E como ficou chato ser moderno Agora serei eterno. Carlos … · deveu-se à perda da capacidade...
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3. A CAIXA DE PANDORA: IBA
E como ficou chato ser moderno
Agora serei eterno.
Carlos Drummond de Andrade, Eterno.
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3. A CAIXA DE PANDORA: IBA
Para escrever sobre o período pós-moderno na arquitetura e no urbanismo, poderíamos optar
por fazê-lo de maneira não convencional. Poderíamos, por exemplo, escolher um tipo de letra
para cada uma das linhas que seguirão daqui por diante, para contar como se deu este período
de enorme diversidade formal. Cores diferentes também ajudariam a ilustrar o cenário e, se
possível fosse, colocaríamos texturas nas letras, configurando assim um mosaico pluralista de
informação1.
Fato é que, com as mortes de Le Corbusier em 1965 e Walter Gropius em 1969 – tratados
neste trabalho como pedras fundamentais do Estilo Internacional –, os pilares modernistas
abalaram-se profundamente. É importante lembrar, contudo, que as mortes de Le Corbusier e
Gropius, cronologicamente, aconteceram em meio a outros fatos determinantes para o
surgimento e fortalecimento de uma teoria pós-modernista. Três obras literárias são importantes
para iniciar ataques críticos ao pensamento moderno: Morte e vida de grandes cidades (1961),
de Jane Jacobs; Complexidade e contradição em arquitetura (1966), de Robert Venturi e A
arquitetura da cidade (1966) de Aldo Rossi2. Além das letras, a implosão do conjunto residencial
Pruitt-Igoe em Saint Louis em 1972, é categórica quanto à obsolescência dos espaços
modernos na habitação coletiva e ilustrou que algo precisava mudar nos conceitos da
arquitetura e do urbanismo.
De maneira reduzida, parte do problema com o Movimento Moderno foi a distância de
comunicação entre as formas produzidas e seus usuários. Pode-se dizer que tal afastamento
deveu-se à perda da capacidade comunicativa por parte da arquitetura moderna, por ser, na
visão da maior parte de seus críticos, demasiadamente técnica, anônima, repetitiva, abstrata e
redutiva. Os espaços modernos, contínuos e transparentes não se mostraram compatíveis com
o homem real, pois eram projetados para um usuário ideal ao qual a vanguarda se dirigiu.
1 “Em seu livro The Language of Post-Modern Architecture, 1977, Charles Jencks caracterizou eficientemente o pós-modernismo como uma arte populista-pluralista de comunicabilidade imediata”. FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.355. 2 Nesbitt ressalta a importância das obras literárias no momento de crítica ao modernismo: “Outra forma de reação à crise profissional na arquitetura moderna foi o florescimento de uma literatura teórica com a criação de revistas comerciais independentes e periódicos ligados a instituições acadêmicas”, além de “Os arquitetos pós-modernos usaram a palavra escrita para solucionar problemas complexos” NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.24 e 26.
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Como aproximar a arquitetura e o urbanismo do dito homem real3? Caminhos levaram a crer
que as respostas a esta questão estavam na utilização de elementos de conexão entre obras e
pessoas, como metáforas, símbolos e resgate de elementos históricos.
O arquiteto finlandês Pallasmaa faz um relato interessante que ilustra exatamente este período
de mudanças conceituais:
Por que tão poucas construções modernas tocam nossos sentimentos, quando qualquer
casa anônima numa velha cidadezinha ou o mais despretensioso galpão de fazenda nos
dá uma sensação de intimidade e prazer? Por que as fundações de pedra que
descobrimos num campo de mato crescido, um celeiro desabado ou um hangar
abandonado desperta nossa imaginação, enquanto as casas em que moramos parecem
sufocar e reprimir nossos devaneios?4.
Ainda na década de cinqüenta, o embrião do pós-modernismo emergiu de dentro dos próprios
Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna – os CIAM –, momento em que um grupo de
arquitetos modernos mostrou descontentamento com o formalismo da Carta de Atenas.
Conhecido como Team 10, o grupo deteve-se em críticas aos conceitos modernos de espaço e
cidade especialmente no que diz respeito aos valores universalistas e concepções
funcionalistas do desenho moderno.
Montaner cita em seus escritos a tendência característica do pós-modernismo contextualista de
valorização do lugar em contraponto à universalidade do Estilo Internacional. Sobre o Team 10,
escreve que acenou a vontade de continuar no caminho moderno, aproximando a arquitetura
ao mundo da ciência, da tecnologia e da produção, porém sem a necessidade de definir
3 Sobre a diferença entre homem-tipo moderno e o homem real, uma passagem do livro de De Botton é bem ilustrativa, ao se referir ao projeto de Le Corbusier de uma vila de casas operárias em Pessac, França, 1923. Exemplos claros do modernismo, as unidades se mostravam como “uma série de caixas simples, com longas janelas retangulares, tetos planos e paredes nuas (...) sua admiração pela indústria e a tecnologia expressou-se nos espaços de concreto, nas superfícies sem decoração e nas lâmpadas elétricas nuas, sem lustres”. Porém, segundo De Botton, os moradores tinham uma idéia diferente de beleza: “No final de um dia de trabalho na fábrica, continuar lembrando o dinamismo da indústria moderna não era uma prioridade psicológica urgente. Em poucos anos, os operários transformaram os seus cubos corbusianos idênticos em espaços privados, diferenciados, capazes de fazê-los lembrar das coisas que a sua vida funcional lhes havia tirado. Sem se preocuparem se estavam estragando os projetos do grande arquiteto, eles acrescentaram às suas casas telhados pontudos, persianas, pequenas janelas de caixilho, papéis de parede floridos e cercas de estacas no estilo vernacular e, feito isso, passaram a instalar uma variedade de fontes ornamentais e duendes nos jardins em frente de casa”. DE BOTTON, Alain. A arquitetura da felicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 2007, p.164. 4 PALLASMAA, Juhani. A geometria do sentimento: um olhar sobre a fenomenologia da arquitetura. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.482.
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grandes teorias, “mas sim imitando o método científico experimental que analisa caso a caso”.
Tratava-se, portanto, de refletir sobre a arquitetura com olhos para as diversidades sociais e
culturais próprias de cada local, propondo idéias como a identidade – que aparecerá no
discurso de Aldo Rossi – e vizinhança – em Jane Jacobs. Para isso, “era necessário provocar a
crise definitiva dos princípios simplificadores da Carta de Atenas e expor a complexidade da
vida urbana”5.
Destacam-se no grupo do Team 10, os britânicos Alison e Peter Smithson e o italiano Giancarlo
de Carlo, arquitetos saídos do Movimento Moderno e que criticaram parte do que aprenderam.
Para os Smithson, a relação entre os habitantes e o território era fundamental para o alto grau
de identidade do homem com o seu espaço na cidade. A leitura urbana proposta pelo casal,
segundo Barone,
(...) abandonava o entendimento do espaço a partir de sua funcionalidade e adotava o
critério da escala da aglomeração humana: a casa, a rua, o bairro e a cidade, cada uma
delas com tipos específicos de relações interativas entre indivíduos, entre grupos e entre
pessoas e espaços.6
Giancarlo de Carlo analisou o urbanismo moderno e chegou a classificar seus teóricos de
ingênuos por considerarem que dividir a cidade em funções seria a solução para organizar seus
problemas. O trabalho do Team 10 foi de fato uma espécie de atitude auto-reflexiva de figuras
internas ao modernismo, que se tornou fundamental para abrir espaço aos críticos que o
seguiram – Jacobs, Rossi, Venturi e outros –, contribuindo para o enfraquecimento da
universalidade de pensamento, incentivando idéias novas e diversas.
Antes do mergulho nas críticas de Jacobs, Venturi, Rossi e tantos outros, faz-se necessário um
pensamento sobre o termo pós-moderno. A realidade pós-moderna configurou-se de maneira a
enfatizar para si adjetivos como pluralista7, fragmentário e multidirecional, conceitos
diversificados e ao mesmo tempo instáveis, frutos do padecimento e do esvaziamento da
verdade única do modernismo.
5 MONTANER, Josep María. Depois do movimento moderno. Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p.30. 6 BARONE, Ana Cláudia Castilho. Team 10. Arquitetura como crítica. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2002, p.142. 7 Nesbitt define o período pluralista pós-moderno entre 1965 e 1995. Ver NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.15.
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Colquhoun também cita o pluralismo pós-moderno como substituto da teoria universal
modernista. Para tal, utiliza a definição do termo pós-moderno de Andreas Huyssen:
O termo pós-moderno parece ora vazio, ora tendencioso. Provavelmente, o mais próximo
que poderíamos chegar de uma definição aceitável seria algo na linha da proposição de
Andreas Huyssen: os movimentos da arte e da arquitetura que tomaram o lugar de um alto
modernismo extenuado. Essa definição deixa implícito que os conceitos unificadores do
modernismo foram substituídos por uma pluralidade de tendências e que seria tolo esperar
uma única idéia orientadora na prática pós-moderna.8
A crítica ao modernismo e especialmente ao que se chamou de Estilo Internacional, seria
fundamental para o surgimento das posições pós-modernistas. Lyotartd lê o pós-modernismo
como uma simples sucessão do modernismo, sendo cada um dos tempos claramente
identificáveis: “o pós indica algo como uma conversão: uma nova direção depois da anterior”9.
Jameson, por sua vez e de maneira mais direta, diz que “pode-se saudar a chegada do pós-
modernismo de uma perspectiva essencialmente antimodernista”10, ao passo que Harvey, de
modo um tanto mais contido, afirma que o pós-modernismo advém de uma reação ao
modernismo, ou afastamento11 dele, assim como Featherstone, que afirma a condição de
ruptura presente em pós:
O prefixo ‘pós’ significa algo que vem depois, uma quebra ou ruptura com o moderno,
definida em contraposição a ele (...) o termo ‘pós-modernismo’ apóia-se mais
vigorosamente numa negação ao moderno, num abandono, rompimento ou afastamento
das características decisivas do moderno.12
8 COLQUHOUN, Alan. Modernidade e tradição clássica. São Paulo: Cosac & Naify, 2004, p.229. 9 LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987, p.94. 10 JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2002, p.81. e JAMESON, Fredric. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995, p.28. 11 HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992, p.19. 12 FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p.19.
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OS CRÍTICOS DA RACIONALIDADE
Quando Jane Jacobs em 1961 publica o livro Morte e vida de grandes cidades, o planejamento
urbano moderno ganha uma importante crítica. A obra é, de fato, nas palavras da própria
autora, “uma ofensiva contra os princípios e os objetivos que moldaram o planejamento urbano
e a reurbanização modernos ortodoxos”13. A crítica maior de Jacobs encontra-se no fato do
urbanismo moderno criar cidades irreais para homens que não existem, “cidades imaginárias
perfeitas – qualquer coisa que não as cidades reais”14, e deixar de lado as escalas da rua, do
pedestre, da qualidade das relações de vizinhança, do uso misto de atividades, das quadras
pequenas, características próprias das cidades anteriores ao planejamento moderno.
