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77 2014 I volume 25 I número 1 I 77-96 Psicologia USP, 2014, v.25(1), xx-xx Estrutura e personalidade na neurose: da metapsicologia do sintoma à narrativa do sofrimento Christian Ingo Lenz Dunker 2 Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil Resumo: Neste artigo, originalmente uma aula para concurso de professor titular junto ao Instituto de Psicologia da USP, são examinadas as noções de personalidade e de estrutura em sua aplicação ao diagnóstico de neurose, em psicopatologia de extração psicanalítica. Examina-se a consistência das relações de ordem, classe e gênero, que, por hipótese, ao lado da concepção de causalidade, subsidiam a força e pertinência de uma categoria diagnóstica. Discute-se o valor da exceção e a potência normativa de conformação da experiência clínica à racionalidade diagnóstica. Os resultados deste exame epistemológico preliminar nos levam a propor a tese crítica de que há menos homogeneidade no emprego da noção freudiana de neurose do que a recepção corrente vem admitindo. Argumenta-se que cada modelo metapsicológico, no qual emergem redefinições de neurose, corresponde a uma valência narrativa e uma forma de sofrimento distinto, sendo a exclusão da narrativa de sofrimento uma dimensão relevante para reconsiderar a noção de personalidade e de estrutura na diagnóstica psicanalítica. Palavras-chave: neurose, psicanálise, epistemologia, psicopatologia. 1. Introdução O conceito de estrutura, aplicado � no�o de ne� no�o de neno��o de nerose, o�, de forma genérica, � psicopatologia psicanalítica, está a�sente em Fre�d. Até mesmo Lacan emprega apenas d�as vezes a express�o text �al “estr�t�ra clínica” (Eidelsztein, 2008). Também a no��o de personalidade é de baixa densidade conceit�al em Fre�d. Como entender, portanto, a pop�laridade e a extens�o dessas d�as no�ões tanto nos a�tores q�e se dedicaram a desenvolver e fixar o conceito psicanalítico de ne�rose, q�anto nos q�e dele se serviram para formar diagnósticas psiq�iátricas e psicodinâmicas, inspiradas na psicanálise? Há o caso de q�e j�stamente a a�sência de �m conceito o� s�a rarefa�o definicional seja responsável pela for�a posterior de s�a recep�o e emprego, como se aq�ele elemento faltante permitisse a conex�o com o�tros saberes e disc�rsos. Estas zonas de indetermina�o m�itas vezes exprimem experiências e condi�ões q�e afetam o progresso de �ma teoriza�o, sem q�e, ao mesmo tempo, sejam plenamente incorporadas na forma de conceitos e represen� ta�ões claras e distintas. Este fenômeno é especialmente presente na hermenê�tica do mal�estar, do sofrimento e dos sintomas a q�e genericamente chamamos de pathos . Um bom exemplo desta indetermina��o da rela�o entre classe e ordem, na composi��o da psicopatologia psicanalítica, pode ser encontrado em �ma das raras ocasiões em q�e Fre�d tenta organizar s�a parti�o diagnóstica estabelecendo �ma separa�o entre três tipos e sintomas: transitórios , típicos e individuais (Fre�d, 1917/1988). Esta classifica��o é �m tanto instável por dois motivos. Primeiro, s�as categorias n�o s�o excl�dentes: mesmo sintomas típicos afetam sempre indivíduos , sintomas transitórios podem ser também típicos; além disso, existem sintomas individuais transitórios . Isso ocorre porq�e Fre�d compara sintomas seg�ndo critérios distintos, a saber, a rela�o do sintoma ao tempo ( transitório, permanente, intermitente, crônico), a reg�laridade social do sintoma para �ma determinada época, c�lt�ra o� contexto ( típico, atípico, único, específico, genérico) e s�a f�n�o na economia inters�bjetiva ( individualizante, coletivizante, prod�tivo, improd�tivo, criativo, empobrecedor). Apesar de inconsistente – e talvez, j�stamente pela s�a incapacidade de re�nir �m conj�nto q�e incl�a todos os casos possíveis –, esta classifica��o revela níveis diferenciais de leit�ra do patológico, nem sempre explicitados pelos q�e se dedicam a est�dar a diagnóstica psicanalítica. O q�e genericamente designa�se por sintoma – esta categoria q�e f�nda historicamente toda clínica possível – admite tanto o sentido de experiência de sofrimento (sintomas transitórios), q�anto o sentido de signo patognomônico de um processo patológico (sintoma típicos) e, ainda, o sentido de mal-estar ainda não reconhecido ou nomeado coletivamente (sintomas individ�ais). Há formas de sofrimento q�e ainda n�o podem ser nomeadas e o�tras q�e já n�o podem mais ser reconhecidas, assim como há mitos individ�ais e coletivos, transi tórios e permanentes, típicos e atípicos. Isso nos habilita a disting�ir o sofrimento excessivamente nomeado , codificado sob formas j�rídicas, morais o� clínicas, ao modo do sintoma ( Symptom ) típico; do sofrimento (Leiden) q�e se artic�la ao modo de �ma história q�e intercala demandas e atos de reconhecimento, bem como mal�estar ( Unbehagen ) dif�so, 2 chrisd�nker@�sp.br

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Construção do conceito de histeria em Lacan

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    Estrutura e personalidade na neurosePsicologia USP, 2014, v.25(1), xx-xx

    Estrutura e personalidade na neurose:

    da metapsicologia do sintoma narrativa do sofrimento

    Christian Ingo Lenz Dunker2Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo, So Paulo, Brasil

    Resumo: Neste artigo, originalmente uma aula para concurso de professor titular junto ao Instituto de Psicologia da USP, so examinadas as noes de personalidade e de estrutura em sua aplicao ao diagnstico de neurose, em psicopatologia de extrao psicanaltica. Examina-se a consistncia das relaes de ordem, classe e gnero, que, por hiptese, ao lado da concepo de causalidade, subsidiam a fora e pertinncia de uma categoria diagnstica. Discute-se o valor da exceo e a potncia normativa de conformao da experincia clnica racionalidade diagnstica. Os resultados deste exame epistemolgico preliminar nos levam a propor a tese crtica de que h menos homogeneidade no emprego da noo freudiana de neurose do que a recepo corrente vem admitindo. Argumenta-se que cada modelo metapsicolgico, no qual emergem redefinies de neurose, corresponde a uma valncia narrativa e uma forma de sofrimento distinto, sendo a excluso da narrativa de sofrimento uma dimenso relevante para reconsiderar a noo de personalidade e de estrutura na diagnstica psicanaltica. Palavras-chave: neurose, psicanlise, epistemologia, psicopatologia.

    1. Introduo

    O conceito de estrutura, aplicado noo de ne noo de ne noo de nerose, o, de forma genrica, psicopatologia psicanaltica, est asente em Fred. At mesmo Lacan emprega apenas das vezes a expresso textal estrtra clnica (Eidelsztein, 2008). Tambm a noo de personalidade de baixa densidade conceital em Fred. Como entender, portanto, a poplaridade e a extenso dessas das noes tanto nos atores qe se dedicaram a desenvolver e fixar o conceito psicanaltico de nerose, qanto nos qe dele se serviram para formar diagnsticas psiqitricas e psicodinmicas, inspiradas na psicanlise?

    H o caso de qe jstamente a asncia de m conceito o sa rarefao definicional seja responsvel pela fora posterior de sa recepo e emprego, como se aqele elemento faltante permitisse a conexo com otros saberes e discrsos. Estas zonas de indeterminao mitas vezes exprimem experincias e condies qe afetam o progresso de ma teorizao, sem qe, ao mesmo tempo, sejam plenamente incorporadas na forma de conceitos e representaes claras e distintas. Este fenmeno especialmente presente na hermentica do malestar, do sofrimento e dos sintomas a qe genericamente chamamos de pathos.

    Um bom exemplo desta indeterminao da relao entre classe e ordem, na composio da psicopatologia psicanaltica, pode ser encontrado em ma das raras ocasies em qe Fred tenta organizar sa partio diagnstica estabelecendo ma separao entre trs tipos e sintomas: transitrios, tpicos e individuais (Fred, 1917/1988). Esta classificao m tanto instvel por dois motivos. Primei

    ro, sas categorias no so excldentes: mesmo sintomas tpicos afetam sempre indivduos, sintomas transitrios podem ser tambm tpicos; alm disso, existem sintomas individuais transitrios. Isso ocorre porqe Fred compara sintomas segndo critrios distintos, a saber, a relao do sintoma ao tempo (transitrio, permanente, intermitente, crnico), a reglaridade social do sintoma para ma determinada poca, cltra o contexto (tpico, atpico, nico, especfico, genrico) e sa fno na economia intersbjetiva (individualizante, coletivizante, prodtivo, improdtivo, criativo, empobrecedor).

    Apesar de inconsistente e talvez, jstamente pela sa incapacidade de renir m conjnto qe incla todos os casos possveis , esta classificao revela nveis diferenciais de leitra do patolgico, nem sempre explicitados pelos qe se dedicam a estdar a diagnstica psicanaltica. O qe genericamente designase por sintoma esta categoria qe fnda historicamente toda clnica possvel admite tanto o sentido de experincia de sofrimento (sintomas transitrios), qanto o sentido de signo patognomnico de um processo patolgico (sintoma tpicos) e, ainda, o sentido de mal-estar ainda no reconhecido ou nomeado coletivamente (sintomas individais). H formas de sofrimento qe ainda no podem ser nomeadas e otras qe j no podem mais ser reconhecidas, assim como h mitos individais e coletivos, transitrios e permanentes, tpicos e atpicos. Isso nos habilita a distingir o sofrimento excessivamente nomeado, codificado sob formas jrdicas, morais o clnicas, ao modo do sintoma (Symptom) tpico; do sofrimento (Leiden) qe se articla ao modo de ma histria qe intercala demandas e atos de reconhecimento, bem como malestar (Unbehagen) difso, 2 [email protected]

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    expresso porventra em angstia fltante, percebido como insuficientemente nomeado o como condio incrvel atinente a ma forma de vida.

    Levando adiante a indeterminao entre gnero e espcie, entre predicao e narrao, na classificao frediana podemos perceber qe o diagnstico no m simples ato de nomeao de m processo patolgico, mas a reconstro de ma forma de vida (Dnker, 2011b), qe deve inclir o presspor sas prprias prticas, prodtivas o improdtivas de nomeao, sa economia social de nomeao, ses planos de articlao entre sofrimento, sintoma e malestar, bem como sa insero em dispositivos prticos, institcionais o discrsivos de tratamento. Uma boa intio desta diferena aparece j na seginte considerao de Fred:

    Ele [o analista] sabe qe no h apenas misria nertica no mndo, mas tambm sofrimento real (real Leiden), irremovvel, e qe a necessidade pode exigir qe ma pessoa sacrifiqe sa sade; e aprendese qe m sacrifcio dessa espcie, feito por algm gera incomensrvel infelicidade para mitos otros. Portanto, se podemos dizer qe sempre qe m nertico enfrenta m conflito ele empreende ma fga para a doena, assim mesmo devemos admitir qe, em determinados casos, tal fga se jstifica plenamente, e m mdico qe tenha reconhecido a maneira como se configra a sitao, haver de se retirar, silencioso e apreensivo. (Fred, 1917/1988, p. 446)

    Essa partio corrobora a valorizao verificada na clnica psicanaltica, em contraste com a clnica mdica, da diagnstica espontnea trazida pelo prprio paciente. Mesmo qe esta atodiagnstica seja desconstrda e revertida em heterodiagnstica, mesmo qe se revele a natreza significante, proveniente do Otro ao qal o sjeito se aliena, este o primeiro passo incontornvel da experincia e da diagnstica psicanaltica. por motivo semelhante qe a psicanlise valoriza os esforos de nomeao do sintoma, na transferncia e no discrso ao longo do tratamento (interdiagnstica). Como desenvolvi em otro lgar (Dnker, 2011b), cada ato diagnstico depende de m discrso qe o atoriza e cada discrso depende de ma metadiagnstica qe oferece as condies histricas de possibilidade para qe determinadas formas de malestar se tornem visveis o invisveis, legtimas o ilegtimas. O trabalho seminal de Focalt (1972) sobre a locra mostrando como esta passa de sjeito de ma experincia trgica para objeto de ma conscincia crtica, sendo ento absorvida scessivamente pelo discrso moral, jrdico, mdico e psiqitrico inspira nossa noo de metadiagnstico.

