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EAT ME - A GULA OU A LUXÚRIA? Origem : As xilogravuras neoconcretas - o espaço topológico EAT ME - A GULA OU A LUXÚRIA? Origem : As xilogravuras neoconretas - o espaço topológico, ainda virtual, desdobrado, torcido , invertido I ambíguo , ambivalente ; no plano estático principabnente. Depois : Livro da Criação - a indagação do homem como história ; o estético e o ético . Agora : Espaço Poético - qualquer linguagem a serviço do ético. Meu trabalho desenvolve-se dentro do que eu chamo Espaço Poético. Estruturalmente apoia-se no princípio matemático da "fita de Moebius" e desliza sobre qualquer linguagem ou espaço ideológico que me interesse. Em 1974 (julho) realizei urna proposta com o espaço topológico na Galeria CAYC (Centro de Arte e Comunicação) em Buenos Aires, sobre o problema da violência. O sinal da morte (caveira) e a palavra WANTED impressas permentemente no circuito interno de VT da galeria , impregnavam o espaço de dentro e de fora , de for.ma contínua, sem posição privilegiada. O projeto para o MAM denomina-se EAT ME = A GULA OU A LUXÚRIA? e constrói-se a partir de uma espaço particularizado: o Espaço Patriarcal, que faz parte ou está inserido no sistema geral dos Espaços Poéticos. Os elementos consignados para este projeto referem-se à mulher-objeto e seu uso no consumo : fruto codificado de um comportamento que impregna a visão da sociedade de consumo de massa em moldes patriarcais. Não é um discurso ou uma tese. Desdobro o projeto ao nível de uma epidermização de urna idéia: o sensório como forma de conhecimento e de consciência . Utilizo a contra leitura. Ou o espaÇo topológico . Estruturalmente o trabalho apoia-se na "fi ta de Moebius" o que me permite um espaço deslizante para fora e para dentro do MAM. Sem po s ição privilegiada. A abordagem é ambígua . O mal estar é ambíguo . Parto do SINAL - fome e outro sinal - sexo. Para os dois sinais crio um clima de sedução encantatório, o que transforma o espaço num contínuo impossível de codificação a um conteúdo semântico. É gula ou é luxúria? Os " OBJETOS DE SEDUÇÃO" são instrumentos recolhidos do cotidiano e oferecidos ao uso de uma visão crítica, de deboche ou de acomodação. São emblemas-souvenir de uma situação, leve-os para casa, como sinal situação. Desse Espaço Poético, em geral como uma semente ou um ovo, serão gerados outros espaços, oferecidos e manipulados para outros significados : Espaços da criação área do mesmo projeto a ser desdobrado por alunos da Universidade Santa Úrsula para o exercício de atos criativos. O projeto denomina-se Espaço Natural e Espaço Cultural. São estudantes do curso de arquitetura e não tem antecedentes artísticos. Serão anotações sensoriais de espaços vividos, por nós também. Conclusâo : O Espaço Poético é um contínuo dinâmico, ambíguo, apoiado sobre o SINAL e que deverá deflagar também um processo de um contínuo no interior das pessoas - um dentro fora permanente, sem lado privilegiado. Espaço interno e externo confundindo-se e nutrindo um ao outro. A "fita de Moebuis" é um projeto para estruturas objetivas e subjetivas. Projeto I : EAT ME - A GULA OU A LUXÚRIA? Projeto lI : ESPAÇO NATURAL E ESPAÇO CULTURAL SUPER STAR : Walkiria Proença 4 de dezembro de 1975 Lygia Pape

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EAT ME - A GULA OU A LUXÚRIA?

Origem :

As xilogravuras neoconcretas - o espaço

topológico

EAT ME - A GULA OU A LUXÚRIA?

Origem :

As xilogravuras neoconretas - o espaço topológico,

ainda virtual, desdobrado, torcido , invertido I

ambíguo , ambivalente ; no plano estático principabnente.

