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Uma placa com a expressão Stop kvetching, de origem ídiche e tra-duzida como Deixe de mimimi, prepara quem entra na sala de reu-niões da Livraria Cultura, em São Paulo, para a chegada de seu CEO, Sergio Herz. O filho primogênito de Pedro Herz, Presidente do Conselho de Administração da empresa, define-se como um lí-der que não está em sua posição “para agradar às pessoas” e conta

que o pai o considera “incendiário”. Na Cultura, começou como estoquista, aos 16 anos, em 1987, quando a em-

presa fundada pela avó, Eva Herz, possuía apenas a loja do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, e contava com menos de 40 funcionários. Apaixonou-se pelo negócio da família, desistiu de ser médico e, fora um breve estágio no gru-po editorial Penguin (Inglaterra), sempre trabalhou na Livraria.

Suas principais inspirações vêm de duas experiências pessoais: o ano de Exército, no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo (CPOR/SP), em que aprendeu “o poder da disciplina e da perseverança”, e os três me-ses de trabalho em um kibutz, em Israel, onde conviveu com pessoas de vários países e pôde “abrir a cabeça”.

Desde 2009 no comando da empresa ─ que hoje possui 18 lojas, além da operação on-line, e conta com aproximadamente 1.500 colaboradores ─, Sergio enfrenta duas crises: a conjuntural, que atinge o país, e a estrutural, com as transformações que a internet vem provocando no segmento de livra-rias. Diante disso, seus planos são dobrar as vendas on-line em cinco anos e ganhar nas lojas físicas com a prestação de serviços, além de operar com uma marca própria de restaurantes e cafés na Cultura, como revela nesta entrevista exclusiva à GV-executivo.

| POR ADRIANA WILNER E ALINE LILIAN DOS SANTOS

EM BUSCA DE UM NOVO MODELO

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HOJE NOSSO MODELO DE LOJA É ENTREGAR EXPERIÊNCIA E ACHAR FONTES DE RECEITA QUE NÃO DEPENDAM DA VENDA DE MERCADORIAS.

GV-executivo: O setor de livrarias so-freu queda de 16,5% no faturamen-to em 2016; a Livraria Cultura, de 8,0%. Como estão lidando com essa situação?

Sergio: Estamos ganhando market share, mas o mercado está encolhendo. O varejo passa por um movimento dis-ruptivo, em que ninguém precisa mais ir à loja física para comprar algo. Com a crise no Brasil, o cenário é um pouco pior: você precisa ter uma loja bonita, em um ponto caro, com gente bem pre-parada, e competir com um depósito em Tocantins, com subsídio fiscal. Como se faz isso? Não faz; a conta não fecha. Fora a competição de preços na inter-net, temos uma economia indexada: o aluguel aumenta todo ano pelo IGP-M [Índice Geral de Preços ─ Mercado], há os dissídios do sindicato, aumento de IPTU [Imposto sobre Propriedade Territorial e Predial Urbana]... Tem de colocar tudo isso na conta sem poder repassar preço.

GV-executivo: Como estão enfrentan-do as crises estrutural e conjuntural?

Sergio: Tudo veio junto; é a tempes-tade perfeita. No entanto, é um bom momento, já que o mercado está tendo de se reinventar. O comércio eletrônico nos fará crescer. A loja física virou um ponto de engajamento de marca, mas oferecer essa experiência ao consumi-dor custa caro. Como financiar isso? Brinco que o novo modelo de loja ─ e já fazemos isso ─ não pode depender da venda de produtos e precisa gerar outros tipos de receita.

GV-executivo: Em quais outras fon-tes de receita estão investindo?

Sergio: Serviços, de galeria de arte a restaurante, como temos no Shopping Iguatemi. Sabe aquelas métricas: ven-da por metro quadrado, rentabilidade...? Esquece. No varejo não cabe mais. Qual é o nosso modelo de loja hoje? Entregar experiência e achar fontes de receita que não dependam da venda de mercado-rias. Estranho, mas é assim.

GV-executivo: Quais são as prin-cipais oportunidades em serviços?

Sergio: Estamos tentando desenvol-ver um modelo de loja que traga cultura e entretenimento; quase um life style. Por exemplo: vou à Livraria Cultura do Shopping Iguatemi porque tem um teatro para a minha filha, posso almo-çar e ver um concerto. Estamos criando todo esse contexto cultural para dispu-tar o tempo livre das pessoas. Também vamos abrir uma operação de comida com a nossa cara. Não será a mesma marca, mas uma submarca. Queremos potencializar a experiência de cafés e restaurantes na loja.