    Esta considerao preliminar nos faz introdzir o tempo e a lingagem como fatores incontornveis da diagnstica psicanaltica (Dnker, 2013). Ao contrrio dos sistemas nosogrficos (qe classificam doenas), cja historicidade relativamente indiferente sa ontologia, os

    sintomas psicolgicos se alteram conforme se inscrevem na lingagem e isso se d de diferentes maneiras. Devemos entender por lingagem, neste contexto, no apenas a estrtra formal e covariante de signos dispostos em sa diferena e negao recproca, mas os modos de so, as prticas concretas contidas na pragmtica expressiva da lnga em sa relao temporal com a fala. O seja, os sintomas possem o qe os antigos chamavam de histria natral. O sofrimento afetado por nossos discrsos, narrativas e modalizaes normativas de escrita o simplesmente, pelo nome qe damos a ele. Assim como o psicanalista faz parte do conceito de inconsciente (Lacan, 1964/1988), a forma de incidncia do sofrimento na lingagem faz parte do prprio sofrimento.

    Nesta medida, a fno diagnstica est presente toda vez qe renimos m conjnto narrativo, ma coleo de sinais o incidncias, dotados de algma nidade por meio de m nome qe os condensa e metaforiza. O diagnstico m caso particlar do qe Lacan chamava de fno nominativa da lingagem (Lacan, 1964/1988). E ela pode ser exercida por m psicanalista o m psiqiatra, pelo prprio sjeito o por sa famlia, pela comnidade o por instncias institcionais especficas, como a escola, a empresa o m hospital. O fato de qe isso ocorra por meio de m cdigo normativo, qe o inscreve em m discrso, o fora dele, de modo ficcional o realista, relativamente indiferente. Esta ideia de qe m sintoma comporta sempre sa prpria nomeao j se encontra na conhecida tese lacaniana de qe este possi ma estrtra de metfora (Lacan, 1958/1988), ma vez qe a metfora envolve a prodo de m excedente nominativo de significao2.

    Para demonstrar esta ideia, examino a segir a consistncia epistemolgica da nerose enfatizando sas relaes de ordem, classe e gnero, qe, por hiptese, ao lado da concepo de casalidade, sbsidiam sa fora e pertinncia como categoria diagnstica. O resltado deste exame mostrar como h menos homogeneidade no emprego da noo frediana de nerose do qe a recepo corrente vem admitindo, explicando assim a importao e insero de noes como estrutura clnica e personalidade em psicanlise. Argmento qe cada modelo metapsicolgico, no qal emergem redefinies de nerose, corresponde a valncias diferenciais de narrativas de sofrimento. Desta maneira, a introdo da noo de sofrimento (Leiden), como dimenso de lingagem qe incli narrativamente o tempo, capaz de conferir nidade desconexo entre agrpamentos de sintoma e pode servir para reconsiderar criticamente a noo de personalidade e de estrtra no contexto da diagnstica psicanaltica. Por otro lado, esta dimenso narrativa introdz m diferencial marcante entre a diagnstica psicanaltica e os grandes sistemas diagnsticos, como o DSM e o CID, qe caracteristicamente ignoram tanto a ordem de apresentao e conexo entre os sintomas, em detrimento de sa presen2 a estrtra metafrica, qe indica qe na sbstitio do significante

    pelo significante qe se prodz m efeito de significao qe de poesia o criao, o, em otras palavras, do advento da significao em qesto (Lacan, 1957/1988, p. 519).

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    Estrutura e personalidade na neurose

    a o asncia em determinado perodo, qanto a etiologia comm aos sintomas. Esta estratgia nominalista e convencionalista da psiqiatria contempornea no se contrape apenas a ma concepo realista, mas tambm hiptese de qe os sintomas psicolgicos exigem ma atodiagnstica, o ma hermentica de si, no tempo e na lingagem, para se jstificarem.

    2. Duas linhagens do conceito de estrutura

    Toda clnica depende da observao de certas reglaridades na apario de certos signos qe caracterizam o patolgico. Os sinais qe, de otra forma, exprimem variaes insignificantes em diferentes formas de vida, tornamse signos dotados de relevncia clnica qando podem ser dispostos em sa distribio entre classes, ordens e conjntos segndo relaes de inclso e diferenciao. A clnica moderna comea qando semiologia e diagnstica condicionamse a ma etiologia, respeitando o critrio de ma relao ontologicamente covariante e homogna entre si (Dnker, 2011a).

    Era exatamente com este objetivo, de conectar semiologia e diagnstica, qe Wiliam Cllen, em 1794, empresta o mtodo de classificao das espcies proposto por Line, para estabelecer a neurose como m dos qatro tipos de doenas. Para ele, todas as doenas podiam ser distribdas em qatro classes: (1) Pyrexiae: as desordens febris; (2) Neuroses: as desordens dos nervos; (3) Cache-xiae: desordens de modo geral; (4) Locales: doenas locais. H dois critrios para a definio da ordem das neroses. O primeiro negativo, o seja, elas constitem ma doena dos nervos, sem febre. O segndo designa sa localizao semiolgica positiva, pois elas afetam o movimento e a sen-sibilidade. Definida a ordem, possvel distingir qatro classes de neroses a partir de sas respectivas famlias de

    doenas: o coma, como a famlia das doenas nas qais h perda da conscincia; as astenias, como afeces caracterizadas pelo enfraqecimento da fora vital; os espasmos, qadro distingido pela presena de convlso; e as vesnias, como a mania e a melancolia, nas qais h ma pertrbao da razo.

    No difcil perceber na origem terica do procedimento de Cllen, em sa estratgia de inclso ordemespcie da noo de nerose, em sa dependncia da noo de sintoma fndamental, como pertrbao da sensibilidade o do movimento, bem como no critrio da asncia de febre, a noo Aristotlica de estrtra o paradigma. Para o ator das Categorias (2005), a estrtra o forma no apenas m elemento o ma parte de algo. Por exemplo, a estrtra da palavra formada por slabas e letras. A slaba BA ma coleo qe consiste de das letras e ma estrtra. Mas a estrtra considerada ela mesma como m elemento no a estrtra da slaba. A slaba BA consiste de dois elementos estrtrados de certa maneira. Portanto, a sbstncia a estrtra de m objeto composto por matria (hyl) e forma (morph). Para Aristteles, conhecer a estrtra de algo assemelhase a definir este objeto segndo ma seqncia de operaes de predicao afirmativa o negativa, de inclso niversal o particlar e de atribio de existncia o no existncia. A passagem do gnero espcie, segndo sa distino e essncia, nos remete a ma acepo de estrtra como forma (morph) invariante sob a qal se amolda a matria (hil). A estrtra aqi ma espcie de plano formal essencial do objeto se ope s aparncias o fnes dinmicas de transformaes e relaes qe ele permite. A estrtra, como forma essencial, permanece invarivel enqanto se contedo se altera.

    Esta acepo de estrtra pode ser facilmente transposta ao conceito de nerose em Fred. A nerose definese como ma generalizao dos achados sobre a histeria. Ses predicados inclem a diviso (Spaltung) da consci

    Tabela 1

    Tipos de neurose

    Tipos de Neuroses Semiologia Exemplos

    Comas Perda dos movimentos volntrios Apoplexia e catatonia

    Adinamias Enfraqecimento o perda dos movimentos nas fnes vitaisAstenia, sncope, dispepsia e hipocondria

    Espasmos sem febre Perda dos movimentos volntriosrios Ttano, epilepsia, asma e histeria

    Vesnias Perda da realidade, pertrbao da razo Mania e melancolia

    Nota: William Cllen (17101790). Synopsis Nosologiae Methodicae.

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    Christian Ingo Lenz Dunker

    ncia exposta ao conflito, o recalcamento o a separao entre afetos e representaes ocasionado pelo desligamento entre representaocoisa e representaopalavra, a perda da capacidade de recordao e rememorao, particlarmente de experincias sexais de natreza tramtica, a fixao o regresso a certas modalidades sbstittivas de satisfao plsional pela fantasia e o retorno deformado simbolicamente do desejo como sintoma.

    A forma estrtral da histeria permite interpretar a existncia de certos sintomas e a inexistncia de otros, bem como a ligao entre eles ao modo da relao entre slabas e letras na formao das palavras, prescrevendo certas possibilidades e vetando otras combinaes. Histeria, Nerose Obsessiva e Fobia so trs classes diagnsticas qe pertencem a mesma ordem das neroses de defesa porqe tm em comm o recalcamento (Verdrngung) como operao formadora de sintomas. Elas se diferenciam pelos diferentes destinos para o afeto separado da representao: ideia, na nerose obsessiva; objeto fbico, na fobia; e corpo, na converso histrica.

    tambm conforme esta noo aristotlica de estrtra qe se pode agrpar Neroses, Psicoses e Perpode agrpar Neroses, Psicoses e Perverses em ma oposio por ordens diferentes. Se nas primeiras vigoram o recalcamento (Verdrngung) e m conflito entre e e o id, nas segndas ocorrem a foraclso (Verwerfung) e m conflito com a realidade. Nas perverses ocorreria ma renegao o recsa (Verleugnung) da realidade simblica da diferena entre os sexos, o seja, ma pertrbao hbrida tanto da percepo de realidade, agora especificamente redzida, qanto m conflito com a plso, agora dplicado em ma diviso especfica do e e ma transformao do objeto.

    Contdo, este pareamento entre estrtras, segndo ordens homlogas e fnes de predicao anlogas, talvez corresponda, em algma medida, a certa psiqiatrizao da psicanlise, no qal a acepo aristotlica de estrtra se v bem representada. Se olharmos mais de perto as definies fredianas de nerose, veremos qe ela se decompe tambm em variedades qe compreendem diferentes tipos de agrpamentos sintomticos: as neroses tramticas, as neroses atais, as neroses de gerra, as de destino. Este terceiro caso pode ser descrito como o grpo das neroses no estrtrais, descritivas o no estrtralespecficas, qe pode incidir transversalmente em diferentes estrtras. Elas representam excees definio paradigmtica pelo princpio distintivo e diagnstico da negao fndamental. Da qe nestes casos a nerose seja definida pela compleio do e, pela economia da angstia, pela fora do fator qantitativo o pelo clclo do gozo (Dnker, 2002).

    Srgem dois problemas desta aplicao aristotlica do conceito de estrtra em Fred. As classes, ordens e gneros estveis no se contrariam facilmente com as excees qe obtm na experincia. Para algm qe est fixado na oposio a priori entre nerose, psicose o perverso, todos os casos mistos o intermedirios representam apenas ma dificldade prtica de estabelecer o diagnstico, nnca m qestionamento das grandes es

    trtras elas mesmas. Tornandose no explicvel a sficincia do nmero de ordens, no se pode saber at onde domina, na diagnstica, a fora normativa da nomeao e onde comea a impercia o desconhecimento em reconhecer e agrpar reglaridades clnicas. Disso decorre m segndo problema. Uma vez qe as ordens e classes bem formadas no admitem fltao definicional, indzse a perspectiva de qe as relaes verticais entre ordens e classes (nerose e nerose obsessiva, por exemplo) so isomrficas s relaes horizontais entre ordens (nerose e psicose) e entre classes (histeria e nerose obsessiva).

