argumenta que não há nenhuma maneira de evitar o

efeito danoso que eles produzem. O argumento é construído se referindo ao veneno investido de

um poder para além de seu controle: ele é muito bravo e causa dano, partindo do pressuposto que

‘qualquer um pode te foder’.

M: ¿tú crees que habría alguna forma de echar los venenos que la gente no se intoxique, como sería, cómo podría ser? José: no te diría que forma, todos esos venenos son arrechísimos, todos jeden mucho, no hay uno que uno diga, ‘este no te puede hacer daño’, saca la cuenta que cualquiera que tú abras, te puede joder (L. 312-318).

Duas premissas sustentam o argumento de Heloisa, a funcionária da indústria: o risco

depende da maneira como o produto é usado e existe um impacto positivo na utilização de

agrotóxicos para a produção de alimentos, num contexto de aumento constante da população, que

justificaria seu uso.

A fala da Heloisa coincide com a posição assumida por Paulo ao afirmar que o risco do

uso de agrotóxicos é passível de ser minimizado, se utilizado sob normas de manipulação

preestabelecidas pelo conhecimento perito. De acordo com documentos distribuídos por ela nas

palestras oferecidas nas fazendas e o material impresso em cartazes disponibilizados nas casas

comerciais da região, duas estratégias principais são informadas no programa de uso seguro de

agrotóxicos: prescrição de medidas de proteção individuais, orientadas ao agricultor que

manipula os produtos, e a tríplice lavagem das embalagens54.

54 Em Quibor a estratégia da tríplice lavagem é difundida principalmente nas casas comerciais por meio da distribuição de cartazes aos quais tivemos acesso quando conversamos com os gerentes das lojas de venda da região. É uma diretriz mundial que também está sendo implantada no Brasil. Em matéria aparecida na Folha de São Paulo, online, em 1 de setembro de 2004, sob o título: Estados iniciam operação contra uso de herbicidas contrabandeados, se faz referência à ‘Operação Agrotóxico’ que está sendo desenvolvida no centro-oeste do país (Brasília, Mato Grosso do Sul, Goiás e Mato Grosso), pelos Ministérios do Meio Ambiente, Agricultura e Saúde e sob a coordenação da Diretoria de Proteção Ambiental. Dita operação envolve equipes do Ibama que visitam as fazendas, distribuidores de insumos agrícolas, cooperativas, produtores e propriedades rurais para alertar sobre ‘os riscos’ do uso de agrotóxicos falsificados e a difusão da tríplice lavagem a apreensão de embalagens descartadas.

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Quanto às medidas de proteção, três tipos de medidas são prescritos: da higiene e proteção

pessoal (uso de luvas e óculos de proteção, lavagem de mãos antes e depois da manipulação das

substâncias, de leitura de instruções nas embalagens, não comer ou beber durante o processo de

pulverização, lavagem do corpo e roupas após a pulverização); do processo de pulverização

(verificação de fugas no equipamento de pulverização, pulverização durante períodos de pouco

vento); da disposição de embalagens (destruição de embalagens vazias e sua armazenagem sob

chave e fora do alcance de crianças).

Quanto à tríplice lavagem, como seu nome indica, trata-se da repetição do processo de

lavagem de embalagens que inclui quatro passos: adicionar água à embalagem vazia, agitar,

verter o liquido no equipamento de pulverização e perfurar a embalagem vazia para evitar sua

reutilização.

M: cuales serían los riesgos implicados en el uso de los productos agroquímicos, entonces yo te hago la misma pregunta. ¿Qué piensa Afaq de eso? Heloisa: El riesgo en la aplicación de plaguicidas si tu cumples las normas, qué riesgo estas corriendo?, yo creo que si ves la otra parte positiva de los plaguicidas pues, tu dices caramba estoy sacando producción para una población en constante crecimiento y no veo esta otra parte como la ven los ecologistas. M: entonces tú crees que si se respetan esas normas mínimas de uso, tú dirías que estaríamos en menos riesgo

Heloisa: claro que estaríamos en menos riesgo (L. 78-80). No es que sea directamente proporcional, pero generalmente si es directamente proporcional (…) (L. 132-134).

Heloisa traz para seu argumento a voz dos ecologistas que fazem a crítica aos impactos,

para justificar o segundo pressuposto, no qual baseia sua postura a favor do uso de agrotóxicos.

Em estudo realizado, no Brasil, Peres e Rozemberg (2003) apontam para essa questão

destacando que o discurso e as práticas existentes no campo vêm justificando o uso de

agrotóxicos pela necessidade de uma ‘agricultura produtiva’, como a única solução para o

problema do aumento crescente do consumo de alimentos no mundo. Decorrente disso, os autores

afirmam que;

Este é o discurso comum de agrônomos e outros profissionais ligados às casas comerciais, e mesmo de alguns ligados ao poder público, e tem uma origem muito

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clara: o interesse das grandes indústrias, fabricantes de agrotóxicos, que encontram em associações e entidades ligadas ao comercio um respaldo legítimo para a disseminação de tal idéia (Peres e Rozenberg, 2003:332).

Na conversa a seguir, Miguel, o ambientalista, se contrapõe à questão do controle dos

riscos pelo bom uso, desenvolvendo seu argumento a partir de um comentário nosso que tenta

questionar a idéia de um possível uso seguro desses produtos. Pedimos que ele comente sobre

uma compreensão generalizada de que o problema dos agrotóxicos está na maneira de como eles

são manipulados e de que a suposta falta de informação, chamada por alguns de falta de

educação, permitiria evitar esta situação.

M: por lo menos en Quibor, nosotros..., inclusive el trabajo que se hizo fue un trabajo que creó mucho conflicto… por que el asunto estaba en que los plaguicidas eran utilizados de manera inadecuada, o sea que utilizándolos de manera adecuada se eliminaban los riesgos y el problema es que la gente no sabe utilizarlos, ¿que piensa usted de eso? Miguel: si, esa es una excusa, más que una explicación es una excusa por que incluso usándolos bien, el problema de la resistencia está presente. Entonces que sucede?, que el productor se da cuenta inmediatamente si es un fungicida que en la primera de cambio funcionó, en la tercera o cuarta aplicación el producto no le funciona y que hace este hombre para no perder su cultivo?, le aumenta la concentración, inmediatamente, y eso lo estimula la empresa por que al aumentar la concentración es un consumo mayor del producto y mayor renta para ellos, independientemente de que los costos de producción sean altísimos para el productor pues él quiere ver su cosecha culminada en condiciones si no optimas por lo menos factible para la venta en términos de buena apariencia y textura del producto, eso es una realidad. Aparte de aumentar la dosis viene el cóctel y se habla de tres o cuatro productos y la sinergia de un producto clorado con fosforado que ya es nocivo para la salud, el potencial no de riesgo sino de fulminante muerte al que ingiera o al que se le aplique a través de la piel será mayor el efecto nocivo a la salud y eso es también una realidad (L 96-121).

A questão da resistência das pragas, muito presente na literatura ecologista e agronômica,

discutida em capítulos anteriores neste trabalho, serve para abrir o discurso de crítica que vem a

seguir. A resistência, segundo Miguel, cria uma cadeia de dependência do produtor com o

provedor de agrotóxicos, a industria fabricante, que, por sua vez, estimula o uso constante destes

produtos, num esquema produtivo que o força a usar estes insumos na desesperada tentativa de

salvar a colheita. Mas, ao mesmo tempo, o produtor, na ausência de uma ‘adequada informação’,

aumenta as doses e as combinações que criam uma situação de risco potencializado e a eventual

morte de quem o manipula.

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Para João, o pesquisador da área agrícola, a indústria desenvolveu um argumento sobre a

segurança possível no uso de agrotóxicos como uma estratégia de sobrevivência da própria

indústria.

João (…) lo que pasa es que eso es como una estrategia de ellos, por que una cosa que sea tóxica no puede tener ningún uso seguro, eso es contradictorio, opuesto, lo que pasa es que esa palabra segura está mal usada. Tú lo que puedes decir es que vas a reducir los riesgos pero eso no le conviene a ellos (…) (L 207-220).

O caráter tóxico dessas substancias nos coloca, segundo ele, diante de uma contradição

evidente: só é possível minimizar os riscos, pois, eles estão aí embutidos na própria condição de

toxicidade desses produtos.

Vejamos agora o posicionamento de Gustavo, o funcionário da Comissão de Qualidade

Ambiental, ao argumentar sobre a relação entre o risco e o bom ou o mau uso.

Utilizamos a visualização abaixo para mostrar como o argumento é construído.

M: existem os riscos no uso de agrotóxicos? + risco se usado inadequadamente G: É claro há categorias de riscos - risco + baixo se usado com normas para minimizar o risco uso de tipo de visão Regulamentações tem que apertar por aí equipamentos água integral do Estado do cultivo promoção de produtos uma produção + saudável não contaminados e com - químicos calibração de equipamentos Como podemos observar, Gustavo dá como pressuposta a existência do risco no uso de

agrotóxicos. No entanto, esse risco é relativizado na medida que existem maneiras de uso: bom

ou mau. Por sua vez, essas maneiras de uso determinam a existência de ‘categorias de riscos’, que

podem ser minimizados. Daí a necessidade do controle no uso e a incorporação de elementos de

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sua experiência como produtor e funcionário público, que enriquece o leque de ações que ele

consegue propor para enfrentar o problema. Podemos ver que a questão do uso se amplia bastante

quando vista por quem está posicionado a partir do controle, incorporando uma gama de

dimensões, como por exemplo, ações de políticas locais de controle, medidas orientadas para a

substituição do padrão tecnológico atual, que surgem pautadas pelo tipo de posicionamento que

Gustavo assume na rede maior de uso de agrotóxicos em Quibor.

Mostramos aqui posicionamentos contra e a favor do uso de agrotóxicos como

argumentos que sustentam a possibilidade, ou não, de controle dos riscos envolvidos no uso

desses produtos. Destaca-se que na fala dos interlocutores, predominantemente a favor do uso,

como Paulo, o fazendeiro, e Heloisa, a engenheira da indústria, é a questão da aplicação de

normas no uso, pessoais e na aplicação dos produtos, que organiza todo o argumento, variando no

contexto de referencia para falar do tema: normas, na manipulação dos produtos no campo e

normas, como medidas para minimizar os riscos. Já no discurso contra o uso se destaca a fala de

José, o pequeno produtor, para quem, por sua compreensão sobre o caráter de venenos dos

produtos que ele utiliza, não há possibilidade alguma de proteção. Para Miguel, o ambientalista, e

João, o pesquisador, o papel da indústria que promove os agrotóxicos perpetua seu uso utilizando

como estratégia o estimulo constante da utilização desses produtos. Gustavo, posicionando-se

como alguém que fala das possibilidades de controle dos riscos, o bom e o mau uso também

possibilitam diminuir os riscos na manipulação dos produtos.

A venda ilícita de agrotóxicos proibidos: “aqui todo mundo os usa”

A questão do agrotóxico proibido, surgida na conversa com alguns dos interlocutores,

vincula-se ao contrabando de produtos que são utilizados ilegalmente na região. Apresenta-se

como uma problemática principalmente para aqueles preocupados com a venda de produtos fora

do mercado legal, e em franco confronto com as casas comerciais locais, assim como para os

profissionais da área agrícola e da saúde, preocupados com os efeitos de produtos muito tóxicos.

Nos encontros que tivemos com dois gerentes das casas comerciais de venda de

agrotóxicos em Quibor, nos foi dito que o contrabando de agrotóxicos é uma questão crítica que

tem mobilizado a industria fabricante e os próprios donos das lojas a se juntarem para iniciar uma

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campanha contra a venda ilícita de DDT e outros produtos que, segundo eles, não deveriam

circular na região. Na época que fomos conversar com eles coletamos cartazes, sobre a campanha

denominada ‘contra o uso de insumos agrícolas falsificados’, elaborados e distribuídos pela

associação mundial (Crop Protection Association) de fabricantes e sua subsidiaria no país e as

casas comerciais da região. No entanto, existe ainda a venda ilegal desses produtos provenientes,

segundo o depoimento dos gerentes, da Colômbia. Outros interlocutores mencionaram a

conivência de membros da Guarda Nacional no negocio de venda ilegal de agrotóxicos na região.

Três interlocutores falaram explicitamente dessa questão Paulo, o grande produtor,

Fernando, o vereador, e João, o pesquisador da área agrícola. No quadro abaixo se apresenta o

posicionamento de cada um deles perante a problemática.

O contrabando é mencionado por Fernando quando questionado sobre os riscos do uso de

agrotóxicos no Vale. Isto por que, além de fazer parte do governo local, ele tem ampla

experiência como produtor na região. A partir disso, e baseado na sua experiência como

coordenador de uma comissão da prefeitura que regulamenta e supervisiona o manejo desses

produtos, a questão do contrabando aparece como algo aparentemente conhecido por todos no

Vale.

Falando de contrabando Fernando (quem controla o uso) Paulo (quem compra e usa) João (quem se contrapõe e

informa).

Fernando: aquí están utilizando productos que los americanos llaman “la docena sucia”. Está el DDT, el Tamarol M: ¿Los están usando? Fernando: si, están prohibidos, y los traen aquí a Quibor y los revenden a un precio altísimo. M: y, ¿quien los usa?, ¿los grandes?, ¿los pequeños? Fernando: todo el mundo los usa, lo que pasa es que aquí en Quibor, lo que llaman los técnicos aquí se ha creado una bomba atómica en materia de plaguicidas. Aquí se hizo un cruce peligroso de organofosforados y se hizo

M: ¿la gente no mezcla mucho, productos que no debe? Paulo: si sucede, pero..., ahí si me voy yo al revés ahora, me voy más a nivel de los cerros, a nivel del pequeño productor donde hay mucha, mucha desinformación y... en estos días me sentí demasiado molesto porque salió un técnico del INIA diciendo que si había el uso de DDT (…) por ser presidente de Fundac yo camino mucho, ando por ahí, y yo no lo veo. (L 121-126) M: por que yo supe que había contrabando, se consigue el DDT por ahí

João: Los plaguicidas han venido usándose cada vez más de forma irracional, sobre todo organoclorados de los que ya habló el Dr. Alcalde, y esos productos ya tienen un uso restringido desde 1983 para el control de enfermedades contagiosas como la Malaria, pero nunca falta la gente inescrupulosa que se roba el DDT y otros organoclorados en el Ministerio y los vende y también que los meten de contrabando generalmente de Colombia. Nosotros tenemos pruebas de eso, conseguimos los potes por ahí, además el estudio

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inmune a la plaga. La plaga se ríe de los productores. Por ejemplo una plaga como la mosca blanca o el pasador del tomate, los productores se ponen a inventar dosis que son prohibidas que crean problemas de salud pública a los agricultores y a la población en general y lo hacen con la idea de salvar la siembra.(L 18-27)

Paulo: si.... En verdad es en la parte alta, que es donde más se ha concentrado el pequeño productor, en el Valle de Quibor el agricultor tiene que ser muy eficiente, por que el agua te cuesta demasiado, la preparación del suelo te cuesta demasiado entonces o eres eficiente o te vas. Eso nos ha hecho que nos diferenciemos. (L 139-149)

de la Universidad Lisandro Alvarado que habla pues de que hay residuos de clorados en gente que tiene 70 años. Pero no sabemos, hay sospechas de que hay un organoclorado, el único que queda en el mercado.(L 23-31)

Pedimos para ele falar sobre este tema especialmente sobre a possibilidade de que apenas

alguns poucos produtores estejam usando estes produtos proibidos na região. Segundo ele trata-se

de uma prática generalizada que tem se desenvolvido a partir da mescla de substancias que, por

sua vez, tem gerado uma resistência cada vez maior das pragas. A racionalidade que sustenta essa

prática, de acordo com ele, é de tipo econômica, baseada na necessidade de resguardar a

produção a qualquer custo.

Na entrevista com Fernando, havia sido mencionado que todos os produtores do Vale,

incluindo os grandes produtores, são usuários de agrotóxicos proibidos, vendidos ilegalmente no

Vale. Daí trouxemos esse assunto ao entrevistarmos Paulo.

No momento em que o tema é abordado, Paulo pede para desligar o gravador, o que nos

acatamos imediatamente, como combinado desde o inicio da entrevista. Este fato, somado à

afirmação feita de que os grandes produtores do Vale já teriam sido apontados publicamente por

um técnico como usuários desses produtos, demonstra que o problema do contrabando é muito

delicado e que envolve muitos interesses. No entanto, Paulo argumenta que isso talvez esteja

acontecendo numa região próxima ao Vale, por conta de pequenos produtores desinformados que

não prevêem as conseqüências dessa atitude, em contraposição aos produtores do Vale que,

diferentemente daqueles, são forçados a produzir de maneira eficaz (principalmente pelo

investimento em irrigação), garantindo um uso ‘racional’ dos insumos agrícolas e que sua

produção esteja de acordo com as normas estabelecidas pela legislação.

Por último, para João, o pesquisador da área agrícola, o contrabando de DDT e outros

organoclorados proibidos no país é resultado da utilização irracional e crescente de agrotóxicos

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de uso restrito para o combate de doenças endêmicas, como a Malaria, e sob a coordenação do

Ministério da Saúde. Não há só contrabando, mas também, roubo desses produtos que circulam

no Vale, cotidianamente. O argumento se fundamenta em exemplos extraídos de sua experiência

prática nas áreas de produção agrícola da região e como pesquisador de longa trajetória.

Durante o Fórum realizado em Quíbor, mencionado no início deste capítulo, Carmem, a

funcionária do setor de engenharia sanitária, do Ministério da Saúde, em Barquisimeto, apontou a

problemática do contrabando de agrotóxicos proibidos e o débil sistema de controle que o

Ministério tem para impedir que esses produtos sejam comercializados na região. A funcionária

fez um convite direto para que sejam denunciadas aquelas casas comerciais de produtos agrícolas

que estejam comercializando produtos tóxicos, considerados ilegais no país. Esta questão

contradiz o que nos foi dito pelos gerentes das casas comerciais que se declararam contra a

prática do contrabando.

Carmem: Por último, se habló aquí que existen plaguicidas prohibidos que ingresan al país vía los ‘caminos verdes’, que se llama contrabando, que cuando llegan a la jurisdicción del municipio, están a la orden del día, probablemente, lamentablemente cuando los organismo de control llegan a verificar si hay plaguicidas de este tipo, seguro que hacen alguna cosa para que no aparezca que son, o DDT, o alguno de los organoclorados prohibidos, que están prohibidos desde el ano de 1983. El día de hoy, ustedes todos que ya conocen, existe una reglamentación, una prohibición del uso de esos plaguicidas de tipo organoclorados, entre ellos el DDT, HCH, y todos aquellos que están en la lista de los organoclorados y de los que están completamente prohibidos en el país. Denuncien la información que ustedes tengan. Si van a una casa agrícola y están vendiendo el DDT, sepan que el DDT no se puede vender libremente, ese es un producto que quedó completamente restringido para el combate de epidemias por parte del Ministerio de la Salud, y el que lo tenga está cometiendo crímenes de lesa humanidad. No es crimen sólo el que mató, sino también el que atentó contra la salud de las personas, aplicando a los cultivos que consumimos esos productos y que no se degradan en el ambiente, persistiendo hasta 200 años.(Carmem, 26/09/02)

A fala de Carmem é de denuncia explicita. O contrabando de agrotóxicos é definido como

‘negócio’ sustentado na impunidade por entrarem no país pelos ‘caminhos verdes’55, implicando

55 Expressão utilizada na Venezuela para se referir às mercadorias, ou às pessoas ilegais, que entram pela fronteira com a Colômbia.

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diretamente as casas comerciais da região. O uso e venda de DDT são caracterizados, segundo

ela, como crimes, amparado no argumento da lei que proíbe seu uso no território nacional56.

No contexto do controle do uso de agrotóxicos a questão do contrabando se torna o eixo

que organiza o discurso de interlocutores que estão diretamente envolvidos com ações de gestão e

regulamentação desse uso. Por se tratar de uma prática ilegal a figura da ‘responsabilização’ de

algo, ou de alguém é enfatizada. Para Paulo, posicionando-se como alguém que conhece

diretamente a realidade dos produtores do Vale, ele incluído, o culpado é o pequeno produtor

desinformado (irresponsável), fora da área do Vale, que contribui para a perpetuação dessa

prática. Para Fernando, todos os produtores são culpados, embora isso se deva a uma razão de

sobrevivência da produção agrícola onde tudo vale, inclusive o uso de substancias proibidas. Para

Carmem, os sistemas de vigilância e controle são débeis e insuficientes para lutar contra uma

realidade que ela reconhece ser difícil de controlar pelos órgãos competentes.

1.3 Do risco como toxicidade e efeito

A toxicidade: “é o efeito que causam esses produtos no organismo humano”

A expressão acima é utilizada por Maria, médica do Ministério da Saúde e participante do

fórum realizado em Quibor ao se referir ao risco, argumentando que ele depende do nível de

toxicidade do agrotóxico, vinculado por sua vez ao tipo de agrotóxico que é utilizado. Trazemos

para nossa discussão a definição dada por ela na medida que isto nos permite refletir sobre os

elementos mais importantes que a medicina utiliza para definir a questão da toxicidade e as

possíveis vinculações desse discurso com as argumentações que sobre a toxicidade são

construídas por outros interlocutores no Vale.

Maria: El efecto que esos productos causan en el organismo lo conocemos como toxicidad, y que esa toxicidad nosotros la podemos medir dependiendo de la frecuencia de contacto de este cuerpo indeseado, multiplicado por la probabilidad de exposición a esa

56 O DDT foi proibido em junho de 1983, segundo resolução conjunta do Ministério do Ambiente (No. 512), do Ministério da Saúde (No. 177) e do Ministério de Agricultura e Cria (No. 196), destinando seu uso, de forma exclusiva, para o controle de vetores por razões médicas, sempre que aplicado sob a consulta e supervisão do Ministério da Saúde. A nova versão da “Ley de sustancias y desechos peligrosos” é de apenas 2001, sancionando as matérias nas quais a Ley Penal do Ambiente não era o suficientemente rigorosa. Dizia-se que era preferível pagar multa e continuar utilizando agrotóxicos, mas agora a pessoa paga multa e ainda pode ser preso, de acordo com a esta nova versão da lei.

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sustancia. Un ejemplo de ese riesgo es cuando nosotros desayunamos, almorzamos o cenamos, cuando nos comemos una fruta estamos consumiendo pequeñas cantidades de esas sustancias que no las conocemos. Hablamos de exposición, cuando estamos en contacto directo con la sustancia química y que esa exposición puede ser por vía inhalatoria, ocular, dérmica, pero hay otros factores que van a influir en la exposición. Hablamos de las características físico-químicas del producto, si es un vapor, si es un gas. Hablamos de las dosis, por que en pequeñas dosis la exposición es diferente. Hablamos también de las distancias, de la temperatura, de la ventilación, son todos factores que influyen en una determinada exposición. Otro factor importante es la susceptibilidad del individuo. Esto quiere decir que a pesar de que estemos en el mismo sitio dos personas los efectos serán diferentes por mi condición genética, mi edad, mi estado nutricional, el grupo étnico, será diferente y más acentuada para cada individuo (L 17-31).

A definição dada por Maria utiliza os principais repertórios veiculados pela medicina

toxicológica e a epidemiologia: a toxicidade é entendida como a possibilidade, ou a probabilidade

de causar algum efeito no ser humano, que se articula com o tipo de substancia, a freqüência de

contato do ser humano com a substância tóxica e a chance de contato com ela, que é associada à

dose ou quantidade do produto que entra em contato com o ser humano, seja pelo consumo de

alimentos contaminados, inalando-o, tocando-o, etc.

Quatro de nossos entrevistados se referiram explicitamente à questão do risco derivado da

toxicidade dos produtos: Gustavo, o funcionário da Comissão de Qualidade Ambiental, João, o

pesquisador, Marcos, o toxicologista, e Mario, o prefeito do município. Para termos uma melhor

visualização dos argumentos, construímos o quadro abaixo, grifando algumas das frases para

destacar sua importância na construção dos argumentos.

A questão fundamental que aparece é o risco associado à intoxicação decorrente da

natureza tóxica das substancias, questão que surge explicitamente nos discursos do Marcos,

Miguel, e do Gustavo, sendo também um aspecto destacado tanto na literatura científica como no

âmbito da gestão dos riscos. Gustavo, baseado na sua experiência e conhecimento técnico da

dinâmica produtiva no Vale, estabelece uma diferenciação clara entre as práticas agrícolas dos

grandes e dos pequenos produtores.

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Falando de toxicidade

Gustavo João Marcos

M: ¿cuáles son los problemas? Gustavo: por un lado, yo creo que... hay como que clasificar...en el caso de a los grandes productores yo he visto que están usando muchas mezclas de plaguicidas…ha habido mucho problema con personal intoxicado de los que manipulan los productos. Por otro lado, como están saliendo todos los frutos que se están sacando de las fincas y a nivel de los grandes productores que son los grandes consumidores de plaguicidas aquí. Con relación a los pequeños (productores), con los grandes a pesar de que se han hecho algunas campañas, algunos están conscientes como es el caso de Paulo. En el caso de los pequeños., las dosis no se están aplicando correctamente, no se están usando los productos que generalmente son específicos para una determinada plaga o específicos para un determinado cultivo, por que no tienen la información… hay unas tecnologías que el productor las maneja como tradicional… por otro lado, lamentablemente los que venden esas semillas tampoco suministran la información y los productores tampoco la solicitan al vendedor. El agricultor pequeño sigue utilizando los plaguicidas como tradicionalmente los ha utilizado, sin prestar mucha atención a la etiqueta, a las recomendaciones, los antídotos, las dosis, las mezclas.

João: El uso de plaguicidas trae riesgos por que son sustancias tóxicas, que su toxicidad se mide técnicamente en un término que se llama “dosis letal media” (DLM), que es la cantidad en miligramos por kilogramo de peso, o sea si un producto tiene una dosis letal de 1 miligramo, eso quiere decir que si yo peso 80 kilos e ingirieron por cualquier vía, que después te explico como es, 80 miligramos, que no es nada, esa dosis en mi organismo es capaz de matarme o de matar una población experimental. Es experimental por que es aplicable a cualquier ser vivo. Ese es un indicativo, por que no se puede probar eso en humanos, no se ha hecho, se hace en animales experimentales (L 24-31).

