Ebook - Cenas de um retrato

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Ebook produzido pelos alunos da PucCampinas (SP - Brasil)

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EXPEDIENTE

E-book produzido por alunos do 7º. Semestre da Faculdade de Jornalismo da PUC-CampinasCLC - Centro de Linguagem e Comunicação

Diretor: Prof. Dr. Rogério Eduardo Rodrigues BaziVice-Diretora: Profª. Maura Padula

Diretor da Faculdade: Prof. Lindolfo Alexandre de Souza

Professora: Profª. Drª. Rosemary Bars Mendez (responsável pela disciplina de Jornalismo Literário, que orientou a produção dos perfis)

Alyne Cervo MartinezArmando Sagula NetoCamila Messias LopesCamilla Damasceno GodoyDaniel Santos SoaresFrancela Pinheiro SilvaGabriela Rossi EliasGabriela Salcedo FigueiraGabriela Santa Rosa de GoesGiovanna Décourt GalluzziGiulianna Almeida CamposHeloíse Lima Marques dos SantosIsabella TogniolliMarcela Baladez Casagrande

Marília Fitipaldi Barrachi de MirandaMatheus Moori BatistaMayra Karina Finatti BissoNathália Pereira TrindadePatrícia Geraldo BigardiPatricia Lopes RibeiroPriscila de Carvalho FirminoRafael Manicardi ZagattiRaul Ernesto PereiraRebecca Batista VicenteRita de Cassia Barbosa de AzevedoRodrigo de OliveiraThatyane Scongnamiglio PereiraVinicíus Purgato

Projeto Gráfico: Armando Sagula NetoPaginação: Armando Segula NetoCapa: Armando Sagula Neto e Vinicius PurgatoEndereço: CLC - Campus I - Rodovia Dom Pedro I, km 136 - CEP: 13086-900

Alunos

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Trabalho gratificante

Cenas de um Retrato é um e-book que reflete o envolvimento dos alu-nos de Jornalismo Literário da PUC-Campinas, do primeiro semestre de 2013, na imersão de histórias de vida de pessoas comuns, que guardam em suas memórias momentos de alegrias, de felicidades, de tristezas, mas tam-bém de saudades de um tempo que se foi. São fatos reais narrados a partir do olhar do autor, que fez um recorte jornalístico para manter a fidelidade dos acontecimentos, num texto leve, narrativo e com as percepções próprias de um escritor que busca inspiração na literatura para expressar-se. Durante todo o semestre, em sala de aula, os alunos-autores discutiram e textos elaborados por jornalistas consagrados que fogem da objetividade e da função de apenas informar um acontecimento. Trabalhos publicados em li-vros reportagens que servem de inspiração para aqueles que desejam, um dia, deixar a redação diária, valendo-se do ofício de escritor ao perceber o valor de uma história que merece ser contada e conhecida pelo público leitor. Tarefa árdua e gratificante. Primeiro definir quem seria o perfilado, quem ‘daria’ uma ‘boa pauta’ com um perfil inédito, curioso, importante, relevante para ser apresentado, não apenas em trabalho acadêmico, mas para o mundo externo à universidade. Assim, o peso avaliado seria dobrado, pois não vale somente a nota ao final do semestre; saber se foi ou não aprovado na disciplina, mas ter consciência de que, no mundo da web, seu trabalho seria apreciado (ou não) por centenas de pessoas e, portanto, a repercussão ficaria nas mãos de leitores mais críticos. Gratificante por saber que os alunos da PUC-Campinas estão sempre dispostos a enfrentar desafios, a ousar, com dedicação, disciplina e muita criatividade.Boa leitura a todos!

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SÚMARIO

Amanda Texiera 9Antônia Pelegrini 13Erimont Vasconcelos Gagliano 15Gèza Czèdly 17Jhonathan de Barros Santos 21Dna Mercedes Marchi 23Dr. Roberto Torao, das guitarras 27Adriano Alvez - O Impacto do Forró 31Moarcir Salcedo 35Pedro Bigardi 39Simone Ramos 43Vanilda Souza Ferreira 47José Carlos de Oliveira 49Telínes Basílio do Nascimento Júnior, o “Carioca” 53Maria Cristina Valle Aschenbach 57Mãe Dango de Hongolo 61João Maria Rodrigues 65Marcos Napolitano 69Martha Albuquerque 73Vitória Barim Pacela 77Oswaldo Manicardi 81 Seu Almada 83Angil Ayke 85Eliseu Nunes de Oliveira, o Pezão 89

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1Amanda Teixeira

POR NATHÁLIA TRINDADE

“Mas eu já me animei, estou mais animada, vamos ver se eu recomeço, estou tentando recomeçar”, disse Amanda com um sorriso no rosto ao falar sobre o que espera para a sua

vida. Com um olhar meio perdido pela universidade onde estudou, ela conta que não consegue lembrar nada do curso de Relações Públicas que ela fez na PUC-Campinas.

