Dragoes de Eter v01

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c açadores de b ruxas Vol. I

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sobre dragões

Transcript of Dragoes de Eter v01

  • Nova Ether um mundo protegido por poderosos avatares em forma de fadas-amazonas. Um dia, porm, cansadas das falhas dos seres racionais, algumas delas se voltam contra as antigas raas. E assim nasce a Era Antiga.

    Essa influncia e esse temor sobre a humanidade s tm fim quando Primo Branford, o filho de um moleiro, rene o que so hoje os heris mais conhecidos do mundo e lidera a histrica e violenta Caada de Bruxas.

    Primo Branford hoje o Rei de Arzallum, e por 20 anos saboreia, satisfeito, a Paz. Nos ltimos anos, entretanto, coisas estra-nhas comeam a acontecer...

    Uma menina v a prpria av ser devorada por um lobo marcado com magia negra. Dois irmos comem estilhaos de vidro como se fossem passas silvestres e bebem gua barrenta como se fosse suco, envolvidos pela magia escura de uma antiga bruxa canibal. O navio do mercenrio mais sanguinrio do mundo, o mesmo que acredi-tavam j estar morto e esquecido, retorna dos mares com um obscuro e ainda pior sucessor. E duas sociedades criminosas entram em guerra, dando incio a uma intriga que ir mexer em profundos e tristes mistrios da famlia real.

    E mudar o mundo.

    Ilustrao: Marc SimonettiFoto: Wagner Carvalho

    Ilustrao: Marc SimonettiFoto: Wagner Carvalho

    RAPHAEL DRACCON romancista e roteirista premiado pela American Screenwriter Associa-tion. Foi considerado pelos maiores veculos de comunicao do pas um dos escritores mais in-fluentes do atual mercado literrio brasileiro. Responsvel pela indicao da obra de George R.R. Martin para o grupo LeYa BR, hoje tambm coordenador e editor do selo Fantasy - Casa da Palavra.Os direitos de sua srie de estreia, Drages de ter, foram adquiridos em Portugal pela edi-tora Dom Quixote, e em espanhol pelo grupo Random House Mondadori.

    www.raphaeldraccon.com

    Com diversas referncias contemporneas, que vo de sries como Final Fantasy e contos

    de fada sombrios a bandas de rock como Limp Bizkit e Nirvana, Drages de ter

    constri uma trama em que r0mances, guerras, intrigas, dilogos fi losfi cos, fantasia e sonhos juvenis se entrelaam para construir uma jornada pica de profundidade espiritual.

    Publicado sem alarde no fi m de 2007, Drages de ter Caadores de Bruxas se tornou um caso raro de estreia no mercado editorial. Sem contar com qualquer ao mnima de marketing, mas apenas com a repercusso entusiasmada do boca a boca de leitores empol-gados, o livro permaneceu por seis meses entre os mais vendidos da editora na primeira edio, esgotando assim sua tiragem inicial.Hoje, Drages de ter Caadores de Bruxas retorna em uma edio revista e am-pliada, com comentrios do autor e do editor sobre a impressionante trajetria da obra e um exclusivo material extra.

    9 788562 936333

    ISBN 978-85-6293-633-3

    ISBN 978-85-62936-33-3leya.com.br

    edio, esgotando assim sua tiragem inicial.Hoje, Drages de ter Caadores de Bruxas retorna em uma edio revista e am-pliada, com comentrios do autor e do editor sobre a impressionante trajetria da obra e um exclusivo material extra.

    9 788562 936333ISBN 978-85-62936-33-3leya.com.br

    um exclusivo material extra.

    Raphael Draccon escreve muito, muito bem. Andr Vianco

    A obra triunfa nas suas metforas, nos seus dilogos cheios de signifi cado e no sentido de nos fazer ver alm da forma. Esperava um livro sobre batalhas

    de drages e encontrei um romance muito mais grandioso e profundo. Eduardo Spohr

    Draccon no um fenmeno fora de contexto.revista Veja

    Uma releitura de vrios contos de fada com ao e magia na mesma medida, e uma dose farta de cultura pop.