M: según eso, ¿todos estamos expuestos? Marcos: si, unos con mayor riesgo que otros, pero ese sería el grupo que en general tendría la mayor probabilidad de intoxicación (L. 15-17) M: nos quedaría que tipo de riesgo es ese, creo que dices que es un riesgo inevitable, que es factible de ser minimizado pero no eliminado... Marcos: si, por que los plaguicidas tienen un problema que ellos no son selectivos sobre el sistema nervioso de las plagas o en general sobre el órgano blanco de las plagas, no es selectivo sobre ese órgano, sino que también, es inespecífica la acción en general y te va a afectar a ti también, afecta la vida salvaje que es otra cosa que hay que preservar. Tendríamos que tener un plaguicida ideal que todavía no se ha inventado (L. 55-61)

Quanto os grandes produtores, definidos por Gustavo como os maiores consumidores de

agrotóxicos da região, a fonte dos riscos decorre do uso abusivo de mesclas de agrotóxicos,

questão que já havia sido mencionada por outros interlocutores e que determina, de acordo com

ele, um incremento na probabilidade de ocorrência de intoxicações, prejudicando,

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principalmente, e mais diretamente, os empregados desses grandes produtores. Ele traz para o

argumento sua postura ativa nesta questão ao afirmar que ‘eu tenho visto’ isso acontecer. No

entanto, ele argumenta que há algumas exceções dentre os grandes produtores, salientando que

alguns estão introduzindo mudanças no padrão abusivo de uso de agrotóxicos.

Quanto os pequenos produtores, Gustavo caracteriza a situação como falta de informação

sobre a aplicação da dose correta, não referida ao uso que faz a medicina do termo ‘dose’ como

exposição ao produto, motivada pela prevalência de práticas equivocadas e culturalmente

estabelecidas e ausência de orientação por parte dos técnicos das casas comerciais: o pequeno

produtor não segue as indicações colocadas nas etiquetas dos produtos, abusando na quantidade

de agrotóxico aplicado na plantação.

João, o pesquisador, ao falar da toxicidade, assume claramente o posicionamento de quem

informa. O uso de agrotóxicos implica necessariamente riscos, devido a seu caráter de substancia

tóxica. Ele introduz na argumentação o uso do termo técnico que legitima essa afirmação: a dose

letal média. A toxicidade é medida de acordo com essa dose letal que é apenas um indicador. A

partir dessa definição, João nos dá os elementos necessários para que possamos compreender o

conceito, posicionando-nos como população leiga.

Marcos, o toxicologista, discute a questão da toxicidade vinculando-a, também, como a

maior ou menor probabilidade de intoxicação, mas incorporando para isso termos provenientes

das áreas agrícola e ambiental: a relação entre a ação do agrotóxico, de tipo inespecífica, sobre o

sistema nervoso da praga, que, por sua vez, tenderia a atuar da mesma forma nos humanos, nos

afetando a todos, incluindo à vida selvagem.

Para Mario, o prefeito do município, a toxicidade do produto é definida de acordo com

uma normativa pre-estabelecida e materializada em uma medida facilmente accessível ao

agricultor: as faixas coloridas identificadas nas embalagens dos agrotóxicos. O ‘objeto’ a ser

controlado é o agricultor, por meio da prescrição no uso de produtos tóxicos. Assume-se que o

agricultor tem a responsabilidade pela identificação do grau de toxicidade dos produtos e que, em

seu afã de produzir, descuida dos efeitos que ele pode causar nos habitantes da região. Ao afirmar

que nós temos que cuidá-los, ele se posiciona como ‘cuidador dos habitantes’, podendo-se

entender que o agricultor age de forma irresponsável, matando pessoas, e que precisa de uma

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instância maior que o controle, buscando resguardar o interesse público e não apenas o beneficio

pessoal.

Para identificar un compuesto extremadamente tóxico, es clasificado con una franja roja, por que un educador, que a lo mejor al lado de la escuela hay una siembra y están sembrando a lo mejor maíz, cebolla, o tomate, y el educador puede ver si está usando un producto de franja roja y decirle que es extremadamente tóxico. La franja amarilla significa altamente tóxico, la franja azul es moderadamente tóxica y la franja verde es ligeramente tóxica. Esto nos ayuda a nosotros para controlar al agricultor que esté utilizando cualquier organofosforado o herbicidas en beneficio de su cosecha pero acuérdese que al lado de su cosecha, al lado de su siembra, de su finca, está un grupo de habitantes, de individuos que tenemos que cuidarlos para no contaminarlo, por que no hacemos nada con sacar unas tremendas cosechas, una cosecha muy grande y bonita, con un producto económico y estamos matando una gran cantidad de gente para beneficio personal.(Mario prefeito L 33-43).

A questão dos riscos, vistos a partir dos efeitos negativos ao ser humano, foi levantada por

todos os porta-vozes com os quais conversamos, com exceção do grande produtor e da

funcionária da indústria. Ao longo das entrevistas com estes dois interlocutores essa questão foi

evitada, ficando diluída em uma noção ampla de efeitos ambientais. Acreditamos que, por eles se

posicionarem como defensores do uso desses produtos, seus discursos se orientaram,

principalmente, para a fundamentação constante dessa defesa, enfatizando os elementos que

contribuem para isso.

Isso pode ser observado na visualização abaixo do argumento que Paulo, o grande

produtor, constrói:

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M: qual é a problemática dos praguicidas? Paulo: Há desinformação ------ inclusive das entidades do Estado. [há muitos anos atrás meu pai me disse] onde quer que intervenha o homem, onde coloque o pé, já está afetando o meio ambiente como ser humano que usa agroquímicos afeta o meio ambiente há desinformação em Quíbor existem grupos antagônicos não têm informação efetiva não vêm todos os pontos de vista

Alguns elementos se destacam no argumento de Paulo. Em primeiro lugar, ele reconhece

que a intervenção do ser humano sobre o ambiente sempre tem impacto trazendo a autoridade da

voz do pai, um dos primeiros produtores imigrantes, já falecido, que chegou ao Vale nos anos de

1950 e participou da grande mudança produtiva da região com a introdução da agricultura

moderna, para justificar seu argumento. Em segundo lugar, se a intervenção for por meio do uso

de agrotóxicos, o impacto é ambiental, e imediatamente se posiciona criticamente ao afirmar que

ainda existe desinformação nos órgãos do Estado e grupos antagônicos que não permitem uma

compreensão de todas as posições sobre a questão dos riscos no uso de agrotóxicos.

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Sobre os efeitos à saúde: “eu tive um problema com meu filho, ele nasceu doente”

Para falar dos riscos entendidos como efeitos à saúde, trazemos os argumentos de dois de

nossos interlocutores: José, o pequeno produtor e Inês, a epidemiologista. É interessante observar

que ambos se referiram a essa questão sob o recorte das doenças crônicas, embora com ênfases e

sentidos diferenciados pela sua vinculação com essa problemática.

José narra o que aconteceu com seu filho mais novo que nasceu com malformação do

palatal, doença caracterizada em documentos científicos como provável efeito da ‘exposição’ da

mãe aos agrotóxicos, durante o processo de gestação57.

57 Narrativas semelhantes foram obtidas de vários agricultores anteriormente (Garcia, M, e Canelón, J, 1999). Por exemplo, o problema de saúde relatado por Oscar (nome fictício) “M: O sea, ¿usted no cree que haya alguna relación de las enfermedades con el veneno? Oscar: Bueno, yo, yo mismo sentí un caso de un niño que se me murió, venía un poco defectuoso, pues, parecía la cabeza y dicen que es de los venenos. M: ¿quién le dijo que podían ser los venenos? Oscar: Los doctores. M: Bueno, ¿y usted qué piensa de eso? Oscar: Bueno, yo digo que a lo mejor que no, a los mejor que sí, porque usted sabe que uno no sabe nada de eso, que le puede afectar eso a uno. Pero como aquí siempre fumigan así en las huertas, fumigan mucho, entonces puede ser que la señora esté en estado y agarre, el olor de ese veneno también la puede afectar. Usted sabe que uno pasa y eso hiede, eso por más que sea eso afecta a la persona. M: ¿y que hace la gente al respecto? Oscar: la gente aquí no protesta nada. Pero sí, pa’ mí si debe afectar, porque una persona, una madre de familia que esté en estado, algo le debe afectar eso. M: Y hay veces, me han dicho a mí que esto se nubla de la cantidad de fumigación que hay. Oscar: Sí, por lo menos la parte donde fumigan pues, sí hay partes que uno pasa y queda la hediondez del veneno, porque vamos a supone que uno fumiga ahorita, y queda la hediondez del veneno, y eso por más que sea tiene que hacerle efecto por lo menos a los niños, o a una persona que esté en estado tiene que hacerle mal, pues. M: ¿Qué puede hacer el veneno a su cuerpo, a las plantas, a los animales, qué piensa usted que puede hacer un veneno de esos? Oscar: Bueno, el veneno, yo creo que el veneno da deformación. M: ¿da deformaciones? Oscar: Sí, porque mire, ya aquí han pasado muchos casos, el mismo hijo mío, tuvo un caso con un niño, trabajaba mucho con Carbodan, tuvo unos dos o tres meses ahí trabajando con eso, y como siempre acostumbran a trabajar de noche, después vino y tuvo un niño con la señora, le salió..., ya murió, el niño ya murió. M: ¿le salió como? Oscar: Nació mal, nació mal de las piernas, le pusimos una válvula. M: ¿Y usted cree que fue por qué? Oscar: Creo que eso sea por la misma deformación de los venenos, y... M: ¿Alguien le dijo eso o usted lo piensa? Oscar: No, lo he pensado, porque... Bueno, los médicos mismos le dijeron que podía ser cosa del veneno. M: ¿Ha sabido de alguien más que le haya pasado algo por eso? Oscar: Bueno, sí, hay un hijo en el sitio donde yo vivo, nació una nieta también, casi igual también. M: ¿De la misma manera? Oscar: Sí, de la misma manera, eso... M: Y murió también? Oscar: No, está viva, pero es así..., media..., también le pusieron una válvula y.., la han tenido ahí, pero…

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José: por que yo tuve un problema, que el último niño que yo tengo salió enfermo, y dicen que es por el veneno y la broma, M: ¿qué tiene? José: no tiene el paladar M: te dijeron que era por eso, ¿quién te dijo? José: ahí en el hospital y siempre que lo llevo al médico dicen que es por el veneno M: ¿tú que piensas de eso? José: puede ser, como que no puede ser, anteriormente hay gente que salieron enfermos y no había fumigación ni había nada de eso (L. 51-59)

Ele se refere ao ‘problema’ do filho que nasceu ‘doente’, apontando o veneno como

provável causa da doença, afirmando que se diz que essa é a causa. Perguntamos quem é que diz

que é essa a causa, e é nesse momento que aparece a voz dos médicos, na figura do hospital,

qualificando o fato. Para José, o diagnóstico dado pelos médicos pode ser questionado partindo

de uma comparação que ele estabelece com pessoas que adoeceram no passado, quando não

existia, segundo ele, a pulverização com agrotóxicos, e agora, no presente. Outros agricultores do

Vale, com quem conversamos, enfatizam a preocupação com doenças dos filhos supostamente

decorrentes do uso de agrotóxicos, especialmente deformações físicas em crianças da família e o

diagnostico provável que os médicos do Vale transmitem para seus pacientes.

Já para a Inês, a partir de uma abordagem epidemiológica da questão, as doenças crônicas

são apontadas como conseqüência dos impactos produzidos pelos agrotóxicos, realçando os casos

de malformações e abortos em jovens. Essa afirmação coincide com o observado pelos

agricultores da região. Inês introduz o fato do programa nacional de vigilância sanitária ter

incluído apenas recentemente o registro dos dados de malformações congênitas como parte dos

indicadores de risco de exposição aos agrotóxicos na região do Vale, embora os alertas de casos

desse tipo já tivessem sido amplamente divulgados pela imprensa regional, conseqüência de

denuncias feitas por pacientes, pesquisadores da área da saúde como pediatras e toxicologistas.

M: cuales son los riesgos que tú crees están implicados en el uso de plaguicidas Inês: riesgos de tipo... ¿de salud?, las enfermedades crónicas, por ejemplo las leucemias, las malformaciones que nosotros no las llevamos contabilizadas en estadísticas por que el programa nacional no lo exigía, sin embargo, desde el año pasado comenzamos ya a registrar las malformaciones. Los abortos, que eso si se está viendo bastante, sobre todo de muchachas jóvenes del campo, que tienen contacto directo o indirecto con los plaguicidas y nos están llegando muchos abortos (L 1-7)

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O risco está em Quíbor: “dizem que é o Vale mais contaminado”

O fato de que o Vale de Quíbor seja considerada a região mais contaminada do país, pelo

uso constante e massivo de agrotóxicos, é quase que um lugar comum nas reportagens publicadas

pelos jornais locais, desde, pelo menos, os últimos dez anos. A mídia regional geralmente utiliza

como argumento explicativo as cifras sobre intoxicações, fornecidas por especialistas da área

saúde, para alertar sobre os perigos que o uso desses produtos acarretam para a saúde da

população do Vale, como podemos observar no fragmento abaixo extraído de uma reportagem

aparecida num jornal local;

El Programa de vigilancia epidemiológica de Lara revela que en Quibor, área fundamentalmente agrícola del municipio Jiménez, 90% de los casos de intoxicación son provocados por los plaguicidas: entre 1997 y 2002 la región se ubicó en el primer lugar nacional con mayor reporte de morbilidad por esta causa, con 2.310 casos reportados. Las investigaciones han demostrado que los plaguicidas son causantes de enfermedades tan graves en los humanos como malformaciones en los fetos, abortos espontáneos, esterilización femenina y masculina, feminización de varones, daños severos al sistema nervioso, inmunológico y endocrino; trastornos en el aprendizaje de los niños y diversos tipos de cáncer. La fama de Quibor como una zona donde es alta la incidencia de enfermedades por el uso de agrotóxicos, es un asunto que a juicio del director de salud debe ser sincerado (El Impulso, 2003: B11).

Na voz do José, o pequeno produtor, a fama de Quíbor como região contaminada adquire

características particulares;

José: (...) anteriormente se fumigaba una sola vez a la semana, y orita a veces na’ guará, la plaga como está, la ataca demasiado, entonces hay que fumigá. Anteriormente mis abuelos y bisabuelos fumigaban una sola vez por que no había aquella cantidad de plaga, anteriormente no es como ahorita que sembraban una hectárea y no es como ahorita que las tierras estaban más fértiles, más vírgenes, eran producción mejores, ahora con la broma de las tierras cansadas hay que echale muchas clases de cosas, abonos, venenos, que si abono foliar, que anteriormente no se hacían por que las tierras estaban fértiles (L. 78-84)...Y ahí es donde le viene el problema y las plagas se hacen adictas al ambiente pues, dicen que el valle más contaminado es el Valle de Quibor, por las fumigaciones. M: ¿donde has oído tú eso? José: eso es siempre, los peritos, los periódicos, la televisión se dice, en el estado Lara que si hay más fumigaciones (L. 88-93).

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Para ele a contaminação por agrotóxicos não é uma questão que tenha existido sempre,

sendo conseqüência de um processo cada vez mais acentuado de resistência das pragas aos

venenos que são utilizados para combatê-las, questão amplamente referida, também, na literatura

científica.

As lembranças de um tempo, nas referencias dos avôs e bisavôs, em que não era o

costume fazer tantas pulverizações, serve de base para a explicação que José dá ao fato de ser

Quibor uma região contaminada. O uso das metáforas terras cansadas, em contraposição às

terras virgens, para falar do processo de esgotamento do solo, é por ele vinculado ao uso

intensivo e constante de venenos que tem o efeito de viciar as pragas. Esta viciosidade das

pragas explica, no entender dele, a necessidade crescente do uso de venenos na região,

alimentando a fama que o Vale tem como o lugar mais contaminado do país. Ao perguntarmos de

onde vêem tais informações ele menciona a mídia impressa e a televisão para fundamentar o que,

por experiência própria, ele tinha nos explicado anteriormente.

O mesmo argumento também é levantado por Fernando, o vereador, a partir de sua

posição como alguém que controla o uso de agrotóxicos na região.

Fernando: (...) en el diagnóstico hecho por Sanidad, estaríamos como uno de los mayores consumidores de plaguicidas en el mundo, según la OMS, estaríamos entre los primeros en el mundo. Como se comenzó a rechazar los productos que venían de Quibor parece que hubo una disminución pero todavía estamos en quinto lugar (L. 61-66).

Para ele, essa afirmação se sustenta na autoridade científica de dados estatísticos

proporcionados por diagnósticos realizados, tanto pelo Ministério da Saúde, em nível local, como

pela Organização Mundial da Saúde, em nível internacional, além das restrições internacionais

impostas aos produtos agrícolas produzidos no Vale.

2. Quem (Quê) está em risco?

A partir da pergunta quem está em risco (apêndice 5), as respostas de nossos

interlocutores sobre essa questão mostram que estar em risco, no contexto do uso de agrotóxicos,

em Quíbor, introduz uma compreensão ambiental ampla que não envolve apenas as pessoas no

seu sentido mais genérico, incorporando sob a definição de quem, os corpos como organismos

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susceptíveis; como objetos do controle e da norma; como moradores dessa região, e não de outra;

e ainda, como alvo potencial, em locais mais distantes. Mas também, são incluídos os animais e

as plantas que convivem no mesmo ambiente com os homens, as mulheres e as crianças de

Quibor.

O grau de perigo foi avaliado pelos entrevistados, variando as respostas quanto ao maior

ou menor contato direto com o agrotóxico, observando-se diferenças significativas entre aqueles

que o manipulam diretamente, aqueles que vendem e promovem seu uso, os que controla seu uso

por meio de normas, e quem diagnostica os efeitos do uso. Há posturas que consideram uma

diversidade maior de sentidos e outras mais restritas, concentrando-se grande parte das respostas

em torno da questão da manipulação do agrotóxico como fonte primária de risco.

Pelas falas foram identificados quatro temas: está em risco quem manipula o agrotóxico, o

ambiente, e quem consome alimentos produzidos com agrotóxicos.

2.1 Quem manipula: “as pessoas que aplicam estão mais em risco”

Quem manipula diretamente o agrotóxico é apontado como a pessoa que apresenta mais

riscos numa cadeia que envolve outras pessoas e o próprio ambiente, em sentido amplo. Porém, a

questão da manipulação apresenta diferenças dependendo do lugar de onde se fala na rede de uso

do agrotóxico.

Para José, o pequeno produtor, quem aplica o veneno é a pessoa que sofre mais dano,

devido a o contato constante e cotidiano com os venenos;

M: ¿o sea que tú crees que le hace más daño al que lo aplica? José: sí, por que tú sabes que eso es cada ratito, cada ratito que va a la pipa a sacar el veneno, en cambio el que está arrancando monte (...) M: ¿pero no le salpica, si tú estás echando, él no está por ahí cerca? José: se retiran, por lo menos cuando terminan allí y se secó el veneno, vengo pa’ cá, y los mando pa’ llá. M: ¿tú crees que cuando se seca ya no intoxica? José: deja de jeder, esta jediendo en el momento en que uno lo está echando, pero hay venenos que sí como es el Lamedor, el Lamedor si penetra la tierra. O sea mientras esté hediendo está activo. M: ¿y si no hiede?

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José: ya pasó la acción del veneno (L 3003-305).

Na divisão de tarefas na plantação haveria outras pessoas, como aquelas que tiram o mato

do terreno e que são deslocadas do lugar onde foi aplicado o veneno para outro setor do plantio,

como medida de segurança. O indicador utilizado por José para controlar o risco do contato com

o veneno é o cheiro do produto aplicado. O cheiro é, então, a mediação entre o risco e a

segurança, marcando a fronteira da ação prejudicial do veneno, tanto para o ser humano como

para o ambiente.

Para João, o pesquisador, a questão do risco para quem manipula o agrotóxico é explicada

a partir do seu posicionamento como agrônomo, delimitando assim o campo de conhecimento

que domina melhor. Retoma sua experiência profissional para afirmar que são os ‘aplicadores’

dos agrotóxicos as pessoas mais em risco, principalmente pela falta de educação para realizar

essas tarefas. Porém, ele resgata o fato de que por causa da disseminação dos agrotóxicos, pelo

vento, todo mundo estaria em risco, assim como também por esses produtos se fixarem nos

alimentos que consumimos.

M: el argumento que yo he oído es que el plaguicida representa un riesgo para el que lo manipula, para quien lo maneja directamente João: claro, bueno, depende. Pero, ¿quienes están más en riesgo?, desde el punto de vista agronómico, que yo manejo más, los que están más en riesgo son las personas que aplican el producto, los aplicadores, ¿porqué?, Por que ellos no están, primero, educados para eso. La gran falla en la cuestión de los plaguicidas es la parte educativa (L 85-90).

O posicionamento de Lucas, o pequeno produtor associado, é marcado por uma postura de

crítica constante ao modelo de produção agrícola existente, que engloba tanto questões de

macroalcance, como seus impactos em Quíbor.

Lucas: En ese contexto, a nivel latinoamericano es muy común y pernicioso, contaminación a cada momento, problemas de niños que nacen sin piel, cuestiones así y que siempre están..., siempre se tratan de esconder esas informaciones por que van en contra de las grandes transnacionales y cada día crece más el consumo de insecticidas, de biocidas (L. 20-24). Los que están encargados allí son colonos, arrendatarios, asalariados que son los que sufren las consecuencias (L. 56-57). Entonces, hasta que no

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podamos visualizar el objetivo que es eso, cómo romper con ese monopolio de las transnacionales, cómo ver a nivel latinoamericano (L. 57-62).

A contaminação, segundo ele, existe em dois níveis. Primeiro, ela tem se tornado um

efeito pernicioso com conseqüências, principalmente, para os países da América Latina. Há

tentativas constantes de esconder tais efeitos, motivado pelos interesses das grandes corporações.

Segundo, para Lucas, posicionando-se como presidente de sua associação, quem está em risco é

principalmente o colono, o arrendatário e o assalariado em Quíbor, pois eles sofrem as

conseqüências diretas das tarefas mais arriscadas no processo de produção, como por exemplo, a

aplicação dos agrotóxicos.

Para Gustavo, o funcionário da Comissão de Qualidade Ambiental, muitas pessoas estão

em risco. Porém, é a pessoa que aplica o produto que se localiza em primeiro lugar numa cadeia

de riscos, sobretudo pelo fato de estar mais exposto ao produto. O conceito de exposição, próprio

da epidemiologia, é um elemento central na argumentação do Gustavo, caracterizando desse

modo a posição que as pessoas ocupam de acordo com o maior ou menor contato com a fonte de

risco: o agrotóxico.

M: otra pregunta que también se la hacia a Paulo tiene que ver con, ¿quién crees tú que está en riesgo, con relación al manejo de plaguicidas? Gustavo: yo pienso que hay mucha gente en riesgo, hay una cadena en eso del riesgo. En primer lugar está en riesgo quién lo manipula directamente M: ¿esa sería la [gente] que está en mayor riesgo? Gustavo: si, es como la que está más directamente por que está en contacto directo con el plaguicida (L 136-142).

2.2 O risco ambiental: “todos estamos em risco”

O risco ambiental, conforme o entendimento de alguns dos nossos interlocutores, é

definido como nós todos em Quíbor. Essa compreensão pode ser mais claramente evidenciada

nos posicionamentos dos seguintes interlocutores: Inês, a epidemiologista, Miguel, o

ambientalista, João, o pesquisador e Gustavo, o funcionário da Comissão de Qualidade

Ambiental.

Para Inês, todas as pessoas em Quíbor estão em risco, incluindo ela própria. Porém, e de

acordo com os repertórios utilizados no campo da epidemiologia, esse risco é qualificado como a

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probabilidade de sofrer algum tipo de intoxicação. Derivado disso, intoxicar-se de forma crônica

(ao longo do tempo de exposição) não passa necessariamente, ou exclusivamente, pelo contato

direto com os produtos tóxicos, e sim, pela exposição a eles por várias outras vias. Três grupos

populacionais são priorizados por ela para definir as populações em risco no Vale: as mulheres

jovens em idade fértil; as crianças, principalmente as trabalhadoras e os adultos.

M: yo te preguntaría además, ¿quien crees tú que está en riesgo con relación al manejo de plaguicidas? Inês: es que todos están en riesgo. Aquí en el Valle todos y me incluyo, yo tengo una intoxicación crónica por plaguicidas (L. 13-16). Pero a nivel del campo, que mi preocupación es esa, las muchachas en edad fértil, por que ellas también son trabajadoras en la casa como en el campo, los niños primero por que dejan la escuela por irse a trabajar, aparte de que ya se están contaminando por agroquímico, y los adultos, o sea, estamos en riesgo todos (L. 20-24).

Solicitamos um esclarecimento sobre a idéia de que é a pessoa que aplica o agrotóxico

que estaria mais em risco, tentando explorar alguns dos sentidos dados por outros interlocutores.

Inês retoma o argumento inicial do risco generalizado (ambiental), trazendo o exemplo da

exposição ao agrotóxico de pessoas que, como a esposa do agricultor, não teriam aparentemente

nenhum risco de intoxicação.

M: pero, hay quien dice que en riesgo está en el que aplica el químico. Inês: no necesariamente, por que si ese señor va a su casa con la ropa impregnada del agrotóxico, la esposa que le lava la ropa, igualmente tiene contacto con la ropa, ella no se va a poner unos guantes, si no se los puso el marido en el trabajo ella mucho menos, por que ella dice, eso ya se quedó en el campo, igualito esas ropas impregnadas, por vía aérea penetra (L 25-30).