    Chegamos assim necessidade de introdzir ma segnda acepo de estrtra qe parece ter sido forjada para sperar estes dois problemas. Ela nos remete ao sentido moderno do termo estrtra, no to prximo da ideia de forma, mas noo de sistema, tal como aparece na lingstica de Sassre e na antropologia de LviStrass. Em m sistema no qal cada elemento possi se valor e significao determinado por sa posio diferencial em relao a todos os demais, estrtra, neste caso, scedneo do conceito de causa. Ela m mtodo ideal para apreender processos nos qais nem todas as possibilidades de variao esto presentes, o qando se trata de ma variedade mito extensa de efeitos, como se observa nos processos econmicos, nas trocas lingsticas e nos sistemas simblicos em geral. A causa estrutural nos remete inclso dos efeitos como eles mesmos dotados de de inclso dos efeitos como eles mesmos dotados de determinao para novas configraes de casalidade. Por isso, ela no apenas m conjnto de relaes, mas m conjnto dplo de relaes entre relaes. Da qe ma estrtra seja mais bem definida como m sistema transformativo do qe como ma categoria qe ne forma e matria. Este conjnto, dotado de ma ordem aberta (fonema) e ma fechada (significante), contm as determinaes de sbalternao e contrariedade, presentes da acepo aristotlica de estrtra, mas alm destas se acrescentar, dentro do sistema, a fno da contradio. Como na definio de mito em LviStrass (1955/1988), entendido como m conjnto de problemas lgicos, narrativamente expressos e eqacionados por relaes covariantes e sbstitintes entre ordem e classe o fno e termo. A estrtra como mtodo permite partir de fragmentos pelos qais se poderia reconstrir a totalidade das relaes casais. E por isso qe Lacan qis ver no procedimento analtico de Fred o exerccio deste mtodo estrtral.

    3. Um critrio metapsicolgico

    Diante de ma definio psicolgica da nerose, marcada pela introdo da ideia de personalidade e pela acepo aristotlica de estrtra, relembremos m critrio metapsicolgico estabelecido por Fred. No conhecido pargrafo epistemolgico inicial de Pulso e suas Vicissi-tudes, no qal Fred (1915/2013) estabelece os critrios da abordagem metapsicolgica de m conceito, como descrio conjgada de m processo de modo tpico, dinmico

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    Estrutura e personalidade na neurose

    e econmico, o seja, em termos de sas estruturas ps-quicas, de ses conflitos determinantes e das trocas qantitativas entre elementos e relaes. H aqi ma terceira acepo de estrtra, corrente na psicanlise, na qal ela se identifica com m tipo de descrio tpica, tais como as distines metapsicolgicas entre inconsciente e conscincia, entre e ideal e ideal do e, entre ego, Id e sperego. nesta acepo qe algns atores falam da teoria estrtral da personalidade, referindose s formlaes presentes, por exemplo, em O Eu e o Isso (Fred, 1923/1988). Mas isso no implica sprimir a diferena entre estrtra do sjeito o da personalidade e estrtra clnica o da gerao de sintomas. Lembremos qe a metapsicologia de m conceito fndamental (Grundbegrieffe) deve ser permanentemente exposta e tensionada contra os fenmenos, remetida ao material emprico e cotejada com a experincia clnica:

    S depois de haver explorado mais a fndo o campo de fenmenos em qesto possvel apreender com exatido ses conceitos cientficos bsicos e afinlos para qe se tornem tilizveis em m campo mais amplo e para qe ademais se tornem isentos de contradio. Ento qi tenha chegado a hora de cnhar certas definies. (Fred, 1915/2003, p. 113)

    O seja, o procedimento metapsicolgico deve contemplar contradies, e s depois chegar a sa dissolo na forma de definies. Ponderando a fora determinativa do nominalismo, as definies devem vir depois da experincia e serem capazes de transformar a definio inicial. Encontramos, assim, m critrio epistemolgico qe replica as condies de tempo e lingagem temporal qe advogamos como diferenciais especficos da diagnstica psicanaltica (Dnker, 1996). Este critrio frediano violado qando retornamos concepo aristotlica, agora aproximada da concepo psicolgica de estrtra. Se a estrtra compreendida apenas como nidade de forma, o apenas como convenes nominais de m discrso, os sintomas, signos e traos se tornam legveis apenas como contedos variveis qe exteriorizam ma essncia, elementos qe caem sob ma fno, e no ma dpla fno articlada entre ordens e classes como qer a acepo do mtodo estrtral. No primeiro caso, estrtra eminentemente m conceito ontolgico, descritivo e refratrio contradio. Cada gnero incli a totalidade de sas espcies e no h niversal qe contenha formas de existncia qe o nege como tal.

    Por otro lado, o critrio frediano parece estar mito mais bem representado pela acepo metodolgica de estrtra. A estrtra como lgica causal presente nos fragmentos em sa relao entre feixes de contradio com otros feixes de contradio responde ao critrio metapsicolgico da comparao entre posio inicial e posio final do conceito.

    O mito de dipo oferece ma espcie de instrmento lgico qe permite lanar ma ponte entre

    m problema inicial nascemos de m nico o de dois? e o problema derivado, qe se pode formlar aproximadamente: o mesmo nasce do mesmo o o mesmo nasce do otro? (LviStrass, 1955/1988, p. 249)

    O segndo critrio de estrtra, o seja, o tempo, permite integrar as ocorrncias passadas em contingncias ftras em m sistema de sobredeterminao mto:

    Para Fred so exigidos dois tramatismos (e no apenas m, como se tem a tendncia a acreditar to freqentemente) para qe nasa m mito individal em qe consiste ma nerose. (LviStrass, 1955/1988, p. 263)

    Vse, assim, qe na prpria gnese do mtodo estrtral moderno, nos primeiros textos aqi mencionados de LviStrass, a psicanlise est explicitamente mencionada, e dela se acolhem as condies de lingagem deste mito individal, qe o dipo e a temporalidade, derivado de se entendimento do trama. Redefinimos, dessa forma, nossos dois problemas anteriormente colocados. Contra ma nidade qe tende a reificar e a hipostasiar a categoria de nerose de modo qe ela se torne refratria a excees, casos mistos e variedades ainda no descritas, preciso pensar historicamente a mtao dos sistemas de transformao. na histria e nas variaes do modo de sofrimento qe se encontrar o antdoto contra a metafsica da neurose. Metafsica, alis, qe o termo escolhido como antimodelo sobre o qal Fred cnho a expresso metapsicologia. Contra a acepo metapsicolgica de estrtra necessrio valorizar o sentido metodolgico de estrtra. De acordo com sa exigncia metapsicolgica, a pesqisa psicanaltica da nerose deveria se orientar mais para os casos de exceo e de fracasso do conceito do qe para ses casos de confirmao.

    Ora, esta acepo de estrtra poderia encontrar sas origens em otro emprego da noo de estrtra em Aristteles, a saber, a estrtra da narrativa, tal qal ele descreve na Retrica e na Potica. Aqi no h relao de elementos qe se exteriorizam conforme as regras de ma essncia qe lhe confere identidade, mas conexo entre partes, qe formam ma nidade. Neste caso, a nidade no incide entre forma e matria, nem presspe pertinncia ontolgica, apenas congrncia entre ao e mimese da realidade:

    Assentamos qe a tragdia a imitao (mmesis) de ma ao acabada e inteira, de algma extenso, pois pode ma coisa ser inteira sem ter extenso. Inteiro o qe tem comeo, meio e fim. (Aristteles, 2004, p. 239)

    A diferena qanto incidncia diferencial da transformao pode ser agora apreciada. A tragdia emerge no sclo VII a.C. como ma expresso dos conflitos qe a polis grega enfrentava em termos de ses sistemas

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    jrdicos e morais, no entanto, esta exteriorizao passa a fazer parte da prpria realidade social dos cidados da polis, transformando por ses efeitos de catarse, pela sa representao pblica, pela participao de diferentes tipos de jzes e de concorrncias, a prpria realidade qe ela refletia. A relao entre as partes da narrativa e da narrativa como parte da realidade no deve ser confndida com os elementos cja exteriorizao no transforma em nada as relaes qe o prodziram.

    4. Estrutura e personalidade

    Tais consideraes nos habilitam a interpretar, de modo crtico o circnstanciado, o conceito de estrtra qando aplicado nerose. Talvez isso ajde a entender porqe Lacan se refere to poco nominalmente s estrs estrs estrtras clnicas, e, ao mesmo tempo, dediqese to extensamente anlise estrtral das neroses. Vejamos agora como a noo de personalidade se introdz em psicanlise condicionada pela acepo aristotlica o psicolgica de estrtra. Nerose aparece, assim, antes de tdo como adjetivo, em contraste com linhagem psictica o perversa da personalidade. Desta forma, a noo de personalidade mais psicolgica do qe psicanaltica. O termo de baixa ocorrncia e de peqena densidade conceital em Fred. O termo personalidade foi empregado principalmente para integrar os achados psicanalticos com a psicopatologia psiqitrica e com teorias psicolgicas as mais diversas.

    Faamos ma peqena inspeo histrica sobre as incidncias do conceito estrtral de personalidade de modo a indicar como a acepo fncionalpsicolgica de estrtra qe se imps acepo metapsicolgicametodolgica do conceito. No seria por otro motivo qe Lacan, j no incio de sa obra, condiciona a teoria da personalidade anlise dos sintomas:

    A psicose paranoica, qe parece transtornar a personalidade, prendese a se prprio desenvolvimento, e nesse caso, a ma anomalia constitcional, o a deformaes reacionais? O ser a psicose ma doena atnoma qe remaneja a personalidade? . . . Para a solo deste problema, o estado atal da cincia no nos oferece nenhma otra via a no ser a anlise dos sintomas clnicos. (Lacan, 1932/1988, p. 353)

    Contdo ma tendncia inversa, o seja, transformar a personalidade em conceito primitivo qe se torno a concepo dominante, particlarmente no psgerra, com a ascenso do modelo psicopatolgico proposto por Oto Fenichel:

    Visto qe o fncionamento normal da mente governado por m aparelho de controle qe organiza, condz e inibe foras arcaicas mais profndas e mais instintivas do mesmo modo qe o crtex organiza, condz e inibe os implsos dos nveis mais

    profndos e arcaicos do crebro possvel afirmar qe o denominador comm de todos os fenmenos nerticos ma insficincia do aparelho de controle. (Fenichel, 1945/1999, p. 16)

    O deslocamento da definio de nerose para o qadro de ma incorporao do fncionamento normal, para m sistema de controle e para a analogia com os implsos reflexos do crebro, prepara o solo no qal a psiqiatria dos anos 1960 aprofndar a definio de nerose como manifestao de comportamentos. Lembremos qe a ideia de manifestao ma apropriao teolgica, de desenvolvimento notadamente medieval, da noo essencialista de estrtra em Aristteles. E por meio dela qe Henry Ey definir os sintomas nerticos como:

    Pertrbaes dos comportamentos, dos sentimentos o das ideias qe manifestam ma defesa contra a angstia e constitem relativamente a este conflito interno m compromisso do qal o indivdo, na sa posio nertica tira certo proveito (benefcio secndrio da nerose). (Ey, 1963, p. 145)

    Uma definio assim expressivista da nerose nos levar partio entre a estrtra dos sintomas e a estrtra do e, como completa o inventor do organodinamismo: Pelo carter nertico do Ego. Este no pode encontrar na identificao do se prprio personagem boas relaes com otrem e m eqilbrio interior satisfatrio (Ey, 1963, p. 145).

