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1 O SABER EMPREENDEDOR DOCENTE Dr. Antonio Carlos Teixeira Liberato Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) INTRODUÇÃO Num tempo em que a cultura escolar não vem correspondendo à linguagem e às mais variadas formas de expressão dos jovens dessa nova Era, o britânico Sir Ken Robinson (2016), convidado pelo governo da Inglaterra para liderar a comissão destinada a repensar o currículo e os rumos do ensino naquele país, afirmou que as transformações tecnológicas trouxeram significativos benefícios a humanidade, mas ainda não foram capazes de produzir grandes transformações na escola, considerando os métodos de ensino praticados ainda hoje. Robinson chamou atenção para as propostas pedagógicas da atualidade que negligenciam as habilidades das crianças e a falta de estimulo a criatividade que afloram na mais tenra idade. Teceu severas críticas a formação docente ao privilegiar conteúdos que jamais serão úteis para lidar com o cotidiano da vida e do futuro, de uma forma mais prática e inventiva. Cabe salientar que essas críticas ao tradicionalismo do sistema escolar, não vem de hoje. Para não ir muito longe, convém destacar o americano, filósofo e professor Jonh Dewey (1859 - 1952) considerado o expoente da aprendizagem pela experiência, que influenciou o pensamento educacional no século XX. Dewey, criticava severamente a imposição vertical e metódica do sistema escolar que inibia a participação ativa dos alunos ao preestabelecer padrões rígidos de comportamento, desproporcionais ao desenvolvimento e maturidade infantil, sem levar em conta as características e experiências pessoais. De forma inédita e com muita ousadia, implantou um modelo de escola, conectada com a vida prática, baseada na ação e na aprendizagem, por meio da experiência, adaptada a vida real e não alheia a ela, já que as transformações na sua época, também vinham ocorrendo em grande velocidade. No Brasil, a reforma do Ensino Médio, que começou a ser delineada desde a década de 1990 e aprovada pelo Senado Federal em fevereiro de 2017 também expressa em linhas gerais, essa ânsia pela ruptura, na busca de um novo modelo de ensino capaz

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O SABER EMPREENDEDOR DOCENTE

Dr. Antonio Carlos Teixeira Liberato

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

INTRODUÇÃO

Num tempo em que a cultura escolar não vem correspondendo à linguagem e

às mais variadas formas de expressão dos jovens dessa nova Era, o britânico Sir Ken

Robinson (2016), convidado pelo governo da Inglaterra para liderar a comissão

destinada a repensar o currículo e os rumos do ensino naquele país, afirmou que as

transformações tecnológicas trouxeram significativos benefícios a humanidade, mas

ainda não foram capazes de produzir grandes transformações na escola, considerando os

métodos de ensino praticados ainda hoje.

Robinson chamou atenção para as propostas pedagógicas da atualidade que

negligenciam as habilidades das crianças e a falta de estimulo a criatividade que afloram

na mais tenra idade. Teceu severas críticas a formação docente ao privilegiar conteúdos

que jamais serão úteis para lidar com o cotidiano da vida e do futuro, de uma forma

mais prática e inventiva. Cabe salientar que essas críticas ao tradicionalismo do sistema

escolar, não vem de hoje. Para não ir muito longe, convém destacar o americano,

filósofo e professor Jonh Dewey (1859 - 1952) considerado o expoente da

aprendizagem pela experiência, que influenciou o pensamento educacional no século

XX.

Dewey, criticava severamente a imposição vertical e metódica do sistema

escolar que inibia a participação ativa dos alunos ao preestabelecer padrões rígidos de

comportamento, desproporcionais ao desenvolvimento e maturidade infantil, sem levar

em conta as características e experiências pessoais. De forma inédita e com muita

ousadia, implantou um modelo de escola, conectada com a vida prática, baseada na ação

e na aprendizagem, por meio da experiência, adaptada a vida real e não alheia a ela, já

que as transformações na sua época, também vinham ocorrendo em grande velocidade.

No Brasil, a reforma do Ensino Médio, que começou a ser delineada desde a

década de 1990 e aprovada pelo Senado Federal em fevereiro de 2017 também expressa

em linhas gerais, essa ânsia pela ruptura, na busca de um novo modelo de ensino capaz

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de atender aos desafios do novo milênio; de uma nova escola inclusiva, que não

discrimine e que amplie as ofertas formativas, de forma a motivar o estudante a

frequentá-la e aprender mais coisas além dos conteúdos prescritivos das disciplinas,

mesmo estando claro que essa escola já não existe isoladamente, e certamente, não será

por meio dela que se promoverá a transformação da sociedade, uma vez que já não é a

primeira fonte de conhecimento, às vezes, nem mesmo a principal (POZO; POSTIGO,

2000).

Nesse contexto desafiante, quando direcionamos a nossa atenção para a prática

pedagógica, observamos que a formação docente vem sendo objeto de amplo debate em

todo o mundo. Que professor formar para essa escola, frente desafios de hoje e do

futuro? As perspectivas teóricas que orientam a formação docente na atualidade,

presente nas obras de Ramalho, Nuñes e Gaulthier (2003) enfatizam que “não é possível

continuar formando especialistas de perfil estreito, limitado em suas possibilidades

profissionais atuais no qual se fragmenta e fragiliza a condição do professor como

profissional”.

Para eles, a ação pedagógica não deve se limitar apenas a sala de aula, deve

extrapolar os muros da escola, na busca de trilhas e estímulos que contribuam para que

os estudantes desenvolvam a imaginação criadora aprendendo pela experiência e de

forma transversal, conceitos sociais, econômicos, políticos e emancipatórios com o

envolvimento de outros professores, alunos, pais e a comunidade escolar. Essa

proposição também é defendida por autores como Schulman (1998), Sarramona (2007),

Perrenoud (2000), Alcoforado (2001).

Em síntese, na percepção desses autores conclui-se que a formação do

professor da escola do Século XXI deve ser repensada, e considerando a rapidez,

volatilidade e incerteza do mundo do trabalho, emerge a necessidade de incluir nos

programas de formação docente, conteúdos holísticos, transdisciplinares,

contextualizados com o presente e as perspectivas do futuro, dentre eles, os princípios

de uma educação empreendedora.

A contextualização realizada até aqui, envolvendo os dilemas que incidem

sobre a educação, o ensino e a formação docente buscou introduzir o leitor no artigo que

apresentaremos a seguir, cujo propósito é divulgar os resultados do Projeto de tese de

doutorado que buscou investigar as possíveis contribuições do empreendedorismo para

o desenvolvimento profissional docente.

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O ponto de partida surgiu das investigações relativas ao desenvolvimento do

Projeto DESPERTAR – Empreendedorismo na Escola, concebido em 2003 pelo Serviço

de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Norte (SEBRAE-RN)1, e

que vem sendo implementado até os dias de hoje através de uma exitosa parceria com o

Governo do Estado, através da Secretaria de Educação e Cultura (SEEC).

Entre os anos de 2003 a 2014 tal iniciativa já introduziu e capacitou 523

professores e 26.316 estudantes de ensino médio, na temática do empreendedorismo. O

sentido de conceber um Projeto de educação empreendedora voltado para estudantes do

Ensino Médio da rede pública, partiu do interesse mútuo e estratégico das duas

instituições: de um lado o Governo do Estado, através da Secretaria de Educação com o

desafio de reverter as altas taxas de abandono e desinteresse dos estudantes pela escola,

e o outro, o propósito do SEBRAE em privilegiar esse potencial segmento do universo

escolar, ás portas do mercado de trabalho e na maioria das vezes, sem nenhuma

perspectiva em relação ao seu futuro profissional.

Portanto, o problema central da pesquisa situa-se em torno do papel que a

educação empreendedora exerce na prática de professores do Ensino Médio de algumas

escolas públicas do Rio Grande do Norte, participantes do Projeto Despertar. Partimos

do pressuposto de que os professores, após a participação no respectivo projeto,

desenvolvem um conjunto de novos saberes que passam a ser incorporados às suas

práticas educativas. Esses novos saberes e a transposição para a prática docente e vida

pessoal, foram evidenciados pelos professores formadores em reuniões, encontros

informais, relatos de experiências em sala de aula ou descritos em relatórios, porém não

validados por meio de pesquisa científica.

Face a essas evidencias, a pesquisa buscou identificar e analisar de uma forma

mais profunda os dados, relatos e experiências de professores com o intuito de validá-

los e assim contribuir para possíveis encaminhamentos de propostas educacionais de

formação e profissionalização docente.

Na Primeira Parte desse artigo intitulado “Empreendedorismo e Educação: fins

e implicações pedagógicas”, faremos uma breve explanação sobre a inter-relação do

1 O SEBRAE, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, trabalha desde 1972 pelo desenvolvimento sustentável das empresas de pequeno porte. Para isso, a entidade promove cursos de capacitação, facilita o acesso a serviços financeiros, estimula a cooperação entre as empresas, organiza feiras e rodadas de negócios e incentiva o desenvolvimento de atividades que contribuam para a geração de emprego, renda e a disseminação da cultura empreendedora.

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empreendedorismo com a educação e o ensino, e a apresentação do Projeto Despertar.

A Segunda e última parte, intitulada “O Saber Empreendedor na prática docente”

apresenta-se o percurso metodológico adotado na pesquisa e os caminhos percorridos

para a identificação e validação dos dados.