O processo de pulverização é o elemento escolhido por Miguel para desenvolver o

argumento sobre o risco ambiental, visto como impacto do uso de agrotóxicos. A questão do uso

é resgatada por ele na sua forma mais ampla (poluidora), para além do aplicador direto: a

aplicação extensiva em áreas agrícolas, viajando pelo ar, entrando em contato com a pele,

penetrando pelas vias respiratórias e ‘agindo’ sobre as populações. Miguel utiliza o termo ‘risco

exponencial’, próprio do discurso ambientalista, para fechar seu argumento sobre os efeitos

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tóxicos de largo alcance para a população: crianças, jovens, adultos, pondo a ênfase nos mesmos

grupos populacionais priorizados por Inês.

Miguel: [esos productos] producen una alta toxicidad al contacto con la piel, con las vías respiratorias y generando un impacto ambiental desastroso a nivel de los espacios donde se está fumigando, que ya en áreas circunvecinas, por kilómetros, a través del barrido que hacen los vientos, el veneno está actuando sobre las poblaciones cercanas a los cultivos. En la medida en que el productor ha venido acercándose más a la ciudad, o vuelvo, a la comunidad, mayor nivel de riesgo existe no nada más en el que lo usa, no nada más en el que lo vende, no nada más en quien lo prepara en el área circunvecina donde sabemos que existen niños, niñas, jóvenes, adultos, que tiene una convivencia ciudadana, una convivencia de pueblo que no pueden trasladarse a otro sitio por que ese es su sitio de residencia, ahí hay un nivel de riesgo inmenso, exponencial. (L. 59-68).

Um outro sentido atribuído ao risco ambiental produzido pelos agrotóxicos, para além do

contexto específico em Quíbor, é trazido por João. O argumento é construído a partir da noção

ampliada de ambiente: humanos, animais, plantas e todos os seres vivos. No entanto, surge um

ingrediente muito particular que acreditamos estar inserido no campo das pesquisas agrícolas e

que emerge devido ao tipo de conhecimento que ele domina: a planta também se intoxica. Esse

fato também é ratificado pelas pesquisas científicas que, segundo ele, documentam o processo de

intoxicação das plantas. João indica uma noção ainda mais complexa para entender os riscos ao

ambiente dentro de outro repertório próprio do discurso ambiental, a cadeia alimentar: os animais

vertebrados e invertebrados e o ser humano.

João: Pero el riesgo no es solo para los humanos, sino también para los animales, para todos los seres vivos de la cadena alimentaria y es más, las mismas plantas se intoxican, (…) ella se intoxica por el insecticida y eso está documentado. M: ¿en pequeñas dosis? João: en pequeñas dosis que es como esos productos hacen daño. Entonces le hace daño al humano que está en contacto directo con esos productos y también a los animales vertebrados e invertebrados, un perro, una cabra, una oveja, las lombrices, las aves que son muy susceptibles, las mismas abejas. Entonces, parece que el problema no está solamente localizado en quien lo aplica, claro que tu dices que esos son los que están más en riesgo, [según ese estudio] aquí prácticamente todo mundo está en riesgo, por que los plaguicidas se diseminan con el viento, por que están en pequeñas dosis en los alimentos que consumimos. La gente que manipula eso en las fábricas que producen esos productos también tienen un riesgo que no lo conocemos por que no hemos entrado ahí. (L 68-91).

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O risco ambiental, visto como ‘cadeia de risco’, é referido por Gustavo a partir de sua

participação na Comissão de Qualidade Ambiental. A Comissão foi criada como um espaço para

o controle do uso de agrotóxicos, onde participam profissionais das áreas da saúde, ambiental,

agrícola, legal, etc., no qual circulam documentos e acontecem conversas, provenientes de vários

campos de conhecimento, embora seja o discurso da saúde o mais predominante. Gustavo faz uso

constante de repertórios da epidemiologia, como, por exemplo, ‘cadeia de risco’ e ‘pessoas

expostas’, desenfatizando o impacto nos animais e nas plantas. Para ele são as pessoas as que

estão em risco, muitas delas, todas expostas e definidas por ele como ‘todo mundo lá em Quíbor’:

quem mora perto das áreas de cultivo, incluídas aí as crianças e os adultos e, por fim, os animais.

Gustavo: (…) tenemos mucha gente expuesta que vive alrededor de las áreas de cultivo. Ahí entra todo el mundo, niños, adultos, animales (...) (L 142-143).

Uma vez que ele ampliou o entendimento da "inclusão" que provoca o risco, pedimos para

Gustavo se ‘localizar’ nessa cadeia de riscos, levando em consideração que além de ser um

membro da Comissão, que pensa essa questão de modo amplo, ele é, antes de tudo, um morador

do lugar. Fazemos então a pergunta: você está incluído nessa cadeia?

M: ¿allí entras tú? Gustavo: allí también entro yo, aunque yo vivo en una zona que está medianamente expuesta según el estudio que la Escuela de Medicina hizo, que es la zona de los Ejidos que ahí casi no se usa, porque hay muy pocas siembras. M: según ese estudio, esas categorías quedaron medio cuestionadas... Gustavo: si, esas... M: parece que prácticamente todo el Valle estaría expuesto Gustavo: todo el Valle de Quíbor, tiene un nivel de riesgo, cualquier persona que viva aquí, la gente que consume los productos también tiene un nivel de riesgo y allí estás tú. Entonces, todos estamos como en una cadena de niveles de riesgo, unos más cercanos y otros más distantes (L 144-154).

Gustavo se reconhece incluído, embora de maneira ‘menos arriscada’, pelo fato de morar

num ‘casario medianamente exposto’, segundo o critério definido pelo estudo realizado pela

Faculdade de Medicina da UCLA-Barquisimeto, em 1999. Gustavo tenta, por sua vez, me

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posicionar na cadeia de riscos, designando um espaço onde eu me incluo como consumidora de

alimentos produzidos por meio da utilização de agrotóxicos. O fechamento do argumento traz

para a noção de cadeia o elemento espacial, de proximidade e distancia, oriundo dos repertórios

utilizados pela epidemiologia para explicar a relação entre a exposição ao produto tóxico e o

efeito.

2.3 Quem consome: “nos estão contaminado, e também aos outros”

Estar em risco como consumidor (a) é uma outra dimensão realçada por alguns dos

interlocutores da pesquisa, vista sob a óptica do efeito do agrotóxico nas plantas e seus frutos.

Essa visão está presente na fala de João, pesquisador, que entende esses efeitos como um

fenômeno que não afeta apenas a população do Vale, ou da Venezuela, mas também as pessoas

no exterior que consomem produtos exportados de Quíbor. Está presente também na fala de

Lucas, o pequeno produtor associado.

Preocupadas, como consumidoras, pela contaminação dos alimentos que dia-a-dia

ingerimos e cientes do amplo conhecimento que João tem como especialista, lhe propusemos

comentar sobre o que acontece com os alimentos que são produzidos utilizando agrotóxicos. Dois

aspectos são resgatados para explicar como se dá a contaminação dos frutos: o efeito

translaminar do químico que penetra o fruto e o efeito sistêmico que implica na circulação do

veneno através da planta inteira, contaminando de forma estrutural. O efeito sistêmico determina

que, embora lavando os frutos e/ou descascando-os, ainda é considerado arriscado consumi-los,

sobretudo no caso das donas de casa, que diferentemente de nós, agora informadas do perigo,

desconhecem o risco que estão correndo.

M: ¿y eso penetra en el fruto? João: claro, penetra en los frutos. Ahora, tiene que penetrar aunque es más difícil la penetración en frutos que en hojas, casi todos tienen un efecto translaminar, es decir que pasa la lámina. Pero hay otros productos que tienen un efecto sistémico, eso quiere decir que la planta lo absorbe generalmente por las raíces y circula a través de la savia elaborada y de la no elaborada, tiene que acumularse:... muchas veces no es suficiente lavar el tomate, ni pelarlo, que casi nadie lo hace. M: yo lo hago João: bueno, muy poca gente lo hace. Tú lo haces por que conoces el riesgo, pero muchas amas de casa no lo hacen. El valor cosmético se aplica pues la gente aparta el tomate

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más bonito del más feo y es precisamente el más bonito el que tiene más veneno (L 73-84).

Para Lucas, o risco para o consumidor não se restringe apenas a eles em Quíbor,

atingindo também outros consumidores. A frase ‘nos estão contaminando’ é utilizada por Lucas

para se referir às empresas transnacionais que, além de contribuir com a contaminação das

pessoas, ainda lucra com isso, reafirmando a crítica constante a essas empresas que ele tem

levantado ao longo de todos os temas discutidos na nossa conversa.

Lucas: que no es sólo que nos están contaminando a nosotros sino que también están contaminando a los productos que consumen otras personas que lo pagan a buen precio, y que la mayoría de esos recursos financieros, regresan otra vez a las transnacionales (L. 57-62)

2.4 Está em risco quem pode se intoxicar

Quem tem a probabilidade de intoxicar-se pelo uso ou contato com o agrotóxico, é outro

dos sentidos atribuídos à questão: quem está em risco? A fala de Marcos, o toxicologista e José, o

pequeno produtor, ilustra dois posicionamentos diferenciados sobre esta questão. Eles mostram o

diferencial que existe entre a forma como a medicina entende a questão da intoxicação e como o

agricultor do Vale encara o fato.

Para Marcos o risco de intoxicação existe para uma ampla gama de pessoas, sob o

pressuposto de que é o nível de exposição que define o lugar que cada um de nós ocupa numa

cadeia de riscos, tal como argumentado anteriormente por Gustavo, embora menos atrelado à

questão da intoxicação. Marcos define esse risco como uma seqüência temporal que se articula

ao processo de produção do agrotóxico, passando de quem o fabrica, até chegar em quem o usa

diretamente na agricultura e no lar, e por último, quem o consome, via alimentos.

M: ¿quién crees tú que está en situación de riesgo? Marcos: primero, existen personas expuestas, en primer lugar, por secuencia en el tiempo, primero serían los que fabrican de los plaguicidas En segundo lugar, quienes transportan los plaguicidas. En tercer lugar, las personas que viven en las zonas donde son llevados, transportados los plaguicidas. Las casas agrícolas y sus trabajadores. Las

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personas que viven al rededor de esas casas agrícolas. Los clientes de las casas agrícolas. Las personas que aplican los plaguicidas en el campo y los que lo usan en su hogar también, los fumigadores. Las personas que supervisan los frutos hasta el momento de su recolección. Los que recogen el fruto. Los que transportan los frutos contaminados para las personas que los consumen, si no son adecuadamente descontaminados. Finalmente, quienes consumen los frutos. M: según eso, ¿todos estamos expuestos? Marcos: si, unos con mayor riesgo que otros, pero ese sería el grupo que en general tendría la mayor probabilidad de intoxicación (L 5-14).

Para José, sustentado na prática de uso e nas suas observações, quem está em risco é

quem tenta se suicidar bebendo o agrotóxico intencionalmente, e quem têm o corpo

enfraquecido, lançando mão, de novo, de metáforas para explicar seu argumento.

M: ¿tú crees que si toman es más peligroso? José: sí, por que hay personas que toman ese veneno y otros que no, yo he visto tres personas que han bebido esa vaina y dos se murieron y otro no, eso lo desasió por dentro, el que bebió de último ese tomó veneno arrecho, na’ guará eso lo desasió M: ¿y por que será eso que hay algunos que no se intoxican y otros sí? José: hay gente que le hace más daño el veneno que a otros. Será que yo por usar tanto veneno el cuerpo se me ha acostumbrado, por que los que yo he visto que se han intoxicado es la primera vez que van a trabajar. (L. 185-188)

Quanto às tentativas de suicídios, embora José reconheça o poder destruidor de certos

agrotóxicos, parece existir a possibilidade de sobreviver aos efeitos desses produtos. Se ingerido,

o dano vai depender do tipo de veneno. Tentamos refletir com José sobre as diferenças que ele

aponta quanto ao potencial de dano diferenciado para cada pessoa. Para ele, intoxicar-se é uma

questão relativa: há pessoas mais susceptíveis aos venenos, se posicionando como alguém que

tem sobrevivido aos efeitos dos venenos por causa da capacidade de seu corpo de se adaptar.

Esse argumento é sustentado na experiência de ‘observação’ de outros trabalhadores

considerados por ele como inexperientes.

M: y no será que es por que tú sabes usarlo, has aprendido a usarlos mejor, ¿que ellos no saben usarlo? José: no, ellos tuvieron intoxicación por que, sabes que ellos sembraron melón y el dueño que sembró melón echó todo el veneno, él lo hace por que le conviene (…). Le echó veneno Carbodán, lo ligó y los carajitos se pusieron a sembrar con esa vaina llena de veneno. M: ¿o sea que él le echó el veneno a la semilla?

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José: a la semilla, cuando ellos agarraron la semilla se pusieron a trabajar, por cierto agachados y con la perola ahí todo el tiempo oliendo ese veneno, en cambio yo el veneno no lo voy a usar así, todo el tiempo tenerlo así cerca , yo lo cargo en la espalda y rociarlo así a la cebolla (L. 202-216).

Tentamos ampliar a questão das diferenças entre quem se intoxica e quem não. A resposta

exime de responsabilidade o trabalhador e incorpora a responsabilidade ao dono da produção, o

patrão, que utiliza incorretamente os venenos expondo-os a perigos que ele reconhece que devem

ser evitados.

No processo de argumentação que José vai tecendo, ele se posiciona de diferentes formas:

ele produtor experiente que sabe utilizar os venenos; ele produtor que observa as práticas dos

outros e é capaz de apontar os erros; ele como alguém com um corpo que pode sofrer mudanças,

para além do seu controle: eu posso ter muito tempo trabalhando, mas se um dia estou com as

minhas defesas baixas, pode me matar. O uso da metáfora da morte como ‘alguém’ que está na

espreitada, nos fala de uma convivência constante com o perigo que o pequeno produtor associa

ao enfraquecimento de suas forças físicas para se defender.

M: entonces, ¿tú crees que no importa que la gente tenga mucho tiempo o poco tiempo trabajando con los venenos para que le haga daño, tendrá algo que ver, por que tú dices que tienes muchos años? José: no pero a veces sí, tú sabes que yo puedo trabajar tiempo y si un día que me agarre con las defensas bajas, me puede matar. M: ¿cómo es eso de tener las defensas bajas? José: puedo estar débil del cuerpo y vaya a meterme a preparar un veneno y en ese momento esté la muerte encima y me caigo ahí (L. 236-243)

2.5 Quem usa: “o agricultor é o responsável”

Na fala de Heloisa, a funcionária da indústria, o risco no uso de agrotóxicos se sintetiza

numa questão de falta de consciência. O interesse comercial de venda desses produtos permeia o

discurso de Heloisa que coloca a responsabilidade de possíveis riscos numa condição de

irresponsabilidade por parte do produtor.

De acordo com Peres e Rozemberg (2003), ao analisar os depoimentos de profissionais da

área agrícola, numa região agrícola brasileira, alguns deles ligados diretamente às casas

comerciais que vendem agrotóxicos, a tendência generalizada é culpar o agricultor pelo uso

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incorreto, e conseqüente exposição aos agrotóxicos: “não se trata de culpa, propriamente dita,

mas de delegação total de responsabilidades ao trabalhador, vítima deste processo; a indústria

exime-se, assim, da responsabilidade sobre uma prática de venda agressiva, delegando a

possibilidade de acidente ao ‘ato inseguro do trabalhador” (p. 342).

Ao problematizarmos o fato de que talvez todos nós estivéssemos em situação de risco,

o fragmento da entrevista com Heloisa, a seguir, mostra como é, então, entrelaçado o risco com a

questão da responsabilidade do agricultor, pelo uso correto do agrotóxico;

M: y que opinas tu de lo que se dice de que todos estamos en riesgo?, está en riesgo el que lo transporta, el que lo vende, el que lo almacena, el que lo fabrica, el que lo usa, el que lo consume. Heloisa: es cuestión de conciencia, cuando el agricultor no cumple la última fecha de aplicación a la cosecha, la verdad que eso es, eso tiene un efecto directo, yo he estado en siembras de pimentón, de tomate, que el agricultor debería cumplir con la última fecha pero no lo cumple por que no busca otra alternativa, él ‘debería’ tener mucho más conocimiento de los productos que hay en el mercado y buscar las diferentes alternativas, pues si yo estoy sacando pimentón mañana, por que no aplicar el producto que mañana en la mañana se ha degradado y que también sea efectivo para lo que estoy controlando (L. 81-94).

O agricultor é acusado de ter uma atitude negligente quando não procura informação que

se ‘supõe’ que ele deveria ter, desconsiderando os períodos de aplicação corretos do produto.

3. Como se gerencia(m) o(s) risco(s)?

O surgimento da noção de risco tem propiciado a transformação das concepções clássicas

do indivíduo, de sua autonomia e de seus processos de socialização. As transformações ocorridas

na mudança da sociedade moderna e a passagem para o que Ulrich Beck (1993) denominou

sociedade de risco levam ao desenvolvimento de políticas e ações para que os indivíduos

realizem ‘escolhas informadas’ pelo conhecimento dos especialistas na busca de minimizar os

riscos que são denunciados. Dessa forma, se dá uma busca crescente do calculo desses riscos e de

forma cada vez mais eficaz, pelo seu gerenciamento, tornando-se uma das tarefas primordiais em

vários campos de saber e assumindo um papel fundamental no campo da saúde pública.

Nesta parte do trabalho, discutiremos o sentido atribuído ao gerenciamento dos riscos

envolvidos no uso de agrotóxicos pelos nossos interlocutores no Vale de Quíbor, a partir do uso

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de repertórios sobre a gestão dos riscos. Essa compreensão se evidencia nos posicionamentos

assumidos por eles ao discutirem as possibilidades atuais e futuras de controle dos riscos no

cotidiano da região, trazendo para a construção dos argumentos as ressonâncias de diversos

campos de gestão dos riscos.

Como pode ser observado, no apêndice 6, os sentidos atribuídos ao controle dos riscos, se

organiza em torno de três eixos principais: o controle por meio de estratégias informativas,

nomeadas por vezes, e por alguns de nossos interlocutores, também como educativas; o controle

por meio da gestão do uso dos agrotóxicos no processo produtivo e o controle por meio de outras

ações de tipo coletivas.

3.1 O controle pela informação: “a chave é informar, educar, conscientizar”

Quanto ao controle pela informação é necessário destacar os vários sentidos atribuídos à

questão da chamada ‘educação’, ora entendida como informação, ora como demonstração, ou,

ainda, como educação formalizada. Parece existir uma idéia generalizada de que a prescrição (de

normas e medidas de proteção e manipulação) é a estratégia fundamental da prevenção de

agravos à saúde e a diminuição dos impactos causados pelo uso de agrotóxicos.

Educar, informar, formar são sentidos atribuídos a uma série de estratégias que buscam

criar um ‘espaço seguro’ de uso para a continuada ‘atividade insegura’ de utilização de

substancias tóxicas, como os agrotóxicos. Esta idéia é disseminada pelos meios de comunicação

locais e nacionais e legitimada no discurso preventivo dos profissionais da saúde, no discurso dos

técnicos da área agrícola que atuam na região e no discurso de promoção dos ‘cuidados’ no

manejo de agrotóxicos, difundido pela industria fabricante desses produtos. Movimenta-se,

também, em uma contracorrente de sentidos que questiona a possibilidade de qualquer controle

dos riscos, seja pela educação, seja pela informação de normas de segurança.

Na vertente tradicional da educação em saúde, ela tem sido entendida como auxilio no

cuidado à saúde, proporcionando informação e sugerindo ‘maneiras saudáveis’ de viver para

indivíduos, famílias e grupos passíveis de prevenir as doenças e promover a saúde. Sob este

enfoque, a educação é vista como uma prática sempre necessária e boa para nós e ela se torna a

principal estratégia para disciplinar o indivíduo e gerenciar as populações. A educação em saúde

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vista nesta perspectiva, põe a ênfase no treinamento, propondo comportamentos que ‘se espera’

sejam adotados, como é o caso dos agricultores e o uso ‘adequado’ de agrotóxicos, intervindo nas

práticas coletivas por meio da informação de condutas ‘seguras’.

Por meio dessas atividades, os profissionais (saúde, agrícola, e outros) veiculam

repertórios que contribuem para a construção de sentidos sobre o que é esperado que seja uma

pessoa ‘saudável’ e quais as pessoas ‘em risco’ ou ‘de risco’ para as outras. Mas na busca do

gerenciamento das populações, as estratégias da chamada educação em saúde, e em outras áreas

vinculadas a ela, tentam se deslocar de um discurso exclusivamente prescritivo e verticalizado,

orientado principalmente à população adulta, mesclando-se com discursos que declaram buscar

uma ‘maior participação’ de indivíduos e grupos, ampliando a ação para grupos antes

negligenciados, como as crianças e os adolescentes.

Um exemplo do papel que é dado à ‘educação’ no controle dos riscos no uso de

agrotóxicos é a publicação de diversas reportagens na mídia impressa da região. No jornal El

Impulso, de ampla circulação local, é mencionada constantemente a necessidade da ‘educação’,

utilizando o termo de forma genérica (por vezes expresso como capacitação, treinamento,

informação, ou prevenção) para a solução dos problemas surgidos do chamado mau-manejo de

agrotóxicos;

12 mil casos de intoxicación con plaguicidas entre 1982 y 1994 demuestran la necesidad de emprender campanas de capacitación para el uso de estos productos e implementar controles efectivos por parte de las autoridades. Más que la contaminación accidental y la toxicidad de los agroquímicos, el problema que se plantea a futuro es la responsabilidad del estado en el control de estos productos, la necesidad de regular su aplicación y de capacitar adecuadamente a los usuarios para que los apliquen en condiciones de seguridad que no pongan en riesgo su salud y la de los demás (El Impulso, 1997:C7)

El desconocimiento por parte de los trabajadores sobre los efectos que esos productos generan en el organismo, hace que la manipulación sea inadecuada. La falta de educación les hace presumir que con sólo voltear la cara, o no respirar mientras abren el producto, será suficiente para no contaminarse (El Impulso, 2000:C7).

El no cumplimiento de las normas de higiene, la falta de información básica entre la población sobre las medidas de protección personal y del ambiente, así como el desconocimiento de los riesgos para la salud que representa el uso de esos productos, sería el origen de una situación que afecta a un gran número de habitantes del Estado Lara (El impulso, 2000:D7)

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La tarea es incentivar a los alumnos y a las comunidades mediante videos, charlas, jornadas para que demanden estos temas. Esta es una manera de atacar y abordar el problema. Uno de los sectores lo integran los educadores y los niños, puesto que se sabe que los pequeños forman parte del proceso de cultivo (El Impulso, 2001:C10).

Nas entrevistas realizadas em Quíbor, o tema foi referido por oito dos dez interlocutores

entrevistados, como podemos observar nos discursos a seguir. Vejamos as diferenças no

tratamento dado à questão da educação, entendida nas suas várias acepções, pelos diferentes

interlocutores.

Paulo, o grande produtor, afirma a necessidade de continuar utilizando os agrotóxicos

como única via para manter o sistema de produção funcionando.

Paulo: Por eso hay una serie de charlas nuevas de la gente de Afaq (…) (L. 57-58). M: ¿tú crees que la clave estaría en eso? ¿En una educación? Paulo: si, principalmente por que de que hay contaminación, es muy cierto, pero si no quieren contaminación, el país, que digo el país, el mundo se muere de hambre. Lo que si diría yo es que el mayor problema es el idioma que se utiliza, eliminarle los tecnicismos y darle recetas al agricultor, recetas con símbolos visuales, con fotografías adaptadas al medio. Es como nosotros lo hacemos, le decimos, “en el tanque lávalo así, limpia los filtros, regula el ph de esta manera (...) (L. 87-90).

Compreendendo dessa maneira, a educação prescrita com ênfase na demonstração, viria a

garantir a possibilidade do controle da contaminação, sob certas condições: o protagonista da

ação educativa seria o agricultor, partindo do pressuposto de que ele apresenta um estado de

ignorância que requer sejam estabelecidas formas de comunicação adaptadas à compreensão

desse agricultor, tipo receitas, com o foco na comunicação visual e baseada na realidade local.

Enfatiza ainda, a maneira como ele, como presidente da Fundac, e a associação de fabricantes de

produtos químicos (Afaq) entendem essa forma de comunicação, que ele acredita ser eficaz,

utilizando o termo assim é como nós o fazemos.

Para Lucas, o pequeno produtor associado, a educação que propõe, como construção de

novas formas de produção, é aquela que possa determinar as formas mais adequadas de se

produzir sem contaminar o produtor e o ambiente. Parece-nos que para Lucas a educação passa

pela transmissão ao agricultor do conhecimento especializado, sendo ele quem mais precisa se

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proteger dos efeitos adversos do uso de agrotóxicos. Tanto Paulo como Lucas parecem assumir

uma posição de distancia diante da ação educativa, pois em nenhum momento se referem ao

‘produtor’ incluindo-se como parte desse grupo. Isso pode se dever ao fato de que ambos se

posicionaram na entrevista como lideranças, pensando nessa questão como uma estratégia geral.

Lucas: Verdaderamente no hay una educación llevada a ubicar bien los métodos sobre cómo podemos utilizar bien un insecticida, cómo es la mejor manera de no contaminar tanto al que está aplicando el insecticida así como al entorno, como se ve afectado por esta problemática (L. 8-12)

Fernando, o vereador, nos mostra a riqueza de posicionamentos possíveis ao tratar o tema

da educação, como estratégia de controle dos riscos. Ele se posiciona como membro da Comissão

de Qualidade Ambiental e, nesse contexto, traz uma postura de integração do conhecimento

técnico com as experiências práticas em lotes de terreno experimentais que é a de produzir

conhecimentos alternativos, com métodos não-contaminantes e que possam ser aplicados e

assimilados pelos produtores.

