E ES. MARCO AURÉLIO SANTOS CAMINHA minha mãe, e se casaram. Foram várias comarcas que ele...
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ENTREVISTA:DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA*
MEMORIAL
Boa tarde, Desembargador. O senhor é natural da onde?
ENTREVISTADO
Sou natural de Soledade. Nasci em 30 de janeiro de 1948, quando o
meu pai exercia a judicância naquela cidade. Saí de Soledade ainda criança.
MEMORIAL
Quando o seu pai entrou na Magistratura?
ENTREVISTADO
Na década de 40. Ele casou em 1943, foi início da década de 40.
Começou a jurisdicionar, se não estou enganado, São Sebastião do Caí. Lá,
conheceu minha mãe, e se casaram. Foram várias comarcas que ele atendeu.
MEMORIAL
Recorda onde ele estava quando terminou o Estado Novo em 1945
e houve o período do Governo dos Juízes na cidade?
* Entrevista concedida ao historiador Gunter Axt e à Coordenadora do Memorial do Judi-ciário Mary Biancamano, em 16 de março de 2005, na Sede do Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul. Degravação do Departamento de Taquigrafia e Estenotipia do TJRS. Textualização Daliana Amaral Mirapalhete.
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Entrevista
ENTREVISTADO
Estava em Gravataí.
MEMORIAL
E ele chegou a administrar a cidade também?
ENTREVISTADO
Chegou a administrar.
O pai conta que eu tive uma irmãzinha nascida entre eu e o meu
irmão mais velho, a Verinha. A Verinha teve leucemia, e, na época, não
havia recursos, era muito difícil, e o pai, como Juiz de Gravataí, residia
numa casa que ficava na ponte do Rio Gravataí, na ponte velha. Para
quem vinha de Gravataí para Porto Alegre, a casa ficava bem na beira do
rio à direita, um sobrado de dois andares. Ali era a residência do pai, e
ele contava que, muitas vezes, quando vinha a Porto Alegre, passava pela
casa e via a minha mãe com minha irmã no colo se emocionava. Por fim,
faleceu a Verinha.
Mas ele exerceu interinamente a Prefeitura de Gravataí.
De Gravataí deve ter ido para Soledade.
MEMORIAL
O senhor fez os estudos primário e secundário em Soledade?
ENTREVISTADO
Não. Saí de Soledade pequeno. A carreira do pai foi: Soledade,
Taquari, Taquara e Santa Maria e depois Porto Alegre. Em Santa Maria,
comecei os meus estudos fazendo o Jardim de Infância que havia na época
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no Colégio Santana das irmãs, bem em frente de casa. Entrei no 1º ano
primário no Colégio Olavo Bilac em Santa Maria. Estava no 1º ano quando
o pai foi promovido para Porto Alegre, e viemos morar na Rua Gonçalo
de Carvalho, e continuei os estudos no Grupo Escolar Argentina. Depois,
nos mudamos para Petrópolis, e passei a estudar no Grupo Escolar Dona
Leopoldina. Lá em casa havia este hábito: o primário, obrigatoriamente em
colégio púbico; o ginásio, cada um escolhia onde quisesse fazer. Concluí
o primário no Dona Leopoldina e depois fui para o Rosário, onde fiz o
ginásio, o clássico e depois passei no vestibular na PUC. Em 1971 me
formei em Direito.
MEMORIAL
E como é que foi a decisão de ingressar na Magistratura?
ENTREVISTADO
Desde antes da faculdade. Na época, a gente estudava à noite, e
eu ia de carona com um colega de clássico, o Amir Sarti, que tinha car-
ro; ele me apanhava em casa, e íamos para a faculdade, eu morava perto
e voltava com ele também. Ele sempre me convidando para trabalhar na
advocacia – o pai dele tinha escritório em Canoas –, e eu sempre dizendo
para ele que não, porque ia para a Magistratura, e tentava convencê-lo
a fazer concurso. Mas ele dizia: “Caminha, não; não gosto e vou para
a advocacia. Vamos lá, Caminha!”. Volta e meia, discutíamos, cada um
defendendo o seu ponto de vista. Pois bem, ele fez concurso para Juiz de
Direito, passou e não assumiu. Foi para a advocacia.
MEMORIAL
E por que ele não assumiu, Desembargador?
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Entrevista
ENTREVISTADO
Pelo gosto pela advocacia.
O Amir fez o concurso depois da minha aprovação para a Magis-
tratura, e eu fui para o Interior. Então, esporadicamente a gente conversava.
Um dia, ele me telefona e disse: “Caminha, tu nem sabes, fiz concurso para
o Ministério Público Federal”. Eu disse: “O que houve, Amir, tu nunca
quiseste?”. “Não, Caminha, é que resolvi fazer pela segurança, pois tenho
duas filhas, e o escritório tem despesa constante. Se eu adoecer, como vou
fazer? Tenho medo dessa insegurança”.
O Amir é, das minhas relações, o único homem que conhece o
Direito pelos três pólos. Foi Procurador de Justiça e foi promovido a
Subprocurador em Brasília; em razão da família, permaneceu em Porto
Alegre. Na condição de Procurador, integrou o Tribunal Regional Federal
da 4ª Região, pelo Quinto Constitucional. Mostrou-se um excelente
Juiz. O Amir é um homem que, como advogado, foi vitorioso; como
Procurador da República, se saiu muito bem; foi Chefe da Procuradoria
Regional da República aqui e, como magistrado federal, também deixou
marcado o seu nome, e, além de tudo, é processualista.
De sorte que a vida deu voltas, e aquele advogado que me convi-
dava para advogar, no fim, se tornou meu Colega e agora está aposentado
e voltou para a advocacia. E eu toda a minha vidinha na Magistratura.
Gostei de fazer a partir de ver o meu pai trabalhando. Verdade seja dita
que, na época dele, embora a quantidade de processos fosse infinitamente
menor, as condições de trabalho eram infinitamente piores: não havia
computador, não havia taquigrafia nas sessões, não havia jurisprudência
com índice, as revistas não possuíam índice. Em síntese: as sentenças
eram datilografadas pelo Juiz, os acórdãos redigidos pelo Juiz, pelos De-
sembargadores, a comunicação, muito difícil. Apesar de tudo, ingressei
na Magistratura.
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MEMORIAL
A dificuldade de comunicação a que o senhor se refere era a judicial?
ENTREVISTADO
Não, telefone. No caso do Interior, o trânsito nem se fala, porque
não havia quase asfalto; as distâncias, que hoje são próximas, naquela
época, eram muito grandes. Era uma viagem muito grande daqui a Santa
Maria por exemplo. Hoje, é questão de duas horas. Graças às estradas e
aos veículos de locomoção, as distâncias se aproximaram.
MEMORIAL
O senhor falou na família. Nessa sua andança pelo Interior – o
senhor tem dois filhos –, como o senhor viu a família se adaptando a essa
vida no Interior? E como eles viram isso?
ENTREVISTADO
Uma dúvida muito grande que tive, e isso eu confesso, era saber se
a minha esposa iria adaptar-se no Interior. Por quê? Porque a Lia nasceu
e se criou em Porto Alegre. Aos 18 anos, passou a dirigir, possuía carro e
se locomovia por toda a Porto Alegre . Em 1972, o pai dela faleceu, com
54 ou 56 anos, e, em 1974, casamos. Quer dizer, era uma menina que saía
da Capital para o Interior. E fomos para Antônio Prado. Lá, às 6 horas,
a Igreja, pelos alto-falantes, começa a tocar músicas italianas, do Interior,
e não foi uma, nem duas vezes, que eu, chegando do foro, encontrava ela
chorando na peça mais longe da casa para não ouvir as músicas do padre.
