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intensificação, precarização, esvaziamento do Trabalho e margens de enfrentamento intensificação, precarização, esvaziamento do Trabalho e margens de enfrentamento Mário César Ferreira Jorge Tarcísio da Rocha Falcão (Organizadores) Alejandra Vives Andréia De Conto Garbin Cleverson Pereira de Almeida Crisane Costa Rossetti Cristina Miyuki Hashizume Damian Valdés Santiago Fernanda Aizawa Spolon Flávio Fernandes Fontes Joan Benach João César de Freitas Fonseca Joeder da Silva Messias José Newton de Garcia Araújo Josep M. Blanch Karina Moutinho Kelma Jaqueline Soares Kerley dos Santos Alves Leticia Raboud Mascarenhas de Andrade Maiky Díaz Pérez Marcelo Amable Mauro Lúcio Henrique de Carvalho Rafael França Santana Suzana da Rosa Tolfo

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Intensificação, Precarização,Esvaziamento do Trabalhoe Margensde Enfrentamento

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Intensificação, Precarização,Esvaziamento do Trabalhoe Margens de Enfrentamento

intensificação,precarização,esvaziamentodo Trabalhoe margens de enfrentamento

intensificação,precarização,esvaziamentodo Trabalhoe margens de enfrentamentoMário César FerreiraJorge Tarcísio da Rocha Falcão(Organizadores)

Alejandra VivesAndréia De Conto Garbin Cleverson Pereira de Almeida Crisane Costa RossettiCristina Miyuki HashizumeDamian Valdés Santiago Fernanda Aizawa SpolonFlávio Fernandes FontesJoan BenachJoão César de Freitas Fonseca Joeder da Silva MessiasJosé Newton de Garcia Araújo Josep M. BlanchKarina MoutinhoKelma Jaqueline Soares Kerley dos Santos AlvesLeticia Raboud Mascarenhas de Andrade Maiky Díaz Pérez Marcelo AmableMauro Lúcio Henrique de Carvalho Rafael França SantanaSuzana da Rosa Tolfo

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Revisão de ABNTVerônica Pinheiro

Revisão TipográficaRenata Ingrid de Souza Paiva

DiagramaçãoAnderson Gomes do Nascimento

CapaIsadora Veras Lobo de Paiva

Foto de CapaAmarilio Ferreira Jr

Secretária de Educação a Distância Maria Carmem Freire Diógenes RêgoSecretária Adjunta de Educação a DistânciaIone Rodrigues Diniz Morais

Coordenadora de Produção de Materiais DidáticosMaria Carmem Freire Diógenes Rêgo

Coordenadora de RevisãoMaria da Penha Casado Alves

Coordenador EditorialJosé Correia Torres Neto

Gestão do Fluxo de RevisãoRosilene Paiva

Conselho EditorialMaria da Penha Casado Alves (Presidente)Judithe da Costa Leite Albuquerque (Secretária)Adriana Rosa CarvalhoAnna Cecília Queiroz de Medeiros Dany Geraldo Kramer Cavalcanti e Silva Erico Gurgel AmorimFabrício Germano AlvesGilberto Corso Izabel Souza do NascimentoJoel Carlos de Souza Andrade José Flávio Vidal Coutinho Josenildo Soares Bezerra Kamyla Álvares PintoLeandro Ibiapina Bevilaqua Lucélio Dantas de Aquino Luciene da Silva Santos Marcelo de Sousa da Silva Márcia Maria de Cruz Castro

Márcio Dias PereiraMarta Maria de AraújoMartin Pablo CammarotaRoberval Edson Pinheiro de Lima Sibele Berenice Castella PergherTercia Maria Souza de Moura MarquesTiago de Quadros Maia Carvalho

ReitorJosé Daniel Diniz MeloVice-ReitorHenio Ferreira de Miranda

Diretoria Administrativa da EDUFRNMaria da Penha Casado Alves (Diretora)Helton Rubiano de Macedo (Diretor Adjunto)Bruno Francisco Xavier (Secretário)

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Mário César FerreiraJorge Tarcísio da Rocha Falcão(Organizadores)

Intensificação, Precarização, Esvaziamento do Trabalho e Margens de Enfrentamento

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PRÓLOGOMÁRIO CÉSAR FERREIRA

JORGE TARCÍSIO DA ROCHA FALCÃO 10

BEING BUSINESS, UNA EMERGENTE MALADIE DU SIÈCLEJOSEP M. BLANCH 21

LA PRECARIEDAD LABORAL ENTENDIDA COMO FENÓMENOMULTIDIMENSIONAL Y LA SALUD. EL CASO DE CHILEALEJANDRA VIVES

MARCELO AMABLE

JOAN BENACH 50

O TRABALHO PRECÁRIO E O TRABALHO PRECARIZADOJORGE TARCÍSIO DA ROCHA FALCÃO

JOEDER SILVA MESSIAS

LETICIA RABOUD MASCARENHAS DE ANDRADE 78

“QUERO SAIR DESTE EMPREGO!”: AUSÊNCIA DE QVT E ANIQUILAMENTODAS MARGENS DE ENFRENTAMENTO EM QUESTÃO.MÁRIO CÉSAR FERREIRA

KELMA JAQUELINE SOARES 104

APRESENTAÇÃORUBENS MARIBONDO DO NASCIMENTO 8

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DEPRESSÃO PERCEBIDA E QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO EM AMBIENTES DE TI DE UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS BRASILEIRASCLEVERSON PEREIRA DE ALMEIDA

ANDRÉIA DE CONTO GARBIN

FERNANDA AIZAWA SPOLON

RAFAEL FRANÇA SANTANA 136

RESISTÊNCIA E CRIATIVIDADE: O TRABALHO DO MÉDICO DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTECRISANE COSTA ROSSETTI

JOSÉ NEWTON DE GARCIA ARAÚJO 168

PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHOKERLEY DOS SANTOS ALVES

JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO 206

OS SENTIDOS DO TRABALHO NO PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO DO ADOLESCENTE: CONTRIBUIÇÕES DA CLÍNICA DA ATIVIDADEJOÃO CÉSAR DE FREITAS FONSECA

SUZANA DA ROSA TOLFO

MAURO LÚCIO HENRIQUE DE CARVALHO 232

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DESARROLLO DEL POTENCIAL HUMANO Y BIENESTAR EN EL TRABAJOMAIKY DÍAZ PÉREZ

DAMIAN VALDÉS SANTIAGO 270

QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADOCRISTINA MIYUKI HASHIZUME.

KARINA MOUTINHO 319

A MENSURAÇÃO DO BURNOUT: UM ESTUDO CRÍTICOFLÁVIO FERNANDES FONTES

JORGE TARCÍSIO DA ROCHA FALCÃO 354

SOBRE OS AUTORES 389

ÍNDICE REMISSIVO 394

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APRESENTAÇÃO

Fruto de pesquisas acadêmicas, os livros produzidos em instituições de ensino primam por sua excelência. No presente caso, a obra Intensificação, precarização, esvaziamento do trabalho e margens de enfrentamento não foge à regra. Organizada pelos professores Jorge Tarcísio da Rocha Falcão (UFRN) e Mario César Ferreira (UNB), a obra conta ainda com a preciosa contribuição de outros 23 especialistas de diversas instituições brasileiras e estrangeiras. A intenção é abordar o tema transversal sob diferentes aspectos, demonstrando a importância da formação de redes temáticas de pesquisa, assim como a necessidade de aprofundamento e abrangência da pesquisa em nível de Pós-Graduação. O bom profissional precisa enxergar um problema científico de forma ampla e transversal para atingir, com isso, mais verticalização e resolutividade em sua abordagem.

Os pesquisadores reunidos nesta coletânea atuam fortemente na formação de recursos humanos especializados e na ampliação do conhecimento científico no tema de sua especialidade por meio de diversos programas de Pós-Graduação no Brasil e no exterior, trazendo para o público as suas abordagens mais recentes e contribuindo de maneira decisiva com os avanços científicos em torno do tema pesquisado.

A globalização econômica tem exigido um novo padrão de competitividade internacional das empresas, sejam elas micro, pequenas ou grandes, que alteram continuamente o seu modelo de negócios e sua estrutura visando à sobrevivência no mercado, o que resulta em alterações rápidas no perfil do

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trabalho, seja por questões formativas dos profissionais, seja pela inserção diária de novas tecnologias, seja por questões de legislação, ampliando, assim, as exigências sobre o trabalhador, independentemente da sua área de atuação. Tais fenômenos são abordados de maneira primorosa, sob diversas óticas, ao longo dos capítulos, assim como os seus efeitos no cotidiano dos envolvidos e dos jovens que se preparam para escolher uma profissão e para sua inserção mercado profissional, tornando esse processo cada vez mais dinâmico e em contínua transformação.

Nessa direção, a Pró-reitoria de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte traz a público mais uma importante obra, realizada sob múltiplos e críticos olhares, contando com as experiências acumuladas de especialistas no tema e concebida com muito zelo para contribuir com a formação de recursos humanos e com o avanço científico dessa área, cada vez mais atual e necessária para o desenvolvimento pleno da sociedade, considerando seus aspectos técnicos e sociais.

Rubens Maribondo do NascimentoPró-Reitor de Pós-Graduação/UFRN

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PRÓLOGO Mário César Ferreira

Jorge Tarcísio da Rocha Falcão

No limiar do século XXI, o mundo do trabalho no contexto da economia globalizada é palco de desafios e aceleradas metamorfoses em diversos domínios. As sucessivas crises econômicas dos países capitalistas, geradoras de desemprego crescente e estrutural, são acompanhadas de um processo acelerado de mudanças que perseguem obstinadamente aumentar a produtividade do trabalho vivo, alavancar superávits, consolidar-se e se expandir no mercado. Nesse novo patamar e padrão de competitividade internacional, sob a batuta de orientação neoliberal e da busca financeira da sobrevivência organizacional e rentabilidade no curto prazo, está em curso um processo que combina concomitantemente investimento massivo em inovações tecnológicas e iniciativas para flexibilizar e, sobretudo, controlar o máximo possível a própria atividade de trabalho. Nesse cenário, o objeto do desejo da visão empresarial hegemônica vigente consiste em pugnar para que o trabalho seja cada vez menos um direito e sim mais um insumo (recurso) de acesso rápido e disponibilidade elevada, com custo regulado basicamente pelas variações de mercado. O avanço da inteligência artificial e a sua aplicação crescente no desenvolvimento de máquinas que aprendem e se comunicam entre si e com humanos (internet das coisas e robôs altamente especializados), bem como adoção crescente do teletrabalho (home office) têm instaurado um novo locus e modus para se trabalhar, o que configura exemplos eloquentes

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das transformações profundas que se operam no mundo do trabalho. Cabe, desde logo, observar que todo esse processo tem consequências dramáticas para os trabalhadores em termos de desejabilidade de perfis e configuração de gêneros profissionais, natureza e conteúdo das tarefas, bem como estruturação das próprias organizações.

O título da presente obra – “Intensificação, Precarização, Esvaziamento do Trabalho e Margens de Enfrentamento” – evoca aspectos que per se dão visibilidade para algumas das consequências das metamorfoses no mundo do trabalho e que estão bem presentes no caso brasileiro. Mas, não apenas nele. Nesta coletânea, os capítulos abordam temas interdependentes para que os leitores possam identificar, compreender e construir um cenário interpretativo funcional, concatenado e inteligível sobre os temas que desdobram o título do livro. Neste sentido, os enfoques teóricos e metodológicos trazidos pelas contribuições dos autores podem ser úteis para todos os que se interessam, estudam e atuam no mundo do trabalho e das organizações.

Os dois capítulos iniciais do livro, Being business, una emergente maladie du siècle, de Josep M. Blanch; e La precariedad laboral entendida como fenómeno multidimensional y la salud. El caso de Chile, de autoria de Alejandra Vives, Marcelo Amable e Joan Benach, foram preservados na língua original de produção para manter mais fidelidade aos conteúdos1 , são reveladores de paralelos entre o caso de país latino americano, o Chile, e do cenário mais global a que alude o foco temático desta obra.

No capítulo Being business, una emergente maladie du siècle, Blanch se apoia em dados empíricos de pesquisas (ex.: Sexta

1 Diretiva editorial que se aplica também ao capítulo Desarrollo del potencial humano y bienestar en el trabajo, de Maiky Díaz Pérez e Damian Valdés Santiago.

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Encuesta Europea de Condiciones de Trabajo) para abordar, com base em perspectiva histórico-cultural, as experiências de tempo e de trabalho como referência indicativa dos desafios psicossociais que instauram a nova organização e a gestão do trabalho. O autor enfatiza, neste capítulo, a intensificação crescente da demanda de carga temporal e os riscos que lhe são inerentes. Na arquitetura dos argumentos do capítulo, o referido autor transita por temas-chave: trabalho e tempo; as mudanças na articulação psicológica trabalho-tempo; relógio, calendário e medida do tempo de trabalho; o trabalho sob pressão temporal; a aceleração do tempo laboral; e para um tempo de trabalho considerado decente. O autor argumenta com sólida fundamentação que certos modelos/enfoques de gestão do tempo de trabalho influenciam sobremaneira a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e, ao mesmo tempo, veiculam potenciais fatores de riscos que são nocivos e indesejáveis tanto para os trabalhadores quanto para as organizações. É, portanto, fundamental, assinala Blanch, identificar, avaliar, prevenir e, quando for o caso, mudar ou minimizar os efeitos de práticas perversas de gestão.

Por sua vez, no capítulo 2, intitulado La precariedad laboral entendida como fenómeno multidimensional y la salud. El caso de Chile, Alejandra Vives, Marcelo Amable e Joan Benach caracterizam historicamente a emergência do contexto de precarização do trabalho bem como apontam as dificuldades e os limites existentes para a investigação sobre a relação entre precariedade do emprego e a saúde. Eles discutem tanto os fatores que estruturam o fenômeno da precariedade laboral quanto abordam aspectos conceituais do constructo, indicando suas características gerais e, especialmente, assinalando os atributos estruturantes

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da precariedade (ex.: as situações de vulnerabilidade nas quais os trabalhadores necessitam de recursos para compensar formas de gestão autoritária ou inaceitável). Com base nesse trajeto argumentativo, mostram o caso chileno de precariedade laboral e sua relação com a saúde, apoiando-se em resultados de pesquisa epidemiológica.

Os autores do capítulo intitulado O trabalho precário e o trabalho precarizado, Jorge Tarcísio da Rocha Falcão, Joeder Silva Messias e Leticia Raboud Mascarenhas de Andrade, buscam propor uma evolução/alargamento teórico do conceito de trabalho “sujo” (indo além do uso corrente das noções de trabalho socialmente indesejável devido a uma gama heterogênea de aspectos) para a ideia de trabalho precário, que ultrapassa a perspectiva usual do trabalho “sujo”, na medida em que parte do pressuposto de que toda e qualquer modalidade de trabalho é passível de precarização. Nessa perspectiva, a argumentação faz dois percursos analíticos interdependentes: a) revisão teórica do conceito de “trabalho sujo” (atividade de trabalho imanentemente precária por seus atributos intrínsecos), evoluindo para o conceito de trabalho precário; e b) avança propondo a ampliação do conceito de trabalho precário para o conceito de trabalho precarizado e em precarização. Dois pressupostos fundados na psicologia histórico-cultural vigotskiana são explicitados e servem de fundamentos para a proposta central deste capítulo: a) a atividade de trabalho se insere no âmbito dos processos psicológicos superiores; e b) a margem de ação do indivíduo-trabalhador, do seu poder de agir, de seu protagonismo e ao mesmo tempo a disponibilidade de um coletivo de trabalho que referencie o trabalho individual são de importância crucial para o desenvolvimento de uma atividade saudável. Para os autores, tanto a precarização

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quanto o trabalho precário sempre ocorrem, em maior ou menor escala, em toda e qualquer ocupação. Ambos não mais estariam circunscritos às características inerentes à atividade, mas a um processo complexo referente ao relacionamento dos trabalhadores com seus coletivos (esmaecimento dos coletivos de trabalho), apoio mútuo e gêneros profissionais.

No capítulo intitulado Quero sair deste emprego!: ausência de QVT e aniquilamento das margens de enfrentamento em questão, de Mário César Ferreira e Kelma Jaqueline Soares, o foco do autores consiste em responder, com base em resultados de pesquisa empírica, à seguinte questão: dado o contexto socioeconômico crítico, quais são as razões que levam um servidor público, ocupando um posto de trabalho na condição de efetivado/concursado, a querer sair do seu emprego? Nem a questão, nem o tema são novos na literatura científica sobre trabalho. De fato, os autores mostram as interfaces de tal temática com os constructos “comprometimento organizacional”, “engajamento no trabalho”, “entrincheiramento organizacional” e “envolvimento”, destacando a sua importância no entendimento do objeto do capítulo. Os achados da investigação feita mostram inequivocamente que os depoimentos dos servidores são reveladores de um estado psicológico de apreensão, de medo e de alarme que parecem indicar claramente que as margens para lidar ou enfrentar os problemas vivenciados estão seriamente comprometidas. Nesse caso, a temática global do livro se faz claramente presente na medida em que a precarização e a redução das margens de enfrentamento também presentes no setor público contribuem significativamente para que servidores concursados queiram mudar de emprego.

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No caso brasileiro, no setor de saúde pública, que por definição abarca espaços de cuidado e de acolhimento, conjugam-se relações desumanizadas e interesses políticos e de mercado. Tal constatação encontra evidência no caso do Sistema Único de Saúde (SUS), campo no qual se insere o conteúdo do capítulo Resistência e criatividade: o trabalho do médico de Saúde da Família no município de Belo Horizonte, de Crisane Costa Rossetti e José Newton Garcia Araújo. O foco da pesquisa, conduzida pelos autores, consistiu em analisar os movimentos de resistência criativa e sua relação com a saúde dos médicos de Saúde da Família do SUS de Belo Horizonte, tendo como “pano de fundo” o contexto sociopolítico, ideológico e gerencial em que o trabalho acontece. Nesse caso, os autores caracterizam as condições de trabalho existentes nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), os impactos sobre a saúde dos médicos e os modos de mobilização e possibilidades de ação que marcam as margens de manobra e as estratégias de enfrentamento desses trabalhadores visando tanto a transformação do contexto laboral quanto a preservação da própria saúde. As práticas de resistência e criatividade dos trabalhadores no caso relatado assumem grande importância para que a dor e o sofrimento no trabalho de médicos possam tanto gerir os problemas e as dificuldades vivenciadas quanto sustentar a luta pela preservação dos valores comprometidos com a defesa da vida e da dignidade humanas.

O capítulo Depressão percebida e qualidade de vida no trabalho em ambientes de TI de universidades comunitárias brasileiras, de Cleverson Pereira de Almeida, Andréia De Conto Garbin, Fernanda Aizawa Spolon e Rafael França Santana se fundamenta em estudo realizado com trabalhadores da área de Tecnologia de Informação (TI), em duas universidades. Os autores buscaram identificar a presença de depressão

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(alegada) e seus impactos no desempenho profissional em funcionários, bem como caracterizar a QVT existente nos contextos de trabalho pesquisados. Eles argumentam que a depressão é tida como uma das doenças que mais incapacita pessoas no planeta, segundo a Organização Mundial de Saúde, cujas estimativas estabelecem que 300 milhões de pessoas, cerca de 5% da população mundial, padecem anualmente de depressão; e no Brasil são cerca de 13 milhões de casos estimados. A efetiva promoção de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), asseveram os autores, é fundamental, tornando-se um desafio para as organizações estudadas, cobrando investimento efetivo, especialmente no que diz respeito aos fatores organização do trabalho e reconhecimento e crescimento profissional.

O capítulo intitulado Percepção dos trabalhadores do turismo acerca de sua saúde mental no contexto do trabalho, de Kerley dos Santos Alves e José Newton Garcia Araújo baseia-se em resultados de pesquisa oriundos de um contexto de atividade profissional pouco explorado no Brasil, o setor de turismo. Este capítulo busca contribuir para a compreensão da relação entre a percepção dos trabalhadores do turismo e da hospitalidade, o gerenciamento de processos de trabalho e a saúde dos trabalhadores. Os achados da investigação que servem de fundamento empírico do capítulo mostram como os saberes, as práticas e a saúde no trabalho estruturam as percepções dos trabalhadores do turismo. Há neste capítulo uma riqueza de relatos desses profissionais e seus colegas de trabalho identificando situações típicas de adoecimento e sofrimento físico e mental, que aparecem associadas à culpabilização do próprio trabalhador e à sua situação social. Nesse contexto de trabalho dos serviços de turismo, o processo de precarização do trabalho aparece associado à sobrecarga de trabalho e, principalmente,

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ao autocontrole afetivo na execução das tarefas, produzindo como consequências a prevalência de sentimento de tristeza e relatos de desgaste e cansaço, que podem estar na gênese de adoecimento vinculado à atividade de trabalho. O capítulo lança, portanto, luzes sobre o contexto real de trabalho e os riscos para a saúde de uma categoria profissional pouco investigada.

O capítulo intitulado Os sentidos do trabalho no processo de subjetivação do adolescente: Contribuições da Clínica da Atividade, de João César de Freitas Fonseca, Suzana da Rosa Tolfo e Mauro Lúcio Henrique de Carvalho o foco temático é o trabalho juvenil e os autores destacam a importância de se investigar os impactos sociais da inserção (ou não) dos jovens no mundo do trabalho. Mas, de entrada, alertam sobre a complexidade do tema posta a inexistência de conceito unívoco de adolescência. Adotam o entendimento de Mauss sobre “fato social total” para enquadrar o fenômeno. Os resultados apresentados de pesquisa empírica, analisados com o enfoque da clínica da atividade, mostram que os múltiplos fazeres dos jovens trabalhadores assumem lugar de destaque na experiência da formação profissional destes e ampliam o “poder de agir” para modificarem a realidade na qual estão imersos. Mais: as situações de trabalho dos adolescentes reverberam na dinâmica das interações individuais e coletivas, produzindo revisões na hierarquia de seus próprios valores.

A presença do capítulo Desarrollo del potencial humano y bienestar en el trabajo, de Maiky Díaz Pérez e Damian Valdés Santiago constitui uma contribuição especialmente relevante, não apenas pelo conteúdo e contribuições do tema abordado mas, principalmente, por permitir conhecer resultados empíricos de estudo exploratório relativo ao contexto de trabalho cubano. Ancorado, por um lado, em enfoque epistemológico histórico-cultural e da complexidade para

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analisar as organizações e, por outro, na adoção metodológica da investigação-ação para aplicar os resultados de pesquisa, o capítulo busca caracterizar a noção de bem-estar e trabalho de três coletivos de trabalhadores imersos no denominado novo cenário econômico e social de Cuba. Os autores explicitam duas noções centrais que orientam o enfoque do capítulo, quais sejam: a) desenvolvimento organizacional centrado na compreensão e na transformação da subjetividade humana no contexto laboral; e b) desenvolvimento do potencial humano que se fundamenta no pressuposto vygotiskiano de que em toda função psicológica existe pelo menos em dois planos – no plano das relações inter-psicológicas da interação e comunicação, e no plano das relações intra-psicológicas. Observam os autores deste capítulo que tal princípio, por sua vez, dá sentido à discrepância que pode vir a ser identificada entre o nível real de desenvolvimento de determinada pessoa (capacidade efetiva de resolver autonomamente um problema) e o seu nível de desenvolvimento potencial (capacidade efetiva de resolver um problema com orientação ou ajuda de outrem), em conformidade com o operador teórico de uma zona de desenvolvimento proximal ou potencial. Os resultados encontrados evidenciam a importância tanto intrínseca quanto extrínseca do trabalho, colocando-o em relevo tanto em termos de fatores externos passíveis de abordagem higiênica quanto em termos de demandas e riscos psicossociais que se fazem igualmente presentes.

Os aportes dos dois capítulos que finalizam o livro são de natureza metodológica. O capítulo Questões metodológicas na pesquisa qualitativa em psicologia do trabalho: entrevista e ética entre pesquisador e pesquisado, de Cristina Miyuki Hashizume e Karina Moutinho, promove uma discussão ética e epistemológica sobre

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a entrevista na pesquisa qualitativa no que diz respeito à díade saúde e trabalho, enfatizando a importância de se articular a teoria e o método (instrumentos e técnicas de investigação escolhidas). Para fundamentar a abordagem da temática do capítulo, as autoras apresentam os resultados de pesquisa realizada com funcionários técnicos e administrativos em uma universidade do estado de São Paulo, com base na abordagem da Psicossociologia Social Clínica. O capítulo contribui para o escopo desta obra, portanto, por duas vertentes: em primeiro lugar, traz discussões a partir de resultados de pesquisas sobre a precarização das condições de trabalho, o sofrimento e a participação política de funcionários técnicos e administrativos na universidade pública; complementarmente, traz contribuição de natureza metodológica, abordando o uso da entrevista em Psicossociologia Clínica, o que possibilita o aprimoramento de investigações no campo temático do presente livro.

Finalmente, este livro se conclui com o capítulo intitulado A mensuração do burnout: um estudo crítico, de Flávio Fernandes Fontes e Jorge Tarcísio da Rocha Falcão, que tem como foco central um estudo aprofundado do trabalho internacionalmente conhecido de Christina Maslach, visando contribuir para a construção de uma análise com nuances metateóricas decorrentes de contextualização da corrente de pesquisa hegemônica, hoje, sobre o burnout. Tal perspectiva analítica guarda sintonia com a temática do livro, posto que os próprios autores chamam a atenção para o fato de que a síndrome de burnout parece conjugar tanto a intensificação do trabalho quanto o seu esvaziamento. Nessa perspectiva, os autores examinam com cuidado dois livros, 26 artigos e capítulos de livro de autoria de C. Maslach, desvelando a gênese do enfoque do fenômeno por esta pesquisadora, desde

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na década de 1970, e quais as principais transformações na produção teórica acerca do tema até o ano de 2014. Ao ressituar a origem conceitual do fenômeno e sua significação primeira, os autores destacam que o burnout de Freudenberger é fruto da clínica psicanalítica, o de Maslach, que veio em seguida, da pesquisa tipo survey (levantamento) com questionários e entrevistas. Eles alertam que dissociar o conceito de burnout da ferramenta de coleta, o questionário MBI (Maslach Burnout Inventory) e do positivismo que o cerca é requisito fundamental para que haja uma real discussão sobre a evolução do conceito, e eventual avanço científico.

Enfim, a arquitetura do presente livro, o caráter transversal de sua temática, os trajetos argumentativos dos autores ao longo dos capítulos e as contribuições teóricas, metodológicas e empíricas de pesquisadores brasileiros e estrangeiros sintetizam a amplitude e as peculiaridades desta obra. A leitura crítica do conteúdo do livro e o potencial diálogo com a experiência de estudos e aplicações de seu público-alvo (pesquisadores, professores, profissionais diversos das áreas de trabalho, saúde e gestão, governantes, dirigentes sindicais, trabalhadores, operadores do direito, estudantes de graduação e pós-graduação, entre outros) podem, certamente, contribuir para o aprimoramento de quadros interpretativos sobre a temática do livro no campo da relação trabalho e saúde e, sobretudo, a efetividade das transformações humanizadoras sustentáveis de que o mundo do trabalho tanto precisa.

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Los múltiples aspectos de las condiciones temporales de trabajo, como la duración de la actividad (jornadas, horarios, calendarios, turnos, ritmos, descansos, vacaciones ...) y su intensidad (densidad), la presión de la agenda (urgencia, prisa, velocidad, ritmo, etc.), la unidad, integración y continuidad de las tareas (su grado de fragmentación y de dispersión, la frecuencia de sus interrupciones, etc.), la estabilidad (seguridad) en el empleo o la articulación del tiempo laboral con el dedicado a otros ámbitos relevantes de la existencia (privada y pública) inciden, fuerte y decisivamente, no solo sobre la misma experiencia de trabajo, sino también sobre el conjunto de la dinámica individual y social. Si no se tomara en cuenta esta variable fundamental, no se podrían explicar ni comprender adecuadamente fenómenos y procesos tan diversos y heterogéneos como la motivación, la satisfacción y el rendimiento laborales, la implicación y el compromiso con el trabajo, con la profesión y con la organización, las patologías profesionales, las disfunciones empresariales (conflictividad, absentismo-presentismo, rotación, accidentalidad, bajas e incapacitaciones laborales, etc.), la eficacia y la eficiencia de las mismas organizaciones ni, en último término, los niveles de salud y bienestar de la gente en general; esto es, la calidad de la vida cotidiana de las personas y de las comunidades (EU OSHA, 2007, 2014).

Josep M. Blanch

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22JOSEP M. BLANCH

En este capítulo, relacionaremos las experiencias de tiempo y de trabajo desde un prisma histórico-cultural como marco para un enfoque de algunos desafíos psicosociales que plantea la nueva organización y gestión del trabajo, con especial énfasis en la intensificación de la demanda laboral de carga temporal. Para ello, analizaremos algunas articulaciones psicosociales de tiempo y trabajo como categorías de experiencia, focalizando determinadas transformaciones contemporáneas en la temporalidad laboral en tanto que factores de riesgo psicosocial.

De la relevancia del tema da una idea la Sexta Encuesta Europea de Condiciones de Trabajo, que fue aplicada en 2015 a una muestra de 43.000 trabajadores de 35 países pertenecientes en su mayoría a la Unión Europea, mientras que algunos otros eran estados asociados a la misma. Esta investigación, que se viene desarrollando con carácter quinquenal desde 1990, analiza relaciones e influencias entre diferentes aspectos de las condiciones de trabajo, evaluando tendencias de cambio, señalando progresos realizados, identificando problemas emergentes y determinando circunstancias, procesos y grupos de especial de riesgo laboral. Todo ello con el objetivo general de contribuir con referentes empíricos a la formulación de políticas laborales y a su evaluación. Aunque sus resultados solo describen estrictamente lo que acontece en el ámbito europeo, sin embargo están reflejando, con matices idiosincráticos, tendencias globales que la literatura incluso presenta como más acentuadas en otros entornos geográficos, socioeconómicos y político-culturales.

Esa encuesta, siguiendo una línea ya señalada por las inmediatamente anteriores, destaca la intensificación del trabajo como principal factor de riesgo psicosocial en el panorama laboral europeo. En el resumen preliminar de sus resultados generales (EUROFOUND, 2016), destacan los siguientes aspectos:

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23JOSEP M. BLANCH

Entre las tendencias de cambio a lo largo del período 2005-2015, identificadas mediante una serie de indicadores estables y homogéneos, se observó que el “trabajar a gran velocidad” pasó de ser reconocido como una característica de la propia experiencia laboral actual en el 27.0 % de los casos de 2005 a serlo en el 33.0 % de los de 2015. Así mismo el “trabajar con plazos ajustados” pasó del 25.9 % al 34.5 % y la sensación el “cansancio general” en el trabajo del 39.0 % al 45.0 %. También se puso de manifiesto un empeoramiento en el conjunto de las “exigencias de ritmo e intensidad del trabajo”, medidas mediante los indicadores “demandas del trabajo de otros compañeros”, “demandas directas de otras personas (clientes, pacientes, alumnos, etc.)”, “objetivos de producción o de rendimiento determinados”, “velocidad automática de máquinas o desplazamiento del producto” y “supervisión directa por parte de la dirección”. Estas constataciones puntuales aparecen como consistentes con lo que apunta una corriente más de fondo: la de la creciente proporción de trabajadores que declaran enfrentarse a un “nivel muy alto de demandas de trabajo” (a menudo acompañada de una disminución de los “niveles de autonomía y seguridad en el empleo”).

Según este primer avance de resultados de la encuesta, en el incremento de las demandas laborales confluyen diversos vectores: el trabajo se ha vuelto más concentrado (programado con plazos ajustados), debe hacerse más rápido (a alta velocidad) o simplemente incluye demasiada tarea (o bien se dispone de tiempo insuficiente para hacerlo todo). Integrando este conjunto de indicadores, el balance de la encuesta confirma que el trabajo intensivo es muy frecuente, atendiendo a que el 36% de los trabajadores de la UE contemporá-neos declaran trabajar «todo el tiempo» o «casi todo el tiempo» con plazos ajustados, mientras que el 33% informa estar haciéndolo a “alta velocidad». Un tercio de los encuestados reconoce que “casi nunca” tiene suficiente tiempo para hacer todo su trabajo; resultando además

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24JOSEP M. BLANCH

que quienes reconocen trabajar largas horas también informan de que su trabajo es intensivo.

Anteriormente, y en la misma línea, entre las principales conclusiones del primer Overview Report de la Quinta Encuesta Europea de Condiciones de Trabajo (EUROFOUND, 2012) destacó la de que, mientras “los niveles de exposición a los riesgos físicos reportados en el lugar de trabajo” no habían disminuido mucho desde la primera Encuesta de 1991, los relativos a los riesgos psicosociales, que afectan negativamente la salud y el bienestar de los trabajadores, “no pararon de crecer”.

Si los riesgos laborales en general fueron concebidos como la probabilidad de un daño derivado de las condiciones de trabajo, los riesgos psicosociales se relacionan estrechamente con la forma en que el trabajo está diseñado, organizado y gestionado y también con el contexto económico y social del trabajo (EU-OSHA, 2007). Entre los riesgos psicosociales más relevantes, la Quinta Encuesta señaló específicamente el de las “altas exigencias e intensidad de trabajo” (junto con los de las también altas demandas emocionales, la baja autonomía, los conflictos éticos, las relaciones sociales deficientes y la inseguridad laboral). El 43% de los trabajadores autónomos y el 29% de los empleados encuestados en 2010 dijeron que les hubiera gustado reducir sus horas de trabajo (mientras que, por el contrario, el 11% de los trabajadores autónomos y el 14% de los empleados deseaban aumentarlas). También aquí se destacó que habitualmente estas largas horas de trabajo estaban además asociadas a altos niveles de intensidad del mismo.

En el resumen de los datos de esta quinta encuesta fueron categorizados los indicadores de riesgos psicosociales en seis dimensiones, la primera de las cuales fue la de la alta demanda e intensidad de trabajo, referida a la cantidad esfuerzo (físico, cognitivo, emocional, social, etc.) que se exige a una persona para desempeñar su trabajo en términos de volumen, velocidad y complejidad de la

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tarea. Asociado a este constructo aparece el de demandas excesivas, para cuya evaluación se requiere una combinación de indicadores subjetivos y objetivos. Según el informe, el indicador subjetivo de la intensidad del trabajo, que describe la experiencia de altas exigencias de trabajo, reveló un “aument o general de la intensidad del trabajo en la mayoría de los países europeos en las últimas dos décadas” (1990-2010). El 62% de los trabajadores encuestados para el quinto informe declaró estar trabajando “con plazos ajustados” al menos una cuarta parte de su tiempo laboral y el 59% informó que estaba trabajando “a alta velocidad” también al menos en una cuarta parte de su jornada. La percepción extendida de alta extensión e intensidad del trabajo fue asociada además a la de una dificultad creciente de conciliar tiempo de trabajo y tiempo personal (EUROFOUND, 2012).

Tiempo y Trabajo

La vida psicológica, social y cultural, tejida de recuerdos, actos y proyectos, se estructura, especialmente desde la modernidad, sobre unas categorías fundamentales, entre las que sobresalen las de trabajo y de tiempo. La dimensión temporal ha llegado a su vez a constituir la condición de posibilidad y el eje vertebrador psicosocial de experiencias laborales como certidumbre, seguridad, progreso, carrera y, en último término, como salud, bienestar y felicidad en el trabajo. La comprensión de la relevancia de procesos contemporáneos como los de la intensificación y la aceleración del trabajo requiere una visión retrospectiva histórico-cultural acerca de la representación y la vivencia del tiempo y de su relación con el trabajo.

El de “tiempo” es un término polisémico que, en cualquier caso, remite a un fenómeno de naturaleza compleja que es objeto

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de estudio interdisciplinario, incluyendo desde las más diversas ramas de la física, las matemáticas y la filosofía hasta las ciencias humanas y sociales (ADAM, 1995; GROSSIN, 1969, 1984; HAWKING, 1989; PRIGOGINE, 2005; REDONDI, 2010; WHITROW, 1980; YOURGRAU, 2007), sin dejar de lado la literatura; especialmente la poesía.

Entre los tópicos más consagrados por los múltiples discursos sobre la temporalidad figura el posicionamiento de Agustín de Hipona (397) en el capítulo XI de sus Confesiones, según el cual, como ocurre ante cualquier pregunta retórica, uno cree tener la respuesta hasta que se plantea la pregunta que hace desvanecer la ilusión de aquella creencia:

¿Qué es, pues, el tiempo? Si nadie me lo pregunta, lo sé; pero

si quiero explicárselo al que me lo pregunta, no lo sé. Lo que

sí digo sin vacilación es que sé que si nada pasase no habría

tiempo pasado; y si nada sucediese, no habría tiempo futuro;

y si nada existiese, no habría tiempo presente. Pero aquellos

dos tiempos, pretérito y futuro, ¿cómo pueden ser, si el

pretérito ya no es y el futuro todavía no es? Y en cuanto al

presente, si fuese siempre presente y no pasase a ser pretérito,

ya no sería tiempo, sino eternidad. Si, pues, el presente, para

ser tiempo es necesario que pase a ser pretérito, ¿cómo

deciros que existe éste, cuya causa o razón de ser está en

dejar de ser, de tal modo que no podemos decir con verdad

que existe el tiempo sino en cuanto tiende a no ser? (XI, 17).

Pero el sabio, para no quedarse tan pronto sin palabras, rescata solo una: el tiempo es “extensión”. Pero al final, termina con más preguntas que respuestas: “De aquí me pareció que el tiempo no es otra cosa que una extensión; pero ¿de qué? No lo sé […] Mido el tiempo, lo sé; pero ni mido el futuro, que aún no es; ni mido el presente,

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que no se extiende por ningún espacio; ni mido el pretérito, que ya no existe. ¿Qué es, pues, lo que mido?” (XI, 33). El santo acaba reconociendo que tampoco le resulta convincente la representación del tiempo como movimiento del propio cuerpo en el espacio o de paseo del sol por el universo. De modo que, finalmente asume que, sobre este “enredadísimo enigma”, solo puede aportarle luz el mismo Dios, al que se encomienda al final del capítulo dedicado a la “investigación” de un tema sobre el que todos hablamos y escuchamos tranquilamente, creyendo saber de qué estamos tratando.

Bergson (1896) abundó en esta misma línea al afirmar que el ser humano se percibe a sí mismo como “duración” y que la realidad también es “durable” (durée réelle)”. Sin embargo, al final, siguiendo los pasos del obispo de Hipona, acaba reconociendo que el tiempo es un objeto demasiado complejo para resultar abarcable y comprensible por la ciencia (incluyendo matemática, geometría y física).

A pesar de tanta dificultad epistémica, nunca hemos dejado de pensar el tiempo, porque es una condición imprescindible para reflexionar sobre nosotros mismos. De modo que, a lo largo de la historia y de las culturas, lo hemos representado como algo lineal, cíclico o espiral, continuo o discontinuo, absoluto o relativo, medible o inconmensurable, lleno o vacío, uni o pluridireccional, indisociable o no del movimiento en el espacio, a priori de la mente o hecho empírico extenso, inestable y fugaz. El tiempo ha sido objeto de inagotables debates físicos y metafísicos, desde los presocráticos hasta los posmodernos, sobre lo que incluye de realidad natural, de ilusión de la mente, de marco de referencia lógico, de representación mitológica y religiosa, de construcción matemática o de fenómeno geométrico. En este marco, sin embargo, parece sobresalir una certeza: sin referirse al tiempo, resulta imposible comprender la existencia humana en sus múltiples dimensiones individual y colectiva,

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biopsicosocial, histórica, socioeconómica, política, cultural, cotidiana y, también y especialmente, laboral.

Según el sociólogo Elías (1989), la temporalidad organiza y regula el orden social, estructurando además la percepción del cambio cultural y del progreso histórico. Para la psicóloga Jahoda (1982), el empleo es una fuente de categorías de experiencia entre las que figura la estructura del tiempo cotidiano. Desde las diversas perspectivas psicológicas, la perspectiva temporal es una condición necesaria para la activación y el desarrollo individual de funciones psíquicas superiores como la conciencia de causalidad, de responsabilidad y de moralidad, la planificación estratégica de la propia vida, la memoria y los proyectos personales, las aspiraciones y las expectativas existenciales. En el plano histórico-cultural, las sociedades precapitalistas se autoorganizaron de acuerdo con ritmos temporales de la naturaleza (día y noche, estaciones, ciclos solares y lunares, de lluvias o de sequía, etc.). En la contemporaneidad, la planificación estratégica es una condición necesaria para la viabilidad y sostenibilidad de pequeñas y grandes empresas, privadas o públicas.

Metamorfosis de la articulación psicológica trabajo-tiempo

Entre el carpe diem de Horatius, poeta latino del epicureísmo, y el time is gold de Benjamin Franklin, filósofo norteamericano del capitalismo, media no solo la distancia de casi dos milenios, sino el abismo que separa dos cosmovisiones del tiempo y del trabajo: la que incita a gozar del día lejos de negocios y trabajos, viviendo una vida conforme a la naturaleza, y la que conmina a sacar provecho

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del tiempo en la actividad productiva, convirtiéndolo en oro y en dinero. Según Sombart (1926), la modernidad configura un nuevo tipo humano -el burgués- y un nuevo estilo cultural: la economización del tiempo. Esta propuesta moderno-burguesa de experiencia temporal rompe el equilibrio natural entre el continente tiempo y el contenido trabajo, invitando a forzar artificialmente el ritmo natural de la ejecución de las actividades productivas, en función precisamente del valor económico del tiempo. La cultura industrial puso en marcha la lógica de la intensificación del tiempo de trabajo, que a su vez comportó la aceleración general de los ritmos de vida. Si incluso el trabajo de los esclavos antiguos estuvo sometido a los ciclos naturales, el trabajar al ritmo de la naturaleza constituye un lujo que ya no está al alcance de la mayoría de los “burgueses” contemporáneos.

Weber (1905) encontró raíces éticas de la visión industrial del tiempo en los sermones de Teología Práctica del pastor anglicano de tendencia calvinista Richard Baxter (1615-1699), donde recomendaba a sus fieles que apreciaran grandemente el tiempo, procurando no perderlo-, puesto que, de hacerlo, también perderían su oro y su dinero. El sociólogo alemán vio una clara conexión entre la teología moral del trabajo baxteriana (BAXTER, 1830; conjunto de sermones realizados por el pastor en el siglo XVII compilados en el XIX por William Orme) y la ideología de la religión del trabajo proclamada en el siglo XVIII por el pensador laico Benjamin Franklin (1729), según el cual el buen burgués debe ocuparse en hacer algo útil, para así aprovechar su tiempo. En sus consejos para hacer fortuna, sigue la tradición de Baxter al presentar el tiempo como un bien económico precioso, ganable o perdible, transformable en oro o en dinero mediante el trabajo. Para él, malgastar las horas equivale a tirar dinero; mientras que, pasándolas trabajando, se hace fortuna: “Recuerda que el tiempo es dinero. Quien, pudiendo ganar 10 shillings por su día de trabajo, dedica media jornada pasear o dormir en casa (...) desperdició 5 shillings”.

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Los consejos de Franklin (“el tiempo es oro “,” el tiempo es dinero “,” no dejes para mañana lo que puedas hacer hoy “,” Sin trabajo, no hay beneficio”, etc.), repetidos durante dos siglos en una veintena de idiomas cultos a través de las casillas vacías de su calendario Almanaque del Buen Ricardo, calaron en la cultura occidental y ya global. De modo que, en su investigación sobre los tiempos de la vida cotidiana, Grossin (1984) encontró que, en la Francia de finales del siglo XX, la pérdida de tiempo era vivida como desagradable; mientras resultaba agradable el ganarlo o aprovecharlo. Jahoda (1982) describió la vivencia del tiempo de desempleo en términos de vacío, interpretando el horror al desempleo como un vértigo ante la vaciedad-inutilidad de un tiempo de exclusión del trabajo. De la centralidad moderna del tiempo de trabajo da una idea el hecho de que el periodo laboralmente activo se ha convertido para el sentido común en el centro del ciclo vital de las personas, dando sentido a las fases “pre” (formación para el trabajo) y “post” (jubilación después del trabajo) laborales. Muchas teorías clásicas del desarrollo psicológico y social conciben el acceso al trabajo como la puerta de entrada a la vida adulta.

El tiempo de trabajo se convirtió en un referente central de la modernidad. En su Investigación sobre la naturaleza y causas de la riqueza de las naciones, Adam Smith (1776), proclamó que la máxima fuente de riqueza de una nación no radica en sus recursos naturales, sino en el tiempo que dedican al trabajo sus ciudadanos. Por su parte, Marx (1867), en su libro primero de El Capital, criticó la conversión por la economía política del tiempo de trabajo en mercancía y en objeto de explotación. En el umbral del siglo XX, en sus The Principles of Scientific Management, Taylor (1911) elevó a la categoría de “ciencia” la lógica de la economización del tiempo de trabajo. Este ingeniero mecánico estadounidense, impulsor de la consultoría de gestión y de la ingeniería industrial, se propuso mejorar la eficiencia en las plantas industriales aplicando principios de la ingeniería a la organización

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y “gestión científica” del trabajo. Así, sometida a las leyes de la economía, la gestión del tiempo de trabajo ha girado en torno a nociones como las de productividad (cantidad de producto del trabajo por unidad de tiempo) y eficiencia (resultados de trabajo en función del tiempo empleado en conseguirlos) y constructos asociados como los de competitividad, rentabilidad, coste-beneficio, puntualidad, “just in time”, etc.

Reloj, calendario y medida del tiempo de trabajo

El reloj llegó a ser el instrumento de medida del tiempo, a la vez que el símbolo y el principal factor de la regulación social y de la estructuración de la vida cotidiana de personas y pueblos. Y también un marco de referencia para la explotación económica de este tiempo. En las economías precapitalistas, el reloj de sol daba una idea de los tiempos naturales de trabajo; por lo que se trabajaba habitualmente en las horas y en los días en que este dispositivo resultaba operativo. Fiestas aparte (que en las economías preindustriales ocupaban una parte muy notable del calendario), el reloj solar no funciona de noche ni tampoco cuando llueve. Se trabajaba en un espacio -tiempo natural, regulado por ciclos naturales (día-noche, estaciones, ciclos de lluvias, etc.). Con la revolución industrial, el espacio-tiempo de trabajo (la fábrica, la oficina, etc.) se convirtió en artificial, al adoptar la forma de un continente cerrado, iluminable con luz artificial, gracias al invento de la electricidad, con clima regulable mediante aire acondicionado o calefacción y protegido de viento, lluvia y nieve. El reloj analógico de pared simbolizó el nuevo orden industrial. Las fábricas pudieron funcionar durante las 24 horas del día, cada semana del año de todos los años de la vida de cada persona

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trabajadora, descontando los inevitables “tiempos de reposición biológica”. Las nuevas condiciones materiales del trabajo fabril permitieron introducir el trabajo por turnos, extender artificialmente las jornadas laborales y luego la intensificación del mismo tiempo de trabajo. Por su parte, el reloj digital parece haberse constituido en el símbolo de la nueva era del capitalismo flexible, caracterizada por vivir el instante presente, en un tiempo laboral discontinuo y fragmentado.

Por otra parte, se instituyó el calendario como una herramienta básica para la planificación del tiempo laboral. En el mundo global contemporáneo, se combinan y confunden modelos de jornadas laborales precapitalistas con otros pertenecientes a las diversas fases del capitalismo. En términos generales, la historia de las jornadas laborales en los países capitalistas pasó por una primera fase (siglo XIX europeo, reactualizado en el siglo XXI, especialmente en determinadas zonas asiáticas) caracterizada por jornadas laborales de 14 o más horas diarias, todos los días de la semana de todas las semanas del año, a lo largo de la mayor parte de los años de la vida de las personas, con medias comprendidas entre las 3500 y las 4000 horas de trabajo anuales. En tales circunstancias, el tiempo de vida de las personas trabajadoras se divide en dos bloques: el de trabajo y el de reposición, este último dedicado al mantenimiento y recuperación de fuerzas por las personas trabajadoras, en un proceso que Marx (1867) equiparó al de alimentar de carbón el fuego de las máquinas de vapor.

A lo largo del siglo XIX y del primer tercio del XX, se operó una progresiva reducción de la jornada laboral, en buena parte debida a la presión de sindicatos y movimientos sociales, hasta una situación que en la actualidad abarca en general entre 1600 y 2200 horas anuales (con las consabidas y relevantes excepciones de países y contextos que no aparecen en las cifras oficiales). Una combinación

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de saltos cuantitativos impulsó además un salto cualitativo hacia la liberación, para la vida personal, social y cultural de los trabajadores, de unos tiempos distintos del de la mera reposición (comer y dormir), en contextos de jornadas de 8 horas dentro de semanas de 40, especialmente en fines de semana y vacaciones. En la mayoría de las sociedades, se fue retrasando la edad de entrada al mundo del trabajo (extendiendo la edad escolar) y adelantando la de salida del mismo (jubilación), en un contexto de alargamiento de la esperanza de vida de la población.

Trabajar bajo presión temporal

Pero no todo fueron buenas noticias para el mundo laboral; ya que la transición entre milenios viene marcada por nuevas demandas cuantitativas y cualitativas de tiempo laboral, en forma de intensificación, sobrecarga y, en determinadas latitudes, también de re-extensión del tiempo de trabajo (LEE, 2007; OECD, 2004). En este nuevo panorama, confluyen tendencias que se pueden contemplar desde el plano de las personas y desde el de las organizaciones.

Por el lado de las personas trabajadoras, en algunos países económicamente avanzados como Estados Unidos de América, a lo largo de las últimas décadas, de notable crecimiento económico en términos de producto interior bruto, muchos ciudadanos aprovecharon su tiempo libre para hacer horas extra o para ejercer un segundo empleo, incrementando así la cifra media de horas trabajadas en el país. Ya hace tiempo, la socióloga Juliet Schor (1991) descubrió el overworked american, al observar una tendencia implacable en USA a dedicar cada vez más horas al día y más semanas al año a la actividad laboral, tanto en el trabajo

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directo como en el indirecto (desplazamiento del hogar al trabajo y viceversa; gestiones paralaborales fuera del espacio-tiempo de trabajo propiamente dicho, por imperativos de las empresas o de las propias administraciones públicas; aprendizaje continuo de contenidos necesarios para un desarrollo profesional competente y eficiente o deberes laborales que, a menudo, hay que hacer en casa).

Según esta autora, el que ya a inicios de los 90 cada vez más gente trabajara más tiempo y más duro se podía explicar por el fantasma del despido laboral, que inducía a la gente a aceptar infra-salarios y pérdidas de poder adquisitivo sólo compensables mediante un plus de trabajo más extensivo e intensivo para mantener un “irrenunciable” nivel de consumo.

Por el lado de las empresas, en los últimos decenios, la mayoría de ellas se convirtieron a la ideología del New Management (FERNÁNDEZ, 2007; POLLITT, 2007; TUMMERS; BEKKERS; STEIJN, 2009), una manera de ver y de hacer las cosas que incide fuertemente en la vivencia temporal del trabajo por el personal. Consiste en un modelo de gestión entre cuyas apuestas estratégicas en relación al tiempo de trabajo destacan las orientadas al incremento de la eficiencia, la productividad y la competitividad. Forma parte de esta tendencia la reingeniería de procesos, una tecnología orientada a una optimización y en general a una reducción de los tiempos de los mismos, que se traduce en un ahorro en el capítulo de los costes del trabajo, en nombre de la minimización de costes y de la maximización de los beneficios empresariales. Maneja el principio justo a tiempo como técnica de eliminación de tiempos muertos y de densificación del trabajo. Este nuevo formato de producción conlleva un nuevo tipo de trabajador: el just-in-time-worker: un empleado temporalmente precarizado cuyo tiempo está totalmente disponible para quien se lo compre, ya sea en pequeñas fracciones o base de series agotadoras de horas extra.

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La cara visible de tal reingeniería es la imagen de una empresa más f lexible, ágil y esbelta. La cruz invisible de todo ello es la sobrecarga de trabajo que debe soportar el personal flexibilizado y supuestamente empoderado (BAWDEN; ROBINSON, 2008; BLANCH; CRESPO; SAHAGÚN, 2012; DUXBURY; LYONS; GRANERO; BLANCH; OCHOA, 2018; HIGGINS, 2008; MININEL; BAPTISTA; FELLI, 2011; OCHOA; BLANCH, 2016).

La sobrecarga de trabajo remite a un estado (objetivo y percibido) en el que una persona operadora se siente incapaz de satisfacer eficaz y puntualmente las demandas cuantitativas y cualitativas de su tarea, encontrándose inmersa en una vivencia psicológicamente insatisfactoria de “exceso de trabajo” o de “falta de tiempo” para terminarlo todo o para realizarlo bien, de agenda saturada y de prisa y urgencia permanentes (BLANCH, 2012). La experiencia de sobrecarga de trabajo, factor clave de riesgo psicosocial de burnout, ha sido explicada como el resultado acumulativo de un desequilibrio crónico entre el volumen y la complejidad de la demanda por un lado y los recursos disponibles para satisfacerla con eficacia por otra (BAKKER; DEMEROUTI, 2017; 2018; DEMEROUTI; BAKKER; XANTHOPOULOU, 2019).

La subjetivación del work overload se traduce en el estar y sentirse business; esto es, en esa experiencia de saturación de tarea, acompañada de la percepción estresante de prisa, urgencia y desbordamiento, y a menudo también de una conciencia de “mala praxis profesional”, que derivan precisamente de la sensación permanente de falta de tiempo para finalizar el trabajo o para ejecutarlo adecuadamente.

La cresta de la ola del nuevo management es la gestión por estrés – en determinado argot sindical denominada “gestión por terror”-, que conduce a la intensificación objetiva del trabajo, determinando que la actividad laboral sea desarrollada bajo los signos de la presión, la rapidez y la impresión de “situación límite” y de “riesgo de colapso”. El management by stress (GODARD, 2004) aumenta

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los ritmos de trabajo. Esta estrategia gerencial tóxica es caldo de cultivo de “presentismo” (práctica de la persona que va a trabajar estando enferma), con el consiguiente “coste invisible para la misma organización” (QUAZI, 2013). También activa el sobreesfuerzo crónico por parte de empleados con baja productividad general derivada de su déficit de experiencia o de competencias específicas. Atrapado en tales circunstancias, el personal gestionado por estrés se ve además forzado a desatender algunas demandas familiares que pudieran distraer su atención del trabajo. Todo lo cual comporta, a su vez, los correspondientes costos en su propia salud ocupacional.

Gestión por estrés y sobrecarga de trabajo se han asociado a menudo al llamado modelo japonés (en muchos aspectos “superado” por modelos de patente coreana y china), en alusión al estereotipo que asocia la actitud de los japoneses hacia el trabajo a la de la abeja obrera. El Japanese Production Management ( JPM) desarrolló el modelo toyotista y dio lugar a una forma muy imitada de nueva gestión caracterizada por el kaizen y el kanban, que conllevan dosis extremas de lo que se denominó calidad total, justo-a-tiempo, trabajo en equipo, cero defectos, etc. Este modelo constituye un “avance” significativo hacia el “ideal” de la depuración de todas aquellas funciones y tiempos que no añaden valor, y que por tanto “deben considerarse pérdidas” en el cómputo general del valor que aporta a la empresa cada persona trabajadora en una jornada normal de trabajo. En este pack se incluyen tiempos de descanso o de espera, de desplazamiento a pie dentro del lugar de trabajo, tareas indirectos de mantenimiento, reparación y limpieza, momentos dedicados a ir al baño, a comer o beber, a hablar con compañeros de trabajo o por móvil, o incluso limpiar el sudor de la frente o rascarse la nariz. Eliminar estas “pérdidas” o “fugas” implica concentrar, condensar e intensificar el esfuerzo de manera acumulativa.

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Cuando la gestión por estrés se combina con largas jornadas de trabajo, el riesgo de burnout crece exponencialmente hasta un punto que, en algunos casos, se convierte en letal, en los casos de karoshi (muerte por sobrecarga crónica de trabajo), donde se combina un habitual exceso de trabajo con déficit sostenido de tiempo de reposición, como ya advirtieron hace tiempo Michie y Cockcroft (1996) en su Overwork can kill y Nishiyama y Johnson, (1997) en Karoshi: death from overwork y se reconoce oficialmente en Japón desde hace dos décadas (MINISTRY OF HEALTH, LABOUR & WELFARE, Japan, 2011, 2012).

Aceleración del tiempo laboral

A lg u n o s s o c i ó l o go s d e l a S e g u n d a M o d e r n i d a d (GIDDENS, 1990; GIDDENS et al., 2011) y de la Modernidad Ref lexiva (BECK, 1992) destacaron la “velocidad” de la transición hacia esta fase. Tomlinson (2007) llegó a hablar de la cultura de la velocidad y Aubert (2003) de culto a la urgencia, en el marco de lo que Agger (2004) denomina capitalismo rápido. Por su parte, Rosa (2003, 2010) describió en términos de aceleración social y de sociedad de alta velocidad ese frenesí contemporáneo, presentándolo como una forma de alienación característica de la temporalidad específica de la modernidad tardía, según él marcada por una triple demanda creciente de aceleración: la concerniente a innovación tecnológica, a cambio social y a ritmo de vida.

Siguiendo los pasos de este sociólogo, Ulferts, Korunka y Kubicek (2013) relacionaron la aceleración con la misma vida laboral, especialmente en lo concerniente a intensidad de trabajo y a presión temporal, basándose en datos de las encuestas europeas sobre

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condiciones de trabajo de 2001, 2005 y 2010. Y atribuyeron estos procesos de aceleración en el ámbito laboral directamente a las altas exigencias impuestas al personal empleado que, además de manejar hardware y software en rápido proceso de obsolescencia, debe afrontar estas demandas estresantes en un contexto organizacional cada vez más regido por normas y criterios de corto plazo, que lo hacen crecientemente incierto, imprevisible e inseguro en el medio plazo. Estas exigencias de aceleración aparecen, en definitiva como un componente temporal sobreañadido a la sobrecarga de trabajo.

Hacia un tiempo de Trabajo Decente

El tiempo de trabajo bajo el régimen keynesiano-fordista (tan criticado como añorado) fue regular y regulado, preciso y concreto, en cuanto a horario y calendario laborales, que se establecían en convenios colectivos. Fue también el tiempo lineal y continuo del empleo estable en un marco de protección social creciente. El tiempo de trabajo poskeynesiano y posfordista es flexible y desregulado. En las organizaciones flexibilizadas, las fronteras temporales entre trabajo y no trabajo se vuelven difusas, ya que el tiempo de trabajo devino fragmentado, discontinuo y precario. En este contexto, el horario y el calendario tienden cada vez más a establecerse mediante un trato individualizado y directo entre la dirección de la empresa y cada trabajador particular.

En la empresa flexible del llamado nuevo capitalismo, dirigida según las normas de la nueva gestión, el tiempo de trabajo (duración, extensión, intensidad, estabilidad, etc.), tal como ocurre con el salario y la protección social, se establece en función de las “necesidades del mercado”, a las que la empresa debe “adaptarse” para ser competitiva

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y sostenible, reajustando a la vez las condiciones de trabajo impuestas al personal empleado (relativas a rendimiento, productividad, eficiencia, etc.).

La Organización Internacional del Trabajo introdujo el concepto de trabajo decente para señalar la distancia entre las condiciones de trabajo realmente existentes impuestas por exigencias del “mercado” y las exigibles considerando prioritariamente los criterios de salud, seguridad y calidad de vida laborales. La misma organización propuso posteriormente medidas para reducir el “déficit de trabajo decente” (ILO, 2001) y señaló tendencias y retos en el campo específico del “tiempo de trabajo decente” (BOULIN et al., 2006). Trata de enlazar con una tradición entre los hitos de la cual figuran la Ley de Fábricas, implantada en el Reino Unido en 1844, por la que se limitó las horas de Trabajo de las mujeres y los niños, y el artículo 24 de la Declaración Universal de los Derechos Humanos por la ONU de 1948, que estableció que toda persona tiene derecho al descanso, al disfrute del tiempo libre, a una limitación razonable de la duración del trabajo y a vacaciones periódicas pagadas.

El tiempo de trabajo ha sido un tema central de reflexión y debate en los planos ideológico y político desde el comienzo de la Revolución Industrial. Por ello, una de las preocupaciones más antiguas de la legislación laboral ha sido su regulación, tarea en la que ha participado activamente la misma Organización Internacional del Trabajo, en el seno de la cual se han elaborado una serie de convenios sobre los derechos laborales concernientes al tiempo de trabajo y que en su momento han ido siendo aprobados y aplicados por un número todavía relativamente escaso de países.

Desde un punto de vista psicológico, la gestión del tiempo tiene una importancia decisiva en el desarrollo personal. En el plano social, la regulación de las jornadas laborales y del calendario anual de trabajo es un factor clave estructurador del orden

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de la misma sociedad. Desde un ángulo económico, el tiempo es un bien valioso que, dependiendo de cómo se gestiona, sirve mejor o peor a los intereses de la gente y de las empresas. En las organizaciones, la gestión eficaz del tiempo está en la base de la productividad, la competitividad, la eficiencia y, en último término, del rendimiento de las personas trabajadoras individuales, y de los grupos de trabajo. Esta gestión del tiempo de trabajo influye además decisivamente en la calidad de vida laboral, encerrando también potenciales efectos perversos e indeseables tanto para las personas como para la misma organización. La pandemia Covid-19 ha generado un efecto tsunami sobre el mercado laboral y sobre la organización y gestión del trabajo, acelerando e intensificando dinámicas que se han descrito en este capítulo, especialmente en lo que concierne a estrategias gerenciales de manejo del tiempo productivo que constituyen factores de riesgo psicosocial que urge identificar, evaluar, prevenir y en su caso abolir, corregir o minimizar.

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Referencias

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LA PRECARIEDAD LABORAL ENTENDIDA COMO FENÓMENO

MULTIDIMENSIONAL Y LASALUD. EL CASO DE CHILE

ALEJANDRA VIVES, MARCELO AMABLE, JOAN BENACH

La investigación epidemiológica ha puesto históricamente su atención en la investigación sobre los efectos del desempleo sobre la salud. Dicha investigación data al menos desde los años 1930, en respuesta a la crisis de desempleo que acompañó a la Gran Depresión. De esa época también data el estudio de Marienthal, en Austria, que describe cómo el empleo tiene no sólo funciones manifiestas (salarios) sino también latentes (por ejemplo, estructura del tiempo, estatus, relaciones sociales estables), cuya pérdida probablemente provocaría malestar psicológico en muchos trabajadores (JAHODA, 1982).

Dicha investigación ha mostrado que el desempleo tiene un efecto tóxico para la salud mental de quienes han perdido el empleo, en especial para la salud mental de los hombres, y que dicho efecto disminuye cuando existen mecanismos de protección social como son los subsidios o seguros de desempleo.

A partir de los años 1980 crece el interés por entender los efectos en salud no sólo del desempleo, sino también de las formas de empleo que, dadas las transformaciones flexibilizadoras del mundo del trabajo, generaban incertidumbre e inseguridad respecto de su estabilidad y continuidad enel

Alejandra Vives, Marcelo Amable, Joan Benach

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tiempo. El estudio de la precariedad laboral en relación con la salud se enmarca en este cuerpo de investigación, que denominamos epidemiología del empleo. En un contexto de creciente flexibilización y debilitamiento de las relaciones laborales, se hace imprescindible entender los impactos que estas transformaciones del empleo pueden tener en la salud y el bienestar psicológico de las poblaciones trabajadoras.