Depois :

Livro da Criação - a indagação do homem como

história ; o estético e o ético .

Agora :

Espaço Poético - qualquer linguagem a serviço do

ético.

Meu trabalho desenvolve-se dentro do que eu chamo

Espaço Poético.

Estruturalmente apoia-se no princípio matemático

da "fita de Moebius" e desliza sobre qualquer

linguagem ou espaço ideológico que me interesse.

Em 1974 (julho) realizei urna proposta com o

espaço topológico na Galeria CAYC (Centro de Arte

e Comunicação) em Buenos Aires, sobre o problema

da violência.

O sinal da morte (caveira) e a palavra WANTED

impressas permentemente no circuito interno de VT

da galeria , impregnavam o espaço de dentro e de

fora , de for.ma contínua, sem posição

privilegiada.

O projeto para o MAM denomina-se EAT ME = A GULA

OU A LUXÚRIA? e constrói-se a partir de uma

espaço particularizado: o Espaço Patriarcal, que

faz parte ou está inserido no sistema geral dos

Espaços Poéticos.

Os elementos consignados para este projeto

referem-se à mulher-objeto e seu uso no consumo :

fruto codificado de um comportamento que impregna

a visão da sociedade de consumo de massa em

moldes patriarcais.

Não é um discurso ou uma tese. Desdobro o projeto

ao nível de uma epidermização de urna idéia: o

sensório como forma de conhecimento e de

consciência .

Utilizo a contra leitura. Ou o espaÇo topológico .

Estruturalmente o trabalho apoia-se na "fi ta de

Moebius" o que me permite um espaço deslizante

para fora e para dentro do MAM. Sem pos ição

privilegiada. A abordagem é ambígua . O mal estar

é ambíguo .

Parto do SINAL - fome e outro sinal - sexo.

Para os dois sinais crio um clima de sedução

encantatório, o que transforma o espaço num

contínuo impossível de codificação a um só

conteúdo semântico. É gula ou é luxúria?

Os " OBJETOS DE SEDUÇÃO" são instrumentos

recolhidos do cotidiano e oferecidos ao uso de

uma visão crítica, de deboche ou de acomodação.

São emblemas-souvenir de uma situação, leve-os

para casa, como sinal situação.

Desse Espaço Poético, em geral como uma semente

ou um ovo, serão gerados outros espaços,

oferecidos e manipulados para outros

significados :

Espaços da criação área do mesmo projeto a ser

desdobrado por alunos da Universidade Santa

Úrsula para o exercício de atos criativos.

O projeto denomina-se Espaço Natural e Espaço

Cultural. São estudantes do curso de arquitetura

e não tem antecedentes artísticos.

Serão anotações sensoriais de espaços vividos,

por nós também.

Conclusâo :

O Espaço Poético é um contínuo dinâmico,

ambíguo, apoiado sobre o SINAL e que deverá

deflagar também um processo de um contínuo no

interior das pessoas - um dentro fora permanente,

sem lado privilegiado.

Espaço interno e externo confundindo-se e

nutrindo um ao outro.

A "fita de Moebuis" é um projeto para estruturas

objetivas e subjetivas.

Projeto I : EAT ME - A GULA OU A LUXÚRIA?

Projeto lI : ESPAÇO NATURAL E ESPAÇO CULTURAL

SUPER STAR : Walkiria Proença

4 de dezembro de 1975

Lygia Pape

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Dossiê Lyg ia Pape Home nage m

Um percurso ímpar, capaz de conter, na trajetória de um único artista, o história do arte brasileira recente' Grupo Frente, Concretismo, Neoconcretismo, Novo Objetividade Brasileira,

Apocalipopotese. Ao lembrar suas incursões por gravura de vanguarda, balé, experimentalismo, filme de artista, objetos, instalações, performances, vale a ressalvo: recordemos o resistência que ela oferecia a mostras de caráter meramente retrospectivo, em favor do exibição de suo

produção recente. Tteia, Luar do Sertão, Monto Tupinambá, Carandiru. Diante do vigor de seus últimos trabalhos, é fácil entender como tal resistência logrou sucesso.