Aí fui falar com o padre para parar de tocar música. Olha, armei um
banzé com o padre que o Corregedor-Geral, o Des. Veloso, me chamou,
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Entrevista
pedindo que eu parasse de brigar com o padre, porque a música do padre
era muito mais antiga na cidade do que eu. No final, fizemos um acordo
para diminuir o volume das músicas.
Mas, superado esse primeiro momento, a Lia se adaptou muito bem.
Assim, o que ocorreu na nossa vivência? Ela entrava numa comarca nova
chorando de saudades daquela que ela deixou. Assim, em Antônio Prado,
chorava de saudades de Porto Alegre; depois, em Farroupilha, sentindo
saudades de Antônio Prado.
Em 1º de janeiro de 1974, feriado, eu estava em Erechim assumindo
como Juiz-Adjunto a 3ª Vara, e, junto comigo, assumiram na comarca o
Apody dos Reis e o Luiz Gonzaga de Assis. O Apody dos Reis era o mais
velho, era casado com a Dona Tuca, já com três filhos, e o Gonzaga e eu,
solteiros, nos hospedamos no Hotel Parente e, quase em todos os fins de
semana, passávamos com o Apody e a família. Assim, nos sentíamos mais
protegidos, mais albergados. Muitas vezes, de Erechim, eu pegava o avião
da empresa Sadia que fazia a rota Chapecó/Erechim/Porto Alegre. Às ve-
zes, sábado à tarde, dava saudades da noiva, pegava o aviãozinho e ia para
Porto Alegre e voltava na segunda de madrugada. Outras vezes, sexta-feira
à noite, pegava o ônibus e vinha para Porto Alegre e retornava domingo
à noite. Eu não dormia no ônibus, passava a viagem inteira acordado e
chegava cansado. E um dos Promotores da comarca – o outro era o Phídias
Alt Bortowsky –, o Vasco Della Giustina, que agora é Desembargador,
me disse que tinha uma boa solução para mim: um comprimidinho, um
calmante leve que faz dormir e chegar bem. Então, resolvi experimentar
o tal calmantezinho e passei a viagem toda acordado. Cheguei em Porto
Alegre, me deu um sono e passei o dia inteiro dormindo, e a minha noiva
ficou braba comigo, porque eu tinha ido visitá-la e passei o dia todo dor-
mindo em casa. Foi o comprimidinho do Vasco que fez isto. Nunca mais.
Fiquei em Erechim até maio de 1974. No mês de abril, começou
a fazer aquele frio, e, numa daquelas idas ao foro, o Luiz Gonzaga, que
era magrinho, me disse: “Caminha, se continuar esse frio,” – ele é mi-
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neiro – “arrumo as minhas malas e volto para Minas”. Passou o tempo, e
o Gonzaga jurisdicionou várias comarcas, casou com uma menina de São
Sepé e depois fez concurso na Justiça Federal de Minas Gerais e atualmente
é Desembargador do Tribunal Federal de Brasília, que abrange a região.
Mudou o nome – uma vez me disse que o nome dele estava trocado – e
passou a se chamar Luiz Gonzaga Barbosa Moreira.
Em julho de 1974, estava-me preparando para casar e comecei a
procurar apartamento em Erechim. Eram caríssimos os aluguéis, e o in-
teressante é que os apartamentos eram alugados completamente desmobi-
liados, inclusive sem pia na cozinha. Então, comprei uma pia, mas estava
desgostoso com o valor do aluguel. Então, vi que havia vaga em Antônio
Prado e pedi designação. O meu pedido foi deferido, e assumi em Antônio
Prado em junho. A pia de Erechim eu vendi para o Juiz de Direito que foi
pra lá, que foi o Ivo Gabriel da Cunha. Em julho, casei e voltamos para
Antônio Prado. Em agosto, recebi o presente do Desembargador-Presidente
da época, Munhoz, que me designou em regime de exceção para atender
Vacaria de agosto até dezembro. Então, recém-casado, saía de Antônio
Prado nas terças e voltava nas quintas. A Lia tinha receio de ficar sozinha
na casa – era grande a casa da AJURIS – e, então, ficava na companhia da
Dona Terezinha, que era Tabeliã e esposa do Escrivão Judicial, Dr. Cláudio
Policarpo Bochese. Assim foi até terminar o regime de exceção. E a Lia
sempre lecionou; durante todo o período em que estivemos no Interior
do Estado, ela sempre lecionou, porque a vocação dela é o magistério.
Em 1975, havia um anteprojeto do COJE que suprimia uma en-
trância, ficando em três. Procurei os Desembargadores conhecidos e per-
guntei se havia a possibilidade de passar o projeto, e me garantiram que
havia forte possibilidade. Na época, jovem, recém-ingresso na Magistra-
tura, o que eu queria fazer? Trabalhar, mostrar serviço. Antônio Prado
tinha 68 processos, desses, quarenta e poucos eram processos de jurisdição
voluntária, ou seja, processos em que não há contenciosidade, estavam
apenas aguardando a ida do Promotor, que seria intimado, e arquivados.
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Entrevista
Em Farroupilha, havia um bom volume de trabalho. Então, pedi designação
para Farroupilha e fui designado, e lá chegamos em 5 de julho de 1975.
A casa que eu havia alugado estava aberta, não estava pronta, e ficamos
na rua. Era nosso primeiro aniversário de casamento, e nós sem casa, sem
nada. Nem sabia se havia hotel na cidade. Eis que me aparece o Dr. João
Pedro Cavally, pai do Cavally Júnior, que nos acolheu em sua casa. No
dia seguinte, terminaram a obra da casa, descarregaram o caminhão e co-
meçaram a trabalhar.
Passei a frequentar aqui em Porto Alegre, na Universidade Federal,
um Curso de Especialização em Direito Penal nas sextas à noite e sába-
dos pela manhã. Então, todo final de semana, saíamos de Farroupilha e
vínhamos para Porto Alegre para voltar sábado à tarde para lá. E assim
passou o tempo.
Na serra, sempre há serração; e, uma vez, a minha sogra foi nos
visitar, e eu fui mostrar a cidade para ela, havia uma serração fechada, e
mostrei a ela o edifício do foro. Ela perguntou: “Esse de dois andares?”.
Não, ele é de sete andares, mas só apareciam dois, porque os outros esta-
vam tapados pela serração. Voltamos para casa, não dava para ver nada.
Em dezembro de 1975, eu estava no Foro e recebi um telegrama,
comunicando que eu havia sido aprovado na prova para Juiz de Direito.
Como agora é Juiz Substituto, na minha época era Juiz-Adjunto. Passa-se
de Juiz-Adjunto para Juiz de Direito. Eu havia sido aprovado no cargo
de Juiz de Direito e deveria assumir a Comarca de Jaguari. Antes, tentei,
junto ao Tribunal, que me mantivessem em Farroupilha até ser promovido
à 2ª entrância, porque aquele projeto do COJE não passou, foram mantidas
as quatro entrâncias. Mas a negativa foi peremptória, e fui para Jaguari.
No dia em que recebi o telegrama, ao chegar em casa, a Lia me
levou até o quarto para mostrar umas cortinas novas que ela colocou, e
aí eu entreguei o telegrama para ela. Ela abriu e disse: “Eu já estava com
vontade de me mudar mesmo, já estava enjoada daqui”. Tiramos as cortinas
novas e nos mudamos para Jaguari.