GV-executivo: É uma forma de se apropriar da margem dos cafés e restaurantes?

Sergio: Sem dúvida. Por que a mar-gem fica, entre aspas, para um parcei-ro, e não para a gente?

GV-executivo: A margem diminuiu no segmento de livrarias?

Sergio: Atualmente, o desafio para qualquer varejista é a inteligência

em preço. Levamos a precificação dinâmica da internet para as lojas, que conseguem mudar o valor dos produtos a qualquer hora, conside-rando cada tipo de cliente. Não faz sentido dar desconto na Cultura do Iguatemi, onde a maioria não se in-teressa por preço, diferentemente de quem está no shopping da Pompeia. É outro público. Por que devemos ter o mesmo preço?

GV-executivo: Vocês planejam que, nos próximos anos, cerca de 60% do faturamento corresponda às vendas on-line. Como?

Sergio: Em cinco anos, queremos dobrar o que temos hoje, e, para isso, estamos aumentando a linha de produ-tos. Apesar da crise, a venda on-line de brinquedos, por exemplo, está crescen-do 51% em relação a 2016. Além disso, lançamos uma área de livros semino-vos: se você o comprou há seis meses na Cultura, pode devolver, porque re-compramos. Ninguém faz isso.

GV-executivo: Hoje em dia, mui-tas empresas vendem livros, inclu-sive grandes redes como Extra e Submarino. Como sobreviver?

Sergio: Monitoramos continuamen-te o preço dos top 15 mil livros ven-didos, o que nos ajuda a decidir: aqui vou abaixar, aqui não. Há quatro me-ses fazemos precificação um a um, por cliente. Quando tivermos a plataforma mobile, quem passar perto da Avenida Paulista receberá ofertas com preços especiais das publicações que deseja

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RAIO X Sergio Herz.

Nascido em 1971.

Graduado em Administração de Empresas pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).

Possui Master in Business Administration (MBA) pela Business School São Paulo.

CEO da Livraria Cultura.

comprar. Se naquela loja as pessoas estiverem usando o wi-fi para pesqui-sar no concorrente, poderei baixar os preços dos livros buscados. Estamos criando mecanismos para nos tornar mais competitivos.

GV-executivo: Dessa forma, será possível economizar com frete e logística?

Sergio: O Brasil é um país compli-cadíssimo nesse ponto, principalmen-te pela questão da indisciplina. Minha entrega é até as 22h. O cliente compra no escritório, vai embora às 18h e briga com a gente porque a entrega não foi realizada. Você deixa o produto na por-taria, o cliente reclama que chegamos atrasados. Eu fiz tudo certo e, mesmo com a assinatura do porteiro, para a Justiça, isso não é problema do com-prador, mas nosso. Tudo isso é custo.

GV-executivo: O que mais estão planejando em termos de inovação tecnológica?

Sergio: Criamos o Cultura Insight, um portal de inteligência para nossos fornecedores nos ajudar a administrar as lojas. Oferecemos informações sobre clientes e mercado nas versões free e paga. As editoras estão com a gente no dia a dia e saímos da relação só com-pra e venda. Quero que o fornecedor administre comigo, critique, fale onde estou errando. Também ajudamos edi-toras a fazer seus catálogos, precificar lançamentos, planejar o marketing, etc., como é o caso da Companhia das Letras. Além disso, agora temos um sistema de reposição de estoque com-pletamente robotizado.

GV-executivo: Com isso, o número de funcionários caiu?

Sergio: Sim, hoje somos quase 1.500 colaboradores. Há quatro anos, éra-mos 2.100.

GV-executivo: A imprensa tem no-ticiado que a Cultura negocia fusão/venda com a Saraiva...

Sergio: Também soube disso pela imprensa. Já fui vendido umas quatro vezes, só não recebi dinheiro em ne-nhuma dessas negociações.

GV-executivo: Mas se houver uma boa proposta, vocês vendem a empresa?

Sergio: Dificilmente um empresá-rio no país de hoje se recusaria a ouvir uma proposta de fusão, aquisição ou venda total. Somos abertos em relação a isso. Se Jeff Bezos [fundador e CEO

da Amazon] disser: “Sergio, quero co-nhecer você”, vou ouvi-lo.

