Drogas, o dilema da sociedade: permitir ou proibir?

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De repente no nosso dia-a-dia, seja como profissional, seja como estudante, ou até mesmo leigos, nos deparamos com uma sociedade que vive um dilema: permitir ou proibir o uso de drogas.

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DrogasO Dilema da Sociedade:

Permitir ou Proibir?

Análise com base histórica, legal, clínica e psicológica.

Tereza Cristina Corrêa Meyer Sant´AnnaDaniel Marques Cavalcante

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S232

Sant’Anna, Tereza Cristina Corrêa Meyer

Drogas, o dilema da sociedade: permitir ou proibir? / Tereza

Cristina Corrêa Meyer Sant’Anna, Daniel Marques Cavalcante. –

Brasília DF : Editora Kiron, 2012.

ISBN 978-85-8113-069-9

1. Ciências sociais. 2. Direito Constitucional, Direito Processual

Penal e Direito Penal. 3. Jurisprudência. 4.Drogas. I. Título

CDU 347.1

Projeto Gráfi co e Editoração EletrônicaPaulo de Tarso Soares Silva

Editora Kiron

Criação e Editoração Eletrônica da CapaÍtalo Roberto Gonçalves da Silva

Editora Kiron

Impressão e AcabamentoEditora Kiron

(61) 3563.5048 | www.editorakiron.com.br

A aquisição dessa obra é feita pelo site: www.editorakiron.com.br

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PREFÁCIO ..............................................................................7

TÁBUA DE ABREVIATURAS ........................................................9

1. INTRODUÇÃO ...................................................................13

2. ACEPÇÕES AO TEMA .........................................................17

2.1 Criminalização ............................................................... 172.2 Descriminalização .......................................................... 182.3 Legalização ..................................................................... 182.4 Funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC) ..... 182.5 Drogas ............................................................................ 192.6 Uso indevido ................................................................... 212.7 Usuário ........................................................................... 21

2.7.1 – Usuário Experimental .......................................... 212.7.2 – Usuário Ocasional ............................................... 212.7.3 – Usuário Habitual ou Funcional ........................... 212.7.4 – Usuário Dependente ou Disfuncional ................. 21

2.8 Usuário dependente ou simplesmente dependente ......... 222.9 Substâncias que podem causar dependência ................... 22

Sumário

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2.10 Tipos de Dependência: ................................................. 402.10.1 Dependência Física .............................................. 402.10.2 Dependência Psiquica ........................................... 40

2.11 Efeitos das Drogas no Organismo: ............................... 412.12 Psicotrópicos ou Drogas Psicotrópicas .......................... 442.13 Tráfi co Ilícito de Drogas ............................................... 46

3. BREVE HISTÓRICO ............................................................47

4. ALGUNS DOS TRANSTORNOS CAUSADOS PELAS DROGAS ........69

4.1 Pelos Solventes e Inalantes: ............................................ 714.2 Pela Cannabis Sativa (Maconha) .................................... 744.3 Pela Cocaína ................................................................... 85

5. MODELOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE ÀS DROGAS ..95

6. EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO TOCANTE AO USUÁRIO DE DROGAS ...................................... 101

7. ASPECTOS ECONÔMICOS DO MERCADO DE DROGAS ........... 105

7.1 O Crescimento do uso de drogas ilícitas no Brasil ....... 1077.2 O Tráfi co nos dias atuais ............................................... 1117.3 Medidas Necessárias ..................................................... 112

8. ANÁLISE PORMENORIZADA DO CONTEXTO DA LEI N. 11.343/06. ......................................................... 123

8.1 Art. 4º - Incisos I e II: .................................................. 1268.2 Art. 18 e 19 – Da prevenção, atenção e reinserção social. .................................................................................. 1298.3 Arts. 28, 30, 31, 32 e 48 – Do usuário de drogas e da repressão ........................................................................ 134

8.3.1 Art. 28 .................................................................. 1348.3.2 Arts. 31 e 32 - Da repressão ................................. 1498.3.3 Art. 40 .................................................................. 1508.3.4 Art. 48 .................................................................. 152

9. A SOCIEDADE E O DILEMA: PROIBIR OU PERMITIR ............. 157

CONCLUSÃO ...................................................................... 179

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................ 189

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Tabelas

Tabela I - As Drogas e suas características. ................................. 32Tabela II - Comparação entre os efeitos do Tabaco e da Maconha no organismo humano ................................................ 82Tabela III - Uso de drogas psicotrópicas ................................... 110Tabela IV - Alterações do texto legal – Comparação entre a Lei n. 6.368/1976 e a Lei n. 11.343/2006 ..................... 125

Ilustração

Principais vias afetadas pelas drogas ........................................... 93

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A ideia deste livro surgiu a partir das aulas de Direito Processual Penal e Direito Penal. As discussões provenientes do texto da Lei

n. 11.343/2006, de 23 de agosto de 2006, mostraram a necessidade de uma pesquisa mais aprofundada do tema.