Desde o dia 13 de março de 2007, Amanda Teixeira foi obrigada a reco-meçar de alguma maneira.

-- Eu estava a trabalho, eu sai de uma empresa que eu ia visitar e aí, na es-trada, um rapaz saiu da mão dele e pegou o meu carro de frente e o outro rapaz pegou o meu carro atrás, nós fomos prensados, disse.

Com ela estava um colega de trabalho que quebrou 24 ossos, perdeu o baço e teve uma hemorragia interna, mas hoje está bem. Amanda teve trauma-tismo craniano, quebrou o nariz, rasgou os lábios e perdeu completamente a memória.

-- É meio ruim, é uma sensação de vazio e aí, a gente se pergunta o que é que foi da vida né?, conta com certa frustração em sua voz.

Foram nove dias na UTI e um mês internada em um hospital de Sorocaba. O acidente foi uma rodovia do Paraná, mas como a cidade mais próxima não tinha condição de atendê-los, ela foi transportada em uma UTI móvel até So-rocaba.

Após o acidente Amanda teve que aprender a viver novamente. “Eu perdi completamente tudo, não sabia ler, escrever, comer, andar”, disse. Ela não re-conhecia ninguém de sua família, sua mãe, a quem define ser a pessoa mais im-portante para sua recuperação, não passava de uma estranha para ela. “Só em seis meses, mais ou menos, que eu aprendi a reconhecer ela como minha mãe”.

O restante da família, ela só conseguiu reconhecer depois de um ano de convivência. O médico que cuida de sua saúde e hoje, depois de seis anos, visita todo mês, só foi reconhecer depois de quatro anos. “Toda vez que eu ia para Sorocaba, não lembrava quem era o médico, era como se eu o estivesse conhecendo de novo”, explica Amanda.

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Foram dois anos de tratamento com uma fonoaudióloga para voltar a falar e para ler e escrever. Amanda ainda toma medicamentos, desde o acidente: ela tem coágulos na cabeça e, além disso, faz um tratamento com psiquiatra e psi-cólogo. “Às vezes, eu me estresso e saio do meu compasso. Eu oscilo muito e fico nervosa muito fácil, aí eu estouro por qualquer coisa.”, diz arrependida por não conseguir se controlar.

Explicaram que, com o traumatismo craniano, perdeu alguns neurônios e por isso sua memória passada foi afetada. Mas, há também uma dificuldade com sua memória presente.

-- Tudo que vem acontecendo comigo desde o acidente até hoje eu vou esquecendo, por isso que eu também estou fazendo um tratamento para a me-mória presente, explica

Com euforia, Amanda conta que a coisa mais estranha e inexplicável que aconteceu foi quando entrou na sua casa pela primeira vez.

-- A primeira pessoa que veio na minha cabeça foi o meu pai. Eu senti von-tade de estar com ele, de ter ele comigo, disse sorrindo. Mas, o pai de Amanda morreu há muito tempo, ela não lembra ao certo. Os médicos explicam que a perda do pai estava em seu subconsciente e, por isso, veio na memória.

Segundo os médicos, não adianta fazer nenhum tratamento para a memó-ria passada, todos os flashes que ela poderia lembrar já aconteceram. Portanto, o melhor é trabalhar com a memória presente para ter uma história pra contar.

-- No começo eu escrevia muito, todo dia, como um diário. Mas agora eu tenho lido muitos livros. Depois que eu termino de ler, não lembro nada da história. O médico fala que é para continuar lendo, fazer caça palavras, essas coisas que trabalham a cabeça, conta.

Ao falar sobre sua família, Amanda se emociona e se culpa pelo trabalho que deu a todos, principalmente para sua mãe. “Minha mãe tinha que dormir comigo na cama de mão dada, todos os dias, eu até usava fralda”, conta com revolta por ter ocasionado tudo isso à sua família e não se lembrar de nada. A mãe e a irmã tiveram que mudar de casa, porque Amanda tinha crises durante à noite e quebrava objetos da casa. No hospital, seus três irmãos casados e, com filhos, além de sua irmã e de sua mãe, revezavam para ficar com ela em Soro-caba. Depois de uma crise, em que arrancou todos os equipamentos ligados ao corpo, além de tirar os 60 pontos que tinha na boca, teve que ficar amarrada e com um acompanhante, 24 horas por dia.