A maneira com que Jacobs questionou as idéias do Movimento Moderno, valorizando a
heterogeneidade da escala dos bairros, a diversidade das ruas e calçadas e as relações de
vizinhança como fatores vitais para a dinâmica urbana, levou ao entendimento de que, a partir
daquele momento – início da década de sessenta – as cidades não deveriam mais sofrer novas
e devastadoras renovações urbanas segundo os princípios racionais e funcionalistas
modernistas, mas sim valorizarem-se enquanto espaços vitais, complexos e atraentes que
são15.
Aldo Rossi, em 1966, publica A arquitetura da cidade. Uma importante contribuição de Rossi,
neste momento de repensar a cidade racional e funcional dos modernistas, está no resgate da
questão histórica para o campo da arquitetura e do urbanismo, tratando a cidade como um
artefato, um objeto que nasce do trabalho humano e, por isso, repleta e recheada de valores
13 JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.1. 14 Idem, p.5. 15 Registra-se aqui uma leitura da crítica a Jacobs feita por David Harvey, na qual o autor revela o teor utópico do discurso de Jacobs: “Quando Jacobs lançou sua famosa crítica aos processos modernistas de planejamento de cidades e de renovação urbana (amaldiçoando, como o fez, Le Corbusier, a Carta de Atenas, Robert Moses e a grande influência maligna da estupidez de que eles e seus acólitos revestiram as cidades no pós-guerra), ela na realidade apresentou sua versão preferida de livre organização espacial por meio do recurso a uma concepção nostálgica de um ambiente íntimo e etnicamente diversificado em que predominavam formas artesanais de atividade empreendedora e de emprego, bem como formas interativas de relacionamento social direto. Jacobs foi à sua própria maneira tão utópica quanto o utopismo que atacou. Ela se propôs a organizar livremente o espaço de uma outra maneira, mais íntima (de escala menos ampla), a fim de alcançar um propósito moral distinto. Sua versão de livre organização espacial trazia em si seu próprio autoritarismo, oculto na noção orgânica de ambiente habitacional e de comunidade como base da vida social. Ainda que ela tenha acentuado sobremaneira a diversidade étnica, só mesmo um certo tipo de diversidade controlada poderia de fato funcionar da forma feliz que ela concebera. A busca da realização dos objetivos de Jacobs poderia facilmente justificar todas aquelas comunidades fechadas e todos aqueles movimentos comunitários excludentes que hoje fragmentam cidades”. HARVEY, David. Espaços de Esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2006, p.216.
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culturais. “De fato estou convencido de que uma parte importante de nossos estudos deveria
ser dedicada à história da idéia de cidade, em outras palavras, à história das cidades ideais e à
história das utopias urbanas”16. Nesse sentido, cabe citar Weil: “Não faz sentido afastar-se do
passado para pensar apenas no porvir. É uma ilusão perigosa imaginar que isto seja possível.
(...) Dentre todas as exigências da alma humana, nenhuma é mais vital que a do passado”17.
Contudo, a maior contribuição de Rossi para a teoria pós-moderna foi a utilização de um termo
que aparece em seu livro e modifica sensivelmente a escala dos projetos e intervenções a partir
da segunda metade da década de sessenta: Lugar. O lugar ao qual Rossi faz referência resgata
parte da história da cidade e sedimenta por um momento a prática modernista de tábula rasa
que desconsiderava o sítio do projeto urbano, para evidenciar o traço novo vanguardista e
teoricamente revolucionário. A substituição das teorias do Plano por teorias do Lugar, procurou,
a partir deste momento, conceber de modo menos abstrato, sistêmico e autoritário a cidade
pós-moderna. Pensar a cidade enquanto lugar será questão a ser tratada no decorrer deste
capítulo.
Aldo Rossi encara o projeto arquitetônico, e cada um deles em particular, como um ‘fato
urbano’ e, como tal, diretamente vinculado ao seu ‘lugar’ de inserção, não apenas do
ponto de vista físico ou topográfico, a sua ambiência imediata, mas um gesto referido a um
espaço construído por ‘elementos primários’ – os monumentos, (...) a ‘alma da cidade’ –
fatores da memória coletiva que configuram a imagem da cidade de que partirá o
arquiteto18.
A rejeição ao funcionalismo ortodoxo, ou seja, a idéia expressa no discurso de alguns arquitetos
modernistas de que a forma segue a função, fez dos profissionais que desprezavam a rica
complexidade própria das cidades, bem como sua história, formas urbanas, traçados, cores e
elementos, o alvo principal das críticas de Rossi.
Robert Venturi, por sua vez, em Complexidade e contradição em arquitetura (1966), bateu na
tecla da crítica ao racionalismo das formas puras dos modernistas, revelando seu
descontentamento com a sua produção, considerando-as, de modo geral, frias, por demais
simplórias e excessivamente reducionistas. O autor se contrapõe à arquitetura e ao urbanismo
16 ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p.5. 17 WEIL, Simone apud PORTOGHESI, Paolo. Depois da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.59. 18 ARANTES, Otília. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000, p.46.
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modernos que, em sua prática de tábula rasa, preferem transformar radicalmente o ambiente
existente e seus usuários a tentar interpretá-los e revalorizá-los. Para ele, adaptações de
modelos históricos apropriadamente modificados para atender a necessidades contemporâneas
permitem que o arquiteto desenvolva projetos mais ricos em significado e atitude. O ponto focal
de sua crítica foi o que considerava a pobreza de significado do projeto modernista.
Gosto de complexidade e contradição em arquitetura. Não gosto da incoerência ou
arbitrariedade da arquitetura incompetente nem das afetadas complexidades do pitoresco
ou do expressionismo. Prefiro falar de uma arquitetura complexa e contraditória baseada
na riqueza e na ambigüidade.19
A novidade que emerge com a chegada de Venturi está na contradição que ele trouxe para a
discussão arquitetônica e urbanística, especialmente quando “louvava o predomínio da
vitalidade confusa sobre a unidade óbvia, da riqueza sobre a clareza de significado e do ‘não
só, mas também’ sobre o ‘ou isto ou aquilo’”20. Venturi propõe uma visão contrária à da
arquitetura moderna, elogiando a realidade contraditória, complexa e ambígua, transgredindo
assim alguns dos princípios sobre os quais fundou-se o racionalismo do movimento moderno,
em especial o princípio de coerência, onde as soluções projetuais universalistas procuraram dar
conta dos mais variados problemas.
Venturi escreve, em 1972, em parceria com Denise Scott Brown e Steven Izenour, o livro
Aprendendo com Las Vegas, obra cuja importância neste período está na contextualização das
paisagens construídas e na análise delas, criticando assim a ortodoxia moderna de ignorar o
existente. Para Venturi, Brown e Izenour, os arquitetos poderiam aprender consideravelmente
com o estudo das paisagens populares e comerciais, mais do que com a perseguição de ideais
doutrinários, teóricos e aparentemente abstratos. Não à toa, característica importante do
movimento pós-moderno constitui-se na vinculação do homem com a vida cotidiana real,
levando em consideração toda a diversidade social e cultural próprias desta prática, fato que
remete a uma arquitetura de riqueza e ambigüidade de significados, em vez da clareza e do
purismo próprios da modernidade.
Os arquitetos perderam o hábito de olhar para o ambiente sem emitir julgamentos porque
a arquitetura moderna ortodoxa é progressista, se não revolucionária, utópica e purista; ela
19 VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p.1. 20 GHIRARDO, Diane. Arquitetura contemporânea. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.14.
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está insatisfeita com as condições existentes. A arquitetura moderna tem sido de tudo,
menos tolerante: os arquitetos preferiram mudar o entorno existente em vez de realçar o
que já existe.21
Philip Johnson, arquiteto de importante participação neste período pós-moderno, fala sobre a
importância de Venturi e da necessidade de voltar às questões específicas inerentes ao lugar,
distanciando-se das generalidades racionais: “Tudo começou com o livro de Bob Venturi. Nós –
Venturi, Stern [Robert], Graves [Michael] e eu – percebemos que devíamos nos ligar mais à
cidade e às pessoas. E que devíamos ser mais contextuais: que devíamos prestar atenção nos
velhos edifícios”22. Rubino, ainda sobre a participação de Venturi na consolidação do início do
pós-modernismo na arquitetura e no urbanismo, compara seus escritos aos de Le Corbusier:
É possível afirmarmos que se o leitor quer entender as duas rupturas simbólicas que a
arquitetura empreendeu no breve e interessante século XX, há pelo menos dois autores
obrigatórios: Le Corbusier com Por uma Arquitetura e Urbanismo, e Robert Venturi com
Complexidade e Contradição em Arquitetura e Aprendendo com Las Vegas. Pouco mais
de cinqüenta anos separa os dois blocos, e os textos são tão distintos como uma singela e
exata casa branca corbuseana, de um lado, e um colorido e iluminado shopping-center
suburbano, de outro.23
A aproximação da arquitetura pós-moderna do homem comum – e não da abstração fantasiosa
do homem-tipo moderno –, ou seja, a “humanização” da arquitetura como ponto importante do
discurso pós-moderno fica evidente na fala de Venturi, crítica e ao mesmo tempo irônica,
quando cita a utopia modernista e seu papel:
Em geral, o mundo não pode esperar que o arquiteto construa sua utopia, e a
preocupação maior do arquiteto não deveria centrar-se no que deveria ser, mas no que é –
e em como ajudar a melhorá-lo agora. Trata-se de um papel mais humilde para os
arquitetos do que o movimento moderno gostaria de aceitar.24
21 VENTURI, Robert, BROWN, Denise Scott & IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p.25. 22 JOHNSON, Philip apud NESBITT, Kate (org.) Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.27. 23 RUBINO, Silvana Barbosa. Quando o pós-modernismo era uma provocação. Resenha 72, Portal Vitruvius, agosto 2003. 24 VENTURI, Robert, BROWN, Denise Scott & IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p.160.
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SUBSTITUIÇÃO DA IDÉIA DE VERDADE ÚNICA
O ecletismo é o grau zero da cultura geral contemporânea: ouve-se reggae, vê-se western,
come-se McDonald ao meio dia e cozinha local à noite, usa-se perfume parisiense em
Tóquio, e roupa retrô em hong Kong.25
Evidente que o pluralismo tão citado nos escritos da década de sessenta não se restringe às
participações de Jacobs, Rossi e Venturi – ainda mais considerando que a primeira não
produziu formas como os dois seguintes. O fato de passar a considerar com propriedade e
fundamento os contextos locais na produção de arquitetura e urbanismo abriu um leque quase
infindável de possibilidades. Nota-se, portanto, que as críticas ao racionalismo e ao
funcionalismo ortodoxos do modernismo defensores de uma única verdade teórica de fazer
arquitetura e planejar cidades, formam o alicerce da produção pós-moderna. A substituição da
idéia única de verdade – própria da modernidade – por uma condição pluralista e
multidirecional26, permitiu o surgimento de várias verdades, e esta diversidade de pontos de
vista, concentradas nas diferenças e condicionantes locais, atuou no sentido de iluminar a
tendência modernista que obscurecia estas mesmas diferenças locais, regionais e étnicas sob a
sombra de uma verdade universal.