M: ¿los productores están haciendo algo? Fernando: si, nosotros a través de la Comisión de Calidad Ambiental, se han organizado charlas educativas con el INIA, hemos hecho trabajo con parcelas demostrativas, una con productos biológicos y otra con productos tradicionales y se ha demostrado que tanto para la salud es mejor la que utiliza el control biológico y el rendimiento de los productos es bueno y están aplicando la técnica del Plato Amarillo que atrae al insecto. Una pequeña cantidad ya ha asimilado estas técnicas pero no es la mayoría (L. 67-73) M: y las charlas educativas ¿tu que opinas? Fernando: hay algunos que las escuchan, pero es como un pacto de caballeros, el técnico va pero no produce cambios M: yo conocí a una ingeniera que está contratada por Afaq y ella está implantando un programa educativo y ella va a las fincas a hablar sobre lo que ellos llaman de Uso Seguro de Plaguicidas, ¿tú crees que eso tiene algún impacto? Fernando: lo que pasa es que Afaq es como el que vende licor, no le importa que la gente se muera lo que importa es vender, es como el que vende cigarro. Hay empresas internacionales como por ejemplo la Bayer que disfrazan los nombres de productos que son altamente tóxicos M: ¿les cambian los nombres? Fernando: claro, por ejemplo el Tamaron ya no se llama Tamaron, pero es la misma composición química (L. 86-98)

Por outro lado, ao ser questionado sobre a eficácia de estratégias informativas

tradicionalmente utilizadas e baseadas no uso de palestras, ele se contrapõe argumentando que

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esse tipo de método não é capaz de produzir mudanças. Ele utiliza a expressão irônica pacto de

caballeros para explicar como a ação educativa dos técnicos agrícolas é supostamente aceita

pelos produtores, mas não é capaz de gerar mudanças nas práticas cotidianas de produção.

Quisemos conhecer sua opinião sobre as ações informativas implantadas na região pela indústria

de agrotóxicos. Para Fernando, não é possível pensar numa ação educativa por parte da indústria

fabricante que busque, verdadeiramente, o bem dos produtores. Ele assume um posicionamento

de tipo político questionando os interesses da indústria na produção desses produtos sem qualquer

sinal de responsabilidade com os efeitos causados pelo uso dos agrotóxicos.

Para João, o pesquisador da área agrícola, a educação, como modeladora de condutas na

questão dos agrotóxicos, deve se orientar à formação do futuro agricultor, focalizando na

educação formal nas escolas da região e por meio do ensino técnico dos jovens em Quíbor, que

futuramente passarão a ser ajudantes nas tarefas agrícolas, que, na maioria das vezes são

destinados para as tarefas de mais risco como, por exemplo, a pulverização com agrotóxicos.

João: La gran falla en la cuestión de los plaguicidas es la parte educativa…, nosotros planteamos ahí que los pensum de las escuelas del área agrícola no pueden seguir enseñando cosas de la ciudad, debe haber una educación básica pero debe haber una educación aplicada al medio donde van a laborar. Qué van a hacer los muchachos que se gradúan en la escuela de Cuara, de 1ro. de Mayo en Quibor?, van a ser ayudantes de agricultores, por que ahorita ser agricultor en este país con una economía tan deteriorada… Esos muchachos van a ser obreros agrícolas, y generalmente ¿para que buscan a los obreros agrícolas?, para hacer labores de campo, mayormente para hacer aplicaciones de plaguicidas. Entonces ellos tienen más riesgo, y ¿por que tienen más riesgo?, por que ellos no se protegen (L 89-101). M: ¿tú crees que protegiéndose…? João: bueno, la cosa de la protección es buena. El problema del aplicador es que está constantemente sujeto a la amenaza y es por eso que él tiene que protegerse, pero ¿cual es el problema?, que esas formas de protección son imprácticas pues el clima no permita que te sientas cómodo aplicando (L 102-11) M: Heloisa me dice que una forma de controlar es educando. João: hay que educar es a los jóvenes, “loro viejo no aprende a hablar”, M: por eso es que ella está entrando en las escuelas ahora, pero tu crees que cuando ella habla de educación, ¿está hablando de lo mismo que tu? João: no sé. Yo tengo un proyecto que se llama el manejo integrado de plagas (MIP) va a la escuela, lo tengo por ahí y a lo mejor no sale (…)(L 346-352).

A educação como estratégia de controle dos riscos também é abordada pelos médicos, a

partir do posicionamento de quem cuida e trata dos efeitos no uso de agrotóxicos. Para Marcos, o

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toxicologista, o objetivo da educação, entendida, principalmente, como prescrição, é minimizar

os riscos: a prevenção está intimamente relacionada às ações ‘educativas’. O reconhecimento da

eficácia dos agrotóxicos como insumo na agricultura deve, segundo Marcos, ser tomado em

consideração na hora de orientar qualquer estratégia preventiva. Não há possibilidade de

substituição do agrotóxico na cena produtiva da região e, portanto, o binômio prevenção-

prescrição contribuiria para a diminuição dos riscos envolvidos no uso desses produtos.

M: ¿como haríamos para administrar ese riesgo? Marcos: yo creo que en todo eso lo más importante es la prevención, ¿verdad?, es la prevención (L. 18-20)...es decir, programas de prevención a todos los niveles incluyendo las escuelas del medio rural, para evitar, para minimizar el riesgo. Yo creo que fundamentalmente eso es lo que hay que hacer porque hay que tomar en cuenta la identificación que tienen los productores con los plaguicidas, desde el punto de vista de su eficacia, que ellos lo consideran como algo vital para su actividad comercial. Entonces, es prácticamente imposible ir a suprimir totalmente y lo que nos queda entonces es minimizarlo con las medidas de prevención. Entonces, es prácticamente imposible ir a suprimir totalmente y lo que nos queda entonces es minimizarlo con las medidas de prevención... por eso es importante la educación a los trabajadores, las charlas, la acción con los futuros fumigadores que son los niños de esos productores agrícolas. Creo que esa es la forma más inteligente y práctica para minimizar el riesgo, para manejarlo, para mantenerlo bajo control (L 31-39).

Baseado no referencial da medicina do trabalho, Marcos propõe concentrar esforços no

trabalhador agrícola atual, e também no potencial, por meio de palestras informativas, recurso

didático tradicionalmente utilizado na área de educação em saúde, e da intervenção nas escolas da

região para iniciar campanhas informativas desde cedo com crianças e jovens, os futuros

agricultores. Esta é uma estratégia mais recente que está sendo promovida, tanto no campo da

saúde do trabalho como nas estratégias de intervenção da indústria fabricante, em nível

internacional e nacional. Trata-se, de acordo como seu entendimento, da estratégia mais ‘prática e

inteligente’ para manter o risco sob controle, criando um suposto ‘lugar seguro’ que poderia ser

alcançado pela internalização de medidas de proteção.

Para Inês,a médica epidemiologista, a educação também é considerada estratégia básica

para o controle dos riscos: a solução é a educação, ela diz. Porém, a ênfase é dada à questão do

desenvolvimento da consciência, utilizando a escola e os meios massivos de comunicação como

veículos para se alcançar esse objetivo. No entanto, ao questionarmos sobre o suposto papel da

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educação como ferramenta para resolver os problemas derivados do uso de agrotóxicos, ela

reconhece ser apenas um paliativo.

M: ¿y como hacemos entonces? Inês: aquí la solución es educación, aquí el rol más importante lo juega la escuela, los medios informativos, que así como nos bombardean con la cerveza Polar o Brahma, sacaran tips de lo que son los agroquímicos y de lo que a la larga ellos conducen, no diríamos que la gente tendría un 100% de conciencia pero si por lo menos le crearíamos la inquietud. M: ¿tú crees que con eso se resuelve? Inês: no se resuelve pero si es un paliativo (L 31-37).

A indústria fabricante de agrotóxicos tem desenvolvido diversas estratégias para contornar

os problemas surgidos, ao longo de mais de cinqüenta anos de uso intensivo de agrotóxicos na

agricultura mundial, como discutido em capítulos anteriores deste trabalho.

No Vale de Quíbor, tradicionalmente, a indústria tem circunscrito sua ação às questões

diretamente vinculadas com a comercialização dos produtos e a chamada ‘assistência técnica’

que os técnicos agrícolas das casas comerciais locais têm proporcionado, já há muito tempo, aos

produtores da região. Mas, como discutido anteriormente, o aumento da regulamentação mundial

e nacional, orientada ao controle, e a denúncia constante dos efeitos dos agrotóxicos à saúde da

população, têm gerado novas estratégias da indústria para enfrentar opiniões contrarias ao uso

atual e futuro de agroquímicos na produção agrícola regional. O estabelecimento de ações

informativas, chamadas pela indústria de ‘educativas’, para a promoção do ‘uso seguro’ de

agrotóxicos tem se tornado a atividade mais visível dos esforços da indústria química mundial e

nacional, mudando o rumo na sua tradicional maneira de enfrentar os opositores, e ‘minimizar’ os

riscos produzidos pelos agrotóxicos58. O ‘Projeto Espantalho’ é exemplo desta re-orientação da

ação informativa da indústria de agrotóxicos.

58 Em 1991 criou-se um plano piloto em três países: a Guatemala, para a América Latina, a Kenya, no continente africano, e a Tailândia, na Ásia. Dentre alguns dos objetivos do plano piloto, encontra-se o desenvolvimento e a promoção de material informativo sobre manejo adequado de agroquímicos, e sua introdução nos currículos de escolas rurais de ensino fundamental, no colegial, e em nível universitário, estabelecendo vínculos com as instituições governamentais e com contribuintes particulares de cada país.

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Figura 8: “O Espantalho’ Fonte: CropLife Latinamerica,(2001).

Para tanto, a indústria tem estabelecido um programa nacional com três regiões

prioritárias: a Colônia Tovar, o Vale de Aragua, ambas na região central do país, e o Vale de

Quíbor, no ocidente do país. Em Quíbor, o programa é coordenado por Heloisa, engenheira

agrônoma contratada pela indústria especialmente para isso e que se dedicada em tempo integral

às tarefas de divulgação do que podemos denominar como a filosofia da indústria mundial do uso

seguro de agrotóxico, com ênfase recente nas atividades em escolas da região.

Na fala de Heloisa, ela se identifica como representante da indústria, porém, ela também

reconhece que pode existir dúvida quanto à necessidade inquestionável do uso dos agrotóxicos.

Heloisa: ... por que en este momento estoy representando a la empresa para la cual trabajo, tener una opinión de que ¡epa!, esto es lo mejor, no. La verdad es que los necesitamos, necesitamos aplicarlos y por eso es que estamos llevando esas campañas para que lo sepan aplicar. Es un poco..., a nuestros agricultores les hace falta es educación y conciencia por que mira, tengo experiencias en campo, corro atrás de los agricultores para que me oigan, detrás de los obreros y en las comunidades, ellos parece que supieran las normas que deben cumplir, a veces es inviable cumplir esas normas por que me ubico como agricultor o como productora y es inviable. Yo creo entre el gobierno y la agroindustria deben ser un poco más estrictos en la normativa, en el cumplimiento de esa normativa, pero, ¿qué gobierno es vigilante de eso, no? (L. 14-23)(…) pero, ¿tú no

O Programa do Espantalho é a primeira estratégia, na área de ‘comunicação’ agrícola, especialmente orientada às crianças e os jovens, produzida pela indústria química para América Latina. Originalmente, o programa foi implantado, pela primeira vez no Brasil, com cooperativas, utilizando material produzido e editado no país. Posteriormente, o mesmo formato foi traduzido e adaptado ao espanhol para ser implantado em Guatemala, dentro do Programa de Uso e Manejo Adequado de Agroquímicos. A indústria vem utilizando este material em toda América Latina. Na elaboração do material participaram professores das escolas rurais dos países e de departamentos regionais de educação. Atualmente, o programa está sendo implantado, com algumas variações, na Guatemala, El Salvador, Honduras, República Dominicana, Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina e o Brasil.

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crees que es cuestión de conciencia?, mira aquí, será que tiene que pasar algo para que este agricultor se de cuenta o no se que debe hacer el Estado para capacitar más o no sé, llegar a través de las escuelas. M: ¿tú crees que la mejor manera es a través de las escuelas? Heloisa: si, nosotros nos vamos con todo a las escuelas, es que allí está el futuro y en las escuelas que están en la zona alta para allá vamos. Ahorita se ofrecieron dos docentes y yo les dije que necesitamos gente que quiera, nosotros no les vamos pagar un sueldo sino que sea gente que esté identificada con esto, además son gente que vive en la zona. Les ofrecemos apoyo, material… Yo por ejemplo me estoy saliendo de la zona por que Quibor como que me queda... no que me queda chiquito sino que ya en Quibor como que la gente ya sabe el mensaje, y ok, chao, pero hay gente de la zona alta que dicen, véngase, queremos que traiga el mensaje para acá, que hay gente que quiere aprender cosas. Si veo receptividad de parte de ellos vamos a involucrar al municipio Urdaneta y Andrés Eloy en esta campaña… yo estoy muy optimista de que esto guste, que la gente que vive en esas comunidades lo digiera, y se los graben y digan, vamos a sembrar pero vamos a tratar de recordar o de poner en práctica todo lo que ellos vean que sí es positivo para sacar su siembra, sin problemas (L 68-186).

Educar (entendido como responsabilizar) e regulamentar (disciplinar) o agricultor são os

elementos mais destacados no argumento de Heloisa. A educação, definida por ela como

consciência, ou melhor, como falta de consciência-responsabilidade surge como algo que deve

ser ‘adicionado’, como componente, à pessoa que é objeto da ação educativa. No entanto, várias

contradições são relatadas por Heloisa: embora pareça que os agricultores estão cientes das

normas (proteção), isso não parece ser suficiente. Aí ela se posiciona como alguém de fora da

industria, resgatando o papel normativo do governo (Estado) e da agroindústria, atribuindo maior

responsabilidade ao Estado.

Em documento promocional da associação de fabricantes de produtos químicos, utilizado

por Heloisa nas atividades desenvolvidas em Quibor, enfatiza a importância do ‘programa de

treinamento do Espantalho’ que vem sendo implantado, principalmente, no Vale de Quíbor, como

parte do programa piloto na América Latina. O Vale é definido como uma das áreas de produção

agrícola mais importantes do país com deficiências importantes em quanto ao ‘uso adequado’ de

produtos químicos na produção agrícola.

Em 2002, 6.466 pessoas participaram no programa implantado na Venezuela, 80% delas

(5.172 pessoas) na região do Vale de Quíbor. Desse total, 58% das pessoas ‘treinadas’ eram

crianças de escolas da região, consideradas um grupo alvo importante.

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As crianças das zonas rurais são os futuros produtores e as atividades para treiná-las têm se baseado no Programa do Espantalho, o qual tem tido uma ampla aceitação dos professores e instrutores das comunidades. O resto da população atendida, no programa, é de estudantes universitários, profissionais, instrutores técnicos, médicos, e multiplicadores do programa. (CropLife Latinamerica, 2001:128).

Mais recentemente, o programa de treinamento tem se ampliado para incluir também o

manejo integrado de pragas (MIP), elaborando materiais didáticos para seu uso com as crianças.

Trata-se de uma série de manuais para serem utilizados pelos professores das escolas rurais,

incluindo cartilhas coloridas e com desenhos sobre situações da vida cotidiana do agricultor e sua

família.

Com o título Agricultores do Futuro o livro, que é o material utilizado por Heloisa em

Quibor, convida as crianças a se juntarem na campanha pelo uso correto dos ‘produtos para a

proteção dos cultivos’. Na introdução do material didático lê-se;

Este livro ensina como podemos ajudar nossa família e amigos a crescer fazendo um uso correto dos produtos para a proteção dos cultivos. Estes produtos são muito importantes para a saúde dos cultivos, tais como as frutas e os vegetais. Mas, devem ser manejados cuidadosamente e se assegurar de que não ocorram acidentes (CropLife Latinamerica,s/d:1)

Em contraste, o posicionamento de Miguel, o ambientalista, é abertamente contrario ao

uso de agrotóxicos, alertando para a possibilidade e a necessidade de ruptura com a dependência

econômica e produtiva dos países menos industrializados.

No discurso de Miguel, o agricultor é entendido como vítima e também como agressor

alienado por um modelo cultural que, segundo ele, é baseado na ignorância e imposto pelos

interesses internacionais. O técnico agrícola é posicionado como alguém que ‘possui’ um nível de

sabedoria capaz de orientar − em contraposição ao agricultor que não é capaz de entender os

códigos, como as cores das etiquetas, alertando sobre os níveis de toxicidade dos produtos − e

que está completamente isento de responsabilidade sobre os riscos que são ocasionados pelo uso

desses produtos.

Miguel: Decir que el que aplica no conoce, aquí hay también una falacia por que todos estos productos deben ser fabricados con un conocimiento técnico y que cualquier productor que tenga un cultivo él debe orientar la aplicación del producto a través del

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técnico respectivo que maneje con sabiduría esto. Si esto se le deja al obrero que no sabe leer ni escribir y que a través de su experiencia pudiese decirse que aprendió trabajándole a fulano de tal, esa es una gran mentira por que sabemos que la ignorancia inclusive de conocer los colores, el amarillo, el verde el rojo, el anaranjado, esos colores que en determinado momento puede determinar cual es más potencialmente mortífero, ese productor o ese obrero no tiene la dimensión de los riesgos que está ocasionando con el uso de esos productos, incluso, uno los ve consumiendo alimentos sin haberse lavado las manos, sin quitarse la ropa después de una jornada de fumigación, llegan a sus casas y cargan a sus niños y abrazan sus mujeres sin haberse quitado la ropa después de un día de fumigación y eso es parte de un modelo cultural basado en la ignorancia, basado en unas condiciones sociales que viven nuestros productores del campo o nuestros trabajadores del campo, desde el punto de vista de una inasistencia en todos los niveles.

O sentido que Miguel atribui à educação no contexto de uso dos agrotóxicos é de um

esforço em vão, tendo em vista que não é na educação que estaria a solução dos problemas

causados pelo processo produtivo agrícola atual. Ressalta o interesse da indústria fabricante na

venda dos produtos sem qualquer preocupação com os impactos causados. Ao pedirmos sua

opinião sobre o programa de uso seguro que a indústria vem desenvolvendo em Quibor, Miguel

argumenta que tudo o que a indústria faz tem o mesmo objetivo: garantir a venda contínua dos

produtos desconsiderando os efeitos causados, resgatando os elementos iniciais de sua

argumentação sobre a questão da educação.

Miguel: Decir que si los educamos las cosas van a funcionar mejor, no lo creemos, es el modelo, es el modelo de desarrollo, impuesto a través del comercio de unos productos son fabricados por una transnacionales que sabemos donde están y que para ellos lo máximo en eficiencia es la venta del producto, la aplicación del mismo por que de esa manera seguirán vendiendo el producto, no importa la muerte de las personas ni el daño a los pueblos. M: tú sabias que la asociación de fabricantes de aquí de Venezuela montó un programa en Quibor, unas charlas en las fincas y a los productores, de lo que ellos llaman de uso seguro de agroquímicos. Miguel: Si, yo he conocido en parte de eso, pero esas experiencias siempre tienen el mismo trasfondo, ellos no van a establecer lineamientos de decir ‘no usemos esto que daña la salud por que establece más riesgo o por que condiciona hacia un futuro bien incierto del nivel de producción desde el punto de vista de la resistencia de los insectos’, ellos seguirán investigando y es hasta sencillito, cambiarle el color al pote, cambiarle el nombre (…).

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3.2 O controle pela melhoria no uso: os agrotóxicos são um mal necessário?

Uma outra dimensão do controle dos riscos referida por alguns dos interlocutores é a série

de medidas orientadas à melhoria no uso dos agrotóxicos. O pressuposto de base é que haveria

problemas no uso adequado dos agrotóxicos e de que estes poderiam ser resolvidos introduzindo

algumas mudanças, seja na aplicação dos agrotóxicos, seja na concepção geral do processo

produtivo, ou ainda nas relações produtivas estabelecidas no Vale. Cinco interlocutores se

posicionaram diretamente sobre o assunto: Gustavo, o funcionário da Comissão de Qualidade

Ambiental, João, o pesquisador da área agrícola, Miguel, o ambientalista, Lucas, o produtor

independente associado, e Paulo, o grande produtor.

Para Gustavo a questão do controle dos riscos passa pelo estabelecimento de várias

medidas, priorizadas por ele a pedido nosso. As duas primeiras estão referidas ao manejo

agrícola, de acordo com as características particulares do Vale: a água (qualidade e quantidade) e

a visão integral dos cultivos (planta, solo, etc). A terceira medida resgata o sentido do controle

com a ação do Estado, congruente com a posição atual que ele ocupa no campo do gerenciamento

local dessa questão e o reconhecimento da fraqueza dos sistemas de vigilância existentes no Vale,

atualmente.

M: si tú fueses a priorizar, ¿que estrategias serían las estrategias claves, para el control del uso de plaguicidas? Gustavo; el manejo del agua, la visión integral del cultivo, y lo otro sería las medidas coercitivas, las regulaciones del estado que hay que apretar por ahí (L. 127-129).

Tanto na literatura como nas conversas que tivemos no Vale ao longo desta pesquisa, a

questão da inevitabilidade do uso de agrotóxicos é constantemente retomada e re-significada

pelos interlocutores com os quais conversamos. Para João, o pesquisador, o discurso sobre o

controle desses riscos é, por vezes, contraposto ao argumento da inevitabilidade, e ao mesmo

tempo traz as limitações concretas do sistema de produção agrícola do Vale que parece reduzir o

leque de alternativas possíveis.

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João: los plaguicidas son un mal necesario, y son un mal necesario por que en aquellos países donde no se aplican plaguicidas, las plagas destruyen alrededor del 30% ó 40% de los cultivos y eso desde el punto de vista económico, social, es inconveniente. De tal manera que en resumen, el control químico de las plagas es fundamental, hasta que haya un medio alternativo, mucho más eficaz y mucho menos riesgoso (L. 21-30)

Segundo João, ‘os agrotóxicos são um mal necessário’, ‘o controle químico é

fundamental enquanto não se disponha de alternativas’. Tal posição é justificada ao trazer para o

argumento as cifras de danos que as pragas ocasionam nos países que não utilizam esses

produtos, extrapolando os impactos para além das questões puramente econômicas, fazendo

estragos nas mais diversas esferas sociais.

Quisemos explorar melhor o papel que o gerenciamento dos riscos tem na argumentação

mais geral de João, e, para tanto, solicitamos que nos falasse sobre essa questão. Utilizando

novamente o recurso de alguém que informa, João incorpora em sua fala horizontes temporais de

curto, médio e longo prazo, para estabelecer o campo de ação na gestão dos riscos, priorizando a

busca de informação científico-técnica sobre manejo integrado de pragas, proposta de controle

por ele defendida e que pode conviver com o sistema químico atualmente em uso59, entrando em

sintonia com a proposta da indústria na região. Diferencia-se, portanto, das propostas mais

radicais que buscam a substituição total do modelo de produção agroquimico. Quando

perguntamos sobre os aspectos positivos do manejo integrado de pragas, tentando compará-lo

com sistemas que promovem a substituição dos agrotóxicos, João replica que a substituição

definitiva seria uma situação ideal, embora inviável.

M: ¿cual sería el elemento más importante para gerenciar los riesgos? João: hay varios, ahí se pueden manejar unos a corto plazo y otros a largo plazo. A corto plazo yo sugeriría que se vaya a la información nacional e internacional que está disponible, yendo primero a la nacional…. Se llama manejo integrado de plagas por que ello no descarta, como lo hace la agricultura ecológica u orgánica, M: ¿te parece más viable el manejo integrado de plagas?

59 Em pesquisa realizada por João ele tenta demonstrar que não fica claro o por que da resistência na adoção do manejo integrado de pragas (MIP), sendo que ele é considerado um sistema integral que, segundo a definição científica, considera, em seu sentido mais amplo, comportamentos, procedimentos de tomada de decisões, métodos, tecnologias e valores organizados de tal maneira que possibilitem prover de métodos alternativos eficientes de manejo de pragas, com custos iguais ao sistema químico exclusivo, ou menores, para o produtor. De acordo com essa pesquisa a resistência dos agricultores a adotarem o MIP seria, primordialmente, uma conseqüência do desconhecimento e baixo nível educativo dos produtores junto à falta de programas coerentes e permanentes de transferência tecnológica e assistência técnica agrícolas, tanto pública como privada dificultando qualquer tentativa de adoção da tecnologia do MIP.

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João: no, es que la situación ideal es que no se usaran los plaguicidas, pero eso es inviable (L 294-303).

Queríamos saber as razões desse posicionamento especialmente quando comparado com a

de alguns pesquisadores de centros de pesquisas agrícolas, como no Instituto Nacional de

Investigações Agrícolas (INIA), que acreditam na possibilidade de substituição definitiva do

agrotóxico. Conhecemos um dos colegas de João em uma visita que fizemos ao Instituto em

janeiro de 2003 e, nessa ocasião, nos foi dito que existe um projeto-piloto que está sendo

executado numa comunidade agrícola no Vale de Quibor, que procura desenvolver tecnologias

apropriadas que se orientem à substituição do padrão químico na produção local. A substituição

definitiva não é aceita por ele, devido aos danos já causados no solo e no ecossistema, o que

impede, pelo menos em curto prazo, de produzir sem o uso de agroquimicos. Ao ser confrontado

com a posição de seus colegas do Instituto, João deixou aberta a possibilidade de que a

substituição possa ser feita de maneira gradual. Sua experiência como pesquisador de larga

trajetória em projetos locais e conhecedor das diferentes realidades dos produtores do Vale

enriquece seu posicionamento, relativizando posturas e argumentos que já fizeram parte das lutas

(pro-ecologistas) por ele defendidas.

M: ¿por que? João: por que los agro-ecosistemas han llegado a un estado de deterioro que son muy difíciles de recuperar M: ¿tú crees? João: claro que si, eso es como cuando se incendia un bosque, ¿cuánto le costó a ese bosque crecer?, y tu para recuperarlo te va a costar mucho más. M: hay unos compañeros tuyos del INIA que creen que si es posible utilizar un esquema agro ecológico João: pero eso tiene que ser gradual (L 304-311).