    Est aqi a origem da distino, posteriormente consagrada pelos DSM e pelo CID, entre transtornos de primeira ordem (sintomas) e transtornos de personalidade. Se o sintoma tem ma estrtra e o e tem otra, tornase necessrio enriqecer o ampliar a noo de e, introdzindo o conceito de personalidade, de tal forma qe esta contemple todo o campo de relaes do sjeito, ses papis e sas dinmicas intersbjetivas. Mesmo a noo de fno simblica facilmente se degrada neste entendimento por meio de leitras qe fazem, por exemplo, algm real encarnar o ocpar ma fno simblica, assim como m ator desempenha m papel, assmindo sa personagem. Isso abre espao para qe pensemos qe os sintomas so transtornos no relacionais, e as afeces de personalidade so transtornos relacionais. Est dada a partilha entre psicanlise e psiqiatria. Esta estratgia encontrar sa expresso na psicanlise francesa, inicialmente em Daniel Lagache (1961), e sbseqentemente em Bergeret (1974) e Widlcher (1994), consagrando o dalismo da estrtra entre a personalidade sobre o sintoma: [estrtra da personalidade] . . . modo de organizao permanente mais profndo do indivdo, aqele a partir do qal desenrolamse os ordenamentos fncionais ditos normais, bem como os avatares da morbidade. (p. 15), . . . a sintomatologia tornase simplesmente o modo de fncionamento mrbido de ma estrtra qando esta se descompensa. (p. 10), sendo qe o sintoma no nos permite jamais, por si s, prejlgar acerca de m diagns

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    Estrutura e personalidade na neurose

    tico da organizao estrtral profnda da personalidade (Bergeret, 1974, p. 46).

    Vse assim qe a noo de personalidade assme a fno de essncia para a qal a estrtra fnciona como manifestao. O seja, o sintoma deixa de ser a realizao de m caso particlar previsto e condicionado pelas leis de estrtra. A estrtra no se dedz mais do sintoma, mas da personalidade entendida como organizao permanente e profnda do indivdo. Os sintomas so pertrbaes desta forma estvel da personalidade, no ma derivao necessria de sa prpria estrtra. Bergeret categrico: do sintoma no se infere a personalidade. Temos ento a personalidade e a estrtra como eqivalente de sa forma, o de sas invarincias, e s qando esta estrtra se des-compensa qe srge o processo mrbido. O seja, h ma clara separao entre o normal, a personalidade como estrtra eqilibrada, e o patolgico, o sintoma como expresso do deseqilbrio da estrtra. Isso aproxima o conceito de estrutura da personalidade da acepo aristotlica de essncia, a saber, predicado necessrio o sficiente de m niversal, forma e modo de casa, parte da realidade entre essncia e existncia (Ferrater Mora,1982, p. 136).

    Ocorre qe a psicanlise desenvolvese inicialmente como ma psicopatologia intermediria entre o consenso germnico de qe as grandes sndromes eram resltado da intrso de m processo mrbido (melancolia, paranoia, esqizofrenia), contra o qal a personalidade reagia, de maneira a compensar e adaptarse a doena e a concepo francesa de qe a patologia nada mais era do qe a evolo de ma personalidade mrbida (paranoica, esqizofrnica, histrica etc.). Esta diferena permanece at hoje, como mencionado anteriormente, nas verses do DSM, representada pela oposio entre as grandes sndromes do primeiro eixo, como as psicoses, os transtornos de hmor o as fobias, e os transtornos de personalidade, qe aparentemente os replicam (personalidade esqizotpca, personalidade histrica, personalidade esqiva). Para a psicanlise, pelo menos se nos concentramos em Fred e Lacan, o campo do patolgico formado tanto pela hiptese de m objeto intrsivo, como a sexalidade o o trama, ao qal a personalidade reage gerando sintomas, qanto pela hiptese de ma desreglao interna ao aparelho psqico, na qal certas disposies, fixaes o organizaes plsionais, qe constitem o sjeito, diante de conflitos concorrem para a prodo de respostas defensivas casando sintomas positivos e negativos. O seja, a leitra corrente da estrtra da personalidade, como essncia qe se exterioriza em sintomas, redz o dalismo etiolgico da psicanlise, manifesto no relato de sintomas, a apenas das narrativas: a da intrso de m objeto mrbido (defesa do e contra angstia) e a desreglao interna do esprito (transtornos no desenvolvimento do e).

    O ganho representado pela noo de estrtra da personalidade, assim caracterizada, permite nificar os sintomas conferindolhes a consistncia como ordem e distino como fno, segndo ma casa comm. Diante disso, as classes de personalidade e os tipos de sintomas

    podem ser relacionados de forma reglar e coerente. No entanto, a introdo desta noo, estranha ao repertrio frediano original, obscrece a verificao da diferena entre o carter nominalista e o carter realista do diagnstico. O seja, a partir disso no mais possvel separar o qe seria recognoscvel como realidade do fenmeno patolgico por qalqer clnico, seja ele psicanalista o no, e o qe depende da maneira como nomeamos m conjnto de signos clnicos agrpando de modo casal e coerente se ordenamento e apresentao no contexto de m consenso terico. Talvez o qe falte aos continadores de Fred seja exatamente ma solo mais eficaz para a relao entre nominalismo e realismo qando se trata de decidir a relao entre a ontologia do sofrimento e sa relao com o tempo e a lingagem.

    4. A indeterminao freudiana da noo de neurose

    Contrariamente tendncia histrica do conceito, qe a de estabilizar a noo genrica de nerose como estrtra da personalidade, das qais as otras formas de personalidade e de patologia seriam dedtveis o deficitrias, mostraremos agora como Fred exerce os critrios de se mtodo empregando ma noo de nerose mito mais fltante e narrativa do qe estamos acostmados a encontrar. Em otras palavras, a nidade do conceito de nerose, pressionada pela incorporao psiqitrica da psicanlise, especialmente em solo anglosaxnico, obscrece a hiptese de qe Fred tenha descrito no apenas ma entidade clnica, sbmetida ao progresso crescente e convergente de sas descobertas, mas qe ele tenha se apoiado em diferentes perspectivas definicionais qe faziam da nerose m fato clnico ligeiramente diferente ao longo do tempo, conforme Fred empregava ma variao de paradigmas narrativos para definila. Acompanhamos aqi tanto os estdos de Ramos (2008), qe sgere qe a histeria no incio da pesqisa frediana era m paradigma diagnstico mito mais vasto do qe aqilo qe hoje chamamos de histeria, qanto os argmentos de Van Hate e Geyskens (2010) de qe a edipianizao do diagnstico frediano dese mito mais tarde do qe se pensa. O seja, a confiana na solidez de oposies diagnsticas de primeira ordem, como entre nerose e psicose, o de segnda ordem, como entre histeria e nerose obsessiva, devese mito mais psiqiatrizao da psicanlise, notadamente at os anos 1960, do qe realidade clnica e textal de sa psicopatologia. Uma declarao de Lacan, no final de se ensino, pode servir para sintetizar este problema:

    Qe os tipos clnicos decorrem da estrtra, eis o qe j se pode escrever, embora no sem fltao. Isso s certo e transmissvel pelo discrso histrico. nele, inclsive, qe se manifesta m real prximo do discrso cientfico. Convm notar qe falei de real, e no da natreza. (Lacan, 1975/2003, p. 554)

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    O seja, os tipos clnicos, como a histeria, a nerose obsessiva e a fobia, so dedtveis de ma estrtra, como a nerose, mas com fltaes. Logo, possvel conceber passagens de m tipo a otro: ma histeria pode formar sintomas obsessivos, ma obsesso pode formar sintomas fbicos. O mesmo no se aplica passagem entre nerose e psicose. Tal relao de inclso do tipo na estrtra o da espcie ao gnero, alm de mvel, s pode formar m consenso se lemos o problema a partir do discrso histrico. Ocorre qe o paradigma histrico vasto e relativamente indeterminado se pensamos na evolo da obra frediana. segndo este paradigma da histeria tomada como discrso, e no por otro qalqer, qe o real, neste caso o real de pathos, pode se transmitir ao modo aparentado cincia. Isso significa admitir qe a psicopatologia psicanaltica ma psicopatologia histrica, o seja, nerticocntrica. E m bom exemplo disso se d qando identificamos a histeria simltaneamente como m tipo e como ma estrtra clnica. Ela simltaneamente m tipo de nerose, dividida entre histeria de reteno o de defesa, e a lnga e o caso fndamental da nerose, do qal se dedz o fncionamento da fobia o da nerose obsessiva.

    Comecemos por salientar como a noo de neurose sobrepjo sas concorrentes, tornandose modelo psicopatolgico hegemnico dentro da psicologia, j nos anos 1920, e na psiqiatria do DSMI (1952) e DSMII (1968) de inspirao psicodinmica. Mesmo qe desaparecida nominalmente no DSMII (1977), ainda qe presente no CIDX at hoje, as principais distines entre as classes de transtornos: de hmor, de ansiedade, os tipos de sintomas e os tipos de personalidade, so de extrao psicanaltica. Vejamos agora como o scesso da noo de nerose, como organizador psicopatolgico pode se ligar mais sa capacidade de fltao entre diferentes narrativas de sofrimento do qe sa potncia de integrar processos em ma casalidade psicolgica nica.

    Inicialmente Fred tinha qe jstificar a pertinncia diagnstica da Nerose Histrica contra a psicastenia de Janet e contra a neurastenia de Beard. Lembrando qe Fred era antes de tdo m mdico, depois pesqisador em nerologia com ma formao algo rdimentar em psiqiatria, crioso observar qe a teoria frediana das neroses, como generalizao dos achados sobre a histeria, ma teoria psicolgica qe narrativiza as categorias de Cllen. Ainda qe definida como ma nerose sem leso, o m trama dinmico (Fred, 1893/1988), a nerose histrica faz convergir as qatro afeces nerolgicas, dos movimentos e da sensibilidade, sem febre. Nos casos primrios de Fred, observase a recorrncia de sintomas ligados perda da conscincia, como nos desmaios e estados de asncia (coma), perda do controle volntrio como nos ataqes histricos, (espasmos), alterao da fora vital como nas astasias, abasias e nos estados de hiper o hipossensibilidade corporal (fraqezaastenia) e modificao da relao de representao para com a realidade (vesnias). Isso foi freqentemente atribdo herana do trabalho de separao entre histeria e epilepsia, levado a cabo pelos desen

    volvimentos semiolgicos de Charcot (1887/2003), contdo isso deixa de lado qe o prprio Charcot segia o esqema diagnstico de Cllen. O seja, a categoria de nerose antecede a partio entre nerologia e psiqiatria (Costa Pereira, 2010). Antes de debaterse com a oposio entre o psqico e orgnico, entre psiqiatria o nerologia, Fred considero o discrso sobre as casas do malestar, prodzido pelo prprio paciente, como parte estrtral dos prprios sintomas, por isso ele precisava inclir todas as classes descritas por Cllen. A nerose no era apenas exteriorizaes o manifestaes andinas a serem remetidas a casas exteriores s sas representaes, mas efeitos qe devem ser reintegrados s casas estrtrais. E casas estrtrais exigem a tentativa de apreender a totalidade de m conjnto de possibilidades. Talvez seja isso qe Lasge tenha observado contra o trabalho de Charcot ao afirmar qe: a histeria jamais foi definida e certo qe nnca o ser; ses sintomas no chegam a ser constantes, semelhantes o igais em drao e intensidade para qe m tipo descritivo compreenda todas as sas variedades (Bercherie, 1983, p. 61).

