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_____________________________ SMAD 2007 Volume Volumen 3 Número Numero Number 1 Artigo Artículo Article 02 http://www2.eerp.usp.br/resmad/artigos.asp USO DE DROGAS NO CHILE: PESQUISA DOCUMENTAL E BIBLIOGRÁFICA Maria Cristina Silva Costa 1 ; Néstor Ortiz Rebolledo 2 ; Lívia Mara Lopes 3 Resumo Esta pesquisa social, documental e bibliográfica objetiva a análise interpretativa dos significados do uso de drogas no Chile. Arrola as drogas mais consumidas no país, examina ações de políticas públicas e destaca contradições internas da questão. Investiga o consumo de drogas e seu combate na América Latina e remete, ainda, à cultura de massas, visando interpretar os significados da expansão das drogas no cenário internacional contemporâneo. Em suas conclusões, o estudo indica a relevância da ênfase à dimensão simbólica, com destaque aos valores e hábitos que estimulam o consumo de drogas para o delineamento de ações relativas à questão. Palavras-chave: saúde; alcoolismo; drogas ilícitas USO DE DROGAS EN CHILE: INVESTIGACIÓN DOCUMENTAL Y BIBLIOGRÁFICA Resumen Esta investigación social, documental y bibliográfica busca el análisis interpretativo de los significados del uso de drogas en Chile. Arrolla las drogas más consumidas en el país, examina acciones de políticas públicas y destaca contradicciones internas a la cuestión. Investiga el consumo de drogas y su combate en Latinoamérica y remete, también, a la cultura de masas, mirando la interpretación de los significados de la expansión de las drogas en el escenario internacional contemporáneo. En sus conclusiones, el estudio indica el relevo del énfasis a la dimensión simbólica, con destaque a los valores y hábitos que estimulan el consumo de drogas para el delineamiento de acciones relativas a la cuestión. Palabras clave: salud; alcoholismo; drogas ilícitas DRUGS USE IN CHILE: DOCUMENTARY AND BIBLIOGRAPHIC RESEARCH Abstract This social, documentary and bibliographic research aims at an interpretative analysis of drugs use in Chile. The study covers the most consumed drugs in that country, analyzes public policy actions and emphasizes contradictions in this question. To integrate the Chilean reality in the international context, the research inquires about drugs consumption and its combat in Latin America and also refers to mass culture, with a view to interpreting the meanings of increased drugs use. In its conclusions, the study shows that it is relevant to consider the symbolic dimension, emphasizing the values and habits that stimulate drugs consumption, with a view to planning actions regarding the question. Keywords: health; alcoholism; street drugs 1 Antropóloga, Professora Doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP. [email protected] 2 Mestre em Enfermagem, Docente da Universidade de Concepción, Chile. 2 Discente da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP.

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    USO DE DROGAS NO CHILE: PESQUISA DOCUMENTAL E BIBLIOGRFICA Maria Cristina Silva Costa1; Nstor Ortiz Rebolledo2; Lvia Mara Lopes3

    Resumo Esta pesquisa social, documental e bibliogrfica objetiva a anlise interpretativa dos

    significados do uso de drogas no Chile. Arrola as drogas mais consumidas no pas, examina aes de polticas pblicas e destaca contradies internas da questo. Investiga o consumo de drogas e seu combate na Amrica Latina e remete, ainda, cultura de massas, visando interpretar os significados da expanso das drogas no cenrio internacional contemporneo. Em suas concluses, o estudo indica a relevncia da nfase dimenso simblica, com destaque aos valores e hbitos que estimulam o consumo de drogas para o delineamento de aes relativas questo. Palavras-chave: sade; alcoolismo; drogas ilcitas