O uso abusivo de agrotóxicos no Vale, denunciado por alguns dos interlocutores com os

quais conversamos, tem se reduzido nos últimos anos, embora esteja longe de ser totalmente

substituído. O aumento constante dos preços desses produtos, que dependem para sua fabricação

da compra de insumos em dólares, tem influenciado fortemente os programas de redução no uso

de agroquímicos por parte, principalmente, dos grandes produtores da região. João confirma essa

tendência, afirmando que a questão dos custos produtivos é um fator considerável para forçar

mudanças que possam introduzir novas formas de produção alternativas. Ele resgata o papel que

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a dinâmica econômica tem na estruturação das relações a partir do uso de agrotóxicos. A previsão

da entrada em funcionamento da represa Yacambú-Quíbor, que está sendo construída atualmente,

para os próximos cinco anos, surge como uma preocupação perante as exigências que a

disponibilidade maior da água para irrigação possa trazer em termos de aumento das áreas de

cultivo e subseqüente aumento da utilização de agroquímicos e seu impacto para as pessoas e o

ambiente do Vale.

M: ¿tú no crees que ahora que hubo ese problema del dólar, que salen más costosos, se haya reducido el consumo de los plaguicidas? João: eso ha sido, una de las causas de la reducción del uso de plaguicidas y que la gente empiece a pensar en otras alternativas ha sido la situación económica. El aspecto más importante en esta problemática es el económico, por encima de la salud, de la vida o de la muerte. Hay gente que no le importa hasta morirse si pegan una buena cosecha, han llegado a ese extremo (…) ahí estamos esperando el agua de Yacambú, desde que yo entré al Valle están construyendo eso. M: ¿tú crees que llegue? João: yo le pido a Dios que me de vida para ver eso M: y cuando venga, ¿será peor? João: a lo mejor M: por que habrá más agua y se podrá sembrar más… João: esa es otra amenaza, pero si lo hacemos como debe ser… lo que pasa es que aquí no se aprecia lo nacional, lo mismo que nosotros les decimos ellos traen extranjeros y les pagan para que se los digan también (L 338-344).

A possibilidade de modificação das condições atuais de produção no Vale é reconhecida

por Lucas, o pequeno produtor associado, como a forma de lidar com as conseqüências derivadas

de um padrão tecnológico que nos foi imposto pelas empresas transnacionais, após a instauração

da Revolução Verde na Europa. Ao longo de toda a conversa com Lucas seu discurso politizado

assume formas diversas com referência, também, aos vários temas abordados. No entanto, os

argumentos são sempre construídos resgatando os vínculos que tem a forma de produção do Vale

com o padrão tecnológico mais amplo da agricultura latino-americana.

Lucas: ... después de la Revolución Verde en Europa, las grandes transnacionales productoras de agroquímicos, agrotóxicos, han apuntado hacia Latinoamérica como el mercado factible por que no existen controles ni por parte del Estado, y si los hay están siempre de manos con esas grandes transnacionales (L. 13-16)… Hemos tratado de ubicarnos en como cambiar esos paradigmas de que debemos utilizar otra tecnología, modificar, construir invernaderos evitar consumir insecticidas o consumir lo mínimo, estar alejado de eso (L. 25-28)

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M: esas nuevas tecnologías no incluirían el uso de agroquímicos? Lucas: si, estaríamos dejando de lado los agroquímicos, estaríamos utilizando más que todo productos biológicos, control biológico, Humus, para producir plántulas, por que nosotros producimos plántulas para los demás productores, para los grandes productores M: ¿esto sería para la primera fase de la producción? Lucas: si, yo pienso que esa es una fase importantísima y que de aquí a 10 o 20 años, es el camino a seguir, porque es la alternativa, podemos decir que la única (L. 33-39. Yo pienso que lo mejor que puede haber es un consenso entre los grande productores y los pequeños productores que quieren en verdad vivir tranquilos y sin contaminación pero hasta que no haya ese término de igualdad, hasta que no se acerquen los grandes productores hasta el punto donde nosotros queremos estar y hasta que nosotros no lleguemos a ese nivel cultural para darles una explicación lógica y convincente a como es que se produce, vamos a estar peleando todo el tiempo (L. 44-50). Pero más que todo, el problema radica en que tenemos que tener una buena educación, formal, si hay campesinos que quieran de verdad cambiar, tenemos que empezar a adaptarnos a las nuevas tecnologías pero adecuada a los requerimientos que tenga ese entorno social (L. 74-79).

As possibilidades de controle dessa realidade só podem surgir da mudança tecnológica

que substitua o que existe atualmente: devemos utilizar outra tecnologia. Ele fala por sua própria

experiência como membro da Associação, mostrando que isso é possível. Lucas acredita na

possibilidade de mudança e na implementação dessas mudanças em concordância aos grandes

consumidores de agrotóxicos no Vale, os grandes produtores. O uso do termo consenso é o

recurso que Lucas utiliza para dar relevo à necessidade de encontrar saídas que considerem a

realidade de escasso vínculo entre grandes e pequenos produtores, afirmando que há um desejo

de todos viverem em paz e sem poluição que passa pela luta pela igualdade, que pode se alcançar

por meio da formação dos pequenos agricultores, permitindo-lhes se relacionar com mais

igualdade com os grandes proprietários da região.

Paulo, o grande produtor, resgata o valor das mudanças que já estão se produzindo no

Vale e o papel que os ‘semilleristas’, a Associação de Lucas, tem nessa mudança. Ele introduz a

questão do controle biológico com uma amostra do que está sendo feito. Aproveitamos a

oportunidade para explorar o sentido que tem para ele o uso de tecnologias biológicas. O controle

biológico é visto por Paulo como algo radical que precisa de muita demonstração e teste, sob o

argumento que os modos tradicionais de produção no Vale foram adotados ao longo de muitos

anos e que mudá-los requer estratégias inovadoras que dêem segurança ao produtor. A chave da

mudança é demonstrar eficácia, principalmente para o grande produtor.

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Paulo: (…) los semilleristas, ellos han cambiado. En lo biológico también hemos hecho algo importante. M: eso te iba a preguntar, como ves tú esa cuestión del control biológico y la factibilidad de hacer eso aquí en el Valle? Paulo: se está trabajando, se ha hecho pero el problema es poderle demostrar a uno, bajo una metodología totalmente diferente, como usarlo. Entonces, mira para convencerme a mi yo creo que estuvo como tres semanas y me hizo que hiciera una serie de cambios y es que los cambios son totalmente radicales. Hacer cambiar a un productor que tiene una metodología de 25, 30, 40 años trabajando, no te lo aceptas. Nosotros hemos trabajado con tricodermas, que es un hongo para la pata negra, y funciona muy bien, el problema es para usar las máquinas para aplicarlo, hay que lavarlas muy bien, si eso tiene un fungicida, te mata la tricoderma y no le hace efecto, eso también hace que falle mucho. En mi caso, fue un señor que es amigo, me dijo “tienes una nueva?”, si tengo una nueva, vamos a aplicarlo así. Y yo, siempre como productor, siempre dejo como cuatro metros cuadrados... M: para no arriesgar mucho... Paulo: no, a todas le eché, por que el acuerdo era que lo iba a joder si eso no funcionaba, pero el decía que lo garantizaba, pero en este caso dejé cuatro sin aplicarle y a las cuatro les cayó la “pata negra” y a todas las otras, no. Esa manera es como entra... M: ¿convenciendo a la gente? Paulo: si, y fue algo visual, me dijo como debía preparar el producto, como tenía que aplicarlo, que había que bajarle el ph por que esos hongos trabajan en medios ácidos y protegerlos, cosa que uno nunca había hecho. Se hizo y se montó la prueba y ya yo lo hago de una manera rutinaria (L 179-200).

Paulo amplia seu argumento para os esforços que os grandes produtores organizados na

Fundac têm desenvolvido para otimizar o uso de agrotóxicos e aumentar a eficácia da produção

local.

Paulo: otro asunto que vamos a hablar ya es desde el punto de vista técnico, que es algo que podrías chequear con alguien en el INIA, quién podría ser en el INIA?, no sé, por que esta información la maneja mucha gente pero de forma fiable, que tenga confiabilidad mucha gente. Se trata de la hidrólisis por alcalinidad. El ph de las aguas de Quíbor, es una agua muy alcalina y por eso sucede algo, sobre todo en agricultores pequeños, quizás digo los pequeños por que no van a las reuniones, y por eso tienen otra formación de como usar los agroquímicos, porque uno lo que ve es cómo aprovecharlos al máximo. Se ha abusado mucho, se dice “como lleva un litro, échale dos”, eso es verdad en muchos pequeños agricultores, simplemente por que usan el producto sin controlar el ph y entonces se le hidrolisa. Entonces hay un grupo de agricultores, esto es a través de Fundac, que empezamos a buscar información a nivel nacional e internacional, en las casas comerciales y entonces descubrimos que había que controlar el ph. La calibración de equipos también hace que mucha gente sea ineficiente, pero entonces eso son unos cursos y una metodología que es lenta y sobre todo el agricultor es muy cerrado a dar esos cambios. También lo que pasa es que hemos sufrido de muchos engaños, de gente

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que llega a vender un producto, le ve que más o menos funciona y lo quiere volver a usar y resulta una eficacia ficticia. Por eso el agricultor se cerró mucho. Por eso hay una serie de charlas nuevas de la gente de Afaq, que los molestamos, les preguntamos, que podemos hacer con la plaga, qué productos podemos usar y de qué manera y si hay que usarlo en emulsiones de aceite, controlar el Ph o la dureza del agua. Eso, ahora te voy a hablar como Fundac, ha requerido de mucho tiempo para esas investigaciones que hemos estado haciendo y mucha gente no está dispuesta y la receta después la gente como que no la toma en cuenta o empieza a trabajar unos días y de repente le pierde la confiabilidad porque eso es algo que hay que hacer en el tiempo para que también le vean resultado, pero han sido muy apáticos algunos productores, inclusive grandes productores (L34-65).

Posicionando-se como presidente da Fundac, Paulo sintetiza quatro estratégias principias

de controle: o uso da água de Quibor que apresenta certas características particulares que afetam

a eficácia dos produtos químicos aplicados na plantação; a calibração dos equipamentos de

pulverização para dosar adequadamente a aplicação dos produtos; os cursos que permitem

transmitir essas modificações, que requerem um processo lento de adoção; e, por último, a

realização constante de pesquisas na busca de informação confiável.

3.3 Para além do controle: as ações coletivas

Nesta última parte, incluímos aquelas ações que foram mencionadas por nossos

interlocutores que incorporam o sentido do fazer coletivo dos envolvidos na questão ampla do

uso de agrotóxicos no Vale de Quibor, para além das ações já discutidas ao longo deste capítulo.

Essas ações trazem o tom da esperança, das alianças e da possibilidade de encontrar saídas,

algumas delas já em andamento e outras fazendo parte de um futuro que está para ser construído.

Para Lucas, o pequeno produtor associado, o futuro é visto como uma ‘tarefa de todos’.

Ele se considera parte de um contingente de produtores que precisa se tecnificar e se organizar

para deixar de ser vítima tanto das empresas transnacionais como dos grandes ‘terratenentes’,

termo que não tinha aparecido até agora. Lucas menciona a necessidade do trabalho conjunto de

profissionais, que de acordo com seu entendimento, podem contribuir a aumentar a auto-estima

do agricultor possibilitando que ele retome a luta por seus direitos, como ser humano, na defesa

da terra e de uma vida digna, livre de contaminação. Os agroquímicos, como ele os denomina,

são só uma parte do problema, considerando que há condições de pobreza e de insalubridade que

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também afetam a vida das pessoas do Vale. Para ele, a saída para a contaminação do Vale é

alcançar o consenso em vários níveis, passando pela necessária devolução das terras aos

agricultores que por anos têm sido deslocados e submetidos à miséria.

M: ¿crees que esa es la tarea de ustedes? Lucas: la tarea de nosotros es que en pequeños grupos podamos ir tecnificándolos, organizándolos, para que no sigamos siendo objeto de explotación por grandes transnacionales y a veces también por grandes terratenientes (L. 51-54). Necesaria-mente tenemos que montarnos en un sistema tecnológico que nos garantice que el ambiente donde estamos produciendo esté descontaminado, y que podamos vender esos productos a los mercados que lo requieran y lo puedan pagar (L. 105-107). Yo creo que deberían trabajar juntos psicólogos, sociólogos y campesinos para enfrentar esa problemática de la autoestima baja, para que retome la lucha en defensa de su tierra, de sus derechos, porque como todo ser humano tiene derecho a producir y vivir bien, en buenas condiciones de vida, de salubridad. No necesariamente son sólo los agroquímicos lo que nos contaminan, nos contamina la mala alimentación, ha habido un modernismo exacerbado que lo que ha hecho es subdesarrollarlo más. La salida a la contaminación en el Valle de Quibor tiene que ser un programa de consenso a todo nivel, tanto a nivel cultural, político y devolverle por lo menos la mitad de las tierras a los productores del Valle de Quibor que se las han quitado por mucho tiempo y que eso lo ha hundido más en la miseria (L 137-146)

Para Gustavo, o funcionário da Comissão de Qualidade Ambiental, pensando em

possíveis saídas, e muito influenciado pelo discurso do desenvolvimento sustentável, teria que

criar mecanismo que garantam a comercialização de produtos que utilizam tecnologias produtivas

que racionalizem o uso de agrotóxicos, questão que está em andamento em experiências-piloto

com alguns dos grandes produtores da região. No caso dos pequenos produtores, parece existir

ainda maior dificuldade na implantação de essas tecnologias que ele chama ‘limpas’, embora elas

ainda não considerem a substituição definitiva do agrotóxico.

Gustavo: Otra cosa sería la promoción de espacios de mercado de productos no contaminados, hacia lo que es la producción biológica, en la medida que haya un atractivo de productos orgánicos, sin químicos, limpios, eso podría de alguna manera, algunos agricultores de avanzada que hayan adelantado algunos trabajos en cuanto a el uso más eficiente de plaguicidas pudieran ser como que candidatos, en el caso de los pequeños, para empezar a trabajar hacia una producción mucho más sana y con menos químicos (L. 129-135)

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A mudança radical do padrão tecnológico de produção agrícola atual, próprio do discurso

ambientalista, é uma questão fundamental no discurso de Miguel, o ambientalista. Isso só será

possível, porém, em uma nova sociedade devido ao fato de que precisamos mudar a mentalidade

dos técnicos, dos órgãos públicos e da própria indústria. Na atual sociedade, as regras de mercado

e máximo lucro impossibilitam que essas mudanças aconteçam. O controle biológico não seria a

única saída possível considerando que se trata de uma questão que deve ser abordada sob vários

ângulos. A busca de soluções não pode ser uma tarefa exclusiva da indústria que se orienta por

fins lucrativos, para o qual ele propõe a necessidade de entender a produção como uma questão

‘holística’ (integral) para solucionar um problema que nós mesmos criamos.

Miguel: Mi posición ante eso es establecer que si no cambiamos el modelo de producción el problema seguirá ‘per secular seculorum’ y hay que cambiar el modelo de producción cambiando ese disquete que tenemos en la mente, tanto los técnicos como los organismos públicos, como las mismas empresas y eso será en una nueva sociedad. Yo soy de los que cree que en esta sociedad no va a poder ser por que aquí nos manejamos en términos de mercadeo, de máxima ganancia, de eficiencia en ventas, con el uso de productos en términos masivos. No estoy diciendo que la panacea sea el control biológico, esto hay que atacarlo desde muchos ángulos. Si lo dejamos en manos de la empresa privada te van a moldear la conciencia en función de que utilices productos “racionalmente”, que utilices la dosis letal que dice la tarjetita, pero sigue usándolo, es más compra bastante por que se va a acabar y te dan ofertas de tres cajas por dos para que tu consumas más, pero tu no lo vas a tener almacenado, un productor que tenga una caja de algunos de estos productos, sea clorado o fosforado, guardadita, ese le pica la mano por echarlos, por que no la quiere tener guardada (L. 316-323). El manejo holistico y el análisis bajo ese criterio, determinará más alternativas de solución a la problemática que nosotros mismos hemos creado. (L. 354-356)

Para Inês, a médica epidemiologista, deve-se insistir na prevenção como medida

fundamental para buscar solução aos problemas decorrentes do uso de agrotóxicos na região. Ela

acredita que, como médica, deve assumir a responsabilidade de oferecer informação e tentar

algum dia produzir mudanças nas pessoas do Vale. Juntar pessoas nessa luta é a frase que Inês

utiliza para indicar que se trata de uma problemática que envolve todas as pessoas no Vale,

enfatizando a necessidade de ‘desenvolver a consciência’ futura das crianças, por meio dos

ensinamentos.

M: ¿y que han pensado ustedes que hay que hacer?

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Inês: seguir insistiendo, por que a ellos les pasa lo mismo que nos pasa con el caso del Dengue, el Dengue es una enfermedad que igualito, con prevención la evitamos y la gente sigue guardando cachivaches en su casa, sigue guardando los cauchos, y que hacemos nosotros?, seguir insistiendo, seguir hablando, seguir dando la información, seguir uniendo más personas a esta lucha y llegará algún día en que la gente tomará conciencia o por lo menos los niños que se están formando que de tanto oírlo y oírlo, cuando sean adultos pues lo pondrán en práctica (L. 69-76). Por eso uno piensa que es como nadar en el desierto pero hay que continuar pues algún día lograremos algo. (L. 83-84) M: ¿y eso te preocupa? Inês: claro, sobre todo con esas estadísticas que te estoy dando de abortos (L. 67-68)

4. Reflexões sobre este capítulo

Ao longo da análise realizada, tentamos mostrar que falamos sempre a partir de posições

de pessoa utilizando repertórios variados que estão disponíveis nos diferentes espaços sociais dos

quais participamos. O uso que é feito da linguagem nos permite compreender a formatação e

manutenção de relações e práticas sociais, em particular o uso da linguagem dos riscos, na busca

por compreender as possíveis vinculações entre as formas de falar sobre os riscos nas práticas

discursivas no cotidiano e os aspectos mais estruturais da linguagem institucionalizada e suas

implicações para a gestão das relações sociais.

Nos diálogos que tivemos com nossos interlocutores diversos repertórios utilizados por eles

foram se articulando para dar sentido aos riscos envolvidos no uso de agrotóxicos. Os

conhecimentos situados, produzidos por pessoas em posição em um lugar chamado Quibor,

contribuem para a construção cotidiana de certos conteúdos culturais que constituem seus

discursos, ou linguagens sociais, como é o caso da linguagem dos riscos, trazendo para as

conversas repertórios provenientes de campos de saber diversos: saúde, ecologia, agronomia,

senso comum, etc.

Observamos que, na construção das argumentações, se evidencia a fluidez dos

posicionamentos que são assumidos pelos nossos interlocutores dentro de uma mesma linha

argumentativa, misturando-se e/ou diferenciando-se de acordo com os objetivos buscados por

eles no contexto da conversa. Da mesma maneira, ficou evidente que conceitos e noções são

ressignificados de acordo com o uso que cada interlocutor faz deles. Acreditamos que, tal como

afirma Fairclough (2001), a prática discursiva contribui tanto para a reprodução de relações

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sociais e sistemas de conhecimentos, como também é constitutiva dos processos de

ressignificação e transformação desses conhecimentos.

Em Quíbor, pudemos observar o movimento de reprodução/continuidade de repertórios e de

ressignificação/descontinuidade, sendo o uso de determinados conceitos e noções sobre risco

pautados pelas posições que as pessoas assumem na rede de relações do uso de agrotóxicos,

posicionamentos que são por definição, segundo o conceito dado por Davis e Harré (1990), um

produto construído discursivamente e em constante negociação nos encontros dialógicos nos

quais nos envolvemos.

Um exemplo disso é a ‘coerência’ da diversidade de posicionamentos que se fazem presentes

quando o grande produtor é questionado sobre os riscos dos agrotóxicos, buscando manter um

eixo argumentativo a favor do seu uso, mesmo diante de evidencias sobre os efeitos negativos

que esses produtos geram. Posicionando-se de maneira predominante como presidente da

Associação que ele representa, mas também como produtor, filho de um produtor imigrante, traz

para o diálogo termos e noções provenientes das várias práticas sociais nas quais ele tem se

engajado.

Quando o agrotóxico começou a ser utilizado no Vale de Quibor, este fato trouxe

modificações importantes para a dinâmica social e produtiva do lugar, tal como mostrado nos

capítulos anteriores deste trabalho. O agrotóxico, e com ele outros objetos e procedimentos

produtivos, inaugurou a construção coletiva de uma nova realidade. Diferentes versões sobre esse

mesmo fato se fazem presentes hoje nas práticas discursivas cotidianas, as quais nos falam de

vantagens enormes que o uso de agroquimicos representou e representa para o avanço agrícola da

região e do país. No entanto, outras versões se contrapõem apontando para os aspectos negativos

dessa transformação produtiva e de suas conseqüências atuais e futuras.

Nesse contexto, o risco do uso de agrotóxicos assume múltiplas faces dependendo da

prática social a partir da qual cada interlocutor olha essa questão. Nossos interlocutores no Vale

interagem de diferentes maneiras com o agrotóxico: como compradores e usuários, como

vendedores e promotores do uso desses produtos, como pessoas que pesquisam os efeitos do uso

e questionam sua aplicação, como pessoas que tentam controlar os diferentes usos de produtos

legalmente em uso, e de outros proibidos ainda circulando diariamente no Vale.

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Não há, portanto, uma única ou ‘verdadeira’ versão sobre a questão dos riscos; há uma

multiplicidade de versões dessa mesma realidade, algumas delas hegemônicas, outras,

marginalizadas, mas todas elas interconectadas, como, por exemplo, no caso da versão dada por

Heloisa − a representante da indústria em Quibor− e por Paulo, o grande produtor, que diz que o

agrotóxico é um risco só quando ele é manipulado sem a utilização de normas de uso adequado.

Tal versão tende a ser predominante, adquirindo contornos mais ou menos diferenciados na fala

de outros interlocutores que se vinculam com essa questão, como o médico, o funcionário da

Comissão de Qualidade ambiental, etc., mas que se orienta à manutenção da prática do uso desses

produtos no contexto produtivo local.

Retomando o argumento de Donna Haraway (1991), todos os olhos, os nossos e os dos

interlocutores com os quais nos relacionamos em Quíbor, constroem versões e maneiras de ver, e

por isso, há olhares possíveis que organizam o mundo. A posição que cada um deles ocupa, na

rede de relações do agrotóxico, propicia o surgimento de diferenças e especificidades. Trata-se

então de problematizar as maneiras de traduzir o ponto de vista nosso e do outro numa construção

que seja ao mesmo tempo responsável e crítica, pois o que devemos é buscar a explicitação dos

possíveis posicionamentos e não sua igualdade ou homogeneidade.

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CONSIDERAÇÕES GERAIS

Queremos concluir esta tese retomando alguns dos pressupostos que orientaram nosso

trabalho. Durante todo o processo de investigação sobre o campo-tema dos agrotóxicos e os

riscos a ele associados, nos assumimos como pesquisadoras posicionadas, sendo posicionadas e

nos reposicionando na medida em que nos relacionávamos com nossos interlocutores e vivíamos

a experiência de confronto com a multiplicidade de sentidos sobre os riscos dos agrotóxicos. No

movimento de aproximação sucessiva ao campo-tema, nas leituras que fizemos ou nas entrevistas

e observações que realizamos, a reflexividade e a negociação de sentidos fizeram parte

importante da postura defendida por nós ao longo desta tese. Retomando as afirmações de Renato

Rosaldo, acreditamos que estas considerações finais são provisórias visto que elas são feitas a

partir de sujeitos posicionados que conhecem certas coisas e não outras. Entendemos esta

pesquisa como um processo reflexivo, que questionou nossos próprios pressupostos,

fundamentados nos encontros negociados que tivemos com as pessoas no Vale de Quíbor.

Na introdução desta tese afirmamos que, no interior de campos de conhecimento,

desenham-se formas de falar sobre os riscos que são específicas a certas tradições discursivas

vinculadas a determinadas maneiras de gerenciar os riscos. Argumentamos que o surgimento do

conceito de risco, após sua formatação no debate público mundial, foi acompanhado de novas

estratégias de controle de doenças e agravos à saúde que transformaram, e continuam a

transformar, as relações sociais nos âmbitos da prática da saúde pública e na própria relação entre

os profissionais da saúde e os pacientes.

O processo de construção dessas novas estratégias de controle passou por dois períodos

principais (Foucault, 1991, Spink, M.J, 2003). O primeiro, desenvolvido na sociedade disciplinar,

buscava a gestão da vida por meio de duas formas centradas, respectivamente, no corpo-máquina,

constituindo os dispositivos disciplinares, e no corpo-espécie, apoiando-se em técnicas de

governo das populações ou biopoderes. O governo, que antes era restrito ao controle do território,

passou a governar as coisas e os homens. Os homens, entendidos como coisas, nas suas relações,

seus vínculos e imbricações com as outras coisas, como por exemplo, a riqueza, a fertilidade, e o

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território nas suas relações com os costumes, os hábitos, os acidentes, as epidemias, a fome e a

morte. Essas mudanças não significaram a substituição da sociedade baseada na soberania por

outra baseada na disciplinarização que, por sua vez, estaria focada em outra, a do governo das

populações, porém elas convivem ainda hoje.

Atentamos para uma abordagem da questão dos riscos no uso de agrotóxicos pelo estudo

da linguagem dos riscos nesse campo específico. Para tanto, partimos da compreensão de que o

campo dos agrotóxicos tem-se estruturado como uma densa rede de atores, instituições e

materialidades na qual as formas de falar sobre os riscos sustentam estratégias de controle desses

riscos em níveis internacionais, nacionais e locais.

Ao pesquisar sobre os riscos no uso de agrotóxicos, nos deparamos com complexas

posições de pessoas e grupos perante as conseqüências do uso desses produtos e suas implicações

para o gerenciamento dos riscos. Uma via para entendermos essa complexidade foi focalizar a

análise no estudo da linguagem dos riscos nas práticas discursivas do cotidiano dos vários atores

envolvidos com a problemática dos agrotóxicos em uma região do semi-árido venezuelano.

