Drummond e a Poetica Da Interrupcao
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- - - - - - - - - - - - - - - - 1
859 Drummond Revisitado / Organizado por Reynaldo
Darnazio. So Paulo: Unimarco Editora, 2002.
152 p.
Bibliografia
I
SBN 85-86022-41-1
1. Literatura brasileira L Ttulo
CDD 869.9
_______ . J
J~IH~I; J
S;t OMRICO~
: iY J ~
UN IV ERSIDA DE S D M ARC O S
CH A N CE LER :
O lav o
Dr um m o n d
RE ITOR : Ernan i B icudo de P aula
U NIM A R C O E DITO RA
PRESIDENTE : Luc iane de P aul a
ED ITO R : R ey na ldo Da m a zio
ED IT O R-ASS IS TEN TE: Lu iz P au lo R ouanet
PR O J E T OG R FI CO E O IA G R A M A O : R egi na Ka sh ih ar a
C O N S ELH O ED ITO RIAL : lvaro Cardoso G om es, Ca rlos Fe lipe M oi ss,
F ab io M ag al he s, Fernando
Nov ais
I sma iL X avier , M arce lo Pe rin e,
Pa u lo Ro ber to de A lmeida, S r g io Paulo R ouane t
A V . N A Z AR . 9 00 . IP IR AN GA .0 42 62 -1 00 . S O PAU L O SP
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S IT E: w w w .s m a rc o s.br /e d ito ra/edito ra.htrn
IMPR E S S O E A C A B AM E N T O : P alas A thena TE L: ( 11 ) 3 2 0 9- 62 88
IS BN : 85- 860 22 -41- 1
U N I M A R COE DIT O RA2002
\
.\,Iil,r;[ 1 ; \ :iC l
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u m r o
I.
Apresentao . C arlo s Fe li p e M o is s , 5
No ta s
M argem da L eitu ra de D rummond T arso de M elo ; 9
M elan co lia Gauche na V ida S rg io A lcide s
l
29
D ru m m ond e a Po ti ca da In terrup o. Eduar do S ter zi
49
. . 191
C o is as F o ra do T em po : a Po tica d o R esduo- Je rn im o Te lxel ra ,
Poes ia e Humo r- Ivone D a r R ab el lo
1 07
E spao e M emr ia em Boi tempo C han tal C aste ll i
1
1 23
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Urna pedra no meio do caminho
ou apenas um rastro, no importa.
a Cronos. Seu material, como o amor, triste como vrio,
/ e sendo vrio um
S 79.
A brisa leva e traz o canto, mas
fica o seu resduo de significaes.
'~-i...n uietante estranham_~2 ,-d.9s objeI().s_maiJamilia-
res'~,.es(;reve Agamben, o re~_~le o mEal~
-
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no se esforaram, no entanto, para apreender seu sentido
mais fundo e integral, no se empenharam o suficiente (11 ; \1 1
era seu escopo) para compreender, para alm de cada poem.i
isolado, o porqu dessa imprevista constncia, dessa correu
te subterrnea que aqui e ali eclode superfcie, ao longo d I'
uma obra de resto to variada. Tampouco se aproximaram ;\
hiptese - a qual procuro desenvolver nas pginas seguintes
- de que, extrapolando o esquema narrativo mencionado,
embora sempre orientando-se por seu modelo, a
interrupo
pode ser entendida como princpio tico-esttico, ou ncleo
significante elementar, do que h de mais prprio e intenso, l'
vlido para a posteridade, na poesia de Drummond.
Podemos iniciar nossa perquirio perguntando-nos se
poemas to diferentes, produzidos em pocas e contextos to
distintos, como No meio do caminho , poro e A mquina
do mundo , para nos restringirmos por ora a apenas alguns dos
mais conhecidos, podem de fato ser reduzidos a um esquema ou
princpio comum. Ou somos vtimas de uma iluso de tica?
Para os leitores em geral (e mesmo para os no-leitores
que conhecem seus versos somente de orelhada), Drummond
parece ser sobretudo o poeta do impasse, do bloqueio, da inter-
rupo. No meio do caminho provavelmente o principal
responsvel por esta percepo. Escrito nos ltimos meses de
1924 ou nos primeiros de 1925, dentro ainda, portanto, do
esprito irreverente e combativo da Semana de Arte Moder-
na, no guarda, porm, seno resqucios do gosto modernis-
ta pela stira, pela piada, Embora, como acertadamente nota
I 111 1 . Costa Lima, a referncia s retinas to fatigadas possa
I lida como um momento de ironia , pela quebra que
1 1 11 \> lH: estrutura permutacional dos versos anteriores, pela
1 11 1
roduo da nota subjetiva e emocional na seqncia quase
III.\ql1inaP, essa ironia no coincide com o cmico, e o poe-
- 4
1 \1 .\ ,
no seu todo, resulta
srio,
engenhosa concreao poetlca
.l.:
1110notonia e do tdio modernos, mas tambm de algo
Ill.\isque isso. Tal seriedade, argumenta Arnaldo Saraiva, s
\ Illltribuiu para a recepo polmica do poema, desde sua
11IIhlicaono livro
Alguma poesia,
em 1930: os leitores, que
11 1 \
sua ignorncia ou preconceito teriam preferido tom-Io
I'H.:osamente,foram compelidos a torn-lo a srio. Inmeras
loram as tolices ditas e escritas sobre seus poucos versos;
t.utas amostras foram coligidas pelo prprio Drummond no
1
?
A chave humorstica no por definio avessa ao fenmeno que
1 _. c
l'stamOs definindo como
interrupo.
Comprova-o outro poema
produzido na mesma poca, Cota zero
(Poesia completa.
Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 2002. p. 28):
Stop.
A vida parou
ou foi o automvel?
t :
certo, porm, que este um poema bem menos rico em sugest:s, do
que No meio do caminho , Daquele, podemos extrair toda uma etica;
deste, apenas um convite a um sorriso irnico.
I LIMA, Luiz Costa. O princpio-corroso na poesia de Carlos
Drummond de Andrade , em
Lira e antilira:
Mrio, Drummond, Cabral,
2 ed. revista (Rio de Janeiro: Topbooks, 1995), p. 136.
Haroldo de Campos, um dos inventores da poesia concreta, observa
que No meio do caminho pode ~er ~isto - e_,assi~, que,? vem os
poetasconcretos - como uma verdadeira concreao
11l1
g
UlStl,CaHaroldo
de Campos, Drummond, mestre de coisas , em
Metalmguagem
1 sutras metas: ensaios de teoria e crtica literria (SoPaulo: Perspectiva,
1992),
p,
50.
Ver Arnaldo Saraiva, Apresentao , em Carlos Drummond de
Andrade (seleo e montagem),
Uma pedra
110
meio do caminho:
biografia de um poema (Rio de Janeiro: Editora do Autor 1967)
,
50
51
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divertido volume Uma pedra no meio do caminho: biogral:
de um poema. Mas, afora o pitoresco de algumas re ae s
desinteligentes de primeira hora e por isso mesmo ainda
vivn .,
na lembrana, resta a repercusso invulgar que o poema desdi'
sempre obteve. Como observa Saraiva, esta repercusso pode
ria justificar-se pela sntese, nele alcanada, de uma situao
limite numa expresso memorvel. Em poucos anos, o verso
No meio do caminho tinha uma pedra - especialmente em
sua reverso quismica, Tinha uma pedra no meio do cami
nho , ou na abreviao uma pedra no meio do caminho -
se incorporou ao repertrio coloquial do brasileiro mdio, como
artifcio retrico eficiente para a nomeao de situaes de
impasse as mais diversas. E, contribuindo para a compreenso
pblica de Drummond como poeta
par excellence
do embara-
o, da obstncia, outro verso seu, igualmente assimilado ao
patrimnio lingstico comum, desempenha funo semelhan-
te, embora em formulao interrogativa: E agora, Jos? .
Talvez nenhuma outra medida da pertinncia de um poeta
em relao ao povo do qual emergiu seja to eloqente quanto
a absoro de um ou dois versos seus
linguagem do dia-a-dia.
Em momentos como este, o poeta parece retomar uma respon-
sabilidade primitiva - esquecida ao longo de sculos de cres-
cente desencantamento das relaes entre o ser humano e seus
instrumentos de interveno na realidade - quanto criao c
recriao da lngua. Todavia, quanto maior o poder de comuni-
cao de um verso convertido em lugar-comum, quanto maior
sua virtude emptica, seu apelo sentimental para o leitor e o
falante, menor a chance de conservar sua significao e fora
originais. Mas a elas que devemos retomar, sempre de novo.
