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A H
istória de
E. B. WHITE
Tradução de Carla Maia de Almeida
E. B
. WH
ITE
um dos maiores clássicos da liTeraTura para crianças, lido por milhões em Todo o mundo.
ninguém esquece esTe pequeno herói de enorme coragem!
A chegada de Stuart Little à família foi uma surpresa para todos: os pais e o seu irmão George são humanos, mas Stuart é um ratinho.Vivem juntos em Nova Iorque, com o gato Snowbell, e as coisas nem sempre são fáceis para Stuart devido ao seu tamanho. Cedo revela inteligência e coragem, mas é quando resolve procurar a sua melhor amiga, uma pequena ave chamada Margalo, que ele mostra a sua bondade e determinação. Ao enfrentar de forma brilhante todas as dificuldades com que se depara, Stuart Little prova que a força de um herói não se mede pelo seu tamanho, mas pela sua audácia.
Livro de estreia de E. B. White na literatura para crianças, repleto de peripécias e de personagens irresistíveis, A História de Stuart Little é uma obra inesquecível sobre a perseverança e a amizade.
E. B. White Nascido em Nova Iorque, foi, desde sempre, um apaixonado pela literatura e pela escrita.
Aos 22 anos começou a trabalhar na revista The New Yorker, onde permaneceu como editor e jornalista durante toda a sua carreira.
E. B. White escreveu três livros para crianças que se tornaram clássicos mundiais e que foram, também, adaptados para cinema: A Teia de Carlota (ed. Booksmile, 2016, distinguido com a Newbery Honor Book Medal), A História de Stuart Little (distinguido com a Laura Ingalls Wilder Medal) e The Trumpet of the Swan, a publicar pela Booksmile em 2017.
Muitos jovens leitores perguntaram ao autor se as suas histórias eram verdadeiras. Numa carta aos fãs, ele respondeu: «Não, são contos de fadas… mas existe a vida real e também a vida da imaginação.»
Além de livros para crianças, E. B. White escreveu poesia e diversos ensaios, que lhe valeram numerosas distinções, entre as quais um prémio Pulitzer.
Garth WilliamsNascido em Nova Iorque e radicado em Londres, ilustrou cerca de 100 livros para crianças. Nesta lista, encontram-se as obras para crianças de E. B. White e outros clássicos como Uma Casa na Imensa Pradaria, de Laura Ingalls Wilder (ed. Europa-América).
«Devido ao seu tamanho, Stuart dava uma grande ajuda aos pais e ao irmão mais velho, George. Era capaz de fazer coisas que só estavam ao alcance de um rato — e gostava disso. Uma vez, quando a Sra. Little limpava a banheira, um dos anéis soltou-se-lhe do dedo. Quando percebeu que tinha ido pelo cano abaixo, ficou horrorizada.
— Que hei de fazer? — choramingou, tentando conter as lágrimas.
Então, Stuart enfiou as calças velhas e preparou-se para ir pelo cano abaixo à procura do anel. Levou o cordel consigo e entregou uma das extremidades ao pai.
— Quando eu puxar o cordel três vezes, traz-me para cima — explicou-lhe.
Enquanto o Sr. Little ficou de joelhos na banheira, Stuart deslizou facilmente pelo cano e desapareceu de vista. Dali a um minuto, sentiram-se três puxões e o Sr. Little içou-o com todo o cuidado. No fim do cordel, apareceu Stuart com o anel à volta do pescoço, já a salvo.
— Oh, meu filhote corajoso! — disse a Sra. Little, cheia de orgulho, abraçando-o e beijando-o.»
«Stuart Little é um herói muito cativante e A História de Stuart Little
é um livro que agrada às crianças e aos seus pais.»
The New York Times
Um livro
maravilhoso,
premiado e
adaptado ao
cinema.
10 mm
N O H
Leitura Infantil
ISBN 978-989-8855-16-9
9 789898 855169
8+
Índice
I Pelo cano abaixo 5
II Problemas domésticos 11
III Limpezas matinais 17
IV Exercício físico 21
V Salvo 26
VI Uma brisa amena 31
VII A corrida de barcos 42
VIII Margalo 53
IX Por um triz 63
X Primavera 73
XI O automóvel 79
XII Na sala de aula 91
XIII Caminho de Ames 108
XIV Uma tarde no rio 121
XV Rumo a norte 133
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I Pelo cano abaixo
Q uando chegou o segundo filho da Sra. Little, toda
a gente reparou que ele não era muito maior do
que um rato. Para sermos exatos, o bebé era
muito parecido com um rato, sob todos os aspetos. Tinha
apenas uns cinco centímetros de altura, um nariz afilado,
cauda, bigodes — e até o jeito tímido e amável próprio
de um rato. Com poucos dias de vida, não só se parecia com
um rato como também se comportava como tal, usando
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um chapéu cinzento e uma pequena bengala. O Sr. e a
Sra. Little chamaram ‑lhe Stuart, e o pai construiu ‑lhe uma
cama minúscula a partir de uma caixa de cigarros e quatro
molas de roupa.
Ao contrário da maioria dos bebés, Stuart começou a
andar mal acabou de nascer. Com uma semana, já subia
aos candeeiros, trepando pelo fio. A Sra. Little percebeu
logo que a sua provisão de roupa de criança era inadequa‑
da e deitou mãos à obra. Fez ‑lhe um belo fatinho de fa‑
zenda azul, com bolsos de lado, onde ele pudesse guardar
o dinheiro, as chaves e o lenço de assoar. Todas as ma‑
nhãs, antes de Stuart se vestir, a Sra. Little ia ao quarto e
pesava ‑o numa pequena balança que, na realidade, se des‑
tinava a pesar cartas. Stuart poderia ter sido enviado por
correio azul, pelo valor de três cêntimos, mas os pais pre‑
feriram ficar com ele em vez de o despacharem. Quando
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completou um mês, tinha apenas aumentado nove gra‑
mas, e a mãe ficou tão preocupada que resolveu levá ‑lo ao
médico.
O médico ficou encantado com Stuart e afirmou que ter
um rato não era comum numa família norte ‑americana.