Procuramos, sobretudo, analisar as possíveis relações entre os aspectos mais permanentes da

linguagem dos riscos, a linguagem na perspectiva dos repertórios lingüísticos, e a linguagem em

uso nas práticas discursivas com seu caráter fluido, próprio dos processos dialógicos.

Os aspectos mais permanentes da linguagem dos riscos no campo dos agrotóxicos foram

abordados, principalmente, procurando identificar os repertórios lingüísticos sobre riscos em

documentos públicos variados (textos acadêmicos, leis, jornais, textos técnicos, etc.) referentes a

essa problemática. As práticas discursivas do cotidiano, por sua vez, foram pesquisadas a partir

de entrevistas, conversas e observações realizadas no Vale de Quíbor sobre as relações

estabelecidas no ‘campo do agrotóxico’, entendido aqui como uma densa matriz em que

interagem pessoas, instituições, regulamentações, locais de trabalho e os próprios agrotóxicos.

Entendemos que os repertórios sobre risco circulam nas conversas cotidianas e nas várias formas

institucionalizadas de se referir aos riscos no uso dos agrotóxicos.

Nesse contexto, observamos que a linguagem dos riscos assume construções e

modalidades específicas de acordo com o posicionamento dos diversos atores na rede de relações

que sustentam o uso de agrotóxicos e, decorrente disso, tentamos entender a diversidade de

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repertórios utilizados para dar sentidos aos riscos e suas implicações para o

gerenciamento/controle dos riscos.

Quais os repertórios utilizados no cotidiano para dar sentido ao risco neste lugar chamado

Quíbor que se sustenta em uma produção agrícola baseada no uso de agrotóxicos?

Retomamos os três eixos analíticos que nortearam a pesquisa: que risco é esse dos

agrotóxicos; quem está em risco; como é que os riscos podem ser gerenciados.

Quanto ao risco dos agrotóxicos, podemos concluir que, em Quíbor, há um uso

polissêmico de nomeações para se referir ao agrotóxico que pode ser melhor entendido tomando

as pessoas em posição na rede de uso: veneno (nomeação típica utilizada por agricultores), para o

pequeno produtor de Quíbor; agroquímico, para o grande produtor que questiona a forma típica

de nomeação; praguicida (nomeação legitimada em documentos técnicos internacionais e artigos

científicos nas áreas da saúde e agronômica e em documentos da indústria de agrotóxicos) e

substância tóxica (de uso corrente na medicina toxicológica) para o pesquisador da área agrícola

e o médico toxicologista; agrotóxico, agroveneno e biocida (nomeações que fazem parte de

repertórios no campo da ecologia e o ambientalismo), para o ambientalista que questiona

qualquer uso desses produtos; dúzia suja e praguicida proibido (encontrado em documentos

internacionais e de grupos ambientalistas), para quem se relaciona com o agrotóxico a partir das

ações de controle do uso, como o vereador e a funcionária do Ministério da Saúde.

A produção agrícola atual do Vale se sustenta, em grande parte, pela utilização continuada de

agrotóxicos, como discutido em capítulos anteriores deste trabalho, sob o argumento, geralmente

aceito por muitos dos nossos interlocutores do Vale, de que a demanda constante e crescente por

alimentos justifica a manutenção desse padrão tecnológico de produção. Justificativa esta que

também faz parte da argumentação dada pela indústria local e mundial de agrotóxicos. Derivado

disso, o risco de usar os agrotóxicos passa a ser considerado como elemento inevitável do

cotidiano produtivo, sustentando, ainda que de maneira diferenciada, o posicionamento da maior

parte dos interlocutores do Vale. A qualificação que se faz de que o risco depende do bom ou

mau uso do agrotóxico (discurso da indústria e da segurança do trabalho) é a expressão

concreta da preservação dessa inevitabilidade por meio da utilização de dispositivos de

segurança orientados ao controle do indivíduo agricultor: a higiene e proteção pessoal, normas

de manipulação dos produtos e disposição definitiva de embalagens.

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O contrabando de produtos proibidos qualifica a situação de risco que, para alguns dos

interlocutores, existe no Vale. Os sentidos atribuídos a essa problemática se organizam em torno

de dois argumentos principais: 1) a incapacidade dos sistemas de vigilância oficiais de controlar

o negócio da venda desses produtos, 2) a urgência de controlar as pragas que torna necessária a

utilização de qualquer recurso disponível, ainda que ilegal e arriscado. Acreditamos, ainda, que

exista uma débil vinculação dos órgãos de controle (da saúde, principalmente) com a dinâmica

produtiva da região que dificulta o acesso a informações para além do registro epidemiológico

das intoxicações agudas e das denúncias de atos ilícitos que são encaminhadas aos órgãos

competentes.

O caráter tóxico do agrotóxico é um dos organizadores utilizados para dar sentido ao risco no

uso desses produtos. Ele apresenta dois desdobramentos principais: a toxicidade como um

evento provável e os efeitos na saúde, observáveis ou não. Com relação à toxicidade, nas

explicações dadas por alguns de nossos interlocutores, os seguintes repertórios foram utilizados

com mais constância: a) do discurso da epidemiologia e da toxicologia, níveis de exposição;

freqüência de exposição; probabilidade de intoxicação; dose de exposição; tipo de substância;

dose letal média, repertórios utilizados pelos médicos, o pesquisador da área agrícola e os

funcionários responsáveis por ações de controle; b) do discurso do gerenciamento, faixas de

toxicidade nas embalagens, mencionado pelo prefeito da cidade; c) do discurso da produção,

dose de aplicação; mesclas de produtos, repertórios presentes nas falas dos funcionários locais

que lidam com questões produtivas e de controle do uso de agrotóxicos. Com relação aos efeitos

à saúde duas dimensões principais surgiram: a primeira se refere às doenças que os produtores

identificam como conseqüência do uso de agrotóxicos, embora sem nomeação específica; a

segunda, às doenças crônicas, presentes na fala dos médicos, com menção especial às

malformações congênitas em crianças da região. Essas doenças foram recentemente

incorporadas aos formulários do sistema de vigilância epidemiológica local.

O risco é qualificado também especialmente, como risco localizado em Quíbor: o lugar mais

contaminado do país. Os sentidos, neste caso, emergem de um lado, pela comparação entre o

antes (as terras virgens) e o depois da introdução dos agrotóxicos: as terras cansadas e a

viciosidade das pragas, uma outra maneira de falar sobre o processo de resistência desenvolvido

pelas pragas pelo uso continuado de agrotóxicos. Por outro lado, são utilizados, pelo vereador e

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o funcionário da Comissão de Qualidade Ambiental, repertórios veiculados por organismo

nacionais (Ministério da Saúde) e internacionais (OMS) e reproduzidos nos jornais locais e

documentos técnicos: dados estatísticos de consumo de agrotóxicos, séries históricas de

intoxicações na região do Vale e no estado Lara.

Quanto à questão quem está em risco, os sentidos são organizados e fortemente

influenciados pelo discurso da saúde, em torno da idéia de corpos em risco: organismos

susceptíveis; produtor/trabalhador do Vale; moradores do Vale; e consumidores em outros

locais. Em segunda instância, o ambiente é mencionado como uma entidade geral, assim como

as plantas e os animais.

A pessoa que manipula o agrotóxico é vista como vítima ou responsável pelo risco que ela

mesma corre. Ela é vítima segundo o posicionamento do pequeno produtor que reconhece o dano

que o uso de venenos ocasiona para o agricultor, utilizando explicações baseadas no

conhecimento local, produto da observação de eventos como as tentativas de suicídios pela

ingestão de agrotóxicos. Metáforas várias são usadas para dar sentido aos sintomas de

intoxicações imediatas ou de queixas constantes por problemas de saúde dos trabalhadores:

corpo enfraquecido, o corpo se acostuma, forças físicas para lutar, a morte está em cima. Para

outros, como o ambientalista e o produtor associado, a pessoa que manipula (colono, assalariado,

arrendatário) é vitima tendo em vista que lhe são impostas certas condições que ela não

controla, evidenciando postura crítica sobre as condições de trabalho no Vale. Ela é responsável,

no discurso da segurança do trabalho mais tradicional como, nesta pesquisa, a voz do médico

toxicologista, da representante da indústria fabricante e do grande produtor, quando afirmam que

a falta de interesse pela busca e aplicação de informação fazem o agricultor correr o risco

afetando a si próprio e aos outros.

Para se referir ao ambiente em risco, médicos e funcionários locais utilizam repertórios da

epidemiologia: dependendo da exposição da pessoa aos agrotóxicos existe uma maior ou menor

probabilidade de intoxicação; as pessoas estão inseridas numa cadeia de riscos que determina

maior ou menor exposição à situação de risco, repertórios utilizados pela médica

epidemiologista da região e o funcionário da Comissão de Qualidade ambiental. Repertórios da

ecologia, do ambientalismo e da engenharia agronômica são utilizados pelo ambientalista e pelo

pesquisador da área agrícola: risco exponencial, produto da aplicação intensiva e exclusiva de

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agrotóxicos em ecossistemas agrícolas; cadeia alimentar, para construir uma explicação

ampliada do risco ambiental que, a partir de outro referencial teórico, localiza pessoas, plantas e

animais em relação de interdependência em que todos estão em risco; intoxicação das plantas,

consideradas como seres vivos que sofrem os efeitos dos químicos.

Está em risco o consumidor do Vale, do país e do exterior: dois tipos de repertórios são

utilizados para se referir à contaminação dos alimentos que coloca em risco o consumidor desses

alimentos. Da biologia das plantas: o efeito translaminar que o agrotóxico produz na planta que

se fixa apenas nos frutos que são depois consumidos pelas pessoas; o efeito sistêmico de

contaminação estrutural que o agrotóxico ocasiona na planta que é transmitido também a novos

frutos, estabelecendo-se um paralelo entre a intoxicação do ser humano e da planta, via

argumento do consumo. Da experiência como produtor, há uma ação intencional exercida pela

indústria fabricante que promove a venda e uso de químicos agrícolas.

Quanto a como é que o risco pode ser gerenciado, a linguagem dos riscos é organizada em

torno de duas estratégias: a prevenção de agravos à saúde (intoxicações, doenças crônicas) e o

manejo agrícola, a partir do gênero de fala específico das relações entre

profissionais/especialistas (saúde, agrícola, ecologia, comunicação) e leigos (trabalhador

agrícola, população por faixa etária). Ambas as estratégias se fundamentam na inevitabilidade e

necessidade do uso de agrotóxicos e na possibilidade de conviver de maneira ‘segura’ com ele.

Prevenir é educar foi a frase utilizada pelo médico toxicologista para se referir à maneira

como o risco dos agrotóxicos pode ser controlado. Este é o pressuposto que orienta, na área da

saúde do trabalho, o treinamento para a adoção de medidas de higiene pessoal e manipulação de

substâncias tóxicas. O foco é o individuo masculino, na figura do agricultor adulto e da criança

trabalhadora, que devem ser disciplinados (desde agora) para evitar riscos e não causar riscos

aos outros. Vários sentidos são atribuídos a esse processo de prevenção: criar consciência (dos

riscos); regulamentar e disciplinar; capacitar para a segurança; informar sobre os riscos (por

meio de vídeos, palestras e fóruns). A mulher é marginalmente considerada nas estratégias de

prevenção dos riscos no uso de agrotóxicos; ela é considerada em menor risco por não manipular

diretamente o agrotóxico, embora cada vez mais mulheres trabalhem nas tarefas de plantio e

coleta de frutos. A prevenção se dirige à mulher enquanto esposa do agricultor que lava suas

roupas. A indústria fabricante se insere nesta estratégia com algumas variantes, quanto à

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população atendida. Além das já mencionadas, incorpora o treinamento para a parceria de

profissionais da medicina e agrônomos.

Produzir receitas eficazes para o agricultor foi a frase utilizada pelo grande produtor para se

referir à maneira como é possível otimizar o uso de agrotóxicos, por meio de normas de manejo

dos cultivos que inclui a aprendizagem de ‘doses certas’ de químicos que reduzem os riscos e

garantem os lucros. Os sentidos dados se organizaram em torno da necessidade de demonstrar

para produzir mudanças; formar o futuro agricultor da região (escolas da região); integrar o

conhecimento técnico com a experiência prática com ‘métodos mais limpos’; manejo agrícola

apropriado às condições agrícolas do Vale; busca de informação técnica cientificamente

comprovada; manejo integral do cultivo; construção de outras formas de produção em parceria

com os especialistas.

Por último, há uma série de propostas feitas por alguns de nossos interlocutores que tentam

colocar a questão dos riscos dos agrotóxicos na perspectiva da superação das condições atuais,

para além da mera convivência, e o gerenciamento dessas condições. Trata-se de estratégias da

ordem das políticas públicas locais apontando para o que podem ser mudanças importantes na

dinâmica produtiva atual. Elas surgem explicitamente no discurso do ambientalista e do pequeno

produtor associado que se aproximam constantemente de um posicionamento crítico mais

politizado, embora em níveis diferentes. No discurso do ambientalista, a solução, no caso do

Vale de Quíbor, tem que ser pensada como uma mudança social global, em concordância com as

propostas ambientalistas atuais, que passa pela modificação das mentalidades dos profissionais,

órgãos de governo e da própria indústria que fabrica os agrotóxicos. No discurso do pequeno

produtor associado, o futuro é uma construção que deve ser feita no Vale e com todos, mas

principalmente, com os ‘terratenentes’. A tecnificação do pequeno produtor, que segundo ele já

começou, e a redistribuição das terras no Vale são partes fundamentais dessa construção futura.

Nas práticas discursivas dos interlocutores do Vale de Quíbor, três tradições discursivas

são articuladas para falar do risco como evento adverso, aproximando os repertórios utilizados na

área da saúde e aqueles utilizados pelo discurso da indústria química, mas estabelecendo-se uma

diferenciação marcada pela utilização de repertórios provenientes do discurso ambientalista. Já o

discurso da gestão pública dos riscos se utiliza, preferencialmente, de repertórios provenientes

da epidemiologia e da educação em saúde.

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A primeira tradição, associada, sobretudo, à epidemiologia, está ancorada na

probabilidade de efeitos negativos em termos da saúde de populações humanas e do impacto

ambiental: fatores de risco que, no caso do uso de substâncias tóxicas, predispõem algumas

pessoas à intoxicação; cadeias de risco que incluem, principalmente, pessoas, plantas e animais,

localizadas em espaços, mais próximos ou mais distantes do Vale, e linhas temporais específicas,

utilizando repertórios provenientes do discurso epidemiológico, da medicina toxicológica e da

segurança do trabalho; e dano, entendido como uma conseqüência irreversível, proveniente do

discurso ambientalista. Nesta tradição discursiva, as formas de controle dos riscos, considerados

como eventos adversos, são medidas coletivas de governo das populações, como a

implementação de sistemas de vigilância de intoxicação, a proibição do uso de determinados

tipos de produtos, a regulamentação dos espaços de uso das substâncias em locais ou áreas

geográficas delimitadas, etc. Por outro lado, ao considerar o risco como conseqüência

irreversível, não existe possibilidade de gerenciamento, propondo-se a implementação de

medidas de substituição do padrão tecnológico que é o causador desse dano.

A segunda tradição discursiva, associada à prevenção em saúde, se refere à prevenção dos

agravos à saúde e os danos ambientais, e se orienta a promover estratégias para ‘disciplinar’ o

trabalhador agrícola (atual ou futuro) que se supõe ser o principal responsável pelo correto uso de

agrotóxicos. O alvo do controle é a rotina no trabalho e na família, que encontra no discurso do

‘treinamento’ (saúde, ambiente, produção) seu principal apoio. A informação dos riscos é

justificada pelo pressuposto de que, à medida que o produtor for mais bem informado sobre

medidas de proteção, ele será capaz de evitar os riscos. Os repertórios utilizados provêm da área

da higiene pessoal e de ressignificações vindas da educação popular que apregoa o

desenvolvimento da consciência, entendida como esclarecimento, e da responsabilidade consigo

próprio, com as outras pessoas e com o ambiente.

A terceira tradição discursiva, que se integra às outras de forma complementar, se refere

ao risco embutido no uso de agrotóxicos com uma conotação positiva, uma vez que a utilização

desse tipo de substâncias oferece benefícios coletivos por possibilitar a produção em grande

escala de alimentos que, por outros métodos, seria supostamente impossível de ser alcançada.

Trata-se de relacionar o risco aos benefícios que são obtidos, especialmente alimentado por

justificativas provenientes da lógica produtiva e a sobrevivência econômica. Utiliza os repertórios

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construídos ao longo de mais de quarenta anos de introdução dos químicos na cena agrícola

mundial, como uso seguro e manejo integrado de pragas.

A concepção do presente e o futuro em Quíbor está intimamente relacionada às atividades

produtivas agrícolas que marcam o ritmo das relações sociais. O agrotóxico configurou-se um

dos elementos fundamentais nessa dinâmica de produção e, ao se tornar um problema, pelo

impacto negativo à saúde e ao ambiente, passou a ser objeto de ataques constantes e de

subseqüentes tentativas de controle de seu uso. A gestão desses riscos não é um empreendimento

localizado apenas no Vale de Quíbor, como discutido em capítulos anteriores neste trabalho. Faz

parte de uma estratégia globalizada da indústria química, em parceria com os órgãos de vigilância

internacionais, que encontra em Quíbor suas especificidades. No Vale de Quíbor, o controle se dá

por meio da conjugação de estratégias disciplinadoras e de vigilância, exercidas por meio do

programa de informação de uso seguro de agrotóxicos que enfatiza, de um lado, a higiene e, de

outro lado, os dispositivos de segurança. A escola pública é também alvo, tornando-se meio para

alcançar objetivos futuros de manutenção das condições produtivas atuais: as crianças são

treinadas para reproduzir o que se faz hoje, garantindo a continuada utilização de elementos

químicos na cadeia produtiva. O que acaba sendo construído por meio das práticas de educação

em saúde e outras práticas educativas, como na extensão agrícola, é um tipo específico de

subjetividade. Ela contribui para o exercício do bio-poder na medida em que lida com normas de

comportamentos ‘saudáveis’ ‘seguros’ e promove a disciplinarização para alcançar uma boa

saúde. Ela é educacional (entendido como treinamento) porque promove comportamentos que

‘devem’ ser adotados por toda a população, intervindo nas escolhas pessoais por meio da

informação de práticas supostamente saudáveis.

Acreditamos existir em Quíbor algumas evidências de resistência a esse sistema produtivo

poluidor e possibilidades de mudança para um sistema alternativo que possa substituir o uso de

insumos prejudiciais à saúde humana e ao ambiente, embora a maneira de se fazer isso ainda não

esteja muito clara. Essas possibilidades de mudança aparecem no discurso reflexivo do pequeno

produtor associado e em alguns dos trechos mais críticos do grande produtor e do pesquisador da

área agrícola. A mudança tem que vir da forma de produção que existe no Vale e qualquer

modificação das condições atuais encontra oposições e promove rearranjos constantes de

estratégias para que se mantenha tudo como está.

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As principais dificuldades estão na estrutura de distribuição da terra que é altamente

concentrada e não permite que se estabeleça uma relação mais igualitária entre grandes e

pequenos produtores. Também pesa a tradicional dificuldade de relacionamento entre os

profissionais mais críticos da área agrícola - pesquisadores e técnicos- e os grandes produtores do

Vale, limitando à adoção de mudanças tecnológicas que possam iniciar o caminho para novas

formas produtivas menos poluidoras ou, inclusive, a mudança radical do padrão atual.

Projetos iniciados pela empresa Sistema Hidráulico Yacambú/Quíbor para aproximar

alguns dos grandes e pequenos produtores pode ser uma estratégia adequada para mudar o

sistema de produção, mas precisa ser aprofundada, buscando criar condições para o

fortalecimento da capacidade de negociação dos pequenos produtores. É necessário investir em

ações que dêem maior importância aos pequenos produtores para uma mudança que utilize a

tradição e o poder criativo para resgatar formas de produção que existiram antes da introdução

dos químicos. É preciso incorporar os esforços de técnicos e ambientalistas locais na busca

conjunta de estratégias de produção que funcionem. Como dizia José Lutzemberg (1986);

Antes de incrementar ainda mais os métodos, já demonstradamente insustentáveis da Revolução Verde, deveríamos iniciar uma reorientação do caboclo e do colono, do pequeno e do grande agricultor, no sentido de dar-lhes tradição camponesa, a preservação e restituição dos equilíbrios naturais que são controles gratuitos e precisos, em contraposição aos controles indiscriminados e caros da agroquímica (p. 65).

A abordagem dos riscos centrada no estudo da linguagem em uso nos permitiu

compreender as especificidades das práticas discursivas no Vale de Quíbor e, paralelamente,

pensar os contornos globais da questão dos agrotóxicos situando-os como riscos manufaturados

próprios de uma sociedade de riscos, como propõe Beck (199). No contexto da produção

agrícola, os agrotóxicos significam não apenas um risco, mas também ocasionam danos

irreversíveis à população, independente de ser ou não um trabalhador agrícola. Os encontros que

tivemos com a rede de interlocutores que participaram deste trabalho foram fonte privilegiada de

esclarecimentos para reafirmar o caráter complexo da matriz de interesses e posições que

convivem dia-a-dia em torno dos agrotóxicos e os riscos a eles vinculados. Mas também abriu

janelas que mostram possíveis saídas para uma problemática que não tinha por que ter sido assim

e que pode ser diferente.

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O risco associado aos agrotóxicos tem se tornado o centro da ação da educação em saúde

e da promoção do uso de normas de segurança, que objetivam esse risco e tentam controlá-lo. A

nosso ver, o desafio maior está em repensar a prevenção na ótica do conhecimento situado. Como

nos posicionar, do lado de quem e para que fins? Sabemos que a saúde das pessoas em Quíbor

deve ser protegida e que, enquanto existir o uso intensivo de químicos, na região, ações de

prevenção devem ser implementadas. Introduzir metodologias que incorporem a participação

efetiva e o olhar dos trabalhadores sobre as condições de trabalho e sua relação com a situação de

saúde pode e deve ser uma questão a ser desenvolvida, embora as resistências encontradas nos

donos das fazendas da região tornem difícil tal empreendimento.

Mas isso não basta. Informar dos riscos, na forma tradicionalmente adotada acaba por

transferir a responsabilidade e a culpabilidade para o indivíduo (o trabalhador, o paciente) que é

visto como alguém que não se protege e continua a correr riscos, baseado no entendimento de que

as pessoas podem e devem ser dotados de ferramentas que as possibilitem a superar a

‘ignorância’, a falta de ‘esclarecimento político, ou consciência’. Como repensar a prevenção e a

educação em saúde em uma arena complexa, como a questão do uso de substâncias que são por

definição tóxicas como os agrotóxicos, é uma questão que fica em aberto e que acreditamos nos

envolver diretamente, sobretudo, considerando nossa inserção na formação de profissionais da

saúde e a necessidade de propor, a partir do conhecimento cotidiano das pessoas do Vale,

políticas públicas que contribuam para desenvolver uma relação mais co-responsável pela saúde

entre o Estado, a indústria e a população, sobretudo no campo do uso de agrotóxicos.

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Apêndice 1 Quadro de matérias aparecidas no jornal ‘El Impulso’ sobre a problemática dos agrotóxicos no Vale de Quíbor. 1994-2004

Ano Cabeçalho e síntese da noticia Principais temas 25/10/1994 “Más de 100 niños envenenadas por negligente utilización de

plaguicidas ”. a matéria trata sobre a alarmante situação acontecida em uma escola local ao se intoxicarem 100 crianças pelo despejo de agrotóxicos. A comunidade de pais e professores decidiu suspender as atividades escolares até que o Ministério do Ambiente não suspenda as licenças que outorgou ilegalmente a empresários de terras. Segundo a notícia não tem havido nenhum governo no estado, com vontade política e sensibilidade social que inicie ações contra a utilização de praguicidas mortais. Imagens no texto:

1. Foto de crianças da comunidade “La Costa”, numa sala de aula. 2. Pias e professores reunidos na porta da escola. 3. Entrevista com o diretor do colégio. 4. Paisagem agrícola do Vale

Envenenamentos Utilização de produtos proibidos Licenças de uso ilegais

26/10/1994 “Angustiada la comunidad de Jiménez exige respuesta del Ministerio del Ambiente (MARNR)”. Assembléia Legislativa decidiu solicitar formalmente ao Ministério do Ambiente que suspenda as licenças outorgadas aos empresários-agricultores que utilizam praguicidas ao redor da escola ‘La Costa’. Imagens no texto:

1. Pais, crianças e professores reunidos em sala de aula (luta comunitária)

2. Mãe de filho intoxicado pergunta, quem paga por esta tragédia? 3. Funcionário do Ministério do Ambiente realizando vistoria na

zona. Cartaz na porta da escola que diz “Alta poluição faz a gente fechar nossa escola”

Utilização de produtos proibidos Diagnostico do uso produtos proibidos.

04/11/1994 “Prohíben la utilización de plaguicidas’ alrededor de la escuela de ‘La Costa’”. As autoridades realizam censo dos produtos altamente tóxicos que são utilizados no Vale de Quíbor, para proibir seu uso mediante legislação municipal. Imagens no texto:

1. Deputado líder do movimento pedindo a proibição dos agrotóxicos.

2. Reunião da comunidade de pais e alunos da escola ‘La Costa’.

Utilização de produtos proibidos Diagnostico do uso produtos proibidos.

06/11/1994 “Tomadas medidas para la utilización de los plaguicidas, en el Vale de Quíbor”. Censo de produtos altamente tóxicos, utilizados no Vale de Quíbor, é realizado para proibir seu uso, assim como a restrição no emprego de mão de obra infantil nas atividades agrícolas na região. Estas duas medidas são incluídas numa legislação municipal, após a intoxicação de crianças no setor ‘La Costa’ do Município Jiménez. Imagens no texto: Foto de reunião dos representantes de entidades governamentais e deputados estaduais e municipais.