Concluímos apresentando os resultados do estudo que se expressa através das

três macros categorias que compõe o “Saber Empreendedor Docente”, (1) Dimensão

Pessoal, (2) Dimensão Pedagógica e (3) Dimensão Sociopolítica e as suas respectivas

subcategorias. Constatou-se que o conhecimento adquirido pelos professores através

dos fundamentos do empreendedorismo, quando somados as suas experiências de sala

de aula e vivências, mobilizam uma série de elementos psicológicos de natureza afetiva

e atitudinal que se unem, compondo um conjunto de novos saberes que passam a ser

incorporados a prática pedagógica e a vida pessoal dos docentes participantes da

pesquisa.

PRIMEIRA PARTE: EMPREENDEDORISMO E EDUCAÇÃO: FINS E

IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

1.1. O ENCONTRO DO EMPREENDEDORISMO COM A EDUCAÇÃO

A inserção da educação empreendedora no ensino brasileiro é recente, assim

como as publicações e pesquisas envolvendo esse campo do conhecimento, já que a

temática só passou a ter uma maior abrangência no país a partir da década de 20002. Trata-

se, portanto, de um campo de pesquisa novo que tem crescido muito rapidamente no

mundo inteiro e desenvolvido uma forte base empírica, teórica e de aplicabilidade prática

bastante expressiva. Porém até a conclusão dessa pesquisa, ainda não haviam evidencias

cientificas que fundamentassem esse conhecimento.

Existe uma polissemia envolvendo o conceito de Empreendedorismo. Apesar de

algumas características identificadas se repetirem com frequência, a soma de todas as que

2 A maioria das pesquisas e publicações sobre empreendedorismo no Brasil e no Mundo estão relacionadas a

gestão de pequenas empresas, estudos de caso ou ao perfil do empreendedor e sua contribuição para a

economia e sociedade.

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foram levantadas até hoje é ampla, diferenciada e inconclusa. É possível sintetizar que o

conceito de empreendedorismo pressupõe mudança, inovação e realização do indivíduo

por meio de atitudes de inquietação, liderança, ousadia e pro atividade na sua relação com

o mundo (LIBERATO, 2003).

É no final da Modernidade (século XVII) que identificamos os primeiros registros

que tratam do tema “Empreendedorismo”. Coincidentemente, esse período representou (e

ainda representa) para a história da educação um importante significado, visto que foi

nesse século que o homem passou a questionar a vida e a buscar na sua própria existência

explicações sobre ela, e, na educação, a possibilidade de construção do próprio homem.

Suas experiências de vida individual, intelectual e social passaram a ser desvinculadas da

religiosidade.

Os primeiros registros sobre esse tema datam o ano de 1725, e foram descritos

pelos economistas Richard Cantillon (1680-1734) e Jean-Baptiste Say (1767-1832).

Quando aprofundamos a análise sobre as concepções de empreendedor descritas por

Cantillon e Say, encontramos um traço comum entre esses dois grandes referenciais do

empreendedorismo: ambos consideravam os empreendedores como pessoas que corriam

riscos, ou seja, aproveitavam as oportunidades na perspectiva de ganhar mais do que

investiu, porém, teriam que que ter iniciativa, criatividade e uma boa dose de coragem para

enfrentar as incertezas inerentes ao contexto empresarial.

Na segunda metade do Século XIX, na América do Norte e alguns países da

Europa, as críticas a Instituição escolar e ao seu modelo predominantemente linear de

ensino e aprendizagem intensificam-se. O mercado de trabalho e a classe empresarial

americana passam a exigir a formação de um novo profissional, com um perfil polivalente

e multiabilitado para fazer frente às demandas de um mercado cada vez mais heterogêneo,

e, por extensão, de uma escola também heterogênea, global, sujeita a uma demanda tão

diversificada quanto forem as necessidades cognitivas e comportamentais exigidas pelo

sistema produtivo.

É em meio a esse processo que se origina o “embrião” do ensino do

empreendedorismo, concebido nas faculdades americanas de administração de empresas,

mais precisamente, em 1947 na Havard Business Scholl, pelo advogado e professor dessa

renomada instituição, Myles Mace (1911 – 1988) que criou e aplicou um curso

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denominado “A Gerência de novas empresas”. Tal curso se mantém até hoje e é

considerado o alicerce de um amplo programa de gestão empresarial da Universidade.

Ao avançarmos para o ano 2000, face as novas lógicas do mercado e seus arranjos

produtivos, novamente observa-se uma significativa pressão sobre a escola e sobretudo as

Instituições de Ensino Superior, que passam a ser cada vez mais questionadas quanto ao

seu papel formativo, consequência das altas taxas de desemprego em nível mundial. Para

fazer frente a essa realidade, era preciso que os países Membros investissem em políticas e

programas voltados a reduzir o desemprego juvenil; o jovem passa a ser visto, portanto,

como personagem principal de iniciativas voltadas ao crescimento econômico.

No Brasil, tardiamente, em janeiro de 2012 as novas Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), estabeleceram que toda organização curricular

fosse fundamentada na seleção dos conhecimentos, componentes, metodologias e formas

de avaliação que privilegiassem a dimensão trabalho-ciência-tecnologia-cultura sendo esse,

um eixo integrador entre os conhecimentos de distintas naturezas, contextualizados em sua

dimensão histórica e realidade contemporânea.

Assim, o componente trabalho e os princípios do empreendedorismo passam a ser

compreendidos como novos aportes teórico-epistemológicos, ganhando destaque

especialmente no currículo do Ensino Médio, permitindo que a escola adequasse ao seu

projeto pedagógico, tempos e espaços próprios para reflexões e atividades nesse campo

ainda pouco explorado. Assim os estudantes teriam condições de conhecer as perspectivas

do mundo do trabalho e seguir itinerários formativos opcionais, diversificados, a fim de

melhor corresponder aos seus múltiplos interesses e aspirações respeitando as suas

especificidades etárias, sociais e culturais.

A partir dessa breve retrospectiva, é possível inferir que a história da educação

acompanha a história do empreendedorismo e que ambas se relacionam. Compreende-se

que há uma conformação do sistema educacional aos preceitos mercadológicos que são

históricos, contextualizados no processo de globalização econômica, de reestruturação

produtiva, mudanças na natureza do trabalho e articulada pelos vínculos integradores e

desintegradores desse processo.

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1.2. PROJETO DESPERTAR: O PONTO DE PARTIDA

A origem e concepção do Projeto Despertar insere-se dentro do contexto social,

econômico, político, cultural e tecnológico do Brasil do começo dos anos 2000,

marcadamente caracterizado por um processo de reorganização produtiva, quando o país

passa a integrar-se ao movimento mais amplo da globalização econômica que se reflete de

imediato na educação, sobretudo, no Ensino Médio e nas universidades. Coincide também

com o processo de reposicionamento institucional do Sistema SEBRAE, que dentre as

novas diretrizes estratégicas de atuação, incluiu a “Disseminação da cultura

empreendedora em todos os níveis da educação formal”.

O público jovem surge para o Sistema SEBRAE, como um grande foco e a escola

como um grande meio de fazer chegar a mensagem do empreendedorismo. Importa

ressaltar que que “O pensar do empreendedor” compreendido pelo SEBRAE alia-se ao

pensar complexo (MORIN, 2001), capaz de religar os conhecimentos dispersos e de

interagir com eles com uma nova postura, um novo olhar que realize o que ele denomina

uma aprendizagem cidadã.

Ao aproximar-se pela primeira vez da SEEC/RN ( Secretaria de Estado da

Educação e da Cultura – SEEC/RN), integrante da Administração Pública Estadual, em

2001, o SEBRAE-RN buscou unir esforços para materializar a elaboração de uma proposta

educacional adaptada à realidade do estudante do Ensino Médio da escola pública3, capaz

de motivar sua participação e gerar resultados efetivos, dentre eles, apresentar ao estudante

a atividade empreendedora como uma opção de carreira e alternativa para superar o

desemprego.

Essa decisão em aproximar-se do estudante da escola pública, além de seguir as

diretrizes estratégicas nacionais, partiu da consciência dos dirigentes do SEBRAE-RN e do

Governo do Estado de que, privilegiando esse potencial segmento do universo escolar

(porém historicamente excluído da produção de bens, serviços e conhecimento), estaria

3 No artigo “Empreendedorismo na escola púbica: despertando competências, promovendo a esperança”,o

pesquisador apresenta a experiência da implantação do Projeto DESPERTAR no âmbito das escolas públicas

de ensino médio do estado do Rio Grande do Norte. Acesso:

http://bis.sebrae.com.br/bis/conteudoPublicacao.zhtml?id=1583.

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contribuindo para o processo de desenvolvimento social e econômico do estado,

especialmente em relação à geração de emprego, renda e inclusão. Lançariam então, uma

semente multiplicadora que num curto espaço de tempo, poderia criar raízes e gerar bons

frutos. E foi o que aconteceu.

Destaca-se no Projeto Despertar, a formação dos professores, que para atuar como

multiplicadores da metodologia com os alunos, passavam por um rigoroso programa de

capacitação com uma carga horária de 64h.( sessenta e quatro horas), incluindo momentos

em sala de aula e fora dela. Nesses momentos formativos, os docentes aprofundavam

conhecimentos sobre os fundamentos do empreendedorismo e através de atividades

lúdicas, vivenciavam aspectos do comportamento empreendedor, conheciam suas histórias

de vida e mantinham contato com empreendedores locais.