    Correio Braziliense

    Um dos autores no centro do mais recente fenmeno comercial da literatura contempornea brasileira.

    Folha de S.Paulo

    Raphael Draccon um nome forte em tudo o que diz respeito ao universo de Tolkien, C.S. Lewis e George R. R. Martin,

    alm de um autor reconhecido dentro e fora do pas.revista Galileu

    Um dos autores que abriu o mercado nacional para o gnero fantstico. Dirio do Nordeste

    Um dos mais bem-sucedidos escritores do gnero literatura fantstica e fi co de horror do pas.

    Mrcia Peltier

    caadores de bruxas

    Vol. I

    caadores de bruxasVol. I

    Ilustrao: Marc SimonettiDesign Grfico: Neusa DiasFoto: Wagner Carvalho

    CaadoresDeBruxas_nova_2013_02okok.indd 1 24/07/13 11:21

  • DRAGES DE TER

  • DRAGES DE TER

    Raphael Draccon

    Caadores de Bruxas

  • Copyright Raphael Draccon, 2007

    Coordenao editorial: Pascoal SotoAssistncia editorial: Max GimenesCapa: Renato AlarcoMapa: Licnio SouzaPreparao de textos: Luciana CerchiaroReviso de textos: Beatriz de Freitas MoreiraDiagramao: Renata Milan

    2010Todos os direi tos desta edi o reser va dos texto editores ltda.[Uma editora do grupo Leya]Av. Anglica, 2163 conj. 175/17801227-200 Santa Ceclia So Paulo SPwww.leya.com

    Draccon, Raphael

    Drages de ter / Raphael Draccon. So Paulo : Leya, 2010.

    Contedo: Livro 1. Caadores de bruxas.

    ISBN 978-85-62936-33-3

    1. Fico - Literatura juvenil I. Ttulo.

    10-04321 CDD-028.5

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (cip)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    ndice para catlogo sistemtico:

    1. Fico : Literatura juvenil 028.5

  • Para Ricardo Albuquerque,por ter acreditado na realizao do feito.

    Para Pascoal Soto,por ter efetuado a realizao da crena.

  • PREFCIo

  • Eu j escrevi, em outra ocasio, que minha trajetria como editor pontuada de momentos em que tenho a sensao de que algo muito especial aconteceu.

    Por ocasio desta segunda e especial edio de Drages de ter Caadores de Bruxas, c estou eu pra confessar que, ao conhecer o uni-verso literrio criado por Raphael Draccon, a sensao que tive no foi diferente da escrita acima.

    Este livro, de cuja primeira edio eu tive o prazer de tambm ter sido o editor, guarda a iniciao em um mundo fantstico de analogias e referncias capaz de surpreender qualquer leitor, seja ele ctico ou es-piritualista, jovem ou velho.

    E a surpresa ainda maior quando se sabe que Raphael Draccon um jovem brasileiro a impor-se num gnero amplamente dominado pelos escritores estrangeiros. Louco? Pretensioso? No. Raphael Drac-con e seus Drages de ter esto altura das melhores produes do gnero.

    Quando o li pela primeira vez, tive a impresso de estar numa ta-verna de Nova Ether ouvindo contos da boca de um bom bardo, daque-

  • les que sabem construir personagens complexos, que no so bons nem maus, ou que so bons e maus ao mesmo tempo.

    No fundo, o Raphael isso a, um bardo do nosso tempo.

    Pascoal Soto

  • Esta a segunda vez que conto esta histria.

    Dizem que quanto mais vezes contamos uma narrativamelhor ela se torna.

  • PRLoGo

  • 17

    00

    Grandes poetas costumam chamar os pases ou regies de plaga. Por esse ponto de vista, podemos afirmar que Nova Ether um mundo formado exatamente por plagas etreas. E digo isso porque nesse tpico mundo voc no vai encontrar as coisas da maneira to palpvel quanto costuma. Tudo em Nova Ether parece concreto e macio e pode ser tocado e sentido, mas pode ser modificado e incorpo-rar o incrvel a qualquer momento.