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E neste ponto nós comungávamos: chegava um tempo em que eu já
começava a querer sair, tanto que a Comarca que mais fiquei foi Gravataí,
nela permaneci por quatro anos: de 1981 a 1985.
Aí, então, Antônio Prado, que eu nem sabia onde era. Lembro
muito bem do Colega Válcio Peixoto que me disse, quando tinha sido
designado para atender Antônio Prado: “Vai para casa, pega a Lia, abre
um champagne e brinda. Tu vais gostar demais da comarca”. E realmente
fui para lá e gostei. É uma colônia italiana na região oeste, um povo ex-
tremamente alegre, educado, respeitoso, trabalhador, brincalhão, gostamos
muito de Jaguari. Até havia o lado romântico, porque Jaguari era atendido
por trem, então, duas ou três vezes em que viemos a Porto Alegre viemos
de trem. Vagão leito, é muito legal, muito gostoso, é pena que a gente não
tenha cultura para esse tipo de transporte. Tinha o trem Húngaro, que
não tinha nada a perder para um avião, limpo, ar condicionado, serviço
de bordo maravilhoso, é uma pena.
Em 1975 a Lia engravidou, e havia um médico, o Dr. Voltaire, que
era jovem e atendia a Lia. Quando chegou próximo da data de nascimento,
fui no consultório dele, todo sem jeito, para dizer a ele que eu ia trazer a Lia
para Porto Alegre para ganhar o nenê, porque lá estávamos só nós dois, era
ano eleitoral, e eu estava preparando a eleição de Jaguari, São Vicente, Mata,
São Pedro. Então, era uma correria terrível, e não dava para eu atender a Lia.
Eu não sabia como conversar com o Voltaire, e ele disse: “Cami-
nha, tu vieste aqui e não sabes como vais-me dizer que vais levar a Lia
para Porto Alegre”. Disse: “É isso mesmo, Voltaire”. Aí ele disse algo de
que nunca esqueci: “As mulheres na colônia parem os seus nenês à beira
da horta, na roça, embrulham a criança num pano, a colocam na sombra
da bananeira e voltam a trabalhar na roça. Nós, para as nossas mulheres,
rodeamos de todo o cuidado, de todos os recursos, porque são delicadas,
a gente fica com medo. Mas o parto é isso, não tem nada de mais. Agora,
o parto é como maionese: quando desanda não junta mais. Daí por que
compreendo, leves a Lia para Porto Alegre”.
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Entrevista
Fomos para Porto Alegre, e naquela correria na época das eleições,
chegou dia 31 de outubro, eu disse que iria ver a minha mulher, poderia
ser que meu filho nascesse logo, imaginando que fosse para início de no-
vembro. Peguei a minha Brasília e fui embora. Disse aos Escrivães que eu
estava indo para Porto Alegre e que só em caso de extrema necessidade me
chamassem; caso contrário, resolvessem da maneira que entendessem melhor.
Quando cheguei aqui, a minha mulher estava aflita, liguei para
o médico, que mandou levá-la para o hospital. Levei-a para o Hospital
Moinhos de Vento no dia 31 de outubro, e o nenê nasceu antes da meia-
-noite. Eu havia, no hospital, estacionado a Brasília entre uma árvore e
outro carro e, quando fui sair, não consegui tirar o carro. Não sei como
estacionei ali.
Voltamos para Jaguari em final de dezembro, onde, então, passa-
mos Natal e Ano Novo. Logo que chegamos em Jaguari, deu um ataque
de cólicas no Marco Aurélio e chamamos o Voltaire. A primeira coisa que
ele disse quando entrou foi que a criança era a cara da Lia. Eu disse a ele
que em Porto Alegre todos diziam que era a minha cara.
Ficamos em Jaguari e depois fomos para Osório.
MEMORIAL
Quando?
ENTREVISTADO
Acho que em 1977, porque em 1978 nasceu a Liane, e, quando
ela nasceu, estávamos em Osório.
Osório era interessante, o Juiz era Itamar Duarte, casado com a
Dona Marisa, o Artur e a Marina. A Marina agora é Juíza Federal e o
Artur é Assessor aqui no Tribunal. Foi a Comarca que mais nos marcou
pela atividade social, foi onde comecei a praticar e a freqüentar o Centro
de Tradições Gaúchas. Numa oportunidade me fizeram uma bombacha,
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porque ia acontecer o baile de debutantes de prendas. Vim comprar botas
em Porto Alegre e comprei uma de motoqueiro, com cano duro e fecho
por dentro; quando a calcei com a bombacha, me olhei no espelho: eu
parecia um cossaco. Disse, então, que não ia mais ao baile com a roupa
daquele jeito. A Lia disse: “Agora tu vais”. Cheguei todo envergonhado e
desconfiado no baile. Que coisa horrorosa!
Em Osório que fiz uma inspeção judicial. Havia uma área grande
do Estado protegida da Serra do Mar que estava sendo desmatada, e tínha-
mos que fazer uma inspeção judicial. Levamos um dia inteiro para subir e
descer aquele morro, e no fim tudo foi infrutífero, porque entramos por
Osório, e a invasão estava sendo feita por São Francisco de Paula. Mas,
como experiência, valeu.
MEMORIAL
Não era da sua jurisdição?
ENTREVISTADO
Não, era da Comarca de São Francisco de Paula. E não dava mesmo
para ir, porque era muito distante a àrea conflitada.
Chamava muito a atenção o fato de haver muitos processos de
ações possessórias, pois, naquela época, começava a despertar o inte-
resse pelo litoral. Então, aquelas áreas de beira de praia, de cômoros de
areia, não valiam nada, não tinham valor venal nenhum e trocavam por
parelha de bois, por carroça puxada a cavalo, e eram extensões boas.
Começou a haver o interesse imobiliário, e havia vários posseiros antigos,
e os adquirentes dessas áreas iam lá, manu militari, querendo tirar os
posseiros, que começaram a ingressar em juízo para serem mantidos na
posse. Era muito interessante isso. Na época, Osório abrangia da divisa
de Tramandaí até Torres. Aquelas áreas todas eram muito disputadas.
Então, havia bastante trabalho decorrente disso. Também já naquela
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Entrevista
época, Capão da Canoa apresentava um bom número de casos, muita
ação de alimentos.
Ao se percorrer o Brasil de Norte a Sul, pode-se ver que o pessoal
litorâneo é indolente. Veja o baiano, o nordestino, o carioca, o santista e
o gaúcho. Na volta da casa dos nativos gaúchos do litoral não há horta.
Saindo dali e indo para a colônia italiana, para a colônia alemã, vamos ver
que eles aproveitam qualquer espaço. Interessante, já que estou falando de
italiano, em Antônio Prado, eles plantavam nas encostas dos morros. Era
impressionante. Havia um advogado que dizia que eles “plantavam milho
a tiro e colhiam a laço” nas encostas do morro. É verdade. Eles largavam
a semente ali, depois se amarravam em árvores com corda e desciam para
colher o milho. A coisa mais espantosa!
Lá em Osório, litoral, Capão da Canoa, a dificuldade era muito
grande para conciliar na ação alimentícia. A primeira alegação de um pai
era a de que era pobre, não tinha dinheiro.
Foram muitas as situações, como a da pessoa querer negar paterni-
dade e a mulher desmentir na frente, na cara dele, e ele não saber como
sair dali.