Censo de produtos proibidos Mão de obra infantil na agricultura Legislação municipal

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03/02/1995 “Zona agrícola de Lara tiene el mayor consumo de plaguicidas en Venezuela”. A região é a maior consumidora de agrotóxicos do país devido a que ela concentra 70% da produção de hortaliças de todo o país, gerando conseqüências como a concentração de resíduos tóxicos no sangue e um alto índice de intoxicados. Enfatiza-se na necessidade de desenvolver pesquisas agrícolas e o controle integrado de pragas, segundo declara o presidente da associação de horticultores de Lara. Imagens no texto:

1. Entrevista a um dos maiores produtores de batata da zona alta do Vale

2. Plantio experimental utilizando técnicas de controle biológico

Consumo de agrotóxicos no Vale de Quíbor Intoxicações por agrotóxicos Controle integrado de pragas

05/05/1996 “Todos por la salud del Vale de Quibor”. Criação da Comissão de Qualidade Ambiental do Vale de Quíbor busca a melhora da qualidade ambiental da zona através de atividades nas áreas da saúde, de educação ambiental e de manejo agrícola. Integrada pelo Ministério do Ambiente, Ministério da Saúde, Forças Armadas, Fundo Nacional de Investigação agrícola e a Prefeitura de Jiménez. Imagens no texto: Paisagem agrícola do Vale de Quíbor

Criação da Comissão de Qualidade ambiental

13/03/1997 “El manejo de plaguicidas: un problema de capacitación”. Doze mil casos de intoxicações por praguicidas, entre 1982-1994, demonstra a necessidade de empreender campanhas de capacitação para o uso correto destes produtos e implantar controles efetivos pos parte das autoridades. Discute sobre as intoxicações agudas e crônicas e a falta de estatísticas confiáveis e o necessário controle no uso racional desses produtos tóxicos. Chama atenção sobre o papel ético da industria fabricante que não se preocupa com o impacto dos agrotóxicos na saúde e o ambiente. Imagens no texto: Fotos da represa ‘Dos Cerritos’ e do riacho ‘Guarico’ que foi contaminado pelo despejo de agrotóxicos.

Estatísticas de intoxicação por agrotóxicos Intoxicações agudas e crônicas O papel ético da industria de agrotóxicos.

13/12/1999 “Los plaguicidas lesionan la vida del hombre y el ambiente. Cómo evitar envenenamientos?” A matéria discorre sobre os efeitos que acarreta o uso e abuso de agrotóxicos para o ambiente e o homem e que os males que eles geram devem ser permanentemente denunciados. Ressalta a importância de seguir as medidas preventivas de uso dos agrotóxicos assim como utilizar a doses certas para proteger os solos e o ambiente. Define o que é entendido por agrotóxico ou biocidas. Enfatiza na proibição de certos produtos incluídos na chamada ‘Dúzia Suja’. Faz uma listagem das medidas que, de acordo com o Ministério do Ambiente, são divulgadas nas palestras que esse Ministério oferece aos agricultores no Vale de Quíbor. Oferece cifras sobre o DDT, seu consumo no mundo, origem e proibição pelas autoridades do governo dos Estados Unidos. Imagens utilizadas: Fotos de: legumes como possíveis fontes de contaminação Agricultores na lavoura utilizando os agrotóxicos sem aparelhos de proteção. Aviãozinho despejando agrotóxicos nos plantios.

Conceitos de agrotóxicos e biocidas Listagem de produtos proibidos, ‘dúzia suja’. Normas de uso dos agrotóxicos Dados de consumo mundial de DDT. Recomendações de especialista em toxicologia sobre formas de intoxicação por agrotóxicos.

31/12/1999 “Vendieron para el consumo humano papa contaminada con plaguicidas” Mais de mil quilogramas de batatas contaminadas com agrotóxicos e fungicidas, importadas do Canadá, foram vendidas nos mercados da

Importação de batatas contaminadas com agrotóxicos

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cidade de Barquisimeto e de outras cidades, pondo em risco a saúde dos consumidores.

19/1/2000 “El crimen del silencio” A matéria discute os resultados de estudo realizado pela UCLA, a Direção de Saúde do Estado Lara e outras instituições, com financiamento da Fundacite e o Conselho Nacional para a Investigação Científica e Tecnológica (CONICIT), sobre os níveis de intoxicação crônica por agrotóxicos no Vale de Quibor. Os resultados mostram que 61% das pessoas que participaram da pesquisa clínico-epidemiológica apresentaram níveis emáticos de organoclorados, principalmente por pp DDE, metabolito do DDT, tanto em crianças como em adultos, muitos deles sem contato ocupacional com os agrotóxicos. Imagens Utilizadas: Fotos: trabalhadores na lavoura sem aparelhos de proteção Recipiente de agrotóxicos onde se pode observar as etiquetas com instruções de uso, mascaras de proteção e óculos de proteção. Desenho que mostra a imagem da morte, representada por uma caveira num roupão com capuz, montada num trator.

Pesquisas locais sobre intoxicações por agrotóxicos Dados estatísticos sobre intoxicações em Quibor e no país. Dados sobre legislação

19/1/2000 “85% de los plaguicidas causa intoxicaciones” Afirma-se que as evidencias não podem mais ser ocultadas e que os problemas de saúde das pessoas do Vale de Quíbor traspassaram a fronteira do silencio, o evidenciar o alarmante aumento de nascimentos de crianças com malformações. De acordo com estudo realizado pela escola de medicina da UCLA de 33.500 intoxicações agudas registradas no estado entre 1984 e 1996, 560 delas corresponderam ao Distrito Sanitário de Quibor. Os dados foram fornecidos pelo Centro Toxicológico regional. Imagens utilizadas:Fotos de crianças recém nascidas com malformações

Estudos sobre intoxicações agudas e crônicas Dados estatísticos comparativos sobre intoxicações em Quibor e no país.

23/11/2000 “El miedo no parece suficiente” Estudo realizado pela UCLA, na Faculdade de Medicina, sobre as representações sociais de trabalhadores agrícolas sobre os agrotóxicos e seus efeitos à saúde, destaca as origens do conhecimento que os agricultores utilizam para orientar suas ações no uso dos agrotóxicos. A matéria ressalta a postura afetiva assumida pelos trabalhadores frente á possibilidade de intoxicação pelo uso de agrotóxicos, especificamente o medo à intoxicação.

Representações sociais de trabalhadores agrícolas sobre os perigos dos agrotóxicos.

23/11/2000 “Lara registra la mayor incidencia en casos de niños mal formados’ A situação específica registrada no Vale de Quíbor, pelo nascimento de crianças com malformações congênitas, tem obrigado a realização de pesquisas e publicar seus resultados como uma maneira de mobilizar ‘a fibra humana’ e a ‘responsabilidade’ de aqueles que tem o dever de resguardar a integridade física dos habitantes de uma área produtiva tão importante para o país, declara o Dr. Miguel Octavio Sosa responsável pelas pesquisas sobre mal formações em crianças dentro do estado de Lara.

Casos de malformações congênitas em crianças do Vale de Quibor

19/11/2001 “Los plaguicidas: armas de doble filo” O artigo discute três aspectos principias: o problema do uso indiscriminado de agrotóxicos no Vale de Quíbor e a iniciativa da Comissão de Qualidade Ambiental de propor um programa de intervenção junto às escola da região para incentivar às comunidades e os alunos a prevenirem as intoxicações por agrotóxicos; as medidas que segundo um dos membros desta comissão, devem ser seguidos no manejo de agrotóxicos. Inclui a lista de produtos proibidos pela OMS; as disposições da ordenança municipal sobre comercialização e manejo de agrotóxicos no

Manejo de agrotóxicos Regulamentações no município Jiménez. Papel da Comissão de Qualidade Ambiental

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município Jiménez. 13/06/2002 “Diversos sectores analizarán el problema de contaminación del Valle

de Quíbor” A Diretora Geral Setorial de Saúde do estado Lara vai coordenar uma reunião, na Câmara Municipal de Jiménez, com a Comissão de Qualidade Ambiental do Vale de Quíbor, para analisar um estudo, realizado sob a supervisão desta comissão, sobre a presença de organoclorados no leite materno de mulheres no Vale.

Estudo sobre organoclorados no leite materno

04/12/2003 “Los plaguicidas producen 90% de lãs intoxicaciones em Quibor”. Destaca o aumento de casos de intoxicação por agrotóxicos no Vale de Quíbor. Noventa por cento das intoxicações ocorrem por uso de esses produtos. Entre 1997 e 2002 a região ocupou o primeiro lugar nacional com o maior reporte de morbilidade por esta causa, com 2.310 casos registrados.

Estatísticas de intoxicação por agrotóxicos na região e o país.

26/09/2004 “La etiqueta de los recipientes de plaguicidas puede orientar al agricultor” Prefeito de Jiménez da palestra em foro sobre o impacto sócio-ambiental do uso de agrotóxicos. Enfatiza na necessidade de prestar atenção à identificação das faixas coloridas nos recipientes de agrotóxicos que alertam sobre o grau de toxicidade desses produtos. Destaca a educação como elemento fundamental para a redução dos riscos de intoxicação. Aponta para o fato de que Quíbor é considerado uma das regiões mais contaminadas em nível nacional e menciona a importância da Comissão de Qualidade Ambiental do Vale de Quíbor. Imagens no texto:

1. Prefeito da cidade mostrando e um recipiente com a etiqueta com símbolos de caveiras que representam perigo.

Dois agricultores despejando agrotóxicos sem equipamentos de proteção.

Etiquetado dos agrotóxicos Toxicidade Contaminação em Quibor

27/09/2004 “O problema dos ‘plaguicidas’ em Quíbor tem impacto em tudo”. Funcionária do Ministério do Ambiente da região analisa impacto dos agrotóxicos em todo o país, destacando o maior impacto no Vale de Quíbor. Propõe a participação cidadã, especialmente das crianças e dos jovens, como saída para resolver o problema. Menciona algumas das principais patologias de crianças da região como exemplo dos efeitos do uso de agrotóxicos. Imagens no texto: Foto de funcionária do Ministério do Ambiente.

Impacto dos agrotóxicos Participação cidadã

28/09/2002 “Toxicidades agudas e crônicas afetam a saúde da população: entomólogo Jorge Salas”. A noticia apresenta os principais argumentos de um pesquisador da área agrícola, especialista em entomologia das pragas. O pesquisar afirma que o uso de agrotóxicos em todas suas formas causa problemas ao ambiente e aos organismos que convivem no ambiente natural, como os seres humanos, plantas e animais. Enfatiza que o problema é de longa data e que há quatro anos a OMS já decretou o Município Jiménez como aquele que mais consome agrotóxicos no país. A maior proporção de afetados é de crianças com má formação congênitas, representando a quantidade de 143 casos. Imagens no texto:

1. Foto do pesquisador

Toxicidade de agrotóxicos e saúde Município Jiménez maior consumidor de agrotóxicos do país.

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Apêndice 2

Transcrição seqüencial M: Pergunta que riscos estão relacionados ao uso de agrotóxicos. Como deveriam ser gerenciados esses riscos, e, segundo o entrevistado, quem estaria em risco. M: Responde que não há só risco como dano. M: pede para diferenciar. AM: Faz a diferenciação. Introduz a nomeação utilizada pelos ambientalistas para se referir a estes produtos: agrovenenos, agrotoxicos. M: pergunta o por que do nome agrotóxicos. M: Esclarece que fica mais claro para o consumidor, o distribuidor, e para quem não o usa, compra, ou vende. Marca visual dos efeitos à saúde. Agrovenenos, agrotóxicos, para que o povo fixe a palavra na sua mente. Acrescenta sobre os riscos: resistencia das pragas. As empresas fabricantes combinam produtos químicos e lançam um novo produto com os mesmos efeitos. Trata-se de uma estratégia de mercado das empresas. A falta de orientação técnica ao produtor origina o uso de mesclas de alta toxicidade com o conseqüente impacto ambiental, alta toxicidade ao contacto com a pele e as vias respiratórias. Ação do veneno nas áreas próximas dos cultivos. Maior nível de risco não só para quem o usa, nem para quem o vende, nem só para quem o prepara, também para as crianças, jovens, adultos: risco exponencial. Narra pesquisas recentes sobre resíduos de agrovenenos no leite materno. M: Pergunta como lidar com isso M: Responde a partir da postura do movimento ambientalista. Afirma existir preocupação e propostas concretas de pesquisa, de desenvolvimentos tecnológicos, e de sonhos: como modelo societário. Argumenta sobre a necessária mudança do modelo de sociedade e o uso de alternativas ecológicas. Oferece exemplos. M: Narra sua experiência fazendo pesquisa sobre a questão dos agrotóxicos no Vale de Quibor e a resistência encontrada nos grandes produtores. Pede opinião sobre o argumento que diz que não é somente quem aplica que estaria em risco, que toda a população do Vale está em risco. M: Responde que o uso correto não garante nada. Explica o que acontece com o produtor que querendo salvar a colheita mistura agrovenenos e aumenta a concentração dos produtos: uso do coquetel e o potencial risco e morte. Argumenta sobre o papel do técnico agrícola para orientar o agricultor que não sabe ler nem escrever. Há ignorância até no reconhecimento das cores nas etiquetas: potencial mortífero. Esse agricultor não tem noção do risco. O problema não está na falta de educação e sim no modelo de sociedade. M: Pede opinião sobre o programa informativo desenvolvido pela Afaq no Vale sobre uso seguro de agrotóxicos. M: Responde que esse tipo de experiência sempre tem o mesmo transfundo: retoma a questão da resistência das pragas, a mudança de estratégias da indústria modificando as etiquetas dos produtos. M: Pergunta se isso também acontece com os seres humanos M: Responde que isso não acontece com a gente por que somos mais resistentes. M: Narra sua experiência de pesquisa com pequenos produtores e os argumentos que eles utilizam para explicar o processo de resistência que acontece nas pessoas que se acostumam ao uso de agrotóxicos. M: Diz que essa é uma realidade. Discute o que significa a adaptabilidade nos seres humanos e justifica que nosso problema deve ser garantir a qualidade de vida das pessoas . Declara falar desde sua formação como veterinário e de que para estabelecer un nível de resistência é necessário que aconteça paralelamente um nível de dano: condição harmônica de homeostasis, que todos os órgãos funcionem em condições de eficiência para se manter sadio. Retoma sua posição sobre a necessidade de estabelecer um novo modelo de sociedade, e mudar o modelo de produção: mudar o disquete mental de técnicos, os órgãos públicos, e as empresas. Afirma que nesta sociedade isso não é possível. M: Pergunta se há alguém em Quibor que esteja fazendo alguma coisa, com alguma proposta concreta. M: Afirma que existe preocupação e algumas ações tímidas. Há pesquisadores trabalhando nessa linha que são pouco queridos e muito atacados. Ele afirma que todos eles (se inclui entre eles) são muito atacados e estigmatizados.

M: Comenta que isso também aconteceu com ela e narra sua experiência. M: Comenta que agora ela sabe o por quê. Não se trata de querer a falência de ninguém, mas que pode acontecer que a empresa decida mudar o rumo. Propõe que ceguemos no futuro a um sistema produtivo mais racional tanto para os insetos como para as pessoas e mudar o modelo imposto de fora. Compara o modo de produção indígena e a ausência de produtos químicos sintéticos que garante o alimento para todos na comunidade. Manifesta sua oposição ao uso das técnicas transgênicas que podem gerar mais riscos. Uso de elementos alternativos como o controle biológico. Acredita que sem organização não será possível qualquer mudança: alcançar o desenvolvimento ambiental sustentável. Diferencia sostenível e sustentável para afirmar que é ambientalmente sustentável, para viver em harmonia com a natureza: viver em condições de racionalidade e dignidade. M: Pergunta se eles tem tido reuniões com os grandes produtores do Vale. M: Responde que isso acontece só em eventos públicos e que eles não tem uma linha de ação de trabalho conjunto. Acredita ser possível que existam produtores eficientes e conscientes que junto ao Estado possa incentivar desenvolvimentos apropriados Nega que o controle biológico seja a panacéia, se trata de uma problemática complexa. Não é possível deixar tudo nas mãos da indústria que tem seus interesses. Narra o que acontece com os medicamentos produzidos para os seres humanos e o interesse das indústrias (exemplo da Bayer) de vender esses produtos a qualquer custo. Introduz a questão do manejo holístico dos cultivos na busca de solução para os problemas que nós mesmos criamos. M (ambientalista) Presidente da Comissão de Ambiente da Câmara Municipal do Distrito Iribarren 17/01/03

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Apêndice 3a (exemplo) Mapa dialógico Interlocutores/Categorias

Categoria Paulo/

Grande produtor 21/01/03

Lucas/ Pequeno Produtor Associado 27/01/03

José/ Pequeno agricultor independente 16/06/99

Fernando/ Vereador 20/01/03

Gustavo/ Comisión de Calidad Ambiental/ SHYQ 28/01/03

Miguel/ Ambientalista/ Presidente da comissão de ambiente 17/01/03

João/ Pesquisador da área agrícola 12/03

Marcos médico toxicologista/ 21/01/03

Inês/ Epidemiologa/ Hospital de Quíbor 27/01/03

Heloisa/ Representante de indúsrria 19/01/03

Que risco é esse?

Hay algo que..., hace bastantes años me lo dijo mi padre, me lo ha dicho mucha gente, es que donde quiera que intervenga el hombre, donde ponga un pié, ya está afectando el medio ambiente. Partiendo de ese parámetro, sí estaríamos afectando al medio ambiente en una medida. Como ser humano, el uso de agroquímicos sí afecta al medio

A veces vemos también que lo enfocamos más que todo en el problema, en el problema, somos muy radicales cuando queremos emitir una opinión y no estamos yendo al fondo de la situación. Para nadie es un secreto que, bueno, que después de la Revolución Verde en Europa, las grandes transnacionales productoras de agroquímicos

por que yo tuve un problema, que el último niño que yo tengo salió enfermo, y dicen que es por el veneno y la broma, M: qué tiene? J: no tiene el paladar M: te dijeron que era por eso, quién te dijo? J: ahí en el hospital y siempre que lo llevo al médico dicen que es por el veneno M: tú que piensas de eso? J: puede ser, como que no puede ser, anteriormente hay gente que salieron

La comisión va con los técnicos del Fonaiap, de la guardia, del ambiente, a verificar si el productor X está aplicando plaguicidas tóxicos o dependiendo de la etiqueta, el rojo, el verde o el azul, certifica qué es lo que está echando, certifica si el productor está utilizando productos prohibidos en el país. Por que tu

M: vamos a retomar nuestras preguntas iniciales y quisiera que comentaras sobre cuál es tu opinión acerca de los riesgos que según tú estarían asociados o implicados en el uso de plaguicidas. Existen esos riesgos? G: por supuesto, yo veo como un rango de riesgos, tengo un mayor riesgo si uso los plaguicidas

M: aparte del riesgo, yo creo que... estoy convencido de que no es nada más riesgo, hay un daño, Mi: me podrías diferenciar eso M: si, cuando tu estableces riesgo, estas estableciendo unas condiciones de que probablemente la persona puede ser afectada, probablemente el producto bien usado o mal usado, y es marcado, bien usado o mal usado tiene los mismos efectos dañinos, por que?, incluso los ambientalistas no decimos insecticidas,

M: cuando hablamos de situaciones de riesgo asociadas al uso de plaguicidas, de qué riesgo estamos hablando? J: Bueno, mira cuál es el riesgo que hay con los plaguicidas?. Con el uso de plaguicidas siempre hay un riesgo, porqué?, por que esas son sustancias que su mismo nombre lo dice, la terminación “cidas”, que quiere decir matar y “plaga”, es un animal o un vegetal o un organismo que

M: nos quedaría que tipo de riesgo es ese, creo que dices que es un riesgo inevitable, que es factible de ser minimizado pero no eliminado... Ma: si, por que los plaguicidas tienen un problema que ellos no son selectivos sobre el sistema nervioso de las plagas o en general sobre el órgano blanco de las plagas, no es selectivo sobre ese órgano, sino que también,

M: cuales son los riesgos que tú crees están implicados en el uso de plaguicidas B: riesgos de tipo... de salud?, las enfermedades crónicas, por ejemplo las leucemias, las malformaciones... (L. 1-3)

M: Yo le preguntaba ayer a Pedro, que si pudiésemos hablar en términos del manejo de plaguicidas, cuales serían los riesgos implicados en el uso de los productos agroquímicos, entonces yo te hago la misma pregunta. Qué piensa Afaq de eso?. H: yo creo que este... el veneno lo hace la cantidad, la dosis. El riesgo en la aplicación de plaguicidas si tu cumples las normas, qué riesgo estas corriendo? (L.

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ambiente., ... no se ha dado una comunicación efectiva sobre hasta donde es permitido esto, porque su uso en el Valle de Quíbor, o sea, no ven todos los puntos de vista. (L. 13-19)

agrotóxicos, han apuntado hacia Latinoamérica como el mercado factible por que no existen controles ni por parte del Estado, y si los hay están siempre de manos de esas grandes transnacionales. Y así se ha hablado del Valle de Quíbor, yo pienso que cuando los pequeños productores hablan sobre la contaminación como dice usted, le tienen miedo, los grandes productores siempre tienen sus excusas pues dicen que tienen que producir al máximo importándonos poco

enfermos y no había fumigación ni había nada de eso (L. 51-59) J: por que ya la plaga se adapta al veneno, tu por lo menos le echas el veneno al piojito se hace adicto y eso no se mata, ahí viene el proceso de ligada de veneno, el problema de la intoxicación viene de eso ( L. 66-68)

sabes que hay mucho contrabando, aquí están utilizando productos que los americanos llaman “la docena sucia”. Está el DDT, el tamarol M; Los están usando? F: si, están prohibidos, y los traen aquí a Quíbor y los revenden a un precio altísimo. M: y quien los usa?, los grandes?, los pequeños? F: todo el mundo los usa, lo que pasa es que aquí en Quíbor, lo que llaman los técnicos aquí se ha creado una bomba

de forma inadecuada y tengo un menor riesgo, mucho más bajo, cuando uso los plaguicidas con todas las normas que se exigen, que deben ser aplicadas (L. 105-110)

establecemos un nombre de agrovenenos de agrotóxicos, ese es nuestro nombre y está bien identificado y en el congreso se ratificó que debemos hablar en esa terminología (L. 7-15)

le causa un problema al hombre, ese es un termino antrópico, que el hombre lo invento para señalar a un organismo que le causa un problema, sea un insecto, roedor, maleza, etc. El uso de plaguicidas trae riesgos por que son sustancias tóxicas, que su toxicidad se mide técnicamente en un término que se llama “dosis letal media” (DLM), que es la cantidad en miligramos por kilogramo de peso, o sea si un producto tiene una dosis letal de 1 miligramo, eso quiere decir que si yo peso 80 kilos e ingirieron por cualquier vía, que después te explico como es, 80

es inespecífica la acción en general y te va a afectar a ti también, afecta la vida salvaje que es otra cosa que hay que preservar. Tendríamos que tener un plaguicida ideal que todavía no se ha inventado (L. 55-61)

6-11) M: entonces tú crees que si se respetan esas normas mínimas de uso, tu dirías que estaríamos en menos riesgo

H: claro que estaríamos en menos riesgo (L. 78-80) No es que sea directamente proporcional, pero generalmente si es directamente proporcional, el color de la banda con la toxicidad para las personas, para el cultivo (L. 132-134)

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cuanto se contamine el suelo, las aguas y si estos productos van a ser consumidos (L 11-20).

atómica en materia de plaguicidas. Aquí se hizo un cruce peligroso de organofosforados y se hizo inmune a la plaga. La plaga se ríe de los productores (L. 13-24)

miligramos, que no es nada, esa dosis en mi organismo es capaz de matarme o de matar una población experimental, es experimental por que es aplicable a cualquier ser vivo. Ese es un indicativo, por que no se puede probar eso en humanos, no se ha hecho, se hace en animales experimentales.