    USO DE DROGAS EN CHILE: INVESTIGACIN DOCUMENTAL Y BIBLIOGRFICA

    Resumen Esta investigacin social, documental y bibliogrfica busca el anlisis interpretativo de

    los significados del uso de drogas en Chile. Arrolla las drogas ms consumidas en el pas, examina acciones de polticas pblicas y destaca contradicciones internas a la cuestin. Investiga el consumo de drogas y su combate en Latinoamrica y remete, tambin, a la cultura de masas, mirando la interpretacin de los significados de la expansin de las drogas en el escenario internacional contemporneo. En sus conclusiones, el estudio indica el relevo del nfasis a la dimensin simblica, con destaque a los valores y hbitos que estimulan el consumo de drogas para el delineamiento de acciones relativas a la cuestin. Palabras clave: salud; alcoholismo; drogas ilcitas

    DRUGS USE IN CHILE: DOCUMENTARY AND BIBLIOGRAPHIC RESEARCH

    Abstract This social, documentary and bibliographic research aims at an interpretative analysis of

    drugs use in Chile. The study covers the most consumed drugs in that country, analyzes public policy actions and emphasizes contradictions in this question. To integrate the Chilean reality in the international context, the research inquires about drugs consumption and its combat in Latin America and also refers to mass culture, with a view to interpreting the meanings of increased drugs use. In its conclusions, the study shows that it is relevant to consider the symbolic dimension, emphasizing the values and habits that stimulate drugs consumption, with a view to planning actions regarding the question. Keywords: health; alcoholism; street drugs

    1 Antroploga, Professora Doutora da Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, USP. [email protected] 2 Mestre em Enfermagem, Docente da Universidade de Concepcin, Chile. 2 Discente da Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, USP.

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    INTRODUO

    O uso de drogas lcitas e ilcitas reconhecido por diversos autores como um

    problema mundial vinculado globalizao, direo tomada pelo desenvolvimento capitalista

    na segunda metade do sculo XX. A formao de redes de negcios, tecnologia e poder em

    escala planetria, disputando em autonomia com os Estados-naes, e a progressiva difuso

    mundial de hbitos e idias, favorecida pelos meios de comunicao de massa, caracterizam a

    globalizao(1), contexto internacional em que se concretizou a expanso contempornea do

    consumo e trfico de drogas.

    Muitos povos registram o uso ritual tradicional, sem acarretar danos sociais, de

    substncias que alteram o funcionamento do sistema nervoso central(2). Nas sociedades

    contemporneas, entretanto, o consumo de drogas psicoativas toma a forma de grave

    problema internacional, jurdico, policial e de sade pblica, que se inicia com a expanso do

    estilo de vida contracultural, primeiramente nas classes mdias, a partir da dcada de 60(3).

    O abuso de drogas atual perpassa vrias classes e instncias sociais, relacionando-se

    com doenas e delinqncia, entre outros problemas. Reconhecendo a gravidade das

    repercusses desse abuso na sade das populaes e seu custo social, a comunidade

    internacional empreende importantes esforos para control-lo.

    Aes governamentais, visando o controle das drogas, desenvolvem-se em diversas

    naes e envolvem a cooperao entre pases. Incluem financiamento e cooperao tcnica

    que, em alguns casos, demanda deslocamentos de equipamentos e de militares entre pases.

    Na esfera jurdica, verificam-se reformulaes legais, revisando o alcance de punies de

    condutas relacionadas ao consumo, produo e trfico de drogas. Instituies sanitrias e

    educacionais investem, por todo o mundo, recursos financeiros e humanos na pesquisa e no

    controle do fenmeno.

    Apesar do exposto, a dependncia de drogas diversas aumenta e registra-se, de tempos

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    em tempos, o aparecimento de novos tipos de drogas, alm de novas e velhas dependncias

    que transcendem as prprias drogas como a compulso ao jogo, ao sexo e ao consumo de

    mercadorias, e se assemelham drogadio.

    Na rea da sade, as dependncias qumicas so tratadas sob diversos enfoques, com

    distintos graus de xito e reingressos habituais dos clientes nos servios de sade, pelo mesmo

    motivo. Ao verificar as vises sobre o problema, expressadas pelos profissionais de sade,

    observamos srias contradies, tornadas ainda mais intensas quando consideramos as

    apreciaes de outros setores como o judicirio e o legislativo.