No decorrer desse estudo verifi cou-se que as divergências de opinião tinham, como fundamento uma falsa realidade e o desconhecimento de uma série de premissas legais, históricas, clínicas e psicológicas sobre as drogas.

Notou-se, inclusive, que as escolhas, na maioria das vezes, são feitas com base em conceitos empíricos e obtusos, sem critérios científi cos e razões fáticas. Demonstrando uma grande incoerência entre as decisões e as motivações.

Decisões e opiniões, por vezes, baseadas na intuição, na emoção, na superstição e mesmo por se acreditar, estar-se diante de uma solução.

Dessa forma, considerou-se a relevância de uma obra que trouxesse dados expressivos, de modo que, observados em conjunto retratassem de maneira fi ável o que é verdadeiro ou o que é melhor.

Tem-se como pretensão a análise conjunta das diversas nuanças

Prefácio

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que se relacionam com o tema, assim como a proposta de ser acessível aos vários segmentos sociais.

Nesse sentido, optou-se por apresentar uma linguagem simples, com conteúdo objetivo e atualizado, inclusive trazendo o posicionamento jurisprudencial sobre a matéria, a fi m de possibilitar a amplitude do conhecimento.

Aceita-se sempre de bom grado as críticas e sugestões para o aprimoramento dessa obra em futuras edições.

Boa leitura!

Os Autores.

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AIDS Síndrome da Imunodefi ciência Adquirida, em inglês: Acquired Immune Defi ciency Syndrome.

ANPR Associação Nacional dos Procuradores da República.

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

AVC Acidente Vascular Cerebral.

BBC Corporação Britânica de Radiodifusão, em inglês: British Broadcasting Corporation, emissora pública de rádio e televisão do Reino Unido, fundada em 1922.

CBC Cannabidiol, substância química encontrada na Cannabis Sativa e que constitui grande parte da planta, chegando a representar 40% dos seus extratos.

Tábua de

Abreviaturas

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CBN Cannabinol, produto oxidante do tetrahidrocanabinol (THC).

CCJ Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania.

CEBRID Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas.

CFP Conselho Federal de Psicologia.

CID-10 Classifi cação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, em inglês: International Statistical Classifi cation of Diseases and Related Health Problems (ICD), publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMC) – Revista Periódica, em sua décima edição.

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

COP 4 Convenção Quatro para o Controle do Tabaco, tratado internacional com a chancelaria da Organização Mundial da Saúde (OMS).

CP Código Penal.

CPM Código Penal Militar.

DH Direitos Humanos.

DIMED Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamentos.

DJU Diário da Justiça da União.

DMS-IV Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais.

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DOU Diário Ofi cial da União.

DST Doenças Sexualmente Transmissíveis.

EUA Estados Unidos da América.

EUROCARE Th e European Alcohol Policy Alliance, aliança de 48 organizações de políticas de saúde de 21 países europeus.

FIFA Federação Internacional de Futebol, do francês: Fédération Internationale de Football Association.

HC Habeas Corpus.

INCB Junta de Controle de Narcóticos, em inglês: International Narcotics Control Board, com amparo da Organização das Nações Unidas (ONU).

LSD Dietilamida do ácido lisérgico, uma das mais potentes substâncias alucinógenas. Em alemão: Lysergsäurediethylamid.

MDMA Metinelo-dioxi-metanfetamina, substância alucinógena.

OEDT Observatório Europeu de Drogas e da Toxicodependência.

OMS Organização Mundial da Saúde.

PM Polícia Militar

SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, instituído pela Lei n. 12.594/2012.

SISNAD Sistema Nacional de Políticas Púbicas sobre Drogas.

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SNFMF Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia.

SNS Sistema Nervoso Central.

STF Supremo Tribunal Federal.

STJ Superior Tribunal de Justiça.

SUS Sistema Único de Saúde.

SVS/MF Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde.

THC Tetrahidrocanabinol, em inglês: Tetrahydrocannabinol. Principal substância psicoativa encontrada nas plantas do gênero cannabis.

TRF Tribunal Regional Federal.

TRF-3 Tribunal Regional Federal, 3ª Região.

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

USP Universidade Federal de São Paulo.