Tirou ‑lhe a temperatura e verificou que era de 37 °C, per‑
feitamente normal para um rato. Auscultou ‑lhe o peito e
o coração, e examinou ‑lhe solenemente os ouvidos com
uma lanterna (nem todos os médicos são capazes de es‑
preitar para o ouvido de um rato sem se rirem). Parecia
estar tudo certo, e a Sra. Little ficou satisfeita com o que
ouviu.
— Alimente ‑o bem! — disse o médico, alegremente,
ao sair.
A casa da família Little era um sítio simpático que fi‑
cava perto de um parque em Nova
Iorque. De manhã, o sol en‑
trava pelas janelas vira‑
das a oriente, e todos
os Littles tinham o
hábito de se levantar
cedo. Devido ao seu
tamanho, Stuart dava
uma grande ajuda aos
pais e ao irmão mais velho,
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George. Era capaz de fazer coisas que só estavam ao al‑
cance de um rato — e gostava disso. Uma vez, quando a
Sra. Little limpava a banheira, um dos anéis soltou ‑se ‑lhe
do dedo. Quando percebeu que tinha ido pelo cano abaixo,
ficou horrorizada.
— Que hei de fazer? — choramingou, tentando conter
as lágrimas.
— Se fosse a ti — disse George —, dobrava um gancho
do cabelo em forma de anzol, atava ‑lhe um pedaço de cor‑
del e tentava pescar o anel.
Então, a Sra. Little arranjou um pedaço de cordel e um
gancho do cabelo e, durante cerca de meia hora, andou à
pesca do anel. Mas o interior do cano era muito escuro e
o anzol embatia sempre em qualquer coisa antes que ela o
conseguisse descer até ao ponto certo.
— Estamos com sorte? — perguntou o Sr. Little, en‑
trando na casa de banho.
— Sem sorte — respondeu a Sra. Little. — O anel está
tão lá em baixo que não consigo puxá ‑lo.
— Porque é que não mandamos o Stuart à sua pro‑
cura? — sugeriu o Sr. Little. — Que achas, Stuart? Gostavas
de experimentar?
— Gostava, sim — replicou ele —, mas acho melhor
vestir as minhas calças velhas, porque lá em baixo deve
estar tudo molhado.
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— De certeza que
está — disse George,
um pouco aborrecido
por a sua ideia não ter
resultado.
Então, Stuart enfiou as calças
velhas e preparou ‑se para ir pelo cano abaixo à procura do
anel. Levou o cordel consigo e entregou uma das extremi‑
dades ao pai.
— Quando eu puxar o cordel três vezes, traz ‑me para
cima — explicou ‑lhe.
Enquanto o Sr. Little ficou de joelhos na banhei‑
ra, Stuart deslizou facilmente pelo cano e desapareceu
de vista. Dali a um minuto, sentiram ‑se três puxões
e o Sr. Little içou ‑o com todo o cuidado. No fim do cor‑
del, apareceu Stuart com o anel à volta do pescoço, já
a salvo.
— Oh, meu filhote corajoso! — disse a Sra. Little,
cheia de orgulho, abraçando ‑o e beijando ‑o.
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— Que tal era aquilo lá em baixo? — perguntou o pai,
sempre curioso acerca de sítios onde nunca tinha estado.
— Nada de especial — respondeu Stuart.
Mas a verdade é que o cano o tinha deixado todo pega‑
joso. Sentiu necessidade de tomar banho e borrifar ‑se com
um pouco de água de rosas da mãe, para voltar a sentir ‑se
na sua pele. Toda a família considerou que Stuart se tinha
saído extraordinariamente bem naquela situação.
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II Problemas domésticos
Q uando se tratava de pingue ‑pongue, Stuart
também era útil. Os Littles gostavam de jogar
pingue ‑pongue, mas as bolas tinham a parti‑
cularidade de rolar para debaixo das cadeiras, dos sofás e
dos aquecedores, obrigando os jogadores a dobrarem ‑se
para as procurar. Stuart aprendeu depressa a localizá ‑las,
e era um alívio vê ‑lo surgir debaixo de um aquecedor ace‑
so, com o suor a escorrer pela cara, empurrando a bola de
pingue ‑pongue com todas as forças. Claro que a bola era
quase tão grande como ele, por isso necessitava de proje‑
tar todo o seu peso para mantê ‑la a rolar.
Os Littles tinham um gran‑
de piano na sala de estar.
Estava ótimo, com exce‑
ção de uma das teclas,
que permanecia pre‑
sa e não funcionava
como devia. A Sra. Little
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afirmava que a causa seria a humidade, mas não vejo
como, uma vez que a tecla estava presa há seis anos, tem‑
po durante o qual houve muitos dias de sol… De qualquer
modo, a tecla continuava presa, um aborrecimento para
quem tentava tocar piano. Sobretudo para George, quando
tocava a animadíssima «Dança do Lenço». Foi dele a ideia
de infiltrar Stuart dentro do piano e encarregá ‑lo de levan‑
tar a tecla no momento certo.
Não era tarefa fácil, porque Stuart tinha de andar
agachado por entre os martelos, de modo a não levar
com um na cabeça. Mas ele gostava, apesar de tudo.
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Era excitante andar
dentro do piano e
fazer aquelas mano‑
bras todas, e o som
era verdadeiramente
espantoso.
Às vezes, depois de
uma longa sessão, reapare‑
cia meio surdo, como se tivesse
saído de uma longa viagem de avião; e era necessário al‑
gum tempo até que se sentisse normal outra vez.
O Sr. e a Sra. Little falavam muitas vezes entre si, pois
nunca tinham recuperado do choque de ter um rato na
família. Era tão pequeno e trazia ‑lhes tantos problemas…
O Sr. Little declarou que, para começar, não deveriam exis‑
tir referências a «ratos» nas conversas deles. Obrigou a
Sra. Little a retirar da página do livro de rimas e canções
aquela lengalenga que começava por «o rato roeu a rolha
do rei da Rússia».