--Eu falo para a minha mãe que sem ela eu não teria sobrevivido, ela teve paciência de cuidar de mim o dia inteiro. É só amor de mãe mesmo, é incondi-cional. E eu sinto um enorme peso na consciência por não me lembrar do que causei para toda a minha família, conta emocionada.

Amanda se irrita ainda mais ao se referir ao que os médicos falaram para a sua mãe quando estava no hospital. “Primeiro, no último dia que eu fiquei na UTI, disseram para ela rezar que daquele dia eu não passava. Aí eu melhorei e

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falaram que era para rezar para eu não ficar retardada e para conseguir andar”, conta.

Afastada do trabalho desde o acidente, Amanda teve oportunidade de vol-tar, mas não conseguiu se adaptar e se afastou novamente. “Eu não lembrava nada, nem do que eu fazia e de ninguém, foi bem difícil pra mim”.

Quando fala sobre fé, só agradece por estar bem e por ter sobrevivido a tanto sofrimento, mas não consegue parar de se cobrar.

--Por que eu não lembro? Por que eu esqueci a minha vida? Por que eu não guardo as coisas? O que será que eu fiz lá atrás? Por que eu não morri? O que eu ainda tenho que fazer aqui na minha vida?, se pergunta emocionada e inquieta.

Sobre o futuro, deseja voltar a estudar, mas ainda é impedida pelo médi-co por causa de sua memória presente. Mas, quando conta sobre o curso que começou há uma semana, seus olhos começam a brilhar de uma maneira cati-vante e seu sorriso passa a esperança de viver e de ter uma história de vida. Sua expressão muda a falar sobre o que sente.

-- Eu estou sentindo medo de tudo, voltei a dirigir agora, mas é só ouvir uma buzina ou ver um farol forte que já me assusto. Quando estou em lugares com muito barulho, com muitas pessoas, não consigo ficar muito tempo, tenho medo, tenho medo da vida e de viver, me tornei uma pessoa medrosa, diz.

Ainda seguindo os conselhos de seu médico, Amanda começou a viajar. Nos lugares por onde passa, não tem a obrigação de lembrar-se de nada e isso faz com que consiga aproveitar. “O médico disse para eu parar de me cobrar e viver, então eu comecei a me controlar mais”, esclarece.

Hoje, não falar sobre o acidente é regra em sua casa. Quando qualquer pessoa conta alguma história de sua recuperação, pede para parar. Ela planeja o seu futuro com muito medo, mas se esforçando para não ser vencida por ele. Está se dedicando ao curso que está fazendo, sem desanimar quando não lem-bra o que foi falado nas últimas aulas e pensa em ter um negócio próprio, já que acredita que oportunidades de emprego vão ser bem difíceis de aparecer. “Estou tentando viver, é estranho, mas estou tentando. Eu quero ter uma histó-ria pra contar”, diz sorrindo.

NATHÁLIA TRINDADE é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas e

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2Antônia Pelegrini

POR RITA AZEVEDO

Há dez anos, Antônia Pelegrini fez o check-in em um hotel no cen-tro de Paulínia com os três filhos (de sete, dez e vinte anos) e o marido. Até hoje não saiu de lá. Nesse período, esqueceu qual é a

sensação de preparar um almoço e sentar com a família em volta de uma mesa, mas sabe que isso faz falta.

O café da manhã caprichado, o ar condicionado, um colchão de qualida-de e alguém para arrumar sua cama diariamente não compensam as inúmeras ações que a senhora de 52 anos nunca mais irá realizar. “Não pude criar meus filhos da forma que gostaria, não pude escolher quais alimentos eles poderiam comer”.

Em um quarto de 14 m², Antônia viu os filhos crescerem e se mudarem para outros números do mesmo andar do hotel. Foi lá também que presenciou o avanço do câncer do seu marido, possivelmente ocasionado pelo mesmo mo-tivo que a fez morar neste quarto.

Sua família vivia em uma chácara no Recanto dos Pássaros, região conta-minada por uma fábrica de pesticidas da Shell. No local, Antônia administrava a criação de gados do marido e algumas plantações. Em 2003, após a inter-dição da área, a empresa propôs à mulher que deixasse sua casa e fosse para um local provisório, enquanto a situação não fosse regularizada. No início, a família gostou da ideia. “Era como se fosse uma viagem que iríamos fazer por no máximo três meses”. A viagem, no entanto, durou um tempo maior do que o esperado.