Prova desse período de inúmeras correntes e diversos modos de fazer o pós-modernismo foi a
Bienal de Veneza realizada em 1980. Nesta exposição, a novidade apresentada esteve focada
em importante ponto da produção pós-moderna, cujo novo mostrou-se sob uma de suas
essências principais: a provocativa. Segundo Arantes, à época da Bienal de Veneza, “fazia
tempo que não se reeditava com algum sucesso a atmosfera de provocação que, em princípio,
anuncia a presença do novo”27.
A importância do título e do subtítulo da exposição: “A presença do passado – O fim da
proibição” abria caminho para a “liquidação definitiva das restrições aos laços com a história,
vista como acuada pela ortodoxia moderna”28. De fato, o resgate de questões históricas – como
já vimos em Rossi – constituiu-se parte da crítica ao Movimento Moderno. Reviver elementos
25 LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987, p.19. 26 Ver GHIRARDO, 2002, p.2; MEDRANO, 2000, p.246; NESBITT, 2006, p.16. 27 ARANTES, Otília. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000, p.28. 28 NOBRE, Ana Luiza. Apresentação. In: PORTOGHESI, Paolo. Depois da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.IX.
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clássicos e simbólicos, como materiais próprios de um determinado local, cores características,
gabaritos e ornamentos, era fazer uso de formas conhecidas, trazendo com isso a arquitetura
para mais perto do homem comum, tornando-a parte de seu universo – memória e lembranças
– e restabelecendo a empatia perdida pelo distanciamento das formas puras modernas. Neste
sentido, o resgate, seja vernacular, revival ou metafórico, tinha como objetivo aproximar formas,
edifícios e fragmentos de cidades, de seus usuários, contextualizando-os em um mesmo tempo
e local.
A Bienal de Veneza consistiu na exposição de fachadas – projetadas por vinte arquitetos – em
uma rua artificial curiosa e adequadamente denominada Strada Novissima. As citadas fachadas
faziam alusões à arquitetura italiana do passado além de símbolos e esteriótipos da arquitetura
clássica – colunas, frontões e capitéis – deslocados propositalmente, retornando à antiga
função de ornamentos. O que há de novo nesta exposição está exatamente no resgate de
elementos históricos, reconduzindo-os a funções ornamentais – fato que seria veementemente
repreendido pelos modernistas, mas que já haviam sido sugeridos anteriormente,
principalmente por Venturi.
Aparece em Portoghesi este resgate de elementos, chamado por ele de citação histórica:
Contra os dogmas da univalência, da coerência estilística pessoal, do equilíbrio estático ou
dinâmico, contra a pureza e a ausência de qualquer elemento ‘vulgar’, a arquitetura pós-
moderna revalida a ambigüidade e a ironia, a pluralidade dos estilos, o duplo código que
lhe permite voltar-se ao mesmo tempo para o gosto popular, através da citação histórica
ou vernácula.29
Não é a intenção desta pesquisa citar o papel dos arquitetos nos últimos cinqüenta anos.
Contudo, há entre eles alguns de grande importância especialmente no período de transição
entre o modernismo e o pós-modernismo. Com características historicistas, são exemplos Louis
Kahn e Philip Johnson. Kahn iniciou seus trabalhos ainda sob o signo do modernismo e,
quando de seu esfriamento, formulou o que Montaner chamou de “o recurso do passado como
amigo”30, sendo um dos pioneiros no trato com as questões históricas. Johnson, que também foi
um dos entusiastas da arquitetura moderna nos anos trinta, a partir dos anos sessenta
igualmente comprometeu-se com experiências ecléticas e historicistas.
29 PORTOGHESI, Paolo. Depois da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.61. 30 Ver: MONTANER, Josep María. Depois do movimento moderno. Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p.63.
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A arquitetura nórdica também desempenhou papel de destaque nesta época de mudanças
conceituais. Importante lembrar que, desde o período de formulações teóricas e produção
modernistas, o finlandês Alvar Aalto, crítico do urbanismo funcionalista, já acenava para
tendências regionais no que tange especialmente aos materiais utilizados em seus edifícios –
particularmente madeiras e tijolos. É possível classificar a arquitetura nórdica no limiar entre
racionalismo e empirismo, tecnologia e saber tradicional, modernidade e tradição, uma postura
que buscou inspiração nas características locais, no clima, no programa de seus edifícios e em
seus materiais, sendo portanto um expoente contra idéias de padronização e racionalização
excessivas e, desta forma, historicamente importante no contexto de mudança moderno/pós-
moderno.
O LUGAR PÓS-MODERNO
Para ampliar o universo de questões da teoria pós-moderna, além da questão histórica, muitos
teóricos, arquitetos e historiadores citam também a questão do lugar – já destacado em Rossi –
como diferencial comparativo com o modernismo, que se mostra evidente no retorno às
primeiras décadas do século XX quando idealizou-se um Estilo Internacional teoricamente
capaz de suprir as necessidades do homem-tipo universal. Por razões evidentes, de fato, este
homem-tipo nunca saiu do imaginário modernista. O resgate do termo lugar na arquitetura e no
urbanismo é, de um lado, uma mudança de escala significativa no pensar espaços urbanos; de
outro, uma precisa ancoragem das intervenções em solos variados, cada qual com suas
características próprias e demandas exclusivas. A questão do lugar, deste modo, passa a ser
amplamente discutida pelos estudos, planos, propostas e escritos pós-modernos. Derrida é
extremamente direto ao vincular lugar com arquitetura: “A grande questão da arquitetura, de
fato, é a do lugar, a do ‘ter lugar’ no espaço”31.
Para Arantes, o lugar público constitui um antídoto para o que chama de patologia da cidade
funcional – em uma alusão às cidades racionais modernistas –, no qual, com o objetivo de
31 DERRIDA, Jacques. Uma arquitetura onde o desejo pode morar. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.168.
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resgatar a coletividade outrora expropriada pela cidade moderna, arquitetos passam a buscar, a
partir da década de sessenta, “a ressurreição da visibilidade democrática do espaço de
convívio, multiplicando pelos lugares da cidade pontos de referência familiares, estruturas
reconhecíveis, continuidades históricas evidentes”32. De modo ainda mais crítico, Arantes
reforçou seu pensamento tempos depois: “Contra uma paisagem urbana comandada pela
lógica do mesmo, enquadrada por uma civilização internacional dominada pela compulsão
programada do consumo, a alternativa seria uma arquitetura do lugar”33, respeitando o contexto,
a morfologia e tipologia arquitetônicas e preservando os valores locais sempre variados.
Pode-se dizer que o termo recontextualização é uma boa opção para definir este ponto da
crítica ao modernismo, englobando assim dois dos pilares de sustentação do pós-modernismo
na arquitetura e no urbanismo: o resgate de questões históricas – imagens, símbolos e
referências – e a inserção dos objetos na cidade existente enquanto sítio, lugar, local singular:
As novas tendências sustentam a necessidade de um contágio entre a memória histórica e
a tradição do novo e, em particular, a necessidade de ‘recontextualização’ da arquitetura,
isto é, a instauração de uma relação precisa, de natureza dialógica, entre os novos
edifícios e o ambiente onde são construídos, quer este ambiente seja o da periferia ou o
dos centros históricos.34
Quando nos referimos à mudança de escala de projeto urbano neste período de reformulação
teórica de modernismo para pós-modernismo35, atemos-nos especialmente a esta ruptura: o
primeiro, moderno, enquanto Plano e de caráter universal, visava dar conta de todos os
problemas sócio-espaciais da cidade; o segundo, pós-moderno e intervencionista, de caráter
local, objetivava de maneira geral e na maioria dos casos a solução de questões particulares.
Em poucas décadas, a concepção da arquitetura e do urbanismo passa da escala do espaço
para a do lugar, deixando de lado leituras generalistas e universais que porventura alimentavam
os Planos e focando-se com cuidado nos temas específicos e singulares de cada intervenção,
ou seja,
32 ARANTES, Otília. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000, p.214. 33 ARANTES, Otília. Urbanismo em fim de linha. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p.115. 34 PORTOGHESI, Paolo. Depois da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.61. 35 “A ‘cidade colagem’ é agora o tema, e a ‘revitalização urbana’ substitui a ‘renovação urbana’ como a palavra-chave do léxico dos planejadores. ‘Não faça pequenos planos’, escreveu Daniel Burnham na primeira onda da euforia planejadora modernista no final do século XIX, ao que um pós-modernista como Aldo Rossi pode agora responder, mais modestamente: ‘A que, então, poderia eu ter aspirado em minha arte? Por certo a pequenas coisas, tendo visto que a possibilidade das grandes estava historicamente superada’”. HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992, p.46.
153
(...) Deixa de entender a essência da arquitetura no espaço físico, matemático, plástico,
psicológico, racional e funcional, para entendê-lo como lugar, como algo mais concreto,
material, real, qualitativo e humano, carregado de cultura, história, símbolos e qualidades
definidas pela luz e pela textura dos materiais. Passaria-se de uma concepção física da
arquitetura, baseada no plano, na percepção plástica e visual e na tendência à abstração,
para uma concepção cultural da arquitetura, baseada na matéria, na percepção táctil e na
tendência à contextualização e à expressão dos valores semiológicos.36
Encontram-se, em vários estudos e publicações, termos como recontextualização37 e
contextualismo38 para demarcar o momento em que os olhares arquitetônicos e urbanísticos se
voltaram às condicionantes locais e estas tornaram-se fatores determinantes para a elaboração
de propostas intervencionistas. O lugar, locus, tem alterada a sua importância de maneira
significativa, passando de desprezado por políticas de tábula rasa e terra arrasada para, a partir
da revisão crítica ao modernismo, constituir base fundamental para projetos, como se fosse
uma referência bibliográfica básica de onde arquitetos e urbanistas pudessem retirar
informações importantes e específicas do local onde pretendem intervir e a partir delas
desenvolver soluções de variadas naturezas.
Enquanto o espaço alto modernista, de um Corbusier ou de um Wright, procurava se
diferenciar radicalmente do tecido da cidade deteriorada no qual aparecia – suas formas
dependendo portanto de um ato de disjunção radical de seu contexto espacial (os grandes
pilotis representando a separação do chão e salvaguardando o novum do novo espaço) –
os edifícios pós-modernos, ao contrário, celebravam sua inserção no tecido heterogêneo
da faixa comercial e da paisagem de hotéis e lanchonetes da cidade norte-americana pós-
super-rodovias. Enquanto isso, um jogo de alusões e ecos formais (‘historicismo’)
assegurava o parentesco desses novos edifícios-arte com os espaços e ícones comerciais
adjacentes, renunciando assim à pretensão modernista clássica de diferença e inovação
radicais.39.
36 MONTANER, Josep María. Depois do movimento moderno. Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p.41. 37 Ver PORTOGHESI, Paolo. Depois da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.61. 38 Ver NORBERG-SCHULZ, Christian. O fenômeno do lugar. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.444. 39 JAMESON, Fredric. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995, p.35.
154
Para citar a questão do lugar e do contextualismo, Frampton batiza a linha pós-moderna
historicista de regionalismo crítico40, que, segundo ele, confronta frontalmente a tendência
tecnológica tão difundida pelos modernos e sem vinculação territorial. Este regionalismo crítico
seria, portanto, um favorecedor da arquitetura como fato vinculado ao território e não como um
objeto implantado cenograficamente em um sítio, sem a menor intimidade com ele, sem
enfatizar fatores e características típicos deste lugar.