— Não quero que o Stuart cresça com certas ideias na
cabeça — disse ele. — Vou sentir ‑me mal se ele pensar
que pode andar por aí a estragar coisas que não lhe perten‑
cem. É o tipo de ações que fazem as crianças ter pesadelos
quando dormem.
— Tens razão — concordou a Sra. Little. — E acho que
devemos considerar também aquele poema: «Era véspera
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de Natal e em casa nada se mexia/Nenhuma criatura, nem
mesmo um rato, se ouvia.» Pode ser desconfortável para
o Stuart ouvir falar de «ratos» de uma forma tão insigni‑
ficante.
— Claro, mas como é que fazemos quando chegarmos
a essa parte? Não podemos simplesmente dizer: «Era vés‑
pera de Natal e em casa nada se mexia/Nenhuma criatu‑
ra se ouvia.» Parece que falta alguma coisa, não soa bem.
Precisamos de uma palavra para substituir «rato».
— E se fosse «piolho»? — sugeriu a Sra. Little.
— Ou «pulga» — disse o Sr. Little.
— Ou «carraça» — acrescentou George, que tinha es‑
tado a ouvir a conversa do outro lado da sala.
Ficou decidido que «piolho» era o melhor substituto
para «rato», e perto do Natal a Sra. Little apagou cuida‑
dosamente uma palavra e escreveu a outra. Para Stuart,
o poema terá sido sempre assim:
Era véspera de Natal e em casa nada se mexia
Nenhuma criatura, nem mesmo um piolho, se ouvia.
Aquilo que mais preocupava o Sr. Little era a toca de
ratos que havia na despensa. O buraco tinha sido roído
pouco tempo antes de a família se mudar para aquela casa
e, entretanto, nada fora feito para resolver o problema.
O Sr. Little não tinha a certeza dos sentimentos de Stuart
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acerca de uma toca de ratos, mas não sabia aonde o buraco
ia dar. Deixava ‑o inquieto pensar que Stuart, um dia, pu‑
desse ter vontade de se aventurar por ali.
— Afinal de contas, ele parece ‑se bastante com um
rato — comentou com a mulher. — E até hoje nunca vi
um rato que não quisesse enfiar ‑se dentro de uma toca.
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III Limpezas matinais
Stuart era madrugador. De manhã, era quase sem‑
pre a primeira pessoa a levantar ‑se. Gostava da
sensação de ser o primeiro a mexer ‑se, gosta‑
va dos quartos silenciosos com as estantes cheias de
livros, gostava da luz pálida a atravessar as janelas e
gostava do cheiro fresco do dia. De inverno, ainda es‑
tava escuro quando trepava para fora da cama feita de
uma caixa de cigarros, e tremia de frio enquanto fazia
os seus exercícios em pijama. (Para se manter em for‑
ma, Stuart chegava com as patas aos calcanhares dez
vezes, tal como via o irmão fazer, e George tinha ‑lhe ex‑
plicado que assim manteria firmes os seus músculos
abdominais.)
Depois do exercício, Stuart enfiava ‑se no seu belo rou‑
pão, apertava o cordão à volta da cintura e dirigia ‑se à casa
de banho, caminhando silenciosamente pelo corredor até
às escadas, depois de passar pelo quarto dos pais, pelo
quarto de George e pelo armário da entrada onde se arru‑
mava o aspirador.
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Claro que na casa de banho ainda estava escuro, mas
o pai de Stuart tinha arranjado um fio para ele acender a
luz, tão comprido que chegava até ao chão. Segurando ‑o
o mais alto que podia e fazendo força, Stuart conseguia
mover o interruptor. Balançando o fio, com o roupão en‑
rolado à volta das pernas, parecia um velho monge a tocar
os sinos de uma igreja.
Para alcançar o lavatório, Stuart tinha de trepar por
uma escada de corda feita pelo pai. George prometera
construir ‑lhe um lavatório especial com dois centíme‑
tros e meio, adaptado com um tubo de borracha para
a água correr; mas George estava sempre a prometer
construir coisas das quais depois se es‑
quecia. Todas as manhãs, Stuart con‑
tinuava a subir a escada de corda para
chegar ao lavatório comum, a fim de
lavar a cara, as mãos e os dentes.
A Sra. Little tinha ‑lhe arranjado o
que era necessário em tamanho
miniatura: uma escova de dentes,
um pedaço de sabão, uma toa‑
lha e um pente (que ele usava
para escovar os bigodes). Car‑
regava todos estes objetos no
bolso do roupão e, quando
chegava ao topo das escadas,
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tirava ‑os e arrumava ‑os em fila, para depois se lançar à
tarefa de pôr a água a correr. Era complicado para uma
criatura tão pequena como ele. Foi isso que explicou ao
pai, depois de um dia de tentativas infrutíferas:
— Sou capaz de chegar à torneira, mas não consigo
abri ‑la porque não tenho onde apoiar os pés.
— Eu sei — disse o pai. — O problema é esse.
George, que adorava ouvir as conversas sempre que
podia, era da opinião de que deviam construir um apoio
para Stuart, e dessa forma conseguiu que lhe dessem
umas tábuas, um serrote, um martelo, uma chave de para‑
fusos, um furador e alguns pregos. Lançou ‑se então num
pandemónio terrível na casa de banho, a fim de construir
o apoio para Stuart, mas rapidamente se interessou por
outra coisa qualquer e desapareceu, deixando as ferra‑
mentas espalhadas pelo chão da casa de banho.
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Depois de observar toda aquela confusão, Stuart recor‑
reu de novo ao pai:
— Talvez consiga abrir a torneira se lhe bater com
qualquer coisa.
O pai arranjou ‑lhe um martelo de madeira, muito pe‑
queno e leve, e Stuart descobriu que, depois de ganhar
balanço, girando‑o três vezes por cima da cabeça, bastava
acertar na manivela para fazer jorrar um fio de água — o
suficiente para lavar os dentes e molhar a toalha. A partir
daí, todas as manhãs, depois de trepar para o lavatório,
Stuart agarrava no martelo e batia na torneira. Ainda a
dormitar nas suas camas, os outros membros da família
ouviam aquele plinc ‑plinc ‑plinc agudo, como um ferreiro a
martelar ao longe, e sabiam que um novo dia tinha chega‑
do e que Stuart estava a tentar lavar os dentes.