Rendendo-lhe homenagem, recorremos, 00 apresentar sua produção histórica, escritos da próprio artista. A seguir, uma pequena seleção de trechos críticos e entrevistas.

Deixamos, o elo, a palavra.

Rosana de Freitas

Da artista

I. 1959

Uso a gravura, dentre os vários meios de expressão artística, enquanto o problema

proposto é a realização de uma idéia através dos meios gráficos . Para mim, a gravura deverá manter, antes de tudo, esse caráter essencialmente gráfico, sob pena de desvirtuar­se em qualquer outra coisa que não seja mesmo gravura. Trabalhei sempre em xilogravura por obter maior controle, ou melhor, controle absoluto do resultado desejado e por maior afinidade com o material-madeira. O problema do acaso não existe na gravura que rea lizo. Toda ela é controlada, desde a escolha do material ­isto é a qualidade da madeira - à impressão

final. A princípio, fascinei-me pela textura e veios

característicos de cada madeira. Utilizei-me deles como valores gravados preexistentes, controláveis, e que me permitiram uma gama

enorme de negros desenhados. Foi uma fase abstrata, da qual me afastei aos poucos para um

despojamento sempre maior que o problema formal exigia. Já gravo em madeira há seis anos e sempre renovo a m inha experiência. Ainda me deslumbra o poro impresso, o branco cavado na chapa, a impressão final, apesar de sempre desenhar antes de gravar, de fazer vários estudos da mesma idéia. Uso um

Lygia Pape. art es Visuais. (Inema.

instrumental muito reduzido: um estilete e uma goiva lassa. São suficientes e creio que mais não me seria necessário. Uma mesma qualidade de madeira pode me dar uma gama infinita de negros pelo simples controle do uso da lixa.

Antes da impressão final, tiro muitas provas do

negro gravado até chegar ao tom desejado. Sempre trabalhei o fio da madeira, e procuro deixar o material falar por si mesmo. independente, expressivo por si só. A integração orgânica do positivo/negativo da gravura neoconcreta vem ao encontro da qualidade primeira da xilogravura, isto é, o preto e o branco devem ter o mesmo valor expressivo, estar num plano bidimensional, funcionar como uma solução de justaposição. Aos poucos, dentro dessa integração do positivo/negativo, o espaço amplia-se, rompendo as tensões formais, mas sem perder o caráter de gravura. O espaço ainda é forma, as formas isoladas dinamizadas no

espaço, dão-lhe um conteúdo expressivo, chegando aos limites da gravura - ou seja, à fronteira da pintura.

2. 1961

O Livro da Criação realiza-se já no espaço real. A narrativa da criação do mundo através de uma fonma de expressão plástica constrói-se no

espaço físico por um ato dinâmico do

espectador-leitor - o gesto real, que dura no

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espaço controlado pelo leitor, desencadeando a sua própria criação. De um estado de repouso

(passivo), onde só a cor introduz simbolicamente ao núcleo do livro, o gesto do

espectador dá o tempo expressivo a cada

unidade do livro, segundo suas próprias vivências, daí surgindo o significado primeiro, e básico, da criação mesma. A experiência do

homem diante das forças primárias: água, fogo, etc. O livro nasce na medida em que vai sendo construído e cada unidade possui carga maior ou

menor segundo o próprio leitor. Anexar significados ao livro não lhe modifica o sentido,

mas é próprio de sua natureza - a mação. O sentido primeiro da experiência repete-se sempre no ato físi co de cada nova abordagem ao livro: no fazer-se e desfazer-se. A narrativa das palavras - visual, pois - possui um mínimo de encadeamento conceitual. Somente tem a

ligá-Ias o fio unitário que atravessa a obra e é dado pelo sentido mesmo do livro: Criação.