A questão do lugar encaixa-se perfeitamente no pensar a cidade neste período pós-moderno.
Abordá-la parece-nos sepultar definitivamente o conceito de tábula rasa outrora proposto, bem
como encarar a questão do desenho urbano de forma humanizada. Se a cidade é, de fato, o
resultado de ações do homem, negá-la de maneira a propagar uma política de terra arrasada é
apagar erros e acertos que se acumularam ao longo da história. Acreditamos que, se do ponto
de vista formal, os objetos produzidos pela arquitetura moderna permaneceram, bem ou mal, ao
longo do tempo, o urbanismo pós-moderno se mostra mais factível que seu antecessor por ser
um tanto menos autoritário e indubitavelmente mais próximo da realidade: intervir, reformar,
reciclar, adaptar e refazer. Arantes fundamenta este raciocínio:
Para resistir à urbanização demolidora praticada pelos modernos, à pretensa
‘racionalidade’ da cidade planificada, tanto quanto ao seu crescimento desordenado,
pensou-se que a alternativa consistiria em intervenções orientadas por princípios como os
seguintes: consertar sem destruir, refazer sem desalojar, reciclar, restaurar, criar a partir
do que está dado, respeitar a sedimentação dos tempos diferentes, reatando e
rejuvenescendo os vínculos com a tradição, enfim, construir um ‘lugar’ – na acepção forte
do termo – ou seja, dar forma ao informe, sem com isso querer ordená-lo, mas
devolvendo-lhe antiga dignidade, redescobrindo por aí o fio perdido da continuidade
histórica que lhe dá sentido.41
A mudança de enfoque encontra-se na capacidade de intervir na cidade existente, deixando de
lado o anseio de mudá-la radicalmente, respeitando, defendendo e resgatando sua história,
cultura e forma: produzir arquitetura e urbanismo cuja principal característica encontra-se na
capacidade de transformar as cidades – e seus fragmentos –, e não inventá-las, remodelando
estruturas urbanas sem destruir ou ignorar a cidade preexistente; mais que isso, utilizando a
40 “O regionalismo crítico de Frampton procura a possibilidade do habitar numa arquitetura que tenha mais significado de experiência. Compartilha do reconhecimento da construção regional, vernacular, e sua peculiar sensibilidade à luz, ao vento e às condições térmicas, que dita uma resposta arquitetônica adaptada ao lugar específico”. NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.59. 41 ARANTES, Otília. Urbanismo em fim de linha. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p.124.
155
cidade real como fonte de informações na busca de elementos que aproximem os novos
objetos da população usuária e seu entorno.
Segundo Montaner, é preciso destacar a capacidade da arquitetura pós-moderna em
reconverter velhos espaços dando-lhes novos usos. “Uma das imagens mais genuínas da
situação pós-moderna da arquitetura é a dos contrastes formais que gera esta mudança de
usos: estações convertidas em museus, palácios reabilitados como sedes de administrações
públicas etc”42. Destacamos que no recente passado do modernismo, o verbo reconverter teria
enormes dificuldades de localizar-se em qualquer frase ou contexto.
O pós-modernismo cultiva um conceito do tecido urbano como algo necessariamente
fragmentado, um palimpsesto de formas passadas superpostas umas às outras e uma
colagem de usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros. Como é impossível
comandar a metrópole exceto aos pedaços, o projeto urbano (e observe que os pós-
modernistas antes projetam do que planejam) deseja somente ser sensível às tradições
vernáculas, às histórias locais, aos desejos, necessidades e fantasias particulares,
gerando formas arquitetônicas especializadas, e até altamente sob medida, que podem
variar dos espaços íntimos e personalizados ao esplendor do espetáculo, passando pela
monumentalidade tradicional. Tudo isso pode florescer pelo recurso a um notável
ecletismo de estilos arquitetônicos.43
APOLOGIA DA DIVERSIDADE
Com o fim da verdade única que marcou o discurso modernista na arquitetura e no urbanismo,
especialmente com relação à produção racional de espaços e cidades, o conjunto da produção
arquitetônica e urbanística ampliou o leque de possibilidades e passou a configurar-se como um
espaço propício à experimentações das mais variadas naturezas. Para utilizar um termo de
Harvey, a “desconfiança”44 dos discursos universais e totalizantes levou à fragmentação das
verdades modernistas de modo a marcar com clareza que o pensamento pós-moderno estaria
disposto a experimentar novas possibilidades.
42 MONTANER, Josep María. Depois do movimento moderno. Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p.140. 43 HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992, p.69. 44 Idem, p.19.
156
Quando, contudo, nos atemos com maior atenção no decorrer desta pesquisa ao pós-
modernismo contextualista45 influenciado especialmente por Rossi e Jacobs, não queremos
definir que somente este fôra o caminho. Ao invés disso, é relevante esclarecer que a
importância do lugar foi determinante como crítica ao Movimento Moderno universalista, mas a
partir desta crítica, as possibilidades avolumaram-se visivelmente, e cada linha pós-modernista,
seguiu seu caminho de experimentações.
Esta pesquisa concentra-se mais na vertente pós-moderna dita contextualista, pela já citada
influência de Rossi e Jacobs, mas também por ser esta a linha na qual a IBA, nosso segundo
objeto de estudo, estrutura-se enquanto proposta de intervenção em determinadas áreas
berlinenses, conservando suas características locais mesmo tendo optado, por vezes, pela
construção de edifícios novos, porém mantendo gabaritos de altura, traçados viários, recuos e
afastamentos próprios dos locais em que implantaram-se.
Fato é que, embora concentrando-se especialmente no contextualismo pós-moderno, esta
pesquisa não ignora outras linhas pelas quais o pós-modernismo porventura tenha espalhado
seus tentáculos. Desta forma, apenas citamos aqui sem maiores aprofundamentos, por
exemplo, o britânico grupo Archigram constituído em 1960 por Peter Cook, Dennis Crompton,
Warren Chalk, David Greene, Ron Herron e Michael Webb, cuja principal característica foi um
entusiasmo pelas questões tecnológicas. Vale a pena destacar também os metabolistas
japoneses nas figuras de Kunio Mayerkawa, Junzo Sakakura e especialmente Kenzo Tange
que, também durante o início da década de sessenta, trabalharam em idéias utópicas de urbes
oceânicas, aéreas, unidades residenciais móveis e complexos articulados de pequenas
cápsulas habitacionais; e a arquitetura neoprodutivista na figura de Norman Foster, que surge a
partir da influência do Archigram e suas características high-tech e busca, nas palavras de
Montaner, “o rigor das realizações práticas, a versatilidade das diversas especializações
técnicas e a elegância do desenho industrializado”46.
45 “É mais seguro entender o conceito do pós-moderno como uma tentativa de pensar historicamente o presente em uma época que já esqueceu como pensar dessa maneira”. JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2002, p.13. 46 MONTANER, Josep María. Depois do movimento moderno. Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p.118
157
Em meio à pluralidade pós-moderna47, alguns autores buscam dividir a produção arquitetônica e
o pensamento urbano em linhas um tanto distintas, a fim de classificar a variada produção
própria deste período. Nesbitt, por exemplo, separa dois grandes grupos: um deles orientado
para o futuro, fundamentado em novas visões críticas e o outro voltado para o passado – o que
chamou de “revivescências reacionárias da tradição”48. Medrano igualmente opta por duas
divisões: uma vertente populista – onde estaria, por exemplo, Robert Venturi – e outra
culturalista – dos italianos Aldo Rossi e Vittorio Gregotti49. Porphyrios, por sua vez, encontra três
grupos entre os pós-modernistas: high tech50, classicista e desconstrutivista51, assim como
Stern, que também faz três divisões, porém, de características diferentes: “contextualismo (o
edifício individual como fragmento de um todo maior), alusionismo (a arquitetura como um ato
de resposta à história e à cultura) e ornamentalismo (a parede como suporte do significado
arquitetônico)”52.
Em obra intitulada A Arquitetura do Novo Milênio, Benévolo classifica a produção atual da
arquitetura em três grupos. O primeiro, que chamou de herdeiros da tradição moderna européia
são, em suas palavras, “os remanescentes da tradição moderna posterior à Segunda Guerra e
do debate entre as tendências revisionistas de então, que foram capazes de alcançar uma linha
própria de conduta pessoal ainda hoje eficaz”. Neste grupo, o autor destaca Gino Valle, Vittorio
Gregotti, Giancarlo de Carlo, Rafael Moneo, Álvaro Siza e a Escola do Porto. O segundo grupo
é denominado inovadores pacientes da arquitetura européia, surgido no último terço do século
XX. Seus representantes são “capazes de sintetizar a renovação tecnológica e a adaptação aos
lugares”. Dentre os nomes dos integrantes deste grupo, destacam-se na opinião de Benévolo,
47 “Dentre as características centrais associadas ao pós-modernismo nas artes estão: a abolição da fronteira entre arte e vida cotidiana; a derrocada da distinção hierárquica entre alta-cultura e cultura de massa/popular; uma promiscuidade estilística, favorecendo o ecletismo e a mistura de códigos; paródia, pastiche, ironia, diversão”. FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p.25. 48 NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.49. 49 Ver: MEDRANO, Leandro. Habitar no Limiar Crítico do Espaço. Idéias Urbanas e Conceitos sobre a Habitação Coletiva. 2000. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. 50 Uma das linhas que se destacam no pós-modernismo nos anos sessenta e que se diferencia da historicista é a vertente high tech encabeçada pelo grupo britânico Archigram. De características exclusivamente tecnológicas, a arquitetura produzida pelo grupo baseia-se na liberdade de escolha e consumo de todo tipo de produto, inclusive a própria arquitetura desenvolvida por ele, que se converte em kit, elemento substituível, peça transportável. O produto deste discurso é uma produção quase experimental de cápsulas habitacionais e sistemas robotizados de cidades plugadas, móveis e mutantes. Ver: SILVA, Marcos Sólon Kretli da. Redescobrindo a arquitetura do Archigram. Arquitextos 48, Texto Especial 231, Portal Vitruvius, maio 2004. 51 PORPHYRIOS, Demetri. A pertinência da arquitetura clássica. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.111. 52 STERN, Robert. Novos rumos da moderna arquitetura norte-americana. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.119.
158
Norman Foster, Richard Rogers e Renzo Piano. O terceiro e último grupo separado por
Benévolo foi classificado como os pacientes e impacientes catadores de novidades. São “os
descobridores impacientes de novos recursos técnicos, morfológicos e teóricos e os aprendizes
pacientes que podem se tornar ou estão se tornando os herdeiros dos mestres de hoje”. Os
nomes principais deste grupo são: Frank O. Gehry, Bernhard Tschumi, Daniel Libeskind, Zaha
Hadid, Herzog & De Meuron, Santiago Calatrava, Herman Hertzberger, OMA (Rem Koolhaas,
Madelon Vriesendrop, Elia e Zoe Zenghelis), Bem van Berkel, os Mecanoo (Eric van Egeraat,
Chris de Weijer, Francine Houben, Henk Doll), MVRDV (Winy Maas, Jacob van Rijs e Nathalie
de Vries), o Foreign Office (Farshid Moussavi e Alejandro Zaera-Polo), Philippe Chaix e Jean-
Paul Morel53.