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IV Exercício físico
Numa bela manhã de maio — já Stuart
tinha três anos —, levantou ‑se cedo,
como era habitual. Lavou ‑se, vestiu ‑se,
pegou no chapéu e na bengala e desceu as escadas para
ver o que se passava. Não havia ninguém acordado a não
ser Snowbell, o gato da família, outro madrugador. Naque‑
la manhã, estava estendido no tapete da sala, a recordar os
dias em que era apenas um gatinho.
— Bom dia — disse Stuart.
— Olá — respondeu o gato, friamente. — Levantaste‑
‑te cedo, não?
Stuart olhou para o relógio de pulso.
— Sim. São apenas seis horas e seis minutos, mas
sinto ‑me bem e achei que devia descer para fazer um pou‑
co de exercício.
— Acho que devias fazer na casa de banho todo o exer‑
cício que te apetecer. Tu e as tuas marteladas, enquanto
tentas pôr a água a correr para escovar os dentes e acor‑
das quem quer dormir. E nem sequer se pode dizer que
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tenhas dentes para escovar. Queres ver uma boa amostra?
Olha para isto!
Snowbell abriu a boca e exibiu duas filas de dentes
brancos e luzidios, tão afiados como agulhas.
— Muito bem — disse Stuart —, mas os meus também
não estão nada mal, ainda que sejam pequenos. Quanto
ao exercício, vou fazer tudo o que puder. Aposto que os
meus músculos abdominais são mais rijos do que os teus.
— Aposto que não — retorquiu o gato.
— Aposto que sim — insistiu Stuart. — Rijos como
barras de ferro.
— Aposto que não — disse o gato.
Stuart deu uma olhadela à volta da sala, tentando des‑
cobrir o que poderia fazer para provar a Snowbell como
tinha bons músculos abdominais. Reparou nas cortinas
fechadas da janela, com o cordão e as argolas a formar
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uma espécie de baloiço, e teve uma ideia. Trepou ao pa‑
rapeito e pousou o chapéu e a bengala. Depois desatou
a correr e saltou para a argola, tal como os trapezistas no
circo, desafiando o gato:
— Não consegues fazer isto!
Então aconteceu uma coisa inesperada. O salto foi
tão enérgico que a cortina saiu do lugar: com um esta‑
lido agudo, esta subiu até ao topo da janela e arrastou
Stuart, enrolando ‑o de tal forma que ele não se conseguia
mexer.
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— Diabos me levem — exclamou Snowbell, tão sur‑
preendido quanto Stuart Little. — Então, quem é que ago‑
ra quer exibir os músculos?
— Socorro! Tirem ‑me daqui! — gritou Stuart, magoa‑
do e assustado, dentro da cortina enrolada, e quase sem
poder respirar.
Mas a voz dele era tão fraca que mal se ouvia. Snowbell
era todo risinhos. Não gostava de Stuart. Pouco lhe impor‑
tava que ele estivesse preso numa cortina, aflito, a chorar
e incapaz de libertar ‑se. Em vez de subir rapidamente as
escadas e contar o acidente ao Sr. e à Sra. Little, fez uma
coisa muito estranha. Olhou em volta, certificou ‑se de que
não estava a ser observado e depois saltou para o parapei‑
to da janela. Abocanhou o chapéu e a bengala de Stuart,
levou ‑os para a despensa e deixou ‑os à entrada da toca dos
ratos.
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Quando a Sra. Little desceu e se deparou com aquilo,
deu um grito estridente que pôs toda a gente em alvoroço.
— Aconteceu!
— O que é que aconteceu? — perguntou ‑lhe o marido.
— O Stuart entrou na toca dos ratos!
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V Salvo
George era a favor de arrancar o soalho da despen‑
sa. Saiu a correr e trouxe o seu martelo, a chave
de parafusos e um picador de gelo.
— Vou levantar este soalho num instante — anun‑
ciou, ao mesmo tempo que metia a chave de parafusos
numa das juntas das tábuas e lhe dava um valente empur‑
rão.
— Ninguém vai desfazer o chão até procurarmos como
deve ser — interrompeu a Sra. Little. — Ponto final, Geor‑
ge! Podes ir pôr o martelo no sítio de onde o tiraste.
— Oh, pronto… Já vi que nesta casa o único que se
preocupa com o Stuart sou eu.
A Sra. Little começou a chorar.
— Meu pobrezinho e querido filhote! Já sei que vai ser
apanhado em qualquer lado!
— Lá porque tu não és capaz de estar confortável den‑
tro de uma toca de ratos, isso não quer dizer que não seja o
lugar ideal para o Stuart — disse o Sr. Little. — Não fiques
assim tão transtornada.
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— Talvez devêssemos deixar ‑lhe alguma comida —
lembrou George. — Foi o que fez a polícia quando um
homem ficou preso na cave.
Disparou em direção à cozinha e voltou com uma taça
cheia de puré de maçã.
— Podemos espalhar um bocado disto, de certeza que
vai acabar por chegar até ao Stuart — disse George.
Despejou uma colher e começou a atirar mais puré
para dentro da toca.
— Já chega! — berrou a Sra. Little. — George, importas‑
‑te que seja eu a tratar do assunto? Pousa esse puré de
maçã imediatamente!
O Sr. Little lançou um olhar furioso ao rapaz.
— Só estava a tentar ajudar o meu irmão — disse ele,
abanando a cabeça e regressando à cozinha com o puré de
maçã.
— Vamos chamar todos pelo Stuart — sugeriu a Sra.
Little. — É possível que ele se tenha perdido, a toca de ra‑
tos deve ter muitos caminhos e reviravoltas.
— Certo — concordou o Sr. Little, pegando no relógio.
— Vou contar até três e chamamos todos em coro. Depois
ficamos calados durante três segundos, à espera da resposta.
Puseram ‑se os três de gatas e aproximaram ‑se da en‑
trada da toca o mais que podiam.