Em relação a capacitação dos estudantes4, considerando a realidade da escola

pública, o programa inovou na sua forma de abordagem, estimulando a autonomia do

aluno, indo na direção contrária ao modelo clássico do professor dar aula. O método

incentivava a autonomia afastando-se da ideia da imposição5, abrindo espaço para o

diálogo e participação. As aulas desenvolviam-se através de “encontros” semanais que

ocorriam uma vez por semana, fora do horário regular em um formato completamente

diferente do que aluno estava acostumado a participar6.

Algumas pesquisas realizadas com alunos e professores ao longo do seu processo

de implantação, apontou que as estratégias didáticas contribuíram de forma significativa

para compreensão do mundo do trabalho, e para a melhoria da autoestima do aluno. De

acordo com os professores, os discentes ao participarem do Despertar tornavam-se mais

4 Outro registro da eficácia do Projeto Despertar, encontra-se no livro organizado pelo pesquisador, que trata

das experiências de ex-alunos que tornaram-se empreendedores: “ Projeto Despertar: histórias de alunos

empreendedores”

http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/E1E738ADCFF0029A8

32577D70047F602/$File/NT00045202.pdf

5 Ao reconhecer que os estudantes poderiam, ou não, se identificar com a abordagem empreendedora, partiu-

se do princípio de que a participação do aluno no Projeto Despertar jamais deveria ser “imposta” e sim

espontânea. Ou seja, a decisão de participar do Projeto deveria partir do próprio aluno. Esse é, portanto, um

dos diferenciais da metodologia, sendo uma condição para o alcance de alguns dos objetivos pedagógicos:

autonomia e capacidade de tomar decisões.

6 O método incluía jogos, dinâmicas grupais, exercícios práticos, contatos com empreendedores e pesquisas

no comercio local, além de momentos de reflexão, socialização com outros alunos de outras classes/ turnos,

promovendo a troca de experiências, o autoconhecimento motivando-o a valorizar os estudos e

consequentemente, desenvolver um projeto pessoal para a sua vida.

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proativos e motivados em sala, desenvolviam novas atitudes, dentre elas: a persistência, a

capacidade de identificar oportunidades, projetar metas planejando-se para realizá-las.

Os resultados quantitativos e qualitativos decorrentes dos 10 (dez) anos de gestão

da Metodologia pelo SEBRAE-RN repercutiram em outros estados, levando o SEBRAE

Nacional, com sede em Brasília, a nacionalizar7 a metodologia no ano de 2013, com o

intuito de disponibilizar a experiência para todas as escolas do Brasil, em parceria com

Instituições Educativas públicas e privadas. O Projeto Despertar passou por revisão e

adaptação de conteúdo para atender a todas as escolas brasileiras sendo intitulado de

“Curso Despertar”. Atualmente faz parte do Programa Nacional de Educação

Empreendedora do Sistema Sebrae (PNEE)8.

SEGUNDA PARTE: O SABER EMPREENDEDOR NA PRÁTICA DOCENTE

2.1. O PERCURSO TEÓRICO E METODOLÓGICO DA PESQUISA

O período da pesquisa situou-se entre os anos de 2003 a 2013. Para realizarmos o

estudo, optamos pela pesquisa qualitativa de natureza descritivo-compreensiva,

considerando a diversidade de aspectos empiricamente analisados pelo pesquisador e o

diálogo com os sujeitos, à luz dos elementos do contexto social, político, cultural que

envolve a educação, a escola, o aluno e a vida do professor.

Além do mais, tal investigação, oportunizou identificar dimensões categóricas

relacionadas ao fazer docente e confrontá-las com resultados de alguns estudos prévios,

relacionados a personalidade dos empreendedores, o que nos permitiu desenvolver uma

análise em profundidade do discurso escrito e oral dos professores, considerando o

7 O termo “nacionalizar” é utilizado pelo Sistema Sebrae quando a metodologia é bem avaliada em um estado

ou região, e após sucessivas análises identifica a viabilidade da metodologia ser adaptada e disponibilizada

para todas as Unidades estaduais do Sistema. O SEBRAE/NA disponibilizou a metodologia despertar para

todos os estados capacitando gestores (funcionários) e multiplicadores (consultores credenciados).

8 Presente em https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/sebraeaz/educacao-empreendedora-no-

ensino-medio,358aa15d81d36410VgnVCM2000003c74010aRCRD

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contexto em que esses estão inseridos, as subjetividades e os processos sociais mais amplos

que os envolvem.

Considerando os objetivos de nossa investigação, buscamos responder a seguinte

questão: “Qual a contribuição do Projeto Despertar para a sua vida profissional e

pessoal? ” Essa pergunta, dentre outras, feita aos professores faz parte do Relatório de

Avaliação da implantação do Projeto na Escola9. Tal Relatório consiste em um instrumento

criado pela coordenação estadual para avaliar processo de implantação da metodologia, em

um formato padronizado, sendo entregue pelos docentes ao final de cada ano de execução.

Os sujeitos da nossa pesquisa foram os professores de Ensino Médio de escolas

públicas participantes do Despertar, que elaboraram os respectivos relatórios, oriundos de

todas as regiões do estado do Rio Grande do Norte, onde haviam representações da

Secretaria Estadual de Educação, parceira do Projeto. Para a análise preliminar dos

relatórios foram estabelecidos alguns critérios: (a) contemplar relatórios de professores de

todas as regiões do estado administradas pelas 16 (dezesseis) Diretorias Regionais de

Educação (DIRED)10; (b) priorizar relatórios dos professores oriundos de regiões com o

maior número de escolas participantes; (c) priorizar relatórios de professores de escolas das

regiões mais representativas, ou seja, que se mantiveram no projeto entre os anos de 2003 e

2013, sem interrupções. Considerando os critérios adotados, selecionamos para a análise

preliminar um total de 150 (cento e cinquenta) relatórios.

Para tratar as informações levantadas, utilizamos predominantemente as técnicas

de Análise de Conteúdo (AMADO, 2014; BARDIN, 1977), e num segundo momento,

presencialmente entrevistamos alguns professores, utilizando a metodologia da Entrevista

Compreensiva (KAUFFMAN,1996; SILVA, 2002). Para sistematizar e consolidar os

dados levantados durante o estágio doutoral na Faculdade de Psicologia e de Ciências da

Educação da Universidade de Coimbra (FPCE-UC) em Portugal, contamos com o suporte

do Software MAXQDA 11, uma importante ferramenta de processamento de dados de

9 Ao longo dos 13 anos de existência do Projeto, houve pequenos ajustes no formato do relatório, alguns

deles, de caráter estético, para facilitar o relato dos professores de forma mais objetiva e subsidiar a equipe

técnica nas avaliações qualitativas desenvolvidas pelo professor.

10 DIRED são as DIRETORIAS REGIONAIS DE EDUCAÇÃO. São gerências (Unidades regionais) que

representam a Secretaria de Educação do Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Cabe a cada DIRED

coordenar e administrar as escolas bem como os programas e projetos que estão sob as suas jurisdições.

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origem alemã, que permitiu uma análise de estabilidade e consistência sobre os critérios de

classificação das informações colhidas.

Sob o ângulo da investigação científica, a utilização de técnicas diversificadas de

recolha de dados nos permitiu fazer “inter-relações”, dialogar com as percepções dos

sujeitos da pesquisa e aprofundar a análise dos trechos escritos confrontando-os com os

discursos orais dos educadores, captados através de entrevistas satisfazendo assim, os

critérios de validade da pesquisa qualitativa. Nessa perspectiva, recorremos aos

fundamentos de Mills (1986), quando elucida que é tarefa do pesquisador “juntar o que

está fazendo intelectualmente e o que está experimentando como pessoa”. Assim, aliando

suas experiências e reflexões cotidianas (trabalho intelectual e vida pessoal), o pesquisador

adota a postura de um “artesão intelectual”.

Figura 1: Fases da pesquisa – desenho da investigação. Fonte: Acervo pessoal do autor

2.1.1. Coleta e sistematização dos dados

A primeira fase consistiu em interrogar os dados colhidos a partir da primeira

leitura dos 150 relatórios, denominada de “leitura flutuante”, tendo como objetivo,

identificar as possíveis categorias e subcategorias de análise. Optamos assim, por organizar

dois conjuntos de respostas à questão principal da pesquisa “Qual a contribuição do

Projeto Despertar para a sua vida profissional e pessoal?). Pela sua amplitude, e

considerando os nossos objetivos a questão foi fragmentada em dois grandes grupos:

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a) Conjunto de Respostas 1: Contribuição do Projeto Despertar para a vida

Pessoal do Professor (DIMENSÃO PESSOAL);

b) Conjunto de Respostas 2: Contribuição do Projeto Despertar para a vida

Profissional do Professor (DIMENSÃO PEDAGÓGICA).