    Neste estudo, analisamos o uso de drogas e as polticas pblicas desenvolvidas no

    Chile, nas ltimas dcadas, inserindo-as no contexto latino-americano de combate s drogas.

    Com o objetivo de interpretar os significados do uso de drogas lcitas e ilcitas, naquela

    sociedade, buscamos apreender a dimenso histrico-social chilena da expanso do uso de

    drogas, identificar as drogas mais consumidas, analisar aes de polticas pblicas e discutir o

    contexto sociocultural internacional no qual florescem as drogas.

    METODOLOGIA

    Utilizamos o mtodo documental e bibliogrfico, analisando documentos

    institucionais e pesquisas sobre o fenmeno das drogas no Chile e na Amrica Latina, bem

    como a literatura sociolgica e antropolgica. Conduzimos a anlise das informaes sob a

    inspirao da hermenutica dialtica, o que exigiu contextualizao histrica, social e cultural

    da expanso da produo e do consumo de drogas nas sociedades contemporneas.

    Interpretamos os significados do fenmeno do uso de drogas pela articulao dialtica

    de partes e todo e mobilizando, em interconexo, a lgica explicativa, que busca as causas do

    problema e a lgica compreensiva, que se orienta na direo das motivaes de condutas, com

    nfase nos aspectos culturais. Assim, a anlise apoiou-se nos conceitos da hermenutica

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    dialtica: interpretao de significados por meio de contextualizao, crculo hermenutico e

    dialtica de explicar e compreender(4-5).

    Para a reconstruo social e histrica do fenmeno das drogas, dirigimos ateno

    especial aos processos ocorridos no Chile e na Amrica Latina. Para a contextualizao

    sociocultural, destacamos as formas de sociabilidade, valores, padres de consumo que

    caracterizam o estilo de vida ps-moderno nas sociedades contemporneas.

    Uso de drogas no Chile

    As drogas so definidas como substncias farmacologicamente ativas sobre o sistema

    nervoso central, podendo produzir alteraes do comportamento (6). Esta definio permite

    classificar como drogas, no Chile: aquelas que so consideradas ilcitas em sua produo ou

    comercializao (LSD, maconha, cocana, pasta base); as lcitas, que podem ser produzidas e

    comercializadas sob controle (tranqilizantes, analgsicos, estimulantes); por ltimo, as que,

    podendo produzir tanto ou mais dano que as anteriores, so consideradas de uso sem restrio

    (tabaco e lcool).

    O consumo tradicional de substncias psicoativas, no Chile, data da Amrica pr-

    colombiana, entretanto, na segunda metade do sculo XX que o consumo de drogas torna-se

    problema social, devido s implicaes legais e de sade pblica.

    Quanto s drogas ilcitas, a avaliao do MEM 2001-2002 nacional, no Chile, mostra

    os seguintes dados: a) as universidades abordam o tema como problemtica menor nos

    currculos; b) no h normas para o tratamento padronizado do dependente; c) apareceram

    novas drogas no padro de consumo; d) no h cultivos ilcitos, quase no h laboratrios de

    produo; e) h pleno controle do comrcio de substncias precursoras; f) no h trfico de

    armas e controla-se a importao e exportao; g) no h condenaes por lavagem de

    dinheiro(7).

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    Os resultados da avaliao do MEM revelam insuficiente ateno s drogas e

    estimulam os questionamentos: como ocorre a expanso do consumo e diversificao de

    drogas ilcitas, se no h cultivo, laboratrios de produo, nem comrcio?