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Apêndice 3b Mapa dialógico Interlocutores/Categorias

Cate-goria Paulo/

Grande produtor 21/01/03

Lucas/ Pequeno Produtor Associado 27/01/03

José/ Pequeno agricultor independente 16/06/99

Fernando/ Vereador 20/01/03

Gustavo/ Comisión de Calidad Ambiental/ SHYQ 28/01/03

Miguel/ Ambientalista/ Presidente da comissão de ambiente 17/01/03

João/ Pesquisador da área agrícola 12/03

Marcos médico toxicologista/ 21/01/03

Inês/ Epidemiologa/ Hospital de Quíbor 27/01/03

Heloisa/ Representante de indúsrria 19/01/03

Quem está em risco

M: Paulo, tu crees que los plaguicidas tienen riesgos para la salud de las personas? P: si, si, si le das un mal uso sobre todo. (L. 91-92) M: y eso salió cuando? P: no sé si aquí está, de personas afectadas por los agroquími-cos M: siempre sale información... P: si, inclusive mi mayor enemigo,

En ese contexto, a nivel latinoame-ricano es muy común y pernicioso, contamina-ción a cada momento, problemas de niños que nacen sin piel, cuestiones así y que siempre están..., siempre se tratan de esconder esas informaciones por que van en contra de las grandes transnacionales y cada día crece más el

M: tú crees que si toman es más peligroso? J: sí, por que hay personas que toman ese veneno y otros que no, yo he visto tres personas que han bebido esa vaina y dos se murieron y otro no, eso lo desasió por dentro, el que bebió de último ese tomó veneno arrecho, na’ guará eso lo desasió (L. 185-188) M: y por que será eso que hay algunos que no se intoxican y otros sí? J: hay gente que le hace

F: Por que aquí se intoxica por diferentes vías, una vía mecánica con las bombas o por la via de la fumigación en las noches y por supuesto tu estas en la cama durmiendo, te llega por medio del viento, por la piel cuando tienes lo poros abiertos en la noche y se te mete por la piel y lo otro son los

M; otra pregunta que también se la hacia a Pedro tiene que ver con quién crees tú que está en riesgo con relación al manejo de plaguicidas? G: yo pienso que hay mucha gente en riesgo, hay una cadena en eso del riesgo. En primer lugar está en riesgo quién lo manipula directamente M: esa sería la que está en mayor riesgo? G: si, es como la que está más directamente por que está en contacto directo con el

M: produce una alta toxicidad al contacto con la piel, con las vías respiratorias y generando un impacto ambiental desastroso a nivel de los espacios donde se está fumigando, que ya en áreas circunvecinas, por kilómetros, a través del barrido que hacen los vientos, el veneno está actuando sobre las poblaciones cercanas a los cultivos. En la medida en que el productor ha venido acercándose más a la ciudad, o vuelvo, a la

M: que marca o nombre comercial tienen? J: Aktara, Considor y una serie de productos nuevos. La ventaja, entre comillas, que tienen esos productos es que sus dosis letales son por lo menos de 3 mil miligramos, o sea dosis muy altas, en cambio el Parathion es uno de los insecticidas más tóxicos el cual tiene 1 miligramo por kilo. M: y todavía se usa? J: todavía se usa y es un

Ma: primero, existen personas expuestas, en primer lugar, por secuencia en el tiempo, primero serían los que fabrican de los plaguicidas, las fábricas donde se producen los productos. En segundo lugar, quienes transportan los plaguicidas. En cuarto lugar, las personas que viven en las zonas donde son llevados, transportados los plaguicidas. Las casas agrícolas y sus trabajadores. Las personas

M: yo te preguntaría además, quien crees tú que está en riesgo con relación al manejo de plaguicidas? I: es que todos están en riesgo. Aquí en el Valle todos y me incluyo, yo tengo una intoxicación crónica por plaguicidas (L. 13-16) Pero a nivel del campo, que mi preocupación es esa, las muchachas en edad fértil, por que ellas también son trabajadoras en la casa como en el campo, los niños primero por que dejan la escuela por irse

M: o sea quien está en riesgo, en el manejo de los plaguicidas, si pudiéramos hablar de que hay alguien en riesgo? H: mira, si no cumplen las normas, el que lo aplica, si no cumple las normas y también el ambiente se afecta. M: y que opinas tu de lo que se dice de que todos estamos en riesgo?, está en riesgo el que lo transporta, el que lo vende, el que lo almacena, el que lo fabrica, el que lo usa, el que lo consume. H: es cuestión de conciencia,

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(risas), gracias a Dios se me olvida el nombre, esa persona dice que en Lara, en Quíbor, o nos morimos intoxicados o nos morimos de hambre, él habla de esa manera M: pero él es qué, médico? P: no, del INIA M: debe ser Jorge Salas P: si, ese mismo, mi mayor enemigo (L. 294-303)

consumo de insecticidas, de biocida (L. 20-24) los que están encargados allí son colonos, arrendatarios, asalariados que son los que sufren las consecuencias (L. 56-57)

más daño el veneno que a otros. M: por que será eso? J: será que por usar tanto usá veneno el cuerpo se me ha acostumbrado, por que los que yo he visto que se han intoxicado es la primera vez que van a trabajar. M: y no será que es por que tú sabes usarlo, has aprendido a usarlos mejor, que ellos no saben usarlo? J: no, ellos tuvieron intoxicación por que, sabes que ellos sembraron melón y el dueño que sembró melón echó todo el veneno, él lo hace por que le conviene pa´no tené....na’ guará , le echó

campesinos ignorantes que debajo de sus camas almacenan productos tóxicos o echan plaguicidas tipo hoy y con la ropa que ellos utilizan la colocan dentro del cuarto hedionda a plaguicidas y por supuesto se absorbe el olor y se contaminan (L. 31-37)

plaguicida. En segundo lugar tenemos mucha gente expuesta que viven en las áreas alrededor de las áreas de cultivo. Ahí entra todo el mundo, niños, adultos, animales... M; allí entras tu? G: ahí también entro yo, aunque yo vivo en una zona que está medianamente expuesta según el estudio que la Escuela de Medicina hizo, que es la zona de los Ejidos que ahí casi no se usa, porque hay muy pocas siembras. M; según esse estudio, esas categorias quedaron medio cuestionadas... G; si, esas... M; parece que practicamente

comunidad, mayor nivel de riesgo existe no nada más en el que lo usa, no nada más en el que lo vende, no nada más en quien lo prepara en el área circunvecina donde sabemos que existen niños, niñas, jóvenes, adultos, que tiene una convivencia ciudadana, una convivencia de pueblo que no pueden trasladarse a otro sitio por que ese es su sitio de residencia, ahí hay un nivel de riesgo inmenso, exponencial. (L. 59-68)

fosforado muy peligroso y ese está dentro de un grupo que se llama la “docena sucia”. Pero el riesgo no es solo para los humanos, sino también para los animales, para todos los seres vivos y es más, las mismas plantas se intoxican, yo tengo unos casos que he visto en Mérida unas plantas que muestran un síntoma violáceo en las hojas que son el producto de la intoxicación de la planta, ella se intoxica por el insecticida y eso está documentado. M: y eso penetra en el fruto? J: claro, penetra en los frutos. Ahora, tiene que

que viven al rededor de esas casas agrícolas. Los clientes de las casas agrícolas. Las personas que aplican los plaguicidas en el campo y los que lo usan en su hogar también, los fumigadores. Las personas que supervisan los frutos hasta el momento de su recolección. Los que recogen el fruto. Los que transportan los frutos contaminados para las personas que los consumen, si no son adecuadamente descontaminados. Finalmente, quienes consumen los frutos. ( L. 5-14)

a trabajar, aparte de que ya se están contaminando por agroquímico y los adultos, o sea, estamos en riesgo todos (L. 20-24) M: pero, hay quien dice que en riesgo está el el que aplica el químico I: no necesariamente, por que si ese señor va a su casa con la ropa impregnada del agrotóxico, la esposa que le lava la ropa, igualmente tiene contacto con la ropa, ella no se va a poner unos guantes, si no se los puso el marido en el trabajo ella mucho menos, por que ella dice, eso ya se quedó en el campo, igualito esas ropas impregnadas por via aérea penetra (L. 25-30)

cuando el agricultor no cumple la última fecha de aplicación a la cosecha, la verdad que eso es, eso tiene un efecto directo, yo he estado en siembras de pimentón, de tomate, que el agricultor debería cumplir con la última fecha pero no lo cumple por que no busca otra alternativa, él debería tener mucho más conocimiento de los productos que hay en el mercado y buscar las diferentes alternativas, pues si yo estoy sacando pimentón mañana, por que no aplicar el producto que mañana en la mañana se ha degradado y que también sea efectivo para lo que estoy controlando (L.

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veneno Carbodán, lo ligó y los carajitos se pusieron a sembrar con esa vaina llena de veneno. M: o sea que él le echó el veneno a la semilla? J: a la semilla, cuando ellos agarraron la semilla se pusieron a trabajá, por cierto agachados y con la perola ahí todo el tiempo oliendo ese veneno, en cambio yo el veneno no lo voy a usar así, todo el tiempo tenelo así cerca , yo lo cargo en la espalda y rocialo así a la cebolla (L. 2002-216)

todo el Valle estaria expuesto G: todo el Valle de Quíbor, tiene un nivel de riesgo, cualquier persona que viva aquí, la gente que consume los productos también tiene un nivel de riesgo y allí estás tú. Entonces, todos estamos como en una cadena de niveles de riesgo, unos más cercanos y otros más distantes (L 41-68)

penetrar aunque es más difícil la penetración en frutos que en hojas, casi todos tiene un efecto translaminar, es decir que pasa la lámina. En el fruto aunque tiene una cutícula, que podemos llamar así como una dermis, que es un poco más gruesa, también penetra. Pero hay otros productos que tienen un efecto sistémico, eso quiere decir que la planta lo absorbe generalmente por las raíces y circula a través de la savia elaborada y de la no elaborada, tiene que acumularse

81-94)

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Apêndice 3c (exemplo) Mapa dialógico Interlocutores/Categorias

Categoria Paulo/

Grande produtor 21/01/03

Lucas/ Pequeno Produtor Associado 27/01/03

José/ Pequeno agricultor independente 16/06/99

Fernando/ Vereador 20/01/03

Gustavo/ Comisión de Calidad Ambiental/ SHYQ 28/01/03

Miguel/ Ambientalista/ Presidente da comissão de ambiente 17/01/03

João/ Pesquisador da área agrícola 12/03

Marcos médico toxicologista/ 21/01/03

Inês/ Epidemiologa/ Hospital de Quíbor 27/01/03

Heloisa/ Representante de indúsrria 19/01/03

Como se gerencia?

Se trata de la hidrólisis por alcalinidad. El ph de las aguas de Quíbor, es una agua muy alcalina y por eso sucede algo, sobre todo en agricultores pequeños, quizás digo los pequeños por que no van a las reuniones, y por eso tienen otra formación de como usar los agroquímicos, porque uno lo que ve es cómo aprovechar-los al máximo (L. 38-41) Entonces hay un grupo de agricultores, esto es a

Verdadera-mente no hay una educación llevada a ubicar bien los métodos sobre cómo podemos utilizar bien un insecticida, cómo es la mejor manera de no contaminar tanto al que está aplicando el insecticida así como al entorno, como se ve afectado por esta problemática (L. 8-12) ... después de la Revolución Verde en Europa, las grandes transnacionales productoras de agroquímicos, agrotóxicos, han apuntado

M: qué otras cosas utilizas tu además de los guantes? J: los pantalones, y a veces hasta en chor lo echo. M: no te tapas? J: no, por que yo me estaba poniendo mascarilla y me hallaba más. me asfixiaba, a veces la mascarrilla le pasa a uno, por que hay muchos venenos que jeden entonces se le meten a uno más pior, hay que tener una mascarilla especial pero uno suda

F: Entonces, la comisión de calidad ambiental está trabajando en esa materia. Por supuesto que ha habido una apatía de las brigadas ambientalistas que hacen pocas denuncias M: y quienes forman esas brigadas? F: son los dirigentes vecinales de cada caserío M: ellos no hacen las denuncias: F: muy pocas veces M: porque? F: algunos no lo hacen por temor M: por temor a quien?

M: tu crees que dando información la gente hace los cambios? G: es una alternativa, dando información y demostrando. Yo pienso que haciendo una buena investigación participativa con los productores, pero tiene que ser algo sistemático (L. 76-78) M: entonces si eso es así, tu dirías que existen también varias formas de controlar ese riesgo, de gerenciarlo? G: por

M: como resolvemos eso, como lidiamos con eso? A: en el movimiento ambientalista, a nosotros nos preocupa pero nunca nada más establecemos el nivel de preocupación como una preocupación para generar la opinión, también hay propuestas y entre las propuestas del movimiento ambientalista que las tiene en términos de tecnología en algunas partes y en términos de investigación en otras partes y en términos de sueños como

J: La gran falla en la cuestión de los plaguicidas es la parte educativa. En un trabajo que yo hice con una tesista de la Yacambú, nosotros planteamos ahí que los pensum de las escuelas del área agrícola no pueden seguir enseñando cosas de la ciudad, debe haber una educación básica pero debe haber una educación aplicada al medio donde

M: como haríamos para administrar ese riesgo? Ma: yo creo que en todo eso lo más importante es la prevención, verdad?, es la prevención ( L. 18-20) ...es decir, programas de prevención a todos los niveles incluyendo las escuelas del medio rural, para evitar, para minimizar el riesgo. Yo creo que fundamentalmente eso es lo que hay que hacer porque hay que tomar en cuenta la identificación que tienen los productores con los plaguicidas, desde el punto de

M: y como hacemos entonces? I: aquí la solución es educación, aquí el rol más importante lo juega la escuela, los medios informativos, que así como nos bombardean con la cerveza Polar o Brahma, sacaran tips de lo que son los agroquímicos y de lo que a la larga ellos conducen, no diríamos que la gente tendría un 100% de conciencia pero si por lo menos le crearíamos la inquietud.

H: (...) por que en este momento estoy representando a la empresa para la cual trabajo, tener una opinión de que epa, esto es lo mejor, no. La verdad es que los necesitamos, necesitamos aplicarlos y por eso es que estamos llevando esas campañas para que lo sepan aplicar. Es un poco..., a nuestros agricultores les hace falta es

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través de Fundacebolla, que empezamos a buscar información a nivel nacional e internacional, en las casas comerciales y entonces descubrimos que había que controlar el ph (L. 46-49) Por eso hay una serie de charlas nuevas de la gente de AFAQUIMA con Elsa y el Sr. Thompson (L. 57-58) M: tu crees que la clave estaría en eso?, en una educación? P: si, principalmente por que de que hay contamina-ción, es muy cierto, pero si no quieren contamina-ción, el país, que digo el país, el mundo se muere de

hacia Latinoa-mérica como el mercado factible por que no existen controles ni por parte del Estado, y si los hay están siempre de manos con esas grandes transnacionales (L. 13-16) digo nosotros por que estamos viendo que el cambio que se pueda dar es más que todo a nivel educativo. Hemos tratado de ubicarnos en como cambiar esos paradigmas de que debemos utilizar otra tecnología, modificar, construir invernaderos evitar consumir insecticidas o consumir lo mínimo, estar alejado de eso (L. 25-28) M: esas nuevas

mucho y se cansa demasiado (L. 116-122) M: dónde guardas tú los venenos? J: allá atrás, por que cuando están tapados, cuando los traen de las casas agrícolas casi no penetran, ellos es cuando uno los abre, cuando yo los voy a abrí los dejo en otra parte escondido en la tierra, los entierro. M: una vez abiertos los entierras, si todavía queda producto los entierras? J: aja, los entierro o los dejo en una casa vieja. M: y después que los usas, que haces con los potes? J: los tiro ahí, los dejo ahí.

F: a los hacendados (L. 37-47) M: los productores están haciendo algo? F: si, nosotros a través de la Comisión de Calidad Ambiental, se han organizado charlas educativas con el INIA, hemos hecho trabajo con parcelas demostrativas, una con productos biológicos y otra con productos tradicionales y se ha demostrado que tanto para la salud es mejor la que utiliza el control biológico y el rendimiento de los productos es bueno y están aplicando la técnica del

supuesto, hay varias formas de minimizar el riesgo, hay las tradicionales, el uso de los equipos adecuados, de la hora de aplicación adecuada. Fíjate que aquí nunca hemos hablado de los equipos de aspersión. Nunca se habla del equipo de aspersión con relación al uso adecuado de plaguicidas y dentro de ello, lo que es la calibración de los equipos que es fundamental (L. 111-117) M: si tu fuese a priorizar, que estrategias serían las estrategias

modelo societario. Si no atacamos el modelo esto siempre va a estar ahí. Podríamos plantear el uso de alternativas ecológicas y el control de insectos en cultivares de monocultivo y pudiesen dar respuestas buenas, que si las feromonas, las trampas de insectos, el uso de insectos que depredan a otros insectos, el establecimiento de barreras naturales con plantas que no dejan que los insectos se acerquen a los cultivares, elementos de ese tipo están planteados, han sido investigados y se ha visto que tienen un buen funcionamiento, pero el seguir desarrollando el

van a laborar. Qué van a hacer los muchachos que se gradúan en la escuela de Cuara, de 1ro. De Mayo en Quibor?, van a ser ayudantes de agricultores, por que ahorita ser agricultor en este país con una economía tan deteriorada es muy difícil. Cuanto cuesta una hectárea de tomate?, está por el orden de los 8 millones de bolívares, no puedo ni hacerlo yo, aunque nunca he pensado en hacerlo. Esos muchachos van a ser obreros agrícolas, y

vista de su eficacia, que ellos lo consideran como algo vital para su actividad comercial. Entonces, es prácticamente imposible ir a suprimir totalmente y lo que nos queda entonces es minimizarlo con las medidas de prevención. De hecho, nosotros hemos visto como con los años, a pesar de que no ha sido una campaña como muy sistemática pero que se há mantenido más o menos, (L. 31-39) Entonces, es prácticamente imposible ir a suprimir totalmente y lo que nos queda entonces es minimizarlo con las medidas de prevención (L. 35-37) ... por eso es importante la educación a los trabajadores, las charlas, la acción

M: tú crees que con eso se resuelve? I: no se resuelve pero si es un paliativo M: los ambientalistas dicen que la solución es eliminar los agroquímicos?, que piensas tú de eso?. I: la solución sería eliminar los agroquímicos pero y con qué atacamos la plaga?, esa sería la otra... M: crees que no es viable? I: la idea sería eso pero, una cosa desencadena la outra por que les eliminamos los agroquímicos a los agricultores, pero entonces y ahora con qué siembro, con qué mantengo yo mi familia (L. 31-45)

educación y conciencia por que mira, tengo experiencias en campo, corro detrás de los agricultores para que me oigan, detrás de los obreros y en las comunidades, ellos parece que supieran las normas que deben cumplir, a veces es inviable cumplir esas normas por que me ubico como agricultor o como productora y es inviable. Yo creo entre el gobierno y la agroindustria deben ser un poco más estrictos en la normativa, en el

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hambre Lo que si diría yo que es el mayor problema, es el idioma que se utiliza, eliminarle los tecnicismos y darle recetas al agricultor, recetas con símbolos visuales, con fotografías adaptadas al medio. Es como nosotros lo hacemos, le decimos, “en el tanque lávalo así, limpia los filtros, regula el ph de esta manera...(L. 87-90)

tecnologias no incluirían el uso de agroquímicos? L: si, estaríamos dejando de lado los agroquímicos, estaríamos utilizando más que todo productos biológicos, control biológico, Humus, para producir plántulas, por que nosotros producimos plántulas para los demás productores, para los grandes productores

M: y que pasa, se quedan ahí por tiempo o que? J: se quedan ahí y botan la acción del veneno. M: se va perdiendo la acción? J: si M: cuánto tiempo crees tu que dura la acción del veneno? J: eso dura bastante, tiene que matalo bien el sol, dura tiempo. M: como sabes tú eso, que dura y el sol lo quema? J: sí, por que se ha visto que con el sol y el agua se echan a perder los frascos (L. 158-173)

Plato Amarillo que atrae al insecto. Una pequeña cantidad ya ha asimilado estas técnicas pero no es la mayoría (L. 67-73) M: y esas charlas educativas tu que opinas? F: hay algunos que las escuchan, pero es como un pacto de caballeros, el técnico va pero no produce cambios

claves? G; el manejo del agua, la visión integral del cultivo, y lo otro sería las medidas coercitivas, las regulaciones del estado que hay que apretar por ahí (L. 127-129) Dentro de la

monocultivo como el elemento central de la producción del campo siempre va a establecer que esos insectos que se alimentan de las frutas, de las hortalizas, que están en alta cantidad en espacios identificadas como áreas espaciales para cultivo, va a generarse la proliferación, eso siempre va a estar presente. (L. 81-95)

generalmente para que buscan a los obreros agrícolas?, para hacer labores de campo, mayormente para hacer aplicaciones de plaguicidas. Entonces ellos tienen más riesgo, y por que tienen más riesgo?, por que ellos no se protegen

con los futuros fumigadores que son los niños de esos productores agrícolas. Creo que esa es la forma más inteligente y práctica para minimizar el riesgo, para manejarlo, para mantenerlo bajo control. Por supuesto que hay otras medidas, la vigilancia de las autoridades sanitarias, en cuanto al uso de plaguicidas prohibidos, el manejo y diagnostico adecuado de las intoxicaciones agudas, la vigilancia por parte de los otros ministerios como el de Agricultura y Cría, del Ambiente que permitirían entonces, tener un control sobre aquellas zonas críticas.

M: y que han pensado ustedes que hay que hacer? I: seguir insistiendo, por que a ellos les pasa lo mismo que nos pasa con el caso del Dengue, el Dengue es una enfermedad que igualito, con prevención la evitamos y la gente sigue guardando cachivaches en su casa, sigue guardando los cauchos, y que hacemos nosotros?, seguir insistiendo, seguir hablando, seguir dando la información, seguir uniendo más personas a esta lucha y llegará algún día en que la gente tomará conciencia o por lo menos los niños que se están formando (L. 69-76)

cumplimiento de esa normativa, pero qué gobierno es vigilante de eso?, no (L. 14-23)

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Apêndice 4 Interlocutores / Temas e Sub-temas: Que riscos é esse?

Interlocutores

Quem compra e usa

Quem controla o uso

Quem se contrapõe e

informa

Quem cuida e trata

Quem vende e promove

Temas Paulo Lucas José Fernando Gustavo Miguel João Inês Marcos Heloisa Nomeação X X X X X X X X X X - veneno - agroquímico - agrotóxico/ biocida - agrovenenos - dúzia suja -plaguicida

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X X

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X X

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X Afeta que X X X X X - As pessoas: homem crianças os doentes - Paisagem - Vida selvagem - Vertebrados/ invertebrados - O meio ambiente

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X X X

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X X X

X

Uso/risco/perigo X X X X X X X X X - agrotóxico proibido - contrabando de DDT - mistura de venenos + risco - veneno/fedor = no tocar - não são perigosos hoje - sementes importadas = perigo - normas = + - risco - bom uso/mau uso - cor da etiqueta = perigo/toxicidade - categorias de risco

X X

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Efeitos X X X X X X X X - intoxicação - praga se adapta - dano/risco - riscos à saúde - doenças crônicas - Quíbor zona + contaminada - Morte

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X X

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X X

X X

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Apêndice 5 Interlocutores / Temas: Quem está em risco?

Interlocutores Quem compra

e usa Quem controla

O uso Quem se

contrapõe e informa

Quem cuida e trata

Quem vende e promove o

uso Temas Paulo Lucas José Fernando Gustavo Miguel João Marcos Inês Heloisa

Quem Manipula

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- Gente exposta - América Latina - Camponeses ignorantes que armazenam - Assalariados - quem usa sem normas - quem lava roupa contaminada

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O Ambiente X X X X X - Todos em Quíbor

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Quem Consome

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- frutos ontaminados - crianças/ adolescentes/ adultos/ animais - quem o bebe - quem o cheira

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Outros X X X X X - quem mora perto - quem não tem consciência - quem tem defesas baixas - quem transporta os produtos - quem vende - quem fabrica

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Apêndice 6 Interlocutores/ Temas e Sub-temas: Como se gerencia?

Interlocutores Quem compra

e usa Quem controla

o uso Quem se

contrapõe e informa

Quem cuida e trata

Quem vende e

promove o uso

Temas Paulo Lucas José Fernando Gustavo Miguel João Marcos Inês Heloisa Estratégias Educativas

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- Dar informação e demonstrar - pesquisa participante com produtores - Escolas como foco/ crianças -educação formal - Midia - adaptando linguagem técnica -aos trabalhadores - através das lojas de venda - prevenção = níveis de risco - Produzir receitas para o agricultor

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Gestão do uso/manejo X X X - busca de informação - o aproveitamento do agrotóxico - uso de equipamento adequado -descarte de recipientes vazios - manejo da água: ph - manejo do paciente intoxicado - manejo integrado de pragas

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Ações nível coletivo X X X X X X - Brigadas ambientalistas - medidas coercitivas -vigilância sanitária -criando consenso entre os produtores -controle biológico - alternativas ecológicas - descobrindo métodos novos -visão integral do cultivo - usando proteção adaptada a Quíbor - aplicação de leis

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Apêndice 7 Interlocutores/ Documentos-Temas

Interlocutores Quem compra

e usa Quem controla

o uso Quem se

contrapõe e informa

Quem cuida e trata

Quem vende e

promove o uso

Documentos/áreas Paulo Lucas José Fernando Gustavo Miguel João Marcos Inês Heloisa Legal nacional e local X X X X - Ordenanças sobre praguicidas em Quíbor: única no país. - Regulamentação do uso por parte do Estado. - Regulamentação de 1983: proibição de uso de organoclorados. -Novas regulamentações: uso de potes vazios, lavagem tríplice.

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Legal internacional X X X X - Norma Andina. Toxicidade e etiquetas: faixa, amarela, azul, verde e vermelha. - ‘Dúzia Suja’ - Nível permitido de agrotóxicos na água: Regulamentações da FAO e OMS - Dose letal média (ação letal): proposta da industria

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Jornais locais X X X - Resistência da praga em Quíbor: além do normal. - O vale mais contaminado do país: Vale de Quíbor/tv, radio, jornal.

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Projetos e Programas em Quíbor

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- Projeto: produção de sementes orgânicas. Convenio Fundacebolla/ Asiprosemca -Tecnologias alternativas: construção de ‘invernaderos’, uso de produtos biológicos. -Comissão de Qualidade Ambiental - Projeto:Brigadas Ambientalistas

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Educação/informação X X X X X X - Palestras de Afaq aos trabalhadores, nas escolas -Propaganda a favor dos produtos: minimizar os efeitos e maximizar os benefícios.

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Pesquisas/ diagnósticos/ propostas

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- Estudo realizado pela Escola de Medicina da UCLA: exposição ao risco, consumo x hectares, resíduos de clorados - Diagnóstico do Ministério da Saúde: Quibor maior consumidor de agrotóxicos do país. - Investigações da UCLA: mães lactantes e ação letal de resíduos de agrotóxicos. -Acordos para o uso do termo agrovenenos/ agrotóxicos: XXIV Congresso de Ambientalistas na Vzla - Propostas do movimento ambientalista da Vzla.

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Estatísticas locais X X X -uso de organofosforados e carbamatos, herbicidas. - Malformações congênitas. Mulheres em idade fértil (abortos) - Trabalhadores intoxicados. - Concentração da terra em Quíbor: 70% da terra nas mãos de 7 produtores

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Estatísticas internacionais

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- Dados da OMS: Vzla. 5º consumidor no mundo. -Mescla de agrotóxicos: grandes produtores

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Outras Informações X X X X X X - Manejo integrado de cultivos. - Manejo integrado de pragas - Adaptação das pragas - Bactérias/doenças novas/comportamento inusual no trópico - Tricodermas/controle biológico -‘Plaguicidas biológicos’ - Revolução Verde: transnacionais, manipulação genética, agrotóxicos.

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