    Enqanto a psicastenia de Janet era m qadro restrito narrativa da alienao da alma e sa conseqente diviso da conscincia, e enqanto a nerastenia de Beard era m qadro restrito ao excesso de estmlos intrsivos casados pela agitao da vida moderna, a histeria , ao mesmo tempo, alienao da alma (tramadiviso sbjetiva), efeito da incidncia de m objeto intrsivo (recalqe da sexalidade infantil), violao de m pacto (o conflito edipiano e a angstia de castrao) e perda da nidade do esprito (a repetio e o poder corrosivo da plso de morte). Fred teria assim conciliado o paradigma narrativo germnico, absorvido pela fonte de Meynert, segndo o qal o patolgico se dedz de m qadro clnico como a amentia, com o paradigma narrativo francs, recebido de Charcot, segndo o qal a histeria prodzida pela intrso de m trama dinmico, m trama sem leso. Em m segndo momento, esta tenso entre hipteses etiolgicas teria sido integrada nas formlaes sobre o dipo, o seja, em ma espcie de estrtra capaz de renir tanto a diviso do sjeito, entre a identificao e escolha de objeto, qanto o carter tramtico da sexalidade incestosa, endogmica e parricida. A teoria da alienao, estrtralmente ligada diviso do sjeito, conjgase assim com ma teoria da negao do desejo, originando a concepo de qe a violao de m pacto simblico simltaneamente ma negao do carter niversal da lei do desejo e ma perda qe aliena este desejo ao Otro. A ideia de qe sofremos como ma reedio da tragdia edipiana, atalizando nossa experincia particlar de confronto com a lei com ma experincia niversal diante da falta, integra dois paradigmas narrativos mais simples sobre nosso modo de sofrer, o seja, de qe sofremos porqe perdemos nossa alma ao nos alienarmos ao desejo do Otro, qe se torna desde ento nossa lei inconsciente, e tambm sofremos porqe no consegimos sportar o retorno do estrangeiro qe nos habita.

    A teoria lacaniana da estrtra tem o mrito de retomar tanto os primeiros alienistas, como Pinel, qe viam

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    Estrutura e personalidade na neurose

    na cra ma espcie de reconciliao da razo do desejo com sa prpria alteridade, como incorporar o esqema psicopatolgico alemo, de Kraepelin, Kretschmer e Jaspers, qe via no processo mrbido a expresso das leis de ma estrtra mais fndamental e estranha personalidade. s em m segndo momento qe o problema da niversalidade da lei ser posto em qesto, gerando ma reviso tanto da teoria da sexalidade, expressa pela noo de sexao, qanto ma reviso da teoria do reconhecimento, efetivada na teoria dos qatro discrsos. A famosa virada dos anos 1960, representada pela introdo do conceito de objeto a, casa de desejo (Safatle, 2006) pode ser entendida como m correlato da virada frediana dos anos 1920, com a introdo da plso de morte. Ambas levam adiante o problema fndamental da nidade e sa dissolo, assmindo definitivamente ma psicopatologia da no identidade. Esta psicopatologia, qe em Fred se mostra pela ideia de fso e desfso das plses, e em Lacan aparece como a teoria do Real, no fndo compreende ma nova narrativa para fazer reconhecer o sofrimento, ma narrativa da dissolo da nidade do esprito. Como se as partes no encontrassem mais se lgar o se feixe de relaes com otras partes, em ma espcie de perda o anomia da Lei, qe confere nidade ao aparelho psqico, esta nova narrativa no exprime apenas o sofrimento decorrente da ameaa contra a identidade, apresentando soles de recomposio pela extrso o abreao do objeto patgeno, nem pela simbolizao da diferena negada, o ainda pelo reconhecimento do carter simblico, vale dizer niversal da lei edipiana. Agora a prpria identidade, do desejo o do Otro, qe aparece como m sintoma, como ma solo precria a ser defendida intilmente. Esta experincia de atodissolo o de noidentidade a si o qe Lacan chamo de gozo, e qe exprimia, nos termos da diagnstica frediana o fato qantitativo capaz de determinar tanto as expectativas de cra qanto a fora gerativa dos sintomas (Dnker, 2002).

    Um fenmeno homlogo de fltao narrativa qe apresentei anteriormente pode ser encontrado nas formlaes de Lacan sobre a histeria. Ela foi scessivamente descrita como ma qesto sobre a feminilidade (Lacan, 1955/1988), m tipo de desejo, o desejo insatisfeito (Lacan, 1958/1988), como ma modalidade de identificao o de fantasia (Lacan, 1964/1988) e como forma de discrso, o discurso da histeria (Lacan, 1969/1988).

    Qando Lacan (1955/1988) desenvolve sa hiptese de qe a estrtra da nerose homloga a m mito individal, ele considera qe m mito ma composio entre pares opostos de qestes em si mesmas insolveis. Baseado no modelo qe LviStrass (1955/1988) desenvolvera para formalizar a estrtra antropolgica dos mitos, primeiro a nerose obsessiva do Homem dos Ratos e depois a histeria de Dora so redescritas como ma questo histrica, o seja, ma geratriz de problemas envolvendo o nexo simblico de passagem entre geraes (filiao), a definio de si em relao aos ses semelhantes (narcisismo), a assno de m tipo especfico de gozo (masclino o

    feminino) e a lei (morte). Ora esta primeira narrativa pensa a histeria como ma qesto sobre a feminilidade, e pensa a feminilidade como ma qesto sobre a conflncia improvvel entre o corpo e a reprodo. Neste momento, Lacan (1951/1988) recorre a Hegel para apresentar a histeria como a bela alma, qe no consege reconhecerse na desordem de sa prpria feminilidade. A histeria ento ma alienao redobrada, ma alienao em estado crtico.

    Percebese qe j em 1958 a descrio da histeria se altera m poco. Ela passa a ser definida por m desejo, o desejo insatisfeito (Lacan, 1958/1988). Neste caso, a alienao passa a ser presmida como m atribto do sjeito em geral, sendo especfico da histeria a relao privilegiada ao falo. Ser o falo, identificarse ao falo, fazendo assim qe a falta recaia sobre o Otro, assim como a diviso localizese no sjeito, redefine a histeria como m tipo de desejo e no mais m estado paradigmtico e excessivo de alienao do desejo. O falo, como lgar de identificao do sjeito, condz hiptese de qe a castrao paterna ma condio inarredvel para a sstentao do desejo histrico. Ele , portanto, m desejo estrtrado como ma negao, m desejo qe se apresenta como sintomtico em sa estrtra de condensao o de metfora. O qe a histeria no consege elaborar jstamente sa condio de objeto para o desejo do Otro. Este desejo ento significado como intrsivo e indefinidamente metaforizado, o seja, negado. neste momento qe Lacan insiste na importncia do sonho da bela aogeira como exemplo paradigmtico de qe o qe define a histeria a identificao com o desejo do Otro.

    Em 1964, Lacan incorporar a teoria da alienao da histeria ao desejo do Otro, cja mxima kojeviana o de-sejo do sujeito o desejo do Outro, bem como sa releitra estrtral sobre o papel do pai como encrzilhada estrtrante do sjeito, em termos de identificao, com m novo entendimento de identificao. A histeria sofre, sobretdo, porqe ela encontrase como casa constante de violao da lei. Ela ma espcie de exceo permanente, para a qal se desejo a atrai, e em torno do qal ela investiga o desejo em se estado nascente. Tdo se passa como se Lacan invertesse a ordem etiolgica da histeria. No mais qe m objeto intrsivo tenha determinado a alienao do desejo do sjeito ao desejo do Otro. Agora a histeria, e a nerose por conseqncia, definida pela fno de casa assmida por m objeto qe , a m s tempo, no sjeito e no Otro, ncleo mximo da identidade e de sa dissolo, niversal da lei de m sjeito e mxima particlar qe comanda sa fantasia fndamental. No fndo, tanto a castrao qanto o incesto so ma fantasia, o seja, a violao de ma possibilidade imaginria, investida de valor simblico para o desejo, mas impossvel, o real, do ponto de vista de sa realizao emprica. A cra passa a ser a cra o a travessia desta identificao histrica (Lacan, 1964/1988).

    Finalmente, entre 1968 e 1970 (Lacan 1968, 1970/2003) a histeria tratada como m tipo de discrso, o discurso histrico a ser contraposto ao discrso do mestre, ao da niversidade e ao do psicanalista. Os discrsos so tambm formas de estrtra, mas estrtras do lao social,

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    dedzidas do malestar, da impossibilidade (de governar, de edcar, de desejar, de analisar), o seja, estrtras definidas a partir do real. Aqi a histeria tomada como paradigma psicopatolgico, mas no em relao psicose o perverso, e nem mesmo em relao nerose obsessiva o fobia. Isso permite qe ela seja pensada mais alm da relao ao Pai, como scedneo da lei, e mais alm do falo, como coordenador do sistema de identificaes do sjeito. A histeria incorpora das definies anteriores a ideia de qe sa verdade insportvel sa condio de objeto a (narrativa do objeto intrsivo), e qe, no lgar do agente qe comanda se discrso, encontrase m sjeito dividido (narrativa da alienao da alma). Mas diferentemente da identificao do Pai ao lgar do Otro, na histeria definida como discrso, no lgar do Otro est o mestre (S1). E deste mestre qe a histeria extrai o se amaisdegozar qe caracteriza sa prodo discrsiva, como demanda de saber. Se os discrsos so formas de lao social e se o lao social coordenado tanto pela lei qe o torna possvel qanto pelo gozo impossvel, qe prodz ses efeitos entrpicos, a histeria no tanto m problema de violao de m pacto qanto de m gozo qe corrompe a identidade necessria para todo e qalqer lao social. Isso abrir caminho para ma definio negativa da histeria em relao feminilidade, qe se desenvolver em torno da teoria da sexao e da diferena entre o gozo flico (presente na histeria) e o gozo feminino (presente na mlher mais alm da histeria).

    O seja, tambm em Lacan cada modelo metapsicolgico est condicionado por ma narrativa clnica de referncia, e estas esto em contradio relativa entre si. A narrativa da alienao da alma afirma qe o malestar vem de si enqanto a narrativa do objeto intrsivo afirma qe o mal vem do Otro. A localizao do sofrimento na violao do pacto simblico nega e afirma as das anteriores, afirmando qe o mal vem de si e do otro. Finalmente, a narrativa da dissolo da nidade do esprito nega o princpio de identidade qe se encontra em vigor nas das primeiras narrativas, da perda da ama e da intrso do objeto, o se apresenta sob forma de contradio ordenada na narrativa edipiana. Agora a nidade qe se encontra sob risco e a indeterminao, da identidade e de sa negao, qe colocada como fator de indo do sofrimento. Em Fred, o apoge da histeria, depois da nerose obsessiva e finalmente das neroses narcsicas, no deve ser considerado ma evolo natral com ganhos de generalizao crescente. Descrita segndo paradigmas narrativos diferentes, a nerose no ma mesma doen, a nerose no ma mesma doena qe se exterioriza em variaes patoplsticas de sas manifestaes, mantendo m ncleo comm em sa estrtra de personalidade.

    5. Modelos metapsicolgicos e variaes nar-rativas

    Vejamos agora como certas variaes narrativas afetaram os modelos metapsicolgicos de Fred e de como

    estes alteraram sensivelmente a diagnstica das neroses ao longo do tempo.

    A determinao da nerose como estrtra decorrente do tramasexal ligase nerose como m dispositivo de diviso e alienao do sjeito, particlarmente entre os anos 1894 e 1905. Aqi, as Psiconeuroses de Defesa (histeria, nerose obsessiva, fobia e paranoia) opemse s Neuroses Atuais (nerastenia, hipocondria e nerose de angstia). Isso sem mencionar a histeria de reteno o a histeria hipnoide qe opnha Fred e Breer como paradigma para Estudos sobre Histeria (Fred & Breer, 1893/1988). Contdo, a maior parte dos casos disctidos corresponde aos tipos combinados, o neroses mistas. Isso decorria da dificldade qe o modelo apresentava para interpretar a origem do sintoma da angstia. O seja, j na primeira partilha diagnstica frediana este no consege estabelecer tipos pros.