No hall do hotel, a imagem da senhora alta e loira se mistura a de tantos outros hóspedes que vão à cidade, sede de um dos maiores pólos petroquími-cos do País, realizar negócios ou a trabalho. Mas em alguns detalhes, Antônia é diferente. A começar pela sua fala de mulher simples, que nunca se moldou à formalidade das conversas que acontecem em meio aos corredores, ou na recepção. Ela cumprimenta os funcionários pelo nome. “Dorinha” é a senhora que limpava o quarto no momento da entrevista, Susi é uma das atendentes.

Alguns rostos, no entanto, não são conhecidos, como por exemplo, o do homem que realiza pequenos consertos em seu quarto. Desses desconhecidos

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ela tem vergonha, como no dia em que um deles foi arrumar o chuveiro e en-controu suas peças íntimas penduradas no box do banheiro. “Foi tão vergonho-so”, conta dando risadas.

Durante esses dez anos, Antônia conviveu com uma série de problemas, incluindo crises de claustrofobia que tiveram de ser tratadas com a mudança para um quarto que fica ao lado de uma área externa. Outras doenças nunca foram encontradas, talvez porque nunca tenham sido procuradas. “Eu não vou mais ao médico e tenho medo de saber da minha saúde”.

Logo após a interdição da área da fábrica, toda a família realizou exames, que detectaram uma alta carga de substâncias tóxicas no sangue. Quando o ma-rido morreu, um dos médicos detectou sete tipos diferentes de pesticida em seu corpo, quantidade semelhante à encontrada em funcionários que trabalhavam na fábrica por mais de 15 anos.

Em Antônia foram encontradas quatro variações, mas isso não parece lhe preocupar tanto quanto a perda da liberdade e o afastamento da família. A mu-lher afirma que é impossível não notar como toda essa mudança abalou o elo que possuía com os filhos. Por mais que estejam próximos, as portas devem sempre estar fechadas, já que sobram 97 quartos no hotel, ocupados por estra-nhos que estão sempre de passagem.

Hoje seus filhos, um economista, uma estudante de Direito e outra jovem de 17 anos, acostumaram com a rotina diferenciada, mas quando eram crian-ças, as mais novas quase não recebiam os amigos em casa, já que isso signifi-cava a necessidade de uma autorização dos pais registrada em cartório.

Os outros membros da família se tornaram mais distantes, assim como os amigos, que diminuíram a frequência das visitas por não quererem aumentar os gastos com almoços e jantares. “Eu gostaria de oferecer mais, mas não consi-go”. A Shell só custeia os serviços básicos da família, como lavanderia e esta-dia. A alimentação fica por conta da chefe de família, que faz alguns trabalhos como esteticista e cabelereira.

As visitas aos advogados são frequentes, mas a mulher não tem perspecti-vas que sua situação mude tão cedo. Em dezembro de 2012, a empresa propôs o pagamento do aluguel de uma casa, mas ela não aceitou. “Se eu fosse para uma casa alugada, aí mesmo que eu ia morrer sem ver uma solução definitiva”. Antônia ainda estuda uma contraproposta e tenta conseguir na justiça uma pen-são vitalícia. Enquanto isso, espera pelo dia em que poderá fazer o check-out.

RITA AZEVEDO é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas e

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3Erimont Vasconcelos Gaglianone

POR CAMILLA GODOY

Montinho já era conhecido de muitos anos, mas especialmente no dia 30 de maio de 2013,quinta-feira,uma tarde fria de feriado, por volta das 15 horas, gentilmente me recebeu em sua casa.

Logo que estacionei o carro avistei o senhor abrindo a porta da sala e vindo ao meu encontro com aquela que, segundo ele, é a sua neta, a cachorra Emily.

Gentilmente me convidou para entrar em sua residência. Observei que se tratava de uma casa bem acolhedora com vários sofás na sala de estar e uma grande quantidade de almofadas além de outros móveis e objetos de decoração.

Como é compreensível, o animal de estimação sentiu ciúmes e enquanto conversávamos não parava de latir. Momentos após o início de nosso bate-pa-po,surge uma senhora muito bem apresentável,com seus cabelos negros e mo-lhados. Era sua esposa. Muito gentil ,se apresentou ,segurando a Emily que se acalmou e dormiu, nos deixou e, mais à vontade, continuarmos o trabalho.