Ao final dessa fase chegamos ao esboço preliminar do primeiro “Mapa

Conceitual”, conforme apresentado Tabela 1:

MAPA CONCEITUAL 1

UNIDADE DE

CONTEXTO (UC)

UNIDADES DE REGISTO (UR)

TEMÁTICAS

DIMENSÃO

PESSOAL

Gostar do que faz /Valorização / Auto Estima/

Autoconfiança/Autonomia/Consciência/

Acreditar/Sonhar/Satisfação/Entusiasmo/ Ter

metas/ Tomar decisão/Iniciativa

Autoconfiança

Motivação/Realização /Gostar do que faz/

Despertar de sonhos

Ganhos pessoais

Visão de mundo /Eficiência/Atitude/Novas

perspectivas/ Novas prioridades /Novos

desafios/ Identificar oportunidades /Reciclar /

Ter entusiasmo/Ser Capaz

Autogerenciamento

DIMENSÃO

PROFISSIONAL

Descoberta/ Buscar me aprimorar/

Atualização de conhecimento/ Crescimento

profissional/Futuro /Estudar/ Aprimorar

conhecimento

Ampliação de

conhecimentos

Inovar na prática/Estimular o aluno/Mudar a

aula/Introduzir/Criar coisas novas/

(Re)planejar/ Otimizar/Dar mais atenção/

orientar estimular o aluno

Aprimoramento de

Estratégias de Ensino

Cooperação /Convivência/Ouvir o outro/

Relacionamento/Objetivo comum/Diálogo/

Contatos/Contribuição para a comunidade /Pais

/Trabalho em equipe/Família

Inter-relacionamento

e comunicação/

Responsabilidade

social

Tabela 1: Mapa Conceitual 1

Fonte: Acervo pessoal do autor

2.1.2. Segunda Fase: Análise dos dados

A segunda fase da pesquisa buscou aprofundar a análise sobre os dados coletados

na primeira fase, classificando-os para chegar a um quadro teórico referencial de forma a

aproximar e fundamentar os trechos escritos com as teorizações de alguns autores que já

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tínhamos como referência. Teríamos portanto, a sedimentação do arcabouço teórico e

metodológico da pesquisa, como recomenda Amado (2014, p. 34):

(...) as referências bibliográficas do pesquisador orientam a primeira

exploração do material em análise, mas este, por sua vez, pode contribuir

com a reformulação ou alargamento das hipóteses da problemática a

estudar.

Elegemos inicialmente, as duas referências teóricas iniciais do nosso estudo:

David McClelland (1961) e os quatro Pilares que fundamentam a educação do futuro,

apresentadas em 1996 no Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o

Século XXI (UNESCO, 2006). A opção por McClelland (1961), justifica-se por ter sido

Ele, o primeiro a elucidar o empreendedorismo sob a dimensão humana, contribuindo

significativamente para as ciências do comportamento, além de ter sido o primeiro a

discorrer sobre as Características de Comportamentos Empreendedores (CCE).

Por estarmos imersos no campo educacional e transitando por elementos do saber,

optamos como segunda referência, pelo Relatório Dellors (UNESCO, 2006), uma vez que

tal documento configura-se como um conjunto de diretrizes que norteiam as políticas

pedagógicas na atualidade, além congregar em si , elementos de uma proposta educativa

inovadora projetada para o futuro, associando-se reciprocamente, aos princípios da

educação empreendedora.

A decisão por esses dois aportes teóricos, buscou suprir uma lacuna

epistemológica, uma vez não identificamos estudos anteriores de autores que tratassem da

temática envolvendo formação docente em empreendedorismo. Por essa razão, optamos

inicialmente, por desenvolver um estudo associativo, com a perspectiva de integrar as 10

CCE de McClelland (1961) aos quatro Pilares da Educação do Século XXI da UNESCO

(2006), contribuindo a construção do segundo Mapa Conceitual apresentado na Tabela 2

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14

MAPA CONCEITUAL 2

Unidade de

Contexto

(UC)

Subcategorias

Associações Teóricas

10 CCE

(McClelland)

4 Pilares da Educação

(Dellors)

Dimensão

Pessoal

Autoconfiança INDEPENDÊNCIA E AUTOCONFIANÇA

Aprender a Ser

Ganhos pessoais PERSISTÊNCIA

Autogerenciamento ESTABELECIMENTO DE METAS

CORRER RISCOS CALCULADOS

Dimensão

Pedagógica

Ampliação de

conhecimentos

BUSCA DE INFORMAÇÃO

Aprender a conhecer BUSCA DE OPORTUNIDADE E

INICIATIVA

Aprimoramento de

Estratégias de Ensino PLANEJAMENTO E MONITORAMENTO

SISTEMATICOS

Aprender a fazer EXIGÊNCIA DE QUALIDADE E

EFICIÊNCIA

Inter-relacionamento

e comunicação

COMPROMETIMENTO

Aprender a conviver PERSUASÃO E REDE DE CONTATOS

Tabela 2: Mapa Conceitual 2

Fonte: Acervo pessoal do autor

Concluído o segundo Mapa Conceitual, seguindo as orientações da técnica da

análise de conteúdo, partimos para o refinamento da análise dos dados, que de acordo com

Amado (2014) é compreendido como um “desvendar de sentidos que dá lugar a outros

sentidos (interpretativos)”. Já Bardin (1977), define esse momento como um

aprimoramento do processo de seleção e análise, recomendando que:

(...) quando temos uma grande quantidade de dados, aconselha-se que se

prossiga o trabalho apenas sobre uma amostra representativa dos

documentos, até se chegar a um sistema de categorias que pareça

satisfatório (BARDIN, 1977, p. 318).

Seguindo essas recomendações, objetivando refinar a análise do conjunto de 150

relatórios que já tínhamos garimpado, selecionamos uma amostra menor, porém

representativa que nos permitiu desenvolver um estudo mais profundo dos trechos.

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15

Chegamos então, a um conjunto de 20 (vinte) relatórios. À medida que líamos as respostas

dos professores sobre as duas questões norteadoras, grifávamos os trechos mais

significativos e refletindo sobre cada um, recortávamos e transferíamos para uma Planilha

de sistematização. Essa fase foi concluída com a concepção do terceiro Mapa Conceitual

(Tabela 3) o qual, foi aperfeiçoado com a inclusão de novas de subcategorias e temáticas:

MAPA CONCEITUAL 3

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS TEMÁTICAS

DIMENSÃO

PESSOAL

CONFIANÇA PESSOAL

Motivação, valorização pessoal e melhoria da autoestima.

Autoconfiança /Acreditar em si.

DEFINIÇÃO DE METAS/SUPERAÇÃO DE DESAFIOS Projeção de metas (objetivos) para si e futuro.

Superação de medos /desafios.

DESCOBERTA DE OPORTUNIDADES Identificação de novas perspectivas além do trabalho

docente.

REALIZAÇÃO PESSOAL Sentimentos de satisfação, entusiasmo e realização.

Conscientização da sua capacidade.

DIMENSÃO

PEDAGÓGICA

INOVAÇÃO E APRIMORAMENTO DA PRÁTICA DE

ENSINO

Inclusão de novas estratégias didáticas.

QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL Valorização do aperfeiçoamento contínuo/ reflexão sobre

a sua profissão.

Busca de novos conhecimentos

TRABALHO EM EQUIPE Valorização da cooperação com outros professores da

escola.

VALORIZAÇÃO DO ALUNO Valorizar do contato mais próximo com o aluno.

Valorização das capacidades individuais dos alunos.

VALORIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO Aplicação do planejamento ao seu dia a dia como

professor

Valorização do “tempo”, na realização de atividades.

CONTRIBUIÇÃO PARA A SOCIEDADE Consciência crítica do seu papel para a transformação da

sociedade

Posicionamento sobre os problemas da sociedade.

RELACIONAMENTO FAMILIAR E COMUNITÁRIO Aplicação de princípios empreendedores na relação

familiar/comunitária.

Tabela 3: Mapa Conceitual 3

Fonte: Acervo pessoal do autor

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16

A partir de reflexões sobre o mapa acima, e outros aspectos conceituais,

percebemos a necessidade de complementar o estudo. Optamos por “dar voz” aos sujeitos

da pesquisa. Ou seja, foi preciso voltar a campo, ir ao encontro dos docentes que

escreveram os registros, para ouvi-los e a partir desse contato pessoal, novamente refletir

sobre os dados coletados, esclarecer dúvidas e finalmente caminhar na direção da

interpretação e escrita da tese. Para subsidiar essa etapa, utilizamos alguns elementos da

metodologia da Entrevista Compreensiva.

2.1.2.1. A Entrevista Compreensiva

A metodologia da Entrevista Compreensiva (KAUFMANN, 1996; SILVA, 2002,

p. 4), se organiza por meio da palavra, ou seja, “toma-se a palavra na sua oralidade

através de entrevistas, com o objetivo de interpretar os sentidos, os valores explicitados

pelos sujeitos”. Considerando os seus fundamentos, a ida a campo não seguiu o modelo

clássico de interrogatório, tampouco permitiu a rigidez do relatório ou questionário.

Engajamo-nos na investigação para provocar a participação ativa dos sujeitos através de

entrevistas semidiretivas.

Essa etapa de “escuta” nos fez refletir novamente sobre cada uma das categorias e

subcategorias identificadas nos mapas conceituais, voltar a alguns trechos dos relatórios,

para confirmar o que havia sido escrito, complementando assim as informações. Essa fase

foi a mais demorada, porém muito rica para o nosso estudo, uma vez que contribuiu para

analisar aspectos relacionados à vida profissional do professor que se misturava

naturalmente, com os aspectos da vida pessoal (ou vice versa), nos permitindo adentrar

um pouco mais no sistema de valores dos docentes e conhecer os dilemas do dia a dia.

Essas singularidades nos fizeram compreender que as questões pessoais e profissionais se

complementavam, confirmando o que identificamos nos relatórios escritos.

Concluímos as entrevistas com algumas constatações, dentre elas a de que os

fundamentos do empreendedorismo de fato, mobilizam aspectos emocionais, como a

autoestima, a consciência crítica e a iniciativa decorrente dos momentos reflexivos e

práticos vivenciados pelos professores. Esta fase também ampliou a nossa compreensão

sobre o objeto de estudo contribuindo para a interpretação e escrita final da Tese.