    Essa instabilidade seletiva, propcia ao fantstico, tem explicao. Acontece porque tudo que ali se manifesta fruto da existncia e das consequncias de um mundo de semideuses. o caso que no existe um deus, e nem mesmo existem deuses, em Nova Ether. No que os verdadeiros deuses no existam, mas, na realidade, esses esto to longe dos nova-etherianos, que estes preferem dedicar sua devoo a quem realmente pode ajud-los:

    os filhos dos deuses.A relao entre um devoto e um semideus interessante. Deuses

    serem como sonhos sabido universalmente. necessrio que devotos acreditem em sua existncia para que permaneam vivos. Devotos de se-mideuses praticam uma relao exatamente contrria; necessrio, sim, que os prprios semideuses acreditem na existncia de seus devotos, e no os esqueam, para que estes possam continuar existindo. Assim, para que exista toda essa terra propcia mgica, necessrio um semi-

  • 18

    deus Criador que crie os alicerces e a vida e todas as leis naturais. Entre-tanto, ele, sozinho, no teria competncia suficiente para manter esse mundo de ter vivo eternamente, pois o esqueceria em determinados momentos, o que culminaria na morte prematura de sua criao. Por isso, necessrio que os outros semideuses se manifestem.

    Alm de ajudarem o Criador a manter viva sua criao, existem tambm outros semideuses que influenciam diretamente os semideuses Criadores, e muitas vezes suas influncias so encontradas facilmente em todos os cantos geogrficos. Em Nova Ether no diferente, e me arrisco ainda a dizer que no se trata do primeiro mundo de ter a ser criado por esse processo to sublime quanto divino e, a princpio, to complicado de ser entendido. Centenas de outros mundos etreos tam-bm so assim gerados aos montes e, da mesma forma, s conseguem manter suas existncias por esse mesmo procedimento sagrado que man-tm viva essa terra.

    E, por saberem bem como sua vida s existe por bondade desses semideuses, seja do Criador ou dos outros semideuses, que os nova-ethe-rianos os reverenciam. E, por suas atitudes, o semideus Criador, quando julga necessrio, os ajuda ou os pune. Isso se manifesta em seus avatares as representaes fsicas do prprio Criador na plaga etrea , os quais so tomados por uma forma feminina de aura mgica, reconhecida e reverenciada pelo termo fada. A influncia dessas avatares nessas terras tamanha, que muitas histrias e poesias, muitos romances e contos populares foram gerados devido aos testes formulados por elas aos seres escolhidos. E esses contos narram a adorao das pessoas boas e o dio das pessoas ms por tais seres fantsticos, pois elas representam a justia do Criador e so, por isso, reverenciadas por quem se identifica com o que representam.

    Comparado com outros mundos etreos, Nova Ether poderia ser taxada como um universo de fantasia. No seria mentira, afinal, l existem Reis com R maisculo, prncipes e princesas em busca da perfeio, lobos famintos, piratas com suas prprias leis, terras invi-sveis a quem no tem a sensibilidade necessria para enxerg-las ou que se movem sozinhas alm-mar, como se dotadas de vida prpria, alm de drages nascidos de elementais ou mesmo da prpria quinta-essncia.

  • 19

    E existe a magia. E existem raas que no costumam existir em muitos outros mundos etreos, como tambm existem seres comuns de certa forma, cada um sua maneira. E para que as coisas no saiam dos eixos, ou para dar uma ajuda a seus campees, a Lei das Fadas se esta-belece sem estar escrita em pergaminho algum. Infelizmente, para os nova-etherianos, um dia at mesmo as fadas sucumbiram s tentaes com as quais deveriam apenas testar os seres escolhidos, e a boa magia branca passou a dividir sua existncia com a terrvel magia negra.

    Foi a poca em que caram fadas. Em que nasceram bruxas. Em que destronaram Reis. Drages geraram-se do ter e prncipes se tor-naram sapos. Uma poca em que semideuses andaram na terra dos ho-mens e abenoaram pessoalmente os heris de muitos contos.