Nossa conversa se estendeu por um período de duas horas, Vera o prepa-rou uma deliciosa canjica, aquecendo o frio da tarde,dando-me margens para melhor conhecer sua história e de sua família.

Filho de Erimont Gagliano,(falecido) e da Hildeth Gagliano,(atualmente 94 anos),nasceu no dia 14 de maio de 1945, na cidade de Salvador na Bahia, o menino Erimont Vasconcelos Gagliano.

Para surpresa de todos, Erimont nasceu com o peso bem abaixo do normal, um quilo e duzentos gramas. Como era de costume, familiares e amigos foram visitar o bebê e assim que uma vizinha o avistou,se espantou com o tamanho da criança. De uma forma carinhosa, o apelidou de “Montinho”. Esse apelido ficou tão marcado que a maioria das pessoas o conhecem assim,algumas até passam pela sua história sem saber o real sentido deste apelido.

Montinho passou sua infância na cidade de Salvador ,onde aproveitou cada momento. Entre tantas diversões da idade, tinha como preferência se unir aos amigos para assustar as lavadeiras, que durante o dia trabalhavam lavando roupas na lagoa do Abaeté. Á noite quando retornavam para suas casas, pas-sando pela calçada em frente ao cemitério,eram pegas de surpresa com a crian-çada envolta de lençóis brancos pregando aquele susto.Outra coisa que gostava

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bastante era de ir no quintal na roça do seu Guilherme para pegar frutas. Naquela época, a cidade era provinciana e, durante todo esse tempo, tudo o que

viveu e aprendeu lá foi muito gratificante.Viveu na cidade Soteropolitana até seus 15 anos, onde trabalhava na bolsa de valo-

res. Com essa mesma idade foi para o Rio de Janeiro para ingressar na Escola de Cadetes do Exército.

Na cidade carioca,entre tantas belezas, conheceu a bela jovem Vera com 16 anos, aquela que viria a ser sua futura esposa.

Aos 18 anos começou a servir o Exército onde passou 30 anos. Foi Sargento, gos-tava muito do que fazia e de estar entre seus colegas.

Durante o tempo em que esteve no Exército a melhor experiência que viveu foi a viagem a República Domicana. Lá juntamente com os Exércitos Americano, de Costa Rica e Honduras, passou sete meses de muito trabalho, aprendizado e dedicação. Apro-veitou e pode fazer muitos cursos de pequena duração conhecendo assim o povo e seu idioma.Segundo Montinho,na época mais de 78% da tropa incorporada do Exército era analfabeta.

Nunca fui rejeitado e sempre tive uma boa convivência com os meus colegas do quartel. Os brasileiros em todos as viagens seguiam em missão de paz e, com isso, os povos iam se identificando muito rápido com a tropa brasileira e nos chamavam de “her-manos”.

Durante os 30 anos que ficou no Exército foram feitas muitas viagens, para São Domingos, Porto Rico, São João Del Rei, Rio de Janeiro, Brasília e Amazônia.

No ano de 1969 casou-se com Vera. Naquela época ele tinha 24 anos e ela 20 anos.Casado há 44 anos, sempre contou com a colaboração de sua esposa Vera Lucia Bo-

telho Gagliano ,sua grande companheira. Uma mulher guerreira que soube compreender e respeitar a carreira do esposo militar. Um dos momentos mais marcantes em sua vida foi o nascimento do seu primeiro filho Giovanni Botelho Gagliano, (hoje com 40 anos e casado há oito anos). Estando a serviço não pode estar presente na data do parto co-nheceu o filho somente quando já havia completado treze dias. Mesmo com a distância por alguns momentos, isso nunca os impediu de serem unidos. A cada retorno a casa, era motivo de muitas alegrias e tempo de aproveitar ao máximo a união familiar.

Hoje aposentado como tenente, após 30 anos de serviço ao Exército, sente-se com a sensação de dever cumprido. Consegue se dedicar mais a família, gosta de viajar muito com a esposa.

Quem olha para esse senhor de estatura mediana, cabelos grisalhos, olhos claros, ar de responsabilidade, acolhimento, também consegue ver um homem carismático, muito sorridente,inteligente,com muita experiência de vida e amor ao próximo.É uma pessoa muito religiosa. Hoje em dia dá palestras em Encontro de Casais, de Noivos e muito participativo em sua comunidade, contando um pouco de tudo o que viveu e aprendeu na sua vida.