Contextualizando la Precariedad Laboral

La precariedad laboral no es un fenómeno nuevo, sino que ha caracterizado históricamente a las relaciones laborales desprotegidas. La asimetría de poder entre empleadores y trabajadores y la discrecionalidad del empleador para contratar y despedir trabajadores está a la base de dicha precariedad histórica. El desarrollo de regulaciones para el mercado de trabajo y las leyes laborales, especialmente en los países capitalistas desarrollados, justamente han buscado proteger a la parte débil de dicha relación, es decir, al trabajador, de la discrecionalidad en la contratación y el despido y en las formas inaceptables de trato y utilización de su fuerza de trabajo, que limitan la intensidad del trabajo mediante la regulación de jornadas y días semanales laborables y vacaciones anuales, y regulan la dimensión económica de la relación laboral mediante, por ejemplo, el establecimiento de niveles salariales mínimos. Por otra parte, se ha garantizado el derecho a la negociación colectiva como mecanismo para equilibrar la asimetría de poder entre empleadores y trabajadores. Y se han desarrollado –en distinta medida- los estados de bienestar

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ofreciendo una red de protección a las personas que trabajan y sus familias mediante la provisión de seguridades y servicios sociales diversos.

En las últimas décadas, y tras la que llegó a conocerse en Europa como la época de oro del salariado, la precariedad laboral adquiere nuevo significado con el advenimiento de las prácticas laborales flexibles y la flexibilización de las relaciones laborales que se ha ido imponiendo a la par de la globalización y las nuevas formas de producción. Donde dicha flexibilización se hace más aparente es en la creación de diversas formas de empleo de duración limitada o definida, llamados también empleos temporales. Así, han crecido en los países de capitalismo avanzado los empleos temporales, de duración limitada, de jornada reducida, etc., adquiriendo nombres como empleo atípico, empleo temporal, empleo no estándar, y en algunos casos también empleo precario. Estas nuevas formas de contratación no han sido, sin embargo, el único mecanismo flexibilizador empleo, no obstante ser el más visible. Más bien se han acompañado de un sinnúmero de modificaciones a la regulación de las relaciones laborales, como son el debilitamiento de las relaciones colectivas y la organización sindical, la reducción de la protección al empleo y la facilitación del despido, externalizando las contrataciones, limitando la protección social y los derechos laborales, o poniendo límites a estos por medio de diferentes mecanismos.

Dichas transformaciones flexibilizadoras tienen como consecuencia la desprotección del trabajador frente a la discrecionalidad del empleador y a las incertidumbres del mercado de trabajo.

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La Investigación De La Relación Entre Precariedad Del Empleo Y Salud1

La precariedad del empleo es un fenómeno que afecta a la relación laboral en sus múltiples dimensiones. Esta naturaleza multidimensional de la precariedad del empleo es generalmente inaccesible a través de procedimientos regulares de recolección de datos. Así, tanto la vigilancia como la investigación epidemiológica se han centrado en indicadores más accesibles, como los empleos no estándar o temporales y la inseguridad laboral percibida, con un fuerte enfoque en el empleo asalariado. Ambos indicadores dan cuenta del carácter inestable e inseguro del empleo precario.

La erosión del empleo inducida por los mecanismos flexibilizadores y la consecuente desprotección del trabajador tiene el potencial de dañar el bienestar y la salud de las personas que trabajan, en particular su bienestar psicológico y su salud mental, por diversos mecanismos. Los mecanismos potenciales que conducen a la mala salud son diversos: ingreso bajo e irregular, frecuente asociación con malas condiciones de trabajo, frecuente combinación de condiciones de vida precarias, falta de protección social, y reducción en la protección a la salud y seguridad en el trabajo.

1 Para las personas que dependen de una relación laboral, el temor a la cesantía es, naturalmente, uno de los más importantes factores de inseguridad. De hecho, la Psicología moderna ha logrado identificar a la pérdida del empleo como una de las mayores catástrofes que le pueden ocurrir a cualquier ser humano, comparable en gravedad sólo a la muerte de los seres queridos. De allí que, un proceso de deterioro de las condiciones de trabajo y un aumento creciente de la inestabilidad, y de otros efectos negativos asociados a ésta, no pueden sino interpretarse como fenómenos disfuncionales a la calidad de vida y evidentemente un retroceso en las metas socialmente deseadas de progreso para todos (DT 1997).

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La epidemiología social y ocupacional se han interesado en estos efectos desde hace ya unas cuatro décadas, siguiendo un programa de investigación que ha ido mutando en la medida en que se desarrollan nuevos y más apropiados marcos conceptuales.

Inicialmente, la investigación se dio en el contexto de las privatizaciones de empresas públicas y la restructuración de empresas privadas en Europa, en especial en Europa del norte. Dicha investigación puso en evidencia el efecto de la incertidumbre respecto de la continuidad del empleo en contextos de dichos procesos de transformación de los centros de trabajo, llamados también grandes cambios organizacionales. Sin embargo, la evidencia rápidamente demostró que el malestar psicológico provocado por la incertidumbre sobre la continuidad del empleo no se daba solo en el contexto de grandes cambios organizacionales, sino que se instalaba como un elemento constitutivo de las nuevas relaciones laborales flexibles. Así surge la investigación sobre la inseguridad laboral percibida, por contraste con la también llamada inseguridad laboral objetiva (dada en contexto de transformaciones organizacionales). La inseguridad laboral percibida es en realidad una experiencia subjetiva que puede o no estar informada por transformaciones organizacionales, o puede ser constitutiva de las nuevas prácticas del empleo, con la creciente disminución de los contratos indefinidos de larga duración, la limitación de los derechos laborales y la protección social de los trabajadores, dejándolos a merced, en medidas variables, a la discrecionalidad del empleador y los vaivenes del mercado de trabajo, así como sus propias discontinuidades en la capacidad de trabajar, ya sea por enfermedad u otros.

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Tanto la inseguridad laboral percibida como el empleo temporal han demostrado asociaciones con peor salud, física y mental. En cuanto a la percepción de inseguridad laboral, los estudios han encontrado que se asocia con diferentes dimensiones de la salud física, como el aumento de la carga de síntomas y el uso de los servicios de salud, peor auto-reportada2, mayor riesgo cardiovascular y un riesgo moderadamente aumentado de infartos de miocardio no fatal y fatal. Los estudios han encontrado que el empleo temporal está constantemente asociado con una peor salud auto-reportada, aumento de la mortalidad por causas externas (tabaco y alcohol), fatiga, insatisfacción en el trabajo, desordenes musculo-esqueléticos, y presentismo (seguir trabajando a pesar de estar enfermo). También se ha acumulado evidencia de una asociación entre el empleo temporal y una mayor prevalencia de morbilidad psiquiátrica menor, y mayor consumo de antidepresivos.

Sin embargo, este cuerpo de investigación se ve limitado por su enfoque unidimensional del empleo precario. Abordan cuestiones de seguridad laboral o inestabilidad (amenaza de pérdida de empleo, percepción de inseguridad laboral, empleo no permanente), pero no abordan explícitamente las otras dimensiones que hacen que una situación de empleo sea precaria. En particular, estos enfoques han ignorado en gran medida la importancia de las relaciones de poder en el lugar de trabajo como determinantes de la salud (BENACH et al., 2010; BROOKER; EAKIN, 2001).

2 Pregunta única frecuentemente utilizada en las encuestas en muchos países, con leves variaciones, en que se pregunta al sujeto por su percepción respecto de su estado de salud actual, respondiéndose en base a una escala Likert de entre 5 y 7 categorías.

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La línea de investigación sobre inseguridad laboral percibida ha sido criticada por su bajo poder explicativo, dado que la percepción individual de inseguridad no puede dar cuenta del fenómeno subyacente de la precarización del empleo. Por otra parte, la percepción de inseguridad del empleo puede ser provocada por una variedad de signos y eventos que surgen ya sea del interior de la propia organización, o ser externas a la misma. En consecuencia, una medición inespecífica y global de inseguridad laboral puede ser difícil de interpretar.

Además, la inseguridad laboral es una experiencia en gran parte “privada”, un “evento interno” que puede tener una base objetiva pero puede variar considerablemente entre individuos debido a atributos personales. (HARTLEY, 1999). Este enfoque ha producido un cuerpo de investigación abundante e informativo, pero muy estrechamente vinculados a la psicología individual además de a la relación laboral.

Por su parte, el enfoque centrado en el empleo temporal se entiende como una forma de inseguridad objetiva, dado que el empleo temporal no garantiza la continuidad del empleo y puede medirse sin haber mediación de los procesos perceptivos. Además, ha adquirido importancia creciente debido a que ha tenido un aumento sustancial en algunos países durante las últimas décadas. Sin embargo, las categorías definidas exclusivamente según el tipo de contrato no pueden distinguir entre empleos temporales más o menos precarios ni, especialmente, identificar aquellos empleos permanentes que son, en alguna medida, precarios.

Es así que la investigación sobre empleo temporal ha dado lugar a algunos resultados contradictorios (ausencia de relación, relación inversa), posiblemente debido a las diferencias normativas entre países, que pueden hacer más o menos

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precario el empleo temporal y más o menos distante al empleo permanente. Puede deberse también a la heterogeneidad de las formas de empleo temporal que existen en un país y a la precarización del empleo permanente o indefinido, lo que se produce un error en la clasificación de los sujetos expuestos y no expuestos y por tanto en la comparación entre ellos. Asimismo, la experiencia muestra que, por ejemplo, durante las crisis macroeconómicas graves, la reducción del empleo temporal no refleja la reducción del empleo precario, sino la destrucción masiva del empleo temporal.

En general, las limitaciones de la investigación sobre empleo precario se deben a la ausencia de una definición y de datos rutinarios provenientes de fuentes oficiales, así como de la falta de un marco conceptual apropiado y de instrumentos de medición y datos para estudios epidemiológicos. Estas limitaciones dificultan la investigación epidemiológica e implican que el impacto del empleo precario en la salud sigue siendo controvertido. Por otro lado, la falta de un indicador consensuado limita las comparaciones entre países, dado que determinadas formas de contratos laborales serán más o menos precarias dependiendo del contexto legal en el que se establezcan.

Para superar estas limitaciones, en especial aquellas afectando a la investigación sobre la relación entre empleo precario y salud, Amable y cols desarrollaron conceptualmente la precariedad laboral así como un instrumento multidimensional para su medición: la escala de precariedad laboral (EPRES) (AMABLE, 2006).

La precariedad laboral definida multidimensionalmente puede encontrarse en cualquier forma de empleo asalariado, ya sea temporal o permanente. Además de esta ventaja de carácter conceptual, la escala permite una adecuada

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clasificación de todo tipo de trabajadores asalariados según se exponen o no, independientemente de su tipo de contrato.

Las Dimensiones de la Precariedad Laboral

Son múltiples las dimensiones del empleo debilitadas bajo el régimen de f lexibilidad. Así, el constructo de precariedad laboral que aquí se presenta incluye 6 dimensiones: temporalidad o inestabilidad del empleo, negociación individual del contrato de trabajo, bajos salarios o privación económica, reducción o desconocimiento de derechos laborales, vulnerabilidad o indefensión ante formas de trato injusto o inaceptables, e incapacidad de ejercer los derechos laborales. Cabe señalar que, no obstante la persistencia del empleo informal, la discusión que aquí se presenta tiene que ver con la precarización del empleo formal, es decir, el debilitamiento de las relaciones laborales dentro del marco de la ley, y sus consecuencias sobre el bienestar y la salud de las personas. El desarrollo de la Escala de Precariedad Laboral (EPRES) permite su medición e investigar el impacto o asociación de ésta con la salud de los trabajadores.

La precariedad en el empleo fue definida por Amable y colaboradores en dos niveles, macro y microrosocial (AMABLE, 2006). Como producto del nuevo marco económico y político de las relaciones laborales, el “régimen flexible” (macro), que se manifiesta en la distribución desigual del poder en el lugar de trabajo (micro). Describe una relación laboral donde se han debilitado los límites a la prerrogativa

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del empleador y que a su vez proporciona a los trabajadores pocos recursos para restablecer esos límites.

Como determinante de la salud, Amable plantea que la precariedad del empleo actúa como una “dimensión psicosocial” derivada de la experiencia cotidiana de los trabajadores expuestos al estilo de gestión impuesto al trabajo asalariado flexible, configurándose la precariedad como una “exposición” persistente. La noción de “dimensión psicosocial” pone de relieve la importancia que, en la conceptualización del empleo precario como determinante de la salud, tienen las relaciones de poder en el trabajo. Así definida, la precariedad del empleo se encuentra en un continuo con el tipo ideal de relaciones laborales estándar en un extremo y los trabajos más precarios en el otro (BENACH; MUNTANER, 2007).

Características Generales del Constructo

El constructo desarrollado por Amable y colaboradores no refiere un tipo de empleo definido a priori como precario sino a un proceso de debilitamiento de las relaciones laborales en general que, en distintas formas y medidas, afecta al conjunto de la fuerza de trabajo asalariada, tanto en empleos temporales como permanentes, en un continuo o gradiente de precariedad.

En primer lugar, hace una clara distinción entre las condiciones de trabajo y las condiciones de empleo, que, aunque interrelacionadas, son diferentes (MUNTANER et al., 2010). Las condiciones de empleo son las condiciones o circunstancias en que una persona está empleada en un trabajo u ocupación, la forma en que se organiza la relación de empleo, las reglas

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bajo las cuales las personas son empleadas, entrenadas y pagadas. Las condiciones de trabajo, en cambio, corresponden a las condiciones prácticas bajo las cuales las personas trabajan y manejan un ambiente técnico y organizativo específico (GOUDSWAARD; DE NANTEUIL, 2000).

El constructo de la precariedad laboral se limita a la descripción de la relación laboral, dejando fuera los aspectos de la organización del trabajo y las condiciones de trabajo. Esta distinción proporciona claridad conceptual y evita la superposición con modelos bien establecidos de estrés ocupacional originados en la organización del trabajo, como son el modelo de control, demanda y apoyo social (KARASEK et al., 1998) y el modelo de desequilibrio esfuerzo-recompensa (Siegrist, 2002). Así mismo, tiene importantes ventajas analíticas, ya que sólo es posible analizar las asociaciones entre las condiciones de empleo y otras características del trabajo (y su impacto global sobre la salud) separándolas conceptualmente (FRADE; DARMON; LAPARRA, 2004).

En segundo lugar, la precariedad laboral no se concibe simplemente como un factor de riesgo en el lugar de trabajo, sino como un determinante social de la salud que tendrá un impacto en múltiples esferas de la vida de las personas que trabajan. Así, la precariedad laboral puede tener efectos directos sobre la salud, así como numerosos efectos indirectos a través de la determinación de las condiciones de vida y de trabajo de las personas que trabajan.

Finalmente, la precariedad laboral se conceptualiza como un conjunto de condiciones objetivas y experiencias del trabajo. Es decir, no constituye un proceso fundamentalmente perceptual.

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Dimensiones del Constructo

El constructo de Amable identifica seis dimensiones de la precar iedad: la inestabi l idad del empleo, el des-empoderamiento, la vulnerabilidad, los salarios, a limitación a los derechos y la incapacidad de ejercer los derechos (AMABLE, 2006).

La inestabilidad o temporalidad del empleo se refiere al tipo y duración del contrato de trabajo, lo que indica que los contratos no protegidos (sin protección laboral) o de corto plazo contribuyen a una mayor precariedad en el empleo.

Por una parte, muchos beneficios de empleo están más o menos estrictamente relacionados con la duración y la continuidad del mismo. Por otra parte, en la medida que aumenta la antigüedad en el empleo, se puede asumir una mayor estabilidad, se suelen estar más protegidos ante el despido (por aumento en los costes del despido). Una persona con un empleo estable y duradero puede planificar con anticipación, establecer relaciones significativas en el trabajo y no necesita estar en constante búsqueda de otro trabajo o de asegurar el empleo actual (LEWCHUK et al., 2003). Por el contrario, el empleo inseguro puede utilizarse explícita o implícitamente como un medio para disciplinar a la fuerza de trabajo (MIGUÉLEZ, 2005), constituyendo una fuente constante de estrés en el lugar de trabajo. Es así que estabilidad y seguridad del empleo son elementos centrales de la precariedad.

Cabe señalar que tanto los contratos temporales como los de duración indefinida pueden ser inestables en el tiempo. La inestabilidad depende tanto de los términos del contrato de trabajo como de las prácticas laborales y de la aplicabilidad de los reglamentos.

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La dimensión de Des-empoderamiento refiere a la forma en que se negocian las condiciones de empleo del trabajador, pudiendo ser una negociación de carácter individual o colectiva. Los empleados que pueden a negociar colectivamente tendrán, normalmente, mayor poder para influir en las decisiones sobre el empleo y las condiciones de trabajo. Por el contrario, las relaciones laborales individuales suelen ser desventajosas para los trabajadores. Una dimensión de dicha desventaja es la falta de información sobre los derechos, el contrato de trabajo, y los mecanismos de compensación, entre otros, además del desconocimiento de las ventajas que puede suponer la actuación colectiva en distintas circunstancias (HANNIF; LAMM 2005). Amable establece que la dimensión de empoderamiento encierra “aquellos aspectos de la regulación salarial que tienen por objeto evitar los abusos en la utilización de la fuerza de trabajo” (AMABLE, 2006).

En algunos países las disposiciones de extensión y ampliación a los convenios colectivos implica que la cobertura de dichos convenios es considerablemente más alta que las tasas de densidad sindical nacional. Sin embargo, cuando hay una atomización de la negociación colectiva, los trabajadores pueden estar mal informados sobre los términos y condiciones exactos de su contrato. Esta falta de información supondrá que el trabajador tenga un bajo nivel de control sobre sus condiciones de empleo y es probable que no tenga conocimiento del papel protector que pueden desempeñar los sindicatos y organizaciones de trabajadores (HANNIF; LAMM, 2005).

La dimensión de vulnerabilidad refiere a las relaciones de poder en el trabajo, ya sean explícitas o implícitas, entre empleador y trabajador: “las características de la relación salarial cuando dicha protección se debilita o sencillamente

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está ausente. Los aspectos de vulnerabilidad constituyen la contraparte de la falta de poder, sólo que no se manifiestan en el plano normativo sino en las relaciones sociales en el ámbito del trabajo” (AMABLE, 2006).

La dimensión de vulnerabilidad describe aquellas situaciones donde los trabajadores carecen de los recursos para compensar formas de trato autoritario o inaceptable (e.g., amenazas de despido, intimidación, discriminación), o la disciplina que la relación salarial impone. La vulnerabilidad resulta tanto de la prerrogativa del empleador para determinar la continuidad del empleo o la discrecionalidad para contratar y despedir, como de la ausencia del papel protector de las organizaciones de trabajadores.

La vulnerabilidad también implica que en ocasiones se den desequilibrios de poder entre compañeros de trabajo, como revelan las entrevistas realizadas en España por Amable (2006). Por ejemplo, debiendo asumir los trabajadores con empleos precarios las tareas más indeseables o de mayor carga (AMABLE, 2006). En cierta medida, esto podría explicarse porque los trabajadores con contratos precarios (temporales, bajos salarios) representan la amenaza que existe para la estabilidad de los contratos permanentes en tanto pueden ser reemplazados por los primeros.

Tanto vulnerabilidad como desempoderamiento afectarán especialmente a aquellas personas con mayor desventaja en el mercado de trabajo y cuya capacidad de negociar individualmente es más limitada.

La dimensión salario refiere tanto al salario mensual en mano como a la suficiencia de éste para cubrir gastos habituales y gastos excepcionales, indicando tanto la

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dependencia económica del trabajador como el riesgo de sufrir privaciones materiales.

El empleo es fundamentalmente un intercambio de mano de obra por salarios, y dentro de las relaciones laborales precarias, las personas dependen fuertemente de los ingresos proporcionados por el trabajo. Un ingreso insuficiente puede conducir a una privación material y social (exclusión), donde los hogares o los individuos ya no pueden disfrutar del nivel de consumo de su entorno social. Un salario que no cubre gastos habituales o excepcionales implicará que el trabajo puede estar contribuyendo a empobrecer a la persona que trabaja y su familia. Adicionalmente, los bajos salarios tendrán repercusiones en la protección social y en las pensiones futuras.

La dimensión de Derechos laborales refiere al conjunto de derechos o beneficios no salariales que obtiene la persona por medio de la relación salarial, como aquellos que regulan la utilización de la mano de obra, y aquellos que brinda la seguridad social. El debilitamiento de los derechos y de la protección social es central al concepto de la precariedad laboral. El acceso a las prestaciones previstas por estos derechos (días de vacaciones, licencia por enfermedad, jubilación) puede verse limitado o ser denegado en virtud de, por ejemplo, una jornada reducida, la corta duración del empleo, el tipo de relación laboral (por ejemplo, empleos que se dan en la forma de contratos de prestación de servicios y no contrato de trabajo).

El rol protector de la seguridad social reduce la mercantilización del trabajo: la indemnización por despido y subsidio por desempleo protegen a las personas de las variaciones del mercado, en tanto que licencias o subsidios por enfermedad y jubilación las protegen en aquellos periodos en que se encuentran incapacitadas para trabajar. Los recortes en

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las prestaciones sociales y de desempleo aumentan la amenaza que representan los períodos no laborales para la estabilidad económica de las familias (FERRIE, 1999) y debilitan la posición de negociación de las y los trabajadores.

Otros derechos laborales establecen límites a la utilización de la mano de obra, garantizando el derecho al descanso, la recuperación y el ocio (descanso de fin de semana, vacaciones pagadas) (ARONSSON; GUSTAFSSON, 2005). Las reducciones en el derecho a la recuperación y al descanso tienen implicaciones para la salud, que son aún más severas en los casos de trabajadores expuestos a un trabajo de elevada intensidad o de mayor edad, componente demográfico creciente de la fuerza de trabajo.

Al igual que en el caso de la dimensión des-empoderamiento, el acceso a la información es central en esta dimensión. En la práctica, el conocimiento de los derechos es un requisito indispensable para ejercerlos. Estar desinformado con respecto a éstos puede deberse a que la organización no ha proporcionado al trabajador la información necesaria a ese respecto, o que existe una fractura de los flujos formales e informales de información entre los trabajadores (QUINLAN; BOHLE, 2009).

La dimensión Capacidad para ejercer derechos hace referencia al grado en que los trabajadores pueden ejercer sus derechos legales. Esta dimensión se considera complementaria a la dimensión precedente. En la operacionalización de esta dimensión como la anterior se recogen derechos de cobertura nacional, de modo de ser medible en cualquier trabajo. La incapacidad para ejercer los derechos puede estar reflejando la insuficiencia de los mecanismos existentes para hacer valer estos derechos en las situaciones de la vida real de muchos trabajadores. Puede ser el producto de amenazas implícitas o

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explícitas de término del empleo, recortes de salarios u otros, o del temor al despedido o que el contrato no sea renovado. Porthé, por ejemplo, en entrevistas a trabajadores inmigrantes en España, describe como algunas personas no hacen uso de su derecho a subsidio por enfermedad debido a amenazas explícitas del empleador con respecto a la continuidad del empleo (PORTHÉ et al., 2010). Hannif y colaboradores ofrecen ejemplos adicionales en los que se violan los derechos legales de las personas que se encuentran en posiciones vulnerables en el trabajo (HANNIF; LAMM, 2005).

La Precariedad Laboral y la Salud: El Caso de Chile

En Chile la flexibilidad laboral se instaló tempranamente, con el Plan Laboral instaurado durante la dictadura de Augusto Pinochet y la Junta Militar en 1979, en reemplazo del Código del Trabajo. El plan laboral fundamentalmente eliminó las restricciones a la contratación y al despido; si bien fue modificado en 1991 para fortalecer la relación laboral, se introdujeron las “razones de la empresa” como causal de término de contrato, lo que deja un amplio espectro de discrecionalidad al empleador para la contratación y despido (ESPINOSA et al., 1997).

Esto hace de Chile un país que, habiendo alcanzado un nivel relativamente alto de formalización del empleo en la región, posee la más larga historia de flexibilización de las relaciones laborales formales. Actualmente el empleo temporal bordea el 28% del empleo asalariado, a lo cual se suma un alto

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porcentaje de trabajadores por cuenta propia (21,7%) (Instituto Nacional de Estadísticas (INE), 2016). Esto indica que al menos el 50% de los empleos en Chile se alejan del ideal del trabajo por cuenta ajena y de duración indefinida. A esto se suma que cerca del 21% de los empleos son a tiempo parcial, 47% de ellos de carácter involuntario. Y con una elevada rotación laboral, que, medida como el promedio entre la tasa de entradas y salidas anual, llegaba al 37% entre 2005 y 2014, la más alta de la OCDE (ALBAGLI et al., 2016)

Se trata entonces de un mercado de trabajo que puede describirse como precarizado, donde diferentes mecanismos de flexibilización de la fuerza de trabajo están interactuando para crear una variedad de situaciones de precariedad del empleo.

Resultados de Investigación Epidemiologica en Chile y Lac

La investigación epidemiológica sobre las condiciones de empleo y salud en América Latina en general, es escasa. En los últimos años se han venido llevando a cabo las primeras encuestas sobre condiciones de empleo, trabajo y salud en los países de la región (Merino-Salazar et al., 2017). Estas encuestas son una fuente valiosa de información para la investigación sobre condiciones de empleo, de trabajo y de salud de los trabajadores.

La mayoría de los estudios sobre la relación entre empleo y salud en la región, si no todos, son de naturaleza transversal. Además, ha habido un mayor interés en el estudio del empleo

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informal que el empleo formal precario, dado que se trata del problema más acucioso en la mayoría de los países de la región.

En cuanto a las relaciones de empleo precarias, hay escasa investigación de cualquier tipo. Sin embargo, la primera –y única- encuesta sobre condiciones de empleo, trabajo y salud realizada en Chile (ENETS), en el año 2010, que incluyó la Escala de Precariedad Laboral EPRES, ha facilitado el desarrollo de investigaciones que utilizan el enfoque multidimensional de la precariedad laboral para la investigación en salud. La EPRES en Chile mostróuna alta aceptabilidad (elevada tasa de respuesta) y adecuadas propiedades psicométricas, estudio que ha sido publicado recientemente (ALEJANDRA VIVES et al., 2017).

Lo primero que estos datos permitieron fue poner a prueba la utilidad del enfoque unidimensional para estudiar la precariedad laboral en Chile. Así, se pudo comparar el indicador “empleo temporal” con la EPRES en trabajadores asalariados formales. Utilizada dicotómicamente, se comparó la clasificación de los empleos entre precarios y no precarios para cada uno de los dos enfoques: unidimensional (empleo temporal) y multidimensional (precariedad laboral). Los resultados obtenidos fueron de gran interés, puesto que demuestran que, al menos en Chile, el indicador “empleo temporal” tiene muy baja sensibilidad para identificar los empleos precarios. Y esto se debe principalmente a la gran proporción de empleos permanentes o indefinidos que son precarios, pero que el indicador dicotómico clasifica como no-precarios. De hecho, si bien efectivamente la mayoría de los empleos temporales resultaron ser precarios, la gran mayoría de los empleos precarios provenían de los empleos indefinidos (72,8%) (ALEJANDRA VIVES; GONZALEZ; BENACH, 2016).

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Estos resultados muestran cómo, si bien el empleo temporal es una forma fundamental de precarización del empleo, han sido un mecanismo clave para promover la precarización de la fuerza de trabajo en su conjunto. Así, el contrato indefinido se precariza también en la medida en que es débil su protección frente al despido, hecho reflejado, por ejemplo, en las altas tasas de rotación laboral descritas más arriba.

Las implicaciones de estos resultados para la salud laboral son muy importantes. Por un lado, no es posible hacer una adecuada vigilancia del empleo precario si se utiliza el indicador más frecuentemente disponible en los sistemas de información regulares, como es el empleo temporal, pues éste subestima la prevalencia del empleo precario y su penetración en el mercado de trabajo. En segundo lugar, la clasificación errónea de los empleos indefinidos como no precarios tiene importantes consecuencias para la investigación en salud ocupacional, conduciendo a subestimar la asociación entre el empleo precario y la salud. Estos resultados dependen fuertemente del marco normativo y las prácticas a nivel nacional, por lo que los resultados de una comparación de éste tipo podrían variar de país en país. Es importante entonces, para una adecuada caracterización de los mercados de trabajo y su precarización, contar con datos que permitan medir la precariedad laboral con un enfoque multidimensional. Esto, además, permite evaluar la validez de los resultados de estudios que utilicen el empleo temporal como indicador de la precariedad laboral.

Consistente con la l iteratura internacional, la investigación sobre asociación entre la precariedad laboral y la salud en Chile demostró que ésta se asocia con insatisfacción laboral, con una mayor prevalencia de malestar psicológico y depresión, con una mayor frecuencia de

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lesiones por accidentes del trabajo, y con mayor presentismo (ALEJANDRA VIVES et al., 2016). Por tratarse de un estudio transversal no se puede establecer que se trate de relaciones causales. No obstante tienden a replicar los hallazgos observados en otros países y con investigación de tipo tanto cuantitativo como cualitativo (BENACH et al., 2014).

No todas las precariedades son iguales, sin embargo. Utilizando las mismas dimensiones de la precariedad, y siguiendo a Van Aerden et al. (2013), se estudió a los trabajadores asalariados de la ENETS para identificar tipos de trabajadores que se distinguiesen según las magnitudes y formas de la precariedad laboral utilizando el análisis de clúster (VAN AERDEN et al., 2014).

Resultaron seis “tipos” de empleos. Por orden creciente de precariedad son: 1) un grupo grande, el más grande de la muestra (29,7%), no precarizado, con los mejores niveles de estabilidad en el empleo, negociación colectiva y salarios y con sus derechos preservados ( empleo tipo estándar); 2) el grupo más pequeño (4,8%), no precarizado, el de menor vulnerabilidad, pero con una incapacidad notablemente alta para ejercer los derechos, la mayoría de los cuales se refieren a tomar tiempo libre por diversas razones (sin tiempo de descanso); 3) un cluster grande (25,5%) de baja precariedad en 4 dimensiones, pero con bajos salarios y alto desempoderamiento (empleos estables, no sindicalizados, y mal pagados) 4) otro grupo pequeño (9,5%), moderadamente precario en todas las dimensiones contractuales, pero no en términos psicosociales, lo que indica que la inestabilidad, los bajos salarios y el desempoderamiento no aumentan la vulnerabilidad en este grupo, posiblemente ajustándose al tipo de trabajos de tránsito hacia empleos de

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menor precariedad, 5) un grupo grande (20,6%), moderadamente precarizado, con alta precariedad en las dimensiones psicosociales (alta vulnerabilidad e incapacidad para ejercer los derechos), si bien tienen preservados los derechos de seguridad social (trabajos precarios vulnerables); 6) un cluster mediano (9,8%), altamente precarizado, marcadamente inestable, mal pagado y con limitados derechos, acompañado de una alta vulnerabilidad e incapacidad para ejercer los derechos, indicando una situación laboral tóxica e insostenible tanto en términos psicológicos como materiales (trabajos precarios insostenibles). Cabe destacar que los conglomerados 5 y 6, que combinan las características de inestabilidad, bajos salarios y desempoderamiento, conforman una alta proporción de la muestra (30%) . y que el des-empoderamiento y los bajos salarios son las dimensiones más precarias en un número importante de grupos (A VIVES, 2014).

En Síntesis

A pesar de que la elevada prevalencia del empleo informal y del empleo precario en América Latina es una buena razón para preocuparse por el impacto de la calidad del empleo en la salud, se ha llevado a cabo poca investigación que examine esta cuestión de manera sistemática, resultando en una falta de definiciones conceptuales y datos comparables entre países de la región.

Un diagnóstico habitual es que es necesario que los países latinoamericanos inviertan en datos mejores, más completos y comparables internacionalmente sobre las condiciones de

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empleo, lo que podría servir para describir mejor tanto el empleo informal como el precario.

En el caso del empleo informal, la OIT ha formulado recomendaciones para ajustarse a las necesidades específicas de cada país, lo que da lugar a diferencias nacionales en las definiciones y la cobertura, lo que limita la comparabilidad internacional del indicador. En la actualidad, en varios países no existen estimaciones oficiales del empleo informal, y mucho menos del empleo precario.

Los datos son una necesidad clave si se va a evaluar la calidad del empleo y si los países de la región van a superar el relativo descuido de la investigación sobre la calidad del empleo, aportando pruebas empíricas adecuadas para cuestionar las teorías del mercado de trabajo establecidas.

La investigación aquí presentada ha contribuido a la evidencia internacional con información proveniente de Chile, un país de contexto muy diferente a la mayoría de países desarrollados donde esta investigación ha prosperado más. Además de aportar información con datos del país, ha permitido hacer aportes relevantes a la literatura internacional. Por una parte, la constatación de que, al menos en algunos países, el tipo de contrato no permite identificar adecuadamente a los trabajadores precarios, lo que limita su utilidad como variable epidemiológica y como indicador para la vigilancia y exige incorporar un minímimo de preguntas que puedan medir con razonable calidad la precariedad laboral multidimensional. Por otra parte, este estudio ha revelado una notable similitud en la estructura de una tipología construida según las dimensiones de la precariedad en Chile con una tipología similar construida para el conjunto de l a población laboralmente activa en Europa (VAN AERDEN et al., 2014). Dicho hallazgo para nuestra población

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asalariada hace suponer que las prácticas empresariales para tratar con la mano de obra se han globalizado, es decir, que la globalización va más allá de las relaciones comerciales y las migraciones, sino que involucra también las prácticas empresariales y la configuración de los mercados de trabajo.

La investigación en empleo y salud en América Latina está en sus etapas iniciales. La penetración del empleo precario, los periodos de desaleración económica, y la globalización de las prácticas empresariales hacen tanto más importante y necesario empujar esta investigación hacia adelante. Para esto se requiere del levantamiento regular y sistemático de datos que recojan dicha información, como son las encuestas de condiciones de empleo y trabajo. Así mismo, se requiere que existan suficientes fondos de investigación para financiar y mantener en actividad a aquellos grupos y proyectos que se interesen en el tema y puedan contribuir a entender la precariedad sus impactos en salud así como el tipo de políticas que pudiesen contribuir a reducirlos.

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O trabalho precário e o trabalho precarizado

Jorge Tarcísio da Rocha FalcãoJoeder da Silva Messias

Leticia Raboud Mascarenhas de Andrade

A contribuição do presente capítulo tem como quadro mais amplo a centralidade da atividade de trabalho para o devir biopsicossocial do trabalhador (CLOT, 2006; BENDASSOLLI; FALCÃO, 2013) e, portanto, a consideração dos contextos de atividade propiciadores de desenvolvimento e saúde, e aqueles para os quais se considera alto risco psicossocial propiciador de adoecimento (CHOUANIÈRE, 2009; CLOT; LHUILIER, 2010; CLOT, 2010a; CLOT; GOLLAC, 2014). Em termos mais específicos, propomos neste estudo debate teórico no sentido de se evoluir da perspectiva voltada para o trabalho inerentemente arriscado ou mesmo “sujo” (LHUILIER, 2005) para a abordagem segundo a qual toda e qualquer modalidade de trabalho, mesmo aquelas referentes a atividades com representação social predominantemente positiva, como é o caso dos professores do ensino fundamental (ANDRADE; FALCÃO, 2017a, 2017b, ANDRADE, 2017), são passíveis de precarização. Nesse sentido, a presente contribuição busca levar adiante proposta de revisão teórica do conceito de “trabalho sujo”, evoluindo para o conceito de trabalho precário (BENDASSOLLI; FALCÃO, 2013), e agora dando o passo

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O TRABALHO PRECÁRIO E O TRABALHO PRECARIZADO

79JORGE TARCÍSIO DA ROCHA FALCÃO, JOEDER DA SILVA MESSIAS, LETICIA RABOUD MASCARENHAS DE ANDRADE

adicional da passagem do trabalho precário para o conceito de trabalho precarizado.

Tal percurso se assenta sobre dois pressupostos teóricos centrais: em primeiro lugar, os processos psicológicos superiores, que são a unidade de análise de toda a psicologia (VYGOTSKI, 2014) e, portanto, da psicologia do trabalho, e dizem respeito à consideração do indivíduo em relação cogenética com seu contexto social, histórico e cultural. Nesse sentido, quaisquer recortes acerca da atividade de trabalho não pode se circunscrever a características do indivíduo, ou a aspectos do contexto externo dessa atividade; no primeiro caso, teríamos o foco em aspectos do e no indivíduo (como é o caso das abordagens centradas nos “talentos” e déficits mensuráveis do indivíduo trabalhador), enquanto que, no segundo caso, a ênfase seria deslocada para a insalubridade do contexto de trabalho, abarcando desde a temperatura e a iluminação dos ambientes de trabalho até os diversos tipos de assédios dos demais colegas e chefias (perspectiva que traz em si a expectativa de que uma “higiene” das condições de trabalho seria o caminho efetivo e objetivo para a abordagem da precarização do trabalho (LHUILIER, 2010). Em segundo lugar e, em relação direta com o primeiro aspecto que vem a ser mencionado, há um segundo pressuposto que estabelece a importância da margem de ação do indivíduo-trabalhador, denominado por Yves Clot de poder de agir (CLOT, 2010b), como fundamental para a compreensão das vicissitudes e conquistas psicossociais desse indivíduo-trabalhador ao longo de sua biografia profissional.

O poder de agir diz respeito à dialética que precisa ser estabelecida entre o grau de relacionamento necessário do trabalhador em relação a seu coletivo de

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trabalho, relacionamento este que, de fato, diz respeito ao reconhecimento do trabalhador pelos demais colegas como sendo “um dos nossos” e, ao mesmo tempo o grau igualmente necessário de contribuição inovadora do indivíduo, denominado por Clot, por empréstimo à perspectiva do Círculo Bakhtin, de estilização (BAKHTINE; VOLOCHINOV, 1977); CLOT; FAÏTA, 2000; FRANÇOIS, 2009; CLOT, 1999). Ao tratar dos gêneros de linguagem, o Círculo Bakhtin alude ao fato de que o produtor de um texto, ao elaborar um romance, precisa que sua produção seja reconhecida como tal, ao mesmo tempo que precisa aportar algum grau de novidade, na justa medida para que tal aporte seja considerado novidade, e não transgressão a ser combatida como catacrese (CLOT, 1997). Em última análise, a vivência1 do trabalhador em seu contexto de atividade de trabalho precisa se caracterizar dialeticamente pelo necessário referenciamento a um coletivo e a um gênero profissional, referenciamento este que não pode ser assimilado à submissão ou ao “ventriloquismo” do trabalhador que apenas repete o gênero profissional (BAKHTINE; VOLOCHINOV, 1977), mas, ao mesmo tempo, não pode caracterizar rompimento com esse coletivo e gênero, sob pena de estranhamento. Ambos os casos – submissão ou ruptura – caracterizam o caminho do sofrimento e do adoecimento. Tudo isso considerado, procuraremos trazer subsídios para a defesa da ideia teórica segundo a qual o trabalho é precário quando o equilíbrio dinâmico anteriormente aludido é rompido, e não em função de características inerentes ao trabalho (como costuma ser o caso na abordagem do trabalho

1 A lude -se ao conceito proposto por Vygot sk i , t radu zido aproximativamente em português e espanhol por vivência a partir do termo russo perezhivanie, que pode ser resumido em termos de experiência do vivido atravessada por emoções e afetos.

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tipicamente “sujo”), ou inerentes ao indivíduo, como no caso das abordagens tradicionais voltadas para a gestão da competência, da produtividade e de outros aspectos inerentes ao trabalhador. Esse é um ponto que tem especial interesse na abordagem da relação entre trabalho, saúde e adoecimento de forma geral, mas assume grande relevo em países emergentes, nos quais a questão da precariedade e da precarização do trabalho está mais do que nunca na ordem do dia (FALCÃO, 2017a). Aspectos específicos relacionados às passagens anteriormente aludidas de trabalho sujo ao trabalho precário e de trabalho precário ao trabalho precarizado serão retomadas na seção seguinte, posteriormente ilustradas por estudos empíricos desenvolvidos no núcleo de pesquisa Trabalho, Desenvolvimento e Saúde (nTDS), vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (GEPET-UFRN).

Do trabalho sujo ao trabalho precário

O conceito de trabalho sujo (dirty work) surge inicialmente na sociologia norte-americana, na década de 1950, para descrever uma categoria de atividades laborais/profissionais caracterizada como fastidiosa, perigosa, servil, evocadora de asco ou nojo, e caracterizada por não propiciar prestígio ou valorização sociais àqueles indivíduos nelas engajados (HUGHES, 1958; 1962; LHUILIER, 2005). Conforme a breve definição anterior sugere, trata-se de categoria taxonômica excessivamente abrangente, por abarcar desde as ocupações que tradicionalmente evocam sentimentos e representações

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sociais relacionadas ao asco, nojo ou níveis menos acirrados de repulsa (como é o caso dos lixeiros, coveiros ou tanatopraxistas2 e carrascos3) até aquelas envolvendo certa margem de contravenção legal (como a ocupação das prostitutas, dos rodeiros4 de Natal-RN e dos trabalhadores ambulantes), condições de indesejabilidade social dos trabalhadores (como é o caso dos egressos do sistema penal, colostomizados e portadores de doenças crônicas – Lhuilier et al. (2009)), ou mesmo sentimentos de forte antipatia, como no caso dos oficiais de justiça5 . Ora, conforme aludem Bendassolli e Falcão (2013), tal extensão de abrangência da categoria taxonômica já contribuiria, por si só, para uma reavaliação crítica do conceito de trabalho sujo. De fato, o trabalho sujo não tem um invariante que o caracterize como tal, e sim um conjunto de aspectos que, por acumulação, caracteriza um conceito teórico em “exaustão”, conforme alude Koppe (2011). Na busca por tal invariante, Bendassolli e Falcão (2013) propuseram a consideração da vivência de solidão em relação a um grupo de referência (coletivo ou gênero), como sendo a característica

2 Técnicos envolvidos com o trato de cadáveres em obediência a preceitos legais, ocupação que será tratada em mais detalhes adiante.

3 Operadores de dispositivos destinados à execução, por parte do Estado, de delinquentes sentenciados à morte.

4 Rodeiro é a denominação dada em Natal-RN àqueles indivíduos que ganham algum dinheiro em sinais de trânsito, oferecendo-se, quando o sinal passa ao vermelho, para uma limpeza rápida dos parabrisas dos automóveis parados, usando, para isso, um pequeno dispositivo emborrachado, o rodo, com o qual “raspam” o excesso de água dos parabrisas.

5 Oficiais de justiça são servidores públicos responsáveis, entre outras incumbências, de entregar mandados de arresto de propriedades em casas ou estabelecimentos comerciais de pessoas em situação de dívida em esfera de gestão jurídica.

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marcante de uma modalidade de trabalho não mais denominada de “suja” (pois não teria na sujeira ou na evocação de asco social a sua marca distintiva), e sim de precária. Em outras palavras, o trabalho precário seria aquele caracterizado por certo esvaziamento, decorrente do esfacelamento dos coletivos de referência ou mesmo da extinção ou mudança dramática do gênero profissional, como no caso dos bancários.

Conforme será ilustrado mais adiante, trabalhos outrora considerados como “sujos”, por conta da natureza intrínseca da atividade (ex.: coletadores de lixo), deixariam de sê-lo à medida que essa atividade gera um coletivo suficientemente funcional para referenciar as atividades dos indivíduos-trabalhadores (como é o caso relatado para a cooperativa de lixo de trabalhadores da zona urbana de Belo Horizonte) (DIAS, 2006). Dona Geralda, catadora de lixo em Belo Horizonte, ilustra essa mudança em depoimento registrado em Dias (2006, p. 4): “[...] a primeira luta foi para que a população reconhecesse nós como trabalhador. A gente teve até que usar camisa vermelha pra ser visto na rua e escrito COLETA SELETIVA, ESSE É NOSSO PAPEL. A cor vermelha era pra chamar atenção que nós tava na rua e que nós era trabalhador”.

Nota-se, entre outros aspectos, a fala em termos de um “nós”, o recurso a um novo marcador linguístico-social que é a “coleta seletiva”, e a menção específica ao fato de que ali estava um grupo que reivindicava um “papel” e, portanto, uma respeitabilidade. Adicionalmente, a corporificação desses movimentos no contexto formal de uma cooperativa de tratadores (Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável – ASMARE-BH – http://asmare.org/) propiciou o estabelecimento de um corpo de regras e expectativas (como a inserção de terminologias socialmente

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mais palatáveis, como “reciclagem” e “sustentabilidade”) que permitiu a esse grupo, apesar de continuar lidando com as mesmas atividades “sujas” (catação de lixo), outra vivência profissional. Esse ponto será ilustrado por dados empíricos adicionais nas seções seguintes, e de fato ilustra não somente a mudança da categoria de trabalho sujo para trabalho precário, mas a própria suplantação dessa precariedade.

Nessa perspectiva, o que marcaria o trabalho precário, então, não mais seria a natureza de aspectos tangíveis da própria atividade, como o trato com fezes, corpos em putrefação ou dejetos urbanos, e sim aspectos relacionados às vivências de solidão ou isolamento socioprofissional de determinados trabalhadores em relação a outros vinculados à mesma atividade, todos vinculados, por sua vez, a um gênero profissional suficientemente real (mesmo que intangível, haja vista seu caráter de construto sócio-histórico e cultural). Nesse caso, se lixeiros ou mesmo vendedores ambulantes não seriam mais, necessariamente, exemplos de trabalho precário, que atividades configurariam tal categoria? Seria o caso de atividades esvaziadas ou em regime de esvaziamento, em termos da perda de significado e relevância da própria atividade (como no caso dos ascensoristas em órgãos públicos brasileiros, cujos elevadores são operáveis pelos usuários, ou mesmo no caso de cobradores de ônibus e operadores de caixas de bancos comerciais). Seria igualmente o caso de atividades socialmente “nobres”, mas em processo de perda de referenciamento para alguns de seus trabalhadores. Tratar-se-ia, nesse caso, de processo de precarização da atividade de trabalho por meio do qual a caracterização de “precário” não mais estaria circunscrita a características inerentes à atividade, como o esvaziamento anteriormente aludido, mas a um processo complexo referente ao relacionamento dos

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trabalhadores com seus coletivos e gêneros profissionais. Este tópico é levado adiante na seção seguinte.

Acerca da precarização do trabalho

Aludimos à mudança pela qual passou a categoria dos coletadores de lixo da cidade de Belo Horizonte, que saíram da condição de subcidadãos ou “homens-rato” para a condição de “trabalhadores da reciclagem e reuso de material descartado”, com referenciamento por cooperativa e reconstrução de uma identidade social bem mais aceitável. O processo inverso, contudo, é possível – a degradação ou a precarização de atividades de trabalho usualmente vistas como nobres, como é o caso dos professores do ensino fundamental em escolas públicas brasileiras. Andrade (2017), Andrade e Falcão (2017a; 2017b), em pesquisa voltada para o trabalho do professor “polivalente” dos anos iniciais do ensino fundamental da rede municipal de Natal (RN-Brasil), identificaram um elevado percentual de professores que se sentem solitários no trabalho (30,2% da amostra), e a associação dessa variável à situação de risco psicossocial, avaliado por meio de ferramenta psicométrica em questionário ( Job Content Questionnaire – Karasek (2014)). A massa de dados obtidos pela pesquisa mencionada, uma vez tratada por ferramenta de estatística descritiva multidimensional (análise de Cluster), permitiu o estabelecimento de dois subgrupos envolvendo todos os participantes da pesquisa, conforme reproduzido adiante.

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Quadro 1 – Perfis de cluster obtidos a partir de agrupamento de variáveis descritivas.

Perfil I Perfil II

Perfis psicossociais predominantes: Trabalho Ativo + Risco Psicossocial

Perfis psicossociais predominantes: Trabalho Passivo + Baixo Risco Psicossocial

Mais profissionais sentem-se solitários no trabalho

Menos profissionais sentem-se solitários no trabalho

Suporte social baixo Suporte social elevado

Profissionais mais novos (23-42 anos) Profissionais mais velhos (43-68 anos)

Profissionais há menos tempo na profissão (até 15 anos)

Profissionais há mais tempo na profissão(acima de 15 anos)

Menos reconhecimento da existência de momentos para discussão e reflexão

coletiva no ambiente de trabalho

Mais reconhecimento da existência de momentos para discussão e reflexão

coletiva no ambiente de trabalho

Menos reconhecimento da presença de discussão teórica nas reuniões de

planejamento

Mais reconhecimento da presença de discussão teórica nas reuniões de

planejamento

Menos satisfação com as reuniões e tempo de planejamento

Mais satisfação com as reuniões e tempo de planejamento

Menos familiaridade com o PPP da instituição

Mais familiaridade com o PPP da instituição

Fonte: Andrade e Falcão (2017a).

O padrão de aglutinação de variáveis observável no Quadro 1 detecta risco psicossocial e precarização do trabalho docente em subgrupo caracterizado por suporte social baixo, pouca familiaridade com o Projeto Político-Pedagógico (PPP) das

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respectivas escolas, e vivência de solidão como caracterizadora da prática profissional de S, denominação dada a uma das docentes participantes da pesquisa referida que relata:

S: “Se você não for preparada, eles vão virar a sala de cabeça pra baixo. E vão subir em cima de você na mesa. E vão estar plantando bananeira enquanto você atende a um aqui, eles vão estar brigando lá do outro lado. Porque são muitos. E você tem que estar preparada pra tudo isso. Pra observar todas as situações enquanto você é apenas uma na sala de aula... E eles 25. [...]”

S: “Então, você vai ter que estar bem atenta mesmo. É uma responsabilidade muito grande. E quanto maior é o número de crianças, maior é a responsabilidade e maior a chance de você falhar” (ANDRADE, 2017, p. 130).

S: “Muito bem, vamos adiante, nem sempre isso é muito fácil porque são muitos, devido a, novamente, a quantidade de alunos na sala de aula. E acaba não dando tempo de você fazer essa busca, então você começa com uma busca meio que genérica. Vai ter aquele grupo da bola e o grupo da boneca, então vamo, vamo partir por aí. Porque não tem condições de você se aprofundar como deveria em cada um na situação” (ANDRADE, 2017, p. 141, grifo do autor).

Andrade (2017) observa nos relatos anteriores modos de organização da atividade profissional baseados no controle da turma, com menções a impedimentos da ação e a sentimentos de isolamento e solidão. Tais sentimentos têm relação com o esmaecimento dos coletivos de trabalho como fonte de referenciamento e apoio mútuo, e caracterizam processo de precarização de uma atividade de trabalho usualmente não caracterizada como suja.

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Messias (2017), por sua vez, aborda a atividade profissional do técnico em necropsia de um Serviço de Verificação de Óbito (SVO) em capital do Nordeste do Brasil, de modo a constatar aspectos que apontam na direção de um trabalho precário (a começar pela representação social de tal atividade, e não somente isso), mas igualmente aspectos que denotam saudável referenciamento por um coletivo e gênero profissional. Em outro trabalho voltado igualmente para técnicos de necropsia, Andrade de Barros e Rocha da Silva (2004) trazem relatos que ilustram o caráter socialmente indesejável dessa atividade profissional:

“[...] existe uma curiosidade, mas ao mesmo tempo que eu

começo a falar, existe um nojo, você vê que as pessoas têm um

certo nojo” (Auxiliar de necropsia) (ANDRADE DE BARROS;

ROCHA DA SILVA, 2004, p. 329).

“Ah, mas como é mexer num... num corpo.... Existe isso...

aí você começa a falar e a pessoa ahh... [...] Fica meio

que... repugnada... aí você para de falar, beleza... dois

minutos depois a conversa volta naquele ponto que ela

parou” (Auxiliar de necropsia) (ANDRADE DE BARROS;

ROCHA DA SILVA, 2004, p. 329).

“[...] eles acham que... engraçado, a visão que o pessoal tem

do auxiliar de necropsia, de quem trabalha aqui, de quem

trabalha com corpo, seja médico... eles acreditam que o

médico-legista faz a necrópsia! Que é igual vê no cinema!

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A ilusão que eles têm é que todos que trabalham aqui comem

ao lado de cadáveres, come sanduíche do lado dos cadáveres,

é... é necrófilo...todos são necrófilos. Chega menina...” “é que

chega menina lá dentro vocês dão uma traçada nela, né?”

Todos acham que somos necrófilos, acham bêbados... bêbados...

e... outras cositas mais... risos [...] (Auxiliar de necropsia)

(ANDRADE DE BARROS; ROCHA DA SILVA, 2004, p. 330).

O trabalho do técnico em necropsia, em termos de trabalho prescrito, consiste em auxiliar o médico patologista nos procedimentos da necropsia clínica, o que implica o manuseio direto de cadáveres humanos. Essa ocupação, apesar de sua inegável importância social, desde as esferas jurídica e médica até o plano da prestação de serviços sociais e construção de conhecimento, caracteriza-se, em termos de trabalho efetivamente realizado, por riscos ocupacionais graves e por estigmas relacionados ao trato cotidiano com cadáveres, muitos dos quais falecidos em condições que acarretam periculosidade para quem os manuseia (como no caso de morte por doença infectocontagiosa). Isso posto, os dados obtidos por Messias junto ao grupo de técnicos participantes da pesquisa confirmam estigma social e riscos ocupacionais, ao mesmo tempo que reafirmam vivência por parte desses mesmos técnicos em termos de relevância social da ocupação profissional, da valorização e do investimento na profissão e do referenciamento em relação a um coletivo e a um gênero profissional. Aliás, como no caso dos tratadores de lixo referidos anteriormente, o surgimento de associação profissional aponta para existência de aspectos positivos e saudáveis de uma atividade profissional socialmente pouco atraente, ao passo que serve para reforçar tais vivências de orgulho e satisfação com

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um trabalho que deve e pode ser bem feito. Tal ponto é ilustrado pelo relato de um dos participantes da pesquisa:

“TN.07 – Rapaz, eu sempre venho trabalhar, eu gosto dessa área [...]. Algumas pessoas a gente acaba tendo problema, mas eu acho que isso é de todo trabalho que você tem, você sempre vai ter um pouquinho de dor de cabeça. Mas o meu trabalho dentro da sala de necropsia é muito satisfatório, eu gosto [...]. Acho que todo mundo que tá aqui, gosta de trabalhar. Acho que ninguém está insatisfeito aqui não. É... A questão de limpeza é muito boa. A questão de alojamento também a gente não pode reclamar, porque o básico a gente tem. Entendeu? Tem até algumas... alguns confortos a mais que eu acho que em outros lugares não têm. Mas sempre tem alguma coisa ou outra que prejudica, que seria a questão financeira e a questão da direção ser um pouco antiga [...]. São inteligentíssimos, têm uma experiência sensacional, mas deixam a desejar quanto a questão de ser líder, vamos dizer assim, representante” (MESSIAS, 2017, p. 125).

“TN.05 – [...] O serviço me dá orgulho. Eu tenho orgulho. Eu tenho até um certo orgulho em ser técnico em necropsia. Por causa dessa importância, né, do/da função. Né? De elucidar a causa da morte, esclarecer, tirar dúvidas. Né? Ser tipo uma investigação científica. Né?” (MESSIAS, 2017, p. 127).

Aspectos relacionados aos gestos ocupacionais, certas destrezas inerentes ao gênero profissional são referidas:

“TN.10 – [...] Você já tá tão automatizado, você tá tão sistemático, que você às vezes... você entra na sala, você não sabe nome, você não sabe sexo, você não percebe cor, às vezes você tá lá, às vezes quando você sai, o colega diz: ‘Ei, aquela necropsia que realizamos daquela mulher.’ Eu disse: ‘Que mulher?’. Quer dizer, às vezes você não sabe quantos

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corpos masculinos ou femininos está [sic] ali. Porque é uma coisa tão automática que você já tá... Sabe que vai entrar na sala pra fazer a incisão, pra buscar a causa, pra fazer a sutura, mas você não tem aquela ligação” (MESSIAS, 2017, p. 144, grifo do autor).

Andrade de Barros e Rocha da Silva (2004, p. 327) trazem relato de participante da pesquisa que conduziram na mesma direção:

“[...] eu fiz um amigo meu, que eu já te contei, que eu fiz a

necropsia; fizemos a necropsia, pegamos ele. Eu já tinha

botado ele fora da mesa, coloquei ele... na funerária, vesti...

coloquei ele lá na funerária pra tirar o corpo, saí da sala e

encontro com o amigo meu, o irmão dele do lado de fora... ‘Ô,

que que você tá fazendo aqui...’ [...] ‘Não, fulano morreu!’. ‘Hã?

Que dia... que dia ele morreu?’. ‘Não, agora, tá liberado agora!’.

Aí eu voltei correndo lá dentro [...] Fui lá dentro olhar [...] eu

que tinha feito o cadáver... não tinha... não me passou... nem

vi!” (Auxiliar de necropsia) (ANDRADE DE BARROS; ROCHA

DA SILVA, 2004, p. 330).

Messias apresenta diálogo entre pesquisador e técnico participante que alude igualmente a esse dispositivo de gênero profissional relacionado à necessidade de “uma frieza” no trato profissional:

P – Ele [TN.H] estava falando dos cadáveres em si/vocês estavam falando sobre os cadáveres e que o contato com os cadáveres promove essa questão da frieza entre vocês, né, no fazer profissional. Eu gostaria que vocês falassem mais sobre essa frieza. E... e eu gostaria de saber, se ela existe, em que sentido?

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TN.H – [...] Vamos dizer, a gente acabou de fechar um corpo e [vai] botar no caixão... Aí, vamos dizer... Aí ela pega nas pernas e eu pego aqui, na parte da cabeça. Então você pegar aquele corpo ali sabendo que é uma pessoa, que podia ser sua tia, sua mãe, sua avó. E você pegar ali pelos cabelos, pelo braço, pra puxar assim [...] você tem que pegar seguro mesmo, num... Tá entendendo? Então, exige uma frieza. [...] O cara: “Ei, espera aí. Não, não, eu não vou puxar, não”. Se o cara... “Ei, meu amigo, volte. Vá lá pra/ pro corredor que você não dá pra coisa, não”. Tá entendendo? (MESSIAS, 2017, p. 145, grifo do autor).

Os conflitos entre atividade prescrita e atividade realizada configuram o ponto crucial de precarização dessa atividade profissional, conforme ilustra o relato a seguir:

“TN.05 – [...] incomoda um pouco, é essa questão de receber e liberar corpo, pegar em corpo. Não sei se é porque eu venho do IML e eu fiquei mal-acostumado lá. Né? Lá eu não lavava nada, nem pegava em nada, só abria e fechava. Tirar o cadáver da mesa, pra botar o cadáver, pra tirar, botar e pra liberar e pra receber, era tudo com o maqueiro. E pra limpar a mesa era tudo com o pessoal da limpeza. Cada um com seu ofício. Né? O meu ofício é a necropsia. Então abro, examino tudo com o médico e fecho. [...] Aqui tenho que ir lá na recepção receber. Isso no plantão noturno. Né? Que é por isso que a gente dorme, que é pra receber os corpos. Não é serviço de necropsia. Qual é a necropsia aí, receber um corpo? Não tem. Né?” (MESSIAS, 2017, p. 151-152, grifo do autor).

Tal conflito é ilustrado igualmente por diálogo entre pesquisador (P) e participante da pesquisa (TN.H):

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[ENTREVISTA COLETIVA 02]P – Bom, TN.H disse: A partir de 5h [da tarde], fica só o

necrotomista. Então o necrotomista assume. Ele é o diretor, é o assistente social, é o atendente, é o...

P – Aí TN.M disse: Recepção.P – TN.H disse: É o recepcionista. Ele é tudo [...].P – Em outro momento, TN.M disse: Porque a obrigação

de entregar o documento não é nossa não. É da secretaria.P – TN.H disse: É da secretaria.P – Depois TN.M: Só que aí, por... Enfim, a gente/ uma

mão lava a outra. A gente faz esse favor.P – Em outro momento, TN.M disse: [...] O atendimento

noturno não é/ não seria nossa obrigação. E eu acho que provavelmente em outros lugares não é... não é feito por necrotomista. Não é nossa atribuição, vamos dizer assim.

P – A questão é: Vocês disseram que o atendimento aos familiares não deveria ser obrigação de vocês. Para um necrotomista ser considerado um bom profissional ele deve assumir tais conhecimentos?

[...]TN.H – Pra provar que é o bom necrotomista, como

a pergunta foi essa, é... é na sala, auxiliando o médico. Esses outros intervalos não vão provar... Então... Fazer, pode ser uma boa pessoa. Provar como uma boa pessoa, um bom funcionário, mas um bom necrotomista, eu provo na sala auxiliando o médico.

TN.M – Isso, porque nossa função é... é ser técnico em necropsia, não técnico em atendimento.

(MESSIAS, 2017, p. 153. Negritos no original).Messias alude ainda a certa ambiguidade no trato desses

desvios de função, conforme vivenciado e narrado por um dos participantes da pesquisa aqui referida.

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P – Mas [vocês técnicos] acabam se esforçando muitas vezes. Não é?

TN.M – Pela família. Porque a gente no final das contas a gente tem dó da família, não é do povo daqui não. Que o povo daqui não merece. Mas o povo que tá chegando num momento difícil não tem nada a ver com a nossa briga. Entendeu? É, dá... dá muita pena. Assim, a gente vê que é uma parte importante porque a gente se coloca no lugar da família e é muito triste. Não um momento muito doloroso? Infelizmente eles passam por isso e a gente tenta amenizar o sofrimento desse povo. Não é nossa função, não. Mas a gente reconhece que essa é uma função importante. (MESSIAS, 2017, p. 155, grifo do autor).

A dinâmica da atividade profissional do técnico em necropsia faz com que desvios de função e estilizações se interpenetrem, conforme comenta Messias. Para esse autor, o modo como o trabalho do técnico em necropsia do SVO se constitui como trabalho real faz com que tal técnico não apenas assuma tarefas, no trabalho real, que estavam prescritas para o médico patologista mas também passe a entender tais tarefas como “pertencentes a eles”, como parte integrante do gênero profissional deles, técnicos em necropsia (MESSIAS, 2017, p. 158). Tal observação levou Messias a propor que, nessa ocupação, o trabalho é “bem feito pelas vias e pelos desvios” (p. 186), propondo tipologia inédita para os desvios de função, em termos de desvios de função confrontados pelo grupo, os desvios de função conflituosos e os desvios de função conformados (p. 192). Estes últimos seriam justamente ilustrados pela extrapolação do trabalho prescrito de técnico e investimento de função antes situada na zona de atribuições do médico patologista, com assentimento dos técnicos. No outro extremo, os desvios confrontados pelo grupo seriam

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aqueles que engendrariam clara reação de rejeição e repulsa pelo grupo, como é o caso da expectativa de que os técnicos se ocupem da atividade de limpeza do local de trabalho. Finalmente, os desvios conflituosos caracterizariam certa zona de transição entre os extremos citados – situações que engendram reação e, ao mesmo tempo, assentimento por parte dos técnicos, como ilustra o depoimento de TN.M transcrito anteriormente.