E, nesse retorno, no inesperado que nos surpreendamos, mais
uma vez, como certamente j nos surpreendemos no passado,
o
00 1 \ \ J estranheza liminar e derradeira do poema, com sua dura-
o
1 1 1 1 : 1
resistncia em ser decifrado. Para comear, No meio do
o uuinho nos impressiona pela perfeio cristalina da forma,
I o . \ : t extraordinria economia vocabular e sinttica:
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas to fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.'
No seria o caso de devassar estatisticamente a engenharia
do poema, computando as ocorrncias e recorrncias de cad~
Idavra ou sintagma (algo, alis, j feito alhures). O poem~ e
1 :1 0
conciso que a matemtica de sua composio, por aSSIm
dizer, pode ser contemplada a olho nu. Destaquemos apenas os
.Icitos de construo relevantes para nossa anlise.
De incio, sublinhemos a relao especular entre os trs
primeiros versos e os trs ltimos. Essa especularidade ou
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simetria, pela presena, em ambos os versos, do segmenn,
no meio do caminho , ainda que em posies divergent('~.
A disposio
es t r fic a
irregular - uma quadra seguida de
u nm
sextilha - no obscurece a centralidade da seqncia NUlll';J
me esquecerei desse acontecimento / na vida de minhas reri
nas to fatigadas . De um ponto de vista semntico, o pOl'
ma poderia ser recortado em duas quadras entremeadas _
interrompidas - por um dstico. Essa centralidade, realach
pela referida relao especular entre os versos que a anteco.
dern e os que a sucedem, no casual. No meio do caminho
de No meio do caminho , encontra-se, paradoxalmente, ()
que no poema no pedra, mas declarao emocional sobre o
deparar com a pedra. OLl seja, uma ruptura com a notao
referencial e com o tom anteriormente estabelecidos. A pro-
psito desse paradoxo, Costa Lima, como j vimos, falou
em ironia ; em nossos termos, podemos dizer que estamos
diante de uma interrupo dentro da interrupo.
Contudo, se a primeira interrupo, anunciada insisten-
temente desde o primeiro verso (a pedra no meio do cami-
nho), atingia somente o sujeito do poema, a segunda inter-
rupo atinge tambm o leitol~ que percebe, de repente,
inviabilizar-se a forma de leitura programada desde o incio.
Este o momento de mxima tenso da trama potica, cor-
respondente - com todas as ressalvas devidas s diferenas
de gneros literrios e perodos histricos _ ao que, na des-
crio da estrutura da tragdia clssica, designava-se
anagnorisis: o momento em que o sentido das aes prece-
dentes, e at ento relativamente desconexas, se revela, para
o personagem e para o espectador (ou leitor), e o desfecho
aparece como conseqncia lgica, inevitvel. Essa tenso
dependendo do grau de autoconscincia do sujeito do poem;
54
l
i '
(., ,llal no coincide necessariamente com o poeta-autor, em-
. '1';1 sua imagem possa com a dele fundir-se, sobretudo na
1 1 1 ica), tambm pode assalt-lo: como elucida Northrop Frye,
,I .iuagnorisis no simplesmente o conhecimento pelo he-
loi
do que lhe aconteceu [...] mas o reconhecimento ~a forma
I J 1 d p e J determinada da vida que ele criou para, SI ,mes.mo,
1 1 1 1 1
uma implcita comparao com a vida potencial incriada
Iille ele abandonou? Sendo assim, o Nunca me esquec~-
.. equivaleria a uma verso inconformada, porque ati-
1 1.
v. i em sua negatividade, da anagnorisis subentendida no
Iristssimo verso de Manuel Bandeira: A vida inteira que
podia ter sido e que no foi?, Nunca me esquecerei tes-
icmunha
da vida
que efetivamente
(e que no pode ser de
outro jeito), testemunha do compromisso tico (e trgic,o do
poeta com o obstculo. Afinal, os aspectos problemticos
do encontro do poeta com a realidade - o encontro com a
pedra parece ser uma metfora desse encontro mais com-
preensivo - no podem ser simplesmente elididos, ma~ a~-
res devem ser internalizados, transfundidos no cerne srgru-
ficante do qual promanam a autoridade (a
auctoritas,
o ser-
autor) e a voz do poeta. S assim o poema se protege contra
a mentira, qual se arrisca qualquer objeto esttico por um
vcio de origem do seu processo de constituio como tal:
a estetizao - a ordenao dos elementos materiais de modo
a compor um objeto esttico - pode facilmente redundar
em falsidade, ao representar (re-apresentar) em formas
,I
i, /
l
i
I
I
? FRYE, Northrop.
Anatomy of Criticism:
Four Essays (Princeton:
Princeton University Press, 1990), p. 212.
8 BANDEIRA, Manuel. Pneumotrax, em
Libertinagem (Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. p. 206).
55
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apaziguadas o que na realidade se apresenta irresolvido. E
.1'.
grandes obras de arte, como observa Adorno, no
podcui
mentir
9.
Por esse vis, no ser exorbitante vincular a
seric
dade indigitada por Arnaldo Saraiva em No meio do cami
nho seriedade - residual, mesclada ironia cmica - do
trgico moderno, talvez a orientao esttica mais afim ver-
dade, a essa verdade difcil e inapreensvel a que j nos acostu-
mamos, na literatura contempornea. Basta evocarmos, em
corroborao, a relevncia dos procedimentos de
repetio c
interrupo em Kafka ou em Beckett.
A dramatizao da desiluso - isto , do processo pelo
qual a verdade volta a se impor depois de um momento de
(auto-)engano - um procedimento bsico do trgico. Em
Drurnmond, a interrupo inseparvel da desiluso. Para o
sujeito-personagem de No meio do caminho , aquele que
diz Nunca me esquecerei ... , o dstico central tem o sentido
primeiro de um alvio em relao ao impasse figurado sob a
espcie da repetio compulsiva (esse alvio talvez se reproduza
no leitor). Ao pronunciar aquela frase, permite-se escapar, mes-
mo que por um instante mnimo, constatao obsessiva da
presena do objeto - presena no passado ( tinha), mas atu-
alizada pela memria - para esboar uma reao mental
situao em que se encontra.
O
alvio revela-se, porm, mo-
mentneo e ilusrio: o pensamento, ao tentar reagir, s reafir-
ma a impossibilidade de esquecer o acontecimento . Mas o
que importante salientarmos agora que o Nunca me es-
quecerei ... no decorre de, tampouco implica, um autntico
conhecimento do objeto-realidade para alm da mera
, lIstatao de sua existncia e presena - constatao que,
, .- fato, contrria ao conhecimento, se o compreendemos
, ,,1110 penetrao intelectual na realidade, avanando alm
d:1
superfcie dos objetos.
A palavra acontecimento, com a qual Drummond
';c
refere ao encontro com a pedra, jamais empregada
illgenuamente por ele.
uma palavra de uso reiterado em
su a
obra por designar com exatido uma forma de evento
muito peculiar de sua tentativa de explorao e de inter-
pretao do estar-no-mundo lo, podendo mesmo ser
en-
rendida quase como sinnimo do que estam os denominan-
do
interrupo.
Esta possibilidade de sinonmia j est pre-
vista
etimologicamente:
acontecimento
deriva do verbo
contingere, por meio do incoativo contingescere (ou, mais
precisamente, de sua variao contigescere), tocar a, em;
alcanar, atingir, chegar a; encontrar, topar; suceder; re-
sultar de 11. O que importa ao poeta nesta palavra que
sugere a irrupo ou instituio imprevista de uma determi-
nada verso da realidade e, por imprevista, dificilmente as-
similada, contornada ou solucionada por meio da reflexo
ou da inteligncia, que, se bem-sucedidas, produziriam co-
nhecimento.
O
acontecimento uma forma imperfeita de
evento - pois que euentus comporta as noes de sada,
10
Com essa expresso, Drummond intitula uma das sees de sua
Antologia potica
(Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1962), p. 1962.
11
Ver Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa (Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001), p. 64.
ADORNO, Theodor W.
Teoria esttica,
traduo de Artur Moro
(Lisboa: Edies 70, s/d), p. 151.
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desenlace, resoluov'? - a qual pe prova, e por fim arru-
na, a capacidade cognitiva do poeta. Por isso, o incipit de
Procura da poesia: No faas versos sobre acontecimen-
tos 13. Acontecimentos e versos, a rigor, so incomunicveis
entre si (e logo mais voltaremos ao tema da incornunicabilidade,
caro a Drummond). Por isso, tambm, a ainda escassamente
compreendida epgrafe de Claro enigma, extrada de Valry:
Les unements m ennuient (em francs, perde-se a distin-
o que traamos entre acontecimento e evento). O ennui, tal
como encarnado neste livro, no o sentimento da renncia
interveno poltica (e potica) na realidade, mas sim o senti-
mento da conscincia de que os instrumentos costumeiros
da cognio, mobilizados por Drummond, essencialmente
poeta e no pensador, fracassam frente complexidade e
inapreensibilidade do real. Felizmente, a desistncia da
inteleco no redunda na desistncia da poesia. Pelo con-
trrio: a poesia, em Drummond, parece enraizar-se justa-
mente na derrocada do intelecto , para usarmos, com sen-
tido um pouco diverso, uma expresso de Breton destacada
por Hugo Friedrich em seu estudo sobre a lrica moderna .