MEMORIAL
E o crime?
ENTREVISTADO
O crime, em Osório, não tinha uma expressão maior, eram delitos
de pouca lesividade, lesão corporal, briga. O que possuía maior expressão
era o problema com os menores, principalmente em decorrência da free-way.
Na época, eu era encarregado da Vara de Menores, e, na Rodovi-
ária, havia um Comissário de Menores e, na Polícia Federal, outro. Todo
menor que era encontrado na free-way perambulando, pedindo carona, o
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policial rodoviário recolhia e entregava neste posto da Rodoviária, para
este funcionário, que colocava o menor no ônibus da UNESUL, que vinha
de Osório e só parava em Porto Alegre. Aqui, em Porto Alegre, o pessoal
recebia e encaminhava o menor.
Havia casos pitorescos. Num sábado à tarde, eu estou em casa,
e chega uma senhora com três crianças, dizendo que queria entregar os
filhos. Eu disse a ela: “A senhora espere só um momentinho”. E ela me
perguntou: “O que o senhor vai fazer?”. Eu disse: “Nós vamos trocar.
A senhora leva os meus, e eu fico com os seus”. Ela não entendeu muito
a brincadeira, mas foi embora com os filhos.
De Osório, fomos para Soledade, em 1979.
MEMORIAL
Em Soledade muda o perfil?
ENTREVISTADO
Muda o perfil. Soledade é tipicamente o chamado “pêlo-duro”, é o
brasileiro. Quem me antecedera, em Soledade, foi o Des. Stefanello. Então,
passei a ocupar a casa da AJURIS que fora ocupada por ele e fui promovido
para a 1ª Vara do Júri. Não gosto de fazer júri, nunca gostei de fazer júri,
com todo respeito aos criminalistas e penalistas, porque eu não confio nas
decisões do júri, que eu entendo ser um teatro. Isso depende de quem atua
melhor no palco. Para esse lado se inclina a decisão.
Com todo o respeito aos penalistas e criminalistas, muitas vezes
uma decisão é injusta, porque o colendo corpo de jurados se impressionou
mais pelo brilhantismo da acusação ou da defesa.
Mas, com tudo isso, fiz júri em Jaguari, fiz júri em Soledade. Foram
as Varas em que eu fiz júri. Em Soledade, fiz mais de 10 júris e sempre
neste espetáculo. Houve alguns casos interessantes.
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Entrevista
Passando isso, assumi sozinho, porque estava vaga a 2ª Vara. Por
estar vaga a 2ª Vara e jurisdicionar menores, Direção do Fórum e Execuções
Penais, que é o que eu gosto de fazer, pedi remoção. Aí, foi promovido
para a 1ª Vara o Silvestre Jasson Ayres Torres, agora aposentado, belo
Colega, casado com a Dona Nair e tinha os três filhos.
Em Soledade, muda o perfil na área do crime. Também em Soledade
havia muitas ações de usucapião, ações de reparação de responsabilidade
civil, muito processo penal, aí já envolvendo arma de fogo.
Interessante, na colônia italiana, as brigas normalmente aconte-
ciam quando, por ocasião dos encontros de final de semana, nos salões
paroquiais, eles tomavam vinho e brigavam usando faca. A arma era no
máximo uma faca. Raríssimo era aparecer revólver. Se aparecesse era cali-
bre 22, mas muito raro. Via de regra, quando ocorria uma lesão, era por
faca, arma branca.
Em Soledade, já mudou a característica. Era revólver, arma de fogo,
e calibre grande, 38.
MEMORIAL
Era mais violento.
ENTREVISTADO
Era mais violento. Eu dizia para todos que ainda bem que eles não
sabiam atirar, porque, senão, Soledade já estaria com a metade da popu-
lação. Eles descarregavam o 38 e não acertavam em ninguém. Era tudo
tentativa de homicídio. Davam tiro e não acertavam ninguém. Feriam, e
havia muita briga, mas o corpo de advogados era muito respeitoso. Eles
tinham os problemas entre eles, mas não deixavam o problema refletir no
Judiciário. No Foro, havia respeito aos Juízes, ao próprio prédio, à própria
instituição; embora as desavenças pessoais, eles não as levavam para dentro
do processo.
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Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha
MEMORIAL
Em Soledade há uma associação.
ENTREVISTADO
É a Associação da Família Forense de Soledade. Criação do Jasson,
ele quem a fundou. Reúne todos os segmentos do Fórum: servidores,
advogados, Promotores, serventias extrajudiciais. No ano passado, recebe-
ram a doação de um terreno da irmã de um Desembargador, onde será
construído um prédio próprio para a Associação.
Todos os anos, a Semana Farroupilha é muito comemorada, cada
dia há um evento.
MEMORIAL
Já há o convite para a abertura deste ano do Seminário paralelo
que acontecerá na Semana Farroupilha.
ENTREVISTADO
Eles vão fazer o Seminário.
Eu estava em Soledade em 1979 e 1980. Em 1980, o Coradine,
o Gerente do Banrisul, na Semana Farroupilha, colocou todos os fun-
cionários, do serviçal ao gerente, pilchados, homens e mulheres. Lembro
que, na época, o Governador era Amaral de Souza, que estava em viagem
a Passo Fundo, e alterou a agenda para passar em Soledade, para ver os
funcionários do Banco do Rio Grande do Sul que estavam pilchados.
O uso da pilcha, da bombacha, em Soledade, é muito disseminado,
mas os comemorativos da Semana Farroupilha, que, até então, se resu-
miam apenas a um desfile no dia 20, a partir desse trabalho do Coradine,
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Entrevista
passaram a ser tradição em Soledade. Todos os funcionários das agências
bancárias, do próprio Fórum, na Semana Farroupilha, trabalham pilcha-
dos, sempre com eventos alusivos. Movimentou a cidade de uma maneira
impressionante. O trabalho do Seu Coradine ficou marcado.
Um dia, ao chegar em casa, vindo do Fórum, na hora do almoço,
eu disse para Lia que havia lido, no Diário Oficial, ter vagado Gravataí, e
ela me perguntou por que eu não pedia remoção. Quando ela falou isso,
vi que ela queria ir para Gravataí.
Pedi remoção, e fomos para Gravataí em 1981. O Marco Aurélio
lá começou a frequentar o Jardim de Infância, o Pré e, depois, o 1º ano,
e a Liane começou no Pré, no Colégio Dom Feliciano.
Em Gravataí, em 1982, eu presidi uma eleição para Prefeito. Foi o
ano em que houve maior número de eleições. Era a votação para Presidente
da República, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual, Vereador,
Prefeito,... Foi uma eleição extraordinária. Eu recebi a jurisdição eleitoral,
eram os meus Colegas o Élvo Pizatto e a Maria Luísa Dexheimer. O Pizatto
respondia pelo eleitoral. Em junho, julho, ele largou o eleitoral em pleno
processo, eu assumi, e, graças a Deus, deu tudo certo.
Nós ficamos em Gravataí até 1985.
MEMORIAL
E o perfil de Gravataí?
ENTREVISTADO
Gravataí tem o perfil muito violento, muito serviço em todas as
áreas, na área cível, na área criminal, na área de família. Havia uma onda
de assaltos muito grande, roubos, assaltos a residências, era clima de ci-
dade grande.