    E ento as bruxas desafiaram as fadas. E os homens desafiaram as bruxas.

    Foi assim que nasceram as caadas.

    E foi assim que nasceram os caadores.

  • ATo I

    CAADoRES DE LoBoS

  • 23

    01

    E um lobo lhe devorou a av.Certo, essa no a melhor notcia que algum gostaria de receber, mas foi exatamente o que aconteceu com aquela menina. E o pior: ela a tudo assistiu, presenciando de camarote a sangrenta carni-ficina. Viu a carcaa da av ser devorada, viu o assassino avanar sobre ela prpria para dilacer-la da mesma forma faminta como fizera com a pobre senhora, e viu tambm seu salvador aparecer com uma espingar-da engatilhada para dar cabo vida do carnvoro.

    Primeiramente, vamos falar da av. Admito que parece impru-dente pensar que uma idosa poderia no enxergar perigo algum em vi-ver sozinha e isolada no meio de uma floresta, longe pelo menos dois quilmetros de qualquer alma viva, a no ser a de pssaros ou outros animais menos ameaadores que um imenso lobo faminto. Mas, se voc entender como funcionavam as coisas naquelas regies, tambm perce-ber que no existia tanta imprudncia assim.

    A senhora Narin era uma dessas senhoras simpticas que adora-vam contar histrias da infncia saudosa para as crianas. Por vezes, queixava-se de dores e outras reclamaes tpicas das senhoras mais ido-sas, mas muito poucas vezes algum escutava seus lamentos. E isso no por uma possvel chatice hipocondraca da pobre senhora, pelo contr-rio, simplesmente no existiam pessoas no raio de um quilmetro para escutarem tais lamentos.

  • 24

    E por que essa vida to solitria? ora, conhece melhor forma de buscar a paz do que o isolamento? Acompanhe comigo: falamos de uma senhora que casou cedo, como quase todas as senhoras e, digo mais, como tambm quase todas as senhoritas de hoje , dedicou-se ao ma-rido, criou uma filha e viu nascer uma neta. Seu marido se foi quando chegou a hora, e ela passou a acreditar, desde aquele dia, que tambm estava prximo o momento de se unir a ele. Claro, imaginou que isso aconteceria de forma natural e no pela violncia de um lobo faminto, mas o que se pode fazer? o importante a ressaltar neste momento que a senhora Narin considerava sua misso cumprida e apenas queria viver em paz o tempo que imaginava lhe restar.

    Eu j teria me dado por satisfeito, mas posso aceitar se voc ainda no houver entendido por que, mesmo com os argumentos apresen-tados, o ato de uma velhinha morar sozinha no meio de uma floresta no seja uma total imprudncia. Bom, vamos tentar de novo. Acontece que, na cidade de Andreanne, as coisas sempre foram tranquilas. Bem, pode no parecer nas atuais circunstncias, mas assim foi na maioria do tempo. E, tudo bem, no foi a primeira vez que essa harmonia fora que-brada, verdade, mas isso eu vou contar a voc daqui a pouco; por en-quanto, acreditemos estar em tempos de paz nesse lugar. ou ao menos estvamos, antes de um lobo devorar uma pobre senhora que apenas esperava a neta para um delicioso e adorvel jantar jamais realizado.

    Falando em neta, hora de falar da menina. Ariane Narin. os es-pecialistas, que nesse lugar no so mais do que um ou dois, afirmam que esse nome significa a santa, a castssima, a muito pura. Bom, no importa a opinio desses especialistas, que mais me parecem de as-sunto nenhum. Se for mesmo esse o significado de Ariane, ali naquele dia isso mudou. E digo isso porque uma menina de nove anos viu a prpria av ser devorada por um lobo gigantesco diante de seus olhos, o que a permitiu conhecer a chamada Lei do Mais Forte; a Maldade e a Bondade em disputa pelo prprio ponto de vista. E no h ningum, por mais inocente que seja, que no se choque com a descoberta de que o mundo no to bom e puro como parecia a princpio.