Page 17: Dr. Antonio Carlos Teixeira Liberato Universidade Federal ...

17

2.1.3. Terceira Fase: Revisão e validação dos dados

A terceira fase da pesquisa ocorreu entre março e julho de 2015, durante o estágio

doutoral do pesquisador na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da

Universidade de Coimbra (FPCE-UC) em Portugal, sob a coorientação do Professor

Doutor Joaquim Luis de Medeiros Alcoforado, que contribuiu de forma significativa para

a revisão e o desvelar novas perspectivas sobre o objeto de estudo. Este tempo de imersão

do pesquisador na FPCE-UC, além de enriquecer o estudo, oportunizou encontros com

outros professores, pesquisadores e especialistas, promovendo trocas de conhecimento, o

que fez com que a tese ganhasse novos rumos.

As categorias e subcategorias identificadas na primeira e segunda fase da

pesquisa, passaram por uma nova revisão e a partir de algumas reflexões, procedeu-se a

outra averiguação dos dados, tendo em vista o recorte teórico do empreendedorismo com

a psicologia da aprendizagem e do comportamento, oportunizando o estudo de novas

teorizações de autores desses dois campos do conhecimento, desconhecido pelo

pesquisador. A revisão teórica, oportunizou um novo reenquadramento e algumas

inferências sobre os dados coletados dentre elas, a inclusão de uma nova categoria, a

“Dimensão Sociopolítica” e atrelada a ela, duas subcategorias.

Concluímos esta terceira e última fase da pesquisa com a definição do quadro

referencial que expressa a composição do “Saber Empreendedor Docente”, organizado

em três macro categorias, sendo elas: (1) Dimensão Pessoal; (2) Dimensão Pedagógica e

(3) Dimensão Sociopolítica. Associadas as respectivas categorias, agregaram-se um total

11 (onze) subcategorias, conforme representação da figura abaixo.

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SISTEMA DE CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS

CATEGORIAS

DIMENSÃO PESSOAL DIMENSÃO PEDAGÓGICA DIMENSÃO

SOCIOPOLÍTICA

SUBCATEGORIAS

Confiança Pessoal Inovação e aprimoramento

da prática de ensino

Contribuição para a

sociedade

Definição de Metas e

Superação de Desafios

Qualificação Profissional Relacionamento

familiar e

Comunitário

Descoberta de

Oportunidades

Trabalho em Equipe

Realização Pessoal Valorização do Aluno

Valorização do

Planejamento

Figura 2: Sistema de Categorias e Subcategorias.

Fonte: Acervo pessoal do autor

No próximo item apresentaremos os resultados da pesquisa através das categorias

e subcategorias expressas no quadro acima. Assim como na escrita da tese, para

caracterizar cada categoria/subcategoria, incluímos neste artigo, alguns trechos dos

relatórios escritos pelos professores, os quais dialogam com as percepções do pesquisador

e as teorizações de autores da área da educação, do empreendedorismo e da psicologia da

aprendizagem e do comportamento.

3. ANÁLISE DOS RESULTADOS

3.1. DIMENSÃO PESSOAL DO SABER EMPREENDEDOR DOCENTE

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19

A Dimensão Pessoal do saber empreendedor docente, apesar de estar diretamente

relacionada às experiências de vida dos professores, difere das “características sincréticas”

enunciadas por Tardif (2014), uma vez que estão ligadas a instrumentalidade (ou ao “saber

fazer”). A partir do aprofundamento teórico no campo da psicologia da aprendizagem e do

comportamento, identificamos que os aspectos da Dimensão Pessoal, estavam associados a

fatores da personalidade (ou afetivo emocionais), nos aproximando dos estudos empíricos

sobre o desenvolvimento epistemológico na vida adulta.

A análise dos dados coletados por meio da leitura dos relatórios e das entrevistas,

evidenciou a existência de quatro subcategorias que definem a Dimensão Pessoal do

Saber Empreendedor Docente: (1) confiança pessoal; (2) definição de metas e superação

de desafios; (3) descoberta de oportunidades e (4) realização pessoal.

Gráfico 1: Dimensão pessoal/subcategorias.

Fonte: Acervo pessoal do autor

3.1.1. Confiança Pessoal

A subcategoria “Confiança Pessoal” (33%) sobressaiu-se como a mais expressiva

das subcategorias do grupo Dimensão Pessoal. Veremos a diante, que ela também

associa-se a algumas subcategorias das Dimensões Pedagógica e Sociopolítica. Tal

subcategoria recebeu essa denominação por expressar a capacidade do docente “de saber-

Page 20: Dr. Antonio Carlos Teixeira Liberato Universidade Federal ...

20

se capaz”, ou “acreditar em si”. Essa consciência de sentirem-se capazes e seguros em

tarefas ou atividades que lhes conferem um significado, envolve elementos psicológicos

de natureza afetivo-emocional, como a autoestima (ROSEMBERG, 1965; LOVELL,

1979) e autoconfiança (BANDURA,1997; ROGERS, 2001), sendo consideradas

elemento chave do agir empreendedor.

Através dos conteúdos analisados foi possível observar uma relação associativa

que os professores fazem entre autoestima e autoconfiança (ou auto eficácia)

aproximando-se de alguns elementos da aprendizagem sócio cognitiva, preconizada por

Bandura (1986, 1997). Para esse autor, quando mais forte for a crença do sujeito nas suas

competências pessoais, maior será a sua iniciativa para controlar o que fazem e o que lhes

acontecem. Por conseguinte, essa conscientização, oportuniza o desenvolvimento da

persistência e da resiliência perante as adversidades, como veremos em alguns trechos

que serão apresentados a seguir:

CC11: “Passei a me conhecer melhor e a valorizar o potencial que tenho, que muitas

vezes fica encoberto por pensamentos negativos, como: ‘não posso, não sou capaz’ e nos

conhecendo, passamos a nos valorizar mais”; MJ10: “Passamos a não nos permitir ser

pessoas passivas; aprendemos a acreditar em nosso potencial. Passamos a nos comportar de

forma mais aberta ao novo sempre dispostos a aprendermos e empreendermos”; CPA13:

“Foi provocado em mim a consciência de que é preciso ousar e acreditar em mim e nas

outras pessoas”; GUEC1 “Melhorei minha autoestima. Me sinto uma pessoa melhor, mais

criativa, mais organizada”.

Associando os registros escritos e depoimentos presenciais dos professores com as

teorizações dos autores supracitados, percebeu-se que os fundamentos da educação

empreendedora contribuem para que o docente desenvolva uma visão crítica dos aspectos

pessoais e profissionais que envolvem a sua vida, tornando-os mais autoconfiantes. Ou

seja, passam a ter consciência das suas limitações, e acreditar nas suas competências

pessoais e profissionais.

3.1.2. Definição de metas e superação de desafios

Candy (1991) e outros estudiosos da psicologia da aprendizagem, dentre eles

Carré (2000), Oddi (1986) consideram que os aspectos motivacionais como, a autonomia

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21

e a persistência, têm estreita relação com a formulação de metas ou objetivos pessoais.

Estes aspectos estão presentes na maioria dos sujeitos que alcançam um estágio de

maturidade vivencial na fase adulta, ou quando detém uma base sólida de conhecimentos

e experiências, que lhes proporcionam segurança para prospectar uma meta, julgá-la e

persistir no seu alcance.

Nos afiliamos aos estudos empíricos de Candy (1991, p. 108) por estarem mais

relacionadas a análise da subcategoria “Definição de metas e superação de desafios”. Para

esse autor a autonomia é, portanto, a capacidade do sujeito para formular metas,

independente de pressões exercidas, manifestar a liberdade de escolha, quer em

pensamento, quer em atitudes e exercer sua capacidade de reflexão, sem a necessidade de

depender de aprovações externas, evidenciando então a autoconfiança perante desafios.

Tal pressuposto pelo angulo da pedagogia crítica, associa-se as teorizações de Rosseau

(1973), Dewey (1859-1952) e Paulo Freire (1983) ao enunciaram que a autonomia está

relacionada a experiência e a liberdade.

A análise dos relatos escritos e as entrevistas individuais com os docentes nos

levaram a inferir que assim como nos alunos, a apropriação e a vivência dos princípios do

empreendedorismo desencadeiam no professor um processo reflexivo, conferindo-lhes

autonomia e iniciativa para estabelecer metas, incorporá-las no seu dia a dia, pensar no

futuro e prever possíveis resultados, motivando-os a perseverar no enfrentamento de

desafios decorrentes da sua implementação.

A seguir concluímos apresentando os registros escritos pelos professores que

vieram a caracterizar essa subcategoria: CPA- 15-“Estabeleci novas metas e prioridades

para minha vida”; JBB -6: “Mudei certas atitudes, passei a estabelecer metas e buscar

novos desafios, mostrando para mim mesma que tudo era possível, dependendo da minha

persistência, inovação e criatividade”; JC-7: “Incorporei alguns hábitos (...), traçar

estratégias para alcançar objetivos pessoais e familiares. Aprendi a estabelecer

prioridades”.

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22

3.1.3. Descoberta de oportunidades

Ao profundar o nosso entendimento sobre “identificação de oportunidades”,

componente que envolve o comportamento empreendedor, tendo como referência os

estudos de Shumpeter (1997), Fillion (1999) e Dornellas (2008), buscamos fazer um

recorte com as pesquisas de outros autores do campo da psicologia da aprendizagem que

também discorreram sobre essa temática, dentre eles Baron (2006), Gaglio e Katz (2001)

e Shane (2000).