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O direito não se exaure em códigos e leis, mas avança no tempo, em constante mutação.Os costumes e princípios norteadores do direito vivem o

dinamismo que se coaduna com as mudanças e evoluções sociais, culturais e econômicas da sociedade.

O direito deve compreender, fundamentalmente, o interesse da coletividade. Ao longo do tempo, os conceitos do certo e do errado, do direito e do não direito se adaptam às novas realidades geográfi cas, religiosas, humanísticas e históricas; descrevendo questões que interferem na legislação a ser aplicada.

Verifi ca-se, portanto, que o direito, na sua essência, é um conceito que requer ajustes e adequações frequentes. Para manter o compasso entre a realidade e as normas, as interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais surgem de modo a suprir tanto as lacunas deixadas pelo legislador como para se adequar ao ritmo que a vida impõe.

Entretanto, ante ao clamor da própria sociedade para que a legislação vigente possa se adequar às novas realidades, o legislador é levado a elaborar novas leis.

Introdução

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Rogério Greco (2006, p. 61) ensina que tendo como base o princípio da adequação social, o legislador deve ponderar na criação e alteração dos tipos penais, embasado nos fi ns e interesses da sociedade: “[...] o princípio da adequação social, [...] destina-se ao legislador, orientando-o na escolha de condutas a serem proibidas ou impostas, bem como na revogação de tipos penais.”1

Nesse sentido, o Profº Luiz Régis Prado (2006, p. 143-144), também leciona que “[...] apesar de uma conduta se subsumir formalmente ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada.”2

Em concordância com o mencionado, Cezar Roberto Bitencourt (2006, p.24), afi rma que “[...] muitas vezes há um descompasso entre as normas penais incriminadoras e o socialmente permitido ou tolerado.”3

Neste contexto, trinta anos depois da promulgação da antiga Lei de Tóxicos – Lei n. 6.368, de 21 de outubro de 1976, surge, em 23 de agosto de 2006, a Lei n. 11.343/06, com vigência a partir de 08 de outubro de 20064, enquadrando-se à atualidade conceitual quanto ao tráfi co e o uso de entorpecentes.

Até outubro de 2006 a legislação sobre drogas era composta pelas Leis n. 6.368, de 21 de outubro de 1976 e Lei n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002. Esta última pretendia substituir a Lei n. 6.368/76, mas o projeto possuía tantos vícios de inconstitucionalidade e defi ciências técnicas que foi vetado em sua parte penal, somente aprovada a sua parte processual.

Com isso, estavam em vigor:

a. No aspecto penal, a Lei n. 6.368/76, de modo que continuavam vigentes as condutas tipifi cadas pelos arts. 12 a 17, a causa de

1 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006, p.61.

2 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006, p. 143-144.

3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado do direito penal: parte geral. 8 ed. São Paulo, 2006, p. 24.

4 O art. 74 da Lei n. 11.343/2006 estabelece que a referida lei entraria em vigor 45 dias após sua publicação.

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aumento, prevista no art. 18 e a dirimente estabelecida pelo art. 19, ou seja, todo o Capítulo III, dessa lei;

b. Na parte processual, a Lei n. 10.409/2002, estando a matéria regulada nos seus Capítulos IV - Do Procedimento Penal e V - Da Instrução Criminal.

Acabando com essa lamentável situação, adveio a Lei n. 11.343/06, de 23 de agosto de 2006, a qual, em seu art. 75, revoga expressamente os diplomas legais citados.

Com a nova Lei de Drogas, não se admite a possibilidade da pena de prisão para o usuário, que só assina um Termo Circunstanciado e se compromete a comparecer a uma audiência onde o juiz fará admoestação verbal e o encaminhará para algumas sessões de tratamento (art. 48, §2º).

O usuário passa a ser tratado como vítima - usuário dependente, que carece de atenção e tratamento – outras vezes como simples cidadão que num determinado momento, optou, dentro do seu livre arbítrio, por fazer uso momentâneo de uma substância entorpecente, sem prejudicar terceiros – usuário ocasional.

No artigo 16, da antiga Lei n. 6.368/76, a posse de droga, para consumo pessoal, insidia em pena privativa da liberdade, qualifi cando-se como crime e punido com a pena de detenção, de 6 meses a 2 anos (admissível o sursis, a progressão de regime e a substituição por pena restritiva de direitos, se presentes as condições gerais do Código Penal – CP). Além da pena de multa, de 20 a 50 dias-multa, calculados na forma do revogado art. 38, da Lei n. 6.368/76.

Tratava-se, no entanto, de crime de menor potencial ofensivo, sujeitando-se ao procedimento da Lei n. 9.099/95, incidindo igualmente seus institutos despenalizadores, desde que atendidos os requisitos penais.