    O ponto de vista qe se sege, portanto, parecia ser o mais provvel. As neroses qe commente ocorrem devem ser classificadas, em sa maior parte, de mistas. A nerastenia e as neroses de angstia so facilmente encontradas tambm em formas pras, especialmente em pessoas jovens. As formas pras de histeria e nerose obsessiva so raras; em geral, essas das neroses combinamse com a nerose de angstia. A razo por qe as neroses ocorrem com tanta freqncia qe ses fatores etiolgicos se acham mitas vezes entremeados, s vezes apenas por acaso, otras vezes como resltado de relaes casais entre os processos de qe derivam os fatores etiolgicos das neroses. (p. 261)

    Um trabalho crcial para entender este primeiro modelo metapsicolgico das neroses Psiconeuroses de Defesa (Abwehr-Neuropsychosen) (Fred, 1894/1988). Se sbttlo j indica a precariedade da generalizao postlada: Ensaio (Versuch) de uma teoria psicolgica da histeria adquirida, de muitas fobias (vieler Phobien) e represen-taes obsessivas (Zwangvostellungen) e certas psicoses alucinatrias. O seja, tratavase de apenas ma classe das histerias, as adqiridas, exclindose as hereditrias, muitas fobias, mas no todas e muitas das representaes obsessivas. Isto , a nerose obsessiva tomada aqi por se sintoma mais significativo, a obsesso, e no como estrtra qe agrega todos os sintomas sob ma casa comm. Prova disso a ostensiva indeterminao da relao entre casa tramticosexal e efeito sintomtico, ma vez qe o mesmo evento:

    levo a vrias reaes patolgicas qe prodziram o a histeria, o ma obsesso, o ma psicose alcinatria. A capacidade de promover m desses estados qe esto todos ligados a ma diviso da conscincia atravs de m esforo volntrio desse tipo deve ser considerada como manifestao de ma disposio patolgica, embora esta

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    Estrutura e personalidade na neurose

    no seja necessariamente idntica degenerao individal o hereditria. (Fred, 1894/1988, p. 68)

    Finalmente, inclemse na classe das psiconeroses as psicoses alcinatrias, derrogando francamente a oposio, posteriormente consolidada, entre nerose e psicose. A condio de formao de signos patolgicos a diviso da conscincia, mas ela mesma no explica porqe temos m o otro tipo de sintoma. No a separao da libido o a formao de m grpo psqico separado qe explica o sintoma, mas o destino da libido, o retorno do qe foi apartado. possvel argmentar qe neste primeiro momento Fred se tiliza sistematicamente de noes como a etiologia da nerose, o prtonpsedos histrico, o trama originrio, o ncleo patgeno, porqe se paradigma narrativo presme qe o sofrimento decorre da apario de m objeto intrsivo, aqi representado pela sexalidade. Este o prottipo realista o fantasiado da fantasia de sedo qe constiti falso incio (prton pseudos) da histeria ma sitao o cena qe lembrada posteriormente como m encontro prematro, em m momento em qe o aparelho psqico ainda no se encontrava preparado para tramitar o simbolizar tamanho montante de intensidade libidinal. Esta sobrecarga, gerada pelo despreparo o inadvertncia do psiqismo histrico, sempre colhe o sjeito em posio passiva, ao contrrio da nerose obsessiva, no qal este aparece em posio ativa.

    As neroses so m caso ampliado desta intrso, por isso elas so definidas pela defesa contra ideias inconciliveis (Unvertrglich), qe ocasionam ma diviso psqica (Spaltung), qe separa afetos de sas representaes, gerando m recalcamento (Verdrngung), cjo retorno deformado, qer no corpo, qer em ideias sbstittivas o objetos, forma sintomas. Acresce este modelo o caso de ma: modalidade defensiva muito mais enrgica e bem suce-dida qe consiste na foraclso (verwerfen) da represen

    tao insportvel jnto com o afeto e se comporta como se a representao nunca houvera acontecido (Fred, 1894/1988, p. 69).

    A afirmao encontrase em contradio com a afirmao do prprio texto de qe o aparelho psqico no pode tomar qalqer experincia como se tivesse sido non arriv. Temos ento a seginte distribio diagnstica, na qal se verifica qe a grande oposio se d entre psiconeroses de defesa e neroses atais:

    Entre 19051914 este modelo sbstitdo pela hiptese de qe a nerose pode ser mais bem compreendida como recalqe da infncia, no interior da qal se do as experincias tramticas. Deslocase a fora determinativa do acontecimento para sa lembrana e da sexalidade para sa fantasia. Este perodo compreende a redescrio das modalidades de organizao plsionais em relao com as possiblidades de desvio de objeto, de objetivo, de fixao o de regresso da plso. A nerose cada vez mais aproximada de formaes narrativas como: teorias sexais infantis (Fred, 1908), romance familiar do nertico (1909), prticas religiosas (1907). assim qe a nerose aparece como m dispositivo de defesa contra o desejo inconsciente, ma forma de negao simblica qe se articla com o carter, como identificaes abandonadas bem como na condio de exigncias dos sintomas.

    Na apresentao do caso do Homem dos Ratos encontramos m so raro da noo de estrtra por Fred:

    Confesso qe at hoje no consegi penetrar acabadamente na complexa montagem de m caso grave de nerose obsessiva, e qe na exposio da anlise no seria capaz de evidenciar para otros, atravs das jstaposies do tratamento, esta estrtra discernida analiticamente, o vislmbrada. (Fred & Breer, 1909/1988a, p. 124)

    Tabela 2

    A narrativa da perda da alma (alienao)

    A Neurose como Diviso da Conscincia (1894-1905)

    Psiconeuroses de Defesa Neuroses Atuais

    Amentia (Meynert) HisteriaNerose ObsessivaFobia Paranoia

    Nerose de AngstiaNerasteniaHipocondria

    Psicastenia (Janet)

    Nerastenia (Beard)

    Histeria de Reteno (Breer)Histeria Hipnide (Breer)Histeria Tramtica (Charcot)

    Nerose Mista

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    O seja, h m discernimento analtico da estrtra, qe se pode obter no contexto de ma nerose grave como esta. E este discernimento no se separa das jstaposies envolvidas no tratamento. neste momento qe Fred sa a prpria metfora dos sos da lingagem para designar o parentesco entre nerose obsessiva e histeria:

    O meio pelo qal a nerose obsessiva expressa ses pensamentos secretos, a lingagem da nerose obsessiva, por assim dizer m dialeto da lingagem histrica, mas em relao ao qal se deveria consegir mais facilmente empatia, pois se aparenta mais com o dialeto histrico do qe com nosso pensar consciente. (Fred & Breer, 1909/1988 a, p. 124)

    H ento trs termos de comparao, o nosso pensar consciente ordinrio e comm, ao qal a nerose obsessiva se assemelha, e depois h o parentesco qe torna a nerose obsessiva m dialeto desta lnga fndamental da nerose qe seria a histeria.

    No entanto, com a descoberta do narcisismo, em 1911, e a importncia crescente atribda ao problema da gnese e das pertrbaes do e, Fred passa a deslocarse no pantanoso terreno das psicoses. No perodo de sa mais estreita colaborao com Jng e Bleler, no contexto da escola Sa de psiqiatria, as ideias diagnsticas de Fred, como a noo de diviso (Spaltung), de regresso e de fixao comeam a ser importadas para a descrio do qadro esqizofrnico, e do atismo, derivado do atoerotismo. Tal desenvolvimento tem por oposio a escola psiqitrica de Mniqe, liderada por Kraepelin, na qal o entendimento das formas psicopatolgicas est mito mais perto do conceito de doena do qe da noo de estrutu-ra de linguagem. Unindo as das vertentes encontrase a noo de defesa (Abwehr), a partir da qal as diferentes patologias poderiam ser comparadas.

    Alteramse ento as oposies diagnsticas. As neuroses de transferncia (histeria de converso, nerose obsessiva e histeria de angstia), opemse s neuroses narcsicas (parafrenia, paranoia, esqizofrenia, melancolia). A primeira acepo enfatiza a nerose como narrativa de alienao, identificao, transferncia e repetio ao otro. J a segnda definio salienta a gnese do e, sas regresses e fixaes, ao modo de defesas evoltivas o involtivas. Registremos qe a primeira acepo ressalta a lingagem e a memria, e a segnda, o tempo e sas modlaes. Articlando ambas as verses de nerose encontramos a noo de fantasia. por isso qe ma das definies mais amplas e recorrentes de nerose, neste perodo, afirmar qe: as neroses so, podese dizer, o negativo das perverses (Fred & Breer, 1905/1988, p. 165)

    A definio da nerose como defesa contra a fantasia perversa traz m srio inconveniente para a prpria definio de perverso, ma vez qe esta corresponderia a m conjnto de disposies qe realizam fantasias nerticas o a m conjnto de comportamentos qe se dedzem da normalidade genital, violando o princpio propriamente

    diagnstico da psicanlise. Ora, isso introdz ma disparidade bvia na noo de estrtra qando aplicada entre nerose e psicose, e qando aplicada entre nerose e perverso. Neste sentido, as narrativas do trama e da alienao da alma so simplesmente dispensveis para definir a perverso. Ora, a teoria da defesa no fndo ma concepo mais genrica do qe a ideia de trama, qe depende de ma narrativa ligada alienao da alma, mas agora conjgada com a concepo qe bsca ma etiologia dos sintomas baseada no modelo de m elemento intrsivo, ma alteridade qe no pode ser reconhecida pelo prprio aparelho psqico qe dele se defende. Por isso ela pensada segndo atos de negao, de operaes de retorno do recalcado, de divises e recomposies sintomticas da sbjetividade.

    Temos aqi o crzamento entre a experincia infantil do drama edipiano e o mito moderno formlado por Fred em Totem e Tabu (1914/1988). O pai aterrador e indtor de angstia confndese temporal e narrativamente com o pai ancestral canibalizado e totmico. Aqi a nerose poderia ser redescrita como ma operao de reconstitio da fora simblica da paternidade, derrogada pela hostilidade prodzida pelo drama infantil. Em Anlise da Fobia de uma Criana de Cinco Anos, o caso do Peqeno Hans, (Fred, 1909/1988) a fno do pai passa a ser decisiva. A teoria de dipo e se complexo nclear de castrao nos remete ao conflito crzado envolvendo atos de escolha de objeto e de reformlao de identificaes. Se referente a angstia como articlador da falta entre o objeto e identificao, entre imaginrio e simblico. As oposies entre narcisismo e amor de objeto so tematizadas no mbito da noo de lei simblica (ofensa corporal, perda de amor, diferena entre os sexos).