Através da análise dos depoimentos apresentados a seguir, percebemos que alguns

professores identificaram oportunidades na região onde vivem e até na capital do RN. Foi

possível compreender que os docentes se sentiram estimulados a ingressar em atividades

no âmbito técnico educacional e de gestão, consideradas por eles, bem diferentes do dia a

dia de uma sala de aula. Num outro grupo, professores identificaram oportunidades em

áreas diferentes da sua atuação profissional

JC-8: “Passei a ser mais aberto às mudanças e encarar os desafios, como prova

disso, atualmente estou ministrando cursos de orientação profissional numa instituição

de educação da minha região (...)”; AFS-14: “Busquei novos desafios. Um deles foi me

informar sobre o mundo do empreendedorismo para ser palestrante (passei a ser

convidado a dar várias palestras sobre empreendedorismo na região); BCS-8: “(...),

agora sonho em construir o meu estúdio fotográfico para realizar mais um sonho que

pretendo tirar logo do papel e tornar realidade”.

Os depoimentos apresentados nos levaram a compreender que a apropriação de

conhecimentos e o exercício de vivências e práticas sobre a identificação de

oportunidades, contribuíram para que os docentes refletissem e identificassem algo

significativo para si, capaz de satisfazê-los enquanto pessoas. Um aspecto importante é

que a temática “identificação de oportunidades”, enquanto aporte teórico e vivencial

instigou os professores a refletirem sobre suas vocações e tomarem iniciativa para

ingressar em atividades que os realizem, ou que podem suprir algumas necessidades

pessoais ou financeiras, além de configurar-se como elemento inovador, dinâmico de

aprendizado que poderia ser mais explorado em sala de aula, junto aos alunos.

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23

3.1.4. Satisfação e realização Pessoal

Na tentativa de conceituar a subcategoria “Realização Pessoal” identificamos nos

relatos dos professores uma associação com as teorizações de três grandes autores que

abordam a motivação humana, os quais elegemos como referências para esse estudo,

sendo eles: David McClelland (1961), Abraham Maslow (1945), Deci & Ryan (2000).

Em síntese, os autores corroboram que a formulação e a consequente realização de

determinados objetivos de vida, proporciona uma satisfação relativamente direta das

necessidades básicas, potencializando níveis de bem-estar (satisfação, realização pessoal,

felicidade, prazer). A aproximação com esses pressupostos, foram identificados nos

depoimentos a seguir:

SF-11 “Com o Projeto DESPERTAR aprendi a ser uma profissional realizada e

feliz”; BCS-7 “Despertou em mim sonhos que até agora só me dão satisfação e prazer em

minha vida (...) se você tiver Planejamento, Persistência e Paciência tudo se torna

maravilhoso na sua vida”. Outros depoimentos expressaram sentimentos de motivação e

conscientização da importância do seu papel enquanto educador, JGM-4: “Hoje sou

professor, gosto do que faço, e sou um empreendedor”; JC-5: “(...) sinto que estou sendo

mais educador, e isso me faz um profissional melhor”; SF-3: “(...) Aprendi a ser uma

empreendedora na profissão que escolhi”.

Através da análise dos trechos acima, é possível afirmar que a concretização de

objetivos ou tarefas significativas desencadeia nos professores sentimentos de satisfação

consigo mesmo e o consequente bem-estar. Esse conjunto de variáveis emocionais tem

uma relação direta com os postulados dos autores pesquisados, especialmente na

abordagem da teoria das necessidades e objetivos (Deci & Ryan, 2000), o que nos levou

novamente a inferir que o conhecimento em empreendedorismo adquirido pelos

professores somados aos resultados positivos que eles vivenciaram com os alunos,

desencadeiam sentimentos de satisfação com a contribuição para com eles.

3.2. A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DO SABER EMPREENDEDOR DOCENTE

A categoria Dimensão Pedagógica do saber empreendedor docente, a qual

apresentamos em seguida, está fortemente associada as atividades cotidianas do professor

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caracterizadas por fatores de natureza técnica, envolvendo a sua profissionalidade (saber

fazer), como também aos aspectos atitudinais (saber conviver), ambas desenvolvidas ao

longo das suas experiências e na carreira. Também identificamos o transversalizar de

alguns aspectos da personalidade, já evidenciadas na Dimensão Pessoal, dentre elas, a

conscientização e a reflexão crítica, conceitos operativos subjacentes à transformação de

perspectivas distintivamente evidenciadas na fase adulta (MEZIROW, 1991).

O gráfico a seguir apresenta o conjunto das subcategorias dessa dimensão, onde

destaca-se a subcategoria “Inovação e aprimoramento da Prática de Ensino” (27,9%). Em

segundo lugar, “Qualificação Profissional” (24,6%) em terceiro, “Valorização do Aluno”

(21,3%), em quarto lugar, “Trabalho em Equipe” (16,4%) e em quinto, “Valorização do

Planejamento”(9,8%). A seguir apresentaremos uma síntese de cada uma das subcategorias

da Dimensão Pedagógica.

Gráfico 2: Dimensão pedagógica/subcategorias.

Fonte: Acervo pessoal do autor.

3.2.1. Inovação e aprimoramento da prática pedagógica

No Brasil, a temática da inovação no campo educacional ainda é recente.

Começou a ser debatida com mais relevância a partir da década de 2000, sendo poucas as

iniciativas de inovação exitosas, que se tem registro. Porém, o Governo brasileiro, através

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25

do Ministério da Educação vem se mostrando sensível em incentivar o desenvolvimento

desses processos nas escolas11.

A partir dos depoimentos analisados e entrevistas, observamos que os professores

evidenciaram de forma muito enfática a inovação. Nas entrelinhas dos trechos escritos e

entrevistas, compreendemos que a inovação passa a ser encarada como um componente

motivacional, revelando-se como o “algo novo”, que vem inserir-se no seu dia a dia,

motivando-os a novas ideias e inclusão de novas estratégias didáticas, na aplicação das

suas disciplinas, como evidencia-se nos depoimentos a seguir.

CPA-1: “As novas metodologias e estratégias utilizadas durante a formação dos

professores e a sua aplicação na sala de aula, mexeram comigo (...) ajudaram a mudar a

minha prática e me fizeram aprimorar ainda mais a forma de trabalhar”; JC-2:

“Agregou muito a minha prática de sala de aula, hoje eu me comporto muito mais como

membro da equipe, e não como o professor. ” MJ-4: “Mudei inclusive a metodologia

usada nas aulas regulares, de modo a torná-las mais atraentes, o que rendeu bons

resultados”.

De acordo com Gimeno e Fernández (1988) nenhuma inovação se faz sem a

intervenção do professor. O docente é o agente da inovação e é quem decide em última

instancia, o que vai acontecer na sala de aula, tomando decisões cruciais em relação “ao

quê” e “como” será ensinado. Pelo que verificamos nos depoimentos, e nos associando às

teorizações desse autor, fica claro que é a partir do que o professor aprende e vivencia,

que deliberadamente, desperta para a iniciativa em implementar uma inovação.

Ou seja, a decisão em promover e inovar não partiu de diretrizes impostas por

uma norma, mas através de um processo de conscientização individual; foi uma decisão

naturalmente assumida pelos professores, o que vem a reforçar a nossa tese de que o

conhecimento adquirido pelos docentes na formação em empreendedorismo e o que eles

vivenciaram em sala de aula (e fora dela) estimula a criatividade, a imaginação, assim

11 Destacamos o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI) lançado em outubro de 2011, através da

portaria nº 971. O PROEMI foi criado com o intuito de provocar o debate e o fomento de propostas

curriculares inovadoras nas escolas de Ensino Médio, disponibilizando apoio técnico e financeiro consoante à

disseminação de um currículo dinâmico, flexível e compatível com as exigências da sociedade

contemporânea. Através dos eixos constituintes do Ensino Médio (trabalho, ciência, tecnologia e a cultura)

procura-se, articular disciplinas com outras atividades integradoras visando estimular a cultura da inovação

no ambiente escolar.

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como, o repensar as suas práticas atuais, e consequente, a decisão de agregar coisas

novas.

Essa percepção vai de encontro ao que Marcelo (1999, p. 51), enunciou “é na

medida que o professor procede a adaptação e (re)construção curricular e o que isso

supõe de capacidade investigativa, analítica, reflexiva e deliberativa, que reside o caráter

da inovação”.

3.2.2. Qualificação Profissional

Ao nos aprofundamos nas teorizações de autores que pesquisam sobre

desenvolvimento profissional docente em “cursos de formação”, foi possível compreender

através dos estudos de Bell (1991) e Marcelo (1999), que essa modalidade de formação,

contribui para que os professores adquiriram novos conhecimentos em menos tempo e com

mais recursos, oportunizando reflexões sobre a prática profissional. Tal abordagem

associa-se ao que identificamos nos relatos analisados, onde observou-se que os docentes

passam a refletir sobre a importância da qualificação contínua. Apresentamos a seguir,

alguns trechos para caracterizar essa subcategoria.

MGC-EC: “Reforçou em mim a percepção da educação como um desafio

constante. Que eu preciso estar me atualizando, me capacitando para lidar com os

desafios constantes e mutantes que é a realidade da sala de aula”; RR-EC: “Deu vontade

de aprender mais, de buscar mais conhecimentos. Percebi que o conhecimento é a base”;

JC-1: “Me oportunizou adquirir novos conhecimentos, para poder atuar com outras

disciplinas diferentes da minha formação acadêmica”.