A Lei atual institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, prevê a atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfi co ilícito de drogas; além de defi nir crimes e dar outras providências.

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Dentre as novas fi guras penais inseridas no texto normativo, se tem notadamente as regras contidas no art. 36, que cuida do crime de fi nanciar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei.

A despeito desses novos enfoques, sua maior virtude foi resolver a celeuma criada com a vigência simultânea das Leis n. 6.368/76 e n. 10.409/2002, tendo seu artigo 75 revogado expressamente essas duas leis.

Quando da publicação da Lei n. 11.343/06, houve um questionamento doutrinário quanto às modifi cações trazidas ao cenário do uso de drogas, se estaríamos diante de uma descriminalização, a caminho de uma legalização do uso de drogas ilícitas.

Atualmente, concluiu-se que a sanção moral é sufi ciente para compor um mecanismo destinado a tornar a norma socialmente efi caz, evitando-se a desproporção entre a violação e a sanção.

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Antes de se desenvolver a temática proposta, mister se faz ressaltar alguns dos conceitos sobre a natureza do tema a ser estudado:

2.1 Criminalização

As condutas morais consideradas de risco para a propriedade, para o corpo de cada cidadão e passíveis de punições universais são chamadas crime. Estas condutas são criminalizadas segundo as repercussões que provocam numa determinada época. Por isso mesmo, diz-se que a conduta criminalizada hoje pode ser descriminalizada amanhã. A criminalização é a resultante da luta entre as forças sociais que delineiam os traçados dos costumes e da moral, que identifi carão as ações insuportáveis para a sociedade e, também, as punições esperadas para redução ou cessação de tal conduta.

Acepções ao Tema

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2.2 Descriminalização

Trata-se da conduta que a partir de um determinado momento é incorporada aos costumes, deixando de ter o caráter de ilicitude e cabendo mais a penalização atribuída pelo direito penal. Não é o oposto da criminalização, mas somente uma faceta, pois nada garante que o ato descriminalizado não seja novamente criminalizado. Os movimentos de descriminalização muitas vezes libertam a conduta dos encarceramentos fechados e os redimensionam para o campo do controle a céu aberto com psiquiatrização, terapias, acompanhamentos de liberdade assistida. Portanto, descriminalizar não é sinônimo de liberação de atitudes. Trata-se apenas de um deslocamento de uma penalização jurídica para tratamentos médico-psicológico. Os movimentos de descriminalização, como das drogas, muitas vezes vêm associados aos de redução de danos.

Para Luiz Flávio Gomes (2010) “descriminalizar não é a mesma coisa que legalizar, pois signifi ca apenas retirar de algumas condutas o caráter criminoso, não implicando, entretanto, em retirar-lhes a ilicitude; o fato continua sendo ilícito, porém, se cominado penas alternativas.”5

2.3 Legalização

É um processo que traz para o controle da lei uma atividade específi ca, anteriormente ilegal ou proibida.

2.4 Funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC)

Conforme defi nição de artigo publicado na Revista IMESC (2001), ao recebermos um estímulo, através dos órgãos do sentido (visão, audição e tato), a “ [...] mensagem é enviada ao SNC onde ocorre o processamento da informação, interpretação, elaboração, memorização, associações, entre outros. Esses processamentos ocorrem em milésimos de

5 GOMES, Luiz Flávio. Usuário de drogas: prisão ou medidas alternativas. Disponível em http://www.proomis.com.br. Acesso em 21.01.2010.

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segundos e se repetem milhares de vezes ao longo de um único dia. [...] O SNC é formado por bilhões de células interligadas, formando uma complexa rede de comunicação. Essas células responsáveis pelo processamento das informações são chamadas de ‘neurônios’ [...] que não fi cam continuamente ligados, existindo um espaço (fenda sináptica) que os separa. Nessa fenda ocorre a ‘neurotransmissão’ (troca de informações entre os neurônios)”.

Para transmitir a informação, o neurônio (pré-sináptico) libera substâncias químicas denominadas ‘neurotransmissores’ para o neurônio subsequente (pós-sináptico), transmitindo a mensagem. Os pós-sinápticos recebem a informação através de sítios específi cos denominados ‘receptores’.

Alguns dos neurotransmissores mais conhecidos são: acetilcolina (envolvido com a memória e a aprendizagem), dopamina (promove a sensação de prazer e a de motivação), noradrenalina (infl uenciam no humor, ansiedade, alimentação e sono), serotonina (fundamental para a percepção e avaliação do meio e capacidade de respostas ao estímulo ambiental), GABA (neurotransmissor responsável pelo controle da ansiedade) e glutamato (neurotransmissor excitatório).