    O esqema etiolgico se mltiplica. As acepes de nerose variam segndo sa incidncia no tempo (fixao, regresso, reteno) e na lingagem (mito, teoria, romance). A neurose infantil m momento estrtrante da experincia infantil associvel ao Complexo de dipo, definida como o negativo da perverso, exprimindo ainda ma ligao reglar entre sintomas e fantasias. Esta acepo de nerose deve ser distingida e conectada com a neu-rose desencadeada no adulto: prodo de novos sintomas a partir da reativao da nerose infantil. Ligando as das apresentaes temporais da nerose, encontramos ainda a neurose de transferncia, como reprodo artificial e miniatrizada da nerose no interior do tratamento psicanaltico dos sintomas qe assim podem ser tratados. Agora a oposio diagnstica decisiva passa a ser entre as neroses qe fazem transferncia e as neroses qe fracassam em investir objetos sbstittivos na fantasia:

    Entre 19151924 a nerose reconsiderada com a hiptese ascendente da violao do pacto edipiano e correlativa emergncia da angstia. A retomada da teoria do trama e a reconsiderao da gnese da angstia levam Fred a redescrever o conflito edipiano agora com a nfase em m tipo especial de angstia, a nertica. O processo de indo da clpa e da ampliao da angstia, antes pensada como efeito do fracasso circnstancial do recalca

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    Estrutura e personalidade na neurose

    mento agora reformlada como a casa do recalqe. Uma encrzilhada capital para este giro narrativo em Fred o caso do Homem dos Lobos (Fred, 1918/1988). A investigao cerrada e detalhadamente reconstrtiva sobre sa nerose infantil, de natreza fbica, contrasta com sintomas de nerose obsessiva na vida adlta e a apario de ma paranoia hipocondraca no perodo pstratamento. Nele se crzam a hiptese da sedo infantil, a fantasia de castrao (cena primria) e as vicissitdes da fixao e da regresso ao erotismo anal. O tema do pacto edipiano e de sa violao domina toda a apresentao narrativa do caso. Aqi se mltiplicam as imagens sobre as vassalagens do e (entre realidade, spere e id), das mltiplas procedncias da angstia (perda de amor, ameaa real, castrao), das vrias procedncias da resistncia e do compromisso entre exigncias mltiplas:

    A nerose extraordinariamente rica em se contedo, pois abarca os vnclos possveis entre o e e o objeto, tanto aqeles qe este conserva, como otros, qe ele renncia o erige em se interior, e assim tambm os vnclos conflitivos entre o e e se ideal de e. (Fred, 1920/1988, p. 136)

    Na verdade, a violao do pacto edipiano rene a narrativa da alienao da alma (identificaes e escolhas de objeto) com a narrativa da intrso de objeto mrbido (crise narcsica, angstia de castrao) adicionando explicitamente m novo ingrediente: o processo de socializao do sjeito. As das narrativas anteriores so casos particlares, o restritos, de m processo mais geral qe definiria a nerose como bloqeio de relaes de reconhecimento. O ponto chave para esta mdana a introdo do spere, em 1920, jstamente como este operador da lgica das trocas, dos compromissos, dos dons e dos sacrifcios para o sjeito. Esta ideia da troca, compromisso e sbstitio ser amplamente empregada para definir a nerose em contraste com a psicose:

    na psicose fga inicial sege ma fase ativa de reconstro; na nerose, a obedincia inicial segida por ma posterior (nachtrglich) tentativa de fga... . a nerose no desmente a realidade, se limita a no qerer saber nada dela; a psicose a desmente e procra sbstitla. . . . assim para ambas no conta apenas o problema da perda da realidade, seno o sbstitto da realidade. (Fred, 1924/1988, pp. 195197)

    Isso altera sbstancialmente a economia das oposies diagnsticas. As neroses de defesa (histeria, nerose obsessiva, fobia) opemse externamente s neroses narcsicas e internamente aos sbtipos de neroses definidas como grpo de sintomas (nerose tramtica, nerose de gerra, nerose de destino, nerose de carter). Aqi as relaes comparativas parecem se estabilizar, mas talvez isso ocorra jstamente porqe Fred procra elementos conceitais qe explicam a mltiplicao de sas oposies clnicas. Para alm das oposies inicialmente descritas entre regresso e fixao o entre negaoaceitao, agora se inclem as oposies entre masclinidade e feminilidade, atividade e passividade, realidade e fantasia, flico e castrado, sadismo e masoqismo: S se pode apreciar retamente a significatividade do complexo de dipo [na determinao da nerose], se por sa vez levamos em conta sa gnese da fase do primado do falo (Fred, 1923/1988, p. 147).

    As neroses atais so integradas ao estatto de sintomas preferenciais das neroses estrtrais, a histeria com a nerose de angstia, a nerastenia com a nerose obsessiva e a hipocondria assimilada paranoia. Novamente o Complexo de dipo, entendido como m sistema de trocas e eqivalncias simblicas qe explica a aptido para ma o otra prtica sexal no qadro da relao entre frstrao, renncia e castrao.

    Do ponto de vista narrativo a nerose aproximada da antiga relao religiosa com os demnios.

    Tabela 3

    A narrativa do objeto intrusivo

    A Neurose como Recalque da Sexualidade Infantil (1905-1914)

    Neuroses de Transferncia Neuroses Narcsicas

    Histeria de Converso

    Nerose Obsessiva

    Histeria de Angstia (Fobia)

    Esqizofrenia (Parafrenia)

    Paranoia (Parafrenia)

    MelancoliaPerverso Nerose Infantil

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    No precisamos ficar srpresos em descobrir qe, ao passo qe as neroses de nossos poco psicolgicos dias de hoje assmem m aspecto hipocondraco e aparecem disfaradas como enfermidades orgnicas, as neroses daqeles antigos tempos srgem em trajes demonacos. (Fred, 1923/1988, p. 73)

    Esta relao, estdada no artigo acima, mediada por m pacto. Um contrato no qal o demnio recebe a alma do contratante e em troca lhe oferece servios para se desejo. Ganha nova importncia a noo de sries complementares, por meio da qal m fator etiolgico compensado pela emergncia proporcional de otros. Portanto a narrativa do pacto no se d apenas intersbjetivamente, mas tambm intrassbjetivamente. A articlao entre conflitos postos em ma espcie de hierarqia, centralizada pelo dipo, dentro deste pelo falo e ainda em se interior pelo complexo de castrao explica a profnda afinidade deste momento narrativo com a sedimentao das oposies diagnsticas, principalmente entre nerose e psicose. A nerose o resltado de m conflito entre o e e se id, enqanto qe a psicose o desenlace anlogo de ma similar pertrbao nos vnclos entre o e e o mndo exterior (Fred, 1924/1988a, p. 125).

    Do ponto de vista dos tipos interiores nerose este tambm o perodo em qe se mltiplicam as formas de neroses no clssicas, definidas por grpos de sintomas mais o menos estveis, mas sem forte correlao estrtral. Isso acontece tanto pela anexao as neroses atais s neroses histrica e obsessiva, e ainda da hipocondria psicose, qanto pelo so livre da nerose em qalificativos como: nerose demonaca, nerose de destino, tipo de

    escolha de nerose, disposio nertica, tipos de carter nerticos, e assim por diante.

    Finalmente, no perodo qe vai de 1923 a 1939, o paradigma casal se altera, assmindo o processo de fso e desfso das plses, com a correlata clivagem do e, a tarefa de conciliar na estrtra dos sintomas o e. Aqi a nerose considerada como repetio, perda e recomposio de nidade.

    o sperego srge de ma identificao com o pai . . . cja conseqncia a dessexalizao o sblimao da atividade plsional propiciando ma desfso. Deste modo, o componente ertico no capaz de nir a agressividade qe anteriormente encontravase combinada fazendo com qe esta seja liberada sob a forma de ma inclinao agresso e destrio. Esta desfso seria a fonte do carter de severidade do sperego. (Fred, 1923/1988, p. 67)

    Lembremos qe a partir de Mal-estar na Civili-zao a fora e severidade do spere qe determinam qantitativamente a fora e intensidade dos sintomas e da clpa. Depois do dipo, a atoridade internalizada forma o spere, este transforma em conscincia o sentimento de clpa, qe srge como ma permanente infelicidade interna. Clpa e angstia so resltado de ma renncia (Versagung) plsional, a mais originria em conseqncia do medo da agresso externa e posteriormente em virtde do medo da atoridade interna representada pelo spere.

    Se a dissolo da nidade explorada do ponto de vista da plso pelas combinaes e desfses, ainda qe sblimatrias, entre plso de morte e plso de vida, o estdo comparativo da nerose deslocase da psicose para

    Tabela 4

    A narrativa da violao de um pacto

    A Neurose como Complexo Edipiano (1915-1924)

    Neurose como Estrutura Neurose como Grupo de Sintomas

    Psicose

    Paranoia

    Esqizofrenia

    Histeria

    Nerose obsessiva

    Fobia

    Nerose de angstia

    Nerastenia

    Hipocondria

    Melancolia Nerose Tramtica

    Nerose de Gerra

    Nerose de Destino

    Nerose de Carter

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    a perverso. E de fato na perverso qe encontramos ma srie de fenmenos clnicos ligados prodo de excessiva nidade da meta plsional (fixao) o de se objeto (fetichismo).

    Os fatos dessa ciso do ego (Ichspaltung), qe acabamos de descrever no so to novos o estranhos como podem parecer a princpio. Ela , na verdade, ma caracterstica niversal da nerose qe est presente na vida mental dos sjeitos, e qe se relaciona a m comportamento pecliar, a das atitdes diferentes, contrrias entre si e independentes ma da otra. (Fred, 1927/1988, p. 151)

    Tratase, portanto, de otra narrativa de sofrimento, o seja, aqela qe se organiza em torno da perda da relao entre as partes e a nidade, dissolo da identidade pela diferena, corrpo do esprito e de sas fnes. Neste ponto a nerose como estrtra (histeria, nerose obsessiva e fobia) oposta s psicoses (esqizofrenia, paranoia, melancolia). Contdo, a nfase colocada em processos inicialmente descritos para a perverso (Verleugnung) qe permitem explicar tanto fenmenos psicticos (alcinao negativa) qanto sintomas nerticos (clivagem do e).

    A fno sinttica do e, qe possi ma importncia to extraordinria, tem condies particlares e scmbe a toda ma srie de pertrbaes. [O fetiche] no contrario simplesmente sa percepo, ele no alcino m pnis ali onde no via nenhm, somente empreende m deslocamento (descentramento) de valor, transferindo o significado do pnis para otra parte do corpo. (Fred, 1940/1988, p. 277)

    Portanto, tanto a sntese do e qanto a sntese das plses, enqanto tendncia de Eros a prodzir nidades e ligaes, qe se v qestionada. J em Inibio, Sintoma e Angstia (Fred, 1926/1988), esta disparidade entre os processos indtores de sintoma e indtores de angstia havia sido verificada. Mas naqela ocasio a solo foi tentar descrever ma espcie de tipologia da angstia. Depois de 1924 parece srgir m novo entendimento etiolgico de nerose, agora baseado nas articlaes problemticas entre masoqismo e narcisismo, bem como nas relaes de fso e de desfso entre as plses, notadamente a plso de morte. Mas seno, vejamos: no qe a realidade perdida na psicose e conservada na nerose, sa perda comm a ambas, ainda qe no da mesma forma. Contdo a perda da realidade, antes tratada como m assnto de negociao e sbstitio, agora qestionada mais radicalmente do ponto de vista de sa sporta e dada nidade. Novamente encontramos a narrativa hobbesiana do choqe com o perigo e da lei como proteo contra a dissolo de si:

    Assim o perigo de desamparo psqico apropriado ao perigo de vida qando o ego do indivdo imaperigo de vida qando o ego do indivdo imatro; o perigo da perda de objeto, at a primeira infncia, qando ele ainda se acha na dependncia de otros; o perigo de castrao, at a fase flica; e o medo do se sperego, at o perodo de latncia.