O ponto a destacar em relação aos dados referentes às professoras do ensino básico e os técnicos de necropsia ilustram duas faces do processo de precarização do trabalho. Do lado das professoras, destaca-se a precarização de um trabalho não caracterizado como sujo e, de modo geral, valorizado e respeitado em decorrência do enfraquecimento dos coletivos de referência. Esses profissionais vivenciam frequentemente contexto de prática profissional em que são sujeitados a formações e capacitações oferecidas por especialistas, que trazem como mensagem subliminar a incompetência estrutural desses profissionais para gerenciar e desenvolver sua prática profissional, rumo ao ideal do “trabalho bem feito6”. Trata-se, em última análise, da negação do saber de referência que faz parte da cultura desses trabalhadores (FALCÃO, 2017b), que são, portanto, infantilizados, isolados de seu coletivo de trabalho como grupo de referenciamento de boas práticas profissionais – donde a vivência de um dos grupos de professores – aquele em situação de risco e precarização –, fato detectado pela pesquisa de Andrade (2017). Do lado dos técnicos em necropsia, destaca-se a precarização do trabalho em função de aspectos absolutamente diversos:

6 Métier bien fait – Clot (2006, 2010a, 2010b).

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trata-se de atividade profissional cercada pelo estigma do nojo social, porém, amparada por coletivo de trabalho vigoroso, que referencia seus trabalhadores ao ponto de que as competências e habilidades, os “gestos de métier” necessários à realização do trabalho de qualidade (além da própria avaliação do que seria esse trabalho de qualidade) não vêm de fontes externas, por mais reputadas que sejam, e sim do coletivo de trabalhadores que recebe, enquadra, sedimenta e inova um conjunto de práticas destinadas, em última análise, à preservação, à renovação e ao revigoramento do gênero profissional. As falas dos técnicos TN.01 e TN.10 ilustram a seguir esse ponto:

TN.01 – [...] quando a gente chegou aqui, os técnicos lavavam o chão do necrotério. [...] os técnicos novos chegaram , simplesmente se reuniram e disseram: “Não, nós não vamos limpar o chão porque nós somos técnicos em necropsia e o Estado dispõe de pessoas pra fazer isso. Então consigam pessoas pra fazer isso”. A gente teve uma resistência com relação a isso e... Mas, enfim, nós não seríamos obrigados a fazer algo que não esteja diante das nossas atribuições como técnicos. Né?

TN.10 – [...] o que você observar no ambiente, a maioria [das conquistas] foi os necrotomistas: álcool gel, sabão, sabão líquido, é... máscara [...]. O nosso, o nosso equipamento nós solicitamos através de documento pra secretaria [...]. A gente modificou a sala todinha. Colocamos o material todinho... O material que utilizamos hoje é material que você pode chegar em Ribeirão Preto, tá lá o mesmo material [...]. Se a gente se... se rebelar aqui... Vamos rebelar, fazer uma rebelião. O SVO ele se desmorona. Por que? Quem dá a sustância é o necrotomista. (MESSIAS, 2017, p. 197-198, grifo do autor).

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Qual, então, o aspecto central que une ambos os processos de precarização de duas ocupações profissionais marcadamente diversas – as professoras de ensino básico e os técnicos em necropsia de capital do nordeste do Brasil? As considerações da seção que fecham o presente capítulo aludem a esse ponto.

Considerações finais: em busca de superação da abordagem higiênica ou individualista da precarização do trabalho

Desenvolvemos uma l inha de argumentação que busca superar a ideia teórica de uma atividade de trabalho imanentemente precária por seus atributos intrínsecos – o que estava fortemente presente na perspectiva clássica do “trabalho sujo”, com toda sua gama de “sujeiras”. Para além da heterogeneidade contraproducente do conceito de “trabalho sujo”, há de se levar em conta que os aspectos que explicam o caráter patógeno dessa atividade de trabalho não se circunscrevem às características que poderiam ser “higienizadas” nessa atividade de trabalho; não fosse assim, a mudança radical do contexto psicossocial do trabalho dos catadores de lixo de Belo Horizonte (DIAS, 2006) não poderia ter sido explicada: afinal, esses trabalhadores continuaram manipulando o mesmo lixo que antes! Nessa mesma ordem de ideias, é ingênuo pensar que a precarização da atividade de trabalho seja passível de reversão a partir da simples erradicação de fatores de risco frequentemente denominados de “ambientais”.

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Buscou-se igualmente superar a ideia teórica de ênfase na dinâmica endopsíquica dos indivíduos-trabalhadores. Por essa lógica, a oferta de opções de “empoderamento” do indivíduo face aos desafios, obstáculos e agressores externos poderiam habilitar esse indivíduo a reverter a precarização de sua atividade de trabalho. M.C. Ferreira cunhou a expressão “ofurô7 corporativo” para se referir a essa proposta de recuperação da qualidade de vida no trabalho em termos de “[...] retirada do trabalhador da situação de trabalho degradada, levando-o para uma atividade antiestresse, da qual ele poderá sair renovado, revigorado em suas energias, para depois retornar a seu contexto de trabalho inalterado, e assim, trabalhar mais ou manter a produção” (MEDEIROS; TORRES; FERREIRA, 2015, p. 37).

A precarização da atividade de trabalho diz respeito à diminuição ou ao comprometimento do poder de agir do trabalhador, em termos dos meios a seu dispor para, em diálogo com seu coletivo de trabalho, usufruir de referência e poder contribuir inovadoramente para esse mesmo coletivo, em prol de seu próprio desenvolvimento psicossocial. Tal perturbação do poder de agir do trabalhador sempre ocorre, em maior ou menor escala, em toda e qualquer ocupação – das mais repugnantes socialmente às mais nobres. Tal perturbação pode originar-se tanto do distanciamento abusivo entre o trabalho prescrito e o trabalho realizado – sabendo-se que

7 A banheira de ofurô é uma modalidade de tina banho de origem japonesa, cujas virtudes calmantes e terapêuticas várias são mencionadas por seus adeptos. M.C. Ferreira lança mão, metaforicamente, da abordagem “banheira de ofurô” como oferta de situações aliviadoras de condições externas de trabalho estressantes.

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uma coincidência perfeita, ou mesmo quase perfeita, é um ideal por definição inatingível – quanto do isolamento do indivíduo-trabalhador em relação a seu coletivo. A plena realização da função psicológica do trabalho, que repousa sobre a assunção do preceito da centralidade do trabalho, repousa sobre a existência das dialogias simultâneas indivíduo – alter/indivíduo, coletivo/indivíduo, cultura e história/indivíduo (CLOT, 2006, 2010b; MARKOVÀ, 2006). É nessa dinâmica dialética e dialógica que repousa, em última análise, todos os processos de vivências dramáticas dos indivíduos – entre os quais as vivências de crise negativa (adoecimento e morte) e crise positiva (desenvolvimento qualitativo) em contexto de trabalho. Por esse aspecto, o trabalho torna-se precário, na medida em que a dinâmica de cogênese indivíduo/coletivo/cultura é comprometida. Tal processo de precarização pode, portanto, ocorrer em toda e qualquer atividade profissional; mais que isso, sempre ocorrerá em alguma medida, pois o processo constante de embate dramático sobre o qual repousam as trajetórias humanas de desenvolvimento das funções psicológicas superiores, que inclui a atividade de trabalho, jamais oferecerá segurança absoluta a seus protagonistas.

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“Quero sair deste emprego!”: ausência de QVT e aniquilamento das margens

de enfrentamento em questão

Mário César FerreiraKelma Jaqueline Soares

Em tempos de crises econômicas recorrentes, em escala planetária, ter um emprego e se manter nele deve ser um objetivo vital dos trabalhadores nos países com formação socioeconômica do tipo capitalista. Nessas sociedades, contar com emprego e salário veicula um rol de significados. Mais que garantir os meios necessários para a sobrevivência biológica, ter um posto de trabalho representa, sobretudo, inserção e reconhecimento social. Significa, especialmente, livrar-se do estigma da exclusão social que tem marcado a vida dos desempregados e, em consequência, gozar de uma cidadania precarizada.

A redução de postos de trabalho e o desemprego crônico que assolam o capitalismo contemporâneo tendem, em médio e longo prazos, a se agravar. As transformações que se operam na economia global indicam que a geração de mais empregos não é nada animadora. Os rumos que o atual cenário da economia mundial aponta se caracterizam principalmente, segundo Wolf (2017), por:

• O continente asiático em ascensão – a fatia dos asiáticos emergentes e em desenvolvimento vai chegar a 39%,

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“QUERO SAIR DESTE EMPREGO!”: AUSÊNCIA DE QVT E ANIQUILAMENTO DAS MARGENS DE ENFRENTAMENTO EM QUESTÃO

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com a participação chinesa chegando a 21% (ante 4% em 1990), bem como o avanço da Índia é significativo, crescendo de 4% para 10%.

• Excesso de poupança – a poupança da China é quase tão grande quanto a dos EUA e da União Europeia juntas. Quase metade da renda nacional da China é poupada, mas tal fatia deve cair gradualmente em face dos gastos moderados das famílias.

• Mudanças demográficas significativas – a fatia dos países ricos na população mundial caiu de 27% para 15% entre 1950 e 2015. A Índia deve ter a maior população até 2025 e a África subsaariana deve responder por 22% da população mundial em 2050, assegura a ONU.

• Economia digital em progressão – observa-se um declínio do custo da capacidade de processamento em face, sobretudo, do colapso no preço dos semicondutores que são os principais responsáveis pelo processamento de dados e comunicação. A redução dos preços de produção de semicondutores caiu cerca de 96% desde 1970.

• Perda do ritmo da produtividade – o desempenho da produtividade no EUA entre 1920-1970 não igualado desde então e uma melhoria momentânea no período 1994-2014 foi seguida por um período de crescimento muito baixo da produtividade.

• Globalização do comércio em queda – o rápido crescimento do comércio global e de ativos financeiros perdeu força após a crise mundial e, entre os principais motivos, encontram-se o

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protecionismo dos países, o esgotamento das oportunidades de comércio, a desaceleração da globalização e o investi-mento fraco.

• Estagnação da renda familiar – aproximadamente 2/3 da população de 25 países de alta renda enfrentaram queda ou estagnação na renda real vinda de salário e capital entre 2005-2014 com destaque para os EUA e a Itália.

Tais indicadores do cenário internacional mostram uma conjuntura de incertezas, imprevisibilidades e de oscilações que apontam para uma época de dificuldades, para as organizações e, sobretudo, para os trabalhadores. O Brasil, situado entre as dez maiores economias do planeta, é parte integrante dessa conjuntura. Todavia, tal cenário assume especificidades, principalmente, quando a questão se trata da inserção no mercado de trabalho.

No Brasil, a taxa de desemprego encontra-se no patamar de 13,3%, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do IBGE (2017). Tal percentual significa que a população desocupada chegou a 13,8 milhões de pessoas e cresceu 20,4% em relação a maio de 2016 (2,3 milhões de pessoas a mais). A população ocupada é estimada em 89,7 milhões e os empregos com carteira assinada somaram 33,3 milhões. Ter um posto de trabalho e, ainda, com carteira assinada nas circunstâncias atuais é, portanto, um bem valioso, uma conquista pessoal a ser preservada. Nesse caso, a diferença entre ter um emprego no setor privado ou no setor público se avoluma de importância, pois o risco de demissão no âmbito do setor público é residual, ínfimo. Atualmente, no Brasil, estima-se em torno de doze milhões de servidores públicos

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civis e militares, distribuídos nas esferas federal, estadual, municipal e no Distrito Federal, e nos três poderes da república (executivo, legislativo, judiciário).

No mercado de trabalho atual do Brasil, os empregos nos setores públicos são cobiçados em face de contar com mais vantagens que aqueles do setor privado. Nesse caso, entre as principais vantagens cabe destacar: jornadas de trabalhos reduzidas (ex.: caso do setor judiciário) ou flexíveis (ex.: vários órgãos do poder executivo federal); aposentadoria de servidor público concursado estatutário (ex.: acesso ao valor integral do salário); patamar remuneratório maior (ex.: trabalhador de empresa privada com carteira assinada tem rendimento salarial inferior); e risco de demissão reduzido em face da garantia de estabilidade no emprego.

Com esse perfil de vínculo empregatício imerso em um cenário socioeconômico crítico, quais são as razões que levam um servidor público, ocupando um posto de trabalho na condição de efetivado/concursado, a querer sair do seu emprego? É essa a questão central do presente capítulo, cuja resposta está ancorada em resultados de pesquisa empírica relatada a seguir. Para uma melhor contextualização do tema deste capítulo e de sua pergunta “bússola”, é pertinente resgatar, em linhas gerais, estudos e enfoques que abordam aspectos relativos aos vínculos que os trabalhadores estabelecem com as organizações.

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Desejo de permanecer ou não permanecer no emprego: o vínculo dos trabalhadores em questão

Permanecer ou não permanecer em uma organização é um tema que tem sido interesse de diferentes pesquisadores, remetendo aos construtos de “comprometimento organizacional” (REGO, 2003; SOLINGER; OLFFEN; ROE, 2008; KLEIN; MOLLOY; COOPER, 2009; RODRIGUES; BASTOS, 2010; BASTOS; RODRIGUES, 2015), “engajamento no trabalho” (BAKKER et al., 2008; BAKKER, 2011; FERREIRA; MENDONÇA, 2015), entrincheiramento organizacional (RODRIGUES, 2009; RODRIGUES; BASTOS, 2010) e “envolvimento” (UYGUR; KILIC, 2009; UEDA, 2011; PARÉ; TREMBLAY, 2007).

Tendo em vista a pergunta central, que orientou o trabalho de investigação e está na origem do presente capítulo, é importante explicitar no que consistem os conceitos-chaves “comprometimento organizacional”, “engajamento no trabalho”, “envolvimento”, “fidelidade dos empregados” na medida em que eles forneceram subsídios para melhor interpretar e discutir os resultados obtidos na pesquisa e que serão relatados. O conceito de comprometimento organizacional não é recente na literatura. Os atributos do conceito englobam aspectos concernentes a “estado psicológico”, “identificação” e “envolvimento” que interferem na avaliação que os indivíduos fazem da organização na qual trabalham e, especialmente, no desejo de nela permanecer ou não ou, ainda, de contribuir ou não para os seus objetivos. Duas referências na literatura, mais antigas, ilustram tal perspectiva. Do ponto de vista de Meyer e Allen (1991), o

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comprometimento é um estado psicológico que caracteriza a relação do indivíduo com a organização e que tem implicações para com a sua decisão de deixá-la ou não. Mowday, Porter e Steers (1982) descreveram o comprometimento como uma força relativa à identificação e ao envolvimento do indivíduo com a organização, caracterizada pela aceitação dos objetivos organizacionais, desejo de manter-se como membro e de exercer esforço em benefício da organização.

N a d e l i m i t a ç ã o c o n c e i t u a l d o c o n s t r u t o “comprometimento”, Bastos e Rodrigues (2015) sinalizam que ele se apoia em bases distintas e está relacionado com outras modalidades de vínculo. Em primeiro lugar, o comprometimento se apoia em uma “base afetiva” que engloba “identificação, afeto, engajamento” e expressa um vínculo que liga o indivíduo à organização devido ao compartilhamento de valores e objetivos; desempenha, por sua vez, uma função mediadora de comportamentos de contribuição ativa para o alcance das metas organizacionais. O comprometimento de natureza afetiva está associado com outros dois tipos de vínculos, segundo os autores. Um vínculo é o “consentimento organizacional”, ancorado em uma base do tipo normativa, internalizada pelo indivíduo e com sentimentos de obrigação. Nesse caso, há uma tendência de o indivíduo obedecer devido à percepção de que a chefia sabe melhor o que fazer, bem como devido às relações de poder que se estabelecem entre gestor e subordinado. O outro é o “entrincheiramento organizacional”, por sua vez, assentado em uma base denominada pelos autores de continuação, englobando elementos de “permanência, instrumentalidade, troca” e indica a tendência de o indivíduo permanecer devido às possíveis perdas de investimentos e aos custos associados à sua saída, e devido à percepção de poucas alternativas fora daquela organização.

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No balanço feito por Ferreira e Mendonça (2015) sobre diferentes conceitos de “engajamento no trabalho” presentes na literatura, é possível depreender os seus principais elementos constituintes. Nesse sentido, o “engajamento no trabalho” se expressa por meio do envolvimento efetivo (físico, cognitivo, afetivo) ou estado energético/psicológico positivo com os papéis que os trabalhadores desempenham no contexto organizacional. A ideia de que o “engajamento no trabalho” caracteriza-se por: a) um estado psicológico difuso e positivo, de natureza predominantemente afetivo-cognitiva que se evidencia; b) por condutas no contexto de trabalho reveladoras de dedicação; c) com foco energético direcionado para a execução das tarefas; e d) efetiva absorção pelo trabalho é, relativamente, consensual entre diversos estudiosos (SCHAUFELI et al., 2002; BAKKER et al., 2008).

Quanto ao construto “entrincheiramento organizacional”, Rodrigues e Bastos (2010, p. 204), afirmam que ele se expressa por meio “[...] das razões que levam o trabalhador a permanecer, mesmo quando deseja sair da organização: possíveis custos envolvidos na saída e restrição do perfil profissional ou do status alcançado, que podem levar à percepção de alternativas limitadas”. Para Rodrigues (2009), o entrincheiramento organizacional se caracteriza pela necessidade que o indivíduo sente de permanecer na organização por não conseguir perceber alternativas que estejam em consonância com suas necessidades e expectativas. Nessa direção, a permanência na organização resultaria, fundamentalmente, da combinação dos seguintes aspectos: a) investimentos feitos pelo trabalhador para garantir a adaptação às condições do ambiente de trabalho, por exemplo, cursos e treinamentos realizados para desempenhar tarefas específicas, e que serão perdidos caso saia da organização; b) benefícios que poderiam ser perdidos

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(ex.: férias, participação nos lucros e assistência médica); e c) avaliação de falta de oportunidades de emprego devido às restrições no mercado de trabalho ou por características do perfil profissional.

Finalmente, no que concerne à noção de “envolvimento”, Kanan e Zanelli (2011) evocam um conjunto de aspectos, com base na revisão da literatura, que permite identificar os seus principais elementos constituintes. Nessa perspectiva, os autores salientam os atributos do conceito de “envolvimento” destacando: o grau em que o desempenho da pessoa no trabalho afeta sua autoestima; os significados que o trabalho ou as tarefas assumem na vida das pessoas; o grau de identificação psicológica do indivíduo com o seu trabalho e a importância do trabalho para a autoimagem; um estado positivo e relativamente completo de engajamento dos aspectos essenciais do eu no trabalho.

Diversas pesquisas com base nos construtos “comprometimento organizacional”, “engajamento no trabalho”, “entrincheiramento organizacional” e “envolvimento”, realizados com delineamentos metodológicos do tipo quantitativo apontam quais são os principais fatores antecedentes que contribuem para a predição de tais construtos. Tais resultados fornecem subsídios importantes para contextualizar as possíveis razões que podem estar na origem da intenção de sair do emprego, objeto central do presente capítulo.

O interesse pelo estudo e pela mensuração do comprometimento organizacional se deve ao fato de ele ser um antecedente de comportamentos relacionados com o absenteísmo, a rotatividade, a motivação, a atitude pró-social e a performance (KLEIN; MOLLOY; COOPER, 2009). Há evidências que indicam a satisfação e o comprometimento

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afetivo como antecedentes diretos do comprometimento organizacional e a percepção de justiça de remuneração como antecedente indireto de intenção de sair da empresa (SIQUEIRA; FERREIRA, 2005).

No que concerne ao “engajamento no trabalho”, os resultados de pesquisa de Oliveira e Rocha (2017) mostram que esse construto está positiva e significativamente relacionado com as avaliações autorreferentes dos trabalhadores, a percepção das práticas de recursos humanos (sic) e a qualidade da relação líder-liderado. Nessa pesquisa, as autoras mostram que também foi encontrada uma relação negativa e significativa entre engajamento e intenção de rotatividade, ou seja, quanto mais engajamento no trabalho, menor é a intenção de sair do emprego. Quanto ao “entrincheiramento organizacional”, pesquisa conduzida por Pinho, Bastos e Rowe (2015) mostra que o entrincheiramento aparece associado com o medo dos trabalhadores em mudarem de organização como modo de se evitar o risco com a estabilidade já adquirida e, ainda, que o entrincheiramento é revelador de um tipo de um vínculo instrumental que torna o trabalhador refém daquele emprego, podendo levá-lo ao desenvolvimento de uma relação de dependência e acomodação para com a organização.

Resultados de estudo realizado por Siqueira e Gomide Jr. (2004) revelam que os principais fatores antecedentes ao “envolvimento com o trabalho” são os seguintes:

• características do cargo (a autonomia para realizar as tarefas; o significado das tarefas; a identificação pessoal com as tarefas; e a variedade e as habilidades necessárias para a execução da tarefa);

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• características dos líderes (a atenção que a chefia dispensa às relações pessoais e profissionais com os subordinados; a participação do colaborador nas decisões da chefia; quantidade e qualidade da comunicação chefia-colaborador); e

• papéis desempenhados na organização (os conflitos entre os papéis organizacionais; a existência de orientações pouco claras para a execução das tarefas).

Essa breve contextualização sobre tipos de vínculos dos trabalhadores com as organizações fornece aspectos-chaves para o relato de uma pesquisa empírica sobre a intenção de sair do emprego e, em consequência, as principais razões em um órgão público federal brasileiro.

Abordagem Metodológica

O delineamento da pesquisa é um estudo de caso, de caráter quali-quantitativo com enfoque exploratório e descritivo, que se apoia, principalmente, na análise lexical do discurso dos participantes.

Participantes

A pesquisa foi realizada em um órgão público federal brasileiro, cuja missão consiste em defender a ordem jurídica,

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o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis no âmbito das relações de trabalho. No período da realização da pesquisa, estavam presentes um total de 5.156 e participaram efetivamente da investigação 1.944 (37,7%) trabalhadores, garantindo-se uma representatividade estatística de 99% (erro admitido de 0,2 pontos para mais ou menos). O perfil dos participantes se caracteriza por: a) variáveis demográficas – sexo: equilíbrio entre homens (49,1%) e mulheres (50,9%), escolaridade: especialização (35%), idade: M=35,97 anos (DP=10,46); e b) variáveis profissiográficas – vínculo: servidor (72,8%), cargo servidor: técnico (50,5%) e lotação: unidades regionais da organização (13,5%).

Instrumento e Procedimentos

Os dados foram coletados por meio de um questionário digital, disponibilizado aos participantes na internet durante 37 dias. O respondente foi convidado a marcar, numa escala de concordância do tipo Likert, ancorada em 11 pontos (0=Nenhuma e 10=Alta), sua resposta para a seguinte questão: “A minha intenção de sair do emprego no órgão é?...”.

Escala do Tipo Likert (11 pontos)Nenhuma0

Alta10

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Para todos os respondentes, com vínculo empregatício de servidor concursado, que assinalavam na escala o valor ≥ 5, eles eram convidados a escrever, em campo de informação específico disponibilizado para esse fim, sobre qual era a razão principal da intenção de sair do atual emprego. A aplicação do instrumento foi orientada por alguns procedimentos básicos:

• Trabalho de sensibilização do público-alvo sobre a importância da participação da pesquisa, focado no esclarecimento sobre a sua finalidade, os produtos que seriam gerados e o compromisso dos pesquisadores e dirigentes de devolutiva dos resultados encontrados para todos os participantes. A sensibilização foi realizada por meio de palestras (dirigentes, gestores e servidores) e da produção e divulgação de mídias específicas (vídeo, e-f lyer, banner, e-mails). O trabalho de sensibilização foi realizado nas duas semanas que antecederam a coleta de dados.

• Foram asseguradas as premissas éticas de pesquisa, obedecendo à época as normas da Resolução Nº 096 do Conselho Nacional de Saúde, garantindo-se, dessa forma, o direito ao sigilo das informações dos participantes, o direito de desistir de participar a qualquer tempo e o compromisso de não haver qualquer risco para o vínculo empregatício do respondente. Todas essas informações foram disponibilizadas na página inicial do instrumento e somente após a leitura dessas informações e, em seguida, assinalar no campo “estou de acordo em participar” é que era fornecido ao participante o campo para a inserção

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do código pessoal. Tal código, por sua vez, foi distribuído aleatoriamente garantindo-se o sigilo da fonte.

• Após a coleta dos dados e a realização do tratamento e das análises, os resultados foram apresentados aos participantes por meio de palestras (dirigentes, gestores e servidores), viabilizando o procedimento de validação dos resultados obtidos e o cumprimento do compromisso assumido com os servidores. A maioria dos participantes lotados nas diversas unidades administrativas do órgão puderam acompanhar a apresentação de tais resultados por meio do recurso de videoconferência.

Tratamento e Análise dos Dados

Os dados obtidos com a aplicação da escala Likert foram tratados com uso de estatística descritiva (ex.: médias, percentuais, desvio-padrão) com o suporte do SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). Para analisar a relação entre variáveis dos perfis demográfico e profissiográfico com a intenção de sair do emprego, testando se havia diferenças de percepção, utilizou-se o teste não paramétrico U de Mann-Whitney (teste de diferença de medianas).

Para a interpretação global dos resultados quantitativos de “intenção de sair do emprego”, utilizou-se a cartografia, apresentada a seguir.

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Quanto às respostas relativas à questão “Qual é a razão principal de sair do emprego?”, elas foram tratadas com o uso do aplicativo de análise estatística de dados textuais e questionários IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires, versão 0.6 alpha 3). O IRaMuTeQ é uma ferramenta de tratamento de dados que, entre outras alternativas, operacionaliza o método de classificação hierárquica descendente, concebido por Reinert (1990). Ele identifica as informações essenciais de um texto (ex. entrevista, questões abertas, obra literária) e as quantifica para extrair as estruturas significantes mais fortes do texto. O pressuposto é que tais estruturas lexicais estão intimamente relacionadas por meio da distribuição das palavras em um texto e que tal distribuição das palavras não se dá ao acaso.

Principais resultados e discussão

O tratamento dos dados obtidos possibilitou identificar inicialmente a distribuição de respostas na cartografia utilizada com base na estatística descritiva.

Cartografia de Interpretação da Intenção de Sair do Emprego Nenhuma

0

Intenção nula ou baixa Intenção mediana

-----0-0,9

----1-1,9

----2-2,9

--3-2,9

-4-4,9

+5-5,9

++6-6,9

+++7-7,9

++++8-8,9

+++++9-10

Alta10

Intenção alta ou máxima

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O total de respondentes que manifestou a intenção de “mediana para alta” de sair do emprego atual, com base no ponto médio ≥ 5, foi de 57,8%, sendo que entre eles, 40% assinalaram a intenção mais alta (intervalo 8-10 na cartografia). Um resultado alto e muito expressivo de intenção de sair do emprego atual no órgão público federal, agregando mais importância de conhecer quais são as principais razões de tal interesse por parte dos participantes da pesquisa. Quanto ao tratamento inferencial, os resultados (p > 0,05) mostraram que os servidores que apresentam mais intenção de sair do emprego atual são: a) as mulheres; b) os servidores que não trabalham na área de formação profissional; e c) os servidores com idade mais jovem. Tais resultados forneceram dados empíricos para contextualizar a questão central desta pesquisa: quais são as razões que levam um servidor público, ocupando um posto de trabalho na condição de efetivado/concursado, a querer sair do seu emprego? Neste estudo de caso, os resultados obtidos com o uso do aplicativo IRaMuTeQ forneceram elementos elucidativos para essa questão fundamental de pesquisa.

Cartografia de Interpretação da Intenção de Sair do Emprego Nenhuma

0

33,0% 7,3% 10,2% 9,5% 40%

1,764 5,09 4,05 0 10

N(válidos) Média DP Mín. Máx.

Intenção nula ou baixa Intenção mediana

-----0-0,9

----1-1,9

----2-2,9

--3-2,9

-4-4,9

+5-5,9

++6-6,9

+++7-7,9

++++8-8,9

+++++9-10

Alta10

Intenção alta ou máxima

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O gráfico, apresentado a seguir, mostra a distribuição percentual dos núcleos temáticos estruturadores sobre as principais razões de sair do emprego atual no órgão em questão. Esse primeiro panorama dos resultados, uma espécie de “ponta do iceberg”, possibilitou conhecer as principais razões de intenção de sair do emprego pelos participantes da pesquisa. Todavia, o tratamento efetuado pelo aplicativo IraMuTeQ possibilitou aprofundar a análise de cada núcleo temático estruturador do discurso por meio das manifestações escritas mais representativas que integram tais núcleos temáticos. Cada núcleo temático e suas respectivas manifestações escritas são apresentadas a seguir (grifo nosso).

Figura 1 – Razões de sair do emprego no órgão.

Nova carreira,oportunidades evocação pessoal

12%Ambiente isuportável e não reconhecimento

do trabalho

24%

Buscar melhorremuneração e

carreira

23%Sálario defasado e desvalorização da

carreira

22%

Desvalorizaçãodo servidor

19%

Fonte: Autoria

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Ambiente Insuportável e Não Reconhecimento do Trabalho (24%)

Não explicam, não informam o que é para ser analisado. O que tornaria mais ágil o nosso trabalho. Tenho vontade de chorar todos os dias. Não tenho perspectiva, não tenho futuro. Parece que estou morta.

O ambiente de trabalho está insuportável. Me sinto desvalorizada, desmotivada e sem vontade de trabalhar. As oportunidades de crescimento profissional não existem e nem são incentivadas.

Ter meu trabalho realmente reconhecido e valorizado e poder ser respeitado pelo que eu faço.

Preciso de um trabalho que me estimule mais. De preferência em que me sinta capaz de usar minha criatividade e capacidade.

Gostaria de passar num concurso para trabalhar numa instituição onde fosse mais valorizado o meu trabalho.

Buscar Melhor Remuneração e Carreira (23%)

Todas as carreiras análogas as do órgão deram um salto gigantesco em relação à remuneração àquela que temos aqui. Tenho que pensar em minha família e buscar outro concurso público.

Passar em um concurso que me valorize mais profissionalmente e monetariamente.

Rezo todas as noites para conseguir remoção para outro órgão e entro em todos os concursos de remoção.

Passar em outro concurso que remunera e valoriza melhor o servidor.Buscar aprovação em outro concurso cuja remuneração e carreira sejam melhores.

Salário Defasado e Desvalorização da Carreira (22%)

Falta de perspectiva de melhoria na remuneração do servidor, aliada às diversas medidas que pioram a qualidade de vida no órgão e geram desigualdades entre ramos e dentro do próprio órgão.Salário defasado, falta de perspectiva de crescimento no órgão. Chefia não contribui para um bom ambiente.Questão salarial e baixa perspectiva de crescimento profissional e valorização.

Falta de perspectiva de crescimento e valorização da carreira.Baixa valorização do servidor e perspectiva zero de mudança.

Desvalorização do Servidor (19%)

A desvalorização e o desgaste nas relações interpessoais só aumentam e as atitudes tomadas pela administração só agravam isso.Desvalorização do servidor, carga de trabalho muito grande e excesso de trabalho, ocasionando depressão.

A desvalorização do servidor em relação ao salário: 8 anos sem aumento.

Desvalorização da área fim do órgão em relação à sua área meio.Desvalorização do trabalho dos servidores por parte dos membros.

Nova Carreira, Oportunidades e Vocação Pessoal (12%)

Ajustes na profissão de acordo com minha vocação pessoal.

Venho estudando para o concurso da magistratura estadual. É uma questão de realização pessoal.

Penso em investir em uma nova carreira.

Conseguir uma oportunidade melhor na iniciativa privada.Pretendo ingressar em outra carreira pública como analista em odontologia.

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A análise das palavras mais mencionadas pelos respondentes pelo IRaMuTeQ, gerando a “nuvem de palavras” típicas do corpus textual, enriquece os resultados apresentados anteriormente.

De entrada, é pertinente olhar esses resultados sob a ótica da gestão organizacional e do trabalho no contexto do órgão público federal brasileiro. Nesse sentido, o que, efetivamente, tais resultados parecem mostrar aos dirigentes e gestores do órgão público em questão? Uma primeira e valiosa mensagem desses resultados, sob a ótica das práticas de gestão, reside em identificar que há, basicamente, dois tipos principais de motivos para sair do órgão que se evidenciam nos núcleos temáticos e nas manifestações escritas mais representativas dos respondentes. Esses dois tipos merecem maior atenção.

O primeiro “tipo de razão” são as intenções de sair do emprego dos servidores participantes da pesquisa por motivo meramente pessoal/individual. Nesse caso, o núcleo temático “Nova Carreira, Oportunidades e Vocação Pessoal (12%)” que

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estrutura o olhar coletivo dos servidores reúne inequivocamente argumentos dos respondentes que evidenciam motivos pessoais para não permanecerem no emprego atual (grifos nossos): “ajustes na profissão de acordo com minha vocação pessoal”; “venho estudando para o concurso da magistratura estadual. É uma questão de realização pessoal”; “penso em investir em uma nova carreira”; “conseguir uma oportunidade melhor na iniciativa privada”; e “pretendo ingressar em outra carreira pública como analista em odontologia”. Portanto, as razões se referem, basicamente, ao desejo de ter outra carreira, à mudança do setor púbico para o setor privado, à vontade de realização pessoal. Nesse caso, o trabalho de gestão organizacional e do trabalho tem governabilidade zero ou nula para garantir a permanência desses servidores no órgão. As práticas de gestão pouco ou nada podem fazer para promover o comprometimento organizacional, o envolvimento, o engajamento no trabalho ou o entrincheiramento organizacional, conforme tem sido na literatura científica mencionada anteriormente.

Configura-se, portanto, parte da resposta à questão central da pesquisa sobre quais são as razões que levam um servidor público, ocupando um posto de trabalho na condição de efetivado/concursado, a querer sair do seu emprego. Assim, parte das razões que levam um servidor público a querer sair do emprego – nesse caso, apenas 12% do discurso produzido pelos servidores –, é de natureza pessoal ou individual e, em consequência, dirigentes e gestores nada podem fazer, sendo a governabilidade zero.

O segundo “tipo de razão” são as intenções de sair do emprego dos servidores participantes da pesquisa por motivos de natureza organizacional. Nessa esfera, os resultados encontrados são eloquentes, pois evidenciam um conjunto

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de motivos que remetem ao modelo de funcionamento do órgão, especialmente sua política de gestão organizacional e do trabalho. Quatro núcleos estruturadores do discurso dos servidores mostram inequívoco mal-estar no trabalho relacionado com “ambiente insuportável”, “não reconhecimento institucional”, “desvalorização do trabalho”, “remuneração insuficiente”, “precarização da carreira”, “baixa perspectiva de crescimento profissional”, “desgastes nas relações interpessoais”, “sobrecarga de trabalho” e “atitudes gerenciais”.

Nesse caso, diferentemente do primeiro “tipo de razão”, os responsáveis pela gestão organizacional e do trabalho no órgão têm governabilidade parcial (ex.: ajuste salarial depende de decisão de outras esferas governamentais) ou total (ex.: aprimorar as relações socioprofissionais) para se contrapor à intenção de sair e, desse modo, garantir a permanência do servidor no órgão. As práticas de gestão podem muito fazer para eliminar e/ou atenuar as fontes de mal-estar no trabalho que estão presentes no discurso dos servidores.

Os resultados mostram, portanto, a outra parte da resposta à questão central da pesquisa sobre quais são as razões que levam um servidor público, ocupando um posto de trabalho na condição de efetivado/concursado, a querer sair do seu emprego. Parte das razões que, nesse caso, representa 88% do discurso produzido pelos servidores, é de natureza organizacional e, em consequência, dirigentes e gestores podem muito fazer para mudar positivamente esse quadro constatado na pesquisa.

Esse expressivo resultado (88% do discurso dos servidores) veicula, ainda, outra mensagem importante desta pesquisa. De fato, as queixas que integram os relatos de mal-estar no trabalho evidenciam também representações sobre a ausência de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT)

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no discurso dos servidores. Tais ausência e precariedade se mostram com base em duas dimensões complementares no que concerne à Qualidade de Vida no Trabalho (FERREIRA, 2016). Sob a ótica dos servidores, constata-se que as representações globais (contexto organizacional) e específicas (situações de trabalho), frutos da experiência de trabalho no órgão, indicam o predomínio de experiências de mal-estar no trabalho, de falta de reconhecimentos institucional e de impossibilidade de crescimento profissional. Sob a ótica do órgão em questão, a QVT não parece ser um preceito de gestão organizacional, sugerindo claramente a ausência de normas, diretrizes e práticas no âmbito das condições, da organização e das relações socioprofissionais de trabalho focados na promoção do bem-estar individual e coletivo, no desenvolvimento pessoal dos servidores e no exercício da cidadania organizacional nos ambientes de trabalho do órgão. Essas constatações da pesquisa se mostram alinhadas com outros resultados de pesquisas em Qualidade de Vida no Trabalho (PACHECO et al., 2016; FERNANDES; FERREIRA, 2015; ALMEIDA; FERREIRA; BRUSIQUESE, 2015).

Os resultados obtidos nos tratamentos realizados com o suporte do SPSS e o IRaMuTeQ possibilitaram avançar nas análises, criando bases para uma discussão com suporte na literatura científica em relação os construtos “comprometimento”, “engajamento no trabalho”, “entrincheiramento organizacional” e “envolvimento”. De modo geral, os resultados da pesquisa mostram um rol de indicadores que fragiliza os vínculos dos servidores com o órgão em questão. Em certa medida, tais resultados se constituem no “avesso” do que preconizam os elementos constitutivos dos construtos, mencionados anteriormente.

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No que concerne ao “comprometimento organizacional” (BASTOS; RODRIGUES, 2015), as manifestações representativas dos servidores parecem indicar uma “raquítica” base afetiva na medida em que o vínculo expresso no discurso não é revelador de identificação, afeto e engajamento que ligam esses trabalhadores com o órgão. Não há, tampouco, dados empíricos que evidenciam: a) o compartilhamento de valores e objetivos que podem, segundo os autores citados, influenciar comportamentos de contribuição ativa para o alcance das metas organizacionais; b) algum tipo de “consentimento organizacional”, ancorado em uma base do tipo normativa, internalizada pelo indivíduo que pudesse induzir os servidores a comportamentos de obediência; e c) o “entrincheiramento organizacional” indicando a tendência dos servidores de permanecer devido a possíveis perdas de investimentos e a custos associados à sua saída ou, ainda, devido à percepção de poucas alternativas fora desse órgão. Nesse último caso, isso se torna mais evidente na medida em que pode estar havendo algum tipo de entrincheiramento organizacional por parte dos servidores mais idosos e, possivelmente, com mais tempo de vínculo empregatício com o órgão.

Ainda sobre a questão do “entrincheiramento organizacional” (RODRIGUES, 2009, RODRIGUES; BASTOS, 2010; PINHO; BASTOS; ROWE, 2015), cabe salientar que resultados mostram o quanto ele é restrito ou ausente na medida em que os servidores parecem não considerar os possíveis custos envolvidos na saída ou o possível status pessoal alcançado. Não parece haver necessidade de os servidores permanecerem na organização por não conseguirem perceber outras alternativas que pudessem estar em consonância com suas necessidades e expectativas. Mesmo os eventuais

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investimentos feitos pelos servidores para garantir a adaptação às condições do ambiente de trabalho (exemplo de cursos realizados para desempenhar tarefas específicas), os eventuais benefícios existentes que poderiam ser perdidos e, ainda, a falta de oportunidades de emprego devido a restrições no mercado de trabalho em crise ou por características do perfil profissional não parecem ser capazes de persuadir os servidores a permanecer no emprego atual.

No que concerne à noção de “envolvimento” (KANAN; ZANELLI, 2011), os resultados encontrados parecem apontar um estado geral de baixíssimo ou nulo envolvimento com o trabalho. As manifestações representativas dos servidores evidenciam, ao contrário do envolvimento do trabalho, vivências que afetam a sua autoestima, o significado predominantemente negativo que o trabalho ou as tarefas parecem assumir na vida profissional dos participantes da pesquisa. Os resultados também sugerem um grau de identificação psicológica dos servidores com o trabalho bastante crítico, certamente repercutindo na importância do trabalho para a autoimagem. Nessa esfera, é emblemático o depoimento da respondente que afirma “Tenho vontade de chorar todos os dias. Não tenho perspectiva, não tenho futuro. Parece que estou morta”. Em síntese, as razões de sair do emprego são reveladoras, igualmente, de reduzido envolvimento com o trabalho.

Sobre o “engajamento no trabalho” (SCHAUFELI et al., 2002; BAKKER et al., 2008; FERREIRA; MENDONÇA, 2015), os resultados de pesquisa também apontam um reduzido ou nulo engajamento. Não se observou um estado energético/psicológico predominantemente positivo com os papéis que os servidores desempenham no contexto organizacional do órgão. Tampouco foram constatados relatos que evidenciassem

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condutas ou atitudes no contexto de trabalho reveladoras de dedicação, foco energético direcionado para a execução das tarefas e a efetiva absorção pelo trabalho. Ao contrário, expressiva parcela dos depoimentos dos servidores é notória indicadora de vivências de mal-estar no trabalho no órgão e, portanto, da ausência ou precariedade de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) no contexto organizacional.

Nesse cenário crítico constatado, indicadores do tipo absenteísmo, rotatividade, injustiça e desmotivação podem estar se constituindo também fortes preditores de intenção de sair do emprego (KLEIN; MOLLOY; COOPER, 2009; SIQUEIRA; FERREIRA, 2005). Do mesmo modo, as características dos dirigentes e gestores, especialmente a atenção que as chefias podem estar dispensando às relações pessoais e profissionais com os subordinados, a participação do colaborador nas decisões da chefia e a quantidade e a qualidade da comunicação gerencial com os subordinados podem também estar se constituindo em antecedentes das razões de sair do emprego por parte dos servidores. Especialmente, o depoimento de um participante, quando afirma “Não explicam, não informam o que é para ser analisado. O que tornaria mais ágil o nosso trabalho”, é revelador da existência de orientações pouco claras para a execução das tarefas, indicando possíveis problemas no âmbito dos papéis desempenhados na organização (SIQUEIRA; GOMIDE JR., 2004).

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Conclusão

Os achados encontrados neste estudo de caso, que não autorizam generalização para os demais órgãos públicos, também lançam bases para novas questões e estudos. Por exemplo, os resultados significativos, frutos do tratamento estatístico inferencial, forneceram também bases para uma exploração analítica e pistas para novas pesquisas sobre a relação entre vínculos dos trabalhadores e intenção de sair do emprego. Nesse caso, cabe salientar que: a) a condição feminina na sociedade capitalista brasileira, especialmente a existência das triplas jornadas de trabalho a que estão submetidas as mulheres podem estar contribuindo para o fato de elas quererem sair do emprego no órgão, quando comparadas com os homens; b) o descompasso entre a área de atuação e a formação profissional se revela, neste estudo de caso, como fator importante na produção de mal-estar no trabalho, contribuindo para o desejo de sair do emprego; c) a intenção de sair do emprego pelos servidores com idade mais jovem apontam tanto para a necessidade de atenção especial para os perfis profissionais diferenciados das novas gerações de trabalhadores quanto para o cuidado com os servidores mais velhos, buscando identificar, nesse último caso, em que medida já podem estar adoecidos ou em processo avançado de comprometimento da saúde ou, ainda, que estratégias operatórias de compensação podem eles ter construído para lidarem com as fontes de mal-estar identificadas nesta pesquisa.

Nesse contexto organizacional investigado, parece evidente que a política de gestão organizacional e do trabalho, especialmente as práticas de gestão de pessoal que não se pautam na promoção da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT),

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está na origem da fragilização dos vínculos dos servidores e, em consequência, contribui fortemente para o desejo dos trabalhadores de sair do órgão público federal brasileiro em questão. No geral, tudo parece ser feito para eliminar e/ou restringir o comprometimento organizacional, o engajamento no trabalho, o envolvimento e o entrincheiramento organizacional por parte dos servidores. A ausência de uma política e de um programa de Qualidade de Vida no Trabalho (FERREIRA, 2016) contribui significativamente para a fragilização e o risco de ruptura de vínculo dos servidores com o órgão público e isso, certamente, deve ter um alto custo individual para os próprios servidores (transcendendo as fontes de mal-estar no trabalho constatadas), para o órgão público e para a sociedade brasileira.

Evidenciou-se nesta pesquisa elementos de resposta para a sua questão central – quais são as razões que levam um servidor público, ocupando um posto de trabalho na condição de efetivado/concursado, a querer sair do seu emprego? – indicando, portanto, claramente que: a) há razões de natureza pessoal/individual, quantitativamente minoritárias, que levam os servidores a desejarem sair do órgão em que se encontram e para esse “tipo de razão”, em consequência, dirigentes têm baixa ou nula governabilidade; b) há razões de natureza organizacional, quantitativamente majoritárias, que levam os servidores a desejarem sair do órgão em que se encontram e para esse “tipo de razão” os dirigentes têm total ou parcial governabilidade; c) as bases – comprometimento organizacional, engajamento no trabalho, envolvimento e entrincheiramento organizacional – para um vínculo sustentável entre servidores e os postos de trabalho no órgão estão fragilizadas e fortemente em risco; e d) as vivências de mal-estar no trabalho são ilustrativas da

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precariedade ou da ausência de Qualidade de Vida no Trabalho no contexto organizacional estudado.

Em síntese, os resultados encontrados parecem indicar inequivocamente que, ao contrário do que sinaliza a literatura sobre “estado psicológico positivo” dos trabalhadores quando trata, por exemplo de comprometimento organizacional, os depoimentos dos servidores são reveladores de um estado psicológico de apreensão, de medo e de alarme que parecem indicar claramente que as margens para lidar com ou enfrentar os problemas vivenciados estão aniquiladas. Isso ajuda a mais bem compreender e contextualizar o desabafo de uma servidora que, quando da devolutiva dos resultados da pesquisa, afirmou em tom de socorro: “Quero sair deste emprego!”.

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Depressão percebida e Qualidade de Vida no Trabalho em

ambientes de TI de universidades comunitárias brasileiras

Cleverson Pereira de Almeida; Andréia De Conto Garbin; Fernanda Aizawa Spolon1;

Rafael França Santana1

O estudo foi realizado com trabalhadores da área de Tecnologia de Informação (TI), em contexto universitário, para verificar a presença de quadros depressivos e práticas de qualidade de vida no trabalho (QVT) voltadas para esses profissionais. A depressão tem sido reconhecida como uma das doenças que mais incapacita pessoas ao redor do mundo. De acordo com estudo divulgado pela Organização Mundial de Saúde, estima-se que 300 milhões de pessoas, cerca de 5% da população mundial, sofram de depressão a cada ano, sendo que no Brasil aproxima-se de 13 milhões de depressivos (WHO, 2017). É caracterizada como uma doença que apresenta um conjunto de manifestações, tais como: isolamento, presença de pensamentos negativos, desânimo, ansiedade, fadiga, insônia, sentimento

1 O presente texto toma por base o Trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia desses autores, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, sob orientação do Prof. Dr. Cleverson Pereira de Almeida, São Paulo, 2015.

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DEPRESSÃO PERCEBIDA E QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO EM AMBIENTES DE TI DE UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS BRASILEIRAS

137CLEVERSON PEREIRA DE ALMEIDA, ANDRÉIA DE CONTO GARBIN, FERNANDA AIZAWA SPOLON, RAFAEL FRANÇA SANTANA

de tristeza, angústia, medo e vontade de chorar. Na sua forma mais grave, a depressão pode levar ao suicídio (WHO, 2017). O adoecimento apresenta-se como limitador das atividades sociais, laborais, educacionais, esportivas das pessoas e essas são alterações que impactam seu dia a dia.

De modo geral, é possível que se confunda o quadro clínico da depressão com os sintomas depressivos que acompanham modos de viver. A visão patologizante em voga tende a classificar/diagnosticar qualquer sofrimento contemporâneo como depressão, assim subestima-se, minimiza-se a subjetividade, conforme apontado por Roudinesco (2000). Nesse cenário, a adoção de medidas paliativas visa tão somente a eliminação dos sintomas na perspectiva de mitigar anseios sociais. Os diagnósticos de

[...] angústia, agitação, melancolia ou simples ansiedade,

buscam, inicialmente, minimizar os traços visíveis da doença,

para depois suprimi-los e, por fim, evitar a investigação de

suas causas determinantes, de maneira a orientar o paciente

para uma posição cada vez menos conflituosa e, portanto,

cada vez mais depressiva (ROUDINESCO, 2000, p. 41).

A depressão está descrita no Manual de Doenças Relacionadas ao Trabalho do Ministério da Saúde (BRASIL, 2001) e diversos estudos fazem referência a ela como decorrente das condições de trabalho (JARDIM; GLINA, 2000; JACQUES, 2003). Os contextos de trabalho, marcados pela pressão e competitividade entre os próprios colegas, alteram a saúde dos trabalhadores e modificam a organização do trabalho no que se refere ao ritmo, à demanda, à formação dos trabalhadores e à disciplina no local de trabalho, de acordo com Antunes (2002-2003).

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138CLEVERSON PEREIRA DE ALMEIDA, ANDRÉIA DE CONTO GARBIN, FERNANDA AIZAWA SPOLON, RAFAEL FRANÇA SANTANA

Verifica-se que a sociedade imputa ao indivíduo a responsabilidade por seu adoecimento (ROUDINESCO, 2000). A patologização de questões de natureza social pode levar a um reducionismo na compreensão dos fenômenos ao desconsiderar os determinantes das condições de trabalho e ao isentar (ou atenuar) de responsabilidades as empresas (a rigor, seus gestores e as políticas por eles adotadas). O indivíduo passa a ser o maior responsável por sua condição de vida e saúde, extraindo o caráter social e histórico do adoecer, escamoteando as condições, por vezes, degradantes de trabalho, conforme argumentos apresentados por Garbin (2009).

Sabe-se, também, que as manifestações de angústia, agitação, ansiedade são importantes sinalizadores de um processo de adoecimento, por isso merecem atenção. O conceito de sofrimento, descrito por Dejours, Jayet e Abdoucheli (1994), possibilita compreender o espaço intermediário entre a saúde e a doença. Significa reconhecer que as expressões de dor, desconforto, tristeza revelam a face oculta da gestão do trabalho, que incide sobre a saúde do trabalhador.

Para as organizações, essas questões tornam-se prioritárias na medida em que interferem nos processos de trabalho e afetam a produtividade. Nesse cenário, os serviços ocupacionais, com forte viés clínico-individual e com o olhar sobre o trabalhador como objeto de sua intervenção, segundo Mendes e Dias (1991), e as áreas de Gestão de Pessoas, tradicionalmente mais preocupadas com a adaptação/adequação/conformidade ou conformação dos trabalhadores, de acordo com Braverman (1980) e Heloani (2007), têm procurado intervenções voltadas para qualidade de vida no trabalho, muitas vezes denominadas de programas de QVT.

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Foram priorizados treinamentos e os referidos programas para solucionar os problemas de saúde dos trabalhadores. No entanto, a implementação de programas e treinamentos prontos, “formatados”, genéricos, via de regra, desconsidera a complexa trama de relações que se estabelece no contexto de trabalho específico de cada organização (SPINK, 1982).

Estudos apontam que os chamados programas de Qualidade de Vida no Trabalho, com frequência, apresentam e se limitam a um conjunto de medidas paliativas. Em geral, são programas que objetivam mudanças comportamentais e de postura corporal sem, contudo, alterar processos produtivos e/ou de prestação de serviços, e as práticas de gestão. Há extenso “cardápio” de atividades do tipo “ofurô corporativo” (aikido, jump fit, yoga laboral, hidroginástica, capoeira, dança de salão, quick massage), refletindo uma abordagem assistencialista, com acentuada vocação reducionista, que terceiriza a responsabilidade pela qualidade de vida do trabalhador, conforme disposto por Ferreira (2006).

Evidencia-se uma perspectiva adaptacionista, pois a implementação de um programa voltado para qualidade de vida no trabalho, de natureza preventiva e, por isso efetivo, precisa atuar nas causas reais que dão origem aos problemas. Nesse caso, destacam-se: as condições de trabalho (quando pouco adequadas), as regras que orientam a execução da tarefa (quando incompatíveis com as exigências reais das atividades levadas a efeito) e as relações socioprofissionais (as relações humanas que, não sendo consideradas prioritárias, podem ser fonte de conflitos frequentes), de acordo com Ferreira et al. (2009).

As estratégias de caráter compensatório – resultantes, principalmente, de sintomas físicos e emocionais – referem-se a uma abordagem assistencialista de QVT, na qual podem estar

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presentes breaks com horários e duração preestabelecidos, aulas ou momentos que envolvam movimentação corporal, massagens relaxantes, entre outros. Essa abordagem afasta-se da realidade vivida por aqueles que trabalham e seus problemas, conforme Ferreira (2012). Além disso, denota uma intervenção que busca amenizar, ainda que de forma sutil, não manifesta, potenciais conflitos entre os trabalhadores não gestores e gestores nas empresas (e também aqueles que respondem em nome delas, ainda que não estejam ali formalmente empregados), e manter ou aumentar a capacidade produtiva de cada um, nos curtíssimo e curto prazos. A ótica e a prática de viés assistencialista podem ser verificadas na situação a seguir:

Após uma longa, fatigante e (aparentemente) interminável

manhã de trabalho, o trabalhador manifesta sinais evidentes

de intenso desgaste em função, principalmente, do posto de

trabalho pouco adequado, de regras “esquizofrênicas” de

trabalho e de relações conflituosas com clientes, chefias

e colegas de trabalho. Ao encerrar o turno matutino,

ele é convidado a participar de uma sessão de yoga. Após

esta atividade, o trabalhador se sente melhor, mais aliviado,

enfim, “desestressado”. Mas, no período vespertino, ele volta

a “mergulhar” no mesmo contexto de trabalho, com todos os

seus indicadores críticos e, inexoravelmente, o forte desgaste

se reinstala (FERREIRA, 2011, p. 15).

Uma abordagem preventiva em QVT apresenta-se para superar as limitações já apresentadas. Trata-se de um enfoque centrado na prevenção, de acordo com Ferreira (2012), e resultante do conjunto de ações individuais e coletivas levadas a efeito nas organizações, com vista ao alcance de um contexto de

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produção de bens e serviços, no qual as condições e a organização do trabalho e as relações socioprofissionais devem contribuir para a prevalência do bem-estar de quem trabalha.

Ao adotar essa perspectiva para o conceito de QVT, assumida como contra-hegemônica por Ferreira (2012), verifica-se que estão inclusos os seguintes fatores interdependentes: condições de trabalho; organização do trabalho; relações socioprofissionais; reconhecimento e crescimento profissional; elo trabalho-vida social. Essa perspectiva também se relaciona com a busca de um ambiente de trabalho saudável, portanto, com visão crítica sobre o foco exacerbado direcionado à produtividade (ou produtividade a qualquer preço/custo).

Dessa maneira, propõe-se que se pergunte aos trabalhadores o que se entende por qualidade de vida no trabalho (FERREIRA, 2012). Essa iniciativa atua no sentido de favorecer um ambiente que estimule o indivíduo e lhe forneça um suporte para conscientização de quão importante é a saúde e sua relação com a qualidade do trabalho, de vida e de vida no trabalho.

A pergunta instaura um espaço de fala que dá vazão e serve de canal de comunicação estratégico para que os trabalhadores digam, efetivamente, o que pensam sobre QVT, explicitando e dando visibilidade aos seus elementos estruturais e constituintes, estritamente sob a ótica de quem trabalha. É também um requisito central e estruturante de um enfoque de gestão participativa para a concepção, o planejamento, a execução, a avaliação e a reconcepção e o replanejamento de políticas e programas de qualidade de vida no trabalho. Além disso, adotá-la como ponto de partida para uma atuação em qualidade de vida no trabalho no contexto organizacional gera um “baú de expectativas” em todos que se dispuserem a

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respondê-la. Formular essa pergunta central aos trabalhadores cria, veicula e manifesta um compromisso com os passos seguintes que precisam ser operacionalizados, principalmente com as medidas que deverão ser implementadas em futura etapa de intervenção, segundo Ferreira (2015).

O conceito de Qualidade de Vida no Trabalho (em contextos organizacionais) deve englobar duas perspectivas interdependentes, a saber:

• dos gestores: como um preceito de gestão organizacional, que se expressa por conjunto de normas, diretrizes e práticas no âmbito das condições, da organização e das relações socioprofissionais de trabalho, visando à promoção do bem-estar individual e coletivo, o desenvolvimento pessoal dos trabalhadores e o exercício de cidadania (tanto “para dentro” como “para fora” das organizações); e

• dos não gestores: que se expressa por meio das representações que são por eles construídas, tanto de caráter mais geral (contexto organizacional) como mais específico (situações de trabalho), com sinalização para o desejável (e necessário) predomínio de experiências de bem-estar no trabalho, de reconhecimento institucional e coletivo, de possibilidade de crescimento profissional e de respeito à individualidade (FERREIRA, 2015).

Diante do exposto, na pesquisa levada a efeito, buscou-se a investigação sobre os programas de QVT a partir das queixas referentes à depressão. Admite-se que os contextos do trabalho vinculados à TI são, em geral, pautados por elementos estressores como pressão temporal (cobranças para entregas

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em prazos “apertados”), alteração de sistemas que ainda estão em desenvolvimento, pressão tanto por parte do superior imediato como pela de clientes/usuários. Tais elementos podem agravar ou propiciar o surgimento de um quadro de depressão (ROCHA, 2000). É possível que se constatem manifestações depressivas, mesmo com práticas de QVT, eventualmente oferecidas pelas empresas, em virtude de provável ênfase no modelo assistencialista.

Os objetivos da pesquisa foram: 1) identificar a presença de depressão (alegada) e seus impactos no desempenho profissional em funcionários de áreas de Tecnologia da Informação em duas Universidades Comunitárias Brasileiras; e 2) caracterizar a QVT nos contextos de trabalho pesquisados. Partindo dessa identificação e dessa caracterização, são apresentadas algumas possibilidades de intervenção com caráter transformador.

Abordagem metodológica

Para construir um questionário, julgado apropriado para cumprir os objetivos estabelecidos, tomou-se um com 13 questões, elaborado por membros da European Depression

Association (EDA, 2015; WANG; GORENSTEIN, 2014), o qual foi traduzido, com adaptações cabíveis para aplicação nos contextos de trabalho, objeto de interesse desta pesquisa, o que levou à redução para 10 questões. Agregou-se o Inventário de Avaliação de Qualidade de Vida no Trabalho – IA_QVT, elaborado por Ferreira (2009), psicometricamente validado, com 61 itens sobre cinco dimensões constituintes da qualidade

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de vida no trabalho, com escala tipo Likert. Como parte desse inventário, também estão presentes três questões abertas: 1) Na sua opinião, Qualidade de Vida no Trabalho é ...; 2) Quando penso no meu trabalho nesta universidade, o que me causa mais bem-estar é ...; e 3) Quando penso no meu trabalho nesta universidade, o que me causa mais mal-estar é ... Para cada uma das três, foi estabelecido um limite de 500 caracteres, especialmente em função da ferramenta computacional por meio da qual se decidiu aplicar os questionários: Survey Monkey (software de questionário on-line). Complementarmente, foram incluídas três questões referentes ao perfil dos respondentes: grau de instrução, sexo e tempo na área/no setor daquela universidade. Todo o processo de aplicação e armazenamento de respostas buscou preservar o anonimato e a confidencialidade.

O instrumento foi aplicado em equipes de TI de duas universidades comunitárias que participaram do estudo, denominadas, neste estudo, A e B, localizadas no estado de São Paulo. A aplicação do questionário elaborado foi precedida de tratativas com representantes daquelas universidades para que o escopo do trabalho tivesse não só a aprovação, mas, também, o comprometimento institucional que assegurasse suporte, especialmente no tocante ao acesso e à comunicação com os empregados, e o acompanhamento ao longo das etapas do trabalho de campo, sempre que isso se fizesse necessário. Contou-se também com o apoio dos representantes daquelas universidades para sensibilização das áreas de TI, no sentido de estimular a livre participação dos integrantes das equipes. Quando aplicável, os dados foram analisados com apoio da planilha eletrônica Microsoft Excel, pois a métrica adotada requer, sobretudo, determinação de duas medidas da estatística descritiva: média e coeficiente de variação, para indicar a

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variabilidade das respostas com relação a cada item e cada fator ou dimensão, quando agregado(a).

Resultados

A pesquisa, de natureza quanti-qualitativa, foi realizada em duas universidades comunitárias (que integram o conjunto das Instituições Comunitárias de Educação Superior – ICES, segundo legislação federal específica) localizadas no estado de São Paulo. Foram respondidos 51 questionários, dos quais 13 da Instituição A e 38 da Instituição B (o que não significa diferentes taxas de respondentes, que nos dois casos foi praticamente 100% do quadro, mas sim diferentes portes da área de TI, nas duas universidades), sendo 72,5% empregados do sexo masculino e 7,8%, do feminino (os demais não responderam), sendo que 45,1% trabalham nessa área na instituição há mais de 10 anos; 7,8% há mais de 5 anos até 10 anos; 13,7% por mais de 1 ano a 5 anos; e 11,7% há menos de 1 ano. Quanto a este tempo, 21,6% não responderam. No tocante aos cargos nas universidades, 14,0% gerentes e 86,0% não gerentes. No quesito grau de instrução, 35,3% dos participantes declararam ter especialização, superior incompleto e superior completo foram indicados por 17,6% dos respondentes cada um, e mestrado/doutorado, 5,9%. Apenas um profissional respondeu ensino médio como seu nível escolar.

Em relação às perguntas abertas, as respostas referentes ao que se entende por Qualidade de Vida no Trabalho versaram sobre uma abordagem preventiva, conceito este alinhado com os elementos estruturais e constituintes de QVT. Na Instituição

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A, predominam aspectos relacionados ao reconhecimento, local apropriado para trabalho e não sobrecarga de trabalho; e, na Intuição B, além dos mesmos aspectos citados, existem outros também ligados a: home office, bom relacionamento com colegas de trabalho, motivação e plano de carreira. Alguns exemplos referidos2 na pesquisa:

• Ruim, devido à participação dos gestores.

• A qualidade de vida no trabalho está, especificamente, relacionada ao nível de felicidade que deriva da carreira.

O paradigma assistencialista relacionado à QVT foi mencionado por três participantes, com as seguintes manifestações:

• [...] incentivo à prática de esportes (criando academia para os funcionários).

• Trabalho de conscientização corporal, alongamentos...

• Paradas para relaxamento.

Na Instituição A, respostas relacionadas com as condições laborais foram referentes ao ambiente adequado de trabalho, evitando sobrecargas e retrabalhos, remuneração e local adequados. Já em relação à organização do trabalho, o

2 Cada frase corresponde ao que foi mencionado por um participante da pesquisa nos questionários aplicados.

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aspecto destacado foi atender as necessidades do funcionário, ouvi-lo e não o sobrecarregar.

Quanto às relações socioprofissionais, foi citado o bom convívio com colegas de trabalho e superiores e respeito às pessoas, aos conhecimentos e suas conquistas. Foi também enfatizada a necessidade de reconhecimento e valorização dos trabalhadores. Por fim, ganharam destaque, na instituição A, as verbalizações relacionadas ao elo trabalho-vida social, pois se argumentou que o trabalhador deve “fazer o que gosta e gostar do que faz, e ter uma vida equilibrada”.