Independentemente do número de grupos e de suas premissas, inclinações e resultados
formais, o que nos interessa neste momento é ressaltar o quão diversificado se mostrou o
período pós-moderno – Arantes diz que o que há agora é a “inconstância dos vaivens” e a
“apologia da diversidade”54 –, rigorosamente contra a idéia de verdade única a qual tentou-se
implantar durante o Movimento Moderno. Estas divergências conceituais registradas nas linhas
acima servem para, no momento, evidenciar o que Nesbitt chama – com extrema felicidade –
de “Caixa de Pandora de estilos”55.
Medrano registra o pluralismo do período pós-moderno quando escreve:
Destacam-se as propostas de ‘identidade’ e ‘associação’ com a cidade do Team 10, o
interesse pela arquitetura vernacular de certos arquitetos mediterrâneos, o surto
tecnológico de Archigram, os ensaios e propostas dos chamados ‘metabolistas’, entre
outras tantas alternativas à planificação urbanística do racionalismo.56
Com a “Caixa de Pandora” aberta, multiplicaram-se os grupos e subgrupos pós-modernos,
alguns com certas semelhanças entre si, outros, muito distintos. Todos, contudo,
cronologicamente, filhos, descendentes do modernismo. Alguns, filhos simpáticos, parecidos
com o pai ou, pelo menos, guardam alguma semelhança hereditária. Outros, porém, são muito
53 BENÉVOLO, Leonardo. A arquitetura no novo milênio. São Paulo: Estação Liberdade, 2007, p.56 54 ARANTES, Otília. Urbanismo em fim de linha. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, pp.28 e 30. 55 NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.91. 56 MEDRANO, Leandro. Habitar no Limiar Crítico do Espaço. Idéias Urbanas e Conceitos sobre a Habitação Coletiva. 2000. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000, p.215.
159
diferentes. Há rebeldes, por vezes mal-criados, zombeteiros da suposta inocência do pai. Fato é
que são diversos, cada qual com suas convicções e seu modo de ver as questões
arquitetônicas e urbanísticas, mas que só ganharam espaço com o esfriamento da condição
utópica e universalista de seu ancestral moderno.
A partir da década de setenta, portanto, novos nomes tomam sua parte na produção da
arquitetura e do urbanismo pós-modernos. Bernard Tschumi, Zaha Hadid, Rem Koolhaas, Elia
Zenghelis, Daniel Libeskind, Rafael Moneo, Frank Gehry, Enric Miralles, o grupo MVRDV,
Adriaan Geuze e outros tantos citados acima por Benévolo. Para estes arquitetos, como
escreve Montaner, “o atrativo da cidade é seu caos, sua mestiçagem, sua densidade, sua
congestão, seu caráter labiríntico e contraditório”57, cenário que a ordem racional do Movimento
Moderno em momento algum poderia lhes proporcionar. O resultado é, sem entrar em
especificidades e particularidades inerentes a cada um destes nomes, uma arquitetura em geral
de característica experimentalista e inovadora. Para Medrano, a produção deste grupo de
arquitetos pós-modernos mais recente – após Venturi, Rossi e Eisenman –, foge de uma
verdade absoluta, conduz a uma arquitetura pluralista que articula-se em diversas esferas
comunicacionais:
São obras que não apelam a historicismos ou imagens referentes ao universo popular; ao
mesmo tempo, desvinculam-se da busca por uma ‘verdade absoluta’, sustentada pelos
atributos da razão, que dominava o pensamento moderno. Busca-se a não significação.
Apesar do exibicionismo virtuoso e, em alguns casos, superficial destes arquitetos, seus
textos demonstram uma consistência crítica sobre questões já ressaltadas em outros
tempos.58
57 MONTANER, Josep María. Depois do movimento moderno. Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p.231. 58 MEDRANO, Leandro. Habitar no Limiar Crítico do Espaço. Idéias Urbanas e Conceitos sobre a Habitação Coletiva. 2000. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000, p.14.
160
ESFRIAMENTO DO PÓS-MODERNISMO?
Por tratarmos de períodos históricos, é natural que pensemos – como já fizemos com o
Movimento Moderno – no esfriamento do pós-modernismo que, como vimos, desde a década
de sessenta teve liberdade de atuação no cenário arquitetônico e urbanístico após surgir como
grupo crítico ao modernismo. Este é, contudo, um tema que, além de fugir ao que buscamos
neste momento, por demais discutível, já que para muitos arquitetos, teóricos e historiadores, o
pós-modernismo mostra-se em plena carga – afinal, o pós-modernismo compreende, grosso
modo, o conjunto de arquitetura e urbanismo produzido depois do modernismo –, evidenciando
mudanças fundamentais porém encobertas pela cortina do pluralismo que sempre o protegeu,
dando-lhe resguardo para experimentações diversas que pouco têm em seus resultados das
teorias pós-modernas embrionárias de Jacobs, Rossi e Venturi.
Por outro lado, depois de quarenta anos das primeiras teorias pós-modernas, pode-se fazer nos
dias de hoje uma análise crítica da produção de seus arquitetos e dos caminhos escolhidos.
São inúmeros os autores críticos dos resultados pós-modernos. Ghirardo, que alega que a
arquitetura pós-moderna tende a fazer uma interpretação equivocada e seletiva da história, toca
em ponto sensível que é a incorporação de conceitos pós-modernos pelo mercado imobiliário,
construtoras e empreiteiros desde meados da década de oitenta, desvirtuando
consideravelmente a idéia de resgate de elementos:
Em cidades como Los Angeles, casas baseadas numa ampla variedade de modelos do
prêt-à-porter pós-moderno eram ao mesmo tempo mais coloridas, geralmente em suaves
tons pastel, e menos literais, com referências históricas genéricas e só vagamente
clássicas. Com certeza, na maioria dessas casas o fenômeno do pós-modernismo aborda
quase exclusivamente a questão mais simples do tratamento das fachadas.59
Nesbitt, por sua vez, critica o pós-modernismo historicista produzido na década de sessenta e
setenta, com parte do componente da crítica de Ghirardo: a elitização. “Contrapondo-se à
confiança na comunicação e na acessibilidade, os defensores da responsabilidade social da
arquitetura criticaram a arquitetura historicista pós-moderna como um modismo elitista”60. Vale
registrar neste momento que a arquitetura moderna igualmente sofreu críticas referentes à sua
59 GHIRARDO, Diane. Arquitetura contemporânea. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.153. 60 NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.28.
161
responsabilidade social. Entendemos que ela, aparentemente, mereceu-as, pois nasceu envolta
em um discurso social – que muito bem foi apresentado por Kopp –, ao contrário da pós-
moderna, que em momento algum mostrou maiores preocupações sociais em seus postulados
e teorias. Nesbitt continua, ainda na linha da crítica de Ghirardo, ressaltando a prática do
simples tratamento das fachadas: “Uma estratégia típica da composição historicista pós-
moderna é o pastiche, a citação eclética de elementos históricos fragmentários. (...) Retirar
fragmentos estilísticos do seu contexto histórico leva ao que Frampton e outros chamaram de
efeitos cenográficos de uma arquitetura des-historicizada”61. Sá chama a prática de efeitos
cenográficos de “tentativa ingênua”62 do pós-modernismo em tentar requalificar o ornamento
esquecido pelos modernos.
Deve-se lembrar que parte da intenção pós-moderna de crítica materializou-se inicialmente com
considerável ironia, forma com a qual os profissionais chamaram a atenção de todos aos seus
trabalhos. Desta forma, não acreditamos que os chamados “efeitos cenográficos” tenham sido
tão ingênuos assim. Pelo contrário. Foi a partir de práticas aparentemente cenográficas que a
novidade pós-moderna inicialmente ganhou espaço e posteriormente se firmou enquanto
possibilidade de atuação de diversos grupos com variadas intenções.
Segundo Frampton, é clara a tendência atual de reduzir a arquitetura à cenografia. “Essa
atitude nasce em resposta ao triunfo generalizado do galpão decorado de Venturi, isto é, à
síndrome prevalente de empacotar o abrigo como uma mercadoria gigante”63. Montaner
acrescenta a esta crítica o perigo eminente da arquitetura pós-moderna cair na superficialidade
por dar demais ênfase na composição das fachadas. Para ele, este fato faz com que a
arquitetura perca atributos básicos como a discussão de espaços, processos, funções,
tipologias, estruturas, técnicas e formas e passe a se restringir somente à imagem. O autor
utiliza o termo maquiagem para citar a superficialidade desta arquitetura de fachada,
epidérmica64. Além disso, o crítico alerta que uma outra linha da arquitetura pós-moderna,
ligada à tecnologia – neste momento ele cita Nornan Foster –, permanece vinculada
61 NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.55. 62 SÁ, Marcos Moraes de. Ornamento e Modernismo. Rio de Janeiro: Rocco, 2005, p.19. 63 FRAMPTON, Kenneth. Rappel à l’odre: argumentos em favor da tectônica. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.557. 64 Termo utilizado em MONTANER, Josep María. Depois do movimento moderno. Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p.165. Lyotard faz uso de outro termo de sentido semelhante, chamando parte da produção contemporânea de “uma espécie de bricolagem”. LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987, p.94.
162
diretamente ao poder econômico, passando a exaltá-lo, simbolizando-o e, desta forma,
desvinculando-se de uma das questões fundamentais na teoria pós-moderna que é o
estabelecimento do lugar enquanto sítio e portador de particularidades. Pode-se observar
exemplos desta prática, por exemplo, nos projetos para sedes de grandes corporações, tema
ao qual esta pesquisa retornará em momento apropriado.
Seria este momento o limite do pós-modernismo e o despontar de uma nova arquitetura
contemporânea de características universais, apta a edificar-se em qualquer cidade do mundo e
intimamente atrelada às vontades do poder econômico? Ou seria, talvez, o fim de um primeiro
momento do pós-modernismo65, atrelado a um contextualismo cada vez menos perceptível?
Tentaremos responder a questão em capítulo futuro deste trabalho.
É possível que haja, como ressalta Tschumi, uma crise de novidade no pós-modernismo, que
aparentemente perdeu uma importante e inerente característica que é a sua capacidade de
criar polêmicas e, principalmente, produzir coisas novas:
O Movimento Moderno iniciou seu ataque a Beaux-Arts na década de 1920, por meio de
interpretações taticamente depreciativas da arquitetura do século XIX. Da mesma forma,
os defensores do Estilo Internacional reduziram os interesses radicais do movimento
moderno a maneirismos iconográficos homogeneizados. Hoje, as vozes mais
representativas da arquitetura pós-moderna fazem a mesma coisa, só que às avessas.
Centrando seus ataques no Estilo Internacional, elas criam polêmicas divertidas e um
jornalismo cáustico, mas trazem muito pouca coisa de novo a um contexto cultural que há
muito já incorporou as mesmas alusões históricas, os mesmos signos ambíguos e a
mesma sensualidade que hoje expõem.66
Ando, arquiteto japonês e contemporâneo às questões pós-modernas, vê um momento de
impasse na arquitetura e no urbanismo, considerando que os resultados produzidos por seus
colegas não inspiram um caminho promissor de criação. A arquitetura pós-moderna tornara-se
mecânica a ponto de não mais surpreender ou estimular?