    No obstante, todas essas sitaes de perigo e determinantes de ansiedade podem resistir lado a lado e fazer com qe o ego a elas reaja com ansiedade nm perodo lterior ao apropriado; o, alm disso, vrias delas podem entrar em ao ao mesmo tempo. possvel, alm disto, qe haja ma relao razoavelmente estreita entre a sitao de perigo qe seja operativa e a forma assmida pela nerose resltante. Qando, nma parte anterior desta apreciao, verificamos qe o perigo da castrao era de importncia em mais de ma doena, ficamos alerta contra ma sperestimativa desse fator, visto qe ele poderia no ser decisivo para o sexo feminino, qe indbitavelmente est mais sjeito a neroses do qe os homens. (Fred, 1926/1988, p. 107)

    Assim como em Mal-estar na Civilizao (1929), a nerose ser repensada a partir dos processos de clpa e de masoqismo, internos disjno entre a plso de morte e de vida e o retorno da agressividade contra o prprio e. O e defendese se colocando de forma masoqista como m objeto para o sadismo do spere. Esta a frmla no da indo de sintomas, mas da explicao de por qe certos sintomas casam maior o menor sofrimento. Aparentemente Fred inti a fora do malestar na civilizao como m paradoxo de nomeao, qe ao redzir o sofrimento, permitindo tcnicas para mitiglo, acaba prodlo, acaba prodlo, acaba prodzindo novas regras e imposies ao e, amentando assim se sofrimento. Disso decorre qe a nerose deixa de ser comparada apenas com otras estrtras clnicas e abordada tambm como ma tcnica para evitar o sofrimento. Ao lado da solido dos qe se retiram do mndo, daqeles qe se organizam em ma comnidade para dominar a natreza, dos qe recorrem aos mtodos de intoxicao e anestesia, dos qe se dedicam sblimao o ao clti sblimao o ao clti sblimao o ao cltivo esttico da existncia, dos qe se consagram ao cltivo das ilses delirantes o no, dos qe bscam a felicidade na realizao amorosa, dos qe fogem para a realidade do trabalho o da fantasia, aparecem os nerticos: Como ltima tcnica de vida, qe lhe promete menos satisfaes sbstittivas, se lhe oferece o refgio na nerose, refgio qe na maioria dos casos j se consma na jventde (Fred, 1929/1988, p. 84).

    Portanto, a cada deslocamento da nfase clnica de fato se correlaciona com ma reformlao da diagnstica frediana da nerose. As alteraes do tipo de narrativa de sofrimento qe Fred adota em cada momento prodzem transformaes metapsicolgicas e ao mesmo tempo so prodzidas por estas.

    Percebese assim as profndas reorganizaes das relaes de ordem e classe atinentes ao so da noo de nerose em Fred. Elas no so constantes, nem concordantes, variando profndamente sa nomeao conforme o princpio casal qe se lhe atriba. Contdo tal varincia pode no ser m problema a ser resolvido de forma nominalista pela fixao do sentido convencional de nerose. Esta fltao exatamente o qe permite entender como

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    diferentes paradigmas narrativos condicionam a diagnstica frediana mito alm de ma acmlao de resltados. A distino entre malestar e sofrimento, poco tematizada nos primeiros desenvolvimentos de Fred, e ganha fora nos dois ltimos paradigmas narrativos: da dissolo do e e do pacto edipiano. Isso ocorre porqe cada qal desp-sicologiza o sofrimento, tornandoo, no segndo caso, a expresso de sspenso das relaes de troca plsional e desejante e, no primeiro caso, ma decorrncia da estrtra ontolgica das plses. A condio histrico antropolgica trazida pelo Complexo de dipo e a condio existencial qe carrega a noo de plso de morte convida a ma reformlao diagnstica qe incla, para alm do sintoma, o malestar (Unbehagen) e o sofrimento (Leiden). A indeterminao da relao entre os sintomas, em sa sposta identidade diagnstica, e as narrativas, qe lhes conferem articlaes de reconhecimento, talvez no seja erradicvel. As noes de estrtra em acepo aristotlica e de personalidade, em conotao psicolgica, realizam esta fno de maneira inadvertida. Isso por si s no jstifica a atitde desconexionista da psiqiatria de nossa poca, qe tende a isolar os sintomas ignorando sas relaes de ordenamento temporal e sa potencial contradio como classe.

    6. Concluso

    Partimos da distino entre das acepes de estrtra para caracterizar o emprego psicanaltico da noo de nerose: a estrtra (aristotlica) como essncia qe se exterioriza em ses efeitos e a estrtra (moderna) como concepo sistmica de casalidade. Vimos qe a primeira acepo de estrtra nertica carrega o risco de impor sas caractersticas realidade clnica, tornando a nerose ma categoria hipertrfica qe serviria de modelo ideolgico para normalidade. Observamos em segida como ma segnda acepo de estrtra nertica atende os critrios metodolgicos fredianos de possibilidade de contradio e de posterioridade com relao experincia. Chegamos assim necessidade clnica de historicizao do conceito

    de nerose, para a qal propsemos a noo de narrativas de sofrimento.

    Examinamos as incidncias do conceito de per-sonalidade em associao com a noo de neurose e confirmamos ma tendncia a pensar a estrtra como articlao psicolgica de modos de reao o controle qe se exteriorizam em sintomas. Derrogase assim qe a noo de sintoma talvez seja mais importante do qe a de estrtra. Verificamos, depois, como o scesso da noo de nerose como paradigma psicopatolgico, at os anos 1970, pode ser atribdo fltao de paradigmas narrativos. Vimos tambm como esta fltao de narrativas sobre o sofrimento associase, consistentemente, tanto s reformlaes diagnsticas de Fred qanto s sas alteraes metapsicolgicas.

    Conclise qe preciso algm cidado com a potncia integrativa e etiolgica do conceito de nerose. Se papel potencialmente generalizante pode sofrer infiltraes ideolgicas qe o aproximem da normalopatia, constitindose as otras estrtras em dedes deficitrias da estrtra nertica. Talvez o melhor antdoto para isso seja manter a ateno s fltaes introdzidas por novas narrativas de sofrimento.

    A postlao da nerose como ma nidade etiolgica, contrariamente fragmentao sindrmica de sintomas desconectados, qe reconhecemos em m sistema diagnstico como o DSM, pode ser agora redefinida. No se trata apenas de opor nidade casal e descrio semiolgica, mas de perder, pela spremacia da noo psicolgica de estrtra, a possibilidade de contradio e de redescrio exigida pela metapsicologia. Contdo esta nidade no precisa ser definida pelo nexo fixo e reglar entre sintomas e casas, ma vez qe ela envolve ainda a fno narrativa do sofrimento, como ma espcie de histria, ainda qe cortada, qe ne e articla os sintomas conferindolhe valncias de sofrimento, o, em caso contrrio, impedindo e bloqeando o reconhecimento de certas formas de sofrimento. Qem advoga a importncia do conceito de nerose deve estar advertido do problema e dos riscos de hipertrofia desta noo.

    Tabela 5

    A narrativa da perda da unidade do Esprito

    A Neurose como Repetio (1923-1939)

    Neurose Psicose Perverso

    Histeria Esqizofrenia Masoqismo

    Nerose Obsessiva Paranoia Sadismo

    Fobia Melancolia Fetichismo

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    Estrutura e personalidade na neurose

    Aqi cabe m esclarecimento secndrio sobre os possveis motivos qe levaram ampla disseminao das noes de estrtra e de personalidade. Principalmente no psgerra a nerose tornase sinnimo de normalopatia, exprimindo assim o nerticocentrismo prprio de ma acepo psicolgica da noo de estrtra. O seja, o modo prevalente de nomear o malestar, de narrar o sofrimento e de inclir o sintoma em discrsos para a nerose.

    Vemos assim qo desencaminhada a discsso lacaniana sobre o nmero possvel de estrtras existentes, se o fncionamento borderline ma estrtra, o se o autismo ma estrtra o qe nos leva a reconhecer, por otro lado, o problema crcial da historicidade das formas de sofrimento. Lacan afirmava qe: o declnio da fno social da imago paterna trar ma sbstitio da forma nertica de sofrimento pela forma caracterial (narcsica) (Lacan, 1938/2006, p. 45).

    No se pode ignorar a incidncia da expresso so-frimento, nesta passagem crcial de Lacan, tantas vezes

    lida e reinterpretada como chave de entendimento para a transformao social dos sintomas. Seria esta tese, agora considerada lz da hiptese narrativa do sofrimento, reaplicvel para as otras formas de conexo entre o malestar, caracterizado pelo dficit de experincias improdtivas de indeterminao, e os sintomas, caraterizados pelo excesso dessas experincias? Para tanto, seria preciso mostrar como a narrativa do sofrimento ma categoria capaz de articlar o carter refratrio da nominao, prprio do malestar (Unbehagen) como a disposio prevalente dos sintomas sa nomeao metafrica. Por exemplo, a expanso da imago da criana trar ma sbstitio das neroses depressivas por novas formas de sofrimento tramaticamente organizadas? O ainda, a expanso social do lao social organizado pelo spere orientado para o consmo trar novas patologias manacas o implsivas determinadas pela impossibilidade de lto?

    Tabela 6

    Narrativas de sofrimento e modelos etiolgicos

    Concepo Etiolgica Narrativa Metapsicologia

    Trama e

    Diviso Sbjetiva

    (1894-1905)

    Alienao da alma Inconsciente

    Fantasia

    Sexalidade Infantil

    (1894-1905)

    Objeto intrsivo Recalqe

    Plso

    Conflito edipiano

    e a angstia

    (1915-1923)

    Violao de pacto Castrao

    Narcisismo

    Desfso

    e Fso das Plses

    (1923-1941)

    Perda da nidade Plso de Morte

    Repetio

  • Psicologia USP I www.scielo.br/pusp94

    Christian Ingo Lenz Dunker

    Neurosis and structure of personality: Aethiological models and narrative paradigms

    Abstract: This article is a modificated version of the given class from the author in the concourse to Full Professor at Psychology Institute in University of So Paulo. The notions of personality and structure are examined in relation to the diagnosis of neurosis, considering psychoanalytical psychopathology. The categories of order, class and genre, as taken hypothetically, along with the notion of causality, as the subsidize force to evaluate the consistence of a diagnostic category. The article discusses the value of exceptions and the constrain of normativity in order to conform clinical experience into a given diagnostic rationality. The preliminary results of this epistemological evaluation leads us to propose the thesis that we have much less consistency in the Freudian category of neurosis then the historically reception could admit. We propose the idea that each methapsychological model, within emerged neurosis definition, is embedded in specific narratives of suffering. This is an important dimension to be taken in order to reconsider the clinical use of structure and personality in psychoanalytical diagnostic. Keywords: neurosis, psychoanalysis, epistemology, psychopathology.

    Nvroses et Structure de la personnalit: modles tiologiques et modalits Rcits

    Resum: Dans cet article, lorigine un collectif pour contester un professeur titulaire lInstitut de psychologie de lUSP, examine les notions de structure de la personnalit et de son application au diagnostic de la nvrose, de lextraction de la psychopathologie psychanalytique. Examine la cohrence des relations dordre, classe et sexe,qui, par dfinition, une partie de la conception de la causalit, subventionnent la force et la pertinence dune catgorie de diagnostic. Il traite de la valeur de lexception et le pouvoir normatif conformation de lexprience clinique de raisonnement diagnostique. Les rsultats de cet examen prliminaire pistmologique nous conduit proposer la thse critique quil ya moins de cohrence dans lutilisation de la notion freudienne de la nvrose de la rception actuelle est dadmettre. Il fait valoir que chaque modle mtapsychologique, dans lequel mergent rinitialise nvrose correspond une souffrance distincte de la mode narratif et valence, lexclusion du rcit de la souffrance, une dimension pertinente reconsidrer la notion de personnalit et la structure en diagnostic psychanalytique.Mots-cls: nevrose, psychanalyse, pistmologie, psychopathologie.

    Las neurosis y estructura de la personalidad: Modelos etiolgicos y modalidades Narrativas

    Resumen: En este artculo, originalmente una leccin de un concurso de profesor titular del Instituto de psicologa de la USP, se examinan los conceptos de personalidad y la estructura en su aplicacin al diagnstico de neurosis, en psicopatologa psicoanaltica de extraccin. En el informe se examinan la coherencia de las relaciones de poder, de clase y de gnero, que, por hiptesis, junto a la concepcin de la causalidad, subsidia la fuerza y la pertinencia de la categora de diagnstico.Palabras clave: neuroses, psicoanalisis, epistemologia, psicopatologia.

    Referncias

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