12 Idem, p. 1277.
13 Procura da poesia , em A rosa do povo (op. cit., p. 117).
1 4
Podemos lembrar urna observao de Dcio Pignatari sobre Drummond:
No a tantos assim cabe to justamente a famosa tirada de Mallarm a
Degas: poesia no se faz com idias, mas com palavras. Suas idias, sobre
literatura, poltica, arte ou cinema, no se elevam acima do repertrio
culto mdio do intelectual brasileiro; chega at a surpreender que a sua
retrica esquiva o enleie em lugares to cornuns. Bastou-lhe, no entanto,
uma idia: a do poema . Dcio Pignatari, Drurnmond: oitentao, em
Letras artes midia
(So Paulo: Globo, 1995), p.
70.
15
Ver Hugo Friedrich,
Estrutura da lricamoderna,
traduo de Marise
M. Curioni (So Paulo: Duas Cidades, 1991), p. 143-144.
( ) verso crucial do Poema de sete faces - seria uma rima,
u.io seria uma soluo 16 - ilustra bem a compreenso desi-
ludida, embora irresignada, que Drummond tinha dos po-
deres da poesia, limitados embora inevitveis e mesmo im-
prescindveis. De modo um pouco enviesado, mas com a
vantagem de aqui mais uma vez recorrer-se
palavra acon-
iccimento (e j no ttulo), essa compreenso tambm ani-
ma Em face dos ltimos acontecimentos: Oh sejamos
pornogrficos, convocao em que consiste o primeiro
verso, sntese do poema, pode ser lida, metaforicamente,
como convite a sermos plenamente, vitalmente, poticos.
Pois ser potico - o contraste entre rima e soluo leva-nos
;J crer - trocar, por fora do enfrentamento malogrado
com a realidade, o dever da razo, o dever do conhecimen-
to, pelo investimento na materialidade da linguagem, pelo
apelo aos sentidos. Davi Arrigucci
J r .
observa que o que
est em jogo , na circularidade de No meio do caminho ,
sempre o princpio e o fim da criao potica: a pedra
ser, recorrentemente, a pedra no caminho de toda criao
drumrnondiana
.
Para Drummond, a criao fundar-se-
ia sempre numa dificuldade bsica , a qual fator
desencadeante e, simultaneamente, entrave do ato potico .
O problema da interpretao de Arrigucci ter praticamen-
te equiparado o ato potico com a reflexo: A pedra o
que move o poeta reflexo e procura da poesia, que ela,
entretanto, barra, obrigando-o ao crculo infernal da busca
sem fim, a retomar indefinidamente . Essa infinitude, acredi-
tamos, no a Sda reflexo, tal como se encontra formulada
16 Poema de sete faces , em Alguma poesia (op. cit., p. 5).
1 7 ARRIGUCCI JR., Davi. Op. cit., p. 72-73.
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l
i
-
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Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem comeo.
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena no quer escrever.
No entanto ele est c dentro
inquieto, vivo.
Ele est c dentro
e no quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
I li
\
' , 1 ,
~
nos fragmentos de Friedrich Schlegel e de Novalis estuda
dos por Walter Benjamin l~, mas sim a da impossibilidade
da reflexo, que constitui a poesia.
Poema que aconteceu o expressivo ttulo de um po
ema que compartilha as pginas de Alguma poesia COlll
No meio do caminho . Nele,
poema
e
acontecimento
Se
confundem na perspectiva da interrupo:
. nverte-se em forma, poema. O poema, anuncia-o j o t-
lido, torna-se, aos olhos do poeta, um acontecimento.
O intervalo entre acontecimento e poesia encontra uma
II'resentao mais concentrada - com a abolio do aconte-
. uncnto externo, ou antes a sua subsuno ao ato da criao
pt>tica- em outro poema do mesmo livro:
A mo que escreve este poema
no sabe que est escrevendo
mas possvel que se soubesse
nem ligasse.
Aqui fica evidente que a interrupo o movimento, ou,
m elho r , no-movimento, gerador da verdadeira poesia, cons-
riruda
por versos idealmente inescritos, perpetuamente la-
u -ntes , dos quais os versos efetivamente escritos parecem ser
.ipcnas
plida imitao. Pode-se concluir que a aspirao mais
.ilra de Drummond para seus poemas que tambm sejam,
de algum modo, acontecimentos, interrupes, tanto para o
11l ,
traduo de Mrcio Seligmann-Silva (So Paulo: Iluminuras e Edusp,
1 99 3 ),
19 Poema que aconteceu, em Alguma poesia (op. cit., p.
17).
'
-
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disso exemplar ), no parece interessado em esta belecer
com
o leitor um relacionamento baseado na empatia ou na id e n t
i
ficao, e sim, antes, no choque ou em alguma outra modali
dade mais branda de
estremecimento.
Oficina irritada
:1
expresso suprema desse intento:
pedicuro , em sua carnalidade ostensiva, no deixa mar-
1 ',1 1 1 :1 dvidas: o poema deve ser incorporado - isto , agrega-
.1 ,10 prprio corpo - pelo leitor. Essa nfase na corporeidade
II,I )
gratuita. Drummond parece estar postulando um novo
IIII:,;1r,mais corpreo, material, para a memria e, por exten-
',:11),
para o que no poeta produz poemas. Um lugar alm do
uu c lec to e da reflexo. Lembras-te, carne?, indaga em
' .scada , de Fazendeiro do ar:
Oficina irritada, um soneto que se nomeia como so-
11 1 '1 '0, um soneto sobre o prprio ato de escrever o soneto
.iuora
apresentado, exprime um primado da vontade estra-
uho potica do acontecimento e da interrupo tal como a
vnhamos delimitando at aqui. O acontecimento, por defi-
uio,
o que no pode ser programado, o que se d sem
mot i va o
racional aparente. Se compararmos Oficina ir-
ritada com Poema que aconteceu , verificaremos uma
discrepncia escandalosa entre o mpeto das expresses
voluntaristas quero e h de e a serena renncia de no
,:1
be ou nem ligasse . Mas n o parece ha ver genuna con-
I
radi o
entre ambos os comportamentos, do que parece ser
m d ice a pretenso desmesurada de um poema que ao mes-
1110
tempo saiba ser, no ser . Passarem-se quase vinte anos
entre a composio de um poema e a de outro, algo tinha de
mudar, e no seria errneo conceb-los como duas reaes
.ilternativas,
mas no excludentes, ao desafio da assimilao
da realidade, na forma de acontecimento, ao poema - e realida-
de, em ambos os casos, impressa apenas em marca d'gua no
poema, o que d a medida do desafio. E as duas reaes - o
poema que aconteceu e o soneto duro - so unifica das por
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difcil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro,
no desperte em ningum nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, no ser.
Esse meu verbo antiptico e impuro
h de pungir, h de fazer sofrer,
tendo de Vnus sob o pedicuro.
Ningum o lembrar: tiro no muro,
co mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreenderY
Ningum o lembrar o passo irnico essencial. A
esperana de Drummond parece ser precisamente contrria:
que, por difcil de ler e incapaz de despertar o prazer do
leitor, o poema permanea, como permanecem as coisas in-
cmodas, na memria. Ningum o lembrar deve, pois,
ser relido o mais literalmente possvel: o soneto no precisa-
r, de fato, ser lembrado; s o que foi esquecido pode ser
recuperado pela recordao. O smile tendo de Vnus sob
21
Cano amiga, em
Novos poemas (op. cit.,
p. 231).
22 Oficina irritada , em Claro enigma iop. cit., p. 261).
.'1
Escada, em Fazendeiro do ar io p cit. p. 409),
6
63
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11/24
sua disposio numa rgua de gradao progressiva que V ;II
da estudada indiferena at a afronta enftica ao leitor ('
seus hbitos prazenteiros.
Em suma, o que estamos propondo que Drummond arma
uma teia de correspondncias entre o modo como autor e po
ema relacionam-se com a realidade e o esquema narrativo
(.l,
interrupo; secundariamente, tambm entra nesse jogo o modo
como ele ambiciona que o leitor se relacione com o poema.
O movimento do poeta em direo realidade um movi
mento essencialmente frustrado, impedido no apenas pela
dificuldade ou impossibilidade de apreenso do real- o im-
prio do real, que no existe
_24,
mas sobretudo pelo impe-
rativo tico de no escamotear essa inapreensibilidade, ou,
antes, de exp-Ia s claras. Em outros termos: a interrupo
pode ser uma metfora ou, mais precisamente, uma alego-
ria do modo singular de Drummond ir ao encontro da rea-
lidade e anex-Ia ao poema na forma de acontecimento.