Na Instituição B, as respostas relacionadas às condições de trabalho versaram sobre ambiente agradável, limpo e claro, bem como sobre equipamentos adequados, em boas condições e ergonômicos. Em relação à organização do trabalho, os aspectos destacados dizem respeito à parceria, à liberdade, ao companheirismo, ao suporte, ao apoio da gerência, ao ambiente sem pressão e ao assédio moral, ter tempo para “se desligar”, horários flexíveis e opção home office; definições claras da missão, visão e valores organizacionais, atualização constante, cultura organizacional que fomente comunicação, inovação e colaboração, foco nos resultados, feedbacks.

Em se tratando das relações socioprofissionais, foram citados o bom convívio com colegas de trabalho, bons gestores no comando e chefias com melhor preparo, acompanhamento e feedbacks, alinhamento das expectativas entre empregador e empregado, colaboração e entrosamento das equipes, clima organizacional agradável e desafiador. Quanto ao reconhecimento e crescimento profissional, foram abordados aspectos como ter oportunidade, ser valorizado, ser reconhecido, ter satisfação profissional, plano de cargos e

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remuneração, gerar mais produtividade, condições para o bom desenvolvimento profissional com perspectivas de carreira.

Por fim, as verbalizações relacionadas ao elo trabalho-vida social apontaram melhora na vida familiar, prazer de trabalhar, bons momentos em família, lazer, viagens, morar próximo ao trabalho, sentir-se bem no desempenho das atribuições laborais. Merece destaque a resposta dada por uma pessoa entrevistada da ICES (Instituição Comunitária de Educação Superior) B, referente ao significado de QVT, pois evidencia o conceito trabalhado: “qualidade de vida é ser ouvido por todos sobre as condições e fazer algo”.

A promoção de Qualidade de Vida no Trabalho, quando são consideradas as opiniões dos trabalhadores, atuará nas causas reais dos problemas que eles enfrentam, e não em suas consequências. No tocante às fontes de bem-estar no trabalho, foram relatados aspectos mais típicos de QVT, com exceção de alguns casos que destacaram fontes de mal-estar e outros sintomáticos, que apontam para a precarização do trabalho e retirada de direitos, por exemplo:

• Hoje está muito difícil falar em bem-estar, pois vários benefícios não foram aprovados, promessas não foram cumpridas etc.

Quatro funcionários da ICES B destacaram vivência da espiritualidade, aliada ao trabalho, como aspecto positivo naquele ambiente institucional:

• Saber que Deus me guiou para trabalhar aqui.

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• O fato de sermos cristãos e o ambiente da universidade é muito bom.

• Principalmente o espiritual.

• Ambiente cristão.

As respostas à pergunta aberta “Quando penso no meu trabalho nesta universidade, o que me causa mais bem-estar é ...” foram agrupadas de acordo com as temáticas abordadas. Em ambas as instituições foram referidos: ambiente de trabalho, companheirismo, fazer o que gosto, prazer em fazer parte da instituição, colaboração da equipe, apoio, preocupação com o bem-estar e necessidades, amigos, as pessoas, convívio com colegas, alunos e gestores, acolhimento, ambiente familiar, liberdade para executar o trabalho, clima de trabalho, liberdade para exercer, os conhecimentos e as experiências. Na Instituição B, ainda foi dito: f lexibilidade de horário, empresa com estabilidade, salário compatível, funcionários alegres e comprometidos, bolsa para cursos, instituição renomada, o bom humor e educação das pessoas, conseguir atingir o que procurava, ser reconhecido pelo gestor profissional e financeiramente. Das 51 respostas referentes a bem-estar, 21 valorizaram os relacionamentos socioprofissionais, como: “colaboração da equipe; liberdade para executar meu serviço; funcionários alegres, compromissados com o trabalho, todos envolvidos pela causa”.

Em relação às opiniões de colaboradores da Instituição A, com base na pergunta aberta “Quando penso no meu trabalho

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nesta universidade, o que me causa mais mal-estar é...”, foram destacados os aspectos a seguir.

• Falta de recursos e funcionários.

• Ausência de alinhamento de uma estratégia organizacional adequada.

• Morosidade na elaboração de algumas políticas necessárias para se ter melhor gestão sobre determinados temas.

• Ser rotulado e ser pressionado mentalmente sobre substituição de mão de obra.

• Presenciar atitude/indiferença de algumas pessoas.

• Pressão e dificuldade de relacionamento.

• Incerteza em relação ao futuro.

• Falta de reconhecimento e valorização.

• Falta de respeito das pessoas umas com as outras.

• Grosserias.

• Responsabilidades acumuladas.

• [Falta de] transparência.

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Quanto à Instituição B, foram abordadas as condições descritas a seguir.

• Os benefícios subsidiados são aqueles que o governo obriga.

• As pessoas, na minoria, são mal-humoradas ou mal-educadas.

• Muitas tarefas que foram criadas, precisando de mais funcionários.

• Falta de valorização profissional.

• Saber que há desperdício de recursos.

• Falta de plano de carreira e excesso de politicagem.

• Não ter expectativa de crescimento e valorização profissional.

• Distância entre a casa e o trabalho.

• Excesso de trabalho.

• Injustiça, não haver reconhecimento.

• O ambiente de trabalho e a falta de conforto.

• Erros cometidos pelas pessoas.

• Liderança direta em desacordo com a alta administração.

• Quando percebo algo sendo feito para prejudicar alguém.

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• Desorganização, falta de regras, planejamento, gestão de projetos, muito ego das lideranças, falta de colaboração e ajuda mútua entre as áreas e funcionários.

• Nepotismo, pessoas capacitadas estão sendo desligadas da instituição para dar lugar aos parentes, amigos do alto escalão.

• Assédio moral constante, falta de reconhecimento do serviço prestado e indiferença por anos. Nepotismo e colocações em posições chaves pelo pessoal ligado à igreja.

• Não ser ouvido, sentir que não tem direito à palavra.

• A cobrança diária de qualidade e disponibilidade.

• Momentos de insatisfação que são passageiros e que quando acontecem estão sempre ligados a não aceitação de alguma coisa.

• Quando há perda de foco na missão da instituição, gestores confusos ou sem os requisitos necessários (competência e/ou caráter), staff sem compromisso com o público da instituição, trabalho sem qualidade e burocracia desnecessária.

Depressão percebida

Os sintomas mais atribuídos à depressão estão apresentados na Tabela 1 a seguir.

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Tabela 1 – Sintomas associados à depressão referidos pelos entrevistados.

Sintomas de depressão Resultados Gerais

Diagnosticados com depressão

Tristeza 90,2% 100,0%

Dificuldade de concentração

54,9% 60,0%

Mau Humor 37,2% 40,0%

Esquecimento 33,3% 30,0%

Indecisão 31,4% 30,0%

Outros 33,3% 50,0% Fonte: Autoria própria.

Ainda foram expostos pelos respondentes, como outros sintomas associados à depressão: “falta de vontade de viver, sem vontade de fazer nada e sentimentos mal resolvidos”. Dos 51 trabalhadores daquelas ICES que responderam o questionário, 10 (19,6%) relataram ter sido diagnosticados por um médico como tendo depressão, sendo quatro do sexo masculino e quatro do feminino (dois não responderam essa questão). Esse percentual está acima do estimado para a população brasileira (em São Paulo), que em 2011 representava 18,4% (BROMET et al., 2011). Como já apontado anteriormente, os profissionais de TI estão sujeitos a elementos estressores como pressão temporal (cobranças para entregas em prazos apertados), alteração de sistemas que ainda estão em desenvolvimento, pressão tanto por parte do superior imediato quanto para com os clientes podem agravar ou propiciar o surgimento de um quadro de depressão.

Durante o último episódio de depressão ocorrido, quatro trabalhadores informaram a seus superiores, enquanto cinco preferiram não dar ciência e um não soube informar

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se comunicou ou não a seu superior sobre o diagnóstico de depressão. Todos os trabalhadores com diagnóstico de depressão citaram tristeza e, em ordem decrescente, dificuldade de concentração (60%), mau humor (40%), indecisão e esquecimento (com 30% cada). Entre os sintomas informados espontaneamente pelos participantes constam: vontade de ficar em casa, ansiedade, falta de ânimo, dor na alma, falta de apetite, insônia (ou sono). Desse grupo de trabalhadores (com diagnóstico de depressão), cinco não se afastaram do trabalho e três tiveram afastamento de 11 a 15 dias (não houve menção a afastamento com tempo superior a esse).

Quando questionados sobre o apoio disponível para lidar com situações de depressão dos empregados (pergunta com possibilidade de resposta múltipla), a totalidade dos gerentes respondeu “um profissional médico”; 71,4% das respostas relataram o apoio do Departamento de Recursos Humanos, seguido por “conselho informal de amigos e colegas e conselhos de fontes externas como sites ou materiais impressos” (ambos com 28,6%). Em relação ao que eles consideram útil no apoio aos trabalhadores com depressão no local de trabalho, foram indicados (pergunta com possibilidade de resposta múltipla): serviços de conselheiros ou serviços de aconselhamento (66,7% das respostas), treinamento para todos os funcionários (43,1%), treinamento para todos os gerentes (35,3%) e da equipe de recursos humanos (31,4%), folhetos educativos (29,4%), melhor legislação/políticas do governo para proteger os trabalhadores (13,7%) e melhor legislação do governo/políticas para proteger os empregadores (3,9%). Foram apresentadas, ainda, voluntariamente por participantes: orientação de líder religioso e leitura da Bíblia, ter um ambiente saudável no trabalho e apoio de profissionais específicos.

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Qualidade de Vida no Trabalho

O tratamento dos resultados quantitativos deve ser interpretado com o uso de uma cartografia psicométrica específica apresentada a seguir. Essa cartografia foi adaptada do modelo apresentado por Ferreira (2012).

Figura 1 – Cartografia Psicométrica do IA_QVT.

0-0,9

- - - -

1-1,9

- - -

2-2,9

- -

3-3,9

-

Tendência Negativa

4-4,9

Tendência Positiva

5-5,9

6-6,9

+

7-7,9

++

8-8,9

+++

9-10

++++

Mal-estar intenso

Mal-estar moderado Zona de transição Bem-estar

moderadoBem-estar

intenso

Mal-estar Dominante Bem-estar Dominante

Resultado negativo, que evidencia a predominância

de representações de mal-estar no trabalho.

Representações que devem ser transformadas no

ambiente organizacional.

Risco de Adoecimento

Resultado mediano, indicador de

“situação-limite”. Coexistência de mal-estar e bem-estar no trabalho.

Estado de Alerta

Resultado positivo, que evidencia a predominância

de representações de bem-estar no trabalho.

Representações que devem ser mantidas e consolidadas no ambiente organizacional.

Promoção de Saúde

Fonte: Ferreira (2012).

Adotou-se, assim, o modelo proposto por essa cartografia psicométrica para apresentação e discussão das respostas dos participantes. Em termos de condições de trabalho, as quais englobam condições físicas (local, espaço, iluminação, temperatura, ventilação, nível de ruído), materiais, instrumentais (equipamentos, mobiliário, o posto de trabalho em si) e suporte/apoio técnico, estas foram consideradas na

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“zona de bem-estar dominante”, nas duas instituições, ficando a ICES A em faixa (ou nível) de avaliação imediatamente superior, com relação à B (médias 7,64 e 6,99, respectivamente). Como resultados que requerem maior atenção (avaliação mais baixa), encontra-se o conforto do local de trabalho para execução da atividade (Instituição A) e o suporte técnico no trabalho (Instituição B), com médias próximas a 5,5 e coeficientes de variação superiores a 0,50. Os itens com melhor avaliação são: conforto térmico (na A, média = 9,3, coeficiente de variação = 0,13) e segurança física (na B, média = 8,5, coeficiente de variação = 0,25).

Quanto à organização do trabalho, as respostas dos trabalhadores da Instituição A permitem enquadramento na zona de transição (média = 6,05, coeficiente de variação = 0,50), na qual há coexistência entre vivências de bem e mal-estar no trabalho, sem nítido predomínio de uma das vertentes. Esse é um resultado mediano, que significa estado de alerta, indicador de situação limite. Mais especificamente, está enquadrado na categoria tendência positiva, podendo estar em migração para a zona do bem-estar dominante (melhor avaliação requer acompanhamento de caráter longitudinal). Para os trabalhadores da Instituição B, o resultado dessa dimensão encontra-se na mesma faixa de avaliação (média = 5,2, coeficiente de variação = 0,57). Em ambas as instituições, a excessiva cobrança de prazos para o cumprimento das tarefas é, consensualmente, a mais expressiva fonte de problemas dos trabalhadores, produtora de vivências de mal-estar no trabalho (médias = 4,0 e 3,2, respectivamente; coeficientes de variação = 0,99 e 0,79, respectivamente). Em contrapartida, do ponto de vista mais favorável, a pouca fiscalização de desempenho, na instituição A (média = 9,4;

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coeficiente de variação = 0,01), e a liberdade na execução das tarefas, na instituição B (média = 7,1; coeficiente de variação = 0,42), apresentam-se com maior destaque.

Sobre as relações socioprofissionais, a avaliação dos trabalhadores expressa as interações em termos de relações com os pares (ajuda, harmonia, confiança), com as chefias (liberdade, diálogo, acesso, interesse, cooperação, atribuição e conclusão de tarefas), comunicação (liberdade de expressão), que influenciam sua atividade de trabalho. O modelo da cartografia psicométrica aplicado ao eixo dessas relações revela que os trabalhadores das duas instituições as consideram na zona de predomínio de bem-estar. Esse é um resultado nitidamente positivo, em particular para a instituição A (média = 7,6; coeficiente de variação = 0,29), situado no campo da promoção da saúde, cujas representações devem ser mantidas e consolidadas no ambiente organizacional. Do ponto de vista mais crítico, a comunicação entre os funcionários nas duas instituições é o alvo das piores avaliações, portanto potencialmente produtora de vivências de mal-estar no trabalho (médias = 4,9 e 5,5, respectivamente; coeficientes de variação = 0,58). Por outro lado, como destaques positivos, fácil acesso à chefia imediata (ICES A, média = 9,4; coeficiente de variação = 0,10) e relação harmoniosa com colegas de trabalho (ICES B, média = 8,4; coeficiente de variação = 0,22).

A avaliação dos trabalhadores sobre reconhecimento e crescimento profissional expressa os aspectos existencial, institucional, realização profissional, dedicação, resultado alcançado no trabalho (relativos ao reconhecimento) e oportunidades, incentivos, equidade, criatividade, desenvolvimento (para o crescimento profissional), que influenciam a atividade de trabalho. Esta dimensão, nas duas organizações, é avaliada na zona de transição (médias = 5,5

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e 5,4, respectivamente; coeficientes de variação = 0,64 e 0,63, respectivamente), o que constitui um resultado mediano, que demanda um estado de alerta. Ele se apresenta com tendência positiva, sugerindo que pode estar migrando para a zona de bem-estar dominante, valendo também aqui a consideração feita para os resultados de organização do trabalho, quanto à pertinência de um estudo de caráter longitudinal para tal diagnóstico. Do ponto de vista mais crítico, incentivos da instituição para crescimento na carreira, na Instituição A (média = 2,9; coeficiente de variação = 1,39) e a oportunidade de/para crescimento profissional, na instituição B (média = 4,9; coeficiente de variação = 0,58), emergem como aspectos mais vulneráveis. Positivamente, as respostas dos trabalhadores indicam como destaques a possibilidade de ser criativo no trabalho, na Instituição A (média = 8,4; coeficiente de variação = 0,19) e o reconhecimento existencial do trabalhador por parte da Instituição B (média = 8,1; coeficiente de variação = 0,39).

Para o elo trabalho-vida social, que contempla as percepções sobre a instituição, o trabalho (prazer, bem-estar, zelo, tempo passado no trabalho, sentimento de utilidade, reconhecimento social) e seus vínculos com a vida social (casa, família, amigos), que influenciam a atividade de trabalho, os resultados localizam-se na zona de bem-estar dominante, em ambas as instituições, o que é positivo, pois aponta para a esfera da promoção da saúde. São, então, representações que devem ser mantidas e consolidadas no ambiente organizacional. Do ponto de vista mais crítico, o sentimento de que a sociedade não reconhece a importância do trabalho realizado (Instituição A, média = 4,5; coeficiente de variação = 0,78) e o sentimento de ser mais feliz no trabalho do que com a família (Instituição B, média = 6,2; coeficiente

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de variação = 0,45) emergem como principais fontes de “constrangimento” para os trabalhadores, sendo, portanto, potenciais fontes geradoras de vivências de mal-estar no trabalho. Os trabalhadores avaliam, em contrapartida, de modo muito positivo e homogêneo que gostam da instituição onde trabalham (médias = 9,6 e 9,3, respectivamente; coeficientes de variação = 0,05 e 0,12, respectivamente), o que deve contribuir como fonte geradora para vivências de bem-estar. Foi possível observar que os empregados manifestam preocupação e interesse em vivenciar qualidade de vida em seu ambiente trabalho e esse entendimento expõe de forma clara a proposta de QVT, numa perspectiva contra-hegemônica, já referenciada na introdução deste artigo.

Nesta pesquisa, houve diferença numérica mais nítida entre os resultados dos respondentes que alegaram depressão e os que não alegaram em duas das dimensões constituintes da QVT, como apresentado na Tabela 2 a seguir, sendo elas: condições de trabalho e relações socioprofissionais. Em ambas, resultados mais altos foram encontrados para o grupo de trabalhadores que não alegaram episódio ou quadro depressivo.

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Tabela 2 – Resultados gerais da avaliação de QVT – trabalhadores com e sem alegação de depressão.

Qualidade de Vida no Trabalho

Com Depressão Sem Depressão

médiacoef.

variação média coef. variação

Resultado global 6,3 0,4 6,4 0,5

Condições de trabalho 6,2 0,4 7,3 0,4

Organização do trabalho 5,4 0,5 5,3 0,6

Relações socioprofissionais 6,7 0,4 7,1 0,4

Reconhecimento e crescimento profissional 5,7 0,5 5,3 0,7

Elo trabalho-vida social 7,6 0,3 7,2 0,4

Fonte: Autoria própria.

Cabe, também, destacar que nenhum dos resultados apresentados na Tabela 2 pode ser considerado fortemente positivo, ou seja, não há qualquer média maior ou igual a 8,0 (ver Figura 1), sendo que apenas uma delas ficou acima de 7,5. De modo geral, as variabilidades nas respostas, expressas pelo coeficiente de variação, podem ser consideradas altas, chegando a 60 e 70% (em apenas um caso foi da ordem de 30%). Isso indica que não se pode assumir haver uma avaliação de caráter mais consensual, em nenhum dos dois grupos, quando os resultados são agregados pelas dimensões e mesmo quando se faz a agregação geral. Daí a importância para que seja dada a devida atenção aos itens em particular, específicos, a fim de que a proposição de ações, de uma intervenção comprometida com estabelecimento e preservação das bases para QVT, mantenha conexão com cada realidade, com cada contexto de trabalho,

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não assumindo configuração de uma “panaceia” ou de “solução de amplo espectro”.

Pode-se também verificar, em caráter mais micro, que os indivíduos que já vivenciaram a depressão apresentaram opiniões mais críticas em determinados questões, sendo que as três que tiveram as médias com maior diferença numérica quando comparadas com os sujeitos que não tiveram depressão foram: “O mobiliário existente no local de trabalho é adequado; O espaço físico é satisfatório; O local de trabalho é confortável”. Com base nestes dados, pode-se supor que os indivíduos que vivenciaram depressão se mostram mais críticos quanto ao ambiente físico de trabalho, sendo assim mais exigentes com as condições de mobiliário para exercer sua função satisfatoriamente.

Existem ainda aspectos que foram avaliados mais positivamente por sujeitos que vivenciaram a depressão, quando comparados com os que não vivenciaram, sendo eles: “sentem-se mais felizes com suas famílias do que no trabalho; sentem-se reconhecidos pela instituição onde trabalham; sentem que a sociedade reconhece a importância do trabalho exercido”. As respostas evidenciam que, para indivíduos que já vivenciaram a depressão, a percepção de reconhecimento (interno e externo à instituição) e o apoio/ suporte familiar assumem papel singular.

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Considerações finais

Os dados coletados não podem ser generalizados para essa categoria profissional pesquisada, nem mesmo para os que atuam em instituições de educação superior, dado o recorte adotado: duas universidades comunitárias sediadas no estado de São Paulo. A esse respeito, Ushida (2000) faz menção a resultado de pesquisa realizada com analistas da área de TI (ou CPD – Centro de Processamento de Dados) com mais de dez anos de experiência nesse setor. A maioria relatou que “em algum momento de sua vida teve experiências de crises psíquicas. O grau, a intensidade e a extensão variam de analista para analista. Alguns mal relacionam com a atividade que desenvolviam e outros relacionaram explicitamente” (USHIDA, 2000, p. 130). Da fala de um dos sujeitos daquela pesquisa, emergiu o termo efeito crash, que tem como ideia subjacente “uma pressão interna emocional que ao crescer até certa intensidade produz o stress. Atingido este ponto, procura-se entrar em acordo consigo, pois o stress ao crescer demais, ou seja, ao ultrapassar certos limites, isto pode significar um estouro – pum!” (USHIDA, 2000, p. 130).

Ainda que o presente estudo e seus resultados não tenham abordado o efeito crash referenciado, o risco de sua incidência reforça o nível de atenção que deve caber a essa categoria profissional, dadas as demandas formuladas e as exigências a elas vinculadas. Considerando que não se concebe, no tempo presente, que o dia a dia em uma universidade, para professores, quadro técnico-administrativo e estudantes (dos diferentes níveis) simplesmente aconteça, com regularidade, sem que todo o aparato de hardware e softwares (e toda a gama de sistemas integrados, acadêmicos, em sentido

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mais estrito, e de gestão) esteja funcionando plenamente, pode-se ter uma ideia do grau de pressão ao qual esses profissionais estão, diariamente, sujeitos e os riscos à sua saúde.

Os resultados encontrados sugerem e recomendam a elaboração e a implantação de uma política de QVT, cuja concepção seja de natureza preventiva e, no caso das ICES investigadas, que atente para os resultados apontados como menos satisfatórios, quais sejam: as dimensões organização do trabalho e reconhecimento e crescimento profissional. Uma atuação prioritária e consistente, amparada por uma política institucional de QVT formalizada, com o devido respaldo dos níveis hierárquicos superiores, há de contribuir para preservação do bem-estar e da saúde dos trabalhadores e, com isso, promover melhor desempenho profissional e melhores resultados organizacionais.

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Resistência e criatividade: o trabalho do médico de Saúde da Família no município de Belo Horizonte

Crisane Costa Rossetti José Newton Garcia Araújo

As transformações no mundo do trabalho não se restringem às tecnologias de gestão na indústria ou nos segmentos privados de serviços. A precarização, a sobrecarga, a fadiga, além dos riscos psicossociais e de segurança são fatores que se estendem à esfera pública, incluindo os serviços de saúde. De forma paradoxal, os espaços públicos de cuidado e de acolhimento conjugam-se com relações desumanizadas e com interesses políticos e de mercado. Referimo-nos ao Sistema Único de Saúde (SUS), campo no qual se insere este estudo, cuja proposta de levar assistência à saúde a toda população, de forma integral, universal e gratuita, destaca-se pelo desafio que se impôs desde o início: sustentar um novo conceito de saúde, integrado às condições de vida e aos direitos de cidadania, num país marcado pela desigualdade e pela expansão da ideologia neoliberal.

É fato que as dificuldades no SUS se acirram a cada dia, frente às forças de desmonte e desqualificação do sistema, que não cessam de incidir sobre o trabalho e os trabalhadores, deteriorando, em nível crescente, as condições de trabalho e as perspectivas de bem-estar das equipes de saúde. A concessão de benefícios ao setor privado, assim como o financiamento de campanhas políticas pelas

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grandes administradoras de planos de saúde, são alguns exemplos de estratégias que nitidamente visam aumentar a fragilidade e levar à inoperância do sistema (FARIAS, 2016).

Apesar desse contexto, que ameaça as possibilidades de fortalecimento do sistema e do reconhecimento de sua importância, a resistência de sujeitos implicados com o fazer assistencial e político em saúde, faz-se presente e mantém o SUS vivo, atuante e imprescindível a milhões de brasileiros. Neste estudo, referimo-nos especificamente às resistências desenvolvidas pelos médicos que atuam na Estratégia Saúde da Família (ESF) da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) de Belo Horizonte. É certo que, em meio aos diversos obstáculos, alguns médicos permanecem indiferentes, alheios às tentativas de fragilização do SUS. Outros adoecem, afastam-se do serviço, pedem exoneração, mas muitos outros permanecem, criando estratégias e alternativas para atuar de forma solidária, crítica e efetiva.

O objetivo deste estudo é analisar os movimentos de resistência criativa e sua relação com a saúde dos médicos de Saúde da Família do SUS de Belo Horizonte, a partir do contexto sociopolítico, ideológico e gerencial em que o trabalho acontece. Para isso, buscam-se identificar as condições de trabalho nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e seus impactos sobre a saúde dos médicos. Ao mesmo tempo, tentamos levantar as formas de mobilização e enfrentamento desses trabalhadores, bem como suas possibilidades de ação e transformação do contexto laboral.

O processo de revisão de literatura incluiu as contribuições de Françoise Proust, no que concerne ao conceito de resistência, e a psicossociologia do trabalho, disciplina que estuda a dinâmica das situações concretas de vida, da história social, política, e seus impactos na subjetividade, em relação ao trabalho (LHUILIER, 2006). Serão ainda propostos

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diálogos com as abordagens clínicas do trabalho, tais como a ergologia, a clínica da atividade e a psicodinâmica do trabalho. Embora apresentem concepções teóricas, epistemológicas e metodológicas diferentes, essas disciplinas possuem como objeto comum as situações de trabalho, além do interesse pelas questões subjetivas que permeiam os cenários laborais.

Trabalho e resistência

A psicossociologia do trabalho entende que o conceito de trabalho é sempre articulado às demais atividades da vida humana e está ligado às ações sobre o meio, constituindo-se como “[...] base da construção do sujeito e das unidades sociais” (LHUILIER, 2014, p. 5). Isso significa abordar o trabalho como meio de subjetivação e de inscrição em um mundo pertencente ao coletivo, à história humana. Trata-se, afinal, de uma construção compartilhada, uma ação conjunta, mediada pelas vicissitudes e pelos enfrentamentos do real e, por esse motivo, também objeto de conflitos (LHUILIER, 2006). Esses conflitos são oriundos não apenas da dimensão relacional mas também da própria realidade a ser transformada e que medeia as relações entre os atores (LHUILIER, 2014).

Além de fonte de conflitos, a atividade de trabalho é também uma prática social de transformação do mundo, no qual o homem interage com o outro numa relação de troca, de partilha, de reinvenções singulares e coletivas. A atividade é considerada, nesse caso, como mobilização subjetiva dos sujeitos para o desenvolvimento das tarefas, nas diversas situações de trabalho. Mobilização singular de sujeitos singulares, ao que

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Lhuilier (2014) também acrescenta a singularidade dos meios organizacionais. Nessa perspectiva, o trabalho se configura como fonte de saúde, posto que envolve as dimensões psíquica, biológica e sociocultural do sujeito, convocando-o a engajar-se na ação.

Assim, o trabalho jamais é restrito à execução de tarefas. Quando exercido num contexto que impede o poder de ação e de reinvenção, sem margem para a criação de outras alternativas aos constrangimentos ou à instrumentalização dos gestos, ele acaba por tornar-se insuportável ou “invivível” (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007; EFROS; SCHWARTZ, 2009), fonte de sofrimento e adoecimento.

Em cenários de degradação do trabalho, pode-se evidenciar a resistência do trabalhador. A resistência se manifesta diante de situações em que não é possível ao sujeito manter-se numa condição de submissão, impedido de reconhecer-se no que faz e subtraído de seus valores, das causas pelas quais luta no exercício de seu ofício. Nessa perspectiva, Lhuilier e Roche destacam que “resistir significa opor uma força a outra, que tende a destruir nossa energia para o trabalho; significa salvar, a qualquer custo, o corpo que contém essa energia ou, pelo menos, retardar o tempo de desgaste e, num prazo maior, salvá-lo do esgotamento, da destruição” (LHUILIER; ROCHE, 2009, p. 12).

Proust (1997) afirma que a resistência é imanente ao sujeito, um fato, um ato que não acontece por obrigação, ou como resultado de um acontecimento, em resposta a uma ação agressiva. No entanto, o conceito pode incluir também a conotação de oposição à mudança, não apenas de luta contra formas de opressão, no interior das organizações e das instituições. Assim, ele pode ser visto como “um misto de reatividade e atividade, de conservação e de invenção, de

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negação e de afirmação” (PROUST, 1997, p. 11). Isso nos leva, desde já, a apreender sua natureza ambígua e contraditória, conforme acrescentam Lhuilier e Roche (2009). Ou seja, a mesma força que detém a marcha de um determinado estado de coisas pode também criar outras possibilidades de ação.

No sentido positivo, resistir é agir, visando à transformação, frente a um real que ameaça cercear e dominar o espaço subjetivo e intersubjetivo, sobre o qual incidem relações de poder e dominação. No que concerne à relação entre poder e resistência, Foucault analisa o poder não como algo que se possui. Ele não é estrutura nem instituição, mas uma relação em que se manifesta a força de múltiplas ações sobre as ações de outros, ou ainda, “uma ação sobre a ação, sobre ações eventuais ou atuais, futuras ou presentes” (FOUCAULT, 1995, p. 243). Esse autor afirma que em toda relação de poder há resistência, o que é corroborado por Proust (1997), face a uma relação de poder, emerge a resistência que o acompanha. A resistência, tal como a abordamos neste estudo, não se funda na desobediência às regras e aos comandos, mas na criação de alternativas para se constituirem outras formas de relação entre os homens (PROUST, 1997), ainda que tais alternativas incluam escolhas imprevistas e transgressões. Assim, todo movimento de resistência implica a subversão e a experiência de liberdade do ato, escolha das estratégias de luta e criação de outros possíveis. Dito de outra forma, é um processo de subjetivação (PROUST, 1997).

Para Foucault, resistir é o contrário de reagir: reagir é dar uma resposta ao poder, ou dar ao poder a resposta que ele espera, mas quando se resiste, de fato, criam-se outras alternativas a partir da criação, do inesperado (MACIEL JR., 2013). Haveria, nesse caso, uma afinidade com o

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pensamento de Proust (1997), quando a autora se refere tanto às resistências reativas, que acabam conservando o estado das coisas, quanto às resistências ativas, fundadas na invenção, na afirmação do novo. A reação, pontual e limitada, talvez se afine mais aos mecanismos de defesa que, embora necessários, não transformam a realidade, mas a torna suportável. A resistência criativa provoca a reinvenção de condutas e coloca o agir humano a favor da vida e da liberdade.

Em seu caráter polissêmico, a resistência é, simultaneamente, mobilidade e imobilidade, realista e idealista, paciente e impaciente. Não procura a vitória, não é guerra, nem paz, mas um combate particular, um embate com a adversidade através do qual cria outras regras e formas de vida. Por vezes individual ou coletiva, silenciosa ou ruidosa, a resistência configura uma relação sobretudo política, cuja gênese se situa na indignação do ser, no esgotamento do conformismo, na dor que não se resigna. Resiste-se porque a vida torna-se invivível e o estado de coisas, intolerável (PROUST, 1997).

Entendemos, assim, que todo ato de resistência, de abrir espaços de luta e emancipação, toda escolha que sustente os valores e as decisões envolvem riscos, sejam eles mais ou menos calculados. Segundo Enriquez (2009), resistir é um ato de soberania, no sentido de não se manter no “subsolo”, de pensar e agir de outra forma, “resistir, assumir riscos, é tomar partido da vida” (ENRIQUEZ, 2009, p. 195). De Gaulejac (2011) afirma que a resistência ativa tem um custo alto ao trabalhador, é um dispêndio de energia constante, principalmente em contextos nos quais ele se vê submetido a fortes pressões. Ampliando o debate, Dejours (2009, p. 231) afirma que a resistência ativa “[...] não pode ser feita por indivíduos comuns. Eles a seguem. Não se pode construir uma filosofia política sem

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saber que os seres humanos são frágeis e não são abertos à resistência. A covardia, o oportunismo, é a condição humana habitual”. Tal consideração, no contexto do SUS, campo desta pesquisa, remete-nos a uma possível relação com a estabilidade adquirida no concurso público que, muitas vezes, confunde-se com a imobilidade e o conformismo de sujeitos que, aparentemente, não se engajam em ações emancipatórias. Em contrapartida, o conformismo e a submissão também podem estar associados às mais impessoais e anônimas formas de ação sobre a ação dos trabalhadores, vindas de atores políticos sempre provisórios, mutantes a cada transição de governo, que parecem querer desconstruir projetos coletivos e democráticos e impedir novas possibilidades de resistência.

Criatividade e resistência

Dejours (2008) afirma que o trabalho é o que se cria, o que se inventa e acontece para preencher a lacuna entre o prescrito e o real. Ele é resultado da descoberta, da inventividade. Nessa vertente, destacam-se a criatividade, as negociações e as renormalizações, que conferem ao ato de trabalhar a perspectiva de irrupção do improviso e do imprevisto. No ato, reeditam-se saberes técnicos e de experiência, singularizam-se modos operatórios e histórias, e se abre a possibilidade para o trabalho como práxis. Nesse aspecto, observa-se a convergência entre trabalho e resistência, balizadores de saúde, na sua potência criativa.

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Utilizamos o conceito de saúde, tal como desenvolvido por Canguilhem (2007). Por ser próprio do homem criar seu meio, criar suas próprias normas, a saúde é a capacidade do organismo de reagir, de escolher entre alternativas, de criar novas normas, frente ao devir da existência. Situações de sofrimento ou adoecimento no trabalho podem ser causadas por fatores diversos, relacionados à segurança, às relações de poder e a condições de precarização. Mas, acrescente-se que, muitas vezes, podem estar relacionadas à privação ao trabalhador das iniciativas, que sejam menos penosas e mais singulares, que visam transformar seu mundo e criar alternativas às adversidades. Dito de outra forma, corroborando Canguilhem, é a impossibilidade de renormalizar que emerge como expressão e causa do adoecimento. Como afirma Lhuilier (2015), tal impossibilidade leva à criação de um falso self, e “impede o reconhecimento e o uso de si por si no trabalho” (LHUILIER, 2015, p. 104). Tem-se, nesse caso, duas saídas possíveis: a) o trabalho reduzido a uma perspectiva apenas instrumental; b) ou o despertar do exercício criativo da atividade, que viabiliza a transformação da tarefa, a renormalização, a reinvenção de si e do meio. Nesse caso, o trabalho pode ser ressignificado e seu sentido reconstruído.

Winnicott (1975, p. 95) afirmou que “é através da apercepção criativa, mais do que qualquer outra coisa, que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida”. Para o autor, a criatividade se desenvolve a partir da forma como se estabelecem as relações com a realidade externa, com a experiência infantil de criar o mundo em um ambiente favorável, simbolizado pela “mãe suficientemente boa”. Segundo Winnicott (1970), ser criativo não é o mesmo que ser artista, capaz de desenvolver grandes obras, mas de reinventar

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o mundo, de criar possibilidades, de ir além do prescrito e construir suas próprias experiências e formas de fazer.

Lhuilier (2015), no entanto, amplia a leitura de Winnicott, afirmando que a criatividade não nasce apenas desse ambiente “suficientemente bom”, mas também nas experiências de crise ou “...de ruptura da continuidade de si, das relações com o seu meio, dos modos de regulação e dos mecanismos de defesa usuais” (LHUILIER, 2015, p. 109). Assim, no real da vida e do trabalho, emergem a singularidade e a autonomia do sujeito, em oposição à resignação e ao conformismo. Aí surgem as novas maneiras de fazer, da experiência de vulnerabilidade e resistência, da força e da contraforça, através das quais tanto o coletivo quanto os indivíduos se reinventam e modificam o contexto de trabalho. Enfim, tais situações de desamparo possibilitam também a descoberta de si e do mundo, permitindo ao sujeito situar-se ativamente em relação aos laços sociais e ao trabalho.

O trabalho em saúde

Assinalamos a especificidade do trabalho em saúde por tratar-se de um campo em que prevalece o encontro entre sujeitos. Desse encontro, essencialmente humano, emergem o cuidado, o zelo sobre a existência e a história do outro singular. Segundo Ayres (2004, p. 22), o cuidado é essa “conformação humanizada do ato assistencial, distinguindo-a daquelas que, por razões diversas, não visam a essa ampliação e flexibilização normativa na aplicação terapêutica das tecnociências da saúde”. Isso significa interessar-se pelo sentido da experiência da saúde e da doença, pelo projeto de vida, pelo outro em sua totalidade

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e singularidade. Trata-se fundamentalmente de inserir ao horizonte normativo a dimensão existencial do humano.

Geralda1, um de nossos sujeitos de pesquisa, fala do cuidado da seguinte forma:

“Entra uma senhora lá, aí ela fala que o filho é usuário de

droga, o marido chega em casa... bebe o dia inteiro e chega

em casa tonto, que ela tem 70 anos e tem que lavar roupa,

fazer faxina na casa dos outros... sabe? [...] O que eu vou

fazer, passar o quê pra ela? Fluoxetina? Rivotril pra dormir?

Mas eu acho que o pouco que eu posso fazer é escutar. [...]

Eu acho que o cuidar é... ele se resume nisso, eu escuto, eu

ajudo, ou medico, é... eu me doo”.

O trabalho no SUS apresenta adversidades e forças opostas arraigadas em sua história, as quais, ainda hoje, não foi possível superar. Destaca-se o fenômeno da atividade impedida, resultado da precarização das condições e da organização do trabalho, além das pressões advindas dos interesses econômicos, políticos e ideológicos que permeiam a gestão do SUS. Apesar desse contexto, ou talvez por ele, vemos emergir, como forma de resistência, possibilidades de invenção e engenhosidade na construção de outros modos de trabalhar, em que prevalecem o cuidado, o vínculo entre a equipe de saúde e usuários, bem como a busca de humanização da assistência.

1 .Médica que atua na Saúde da Família há 16 anos. Atualmente, está lotada em uma

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Nesse cenário, emergem os movimentos de resistência entre os médicos do PSF2, seja nas unidades de saúde, seja nas equipes, seja no interior dos consultórios. Observam-se estratégias criativas e transgressoras, que buscam viabilizar o trabalho no SUS. Segundo Efros e Schwartz (2009), transgredir significa criar outros modos operatórios, subverter regras e normas antecedentes que não dão conta de cumprir as demandas do ofício e que nunca respondem plenamente às necessidades do trabalho. É colocar em questão a racionalidade das formas de enquadramento do trabalho, a partir de outras recomposições de modos operatórios, astúcias e subversão de condutas. Mais que uma “indisciplina”, a transgressão, muitas vezes, é o recurso necessário para que o trabalho seja possível.

Metodologia

Optamos por uma abordagem metodológica qualitativa. Recorremos a Minayo (2010a, p. 21), para quem a pesquisa qualitativa “trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das crenças, dos valores e das atitudes”. Esses aspectos pressupõem ações reflexivas e críticas, partilhadas em um dado contexto social.

2 O Programa Saúde da Família foi criado em 1994, mas devido à sua ampli-tude e centralidade como modelo norteador da proposta de reorganização da Atenção Primária, foi redefinido como Estratégia em 1997 (TOSTES; REIS; PITCHON, 2012; BRASIL, 2012). Neste estudo, referimo-nos ao “programa” (PSF) como campo de atividades desenvolvidas pelos trabalhadores, inserido na “estratégia” (ESF), como modelo de política de atenção à saúde. Optamos pelo uso da expressão “PSF” também por ter permanecido em uso ao longo dos anos, cotidianamente, por trabalhadores e usuários.

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Nessa linha, optamos pelos procedimentos de entrevista aberta, diário de campo e observação para a coleta de dados. O critério da escolha dos sujeitos convidados para as entrevistas baseou-se no Índice de Vulnerabilidade à Saúde3(IVS), alguns atuando em UBS de baixo ou médio risco4, outros em unidades de elevado e de muito elevado risco, abrangendo territórios com características diferentes. Assim, foram convidados médicos de família das nove regionais de Belo Horizonte, com vista a abarcar toda a cidade.

As entrevistas foram feitas nos consultórios, como uma forma de a pesquisadora ter contato com a realidade social e concreta em que o trabalho do médico de família se desenvolve. A observação, no entanto, não se estendeu às consultas, devido à especificidade do trabalho do médico. Ela se deu no entorno das unidades, nas salas de recepção, nos corredores internos, no contato com outros trabalhadores e com as comunidades, nos espaços de interação dos médicos com equipes e usuários fora do contexto de consulta.

3 Esse indicador foi construído com o objetivo de apontar o nível de vulnerabilidade social da população de um determinado território. Trata-se de um “Indicador de Risco”, associado a outros indicadores do IBGE, como moradia, renda e mortalidade infantil. Por referir-se a um indicador negativo, quanto mais elevado o seu valor, maior o risco daquela população de adoecer e morrer. Assim, em Belo Horizonte, esses indicadores correspondem a quatro categorias, a saber: A – baixo risco, B – médio risco, C – risco elevado e D – muito elevado risco (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE, 2009).

4 Inicialmente, não havia equipes de Saúde da Família responsáveis por populações do baixo risco, somente em anos mais recentes essas equipes começaram a ser compostas. Segundo levantamento de 2003, apenas 28% da população de Belo Horizonte compunha o baixo risco (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE, 2009).

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Para o tratamento dos dados, foi utilizada a análise temática segundo Minayo (2010b) e Bardin (2011). Ressaltamos que a pesquisa de campo coincidiu com o período crítico de epidemia de dengue na cidade, de novembro de 2015 a maio de 2016, o que dificultou a participação dos médicos, sendo necessário estender o período das entrevistas. Com efeito, além da demanda da população, muitas vezes excedendo a capacidade das equipes de saúde, em um contexto descrito pelos médicos como de “calamidade”, muitos profissionais eram afastados do trabalho por também contraírem a doença.

Análise de dados

Para garantia do sigilo e da preservação da identidade dos participantes, todos os nomes são fictícios, e não serão identificados as regionais e os centros de saúde visitados. Foram entrevistados 265 médicos, todos servidores efetivos da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. As entrevistas se iniciavam com um convite para que falassem sobre a sua história no SUS, como se tornaram médicos de família e o que os levaram a fazer a escolha pelo PSF. Todos relatam motivações pessoais, revelando valores que ultrapassam, mas não excluem o interesse por um emprego público que ofereça estabilidade e garantia de uma remuneração fixa mensal. Entre os 26 sujeitos, 10 relataram vir de uma história de família simples, humilde,

5 Uma regional apresentou apenas 2 médicos, um do elevado e outro do muito elevado risco, faltando um representante do baixo/médio risco.

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tendo passado por muitas dificuldades financeiras e sociais até que conseguissem se formar. Esses profissionais demonstram um engajamento político e social diferenciado, embora, em certa medida, quase todos os participantes da pesquisa tenham uma postura política reveladora de valores democráticos e de justiça social.

Outro fator relevante, que emergiu no discurso de todos os sujeitos como um diferencial e que os levou a buscar a medicina de família no SUS, foi a possibilidade de construir vínculos com os usuários, ocupar um lugar de reconhecimento e respeito nas famílias e de “fazer a diferença” em suas vidas. O fato de frequentarem as casas, fazer o acompanhamento longitudinal, acompanhar desde o bebê até os mais idosos, confere aos sujeitos a possibilidade de construir laços e encontros intersubjetivos, em contraposição a outros espaços de exercício da medicina em que se sentem “descartáveis”, conforme sentimento relatado por alguns sujeitos entrevistados. Pode-se pensar que o vínculo é uma categoria que atravessa e se sobrepõe a todas as demais que foram identificadas nos depoimentos, levando-os a resistir e transformar as condições precárias de trabalho, que seriam adoecedoras ou suficientes para fazê-los desistir do SUS ou de perseverarem em seus projetos de saúde coletiva.

Destaca-se, ainda, como categoria transversal, o reconhecimento. Os médicos não relatam se sentirem reconhecidos em relação à própria categoria médica, atuante na rede privada ou particular, nem pela Secretaria Municipal de Saúde, chegando mesmo, alguns deles, a manifestarem ressentimento. Mas dos 26 sujeitos entrevistados, 25 afirmaram sentirem-se muito reconhecidos pelos usuários e também por colegas de PSF, médicos e profissionais de outras categorias.

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Da parte do usuário, o reconhecimento se manifesta nas palavras, nos gestos, nos presentes que recebem. Segundo eles, são “mimos”: panos de prato bordados, toalhinhas, lanches, queijos, frango, pato, frutas do quintal, objetos de sua cultura e de seu mundo que expressam gratidão e vínculo. Tais presentes adquirem importância e valor para os sujeitos participantes, chegando praticamente a sobrepor-se ao descaso que sentem, da parte da instituição. Os presentes se inserem na dinâmica das trocas, já tratada por Mauss (2003), em seu Ensaio sobre a dádiva, em que a troca se institui na dinâmica que compreende a espontaneidade do dar, do receber e do retribuir, o que foge das relações mercantis de trocas.

Na maioria das vezes, entre os sujeitos entrevistados, o que eles oferecem ao usuário ultrapassa a prescrição de uma receita e avança na dimensão do afeto, da escuta e da solidariedade. O médico de PSF entra na casa e na vida das famílias. O paciente retribui com o que lhe é caro, lhe é de valor, objetos ou alimentos, que levam um pouco do seu mundo para o outro. Por meio dos presentes, são eles que entram na casa e na vida dos médicos. Observa-se a dinâmica que se estabelece: de forma recíproca, médicos e pacientes dão, recebem e retribuem, de maneira espontânea. E é isso que garante o vínculo. Alguns médicos chegam mesmo a se perguntar: “O que eu fiz pra merecer?” Trata-se das “misturas”, tal como Mauss (2003, p. 212) assinala: “Misturam-se as almas nas coisas, misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as vidas, e assim as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de sua esfera e se misturam: o que é, precisamente, o contrato e a troca”.

No que concerne às condições de trabalho, amparamo-nos no conceito de condições e meio ambiente de trabalho (CyMAT) desenvolvido por Neffa (2015), quando o autor integra as

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variáveis do meio ambiente físico, que incluem riscos físicos, biológicos, químicos ou naturais, às condições sociotécnicas e organizacionais que, por sua vez, podem intensificar ou não os riscos físicos. As condições sociotécnicas e organizacionais dizem respeito às relações de poder, às hierarquias, à organização e ao conteúdo do trabalho, ao tipo de vinculação (trabalho formal, informal, precário), à relação salarial. Enfim, todos os fatores que compõem a configuração do trabalho, que interferem no tempo de execução, nas exigências, nos ritmos, na cadência dos gestos, nas condições para que o trabalho seja executado com maior ou menor qualidade, e que vão impactar na saúde física e/ou psíquica do trabalhador. Assim, aproximamo-nos também do conceito de Blanch (2003), citado por Borges et al. (2015, p. 229), em que as condições de trabalho são entendidas como “o conjunto de circunstâncias em que se desenvolvem as atividades laborais e que incidem significativamente na experiência laborativa e na dinâmica das relações de trabalho”.

Na análise das entrevistas, destacamos os temas comuns que emergiram com mais frequência nos relatos dos sujeitos entrevistados e que caracterizam as condições de trabalho do médico do PSF, a partir de suas percepções e vivências.

1- Espaço físico: as estruturas físicas das Unidades Básicas de Saúde não seguem o mesmo padrão, algumas foram construídas com o orçamento participativo e, por isso, estão em melhores condições. Outras foram adaptadas de casas antigas, com espaços precários e insuficientes para abrigar a complexidade de um serviço de saúde. Faltam consultórios, ventilação, luminosidade adequada e outros requisitos importantes para a saúde do trabalhador e para a adequação às necessidades do serviço. Para lidar com essas lacunas,

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alguns médicos participantes tentam, eles próprios, promover melhorias, intervir na disposição do mobiliário, desenvolver acordos e alternativas entre eles e entre as equipes a fim de melhor administrar as carências.

2- Medicamentos e insumos: a falta de medicamentos e insumos resulta na atividade impedida, uma vez que os médicos não conseguem seguir a linha de tratamento necessária ao seu paciente. Trabalhamos com o conceito de atividade impedida, tal como desenvolvido por Clot (2001, 2010), como amputação do poder de agir, retraimento das capacidades e da autonomia sobre a atividade. Nesse sentido, retomamos o conceito de real da atividade, incluindo não apenas a atividade realizada mas também tudo que não é feito, tudo que poderia ser feito ou já não é feito mais, tudo que se faz para fazer o que deve ou que não deve ser feito, ou ainda, o que se faz sem querer fazer. Dessa forma, a atividade contrariada, impedida, é composta por esse transbordamento, esse excesso do que foi feito para não fazer o que deveria ter sido feito, ou como forma de reparar o que não foi possível fazer, causando fadiga, estresse, desgaste (CLOT, 2001, 2010).

Marcos6 descreve o seu sentimento diante dessa carência da seguinte forma:

“Periodicamente a gente tem problemas com insumos e

medicamentos. Isso impacta no nosso serviço, principalmente

quando a gente trabalha com uma área de pacientes de

vulnerabilidade grande, né? Quando falta medicamentos aqui,

é frustrante quando você atende, você faz uma prescrição,

6 Marcos atua como médico de PSF em uma unidade de baixo risco há 13 anos.

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tenta contornar ao máximo a realidade da pessoa, isso já é uma

dificuldade, já é um olhar diferente que a gente tem que ter. Um

colega da gente que não trabalha no SUS, não tem esse olhar. Eu

preciso garantir o mínimo do tratamento dele. Não adianta eu

dar o top, eu tenho que dar o que ele vai ter acesso. É... então é

frustrante quando eu atendo, faço um raciocínio clínico para

ele ter o atendimento mínimo pra cuidar do problema dele, e

ele não tem acesso ao mínimo porque faltou aqui.”

Na visão dos médicos, a qualidade do trabalho fica comprometida e o alcance do cuidado e a perspectiva de tratamento, limitados, diante da falta de recursos. A dificuldade de executar um trabalho bem feito, entendido como aquele cuja eficácia é reconhecida pelo próprio trabalhador, adquire uma dimensão ainda maior, convocando, em cada um deles, um desdobramento que não está prescrito em nenhum protocolo ou norma antecedente.

3- Remuneração: embora o salário da categoria médica seja mais alto em relação às outras categorias de trabalhadores da saúde, muitos avaliam que não recebem uma remuneração justa ou equiparada à de seus colegas que atuam no sistema privado. Mas não há uma percepção comum em relação a isso, alguns conseguem adequar o orçamento ao salário do SUS e mantêm dedicação exclusiva, outros, não conseguindo, buscam atividades em hospitais, consultórios privados ou convênios, além das 40 horas semanais nas UBS. Nesse sentido, Paulo7 relata que está pensando em entrar para um convênio privado no final do ano. Ele justifica que:

7 Paulo é médico de família no SUS há 11 anos. Atualmente, ele atua em uma unidade de médio risco.

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“É... hoje eu tô numa fase que num dá só o SUS. Eu acho

até que uma das coisas que mais me motiva pra correr

atrás dessas outras coisas, é justamente isso, que quando

cê soma as contas no final do mês, do ano passado pra cá,

começou a dar muito problema. Até então tava tranquilo, né?

A minha esposa trabalhava...”

4- Recursos Humanos: a carência de recursos humanos é apontada pelos médicos como uma das maiores causas de sobrecarga e tensão. O planejamento da força de trabalho não acompanha o crescimento populacional, seja pelos movimentos migratórios urbanos, seja por novas ocupações, seja pelo crescimento das que já estão instaladas; conta-se também o desemprego, como aconteceu recentemente na história do país, levando os usuários de planos de saúde a recorrerem ao SUS.

Em consequência, os médicos relatam a impossibilidade de cumprir o PSF efetivamente. O excesso de pessoas atendidas por cada equipe produz outro excesso, o de demanda espontânea e de quadros agudos, impedindo, assim, que tenham tempo para as práticas preventivas e de promoção da saúde, para o desenvolvimento de programas específicos e para os atendimentos domiciliares a pacientes acamados. Estas se caracterizam por serem ações que, se ocorressem tal como preconizado, reduziriam amplamente os atendimentos não programados. Chamamos a atenção para períodos de epidemia, em que esses atendimentos extrapolam qualquer possibilidade de programação e organização da “porta de entrada”, segundo a percepção dos próprios médicos.

Outra questão é a morosidade, às vezes impossibilidade, de repor trabalhadores em férias, exonerados, demitidos (em caso de contratados) ou licenciados por problemas de saúde.

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Nesses casos, os médicos que estão em serviço acabam tendo que “cobrir” a ausência do colega. Outra vez emerge o sentimento de frustração, em consequência da atividade impedida, pois os pacientes que deveriam estar sob acompanhamento sistemático ficam sem vaga e, seus controles, comprometidos. É quando eles descrevem um cenário chamado de “mini-UPA”, onde apenas se atendem as urgências e não se faz PSF:

“Vira uma mini-UPA, sem dúvida. Então eu acho que o

que mais frustra é que muitas vezes isso é cíclico, cê não

consegue fazer o seu trabalho, a sua atribuição. Então cê fica

apagando incêndio. Eu acredito que é o que mais frustra

as pessoas” (Marcos).

5- Forma de gestão: no contexto real do trabalho, instauram-se formas difusas e instáveis de se fazer a gestão do cuidado: por um lado, encontramos gestores que resistem, alinhados ao discurso democrático e emancipatório da Reforma Sanitária Brasileira; por outro, discursos fortemente amparados na lógica neoliberal, que vêm se fortalecendo, principalmente, quanto mais se impõe a redução do papel do Estado, contrariando a Constituição Cidadã e seus princípios legitimados em 1988. Nesse cenário, a resposta a uma gestão que seja paradoxal, que impõe exigências incompatíveis à natureza da atividade do cuidado, tem um custo elevado ao trabalhador.

6- Autonomia: a autonomia sobre o processo de trabalho é um fator que contribui positivamente para a condição de saúde do trabalhador. Por autonomia entende-se o poder de agir, de decidir, de transformar. Lhuilier (2006) afirma que o prazer no trabalho está ligado ao poder de ação, mas não no sentido de execução de tarefa. Uma ação na qual o sujeito se reconhece

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como protagonista, que lhe permita nela reconhecer-se e ser reconhecido pelo outro. Entre os médicos, percebemos que sobre o cuidado, diretamente com seu paciente e suas demandas, eles se sentem autônomos, autores das arbitragens, decisões e condutas, junto aos usuários, coautores do próprio processo de saúde. Mas no âmbito da organização dos processos de trabalho, alguns se sentem mais participativos, outros bem menos. A autonomia sobre a própria agenda, sobre o tempo de consulta, sobre a forma de organizar o trabalho, não é comum a todos os entrevistados, o que causa desânimo, insatisfação e, como resposta, também as transgressões.

6- Metas e indicadores: devido às mudanças que ocorreram no contexto das relações sociopolíticas, o acolhimento e o cuidado parecem ter assumido, ao longo do tempo, concepções conceituais e práticas divergentes das iniciais, que foram construídas coletivamente durante a Reforma Sanitária e a consolidação do SUS. Percebemos que tais concepções atuais têm como cenário o excesso de prescrições, o número crescente da população a ser atendida, a escassez de recursos, sejam eles econômicos, sejam humanos, além da perda de espaços deliberativos. Evidencia-se, assim, o antagonismo entre o cuidar e os números a serem atingidos. Segundo Josué8:

“A demanda eu falei, que é uma demanda muito grande. O

gestor, muitas vezes, não olha o lado do trabalhador, né?

É número, número, número, é meta, meta, meta, e nisso

a gente vai sendo assim, com a demanda do jeito que tá,

8 Médico de uma unidade de muito elevado risco, há cinco anos atuando como médico de família.

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cê acaba sendo engolido. No meio disso tudo, vem o desgaste

emocional, vem o cansaço, o desgaste físico”.

7- Fragmentação dos coletivos: segundo Lhuilier (2006), o trabalho institui sempre um intercâmbio social, uma vez que é sempre dirigido ao outro, é uma atividade sempre endereçada, assumindo, assim, um caráter coletivo, ainda que exercido por um indivíduo. Nesse mesmo sentido, Dejours (2008) assinala que “trabalhar é viver junto”, é estar inserido em um mundo compartilhado, democrático, de respeito mútuo.

Entretanto, as atuais condições de trabalho, o contexto de constrangimentos, pressões e sobrecarga vêm levando os trabalhadores da saúde a buscar saídas individuais, fragmentando cada vez mais os coletivos, levando à deterioração das solidariedades e ao isolamento. Foi possível identificar, no relato de alguns médicos, que eles se sentem parte de um coletivo que, de forma diferenciada, desenvolve alternativas de gerir o próprio trabalho como protagonista. Mas ressaltamos que esse coletivo, na grande maioria dos casos, é restrito à própria equipe: com o enfermeiro, os técnicos e os agentes comunitários de saúde. Quando o gestor da unidade está integrado às equipes, percebe-se que reduzem os riscos psicossociais e as resistências abrangem um coletivo mais fortalecido.

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Resistência no trabalho do médico de PSF

As condições de trabalho no SUS já foram apontadas por Feliciano, Kovacs e Sarinho (2011) como causa de burnout entre médicos de Saúde da Família. Segundo os autores, o trabalho no PSF tanto pode desencadear sintomas físicos como mentais; além de desencadear novos adoecimentos ou agravar doenças pré-existentes. Entre os sujeitos que participaram deste estudo, percebe-se que os adoecimentos emergem em menor quantidade e intensidade que o sofrimento, porém, não chega a levar a afastamentos. De forma mais ou menos sutil, a resistência se faz presente no cotidiano, possibilitando que esses sujeitos permaneçam no trabalho apesar das condições, das dificuldades e dos impasses.

Alguns médicos relatam irritabilidade, cansaço, fadiga, dores de cabeça, angústia, desânimo. Chegam mesmo a se questionar se continuarão ainda nesse lugar por muito tempo, e em quais condições. Tais relatos nos remetem ao conceito de saúde desenvolvido por Canguilhem (2007), posto que saúde não significa ausência de doença. Os debates que se impõem no cotidiano, entre a expertise médica e os valores ético-políticos dos sujeitos, e as normas antecedentes da organização associadas às condições de trabalho, instituem o movimento de renormalização, de enfrentamentos com o real da vida e do trabalho. Corroborando Lhuilier (2009), a saúde não significa estar submisso à normalidade social, mas sim abrir perspectivas de negociação com o meio, a fim de encontrar margens de manobra e equilíbrio que permitam ao sujeito criar seu contexto.

É certo também que não há garantias, que são escolhas que envolvem riscos, nem sempre calculados. No ato de resistência, o sujeito delibera por posicionamentos

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e recusas, por agir de uma forma ou outra, avançar ou recuar diante de possibilidades que poderão transformar as situações-limite vivenciadas em seu cotidiano, a fim de criar outros modos de vida.

As entrevistas revelaram estratégias de enfrentamento que se manifestam, em sua maioria, nos microespaços do trabalho, nos consultórios, na relação com os pacientes. A fragilidade dos coletivos, conforme dito anteriormente, fragmentados diante do contexto de estresse, sobrecarga, violências e embates políticos do serviço público, não favorece mobilizações mais amplas, e as saídas individuais se destacam como recursos possíveis. Joana9 fala do seu sentimento de solidão:

“Não tem brigas, conflitos, não é isso. Falta apoio... acho

que falta mesmo, sabe, uma unidade funcional, o coletivo.

Acho que é fragmentado, as relações, aquele verniz social,

né? Bom dia, boa tarde, almoça junto, ri das piadinhas,

mas assim, eu acho que falta um fazer... um amálgama mesmo,

que transforme numa coisa que é de todo mundo”.

Joana reconhece as dificuldades de seu dia a dia e o quanto elas impactam em sua saúde e na qualidade de vida. Embora não promova uma transformação da condição concreta de trabalho, ela consegue ressignificar seu fazer, seu estar-ali, confirmando seus valores e o sentido do trabalho:

9 Médica de uma unidade de muito elevado risco, atuando no PSF do SUS/BH há 14 anos.

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“De repente, não vai chegar lá onde você quer, mas você

vai chegar em algum lugar e na mesma direção, né? Não

num lugar torto. Na mesma direção, que já faz a diferença

pra aquela comunidade, pra aquela pessoa. Então já é algo,

já é muito. Então, assim, mesmo que não seja o ideal, eu acho

que, assim, saber que se faz a diferença, que ajuda a dar um

pouquinho mais de saúde, de alegria, de esperança, isso já é o

diferencial de manter o afã, de manter o ânimo, e também

de, no dia a dia, ressignificar isso, apesar das limitações,

etc. e tudo, pode se chegar a algum lugar que é um lugar

de significância, né? Embora não seja o lugar que você

idealizou e sonhou” ( Joana).

Joana anuncia a impotência de mudar os mundos: o mundo do trabalho, o mundo da desigualdade, os diferentes mundos dos determinantes sociais de saúde. Como resistência, ela considera, essencialmente, a resistência de seus pacientes às condições precárias de existência, sobre a qual ela constrói os próprios recursos para dizer não ao que lhe é insuportável, ao que a levaria a não dar conta de estar ali e em outros espaços da vida:

“Acho que o mais importante é o tanto que eu me inspiro

naquelas pessoas, com recursos poucos, darem conta da vida,

sabe? Apesar de muito pouco. [...] Enquanto trabalhadora

eu tenho às vezes muito menos do que eu preciso, e assim,

elas dão conta da vida em lugares... que se acha... que podia

desistir[...] Então eu acho que isso aí é a minha principal

fonte de inspiração e de resistência. São os meus pacientes

com a vida deles e como eles dão conta da vida em condições

super inóspitas, entendeu? [...]Eu acho que assim, a gente

tem que gritar, brigar, melhorar as condições de trabalho,

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condições de salário, as relações, eu acho que resistir não

significa aceitar. Mas é isso que é a minha fonte de resistência,

são essas pessoas e a vida delas”.

Diante do insuportável, daquilo que lhe causa indignação, Joana confirma a importância de resistir, a partir de uma perspectiva política, que se traduza em luta por melhores condições de vida e trabalho:

“Então, embora tenha esse movimento de resistência e

tudo, eu acho que a gente [trabalhador] também não tem

que se conformar com isso. Como eles [comunidade] não

têm que se conformar com a pobreza, com a distribuição

de renda desigual, com a falta de escolas boas pros filhos

deles, restando um único caminho de sobrevivência... o

único não, mas às vezes um possível, não é o único, né?”

No caso de João10, ele relata estratégias que incidem positivamente sobre a sua saúde, construindo outras vias que transformam o que seria da ordem do invivível e, consequentemente, sustenta sua decisão de permanecer no SUS, ainda que seu desejo vacile em alguns momentos. Ele refere-se a ações que têm efeito transformador, na medida em que ele próprio consegue se posicionar como sujeito do trabalho. Nesse sentido, João insiste naquilo que para ele é valor: sua concepção de cuidado, o tempo de escuta, o acolhimento, mesmo que para isso ele tenha que quebrar protocolos, como por exemplo, intervir com outras abordagens:

10 João atua há 12 anos no PSF em uma unidade de médio risco.

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“Mas de vez em quando, eu tô passando homeopatia pros

meus pacientes. Isso também abre uma possibilidade, né?

Eu posso fazer uma coisa diferente. Tem coisa que eu consigo

abordar com a homeopatia que eu não consigo com a alopatia.