O pós-modernismo surgiu no passado recente para denunciar a pobreza do modernismo
em um momento no qual esse movimento estava se deteriorando, tornando-se
65 Huyssen cita a possibilidade do pós-modernismo dividir-se em momentos, sendo o primeiro, especificamente demarcado por ele nos anos sessenta, onde buscou-se com maior cuidado a já citada linha contextalista. HUYSSEN, Andreas. Memórias do modernismo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.12. 66 TSCHUMI, Bernard. Arquitetura e limites I. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.175.
163
convencional e abandonando o papel que se arrogara como força de revitalização cultural.
A arquitetura moderna havia se tornado mecânica, e os estilos pós-modernos se
empenharam em recuperar a riqueza formal que o modernismo aparentemente descartara.
Esse esforço sem dúvida alguma representou um passo na direção certa, ao voltar-se
para a história, o gosto e o ornamento, e devolveu à arquitetura uma certa concretude. No
entanto, também este movimento rapidamente se atolou em expressões de vulgaridade,
produzindo uma enxurrada de brincadeiras formalistas que mais confundiram do que
inspiraram. O caminho mais promissor para a arquitetura contemporânea é o de um
desenvolvimento que atravesse e supere o modernismo. Isso significa substituir os
métodos mecânicos, letárgicos e medíocres, aos quais o modernismo sucumbiu pela
vitalidade meditativa e abstrata que caracterizou os seus primórdios, de modo a criar
coisas estimulantes para o pensamento que sejam capazes de nos levar ao século XXI. A
criação de uma arquitetura capaz de infundir novo vigor no espírito humano deve abrir
caminho no impasse atual da arquitetura.67
Registradas as críticas e, para encerrar por ora os comentários sobre o conjunto da arquitetura
e do urbanismo pós-modernos, faz-se necessária uma reflexão sobre a arquitetura atual. Está
fora de questão realizar um balanço da produção pós-moderna, já que se busca neste capítulo
em particular estabelecer comparações através das diferenças fundamentais entre o moderno e
o pós-moderno. Contudo, nas linhas que seguem até o final deste capítulo, escolhemos citar
duas características – a partir da bibliografia consultada neste trabalho – que imaginamos de
fundamental importância para a produção da arquitetura e do urbanismo contemporâneos e que
só foram colocadas em pauta após as críticas ao movimento moderno: reflexão histórica e
respeito pelo local de intervenção e seu entorno.
As intervenções pontuais, sucessoras dos grandes planos gerais de urbanismo modernista, em
tese, não deveriam deixar de lado estas duas características sob pena de produzirem
complexos atemporais desvinculados da realidade local, prática que se espalha aos montes
atualmente, de Pequim a Frankfurt; de Chicago a Hong Kong, como se retornássemos à
universalidade de soluções difundida ainda na modernidade. Pensamos que o caminho para a
boa arquitetura e bom projeto urbano esteja na conciliação das disponibilidades da ciência e da
tecnologia e da consideração ao fator memória, contudo, com controle e cuidado para não cair
em exageros tecnológicos ou ortodoxias historicistas superficiais.
67 ANDO, Tadao. Por novos horizontes na arquitetura. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.494.
164
De fato, liberdade para atingir estes objetivos não falta. Desvinculados de doutrinas autoritárias
e verdades absolutas que outrora teoricamente instauraram-se no cenário arquitetônico e
urbanístico, os arquitetos têm, hoje, um campo vastíssimo de possibilidades, caindo sobre eles
o peso de não haver desculpas para a não produção de espaços qualificados.
IBA
Historicamente, o esfriamento da verdade única do Movimento Moderno emerge no bojo das
críticas de alguns importantes personagens já citados em páginas anteriores. O Team 10 nas
figuras de Alison e Peter Smithson e Giancarlo de Carlo aparece de dentro do próprio
Movimento Moderno, ainda na década de cinqüenta. Momentos depois, já na década de
sessenta, Jane Jacobs, Robert Venturi e Aldo Rossi teorizam sobre o novo modo de ver as
questões urbanas e arquitetônicas, agora desvinculadas da funcionalidade, racionalidade,
retidão e da verdade única e ortodoxa outrora defendidas, introduzindo à discussão termos
como vizinhança, complexidade e identidade, inseridos em uma realidade pluralista,
fragmentária e multidirecional.
Meados da década de setenta, Berlim dividida pelo célebre Muro. Embora um expressivo
aumento na construção de unidades residenciais tenha ocorrido durante as décadas de
sessenta e setenta, Berlim Ocidental ainda apresentava problemas de déficit habitacional
decorrentes das conseqüências da Segunda Guerra Mundial, realidade que despertou a
iniciativa da cidade abrigar novamente uma Exposição de Construção que atuasse no sentido
de minimizar esta deficiência e que funcionasse também como elemento promotor para Berlim,
uma propaganda de forte impacto no cenário urbano e arquitetônico mundial.
Entre 1974 e 75 aconteceu um concurso municipal para a construção de residências no bairro
do Tiergarten Sul – região sul do famoso parque e zoológico municipal Tiergarten, na área
conhecida como “Quarteirão Diplomático” por abrigar os edifícios das embaixadas – sob a
coordenação do Conselho de Planejamento, na figura do Diretor de Construções do Senado,
Hans Christian Müller. A iniciativa foi combatida por diversos críticos, dentre os quais, parte dos
moradores de Berlim Ocidental, que tentavam impedir que outra intervenção nos moldes do
165
Hansaviertel, que consagrara a Interbau de 1957, fosse edificada isoladamente, sendo que a
cidade apresentava diversas áreas degradadas que espalhavam-se pelas imediações e bordas
do Muro, que mereciam especiais cuidados intervencionistas68. Assim, a Câmara Municipal de
Berlim, em 1978, aprovou que uma nova Exposição Internacional de Construção utilizasse
diversas áreas da parte ocidental da cidade, dando-lhes novos rumos. As críticas ao modelo de
intervenção ocorrido no processo de reconstrução do novo bairro Hansa e a substituição deste
pensamento pela recuperação de áreas obsoletas de Berlim Ocidental sinalizam um novo modo
de ver a cidade, de natureza fragmentária tipicamente pós-moderna. Lais Bronstein Passaro
bem descreve este momento de mudança de escala projetual nas intervenções berlinenses:
Se antes primava-se por promover exposições que sistematizassem um determinado ideal
urbano a ser reproduzido, agora tratava-se de particularizar o tratamento dos problemas
urbanos segundo distintas solicitações. Se antes almejava-se a criação de uma nova
realidade, agora o enfrentamento da realidade urbana – e de seus problemas – seria o
objetivo desta nova Exposição.69
Um projeto de lei do Senado de Berlim regulamentou, em 1978, a IBA – Internationale
Bauausstellung, ou Exposição Internacional de Construção – segundo alguns pontos diretores
elaborados pelos arquitetos Dietmar Grötzebach e Bernd Jansen. No conteúdo das diretrizes
fundamentais do evento podem-se encontrar importantes características pós-modernas. O
ponto de partida e espinha dorsal da IBA é a tentativa de criar novos pólos de atração para a
parte ocidental de Berlim, a partir de um equilíbrio de investimentos em áreas que
historicamente vinham sendo deixadas de lado.
Importante lembrar que com a divisão física da cidade pelo Muro em 1961, o centro tradicional
de Berlim – Mitte – compreendido pelas imediações da Avenida Unter den Linden ficou do lado
oriental sob comando soviético. À Berlim Ocidental restou por alguns anos a realização de
investimentos para a criação de um novo centro na região dos arredores de Kurfürstendamm,
68 Ghirardo escreveu que o impulso crítico inicial veio dos cidadãos, que, “cansados de viver à sombra de imensas ruínas e lotes vazios deixados pelos bombardeios da Segunda Guerra Mundial e do mais dilacerante Muro, para não mencionar a grave escassez habitacional, no início da década de 70 os moradores começavam a exigir que os políticos fizessem algo a respeito de sua cidade devastada. Com slogans como ‘salvem a cidade arruinada’, ‘o centro da cidade é lugar de morar’ e ‘democracia como mestre-de-obras’, reivindicaram que o tecido urbano se tornasse prioridade política e que novas habitações fossem construídas sem destruir o que restava das velhas”. GHIRARDO, Diane. Arquitetura Contemporânea. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.125. 69 PASSARO, Lais Bronstein. Fragmentos de uma crítica: Revisando a IBA de Berlim. Tese (Doutorado). Escola Técnica Superior D’Arquitectura. Universitat Politécnica de Catalunya, Barcelona, s.d., p.20.
166
com relativo sucesso, posto que hoje, ao longo da Avenida de mesmo nome, localiza-se
efervescente zona de comércio e serviços70.
Desta forma, investir em outras áreas que não a de Kurfürstendamm seria um passo importante
no sentido de injetar ânimo – e evidentemente consideráveis quantias de dinheiro sob a forma
de parcerias com investidores privados – em zonas que historicamente não apresentavam
potencial de investimento exatamente por estarem localizadas em áreas envoltórias ao Muro,
que proporcionava e irradiava ocupações menos nobres, degradação e abandono.
Outros pontos diretores embrionários da IBA foram: a emergente relevância do conceito de
“cidade na cidade”, originário da idéia de que cada área apresentava particularidades e estas
deveriam ser valorizadas – vê-se aqui a importância de Aldo Rossi na crítica pós-moderna com
seu alerta sobre as especificidades dos lugares, antes desprezadas pela tábula rasa
modernista. A base das novas intervenções seria o traçado urbano local existente, a utilização
da estrutura urbana tradicional onde passado e futuro pudessem conviver em parceria, sem
mudanças significativas em sistema viário ou abertura de grandes estruturas monumentais
típicas do Movimento Moderno. Requalificar equipamentos urbanos e principalmente edifícios
residenciais com o intuito de caracterizar a cidade como lugar de moradia traz à IBA algo mais
do que construir novas unidades residenciais, mas sim a prática de restaurar construções já
existentes, adaptando-as a novos usos e, por fim, a participação popular na discussão das
propostas e projetos, criando novos vínculos entre cidadãos e cidade na definição de locais a
intervir, prioridades e programas destas intervenções.
Do ponto de vista funcional, foi fundada em 1979 uma comissão organizadora – a IBA GmbH71
– que tinha como objetivo organizar os concursos arquitetônicos para as áreas pontuais
escolhidas. Os custos operacionais da exposição foram majoritariamente pagos pelo governo
berlinense, com pequena participação do Governo Federal, e o financiamento das obras coube
a investidores públicos, semi-públicos ou privados, dependendo do caso, aumentando a
participação da sociedade civil no processo de intervenção urbana, que neste caso poderia
70 A Avenida Kurfürstendamm – ou simplesmente Ku’damm para os berlinenses – atraiu investimentos estatais durantes anos para sua transformação em ponto central da porção ocidental de Berlim. Mesmo depois da queda do Muro em 1989 a região permaneceu como principal centro comercial e de serviços da capital alemã, perdendo em parte seu protagonismo em meados da década de noventa, com o projeto de revitalização da área da Potsdamer Platz. 71 PASSARO, Lais Bronstein. Fragmentos de uma crítica: Revisando a IBA de Berlim. Barcelona: Tese de Doutorado. Escola Técnica Superior D’Arquitectura. Universitat Politécnica de Catalunya. p.23.