297
Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha
Num dia, chegou um Delegado em Gravataí, que havia sido con-
denado por abuso de autoridade em Porto Alegre. E a pena acessória para
tal delito era não exercer a atividade na sede onde cometeu o delito, daí
por que ele foi designado para Gravataí. Um dia, ele foi ao meu gabinete, no
Fórum, dizendo que Gravataí estava com alto índice de criminalidade – real-
mente estava –, e se dispunha a fazer uma limpa na cidade, mas precisava
de apoio do Judiciário.
Aí, eu disse: “Delegado, eu sei por que o senhor veio para Gravataí”.
Ele me disse que tinha sido injustamente condenado. Eu disse: “Aconte-
ce que o senhor foi condenado, e a pena acessória é esta: não exercer a
atividade no local do delito, e foi abuso de autoridade. Vou falar com
os Colegas, se eles aceitarem, voltamos a nos reunir”. Falei com o Élvo,
com a Dra. Maria Luísa, que se manifestaram pela incerteza em razão da
personalidade do Delegado.
Eu disse que eu havia conversado com ele, disse-lhes que nós não
queremos confissão do réu, só queremos prova testemunhal e material, não
precisa o réu confessar, e que ele disse que não vai fazer nada.
Ele começou a trabalhar e a prender gente, prendendo em flagrante,
pedindo preventivas, e os advogados impetrando habeas corpus no Tribunal.
Nós tínhamos que homologar flagrante, ou não, decretar preventiva, ou não,
sempre responder aos habeas corpus, e, claro, processar réu preso. A par de
tudo isso, ainda havia a área de família, alimentos, separações, etc.
Nós três suamos sangue, mas foi uma limpa. Gravataí ficou cal-
ma, em paz, e até fez com que aqueles possíveis forasteiros que quisessem
assaltar em Gravataí pensassem melhor e não fossem.
Foram dois ou três anos assim, o tempo em que estive lá, foi
tudo muito bom. Depois, o Delegado saiu, e começou a recrudescer a
criminalidade.
Em agosto de 1985, nós viemos para Porto Alegre. Até final de
1986 ou segundo semestre de 1986, fui Juiz Substituto. Atendi várias Varas:
Vara de Família, de acidente de trânsito, várias cíveis, o Foro Regional do
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Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça & História
Entrevista
Alto Petrópolis, o Foro Regional da Tristeza, até que consegui classificação
na 7ª Vara Civil, onde fiz toda a 4ª entrância. Era o melhor Cartório de
Porto Alegre, sem dúvida nenhuma, e, quando estive lá, era do Sérgio
Araújo. Sempre o mesmo volume de serviço, com uma organização que
era uma beleza.
Houve também casos pitorescos. A Lia sempre foi professora. Certo
dia, eu tinha um júri para fazer em Soledade, marcado para as 8h30min e,
como de costume, às 7h30min, Dona Lia pegava os seus livros e ia para
o Colégio. Nós, com duas crianças em casa e sem empregada, mas havia
uma senhora que ia ficar com as crianças, mas já eram 8h5min, 8h20min,
e nada de ela chegar. Só o que faltava era eu não poder fazer o júri.
A Liane tinha 8 ou 9 meses, meu filho tinha quase 2 anos. Levar comigo
eu não poderia. Liguei para o Fórum e pedi ao Oficial de Justiça levar a
Dona Neida em minha casa, para ficar com as crianças, para eu poder fazer
o júri. Então, a Dona Neida ficou com as crianças. Por pouco, eu deixo
de fazer um júri, porque tenho que ficar em casa cuidando dos filhos. São
as dificuldades do Interior. Não se tem pai, não se tem mãe, não se tem
parente, e, no caso, eram poucos vizinhos e que trabalhavam fora, saíam
de casa. São os percalços.
MEMORIAL
O senhor, como Juiz, no Interior, não sentiu algum problema quan-
to à participação do Juiz na vida da comunidade, da sociedade?
ENTREVISTADO
Não, eu quebro essas barreiras para me aproximar deles, para deixá-
-los à vontade, para eles sentirem que a autoridade, se existe, é só quando
se está no processo decidindo. Fora dali, é um cidadão normal, comum, que
tem de participar para viver e sentir o hábito e o costume da sociedade.
299
Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha
Nunca me envolvi com clube de serviço, mas, sim, com movi-
mentos em prol dos menores, dos engraxates na época. Foi formada uma
equipe de engraxates, que andavam uniformizados, com caixinhas padro-
nizadas, cada um tinha seu setor, sua área, não se misturavam. Depois,
nós trocávamos os setores. Quem estava no setor 3 não podia ir ao setor
4 naquela semana. Todo final do mês, apresentavam uma avaliação escolar.
Era muito interessante.
Esses menores passavam a prestar informações turísticas a quem
chegava. Funcionou muito bem.
Em Osório, era esse funcionamento com os menores, o comissaria-
do, o problema da free-way e, na praia, o problema de bebidas, venda de
bebidas, bares. Na época de veraneio, eram os bares noturnos. Nós baixa-
mos portarias, que desagradou à sociedade, mas a situação foi acomodada.
Atendemos aos dois interesses, mas sempre preservando o menor. Nós
proibimos a venda de bebida alcoólica para menor, e a sociedade alegava
que não podiam cumprir porque não era o menor que comprava, o menor
consumia. Aí eu disse: “Se o menor estiver consumindo, nós fechamos a
sociedade”. Nós mandávamos o Comissário de Menor para os bailes, e era
uma correria. Eram conhecidos, não dava para irem disfarçados. O Comis-
sário apontava no portão, e já era aquele frisson.
MEMORIAL
O senhor pegou a época, em Erechim, Antônio Prado e Vacaria,
do Governo Militar? Era 1974, pleno Governo Médici.
ENTREVISTADO
Essas cidades pacatas não sofriam ingerência, interferência militar.
Jaguari estava a poucos quilômetros de Santiago, uma base militar. Não
houve nenhum problema, transição tranquila.
300
Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça & História
Entrevista
Em Soledade, houve um pequeno incidente. O Promotor saía de
Soledade quinta-feira à tarde e retornava na terça-feira pela manhã. Numa
sexta-feira, entra o Oficial de Registro Civil, dizendo que, no sábado, ha-
veria três casamentos, e os processos, as habilitações, estavam no gabinete
do Promotor. Eu disse: “Não tem problema, pede para o Sadi” – que era
o meu Escrivão da Direção do Foro – “a cópia da chave, abre o Gabinete
e pega os processos”. O Oficial disse que não possuía cópia, o Promotor
trocou a fechadura e não deixou cópia. Pedi para chamar o chaveiro para
arrombar. Para sorte minha, veio o chaveiro, e eu estava junto. Abriu a porta
e estavam os três processos de habilitação para casamento no canto da mesa.
O Oficial pegou os três processos, e eu nomeei um Promotor ad
hoc para se manifestar, que concordou com o processamento, com a cele-
bração de casamento, e foram realizados os casamentos.
Um dos casamentos seria no Interior, onde fazem festa para rece-
berem os convidados, e os pais da noiva haviam carneado uma vaca e três
ovelhas. Imagina se não saísse esse casamento.
Na terça-feira seguinte, estou chegando no Fórum, e entra o Pro-
motor e me diz: “Dr. Caminha, arrombaram o gabinete”. E eu disse: “Não,
não arrombaram, fui eu que abri. Mandei abrir com o chaveiro, para pegar
os processos”. E ele disse: “Não, mas arrombaram, está tudo misturado,
mexeram nas minhas coisas”.