Fica claro pelos exemplos apresentados que os professores passam a valorizar a

qualificação e a (re)significá-la, despertando para o fato de que a qualificação é necessária

ao domínio de novas competências frente aos desafios do seu trabalho, especialmente no

contexto de transformações onde o conhecimento passa a ser considerado fator vital para o

crescimento pessoal e profissional.

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3.2.3. Valorização do Aluno

Para Tardif (2014), as inter-relações entre professores e alunos envolve múltiplos

fatores de natureza afetiva e não afetiva. Para esse autor, não existe uma relação típica,

uniforme e universal, muito pelo contrário, os processos interacionais variam de um

professor para outro e depende de múltiplos fatores: idade, nacionalidade e sexo do

professor e do aluno, remuneração, condições de trabalho, número de alunos em sala, etc.

Tudo isso influencia a convivência e a comunicação entre eles.

A partir de alguns trechos analisados, identificamos que os professores se dão

conta da importância do seu real papel enquanto educadores, compreendendo a

necessidade de se aproximar mais dos alunos, com o intuito de estimular o diálogo e

valorizar as suas capacidades individuais com vistas ao desenvolvimento da aprendizagem.

CC-3: “Passei a me preocupar em ajudar os alunos a crescerem e terem

resultados positivos. Minha responsabilidade aumentou”; JC-3: “Aprendi a dar condições

para que os discentes expressem seus pontos de vista, estimulando-os a refletirem sobre os

seus atos, colocações e argumentações, como também, promovo o debate para que eles

possam rever o que julgarem está errado, ou terem segurança para defenderem o que

acreditam”; MJ-2: “Passei a compreender a importância de orientar os alunos a traçar metas

e se envolverem com o que estavam estudando, com o projeto e assim me realizar com os

resultados”; RC-6: “Quanto aos alunos, instiguei-os a reconhecer seus talentos e

potencializá-los, compreender que os desafios existem para serem superados e que a

autonomia permite materializar nossos sonhos”.

Associando os depoimentos acima com as teorizações de autores que tratam da

interação professor/aluno, como Perrenoud (2000), Lessard e Lahaye (1991) e Marcelo

(1999) foi possível inferir que os professores têm consciência de que o diálogo e a

interação presencial, são fundamentais para estimular a contextualização e a comunicação

tão necessárias a aprendizagem. Entretanto, a sobrecarga da agenda e as condições de

trabalho na escola desfavorecem essa relação. Como explica Tardif (2014),

compreendemos que não se pode responsabilizar totalmente os professores por essa lacuna,

uma vez que a natureza da ação docente, também reflexo do atual modelo de organização

escolar vigente e das condições de trabalho sob a qual estão submetidos.

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3.2.4. Trabalho em equipe

De acordo com Hargreaves (1999), a docência é uma profissão que se exerce

segundo um padrão de trabalho baseado numa cultura profissional individualista e isolada,

o que contribui para manter intacto o patrimônio da pedagogia transmissiva, favorecendo o

trabalho solitário do professor, sem a partilha do diálogo com os pares, sem o apoio

sustentado de um trabalho cooperativo e muitas vezes, sem abertura para apoio externo,

impedindo-o de vislumbrar modos alternativos de ensinar.

De acordo com os depoimentos analisados e quando ouvimos pessoalmente os

professores selecionados, foi possível compreender que as relações sociais (ou de

colaboração) entre os docentes não são muito comuns, e em alguns casos, conflituosas. De

forma bastante evidente, por meio de expressões como “ouvir o outro”, os docentes

destacaram a importância e a necessidade de uma maior interação com outros professores e

as consequências dessa lacuna.

EV-5: “Amadureci no exercício de ouvir e estimular o outro (...) Só cresci, com

resiliência e sempre ouvindo o outro”; JBB-3: “Contribuiu intensamente para a minha

convivência com os colegas no trabalho pedagógico”; FMA-1: “Comecei a mudar a

minha postura como docente, passei a ter mais calma, ser mais paciente, num sentindo de

procurar entender mais o lado do outro; MMJ-4: “Graças aos conhecimentos da

educação empreendedora que adquiri, tenho feito um bom trabalho aqui. Me ajudou a

realizar o trabalho de coordenação pedagógica, aprendi a gerenciar equipes, lidar com

conflitos próprios da educação e da rotina escolar”.

A partir dos relatos expressos pelos professores, ficou evidente que eles atribuem

significado ao trabalho colaborativo e que a aplicação das atividades da metodologia de

educação empreendedora, envolvendo o trabalho em equipe, contribuíram para que

refletissem sobre a importância dessa prática na escola. Sendo, para Eles , o trabalho em

equipe, capaz de favorecer um clima de apoio mútuo, necessário a mudança organizacional

e até mesmo na busca de soluções para problemas comuns.

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3.2.5. Valorização do Planejamento

De acordo com Moretto (2007), Paro (1999) e Luckesi (2007), Menegolla &

Sant’Anna (2001) o planejamento ainda é compreendido como uma atividade reguladora,

meramente burocrática e teórica, gerando uma série de incompreensões e resistências por

parte dos docentes. Observamos nos depoimentos dos professores que o ato de planejar

passou a ser valorizado e (re)significado: CGU-EF: “Passei a administrar melhor a aula,

meu tempo, meu cronograma, o meu projeto”. RRF-EC: “Passei a planejar as ideias que

eu tinha e estavam desorganizas (...)Então passei a me estruturar melhor para aplicação

das minhas ideias para os alunos, como também para a minha vida. Aprendi a dar

prioridades”.

Os professores também evidenciaram os benefícios que as vivencias relacionadas

ao planejamento durante a aplicação da metodologia, trouxeram para si, como também

para os alunos, CPA-5: “Reforçou em mim a necessidade da administração do tempo, e de

ter a visão de futuro”. MJ-2: “Não me detenho em apenas estudar os conteúdos

relacionados a cadeira que exerço, eu oriento os alunos a planejarem o seu futuro, a

estabelecerem objetivos, traçarem metas, a racionalizarem o seu tempo e eleger

prioridades”. JC-3: “Elaborar Planos de Aula ganhou outro sentido porque cada

conteúdo precisava ser atraente ao ponto de contagiar cada aluno. Claro que cronometrar

atividades foi complicado, mas eu estudava cada aluno e sabia que aquele tempo era o

suficiente”.

A partir da análise dos depoimentos, correlacionando-os com as teorizações dos

autores que tratam da temática do planejamento, foi possível inferir que, apesar do

planejamento fazer parte da formação inicial, sendo uma premissa para qualquer ação

docente, os sujeitos desse estudo não reconheciam, de forma mais profunda, o sentido e os

benefícios do ato de planejar para o seu dia a dia. Constatamos que o planejamento era

compreendido por eles de forma superficial, sem a noção da sua dimensão enquanto parte

do processo de ensino aprendizagem. Ao participarem do Projeto Despertar, os docentes

adquirem uma visão mais holística do planejamento, passando a atribuir um significado

instrumental, didático como também sistêmico que os levam a refletir sobre o modo de dar

aula, e sobre a própria vida.

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3.3. A DIMENSÃO SÓCIO POLÍTICA DO SABER EMPREENDEDOR DOCENTE

A nossa formação social e educacional molda a personalidade e influencia o modo

como tomamos decisões, nos relacionamos com os outros e interpretamos o mundo a nossa

volta. Quando analisamos as diversas obras e pesquisas que tratam do comportamento

empreendedor, observamos que a ação empreendedora tem uma profunda relação com o

ambiente em que o indivíduo vive, articulado com o seu sistema de crenças e valores.

É através da congruência desses elementos-chave (contexto social/grupal e

personalidade) que o empreendedor reflete, processa as suas ideias e toma a decisões para

concretizar a ação, que deixa de ser em princípio individual, e passa a ser coletiva, uma vez

que, para torná-la realidade, faz conexões com o contexto em que vive e convive. Essa

dinâmica proativa e questionadora com o outro e com mundo, estimula o empreendedor a

edificar o seu novo projeto e encontrar a ambiência que necessita para consolidar-se ou

recriar-se.

Tecemos essa síntese do processo empreendedor, associando-o aos princípios do

pensamento de Freireano para apresentar o viés emancipatório e transformador que

caracteriza a terceira categoria do Saber Empreendedor Docente - a “Dimensão Sócio

Política” -, e suas duas subcategorias (1) “Contribuição para a Sociedade” e (2)

“Relacionamento Familiar e Comunitário”, como está expresso no gráfico a seguir.

Gráfico 3: Dimensão sócio política /subcategorias.

Fonte: Acervo pessoal do autor

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3.3.1. Contribuição para a sociedade

De acordo com Gadotti (1985), embora a escola não seja a única responsável pela

transformação da sociedade, é a partir dela que pode-se desenvolver uma nova consciência

permitindo a construção de uma nova ordem social; Apesar da escola não ser a única

alavanca da transformação, essa transição não se concretizará sem ela (GADOTTI, 1985,

p. 73). Tal abordagem é aprofundada e sintetizada por Freire (2000), quando afirma que “a

educação é sempre política, não é neutra”. Logo, as escolas, assim como o professor, não

devem ficar alheios às transformações, tensões e conflitos em que se inserem.

Sobre esse prisma, observou-se nos trechos dos relatos escritos e orais que os

professores assumem, mesmo sem ter total consciência, o papel de líderes e que enquanto

educadores, sua ação perpassa os muros da escola, ou seja, vai muito mais além da

formação individual do estudante.