    E, assim como pode ser difcil para voc entender que no era um ato de imprudncia uma senhora viver isolada no meio da floresta, tam-bm extremamente chocante imaginar uma me ter a coragem de man-

  • 25

    dar uma menina de nove anos sozinha pela floresta, a uma distncia de no menos que dois quilmetros, com uma cesta de comida no brao e um chapu branco na cabea. Mas no vamos julgar nada apressadamen-te; todo ser humano tem direito defesa antes de ser julgado por quem ou pelo que quer que seja, e a senhorita Narin no era doida nem irres-ponsvel, nem um animal para no ter tal direito defesa. Entretanto, os motivos que a levaram a deixar a pequena Ariane ir sozinha casa da av naquele dia trgico tambm no sero explicados agora. H ainda dois personagens importantes nessa cena que no foram apresentados.

    Primeiro, o assassino. Certo, se voc est acompanhando e enten-dendo a narrao desta histria, considero que est do ponto de vista humano da narrativa e, por esse prisma, o lobo gigantesco nada mais que um assassino sanguinrio de senhoras solitrias e indefesas. Mas voc no pensaria assim se compreendesse os fatos pelo lado animal da histria. Pois estamos falando de um lobo faminto carnvoro e de uma humana que resolveu por vontade prpria morar sozinha no meio da floresta! Falando assim at parece que estou do seu lado na questo da imprudncia do fato de algum morar s no meio de uma floresta; mas um erro da sua parte pensar assim. Apenas vejo a situao do ponto de vista de um lobo faminto. E tambm no venha dizer que defendo lobos comendo velhinhas e suas netinhas, apenas tenho a mente aberta para perceber que a bondade e a maldade disputam por seus prprios pontos de vista! E do ponto de vista animal, cada vez que um humano faminto mata um boi ou uma vaca para se alimentar, ele to assassino quanto um lobo faminto que mata um humano com o mesmo propsito.

    E o salvador? Sim, o caador heri do ponto de vista humano que meteu duas balas no peito da criatura. Esse personagem ser impor-tante para esta histria que narro, mas ainda no ser agora que trarei maiores detalhes de sua vida. Mas que diabos! voc deve querer reclamar desta histria em que todas as boas informaes parecem estar relegadas ao futuro. Ei! Estamos prestes a conhecer uma longa histria, e qual seria a graa se tudo fosse revelado de maneira to fria e deselegante?

    o que deve realmente ser salientado no momento apenas que o caador abrira o peito do animal segundos antes de o lupino gigantesco ter qualquer chance de devorar uma menina inocente em choque. E foi ento que as balas de chumbo acertaram o corpo, abrindo dois rombos

  • 26

    no peito do bicho do tamanho de um joelho. o corpo espirrou sangue, rubro como o de um homem, empestando ainda mais o ambiente com aquele cheiro ferruginoso insuportvel. E foi quando o sangue do lobo banhou ainda mais o chapu plido da criana.

    E o branco se tornou vermelho.o incidente foi suficiente para mudar a vida de Ariane Narin, tor-

    nando-a conhecida em sua regio, embora preferisse viver para sempre no anonimato a ser conhecida como a menina que viu a av ser devo-rada por um imenso lobo faminto. Mas ela no teve nem jamais ter essa sorte, pois, como j fora dito, naquele dia ela perdeu a pureza com a qual a me sempre cercou sua infncia. E as pessoas poderiam nem mesmo conhecer seu nome ou o de sua av ou o de sua me ou o do caador heri, mas conheceriam sua histria. E, se seu nome no fosse reconhecido, a reconheceriam por outro. o nome que ela mais detestava no mundo e o qual parecia persegui-la como uma lagartixa decidida por uma mariposa sem sorte.

    Refiro-me a um nome, um apelido. Um fardo; uma alucinao denominada pela forma de um antigo e sinistro chapu alvacento infan-til, friamente manchado pela cor do sangue de uma senhora simptica dilacerada e de um imenso lupino abatido.