Eu disse: “Não, senhor, o senhor está completamente enganado,
não houve arrombamento. Se o senhor quer entender que tenha havido,
houve abertura com chave falsa ou mediante habilidade. Foi assim que ele
abriu, porque o senhor não me deixou uma cópia da chave na Direção do
Fórum, e nós tínhamos três casamentos para fazer no sábado. Se nós não
fizéssemos isso, os casamentos não sairiam”.
Ele tornou a insistir que eu não poderia abrir aquela porta, porque
aquela porta era do Ministério Público, que eu deveria ter ido ao Hotel,
onde ele estava hospedado, porque, dentro da mala dele, estaria a cópia da
chave do gabinete. Eu comecei a rir e disse a ele que jamais entraria num
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Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha
hotel, jamais mexeria nos seus objetos de uso pessoal e, como Diretor do
Fórum, eu arrombo aquela porta e qualquer outra porta deste prédio, e
que não tinha que lhe dar satisfação. E ele fez uma representação contra
mim na Corregedoria, na Procuradoria.
Em razão desse fato, aparece-me um cidadão se intitulando Agente
da Inteligência, SNI, alegando que eu havia invadido as propriedades do
Estado, do Ministério Público, que ele estava ali por ordem de alguém
para fazer investigação.
E eu lhe disse: “A mesma coisa que eu disse para o Promotor eu
vou lhe dizer: eu sou o Diretor deste Fórum, seja o agente que o senhor
for, o senhor não vai entrar aqui para fazer investigação nenhuma. Para
entrar aqui, o senhor vai-me apresentar um mandado de prisão. Caso
contrário, o senhor não entra aqui”. E ainda disse aos Oficiais de Justiça,
o Seu Bibiano e o Seu Bimba, que aquele cidadão não poderia entrar no
Fórum, estava proibido de entrar no Fórum, por ordem minha. Sumiu, e
eu nunca mais vi. O único incidente que houve foi este.
Fui falar com um Colega do Promotor, Dr. Wedy Muratt, também
Promotor de Justiça, quando o incidente assumiu aquela proporção, para
esclarecer a ele, e ele me orientou para que eu não me preocupasse e
ainda me disse que eu “quis fazer um colibri e saiu um urubu”.
Uma vez, em Jaguari, em uma audiência, a testemunha estava men-
tindo tanto que eu mandei extrair peça e mandar para o Ministério Público
para denunciar a testemunha por falso testemunho, no meio da audiência,
e o processo não havia terminado. Claro, era inexperiência minha, porque
isso o Juiz só pode fazer na hora da sentença. Quando ele dá a sentença,
quando termina o processo, que examinou toda a prova, e quando, en-
tão, tem certeza que a testemunha mentiu, aí, sim, pode. Eu fiquei tão
irritado que disse: “Processa por falso testemunho”. E o Promotor entrou
com correição parcial, que é um recurso quando o Juiz erra, e quando foi
lá – ele era de São Francisco de Assis e vinha uma vez por semana –, me
disse: “Caminha, vou deixar contigo isso aqui. É uma correição parcial”.
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Entrevista
“Correição de quê?”, eu perguntei. “Da testemunha. Está aqui a correição.
Dá uma lida. Se tu achares que é o caso, tu encaminhas para o Tribunal.
Se tu não achares, tu arquivas”. Eu respondi: “Não quero nem tomar co-
nhecimento. É um direito teu. Manda lá para o Tribunal”. E ele entrou
com a correição. Até hoje, eu não sei que fim deu o Tribunal para esta
tal de correição. Acho que arquivaram.
MEMORIAL
Desembargador, o MTG servia também como instrumento de in-
tegração nas comunidades?
ENTREVISTADO
Com certeza, em Soledade, Osório, Gravataí houve movimento forte.
MEMORIAL
O senhor chegou a participar do Rotary, do Lions?
ENTREVISTADO
Em eventos festivos, sim, como Juiz da Comarca, e era um bom
relacionamento. Por exemplo, quando eu estava em Jaguari, numa oportu-
nidade, o pessoal do Rotary foi fazer uma reunião internacional em Passo
de los Libres. Era um encontro internacional, e me convidaram, por ser
amigo dos rotarianos, e eu iria só para as atividades sociais, e não para
as atividades rotárias. Entrando num bar, na Argentina, um companheiro
nosso lá de Jaguari, um homem simples, boníssimo, disse: “Eu quero um
whisky estrangeiro”. Serviram um Drurys e cobraram muito caro, porque
o Drurys era whisky brasileiro, para eles importado.
303
Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha
Sempre me convidavam para participar dos eventos sociais do Ro-
tary, até das campanhas eu participava, mas não sei por que razão nunca
me atraiu a filiação a qualquer desses dois institutos.
MEMORIAL
Mas o senhor acha que esses movimentos, incluindo o MTG, con-
tribuíam para diminuir a distância do Juiz com as comunidades, com a
sociedade, e para possibilitar justamente essa integração, essa vivência mais
comunitária?
ENTREVISTADO
Sim. Qualquer deles integra um segmento da sociedade que não
tem nada a ver com o Judiciário, são empresários, médicos, engenheiros,
comerciantes, etc., com os quais a gente não teria contato se não fosse
pela sociedade, pelo clube social, pelo MTG, pelo Rotary, e pelo Lions.
Então, quando fazem aqueles jantares em que homenageiam um ou outro
rotariano ou leão, convidam as autoridades, e a gente participando fica
conhecendo esse segmento. Então, se conversa, se trocam idéias, às vezes
eles perguntam alguma coisa da nossa área, ou nós nos inteiramos de fatos
ligados ao comércio, ligados à atividade médica. Naquela época – verdade
seja dita –, não havia quase processos envolvendo erros médicos; hoje em
dia, há muitos. Mas, desde aquela época, já havia essa curiosidade minha.
Então, esses clubes de serviço e as entidades sociais contribuem muito,
sobremaneira, para a integração, mesmo porque são nesses momentos em
que a gente começa a sorrir, momento em que a gente exterioriza mais,
quebra a timidez, seja por efeito da música, ou pelo calor do ambiente.
304
Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça & História
Entrevista
MEMORIAL
E a Igreja? O senhor mencionou um episódio jocoso, pitoresco, da briga com o padre por causa das músicas. Mas, afora isso, o senhor acha que a Igreja era um veículo de integração? A maioria dos magistrados eram católicos, ou não, ou era bastante misturado na época? Enfim, o senhor imagina que os magistrados frequentavam a Igreja e que ela também servia de instrumento de aproximação?
ENTREVISTADO
O padre de Antônio Prado era um esquerdista bárbaro, era da Pas-toral da Terra e tinha um comando sobre aquela turma, nem sei o nome do padre, mas ele era terrível. Os moradores de Antônio Prado vinham-se queixar para mim. Ele pregava quase que a guerrilha.
MEMORIAL
Isso em 1974?
ENTREVISTADO
Isso em 1974, em pleno Regime Militar. Eu sempre participei de eventos patrocinados pela Igreja, que também é outra forma de conviver com a sociedade. Eu não frequentava missa.
MEMORIAL
A sua senhora frequentava?
ENTREVISTADO
Não, somos católicos, mas não frequentadores da Igreja. Os filhos cursaram a escola de freira e até hoje não fizeram a Primeira Comunhão,
305
Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha
foram batizados na Igreja Católica. E hoje têm 28 e 26 anos e não fizeram
a Primeira Comunhão, mas nos intitulam de católicos.