IOB-9: “passamos a nos conscientizar da aquisição mais ampla da

responsabilidade individual e coletiva, para com o planeta e a sociedade. (...) passamos a

ser agentes de mudanças na sociedade, pois notamos claramente que enquanto indivíduos

pertencentes a um meio, somos responsáveis por ele e temos o dever de buscar soluções

inovadoras para os problemas sociais sem relegá-los apenas para os setores públicos e/ou

privados”; AFS-1: “A partir do momento que vestimos a camisa da educação

empreendedora passamos a acreditar no nosso poder de transformação”; MGC-2: Hoje

tenho mais discernimento, determinação do que faço e da contribuição que deixo para a

sociedade; FMA-7: “À medida que meu aluno cresce, cresço juntamente com ele; AFS-

10: “Conscientizei-me enquanto professor, do meu importante papel na comunidade

escolar”;

Os aspectos da conscientização do seu papel social, expresso pelos docentes, nos

trechos acima, permite inferir que a educação empreendedora contribui para desenvolver

(não só nos alunos), mas sobretudo nos docentes, a compreensão e a adaptação á sua

prática, dos princípios da liderança, da negociação, da colaboração e da democracia.

Implica em dizer que, o corpus de conhecimentos experiências adquiridas, oportuniza o

docente a sair de uma zona de conforto (professor mero transmissor de conteúdos), para o

professor organizador do conhecimento, na direção de uma educação problematizadora,

que respeita a natureza peculiar e a visão de mundo de cada sujeito.

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3.3.2. Relacionamento familiar e comunitário

Na busca de aportes teóricos que respaldassem dos impactos do

empreendedorismo junto aos grupos sociais, encontramos nas teorizações de Dolabela

(2003) e na pesquisa de Brito e Silva (2010), alguns elementos que, quando confrontados

com os depoimentos dos professores, contribuíram para validar os nossos pressupostos

sobre subcategoria Relacionamento familiar e comunitário.

Para Dolabela (2003), o empreendedorismo é um fenômeno cultural, que se

associa aos valores da comunidade, à sua visão de mundo, envolvendo ações dominadas

por emoções, valores, necessidades, hábitos e sonhos coletivos do grupo social em que o

empreendedor convive, dentre eles, a família e o seu círculo social. Na pesquisa de Brito e

Silva (2013) que buscou analisar as relações de empreendedores com o trabalho e a

família, os resultados apontaram que a sinergia proporcionada por um conjunto de fatores -

identidade social, tempo, compatibilidade, interesses, confiança e diálogo - , mediados pela

informação e o conhecimento apreendidos pelo empreendedor no dia a dia do trabalho,

passam a ser disseminados para outros domínios do seu campo de ação, dentre eles, o

grupo familiar e social, oportunizando sentimentos de confiança, eficiência e a geração de

novas ideias.

Pelos trechos dos depoimentos analisados e entrevistas com os professores, foi

possível identificar que ao se apropriarem de informações e conhecimentos adquiridos em

empreendedorismo, estes são transferidos para o grupo familiar e social, contribuindo para

a busca de soluções e resolução de dilemas individuais e/ou comuns.

IOB-1: “Tomamos consciência de nosso potencial, (...) posso destacar melhorias

significativas, a exemplo da busca do desenvolvimento e fortalecimento das relações com

pessoas da comunidade (...) Passamos também a ampliar nossa rede de contato”; MJ-7:

“(...) Passei a dialogar mais com meu esposo, que é um empreendedor, sobre negócios,

inclusive contribuindo com minhas opiniões”. CC-6: “Passei a valorizar mais as pessoas

ao meu redor, principalmente a família”. RC-5: “O empreendedorismo foi, a partir desse

momento, um exercício em minha casa, envolvi meus filhos nessa descoberta, experimentei

as possibilidades observadas e começamos a acreditar que o sonhar era possível”.

É possível afirmar que a socialização dos saberes empreendedores adquiridos

pelos docentes e transferidos indiretamente para o grupo familiar e/ou social, contribuem

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para fortalecer o inter-relacionamento, despertando sentimentos de cooperação e confiança

capazes de estabelecer pontes e gerar conexões necessárias a concretização de objetivos

individuais e comuns.

Esta contribuição do empreendedorismo no âmbito social é de extrema relevância

e deve ser incentivada, uma vez que no momento presente observa-se como tendência, a

sociedade do Século XXI migrando cada vez mais, para o modelo da Economia

Colaborativa12 (ou do Compartilhamento), com perspectivas de ampliação, onde se prioriza

a busca de soluções coletivas no sentido de oportunizar o acesso a bens e serviços, através

da integração de pessoas ao processo, gerando valor tanto econômico quanto social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados do nosso estudo, fundamento pelo arcabouço teórico e

metodológico desenvolvido, foi possível compreender que as três dimensões que compõem

o Saber Empreendedor Docente (Dimensão Pessoal, Dimensão Pedagógica e Dimensão

Sócio Política), apesar de estarem agrupadas para fins de análise, em três grandes blocos,

interagem entre si formando uma grande espiral dinâmica, compondo um conjunto de

saberes que podem ser acessados de forma didática e pedagógica pelos profissionais da

educação.

No que se refere a Dimensão Pessoal, foi possível concluir que a sobrecarga de

racionalidade, absorvida pelo professor no seu dia a dia, acaba por bloquear dois

elementos, que segundo Tardif, Lesard (2014) e Dolabela (2013), são essenciais à sua

pratica: a emoção e o afeto. Ao apropriarem-se dos fundamentos da educação

empreendedora esses dois elementos, acabam sendo resgatados ou potencializados por

meio de processos reflexivos levando o docente a avaliar e refletir criticamente sobre as

12 De acordo com Romero e Garcia (2014), a expansão do universo digital através das redes sociais e como consequência

da crise global favorece o surgimento da economia colaborativa. O principal valor agregado desta nova tendência, além

de ganhos econômicos, é a produção e o desenvolvimento de conhecimento, uma vez que ao ser compartilhado, pode ser

tomado como um ponto de partida para iniciar novos modelos de negócios, trazendo benefícios tanto em nível econômico

como de crescimento pessoal e intelectual(presente em http://www.revista-uno.com.br/economia-colaborativa-a-

revolucao-do-consumo-mundial).

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perspectivas da sua vida presente e futura, oportunizando assim, a busca de novas

experiências que lhes sejam significativas.

A Dimensão Pedagógica, revela o forte viés técnico que caracteriza a ação

docente. Todavia, apontou que os professores não estão alheios ao seu ofício. Eles se

mostraram preocupados com as lacunas decorrentes do processo ensino-aprendizagem e

reconhecem a necessidade de melhorar suas práticas, estarem mais próximos dos alunos,

aprofundar conhecimentos através da qualificação. Esses aspectos nos permite inferir que a

Educação Empreendedora é capaz de contribuir para instigar a criatividade e o processo de

inovação educacional tornando a ação pedagógica mais motivadora e eficaz.

Através da Dimensão Sócio Política, constatamos que os saberes empreendedores

influenciam os docentes a “redescobrir” o seu importante papel de Agente de

transformação da sociedade, ou articuladores de saberes para a construção do

conhecimento coletivo. Ficou claro que o saber empreendedor além estimular o pensar

crítico reflexivo do professor, amplia a sua percepção para os problemas da coletividade.

Ou seja, os conhecimentos adquiridos em empreendedorismo são compartilhados pelo

professor junto à comunidade e no próprio ambiente familiar, abrindo espaço para o

surgimento de novas ideias e soluções capazes de beneficiar a ele, a sua família e aos que

fazem parte do seu grupo social.

A pesquisa nos levou a constatar que os fundamentos do empreendedorismo são

capazes de desencadear no professor um grau de reflexividade que os fazem adquirir a

consciência “de saberem-se capazes” (MEZIROW,1991; BANDURA,1997; SCHÖN,

1992; ROGERS, 2001; FREIRE, 1999). Essa conjunção de elementos psicológicos,

somada às suas experiências de vida e a sólida base de conhecimentos adquiridos, lhes

confere autonomia para tomar decisões, identificar novas perspectivas, projetar objetivos

profissionais e pessoais, desenvolvendo a perseverança para concretizá-los.

Através dos relatos dos professores e do aprofundamento teórico dos postulados

dos autores estudados, constatamos que os fundamentos do empreendedorismo no âmbito

da atuação docente, estão estreitamente relacionados com a “aprendizagem transformativa”

(MEZIROW, 1991) configurando-se como a base teórica e central que fundamenta o Saber

Empreendedor Docente. Para esse autor, ao apreender conteúdos e experiências novas que

lhe são significativas, o sujeito percebe que seus pontos de vista específicos ou convicções

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anteriores tornam-se sem função (valor), e ao substitui-los (ou reorganiza-los), passam a

incorporar novos insights que consequentemente, corroboram para mudanças no âmbito

profissional e pessoal.

A partir dos resultados empíricos evidenciados na pesquisa, identificamos que o

processo transformativo que desencadeia o Saber Empreendedor Docente, é capaz de

instigar o professor a reconhecer as suas infinitas possibilidades, como também as

possibilidades dos alunos. Outrossim, infere-se que o campo de conhecimento do

empreendedorismo contribui significativamente para animar o processo educativo,

constituindo-se como um importante vetor para inspirar a elaboração de políticas

educacionais voltadas para a formação inicial e continuada de docentes, na direção de

aprendizagens transformativas, holísticas, sintonizadas com os desafios e as oportunidades

do presente e futuro, e que o Brasil tanto precisa.

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