    Os dados sobre o consumo de drogas no Chile indicam que as taxas de dependncia de

    drogas da populao esto em crescimento e se referem, sobretudo, s drogas lcitas. A

    populao chilena mantm altos ndices de alcoolismo, repercutindo esse consumo em

    significativo custo social e de sade pblica, mas h poucos estudos que permitem avaliar seu

    impacto social. Por outro lado, os comportamentos relativos s drogas ilcitas receberam

    ateno especial dos poderes e instituies pblicas, passaram a ser considerados crimes com

    punies previstas em lei, enquanto o abuso das drogas lcitas foi apreciado como debilidade

    moral, enfermidade e problema de sade individual e pblica. Fato que, alm das distines

    no enfrentamento do problema das drogas lcitas e ilcitas, no se consideraram as

    determinaes macroeconmicas e socioculturais em sua abordagem.

    Na realidade, o poder pblico, no Chile, s revelou preocupao com o fenmeno das

    drogas como questo de sade coletiva a partir da dcada de 90 do sculo XX. Desde meados

    dos anos 70, durante a ditadura militar chilena, o setor de sade teve importncia secundria,

    ante a prioridade conferida ao crescimento econmico, em detrimento dos investimentos

    sociais(8). Assim, at os anos 90, o pas sequer contava com polticas sanitrias ou de sade

    mental que abordassem o fenmeno das drogas; a nfase das iniciativas recaa somente sobre

    o controle do trfico e a represso do consumo de substncias ilcitas. No obstante, na dcada

    de 80, o consumo e o trfico de drogas ilcitas aumentaram de maneira alarmante, como

    indicam documentos oficiais(9).

    Em 1990, aps a retomada da democracia chilena, foi criado o Consejo Nacional para el

    Control de Estupefacientes (CONACE) para programar e dirigir os esforos multissetoriais do

    controle de drogas no Chile. Devido sua concepo multissetorial e interministerial, o

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    CONACE impulsionou a criao da Lei 19 366, promulgada em 1995, para controlar el

    trfico ilcito de estupefacientes y sustancias psicoactivas(9).

    A Lei 19 366 tipifica os delitos de lavagem de dinheiro e de manejo ilegal de

    precursores qumicos, propiciando abordagem ampla do problema e assumindo o sempre

    esquecido aspecto das redes internacionais, que lucram com o trfico. A lei prev penas para a

    fabricao no autorizada de drogas estupefacientes ou psicotrpicas que produzam

    dependncia, excluindo qualquer interferncia sobre a fabricao industrial e a

    comercializao de bebidas alcolicas, tabaco e medicamentos, que tm efeitos semelhantes.

    Essa uma grave incongruncia, pois h estudos que mostram o consumo abusivo de tabaco,

    lcool ou medicamentos como hbito rotineiro da populao chilena(10).

    O Conselho Nacional para o Controle de Estupefacientes conta, atualmente, com

    vrios programas de preveno do consumo de drogas em nvel nacional, com nfase no

    fortalecimento dos laos familiares(11). A entidade tem pgina da web que veicula

    informaes, links relacionados e bases de dados para a sociedade em geral. Dois aspectos

    chamam a ateno ao revisar a web e os documentos do CONACE: a totalidade de suas

    finalidades faz referncia ao controle do consumo de drogas ilcitas e exclui, em seus

    objetivos estratgicos, as drogas lcitas(12).

    A Encuesta Nacional de Drogas en Poblacin General de Chile, produzida pelo

    CONACE, demonstra que o consumo de drogas ilcitas, no ano de 2002, atinge 5,68% da

    populao, dos quais 5,17% correspondem maconha (computado qualquer consumo por

    indivduo no ano), 1,57% de cocana e 0,51% de pasta base. O informe estima a dependncia

    do lcool em 11,78% e a taxa de consumo em 59,11%; no caso do tabaco, o consumo chega a

    42,89%. Entre os estudantes chilenos, 18% se embriagam pelo menos uma vez por ms. As

    idades de incio do consumo de tabaco, lcool, maconha, pasta base, cocana so,

    respectivamente, 15, 17, 17, 20 e 21 anos(13).