Agora, lembrei-me de um fato interessante: em Jaguari, nunca
deixei de fazer audiência por falta de testemunhas. O Oficial de Justiça
era o Seu Fernando Shopp – e fazia jus ao nome porque ele era gordinho
e alto –, que era muito dedicado ao serviço, ao trabalho, cumpria os
mandados, ele até nem ia ao local onde residiam as testemunhas, por
difícil acesso ou pela idade, mas o pedido dele para a testemunha vir
no dia era uma ordem, o pessoal respeitava e comparecia ao Foro. Ele
cumpria os mandados e estava na porta do Foro para fazer o pregão,
acompanhar a testemunha. Além de tudo isso, ele ainda se preocupava
com o prédio, ele vinha trocar ideias comigo: “Olha, Doutor, estamos
precisando de uma pintura, essa árvore está levantando a calçada”. Acho
que ele foi o único funcionário para quem eu dei uma portaria de
louvor.
Em Jaguari, inclusive, aconteceu uma situação superinteressante.
Era um processo de lesão corporal, em que o marido agrediu a esposa,
e ele já havia sido condenado pelo mesmo fato, já havia dado na mu-
lher antes, só que, como primário, estava gozando do sursis. Na audi-
ência, eu tento, de todas as formas, fazer com que a mulher trocasse
o depoimento e reconhecesse que o homem havia mudado, que não
batia mais nela, mas não houve jeito, e o Promotor do meu lado não
continha o riso, fazia uma força para não rir, de vez em quando saía
da sala, e eu segurando o riso e a brabeza. Então, condenei o marido
e mandei recolhê-lo. Terminada a audiência, como em todo Interior,
sai Juiz, advogado, Promotor, testemunha, réu, todos pela mesma por-
ta, e a senhora esta sai junto com um filho no colo, um na mão e o
terceiro agarrado na saia e se volta para o marido: “Fulano, pega aqui
o Sicrano”. O Seu Fernando diz: “Não, minha senhora, não pode”.
E ela: “Como não pode, ele não pode ir para a casa?” “Não”. “Onde
ele vai?” “Vai para o presídio!” “Mas como o presídio?” E eu estava
saindo, ela se virou para mim e veio me tirar satisfação de como eu
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Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça & História
Entrevista
tinha colocado o marido dela na cadeia e me perguntava quem é que
iria cuidar dos filhos dela. O que eu vou dizer?
MEMORIAL
Ela queria que reconhecesse...
ENTREVISTADO
...mas não condenasse. Acho que ela queria uma outra condenação
como foi a primeira, na qual foi condenado, mas ficou em liberdade, então
sob ameaça. Mas eu disse para ela que dessa vez não haveria volta, ele
iria para a cadeia. Com aquilo ali, pelo menos, se apanhar, nunca mais
vai contar que apanhou.
Outra vez em Soledade, um Delegado de Polícia era processado por
abuso de autoridade, e a parte que processava esse Delegado tinha como
advogado esse que mataram agora, uma personalidade muito controvertida,
e, nessa audiência, eu fiquei com o revólver embaixo da mesa; a situação
estava pesadíssima, o Delegado dizia que estava fazendo uma investigação
sobre o narcotráfico e que tinha até advogado envolvido.
MEMORIAL
Como foi a sua passagem pelo Tribunal de Alçada?
ENTREVISTADO
No Tribunal de Alçada eu ingressei em 1992 com os Doutores Ari
Darci Wachholz e Moacir Leopoldo Haeser, e fomos para a 4ª Câmara
Cível, que estava acéfala de Juiz, estava só o hoje falecido Márcio Puggina.
Então, passamos a integrar a 4ª Câmara Cível, com o Márcio na Presidência.
307
Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha
Em início de 1993, eu estava voltando de uma viagem, e me liga um
Colega da 2ª Câmara Cível me convidando para passar para lá, porque
havia vaga, e, atendendo ao pedido do Colega, fui para a 2ª Câmara Cível,
e lá fiquei até ser promovido para o Tribunal de Justiça em 1998, um mês
antes da fusão.
No Alçada, recebi na 2ª Câmara Cível, como Presidente da Câmara,
o Dr. Carlos Alberto Bencke, integrante do Quinto Constitucional. Quando
fui promovido para o Tribunal de Justiça, o Des. Carlos Alberto Bencke,
que integrava a 5ª Câmara Cível, convidou-me para integrar a 5ª Câmara
Cível, e, por gentileza dos meus Colegas que foram promovidos comigo,
Desembargadores Marcelo Bandeira Pereira, Cláudio Caldeira Antunes, Ma-
ria Isabel Broggini, cederam a 5ª Câmara do Tribunal de Justiça, que era a
melhor das vagas, para mim. Foi uma atitude muito elegante dos Colegas,
vou ser sempre agradecido a eles, pois, pela antiguidade, eles teriam direito a
escolher, mas abriram mão da 5ª Câmara Cível. Era a melhor das vagas sem
demérito de outras, mas porque a matéria era muito interessante, responsa-
bilidade civil, falência, concordata. Na época, a composição da 5ª Câmara
era o Des. Sergio Pilla da Silva, Clarindo Favretto, Carlos Alberto Bencke,
e eu. Fizemos a primeira e a segunda sessão no Palácio da Justiça e depois
passamos para o Tribunal de Justiça na Borges. E fiquei na 5ª Câmara até
a assunção no cargo administrativo que estou exercendo agora.
MEMORIAL
A 3ª Vice-Presidência. O que o senhor nos conta da Administração
do Poder Judiciário?
ENTREVISTADO
É uma experiência nova, não tinha ideia e nem conhecimento.
Exerci a Direção do Foro no Interior, mas nada se compara. Começa que
308
Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça & História
Entrevista
o Tribunal está muito grande, o pessoal está frio, não existe mais aquele
convívio, e isso decorre do volume de serviço. E aí vem o primeiro pro-
blema da administração. Nós não temos estrutura funcional, estamos com
déficit de funcionários, déficit de Juízes, e o volume de serviço cada vez
aumenta mais.
Então, o problema da ausência de funcionários é eterno. Queixa-se
um, queixa-se outro, e o problema está sempre conosco. E não se pode
resolver. A jurisdição tem isso de bom, sabe-se que vêm muitos proces-
sos, mas, no entanto, aquele que se julgou não volta mais, a não ser por
eventual embargos de declaração. Mas, se foi julgado, vai embora, e no
administrativo ele vai e vem, e não há solução.
Foram nomeados os últimos candidatos aprovados no concurso de Ofi-
cial Superior que caducou em outubro do ano passado, conseguiu-se nomear
ainda, mas, mesmo assim, estamos com déficit de pessoal. O pessoal se aposenta,
cai em licença, essa maldita LER, Lesão do Esforço Repetitivo, então, vai apa-
recendo pouco a pouco a aposentadoria, e a gente começa a tapar isso com os
estagiários. Lamentavelmente, a gente está trabalhando em cima de estagiários.
MEMORIAL
Qual é o número aproximado de estagiários hoje? É em torno de
600 no Judiciário todo?
ENTREVISTADO
É mais ou menos isso. Eu tenho esse levantamento, mas não está
agora comigo.
MEMORIAL
Eu calculava que era entre 8 a 10% do número de funcionários,
que está em torno de sete mil, considerando o 1º e o 2º Graus.
309
Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha
ENTREVISTADO
Só no Tribunal, penso que temos em torno de 200.
MEMORIAL
O que o senhor acha do trabalho do estagiário?