3
A realidade com que Drummond se preocupa e ocupa
sempre radicalmente histrica. Com a sagacidade habitual,
Antonio Candido interpreta No meio do caminho nos se-
guintes termos: a sociedade oferece obstculos que impedem
a plenitude dos atos e dos
sentimentos'f .
(Que atos e senti-
mentos so estes, o que pretendemos investigar.) Mesmo
quando Drummond se refere natureza ou a alguma forma de
24
Procura , em
A vida passada a limpo (op. cit.,
p. 427).
25 CANDIDO, Antonio. Inquietudes na poesia de Drummond, em
Vrios escritos (So Paulo: Duas Cidades, 1995), p. 121.
64
Ir.\nscendncia, estas so de pronto rebaixadas ao cho da his-
ruria,
embora s vezes de forma to sutil que leitores desaten-
ItlS no o percebem. A compreenso mais funda de um livro
I,tjllivo como Claro en igm a passa pelo rastreamento paciencioso
. perspicaz dos dados da realidade histrica obscurecidos pelo
';1,/,1110
sublimis
adotado na maioria dos poemas. Ainda h mui-
I() a fazer nesse sentido, e a tarefa imensa: a sutileza do poeta
demanda uma correlativa sutileza do crtico. Srgio Buarque
dt: Holanda j ressaltava a persistncia da preocupao hist-
rica nessa fase de Drummond: H de iludir-se [... ] quem veja
nesse aparente desapego ao 'acontecimento' o reverso neces-
s.irio de alguma noo transcendental da poesia: poesia enten-
dida como essncia inefvel, contraposta ao mundo das coisas
fugazes e finitas:. Porm, no mais das vezes, Drummond
no esconde sua adeso histria - e histria no somente
como coleo de antigualhas, ao menos no nos seus melho-
res poemas, mas como processo a desenrolar-se no presente e
:\0
qual o poeta, dado seu compromisso moral e poltico com
os homens presentes, no pode ficar alheio. Essa adeso
enunciada enfaticamente em Mos dadas:
No serei o poeta de um mundo caduco.
Tambm no cantarei o mundo futuro.
Estou preso vida e olho meus companheiros.
Esto taciturnos mas nutrem grandes esperanas.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente to grande, no nos afastemos.
No nos afastemos muito, vamos de mos dadas.
(,
HOLANDA, Srgio Buarque de. Rebelio e conveno - I, em
O esprito e a letra: estudos de crtica literria, v. 2, organizao,
introduo e notas de Antonio Arnoni Prado (So Paulo: Companhia
das Letras, 1996), p. 502.
65
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No serei o cantor de uma mulher, de uma histria,
no direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
no distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida
,
no fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo a minha matria, o tempo presente,
[os homens presentes,
I
irummond sublinha a perda da funo comunicativa da lin-
,.II:lgem como sintoma de tais sentimentos e ressentimentos:
j
. 1
(Na solido de indivduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)
a
vida
presente.
Como veremos adiante com mais clareza, essa nfase na
linguagem no circunstancial:
o
insucesso da linguagem
\ omunicativa especialmente revelador do malogro da
,ognio e pode ser considerado o ponto de partida da ins-
i.rurao de uma linguagem outra, essencialmente intransitiva,
entranhadamente potica.
Talvez seja o momento, agora, de assinalarmos as seme-
lhanas e diferenas iluminadoras entre o esquema da inter-
rupo na poesia de Drummond e a estrutura do
sublime
tal
corno descrita por Kant na
Crtica do juizo.
Para Kant, o su-
l-lime
produz-se por meio do sentimento de uma suspenso
momentnea das faculdades vitais, seguida imediatamente por
11 m
transbordamento tanto mais forte das
mesm as t .
Esse
xcntimento de suspenso se d quando o sujeito depara com
1 11 11objeto propcio a isso, seja por sua grandeza ou por sua
fora excepcionais. Frente a esse objeto, o esprito percebe-se
simultaneamente - ou alternada mente - atrado e repelido.
Quando a grandeza que impressiona o sujeito, temos o que
Kant chama sublime matemtico ; quando a fora, o subli-
ru e
dinmico .
A
enorme realidade referida por Drummond
parece configurar uma cena da primeira modalidade de su-
l-lime,
para a qual Kant oferece uma explicao elegante.
;j
i
II II
I '
I
Devemos destacar, neste poema, inicialmente, a decla-
rao peremptria de recusa ao episdico, que tambm,
no sem paradoxo, devido exatamente a essa recusa, uma
declarao implcita de apego ao episdico como figura
elementar da temporalidade histrica mais abrangente.
Ou
seja, o acontecimento s vale para o poeta em sua insuper-
vel insuficincia, por meio da qual alude sem mentira
rea-
lidade histrica como um todo, ou ao menos parte do
todo acessvel sua percepo. Mas devemos sobretudo sa-
lientar a conseqente definio da realidade do tempo pre-
sente como enorme realidade.
O
compromisso com os
homens presentes, assim convertidos em companheiros ,
decorre precisamente da urgncia em enfrentar essa enor-
midade, demasiada para um s homem:
O
presente to
grande, no nos afastemos . No por acaso, em outro poe-
ma de
Sentimento do
mundo, Drummond corrige a compa-
rao que fizera entre seu vasto corao e o vasto mundo
no P d f
N-
ema e sete aces: ao, meu corao no maior
que o mundo. Por sua vastido ser menor que a do mun-
do, que ele precisa conectar-se a outros coraes. No entan-
to, a desiluso e o
ennui
dela resultante pungem mesmo na
hora da expresso do compromisso - e, significativamente,
27
Mos dadas , em Sentimento do mundo (op. cit., p. 80).
's Mundo grande , em Sentimento do mundo iop. cit., p. 87).
/ KANT, Immanuel. Crtica dei juicio, traduccin de Manuel Garca
rvtorente (Madrid: Espasa, 1997), p. 184.
66
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A imaginao dividir-se-ia em duas atividades complemen-
tares: a apreenso e a compreenso. A apreenso poten-
cialmente infinita. Por maior ou mais numeroso que seja
um objeto ou grupo de objetos, a intuio sensvel (respou-
svel pela apreenso) capaz de percorr-I o por inteiro,
desmont-lo em fragmentos menores e carreg-I o para os do-
mnios do esprito. A compreenso, no entanto, torna-se to
mais difcil quanto mais distante v a apreenso. O sublime
assoma quando a compreenso atingse o mximo quaniunt
esttico de apreciao't . A apreenso chega to longe que
as primeiras representaes parciais fornecidas pela in-
tuio comeam j a apagar-se da imaginao, exigindo, por-
tanto, que o esprito retroceda para retomar o que perdeu - o
que, mais uma vez, deixa a descoberto o que ele possua antes
desse retorno ao passado.
ento que a imaginao v des-
pontar uma faculdade supra-sensvel, a qual, substituindo a
compreenso humilhada, apresenta para o esprito, a partir
dos dados oferecidos pela intuio, uma idia de infinitude.
Envaidecido com a capacidade de superar as prprias limi-
taes, o esprito sente-se invadir pelo sublime. Assim em Kant.
Em Drummond, a situao mais complexa, pois a pas-
sagem do jogo entre apreenso e compreenso para o triunfo
da imaginao quase sempre bloqueada. Arrigucci, com acer-
to, detecta, em No meio do caminho , um complexo sen-
timento de no-poder do Eu 3. No uma imaginao
jubilosa que amarra os cacos da vida na forma da enorme
realidade , mas antes uma imaginao - a servio do conhe-
cimento e da ao - profundamente cnscia de seus limites.
f i . conscincia do aspecto limtrofe da imaginao e, por ex-
1l:I1So, da representao da realidade est flagrante num
poema de A vida passada a limpo em que Drummond revisa
I que escrevera em Mos dadas , quase vinte anos antes:
No cantarei amores que no tenho,
e, quando tive, nunca celebrei.
No cantarei o riso que no rira
e que, se risse, oferta ria a pobres.
Minha matria o
nada.
Proclama-se assim, de certo modo, a equivalncia entre
o tempo presente e o nada. O nada' pode ser entendi-
do na leitura cruzada de ambos os poemas, como cifra do
tempo presente em sua impossibilidade de imaginao,
reflexo, representao, ao. O silncio, mais uma vez, o
horizonte do poema, e mais uma vez est vinculado ao
fracasso da cognio: No canto, pois no sei .