167
acontecer desde a escolha de áreas e edifícios degradados a requalificar, até a participação
como investidores na edificação dos projetos escolhidos pela comissão.
A IBA GmbH funcionou como empresa durante quase uma década, recebendo demandas
populacionais por projetos em determinadas áreas degradadas, organizando concursos
arquitetônicos e realizando licitações para a construção dos projetos escolhidos. Por estar
desde sua criação vinculada ao Senado de Berlim, a comissão encontrou, ao longo do período
em que atuou, inúmeras dificuldades para trabalhar em diversas frentes de trabalho,
especialmente no confronto com os variados zoneamentos e legislações específicas das
regiões por onde atuou e com relação às mudanças políticas que se deram durante os
aproximadamente dez anos em que funcionou, trabalhando desde a batuta de um governo
social democrata até a de um democrata cristão.
Postas as questões operacionais de lado, interessa-nos prioritariamente avaliar as questões
conceituais da IBA e é em uma feliz frase citada por Passaro que concentra o cerne da
exposição: o centro urbano como lugar para viver72. Por décadas, desde o fim da Segunda
Guerra Mundial, diversas áreas permaneceram abandonadas pelo poder público, que visava
regiões mais afastadas para a edificação de moradias que combatessem o déficit habitacional
berlinense. As imediações da Avenida Friedrich – Friedrichstrasse – e áreas ao sul até o bairro
de Kreuzberg, por sua proximidade com o Muro, foram abandonadas de quaisquer
investimentos públicos relevantes e encontraram na IBA a oportunidade de reagir aos anos de
esquecimento (figura 86, p.168). A centralidade destes sítios revela a importância dos mesmos
na configuração espacial do tecido urbano berlinense, e as intervenções nestes pontos mostram
uma mudança de olhar, um maior enfoque para as questões de requalificação de áreas centrais
como áreas potencialmente virtuosas para a dinâmica urbana. Repovoar áreas centrais
esvaziadas oferecendo atrativos projetos indutores de benefícios, trabalhando cada área em
particular, respeitando assim características locais singulares: este foi o principal objetivo da
IBA, inaugurada oficialmente em 1987, dois anos antes da queda do Muro de Berlim.
72 Do alemão Die Innenstadt als Wohnort.
168
Figura 86 – Planta de Berlim e localização da Avenida Friedrichstrasse, do bairro Kreuzberg e do limite do Muro. Fonte: Ein Stück Grobstadt als Experiment Planungen am Potsdamer Platz in Berlin. Frankfurt am Main: Hatje, 1994, p.65.
169
Para realizar seu papel de integração com a cidade existente, a IBA dividiu-se em dois blocos
de atuação: o primeiro chamado Neubau – ou nova construção –, comandado pelo arquiteto
Josef Paul Kleihues, e o segundo, Altbau – restauração – sob a direção de Hardt-Waltherr
Hämer. A novidade neste cenário é a presença da preocupação pós-moderna de recuperar
edificações abandonadas, prática que, além de não ser considerada pelas teorias do
Movimento Moderno, revelava um olhar cuidadoso à preservação da identidade local. Diane
Ghirardo, contudo, critica que as revistas de arquitetura tenham somente olhado com atenção
para os edifícios da Neubau, ignorando projetos da Altbau como a adaptação de velhas
garagens e a reconfiguração de fábricas e galpões sem usos em creches e espaços culturais e
assistenciais73.
Importante notar que foi na complexidade própria das questões urbanas pós-modernas que a
IBA se configurou um exemplo rico de como lidar com realidades diversas inseridas em um
mesmo tecido urbano. Seu resultado está longe de ser a exposição de grandes monumentos
arquitetônicos – característica que melhor se encaixa à Interbau do bairro Hansa – apesar dos
importantes nomes da arquitetura que participaram do seu desenrolar. O ponto principal da IBA,
fato que a destaca como exemplo pós-moderno de intervenção, é o pensar os fragmentos da
cidade levando em consideração suas particularidades mais íntimas, como o gabarito de altura,
os materiais próprios de cada local, a escala e o desenho da quadra, ou seja, utilizar
especialmente Jane Jacobs e Aldo Rossi como capacitadores do olhar na solução dos
problemas urbanos, e a partir deste exercício, visualizar as múltiplas e variadas possibilidades
de solução74 para cada fragmento, cada trecho de cidade e suas respectivas particularidades.
Fato é que as críticas ao Movimento Moderno trouxeram à tona um fundamento básico na
concepção e na prática da IBA: a relação entre o objeto arquitetônico e a cidade na
configuração do termo projeto urbano, mesmo que este tenha, no espaço urbano, a grandeza
de fragmentos. Tal mudança só é possível com a transformação do espaço moderno – universal
e generalista – em lugar, com identidade, contexto e vinculação dos indivíduos que o habitam
com o local de sua inserção.
73 GHIRARDO, Diane. Arquitetura Contemporânea. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.125. 74 Para Passaro, “a fragmentação e pluralidade do discurso terá seu reflexo direto nas intervenções urbanas subseqüentes, tendo sido a IBA a primeira oportunidade concreta de reunir e evidenciar tal situação”. PASSARO, Lais Bronstein. Fragmentos de uma crítica: Revisando a IBA de Berlim. Tese (Doutorado). Escola Técnica Superior D’Arquitectura. Universitat Politécnica de Catalunya, Barcelona, s.d., p.35.
170
O cenário no qual se desenvolve a IBA revela também a mudança de escala que a exposição
acarretou. A cidade desenvolvia seus projetos de reconstrução urbana baseados basicamente
em duas frentes de atuação de natureza quantitativa: na ampliação de áreas periféricas onde
construíam-se grandes conjuntos habitacionais e na reconstrução de áreas centrais baseadas
na demolição de vastas edificações que abriam espaço a novos projetos, caso da Interbau –
nenhuma das duas com características diferentes do modo de atuação modernista. Revela-se
então, com destaque, a participação de Kleihues – arquiteto e professor da Universidade de
Dortmund (1973 a 1994) – como ferrenho crítico da visão modernista de intervenção urbana e
articulador principal da diversidade propositiva encontrada durante a IBA. Segundo Passaro,
Kleihues via com otimismo o fato da grande maioria dos projetos imobiliários para Berlim
durante a década de cinqüenta serem implantados em áreas periféricas da cidade75, pois esta
prática conservou vazios centrais aproveitados durante a IBA que, sob o seu comando,
interrompeu a prática da construção de novos bairros periféricos76 e optou por atuar nos vazios
e nas áreas obsoletas centrais.
A abertura de concursos internacionais para a escolha dos projetos nas diversas áreas de
intervenção da exposição fez com que um grande número de arquitetos de diferentes partes do
mundo participasse do processo da IBA. A diversidade decorrente desta prática garantiu o
resultado esperado por Kleihues no comando da Neubau, onde, dentro de um tecido
historicamente configurado, com escala, gabaritos, recuos e alinhamentos definidos, os
arquitetos puderam mostrar que a arquitetura tem uma capacidade muito forte de variedade de
soluções.
A Altbau ocorreu em duas áreas: os bairros de Luisenstadt e Kreuzberg. A Neubau atuou em
quatro outras áreas: Tegel, Prager Platz, Tiergarten Sul e Friedrichstadt Sul (figura 87, p.171).
Para cada uma delas, eram realizados simpósios, seminários, conferências, reuniões, eventos
com participação de arquitetos, urbanistas, jornalistas, políticos e associação de moradores
locais, cujo objetivo era discutir as potencialidades e principalmente as necessidades de
determinado local, para que desta forma pudessem decidir quais caminhos seguir e onde
intervir, de modo a suprir em grande parte as demandas locais. A prática adotada neste
75 PASSARO, Lais Bronstein. Fragmentos de uma crítica: Revisando a IBA de Berlim. Tese (Doutorado). Escola Técnica Superior D’Arquitectura. Universitat Politécnica de Catalunya, Barcelona, s.d., p.53. 76 Segundo Ghirardo, um fator determinante para a desaceleração da ocupação periférica foi a crise do petróleo de 1973, que levou os berlinenses a “repensar sua dependência do automóvel e o esquema padronizado de zonas residenciais na orla da cidade e locais de trabalho no centro”. GHIRARDO, Diane. Arquitetura Contemporânea. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.128.
171
processo revela a preocupação da comissão organizadora da exposição, com participação da
sociedade civil, na discussão dos rumos e de como particularidades específicas dos locais eram
levadas em consideração no processo de escolha de prioridades. A IBA, portanto, ao longo de
quase uma década, foi cuidadosamente costurando77 no tecido urbano berlinense, a pluralidade
própria da pós-modernidade. Para estabelecer comentários sobre alguns dos projetos,
dividiremos a apresentação dos mesmos em blocos: Altbau e Neubau.
Figura 87 – Foto aérea de Berlim e localização das áreas onde a IBA ocorreu. Número 1, Tegel; 2 Prager Platz; 3 Tiergarten Sul; 4 Friedrichstadt Sul; 5 Kreuzberg e 6 Luisenstadt. Fonte: Google Earth.
77 Ghirardo usa o termo costurar ao tratar da relação entre novos prédios e a história da cidade, e como os primeiros deveriam ser “cuidadosamente costurados no tecido existente”. Ver: GHIRARDO, Diane. Arquitetura Contemporânea. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.128. Lamas, por sua vez, utiliza o termo cerzir, quando escreve que as intervenções da IBA deveriam atuar “cerzindo os vazios da reconstrução do pós-guerra”. Ver: LAMAS, José Manuel Ressano Garcia. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Porto: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p.443.
172
A Altbau constitui, à primeira vista, o ponto de maior ineditismo da IBA por apresentar
conceitualmente a prática da reforma e do reuso de edificações deterioradas. Tal procedimento
em nenhum momento seria posto em discussão pelos arquitetos e urbanistas modernos, tendo
em vista que a apropriação de estruturas já existentes não era uma questão em pauta entre
suas teorias, que visavam a produção do novo a partir de um espaço vazio já configurado ou da
destruição do antigo para a obtenção deste vazio. Os restauros praticados na Altbau foram
experiências interessantes pois, quando completos, áreas decadentes adquiriam novas
dinâmicas e vitalidade, sem demandar transtornos maiores como demolições de edifícios
deteriorados ou deslocamento maciço de população.
As relações próximas dos arquitetos com representantes de grupos de moradores deram ao
processo um caráter de parceria. Como exemplo de intervenção, citamos o projeto do arquiteto
alemão Wilhelm Holzbauer na região de Luisenstadt – proximidades do bairro Kreuzberg. O
local, de quarteirões ortogonais, prédios perimetrais e pátios internos, foi ocupado no segundo
pós-Guerra por galpões e fábricas – que por sua vez, ocuparam também os espaços vazios
internos às quadras – caracterizando um denso tecido urbano. Nos anos seguintes, famílias
com baixas condições financeiras instalaram-se no local que em meados dos anos sessenta,
sofria com a proliferação de cortiços – ocupados especialmente por imigrantes turcos, colônia
típica da região de Kreuzberg78.