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    Ao analisar as tendncias do consumo das drogas ilcitas no Chile, de 1994 a 2002,

    percebemos que os maiores ndices esto entre homens, jovens e pobres; o uso de solventes

    volteis alcana 0,25% e ocorre, sobretudo, entre menores em situao de abandono. Por

    outro lado, a taxa de uso de drogas lcitas sem prescrio mdica alcana 4,31% da populao

    chilena(13).

    Segundo o programa CICAD/OEA (Comisso Interamericana para o Controle do

    Abuso de Drogas), no consumo mensal de drogas por escolares de 13 a 18 anos, o de lcool

    oscila entre 50,9% do Uruguai e 15,8% da Guatemala; no Chile, alcana 35,38% dos quais

    18,41% apresentam dependncia. A prevalncia anual das drogas ilcitas na Amrica Latina

    corresponde a 6%, cifra similar da realidade chilena(14).

    De maneira geral, os esforos econmicos, sanitrios e legislativos se orientaram para

    o controle das drogas ilcitas, entre as quais se encontra a maconha (mais de 90% do consumo

    de drogas ilcitas), apesar de ser reconhecida, na literatura sobre o tema, a tendncia

    escalada de drogas desde as menos aditivas s mais aditivas.

    O Ministrio do Interior chileno informa, quanto aos aspectos policial-repressivos

    associados ao trfico e consumo de drogas, que, durante o ano de 2003, aumentou o confisco

    de armas de fogo ligadas droga e registraram-se 39 pessoas afetadas por procedimentos

    policiais, porm, no existem dados sobre o nmero de leses provocadas por disputas entre

    traficantes(15). As mortes e leses decorrentes das aes associadas s drogas ilegais somam-se

    aos danos psicofsicos prprios de seu uso (a cidade do Rio de Janeiro passou a ser o

    paradigma desse fenmeno de danos devidos violncia vinculada ao trfico e consumo de

    drogas(2)). A articulao entre trfico de drogas e outras atividades criminosas, como sua

    conexo com a guerrilha colombiana, assassinatos, trfico de armas, entre outros, um dos

    aspectos mais graves da questo.

    Outro fato importante a se considerar na discusso sobre o papel das drogas na

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    sociedade o constante aparecimento de novas substncias psicoativas, situao que obriga

    permanente reviso das estratgias de enfrentamento. No Chile, recentemente, apareceram

    bebidas energticas com elevados nveis de cafena, comercializadas com o incentivo de

    manter o usurio desperto para estudar, participar de festas ou poder consumir mais lcool

    (depressor). O mesmo ocorreu com o ecstasy, consumido pelas mesmas razes das bebidas

    energticas, com a diferena de que se penaliza seu uso e comrcio, por ser ilegal.

    De acordo com dados do CONACE, poucas pessoas que apresentam dependncia de

    drogas desejam e recebem o tratamento (4,7% dos usurios de maconha, 23,5% de pasta base

    e 7,1% de cocana)(12). Para enfrentar a demanda de tratamento e reabilitao, o Estado, via

    CONACE, estabeleceu convnio com 96 centros especializados no pas.

    A avaliao dos programas de tratamento e reabilitao, solicitada pelo CONACE

    Escola de Sade Pblica da Universidade do Chile, concluiu que as modalidades de

    tratamento so extremadamente diferenciadas em estrutura, processo e coleta de informaes,

    e que carecem de financiamento e organizao. Segundo o estudo, mudanas so necessrias

    para que a rede de prestaes se torne eficaz: formulao de poltica clara de financiamento,

    padronizao de critrios de validao de programas, capacitao dos recursos humanos,

    fortalecimento administrativo para o cumprimento de normas tcnicas, gerao de estrutura

    formal de coordenao da rede assistencial e criao das bases de um sistema de avaliao de

    impacto(11).