Esse flerte com o nada tambm um flerte com a morte, de
que nada eufemismo: no cantarei o morto: o prprio can-
to diz-se no mesmo poema; poesia, cano suicida , poe-
, .
sia, morte secreta , reitera-se noutro. De fato, nos poemas mais
significativos de Drummond, no h recuperao exultante das
faculdades vitais depois da suspenso inicial, como previa Kant
na descrio do sublime, mas sim anulao, ao menos retrica,
dessas faculdades e da prpria vida, como se v exemplarmente
em O enterrado vivo 33 Vem da a afinidade com o mundo
dos mortos que Drummond est sempre a confessar: alis, a sua
famlia,
considerao da qual retoma e m inmeros poemas,
s tem cidadania em sua obra como catlogo de defuntos ou,
I :
I lr l
I1
30
Idem, p.
192.
31 ARRIGUCCI JR., Davi. Op.
cit.,
p. 71.
1 2
Nudez , em
A vida passada
a
limpo (op. cit.,
p.
419).
13 O
enterrado vivo, em
Fazend e iro do ar (op. cit.,
p.
404).
68
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melhor, lbum de fotografias intolerveis, / alto de muin
metros e velho de infinitos minutos , como se l em (
h
mortos de
sobrecasaca:. A
expanso hiperblica no
es l'oI
o e no tempo d conta da fora sublime agnica, da fora
di
interrupo, da imagem de sua famlia como figurao
di
uma certa abordagem da realidade pelo ngulo da mitologi..
pessoal, da tentativa de compreenso da situao presente
por meio de seus vnculos com o passado. legtimo
qll
alguns se espantem com que um poeta to voltado par ,I
recordao do passado familiar identifique o tempo prescn
te como sua matria; mas no h contradio: o tempo
d . 1
memria o presente, a partir do qual ela lana suas redes ao
passado, para apanhar resduos. O Drummond autobio
grfico antes autogrfico: escreve-se a si mesmo para ser,
sugere Dcio Pigna
tari . O
vrtice de significao desses rc
sduos o
hic et nunc:
eles valem pelo que depem do passa-
do como elucidao do presente. Como se a pedra, com que
se topou no meio do caminho no passado, devesse ser carrc-
gada como
souuenir
e talism (e o na memria), o obstculo
tornando-se parte do sujeito. Em Tarde de maio, Drummond
diz levar consigo a lembrana do momento que d ttulo ao
poema, Como esses primitivos que carregam por toda parte
o maxilar inferior de seus mortos . Porm, se os primitivos
imploram
relquia sade e chuva e outros portentos,
o poeta s pede sua tarde que continue,
(...] no tempo e fora dele, irreversvel,
sinal de derrota que sevai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de algum
que, precisamente, volve o rosto, e passa...
36
Mais uma vez, o engano e a posterior desiluso: o sinal
.lc derrota transmuta-se em sinal de beleza , mas num rosto
que, logo aps responder ao olhar do poeta, passa.
A
mquina do mundo, do ponto de vista da compre-
cn s o
da realidade como realidade histrica e do paralelo
com o sublime, um poema especialmente ilustrativo. Com-
partilha com No meio do caminho o esquema narrativo
b s ic o
da interrupo. Entretanto, em vez de uma mera pe-
dra o que o sujeito-personagem encontra em seu caminho
,
.
_ agora especificado como uma estrada de Mll1~S ',~v~-
cando a paisagem mtico-familiar da terra natal - e a ma-
quina do mundo, que diante dele se abre, oferece~do-lhe,
aparentemente, o conhecimento absoluto da realidade, a
total explicao da vida. A renncia de Drummond p~-
rante a mquina provavelmente seu passo mais desterni-
do no rumo da negatividade cognitiva, tico-esttica ou,
numa palavra,
potica:
' I
A treva mais estrita j pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a mquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
d
-
37
seguia vagaroso, e maos pensas.
i
\1
34 Osmortosdesobrecasaca,em
Sentimento do mundo (op. cit.,
p.
7 3 ).
35
PIGNATARI,Dcio. A situao atual da poesia no Brasil, em
Contracomunicao
(SoPaulo: Perspectiva,1971), p. 100. Cf. Luiz
CostaLima, Carlos Drummond de Andrade:memria e fico, em
Dispersa demanda:
ensaios sobre literatura e teoria (Rio de Janeiro:
FranciscoAlves,
1981),
p.
159-175.
.16
Tardede maio , em
Claro enigma (op. cit.,
p.
264).
\7 A mquina do mundo, em
Claro enigma (op. c it.,
p. 304).
71
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Mas falar em negatividade, a propsito deste pOCIII..
falar ainda muito pouco. Alfreclo Bosi, com razo, encoun.:
um precedente da imagem da mquina do mundo 11.1
Grande Mquina que aparece em Elegia
1938 .
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrvel despertar prova a existncia da Grande M quin .i
e te repe, pequenino, em face de indecifrveis palmeiras.P
o horizonte de pensamento tangencia a kantiana coi-
sa em si, o nurneno, incognoscvel, alm daqueles fen-
menos que so, no poema, as imagens do mundo apenas
csboadas no rosto do mistrio. Ou no abismo (abyssos:
sem fundo) .'10
Agora, a prpria relao do eu com o mundo exte-
rior que vem enfrentada de modo imediato e em um
discurso de tenso mxima. Sobe ao primeiro plano da
conscincia a busca de um sentido que o sujeito empreen-
deu, e que forma a pr-histria da sua narrativa. As pup i -
las gastas e a mente exausta de mental' (o pleonasmo diz
da intensidade do processo) so o remate de uma an-
gstia cognitiva que se debateu em vo contra o muro
de pedra da realidade.
Lembremos, antes de mais nada, que as expresses frisa-
.I:ISpor Bosi neste poema encontram correspondncia em No
meio do caminho (retinas to fatigadas ) e em poro
(nt:xausto ), de que logo nos ocuparemos. Devemos tambm
.lcstacar a preciosa expresso angstia cognitiva, muito
.idcquada caracterizao de A mquina do mundo e da
poesia de Drummond como um todo. Entretanto, temos de
';cr cautelosos com a identificao do incognoscve1, em
Iirummond, com o numeno kantiano. O incognoscvel, aqui,
~ ainda a realidade histrica, como um exame do poema dei-
xa claro, e seu lugar no coincide com o da mquina, situado
que est alm dela e de suas cavilaes.
No podemos confundir o que a mquina oferece ao
poeta com o que
o verdadeiro objeto de sua busca. O dis-
curso da mquina, ao interpor-se ao caminhante, ostensi-
vamente falso, conversa de vendedor; atribui ao caminhante
uma procura que no
a dele, com a inteno de
fa z-l o
mudar de rumo e meta:
Atentemos, nesta estrofe, para a representao do SII
jeito pequenino frente s indecifrveis palmeiras c .\
Grande Mquina de que elas so desdobramento, a COII
duzir-nos novamente s proximidades do sublime. Mas repu -
remos sobretudo no adjetivo indecifrveis , denotativo
li;\
incognoscibilidade do real.
A mquina, em Elegia
1938,
poderia ser entendida,
segundo Bosi, como a figura metonmica da sociedade .
Em A mquina do mundo , seu significado mudaria:
38 El . 1938 S'
gia ,em
enttmento
do mundo (op.
cit.,
p. 86).
39 B~SI, ~fredo. 'A mquina domundo' entre o smbolo e a alegoria ,
~m
Ceu,
inferno: ensaios de crtica literria e ideolgica (So Paulo:
Atica, 1988), p. 88.
e nem desejaria recobr-los,
se em vo e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes priplos,
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuies restavam
a quem de os ter usado os j perdera
40 BOSI, Alfredo.
Idem,
p. 88.
73
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tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido vista humana.f
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples
percusso
atestasse que algum, sobre a montanha,
impondo seu prprio discurso, em que vai pouco a pouco nome-
.indo os dados da realidade histrica, objetos de sua busca frus-
Iada, a partir justamente da imagem metafsica oferecida pela
mquina, sem, ao menos de incio, confront-Ia abertamente:
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto indito
da natureza mtica das coisas,
a outro algum, noturno e miservel,
em colquio se estava dirigindo:
O que procuraste em ti ou fora de
As mais soberbas pontes e edifcios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
distncia superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixes e os impulsos e os tormentos
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda prola, essa cincia
sublime e formidvel, mas hermtica,
e tudo o que define o ser terrestre
ou se prolonga at nos animais
e chega s plantas para se embeber
essa total explicao da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois to esquivo
no sono rancoroso dos minrios,
d volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geomtrica de tudo,
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste ... v, contempla,
abre teu peito para agasalh-lo
.41
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos verdade;
o ltimo pedido da mquina , a rigor, suprfluo; sugere-o o
silncio ( embora voz alguma ... ) de seu discurso. silencioso
porque provm, provavelmente, do interior do prprio poeta,
como segunda voz que a sociedade, a Grande Mquina, incul-
cou-lhe, para refrear seus impulsos de insubmisso. Ou seja, o
que Marx designaria ideologia. Mas o poeta, com uma mano-
bra astuta, consegue resguardar-se dessa voz capciosa e acaba
e a memria dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existncia mais gloriosa,
A natureza mtica das coisas , essa total explicao da
vida, esse nexo primeiro e singular , bem poderiam conter
41
A mquina do mundo , em Claro enigma (op. cit., p. 301-302).