— Stuuuuuuart! — chamaram. Depois permaneceram
em silêncio durante três segundos.
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Dentro da cortina enrolada, todo torcido, Stuart conse‑
guiu ouvi ‑los na despensa e respondeu:
— Estou aqui!
Mas tinha uma voz tão fininha, e estava tão longe e
abafado pela cortina, que o resto da família não escutou o
seu grito de súplica.
— Outra vez — disse a Sra. Little. — Um, dois, três:
Stuuuuuuart!
Era escusado. Não se ouvia resposta nenhuma.
A Sra. Little subiu para o quarto, deitou ‑se e soluçou
amargamente. O Sr. Little pegou no telefone e ligou para o
Departamento de Desaparecidos, mas, quando o assisten‑
te lhe pediu uma descrição de Stuart e ficou a saber que
este tinha cinco centímetros, desligou, aborrecido.
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Entretanto, George desceu até à cave e pôs ‑se à procura
de outra entrada para a toca dos ratos. Pegou numa série de
caixas, caixotes, malas, cestos, vasos e cadeiras partidas,
transportando ‑os de um canto para o outro, de maneira
a chegar à zona da parede que lhe parecia ser a mais pro‑
vável, mas não descobriu nenhuma entrada. Descobriu,
isso sim, uma velha máquina de musculação que perten‑
cera ao Sr. Little. Carregando o seu novo interesse pelas
escadas acima, ainda que com alguma dificuldade, passou
o resto da manhã a fazer exercício.
Quando chegou a hora do almoço (tinham ‑se esque‑
cido do pequeno ‑almoço), sentaram ‑se os três à volta do
guisado de borrego da Sra. Little, mas foi uma refeição
triste. Todos evitavam olhar para a pequena cadeira vazia
que Stuart costumava ocupar, mesmo ao lado do copo de
água da mãe. Ninguém conseguia comer, tão grande era
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a tristeza. George comeu um pouco da sobremesa, mas
nada mais. No fim, a Sra. Little rompeu de novo em lágri‑
mas e disse que achava que Stuart devia estar morto.
— Disparate, disparate! — resmungou o marido.
— Se ele está morto, devíamos fechar todas as cortinas
de casa — disse George, e começou a fazer exatamente isso.
— George! — gritou o Sr. Little, já sem paciência.
— Se não acabas com este comportamento absurdo, vou
ter de te castigar. Já temos problemas suficientes para ain‑
da aturarmos as tuas parvoíces.
Mas George já tinha corrido para a sala de estar e co‑
meçado a baixar as cortinas, em sinal de respeito pelo fa‑
lecido. Ao puxar um cordão, Stuart aterrou no parapeito
da janela.
— Pelo amor da santa! Olha só quem está aqui, mãe!
— Já estava na hora de alguém descer essa cortina
— disse Stuart, bastante fraco e cheio de fome. — É tudo
o que me apetece dizer.
Ao vê ‑lo, a Sra. Little ficou de tal forma feliz que con‑
tinuou a chorar. Como é evidente, todos queriam saber
o que se tinha passado.
— Foi um simples acidente que poderia ter acontecido
a qualquer pessoa — declarou Stuart. — Quanto ao facto
de o meu chapéu e a minha bengala estarem junto à entra‑
da da toca dos ratos, bem, podem tirar as vossas próprias
conclusões.
31
VI Uma brisa amena
Certa manhã, quando o vento soprava de oeste,
Stuart pôs o seu fato e chapéu de marinheiro, tirou
o binóculo da prateleira e saiu para um passeio,
cheio de alegria de viver e de medo dos cães. Com um pas‑
so gingão, deambulou pela Quinta Avenida, mantendo ‑se
atento ao que se passava à sua volta.
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Sempre que, através do binóculo, avistava ao longe um
cão, corria para junto do primeiro porteiro de hotel que
via, trepava ‑lhe pelas calças e escondia ‑se nas costas do
uniforme. Uma vez, quando não havia nenhum porteiro
à vista, teve de rastejar até um jornal abandonado na rua
e esconder ‑se na segunda página até o perigo ter passado.
Na esquina da Quinta Avenida, havia várias pessoas à
espera do autocarro para a alta da cidade, e Stuart juntou ‑se
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a elas. Ninguém reparou nele, porque não tinha tamanho
suficiente para isso.
Não sou suficientemente alto para que me vejam, pensou,
mas sou suficientemente crescido para querer ir até à 72.ª Rua.
Quando o autocarro se aproximou, todos os homens
fizeram sinal ao motorista com as suas pastas e benga‑
las, e Stuart fez também sinal com o binóculo. Depois,
LUGARES
SENTADOS
34
ao perceber que o degrau do autocarro era demasiado alto,
agarrou ‑se com firmeza à bainha das calças de um senhor
e foi içado a bordo sem qualquer problema.
Stuart nunca pagava bilhete de autocarro, porque
não tinha altura que chegasse para transportar dinhei‑
ro normal. A única vez que tentara guardar uma moeda
de dez cêntimos, acabara por pô ‑la a rolar como um arco
e a correr atrás dela. Mas, numa colina, a moeda fugiu‑
‑lhe e foi apanhada por uma velhota sem dentes. Depois
dessa experiência, Stuart contentava ‑se com as moe‑
das de folha de alumínio que o pai lhe fazia. Eram pe‑
quenas e amorosas, ainda que difíceis de ver sem pôr os
óculos.
Quando o motorista veio picar os bilhetes, Stuart re‑
mexeu no bolso e tirou uma moeda não muito maior do
que o olho de um gafanhoto.
— O que é isso que me está a dar? — perguntou o
motorista.
— É uma das minhas moedas.
— Não me diga! Bem, seria muito interessante expli‑
car isso à empresa de autocarros. Mas, também, olhe que
você não é muito maior do que uma moeda!
— Sou, sim senhor — retorquiu Stuart, zangado. —
Sou duas vezes maior do que uma moeda de dez cênti‑
mos, que só vai até às minhas pernas. Além disso, não
entrei neste autocarro para ser insultado.