Então eu vou sedar todo mundo? Isso eu não quero fazer”.

Essa é uma decisão que também tem seu avesso, uma vez que João estende o tempo de atendimento para além dos 20/15 minutos preconizados pela gestão. João resiste em aderir a um sistema de produtividade de consultas e alcance de indicadores, sustentando seu compromisso com um trabalho bem feito, com uma saúde pública de qualidade, fundamentada na construção de vínculos solidários. E é nesse fazer assistencial, personalizado e autônomo, que ele se sente criativo:

“Toda vez que a gente pode criar alguma coisa, pesquisar

uma coisa, investigar alguma coisa, tendo, assim, esse espaço,

eu acho que isso dá uma atenuada, porque a gente cresce

com o trabalho”.

Pela subversão de normas de conduta, sob a justificativa de não conseguir fazer de outra forma, de tornar o seu trabalho impossível, João sustenta sua escolha de estar no SUS e não em um consultório particular. Clot (2007) destaca que um dos fatores deletérios do trabalho é a impossibilidade de fazê-lo com qualidade. A deterioração das condições, a impossibilidade de reconhecer-se no que se faz, como diz o autor, a dificuldade em olhar-se no espelho do próprio ofício pode levar à degradação da atividade e ao adoecimento do trabalhador (CLOT, 2007).

Em outros sujeitos participantes, o movimento de dar o melhor de si, de estudar constantemente, tem lhes dado

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condições de ter bons resultados na evolução de seus casos e, assim, de sentirem-se reconhecidos por seus pacientes e autônomos em seu fazer. Destacam a relação com o próprio trabalho e o sentido de estarem nesse lugar. Os relatos apontam que estar junto às comunidades, prestando assistência à saúde com qualidade, levando escuta e respeito às suas histórias de vida, tão rechaçadas por um sistema de poderes políticos, sociais e econômicos dominantes, são atos de resistência. Tal como é proposto no aporte teórico, a resistência não passa por um plano, uma ideia, ou mesmo pela razão: ela é “ato, conduta, gesto” (PROUST, 1997, p. 49).

Em relação à possibilidade de ser criativo em seu trabalho, Marcos a exerce na abordagem dos casos clínicos, também em sua dimensão social, na construção coletiva de saídas para os impasses e dificuldades:

“É... com relação à criatividade, assim, a Estratégia da Saúde

da Família nos impõe isso desde o início. Então, assim, a gente

vai aprendendo, com o tempo, a ser cada vez mais criativo.

É fazer inclusive adaptações no processo de trabalho, mas pra

isso a gente tem que se habituar a avaliar o que já foi feito. [...]

Nada dentro dos protocolos, porque o que tinha no protocolo

já... tudo foi usado e não tem mais o que fazer. Então nós

estamos construindo aí... o que pode ser feito, né?”

Marcos inclui também a invenção de outras formas de cuidado como outro fator importante que contribui com a sua condição de saúde. Ele assinala a importância não apenas clínica mas também política, de criar alternativas de trabalho com os usuários, por meio de grupos, por exemplo, nos quais ele possa abrir espaços de discussões e intervenção

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que promovam o protagonismo dos sujeitos, favorecendo também seu papel político:

“Essas atividades dão uma quebra, ajudam a gente a se

aproximar da comunidade. Ajudam a fazer coisas que numa

consulta tradicional não dá pra fazer. O tempo não permite

que a gente consiga dar todas as orientações que a gente tem

que dar numa consulta tradicional. Então esses espaços,

assim, empodera as pessoas”.

Ele acrescenta, ainda, como aspecto relevante, a construção do sentido de estar nesse lugar, o laço com sua própria história, tal como mencionado anteriormente, não como um ato de resistência, mas como estratégias de fortalecimento para que lhe seja possível perseverar nos valores e perseverar em ato. Outras formas de resistência emergiram como estratégias criativas e transgressoras para transformar o que é imposto, como, por exemplo, “burlar” o sistema informatizado de agendas para estender o tempo de consulta; viabilizar o acesso gratuito à medicação, em falta no SUS, por meio de outros contatos pessoais.

Destaca-se o caso da implantação do protocolo Manchester11. Muitos profissionais não identificam esse

11 O protocolo de Manchester é um instrumento de triagem que tem por objetivo avaliar o grau de urgência das queixas dos pacientes, colocando-os em ordem de prioridade para o atendimento, a partir de procedimentos predefinidos.Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_acolhimento_classificacao_risco.pdf.

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protocolo como uma ferramenta adequada às UBS. Clara12 se posiciona da seguinte forma:

“Eu tenho um exemplo... tenho vários... outro dia chegou uma

adolescente de 14 anos que o pai espancou com fio de luz,

a menina tava toda marcada de fio de luz, veio trazida por

duas amiguinhas adolescentes, porque a menina fugiu pra

casa delas. Onde que isso passa na triagem de Manchester,

entende? Então, assim, essa é outra coisa que a gente não é de

acordo pra Atenção Primária, tem que ter um instrumento

sim, mas a gente crê que não é dessa forma, né? Não é pondo

termômetro, medindo a pressão, contando frequência

cardíaca que você vai conseguir separar quem é que entra,

quem é que não entra, né?”

Em muitos casos, em que o uso do protocolo não é debatido com a gestão, os trabalhadores transformam a metodologia original e desenvolvem formas de adequação customizada, adaptando-o às necessidades locais de seu território. Eles buscam uma forma de auxiliar a organização da demanda, sem interferir no vínculo entre os profissionais e usuários e sem definir a priori por quem, quando e como será feito o atendimento. Prevalece o trabalho humanizado e a dimensão do cuidado, que não se submetem ao imperativo da tecnologia dura (MERHY, 2004). Afinal, como afirma Clara, os “protocolos não dão conta de tudo”.

Outra forma de resistência, porém em nível macro, envolvendo a categoria, refere-se à recusa dos médicos em participar, e assinar, do Programa Nacional de Melhoria do

12 Médica no PSF de uma unidade de muito elevado risco há 8 anos.

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Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Trata-se de uma avaliação da qualidade do trabalho da Atenção Básica, elaborado pelo Ministério da Saúde, em que o alcance das metas deveria se converter em aumento de repasse de recursos da União aos municípios. Entretanto, de acordo com os relatos dos médicos, os repasses não chegam às unidades e não se traduzem em melhorias das condições de trabalho, conforme expectativa dos profissionais. Diante da falta de respostas sobre o destino dos recursos, os médicos se recusam a assinar o programa e as equipes não participam do processo, ainda que sofram pressões da gestão. Esta vem sendo uma ação transgressora coletiva, que, nesse caso específico, é respaldada pelo sindicato13, segundo relato dos sujeitos de pesquisa. Enfim, manifesta-se, na ação transgressora, a experiência de liberdade. Liberdade que insiste e não se curva às intransigências das formas de governo sobre os homens.

Outros sujeitos relatam transgressões sobre: os processos de trabalho, visando responder ao vínculo e à relação de confiança estabelecida com o usuário; a reorganização de espaços internos dos consultórios; a saída dos consultórios para atuar em movimentos de ocupação, de desapropriação, de tragédias causadas por acidentes naturais; a recusa deliberada de cumprir normas que contrariem seu compromisso com um trabalho bem feito. Sobretudo, resistências que se manifestam pela construção de um discurso contra-hegemônico, político, reafirmando que o SUS funciona, que é direito de todos e dever do Estado, em contraposição a outros discursos que tendem a favorecer interesses econômicos e privados, de um SUS

13 Embora muitos médicos se recusem a assinar, não se pode considerar que a adesão seja de 100% da categoria.

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inoperante e pouco efetivo. Trata-se de uma estratégia política, que visa confirmar e assegurar o SUS e a Saúde Coletiva como equipamento legítimo, garantido pela Constituição Cidadã.

Considerações finais

As análises desenvolvidas neste estudo apresentam a dor e o sofrimento no trabalho de médicos que atuam na ESF, mas, sobretudo, revelam a capacidade de resistência, a escolha pelo ato que, por inteiro, articula a expertise técnica e os afetos, em favor do trabalho que se sustenta na luta pela preservação dos valores comprometidos com a defesa da vida e da dignidade humanas. Seja pelo engajamento político, seja pelas transgressões e inventividades, as estratégias de resistência apontam que os contextos precários de trabalho não comportam ações e posicionamentos estáveis ou estáticos.

É necessário construir alternativas, por meio de um “uso de si por si” (SCHWARTZ, 2000), que reconfigurem as interações com o meio e com o outro. As escolhas podem, a cada momento, revelar uma nova possibilidade de criar outras formas e significados de vida e trabalho, que vão de encontro à fragmentação e à solidão do ato, seja do ato clínico, do ato do ofício, do ato de resistência. Nesse sentido, as reflexões propostas neste estudo mostram perspectivas para se pensar as margens de ação que podem ser apropriadas pelos médicos da ESF, e que confirmam a relação direta entre a capacidade de resistir criativamente e a saúde do trabalhador. É certo que nas situações em que é possível preservar a autonomia, a inventividade, a renormalização e a possibilidade

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de fazer um trabalho bem feito, prevalece a condição de saúde do trabalhador. Em resumo, pode-se sintetizar a problemática discutida afirmando que, diante da fragilidade das condições de trabalho e da carência de investimento político, emergem focos de resistência, pontos de interseção entre sujeitos gerados no viver junto, nas negociações intersubjetivas e agenciadoras de um pensamento crítico, que fazem do SUS um projeto vivo e possível.

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RESISTÊNCIA E CRIATIVIDADE: O TRABALHO DO MÉDICO DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE

203CRISANE COSTA ROSSETTI, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

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RESISTÊNCIA E CRIATIVIDADE: O TRABALHO DO MÉDICO DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE

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Percepção dos trabalhadores do turismo acerca de sua saúde mental no contexto do trabalho

Kerley dos Santos AlvesJosé Newton Garcia Araújo

Nos últimos anos, o turismo desponta no Brasil como um dos principais empregadores do setor de serviços, oferecendo empregos formais a despeito da crescente informalidade que nele ainda se observa e da incipiente qualificação da sua força de trabalho. Dados de 2007, sistematizados pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), mostram que, se por um lado o turismo no Brasil se amplia e se profissionaliza, gerando empregos e divisas para o país, por outro, gera riqueza e desenvolvimento de forma bastante desigual frente à dura realidade dos trabalhadores do setor.

[...] a indústria do turismo é apresentada com grande

euforia para a população como tábua de salvação de muitas

economias locais e regionais baseado num suposto plano

consistente, mas, o que se vê, é que durante seu percurso

se revela um grande dilema. Dilema este, que é subjacente

aos próprios dilemas do atual quadro do capitalismo

globalizado, do mundo do trabalho e da qualificação,

das novas “regras” de competitividade e produtividade,

bem como das próprias condições em que o turismo se

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

207KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

desenvolveu e se desenvolve nos países ditos “periféricos”.

Não podemos nos negar a investigar tais questões e cedermos

espaço à ideia do turismo como meio de dissolução de

desigualdades e crescimento econômico sem problematizá-la

(NASCIMENTO; SOARES, 2006, p. 7).

Considerando as transformações mais amplas da esfera do trabalho no cenário da reestruturação produtiva, de acordo com Antunes (2007, p. 14), “a nova morfologia do trabalho compreende desde o operariado industrial clássico, em via de retração, até os assalariados de serviços, com novos contingentes de homens e mulheres terceirizados, subcontratados, temporários que se ampliam”. Em prol da dinamização da economia deprimida, destaca-se o turismo nos novos segmentos emergentes e que ganham visibilidade econômica. Nesses termos, a implantação do Estado Neoliberal, que se seguiu ao longo dos anos 1990, implicou o desenvolvimento de políticas públicas de turismo, cuja finalidade era amenizar as debilidades regionais, no que se refere aos equipamentos turísticos e à infraestrutura. A despeito disso, nas condições de trabalho, escondem-se as reais contradições da atividade no setor do turismo e da hospitalidade, no qual se registram alta rotatividade, condições insalubres de trabalho, carga horária extensa e irregular, além de pouco ou nenhum investimento na qualidade de vida dos trabalhadores. Há, ainda, a ansiedade e o sentimento de insegurança, ora denominados por esses trabalhadores de “estresse”.

Assim, este capítulo será desenvolvido com o objetivo de contribuir para a discussão sobre a percepção dos trabalhadores do turismo e da hospitalidade sobre o gerenciamento de processos de trabalho e sua relação

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

208KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

com a saúde. Para tanto, foram abordados três grupos profissionais do turismo: guias de turismo, agentes de viagem e trabalhadores dos meios de hospedagem, a fim de mais bem compreender as percepções dos trabalhadores. Inicialmente, realizaram-se a pesquisa bibliográfica e a observação no local de trabalho e, posteriormente, foram realizados grupos focais, que possibilitaram a liberdade de expressão, pois os participantes puderam colocar em palavras aquilo que vivem nas situações de trabalho. “A escuta e os diálogos foram instrumentos centrais na construção coletiva, buscando aproximar, colocar em evidência o trabalho real” (VIEIRA; BARROS; LIMA, 2007, p. 15).

Assim, foi possível identificar o ponto de vista de cada um sobre seu próprio trabalho e a discussão ativa dos membros do grupo focal. No dizer de Gatti (2005, p. 9), “o grupo focal permite emergir uma multiplicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelo próprio contexto de interação criado, permitindo a captação de significados que, com outros meios, poderiam ser difíceis de manifestar”. O desenvolvimento do setor de serviços, no contexto do processo de reestruturação produtiva, incorpora valor agregado e gera emprego em muitos setores ligados ao turismo e hospitalidade, trazendo, com isso, graves impactos sobre seus trabalhadores.

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

209KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

A produção da saúde na atividade turística: para além do enfoque econômico

No enfoque salvacionista implantado na atividade turística, considera-se que o turismo não deva ser concebido apenas como mera atividade econômica mas também inserido em um complexo processo de intervenção, capaz de modificar, para melhor, as condições de trabalho no setor, o que leva a entender a questão dos trabalhadores pela via de uma reconstrução digna da atividade, para além de apontar a sua desconstrução, visto que a atividade engloba “deslocamento, concentração, atrativos, equipamentos e serviços, além da carga emocional e psicológica intrínseca” (TRIGO, 2003, p. 185) a que esses trabalhadores estão cotidianamente expostos.

Numa sondagem preliminar, especificamente em busca de bibliografia crítica sobre trabalho no setor do turismo e da hospitalidade, foram encontrados poucos textos abordando a questão a partir do prisma de quem o vivencia no dia a dia. Tal fato pode ser explicado porque os acadêmicos e pesquisadores, por várias questões, distanciam-se do mercado de trabalho, bem como pela falta de tempo ou de força por parte dos profissionais do mercado para uma produção científica.

No que concerne à integração e à atuação dos trabalhadores no setor do turismo e da hospitalidade, Paiva (1995, p. 60) adverte sobre a exploração da força de trabalho no turismo, em que “a maior parte dos trabalhadores situa-se nos níveis operacionais, enquanto uma ínfima parcela está em níveis de direção, inclusive gerenciamento”. Os trabalhadores estão envolvidos direta ou indiretamente, sempre à disposição do cliente/hóspede. Além de serem o principal ponto de contato com esse usuário, são eles que irão, por meio

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

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de suas atribuições, demonstrar os serviços, as políticas e a filosofia da empresa, fazendo com que a qualidade do serviço se transforme em satisfação do hóspede e, consequentemente, em fidelização da carteira de clientes do estabelecimento (BOHDANOWICZ; ZIENTARA, 2009).

Em se verificando que a reestruturação produtiva intensificou e precarizou o trabalho, é de se presumir, como decorrência lógica, que os seus principais efeitos sejam, também, manifestados na saúde desses trabalhadores. Por sua vez, essa hipótese é confirmada por dados extraídos de diversas pesquisas realizadas. Esses efeitos se manifestam tanto sob o ponto de vista da saúde física como da saúde mental. De acordo com dados do Estudio de evaluaciones de riesgo en las empresas del sector del Turismo (OMT, 1998), os problemas de organização do trabalho no setor do turismo e da hospitalidade podem resultar no surgimento de acidentes e problemas de saúde para os trabalhadores, tais como ansiedade, estresse, depressão e agravamento de lesões existentes. O estudo aponta ainda que o ritmo de trabalho na hospitalidade é um fator organizacional que causa problemas de saúde e segurança, porque, devido à sazonalidade, os ritmos podem aumentar, portanto, os requisitos para a conclusão das tarefas, muitas vezes, superam as habilidades do próprio trabalhador. Pode-se sustentar que tais requisitos compõem um arcabouço de exigências do setor, materializado em normas, procedimentos e em um conjunto de características que os trabalhadores do setor do turismo devem obedecer.

[...] a atividade intelectual e cognitiva são necessárias

no trabalho para manter a integridade do aparelho

psíquico. Surge daí uma série de agravos à saúde física

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

211KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

dos trabalhadores, como as LER/DORT, bem como o

sofrimento psíquico patogênico. Nos referimos aqui àquele

sofrimento que emerge no choque e na impossibilidade

de um rearranjo entre o sujeito-portador de uma história

singular e personalizada e uma organização do trabalho

despersonalizante. Quanto mais rígida for a organização do

trabalho, mais acentuada é sua divisão e menor o conteúdo

significativo da tarefa, bem como as possibilidades de

mudá-lo. Assim, o sofrimento psíquico aumenta

correlativamente (MERLO et al., 2003, p. 122).

Tendo como premissa os procedimentos padronizados, inclusive as regras de sentimento, não há qualquer liberdade de criação para os empregados, seja com relação ao trabalho em si, seja no que tange aos modos de executá-lo. Assim, não se vislumbra a possibilidade de uma adequação do ambiente de trabalho ao funcionário, sendo este quem deve adaptar seu organismo à organização do seu trabalho. Para tanto, esses trabalhadores necessitam mobilizar saberes investidos na atividade: saberes organizacionais, práticos e acadêmicos.

O discurso hegemônico tem enfatizado a ausência de

qualificação e a dificuldade de disciplinarização dos

trabalhadores às rotinas de trabalho como principal

entrave para o desenvolvimento do setor. [...] a atenção aos

dados, admitidos inclusive pela OMT1, sobre as condições de

1 A Organização Mundial do Turismo (OMT) foi criada em 1925 como uma organização internacional não governamental que reunia associações privadas e governamentais de turismo. Em 2003, tornou-se uma agência especializada das Nações Unidas. Sua missão consiste em promover ações para a geração de conhecimento sobre o mercado de turismo, a promoção

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

212KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

trabalho, geralmente, é minimizada, pouco aprofundada e

mesmo atenuada frente ao discurso da culpabilização dos

próprios trabalhadores por essa situação, seja enfatizando de

forma moralista a falta de iniciativa e espírito empreendedor

ou mesmo a ausência de interesse dos trabalhadores em

dar contrapartidas “ainda” maiores às empresas. Em

resumo, os trabalhadores continuam a ser tratados como

sujeitos anônimos a serviço do capital, só mencionados

quando o assunto é o aumento da produtividade e do lucro

(MIYASHIRO; MORETTO, 2009, p. 75).

Constata-se que há uma contradição entre os discursos de desenvolvimento do setor e as reais condições de trabalho de seus profissionais. Nesse meandro, os trabalhadores, no que se refere à ausência de qualificação e à dificuldade de disciplinarização às rotinas de trabalho, são considerados empecilho ao desenvolvimento proposto pelo mercado e pelas políticas públicas vigentes.

Por sua vez, no que se refere aos prejuízos à integridade mental, há de se considerar que as consequências das formas de gestão do trabalho pelo trabalhador, que não são tão facilmente perceptíveis, decorrem de processos complexos e relacionados com aspectos tais como a imposição de valores, a ansiedade e o medo, visto que o trabalhador do setor do turismo e da hospitalidade é comumente convocado, pela via do comprometimento, para interações e repasse dos valores

de políticas e instrumentos de apoio ao turismo, o incentivo à educação e à formação, bem como a oferta de capacitações e assistência técnica. A Organização também contribui para disseminar o Código de Ética Mundial para o Turismo, com o intuito de maximizar a contribuição socioeconômica do turismo e minimizar possíveis impactos negativos (SEBRAE, 2016).

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

213KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

inerentes à atividade e se insere no quadro de precarização do trabalho, em que se visualiza a deterioração das condições de trabalho nessa prática profissional.

[...] sobra aos trabalhadores locais, diante da pouca

oportunidade de qualificação, do atual quadro do

trabalho e das condições do emprego turístico nos núcleos

receptivos, a entrada na economia informal, para nela

empreender atividades e assim alcançar ganhos que não

podem obter em organizações turísticas locais, porém,

que pouco oferecem diante da racionalidade produtiva,

da competitividade, da centralização do trabalho nos

núcleos emissivos e do consumo sazonal do turismo

(NASCIMENTO; SOARES, 2006, p. 14).

Assim, considera-se que essa atividade de trabalho, em suas formas de organização, caracterizada pela subordinação ao contexto e às demandas político-econômicas, interfere nos modos de agir dos trabalhadores, aportando a seguinte indagação: que saberes são expressos e que práticas são realizadas pelos profissionais do turismo e da hospitalidade em prol de sua saúde?

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

214KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

A percepção dos trabalhadores do turismo: saberes, práticas e saúde no trabalho

O momento do grupo focal foi propício para explicitar a perspectiva micro por meio do discurso dos trabalhadores, oportunizando conhecer as vivências no desenvolvimento de suas atribuições nas empresas, bem como suas percepções sobre os reflexos do exercício profissional em sua saúde. No que tange ao discurso do trabalhador quanto à efetivação da atividade, Schwartz e Durrive pressupõem uma ou várias ações, bem como recriações:

A ação tem um início e um fim determinados, ela pode

ser identificada (gesto, marca), atribuída a uma decisão,

sujeita a uma razão (exemplo: uma instrução é uma lista

de ações). A atividade é um impulso de vida, de saúde, sem

limite predefinido, que sintetiza, cruza e liga tudo o que

se representa separadamente (corpo/espírito; individual/

coletivo; fazer/valores; privado/profissional; imposto/

desejado; etc.) (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 23, grifo nosso).

Considerando a abrangência e a complexidade da atividade turística a cargo do profissional que recebe a designação de “turismólogo”, atividade e designação demonstraram ser desconhecidas nos próprios grupos profissionais participantes. Essa postura de desconhecimento se estende à população de modo geral, conforme a fala de uma das turismólogas participantes:

Não sabem a dimensão da atividade. Turismo é relacionado a

viajar ou ser viajante. O profissional é um mero desconhecido.

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

215KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

Nem mesmo o que significa turismólogo. Parece uma palavra

vazia. Eu já perdi as contas de quantas vezes tive que justificar

a profissão, o curso e a atuação, que, definitivamente,

quem faz turismo não é turista. (Agente de viagem).

Entre as queixas, a que mais se dastacou foi a falta de regulamentação, que, na visão dos participantes, possibilitaria o reconhecimento profissional.

Eu também fico indignada. Até aqui – ter que explicar

o que o turismólogo faz e pode fazer – não somos

reconhecidos nem entre nós mesmos. É a conclusão triste

que eu chego. A regulamentação legal é importante porque

daria maior visibilidade e seríamos mais reconhecidos.

Hoje, concorremos com várias áreas, o que não acho justo.

(Recepcionista de hotel).

De outro modo, surgiram novos posicionamentos sobre a inserção profissional que enriqueceram a discussão. Alguns participantes se posicionaram dizendo que a melhoria das condições de trabalho e o reconhecimento não seriam garantidos pela regulamentação ou pela conclusão de um curso superior.

Nada garante que a regulamentação melhoraria nossas

condições, é uma expectativa utópica. (Agente de viagem).

Assim, a discussão se desenvolve na questão referente às situações reais de trabalho. A principal evidência foi que a escolha e a permanência do profissional no cargo não se restringem a um diploma na área, mas envolvem referências que as pessoas dão a respeito dele, isto é, se é uma pessoa

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

216KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

confiável, se sabe respeitar as normas e orientações, se está disposto a encarar a rotina de trabalho, inclusive ir trabalhar nos finais de semana e feriados. De acordo com o grupo, esse comportamento constitui uma característica valorizada pelos gestores das empresas.

A empresa “fica de olho”, nem tanto na qualificação, mas se

o funcionário está cumprindo o que foi determinado, se ele

não falta desnecessariamente, se cumpre as metas, se gosta

de cooperar e se mantém a postura profissional. Isso é mesmo

o diferencial do funcionário em caso de promoção ou em caso

de ter que escolher quem fica com a vaga. Somos vigiados o

tempo todo. (Recepcionista de hotel).

Quanto à capacitação, os participantes comentaram que foi necessária uma aprendizagem das atividades no local de trabalho, porém, não por meio de treinamento oferecido pela empresa, e sim pela orientação de colegas. Isso causa insatisfação porque gostariam de ter aprimoramento profissional contínuo para a realização de suas funções, de modo que são exigidos, mas não há contrapartida em forma de benefícios e incentivos.

A questão do relacionamento pessoal foi muito valorizada pelo grupo. Nas diferentes áreas, foram reforçadas competências como sensibilidade, responsabilidade e compromisso. As palavras que mais apareceram na fala dos participantes acerca da relação turista-cliente são: bom humor, simpatia, alegria, capacidade de transmitir segurança e confiança:

Os clientes observam isso, se é uma pessoa que tem boa

vontade, disposta e alegre, isso já significa metade da

venda. Quando é assim, dão preferência para a pessoa e não

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

217KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

optam por uma compra virtual. Eu mesma tenho vários

amigos que eram clientes e que indicam outras pessoas.

(Agente de viagem).

Se o hóspede tem claro que você se esforçou e manteve a

simpatia, tudo fica mais fácil.

Também, [para] lidar com turismo tem que ser alegre mesmo,

o ambiente é muito bom. (Recepcionista de hotel).

A hospitalidade e suas variações foram apontadas como uma maneira de potencializar o acolhimento dos clientes. A empatia, a presteza, a compreensão das necessidades e expectativas dos clientes compõem a hospitalidade, que, por sua vez, implica o encontro entre profissional e cliente, capaz de estabelecer uma relação de vínculo.

Diante disso, é necessário basear as relações com os clientes na reciprocidade, na ética e no respeito, sendo esses alguns dos principais valores que norteiam a hospitalidade como dádiva. Um dos participantes apresenta essa questão da seguinte forma:

Acho, assim, que no nosso trabalho não existe só uma forma

de atender o cliente e fidelizar, né? Apesar que escutamos

isso sempre da gerência, é até cansativo, eu sinto que algumas

orientações são dadas para ludibriar a pessoa, isso não

é certo. Penso que não é só ficar com cara boa, bajulando.

Porque eu gosto de receber bem, porque é um visitante na

cidade, esta forma vai trazer confiança na gente e também o

bem-estar para a pessoa, né? (Agente de viagem).

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

218KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

Em contrapartida, acerca dos tópicos “hospitalidade”, “postura profissional” e “gestão de sentimentos”, surgem novos posicionamentos:

É bom sim fazer parte do turismo profissionalmente, o que

não é bom é [se] sentir explorado, eu vejo muito no turismo.

Temos que atender bem, esquecer problemas em casa, dar

o melhor pela empresa, estudar, e ninguém olha o nosso

lado, nem gerente, nem prefeitura. Tem momentos que me

dá vontade de ir embora e deixar tudo pra trás, então eu

“conto até dez”, eu tento me controlar, tento pôr uma feição

leve. Tem colega e colegas, alguns só pensam em si mesmos,

em “puxar saco” pra mostrar serviço e se dar bem. Fazem

fofoca, tornam o ambiente insuportável. Tem cliente que

maltrata. É, acho que já falei muito. (Recepcionista de hotel).

Não, é bom falar mesmo, quase não temos oportunidade,

somos escravos do trabalho, dizem que nosso turno é 24

por 24. Eu concordo. No meu caso ainda levo trabalho para

casa, os problemas dos clientes, se a viagem vai dar certo,

se vai ter extravio de bagagem. Se acontecer alguma coisa,

temos que ter firmeza na resposta, falo até na tonalidade da

voz, que vamos resolver e ao mesmo tempo acalmar a pessoa

que está lá apavorada. (Agente de viagem).

No caso de nós guias, a responsabilidade é total também

porque se o percurso que escolhemos não for do agrado do

turista, ele questiona e tem uns que até brigam, xingam

mesmo. Muitas vezes, a culpa não é nossa. Um dia desses,

um casal falou bem assim: “você acha que nós somos idiotas”.

Eu na hora não entendi e perguntei por que. Ele falou: “trouxe

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

219KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

a gente em monumento fechado só pra gastar o tempo”.

Eu me segurei pra não responder. Só que ele não entende que

eu não sabia mesmo, eles fecharam o museu naquele dia e não

avisaram nada. Temos sempre que estar um passo adiante,

quase adivinhar pra não desagradar, segurar as emoções

sempre é difícil. (Guia de turismo).

Os participantes externaram suas experiências e suas percepções acerca do trabalho, vivências que puderam ser compartilhadas também com um enfoque coletivo, desvelando semelhanças e diferenças, visto que se trata de uma categoria profissional, conforme foi destacado por alguns participantes:

Ver os colegas também falando me fez relembrar do meu

trabalho, estamos no mesmo barco. Na entrevista, muita coisa

eu até esqueci de comentar com você e o questionário é mais

direto, né? Temos pouco tempo pra responder. Aqui cada um

vê o lado do outro. (Recepcionista de hotel).

Vejo que, apesar de serem cargos diferentes, nós temos muito

em comum, somos do turismo, pensei que todo mundo ia

falar do salário baixo e me surpreendeu que a maioria falou

da dificuldade de relações, o que parece comum no nosso

dia a dia, né? Ah, da falta de reconhecimento também.

(Recepcionista de hotel).

Os participantes, de modo geral, afirmaram experimentar sentimentos de impotência frente às novas relações de trabalho e destacaram que essa percepção tem origem no medo de ser demitidos, além da constante exigência para o cumprimento das metas impostas pelos gerentes. Diante das novas tecnologias,

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PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DO TURISMO ACERCA DE SUA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO

220KERLEY DOS SANTOS ALVES, JOSÉ NEWTON GARCIA ARAÚJO

os que não estão preparados terão de se ajustar ao novo perfil profissional que se exige, em especial, dos recepcionistas e agentes de viagens, isto é, o domínio de habilidades técnicas aliado ao domínio das habilidades sociais e a adaptação a um ritmo de trabalho mais intenso, que certamente levarão ao esgotamento profissional e ao desgaste mental no cumprimento das metas impostas.

Assim, conforme afirma Zarifian (2010) ao discutir a relação de serviço, o trabalhador precisa exercer seu poder de iniciativa, de “começar algo de novo”. Em especial, os agentes de viagem destacaram a importância de conseguir satisfazer o sonho dos clientes e que, para isso, cada atendimento deve ser reconhecido como um atendimento novo e que o fator humano e seus valores fazem frente às novas tecnologias:

Ainda que a atividade seja repetitiva quanto às tarefas, até

mesmo os destinos que são comercializados, já sabemos o

que devemos falar e mostrar, mas é na relação estabelecida

entre o consultor de viagem e o cliente que assumimos nosso

papel, com autonomia e clareza, sabendo que aquele cliente é

único, aquele atendimento é único. A Internet não consegue

transpor um atendimento de qualidade, que “cara a cara”

expressamos nosso comprometimento e responsabilidade.

(Recepcionista).

Os trabalhadores das Áreas Características do Turismo (ACT), nos cargos de agente de viagem e recepcionista, parecem dominar as técnicas e tecnologias, bem como os entraves atinentes à falha destas. Entretanto, ao se depararem com as variabilidades impostas pelas condições de trabalho no atendimento direto ao cliente, esses profissionais renormalizam

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com base em valores da hospitalidade, com contundente orientação para a hospitalidade “de fazer com que o turista/cliente volte”, tendo as tecnologias como suporte ao trabalho.

Ademais, ressa ltaram também que uma das principais características das relações de trabalho no setor é o que o grupo, num dado momento, denominou de “disponibilidade integral para o trabalho”, o que pressupõe a indisponibilidade para a vida familiar e social. Nesse sentido, os participantes refletiram sobre a constante tentativa de equilibrar vida pessoal e trabalho, sinalizando que esse esforço tem levado ao adoecimento, temática que foi apresentada como comum entre os participantes:

Eu amo o que eu faço, mas comecei a sentir um cansaço

maior que o habitual, ficar irritada com pouca coisa, falta

de paciência com os colegas do trabalho e em casa, muita

dor de cabeça, com desânimo para fazer as atividades

rotineiras. (Camareira).

É, hoje eu pensei aqui: “do que adianta ficar o dia todo com

sorriso no rosto, cumprindo minhas metas, sendo agradável

com gente estranha, se chego em casa e “solto os cachorros”,

não tenho paciência, estou esgotada e desconto tudo em casa?

(Recepcionista de hotel).

Isto de não ter fim de semana me deixa mal, fico na “corda

bamba” tentando “agradar gregos e troianos” (referindo-se

aos familiares e amigos e às obrigações). É claro que não

consigo. Já perdi muito, eles nem contam mais comigo.

(Camareira de hotel).

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Faz pouco tempo, descobri que estava com depressão.

(Guia de turismo).

A ref lexão se estendeu para outros aspectos do trabalho e, apesar das diferentes áreas investigadas, os participantes mencionaram aspectos em comum vividos, como fatores de pressão no trabalho e estreitamente relacionados à lógica do mercado empresarial. Estiveram em discussão sobre o adoecimento no trabalho: o conteúdo da tarefa, a importância dada ao trabalho na percepção dos trabalhadores, a possibilidade de ter liberdade para colocar algo de si no trabalho – e assim se reconhecer naquilo que faz e ter o reconhecimento dos outros –, as condições gerais de vida do trabalhador em suas relações interpessoais e sociais e o significado socialmente atribuído à função desempenhada, entre outros. Os fragmentos das falas dos participantes mostram a complexidade das interações envolvidas:

Outra coisa que me faz muito mal é a falta de autonomia,

dá impressão de falta de confiança na gente, sendo que

por várias vezes eu já demonstrei o quanto [me] dedico ao

meu trabalho, já fui trabalhar doente. Quantas vezes deixei

meus compromissos para cobrir colega que tinha faltado

ou que precisava de folga no fim de semana. Percebo que

não há reconhecimento de ninguém, é somente exigência.

Não permitem que sejamos nós mesmos, eu acho que o

trabalho sairia melhor se isso fosse levado em consideração.

(Recepcionista de hotel).

Quando você fala isso, eu me vejo, eu sinto, eu tenho

a mesma coisa, só que, além disso, tenho ficado muito

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suada, nem eu mesmo entendo, quando percebo minha

roupa está toda molhada. O desânimo está constante.

(Recepcionista de hotel).

Ah, eu não faço isso não, já fiz muito nesses anos, eu já tive

até depressão e fui buscar ajuda. Paguei psicólogo por minha

conta porque não tinha nem plano de saúde, aí me dei conta

que o trabalho é bom, mas tem coisas que precisamos ter

limite, eu mesmo passei a me valorizar mais. Hoje faço minhas

obrigações, chego no horário, mais do que isso não posso e

não quero fazer. Penso mais em mim e na minha família.

(Agente de viagem).

Acho que a correria me fez ter hábitos ruins e que prejudicam

minha saúde, como fumar, por exemplo, eu aumentei meu

vício. Lá em casa ninguém fuma, então no trabalho eu

acho companhia porque todos os meus colegas fumam e,

quando a coisa aperta, o cigarro me ajuda a desestressar.

(risos). (Governanta).

No meu caso, eu aumentei o uso de álcool e sei que a

minha alimentação é ruim. Eu nunca tive coragem de falar

com ninguém sobre isso, mas “descarrego” na bebida.

Agora estou melhor, eu tive até que ser internada numa

época aí, tenho medo de ter recaída, por isso estou evitando.

Camareira de hotel).

Acho que ninguém valoriza quem trabalha com serviços

domésticos, nem em casa, nem no trabalho, não somos vistas.

O que aparece é quando o trabalho não é bem feito, nesse

caso, somos imediatamente chamadas. (Camareira de hotel).

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Essencialmente, o trabalho desenvolvido no grupo caracterizou-se por proporcionar um espaço de escuta. Para tanto, foi estimulada a fala, por meio da qual experiências tiveram vazão, podendo, assim, ser ressignificadas. Nesse sentido, percebeu-se, na fala de muitos participantes, que o adoecimento seria consequência da postura do trabalhador. As afirmações foram expressas por um discurso que continha como cerne a responsabilização do trabalhador:

Olha, eu vou te falar, é estressante, mas eu já aprendi a lidar

com a correria. Tem funcionário que não consegue, já vi casos

aqui mesmo de depressão e também uso de álcool. Acho que

vai da pessoa, que se preocupa demais. Eu não me importo

se um está com cara boa ou se estão me olhando. Se o cliente

está xingando, dou uma certa distância e isso me protege.

Tem quem quer mostrar serviço, daí carrega o que não “dá

conta” e depois reclama de problema na coluna e não sair

para lanchar. Deu minha hora, eu vou, não fico esperando,

não. (Recepcionista de hotel).

Entretanto, novos posicionamentos foram se incorporando e as discussões possibilitaram a produção de sentido para o processo de adoecimento no trabalho, promovendo, assim, um giro no modo como alguns se posicionaram em relação à questão:

Sabemos da influência que o trabalho tem na vida das

pessoas, que pode ser estressante, mas turismo? Quem diria

que eu teria esgotamento por causa da jornada intensa

que temos? A princípio, estar em um ambiente bom com

pessoas alegres, exercitando idiomas, conhecendo novas

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culturas, trabalhando com roupa boa, maquiada, de salto,

me pareceu ser “tudo de bom”. Eu escolhi esta área e com o

tempo foi aparecendo o verdadeiro cenário em que atuamos.

É verdade, é uma atuação cotidiana sem autonomia, sem

respeito, sem valorização. Se contar, ninguém acredita.

(Recepcionista de hotel).

A implicação dos participantes acerca da relação entre trabalho e adoecimento pôde ocorrer de maneira frágil e, por vezes, com muita resistência. Também a falta de reconhecimento pelo trabalho realizado, de modo unânime, foi considerada como elemento principal que traz consequências para a saúde desses trabalhadores, diante de vários relatos de sentimentos de tristeza, cansaço, angústia, dissimulação e de alterações gastrointestinais, distúrbios emocionais, entre outras queixas que foram evidenciadas.

Portanto, nos quatro grupos focais realizados, por meio da escuta e intervenção, os trabalhadores participantes foram se reposicionando diante dos vários argumentos que surgiram, diante dos significados latentes ali presentes. As discussões dos participantes e o posicionamento das diferentes áreas destinaram-se, basicamente, a conhecer as percepções e as repercussões psíquicas relativas à relação entre trabalho e saúde, referenciadas no Quadro 1.

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Quadro 1 – Repercussões físicas e psíquicas na relação trabalho-saúde.

Recepção Agenciamento Guiamento Serviços de Camaria e Cozinha

Front office

O trabalho é fisicamente exigente, obriga a

passar muitas horas de pé e em postura

desconfortável,estática, horários de trabalho

prolongados, horas extras e realizadas também nos finais de semana;

difícil conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal, falta

reconhecimento, elevada carga de trabalho e

pressão para cumprir as metas estabelecidas pela

empresa; dificuldades nas relações devido à

competitividade.

Alto estresse porque trabalham a ritmo

elevado, com prazos muito curtos; as

tarefas são monótonas e algumas exigem pouca iniciativa;

difícil relação com colegas e chefia;

individualismo; falta de apoio; contato

contínuo com clientes pode ser uma fonte de

estresse; assédio ou violência; as pessoas nem sempre possuem a formação adequada

às tarefas que executam.

Estresse e cansaço devido à crença de que

o trabalho não exige educação formal, baixo nível de formação e de

experiência; falta de apoio, falta de reconhecimento, preconceito, incerteza.

Back office

Estresse, dor de cabeça, problemas na coluna, uso de álcool, falta de formação e de

educação; trabalho monótono, rotineiro, invisível; movimentos

repetitivos, cortes e queimaduras; alergias, quedas

devido a pisos úmidos e escorregadios, como ardósia, e

obstáculos, problemas osteomusculares,

uso generalizado de produtos de limpeza e de agentes biológicos

nos alimentos.

Fonte: Dados da pesquisa.

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Constatou-se também que o desgaste físico e mental, causado tanto pelas condições de trabalho como por sua organização, reflete-se de modo significativo na vida dos trabalhadores. Uma das consequências é a permanência ou não no emprego, bem como a influência na satisfação geral dos trabalhadores do turismo e da hospitalidade.

Considerações finais

Partindo da premissa de que as novas formas de gestão determinam, sobretudo, a intensificação do trabalho e a precarização das condições laborais, os participantes são inicialmente relutantes em, até, pensar na questão do trabalho e da saúde mental, talvez pelo fato de a integridade física ser um atributo que sempre esteve ligado a um melhor desempenho laboral e à permanência no emprego. Assim, os entrevistados denominaram de estresse os efeitos notados na saúde física e mental. Especificamente em relação à saúde mental, um fato interessante ficou evidenciado, isto é, a aceitação do termo “saúde mental” por parte dos trabalhadores do turismo e da hospitalidade. Contudo, na efetivação dos encontros, houve mais abertura por parte dos participantes, e prejuízos incisivos foram verificados em relação à saúde mental, considerando-se as formas como esse trabalho é organizado. Os participantes ressaltaram o cumprimento de metas como meio de pressão para que os funcionários se ajustem totalmente aos interesses da empresa e aos seus procedimentos.

Nesse sentido, os trabalhadores apresentam relatos de diversos colegas ou deles próprios nos quais narram situações

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de adoecimento e sofrimento físico e mental, associadas à culpabilização do próprio trabalhador e à sua situação social. Alguns dos trabalhadores das agências e dos meios de hospedagem associam diretamente o adoecimento mental ao contexto de trabalho. Já no caso daqueles trabalhadores que estão inseridos no guiamento informal, a aparente expressão de liberdade traduz-se em uma vivência de incerteza e medo diante da necessidade de afirmação da identidade pelo trabalho. O processo de precarização do trabalho, nesses ofícios, decorre da existência de sobrecarga de trabalho, de mais exigências em termos de gestão dos sentimentos no momento da efetivação das tarefas, de moldar suas emoções para lidar com clientes. Verificaram-se, como consequências, sentimentos de tristeza, desgaste, cansaço, implicando adoecimento. Para a manutenção da saúde mental desses profissionais do setor do turismo, é necessário proporcionar condições para que eles possam refletir acerca de si mesmos e de suas atuações profissionais a fim de compreender suas vivências no trabalho.

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Os sentidos do trabalho no processo de subjetivação do adolescente:

contribuições da Clínica da Atividade

João César de Freitas FonsecaSuzana da Rosa Tolfo

Mauro Lúcio Henrique de Carvalho

Adolescência e trabalho: considerações iniciais

A relevância do tema do trabalho juvenil vem sendo explicitada por diferentes autores em perspectivas variadas, como Fonseca (2003), Dayrell (2003, 2007), Minayo-Gomes e Meirelles (1997) e Corrochano (2008). De forma geral, esses autores chamam a atenção para os impactos sociais da inserção (ou não) dos jovens no mundo do trabalho e reafirmam a importância de estudar o assunto a partir de diferentes áreas do conhecimento.

Com efeito, trata-se de um tema complexo, haja vista a dificuldade de se estabelecer um conceito unívoco de adolescência, bem como de juventude. Para fins deste artigo, utilizaremos os termos concomitantemente. É de se registrar, contudo, que a delimitação entre um conceito e outro se constitui numa profícua discussão que engloba inúmeras variáveis. Nesse sentido, León (2005) esclarece que:

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OS SENTIDOS DO TRABALHO NO PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO DO ADOLESCENTE: CONTRIBUIÇÕES DA CLÍNICA DA ATIVIDADE

233JOÃO CÉSAR DE FREITAS FONSECA, SUZANA DA ROSA TOLFO, MAURO LÚCIO HENRIQUE DE CARVALHO

Disciplinarmente, tem sido atribuída à psicologia a

responsabilidade analítica da adolescência, na perspectiva

de uma análise e delimitação partindo do sujeito particular

e seus processos e transformações como sujeito; deixando

a outras disciplinas das ciências sociais — e também das

humanidades — a categoria de juventude, em especial

à sociologia, antropologia cultural e social, história,

educação, estudos culturais, comunicação, entre outras

(LEÓN, 2005, p. 11).

O referido autor afirma que ambos os conceitos correspondem a uma construção social, histórica, cultural e relacional, que veio adquirindo diferentes significados ao longo do tempo e dos processos sociais. Convencionalmente, no Brasil, há delimitações etárias: o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) considera como criança “a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 1990); enquanto que para o Estatuto da Juventude, “são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade” (BRASIL, 2013). Todavia, conforme aponta Guimarães (2005, p. 5), para uma compreensão mais refinada da relação entre idade social e idade biológica, faz-se necessário entender os cortes etários ou geracionais “como resultados, e não pressupostos, de leis específicas de envelhecimento[...]”. Em sentido convergente, León (2005) defende que a idade é apenas um referente demográfico e não pode ser tratada como um critério universal válido para todos os setores e épocas. Segundo ele, “um jovem de uma zona rural não tem a mesma significação etária que um jovem da cidade, como tampouco os de setores

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234JOÃO CÉSAR DE FREITAS FONSECA, SUZANA DA ROSA TOLFO, MAURO LÚCIO HENRIQUE DE CARVALHO

marginalizados e as classes de altos ingressos econômicos” (LEÓN, 2005, p. 13).

Visto desse modo, os conceitos de adolescência e de juventude são permeados por dissensões e por vezes se sobrepõem. Historicamente, a adolescência tem sido objeto de estudo da Psicologia, sendo que, grande parte da bibliografia existente, corresponde a estudos embasados pela literatura psicanalítica, vários deles remetendo de algum modo à resolução do conflito edipiano, como a questão básica do processo adolescente (FONSECA, 2003; MOREIRA, ROSÁRIO; SANTOS, 2011).

Em que pesem os significativos avanços e a extrema importância da produção existente, Fonseca (2003) postula que o conceito de adolescência ainda está associado a uma construção do saber oriunda de um modelo médico-clínico, individualista e de pouca preocupação social. Por seu turno, os estudos da Psicologia sobre o adolescente têm privilegiado as relações com o corpo, com a família, com os pares, com sua própria imagem e com a escola, mas, de um modo geral, não têm se aprofundado nas investigações sobre a interação desse jovem com o sistema produtivo.

Fato é que tal interação é permeada por diversos sentidos e significados, que vão desde argumentos de ordem ideológica (a concepção do trabalho como elemento moralizador e reforçador da ordem disciplinar), de cunho instrumental (relativo a emprego e economia), até elementos de natureza previdenciária (trabalhar cedo implica aposentar-se cedo), passando por proposições de cunho pedagógico (trabalhar é uma forma de aprendizado). Guimarães (2005) faz uma análise

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da pesquisa Perfil da Juventude Brasileira1 e identifica aspectos intrigantes que tornam mais complexa a maneira pela qual o trabalho é dotado de sentido pelos jovens num determinado contexto social.

A autora identifica que, numa hierarquia de valores, os jovens concebem o trabalho num posto secundário. No entanto, o trabalho torna-se central quando os entrevistados são interpelados sobre suas preocupações e seus interesses. Dessa feita, a autora assevera que a centralidade do trabalho para os jovens não advém necessariamente do seu significado ético, mas é resultado de uma demanda a satisfazer, de um problema a ser resolvido. Em suma, os resultados indicam que os jovens concebem o trabalho como um valor (ainda que secundário), uma necessidade (o desemprego é motivo de grande preocupação), bem como um direito (condição de cidadania). Nesse contexto, a compreensão das relações entre juventude e trabalho implica considerar uma gama de atravessamentos, tais como classe social, etnia, cultura, gênero, escolaridade, entre outros.

Diante desse cenário de inúmeros significantes, a discussão precípua gira em torno da inserção desses adolescentes no mercado de trabalho. Conforme sinaliza Silva (2013), atualmente, a inclusão social é um dos grandes desafios do nosso país. As desigualdades sociais impactam de diferentes formas no acesso aos bens materiais, à escola, à cultura e à saúde. Em vista disso, o trabalho precoce desempenhado por

1 Seg undo a autora, a refer ida pesquisa foi “real izada em novembro-dezembro de 2003. Nela, o trabalho aparece como uma referência central entre as opiniões, atitudes, expectativas e relatos de experiências colhidos de 3.501 entrevistados, com idades variando entre 15 e 24 anos, distribuídos em 198 municípios, e que constituíram uma amostra representativa da juventude brasileira. (Guimarães, 2005, p. 10).

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crianças e adolescentes é uma realidade cada vez mais presente e divide opiniões. De um lado, constata-se a premente necessidade de erradicação do trabalho infantil que explora e priva crianças de acesso à educação. Por outro lado, observa-se, por parte de alguns segmentos da sociedade brasileira, uma concepção desse trabalho como algo “natural” e imprescindível para as famílias de camadas populares. Todos esses elementos apontam-nos para a necessidade de políticas públicas que contemplem a dimensão interdisciplinar do fenômeno, abrangendo aspectos psicológicos, econômicos e culturais de modo a incluir adolescentes no mercado de trabalho de uma forma segura.

Atualmente, a legislação brasileira autoriza o trabalho de adolescentes de 16 ou 17 anos de idade, desde que não seja em trabalhos prejudiciais à saúde, à segurança e à moralidade. No caso dos adolescentes de 14 ou 15 anos de idade, o trabalho só é autorizado na condição de aprendiz. Apesar disso, Fonseca (2003) ressalta que a entrada dos adolescentes no mundo do trabalho nem sempre acontece por vias institucionais. Segundo o autor, “vários deles iniciam sua formação profissional já durante a infância, no chamado trabalho informal, que não se encontra submetido a qualquer parâmetro jurídico” (FONSECA, 2003, p. 66). As próprias investigações governamentais referendam essa visão, visto que dados do IBGE (2006) apontam que 1,4 milhões de crianças de 5 a 13 anos trabalhavam em 2006, sendo a maioria em atividades agrícolas e não remuneradas. Os dados atualizados (IBGE, 2015) a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2013 – demonstram que em pouco menos de uma década houve um significativo decréscimo em relação ao trabalho infantil. Em 2013, havia 3,2 milhões de trabalhadores de 5 a 17 anos de idade no Brasil, sendo que 15,9% (506,4 mil) encontravam-se em situação de

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trabalho infantil (crianças de 5 a 13 anos de idade). Apesar da significativa retração na quantidade de crianças trabalhando, tal constatação carece de maiores investigações e não indica necessariamente uma melhora, haja vista que algumas dessas crianças podem estar seguindo por outros caminhos em vez da escola. Com efeito, o número de adolescentes trabalhadores indicados na pesquisa é expressivo, sendo a maioria formada por aqueles com idade entre 14 e 17 anos (2,7 milhões).

A regulamentação jurídica do trabalho juvenil enfocando caráter de aprendizagem tem origem no Decreto nº 13.064, de 12 de junho de 1918, que aprovava naquela época o Regulamento da então Escola de Aprendizes Artífices, assinado pelo hoje extinto Ministério dos Negócios de Agricultura, Indústria e Comércio. Para alguns autores, essa tentativa de regulamentação encontra suas matrizes nos esforços iniciados na Inglaterra, já no final do século XIX. Huberman (1986, p. 117) registra os esforços de uma comissão do parlamento inglês, a qual em 1816 já registrava a carga-horária diária exorbitante de trabalhadores da indústria fabril pertencentes a idades entre 7 e 21 anos, os quais eram considerados aprendizes, sendo submetidos às mesmas condições adversas de trabalho que os adultos – e ainda com vencimentos menores.

Em 1946, foi a vez da normatização da aprendizagem no comércio, através do Decreto-lei nº 8.622, datado de 10 de janeiro daquele ano. Novamente, reapresenta-se a ideia da submissão dos processos de formação à lógica da acumulação do capital, com a implantação do Sistema S, cujo ideário de preparação de “mão de obra” para o trabalho permanece até os dias atuais, inclusive com financiamento público.

Posteriormente, nas décadas de 1980 e 90, fica mais evidente o aumento da preocupação com o tema,

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sob as tentativas de regulamentação feitas na Constituição Federal de 1988, principalmente com a publicação da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA), em que o direito da Criança e do Adolescente à profissionalização e à proteção no trabalho mereceu todo um capítulo (FONSECA, 2003, p. 27). Assim, [...] “as jornadas de trabalho devem guiar-se por esses princípios. O direito à profissionalização não pode ser interpretado isoladamente dos demais direitos. Sua formação profissional deve assegurar-lhes tempo e condições para outras atividades que também são de igual importância”, conforme Rocha e Freitas (2004, p. 2). Dessa forma, nota-se, ao longo da história, principalmente após a implantação do ECA e da Lei 10.097 de 19 de dezembro de 2000, que o trabalho juvenil passou juridicamente a enfatizar uma dimensão subjetiva sobre o valor do trabalho na vida humana, considerando as representações sociais que este traz, não só para adultos mas também para os jovens. Assim, as condições e a carga-horária de trabalho se adequariam às necessidades e limitações do jovem trabalhador que passa a ser considerado pela lei e instituições profissionalizantes como Jovem Aprendiz.

Em termos jurídicos, percebe-se que o Jovem trabalhador atualmente estaria, pelo menos em princípio, resguardado pelo ECA e por políticas de fiscalização ao cumprimento das leis que o protegem e asseguram. No entanto, deve atentar-se para o fato de que essas políticas ainda são deficitárias no que diz respeito à fiscalização, pois, muitas vezes, encontram-se instituições profissionalizantes empenhadas em inserir o jovem no mercado de trabalho, mas também nota-se, segundo alguns autores (FONSECA, 2003), o fato de que poucas fazem acompanhamento pós-inserção, que possibilitaria ao jovem o apoio necessário para desenvolvê-lo em suas atividades

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OS SENTIDOS DO TRABALHO NO PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO DO ADOLESCENTE: CONTRIBUIÇÕES DA CLÍNICA DA ATIVIDADE

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cotidianas no contexto profissional. Tal conjuntura instiga-nos a pensar: como os adolescentes inseridos em programas de profissionalização concebem a atividade promulgada como trabalho educativo? Quais significados atribuem à essa prática? Decerto, seria razoável buscar proporcionar subsídios para que o jovem possa se profissionalizar adequadamente de acordo com os parâmetros da lei, sem ter negado o direito de acesso a outras formas de socialização que não sejam aquelas definidas pela produtividade.

Adota-se, portanto, neste artigo, a compreensão de que é de extrema importância o cumprimento das condições exigidas às instituições profissionalizantes que visam inserir os jovens em diversos contextos de trabalho na condição do chamado trabalho educativo, principalmente quando se considera o fato de que as instituições que recebem esses jovens trabalhadores são espaços de produção do conhecimento, voltados para a formação de sujeitos humanos a partir de práticas educacionais formalizadas e sancionadas pela sociedade. Nesse sentido, este artigo pretende sugerir possíveis contribuições para a compreensão da complexa relação entre adolescência e trabalho. Para tanto, referenciamo-nos na concepção sócio-histórica de Leontiev e nos pressupostos teóricos e metodológicos da Clínica da Atividade.

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OS SENTIDOS DO TRABALHO NO PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO DO ADOLESCENTE: CONTRIBUIÇÕES DA CLÍNICA DA ATIVIDADE

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Sentidos e significados do trabalho

Os estudos sobre trabalho indicam a existência de um fenômeno polissêmico, amplo e complexo (TOLFO, 2015) que envolve tipos diversos de relações entre o homem e as atividades das quais ele se apropria. O estudo do trabalho implica lançar mão de diferentes ciências e campos do conhecimento, sob diferentes bases epistemológicas.

Na sociedade capitalista contemporânea, o trabalho é, predominantemente, associado a valores positivos na vida cotidiana, em decorrência da valorização da ética do trabalho inf luenciada pelo ethos da doutrina protestante, conforme articulado por Max Weber (BLANCH, 2003; BORGES; YAMAMOTO, 2004). Apesar disso, coexistem diferentes ethos relativos a trabalho e que permitem sistematizar os principais significados referentes a ele. No século XXI, é possível identificar cinco concepções ou ethos principais: a) a moral-disciplinar, relativa aos deveres e prescrições associadas ao trabalho; b) a romântico-expressiva, como manifestação de expressividade, de possibilidade de concretizar a essência humana por meio da obra; c) a instrumental, relativa a emprego e a preceitos predominantemente econômicos e de eficiência; d) a consumista, por conferir status social e acesso a bens de consumo que se constituam objetos de prazer e de satisfação; e) a gerencial, como propiciadora de carreira, empreendedorismo e marca própria (BENDASSOLLI, 2009).

Os estudos sobre os significados e os sentidos do trabalho também remetem a diversas abordagens, especia lmente na psicologia , c iência na qual se desenvolveram múltiplas perspectivas de interpretação (TOLFO, 2015; TOLFO et al., 2011) e na qual se encontram

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a maioria dos trabalhos sobre o tema. Identificam-se quatro matrizes teóricas principais na psicologia, elegendo seus respectivos autores: 1) os sentidos na vida cotidiana (BERGER; LUCKMANN, 2004; SPINK; MEDRADO, 2004); 2) os significados em um contexto geral (VIGOTSKI, 1993; LEONTIEV, 1978); 3) os sentidos do trabalho (MORIN, 2002; DEJOURS, 1987) e; 4) os significados do trabalho (MOW, 1987; BORGES, 1998). Também é possível sistematizar as principais perspectivas sobre o tema a partir das diferentes correntes epistemológicas que dão suporte aos estudos, com os mesmos autores, quais sejam: 1) sócio-histórica ou histórico-crítica (ou ainda histórico-cultural), ancoradas em Alexei N. Leontiev e Lev Vygotsky; 2) cognitivista, representada pelo Meaning of Work International Research Team (MOW) e a autora brasileira Lívia Borges; 3) humanista-fenomenológica ou existencialista, com a pesquisadora Estelle Morin ; 4) construcionista, com os estudos de Peter L. Berger, Thomas Luckman e Mary Jane Spink e colaboradores; 5) psicodinâmica do trabalho, com as contribuições de Christophe Dejours (SCWEITZER et al., 2016). Para este estudo, será privilegiada a perspectiva sócio-histórica.

Na abordagem sócio-histórica, a subjetividade é constituída por meio das experiências e relações sociais, em especial, pelo trabalho (VIGOTSKI, 1993). Leontiev (1978) aborda a atividade humana para embasar suas afirmações sobre significados. A atividade corresponde a um conjunto de ações e o motivo de uma ação compreendida isoladamente não coincide com o fim ou com o resultado imediato de cada uma das ações que constituem a atividade. Cabe salientar que cada ação pode não justificar o motivo da atividade, entretanto, o conjunto delas precisa justificar e manter a coerência com esse motivo (PEREIRA, 2014). Nessa direção, o significado das

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ações dos indivíduos que estão envolvidos em uma atividade é apropriado por estes, que fornecem sentidos à atividade e que correspondem ao mesmo tempo ao seu significado. Para o mesmo autor, nas sociedades primitivas não havia divisão social e relações de exploração e, assim, significado e sentido eram correspondentes. Com a divisão social do trabalho e a divisão da sociedade de classes no capitalismo, o sentido não corresponde mais ao significado e as ações tornam-se alienadas.

Vigotski (1991) apropria-se das elaborações de Leontiev para identificar a ação mediada como central para a compreensão do sujeito na Psicologia e estritamente relacionada ao conceito de trabalho humano. A atividade humana também produz a cultura e nesse processo traz implicações tanto objetivas quanto subjetivas para o ser humano (BORGES; YAMAMOTO, 2004). Se a atividade/trabalho humaniza, pois constitui o ser humano, o trabalho é relevante e central para o sujeito significar o mundo. Para Vigotski (1996), os signos, como instrumentos simbólicos desenvolvidos pela espécie humana na relação de mediação entre homem e realidade, são fundamentais para a subjetivação. O significado é próprio do signo e o sentido é produto e resultado do significado. Todavia, o sentido não é fixado pelo signo e é mais amplo do que o significado (VIGOTSKI, 1993). O significado constitui o processo no qual o homem transforma a natureza e a si mesmo na atividade; portanto, toda atividade humana é significada (VIGOTSKI, 2001). Os significados permitem a comunicação e a socialização de nossas experiências;são conteúdos mais estáveis, compartilhados, apropriados pelos sujeitos, configurados por meio de suas próprias subjetividades. Significados são o ponto de partida para a compreensão do sujeito – a partir

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deles, pode-se caminhar para as zonas mais instáveis, fluidas e profundas, as zonas de sentido (AGUIAR; OZELLA, 2006).

O sentido predomina sobre o significado, como um todo complexo com diversas zonas de estabilidade desiguais. A categoria sentido é mais ampla por abranger a expressão dialética tanto do que é singular quanto do que é coletivo (VIGOTSKI, 2001). Sentido refere-se à singularidade historicamente construída e, assim, é muito mais complexo do que o significado. Os sentidos comportam as incoerências, como expressões parciais do sujeito, e são indicadores das suas formas de ser (AGUIAR; OZELLA, 2006).

Em conjunto com Leontiev (1978), Basso (1998) afirma que o homem, em sua experiência social, elabora formas de executar uma atividade, de entender sua realidade, de comunicar e de expressar sentimentos por meio dos modos de agir, pensar, falar e sentir que se transformam nas relações sociais. O significado é a generalização e a fixação da prática social humana mediada por instrumentos, linguagem, relações sociais e outros meios de objetivação (PEREIRA, 2014). Para Leontiev (1978), o sujeito encontra um amplo sistema de significações elaborado historicamente e disponível, pois o significado está posto na e pela sociedade.

Os termos sentidos e significados do trabalho muitas vezes também são utilizados como sinônimos ou de forma discricionária (TOLFO, 2015, 2011), mas se afirma a interdependência entre ambos, de forma que os significados são construtos construídos coletivamente em um determinado contexto histórico, econômico e social, e os sentidos são concebidos como uma produção pessoal em função da apreensão individual dos significados coletivos, a partir de experiências concretas (TOLFO; PICCININI, 2007).Observa-se que, embora

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alguns teóricos utilizem diferentes termos, muitas vezes, adotam as mesmas categorias de análise (TOLFO et al., 2011).

A clínica da atividade: breve histórico e noções conceituais

A clínica da atividade desenvolveu-se na França, a partir de 1990, tendo como seus principais propositores Daniel Faïta e Yves Clot, sendo este último a principal referência na abordagem. Seus pressupostos teórico-metodológicos concebem a atividade como categoria central no desenvolvimento dos trabalhadores, convocando os pesquisadores a irem a campo com o propósito de “recuperar as controvérsias sobre a atividade e estimular sua apropriação pelos sujeitos”, conforme Bendassolli e Soboll (2011, p. 11).

Sob a égide da centralidade do trabalho, Clot (2010) postula que o trabalho se caracteriza como uma atividade distinta de todas as outras e que “preenche uma função psicológica específica, que consiste em desprender o sujeito de suas ‘pré-ocupações’ pessoais, levando-o a se implicar com encargos, tarefas e responsabilidades sociais, sempre relacionando-se com o outro” (CLOT apud VIERA, 2014, p. 245). Em suma, a referida abordagem “considera o trabalho como uma atividade permanente de recriação de novas formas de viver, e não apenas como tarefa, mas como atividade dirigida, histórica e processual” (BENDASSOLLI; SOBOLL, 2011, p. 10). Posto isso, passaremos a elencar alguns de seus principais conceitos.