Verifi ca-se, portanto, que cada uma dessas substâncias é responsável por funções específi cas e elas são distribuídas de forma heterogênea no SNC, em sistemas que recebem o nome do neurotransmissor envolvido (sistemas colinérgico, dopaminérgico, entre outros).

“As drogas psicotrópicas agem alterando essa comunicação entre os neurônios, podendo produzir diversos efeitos de acordo com o tipo de neurotransmissor envolvido e a forma como a droga atua.”6

2.5 Drogas

De origem controversa, a palavra droga pode ter origem do persa droa (odor aromático), do hebraico rakab (perfume) ou do holandês antigo droog (folha seca, porque antigamente quase todos os medicamentos eram feitos à base de vegetais).

6 CARLINI, Elisaldo Araújo [et.al.]. Drogas psicotrópicas – o que são e como agem. Revista Imesc Nº 3. 2001. PP 9-35.

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Para a Organização Mundial da Saúde (OMS 1981): “qualquer entidade química ou mistura de entidades (mas outras que não aquelas necessárias para a manutenção da saúde, como, por exemplo, água e oxigênio), que alteram a função biológica e possivelmente a sua estrutura”.

Por exemplo, uma substância ingerida que venha a contrai os vasos sanguíneos resulta numa modifi cação de função, levando a pessoa a um aumento de pressão arterial – mudança fi siológica. Ou, uma substância que faz com que as células do cérebro (os chamados neurônios) fi quem mais ativas, signifi ca que houve uma modifi cação da função e, por consequência, a pessoa fi ca mais dispersa, perdendo o sono, implicando numa mudança comportamental.

“As drogas naturais são obtidas através de determinadas plantas, de animais e de alguns minerais. Exemplo: a cafeína (do café), a nicotina (presente no tabaco), o ópio (na papoula) e o THC tetrahidrocanabinol (da cannabis). As drogas sintéticas são fabricadas em laboratório, exigindo para isso técnicas especiais.”7

O termo droga presta-se a várias interpretações, mas ao senso comum é uma substância proibida, de uso ilegal e nocivo ao indivíduo, modifi cando-lhe as funções, as sensações, o humor e o comportamento.

Para Maria Silvia Có Freitas, citada por Damásio de Jesus, droga seria “qualquer substância natural ou sintética, que ao entrar em contato com o organismo vivo, pode modifi car uma ou várias de suas funções; é uma substância química que tem a ação biológica sobre as estruturas celulares do organismo, com fi ns terapêuticos ou não.”8

Do ponto de vista jurídico, segundo prescreve o parágrafo único do art. 1.º da Lei n. 11.343/2006, de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas): “Para fi ns desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especifi cados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. Isto signifi ca dizer que as normas penais que tratam do usuário, do dependente e do trafi cante são consideradas normas penais em branco. Atualmente, no Brasil, são consideradas drogas todos os produtos e substâncias listados na Portaria n.º SVS/MS 344/98.

7 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Droga. Acesso em 06.jan.2009.

8 JESUS, Damásio. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1. p.52.

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2.6 Uso indevido

Tendo como raiz a Convenção Única sobre Entorpecentes de Nova York, em 1961. Corresponde ao uso de droga sem nenhuma prescrição médica, portando o usuário clandestino em face da proibição legal.

2.7 Usuário

É todo aquele que utiliza a droga de modo usual. A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) distingue entre quatro tipos de usuários:

2.7.1 Usuário experimental ou experimentador: limita-se a experimentar uma ou várias drogas, por diversos motivos, como curiosidade, desejo de novas experiências, pressão de grupo etc. Na grande maioria dos casos, o contato com drogas não passa das primeiras experiências;

2.7.2 Usuário ocasional: utiliza um ou vários produtos, de vez em quando, se o ambiente for favorável e a droga disponível. Não há dependência, nem ruptura das relações afetivas, profi ssionais e sociais;

2.7.3 Usuário habitual ou ‘funcional’: faz uso frequente de drogas. Em suas relações já se observam sinais de ruptura. Mesmo assim, ainda ‘funciona’ socialmente, embora de forma precária e correndo riscos de dependência.

2.7.4 Usuário dependente ou ‘disfuncional’ (dependente, toxicômano, drogadito, farmacodependente, dependente químico): vive pela droga e para a droga, quase que exclusivamente. Como consequência, rompe os seus vínculos sociais, o que provoca isolamento e marginalização, acompanhados eventualmente de decadência física e moral.