duas rodas Emoção em - Formula Diesel · por volta de 1945, comprou um terreno de 79 mil metros...

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Motos eram adaptadas ao álcool de uso doméstico Em meados dos anos 70, em meio à crise do petróleo, gasolina era cara e escassa. Mas nada que impedisse o prazer de correr de moto. Comerciante, Rodolfo Ghermann abriu sua loja no centro de Pirabeiraba em 1972 e lembra bem do final da década de 70. “Por volta de 1975, tínhamos de adaptar as motos a álcool. Até acertar, dava uma semana de mão de obra”, comenta. Mas não pensem que era o álcool usado atualmente nos postos de combustível. Este só começou a ser produzido no Brasil nos anos 80, após a campanha do governo Figueiredo para incentivar o uso de novos combustíveis. A turma apelava ao álcool de uso doméstico mesmo. E para dar certo, o óleo usado no motor também tinha que ser diferente, vegetal. “Era perigoso”, admite Ghermann, lembrando da trabalheira para fazer a adaptação. Na época, as oficinas que faziam este tipo de trabalho eram poucas – e a demanda, grande. A adaptação não parava por aí. Depois disso, era preciso acertar motor, carburador, taxa de compressão, regulagem de faísca. Além de poder usar outro combustível, mais barato, a adaptação tinha um importante efeito colateral: aumentava a potência do veículo. “Pegava uns Hps a mais”, diverte-se Rodolfo. Ele conta que quando começou a empresa, em 1972, o foco eram as bicicletas. Mas a demanda por profissionais que trabalhassem com motocicletas fez com que logo mudasse sua linha de ação. “Estavam entrando as Hondas importadas no mercado, mas não tinha mecânico nem peças. A não ser as autorizadas. Pegamos pesado no ramo de motos.” Nos anos 80, sua empresa era revendora da Agrale – um motivo a mais para montar uma equipe para competir nos campeonatos de motociclismo. Com dois pilotos conhecidos na região, Jessé Torrens e Marcos Schulz, o Macuco, a equipe Agrale participava do campeonato catarinense e do Campeonato Hollywood Motocross, que tinha provas no Sul do país. Sua equipe corria principalmente em Santa Catarina e no Paraná. Nesta época, a equipe Agrale chegou a ser campeã brasileira. A partir dos anos 80 e 90, Ghermann trouxe novos produtos para sua loja, como motosserras e roçadeiras, que garantiam o faturamento. Mesmo não sendo piloto de provas, ele conta que chegou a correr na pista Emílio Stock Sênior e ainda hoje guarda com carinho a sua moto em uma vitrine na fachada de sua loja. “Também dei umas voltas”, revela. MARIA CRISTINA DIAS ESPECIAL PARA O NOTÍCIAS DO DIA Vento frio no rosto, controle do veículo nas mãos e uma incrí- vel sensação de liberdade. Du- rante mais de quatro décadas, a emoção proporcionada pelo motociclismo foi vivenciada pe- los moradores de Joinville no lugar certo: as pistas de corrida. A cidade contava com um mo- toclube com intensa atividade, integrava circuitos conhecidos do esporte, como o Catarinen- se de Motociclismo, e revelava talentos reconhecidos em todo o país, como Lucílio Baumer, Marcos Schulz, o Macuco, e Ni- vanor Bernardes – entre vários outros. As competições atraíam caravanas de motociclistas e reuniam uma verdadeira mul- tidão ao redor da pista Emílio Stock Sênior, no Itaum. Joinville ainda tinha ares de cidade pequena quando um grupo de apaixonados se reuniu, por volta de 1945, comprou um terreno de 79 mil metros qua- drados no bairro Itaum e abriu uma pista ensaibrada para as corridas de moto. Em 1947, sur- gia o antigo Motoclube de Join- ville, um dos primeiros do país. À frente, entre os fundadores, estavam representantes de famí- lias tradicionais da região, como Baumer, Heinzelmann e Hempi. “A pista do motoclube foi consi- derada a melhor do Brasil. An- dar aqui era como andar em In- terlagos”, afirma Valério Hardt, motociclista há mais de 30 anos e ex-secretário do antigo moto- clube, lembrando do traçado diversificado que exigia perícia dos competidores. “O pessoal ti- nha que mostrar habilidade em cima de sua moto”, relembra. A pista contava com retas onde os veículos chegavam a 130 quilômetros por hora. Um dos trechos mais lembrados por Hardt é a chamada “Curva do Barracão”, onde os pilotos en- travam rápido – nem sempre saíam. “Tinha a temida ‘Curva do Barracão’. Era uma curva de alta velocidade , que exigia mui- ta habilidade”, explica. Um dos momentos mais aguardados do ano, desde o início das atividades, eram as “Seis horas de Joinville”. A competição era realizada uma vez por ano, na época do aniver- sário da cidade, na pista Emílio Stock Sênior. Para aguentar o tranco, havia a troca de pilotos por equipe a cada duas horas. A competição durou até o início dos anos 70, sempre atraindo um grande público. Nos anos 50 e 60, a pista do Itaum chegava a ter de seis a dez corridas por ano, e Joinville era destaque no cenário nacional da motovelocidade. Além das corridas de motocicletas, tam- bém eram famosas as corridas de lambretas e os passeios pelas estradas da região, rumo a cida- des como Curitiba e Rio Negro. “Subíamos a serra de Curitiba e voltávamos”, recorda Valério, contando que como os tanques de gasolina eram limitados e muitas vezes não havia postos no caminho (ou eles fechavam aos domingos e feriados), o pesso- al precisava levar o combustível para garantir a volta para casa. As atividades foram constan- tes até o final dos anos 80. Em 1988, a invasão da área locali- zada entre o Itaum e o Jariva- tuba abalou o motociclismo na cidade, que perdeu sua pista de provas. Hoje, o local é conheci- do como Vila Paraná e em nada lembra as atividades esportivas que eram praticadas ali desde os anos 40 do século passado. O Motoclube de Joinville tem mais de 60 anos de atividades e recentemente foi fundado o Novo Motoclube de Joinville. Bons tempos. Motociclismo garantiu adrenalina para gerações de joinvilenses. Mas corridas ocorriam só na pista 1972 Foi o ano em que Rodolfo Gehrmann abriu a empresa, com foco nas bicicletas. Mas logo optou pelas motos. Emoção em duas rodas Anos 80. Pose no motoclube: Jessé Torrens (boné vermelho) e Marcos Schulz (cabelos loiros), pilotos da Equipe Agrale, que se destacavam em campeonatos catarinenses e nacionais Negócios e diversão. Rodolfo Gehrmann (acima) e Valério Hardt (abaixo), com sua carteirinha do motococlube: vidas ligadas ao motociclismo No auge. Motoclube de Joiville foi um dos primeiros do país e incentivou o surgimento de atletas, negócios e veículos potentes na cidade Xxxxx. Valério Sucesso e fim. Pista do Motoclube de Joinville foi considerada a melhor do Brasil. Nos anos 50 e 60, eram promovidas até dez corridas por ano no local. As emoções acabaram em 1988, com a invasão da área, que foi tomada por sem-tetos “Por volta de 1975, tínhamos de adaptar as motos a álcool. Rodolfo GeRhmann, comerciante, sobre experimentos inovadores com as motos notícias do dia JOINVILLE, sábadO E dOmINgO, 22 E 23 dE sEtEmbrO dE 2012 18/19 EdItOr: albertina Camilo [email protected] Memória RoGéRio souza jR. e divulGação/nd O pessoal tinha que mostrar habilidade em cima da moto. . ValéRio haRdt, ex-secretário do motoclube de Joinville