    Um legtimo e maldito chapu vermelho.

    02

    A cidade de Andreanne talvez seja a mais importante de todo o continente do ocaso. Motivo bsico: ela a capital do Reino de Arzallum, este sim, com certeza, o mais importante de todos os Rei-nos. Tambm bsico o motivo de ser esse o mais importante dos Reinos ocasienses: fora ele o primeiro Reino da histria do continente e o local onde o ocidente comeou a se compreender como civilizao.

  • 27

    sabido ou ao menos assim se pensava naquelas terras que a vida se iniciou do outro lado do mar, no continente Nascente, menor do que o continente do ocaso. Tambm se sabe que nesse mundo existem apenas dois continentes: o Nascente, a leste, e o ocaso, a oeste, denomi-naes bvias para quem levar em considerao o nascer do sol como referncia. E deve ser um consenso que, para algum sair de um conti-nente conhecido e encarar uma destemida viagem de navio at outro inteiramente desconhecido, s pode faz-lo por insatisfao ou desejo alucinado por aventuras. Esses dois desejos eram os principais motiva-dores de todos que desembarcaram em Andreanne.

    Mas e o porqu dessa denominao? o fato era que o continente fora descoberto por uma pirata de mesmo nome, na poca em que a pirataria era romntica e piratas mereciam batizar cidades. Andreanne e falo agora da mulher no perdia em um nico quesito para pirata algum de sua poca e, digo mais, no perderia hoje ou amanh para qualquer um deles. Na verdade, nenhum pirata at hoje teve seu estilo, inteligncia e capacidade de raciocnio frente a um grupo de homens mais prximos dos bestiais do que dos civilizados. Voc, por acaso, ima-gina o que era liderar e ser respeitada por um grupo de mercenrios cheirando a rum e sangue, sendo mulher e sem precisar cortar gargantas com as prprias mos? Bom, talvez uma ou duas gargantas, mas no muito mais do que isso. E os semideuses sabem como era bela! Oh, sim, eles sabem.

    Falando assim, fica parecendo que conheci Andreanne pessoal-mente, mas teria de ser o mais velho do mundo para ter tido tal prazer. E o seria, se pudesse escolher, acrescento. o que acontece que o que estou dizendo est escrito em qualquer livro histrico da Biblioteca Real dessa cidade; basta apenas folhear nas prateleiras corretas, o que j seria algo raro, j que hoje em dia est to difcil ver os jovens folhean-do at mesmo as prateleiras erradas. Alis, uma das melhores decises j tomadas por um Rei talvez tenha sido a construo da Biblioteca Real de Andreanne. Toda a histria daquele Reino, e muito da histria daquele continente, est registrado naquele lugar por escribas pacientes ao feito. Tudo obra de Primo Branford, o Rei que todo Reino gostaria de ter. Um Rei altura de uma cidade-capital como Andreanne.

    E sobre ele que vou falar agora.

  • 28

    Primo Branford era o maior de todos os Reis que j ocuparam o trono do Reino de Arzallum ou de qualquer outro. Nascido na po-breza, posto prova pelo sacrifcio e destinado ao sucesso, Primo era o mais velho de trs irmos, que receberam os nomes Segundo e Trcio, de acordo com a chegada ao mundo. Quando digo que foi destinado ao sucesso, no me limito a ele, mas a toda famlia. A histria dos Branford conhecida por todo o povo de Arzallum e tambm pelos povos de todos os Reinos. Afinal, at hoje no escutei histria mais fascinante do que a dos trs irmos pobres, filhos de um moleiro de nome Hams, que se separaram na infncia miservel para se reencontrarem anos depois como Reis. E, sim, refiro-me aos trs e a cada um com sua prpria hist-ria e seu prprio caminho rduo da pobreza mxima at a consagrao suprema, em um fenmeno predestinado e difcil de ser repetido na his-tria da humanidade.