3.1975

Depois de 196 I , quando o grupo neoconcreto se dissolveu - ou melhor, deixou de se apresentar em conjunto - comecei, como os outros, a trabalhar independentemente . Durante uns quatro anos , voltei-me por completo para cinema e a programação visual de filmes , fazendo cartazes e letreiros de uma série de realizações do cinema novo, entre elas Vidas Secos e Deus e o Diabo no Terra do Sol. N o cinema, produzi ainda um documentário sobre Goeldi e, mais recentemente, um trabalho em torno da transferência das formas culturais do homem do campo brasileiro para as do homem urbano, além de vários fi lmes experime ntais e didáticos. Jamais cons iderei ocasional essa passagem da minha atividade em artes plásticas até a atuação na área de cinema; vejo uma lógica interna justificando-a, da gravura ao filme. Na gravura, sempre me interessou a pesquisa do espaço. O que é a xilogravura? Uma superfície preta sobre a qual você dá riscos de luz, vai abrindo nela a luz. O que ocorreu comigo foi ter levado isso a um tal ponto que o espaço da gravura terminou consumido. Cavei e cheguei à luz total, espaço idêntico ao espaço real. Assim, ingressei no espaço plano da gravura. Nesse momento, comecei a pesqu isar em torno da cor/luz, pintando, de início , placas de vidro que deveriam ser penduradas. Mas nelas havia ainda uma ce rta opacidade. De repente, descobri que no filme eu poderia

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manipular e dispor dessa luz impalpáve l, luz/transparência. Foi então que fiz uma série de poemas, já vindos da fase neoconcreta, em cinema: eu os projetava e t inha luz colorida no espaço. Entrei no campo do cinema pela via da luz. Além do mais, o Livro do Criação, de 1960, e também os livros-poemas anteriores Já propunham uma situação de narrativo.

Paralelamente a isso, continuei trabalhando em diversas outras áreas, sobretudo a partir de 1967, quando apresentei na N ova Objetividade Brasileira o objeto ovo e as caixas de baratas e das formigas. O Ovo era uma estrutura cúbica coberta de papel ou material plástico leve, na qual as pessoas entravam por baixo, agachadas, e rompiam o invólucro/membrana, dali, saindo com o seu corpo: uma experiência de nascer que só a própria pessoa podia fazer, diretamente. Com a caixa de baratas eu queria que as pessoas sentissem o horror do ato de colecionar e, por extensão, da arte trancada nos museus. Na Caixa dos Formigas, saúvas vivas passeavam sobre um pedaço de carne, renovado quase diariamente, e sobre uma espiral onde estava escrito o gula ou o luxúria. Andando livres na caixa e dela podendo sair, as formigas tinham um comportamento imprevisível. Com elas, o que me interessava era mostrar a coisa Viva, já que penso em arte e vida como parcelas que se misturam, sendo o meu maior empenho o de me entranhar na vida em termos de arte. Por isso, nunca me interessei muito em fazer uma exposição, no sentido convencional de reunir trabalhos no interior de um museu ou de uma galeria. A arte, prefiro o ato de experimentar a arte, ou a vida.

Por ter me resguardado de expor e de ingressar no circuito comercial de arte, ao longo desses quase últimos 15 anos, as pessoas em geral pensam que estive parada. Mas nunca trabalhei tanto em minha vida como nesse mesmo período . Da atividade no Grupo Frente à participação no concretismo e no neoconcretismo, entre 1954 e 196 1, pesquisei praticamente todos os campos das artes visuais e de sua integração com outros setores: pintura, gravura, escultura, ballet, poesia, livros-poemas, etc. Esse tipo de comportamento desinteressado de rótulos fixos, de enquadramento em categorias, eu o mantive até hoje. Nunca recuso uma experiência nova. No momento, por exemplo - inclusive como professora da Faculdade de Arquitetura Santa Úrsula, no Rio - me volto para a proposta e a elaboração de espaços poéticos, desenvolvendo