    A grande diversidade de discursos e representaes acerca das drogas, entre os

    profissionais envolvidos, apresenta-se como contradio articulada com a disparidade

    curricular na formao dos profissionais de diferentes reas, assim como com o estigma social

    que recai sobre os dependentes de drogas, explicitado pela palavra drogado, freqentemente

    acionada como categoria de acusao(16-17), revelando os preconceitos e a excluso social dos

    dependentes. Por outro lado, o modelo biomdico, predominante nas cincias da sade no s

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    no Chile, resultou no confronto das dependncias centrado na doena, definida pelos

    sintomas, e no indivduo. Entretanto, o problema das drogas envolve multiplicidade de

    ngulos, que impe a considerao das articulaes entre micro e macrodeterminantes do

    problema.

    Contexto latino-americano contemporneo

    Na situao internacional do fenmeno das drogas ilcitas, h pases

    fundamentalmente produtores e outros onde o mais importante o consumo ou o lucro obtido.

    Sob esse aspecto, existe polaridade hemisfrica Norte-Sul, em que o Sul produz droga e o

    Norte a consome. Como so os pases mais ricos ou desenvolvidos aqueles que sofrem maior

    impacto do abuso de drogas - e devido sua posio de hegemonia poltica, econmica e

    militar - so eles que decidem as estratgias de controle intergovernamental que se

    traduziram, sobretudo, em intervenes coercitivas.

    Em 1998, no II Cumbre de las Amricas, no Chile, surgiu a idia do Mecanismo de

    Evaluacin Multilateral (MEM) para a orientao da luta americana contra o problema da

    droga. Tal iniciativa substituiu a avaliao unilateral que os Estados Unidos faziam dos

    demais pases da Amrica e que determinava a poltica de relaes exteriores daquele pas

    com seus parceiros.

    Os dados da avaliao do MEM 2001-2002(18), no entanto, indicam que: a) os planos

    internacionais de controle de drogas no consideram a realidade local; b) a maioria dos pases

    no tem estudos epidemiolgicos do problema das drogas; c) nem todos os pases ratificaram

    os acordos de cooperao internacional; d) o lcool e o tabaco so as drogas de mais precoce

    experimentao na vida (12-14 anos) e so fatores de risco para o uso de drogas ilcitas; e) os

    cultivos de drogas ilcitas diminuem em alguns pases (Peru e Bolvia), porm, aumentam em

    outros (Colmbia) e deslocam-se para naes no produtoras tradicionais; f) cresce o

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    consumo inadequado de frmacos lcitos; g) as condenaes por trfico de droga so em

    muito menor nmero do que deveriam ocorrer.

    Na Amrica Latina, a abordagem do problema da droga evoluiu da tradicional posio

    do modelo biomdico, em que a dependncia de drogas vista como doena psquico-

    biolgica, para o de Sade Pblica, que considera o meio social e, por ltimo, para o

    Geopoltico Estrutural, que acrescenta os fatores judiciais, polticos, econmicos e

    geogrficos. Esse ltimo enfoque objetiva fortalecer as estruturas governamentais, visando a

    reduo da oferta-demanda de drogas e ao estabelecimento de medidas de controle de trfico

    e consumo. A mudana das estratgias indica progressiva contextualizao social do

    problema, porm, no resultou em maior impacto social.

    A poltica internacional do combate s drogas marcada por generalidade e coexiste

    com o aumento do consumo de drogas existentes e surgimento de novas drogas. Ao promover

    o combate ao uso abusivo de drogas a partir da perspectiva centrada em interesses

    econmicos e sem atacar as causas do problema, essa poltica no se orientou para melhorar a

    qualidade de vida e de sade dos grupos humanos, mas visou impedir as perdas econmicas

    decorrentes desse uso, como constatam pesquisas sobre doenas e custos de servios de sade.