Gv-executivo: Qual é o seu diferen-cial como gestor?

Sergio: Não sou um líder para agradar às pessoas. Temos que realizar um traba-lho de longo prazo e estou preocupado com a qualidade. Se não estiver interes-sado, você não estará nesse time. Quero gente comprometida e que acredita no mesmo que eu. Certa vez, vi a palestra de um dos inventores do banco de dados SQL, e ele disse: “Em qualquer time, cerca de 70% das pessoas carregam o

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piano, 10% são estrelas e aproximada-mente 20% não gostam de você”.

Gv-executivo: E o que fazer com os 20%?

Sergio: Esses 20% falam com parte dos 70% que têm menos maturidade, o que pode contaminá-los. Então, o con-selho é: preste atenção nesses 20%. Meu papel de liderança é identificar quem não está a fim de jogar. E não é fácil, porque um CEO recebe as informações filtradas. É preciso achar as estrelas em quem você mais confia e que te entendem.

GV-executivo: Quando identifica es-ses 20%, o que você faz?

Sergio: Desses 20%, alguns acham que é só pisar na bola que será manda-do embora, sairá com o FGTS [Fundo de Garantia por Tempo de Serviço] e todos os prêmios da legislação brasi-leira. Se eu deixar, vira moda. Qual é a política da Cultura? Se o cara não pi-sar feio na bola, ele virá todos os dias e ficará pelo menos oito horas em um

lugar que odeia. Tem maior sofrimen-to que esse?

GV-executivo: E quando as pesso-as vão para as redes sociais, como ocorreu em 2013 com a página “Jeito censura de ser”, no Facebook [que surgiu quando uma funcionária de Curitiba foi demitida após compar-tilhar reclamações endereçadas ao diretor e aos colaboradores pelo cor-reio interno]?

Sergio: Faz parte.

GV-executivo: Como lidar com isso?Sergio: Acredito que foi, talvez, um

dos meus aprendizados mais ricos, por-que, não adianta estar certo, a mentira pega. Era tudo invenção. O sindicato olhou, não tinha nada. Mas isso não é divulgado. Quebramos o sigilo da menina e, depois de quatro anos, ela foi condenada criminalmente. Fomos transparentes o tempo todo. O pro-blema é a empresa não se posicionar. Fizemos queixa-crime contra os sete

ou oito que inventaram isso. Você não pode deixar barato.

GV-executivo: Se acontecesse no-vamente, o que fariam?

Sergio: Não sei se faria muita coisa diferente. O que aprendi: tome cuida-do, porque mesmo você estando 100% correto essas coisas podem acontecer.

GV-executivo: Vocês lidam com um perfil descolado de vendedores, correto?

Sergio: Descolado não tem nada a ver com esse tipo de coisa. Isso tem a ver com educação. Estamos falando da geração millennials, que tem uma visão de mundo um pouco distorcida. Tudo pode, tudo deve, é tudo instantâ-neo. Compra algo e recebe no dia se-guinte, até relacionamento é em prate-leira. O jovem faz isso automaticamente e, ao chegar no trabalho, cadê a instan-taneidade, o não batalhar? Some. Se não for bem preparado, ele se frustra.

GV-executivo: Em 70 anos, é a pri-meira vez que a Cultura tem dire-tores da gestão profissional. Como está o processo de profissionaliza-ção da empresa?

Sergio: O mais difícil não é profis-sionalizar, mas achar a pessoa certa. Contratei muitas pessoas pelo perfil técnico. Foi meu maior erro. Você pode trazer alguém extremamente competen-te, mas se não tiver o DNA da empresa não vai dar certo.

GV-executivo: Suas ideias são ali-nhadas com as de seu pai, Pedro?

Sergio: Metade sim, metade não. Ele fala que, às vezes, eu sou incendi-ário, e ele, bombeiro.

ADRIANA WILNER > Editora adjunta da GV-executivo > [email protected] ALINE LILIAN DOS SANTOS > Jornalista da GV-executivo > [email protected]

O QUE ESTOU LENDO

A Revolta de Atlas, de Ayn Rand“É a trilogia de uma judia russa superliberal. Comecei a ler por causa de uma frase da autora: `Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com

bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em autossacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada”.

Time, talent, energy: overcome organizational drag and unleash your team´s productive power, de Michael Mankins e Eric Garton“Achei interessante porque o livro explora o quanto as organizações sugam seu tempo, seu talento, sua energia e como evitar isso”.

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