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aspectos sensoriais e conceituais em espaços humanizados, onde a pessoa deve entrar e se lançar com o corpo inteiro para uma experiência de enriquecimento interior a partir de sinais que lhe fomeço. Se agora me proponho a um primeiro contato mais direto com o público ­nessa reapresentação das gravuras neoconcretas e, ao fim do ano, num espaço poético que estarei criando no MAM - é porque vim me preenchendo demasiadamente de coisas por dentro e preciso soltá-Ias. Nisso não há tática, nem método, nem disposição didática, mas apenas a vontade de entregar o material acumulado. Muito menos, não há Jogo de mercado: as gravuras não estarão à venda. São objetos culturais.

Em todo esse percurso, o que sobretudo me marcou foi a idéia e a prática neoconcretas. Para

mim, o neconcretismo, na sua condição de inventor de linguagem, de propiciador do livre exercício experimental inaugurou uma visão cultural brasileira (uma pré-história da arte no Brasil, como dizia Mário Pedrosa), longe da postura subdesenvolvida para a qual tudo o que é novo deve vir necessariamente de fora. O movimento foi tão fecundo em quebrar categorias, em antecipar segmentos de pesquisa, em equilibrar disciplina e invenção, que até hoje continua se prolongando, fertilizando a nós, que o compusemos, e ao pessoal mais novo, que o encara como um ponto de partida ainda vivo e Instigante.

Lygia Pape Jornal do Brasil, 17 de julho de 1975

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a/e REVISTA DO PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÂO EM ART ES VISUAIS EBA • UFRJ 2004

o livro, como todo livro, não existe sem o participação do leitor. Mos aqui o virar o página é mais auvo; o próprio página é concretamente escrita pelo leitor: e num tempo arbitrário. Neste sentido, o Livro é um anticinema, porque é uma sucessão cujo controle não abrange o tempo do espectador. O que aliás não tem o mínimo importância estéuca. Por outro lodo, o livro é primiuvo. Ele se dá numa experiência primeira, como assinalou o própria Lygia. Tem o sentido de primitivo: como um totem, encerra os projeções míucas do leitor; e como é anualegórico, é além disso indizível e o indizível por excelência, apenas base de uma história que é o única paro cada um: o Livro é pessoal; é um quase misticismo.

José Guilherme Merquior A Criação do Livro da Criação Jomal do Brasil, 3 de dezembro de 1960

• Lygia Pape é a semente permanentemente aberto o sucessivos erupções: suo atividade ~utua creativamente como as estações, mos não num sentido mecônico - seria mais como uma 'estação interno' vivenciada, que a conduz dessa para aquela iniciativa. E uma estranha ligação entre elos, como uma teia.

Hélio Oiticica Série Tropicália 2. Londres-Paris maio 1969

• Lygia Pape é o semente permantemente aberto o sucessivas erupções: suo auvidade ~utua criativamente como os estações, mas não num sentido mecônico - seria mais como uma estação intema vivenciada, que o conduz dessa para aquela iniciativa. E uma estranho ligação existe entre elos, como uma teia. A imagem da teia seria o mais apropriado às evoluções que se dão interna e externamente desde o Livro da Criação feito em 1960, onde os unidades, como células, formavam uma unidade uma unidade criativo aberto: o história dos elementos, do pré-história humano, mas que realmente eram dirigidos como que o história humana pré-sensorial, como toda a suo evolução posterior poderio mostrar: a busca poro o consciência direto sensorial, para o ato de ver ou de sentir pelo tato. O intelecto desafiando o si mesmo - mudança do conceito de objeto-arte para o de idéia, o que nado mais é do que o ato vivo de ter uma idéia tomado objedvamente.

Roberto Pontual O Neoconcretismo em dia. Jornal do Brasil, 17 de julho de 1975

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Eu fazia parte de um grupo concretista e trabalhávamos em todas as atividades dentro da arte. Mas ninguém lidava apenas com uma só: por exemplo, quem pintava também escrevia poesias ou, ao contrário, o poeta desenhava. Existia então uma mistura de linguagens artísticas onde as palavras podiam ser encaixadas nas pinturas e as cores em textos. Inevitavelmente, alcancei o cinema; daí em diante, acabaram as barreiras, pois ele me serve de metalinguagem além de ser uma perspectiva em re lação a todas as outras áreas.