    Talvez, de todos os trs, a histria mais interessante e famosa da escalada e chegada ao poder seja a de Trcio, que se tornou marqus com a ajuda de um bichano humanoide linguarudo e exibido, que vestia roupas e botas de couro e as vestimentas oficiais dos soldados do Reino de Mosquete. Um feito impressionante, com certeza, mas no essa a histria que iremos acompanhar hoje; talvez em uma outra oportunida-de, mas no hoje. Entretanto, Primo ainda ser sempre lembrado como o Maior de Todos os Reis, ainda que sua histria no seja a mais cativan-te de todas as trs, e essa a maior faanha de sua vida.

    E quando falamos dele estamos falando de um Rei que se por-tava como todos os Reis deveriam se portar. Um Rei que usava aquela barba longa, que d propositadamente a qualquer Rei um aspecto s-bio de tempo e aventuras vividas, e armaduras ou vestimentas com o braso real mostra, para incentivar um culto ao nacionalismo pelo exemplo. Arrastava capas presas aos ombros com postura; montava cavalos para combates de justas; sabia com que talher espetar um ja-vali antes e depois do meio do dia; conhecia estratgias e citaes mi-litares de cor.

    Rei Primo baixou os impostos por compreender que no deve-riam se manter caros apenas para aumentar privilgios obviamente retirados de nobres de Arzallum. A princpio, claro, isso irritou e fragi-lizou a aliana com seus aliados, mas Primo sempre contornou as situ-

  • 29

    aes. Se, por um lado, retirava dos nobres os privilgios que mexessem no bolso do povo, dava-lhes, por outro, privilgios que no afetariam o povo tanto assim. os nobres podiam por direito, por exemplo, servir-se em qualquer taberna da cidade sem pagar um tosto por isso! Injusto? No seria essa a resposta de um dono de taberna, que preferiria muito mais servir um nobre gluto por sete ou oito ou nove noites por ms, se tivesse por isso seus impostos reais reduzidos em quase setenta ou oitenta porcento.

    Mais do que isso, Primo tambm acabou com a servido de qual-quer porte. Construiu farmcias, hospitais e escolas. bvio que a Bi-blioteca Real fora ideia sua, como tudo de bom que Andreanne possua. Mas uma construo, porm, e por ironia do destino a mais popular de todas, no fora obra de Primo, o que tenho dvidas se lhe causara um pouco de frustrao ou no. Mas, se no fora dele a ordem de cons-truo, dele partiu a ordem e faz seis anos, mas me lembro como se tivesse sido ontem, ou anteontem, no mximo para que os melhores arquitetos reais se reunissem para planejar as reformas, a ampliao e a reformulao da maior casa de espetculos de todo o ocaso. Pois o Rei ordenou que o que antes era apenas um teatro nobre de mdio porte se tornasse a maior casa de espetculos da histria desse mundo, e mais, com locais para o povo a preos acessveis.

    o Majestade. Um local muito importante para Andreanne e todo o Reino de

    Arzallum e tambm muito importante para esta histria. Por meio dele conhecia-se muito bem o estilo de vida dos cidados desse mundo. E, para melhor se adaptar ao que vir, necessrio conhecer bem o estilo e a forma de ver a vida desse povo.

    E isso o Majestade pode providenciar. Ah, sim, isso com certeza ele pode.

  • Nova Ether um mundo protegido por poderosos avatares em forma de fadas-amazonas. Um dia, porm, cansadas das falhas dos seres racionais, algumas delas se voltam contra as antigas raas. E assim nasce a Era Antiga.

    Essa influncia e esse temor sobre a humanidade s tm fim quando Primo Branford, o filho de um moleiro, rene o que so hoje os heris mais conhecidos do mundo e lidera a histrica e violenta Caada de Bruxas.

    Primo Branford hoje o Rei de Arzallum, e por 20 anos saboreia, satisfeito, a Paz. Nos ltimos anos, entretanto, coisas estra-nhas comeam a acontecer...