42 Idem (op. cit., p. 302-303).
74
75
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o absurdo original e seus enigmas ou a memria dos deuses,
mas dificilmente o que nas oficinas se elabora ou os recurso',
da terra dominados . Aqueles pomposos convites a um conhc
cimento etreo e imaterial so, como diz o poeta mais adiante,
defumas crenas convocadas para as quais ele j no tem
;1
f necessria - o que, alis, sua obra toda atesta. Aos poucos,
a voz prpria do poeta, que ainda encabulada comeava a fazer
frente
segunda voz, a da mquina, vai-se encorajando, at ()
ponto em que se desembaraa definitivamente dessa voz
l'
mesmo do falso ser que, na interioridade dele, ela animara:
1 \
negatividade do poema se amplia pela imagem das mos
pensas , em posio decisiva no ltimo verso da ltima
-strofe.
preciso l-Ia como reviso da imagem das mos
.l.idas'' de Sentimento do mundo. Pendem, sobre a estrada de
Minas, mos incomunicveis, como a mo que, por imunda,
deve ser cortada em A mo suja , de
JOS
45
,
e como se outro ser, no mais aquele
habitante de mim h tantos anos,
Em Opaco , de Claro enigma, Drurnmond dramatiza o
processo de descoberta, por parte do sujeito do poema, de que
:\ interrupo lhe interna, bloqueio psicolgico-cognitivo,
c no realmente externa, como figurada a princpio:
passasse a comandar minha vontade
que, j de si solvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
Noite. Certo
muitos so os astros.
Mas o edifcio
barra-me a vista.
m si mesmas abertas e fechadas
Bosi diagnostica acdia - que define, seguindo a Summa
Theologica, como torpor espiritual a impedir a busca do
bem e da verdade - na recusa
mquina do mundo. Pelo
contrrio, a meu ver, a recusa expresso do desejo perseve-
rante da verdade (e do bem) - no da verdade propagandeada
pela mquina, mas a verdade da realidade histrica, perdio
do poeta. No a esta que ele renuncia, embora de qualquer
modo no a alcance. O que importa que a caminhada do
poeta no encalo da verdade histrica recomea ao fim, ain-
da que na treva mais estrita e ainda que s lhe reste reto-
mar os mesmos sem roteiro tristes priplos de sempre.
Quis interpret-to.
Valeu? Hoje
barra-me (h luar) a vista.
Nada escrito no cu,
sei.
Mas queria v-Ia.
O edifcio barra-me
a vista.
Zumbido
de besouro. Motor
arfando. O edifcio barra-me
a vista.
43 Id em iop cit.,
p.
30 3.
44 BOSI, Alfredo.
Op.
cit., p. 93.
1\ A mo suja , em
Jos iop
cit., p. 108-109).
76
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Assim ao luar mais humilde.
Por ele que sei do luar.
No, no me barra
a vista. A vista se barra
a si mesma.
rc p r is-Ia
pela perspectiva da pedra. O ser humano, esfinge
mais monstruosa que a esfinge tebana, que agora intercepta
I
percurso. O homem o obstculo supremo do universo:
Sem a percia formal de No meio do caminho , usa-se
tambm aqui a tcnica da repetio para conotar o incmodo
implacvel do obstculo sempre presente. Quis interpret-Ia ,
referindo-se ao edifcio, uma passagem-chave, deixando
mostra o impulso cognitivo que percorre a poesia de
Drummond do primeiro ao ltimo verso.
interessante veri-
ficar como esse impulso dirige-se idealmente ao cu, nos quais
os astros insinuam talvez uma escrita, da qual o poeta de
pronto descr, mas, se calha de o edifcio barrar-lhe (ou pare-
cer barrar-lhe) a vista, a vontade de conhecer detm-se nele.
Interpretar o obstculo talvez seja, de fato, a melhor maneira
de lidar com ele, embora no o elimine; afinal, o obstculo, e
no o que est alm dele, que simboliza a realidade histrica,
meta da cognio. Poderamos, agora, reler A mquina do
mundo luz dessa considerao e notar que, embora a m-
quina oferte ao poeta a viso de uma realidade mirfica e
abstrata, ela mesmo, mquina, confundindo sua voz com a
ideologia, signo da realidade histrica no processo de
ocultamento de suas bases materiais.
No poema em prosa O enigma, a internalizao do
obstculo mais violenta do que em Opaco , e as bases
materiais da realidade - na forma do sofrimento da natureza
sob o domnio humano - no so sonegadas. Nele, Drummond
retoma cena originria de No meio do caminho , para
As pedras caminhavam pela estrada. Eis que uma forma
obscura lhes barra o caminho. Elas se interrogam, e sua
experincia mais particular. Conheciam outras formas
deambulantes, e o perigo de cada objeto em circulao na
terra. Aquele, todavia, em nada se assemelha s imagens
trituradas pela experincia, prisioneiras do hbito ou doma-
das pelo instinto imemorial das pedras. As pedras detm-se.
No esforo de compreender, chegam a imobilizar-se detodo.
E na conteno desse instante, fixam-se as pedras - para
sempre - no cho, compondo montanhas colossais, ou sim-
ples e estupefatos e pobres seixos desgarrados.
Mas a coisa sombria - desmesurada, por sua vez - a
est, maneira dos enigmas que zombam da tentativa de
interpretao. mal de enigmas no se decifrarem a si
prprios. Carecem de argcia alheia, que os liberte de
sua confuso amaldioada. E repelem-na ao mesmo tem-
po, tal a condio dos enigmas. Esse travou o avano
das pedras, rebanho desprevenido, e amanh fixar por
igual s rvores, enquanto no chega o dia dos ventos, e
o dos pssaros, e o do ar pululante de insetos e vibraes,
e o de toda vida, e o da mesma capacidade universal de se
corresponder e se completar, que sobrevive conscincia.
O enigma tende a paralisar o mundo.
Talvez que a enorme Coisa sofra na intimidade de suas
fibras, mas no se compadece nem de si nem daqueles
que reduz congelada expectao.
Ai de que serve a inteligncia - lastimam-se as pedras.
Ns ramos inteligentes; contudo, pensar a ameaa no
remov-Ia; cri-la.
Ai de que serve a sensibilidade - choram as pedras.
Ns ramos sensveis, e o dom de misericrdia se volta
46
Opaco , em Claro enigma iop,
cit.,
p. 261-262).
78
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contra ns, quando contvamos ap l ic - lo a espcies me-
nos favorecidas.
Anoitece, e o luar, modulado de dolenres canes que
preexistem aos instrumentos de msica, espalha no cn-
cavo, j pleno de serras abruptas e de ignoradas jazidas,
melanclica moleza.
Mas a Coisa interceptante no se resolve. Barra o
caminho e medita, obscura.
o trecho crucial de O enigma consiste num breve
mas luminoso apontamento sobre pensamento e ao, ou
antes sobre o fracasso do pensamento frente realidade:
pensar a ameaa no remov-Ia; cri-Ia . Um dos mais
perfeitos poemas de Drummond, poro traz no seu cerne
significante a admisso desse fracasso e a busca de uma sa-
da para o impasse dele decorrente. E isso desde o ttulo:
poro sinnimo de aporia, alm de nomear um inseto e
uma orqudea:. A sada no passa pelo pensamento racio-
nal, lgico, mas pelo que lhe radicalmente outro, a poesia
em sua nudez extrema, no osso da palavra. O poema inicia-
se com uma metfora do pensamento sob a forma de uma
escavao aparentemente sem fim:
Uma atmosfera de medo envolve a cena, medo decorren-
te da irrupo brutal da realidade humana - histrica - no
seio da natureza, realidade pr-humana ( canes que
preexistem aos instrumentos de msica). Atravessa o poe-
ma a nostalgia dessa realidade natural cujo conhecimento -
sensvel, no intelectual- era e, residualmente, ainda poss-
vel, pelo menos a um observador no-humano, pela capaci-
dade universal de se corresponder e se completar, que sobre-
vive conscincia . O homem pe tudo a percler: ao nomear
a natureza natureza e a peclra pedra , j interrompe as
correspondances naturais. Se natureza ele submete sem
piedade, o que no far com outros homens ...