    A perspectiva generalizante que orienta o enfoque da questo, em nvel latino-

    americano, explica a ausncia de critrios para apreciar as diferenas histricas e culturais de

    cada regio envolvida no circuito internacional de produo, distribuio e consumo de

    drogas. Guiando-se pela perspectiva articulada sob a hegemonia dos pases desenvolvidos,

    que consideram seus problemas de sade pblica como problemas mundiais, as solues

    propostas tendem a ser inadequadas s realidades locais e, muitas vezes, com o objetivo

    explcito de combate s drogas, as aes assumiram o carter de intromisso militar e poltica

    de uns pases sobre outros.

    A verdade que a droga, a violncia, pobreza e marginalidade tm sido tratadas como

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    causas de problemas sociais, quando deveriam ser consideradas indicadoras de questes

    maiores que afetam a humanidade. Dada sua magnitude, necessrio encontrar estratgias das

    quais todos possam participar para controlar o problema da droga, porm, no com vises

    parciais, e sim com viso de conjunto que inclua todos os atores envolvidos, direta ou

    indiretamente, com o problema e sua soluo.

    Cabe indagar, ainda: quais os valores e motivaes que impelem para o abuso de

    quaisquer drogas? Que modelo de sociedade favorece o aparecimento dessas condutas?

    Contexto sociocultural do uso de drogas

    Para compreendermos o consumo contemporneo de drogas lcitas e ilcitas,

    ncessrio contextualiz-lo, entendendo a cultura como esse contexto que, sob muitos aspectos,

    transcende o mbito restrito de pases considerados isoladamente, o que exige a considerao

    do consumo de drogas como um fenmeno cultural associado globalizao, com suas

    inerentes conexes internacionais.

    Nas sociedades contemporneas, o uso de drogas assume carter dramtico por

    vincular-se a redes nacionais e internacionais legais, ou criminosas (muitas vezes articuladas),

    transformando o trfico de drogas em instrumento de poder e numa das atividades mais

    lucrativas do mundo, o que dificulta o controle da situao.

    Quando nos perguntamos a respeito dos valores e idias que estimulam o uso de

    drogas por contingente to grande da populao mundial, nossas atenes convergem para a

    dimenso simblica da questo e para o estilo de vida no qual essa populao se insere,

    entendendo estilo de vida como conjunto de prticas, smbolos distintivos e propriedades que

    expressam as condies de existncia.

    Como demonstram estudos sobre o tema, o uso de drogas representa uma das formas

    de reconhecimento de semelhanas entre indivduos, ensejando a formao de grupos que

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    partilham hbitos e, no caso das drogas ilcitas, vocabulrio, sistemas de reconhecimento,

    estigma e a insegurana inerente prtica ilegal, configurando um estilo de vida que congrega

    classes sociais diversas, expressado por uma constelao de grupos que tm em comum uma

    atividade clandestina e ilegal (19).

    O abuso de drogas pode ser compreendido como fenmeno ligado a certa concepo

    de mundo e a um estilo de vida que exaltam a afirmao da individualidade liberta de

    compromissos, liberdade de optar por um estilo de vida, onde o uso eventual ou rotineiro de

    drogas leves ou pesadas faz parte de um possvel repertrio sociocultural(3) que, por sua

    vez, associa-se dimenso ldica e ao hedonismo, com a busca do prazer legitimada como

    um fim em si mesmo(19). Esses so valores que ressaltam na verso ps-moderna da nossa

    sociedade para os princpios de liberdade e autonomia individuais, construdos na

    modernidade, e que esto presentes no processo de socializao das novas geraes.

    possvel que o grande consumo de drogas esteja associado concepo de felicidade

    caracterstica da cultura de massa(20), por muitos autores compreendida como integrante do

    estilo de vida ps-moderno(21). Concepo de felicidade que mira, como ideal imaginrio, a

    vida fruda com intensidade, que arrisca tudo, com grande nfase nos sentimentos e emoes

    pessoais, no desfrute individual e no hedonismo do presente. No h dvida de que nunca

    houve, na histria da humanidade, um apelo to macio e to intensivo felicidade, que fosse

    ao mesmo tempo to ingnuo e cego(20).