ENTREVISTADO
É de suma importância para a administração. Se nós não tivéssemos
a figura do estagiário, não sei o que seria do Tribunal. Nós temos dois tipos
de estagiários: os de 2º Grau e os do 3º Grau. O estagiário do 2º Grau é
para fazer aquele trabalho manual, operacional, movimentação de processos,
em que pese nesse grupo existirem excelentes rapazes, mas, com o trabalho
no Tribunal, despertam o interesse pelo Direito. Dou o exemplo do Rafael,
que trabalhava comigo na Assessoria Especial da 3ª Vice, onde se examinam
os recursos especiais e extraordinários do Direito Privado, e ele ficava na sala
onde se organizavam os processos para assinatura. Um dia, o Rafael me diz:
“Desembargador, eu acho que esses papéis estão errados”. Fui ver, e estavam
mesmo. Saiu de lá por ter completado o 2º Grau, mas com a disposição firme
de fazer vestibular para Direito, e, quando entrou, não sabia o que iria fazer.
E com o 3º Grau é a mesma coisa: estagiários com excelente capa-
cidade laborativa, uma vasta cultura jurídica, que, ao concluírem o curso,
perdem o estágio para integrar a fila dos desempregados.
MEMORIAL
Então, existem duas faces da mesma questão do estagiário: a face que
o Judiciário proporciona: o emprego, a atividade, e a face de que o Judiciário
“se aproveita”: para este trabalho paga uma remuneração que suporta?
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Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça & História
Entrevista
ENTREVISTADO
Exatamente. É uma via de duas mãos. A verdade é que temos que
olhar em volta, vamos olhar as agências bancárias, vamos ver o Banrisul: é
só estagiário. É uma pena que essa figura do estagiário diminuiu muito – um
número difícil de mensurar – o mercado de trabalho. O que está acon-
tecendo é que o empresário não está nomeando funcionários, porque os
encargos sociais são muito grandes para a empresa. Ele está-se socorrendo
de estagiário.
MEMORIAL
Que amanhã estará formado e na fila do desemprego.
ENTREVISTADO
E há também outro testemunho meu: há empresas privadas que
começam o seu quadro funcional a partir dos estagiários, que eles chamam
de trainees. Fizemos uma visita ao ThyssennKrupp, que é a sucessora da
Sur e lá, conversando com o pessoal, eles nos disseram que todos eles, do
Superintendente ao Gerente-Geral, começam como estagiários, trainees,
como eles chamam. Primeiro, é para ver se ele tem o perfil da empresa,
depois de um período x como estagiário ele é contratado e depois, dentro
da empresa, vai galgando os postos até chegar no mais alto. E assim está
acontecendo na função pública.
MEMORIAL
E o Judiciário, nessa linha de preparação – porque nós precisamos
do concurso público –, não teria uma forma, uma reserva, a própria figura
do cargo em comissão, alguma coisa assim, para esses estagiários que se
311
Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha
destacam, como o senhor lembrou o caso do Rafael? Não haveria uma
possibilidade?
ENTREVISTADO
Tem, existe, e acontece. O cargo em comissão só existe para o
assessoramento. Têm acontecido vários casos de Colegas que adotaram,
como Assessor, ou como Secretário, o estagiário depois de formado, pela
capacidade pessoal que demonstraram.
MEMORIAL
Então, é uma tendência dentro do Tribunal?
ENTREVISTADO
Eu não digo dentro do Tribunal, mas dos Colegas; é uma decisão
mais pessoal. Eu tive uma Assessora que trabalhou comigo treze anos,
mas houve um pequeno intervalo. Eu, antes de ser promovido para o
Tribunal, sugeri que ela fosse trabalhar com outro Juiz de Alçada para
poder complementar um tempo e incorporar aquela vantagem de Asses-
sora; eu fui para o Tribunal de Justiça e fiquei um tempo sem Assessor,
e ela se aposentou.
E por que eu disse isso? Porque não tenho vaga para estagiário.
Meu quadro de Assessores está preenchido, estamos atendendo com o
compromisso. Claro que, se porventura, algum deles não rendesse o que
eu gostaria que rendesse, sim, lamentavelmente, eu substituiria, pegaria
um estagiário. É o que acontece com os Colegas. Um Colega nomeia um
Assessor da sua confiança, acha que é capacitado, e, depois, no desen-
volvimento do trabalho, vê que não é aquilo, então, dispensa e nomeia
o estagiário.
312
Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça & História
Entrevista
MEMORIAL
Eu fiz essa colocação em função dos departamentos. A Processual
é uma que tem um quadro de estagiários imenso. Então, a gente está ven-
do que os departamentos estão-se sustentando também com estagiários, e
não há cargos de assessoramento, não há a função. Então, não há como
contemplar esse percentual de estagiários excelentes.
ENTREVISTADO
Lamentavelmente, não.
Nós temos uma lista de voluntários. A gente respeita aquela lista
para os casos de vacância no cargo de estagiário e vai nomeando pela ordem
cronológica, para os departamentos. Para os gabinetes não, fica à escolha
do Desembargador. Então, acontece, às vezes, de um Desembargador me
procurar perguntando se eu não tenho alguém para indicar, então, a gente
indica pela lista dos voluntários. Com frequência, os Desembargadores se
utilizam desses voluntários.
MEMORIAL
E o estagiário no 1º Grau?
ENTREVISTADO
Estão mais sob o controle da Corregedoria.
MEMORIAL
Mas a Comissão tem notícias?
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Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha
ENTREVISTADO
Sim, acompanha, em razão do orçamento.
Voltando ao assunto do quadro funcional, é outro problema, porque
nós temos a Lei da Responsabilidade Fiscal. Então, o Judiciário é emi-
nentemente prestador de serviços, daí por que ele consome a maior parte
de seu orçamento com o funcionalismo, e, com isso, muitas vezes, não se
pode fazer concurso, não se pode abrir cargo pelo limite imposto na lei.
Então, está havendo no Brasil um estudo para dar uma outra interpretação
na lei para flexibilizar ao Judiciário, pois nós não temos investimento, não
temos despesas com investimento, conservação, e essa despesa está saindo
do Fundo de Reaparelhamento, que é gerido pela conta bancária. Então,
todo o nosso dinheiro vai para pagamento de funcionário.
MEMORIAL
Gostaria de saber sobre a sua passagem pela AJURIS. Como foi
sua vida associativa?
ENTREVISTADO
Foi boa, foi uma experiência muito agradável, me cerquei de uma
equipe de colaboradores muito boa e fizemos eventos marcantes. Um, social,
em que atuei foi o jantar dos cozinheiros, um jantar que é feito uma vez
por ano em que os Juízes cozinham. Nós temos excelentes gourmets no
quadro, e muitos deles, ainda tímidos, não quiseram aparecer. E houve
também torneios desportivos, em que a AJURIS se saiu campeã brasileira
em várias localidades, no futebol. E foi uma experiência boa para conviver
melhor com os Colegas, não só em razão de precatórias e deprecados, mas
em função do contato direto.
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Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça & História
Entrevista
Sempre lutei para prestigiar a nossa sede em Belém Novo, que é
muito bonita, mas o gaúcho, do jeito que é, acha muito distante. E não
é, são 25km, e, agora, com a duplicação da Estrada Juca Batista, vai ficar
uma beleza. Certa feita, um Colega disse: “Temos que vender aquela sede”.
E eu disse: “Nunca mais me diga isso”. Esse mesmo Colega, num baile
em que eu organizei lá, dançando, me disse: “Como está bom isso aqui”.
Eu não falei, mas pensei: “E tu querias vender isso aqui!”.
MEMORIAL
Muito obrigado.