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
49
O que interrompe o caminho do inseto a prpria terra
que at determinado momento foi apenas seu caminho. O que
determina a converso do caminho em obstculo o cansao,
assinalado na estrofe seguinte. Nesta, formula-se uma per-
gunta, para a qual o poeta no chega propriamente a uma
resposta, mas antes a uma no-resposta, proveniente de uma
regio inspita cio esprito que est simultaneamente aqum
e alm, definitivamente fora, de qualquer reflexo:
1 8 O texto fundamental sobre poro , mesmo quando dele
discordamos, ainda o deDcio Pignatari, poro: um inseto semitico,
em
Contracomunicao
(So Paulo: Perspectiva, 1971), p. 131-137. Ver
tambm Davi Arrigucci ]r., Sem sada,
op
cit., p. 75-105.
- 1 9 Aporo , em A
rosa do povo (op.
cit., p. 142).
47
O
enigma , em
Novos poemas (op.
cit.,
p. 242-243). Semelhante
reverso do olhar, que passa a dirigir-se do inumano para o humano,
encontra-se em Um boi v os homens, de Claro
enigma (op.
cit., p.
252). Ali os homens tambm so contemplados como enigma, mas,
destitudos pelo discurso bovino de sua pretensa superioridade sobre as
demais criaturas, no como ameaa, seno para si mesmos. Embora,
certo, seus sons absurdos e agnicos: desejo, amor, cime ,
despedaando-se e tombando ao solo na forma de pedras aflitas (note-
se a ressurgncia do smbolo dileto), torne difcil, ao boi, a ruminao
de sua verdade. Numa interpretao ligeira: os desejos humanos,
concretizando-se
em
aes, perturbam a contigidade primitiva dos seres
naturais com sua verdade. No ser abusivo detectar alguma influncia
da doutrina do pecado original nessa considerao.
80
8 1
-
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20/24
Que fazer, exausto,
em pas bloqueado,
enlace de noite,
raiz e minrio?
1101 dizer51 Antes, corrigiramos, do que ficou por pensar.
I)isso podemos deduzir que a intransitividade da poesia mo-
derna e contempornea - aqui resumida pela obra de um de
seus maiores artfices em nvel universal - no fruto de um
mero capricho deseusinventores, mas nasce dessa epistemologia
desiludida implcita no ato criativo.
A chave do entendimento de por que o impensvel de fato
impensvel provavelmente encontra-se no desvelamento, por
meio da interpretao e da fantasia crtica (imprescindvel ante
uma lrica to enigmtica), da consistncia histrica concreta
da figura do pas bloqueado. Teramos de nos deixar guiar,
nessa direo, por Pignatari, que chamou a ateno para a pre-
sena em marca d'gua da realidade histrica no poema, sobre-
tudo mediante a expresso destacada: pas bloqueado repor-
taria, a u m s tempo, ao Estado Novo brasileiro eao nazifascismo
europeu, ambos agonizantes naquele ano de 1945
52
Agonizan-
tes, porm marcados pelo poeta com o selo do Nunca me es-
quecerei desse acontecimento , expresso de um dever tico
impretervel frente face catastrfica da histria.
Pignatari e Arrigucci recorrem noo de metamorfose
para definir a relao entre o inseto e a orqudea, entre o pri-
meiro poro do poema e o ltimo. Contudo, se observarmos
Eis que o labirinto
(oh razo mistrio)
presto
se
desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orqudea forma-se.
A orqudea que se forma ao fim, como resposta ques ..
to formulada, deve ser compreendida como metfora do
prprio poema em formao. (No esqueamos que uma
flor-poema, para falarmos como Pignatari, desabrocha
em outro poema de
A rosa do povo,
o conhecido A flor
l'
a nusea . Nele, a indagao que interrompe poro
apenas pressentida: Quarenta anos e nenhum problema /
resolvido, sequer colocado
vw.)
O poema, como orqudea,
apario sensvel, palavra como matria e como coisa, a
ganhar consistncia ali mesmo onde o pensamento j no
chega (da antieuclidiana ), por no achar escape em suas
exaustivas perfuraes do real. O poema nasce precisa-
mente do
impensvel,
como tropo complexo a este alusi-
vo. O impensvel refratrio representao, sem a qual
no h conhecimento; o impensvel s encontra lugar na
linguagem por meio da figurao, aqui concebida como
gesto suplementar representao obstruda. Joo Ale-
xandre Barbosa, a propsito de Drummond, cogita do
poema como possibilidade de instaurao do que ficou
51
BARBOSA, Joo Alexandre. Silncio & palavra em Carlos
Drummond de Anclrade , em A metfora crtica (So Paulo:
Perspectiva, 1974), p. 108.
52 PIGNATARI, Dcio. poro: um inseto semitico,
op cit.,
p. 137.
Para Pignatari, presto se desata pode conter uma aluso libertao
de Lus Carlos Prestes, complementando assim o enraizamento do poema
no tempo j efetuado por pas bloqueado.
5.1 Cf. Harald Weinrich,
Lete:
arte e crtica do esquecimento, traduo
de Lya Luft (Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001).
82
8
i i
i
50
A fi '
A d
ar e a nausea , em.
rosa
o
povo (op. cit.,
p. 119).
-
7/24/2019 Drummond e a Poetica Da Interrupcao
21/24
o poema de perto e com ateno, no identificaremos sequer
um vocbulo que indique ou mesmo que apenas sugira a
111l'
tamorfose do inseto do incio na orqudea do final. Temos,
na verdade, duas formas - a do inseto e a da orqudea - iso
ladas ( sozinha , diz-se da
orqudea),
ligadas apenas pelo
frgil liame da homonmia. A deteno nesse pormenor pod
parecer bizantina, mas
fundamental para a justa interprern
o do poema. Poderamos tentar desmontar a noo de me.
tamorfose por meio de uma analogia. Imaginemos qu
estarnos usando uma palavra inadequada para nos referir.
mos a determinado objeto. De repente, damo-nos conta do
equvoco e passamos a utilizar a palavra correta. Diremos
que o primeiro objeto rnetamorfoseou-se no segundo? Essa
tendncia
correo do olhar ou da nomeao freqenr
em Drummond - recorde-se o verso exemplar O amor
IH
I
escuro, no, no claro , de No se mate54 - e, acreditamos,
est ativa em Aporo. Essa hesitao s outro sintomn
das dificuldades do pensamento perante o real.
Se houvesse de fato, como querem Pignatari e Arrigucci,
metamorfose, continuidade ontolgica entre formas diversas,
opoema se apresentaria como produto resultante das investidos
do poeta sobre a realidade, como decorrncia direta do
SC II
esforo para conhec-Ia, Assim sendo, teramos de afianar
que o poema , para Drummond, a forma final do trabalho d;1
cognio, teramos de consentir que o poema alcana aprecn
der uma imagem da realidade e a d a conhecer sem maion-.
impedimentos ou perturbaes. Todavia, se no houver rnern
morfose, s indiretamente, s
tropicamente
(de
tropas,
desvio),
o poema remete ao esforo cognitivo que est em sua origem,
54 N-
B . d AI .
o se mate, em rejo as mas op at., p. 58).
84
IZecorrendo aos termos de outro famoso poema de Drurnmond,
poderamos
dizer que, para ele, o poema pode at iniciar-se
com uma luta com a realidade, mas s se encaminha para seu
desfecho - recordemos a
anagnorisis
trgica - a partir de
uma
luta com as palavras. Que essa seja a luta mais v no
subtrai o poeta - de incio lcido e frio , mas logo exaspe-
rado - do seu caminho pedregoso e em treva. Antonio Candido
.idverte que, para Drummond, tudo existe antes de mais nada
como paJavra.I6, Dcio Pignatari, vinculando essa atitude ao.
legado de
Mallarrn,
chega a proposio ainda mais cabal:
tudo em Drummond palavra 57, O que podemos acrescen-
lar que a palavra, nessa obra, a instncia por excelncia da
interrupo. Pignatari, num ensaio crtico que uma verda-
deira tomografia sensvel de poro , demonstra exaustiva-
mente como o pensamento encarna - e se interrompe - na
palavra, constituindo percursos de letras e fonemas a replicar,
grfica e sonoramente, a escavao do inseto-reflexo e a
llorao
da orqudea-poema. Em Considerao do poema ,
Drummond caracteriza as palavras como indevassveis : .
I':, em Procura da poesia , ouvimos a palavra perguntar
:10 poeta: Trouxeste a chaver >.
No h, pois, propriamente, em Drummond, lira fi-
losfica, como quer Merquior', ou poesia reflexiva, como
)
, .
II
Ver O lutador, em
Jos (op. cit.,
p. 99-101).
Ih CANDIDO, Antonio. Op. cit., p. 139.
PIGNATARI, Dcio. A situao atual da poesia no Brasil,
op
.it., p. 100.
',S Considerao do poema , em A rosa do povo iop. cit., p. 115).
,., Procura da poesia, em
A rosa do povo (op. cit.,
p. 118).
,. MERQUIOR, Jos Guilherme. Nosso clssico moderno, em
Critica
1964-1,989 (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990), p. 307.