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— Peço desculpa — disse o motorista. — Vai ter de me
desculpar, porque eu não fazia ideia que pudesse existir
um marinheiro tão pequeno em todo o mundo.
— Nunca é tarde para aprender — resmungou Stuart,
sarcástico, voltando a guardar o porta ‑moedas no bolso.
Quando o autocarro parou na 72.ª Rua, Stuart saltou
do autocarro e apressou ‑se em direção ao lago dos barcos
em Central Park. O vento soprava de oeste, e na força da
corrente navegavam veleiros, corvetas e escunas, com os
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conveses a brilhar. Os donos, tanto crianças como adultos,
corriam pelo passadiço de cimento, fazendo tudo por tudo
para chegar ao outro lado antes que os barcos chocassem.
Alguns destes barcos de brinquedo não eram tão pe‑
quenos quanto se possa imaginar, porque, quando nos
aproximávamos, percebíamos que o mastro principal era
mais alto do que a cabeça de um homem; além de belissi‑
mamente construídos, tinham tudo impecável e estavam
aptos a uma viagem marítima. Aos olhos de Stuart, pa‑
reciam enormes, e o seu desejo era subir a bordo de um
deles e navegar até aos cantos mais distantes do lago. (Era
um jovem aventureiro, que adorava ouvir os grasnidos das
gaivotas e sentir a brisa no rosto e o remoinho da água por
baixo dele.)
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Sentado de pernas cruzadas no passadiço, contem‑
plando as embarcações pelo binóculo, reparou num
barco que lhe pareceu mais bonito e imponente do que os
outros.
Chamava ‑se Vespa. Era uma grande escuna negra que
velejava com a bandeira dos Estados Unidos da América.
No convés da proa tinha um canhão com sete centímetros
e meio. É o barco certo para mim, pensou Stuart. Quando
foi novamente lançada à água, correu à volta da escuna
para perceber como era manobrada.
— Desculpe, cavalheiro — disse ele ao homem que a
conduzia. — O senhor é o proprietário da Vespa?
— Sim, sou — disse o homem, surpreendido por ser
abordado por um rato vestido de marinheiro.
— Ando à procura de um posto num bom navio,
e achei que talvez o senhor me pudesse aceitar. Sou forte e
desembaraçado.
— Bebeu alguma coisa? Sente ‑se bem?
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— Faço o meu trabalho como deve ser — respondeu
Stuart, com firmeza.
O homem observou ‑o com atenção. Não podia deixar
de admirar o aspeto cuidado e os modos decididos daquela
diminuta figura marítima.
— Bem — afirmou, pausadamente, apontando para
a proa da Vespa no centro do lago. — Vou explicar ‑lhe o
que tenciono fazer consigo. Vê aquela grande corveta lá
ao longe?
— Vejo — respondeu Stuart.
— O seu nome é Lillian B. Womrath, e odeio ‑a do fun‑
do do coração.
— Então eu também a odeio — concordou Stuart,
mostrando a sua lealdade.
— Odeio ‑a porque está sempre a chocar contra o meu
barco — continuou o homem —, e porque o dono é um
rapaz preguiçoso que não percebe nada de navegação e
mal consegue distinguir uma rajada de vento de um rasgo
de vela.
— Nem uma caldeira de uma caldeirada — enfureceu‑
‑se Stuart.
— Nem uma escotilha de uma pastilha — acusou o
homem.
— Nem um leme de um creme — exclamou Stuart.
— Nem um fuzil de um barril! — gritou o homem.
— Mas já chega, estou farto disto! Eis o que vamos fazer.
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A corveta Lillian B. Womrath
sempre conseguiu levar a
melhor à Vespa, mas eu acredito
que, se a minha escuna for cor‑
retamente governada, a história
será outra. Ninguém sabe o quanto
eu sofro, aqui parado, incapaz, vendo o meu barco à deriva
quando tudo aquilo de que ele precisa é uma mão firme ao
leme. Por isso, meu jovem amigo, vou deixá ‑lo atravessar o
lago com a Vespa e regressar. E, se conseguir derrotar aque‑
le miúdo detestável, dar ‑lhe ‑ei um posto permanente.
— Sim, meu capitão — exclamou Stuart, lançando ‑se
a bordo da escuna e tomando o seu lugar ao leme. — Já
estou pronto!
— Um momento — alertou o homem. — Importa‑
‑se de me dizer como é que tenciona ganhar à Lillian
B. Womrath?
— Tenciono arriar todas a velas.
— Obrigado, mas não no meu barco. Não quero vê ‑lo
virar ‑se com uma ventania.
— Então avanço para ela e deito ‑a ao fundo com a aju‑
da do canhão.
— Isso é jogo sujo! Eu quero uma corrida de barcos,
não uma batalha naval!
— Bem, então vou conduzir a Vespa com toda a determi‑
nação e deixar a Lillian B. Womrath andar à deriva no lago.
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— Bravo! Isso mesmo! E boa sorte!
Dizendo isto, o homem largou a Vespa. Uma corrente
de vento insuflou as velas para bombordo e inclinou ‑a sua‑
vemente, enquanto Stuart fazia girar o leme, segurando‑
‑se a um gancho no convés.
— A propósito — disse o homem —, não me chegou
a dizer o seu nome.
— O meu nome é Stuart Little! — respondeu ele,
a plenos pulmões. — Sou o segundo filho de Frederick
C. Little, de Nova Iorque!
— Bon voyage, Stuart! — despediu ‑se o homem. —
Tome conta de si e traga a Vespa sã e salva.
— Assim farei!
Stuart estava tão feliz e orgulhoso que se esqueceu do
leme por um segundo e ensaiou uns passos de dança, sem
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perceber que quase era abalroado por um barco a vapor
que andava por ali sem rumo, com os motores desligados
e o convés cheio de água.
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VII A corrida de barcos
Q uando os visitantes de Central Park souberam
que um dos barcos de brinquedo era conduzi‑
do por um rato vestido de marinheiro, vieram
a correr. Dali a pouco, as margens do lago estavam de tal
forma apinhadas que um polícia foi enviado da esquadra
para impedir que as pessoas se empurrassem.