O projeto de Holzbauer trabalhou com uma destas estruturas abandonadas que outrora
funcionara como fábrica, adaptando-a ao uso habitacional e dentro deste programa, a variadas
quantidades e opções de apartamentos. Plasticamente o edifício mantém sua estrutura original,
agora acrescida de sacadas e terraços, bem como seu gabarito de altura que mantêm relações
com os demais conjuntos edificados vizinhos. O arquiteto resgatou elementos tradicionais na
composição de seu projeto como a presença de tijolos na fachada – sendo que alguns deles,
pintados, desenham linhas e formas que compõem as empenas – e o fato de reabilitar o uso
dos pátios internos das quadras, antes ocupados por instalações pouco convidativas à
presença de atividades contemplativas, vegetação e lazer (figura 88, p.173).
78 “Kreuzberg era um bairro operário e hoje é o mais animado de Berlim. Nos velhos edifícios, moram famílias turcas, ativistas políticos, artistas e estudantes”. FONSECA-SOURANDER, Letícia. Antigos bairros operários viram redutos charmosos. Folha de S. Paulo. São Paulo, 29 de novembro de 2007. Sobre a ocupação do mesmo Kreuzberg após as atividades durante a IBA, Vicentini registrou: “Na avaliação de todo o processo, em 1987, constatou-se que as áreas de renovação urbana mostraram-se mais econômicas e garantiram a permanência de quase a totalidade da população, inclusive as famílias de origem turca, nos seus locais de habitação”. VICENTINI, Yara. Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas. Desenvolvimento e Meio Ambiente, número 3, janeiro/junho 2001.Curitiba, Editora da Universidade Federal do Paraná, p.14.
173
Figura 88 – Foto do edifício projetado por Wilhelm Holzbauer. Fonte: GHIRARDO, Diane. Arquitetura Contemporânea, uma História Concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.145.
174
A transformação de um antigo e abandonado estacionamento em uma creche é outro exemplo
de atuação da Altbau. Kita, como ficou conhecido o projeto do arquiteto alemão Karl Manfred
Pflitsch79 – uma abreviação de Kindertagesstätte, ou simplesmente creche – era um
estacionamento de quatro pavimentos localizado na rua Schüterstrasse, uma estrutura de
concreto armado que permanecia subutilizada até a intervenção da IBA. A realidade inerte de
uma estrutura improdutiva transformou-se, com um sistema de fechamento de placas pré-
moldadas em forma de grelhas, combinadas com tijolos à vista, em um edifício para atividades
de crianças de três a seis anos, modificando todas as relações na vizinhança de seu entorno80
(figura 89).
Figura 89 – Foto do edifício Kindertagesstätte, creche, projeto do arquiteto alemão Karl Manfred Pflitsch. Fonte: SOBRAL, Elaine & LOPES, Maria Cristina S. Exposição da IBA, em Berlim, abre suas portas ao público. Revista Arquitetura e Urbanismo, novembro 1987, p.84.
79 De acordo com um guia de arquitetura de Berlim: GÜTTLER, Peter, SCHULZ, Joachim, BARTMANN-KOMPA, Ingrid, SCHULZ, Klaus-Dieter, KOHLSCHÜTTER, KArk & JACOBY, Arnold. Berlin Brandenburg – Ein Architekturführer: An Architectural Guide. Berlim: Ernst & Sohn, 1993. 80 Ver SOBRAL, Elaine & LOPES, Maria Cristina S. Exposição da IBA, em Berlim, abre suas portas ao público. Revista Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, novembro 1987, p.84.
175
A Neubau por sua vez foi, ao contrário da Altbau, um palco mais propício para a exposição de
projetos de grandes nomes da arquitetura e do urbanismo. Ghirardo, crítica desta diferença de
interesse entre os dois grupos de atuação da IBA, escreveu que a preferência dos arquitetos
estrangeiros era a participação na Neubau, ficando predominantemente as atividades da Altbau
a cargo de profissionais alemães e especialmente berlinenses – como se esta fosse menos
importante que a Neubau. Segundo a autora, a Altbau pedia um relacionamento maior e mais
próximo com a comunidade envolvida nos projetos e um compromisso mais estreito com a
cidade, sendo a Neubau uma oportunidade de maior liberdade de criação81.
Considerando a crítica de Ghirardo, lembramos porém que toda a origem da IBA esteve
fundamentada na participação da população local na definição de demandas, bem como na
relação dos projetos apresentados com a cidade existente e seu tecido urbano. Muito embora
alguns exemplos implantados apresentem graus diversos de compromisso com as causas da
exposição, a Neubau não foi de maneira geral tão permissiva quanto possamos imaginar, até
porque a comissão organizadora da exposição tinha como função, dentre outras, a aprovação
ou descarte das propostas e projetos. Sobre este enfoque restritivo, Ghirardo escreveu:
Como a habitação social era o principal imperativo nos distritos da Neubau, as diretrizes
da IBA exigiam que os arquitetos projetassem prédios em harmonia com a história e a
tradição da área, especificamente para fazer da continuidade histórica um fator. Certos
modelos não eram desejáveis: as torres anônimas de inspiração modernista e os famosos
Mietskasernen (blocos de apartamentos, literalmente casernas de aluguel) do final do
século XIX foram ambos rejeitados.82
Tegel e Prager Platz foram duas áreas em que a Neubau atuou, porém que não apresentavam
as características de vazios urbanos e zonas abandonadas por conta de proximidade com o
Muro, como as demais áreas onde implantaram-se projetos durante a IBA. Estes dois locais
distam alguns quilômetros da divisa com o antigo lado oriental da cidade, mas mesmo assim
receberam projetos durante a exposição. Na região de Tegel, o arquiteto norte-americano
Charles Moore projetou para a transformação do cais do lago – Tegeler Hafen – um conjunto
residencial com equipamentos culturais e de lazer, levando para a IBA elementos do discurso
de Robert Venturi como as características vernaculares presentes em suas arquiteturas, uma
81 GHIRARDO, Diane. Arquitetura Contemporânea. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.143. 82 Idem, p.129.
176
discussão de origem norte-americana para a qual Moore e Venturi tiveram importância. O
arquiteto austríaco Gustav Peichl projetou uma usina de eliminação de fosfato para purificar as
águas do mesmo lago.
Na área da Prager Platz um conjunto composto por três prédios foi projetado pelos arquitetos
Rob Krier (Áustria), Carlo Aymonino (Itália) e Gottfried Böhm (Alemanha) cujo objetivo era criar
um bloco de residências formado por uma parede contínua – como se os três projetos fossem
na verdade um único – de fachadas diferentes, explorando a capacidade inventiva de cada um
dos profissionais em separado.
Contudo, as áreas onde mais se concentraram os projetos da Neubau foram as de Tiergarten
Sul e Friedrichstadt Sul. A primeira constitui-se o embrião da IBA, pois nesta área o Senado de
Berlim teve a intenção de repetir uma exposição nos moldes da Interbau da década de
cinqüenta, prática brecada pelo protesto de cidadãos – dentre os quais, Kleihues – que
consideravam o modelo do bairro Hansa inapropriado para aquele momento da cidade. São
inúmeros os projetos para o Tiergarten Sul, dentre os quais é possível destacar os prédios de
apartamentos residenciais do italiano Vittorio Gregotti, dos alemães Oswald Mathias Ungers,
Heinz Hilmer, Christoph Sattler, Heinrich e Inken Baller e do francês Antoine Grumbach.
ROSSI NA RAUCHSTRASSE
A participação de nomes críticos do Movimento Moderno nos projetos da IBA reforça as
diferenças conceituais entre o modo de pensar a cidade de Berlim naquele final de década de
oitenta e a maneira apresentada como solução para a mesma cidade nos anos cinqüenta
durante a Interbau da Hansaviertel. O fato de Aldo Rossi participar da IBA, por suas críticas
anteriormente publicadas e seus conceitos de cidade e lugar, tem o mesmo peso das
participações de Walter Gropius, Le Corbusier e Oscar Niemeyer na Interbau. Rossi,
especialmente após a publicação de A Arquitetura da Cidade, em 1966, confirmou-se como um
dos nomes centrais do poli-nucleado grupo pós-modernista. Comentar seus projetos para a IBA
é reforçar alguns de seus principais pontos críticos.
177
O projeto do arquiteto italiano Aldo Rossi no bairro do Tiergarten Sul pode ser visto na Avenida
Rauch – Rauchstrasse – nas imediações do parque Tiergarten e do canal artificial que
desemboca no Rio Spree, o Landwehrkanal. Está inserido em um conjunto de edifícios cuja
implantação e demais projetos foram concebidos pelo arquiteto austríaco Rob Krier, que
convidou Rossi para projetar apenas um dos prédios, localizado na esquina com a rua
Drakestrasse. O conjunto possui um total de nove edifícios residenciais que implantam-se no
perímetro de uma quadra retangular, possibilitando a configuração de um espaço interno sob a
forma de um pátio verde, uma praça relativamente arborizada e de uso comum. Entre os
edifícios projetados por Krier, pode-se observar diferentes características, ou seja, mesmo
quando projetado por um único profissional, o resultado atingido por um conjunto de edifícios é
extremamente variado quando analisamos o objeto arquitetônico em si, seus materiais,
tipologias, arranjos internos, porém único, unificado quanto a diretrizes urbanísticas, gabaritos,
recuos, todos parte de um conjunto de normas e padrões locais (figuras 90 a 101, pp.178 a
184).
O edifício de Rossi possui cinco pavimentos, como todos os demais do conjunto e da
vizinhança. Internamente, apresenta seis tipos diferentes de apartamentos por pavimento, cada
qual com tamanhos e arranjos internos variados. Porém, a maior contribuição que Rossi
proporciona para a IBA está nas paredes externas de seu edifício: tijolos. Ao escolher tijolos
aparentes, Rossi resgata uma tradição típica da arquitetura berlinense que, segundo ele,
caracterizou-se durantes séculos por fachadas de pedras e tijolos não revestidos.
O resgate de componentes históricos – neste caso a simples escolha de um material – pode ser
lido como um dos pontos da crítica de Rossi ao Movimento Moderno. Adequar o edifício e seus
componentes – materiais, cores, texturas – às tradições locais faz com que o conjunto se
aproxime da população, que reconhece nele algo familiar, ancestral. Tal prática nada mais é do
que uma contextualização de um objeto novo à memória de um lugar, no caso, a paisagem
arquitetônica de Berlim. Neste sentido, os escuros tijolos de Rossi – repetidos um ano depois
pelo já citado projeto de Holzbauer e outros tantos construídos pela IBA – mostram-se muito
mais importantes que o arranjo interno de seus apartamentos (figuras 102 a 104, pp.185 e 186).
178
Figura 90: Desenho do conjunto projetado por Rob Krier no Tiergarten Sul. No canto esquerdo superior, o edifício de Aldo Rossi. Fonte: LAMAS, José Manuel Ressano Garcia. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Porto: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p.430.
179
Figura 91: Foto aérea do conjunto projetado por Rob Krier no Tiergarten Sul. Fonte: www.capitalieuropee.altervista.org
180
Figuras 92 e 93 – Fotos do edifício de Rob Krier. Fonte: Pedro Sória Castellano, 2007.
181
Figuras 94 e 95 – Fotos do edifício de Rob Krier. Fonte: Pedro Sória Castellano, 2007.