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Page 1: duas rodas Emoção em - Formula Diesel · por volta de 1945, comprou um terreno de 79 mil metros qua-drados no bairro Itaum e abriu uma pista ensaibrada para as corridas de moto.

Motos eram adaptadas ao álcool de uso doméstico

Em meados dos anos 70, em meio à crise do petróleo, gasolina era cara e escassa. Mas nada que impedisse o prazer de correr de moto. Comerciante, Rodolfo Ghermann abriu sua loja no centro de Pirabeiraba em 1972 e lembra bem do final da década de 70. “Por volta de 1975, tínhamos de adaptar as motos a álcool. Até acertar, dava uma semana de mão de obra”, comenta.

Mas não pensem que era o álcool usado atualmente nos postos de combustível. Este só começou a ser produzido no Brasil nos anos 80, após a campanha do governo Figueiredo para incentivar o uso de novos combustíveis. A turma apelava ao álcool de uso doméstico mesmo. E para dar certo, o óleo usado no motor também tinha que ser diferente, vegetal. “Era perigoso”, admite Ghermann, lembrando da trabalheira para fazer a adaptação.

Na época, as oficinas que faziam este tipo de trabalho eram poucas – e a demanda, grande. A adaptação não parava por aí. Depois disso, era preciso acertar motor, carburador, taxa de compressão, regulagem de faísca. Além de poder usar outro combustível, mais barato, a adaptação tinha um importante efeito colateral: aumentava a potência do veículo. “Pegava uns Hps a mais”, diverte-se Rodolfo.

Ele conta que quando começou a empresa, em 1972, o foco eram as bicicletas. Mas a demanda por profissionais que trabalhassem com motocicletas fez com que logo mudasse sua linha de ação. “Estavam entrando as Hondas importadas no mercado, mas não tinha mecânico nem peças. A não ser as autorizadas. Pegamos pesado no ramo de motos.”

Nos anos 80, sua empresa era revendora da Agrale – um motivo a mais para montar uma equipe para competir nos campeonatos de motociclismo. Com dois pilotos conhecidos na região, Jessé Torrens e Marcos Schulz, o Macuco, a equipe Agrale participava do campeonato catarinense e do Campeonato Hollywood Motocross, que tinha provas no Sul do país. Sua equipe corria principalmente em Santa Catarina e no Paraná. Nesta época, a equipe Agrale chegou a ser campeã brasileira.