    Essa uma concepo de felicidade associada ao presentesmo do estilo de vida

    ps-moderno (exaltao do tempo presente), no qual ocorre a transmutao de valores

    constitutivos da modernidade, como o trabalho criador de valor econmico e o ativismo

    poltico, dando lugar valorizao das experincias emocionais, msticas e de prazer(22).

    uma felicidade consumidora, que incita o consumo no s de mercadorias, como tambm da

    prpria vida. Induz o consumo de prazer, roupas, automveis, objetos esotricos, drogas

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    euforizantes e, assim, oculta a angstia, o fracasso e a dor(20). As drogas assumem, nesse

    contexto, o carter de elixir da boa vida(22), propiciando a fuga onrica, fantasiosa, da

    realidade, com o mesmo carter da mercadoria na sociedade de massa.

    CONSIDERAES FINAIS

    A anlise dos dados acerca do uso de drogas no Chile indica que entre as drogas mais

    consumidas no pas - e de experimentao mais precoce pela populao - esto bebidas

    alcolicas e tabaco, seguidos de drogas ilcitas como maconha e cocana. Os dados revelam,

    ainda, desacordos e inadequao na lida com o problema.

    O fenmeno do uso abusivo de drogas cresce no s no Chile, mas em toda Amrica

    Latina e no mundo. Sendo assim, juntamente com sua dimenso local, precisamos considerar

    a dimenso internacional da expanso do trfico e do consumo de drogas, que se associa ao

    processo de globalizao e cultura de massa.

    A constituio de poderosas redes internacionais de comunicao, informao,

    comrcio e de produo-difuso de mercadorias e hbitos caracteriza o processo de

    globalizao, que influencia a dinmica cultural dos povos contemporneos. Configura-se,

    nesse processo, a cultura de massa, no interior da qual observamos a expanso de formas de

    consumo cultural e de estilos de vida, assim como o afloramento de situaes paradoxais,

    como a exacerbao das individualidades e, ao mesmo tempo, o avivamento de solidariedades

    grupais (as novas tribos(23)); do apagamento das diversidades culturais e da reivindicao de

    mltiplas identidades sociais e tnicas(1). Nessa vivncia paradoxal, o homem contemporneo

    busca se associar aos seus iguais, em grupos fundados sobre preferncias, hbitos,

    sentimentos, vises de mundo; como indivduo concebe-se como centro do mundo, seus

    interesses subordinando os coletivos, em sua busca de prazer e da felicidade baseada no

    consumo e na execuo de aes orientadas para a fruio do presente.

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    Ante essa realidade sociocultural, as dependncias no podem ser apreendidas

    somente no contexto de substncias, indivduos, sintomas de doenas ou aes especficas,

    mas deve orientar-se para processos que permitam compreender as adies em nvel coletivo.

    Estilo de vida, viso de mundo e valores dominantes na sociedade so focos importantes para

    a compreenso dos significados atribudos s drogas.

    A eficcia de polticas e aes relativas ao fenmeno das drogas exige a considerao

    de sua dimenso sociocultural, das especificidades de cada pas e estratgias para o

    envolvimento de toda a sociedade. A esperana de uma sociedade livre de dependncias

    demanda maior esclarecimento da populao sobre o fenmeno das drogas e deve incluir

    interveno no mbito cultural que privilegie, desde a infncia, a educao propiciadora de

    valores que estimulem a auto-responsabilidade, o compromisso social e hbitos de vida

    saudveis.

    Em suma, a atuao isolada do setor de sade foi e ser infrutfera; s podero ter

    eficcia sobre o problema iniciativas conjuntas de diversos setores, multilaterais e que

    considerem os aspectos individuais, psquicos, de sade e socioculturais.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 1. Castells M. O Poder da Identidade. So Paulo (SP): Paz e Terra; 1999. 2. Velho G. Uma perspectiva antropolgica do uso de droga. J Bras Psiquiatria 1980; 29 (6):

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