Mas não conseguiu, porque os habitantes de Nova Ior‑
que gostam de andar aos empurrões. O mais empolgado
de todos era o dono da corveta Lillian B. Womrath. Era
um rapaz de 12 anos, gordo e trombudo, chamado LeRoy.
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Usava um fato de sarja azul e uma gravata branca man‑
chada de sumo de laranja.
— Anda cá! Anda cá para o meu barco! — gritou ele a
Stuart. — Quero que sejas tu a conduzi ‑lo. Pago ‑te cinco
dólares por semana e podes ter as quintas ‑feiras livres e
um rádio no teu quarto.
— Agradeço a sua amável oferta — replicou Stuart —,
mas estou feliz a bordo da Vespa, mais feliz do que já esti‑
ve em toda a minha vida.
E, com essa resposta, girou o leme com toda a perícia
e foi para a linha de partida, onde LeRoy fazia o barco dele
andar às voltas com a ajuda de uma vara de madeira.
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— Eu vou ser o juiz — anunciou um homem de fato
verde ‑brilhante. — A Vespa está pronta?
— Sim, senhor! — assentiu Stuart, fazendo continên‑
cia.
— A Lillian B. Womrath está pronta? — perguntou o
juiz.
— Iá, estou pronto — disse o rapaz.
— Dirijam ‑se à extremidade norte do lago e voltem
para trás! — gritou o homem. — Aos vossos lugares…
preparem ‑se e… partida!
— Partida! — gritou a multidão.
— Partida! — gritou o dono da Vespa.
— Partida! — gritou o polícia.
E lá seguiram as duas embarcações em direção à parte
norte do lago, enquanto as gaivotas davam voltas e guin‑
chavam nos céus e os taxistas buzinavam sem parar na
72.ª Rua. O vento de oeste (que tinha percorrido metade
da América até chegar a Central Park) cantava e assobia‑
va nos cordames, fazia chuviscar nos conveses e arrastava
fragmentos de casca de amendoim que atingiam Stuart
na cara. Esta é a vida que quero para mim, pensava ele. Que
navio! Que dia! Que corrida!
Os dois barcos tinham avançado poucos metros
quando aconteceu um acidente na margem. A multi‑
dão agitava ‑se cada vez mais, na ânsia de assistir à cor‑
rida, e ainda que as pessoas não fizessem de propósito,
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empurraram o polícia de tal forma que este caiu no lago
e ficou encharcado até ao terceiro botão do uniforme.
O polícia não só era um homem grande e pesado como
tinha acabado de fazer uma refeição grande e pesada.
Ao cair de costas, levantou uma onda que foi avançando e
crescendo, provocando abalos nos barcos mais pequenos
e fazendo os donos gritar de alegria ou de preocupação.
Quando viu a onda gigantesca aproximar ‑se, Stuart
agarrou ‑se ao cordame, mas era demasiado tarde.
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Avolumando ‑se como uma montanha sobre a Vespa,
a onda caiu de chofre sobre o convés, capturando Stuart
e varrendo ‑o para a água.
Todos pensaram que ele se iria afogar, mas ele não
fazia tenções disso. Esperneou e agitou a cauda, e dali
a um minuto ou dois já tinha subido de novo para a es‑
cuna, molhado e cheio de frio, mas praticamente ileso.
Assim que retomou o seu lugar ao leme, ouviu a multidão
a saudá ‑lo e a chamar por ele:
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— És o maior, Stuart! Grande rato!
Espreitou para o lado e viu que a onda tinha virado a
Lillian B. Womrath, mas esta recuperara e agora navegava
muito perto — e assim foi até que os dois barcos atin‑
giram a parte norte do lago. Ali chegados, Stuart mano‑
brou a Vespa na direção oposta e LeRoy deu a volta à Lillian
com a vara de madeira, ambas retornando para a linha de
partida.
Esta corrida ainda não acabou, pensou Stuart.
Apercebeu ‑se do primeiro sinal de perigo quando
olhou de relance para a cabina da Vespa e reparou que o
barómetro tinha descido abruptamente. Isso só podia sig‑
nificar uma coisa: mau tempo. De repente, uma nuvem
negra cruzou o sol, engolindo a luz e mergulhando a terra
na sombra. Stuart tremeu de frio nas suas roupas molha‑
das. Enrolou a camisola de marinheiro à volta do pescoço
e, quando viu o dono da Vespa no meio da multidão, agitou
o chapéu no ar e chamou ‑o:
— Vem aí mau tempo, meu capitão! Vento de sudoes‑
te, mares turbulentos, barómetro a pique!
— Esquece o tempo! — gritou o homem. — Atenção
aos destroços mais à frente!
Stuart averiguou a extensão da tempestade, mas só via
ondas cinzentas enroladas em cristas de espuma branca.
O mundo parecia ‑lhe frio e assustador.
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Olhou para trás. A corveta avançava a todo o pano, sul‑
cando as águas e ganhando estabilidade.
— Cuidado, Stuart! Olha para onde vais!
Semicerrou os olhos e, de repente, mesmo no cami‑
nho da Vespa, viu um enorme saco de papel vazio a flutuar
à superfície do lago. Vogava bem alto, com a boca aberta
como a entrada de uma gruta. Stuart deu uma guinada no
leme, mas era demasiado tarde: a escuna entrou pelo saco
com o gurupés e, com um barulho assustador, abrandou
e estremeceu as velas. Naquele preciso momento, Stuart
ouviu o barulho de algo a partir ‑se e viu a proa da Lillian
a entrar pelo cordame da Vespa. Sentiu o navio a tremer de
uma ponta à outra com o impacto da colisão.
— Um choque! — gritou a multidão a partir da margem.
Num abrir e fechar de olhos, os dois barcos
encontravam ‑se num emaranhado terrível. Na margem,
as crianças gritavam e davam pulos. Entretanto, o saco de
papel rompeu ‑se e começou a deixar entrar água.
A Vespa estava imobilizada. A Lillian B. Womrath tam‑
bém não se conseguia mexer porque tinha o nariz preso
às cordas da Vespa.