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Conceito de atividade

Clot (2010) afirma que os estudos da ergonomia francesa contribuíram para o desenvolvimento da psicologia do trabalho ao identificar certo distanciamento entre tarefa prescrita (aquilo que deve ser feito) e atividade real (a tarefa realizada). Entretanto, a clínica da atividade vai além dessa constatação, ao propor o conceito de real da atividade, a saber:

[...] o real da atividade é, igualmente, o que não se faz, o que

se tenta fazer sem ser bem-sucedido - o drama dos fracassos

- o que se desejaria ou poderia ter feito e o que se pensa ser

capaz de fazer noutro lugar. E convém acrescentar - paradoxo

frequente - o que se faz para evitar fazer o que deve ser feito;

o que deve ser refeito, assim como o que se tinha feito a

contragosto (CLOT, 2010, p. 103).

Sob essa ótica, a compreensão da atividade passa a abranger uma complexa e dinâmica gama de atividades impedidas, ocultas, desejadas e até mesmo contrariadas, que, embora não se concretizem, exercem significativa influência sobre a atividade realizada. Essa concepção conflui com a psicologia sócio-histórica ao defender que “o homem está pleno, em cada minuto, de possibilidades não realizadas. Desse modo o comportamento é sempre o sistema de reações vencedoras” (VIGOTSKI apud CLOT, 2010, p. 103). Decerto, a atividade é inseparável do sujeito e diz respeito à efetivação ou à amputação do seu poder de agir, conceito que será apresentado a seguir.

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Conceito de poder de agir

Um dos focos da clínica da atividade é o poder de agir dos sujeitos, seja individual, seja coletivamente. Na perspectiva de Clot, o referido conceito corresponde à “ampliação da capacidade de superação das tensões, ambiguidades, impedimentos e provas das situações reais de trabalho” (CLOT apud BENDASSOLLI, 2011, p. 87). Para o autor, o poder de agir encontra-se circunscrito na atividade e diz respeito ao raio de ação efetivo do sujeito bem como a seu poder de recriação, que pode levá-lo ao desenvolvimento. Quando esse é tolhido, o trabalhador se vê diante de uma situação patogênica. Nessa lógica, “a amputação da atividade e a consequente sensação de fracasso podem conduzi-lo [o trabalhador] a uma crise subjetiva, na qual os processos defensivos se tornem cada vez mais presentes” (VIEIRA, 2014, p. 235).

A forma como o trabalho é organizado, por vezes, pode impedir que o trabalhador realize sua atividade de um modo produtivo e transformador, corroborando a perspectiva de que “é o trabalho que ‘sofre’ e precisa ser cuidado” (FERNANDEZ apud BENDASSOLLI, 2011, p. 88). Destarte, nos contextos de trabalho, a clínica da atividade propõe a criação de condições para que os sujeitos se apropriem de sua atividade, refletindo sobre ela e, por conseguinte, potencializando sua ação. Do contrário, o sujeito, impedido de agir e recriar, encontra-se inclinado ao adoecimento. Acerca disso, Clot (2010) aponta para uma questão importante: a saúde é conquistada quando o sujeito é capaz de agir sobre si e sobre sua atividade, seja individualmente, seja por ações coletivas. Esse caráter coletivo que perpassa a atividade e o poder de agir dos sujeitos também é objeto de estudo da clínica da atividade,

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a qual propõe o conceito de gênero profissional, que será abordado na sequência.

Estilo e gênero profissional

Na perspectiva da referida abordagem, a atividade é sempre endereçada e perpassada por ressonâncias da atividade de outrem. Essa ação de complementaridade entre a atividade individual e os coletivos de trabalho regula o que o trabalhador pode ou não fazer. Segundo Vieira (2014), para abordar essa dimensão, Clot resgatou a noção de “gênero” utilizada pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin para explicar que as relações entre o sujeito e a língua não são diretas, visto que os gêneros de discurso disponíveis determinam o funcionamento de tais relações.

Nesse sentido, pode-se afirmar que o gênero da atividade “é um sistema de instrumentos, coletivamente construído e que se encontra no interior da atividade individual. É uma gama de atividades encorajadas, proibidas ou interditas. Um repertório disponível que pré-organiza a atividade” (LIMA, 2007, p. 100). De acordo com a autora, o gênero encontra-se implícito na atividade; trata-se de algo subentendido, com traços e pontos de vista em comum, que delimitam suas possibilidades e fazem intermédio entre os indivíduos e seus objetos de trabalho. De fato, “o gênero de um meio conserva uma função psicológica para cada trabalhador na medida em que ele serve para agir, defender-se ou tirar o melhor partido da situação de trabalho”, como salienta Clot (2010, p. 90). Imbricado ao conceito de poder de agir, o gênero profissional é o potencializador e legitimador

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da atividade individual. Clot (2010) ressalta que quando o gênero se encontra enfraquecido, os trabalhadores deixam de se reconhecer naquilo que fazem e passam a agir de forma isolada e independente do coletivo, sendo esse o nível mais baixo de poder de agir no trabalho.

A inf luência do gênero sobre a atividade não se limita à tarefa realizada, mas também abrange as formas de se comunicar, sobretudo, de se sentir como membro de um coletivo. Além disso, a caracterização de um gênero demanda que tais maneiras de fazer sejam compartilhadas em determinado meio, por algum tempo, de forma estável. Vale ressaltar que essa estabilidade é sempre transitória. Os gêneros apresentam-se em constantes mutações e isso se dá em virtude do estilo desenvolvido pelos trabalhadores. O estilo (que é marca pessoal que todo trabalhador coloca na sua obra) torna-se, então, a emancipação do trabalhador frente às restrições do gênero, de modo a transformá-lo. Em outras palavras, o estilo “é o movimento mediante o qual o sujeito se liberta do curso das atividades esperadas, não as negando, mas através do desenvolvimento delas” (CLOT, 2006a, p. 50). Nesse sentido, o gênero que já não mais se apresenta como um recurso para a ação tende a ser renovado graças às recriações estilísticas.

Catacreses

Segundo Clot (2010), a catacrese consiste na atribuição de novas funções às ferramentas de trabalho, no uso inventivo e deslocado de um dispositivo, ou seja, é o “desenvolvimento de

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uma atividade que aparentemente não teria relação nenhuma com o trabalho propriamente dito, desempenhando, no entanto, uma função importante para que a atividade real aconteça de forma apropriada” (ARAÚJO; PIZZI, 2011, p. 23-24).

Instrução ao sósia (metodologia)

Um dos métodos utilizados na clínica da atividade e adotado neste estudo foi a Instrução ao sósia, pensada como instrumento para se buscar conhecer o desenvolvimento da atividade. Esse método é originário dos trabalhos desenvolvidos por Ivar Oddone, nas décadas de 1960 e 70, junto aos trabalhadores na Itália. Na definição de Vasconcelos e Lacomblez (2005, p. 41), a instrução ao sósia pode ser descrita como um método que consiste em:

[...] pedir a cada sujeito que desse instruções a um eu-auxiliar,

a um sósia original [...] nos seguintes termos: “Se existisse

uma outra pessoa perfeitamente idêntica a ti próprio

do ponto de vista físico, como é que tu lhe dirias para se

comportar na fábrica, em relação à sua tarefa, aos seus

colegas de trabalho, à hierarquia e à organização sindical

(ou a outras organizações de trabalhadores) de forma a que

ninguém se apercebesse que se tratava de outro que não tu?”

(VASCONCELOS; LACOMBLEZ, 2005, p. 41).

Segundo Clot (2010), a técnica Instrução ao sósia reclama um acesso, não apenas ao vivido (atividade real), mas àquilo

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que não foi e não será jamais vivido (real da atividade) pelo sujeito. Com isso, permite que o gênero profissional se torne visível e passível a ser discutido coletivamente, na medida em que faz revivê-lo de modo pessoal. De modo geral, a clínica da atividade – e, em foco, o método da Instrução ao sósia – tem como pressuposto, com base na dimensão subjetiva da atividade, criar condições de laboratório em uma situação real, ou seja, provocar debates para que o próprio sujeito possa interpretar a sua forma de trabalhar e, assim, possibilitar o desenvolvimento de sua atividade.

No caso dos jovens trabalhadores que participaram deste estudo, o questionamento apresentado a eles foi: “Que instruções você daria para uma pessoa idêntica a você (um sósia) que viesse trabalhar amanhã em seu lugar, de forma que ninguém percebesse a diferença?”. Esse questionamento era sempre inserido nas rodas de conversa realizadas entre as visitas guiadas, conforme será descrito logo adiante.

Resultados

Reitera-se que os resultados apresentados e discutidos neste artigo dizem respeito a uma experiência desenvolvida a partir de um projeto de extensão voltado para adolescentes trabalhadores, no período de 2011 a 2013, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A iniciativa foi denominada de Programa de Proteção e Orientação ao Trabalhador

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Adolescente – PORTA, aproveitando denominação de uma ação instituída desde 20042.

No referido projeto, 25 jovens entre 16 e 18 anos, atuantes na Escola de Engenharia da UFMG, foram divididos em cinco subgrupos, cada um sendo acompanhado por alunos do Curso de Psicologia da PUC Minas e supervisionado por um professor do mesmo Curso. A metodologia da atividade constituía-se de:

I. Visitas guiadas a espaços de produção cultural vinculados à própria UFMG, como museus (Espaço do Conhecimento), Museu de Ciências Morfológicas/ICB), parques (Estação Ecológica), feiras de ciências (UFMG Jovem), laboratórios (Engenharia Aeroespacial), entre outros.

II. Visitas guiadas a espaços de produção cultural externos à UFMG, como Palácio das Artes, Instituto Inhotim, Museu de Artes e Ofícios e Gruta Rei do Mato, entre outros.

III. Rodas de conversa, dinâmicas e debates intercalados com as visitas guiadas, em que se discutiam as atividades realizadas, bem como a apropriação efetivada pelos jovens das experiências vividas, especialmente em sua dimensão formativa e relacionada (ou não) às suas concepções de trabalho.

2 A rigor, o Programa PORTA constitui um subprograma inserido em um escopo mais amplo, denominado Programa Ação Jovem, que se efetiva por meio de Convênio firmado entre a Cruz Vermelha Brasileira/Minas Gerais (CVB/MG) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desde 1974. Entretanto, para atender os limites impostos para apresentação deste artigo, concentraremos as análises no Programa PORTA, indicando aos interessados leituras adicionais (FONSECA, 2003; SILVA, 2013; MENDES, 2013).

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As falas, os depoimentos e as observações apresentados neste artigo são em grande parte resultado desse projeto, que foi interrompido em 2013 por falta de recursos. O aproveitamento do material obtido nas ricas interações entre alunos, professores, jovens trabalhadores e seus familiares constitui uma nítida tendência da pesquisa científica brasileira atual, no sentido de buscar uma aproximação maior com as práticas extensionistas e promover um diálogo mais fecundo entre pesquisa e extensão.

O objetivo principal da iniciativa era o de promover o acesso dos adolescentes aos bens culturais produzidos no espaço acadêmico, considerando o processo de inclusão precário experimentado pelos jovens em sua experiência de trabalho, conforme relatado por Fonseca (2003) e Silva (2013), entre outros autores. Tais pesquisas apontam as contradições no discurso de inclusão social pelo trabalho desse tipo de programa de profissionalização. Isso porque, em um primeiro momento, é anunciada (e até mesmo efetivada) a inclusão dos jovens oriundos das camadas populares ao conjunto de trabalhadores da universidade, conferindo, portanto, acesso a espaços e a situações de um tipo específico de qualificação profissional, de caráter mais funcionalista e pragmático.

Entretanto, com reduzida carga-horária de treinamento formal, é possível identificar um processo de treinamento on the job, realizado a partir da própria situação de trabalho e limitado aos objetivos da produção.

Ao mesmo tempo, de forma simultânea e contraditória, esses jovens experimentam também a impossibilidade de acesso a experiências que caracterizariam outra lógica de formação, mais ampla, mais crítica, mais emancipadora. O trabalho educativo, anunciado na Lei 8.069/1990 (ECA) como a

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“atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo”, – e que carrega um potencial realmente inclusivo – acaba por não se efetivar na prática, pois os itinerários formativos encontram-se dirigidos à lógica da produção institucional ou à premissa do assistencialismo, sendo que nem uma nem outra podem ser consideradas realmente transformadoras da realidade social na qual esses adolescentes estão inseridos.

Os constrangimentos para que se efetive essa inclusão real começam na definição da própria condição de trabalho: uma jornada de oito horas diárias, com intervalo de pelo menos uma hora para almoço. Somada às quatro horas de turno escolar, mais uma média de pelo menos três horas para deslocamento diário entre residência, trabalho e escola, temos o total de 16 horas ocupadas com aquelas atividades essencialmente constitutivas que permitem a esse jovem se manter como vinculado ao programa. Nesses termos, o tempo (ou antes, a falta dele) apresenta-se como impeditivo para acesso regular a cursos, palestras, shows, filmes, práticas de esporte e lazer que são oferecidas em profusão no espaço acadêmico.

O resultado das ações desenvolvidas no escopo desse projeto foi reunido sob a forma de relatórios elaborados por cada um dos cinco subgrupos, os quais foram posteriormente analisados por um Grupo de Estudos sobre Clínica da Atividade a fim de identificar possíveis contribuições que a abordagem poderia oferecer ao estudo dessa temática. Percebeu-se que o material produzido permitia a análise sob duas perspectivas teórico-metodológicas consideradas complementares: a primeira parte das noções de sentido e significado do trabalho, embasadas na Psicologia Sócio-Histórica de Vygotsky

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e Leontiev; já a segunda recorre aos pressupostos da Clínica da Atividade formulada por Yves Clot e outros autores, ampliando o universo de possibilidades para compreensão do assunto.

Sentidos e significados do trabalho

Corroborando as afirmativas de Leontiev, citado por Tolfo (2015, p. 621), observa-se uma compreensão do conceito de trabalho a partir do que parece ser uma “cristalização de experiências, uma generalização de práticas sociais que correspondem às representações e conhecimentos em dada época e sociedade”. Quando questionados sobre os motivos pelos quais buscaram participar do programa de profissionalização, os adolescentes recuperam três núcleos centrais da argumentação: a ajuda ao núcleo familiar, a ampliação de possibilidades de consumo e a expectativa de aumento da empregabilidade, conforme relatos que seguem:

Eu quis trabalhar com 16 anos porque eu estava na busca do

meu primeiro emprego, pra poder ajudar em casa e comprar

minhas coisas (Jovem A1).

Passei a querer trabalhar ao ver meus pais passar por más

condições financeiras, pois eu queria poder ajuda-los e

também ter meu dinheiro próprio para poder comprar

minhas roupas, bonés, tênis, etc. (Jovem A 3).

Desde nova sempre trabalhei mas não com carteira assinada,

então um amigo meu me indicou vários sites onde menores

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trabalhadores possam se inscrever. Então me inscrevi,

fiquei muito feliz quando fui chamada para a UFMG, pois

esse lugar é uma ótima oportunidade para o futuro..

É sempre bom ser independente, responsável, saber o que

quer para o futuro ( Jovem A2).

Evidentemente, encontram-se imbricadas nessas falas algumas concepções que, embora distintas, são comumente sobrepostas pelo senso comum. Uma delas é a confusão entre trabalho e emprego, que se evidencia desde as expectativas de inserção do jovem no programa até seu desligamento, atravessando o seu desenvolvimento ao longo dos anos. Autores como Jahoda e Blanch (apud BORGES, 2004; BENDASSOLLI, 2009) lembram que “o emprego é a forma específica de trabalho econômico (que pressupõe a remuneração) regulado por um acordo contratual (de caráter jurídico)”. Já o trabalho implica uma relação-ação essencial para estabelecer a relação entre homem, sociedade e natureza, não sendo um objeto natural (ANTUNES, 1997). Verifica-se a predominância do ethos instrumental sobre o trabalho (BENDASSOLLI, 2009) e tal resultado leva ao questionamento sobre a elaboração de significados do trabalho distanciados da atividade em si que tendem a alienar, conforme Leontiev (1978).

Outra articulação conceitual passível de ser identificada nas falas dos jovens trabalhadores, quando já inseridos em seus postos de atuação, é a que envolve trabalho e atividade. Para Athayde e Resende (2015, p. 103-104), atividade é “tudo o que o trabalhador faz para dar conta de uma tarefa previamente definida, incluindo todas as contradições e conflitos que emergem em sua realização”.

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Todas essas concepções estão fortemente atreladas à perspectiva de mudança, de transformação, que a própria ideia de adolescência carrega a priori. Por conseguinte, pode-se dizer que os sentidos e significados atribuídos ao trabalho expressam a expectativa dos jovens – e certamente não somente deles – de que a experiência profissional seja um marco no seu processo de subjetivação. Ou seja: uma vez que o adolescente com certeza irá mudar, que essa mudança se dê numa direção valorizada pelo grupo social de origem. Nesse sentido, o nome dado ao Programa é bastante pertinente: PORTA.

O distanciamento entre o trabalho prescrito e o trabalho real

Fonseca (2003) demonstra parte do inelutável distanciamento entre o trabalho prescrito e o trabalho real vivenciado pelos adolescentes trabalhadores. Um dos elementos que mais evidencia o quanto a prescrição é insuficiente para compreender essa situação de trabalho pode ser encontrado na variedade de cargos ocupados pelos jovens trabalhadores ao longo da existência do Convênio entre a Cruz Vermelha Brasileira e a UFMG.

Ao longo dos mais de quarenta anos de existência do Convênio, os jovens já foram contratados para atuar em diferentes cargos como: auxiliar de serviços gerais, contínuo, office-boy e, finalmente, mensageiro interno. Evidentemente, essa multiplicidade de cargos sinaliza uma variedade de orientações prescritivas e, consequentemente, de normas antecedentes, como diria Guérin et al. (2001). Mais do que isso,

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espelha também a diversidade de compreensões sobre qual é (ou quais são) o(s) sentido(s) e o(s) significado(s) atribuído(s) ao trabalho dos adolescentes pelas próprias organizações envolvidas no gerenciamento do Programa.

Por exemplo, ao promover a profissionalização dos jovens pelo exercício do cargo de auxiliar de serviços gerais, criava-se uma distorção muito grande em relação ao que era efetivamente realizado por eles na situação de trabalho, uma vez que sua rotina deveria estar basicamente voltada para o apoio de atividades administrativas e o cargo diz respeito a tarefas operacionais, principalmente no campo de limpeza e conservação. Ao concluir sua participação no Programa e buscar a inserção no mercado de trabalho, denunciava-se o hiato entre cargo ocupado (trabalho prescrito) e prática profissional (trabalho real). Tal hiato remete à inevitável dificuldade que os adolescentes devem vivenciar para que os significados socialmente construídos estejam em consonância com os sentidos singulares relacionados ao trabalho: o contrato social diferencia-se das vivências.

As catacreses

Para fazer efetivamente o que precisam fazer, os jovens trabalhadores recorrem muitas vezes ao uso não previsto de ferramentas de trabalho, realizando as suas catacreses, como já apresentado anteriormente. Em roda de conversa orientada especialmente para discussão das situações concretas de trabalho vivenciadas pelos jovens trabalhadoras, uma adolescente esclarece:

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Tem hora que a chefia [imediata] pede umas coisas que a gente

ainda não sabe fazer e se a gente faz errado, acaba xingando

a gente. Aí é difícil, porque você não pode falar nada, tem que

aguentar. Nessa hora, a gente faz cara de paisagem (Jovem A2).

Os demais participantes do debate imediatamente concordam e relatam reconhecer nessa medida uma prática adotada também por eles em várias situações. Questionados sobre o que significa essa “cara de paisagem”, os jovens esclarecem:

É você fingir que está ouvindo e que não tá zangado com a

pessoa, mesmo que você estiver puto. Porque se você mostrar

que está chateado, pode ficar pior ainda. Então, o negócio é

fazer cara de paisagem (Jovem A1).

Pela adesão do grupo à fala da jovem, pode-se inferir que a “cara de paisagem” ref lete um componente do gênero profissional construído pelos jovens trabalhadores. Trata-se certamente de um recurso utilizado para “dar conta” não somente da execução da tarefa (que convocaria basicamente a dimensão técnica do trabalho) mas também de toda a dinâmica da atividade que lhes cabe (incluindo a dimensão afetiva). A dissonância entre o que está prescrito no processo pedagógico e o que é efetivamente realizado na situação de trabalho traz mais incoerências e instabilidades para a constituição dos sentidos pessoais na experiência laborativa (AGUIAR; OZELLA, 2006).

Outro recurso observado nas situações de trabalho dos jovens adolescentes diz respeito ao uso de ferramentas tecnológicas para viabilizar o seu processo de trabalho.

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Nesse sentido, o relato de um dos jovens trabalhadores é bastante expressivo:

O funcionário havia me pedido pra enviar uma foto, que

ele queria publicar num informativo. Só que o e-mail não

estava funcionando, acho que a rede estava com problema.

Eu falei com ele: ‘uai, eu posso te mandar pelo whats’. Ele falou:

‘o que?’. Aí eu fui explicar pra ele que eu tinha a foto que ele

queria no meu celular e poderia mandar pro celular dele pelo

whatsapp. Ele ficou surpreso e falou: ‘eu não tinha pensado

nisso!’. Acho que ele só pensava que poderia resolver isso pelo

e-mail (risos) (Jovem A3).

Outra adolescente traz um relato sobre o uso das redes sociais para acompanhamento dos adolescentes, aprimorando práticas de controle efetivado inclusive deles sobre eles mesmos:

Eu trabalho perto do setor que tinha que acompanhar os

jovens, né? Aí um dia eu vi que um menino recebeu uma

ameaça no Facebook. Ele mexia com venda de tênis e outras

coisas e parece que o que ele vendeu tinha problema e

um rapaz ameaçou de ‘acertar ele’. Eu fui conversar com

o responsável e ele não sabia de nada, porque não tinha

adicionado o menino (Jovem A2).

Grande parte da prescrição do trabalho dos adolescentes está contida em um Manual, que é entregue aos jovens e às suas chefias imediatas. Nesse Manual, não há referência alguma ao acompanhamento em redes sociais, mas se ratifica a compreensão de que o gênero profissional é dinâmico e se recomenda o permanente debate de normas com a participação

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dos próprios trabalhadores (nesse caso, os adolescentes). É inconstestável que os smartphones, aplicativos e redes sociais já estão inseridos em larga escala nos ambientes e nas situações de trabalho vivenciadas pelos jovens trabalhadores, de modo que ignorar essa realidade é desconsiderar a permanente reconstrução do gênero profissional constituído por eles. Conforme Dejours (2011), a construção de sentidos do trabalho é relacionada às características das tarefas realizadas, à organização do trabalho e às diferenças individuais. Considera-se que a vivência relatada pelos adolescentes do projeto não contribui para a elaboração de sentidos voltados para a satisfação e o equilíbrio entre as vivências de prazer e sofrimento (SCHWEITZER et al., 2016), situação que, caso permaneça, deve impactar a saúde dos jovens.

Considerações Finais

A realização deste estudo permitiu reafirmar a compreensão de que a articulação entre adolescência e trabalho apresenta elevada complexidade, recomendando aos pesquisadores interessados bastante cuidado e atenção. Certamente, pode-se inferir que se trata daquilo que Mauss (1974, p.179) chama de fato social total, ou seja, “fenômenos [que] são ao mesmo tempo jurídicos, econômicos, religiosos e mesmo estéticos, morfológicos etc. […] são mais do que temas”. Ao recolher os depoimentos e relatos dos jovens trabalhadores sobre os seus múltiplos fazeres e os analisar à luz dos conceitos oriundos da clínica da atividade, evidenciou-se o peso que essa experiência de formação profissional

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representa na sua constituição como sujeitos que ampliam suas perspectivas de agir e modificar a realidade na qual estão inseridos.

Tendo redefinidos o tempo e o espaço de suas vidas a partir das situações de trabalho, os adolescentes passam também a redefinir a dinâmica daqueles com os quais interagem, tanto individual quanto coletivamente. Consequentemente, promovem contínuas revisões na hierarquia de seus próprios valores, a partir das cargas cognitivas e afetivas depositadas nos sentidos atribuídos a si mesmos e às suas atividades. Trabalhar é também ter emprego, mas não somente; estudar é também ir à escola, mas vai além; produzir é efetivar valor econômico, mas pode transcender para outras formas de valorização.

A recorrente recomendação de novos estudos e pesquisas para aprofundar os conhecimentos sobre o tema proposto neste estudo constitui praticamente uma obrigação. Senão pelo desejo de conhecer, pela necessidade de transformar as práticas sociais de exclusão e de buscar elementos para enfrentar, de forma consistente e propositiva, os discursos reacionários e irresponsáveis, como os de redução da maioridade penal, infelizmente cada vez mais frequentes.

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Desarrollo del potencial humano y bienestar en el trabajo

Maiky Díaz PérezDamian Valdés Santiago

El trabajo es una condición básica y fundamental de la vida del ser humano, que se encuentra en los orígenes de la vida social. La actividad laboral compulsó al individuo a la colaboración grupal, la cual con un mayor grado de complejidad se convirtió en actividad laboral organizacional y facilitó la integración de los individuos a los diferentes sectores que conforman la sociedad1.

Desde la infancia, la actividad laboral es anticipada, viviéndola el niño en la relación con los adultos y sus coetáneos, a modo de juego y expresándose también en ella la imaginación creadora del niño2. Después se convierte para el adolescente y joven en vocación profesional. El trabajo es para el adulto una

1 El estudio del trabajo por su carácter universal y social requiere de un tratamiento interdisciplinar. En la presente comprensión del asunto desde las ciencias psicológicas son tomadas en cuenta las perspectivas histórica, filosófica, económica, antropológica y sociológica.

2 Esta idea se encuentra desarrollada por Vygotski (VYGOTSKI, 2003) donde se critica la educación tradicional que ha mantenido a los niños alejados del trabajo, lo que hizo que estos manifestasen y fomentasen su capacidad creadora preferentemente en el esfera artística, pero según este autor aún en la esfera de la técnica se puede ver un intenso desarrollo de la inventiva infantil.

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DESARROLLO DEL POTENCIAL HUMANO Y BIENESTAR EN EL TRABAJO

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de las actividades fundamentales, así como lo es el juego para el niño o las relaciones con sus amistades para el adolescente.

En la adultez, la actividad laboral comienza a tornarse en eje central del proyecto de vida de la persona y es un aspecto central del concepto que esa persona tiene de sí y de su bienestar. Al ser el trabajo una de las áreas vitales del sujeto, el bienestar experimentado en esta labor no solo tiene implicaciones en esa esfera, sino que también influye en cómo la persona se siente en el resto de sus áreas vitales (DANNA; GRIFFIN, 1999). Dicho con otras palabras, el bienestar laboral está relacionado con el bienestar humano.

En esta investigación se reconoce la polémica científica contemporánea existente en las ciencias psicológicas, sociales y de la salud, con respecto a la definición del bienestar y su comprensión como bienestar subjetivo, bienestar psicológico y bienestar humano. La antigua discusión filosófica sobre si el objetivo del ser humano en la vida es obtener placer (hedon) y felicidad buscando la mayor satisfacción posible (DIENER; LUCAS, 1999; KAHNEMAN; DIENER; SCHWARZ, 1999), o si es la actualización del potencial humano y la auto-realización (daimon) (KEYES; SHMOTKIN; RYFF, 2002; RYFF; KEYES, 1995; WATERMAN, 1993) es una polémica que persiste. Ryan y Deci superan estos enfoques dicotómicos y abogan por una aproximación que combina ambos enfoques, concibiendo el bienestar como un juicio global de satisfacción con la vida, que incluye las experiencias de búsqueda del placer y también de realización del propio ser (RYAN; DECI, 2001). En esta investigación se siguió el criterio de que la delimitación conceptual del bienestar, por su naturaleza compleja, depende del marco investigativo, teórico y metodológico en el que interese su estudio. En particular, se entiende el bienestar

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DESARROLLO DEL POTENCIAL HUMANO Y BIENESTAR EN EL TRABAJO

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humano como un constructo multidimensional que consiste en juicios de satisfacción sobre los diferentes dominios o esferas de la vida del sujeto.

Son diversos los estudios que abordan los temas relativos a bienestar, satisfacción y calidad de vida en el marco de las relaciones organización-trabajo-personas. La ocupación a la que la persona se dedica diariamente demanda de ella grandes esfuerzos físicos, psicológicos y sociales. En este sentido le permite satisfacer necesidades y realizar motivaciones de orden económico, social y psicológico. Las necesidades y motivaciones en lo económico están asociadas al sostenimiento personal, familiar y la prosperidad económica de la sociedad en que se vive. En lo social, mediante el trabajo se quieren realizar necesidades de comunicación, de participación y de reconocimiento. En el marco psicológico, a través del trabajo las personas esperan realizar su potencial, ser autónomas, competentes y satisfacer sus necesidades de pertenencia, de creación y de trascendencia (ARGYRIS, 1973; FERREIRA et al., 2012; LUTHANS et al., 2010; MASLOW, 1954; MAYO, 1945; MCGREGOR, 1960; RYAN; DECI, 2001).

Una teoría que ha realizado importantes contribuciones a la compresión de la relación entre el potencial humano y el bienestar en el ámbito laboral es la teoría de la autodeterminación (RYAN; DECI, 2000). Dicha teoría postula tres necesidades psicológicas: competencia, autonomía y pertenencia. Los hallazgos de investigación de estos autores sugieren que el lugar de trabajo, que propicia la satisfacción de estas necesidades, facilita tanto el compromiso laboral y organizacional como el bienestar humano. Estas necesidades se declaran como esenciales para la sobrevivencia, el crecimiento y la integridad del ser humano, y se asumen como necesidades

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DESARROLLO DEL POTENCIAL HUMANO Y BIENESTAR EN EL TRABAJO

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innatas en lugar de aprendidas. La teoría plantea que un deseo o una meta (por ejemplo, querer más dinero o tener pareja) se convierte en una necesidad verdadera, si su nivel de satisfacción se relaciona directamente con el nivel de bienestar de la persona. Estos resultados sugieren que conocer lo que para las personas significa bienestar se torna un presupuesto de partida para cualquier intervención que pretenda fomentarlo.

Otra teoría que aporta evidencias sobre el impacto positivo de los recursos psicológicos, asociados al crecimiento personal en la ejecución del trabajo organizacional, es la teoría del capital psicológico (PsyCap, por sus siglas en inglés) (LUTHANS et al., 2010). El PsyCap es un constructo conformado por los recursos psicológicos de autoeficacia, optimismo, esperanza y resiliencia. La autoeficacia se entiende como la confianza en la capacidad de esforzase para alcanzar el éxito en tareas desafiantes, el optimismo se asocia a realizar atribuciones positivas con respecto al presente y al futuro, la esperanza se vincula con la motivación por iniciar un trabajo y perseverar en el alcance de metas, y la resiliencia se concibe como el manejo exitoso de la adversidad y los riesgos. Según sus hallazgos científicos estos recursos pueden ser aprendidos y la transformación es posible a través de intervenciones de desarrollo.

La teoría de la conservación de recursos (COR, por sus siglas en inglés) aporta a la comprensión de la relación del trabajo con el potencial humano y el bienestar (HOBFÖLL, 1989). Esta teoría fue elaborada para la comprensión y transformación del comportamiento humano ante el estrés en pos del bienestar. Su proposición central es que las personas se esfuerzan por preservar, proteger y elaborar recursos (por ejemplo, estatus socio-económico, posesiones, autoestima, habilidades sociales,

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destrezas, tiempo, dinero, conocimientos), siendo su propia valoración de la posibilidad de la pérdida o la pérdida real de esos recursos la verdadera amenaza a la que el ser humano se enfrenta. De este modo se explica la conducta de los sujetos, tanto en situaciones estresantes como en ausencia de presiones externas. El interés en esta teoría viene dado por su orientación a la preservación de recursos y a la creación de recursos nuevos, así como por el tratamiento diferenciado de las variables del entorno y las circunstancias ambientales, incluyendo dentro de estas las situaciones de cambio.

Toda esta gama de recursos relacionados con necesidades y motivaciones humanas, pueden ser expresados y estimulados a través del trabajo, de acuerdo a su naturaleza y características, en tanto generador de tensión y estrés, pero también de realización personal y bienestar.

Una teoría que se propone explicar la naturaleza y características de, virtualmente, todos los tipos de trabajo es la teoría de las demandas y recursos laborales (JD-R, por sus siglas en inglés) (BAKKER et al., 2007; DEMEROUTI et al., 2001). La teoría citada está inspirada en los modelos previos sobre el diseño del trabajo, el estrés y la motivación como la teoría de los factores higiénicos extrínsecos y los factores motivadores intrínsecos (HERZBERG; MAUSNER; SNYDERMAN, 1959; HERZBERG, 1966), la teoría de las características del trabajo (HACKMAN; OLDHAM, 1976, 1980), el modelo de demanda-control (KARASEK; THEORELL, 1990; KARASEK, 1979) y la teoría del esfuerzo-recompensa (SIEGRIST, 1996).

La teoría de las características del trabajo (HACKMAN; OLDHAM, 1976, 1980) plantea que el significado del trabajo, la responsabilidad ante las tareas y el conocimiento de los resultados del trabajo influyen en la satisfacción y la

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motivación intrínseca por el trabajo. El modelo de demanda-control propone la tesis de que la satisfacción con las tareas, el aprendizaje y el crecimiento personal mejoran en labores caracterizadas por la combinación de altas demandas y elevado control. La teoría del esfuerzo-recompensa tiene como hipótesis básica que la satisfacción y el bienestar en el trabajo son resultado de un balance adecuado entre esfuerzos y recompensas.

El modelo JD-R puede ser utilizado para explicar y hacer predicciones sobre el bienestar de los empleados, entiéndase estrés, motivación, desempeño en el trabajo y compromiso organizacional. Según esta teoría, las características del trabajo se agrupan en dos categorías que interactúan entre sí: las demandas y los recursos del trabajo. Las demandas del trabajo pueden producir deterioro de la salud y los recursos del trabajo pueden producir motivación. Este modelo ha mostrado que los recursos personales (autoestima, autoeficacia, resiliencia, optimismo) son importantes predictores de la motivación. Además, estos pueden amortiguar los efectos desfavorables de las demandas del trabajo (presión de trabajo y emocional, relaciones humanas, condiciones de trabajo, supervisión, cambios tecnológicos) en conjunto con los recursos del trabajo (objetivos claros, control de tiempos, autonomía, retroalimentación). Esta propuesta destaca por su flexibilidad y posibilidades para el diseño “a la medida” de intervenciones para el desarrollo organizacional.

Los resultados de estas teorías fundamentan que las relaciones individuos-trabajo-organización pueden ser relaciones de crecimiento potencial. En la literatura científica, el estudio de la vinculación psicológica entre la organización y sus miembros tiene entre sus antecedentes los hallazgos de Maslow sobre el sentido de pertenencia (MASLOW, 1954)

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y se ha centrado fundamentalmente en el estudio de la congruencia individuo-organización (ARGYRIS, 1957), la vinculación psicológica de los empleados con la organización (ANANT, 1966; SELIGMAN et al., 2005), el compromiso organizacional y la satisfacción con el trabajo (BAKKER; VAN VELDHOVEN; XANTHOPOULOU, 2010), el compromiso con el trabajo y con la organización (BAKKER et al., 2007; HAKANEN; BAKKER; SCHAUFELI, 2006), y el sentido de pertenencia y compromiso organizacional (DÁVILA; JIMÉNEZ, 2014).

En los últimos años el modelo de Meyer y Allen ha dominado la investigación sobre las relaciones individuos-organizaciones, abordándola en torno al concepto de compromiso organizacional (MEYER; ALLEN, 1991). Este concepto es considerado un estado psicológico que recoge el deseo de seguir perteneciendo a la organización (compromiso afectivo), el sentido de obligación hacia la organización (compromiso normativo) y la necesidad de continuar dentro de la organización (compromiso de continuación).

Por otra parte, la evidencia científica disponible muestra la existencia de una inf luencia positiva del compromiso o identificación organizacional sobre el bienestar (DÁVILA; JIMÉNEZ, 2014) y la mayoría de los investigadores refieren que el compromiso organizacional es un constructo multidimensional (MEYER; ALLEN; TOPOLNYTSKY, 1998).

En resumen, existe suficiente evidencia científica que, de manera positiva, relaciona el crecimiento personal y el potencial humano en el trabajo, con el buen desempeño laboral, el compromiso organizacional y el bienestar humano. Por otra parte, las teorías y modelos explicativos están abiertos a la indagación y la complementariedad científica. Se tornan entonces necesarios abordajes multinivel que nos permitan

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tanto la aproximación desde la organización como desde el individuo en situaciones laborales concretas. Una alternativa de acercamiento a esta temática en lo teórico y metodológico es el modelo de Desarrollo del Potencial Humano Organizacional (DÍAZ-PÉREZ, 2005) que se ha implementado en el contexto laboral cubano.

Desarrollo Organizacional y Desarrollo del Potencial Humano

La afiliación del modelo de Desarrollo del Potencial Humano al área del Desarrollo organizacional sostenible obedece a su carácter interdisciplinar, a un reconocimiento de la importancia de las organizaciones laborales para la vida del ser humano en sociedad y a la propia condición desarrolladora de las ciencias psicológicas y su enfoque centrado en lo humano.

Se entiende por Desarrollo Organizacional aquella área del conocimiento y la actividad humana que focaliza su atención en la comprensión y transformación de la subjetividad en el ámbito laboral, en pos del bienestar humano y buen desempeño laboral. Su cuerpo de conocimientos se nutre fundamentalmente de las teorías y modelos de intervención que explican el comportamiento organizacional, con énfasis humanistas, cognitivistas, comportamentales, ambientalistas, positivos y desarrollistas (ARGYRIS; SCHÖN, 1978; ARNOLD; RANDALL, 2010; BLEGER, 1966; KATZ; KAHN, 1986; NEWSTROM; DAVIS, 2002; ROBBINS; JUDGE, 2017; ROBBINS, 2007).

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La subjetividad3 es un proceso en constante desarrollo a lo largo de toda la vida del sujeto, que se construye, expresa y desarrolla en y por la relación con el otro. De ahí que las necesidades, motivaciones, valores, habilidades y recursos de las personas para un desempeño laboral competente no sean formaciones psicológicas estáticas, inamovibles, con las que se nace, que se forman a determinada edad o que no se tienen. La psiquis humana es de naturaleza dinámica, f lexible, moldeable y con inmensas posibilidades de aprendizaje a lo largo de toda la vida.

El Desarrollo del Potencial Humano Organizacional constituye un modelo teórico-metodológico de intervención que aplica la teoría vygotskiana para la comprensión y transformación del potencial humano en el trabajo. A partir de la ley general del desarrollo de las funciones psíquicas superiores formulada por Vygotski se plantea que toda función psicológica existe al menos en dos planos diferentes: primero en el plano social de la interacción y comunicación, denominado plano de las relaciones inter-psicológicas, para luego aparecer en el plano psico-individual nombrado plano de las relaciones intra-psicológicas.

De este conocimiento se deriva la existencia de una distancia entre el nivel real de desarrollo de la persona, determinado por la capacidad de resolver independientemente

3 La carrera de Psicología en Cuba declara que su objeto de estudio y de acción profesional es la subjetividad y su expresión no lineal a través del comportamiento humano, la cooperación, la comunicación y los productos de la actividad. La subjetividad se comprende como proceso, propiedad o característica, y el sujeto en tanto sujeto individual, grupal, institucional, como unidad de análisis de su existencia (Tomado de: Comisión Nacional de Carrera. “Plan de Estudios E Perfeccionado. Modelo del Profesional”, inédito, Facultad de Psicología, Universidad de La Habana, 2017).

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un problema, y el nivel de desarrollo potencial determinado a través de la resolución de un problema bajo la guía o con el acompañamiento de otro. A esta distancia Vygotski le llama zona de desarrollo próximo o potencial (VYGOTSKI, 1987).

En el mundo del trabajo el nivel real-actual de desarrollo del sujeto está determinado por sus recursos y competencias para resolver un problema exitosamente y de forma independiente. El nivel de desarrollo potencial del sujeto quedará determinado por la capacidad de resolver un problema con la ayuda del otro, lo cual se aprecia en el plano de las relaciones interpersonales de una situación laboral concreta. En esa franja de espacio y tiempo entre estados de desarrollo real y potencial, la resolución del problema laboral puede ser facilitada por un formador, entrenador o consultor, el jefe inmediato o un compañero de trabajo.

Este proceso culmina con la nueva realización independiente y entonces se puede decir que la persona ha alcanzado un nuevo estado de desarrollo real. Este se expresa en la maduración de nuevas competencias, recursos o roles, para la solución del problema, de acuerdo a los requerimientos de la organización en cuestión. Quiere esto decir que en cada aquí-ahora se puede acceder al nivel de desarrollo del sujeto. Ante situaciones nuevas emergen potencialidades que pueden ser evaluadas y traducidas a necesidades de formación y entrenamiento, asociadas al sujeto y a las demandas provenientes del trabajo, la organización y sus entornos.

En el ámbito laboral, las relaciones interpersonales se dan entre personas en puestos de trabajo y roles determinados por la estructura de la organización. Por tanto, desarrollar el potencial humano en el trabajo remite a las relaciones

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interpersonales entre sujetos en puestos de trabajo, de mando y de colaboración.

El modelo de intervención para el desarrollo del potencial humano (intervención dph) es el resultado del trabajo conjunto de equipos docentes y de investigación que sistematizaron un procedimiento para el diseño de programas de intervención con fines de evaluación potencial y de entrenamientos de desarrollo.

Los elementos que distinguen este modelo respecto a la literatura existente sobre desarrollo organizacional son:

I. en lo epistemológico: se toma como base el Paradigma Histórico-Cultural para abordar la subjetividad en el ámbito laboral desde una perspectiva de desarrollo, el Paradigma de la Complejidad y los Sistemas para la comprensión de las organizaciones, y el Paradigma de la Investigación-Acción para el despliegue de la intervención (DÍAZ, 2017).

II. en el orden teórico y metodológico: se cuenta con un procedimiento para diseñar programas de intervención “a medida” basados en el desarrollo del potencial humano, que toma como referente la metodología de los centros de evaluación y desarrollo (DÍAZ-PÉREZ, M., 2005, 2006).

III. en el orden empírico y práctico: se construye un esquema conceptual referencial operativo, interdisciplinar multinivel conformado por conceptos y técnicas de naturaleza relacional que tienen en cuenta las demandas y recursos de los individuos y las organizaciones, así como los contextos histórico-culturales de aplicación.

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Una de las limitaciones fundamentales de las aplicaciones de este modelo de intervención es no haber realizado mediciones de impacto en los niveles del desempeño individual y organizacional, luego de realizadas las intervenciones.

En la literatura consultada se encontraron modelos de intervención que sí midieron el impacto en el desempeño. Uno de ellos es la intervención basada en fortalezas (SELIGMAN et al., 2005). Esta es una intervención que parte del supuesto de que el compromiso organizacional depende de una relación entre las fortalezas que poseen los empleados y el grado en el que ellos pueden conducirse desde estas fortalezas en sus actividades diarias de trabajo. Se realizaron mediciones luego de tres y seis meses posteriores al entrenamiento y se hallaron incrementos en el compromiso organizacional y el bienestar (PARK; PETERSON; SELIGMAN, 2004).

Otro referente importante son los trabajos de Luthans y colaboradores y su modelo de intervención PsyCap basado en su teoría del capital psicológico de recursos personales (LUTHANS et al., 2010). Estos investigadores ofrecen un modelo de entrenamiento para desarrollar el constructo autoeficacia-optimismo-esperanza-resiliencia, el cual ha sido preliminarmente evaluado, logrando incrementos en el compromiso con el trabajo y mejores desempeños organizacionales (LUTHANS et al., 2008).

Igualmente, el modelo JD-R se ha utilizado para conducir intervenciones a nivel individual y organizacional. Estas son intervenciones focalizadas en los recursos personales y en las demandas y recursos del trabajo, quedando demostrado su poder predictivo a través de meta-análisis (CRAWFORD; LEPINE; RICH, 2010; HALBESLEBEN, 2010; NAHRGANG; MORGESON; HOFMANN, 2011) que reportan incrementos significativos en el

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desempeño laboral, el compromiso organizacional y el bienestar humano.

Los resultados de las reflexiones teóricas y empíricas sobre la propuesta dph y el estudio de hallazgos científicos recientes sobre el desarrollo del potencial y el bienestar laboral, motivan el diseño de investigaciones de corte correlacional y experimental. Ello implica continuar con el planteamiento de hipótesis de trabajo sobre la existencia de constructos/dimensiones asociados a la vinculación de los individuos con las organizaciones.

En los reportes empíricos de los programas de intervención dph realizados se brindan evidencias de que la existencia de puntos de congruencia o concordancia entre el proyecto organizacional y el proyecto individual -asociado a las carreras profesionales- pueden ser catalizadores de la expresión del potencial humano organizacional. Tomando como ejemplo el constructo compromiso organizacional (DÁVILA; JIMÉNEZ, 2014; MEYER et al., 1998) varias pudieran ser las interrogantes: ¿Es la congruencia de metas un constructo distinto o una de las dimensiones del compromiso organizacional? ¿La existencia de metas y proyectos individuales pudiera ser mediador del compromiso con el trabajo y con la organización? ¿Cuáles serían los recursos socio-psicológicos emergentes que deberían potenciarse?

Otras múltiples rutas de continuidad investigativa pueden derivarse de esta propuesta en función de la intensidad del escrutinio científico, de las demandas del contexto histórico-cultural y de acuerdo a los intereses y necesidades de los propios investigadores del equipo. Este capítulo concluye con una de estas rutas de continuidad.

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Estudio exploratorio sobre bienestar y trabajo en grupos laborales del contexto cubano actual

El logro del bienestar en el trabajo se considera necesario para el buen desempeño laboral y organizacional, así como para la satisfacción con la vida. La sociedad cubana aspira a que los desarrollos económico-social y humano marchen armónicamente en pos del bienestar individual y social. Actualmente, todas las organizaciones laborales y las personas que trabajan en ellas, están inmersas en el proceso de actualización del modelo económico-social, que implica cambios en diversos órdenes, incluyendo el de la subjetividad.

En este contexto, se inició un proyecto de investigación que focaliza su atención en la identificación y potenciación de recursos socio-psicológicos en función del logro del bienestar humano personal y social. Como parte de este proyecto, se realizó un estudio exploratorio sobre la noción de bienestar y su relación con el trabajo en tres grupos laborales de diferentes modalidades de gestión.

Las preguntas de este estudio son: ¿Qué noción de bienestar tienen los sujetos estudiados y cuál es su relación con el trabajo?, ¿Qué distingue la relación de bienestar y trabajo en los tres grupos laborales estudiados? y ¿Qué demandas y recursos socio-psicológicos emergen asociados a la relación entre bienestar y trabajo?

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Materiales y métodos

Existen múltiples enfoques e instrumentos para estudiar el bienestar que se recogen en la literatura nacional (CASANOVA; CABRERA; SÁNCHEZ, 2013; GARCÍA-VINIEGRAS, 2004) e internacional (DOLAN; PEASGOOD; WHITE, 2008; EUROSTAT, 2016). La mayoría de estos estudios son descriptivos y predictivos y utilizan instrumentos que miden, con diversas escalas, el bienestar humano en sus diferentes componentes o dominios de la vida, o realizan una medición única basada en la satisfacción global. La población a estudiar puede ser muy variada: desde niños y adolescentes (ALVAREZ, 2014), ancianos (FERRING et al., 2004; SILVA, 2012), personas enfermas (CHICO et al., 2012; GARCÍA-VINIEGRAS; GONZÁLEZ, 2007) o trabajadores (DEL CASTILLO et al., 2013; REYES; LÓPEZ; REYES, 2016).

Los sujetos involucrados en esta investigación se incluyeron mediante muestreo no probabilístico, tomando como población a trabajadores cooperativistas, cuentapropistas y estatales. Otros criterios de inclusión fueron la voluntariedad y la pertenencia al sector económico de la gastronomía. Se escogió este sector debido a la particularidad de abarcar tres de las modalidades organizativas presentes en la actualización del modelo de la economía cubana4. Se incluyeron entidades de tamaño pequeño y mediano. La muestra quedó conformada

4 Congreso PCC VII (2016) Conceptualización del Modelo Económico y Social Cubano de Desarrollo Socialista. Plan de Desarrollo Económico y Social hasta 2030. Propuesta de visión de la nación, ejes y sectores estratégicos. En: http://www.granma.cu/file/pdf/gaceta/Conceptualizaci%C3%B3n%20del%20modelo%20economico%20social%20V ersion%20Final.pdf y http://www.granma.cu/file/pdf/gaceta/Copia%20para%20el%20Sitio%20Web.pdf.

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por 135 individuos donde 39.7% son cuentapropistas, 31.6% son cooperativistas y 27.9% son estatales.

El registro de los datos se realizó mediante Microsoft Excel 2013. En el procesamiento y análisis se utilizaron la estadística descriptiva y la prueba de independencia X2 para variables categóricas incluidas en el software SPSS versión 21 (IBM Corp, 2012).

Con el objetivo de conocer la noción de bienestar y la emergencia de demandas y recursos asociados al bienestar y el trabajo en la muestra de estudio se utilizaron cuatro ítems del cuestionario BHPLS5: (1) el ítem de los datos sociodemográficos, (2) asociación libre con la palabra estímulo “Bienestar” con seis posibilidades para responder, (3) las preguntas abiertas “¿Qué características considera usted que definen un estado óptimo de bienestar?”, “¿De quién depende el que usted alcance dicha característica?” y “¿Qué es lo que usted está haciendo para alcanzar o satisfacer dichas características?” con cinco posibilidades de respuesta; y (4) una escala ascendente de satisfacción del bienestar. En esta escala de 10 niveles, el valor 1 representó insatisfacción y 10 significó satisfacción completa del sujeto respecto a las características del bienestar por él expresadas.

La asociación libre permitió un acercamiento a la construcción de la representación social del bienestar en los participantes del estudio (MARTÍN et al., 2001; PERERA, 2005). No se exigió el completo llenado de las preguntas debido a

5 El Cuestionario sobre Bienestar Humano Personal, Laboral y Social (BHPLS) se encuentra en proceso de validación. Este instrumento fue elaborado por las profesoras de la Facultad de Psicología de la Universidad de La Habana Daybel Pañellas, Marta Martínez y Maiky Díaz-Pérez y es parte del proyecto de investigación “Potenciación de recursos socio-psicológicos y competencias en contextos de cambios en el trabajo y las organizaciones” (Proyecto UH No. V00001, 2017-2020).

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su naturaleza asociativa. Se creó un esquema de categorías para comprender con mayor profundidad las respuestas de los sujetos ante la palabra estímulo. Se categorizaron las asociaciones y se ejecutó un Análisis de Correspondencias (AC)(GREENACRE, 2008) en el software Statistica (STATSOFT, 2007) para explorar las percepciones entre los grupos laborales.

Para analizar las respuestas a la asociación libre y las preguntas abiertas se realizaron varios procedimientos, utilizando módulos asociados a la minería de textos dentro del lenguaje de programación Python 2.7 (VAN ROSSUM, 1989): extracción de los datos textuales necesarios en cada pregunta, eliminación de stopwords6, cómputo de n-gramas7, creación de nubes de palabras8 y análisis de la producción de asociaciones (MEIER; KIRCHLER, 1998). Para este último procedimiento se computó el número de no respuestas respecto al total de respuestas posibles (es decir, el número de características multiplicado por el número de sujetos en la muestra), el total de ítems respondidos y el promedio de respuestas brindadas por cada sujeto. Se incluyeron los porcentajes respecto al total de asociaciones posibles, para toda la muestra y en cada grupo laboral.

6 Se utilizó la lista de stopwords en español perteneciente al Natural Language Toolkit (NLTK) (Loper & Bird, 2002).

7 Se utilizaron n-gramas de tamaño 1, 2 y 3, también conocidos como unigramas, bigramas y trigramas, respectivamente (Sarkar, 2016).

8 En un gráfico de nube de palabras el tamaño de cada palabra está en correspondencia con su frecuencia de aparición en el texto. Cada palabra tiene un color diferente y la distribución espacial no tiene significado alguno.

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Análisis y discusión

En esta sección se describe la muestra estudiada, analizando las particularidades de cada grupo laboral. Luego, se exponen la producción de la asociación libre frente al estímulo “Bienestar”, el sistema de categorías y la categorización utilizada para la construcción de la representación social, así como las nubes de palabras correspondientes a este ítem del cuestionario. De las preguntas abiertas se computó la producción de respuestas y se crearon las nubes de palabras. Además, se analizó el comportamiento del nivel de satisfacción. En estos procederes se examinó la muestra general y por grupos laborales. Para un análisis integrado de los resultados se ejecutó un AC sobre la categorización de las asociaciones libres, que fue utilizado como criterio de validación y resultó de utilidad para la triangulación de los resultados con cada ítem del cuestionario.

Descripción de la muestra

En la Tabla 1 se exponen las características sociodemográficas de la muestra. La edad se recogió como variable cuantitativa discreta y se recodificó en intervalos debido a la poca presencia de individuos en las edades más altas. El promedio de edad es aproximadamente 40 años. La mayoría de los participantes en el estudio son menores de 30 años, predominando este grupo etario entre los cuentapropistas y trabajadores estatales. Las personas mayores de 50 años son minoría entre los cuentapropistas, mientras que en el

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grupo de cooperativistas son minoría las personas entre 31 y 40 años de edad. La distribución etaria en los trabajadores estatales se presentó más balanceada que en los otros grupos laborales. La mayoría de los trabajadores de la muestra son mujeres, repitiéndose este comportamiento en todos los grupos laborales, excepto en el cooperativo.

La variable referida al nivel educativo se recodificó debido a la poca presencia de individuos en ciertas categorías. Por ello, se decidió dicotomizar la variable, obteniéndose una mayoría de personas no universitarias en la muestra y por grupos laborales.

Variables Operacionalización Cooperativista Cuentapropista Estatal Total

Edad

19-30 13 (30.2) 18 (33.3) 10 (26.3) 41 (30.1)

31-40 4 (9.3) 16 (29.6) 8 (21.1) 28 (20.6)

41-50 16 (37.2) 12 (22.2) 10 (26.3) 38 27.9)

51-76 10 (23.3) 8 (14.8) 10 (26.3) 29 (21.3)

Media=39.57, Desviación estándar=12.72

SexoMasculino 24 (55.8) 23 (42.6) 11 (28.9) 58 (42.6)

Femenino 19 (44.2) 31 (57.4) 27 (71.1) 77 (56.6)

Tabla 1: Descripción de las variables sociodemográficas por grupo laboral9

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Variables Operacionalización Cooperativista Cuentapropista Estatal Total

Tabla 1: Descripción de las variables sociodemográficas por grupo laboral9

El mayor porcentaje de personas labora a tiempo completo, excepto las que pertenecen al sector cuentapropista. Menos en el sector cuentapropista, la mayoría de los trabajadores tiene más de un hijo, alcanzándose un máximo de cuatro en tres de los participantes.

En todas las variables, excluyendo la edad y la cantidad de hijos, se detectaron diferencias altamente significativas desde el punto de vista estadístico. En cada cruzamiento de las variables, excepto en cantidad de hijos, se detectó un dato faltante.

En resumen, la muestra se caracteriza por tener un promedio de edad de 40 años, donde los individuos tienen mayoritariamente edades menores de 30 años. A excepción del grupo de cooperativistas, la mayoría de los trabajadores

9 En las tablas se colocan los porcentajes entre paréntesis de forma que los porcientos en las columnas correspondientes a los totales se calculan respecto a la muestra, mientras los restantes se refieren a la población por grupo laboral.

Educación superior

No universitario 35 (81.4) 42 (77.8) 32 (84.2) 109 (80.1)

Universitario 8 (18.6) 12 (22.2) 6 (15.8) 26(19.1)

Modalidad

de

empleo

Tiempo completo 24 (55.8) 24 (44.4) 23 (60.5) 71 (52.2)

Tiempo parcial 18 (41.9) 29 (53.7) 14 (36.8) 61 (44.9)

Cantidad

de hijos

Sin hijos 10 (23.3) 21 (38.9) 8 (21.1) 39 (28.9)

Un hijo 8 (18.6) 16 (29.6) 10 (26.3) 34 (25.2)

Más de un hijo 25 (58.1) 17 (31.5) 20 (52.6) 62 (45.9)

Total 43 (31.6) 54 (39.7) 38 (27.9) N=135

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son mujeres. En la muestra predominan los trabajadores que alcanzaron el nivel educacional medio superior y que laboran a tiempo completo. Excepto en el sector cuentapropista, la mayoría de los trabajadores tiene más de un hijo. En un análisis posterior se interpretarán estos resultados en el contexto cubano actual, comparándolos de forma adecuada con los datos sociodemográficos de la población cubana.

Noción del bienestar de los participantes en el estudio

La asociación libre frente al estímulo “Bienestar” produjo 506 asociaciones con un promedio de 3.72 asociaciones por sujeto. De las asociaciones libres para el estímulo “Bienestar”, se categorizaron un total de 456 asociaciones que representan el 90.12% de las asociaciones producidas por los participantes. El esquema de categorías se construyó mediante análisis de contenido y se buscó una categorización que permitiera identificar la mayor cantidad de demandas y recursos respecto a la relación bienestar y trabajo. Para la denominación de las categorías se triangularon los resultados del análisis de contenido con los n-gramas obtenidos mediante minería de textos. Se construyeron 19 categorías para conformar la representación social del bienestar.

Con respecto a la producción de respuestas a las preguntas abiertas, la caracterización del bienestar fue la de mayor producción (625) y mayor promedio de respuestas dadas por individuo (4.6). Similar comportamiento tuvo la pregunta “¿De quién depende el que usted alcance un estado

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de bienestar óptimo?”, que fue utilizada para identificar demandas con relación al bienestar y el trabajo. Por su parte, la menor producción de respuestas (607) la obtuvo la pregunta correspondiente a las acciones, a través de la cual exploramos los recursos socio-psicológicos. El promedio de respuestas por individuo en esta pregunta fue 4.4.

Seguidamente, se presenta la representación social de los trabajadores que conformaron la muestra de estudio. Las 19 categorías creadas con su frecuencia de aparición aparecen en la Figura 1. Cada anillo representa un nivel de lejanía respecto al núcleo representacional. Se trazaron líneas que parten del centro hacia cada anillo, colocándose ramificaciones para las categorías con distancias similares al centro.

Figura 1: Representación social del bienestar de los participantes en el estudio.

En el núcleo de la representación aparece la categoría salud. Le siguen en cercanía las categorías solvencia económica, condiciones materiales de vida y familia. Hacia el centro de

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esta representación, rodeando el área nuclear, aparecen las categorías autoestima, felicidad, trabajo, tranquilidad, competente y equidad. En los anillos más cercanos a la periferia se encuentran las categorías amor, paz y convivencia social. La periferia está formada por asociaciones referidas a amigos, seguridad y creencia espiritual.

En la Figura 2 se muestran las nubes de palabras derivadas del procesamiento de las respuestas a las preguntas abiertas, permitiendo complementar el análisis anterior.

Figura 2: Nubes de palabras sobre el bienestar de los trabajadores de la muestra.

Los n-gramas más frecuentes son coincidentes con las categorías que ocupan las posiciones nuclear y central de la representación social del bienestar. Estos fueron: “tener”, “buena”, “estable”, “salud”, “trabajo”, “familia”, “economía”, “tener buena salud”, “tener buenas relaciones”, “tener buenos familiares”, “tener buen trabajo” y “tener buena economía”. En síntesis, se observa que la caracterización del bienestar, según este ítem, consiste en tener buena y estable: salud, familia, relaciones, trabajo y economía. Vale aclarar que las respuestas de los sujetos referidas a las relaciones sociales a nivel comunitario quedaron recogidas en la categoría convivencia social.

Puede observarse en las nubes de palabras que el trabajo aparece como característica componente del bienestar, en tanto

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área de actividad de elevada significación para los sujetos y como uno de los principales recursos de afrontamiento para el alcance del bienestar.

En cuanto a la relación bienestar y trabajo, triangulando los resultados de los análisis, se observó que esta relación está mediada por la solvencia económica (en esta categoría se codificaron las menciones a “dinero”, “salario” y “buena economía”). Dadas estas evidencias, se considera que el tipo de relación existente es de satisfacción extrínseca-intrínseca, en cuya dinámica prima la relación extrínseca, según la cual el trabajo es apreciado como factor higiénico. Dan cuenta de la dinámica de esta relación el análisis de respuestas con menor frecuencia, en donde el trabajo se asocia al bienestar por la satisfacción con su contenido, significado y posibilidades de autorealización (“respeto al trabajo”, “éxito en el trabajo”, “ser buen trabajador”). Se considera que esta relación debe ser explorada con mayor profundidad en futuras investigaciones.

Con respecto a las demandas, las respuestas a la pregunta referida a de quién depende el bienestar revelaron la emergencia de demandas en las áreas de la vida personal, familiar, laboral y social. Los n-gramas más frecuentes fueron los unigramas “mí”, “familia”, “trabajo”, “mismo(a)”, “personas”, “esfuerzo” y “vida”; los bigramas “mí mismo(a)” y “buen funcionamiento”, y trigramas tales como “mi sociedad trabajo”, “esfera laboral económica” y “equilibrio emocional laboral”.

El análisis de los recursos socio-psicológicos emergentes que se asociaron a la relación trabajo y bienestar, mostró que las palabras “trabajar”, “trabajo”, “ser”, “tener”, “hacer”, “buena”, “cuido” y “familia” fueron las más frecuentes, mientras que los bigramas más mencionados fueron “trabajar duro” y “puedo hacer”. En los trigramas destacaron las frases “respeto al

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trabajo”, “estudiar día a día”, “tener buena comunicación”, “ser mejor persona”, “mantener vida sana” e “ir al médico”.

La alta frecuencia del “mí” en frases relacionadas con las dimensiones personal, familiar, laboral y social puede estar evidenciando la emergencia del sentido de pertenencia como un valioso recurso de impactos positivos en el bienestar y el trabajo.

La identificación de demandas y recursos emergentes reafirman el tipo de dinámica extrínseca-intrínseca identificada entre bienestar y trabajo. En este sentido se considera que el trabajo se asocia directamente al bienestar por factores extrínsecos, pero también indirectamente por aspectos intrínsecos al trabajo, si se tiene en cuenta la emergencia de los recursos socio-psicológicos que se están movilizando.

Como parte del estudio exploratorio se incluyó una escala de satisfacción de los individuos con respecto a las características definidas del bienestar. Dicha escala se utilizó para conocer las diferencias de satisfacción de los grupos laborales. Para ello se promediaron los niveles de satisfacción de cada sujeto, excluyendo los valores de satisfacción faltantes en las asociaciones realizadas. Luego, se procedió a recodificar la variable referente a la satisfacción en tres grupos (insatisfechos, medianamente satisfechos y satisfechos), según los percentiles 33% y 66%. Posteriormente, se construyó una tabla de contingencia de la variable grupo laboral con la satisfacción recodificada (Tabla 4) lo que manifiestó la polarización de la muestra respecto a la nueva variable construida. Dado que no se encontraron diferencias estadísticas significativas en este cruzamiento se volvió a recodificar la variable sin éxito.