Entrevista a Antonela Velasco Lygia Pape, Cineasta. A Notícia, 29 de outubro de 1977

• Lá dentro de toda a tramo, que representa a artista-motriz, é o pequenino partícula, o sopro vital que se une tudo, arte e não-arte, formo e porte, cor e espaço, num circuito que se inicio aqui e não termina acolá, mas mantém sempre aberta o brecha, onde a idéio rebrota, e foz tudo recomeçar, desde o viço das sensações, o calor para o formo e a vitalidade por onde o vida se engalano, e o prosseguimento das coisas indica que arte e idéio nunca param, transpassadas pelo inspiração coriácea de Lygia Pape.

Mário Pedrosa Lygia Pape (Prefácio). Arte Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Funarte, 1983

• Esse é o pensamento plástico fundante da obra de Lygia Pape, que, no atual produção, atinge expressão máxima. O deslocamento é a encadernação gráfico do idéio de movimento, mas não é o movime!1to em si. Implica em soltos e ambigüidades. E não linear. E um percurso de desvios, está profundamente associado o idéio de campo. É o deslocador do peço no tabuleiro de xadrez, recompondo as forças, reorganizando a totalidade do campo. É inversão de termos. É estratégia de despistamentos. Élançar as coisas para o outro de si mesmos, poro que elos possam abrir-se e se revelarem no seu contrário. É exercício extrativo de potências plásticas que busca no re~exo do outro, o espelho de suo própna imagem.

Marcio Doctors Potência Zero 3: Deslocamento. Lygia Pape. São Paulo: Galeria Camargo Vi laça, 1992

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o trabalho de Lygia Pape procura, tal como a vida, formar a cada momento unidades cada vez maiores e mais organizadas, expandir continuamente, começo e fim simultâneo. Toma então como modelo a mobilidade, a plasticidade, expansividade de Eros. São essas situações aquelas que o trabalho absorve e repropõe como modelos.

(...)

E assim o trabalho permanece em expansão: "eu saio do plano, vou para o espaço, depois esvazio, guardo tudo, volto ao plano" e do aberto para o fechado, do vazio para o cheio, do fim para o começo e para o recomeço. Transitoriedade.

Paulo Venancio Filho Transitoriedade. Lygia Pape. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1996

• .. . eu saía de madrugada para cruzar os viadutos, aqueles ali perto da Leopoldina que cruzam para cá e para lá... eu t inha a nítida impressão de que estava tecendo o espaço, sozinha a mil por hora por aquelas subidas. Era uma loucura, tinha a impressão de que estava tecendo uma teia no espaço da cidade; mas era uma coisa anônima,

saía de noite, sozinha, sem comunicar a ninguém, e ia tece r as minhas teias.

Entrevista de Lygia Pape a Glória Ferreira LHL - Lygia C/ark, Hélio Oiticica, Lygia Pape. Brasília: Conjunto Cultural da Caixa Econômica Federal, 1999

• Pode ser que haja, de fato, ainda uma outra maneiro de estender o 'ciclo de criatividade' ao qual Mário Pedrosa se refere. Seria a de incluir 'interpretações' da obra dentro da própria obro, de modo que haja entre elas um contínuo, e não uma divisão. A própria Lygia Pape sempre foi atraída por 'meios de interpretação', o livro, a

fotografia, o filme, como parte de um exercício mais amplo de arte visual, e ela já incentivou ou participou ativamente de interpretações de seu trabalho, tais como as fotografias de Maurício Cirne do Livro da Criação ou o filme recente de Paula Gaitan.

Guy Brett A lógica da teia. Gávea de Tocaia. São Paulo: . Cosac & Naify, 2000