Acenando com os braços, Stuart foi a correr e disparou
o canhão. Depois ouviu, acima da multidão, a voz do dono
da Vespa a gritar e a explicar ‑lhe o que fazer.
— Stuart! Stuart! Desce a giba! Desce o estai do tra‑
quete!
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Stuart saltou para a adriça e fez o que o dono da Vespa
mandava.
— Rasga todos os pedaços de papel! — continuou ele.
Stuart sacou do canivete e atirou ‑se corajosamente ao
saco ensopado, desfazendo ‑o em pedaços.
— Agora volta ao mastro principal e dá todo o pano à
vela!
Stuart arriou a vela com todas as suas forças e, pou‑
co a pouco, a escuna começou a mexer ‑se e voltou ao seu
rumo. Ao deixar ‑se levar pela brisa, libertou ‑se da Lillian e
navegou para sul. Alto e bom som, ouviram ‑se «vivas!» na
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margem do lago. Stuart correu para o leme e respondeu‑
‑lhes. Depois olhou para trás e, para seu contentamento,
percebeu que a Lillian tinha partido na direção errada e
andava agora completamente perdida.
Com Stuart à frente do leme, a Vespa navegou com
toda a determinação. Depois de ter cruzado a linha de che‑
gada, Stuart trouxe ‑a de volta ao passadiço. Foi transpor‑
tado para terra e elogiado pela sua audácia e talento de
marinhagem.
O dono estava satisfeitíssimo e afirmou que aquele era
o dia mais feliz da vida dele. Apresentou ‑se e disse que, na
sua vida privada, era o Dr. Paul Carey, médico dentista. Fa‑
zer modelos de barcos em miniatura era o seu passatempo.
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E declarou que ficaria muito contente caso Stuart quises‑
se comandar a Vespa sempre que lhe apetecesse. Toda a
gente cumprimentou Stuart. Todos, exceto o polícia, que
estava demasiado encharcado e furioso para apertar a mão
a um rato.
Quando Stuart voltou a casa naquela noite, George
perguntou ‑lhe onde tinha estado durante todo o dia.
— Oh, fui só dar uma volta pela cidade — respondeu
ele.
A H
istória de
E. B. WHITE
Tradução de Carla Maia de Almeida
E. B
. WH
ITE
um dos maiores clássicos da liTeraTura para crianças, lido por milhões em Todo o mundo.
ninguém esquece esTe pequeno herói de enorme coragem!
A chegada de Stuart Little à família foi uma surpresa para todos: os pais e o seu irmão George são humanos, mas Stuart é um ratinho.Vivem juntos em Nova Iorque, com o gato Snowbell, e as coisas nem sempre são fáceis para Stuart devido ao seu tamanho. Cedo revela inteligência e coragem, mas é quando resolve procurar a sua melhor amiga, uma pequena ave chamada Margalo, que ele mostra a sua bondade e determinação. Ao enfrentar de forma brilhante todas as dificuldades com que se depara, Stuart Little prova que a força de um herói não se mede pelo seu tamanho, mas pela sua audácia.
Livro de estreia de E. B. White na literatura para crianças, repleto de peripécias e de personagens irresistíveis, A História de Stuart Little é uma obra inesquecível sobre a perseverança e a amizade.
E. B. White Nascido em Nova Iorque, foi, desde sempre, um apaixonado pela literatura e pela escrita.
Aos 22 anos começou a trabalhar na revista The New Yorker, onde permaneceu como editor e jornalista durante toda a sua carreira.
E. B. White escreveu três livros para crianças que se tornaram clássicos mundiais e que foram, também, adaptados para cinema: A Teia de Carlota (ed. Booksmile, 2016, distinguido com a Newbery Honor Book Medal), A História de Stuart Little (distinguido com a Laura Ingalls Wilder Medal) e The Trumpet of the Swan, a publicar pela Booksmile em 2017.
Muitos jovens leitores perguntaram ao autor se as suas histórias eram verdadeiras. Numa carta aos fãs, ele respondeu: «Não, são contos de fadas… mas existe a vida real e também a vida da imaginação.»
Além de livros para crianças, E. B. White escreveu poesia e diversos ensaios, que lhe valeram numerosas distinções, entre as quais um prémio Pulitzer.
Garth WilliamsNascido em Nova Iorque e radicado em Londres, ilustrou cerca de 100 livros para crianças. Nesta lista, encontram-se as obras para crianças de E. B. White e outros clássicos como Uma Casa na Imensa Pradaria, de Laura Ingalls Wilder (ed. Europa-América).
«Devido ao seu tamanho, Stuart dava uma grande ajuda aos pais e ao irmão mais velho, George. Era capaz de fazer coisas que só estavam ao alcance de um rato — e gostava disso. Uma vez, quando a Sra. Little limpava a banheira, um dos anéis soltou-se-lhe do dedo. Quando percebeu que tinha ido pelo cano abaixo, ficou horrorizada.
— Que hei de fazer? — choramingou, tentando conter as lágrimas.
Então, Stuart enfiou as calças velhas e preparou-se para ir pelo cano abaixo à procura do anel. Levou o cordel consigo e entregou uma das extremidades ao pai.
— Quando eu puxar o cordel três vezes, traz-me para cima — explicou-lhe.
Enquanto o Sr. Little ficou de joelhos na banheira, Stuart deslizou facilmente pelo cano e desapareceu de vista. Dali a um minuto, sentiram-se três puxões e o Sr. Little içou-o com todo o cuidado. No fim do cordel, apareceu Stuart com o anel à volta do pescoço, já a salvo.
— Oh, meu filhote corajoso! — disse a Sra. Little, cheia de orgulho, abraçando-o e beijando-o.»
«Stuart Little é um herói muito cativante e A História de Stuart Little
é um livro que agrada às crianças e aos seus pais.»
The New York Times
Um livro
maravilhoso,
premiado e
adaptado ao
cinema.
10 mm
N O H
Leitura Infantil
ISBN 978-989-8855-16-9
9 789898 855169
8+