Analizando los resultados de la escala de satisfacción y sumando los trabajadores que se encuentran entre satisfechos y medianamente satisfechos, puede observarse una tendencia

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positiva en la satisfacción de la caracterización del bienestar de los tres grupos laborales. En este rango se encuentra el 65.1% de los trabajadores cooperativistas, el 68.5% de los trabajadores cuentapropistas y el 63.2% de los trabajadores estatales.

Tabla 2: Nivel de satisfacción con el bienestar en cada grupo laboral.

Nivel de satisfacción Cooperativista Cuentapropista Estatal Total

Insatisfecho 15 (34.9) 17 (31.5) 14 (36.8) 46 (34.1)

Medianamente satisfecho

7 (16.3) 16 (29.6) 12 (31.6) 35 (25.9)

Satisfecho 21 (48.8) 21 (38.9) 12 (31.6) 54 (40.0)

A continuación se presenta la noción de bienestar y su relación con el trabajo, así como características, demandas y recursos sociopsicológicos emergentes, en tres grupos laborales de diferentes modalidades de gestión organizativa presentes en el modelo económico-social cubano actual.

Acercamiento a la noción del bienestar de los trabajadores cooperativistas

Para los cooperativistas el núcleo de la representación social es la solvencia económica, seguido de la salud y las condiciones materiales de vida. Cerca de estas últimas se hallan las categorías familia, autoestima, equidad, felicidad y trabajo (Figura 3). En la periferia de la representación social aparecen tranquilidad, seguridad y creencia espiritual.

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Figura 3: Representación social de bienestar de los trabajadores

cooperativistas.

Al observar conjuntamente la representación social con las nubes de palabras del bienestar, se detectó concordancia con la muestra total en cuanto a la salud como característica relevante del bienestar, así como la familia, el trabajo, la economía y las relaciones (Figura 4). Estas asociaciones aparecen junto a las adjetivaciones “buena” y “estable”.

Figura 4: Figura 4: Nubes de palabras sobre noción de

bienestar de trabajadores cooperativistas.

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Se valora que existe una relación estrecha entre bienestar y trabajo, sobre todo de carácter extrínseco. El trabajo no ocupa una posición nuclear en la representación social. Sin embargo, puede considerarse que sí la tiene indirectamente, tomando en cuenta los vínculos entre la solvencia económica (“salario”, “ingresos”) y el trabajo.

Las respuestas a la pregunta sobre de quién depende el bienestar revelaron demandas en las dimensiones personal, familiar, laboral y social. La nube de palabras ilustró la presencia de auto-demandas que sitúan la responsabilidad en el individuo (“depende de mí”, “mi esfuerzo”, “mi capacidad”) y también en las relaciones personales de apoyo, ayuda, amorosas (“familia”, “pareja”, “amigos”). Aparecen además exigencias laborales, haciendo depender el alcance del bienestar de “el trabajo”, “el jefe” y “la función”. Emergen también demandas a nivel social situadas en el “sistema”, “mi gobierno”, “país” y “laboral económico”.

S e a p r e c i ó l a e m e r g e n c i a d e r e c u r s o s socio-psicológicos de impacto positivo en el trabajo como la perseverancia y la esperanza (“día a día trabajar”, “estudiar día a día”); “puedo hacer”, “esforzarme”, “trabajar duro” (auto-eficacia y competencia); habilidades sociales (“tener buena comunicación”) y el autocuidado (“llevar una vida sana”).

Acercamiento a la noción del bienestar de los trabajadores cuentapropistas

Para los cuentapropistas la representación del bienestar se construye alrededor de la categoría salud, seguida de la

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solvencia económica y las condiciones materiales de vida. Alejándose del núcleo, aparecen felicidad, familia, tranquilidad, autoestima, paz, seguidas de equidad, aspiraciones y convivencia social. Después, acercándose a la periferia de la representación, se halla el trabajo, de conjunto con competente y prosperidad (Figura 5).

Figura 5: Representación social de bienestar de

los trabajadores cuentapropistas.

Al analizar de forma conjunta los resultados de la representación social con las características del bienestar, representadas en las nubes de palabras de la Figura 6, se muestra que, para los cuentapropistas, este significa tener salud, trabajo, familia y relaciones. “Salud” es de los unigramas más mencionados y los trigramas más frecuentes son “tener buena salud”, “buenas relaciones sociales”, “tener buen trabajo” y “buenas relaciones familiares”.

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Existe una estrecha relación entre bienestar humano y trabajo constatada mediante la triangulación de datos de diferente naturaleza. La posición periférica del trabajo respecto a la posición nuclear de la solvencia económica puede estar expresando que la cualidad del trabajo más apreciada, en relación con el bienestar, es su papel de satisfactor de necesidades y motivaciones económicas.

Figura 6: Nubes de palabras sobre la noción de

bienestar en trabajadores cuentapropistas

Las principales demandas emergentes se ubican en las esferas personal, familiar, laboral y social. Primeramente, aparecen con mayor frecuencia las demandas en la dimensión personal (“de mí”, “trato superarme”), de las relaciones personales familiares (“familia funcional satisfacción”) y de pareja (“satisfacción sexual amorosa”). Las demandas en la esfera laboral se identifican a través de los n-gramas más frecuentes “trabajo esfuerzo” y “equilibrio emocional trabajo”. En la dimensión social se hace depender el bienestar de “mi sociedad trabajo”, “esfera laboral económica”, “de mi país” y “gobierno”.

Se aprecia la emergencia de recursos tales como la auto-responsabilidad y autonomía (“trabajar”, “ser”, “tener”, “puedo”), de competencia (“trato de superarme”, “respeto al trabajo”), de auto-eficacia (“trabajar duro, esforzarme”) y un

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recurso identificado de impacto positivo en el bienestar y el trabajo es el auto-cuidado (“hacer ejercicios”, “comer saludable”, “cuido vicios” y “voy al médico”).

Aproximación a la noción de bienestar de los trabajadores estatales

Para los trabajadores estatales, en el núcleo de la representación social del bienestar aparece la salud, seguido de la solvencia económica, las condiciones materiales de vida, el trabajo y la familia. En la zona central de la representación, más cercana al núcleo, se ubican autoestima, tranquilidad y, más cercanas a la periferia, están felicidad, amor, competente, convivencia social, equidad y paz. En los anillos periféricos de la representación se encuentran amigos, seguridad, creencia espiritual, prosperidad y aspiraciones.

Figura 7: Representación social de bienestar en los trabajadores estatales.

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Al analizar simultáneamente la representación social y las características relacionadas con el bienestar en este grupo laboral se encontró consistencia en los resultados (Figura 8). La noción de bienestar se caracteriza por tener salud, trabajo, buenas relaciones familiares y sociales, y buena economía. Destacan los unigramas “salud”, “trabajo”, “familia”, “economía” y “relaciones”. Son frecuentes los bigramas “trabajar duro” y “puedo hacer”, y los trigramas “ser mejor persona” y “mantener vida sana”.

La relación encontrada entre bienestar y trabajo es del tipo extrínseca-intrínseca. El hecho de que las categorías trabajo, solvencia económica y condiciones materiales de vida estén cercanas al núcleo representacional, puede dar cuenta de que el trabajo aporta y contribuye al bienestar, tanto por su condición de medio de vida como por el contenido y significado del trabajo en sí para el sujeto.

Figura 8: Nubes de palabras sobre el bienestar de los trabajadores estatales.

Las demandas emergentes en este grupo se colocan, fundamentalmente, en la persona (“mi trabajo esfuerzo”), sus relaciones familiares y de pareja, y en lo laboral (“depende de mi trabajo”). También, se sitúan demandas en la dimensión social, haciendo depender el bienestar de “mi país” y “mi gobierno”.

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Los recursos que podemos inferir de las respuestas a la pregunta sobre qué está haciendo para alcanzar el bienestar son los siguientes: auto-responsabilidad y autonomía (“mí”), competencia (“trabajar duro”, “superarme”, “esforzarme”), autoestima (“ser mejor persona”), recursos sociales y de apoyo (“llevarse bien”, “evitar problemas”, “diálogo”, “arreglos”, “vecinos”). Los recursos personales de autocuidado (“ir al médico”, “hacer ejercicios”, “mantener vida sana”) se valoran como de impacto positivo en el bienestar y el trabajo.

Discusión final, conclusiones y recomendaciones para estudios futuros

A continuación se presenta el análisis de los tres grupos laborales de forma simultánea, a través del AC de los datos que se utilizó como parte del criterio de validación del estudio por triangulación.

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Tabla 3: Categorización de las asociaciones libres para el estímulo “Bienestar”.

Categorización Cooperativista Cuentapropista Estatal Total X2

(gl = 2) p

Salud 23 26 20 69 0.38 0.83

Solvencia económica 28 18 12 58 4.04 0.13§

Condiciones materiales de vida 26 12 12 50 6.06 0.048*

Familia 10 15 11 36 1.34 0.51

Autoestima 10 10 9 29 0.18 0.91

Felicidad 9 12 6 27 0.99 0.61

Trabajo 8 5 11 24 4.69 0.09§

Tranquilidad 2 12 9 23 8.15 0.02*

Competente 10 5 6 21 1.61 0.45

Equidad 10 6 4 20 1.66 0.44

Amor 4 9 6 19 2.16 0.34

Convivencia social 6 6 5 17 0.03 0.99

Paz 4 9 4 17 2.39 0.30

Prosperidad 7 5 2 14 1.64 0.44

Aspiración 4 6 1 11 2.52 0.28

Seguridad 2 3 3 8 0.59 0.74

Amigos 3 2 3 8 0.56 0.76

Creencia espiritual 1 2 2 5 0.67 0.71

*p<0.05, §p<0.2

El AC se utilizó con el objetivo de observar patrones de semejanzas y diferencias en las categorías entre los grupos laborales. Para ello se utilizaron las categorías construidas a partir de las asociaciones libres frente al estímulo “Bienestar”.

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En la Tabla 5 se encuentran las 19 categorías y se desglosa por categoría la cantidad de asociaciones brindadas por los sujetos dentro de cada grupo laboral y categoría. Las columnas finales presentan el resultado de aplicar la prueba de independencia y los valores correspondientes. Esta prueba estadística se hace por cada categoría respecto a los tres grupos laborales considerados.

Se hallaron diferencias significativas entre la noción de bienestar de los tres grupos laborales respecto a las categorías solvencia económica, trabajo, condiciones materiales de vida y tranquilidad, siendo más acentuada la diferencia en las dos últimas categorías.

Se considera que estas diferencias entre los grupos laborales respecto a las categorías trabajo, solvencia económica y condiciones materiales de vida han sido ya explicadas. Este resultado del AC puede ser una evidencia más a favor de la tendencia encontrada, en la que el trabajo se asocia al bienestar, principalmente, a factores extrínsecos como la solvencia económica o por su condición de medio de vida.

Las diferencias estadísticamente significativas encontradas entre los grupos con respecto a la categoría tranquilidad, será estudiada en profundidad con posterioridad, pues se considera que puede ser transversal o de contexto, en la relación bienestar y trabajo.

En la Figura 9 se muestra el resultado del AC con los datos de la Tabla 3. La proyección en dos dimensiones mostró ser suficiente, dado que se explicó el 95.94% de la variabilidad presente en los datos donde X2 = 42.90, gl = 36, p = 0.19.

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Figura 9: Análisis de correspondencias de los datos de la categorización.

Los resultados que muestra esta figura ofrecen datos que han sido analizados como parte del estudio y otros cuyo análisis desborda los objetivos de este capítulo y que brindan nuevas perspectivas para investigaciones futuras.

Los trabajadores cooperativistas se posicionan muy cerca de las categorías solvencia económica, condiciones materiales de vida y equidad. Entre las categorías más lejanas se hallan tranquilidad y estudios. Los cuentapropistas se colocan junto a las categorías felicidad, paz y creencia espiritual. Entre las categorías más lejanas se observan éxito y amigos. Los trabajadores estatales se ubican cerca de las categorías amigos y seguridad. Entre las categorías más lejanas se observan aspiración y éxito. Las categorías salud, familia y convivencia social ratifican su importancia para los tres grupos laborales.

Dimensión 1; Valor Propio: 0.06 (65.67% de inercia)

Dim

ensi

ón 2

; Val

or P

ropi

o: 0

.03

(34.

33%

de

iner

cia)

-0,8 0,8CategoríasGrupos laborales-0,6 0,6-0,4

-0,4

0,4-0,2

-0,2

0,2

0,2

EstatalAmigos

Seguridad

Tranquilidad

Amor

Creencia espiritual

EstudiosPaz

FelicidadProsperidad

Equidad

Solvencia económica

Cooperativista

Condiciones materiales de vida

Éxito

Salud

Cuentapropista

Autoestima

Convivencia social

Familia

0,0

0,0

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Conclusiones

En este capítulo se entiende el bienestar humano como un constructo multidimensional que se evidencia a través de juicios de satisfacción sobre las diferentes áreas vitales de significación para el ser humano. Entre estas áreas puede encontrarse el trabajo, en interacción con las otras esferas de la vida del sujeto.

El presente estudio indagó la noción de bienestar y su relación con el trabajo, en grupos laborales pertenecientes a diferentes modalidades organizativas del nuevo modelo económico-social cubano. A partir de la caracterización de la noción de bienestar por parte de los sujetos del estudio, se exploró la emergencia de demandas y recursos socio-psicológicos.

La noción de bienestar de los sujetos estudiados contiene como características fundamentales tener salud, solvencia económica, condiciones materiales de vida, familia, autoestima, felicidad, trabajo, convivencia social y tranquilidad. Según la minería de datos, los verbos “ser”, “tener”, “hacer” y las adjetivaciones “buena” y “estable” acompañan los componentes de la noción del bienestar en cada uno de los grupos laborales. Según el AC realizado, tienen igual importancia para los tres grupos laborales las categorías salud, familia y convivencia social. La solvencia económica, condiciones materiales de vida, tranquilidad y trabajo diferenciaron a los tres grupos en cuanto a su noción del bienestar.

Se observó una tendencia positiva discreta en la satisfacción de la caracterización del bienestar de los tres grupos laborales pertenecientes a tres modalidades de gestión diferentes. Los más satisfechos y medianamente satisfechos son

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los trabajadores cuentapropistas y cooperativistas, siendo los trabajadores estatales los que expresan mayor insatisfacción.

En cuanto a la relación entre bienestar y trabajo, se apreció en toda la muestra y en cada grupo laboral el reconocimiento y valorización del trabajo como componente del bienestar, en tanto área vital de elevada significación para los sujetos y también como principal recurso de afrontamiento para el alcance del bienestar.

El trabajo se asoció al bienestar en una relación extrínseca-intrínseca. Apareció con mayor frecuencia la relación de satisfacción extrínseca en la que el trabajo se asoció al bienestar como factor higiénico. Se encontraron también evidencias de una relación intrínseca, en donde el trabajo se asoció al bienestar por su contenido y significado, lo cual además se infirió por el tipo de recursos socio-psicológicos que se movilizaron en los tres grupos laborales.

La dinámica de la relación bienestar y trabajo fue principalmente extrínseca en cooperativistas y cuentapropistas. En el caso de los trabajadores estatales esta relación se distinguió porque cualidades tanto intrínsecas como extrínsecas del trabajo fueron asociadas con similar frecuencia al bienestar.

Las principales asociaciones y características del bienestar según los sujetos del estudio se concentraron en las áreas de la vida personal, familiar, laboral y social. En los tres grupos laborales el dominio trabajo-trabajar apareció como área vital de gran significación para los sujetos.

Las principales demandas emergentes vinculadas a bienestar y trabajo se relacionaron con auto-demandas de competencia y eficacia, de funcionalidad en la relación jefe-subordinado, comunicación, roles, manejo de emociones

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y superación. Los principales recursos socio-psicológicos que se identificaron como emergentes fueron: la autonomía, la competencia, la esperanza, las relaciones de apoyo y sentimentales, las relaciones sociales, la autoestima, el autocuidado y la pertenencia.

Recomendaciones para el trabajo futuro de la investigación

Para continuar la investigación se propone interpretar la caracterización de la muestra en el contexto cubano actual, comparando las proporciones obtenidas con los datos socio-demográficos de la población cubana. Además, evaluar y perfeccionar el esquema de categorías construido para la caracterización de la noción de bienestar de los participantes en el estudio. Resultará interesante ampliar la muestra e incluir otros sectores laborales. Un elemento metodológico fundamental es culminar el proceso de validación del Cuestionario BHPLS. Además, puede valorarse la utilización de escalas e instrumentos complementarios. En cuanto a las áreas vitales de mayores exigencias para el sujeto respecto al bienestar, las relaciones de pareja -en el área familiar- y el ámbito comunitario -en el área social- deben ser estudiadas con mayor detalle. Pueden realizarse estudios posteriores para la construcción de escalas de demandas y recursos específicos, que partan de las demandas y recursos socio-psicológicos emergentes en esta investigación. La continuidad y profundización de estos estudios permitirá continuar el planteamiento de

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hipótesis de trabajo sobre la vinculación de los individuos y las organizaciones, en busca del bienestar humano y el desarrollo organizacional.

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Questões metodológicas na pesquisa qualitativa em psicologia

do trabalho: entrevista e ética entre pesquisador e pesquisado

Cristina Miyuki Hashizume Karina Moutinho

Cenário: intensificação e precarização das relações de trabalho

A financeirização dos valores laborais e a mercadorização de tudo o que possa ser convertido em valor de troca reflete uma reprodução societal de valores descartáveis e geradores de necessidades supérfluas, a qual se sobrepõe à produção dos bens socialmente úteis. Desde a década de 1980, a informalidade nos diferentes setores, na economia, no mercado e no trabalho, explica processos de precarização das relações laborais a partir da reestruturação econômica e da crise do padrão fordista de organização do trabalho.

A precarização deixa de ser um problema apenas dos países periféricos do capitalismo, tornando-se dos países em geral, explicitando-se na relocalização espacial da indústria, numa busca incessante pelo rebaixamento de custas empresariais e no aumento da imigração internacional

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QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADO

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generalizada. A precariedade estrutural se soma à precariedade “histórica” de diferentes grupos sociais e éticos presente na informalidade. A grande fábrica, substituída pela empresa enxuta, de menor tamanho, acompanha a troca do trabalhador taylorizado pelo trabalhador polivalente, multifuncional, que realiza diversas atividades, demandando deste uma formação permanente.

A alteração de ritmos, as formas de organização e o tempo de duração dos produtos passam a intensificar o trabalho com novas tecnologias organizacionais, o que elimina trabalhadores considerados desnecessários, enxugando o chão de fábrica e focando na atividade fim da empresa e na terceirização dos demais setores. Há um aumento do trabalho ilegal, parcial, temporário e sem garantias que não se limita mais a uma economia visando a pobreza, mas serve também para grandes empresas reduzirem seus custos, fugindo do trabalho regular e dos impostos, o que entendemos que, no contexto atual, terá impactos sobremaneira no pós pandemia, trazendo novas configurações nas relações laborais. O Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda de 2020 traz importantes mudanças, ainda não definidas, com as quais teremos que lidar nos próximos anos. Para Santos (2009), o termo precariado é empregado a um proletariado que é colocado em situação de progressiva perda de direitos sociais básicos, num processo em que se torna iminente a perda de conquistas sociais conseguidas por lutas organizadas pelas categorias profissionais ou pela ação dos trabalhadores como classe (ANTUNES, 2018; BRAGA, 2017).

Num cenário em que o trabalho se encontra cada vez mais intensificado e precário, faz-se urgente o debate sobre pesquisas e metodologias de cunho qualitativo para o aprofundamento de estudos sobre a subjetividade do trabalhador (saúde mental

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QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADO

321CRISTINA MIYUKI HASHIZUME, KARINA MOUTINHO

e processos psicossociais do trabalho). Nesse sentido, nossa contribuição, neste capítulo, é problematizar a entrevista como método alicerçado em uma ética com vista a buscar margens de enfrentamento às diversas temáticas que envolvem os processos contemporâneos do trabalho.

Em Ciências Humanas e Sociais, tem sido recorrente o uso de entrevistas como instrumento privilegiado para entendimento de uma diversidade de fenômenos. A entrevista é reconhecida como um dos instrumentos mais utilizados em trabalhos científicos na atualidade (BRITTO JR.; FERES JR., 2011). A técnica, que pode ser caracterizada minimamente como um encontro conversacional entre, pelo menos, duas pessoas, tem sido apresentada na literatura científica como podendo ter diferentes modalidades, objetivos, procedimentos a ser adotados pelo/a pesquisador/a e resultados esperados a ser obtidos. A esse respeito, vamos encontrar proposições variadas de entrevistas, como as entrevistas narrativas (GERMANO; SERPA, 2008; JOVCHELOVITCH; BAUER, 2008; MUYLAERT et al., 2014), as episódicas (FLICK, 2008), as individuais e as grupais GASKELL, 2008), entre outras. Diante dessas apresentações, acentua-se o desafio por construir uma discussão igualmente pertinente, mas diferenciada, a respeito das entrevistas, e que nos ajude a pensá-las sob um ângulo que nos auxilie na construção de conhecimento. Nosso entendimento, e assim vamos caminhar neste artigo, é que precisamos pensar a entrevista a partir de uma reflexão epistemológica e, retomando Bendassolli e Gondim (2014), que inclua um projeto de cientificidade do/a pesquisador/a, especialmente no que tange ao nosso interesse, que é o campo da relação trabalho-saúde.

Isso posto, o objetivo deste artigo é promover uma discussão epistemológica sobre a entrevista na pesquisa

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QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADO

322CRISTINA MIYUKI HASHIZUME, KARINA MOUTINHO

qualitativa em investigações em saúde e trabalho, defendendo a necessidade de uma articulação entre a teoria adotada e o método eleito, a partir de uma reflexão ético-política da relação entre entrevistador/a e entrevistado/a. Mais do que uma escolha técnica pelo método, defenderemos a necessidade de uma coerência teórico-epistemológica, em que o instrumento deve ser consequência de um referencial teórico adotado e de sua compreensão sobre o objeto de pesquisa. Para tanto, analisaremos a entrevista como lugar performático entre os envolvidos na interlocução no qual, neste caso, o pesquisador/entrevistador passa a ser entendido como parte do processo de construção simbólica que ocorre entre entrevistador e entrevistado.

Para ilustrar essa discussão, apresentaremos resultados de uma pesquisa qualitativa que usou entrevistas com funcionários técnicos e administrativos de uma grande universidade de São Paulo. O objetivo dessa pesquisa era relacionar as condições de trabalho, sofrimento e participação política desses trabalhadores, situando-os nas discussões sobre a precarização das relações de trabalho na universidade pública. A pesquisa tinha por base análises e discussões a partir da Psicossociologia Clínica do Trabalho. O artigo conclui discutindo a ética em pesquisa qualitativa, problematizando a relação entre entrevistado e entrevistador e os desafios epistemológicos e ético-políticos presentes nas investigações em Psicologia do Trabalho. Nesse caso, apontaremos algumas limitações das entrevistas e os ganhos que o uso de outros instrumentos podem trazer para a construção de conhecimento nesse campo de estudos.

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O projeto de cientificidade e a entrevista

Os estudos que investigam a relação trabalho e saúde, com frequência, requerem o uso de entrevista, entre uma diversidade de outros métodos. O encontro mediado pela linguagem que caracteriza a entrevista permite conhecer e, ao mesmo tempo, provocar transformações na experiência de trabalho não conhecidas previamente pelo pesquisador/a. A forma como vamos conceber e nos posicionar em relação à entrevista dependerá do projeto científico ao qual nos filiamos e, nessa direção, faremos algumas considerações.

A construção de conhecimentos a respeito da área de trabalho segue forte influência de pressupostos positivistas ou neopositivistas, constituindo o que Bendassolli e Gondim (2014) chamam por projetos científicos tradicionais. Nessa perspectiva, explicam os autores, a construção de teorias se fará de duas maneiras: 1) pela observação direta de um mundo empírico no qual o pesquisador precisará estar isento em relação a conhecimentos prévios que direcionem suas observações; e 2) a partir de conjecturas criadas pelo pesquisador e em relação às provas de falseabilidade criadas em situação de pesquisa. Em ambos os casos, segundo os autores, admite-se a existência de um mundo empírico, seja ele observável, seja manifesto como leis universais que são explicativas de um ordenamento possível para esse mundo empírico.

Essa compreensão sobre a construção de conhecimentos, Bendassolli e Gondim (2014) destacam como divergente daquela que caracteriza o fazer pesquisa e intervenção nas clínicas do trabalho, em que vamos encontrar a Psicossociologia Clínica do Trabalho, que inspira a reflexão que faremos neste estudo. Em linhas gerais, as clínicas do trabalho repousam

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sobre o que chamam de novos projetos de cientificidade. A esse respeito, destaca-se, por exemplo, a “virada linguística”, que, conforme mostra Lightfoot (1997), caracteriza-se desde o início do século passado como um movimento pós-positivista que vem constituindo uma proposição diferenciada para a construção do saber, de ampla difusão entre áreas diversas, como a Filosofia, Psicologia, Antropologia, Sociologia e Ciência Política. É também conhecido como “turno interpretativo”, “turno cultural”, “turno discursivo” ou mesmo “turno pós-estruturalista” e busca superar os pressupostos filosóficos da ciência moderna, mas hegemônica até os dias atuais (BROCKMEIER; CARBAUGH, 2000).

Por sua vez, Nietzche, Heidegger, Austin, Dilthey, Gadamer, Wittgeinstein (em seus escritos mais tardios), entre outros estudiosos, contrapunham-se a esse modelo de ciência positivista, voltado à apresentação de respostas absolutas sob a investigação de uma realidade verificável, e propunham a construção de conhecimento como uma ação interpretativa (LIGHTFOOT, 1997; MOUTINHO, 2010). Em pauta estava a defesa de que as ciências humanas tinham diferenças marcantes em relação às ciências naturais, sendo seu objetivo compreender a ação humana; e para que esta seja entendida, o investigador teria que compreender do significado envolvido nessa ação (SCHWANDT, 2006).

Com o significado em cena, um reposicionamento é necessário sobre o mundo empírico. A esse respeito, Bendassolli e Gondim (2014) destacam que o empírico é atravessado pela linguagem tanto quanto as teorias construídas para explicar esse universo, o que, ressaltam os autores, contribui para a defesa de que as teorias são generativas ou perfomativas. Ou seja, elas não são representativas de hipóteses estáveis e

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articuladas ou de realidades verificadas; as teorias constituem o próprio mundo empírico, o qual pretendemos entender e, por conseguinte, intervir nele.

Realizar entrevistas, mais que uma escolha neutra de um método, implica em assumir um projeto de cientificidade face às diferenças basilares que cada um deles possui. Algumas das implicações dessas diferenças vamos apresentar a seguir, numa análise ainda verticalizada para as entrevistas de forma geral, com o fim de ilustrarmos a implementação das entrevistas em relação a um estudo feito à luz da Psicossociologia em uma universidade pública brasileira.

A entrevista como instrumento de acesso a fatos e como lugar de relação entre entrevistador-entrevistado

As duas formas de conceber pesquisa que sintetizamos neste estudo são as (neo)positivistas e as pós-positivistas, que vão constituir diferentes usos das entrevistas. Explicaremos cada um deles a seguir, iniciando pelos chamados projetos mais tradicionais. Na sequência, discutiremos aquela que está em sintonia com a virada interpretativa e à qual a Psicossociologia Clínica que defendemos se filia.

Na defesa por um mundo empírico a ser revelado ou hipotetizado, ou, como antes mencionamos, concebido como uma realidade com leis próprias a ser descoberta, as técnicas de pesquisa são, de forma geral, entendidas como instrumentos que potencializam tais descobertas, as revelações sobre o mundo

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empírico e a construção de conhecimento. Nesse sentido, as entrevistas são tomadas como o que chamamos de “instrumentos de acesso”, uma vez que elas permitem a obtenção de informações sobre uma realidade vivida por aquele que é entrevistado, a partir de roteiro de perguntas que tenham sido previamente elaboradas com maior ou menor flexibilidade, fundamentadas em teorias ou conhecimentos prévios do pesquisador.

Na direção do que temos sugerido, destacamos: 1) o/a entrevistado/a é tomado/a como alguém que possui uma experiência vivida e reproduzível na entrevista por meio da linguagem; 2) a linguagem é tomada como veículo que contém tanto um saber científico formalizado em perguntas por parte do pesquisador quanto experiências que são expressas pelo entrevistado. Nessa direção, o resultado de uma entrevista (seja uma conversa, uma narrativa, seja qualquer outra produção discursiva, linguística) constitui uma realidade vivida num outro tempo, que se considera passível de ser reproduzida na ocasião do depoimento. O tempo é tomado como reversível e a entrevista constituída como um instrumento que transporta as experiências originais sobre as quais se queira investigar; finalmente, 3) o/a entrevistador/a se posiciona como pesquisador/a devidamente preparado/a para a coleta das informações e, movido por uma neutralidade e objetividade científicas, será capaz de obter a experiência necessária para desvelar o objeto de interesse da investigação.

Tomemos como exemplo desse tipo de ref lexão os métodos de pesquisa que geram relatos autobiográficos, como a entrevista narrativa (Jovchelovitch & Bauer, 2008). Nessa direção, Bamberg (2007) destaca que, no início do século XX, variadas investigações trataram as autobiografias, privilegiadamente, como expressão de uma realidade vivida

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pelo narrador em momento precedente à narração. Uma diversidade de experiências contadas em situação de pesquisa, sobre um universo variado de experiências sentimentais, familiares e de trabalho, compunha um enredo sobre a vida de uma pessoa. A vida do narrador e ele próprio eram revelados em sua autobiografia. Acreditava-se, então, que era possível conhecer sobre a realidade da vida e/ou do narrador por meio de seu relato autobiográfico, uma vez que, em seu formato, as narrativas permitiriam “observar” os personagens no tempo e no espaço, conectando eventos passados ao presente e também exibindo as transformações desses personagens ao longo do tempo, do passado ao futuro. Um relato autobiográfico traria, então, as situações de estabilidade e transformação em relação à vida do narrador. Assim, entendia-se que a autobiografia se igualava à própria vida. Desse modo, dizemos que, quando compreendo que um mundo empírico existe a ser desvelado – ou ainda que assim não o compreenda, mas dessa forma proceda em relação às entrevistas –, as entrevistas são instrumento de acesso a vidas humanas, em que o/a pesquisador/a se apresenta como um coletor de experiências narradas numa situação planejada e dedicada à pesquisa.

Assumindo um modelo de ciência que não se inscreva nos pressupostos (neo) positivistas mas que reconheça pressupostos do “turno interpretativo”, por exemplo, a linguagem assume um estatuto privilegiado e diferenciado do que se admitia até então. Como temos abordado, a crise pós-moderna da ciência trouxe-nos questionamentos sobre a impossibilidade de existir uma referência imutável ou real para os símbolos que constituem uma linguagem. Ressalta-se a importância de se considerar o “uso da linguagem”, pelo entendimento de que as palavras, quando articuladas, ganham sentidos particulares,

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QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADO

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que transcendem aquele que está estabelecido nos dicionários e se vinculam ao contexto em que são usadas, ao momento sócio-histórico de produção (por exemplo, HARRÉ; GILLETT, 1999; MOUTINHO; DE CONTI, 2016; VALSINER, 2014).

Nessa concepção sobre linguagem e fazer ciência, reconhece-se a impossibilidade de estabelecer leis, generalizáveis, aplicadas a qualquer espaço, tempo e relações interpessoais. A esse respeito, Salvatore e Valsiner (2010) defendem uma perspectiva idiográfica de ciência, no esteio do pensamento de Wilhelm Windelband. Nesse caso, dizem os autores que, em relação à ciência psicológica, seus objetos de investigação ocorrem apenas uma vez e são dependentes do contexto no qual emergem. Continuam ainda defendendo que cada evento é único e essa é uma suposição ontológica, porque se refere à própria natureza inerente do objeto.

Além disso, no atravessamento da linguagem e na unicidade dos acontecimentos, destacamos a importância que a construção de sentidos adquire nessa perspectiva do fazer científico (VALSINER, 2014). A multiplicidade de sentidos que o ato linguístico envolve oportuniza entendermos a nossa experiência como uma experiência interpretativa. Quando somos usuários da linguagem, fazemos interpretações sobre o mundo: julgamos, relacionamos conceitos, justificamos nossas ações, atribuímos explicações e assim construímos sentido. Essas interpretações, como nos lembra Lightfoot (1997), são organizadores da realidade, porque elas dão coerência às nossas experiências. Assim, como pesquisadores/as, o trabalho de explicar ações passa a ser um ato interpretativo (BENDASSOLLI; GONDIM, 2014) de construção de possibilidades explicativas numa realidade de plausibilidade e não de objetividade apreensível. A palavra

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QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADO

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se apresenta como símbolo de comunicação por excelência, na qual se constroem valores, normas e significações individuais. Ao mesmo tempo, com ela, o entrevistado representa grupos determinados em condições históricas, socioeconômicas e culturais específicas.

Voltando-nos à reflexão sobre a entrevista usada pelo/a pesquisador/a que adere aos novos projetos de cientificidade – nosso caso, como defensores da Psicossociologia Clínica –, ela é entendida como um setting bastante específico, como destacam Abbey e Zittoun (2010), que a ressaltam como uma situação dialógica com organização semiótica específica em um contexto de pesquisa. Nesse setting, continuam as autoras, a entrevista é uma situação de diálogo que depende primeiramente do entendimento de todos os envolvidos, no que tange a compartilhar de uma definição para o que deve ser feito na ocasião. Ao mesmo tempo, cada um irá singularizar, nos sentidos construídos, o que deve ser dito e o que deverá ser feito na situação.

Abbey e Zittoun (2010) destacam que há um segundo ponto importante na dinâmica da entrevista: a construção do que chamam por frame de diálogo, ou seja: uma espécie de “moldura”, “enquadramento” semiótico na qual se dá uma dinâmica conversacional. Ela se constrói nas trocas intersubjetivas, ao mesmo tempo que as constitui e depende da experiência humana na cultura. É com esse frame que definimos o que pode ou não ser dito numa entrevista, para aquela pessoa em especial. Se o contexto da pesquisa se caracteriza, por exemplo, como uma entrevista em que o/a pesquisador solicita uma narrativa pessoal, em um ambiente privado, fora do ambiente de trabalho, com a garantia de sigilo, para se tratar sobre a experiência de trabalho, o/a participante poderá então sentir-se confortável

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para falar de dores, de sofrimentos, ainda que o relato dessas informações não tenha sido solicitado diretamente. No frame constituído entre eles, entrevistador/a-entrevistado/a, pode se favorecer uma dinâmica de narrativa autobiográfica, rica em elementos afetivos, emocionais, escapando-se de uma conversa mais descritiva e pouco detalhista. Ou, ao contrário, gerar uma dinâmica de intimidação pelo excesso de informações particulares que parecem ter necessidade de ser ditas por um participante com receio de perseguições, o que caracterizaria outra “moldura”, outro frame relacional.

O/a entrevistado/a, então, nessa interpretação e fazer científicos, é alguém com quem se constrói uma relação, que interfere no caminhar da conversação, do diálogo, ao mesmo tempo que sofre, reflete e se transforma a partir do que está sendo perguntado. Não se trata, pois, de “acessar” a experiência vivida, mas de entender, na unicidade do acontecimento da relação com o pesquisador, o que está sendo significado, construído. A linguagem, então, não carrega uma verdade, mas é o lugar no qual se dá a significação. É no uso das palavras, dos recursos simbólicos, que participante e pesquisador se constituem, na oportunidade de se revisitarem pelas trocas simbólicas planejadas ou criadas no encontro criado. O resultado de uma entrevista é um produto a ser circunscrito no tempo e no espaço, dependente do arranjo sociocultural do qual emergiu. Simultaneamente, é processo de mudança, de transformação, já que, considerando-se a irreversibilidade do tempo (DIRIWÄCHTER; VALSINER, 2005; LYRA, 2006; VALSINER, 2002; 2014) e as possibilidades desenvolvimentais, a entrevista também oportunizará um conjunto de mudanças para todos os envolvidos na situação. O/a entrevistador/a admite a pesquisa numa relação de interdependência à

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QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADO

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intervenção e assume um compromisso com a transformação, convergindo para o projeto das clínicas do trabalho. Ao ouvir as histórias das pessoas, trabalhadores e trabalhadoras, muitas vezes advindas de demandas de mudanças em suas relações pessoais, institucionais, sociais, políticas, o profissional se orienta para a ação, ao passo que o saber e a ética se entrelaçam e caminham para um projeto ético-político (BENDASSOLLI; GONDIM, 2014).

Psicossociologia clínica: a teoria e o uso de entrevistas

As reflexões desenvolvidas neste estudo iluminam um caminho de diferenciação do uso das entrevistas em dois caminhos científicos: (neo)positivistas e pós-positivistas, entre os quais, neste último, encontra-se a Psicossociologia do Trabalho. Iniciaremos, a seguir, uma apresentação sobre essa fundamentação teórica que tem sido de amplo uso para estudo da relação trabalho-saúde e, em seguida, faremos a apresentação de resultados de um estudo que recorreu às entrevistas para tratar dessa relação.

Frente ao mundo do trabalho do século XXI, impõe-se a exigência de uma reflexão teórico-metodológica, mobilizando a imaginação dialética no desvendamento crítico das atuais condições de expansão ilimitada do capital em novas e complexas conexões de tempo e espaço, o que nos demanda uma tarefa epistemológico-política do presente, a circunscrever uma agenda de estudos e investigações (CARVALHO, 2014). Posto isso, faz-se mister um esforço de análise do pesquisador

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de Psicologia do Trabalho para apropriar-se, no âmbito do pensamento crítico, da complexa e instigante realidade do mundo do trabalho na contemporaneidade, adentrando em suas determinações e engendramentos, tanto de ordem macrossocial como individual.

É importante ressaltarmos a necessidade de uma estreita relação entre o método eleito na pesquisa em Psicologia do Trabalho e o seu referencial teórico. No âmbito das clínicas do trabalho, são diferentes as abordagens possíveis, e, neste estudo, discorreremos sobre nosso modo de trabalho na pesquisa em Psicossociologia Clínica. Esse tipo de pesquisa se atrela a uma intervenção transformadora, por isso, nós a chamaremos de uma pesquisa-intervenção (ROMAGNOLI, 2014), conceito usado pelos psicossociólogos para assumir a não pretensão de neutralidade em relação a seu campo de estudo, além de um engajamento ético-político em relação aos trabalhadores envolvidos na pesquisa. A pesquisa-intervenção visa produzir formas de emancipação daqueles que nela estão envolvidos, tanto individual como coletivamente (AGUIAR, 2003; PASSOS; BENEVIDES, 2003).

A Psicossociologia se insere no conjunto de teorias das clínicas do trabalho e surge na França, no final dos anos 1940, identificada com os trabalhos de orientação freudo-marxista. Apoia-se na dimensão clínica e na pluralidade disciplinar. A dimensão clínica vem do sentido etimológico da palavra: observar diretamente, junto ao leito do paciente, estar “perto de” ou “em face de”. Balizados no referencial eleito, partiremos de uma visão de clínica peculiar, que remete a pesquisas e práticas centradas em casos individuais, particularmente casos problemáticos, para os quais precisamos encontrar soluções, cujos problemas não recaiam sempre e apenas sobre indivíduos

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mas também sobre grupos, organizações, acontecimentos, situações sociais particulares, que são examinados sob o ângulo de sua singularidade e de sua especificidade. A partir dessa perspectiva, não se trata de curar ou de cuidar, mas sim de mudar, prevenir ou melhorar uma dada situação (CARRETEIRO; BARROS, 2011, 2014). Essa dimensão clínica também se refere à atenção constante aos sentidos que ao longo do trabalho vão se coproduzindo com os participantes. Toda a situação é considerada particular, mas perpassada por aspectos transversais, comuns a outras situações. A dimensão psíquica dos sujeitos sociais e coletivos (inclusive o campo pulsional) participa da produção de sentidos.

A pesquisa Psicossociológica, portanto, melhora a compreensão das pessoas sobre os significados das situações vividas, fazendo com que busquem respostas aos problemas. A perspectiva plural aponta para a importância de que diferentes lentes disciplinares possam ser solicitadas nas pesquisas e intervenções, do que decorre acreditar que todo objeto se constrói na interface de várias disciplinas. Para cada grupo de trabalhadores que é investigado na pesquisa, uma demanda (mesmo que implícita) deve ser demarcada. O objeto da demanda é pensado como um processo, uma etapa para mudança de uma situação.

O pesquisador da Psicossociologia implicado na pesquisa é atravessado pelas mesmas problemáticas que afetam os sujeitos participantes das intervenções que realiza e não pode furtar-se ao seu próprio questionamento. O conceito de implicação também se refere a engajamento, responsabilidade, subjetividade e intersubjetividade, e vai determinar o tipo de escuta que o pesquisador fará (CARRETEIRO; BARROS, 2011, 2014).

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Do mesmo modo, o saber dos trabalhadores estudados é considerado da maior importância, já que seus conhecimentos são fruto de contextos sócio-históricos de produção diferenciados: acadêmicos ou práticos. Nesse sentido, a relação de implicação entre pesquisador e pesquisado é horizontal e respeitosa, aberta a diferentes vozes. Produz interpretações e discursos contra-hegemônicos capazes de combater visões generalizantes e preconceituosas contra indivíduos, grupos de coletividades, reconhecendo a importância do saber prático do trabalhador que aceita participar da pesquisa. Hoonard (2011) ressalta alguns aspectos na relação necessária entre pesquisador e pesquisado em trabalhos de campo em Ciências Humanas e Saúde: o pesquisador deve abrir mão da postura “ortopédica” de consertar atitudes ou práticas consideradas por ele como inadequadas; e a descrição do como se dão as relações sociais no trabalho deve ser priorizada à busca pelas causas – para além da causalidade, há um conteúdo que deve ser conhecido, aprofundado, descrito. Ao entrar em relacionamentos autênticos com os/as participantes da pesquisa, os/as pesquisadores/as podem abrir mão de seus preconceitos e perspectivas estereotipados sobre as organizações sociais, identificando possibilidades para se pensar a situação social com mais precisão. Além disso, possibilita aos pesquisadores saírem de seus universos culturais e sociais mais imediatos e se colocarem prontos para adotar ou aprender sobre o mundo de seus participantes de pesquisa. Nesse enfoque, os dados não substituem as relações, mas se mantêm no cerne das análises das pesquisas.

Nesse sentido, a escolha pelo instrumento entrevista, seja ela individual, seja coletiva, deve assumir o caráter processual da pesquisa e de seu método. O projeto e seus

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procedimentos devem ser vistos como intenções que permitem pôr a pesquisa em movimento, numa disposição aberta à invenção de dispositivos metodológicos capazes de acompanhar o que se apresenta no campo. Os entrevistados não são meros informantes, mas construtores de um caminho na investigação. Tal caráter processual da pesquisa acolhe a contestação de abusos de poder e sua reflexão, requerendo do/a pesquisador/a a disponibilidade para o outro e a complexidade e singularidade de cada experiência de campo que se apresenta nos depoimentos (SCHMIDT; TONIETTE, 2011). Também entendemos ser o campo a própria relação de diálogo compreensivo e não apenas o lugar de comprovação de verdades ou hipóteses previamente estabelecidas.

A entrevista nas pesquisas em Psicossociologia do Trabalho, que acompanha a abordagem das clínicas do trabalho, requer uma postura horizontal entre pesquisador/a e e pesquisado/a, sendo o último um interlocutor com o qual se estabelece uma relação, como antes destacamos, cujo saber será fundamental para a construção de um sentido transdisciplinar ao fenômeno laboral estudado. Por isso, trata-se de uma discussão ético-política, tendo em vista ser necessária a reflexão sobre a postura do pesquisador, sua relação de abertura às disciplinas que atravessam a abordagem psicossociológica, além de uma aceitação e postura de implicação e engajamento com a ampliação das mudanças sociais, no sentido de garantir relações mais justas que promovam saúde no trabalho. Esse direcionamento demarca a nossa ética como pesquisadores/ entrevistadores.

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Para ilustrar...

A partir da perspectiva já descrita, faremos reflexões obtidas de uma pesquisa qualitativa realizada por uma das autoras deste capítulo, com 10 funcionários técnicos e administrativos, de ambos os gêneros, trabalhadores há, pelo menos, 10 anos numa universidade pública do estado de São Paulo. O objetivo do estudo foi relacionar as condições de trabalho, o sofrimento e a participação política desses trabalhadores, situando-os nas discussões sobre a precarização das relações de trabalho na universidade pública. O intuito, para o presente capítulo, não é analisar as entrevistas, mas discutirmos o instrumento entrevista, os papéis de entrevistado/a e entrevistador/a, e a importância da produção discursiva como material relevante para a produção de conhecimento e o aprofundamento em Psicossociologia do Trabalho.

A entrevista se mostrou, nessa ocasião, um importante instrumento para se estabelecer uma relação com os participantes e nela ressignificar a vivência de sofrimento e de prazer no trabalho, conhecendo a tarefa e a atividade desempenhada pelo trabalhador, os aspectos da gestão do trabalho, os conflitos entre os valores da instituição e pessoais. Optou-se pela entrevista semiestruturada, pois ela nos possibilita a f lexibilidade da conversação e, por conseguinte, a construção de um enquadramento de conforto ou favorabilidade ao diálogo sobre os tópicos do roteiro e outros temas da entrevista, mediante o aprofundamento dos comentários do entrevistado. Com o uso de entrevista semiestruturada, a interação se deu de modo mais informal, partir de contato mais estreito e verticalizando tópicos, pedindo esclarecimentos, mantendo um frame, para retomarmos a

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expressão usada por Abbey e Zittoun (2010), que mantivesse o incentivo à contação de estórias, eventos, acontecimentos e de outros pontos que o entrevistado dizia sobre a pesquisa, o que tornou a interação mais flexível e aprofundada. As tratativas junto ao grupo de trabalhadores e a apresentação da pesquisa foram etapas importantes que aproximaram a pesquisadora dos entrevistados. A realização do rapport também foi uma etapa preliminar importante para balizar os enunciados e o seu entendimento. Já na pesquisa, com cada um dos/as entrevistados/as foram realizados pelo menos três encontros: uma primeira apresentação da pesquisa, a entrevista em si e a devolutiva da transcrição, com novos aprofundamentos sobre o primeiro depoimento. Esse processo também foi um facilitador, pois aproximou entrevistado/a e entrevistadora.

No que tange às condições de trabalho, a entrevista também foi um instrumento privilegiado para construir sentidos acerca da sobrecarga de trabalho, do conhecimento do ambiente de trabalho, da política de remuneração, satisfação ou insatisfação com a instituição. No que se refere às relações interpessoais, por meio da entrevista, pudemos conhecer a relação entre os pares no trabalho técnico da universidade, assim como as relações com o usuário principal dos serviços da universidade, ou seja, o alunado. A escolha dos entrevistados/as foi por indicação dos próprios participantes, no entanto, na medida em que as entrevistas foram sendo realizadas, e a depender dos contextos, novos participantes foram sendo incluídos no estudo. Foram utilizadas na pesquisa entrevistas individuais, mas acreditamos que a entrevista em grupo ofereceria também especial oportunidade para explicitar as divergências de opiniões e as interações entre os trabalhadores em relação ao tema.

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Sobre o trabalho técnico na universidade…

É importante ressaltar a importância das tratativas e do processo inicial da pesquisa em Psicossociologia do Trabalho. Entendemos que as relações de trabalho são atravessadas por questões de ordem mais ampla (política de carreira do serviço público, questões político-institucionais e micropolíticas, econômicas e financeiras, sociais e culturais), que engendram a realidade dos depoentes.No momento em que essa pesquisa foi realizada, a universidade passava por um questionamento a respeito do plano de carreira dos funcionários e, a partir de seus depoimentos, foi percebido o tratamento institucional dado ao funcionário técnico-administrativo (comparado ao docente) no que tange ao seu plano de carreira, bem como foram identificados a influência das decisões docentes na construção do plano de carreira dos técnicos e os critérios de concessão das gratificações financeiras, estas últimas, influenciadas por decisões políticas e de favorecimento para um ou outro funcionário. As tratativas para a pesquisa revelam o lugar dos papéis na universidade.

Nossa implicação com o tema demarca o posicionamento político institucional para o qual é direcionado o depoimento do entrevistado: uma estudante de pós-graduação (à época) interessada nas relações de trabalho dos técnicos da universidade sinalizava uma abertura para a escuta de um segmento da universidade que, a princípio, não via garantida a expressão de seus posicionamentos. A relação altamente hierarquizada entre os docentes e técnicos nessa tradicional universidade pública paulista é explicitada na entrevista, sendo este um locus privilegiado de uma relação de confiança e ética entre pesquisador e pesquisado. As relações de competição entre

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as categorias, a desvalorização e o tratamento diferenciado dado, assim como estratégias de controle de pessoal (ponto, produtividade, horários, plano de carreira, regime de trabalho com a universidade) foram exemplificadas como assimetria entre docentes e funcionários técnicos da universidade.

Para efeito desta pesquisa, analisaremos dois depoimentos mais detalhadamente, que chamaremos de entrevistas 1 e 2. Para tanto, foram tomadas as seguintes medidas: garantia do anonimato dos entrevistados, assinatura do termo de consentimento e livre esclarecimento, e envio da transcrição para o colaborador antes do início da análise do depoimento. Além desse aspecto mais técnico dos procedimentos de ética em pesquisa, foi realizada uma aproximação com os funcionários, nas tratativas anteriores à entrevista em si, a respeito do que pensavam sobre o assunto, de modo a compreender seu interesse e envolvimento em relação ao tema investigado na pesquisa, o que pensavam sobre o assunto, de modo a compreender seu interesse em relação ao tema investigado na pesquisa.

Os referenciais clínicos do trabalho permitiram que essa relação entre pesquisador e pesquisado fosse construída durante as tratativas, nas idas ao departamento onde o funcionário atuava, na decisão conjunta do local onde a entrevista seria realizada, e na coleta do relato em si. Da confiança entre pesquisador e pesquisado, o depoimento flui de forma a construir uma compreensão sobre sua trajetória profissional e pessoal, ilustrando-a com suas opiniões sobre as relações de trabalho e mobilização política. Outros aspectos valorizados durante a entrevista foram: a voz do entrevistado, sua entonação, pausas e vaivéns sobre os relatos.

O primeiro depoimento que analisaremos mais detalhadamente foi feito com um funcionário técnico, que

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atua há 20 anos na universidade, sendo que no momento da entrevista estava como secretário de departamento, bastante engajado em atividades como comissões, sindicato, além de ter formação (em cursos livres) e prática em gestão. No que se refere à atividade em si, no setor específico em que atua, descreveu sentir que há carência de funcionários, enquanto que, em sua opinião, outros setores têm funcionários demais. Relata ser comum trabalhar no sábado para compensar as demandas não atendidas, além de “cobrir” a outra funcionária, por ela estar grávida. Também discute as condições de trabalho (ausência de protetores de tela e instrumentos ergonômicos de uso do computador), dizendo que essa falta reflete incompetência na gestão do centro do qual faz parte. Ele questiona a avaliação que é feita do funcionário, a divulgação do “funcionário padrão” do setor e defende que um bom funcionário deve atender as expectativas do setor, do chefe da seção. No caso da atividade que exerce, acredita ser o melhor funcionário, já que se comunica melhor com o público, não se irrita facilmente, é pontual, e bem asseado. Essa avaliação de competências explicada por ele em seu depoimento causou uma insatisfação geral entre os colegas que não foram premiados, mas que tiveram pontuações altas.

Em seu relato transparece sua sensação de tratamento diferenciado em relação a professores e funcionários técnico-administrativos, demonstrando uma organização de trabalho verticalizada, o que se reflete no plano de carreira institucional. No primeiro depoimento a ser analisado, o funcionário conta sobre sua relação com a chefia imediata e os superiores (chefe de departamento e diretor de centro), pois esses atores afetam institucionalmente a atividade que ele desempenha no setor de alunos. Utilizou vários exemplos para explicitar o tratamento

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institucional que prioriza algumas categorias da academia, no qual, em sua visão, o funcionário técnico é tratado como se não tivesse tantos direitos como os alunos e docentes.

Ele ainda relata sobre o tratamento recebido no hospital universitário, o plano de carreiras e como era realizada a avaliação dos funcionários para efeitos de progressão funcional. Sobre o atendimento no Hospital Universitário, ele se refere à dificuldade dos funcionários para marcar consultas e exames; o plano de carreira, à época, ainda era bastante incipiente, e as progressões funcionais dependiam de um docente indicar e aprovar a gratificação financeira. Esse funcionário, ao mesmo tempo que falava da desvalorização da categoria no ambiente universitário, deixa claro, em seu depoimento, que a diretoria do curso não tinha competência gestora. Segundo ele, o interesse do professor no cargo de direção de centro se dava porque futuramente pretendia se candidatar a cargos na reitoria. Assim, ao passo que o entrevistado aponta a falta de valorização do funcionário técnico em relação à sua atividade perante o resto da academia, ele reconhece que alguns docentes da gestão universitária não realizavam todas as atividades necessárias, e dependiam dos funcionários técnicos e administrativos que auxiliavam a gestão, funcionários esses que detinham um saber-fazer importante para o cotidiano da gestão da universidade.

Nesse caso, o entrevistado apresenta uma visão bastante crítica, inclusive sobre a falta de transparência na avaliação dos funcionários, e parece não acreditar na possibilidade de melhora das relações interpessoais no trabalho, tendo em vista os atravessamentos políticos e simbólicos peculiares pelos quais passa o sistema de avaliação institucional do funcionário técnico. Isso o desmotivava a continuar na atividade,

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acreditando que os servidores que se mantêm nessa atividade o fazem por não conseguir inserção no mercado. A bricolagem entre experiência, impressões vivenciadas e história particular desse funcionário e as condições objetivas de trabalho a que está submetido são importantes para compreendermos como esse profissional construiu essa visão sobre a atividade que desempenha na universidade.

O segundo depoimento trata do relato de uma funcionária que atuava, à época, na área de Recursos Humanos da maior Faculdade da Universidade. Ela ressalta que atua em várias atividades e que a ideia é mesmo que todos os sete funcionários de seu setor saibam resolver todos os problemas demandados. Os procedimentos são bastante técnicos e específicos da rotina de Recursos Humanos, mas as relações sociais aparecem em seu depoimento como principal dificuldade no trabalho. Além de problemas de convívio com os procedimentos burocratizados do serviço público, a funcionária ressalta a dificuldade e a competitividade entre os funcionários quando um tem uma performance maior do que os demais. Relata o sofrimento que lhe causa estar num ambiente com tantos conflitos e que, apesar de ser vista como mediadora entre chefia e colegas, ainda assim, essa situação lhe é bastante estressora. Faz uma análise sobre a condição de ser funcionária pública, porém, sem estabilidade no emprego, já que os funcionários técnicos do estado de São Paulo são CLTistas. Relata a insegurança de vários colegas, que oscilam entre a “segurança simbólica” que a universidade pública oferece e a instabilidade do mercado. Afirma que ela mesma já pensou em sair da universidade para verificar a sua competitividade no mercado, apesar de reconhecer que ex-funcionários da universidade “tentaram ganhar a vida na iniciativa privada” e tiveram de voltar por terem sido demitidos.

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Relata que as relações de trabalho nessa Faculdade, a mais engajada politicamente da Universidade, eram mais saudáveis e solidárias, o que lhe trazia mais motivação no trabalho. Tem formação especializada na área em que atua, mas acha que nem todos os funcionários têm capacitação, e que, devido aos atravessamentos políticos, o trabalho não é desempenhado de forma eficiente, como deveria funcionar, o que lhe gera sofrimento.

É importante reconhecer que as análises dos dois participantes perpassam uma visão crítica e macroanalítica, que tece apreciações que ultrapassam a mera opinião individual de cada um: transitam pelos debates coletivos sobre a privatização da universidade pública, a ética do funcionalismo público e o senso comum a respeito desse trabalho, sua condição de funcionário e a forma como lidam com práticas que considera inadequadas na instituição. A entrevista como instrumento para construção e conhecimento de dados foi importante para compreendermos essa visão sobre o trabalho técnico na universidade mais do que para checar a veracidade do relato. Recuperar a construção do sentido para o entrevistado trouxe a possibilidade de ação e intervenção, transformando socialmente esse trabalhador. A reflexão sobre o tema levantado o coloca em exposição à problemática da pesquisa, requerendo um posicionamento político frente às questões da universidade. O posicionamento do entrevistado ora se confunde com o discurso do coletivo dos funcionários, ora reflete suas apropriações peculiares sobre os fenômenos relacionados ao trabalho. Problematizar essas facetas de sua compreensão possibilita, no mínimo, uma reflexão comprometida com a questão em tela. Na entrevista de devolutiva sobre a primeira entrevista, assim como nas outras três etapas, fica nítida essa

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transformação, assim como fica clara a reflexão que a leitura do depoimento por escrito suscita nos depoentes. A análise do seu papel na universidade os levou a uma autoanálise importante no que diz respeito a sua função como membro da academia. Seus posicionamentos refletiram em nós, pesquisadores, a criticidade e o saber acumulado pelo trabalhador, visto, no senso comum, como o lado mais fraco da academia. Dar voz a essa categoria de trabalhadores, em nosso entendimento, é intervir numa demanda do grupo minoritário que participou da pesquisa, já que os trabalhadores/entrevistados puderam se posicionar, embasando racional e afetivamente seus saberes sobre a atividade que realizam na universidade.

Para não concluir…

Nossas discussões sobre a entrevista nas pesquisas em Psicologia do Trabalho nos abrem várias possibilidades de atuação e desafios. Assim como na perspectiva deste livro, nosso objetivo é que a pesquisa qualitativa seja encarada como uma possibilidade de mudança social frente à intensificação, à precarização, ao esvaziamento do trabalho, cotejando possibilidade e margens de enfrentamento aos desafios que se apresentam. A partir da discussão metodológica proposta, acreditamos que uma nova ética na pesquisa qualitativa possa, a partir da inclusão de temas caros à atenção psicossocial e subjetividade no trabalho, provocar mudança social em diferentes espaços de trabalho.

Esse tópico se intitula dessa forma, pois entendemos que ainda há muito por se aprender sobre novas abordagens

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e métodos que possam abarcar a complexidade das novas relações laborais, sempre em mudança. A discussão ética se mostra necessária para compreendermos a importância de uma postura que não seja meramente neutra e objetiva, nos moldes tradicionais de fazer ciência, mas que problematize o conhecimento que está sendo produzido e seus objetivos. Neste estudo, não nos referimos à ética reguladora e normatizadora, que exige um comportamento a partir de condutas estabelecidas, pois, nesse caso, ao ser forjada de modo heterônomo, ela atua de forma alienante, sem garantir uma postura ética ao longo da pesquisa, mesmo tendo a chancela oficial (SCHMIDT; TONIETTE, 2011).

O/a pesquisador/a autônomo deve ser reconhecido, assim como seus interlocutores, como detentores da capacidade de refletir, decidir e agir, assumindo responsabilidade pelos efeitos de suas ideias e de seus atos. As Abordagens Clínicas do Trabalho assumem uma démarche apoiada na prática, em sintonia com a transformação das situações de trabalho, a potencialização do agir do sujeito em atividade, privilegiando outros aspectos que não a instrumentalização pura ou a reafirmação de verdades que são consideradas a priori. Trata-se de um projeto ético, pois se assume a intencionalidade dos atores sociais, o papel estruturante e fundante do trabalho, a importância dos sentidos, das razões e do agir prático do trabalhador, além de um claro comprometimento com valores na transformação do mundo real (BENDASSOLLI; GONDIM, 2014).

Reforçando o que enunciamos no início deste artigo, a pesquisa em Psicologia do Trabalho requer uma sintonia entre referencial teórico e objeto/tema de pesquisa, visto que utiliza um determinado recorte da realidade: elege uma categoria profissional, utiliza um determinado conceito de saúde e

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adoecimento no trabalho, coleta dados em certas circunstâncias e particularidades, captadas em seus mecanismos e leis subjacentes na teoria e pesquisa (BENDASSOLLI; GONDIM, 2014).

Portanto, nessa perspectiva, não é possível uma escolha de métodos e instrumentos de pesquisa baseados em aspectos puramente objetivos e baseados em manuais de metodologia de pesquisa científica. O empírico não é algo externo às vivências cotidianas dos sujeitos, ou algo à espera de uma revelação pelo método científico, mas construído a partir das teorias que buscam compreendê-lo. A interpretação irá explicar a ação elucidando seus sentidos. Para tanto, a empatia é fundamental para se entender as razões dadas pelo outro para explicar seu próprio comportamento. Nesse sentido, o conhecimento científico deve ser construído a partir da interação e da intersubjetividade. Apoiados nessa visão, a argumentação do conhecimento sai do terreno estritamente filosófico e avança para o campo ético-político. Os processos estudados em Psicologia do Trabalho sempre estarão relacionados às deliberações e justificações do campo da ética/moral. Como afirmam Bendassolli e Soboll (2014), no agir, há uma dimensão ética que possibilita problematizar a construção e as formas de vida, de sociabilidades, de subjetividades, a partir da ação no trabalho. Desse modo, potencializar esse agir exige intervir em todas essas dimensões psicossociais da situação de trabalho.

A entrevista, sob essa ótica, passa a ser uma facilitadora na construção de uma relação de aproximação entre pesquisa e intervenção, de forma a valorizar uma relação ética entre entrevistado e entrevistador, em que o conhecimento a ser construído deve ser proveniente da construção conjunta, resultado do encontro. O pesquisador, nesse sentido, é um

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ator social entre outros, com um repertório linguístico que contribui para a organização da prática, aí aportando um novo vocabulário (o teórico) ao qual se associam formas de vida da realidade social e como essa realidade pode ser analisada. Ambos, pesquisador e teoria, engendram dispositivos analisadores da realidade social, passando o trabalhador a ser visto como protagonista e destinatário de todo o conhecimento produzido pela pesquisa (BENDASSOLLI; GONDIM, 2014).

Defendemos que a aliança entre entrevista e outros instrumentos podem ser benéficas para a pesquisa, desde que possibilitem a compreensão da realidade social, conforme expusemos neste artigo. Por exemplo: a entrevista coletiva é chamada por alguns autores de metodologia de pesquisa como grupos focais (SANTOS; OSTERNE; ALMEIDA, 2014). Mas há especificidades: nos grupos focais, o que importa é a interação dialógica do grupo, dando ênfase à informação que representa o grupo, e não de cada componente, como seria na entrevista coletiva. Além disso, outros contextos semióticos em que as construções de sentidos podem ser proporcionadas já são experimentadas e devem ser ainda mais postas no campo da ação. A observação participante, aliada à entrevista, também se constitui um importante instrumento, pois revela, a partir das condições e interações informais, aspectos da realidade que são tácitos ou que dificilmente viriam à tona apenas pelo relato verbal. A oficina de fotos conduzida por Osório da Silva (2014) também segue como uma alternativa metodológica indireta, instrumento bastante comum nas abordagens clínicas do trabalho para investigar a relação entre saúde e atividade laboral. Com vistas a proporcionar o protagonismo dos participantes na relação de pesquisa, em que se reconhece a importância do saber do/a

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trabalhador/a, as imagens são produzidas e decididas por eles/as, e, em momentos posterior, são significadas em situação de diálogo entre os/as envolvidos/as.