A partir dos anos 80 e 90, Ghermann trouxe novos produtos para sua loja, como motosserras e roçadeiras, que garantiam o faturamento. Mesmo não sendo piloto de provas, ele conta que chegou a correr na pista Emílio Stock Sênior e ainda hoje guarda com carinho a sua moto em uma vitrine na fachada de sua loja. “Também dei umas voltas”, revela.

Maria Cristina DiasEspEcial para o Notícias do dia

Vento frio no rosto, controle do veículo nas mãos e uma incrí-vel sensação de liberdade. Du-rante mais de quatro décadas, a emoção proporcionada pelo motociclismo foi vivenciada pe-los moradores de Joinville no lugar certo: as pistas de corrida. A cidade contava com um mo-toclube com intensa atividade, integrava circuitos conhecidos do esporte, como o Catarinen-se de Motociclismo, e revelava talentos reconhecidos em todo o país, como Lucílio Baumer, Marcos Schulz, o Macuco, e Ni-vanor Bernardes – entre vários outros. As competições atraíam caravanas de motociclistas e reuniam uma verdadeira mul-tidão ao redor da pista Emílio Stock Sênior, no Itaum.

Joinville ainda tinha ares de cidade pequena quando um grupo de apaixonados se reuniu, por volta de 1945, comprou um terreno de 79 mil metros qua-drados no bairro Itaum e abriu uma pista ensaibrada para as corridas de moto. Em 1947, sur-gia o antigo Motoclube de Join-ville, um dos primeiros do país. À frente, entre os fundadores,

estavam representantes de famí-lias tradicionais da região, como Baumer, Heinzelmann e Hempi. “A pista do motoclube foi consi-derada a melhor do Brasil. An-dar aqui era como andar em In-terlagos”, afirma Valério Hardt, motociclista há mais de 30 anos e ex-secretário do antigo moto-clube, lembrando do traçado diversificado que exigia perícia dos competidores. “O pessoal ti-nha que mostrar habilidade em cima de sua moto”, relembra.

A pista contava com retas onde os veículos chegavam a 130 quilômetros por hora. Um dos trechos mais lembrados por Hardt é a chamada “Curva do Barracão”, onde os pilotos en-travam rápido – nem sempre saíam. “Tinha a temida ‘Curva do Barracão’. Era uma curva de alta velocidade , que exigia mui-ta habilidade”, explica.

Um dos momentos mais aguardados do ano, desde o início das atividades, eram as “Seis horas de Joinville”. A competição era realizada uma vez por ano, na época do aniver-sário da cidade, na pista Emílio Stock Sênior. Para aguentar o tranco, havia a troca de pilotos por equipe a cada duas horas. A competição durou até o início

dos anos 70, sempre atraindo um grande público.

Nos anos 50 e 60, a pista do Itaum chegava a ter de seis a dez corridas por ano, e Joinville era destaque no cenário nacional da motovelocidade. Além das corridas de motocicletas, tam-bém eram famosas as corridas de lambretas e os passeios pelas estradas da região, rumo a cida-des como Curitiba e Rio Negro. “Subíamos a serra de Curitiba e voltávamos”, recorda Valério, contando que como os tanques de gasolina eram limitados e muitas vezes não havia postos no caminho (ou eles fechavam aos domingos e feriados), o pesso-al precisava levar o combustível para garantir a volta para casa.

As atividades foram constan-tes até o final dos anos 80. Em 1988, a invasão da área locali-zada entre o Itaum e o Jariva-tuba abalou o motociclismo na cidade, que perdeu sua pista de provas. Hoje, o local é conheci-do como Vila Paraná e em nada lembra as atividades esportivas que eram praticadas ali desde os anos 40 do século passado. O Motoclube de Joinville tem mais de 60 anos de atividades e recentemente foi fundado o Novo Motoclube de Joinville.

Bons tempos. Motociclismo garantiu adrenalina para gerações de joinvilenses. Mas corridas ocorriam só na pista

1972Foi o ano em que

Rodolfo Gehrmann abriu a empresa,

com foco nas bicicletas. Mas logo optou pelas motos.

Emoção emduas rodas

Anos 80. Pose no motoclube: Jessé Torrens (boné vermelho) e Marcos Schulz (cabelos loiros), pilotos da Equipe Agrale, que se destacavam em campeonatos catarinenses e nacionais

Negócios e diversão. Rodolfo Gehrmann (acima) e Valério Hardt (abaixo), com sua carteirinha do motococlube: vidas ligadas ao motociclismo

No auge. Motoclube de Joiville foi um dos primeiros do país e incentivou o surgimento de atletas, negócios e veículos potentes na cidade

Xxxxx. Valério

Sucesso e fim. Pista do

Motoclube de Joinville foi

considerada a melhor do

Brasil. Nos anos 50 e 60, eram

promovidas até dez corridas por

ano no local. As emoções

acabaram em 1988, com a

invasão da área, que foi tomada

por sem-tetos

“Por volta de 1975,

tínhamos de adaptar

as motos a álcool.

Rodolfo GeRhmann,

comerciante, sobre

experimentos inovadores com

as motos

notícias do dia JOINVILLE, sábadO E dOmINgO, 22 E 23 dE sEtEmbrO dE 2012 18/ 19

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