    Uma menina v a prpria av ser devorada por um lobo marcado com magia negra. Dois irmos comem estilhaos de vidro como se fossem passas silvestres e bebem gua barrenta como se fosse suco, envolvidos pela magia escura de uma antiga bruxa canibal. O navio do mercenrio mais sanguinrio do mundo, o mesmo que acredi-tavam j estar morto e esquecido, retorna dos mares com um obscuro e ainda pior sucessor. E duas sociedades criminosas entram em guerra, dando incio a uma intriga que ir mexer em profundos e tristes mistrios da famlia real.

    E mudar o mundo.

    Ilustrao: Marc SimonettiFoto: Wagner Carvalho

    Ilustrao: Marc SimonettiFoto: Wagner Carvalho

    RAPHAEL DRACCON romancista e roteirista premiado pela American Screenwriter Associa-tion. Foi considerado pelos maiores veculos de comunicao do pas um dos escritores mais in-fluentes do atual mercado literrio brasileiro. Responsvel pela indicao da obra de George R.R. Martin para o grupo LeYa BR, hoje tambm coordenador e editor do selo Fantasy - Casa da Palavra.Os direitos de sua srie de estreia, Drages de ter, foram adquiridos em Portugal pela edi-tora Dom Quixote, e em espanhol pelo grupo Random House Mondadori.

    www.raphaeldraccon.com

    Com diversas referncias contemporneas, que vo de sries como Final Fantasy e contos

    de fada sombrios a bandas de rock como Limp Bizkit e Nirvana, Drages de ter

    constri uma trama em que r0mances, guerras, intrigas, dilogos fi losfi cos, fantasia e sonhos juvenis se entrelaam para construir uma jornada pica de profundidade espiritual.

    Publicado sem alarde no fi m de 2007, Drages de ter Caadores de Bruxas se tornou um caso raro de estreia no mercado editorial. Sem contar com qualquer ao mnima de marketing, mas apenas com a repercusso entusiasmada do boca a boca de leitores empol-gados, o livro permaneceu por seis meses entre os mais vendidos da editora na primeira edio, esgotando assim sua tiragem inicial.Hoje, Drages de ter Caadores de Bruxas retorna em uma edio revista e am-pliada, com comentrios do autor e do editor sobre a impressionante trajetria da obra e um exclusivo material extra.

    9 788562 936333

    ISBN 978-85-6293-633-3

    ISBN 978-85-62936-33-3leya.com.br

    edio, esgotando assim sua tiragem inicial.Hoje, Drages de ter Caadores de Bruxas retorna em uma edio revista e am-pliada, com comentrios do autor e do editor sobre a impressionante trajetria da obra e um exclusivo material extra.

    9 788562 936333ISBN 978-85-62936-33-3leya.com.br

    um exclusivo material extra.

    Raphael Draccon escreve muito, muito bem. Andr Vianco

    A obra triunfa nas suas metforas, nos seus dilogos cheios de signifi cado e no sentido de nos fazer ver alm da forma. Esperava um livro sobre batalhas

    de drages e encontrei um romance muito mais grandioso e profundo. Eduardo Spohr

    Draccon no um fenmeno fora de contexto.revista Veja

    Uma releitura de vrios contos de fada com ao e magia na mesma medida, e uma dose farta de cultura pop.

    Correio Braziliense

    Um dos autores no centro do mais recente fenmeno comercial da literatura contempornea brasileira.

    Folha de S.Paulo

    Raphael Draccon um nome forte em tudo o que diz respeito ao universo de Tolkien, C.S. Lewis e George R. R. Martin,

    alm de um autor reconhecido dentro e fora do pas.revista Galileu

    Um dos autores que abriu o mercado nacional para o gnero fantstico. Dirio do Nordeste

    Um dos mais bem-sucedidos escritores do gnero literatura fantstica e fi co de horror do pas.

    Mrcia Peltier

    caadores de bruxas

    Vol. I

    caadores de bruxasVol. I

    Ilustrao: Marc SimonettiDesign Grfico: Neusa DiasFoto: Wagner Carvalho

    CaadoresDeBruxas_nova_2013_02okok.indd 1 24/07/13 11:21