Aliar instrumentos complementares como esses corrobora o que pensamos poder potencializar a pesquisa (aumentando seu grau de rigor e precisão à realidade social) nas respostas às novas demandas do campo do trabalho, com o compromisso de intervenções e ações voltadas à promoção da saúde. A entrevista, como método de investigação, tem se mostrado pertinente e, como vimos apresentando, constitui uma oportunidade singular de construção de conhecimento em Psicossociologia Clínica do Trabalho, especialmente se sabemos e agimos em coerência epistemológica e em um projeto ético-político. Os desafios da pesquisa-intervenção ainda seguem e, como destacam Santos, Osterne e Almeida (2014), frente ao novo e precário mundo do trabalho, requerem cada vez mais estratégias metodológicas inovadoras capazes de conhecer e transformar a área de estudos sobre o tema, abrindo novas margens de enfrentamento.

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Referências

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QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADO

350CRISTINA MIYUKI HASHIZUME, KARINA MOUTINHO

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QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADO

351CRISTINA MIYUKI HASHIZUME, KARINA MOUTINHO

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QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADO

352CRISTINA MIYUKI HASHIZUME, KARINA MOUTINHO

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QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOLOGIA DO TRABALHO: ENTREVISTA E ÉTICA ENTRE PESQUISADOR E PESQUISADO

353CRISTINA MIYUKI HASHIZUME, KARINA MOUTINHO

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A mensuração do burnout: um estudo crítico1

Flávio Fernandes Fontes Jorge Tarcísio da Rocha Falcão

Introdução

A interface entre psicologia e trabalho é bastante complexa, pois é preciso levar em consideração que existe uma grande diversidade de práticas, paradigmas e tradições (BENDASSOLLI; BORGES-ADRADE; MALVEZZI, 2010; GONDIM; BORGES-ANDRADE; BASTOS, 2010; CLOT, 2007, 2010a). Essa pluralidade faz com que Estados Unidos (KATZELL; AUSTIN, 1992) e França (CHANLAT, 1994; CLOT, 2010a), por exemplo, apresentem diferenças significativas no modo como desenvolveram as discussões sobre a interface em questão.

As diferentes denominações Psicologia Industrial, Psicologia Organizacional, Psicologia do Trabalho, Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), Psicologia do Trabalho e das Organizações (PT&O) são marcas do conflito sobre qual deve ser a significação e o direcionamento das pesquisas, bem como

1 Este capítulo se baseia em partes da tese de doutorado realizada pelo primeiro autor sob a orientação do segundo. A tese em questão consiste em um estudo teórico da síndrome de burnout (FONTES, 2016).

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são reflexos de transformações econômicas e sociais sofridas ao longo do tempo (SAMPAIO, 1998; COELHO-LIMA, 2013). Não existe, portanto, um campo único e uniforme, mas sim, um conjunto heterogêneo de discussões que se entrecruzam e diferem na maneira de conceber a atuação e a produção do conhecimento.

Entendemos que o trabalho ocupa um lugar de primeira ordem no desenvolvimento psicológico do sujeito (CLOT, 2007), e que as discussões sobre condições de trabalho, risco psicossocial e qualidade de vida no trabalho colocam em evidência o contexto de trabalho como um lugar privilegiado de manifestações de saúde e/ou adoecimento psíquico. No entanto, um reconhecimento da importância do trabalho para a vida psíquica não implica uma concordância sobre quais conceitos, vocabulário e abordagem utilizar para responder aos desafios propostos pela realidade laboral. Pelo contrário, a diversidade de proposições e a rapidez com que conceitos têm surgido e disputado um lugar no mercado de diagnósticos e soluções têm chamado a atenção dos observadores atentos.

Entre os vários conceitos que surgiram nas últimas décadas, o burnout aparece como um dos mais “bem-sucedidos”, a julgar pela ampla circulação e repercussão mundial que angariou. O contexto pode ajudar a entender o porquê desse sucesso. Um conjunto complexo de transformações sociais, econômicas, tecnológicas e de filosofia gerencial tem modificado o mundo do trabalho e a relação que temos com ele. Entre essas modificações, podemos citar a diminuição relativa do contingente de trabalhadores empregados na indústria e o seu aumento no setor de serviços, bem como a administração cada vez mais baseada em avaliações quantitativas de desempenho.

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Esta última pressiona sempre por mais resultados e pode colocar o trabalhador para correr em uma esteira perseguindo o infinito: afinal, as metas alcançadas hoje precisarão sempre ser ultrapassadas amanhã. Os avanços na tecnologia da informação, com a expansão do acesso à internet e a presença massiva dos smartphones nas nossas vidas parecem ter contribuído ainda mais para o sentimento de aceleração do tempo, excesso de informação e dissipação das fronteiras entre a vida no trabalho e a vida fora do trabalho.

Por tudo isso, alguns pensadores enxergam no burnout uma perturbação em conformidade com o zeitgeist (espírito do tempo). Para o filósofo francês Pascal Chabot, o burnout é o espelho da sociedade que o torna possível, e pode ser visto como um sintoma-denúncia de uma sociedade doente (CHABOT, 2013). O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han também situa o problema no contexto de uma análise filosófica mais ampla sobre o modo de vida ocidental da atualidade. Para ele, a síndrome de burnout e o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade constituem exemplos de estados patológicos causados por um excesso de positividade. Engajamento no trabalho, informação, conexão e estímulos podem ser vistos como coisas positivas, mas sua presença maciça pode adquirir o status de uma violenta compulsão, em uma sociedade cada vez mais pobre em negatividade, qualidade que poderia ser encontrada em momentos de pausa, vazio e contemplação (HAN, 2012). A sintonia do tema deste capítulo com as transformações sociais mais amplas pode ser formulada da seguinte maneira: a síndrome de burnout parece conjugar ao mesmo tempo intensificação e esvaziamento do trabalho.

A relevância dessa discussão pode ainda ser auferida do ponto de vista quantitativo. Schaufeli, Leiter e Maslach (2009)

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A MENSURAÇÃO DO BURNOUT: UM ESTUDO CRÍTICO

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estimaram a existência de pelo menos 6.000 trabalhos sobre o burnout. Leiter e Maslach (2014) afirmam que cerca de 1.000 artigos são publicados por ano sobre algum aspecto do burnout, o que levou inclusive à criação de um periódico dedicado exclusivamente ao assunto, o Burnout Research, que funcionou de 2014 a 2017. No entanto, esse alto número de publicações pode não ser tão indicativo de diferenças conceituais quanto pode parecer à primeira vista. Como observou Friberg (2009), uma mudança, em especial, parece ter sido particularmente importante para o conceito: a criação de um instrumento de mensuração por Christina Maslach.

Para Friberg (2009), o Maslach Burnout Inventory (MBI) legitimou estatisticamente o fenômeno do burnout, fornecendo um valor e um lugar que ele não tinha antes de ser estudado quantitativamente. Ao final da década de 1990, o MBI era utilizado dez vezes mais que outras medidas em artigos e dissertações sobre burnout (SCHAUFELI; ENZMANN, 1998), fazendo com que, para alguns, seja possível afirmar que “praticamente falando, o conceito de burnout coincide com o MBI, e vice-versa”2(SCHAUFELI; LEITER; MASLACH, 2009, p. 211).

Por isso acreditamos que um estudo pormenorizado do trabalho de Christina Maslach é imprescindível para compreender melhor aquilo que podemos qualificar como a principal corrente de pesquisa sobre o burnout. Neste capítulo, fornecemos um estudo baseado na leitura de 2 livros e 26 artigos e capítulos de livro de autoria de C. Maslach, mostrando como se deu a constituição do seu enfoque do fenômeno na década de 1970 e quais as principais transformações pelas quais sua

2 Todas as citações diretas de textos originalmente em inglês são traduções realizadas pelos autores.

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produção teórica passou ao longo do tempo, até o ano de 2014. Com o objetivo de compreender suas posições, comparamos sua abordagem com a de H. J. Freudenberger, autor pioneiro que tem um papel importante na proposição da síndrome de burnout.

Freudenberger e a abordagem psicanalítica e clínica do burnout

Greene (2004), Bradley (1969) e Sommer (1973) utilizaram a expressão burnt-out em diferentes contextos, mas não há, por parte desses autores, a pretensão de transformá-la em um conceito com uma definição. Esse passo foi dado por Herbert J. Freudenberger (1926-1999), psicanalista judeu de origem alemã, radicado nos Estados Unidos da América. Freudenberger é apontado como o “pai fundador” do conceito (SCHAUFELI; BUUNK, 2003), sendo possivelmente o primeiro a propor uma “síndrome de burnout” e fornecer uma definição para o fenômeno.

O contexto de surgimento da metáfora de burnout no trabalho de Herbert J. Freudenberger é o movimento Free Clinic. Iniciado em 1967 no bairro de Haight-Ashbury, São Francisco, esse movimento criou clínicas pelos EUA com o objetivo de atender a população indigente e jovem (HOFFARTH, 2017). Para Freudenberger, a Free Clinic não era somente um trabalho social, mas sim um instrumento de questionamento do modelo médico tradicional e de provocação para mudança na comunidade (FREUDENBERGER, 1971, 1973). Nesse sentido, concentraremos nossa discussão na forma como Freudenberger tratou o assunto nos dois livros que escreveu sobre o tema: Burn-Out: the high

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cost of high achievement (FREUDENBERGER; RICHELSON, 1980) e Women’s burnout (FREUDENBERGER; NORTH, 1986). O leitor que procura uma análise mais aprofundada do trabalho de Freudenberger poderá consultar Fontes (2016).

Em Burn-Out: the high cost of high achievement, lemos a seguinte definição do fenômeno: “Esgotar-se. Exaurir os próprios recursos físicos e mentais. Desgastar-se lutando excessivamente para alcançar alguma expectativa irrealista imposta por si mesmo ou pelos valores da sociedade” (FREUDENBERGER; RICHELSON, 1980, p. 16). O foco dessa definição está no aspecto energético do esgotamento e na forma como ele acontece, ou seja, na dinâmica que leva à exaustão. Essa dinâmica é descrita como o conflito entre uma imagem idealizada de si mesmo e uma imagem real, imperfeita e negada. O Burn-Out é descrito principalmente como fruto dessa negação, e a cura passa por um processo de tomada de consciência e integração da parte negada.

Mais adiante, nesse mesmo livro, uma lista de “sintomas” é fornecida: exaustão, distanciamento, tédio e cinismo, impaciência e irritabilidade, senso de onipotência, suspeita de não ser valorizado, paranoia, desorientação, queixas psicossomáticas, depressão e negação de sentimentos. (FREUDENBERGER; RICHELSON, 1980, p. 62-67). Desses sintomas, é a negação que vai receber a análise mais detalhada, e fica claro que ela é pensada de maneira freudiana, como um mecanismo de defesa que pode se tornar um dreno de energia, na medida em que a negação é utilizada para manter uma falsa imagem, cuja origem se encontra geralmente na infância e nas relações familiares.

Já em Women’s burnout, a definição de burnout confirma o foco no aspecto energético como componente central do

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conceito e abrange de maneira mais explícita diferentes contextos de aplicação: “é uma exaustão nascida de demandas excessivas que podem ser autoimpostas ou externamente impostas por famílias, trabalhos, amigos, parceiros amorosos, sistemas de valores ou sociedade, que esgotam a energia da pessoa” (FREUDENBERGER; NORTH, 1986, p. 9). Se o processo de negação já tinha uma importância maior que os outros sintomas no livro de 1980, na obra de 1986, ele vai ser alçado a mecanismo central do burnout. “Se você acha que você está se exaurindo, você pode ter certeza que você assumiu a postura de negação em áreas críticas da sua vida” (FREUDENBERGER; NORTH, 1986, p. 10).

O burnout aparece como um movimento de compensação, de resposta a um momento de grande privação inicial. Ele é indiscriminado, já que “se alimenta da inanição de qualquer tipo” (FREUDENBERGER; NORTH, 1986, p. 146-147). Quando amor, reconhecimento e aprovação não estão presentes, “eles deixam um vazio faminto” (FREUDENBERGER; NORTH, 1986, p. 90) e a baixa autoestima impulsiona uma busca não realista por excelência, reconhecimento e aprovação (FREUDENBERGER; NORTH, 1986, p. 17).

A psicanálise se faz presente no fato de que a síndrome “burnt out”3 é, antes de tudo, uma síndrome que o próprio Freudenberger reconhece como tendo sofrido pessoalmente (FREUDENBERGER, 1973). A análise teórica se baseia no estudo de casos, entre eles, o do próprio autor (FREUDENBERGER; RICHELSON, 1980).

3 Essa era a grafia da palavra utilizada no texto de 1973. Neste estudo, utilizaremos diversas grafias do termo, de acordo com o autor apresentado.

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O percurso até a quantificação

Ao comparar a utilização do conceito realizada por Maslach e por Freudenberger, é importante notar que esses autores não partem do mesmo ponto. No percurso de Freudenberger, é possível notar que o envolvimento com a clínica psicanalítica e o compromisso com a transformação social vêm em primeiro lugar e a produção do conhecimento está subordinada a essa atuação no consultório e na Free Clinic. Christina Maslach, por sua vez, tem sua atuação profissional desde o início ligada à pesquisa acadêmica. Para ela, a repercussão social da produção do conhecimento é extremamente importante, mas é um momento segundo em relação à pesquisa fundamental, que segue como o objetivo principal.

Seu primeiro artigo publicado é uma reprodução de um estudo de psicologia experimental de laboratório, que conta com o apoio da Marinha dos EUA e investiga a possibilidade de que sujeitos venham a acreditar nas falsas confissões realizadas por eles mesmos (MASLACH, 1971). Este estudo conta com 55 estudantes universitários de Stanford, testa uma hipótese e fornece um tratamento estatístico dos dados – algo não encontrado em Freudenberger, cuja abordagem clínica e autobiográfica diverge significativamente desse modelo de ciência.

Um desenho geral de pesquisa semelhante pode ser visto nas outras publicações de Maslach desse mesmo período, que envolvem diferentes temas: 1) teste do uso da hipnose para modificar a perspectiva temporal (ZIMBARDO; MARSHALL; MASLACH, 1971) e a temperatura da pele (MASLACH; MARSHALL; ZIMBARDO, 1972); 2) pesquisa sobre individuação e desindividuação – processos opostos nos

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quais uma pessoa procura se diferenciar de um grupo ou se tornar indistinguível nele (MASLACH, 1974); 3) influência que diferentes níveis de riqueza de um doador e de obrigação ligada ao benefício têm na atração que o beneficiário sente pelo doador (GERGEN et al., 1975). Em todos esses casos, temos a utilização de uma situação experimental de laboratório, teste de hipótese e tratamento estatístico dos dados.

A sua primeira publicação sobre o tema do burnout não aparece em um periódico científico, mas sim em uma revista popular (MASLACH, Comunicação Pessoal, 05 de maio de 2018). O texto em questão situa o burnout como um fenômeno presente em diferentes profissões: advogados, médicos, funcionários do sistema prisional, funcionários do sistema de bem-estar social, psicólogos, psiquiatras, cuidadoras de crianças e enfermeiras psiquiátricas (MASLACH, 1976). O estresse de lidar com pessoas faz com que várias técnicas de distanciamento e isolamento sejam desenvolvidas, como objetificar os usuários, evitar contato físico e separar rigidamente a vida pessoal da profissional. Embora tais estratégias possam constituir meios legítimos de lidar com as adversidades do trabalho, elas também podem degenerar em desumanização e burnout.

Na primeira pesquisa de Maslach sobre o burn-out, publicada em um periódico científico (MASLACH; PINES, 1977), é possível observar uma mudança importante em relação aos estudos mencionados no penúltimo parágrafo: a situação estudada não é montada experimentalmente – trata-se de conhecer o trabalho real de equipes de cuidadores em creches. Nesse caso, oitenta e três funcionários de diferentes creches respondem a um questionário e alguns deles são também entrevistados. Os resultados podem ser resumidos em quatro itens: 1) quanto maior a proporção equipe/crianças; 2) quanto

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menor a quantidade de horas de trabalho; 3) quanto maior a possibilidade de mudar de atividades; 4) quanto maior a quantidade de reuniões de equipe, melhor os trabalhadores se sentem. Um programa de atividades estruturado está correlacionado com trabalhadores que sentem que possuem menos controle e gostam menos do seu trabalho, enquanto um programa menos estruturado está correlacionado com trabalhadores que têm sentimentos positivos em relação ao trabalho, mas se sentem mais exaustos emocionalmente.

O burn-out é concebido como uma síndrome que se deve muito mais a fatores situacionais do trabalho (número de pessoas da equipe dividido pelo número de crianças, quantidade de horas de trabalho etc.) do que à personalidade dos indivíduos. O mesmo modelo de pesquisa com questionários é aplicado em seguida a 76 funcionários de instituições de saúde mental, com resultados semelhantes (PINES; MASLACH, 1978). Outra pesquisa do mesmo período confirma a ruptura com o laboratório, realizando análise de conteúdo das entrevistas que fornecem ou não a liberdade condicional aos presos no estado da Califórnia (GARBER; MASLACH, 1977).

Uma continuidade importante entre os estudos experimentais e os não experimentais de Maslach é que a análise estatística de correlação de variáveis segue como uma prática importante. Em um caso, os coeficientes de significância são apresentados de uma maneira explícita (GARBER; MASLACH, 1977) e nos outros, mesmo que não haja apresentação dos números, o leitor é assegurado de que “todos os resultados apresentados são altamente significantes segundo testes estatísticos padrão” (MASLACH; PINES, 1977, p. 107) e “todas as correlações apresentadas aqui são estatisticamente significantes no nível p < .05 ou maior”

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(PINES; MASLACH, 1978, p. 234). Uma exceção, já que não segue essa mesma linha metodológica, é o artigo em que Maslach (1978) realiza uma discussão teórica sobre o papel do cliente na relação com a equipe e como essa relação pode conduzir ao burn-out. Esse artigo se tornará mais tarde a base para um dos capítulos do livro Burnout: the cost of caring (1982).

A concepção do burn-out como uma síndrome é um elemento que estava presente na produção de Freudenberger, ainda que de forma inconstante. Primeiro porque a utilização da palavra “síndrome” parece restrita a alguns textos (FREUDENBERGER, 1973, 1975) e segundo porque o foco acaba se deslocando para a dinâmica psicanalítica do fenômeno, como vimos na seção anterior.

Maslach vai utilizar a definição do burnout como síndrome de maneira mais sistemática e continuada, ao mesmo tempo que modifica significativamente as características descritas por Freudenberger. Enquanto este havia descrito em detalhes alguns “sinais” físicos (FREUDENBERGER, 1974), Maslach se limita a colocar de maneira mais geral uma “exaustão física (e, às vezes, até doença)” (MASLACH; PINES, 1977, p. 101). Em lugar de irritação e raiva (FREUDENBERGER, 1974), encontramos cinismo e percepção desumanizada (MASLACH; PINES, 1977); em vez de paranoia e tomada de riscos desnecessários, encontramos absenteísmo, abuso de álcool e drogas, conf lito marital e doença mental (MASLACH; PINES, 1977).

É uma mudança significativa de vocabulário, que mostra uma transformação do objeto psicológico em questão, mas que não é apresentada como tal por Maslach. Pelo contrário, a autora vai citar Freudenberger como um autor que contribui para o conhecimento da mesma síndrome de burn-out, ou seja,

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há uma suposição de estabilidade do objeto ao qual ambos se referem, ainda que não só as características tenham mudado como o próprio modo de estudá-lo.

Para Freudenberger, o número de sujeitos nunca foi uma questão, e a fronteira entre aquilo que é autobiográfico e os casos clínicos tampouco era rígida. O que estava em jogo era principalmente a descrição da dinâmica psíquica interna que leva ao burn-out por meio do encontro clínico e da singularidade das histórias de cada sujeito, inclusive ele próprio. Esse raciocínio clínico é substituído por uma pesquisa que busca estudar as variáveis que participam na produção do burn-out em determinadas populações.

A diferença entre os dois modelos de pesquisa também se faz presente quando examinamos como cada um deles concebe sua relação com a ação. Para Freudenberger, a ação terapêutica e a ação investigativa coincidem com a prática clínica individual; enquanto que para Maslach existe uma separação entre um momento primeiro de diagnóstico e de conhecimento, e um momento segundo de transformação, que é concebida principalmente no nível da organização e não no nível individual.

Vejamos como isso funciona no primeiro artigo a tratar de maneira concreta da aplicação das pesquisas. Pines e Maslach (1980, p. 7) afirmam: “nós nos enxergamos como pesquisadoras acadêmicas e agentes de transformação social”. Em uma das creches estudadas pelas autoras, os resultados da pesquisa foram utilizados pela equipe da creche para guiar um processo de mudança. A proporção equipe/crianças e a estrutura de atividades foram os dois itens escolhidos para intervenção.

Antes da intervenção, as crianças podiam chegar ou sair a qualquer hora do dia na creche, bem como circular livremente

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por todas as salas da creche e escolher qualquer brinquedo que quisessem. Após a intervenção, foram estabelecidos períodos com horários específicos para a estadia na creche e foram criadas mais salas através de uma divisão do espaço disponível, sendo fixadas salas específicas para determinadas faixas etárias e horários específicos para algumas brincadeiras. A creche passou de um modelo em que todos os cuidadores eram responsáveis por todas as crianças para outro em que houve uma divisão por salas e horários, medidas estas que elevaram a proporção equipe/crianças. A partir dessa experiência, podemos concluir que, para as autoras, o papel da pesquisa é produzir o conhecimento necessário para transformar a situação, primeiro identificando os fatores que produzem o burnout em geral para, depois, de posse desse conhecimento, utilizar questionários para verificar como esses fatores se comportam na situação específica investigada e intervir nos pontos identificados como problemáticos (PINES; MASLACH, 1980).

Tal como na afirmação de Auguste Comte (1983, p. 23): “Ciência, daí previdência; previdência, daí ação”. A postura de Maslach pode ser entendida como positivista4, na medida em que coloca o saber em uma posição primeira em relação à ação, o que é uma diferença importante na comparação com uma concepção clínica, pelo menos quando essa é concebida como estando implicada uma ação de transformação que é produtora de conhecimento.

4 Seguimos a caracterização do positivismo fornecida por Clot (2009), que enfatiza o fato de essa corrente de pensamento colocar a ação em segundo plano, como algo que é mera projeção ou aplicação de conceitos. Como um contraponto à concepção positivista em Psicologia, lembramos que Danziger (2010) e Vigotski (1999) escreveram sobre o papel protagonista da psicologia “aplicada”, o que inverte a lógica de que a pesquisa básica viria antes da aplicação.

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A criação de um instrumento de mensuração do burnout (MASLACH; JACKSON, 1981) aparece então como um passo coerente na direção tomada anteriormente de privilegiar um estudo de correlação de variáveis. Várias frases representando as atitudes e os sentimentos de um trabalhador sofrendo de burnout foram criadas a partir de entrevistas e questionários preliminares. Alguns exemplos: “sinto-me emocionalmente exausto com meu trabalho”; “tornei-me mais insensível com outras pessoas desde que iniciei este trabalho”. O instrumento inclui também algumas frases “positivas”, que vão em direção contrária ao burnout: “sinto que estou influenciando positivamente a vida de outras pessoas através do meu trabalho” (MASLACH; JACKSON, 1981, p. 102-103).

Nessa pesquisa, o respondente tem de marcar uma escala de frequência e de intensidade para cada frase avaliada. A frequência pode ser “Nunca” se o respondente não apresenta jamais o sentimento ou a atitude descrita, ou variar de um a seis, em caso positivo: (1) algumas vezes no ano; (2) mensalmente; (3) algumas vezes por mês; (4) toda semana; (5) algumas vezes por semana; (6) todo dia. A escala de intensidade também apresenta a opção “nunca”, seguida de seis opções para uma resposta afirmativa, variando de (1) muito suave, quase imperceptível até (6) muito forte.

Uma versão do teste com 47 itens é administrada em 605 pessoas provenientes de diferentes profissões (policiais, professores, enfermeiras, psiquiatras, psicólogos, advogados etc.). Em seguida, uma versão com 25 itens é aplicada a outro grupo de 420 pessoas e, como os resultados foram semelhantes, é realizada uma análise fatorial das duas amostras em conjunto. Três fatores emergiram com suficiente consistência dessa análise, levando a um conceito em três partes, que difere

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significativamente da variedade de sinais e da dinâmica psíquica encontrada em Freudenberger. Nesse caso, a síndrome de burnout tem três componentes, quais sejam: exaustão emocional; atitudes cínicas e negativas; avaliação negativa de si mesmo. Um pouco mais adiante, nesse mesmo artigo (MASLACH; JACKSON, 1981), os três componentes são formulados assim: exaustão emocional, despersonalização (em vez de “atitudes cínicas e negativas”) e realização pessoal (no lugar de “avaliação negativa de si mesmo”).

O leitor atento perceberá que a mensuração do conceito é concebida como uma etapa superior aos modos de pesquisa anteriormente utilizados: “a pesquisa inicial nessa área foi muito exploratória, se baseando fortemente em entrevistas, questionários, e observações” (MASLACH; JACKSON, 1981, p. 100). Um instrumento padronizado de mensuração é v isto como “uma necessidade crítica para qualquer pesquisa sobre o burnout” (MASLACH; JACKSON, 1985, p. 839).

Esse instrumento é o Maslach Burnout Inventory (MBI), que vai permitir uma verdadeira avalanche de pesquisas na direção da correlação de variáveis e se tornará o instrumento mais utilizado para o estudo do burnout. Alguns exemplos dessas correlações são: a relação entre burnout e gênero (MASLACH; JACKSON, 1985); burnout e satisfação no trabalho; burnout e autoconceito (MASLACH; FLORIAN, 1988); burnout e conflito de papéis, comprometimento organizacional e contatos interpessoais (LEITER; MASLACH, 1988).

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Contando a história

Maslach e Schaufeli declaram que o manuscrito sobre o desenvolvimento do MBI foi recusado por alguns editores “com uma curta nota dizendo que ele [o manuscrito] não havia sequer sido lido ‘porque nós não publicamos psicologia popular’” (MASLACH; SCHAUFELI, 1993, p. 5). No entanto, depois de pouco mais de uma década do momento em que aconteceu esse episódio, o burnout em sua versão mensurável já havia conquistado um lugar sólido e mesmo de destaque na produção acadêmica, chegando a um ponto de maturidade em que é possível olhar para trás e contar sua história. É isso o que fazem Maslach e Schaufeli (1993) em um texto importante em que os autores propõem uma maneira de contar o percurso da pesquisa sobre o burnout, dividindo-o em dois grandes momentos: a fase pioneira e a fase empírica.

Na fase pioneira, Freudenberger e Maslach são apresentados como aqueles que identificaram e nomearam o burnout de maneira independente e simultânea. A palavra “identificaram” é importante porque estabelece que se trata de um mesmo fenômeno, que não só coincidiria entre Freudenberger e Maslach, como já estaria presente e descrito em textos mais antigos, embora ainda não nomeado.

O caráter “universal” e “atemporal” do burnout é sugerido com a ajuda de uma leitura retrospectiva de romances de autores consagrados como Buddenbrooks (1922), de Thomas Mann; e A burnt-out case (1960), de Graham Greene; bem como um estudo de caso de uma enfermeira, publicado em 1953 (SCHWARTZ; WILL, 1953). O prestígio da literatura e a diferença temporal entre esses exemplos e os trabalhos em questão, situados na década de 1970, fornecem uma aura

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de legitimação e unidade para o fenômeno – todos os textos falariam de uma mesma realidade.

Em seguida, os autores reconhecem duas características da literatura inicial sobre o burnout: 1) a definição mesma do fenômeno varia bastante de um autor para outro; e 2) o escopo de aplicação do conceito é tão grande que ele veio a significar tudo e nada ao mesmo tempo. Essas características são apresentadas como superadas e pertencentes ao passado, quando, na verdade, elas continuam a rondar o conceito até hoje. No lugar de uma discussão que incluiria a legitimidade de pontos de vista radicalmente diferentes, seria a negação da diferença uma estratégia político-pragmática que tentaria atuar como profecia autorrealizadora para a criação de um consenso não existente?

Outra característica da fase pioneira apontada por Maslach e Schaufeli (1993) é talvez a mais reveladora da posição epistemológica dos autores. A literatura da fase pioneira é apontada como sendo, em sua maioria, “não empírica” (MASLACH; SCHAUFELI, 1993, p. 4). A revisão de literatura citada por Maslach e Schaufeli para embasar essa afirmação é a de Pearlman e Hartman (1982). Estes autores analisam as publicações sobre o burnout entre 1974 e 1980, classificando-as em: a) descrições baseadas apenas na experiência pessoal do autor; b) narrativas baseadas em dados coletados sistematicamente; c) apresentações estatísticas baseadas em dados coletados sistematicamente. Dos 48 trabalhos examinados, apenas cinco ofereceram análises estatísticas, o que é traduzido por Maslach e Schaufeli como “apenas 5 trabalhos tinham quaisquer dados empíricos que vão além de uma anedota ocasional ou história de caso pessoal” (MASLACH; SCHAUFELI, 1993, p. 4).

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Essa afirmação é surpreendente por dois motivos: primeiro porque sugere, de forma apressada, que o trabalho estatístico seria a única forma de realizar um estudo empírico rigoroso; segundo porque elimina completamente a categoria intermediária (b – narrativa baseada em dados coletados sistematicamente) proposta no artigo original de Pearlman e Hartman (1982), e utilizada por eles para classificar os artigos da própria Maslach!

Tão questionável quanto a oposição simplista feita por Maslach e Schaufeli entre estatística e anedotas/histórias pessoais é a classificação realizada por Pearlman e Hartman de todos os artigos de Freudenberger publicados até aquele momento como “descritivos”. A mensagem parece suficientemente clara: a história clínica pessoal de Freudenberger não é empírica; dados coletados com um instrumento de mensuração padronizado são empíricos. Hipóteses clínicas sobre as causas do burnout não merecem sequer ser reconhecidas como existentes; apenas trabalhos estatísticos podem oferecer relações causais que vão além de meras descrições. Não estamos longe de uma desqualificação da clínica como produtora legítima de conhecimento científico.

O texto em questão (MASLACH; SCHAUFELI, 1993) prossegue identificando uma tensão entre dois grupos interessados no tema do burnout, com profissionais de um lado e acadêmicos do outro. Os primeiros estariam implicados em intervenções e teriam pouca paciência com o lento desenvolvimento da pesquisa; os acadêmicos, por sua vez, torceriam o nariz diante de um tema identificado como uma moda pseudocientífica. O caminho trilhado por Maslach parece ser o de explicar aos profissionais que a prática não é detentora de verdade, mas a lenta acumulação de dados estatísticos sim.

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Maslach, Schaufeli e Leiter (2001) escrevem um artigo de revisão importante, no qual a divisão entre fase pioneira e empírica, que apareceu em Maslach e Schaufeli (1993), continua como o modo escolhido de contar a história da pesquisa sobre o burnout. “Os artigos iniciais apareceram nos Estados Unidos na metade dos anos 1970 e sua contribuição primária foi descrever o fenômeno básico, fornecê-lo um nome e mostrar que ele não era uma resposta incomum” (MASLACH; SCHAUFELI; LEITER, 2001, p. 399), afirmam. Essa descrição do passado se repete em linhas gerais em Schaufeli e Buunk (2003) que continuam a relegar Freudenberger ao plano da mera descrição, sem qualquer explicação satisfatória do porquê deveríamos interpretar sua contribuição apenas no nível da descrição.

Reformulando o conceito

Em 1997, há uma mudança importante no conceito de burnout quando Maslach e Leiter (1997) fazem a proposição de um continuum burnout-comprometimento. O comprometimento é definido como o contrário das três dimensões do burnout: alta energia (no lugar de exaustão), envolvimento (no lugar de despersonalização) e eficácia (no lugar de sentimento de realização reduzido). A ênfase de Maslach em fatores organizacionais vai ser sistematizada na proposição de seis áreas de discordância entre pessoa e trabalho: sobrecarga de trabalho, falta de controle, recompensa insuficiente, perda de comunidade, ausência de equidade e conflito de valores.

Como um artigo importante que dá notícia dessa mudança, o texto de Maslach e Goldberg (1998) contém muitas

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indicações interessantes sobre o modo como Maslach posiciona sua pesquisa no contexto maior do histórico da pesquisa sobre o burnout, e que confirmam algumas observações feitas anteriormente. Primeiramente, aquilo que identificamos como uma ruptura significativa entre Freudenberger e Maslach continua a ser visto como um momento de acordo sobre um mesmo objeto. Após uma citação em que os trabalhos fundadores de ambos são citados lado a lado, Maslach escreve: “o retrato do burnout que foi pintado então [nos anos 70] não mudou muito nos anos seguintes” (MASLACH; GOLDBERG, 1998, p. 63). O desacordo conceitual sobre a definição do burnout é novamente comentado como um aspecto do passado, já superado, e as dimensões do MBI são apresentadas como um consenso não problemático.

A naturalização dos três componentes propostos pelo MBI é f lagrante na frase: “a medida que desenvolvemos, o Maslach Burnout Inventory (MBI), foi a única a avaliar todos os 3 componentes do burnout, e é agora a ferramenta padrão para toda pesquisa nesse campo” (MASLACH; GOLDBERG, 1998, p. 65). É como se os três componentes do burnout fossem “aquilo que o burnout realmente é”, para além dos instrumentos possíveis de mensuração, e o MBI apresentasse a solução mais completa por avaliá-los todos. Na verdade, a concepção do burnout como possuindo três componentes é uma invenção do MBI, o que torna óbvio o porquê de ele ser o único a avaliar todos eles.

Trabalhos de correlação estatística de variáveis são apresentados como “pesquisa empírica sistemática”, enquanto que outras formas de pesquisa são apontadas como “descritivas” (MASLACH; GOLDBERG, 1998, p. 64). Mensurar o burnout “é necessário para determinar se qualquer estratégia foi efetiva na prevenção ou redução” (MASLASCH; GOLDBERG, 1998, p. 66).

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Nesse contexto, a busca pelas variáveis que permitem prever o fenômeno segue agora na nova teoria do continuum, com os instrumentos Maslach Burnout Inventory – General Scale (MBI-GS) e Areas of Worklife Scale (AWS). Eles são utilizados para obter medidas dos três componentes do continuum burnout-engajamento e das seis áreas da vida no trabalho, e assim tentar prever a presença futura de um burnout (MASLACH; LEITER, 2008) ou a intenção de deixar o trabalho (LEITER; MASLACH, 2009).

A utilização das seis categorias da vida no trabalho consiste na aplicação de questionários em que os funcionários podem se exprimir (de um modo geral, de acordo com as possibilidades preestabelecidas pela teoria). De posse do diagnóstico, transformações organizacionais podem ser realizadas nas áreas em que problemas foram detectados. Posteriormente, é possível fazer uma nova pesquisa de questionários para avaliar a mudança (MASLACH; LEITER, 2005).

Esse processo, nomeado de “checkup organizacional”, tem sua concepção e papel descritos assim:

[...] embora nós tenhamos desenvolvido originalmente o

processo de checkup organizacional para garantir amostras

de alta qualidade para nossa pesquisa, nós descobrimos

que ele pode se tornar um processo contínuo e valioso

de autoavaliação para as organizações [...] A lição aqui é

que métodos e ferramentas desenvolvidos para pesquisa

podem ter uma segunda função, uso prático no ambiente

de trabalho – e nós recomendaríamos que pesquisadores

possam fornecer uma função social válida ao colaborar

ativamente com profissionais para atingir esses benefícios

adicionais. Isso é uma forma diferente de pesquisa ‘aplicada’,

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e seu valor deve ser reconhecido e encorajado na academia

(MASLACH; LEITER; JACKSON, 2012, p. 297-298)

A proposta do continuum burnout-comprometimento foi apresentada como aquilo que poderia servir de linguagem comum entre pesquisadores e praticantes (MASLACH; GOLDBERG, 1998), resolvendo o hiato entre pesquisa e aplicação diagnosticado em Maslach e Schaufeli (1993). No entanto, o que a citação do parágrafo anterior mostra é que a divisão pesquisa/aplicação continua a servir de referencial. A pesquisa fundamental segue como objetivo primeiro, mesmo que ela possa gerar “benefícios adicionais” concomitantes, o que mostra que continuamos em um quadro de referência positivista5.

Por fim, após a proposição das seis áreas de discordância pessoa-trabalho, ainda faz sentido pensar o burnout em termos de síndrome? A metáfora da síndrome perdeu força no trabalho de Freudenberger à medida que este avançava em uma psicanálise do indivíduo que sofre de burnout. Algo semelhante acontece com Christina Maslach, ainda que em outra direção, pois a metáfora da síndrome também perde importância no seu percurso, à medida que ela avança na análise da relação da pessoa com o trabalho como a fonte principal do burnout.

No livro The truth about burnout: how organizations cause personal stress and what to do about it (MASLACH; LEITER, 1997), a palavra síndrome só aparece duas vezes, e em ambas as ocasiões se trata de negar sua pertinência para falar do fenômeno. “Não é um defeito de personalidade ou uma síndrome clínica. É um problema ocupacional”

5 Danziger (2010) e Vigotski (1999) escreveram sobre o papel protagonista da psicologia aplicada, o que inverte a lógica de que a pesquisa básica viria antes da aplicação.

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(MASLACH; LEITER, 1997, p. 34), salienta-se. Não há explicações sobre o que seria uma síndrome não clínica. Observa-se, ainda, que “o MBI avalia o burnout como o resultado de problemas no trabalho, e não como uma síndrome psiquiátrica” (MASLACH; LEITER, 1997, p. 156).

Mas como o MBI seria capaz de avaliar o burnout como o “resultado de problemas no trabalho” se ele mede componentes relativos ao indivíduo? A contradição, no trabalho de Maslach, entre causas situacionais e soluções individuais também foi apontada por Hoffarth (2017). Essas dúvidas quanto à pertinência de pensar o burnout como síndrome também se fazem presentes em um texto mais recente da própria autora. Leiter e Maslach (2014) lamentam o fato de que as intervenções sobre o burnout têm se focalizado no indivíduo, apesar de a literatura sugerir que as intervenções no contexto de trabalho são provavelmente mais efetivas. Uma das razões para isso pode estar “no fato de que o burnout tem sido definido e descrito em termos de uma experiência individual (exaustão, cinismo, ineficácia)” (LEITER; MASLACH, 2014, p. 154).

Considerações Finais

As transformações constantes do conteúdo e do âmbito de aplicação do objeto psicológico burnout configuram um campo complexo de discursos e ações. Sua história mostra um campo de conflito entre origens conceituais diferentes: o burnout de Freudenberger é fruto da clínica psicanalítica; o de Maslach, da pesquisa com questionários e entrevistas. A batalha pela significação do burnout carrega em si o modo como cada um

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investe um campo de prática: o conceito está sempre ancorado em uma ação no mundo.

A principal contribuição que pretendemos fornecer neste capítulo é ajudar a desfazer o caráter reificador e naturalizante de como a história do conceito de burnout é considerada, trazendo à tona pressupostos e escolhas, contribuindo, assim, para se evidenciar o caráter de construção histórica do conceito. Tomar o burnout como objeto de pesquisa ou intervenção sem uma reflexão sobre o seu percurso e sem uma análise da sua constituição conduz à aceitação de vários pressupostos questionáveis como fundamento de toda e qualquer pesquisa sobre o assunto.

A metáfora da síndrome, por exemplo, encontra dificuldade de se justificar teoricamente (BIANCHI; SCHONFELD; LAURENT, 2015; KASCHKA; KORCZAK; BROICH, 2011; KOVESS-MASFETY; SAUNDER, 2017; MILAN, 2007; ROLO, 2017). Essa metáfora traz o burnout para o âmbito do vocabulário médico sem que haja elementos para sustentar essa aproximação, já que a importância da dinâmica intrapsíquica psicanalítica estudada por Freudenberger ou os fatores da relação pessoa-trabalho analisados por Maslach prescindem da noção de síndrome para afirmar o que afirmam. Além disso, a metáfora da síndrome promete uma estabilidade de sinais e sintomas nunca encontrada e tende a individualizar e medicalizar o tratamento (através da psicoterapia e da administração de fármacos), mesmo sem poder entregar um agente etiológico para um problema que é reconhecidamente multifatorial e envolve tantos determinantes psicossociais.

Levando em consideração que a grande maioria dos trabalhos publicados sobre o tema no Brasil utiliza o conceito de Maslach (VIEIRA, 2010), entendemos que realizamos neste

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estudo um convite para investigar o sofrimento psíquico no trabalho de outras maneiras. Entre elas, pensamos que a Clínica da Atividade (CA) é uma alternativa especialmente relevante por três motivos: 1) a abordagem de Freudenberger pode ser descrita como sendo principalmente clínica e individual; e a abordagem de Maslach, como positivista e organizacional. Ao conjugar clínica e coletividade (CLOT, 2011), a CA aproxima dois termos que se mantiveram separados nos trabalhos desses dois autores, explorando outra maneira de pensar a atuação na Psicologia do Trabalho; 2) enquanto a ideia de diagnóstico clínico de síndrome parece fechar as portas para as intervenções que privilegiam o coletivo, individualizando e medicalizando a problemática, a CA caminha na direção contrária, de recusa da nosologia, em prol de uma clínica das situações concretas de trabalho (CLOT, 2010b; CLOT; GOLLAC, 2014); 3) mesmo não fazendo uso da nosologia psiquiátrica, a CA apresenta outros referenciais para falar de saúde no trabalho, especialmente a compreensão de que a saúde não é ausência de doença,mas sim, capacidade criativa, normatividade (CANGUILHEM, 2011).

Desse modo, pensar a relação entre saúde e psicologia no trabalho envolve lidar com diferentes formas de reconhecer e nomear o sofrimento, que levam a consequências específicas. As metáforas e os pressupostos que utilizamos podem guiar discussões, formatando o problema e sugerindo intervenções.

Reitera-se que o burnout se desenvolveu cedendo demais a determinada concepção de ciência que supervaloriza a mensuração e a definição por meio de instrumentos de avaliação, ao mesmo tempo que discussões conceituais necessárias foram deixadas de lado, como sobre a fragilidade da metáfora da síndrome (HEINEMANN; HEINEMANN, 2017). Atualmente, falar sobre o burnout é, na maioria das vezes, não

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só abordar um tema de pesquisa mas também adquirir toda uma filosofia da ciência. Dissociar o burnout do MBI e do positivismo que o cerca parece ser a condição fundamental para que haja uma real discussão sobre o conceito. Evitar essa discussão e fingir que a mensuração pode responder a ela, seja pela via da definição operacional, seja pela via do apelo ao fato de que um instrumento é utilizado pela maioria dos pesquisadores, é fechar os olhos para problemas reais e construir em terreno instável.

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Sobre os Autores

Alejandra Vives Vergara, Médica (Universidad de Chile). PhD (Universitat Pompeu Fabra, UPF, Barcelona). Professora, Departamento de Saúde Pública, Pontificia Universidad Católica de Chile. Principal tema de pesquisa: Condições de emprego, precariedade e saúde urbana. Chile. E-mail: [email protected]

Andréia De Conto Garbin, Psicóloga (Universidade Metodista de São Paulo, UMESP) e bacharel em Direito (Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, FDSBC). Doutorado em Saúde Pública (Universidade de São Paulo, USP). Diretora de Vigilância à Saúde da Prefeitura de Diadema e profes-sora do curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.Principal tema de pesquisa: Saúde do trabalhador. Brasil. E-mail [email protected]

Cleverson Pereira de Almeida, Estatístico e Licenciado em Matemática (Universidade de Brasília, UnB). Doutorado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações (UnB). Professor no programa de pós-graduação em Administração da Universidade Presbiteriana Mackenzie, linha Gestão Humana e Social nas Organizações. Principal tema de pesquisa: Gestão do trabalho e processo saúde-adoecimento. Brasil. E-mail [email protected]

Crisane Costa Rossetti, Psicóloga (Pontifícia Universidade Católica, PUC MG). Doutorado em Psicologia Social (PUC MG).

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SOBRE OS AUTORES

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Psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte Minas Gerais. Principal tema de pesquisa: Modos de resistência e subjetivação no trabalho. Brasil.E-mail [email protected]

Cristina Miyuki Hashizume, psicóloga, Mestrado e Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (IPUSP). Professora do Programa da Pós-graduação em Educação na UMESP e do curso de Psicologia da UEPB. Temas de pesquisa: saúde docente e trabalho; saúde e educação, medicalização da vida. Brasil. E-mail [email protected]

Damian Valdés Santiago Estudiante Doctoral en Ciencias Matemáticas, Máster en Ciencias Matemáticas y Licenciado en Ciencia de la Computación. Profesor Asistente y Aspirante a Investigador, Departamento de Matemática Aplicada, Facultad de Matemática y Computación, Universidad de La Habana, Cuba. Líneas de investigación: procesamiento estadístico de represen-taciones sociales, medición de desigualdades sociales en salud, psicometría, análisis de secuencias sociales y estudios sobre uso del tiempo. E-mail [email protected], [email protected] http://orcid.org/0000-0001-9138-9792

Flávio Fernandes Fontes, Psicólogo (UFRN). Doutorado em Psicologia (UFRN), Professor Adjunto na Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA-UFRN). Principal tema de pesquisa: teoria e epistemologia da Psicologia e da Psicanálise. Brasil. E-mail: f [email protected]. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-2036-8147

Joan Benach, Médico (Universidade Autônoma de Barcelona, UAB). PhD Health Policy (Universidade Johns Hopkins, JHU,

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SOBRE OS AUTORES

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EUA), Professor titular no Departamento Ciências Políticas e Sociais, (UPF, Barcelona ES). Principal tema de pesquisa. Determinantes sociais, desigualdades, saúde, precariedade laboral. Espanha. E-mail, [email protected]

João César de Freitas Fonseca, Psicólogo (Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG). Doutorado em Educação (UFMG), Professor na PUC Minas Gerais. Principal tema de pesquisa: Trabalho e adolescência. Brasil. E-mail: [email protected]

Joeder da Silva Messias, Psicólogo (Faculdade de Tecnologia e Ciências - FTC, campus Vitória da Conquista-BA). Doutorando e mestre em Psicologia (Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN). Vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (GEPET). Principais temas de pesquisa: Clínica da Atividade, acúmulos de funções, ofícios ligados ao fenômeno da morte. E-mail: [email protected]

José Newton Garcia de Araújo, Psicólogo, mestre em Filosofia (UFMG), doutor em Psicologia (Universidade de Paris-Diderot), professor dos cursos de graduação e pós-gra-duação em Psicologia da PUC Minas, pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]

Josep M. Blanch, Psicólogo. Doutorado em Psicologia (Universidade de Barcelona, ES). Professor Emérito na Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) e Professor Titular da Universidade San Buenanventura, Cali, Colômbia. Principal tema de pesquisa: Qualidade de Vida

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SOBRE OS AUTORES

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no Trabalho (QVT); Riscos psicossociais. Espanha/Colômbia. E-mail: [email protected]

Karina Moutinho, Psicóloga (Universidade Federal de Pernambuco, UFPE). Doutorado em Psicologia Cognitiva (UFPE), Professora da Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva da UFPE. Principais temas de pesquisa: Psicologia Cognitiva, com foco em imaginação, trabalho, pessoas em contexto de risco e vulnera-bilidade. Brasil. E-mail. [email protected]

Kelma Jaqueline Soares, Assistente Social (Universidade de Brasília). Doutorado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações (PSTO/UnB). Assistente Social da Companhia Imobiliária de Brasília (TERRACAP/DF). Principais temas de Pesquisa: Uso de Substâncias Psicoativas, Trabalho e Saúde. E-mail: [email protected]; https://orcid.org/0000-0002-0233-4720

Kerley dos Santos Alves, Psicóloga e Turismóloga. Doutorado em Psicologia ( PUC/MG e UAB/ES), Estágio Pós-doutoral em Sociologia (Universidade de Coimbra, PT). Professora adjunta, Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Principais temas de pesquisa: turismo, trabalho e saúde mental, Intervenção psicossociológica. Brasil. E-mail: “mailto:[email protected]

Leticia Raboud Mascarenhas de Andrade, Psicóloga (UFRN), mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRN. Principais temas de pesquisa: psicologia escolar e educacional, perspectiva histórico-cultural, vivência (perezhivanie). E-mail: [email protected].

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SOBRE OS AUTORES

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Maiky Díaz Pérez, Doutora en Psicologia. Professora Titular, Faculdade de Psicologia, Universidad de La Habana, Cuba. Principal tema de pesquisa: Desenvolvimento Organizacional e Desvolvimento do Potencial Humano. Cuba. E-mail: [email protected], [email protected] http://orcid.org/0000-0003-3162-0010

Marcelo Amable, Sociólogo (Universidade de Buenos Aires). Doutorado, Universidade Pompeu Fabra (UPF, Barcelona, ES). Professor Titular, Universidade Nacional de Avellaneda. Principal tema de pesquisa: Precariedade laboral e saúde. Argentina. E-mail: [email protected]

Mário César Ferreira, Psicólogo (Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso, FUCMT/MT). Doutorado em Ergonomia (École Pratique des Hautes Études EPHE/França), Professor Titular no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Principal tema de pesquisa: Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Brasil. E-mails: [email protected]; [email protected]; http://orcid.org/0000-0002-4962-5154

Mauro Lúcio Henrique de Carvalho, Psicólogo (PUC/MG), Psicólogo Clínico. Principal tema de pesquisa: Saúde Mental e Trabalho. Brasil. E-mail: [email protected]

Suzana da Rosa Tolfo, Psicóloga (Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC). Mestrado em Administração (UFSC) e Doutorado em Administração (UFRGS). Principais temas de pesquisa: trabalho e subjetividade, gestão de pessoas, qualidade de vida no trabalho, sentidos e significados do

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Índice Remissivo

AAbsenteísmo 111, 127, 364.Adolescência e trabalho 239, 260.Afeto 109, 125, 182.Ambiente 60, 86, 96, 110, 123, 126, 141, 146, 147, 148, 149, 151, 155, 157, 159, 161, 175, 176, 182, 183, 211, 217, 218, 224, 267, 329, 336, 340, 341, 373, .Análisis de contenido 290.Análisis de correspondencias 313.Análisis de la producción de asociaciones 286.Aniquilamento 14, 104.Aposentadoria 107Apreensão 14, 130, 243, 262.Atitude 111, 150, 367.Autoimagem 111, 126.Autonomia 112, 176, 184, 187, 188, 199, 220, 222, 225.

BBem-estar no trabalho 142, 148, 155.Benefícios 110, 126, 148, 150, 168, 216, 274, 275.Bienestar en el trabajo 11, 17, 270, 275, 283.Bienestar humano (individual y social) 271, 272, 276, 277, 282, 283, 284, 299, 306, 309.Bienestar laboral 271, 282.

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ÍNDICE REMISSIVO

395

Burnout 19, 20, 35, 37, 134, 190, 311, 312, 314, 316, 354, 355, 356, 357, 358, 359, 360, 362, 364, 366, 367, 368, 369, 370, 371, 372, 373, 374, 375, 376, 377, 378, 379, 380, 382, 383, 384, 385, 386, 387, 388.

CCalidad de vida laboral 40.Cambio 22, 23, 28, 37, 60.Capitalismo 28, 32, 37, 38, 48, 52, 104, 165, 206, 242, 319.Capitalista 104, 128, 240.Cargo 112, 114, 214, 215, 257, 341.Carreira 122, 123, 146, 147, 151, 158, 240, 338, 339, 340, 341.Chorar 126, 136.Cidadania 104, 124, 168, 235.Clínica 17, 20, 89, 170, 195, 201, 244, 245, 246, 249, 250, 260, 331, 331, 333, 352, 358, 361, 365, 366, 371, 375, 376, 378.Clínica da atividade 17, 170, 244, 245, 246, 249, 250, 260, 352.Coletivo profissional 395.Comportamiento organizacional 277.Comprometimento 14, 98, 108, 109, 111, 112, 122, 124, 125, 128, 129, 130, 134, 144, 212, 220, 345, 368, 372, 375, 395.Comprometimento organizacional 14, 108, 111, 112, 122, 125, 129, 130, 134, 368.Compromiso con el trabajo 21, 276, 281, 282.Compromiso organizacional 275, 276, 281, 282, 311.Concursado 14, 107, 115, 118, 122, 123, 129.Condições 15, 19, 79, 82, 87, 98, 110, 124, 126, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 146, 147, 148, 150, 156, 159, 161, 168, 169, 175, 177, 181, 182, 183, 189, , 190, 192, 193, 194, 195, 198, 200, 206, 207, 209,211, 212, 213, 215, 220, 222, 227, 228, 237, 238, 239, 246, 250, 254, 322, 329, 331, 336, 338, 342, 347, 355.Condutas 110, 127, 173, 178, 188, 345.

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ÍNDICE REMISSIVO

396

Congruencia de metas 282,396.Construcción de categorías 396.Constructos/dimensiones 282.Contexto 10, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 24, 33, 38, 51, 54, 57, 72, 79, 80, 83, 95, 97, 98, 99, 103, 110, 121, 122, 126, 127, 128, 130, 132, 136, 139, 140, 141, 142, 160, 169, 171, 172, 174, 177, 178, 179, 180, 187, 188, 189, 190, 191, 206, 208, 213, 228, 235, 239, 241, 243, 277, 282, 283, 290, 304, 308, 320, 328, 329, 355, 356, 358, 373, 374, 376, 392.Convivencia social 292, 298, 300, 305, 306.Cuestionario multitemático 396Custo 10, 105, 129, 141, 171, 173, 187.

DDemandas y recursos 274, 280, 281, 283, 285, 290, 294, 295, 306, 308.Demandas y recursos emergentes 296.Demandas y recursos sociopsicológicos 396.Demissão 106, 107.Depressão 15, 16, 136, 137, 142, 143, 153, 154, 159, 160, 161, 210, 222, 223, 224 259.Desarrollo de carrera 396.Desarrollo organizacional sostenible 277.Desempregados 104.Design 313, 317.Diseño de investigación multinivel, abordaje multinivel 276.

EEconomia digital 396.Emprego 12, 14, 104, 106, 107, 108, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 121, 122, 123, 126, 127, 128, 129, 130, 180, 208, 213, 227, 234, 238, 254, 255, 261, 342, 353, 389.

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ÍNDICE REMISSIVO

397

Enfoque centrado en lo humano 277.Enfrentamento 8, 14, 15, 104, 169, 191, 321, 344, 348.Engajamento no trabalho 14, 108, 110, 111, 112, 122, 124, 126, 129.Entrevistas 20, 63, 66, 179, 180, 183, 191, 321, 322, 325, 326, 327, 331, 336, 337, 339, 363,367, 368, 376.Entrincheiramento organizacional 14, 108, 109, 110, 111, 112, 122, 124, 125, 129, 134.Envolvimento 14, 108, 109, 110, 111, 112, 122, 124, 126, 129, 339, 361, 372.Epistemologia 390.Escalas de evaluación 397.Estabilidade 107, 112, 149, 174, 178, 243, 248, 327, 342, 365,377.Estado 14, 19, 35, 55, 108, 109, 110, 111, 126, 130, 144, 145, 156, 158, 162, 172, 173, 276, 279, 285, 290, 310, 336, 342, 363.Estratégia operatória 397.Estudo de caso 113, 118, 128 369.Ética 18, 48, 217, 240, 319, 321, 322, 331, 335, 338, 339, 343, 344, 345, 346, 353.Exclusão social 104.

FFamilia 64, 291, 292, 293, 295, 296, 298, 299, 300, 301, 305, 306.Freudenberger 20, 358, 359, 360, 361, 364, 365, 368, 369, 371, 372,373, 375, 376, 377, 378.

GGênero profissional 80, 83, 84, 88, 89, 90, 91, 92, 96, 247, 250, 258, 259, 260.Gestão organizacional 121, 122, 123, 124, 128, 142.Globalização 8, 106.Governabilidade 398.

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ÍNDICE REMISSIVO

398

HHabilidade 398.

IInstrumentalidade 109.Intenção 8, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 118, 119, 123, 127, 128, 133, 134, 374.Intensificación del trabajo 22.Intervenciones de desarrollo 273.Iramuteq 398.

JJornada de trabalho 398.

LLikert 55, 114, 116, 143.

MMal-estar no trabalho 398.Margens de enfrentamento 398Maslach 19, 20, 356, 357, 361, 362, 363, 364, 365, 366, 368, 369, 370, 371, 372, 373, 374, 375, 376, 377, 378.Medo 14, 112, 130, 136, 212, 219, 223, 228.Mercado de trabalho 106, 107, 111, 126, 209, 235, 236, 238, 257.Motivação 111, 146, 343.Muestras de estudio 398.

Nn-gramas 286, 290, 292, 293, 299.Noción de bienestar 283, 285, 295, 296, 299, 300, 301, 304, 306, 308.Normas 38, 115, 124, 142, 175, 178, 190, 194, 198, 210, 216, 256, 259, 329.

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ÍNDICE REMISSIVO

399

Nube de palabras 286, 297.Nuvem de palavras 121.

OOrganizações 11, 12, 16, 17, 106, 107, 113, 131, 134, 138, 140, 142, 158, 171, 213, 249, 257, 262, 263, 332, 334, 374, 381.Órgão 103, 113, 114, 116, 118, 119, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129.

PPerfil profissional 110, 111, 126, 220.Performance 41, 111, 131, 315, 342.Permanecer 108, 109, 110, 125, 126, 193.Pesquisa 8, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 81, 85, 87, 89, 90, 91, 92, 93, 95, 107, 108, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 121, 122, 123, 124, 126, 127, 129, 130, 131, 142, 143, 144, 159, 162, 174, 177, 178, 180, 181, 198, 204, 207, 226, 229, 235, 237, 252, 319, 321, 322, 323, 325, 326, 327, 329, 330, 332, 333, 334, 335, 336, 337, 338, 339, 343, 344, 345, 346, 347, 348, 349, 350, 352, 353, 357, 361, 362, 363, 365, 366, 368, 369, 371, 372, 373,374, 375, 376, 377, 379, 388, 389, 390, 391, 392, 393.Pesquisa ético política 330 Pesquisa qualitativa 350, 351.Pnad 106, 236, 265.Posto de trabalho 14, 104, 106, 107, 118, 122, 123, 129, 140, 156.Práticas de gestão 121, 122, 123, 128, 139.Precariedade 12, 13, 81, 84, 124, 127, 130, 320, 353, 389, 391.Precarização 8, 12, 13, 14, 16, 17, 78, 79, 81, 84, 85, 86, 87, 92, 95, 97, 98, 99, 123, 148, 168, 175, 177, 213, 227, 228, 262, 319, 322, 336, 344, 353.Presión temporal 33, 37.Proyecto de vida 271.

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ÍNDICE REMISSIVO

400

Python 286.

QQualidade de vida no trabalho 15, 98, 103, 136, 138, 139, 141, 143, 144, 165, 355, 3923.Qvt 12, 14, 15, 16, 104, 123, 124, 125, 128, 136, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 146, 148, 155, 159, 160, 161, 165, 391, 393.

RRealização pessoal 122, 368.Reconhecimento 16, 80, 86, 104, 123, 141, 142, 145, 147, 150, 151, 152, 158, 161, 163, 169, 175, 181, 182, 215, 219, 222, 223, 226, 355, 360.Recursos humanos 8, 9, 112, 154, 186, 387.Recursos sociopsicológicos emergentes 282.Redesign of work 400.Relação entrevistador-entrevistado 400.Relaciones individuo-organizaciones 400.Relações de trabalho 114, 183, 219, 221, 319, 322, 336, 338, 339, 343.Relações socioprofissionais 123, 124, 139, 140, 141, 142, 146, 147, 157, 159.Remuneração 112, 123, 146, 147, 180, 185, 255, 337.Renda 105, 106, 179, 193.Representaciones sociales 316, 390.Resistência 15, 96, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 176, 177, 178, 190, 192, 193, 195, 196, 197, 199, 200, 225.Rotatividade 111, 112, 127, 133, 134, 207.

SSalário 104, 106, 107, 149, 185, 193, 219.

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ÍNDICE REMISSIVO

401

Salud 11, 12, 21, 22, 25, 36, 39, 41, 50, 51, 53, 55, 57, 58, 59, 60, 65, 67, 68, 69, 71, 73, 74, 271, 275, 291, 292, 295, 296, 297, 298, 300, 301, 305, 306, 390. Satisfacción con la vida 271, 283.Saúde do trabalhador 138, 166, 183, 187, 199, 200.Saúde mental 16, 206, 210, 227, 228, 229, 320, 363, 392.Sentidos 17, 232, 234, 240, 241, 242, 243, 256, 257, 258, 260, 261, 262, 268, 327, 328, 329, 333, 337, 345, 346, 347, 352, 393.Sentido de pertenencia 275, 276,294.Sentimentos 81, 82, 87, 109, 153, 218, 219, 225, 228, 243, 359, 363, 367.Servidor 14, 107, 114, 115, 118, 122, 123, 129, 390.Significado 52, 84, 112, 126, 148, 222, 235, 241, 242, 242, 253, 257, 263, 268, 274, 286, 293, 301, 307, 324, 330, 388.Significados do trabalho 45, 240, 241, 243, 254, 255, 268, 393.Sistema único de saúde 400.Situações de trabalho 16, 123, 141, 169, 207, 257, 259, 260, 344.Sobretiempo 401.Sofrimento 15, 16, 17, 80, 94, 137, 138, 166, 171, 175, 190, 199, 211, 228, 260, 262, 264, 322, 336, 342, 343, 378.

TTarefa 112, 139, 175, 187, 211, 222, 244, 245, 248, 249, 255, 258, 331, 336.Teoria e método 401.Tiempo de trabajo 25, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 38, 39, 40.Trabajo y carrera 402.Trabalhadores do turismo 16, 206, 207, 214, 227, 229.Trabalho 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 45, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 94, 95, 96, 97, 98, 98, 100, 101, 103, 104, 106, 107, 108, 110, 111, 112, 114, 115, 118, 121, 122, 123, 124, 126, 127, 128, 129, 131, 132, 133, 134, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 151, 152, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160,

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ÍNDICE REMISSIVO

402

161, 163, 164, 165, 166, 168, 169, 170, 171, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 206, 207, 208, 209, 210, 211, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 228, 229, 231, 232, 233, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 345, 246, 247, 248, 249, 251, 252, 253, 254, 255, 256, 257, 258, 259, 260, 261, 262, 263, 264, 265, 266, 267, 268, 319, 320, 321, 322, 323, 327, 328, 329, 331, 332, 333, 334, 335, 336, 337, 338, 339, 340, 341, 342, 343, 344, 345, 346, 347, 348, 349, 350, 352, 353, 354, 355, 356, 357, 358, 359, 362, 363, 367, 368, 371, 372, 374, 375, 376, 377, 378, 380, 381, 387, 389, 390, 392, 393, 394, 397, 398, 399, 400, 401, 402.Trabalho no serviço público 402Trabalho precarizado 13, 78, 79, 81.Trabalho sujo 13, 78, 81, 82, 84, 97, 100.Trabalho precário 402.Trabalho precarizado 13, 78, 79, 81.

VValidación por triangulación 402. Vinculación/congruencia individuo-organización/puntos de congruencia 282.Vínculos 107, 109, 113, 124, 128, 129, 158, 181, 194, 297.Vivência 80, 82, 84, 87, 89, 95, 100, 148, 228, 260, 336, 392.Vocação 122, 139.

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