85
-
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22/24
quer Arrigucci - embora este introduza uma importante ml
dl lao ao falar de reflexo rtmica a propsito
dI'
Aparo e ilumine nossa investigao quando indica o n:lo
saber C01110 horizonte da reflexo em Minerao do outro,
ou ainda quando, sobre o mesmo poema, conjetura
acen.,
do carter incognoscvel extremo daquilo mesmo que
nr,
atrai com o fascnio do inexplicvel
61,
H, sim, a impossi
bilidade da filosofia, a runa da reflexo, O trgico moder
no, em Druml11ond, aparece exatamente como a coincidn
cia entre a conscincia histrica e a inter1'llpo do ethos 011
pa th o s reflexivo: a realidade histrica, o tempo presente ,
revela-se, como j dissemos, impensvel e incognoscvel. Como
a Sua uma poesia que incessantemente coloca a si mesma em
questo, uma poesia que existe somente a partir de uma refle-
xo matriz sobre o que e o que no poesia, sobre quais seus
limites, razes e fidelidades, mais dramtico se torna esse
movimento pelo qual a reflexo se anula para que o poema
possa existir, A reflexo sobre a poesia j reflexo sobre a
realidade histrica, que inevitavelmente a abarca, Disso de-
corre que, a rigor, o poema seja desconhecido de si mesmo
,
quanto mais do poeta, Por isso, talvez, Drummond supo-
nha que a poesia mais rica I um sinal de menos 62, A
singularidade de Drummond consiste, em larga medida, na
arte de insular na palavra potica essa negatividade, sem no
entanto romper os laos com o presumvel leitor. Drummond
nunca d o salto final no silncio ou na palavra absoluta-
mente oclusa que nos assombra, por
exemplo,
num Paul
Celan. A poesia incomunicvel , escreve ele em Segredo,
( i l -
B re jo das A 11 11as
63
Essa incomunicao se estabelece, num
r.r.iu
mais elevado do que entre poema e leitor, entre poema e
.calidade e, no interior desta, entre o poema que efetivamente se
lorrnou e o poema que poderia ter sido, se a reflexo e a cognio
11 :1 0
fracassassem. Como se esclarece na Confidncia do
irabirano , essa incomunicabilidade pode nascer da prpria per-
sonalidade do poeta, de seu alheamento do que na vida
porosidade e comunicao't' . Mas o que importa ressaltar
que essa incomunicao implica tambm o fracasso da ao sobre
:l realidade, de que a solido do poeta, solido ou priso em sua
classe e em algumas roupas , tal como figurada em tantos
poemas, i1ustrativa: Para onde vai o operrio? Teria vergo-
nha de charn-lo meu irmo65. Vergonha, culpa e remorso so
inseparveis do
ennui
e da incomunicao inerentes ao poema.
Em Procura da poesia , integrante de
A rosa do povo
assim como Aporo , v-se isso de modo exemplar, embora,
como em todo poema que realmente interessa, por fim, como
veremos, se supere a prpria exemplaridade.
O
momento de
engajamento poltico mais explcito tambm o da mais aguda
cincia das limitaes do poema em sua relao com qualquer
realidade exterior ou interior. O poema se estrutura inicial-
mente como uma seqncia de imperativos negativos dirigidos
pelo poeta a si mesmo. Em meio a, e, principalmente, depois de,
uma enumerao de dados da realidade - os acontecimentos
- vedados poesia, Drummond conclui:
O
que pensas e sen-
tes, isso ainda no poesia66. Mas mais relevante ainda,
63
Segredo , em
Brejo das Almas
io p
cit.
p. 59).
64 Confidncia do itabirano, em Sentimento do mundo (op. cit., p. 68).
65
O operrio no mar, em
Sentimento do mundo (op. cit.,
p.
72).
66
Procura da poesia, em A rosa do povo (op. cit., p. 117).
61
ARRIGUCCI ]R., Davi. Op
cit.,
p. 85, 126 e 144,
62 Poema-orelha, em
A vida passada a limpo (op. cit.,
p. 418).
86
87
' . I II
1 ,
I1
I
-
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23/24
de nosso ponto de vista, a afirmao de que a poesia eli.lo
sujeito e objeto. Anula-se, assim, a condio sine qua non
do conhecimento. Resta, como campo de ao (ou de batalha,
como no j citado O lutador), somente a palavra:
Penetra surdamente no reino das palavras.
L esto os poemas que esperam ser
escritos.
Contudo, um pouco adiante, chega-se a uma formulao
capital, pareando palavra e silncio na consumao do poema:
Convive com teus poemas, antes de escrev-los.
Tem pacincia, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de
silncio.
Poderamos evocar, em paralelo, o fecho de Canto
esponjoso :
Vontade de cantar. Mas to absoluta
que me calo, repleto.f
Mas o encerramento de Procura da poesia ainda
mais significativo:
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda midas e impregnadas de sono,
rolam num rio difcil e se transformam em desprezo. 7 0
67
Idem (op. cit.,
p. 117).
68
Idem (op. cit.,
p. 118).
69
Canto esponjoso , em
Novos poemas iop. cit.,
p. 239).
70 Procura da poesia, em A rosa do povo iop. cit., p.
118).
88
Aqui, O poder de silncio sobrepujou o poder de pala-
vra ( ermas de melodia e conceito ), mas no o suficiente, e
as palavras persistem como fantasmas, reminiscncias de uma
potncia abortada, e, como tal, expresses concentradas de
um desprezo absoluto, impermevel, no limite, parfrase
ou interpretao. Na continuao do trecho citado de O
operrio no mar , Drummond escreve: Ele sabe que no ,
nunca foi meu irmo, que no nos entenderemos nunca. E
me despreza ... Ou talvez seja eu prprio que me despreze a
seus olhos
71.
Contudo, seria ingnuo reduzir o desprezo de
Procura da poesia ao desprezo do outro poema. Talvez
apenas uma clebre sentena de Nietzsche fizesse justia
significao a bissal de desprezo no verso final: Aquilo
para o que temos palavras, j o deixamos de lado. Em todo
discurso h um gro de desprezo. Somente a total aniqui-
lao da poesia suplantaria esse desprezo, e Drummond no
insensvel a essa exigncia:
I '
Impossvel compor um poema a essa altura da evoluo
[da humanidade.
Impossvel escrever um poema - uma linha que seja - de
[verdadeira poesia. 72
Mas no tenhamos dvida: precisamente nessa
abissalidade , nessa interrupo que impe atividade
hermenutica e reflexo crtica, que a poesia de Drummond
mostra-se, de modo mais inequvoco, marcada pelo tempo
-
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24/24
C ois as
Fo ra d o Tem p o a Po t i c a d o Res d u o
,
I J e r n imo Teixe ira
quem quiser conhecer o 'Geist' brasileiro, pelo menos de
entre
1930 e 1945, ter que recorrer muito mais a Drummond que a
certos historiadores, socilogos, antroplogos e 'filsofos'
nossos ...'>73. Que pintura mais fiel de um pas bloqueado
podemos desejar do que uma poesia bloqueada?
du a rd o S te r zi
po e ta e crti co li te rri o . P ub licou
Pr osa
(IEL jC ORAG ),
em 20 01 . M estre em Teo ria da L ite rat ur a (P UC RS) com disserta o sobro
M u ri lo M endes , cu rsa d ou torado em T eoria e H is t ria L iterria n a Un icam p.
E d ita , com Tarso de M elo , revi s ta de poes ia
Cacto
e o zine
N asda q.
Carlos Drummond de Andrade o oeta da tralha. Tudo
()que n~~Le~~a p~ra nadase transfigura emseus versos - e,
em contrapartida, o que julgvamos duradouro e precioso
revela sua iace mais frgil e contingente. Mesmo quando
Drummond parte em direo ao vazio, ao nada mallarmeano,
no deixa de carregar seus restos, as sobras do extinto mun-
do rural de Itabira e os refugos da metrpole moderna por
onde ele perambula entre melancolias e mercadorias.
o que
constatamos no final de Campo de flores :
Para Jernimo Teixeira, a quem devo ter
roubado umas tantas idias
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.
I
Tomados isoladamente, mal d para acreditar que estes
versos pertenam a um poema de amor. No costumeiro
associar esse sentimento a despojos de qualquer tipo - pelo
73 FAUST1NO,Mrio. Poesia-experincia , em Snia Brayner (org.),
Carlos Drummond de Andrade:
fortuna crtica (Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira, 1978, p. 90.
De
Claro enigma.
In: ANDRADE, Carlos Drummond de.
Poesia e
rosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 219. Todos os poemas
so citados a partir dessa edio. Doravante, sero indicados apenas o
nmero da pgina e, quando no constar no texto, o ttulo do livro
original a que o poema pertence.
90
91