CAMILLA GODOY é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas e

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4Gèza Czèdly

POR VINÍCIUS PURGATO

Sentado na poltrona velha de sua sala, Gèza não esconde a satisfação de relembrar o passado. Bem ali, onde costuma passar boa parte do tempo devido aos problemas na coluna, as histórias já foram conta-

das milhares de vezes, com a mesma euforia e o sentimento de que não se pode voltar atrás. Os olhos chegam a ficar marejados. Esquiva-se da angústia para colocar força nas palavras que tanto lhe fazem bem. Ao redor, o ambiente não podia ser mais favorável. Quadros, tapetes, almofadas, lamparinas, abajures, garrafas de bebidas e tantos outros pertences originários da Hungria, seu país de origem. A imagem de Hitler é o objeto que mais chama a atenção. O olhar fixo do ex-ditador alemão parece penetrar na mente de quem o vê. Muito pare-cido com o que acontecia com os nativos adeptos à ideologia do então chefe de Estado em tempos de Segunda Guerra Mundial.

Nessa condição nasceu Gèza Czèdly, em seis de março de 1942, na capital húngara Budapeste. Conta seu filho, Victor Czèdly, que ter nascido em meio ao maior confronto existente no planeta é um dos maiores orgulhos do pai. De início, a afirmação soa estranha. O que faria um senhor de 71 anos de idade se orgulhar de uma guerra da qual não fez parte? Foi aí que me enganei. Filho da vienense Emília Stecher e de Jozsef Czèdly, comandante das tropas alemãs da Wehrmacht, Gèza viveu uma infância conturbada na cidade de origem, com as duas irmãs. “A Hungria passava por um momento negro, que era a ocupação da União Soviética”, contou.

Ao ser questionado sobre esses momentos de angústia, Gèza se esconde por trás de um pano branco, com cerca de trinta centímetros, secando o suor que escorria pelo rosto enrugado. A cada pergunta, dez segundos com os olhos fechados, como quem quisesse se recordar de algo marcante. Lembrou-se de seu pai, membro do exército alemão, passando pela primeira vez pela porta vermelha de casa. Voltara da guerra após meses aprisionado por russos em um Gulag (campo de trabalho forçado da União Soviética, criados após a Revo-lução Comunista de 1917 para abrigar criminosos e inimigos do Estado) na Sibéria.

- O primeiro encontro com o meu pai foi inesquecível. Minha mãe sempre

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disse que ele voltaria, mas minhas irmãs tinham perdido as esperanças. Foi a maior vitória da minha vida, afirmou Gèza, emocionado.

O caminho percorrido pelo pai se tornou, aos poucos, motivo de adoração e desejo. Queria trilhar os mesmos passos, a qualquer custo. Essa vontade se intensificou em meados de 1950, quando as posses dos húngaros foram estati-zadas pelos russos. A família Czédly, considerada nobre, perdeu apartamentos e uma fazenda no interior, deixando-a a beira da miséria.

- Criei um instinto revolucionário por causa do meu pai. Ele tinha traba-lhado muito, assim como o meu avô, para conquistar as terras que nos foram tomadas, destacou, já demonstrando irritação em recordar o sofrimento de sua família.

A pronúncia das palavras em português dificultava a compreensão de cer-tos termos. Xingamentos em alemão se tornaram cada vez mais presentes em seu discurso. Gèza só se sentia aliviado ao compartilhar as em manifestações das quais fez parte.

Em 1956, a Hungria – no auge da tensão política – entrou para a chamada Revolução Húngara contra os soviéticos. Com apenas 14 anos de idade, Gèza era magro, tinha cerca de 1,75 metro, cabelos loiros e espírito de vingador. Saiu às ruas para combater os russos. “Tudo durou aproximadamente 15 dias, até que os russos enviaram suas tropas ao país levando o povo a uma aniquilação total”, lamentou.

Pouco tempo depois, outra derrota: desta vez, ainda mais traumatizante. Seu pai, maior ídolo, falecera sem se despedir. Deixou apenas lembranças, além de alguns pertences dos quais Gèza não se desfaz: a farda que usou du-rante os confrontos da Segunda Guerra, medalhas, troféus, fotografias, armas e facas. Todos eles, um a um, permanecem expostos sob a parede do quarto de Gèza, intocáveis. Apenas vistos de longe.

- São marcas de uma vida dedicada à defesa de uma pátria. São valores que jamais perderei, definiu.

Morreu também o desejo de seguir protestando. Entendeu que o bem mais precioso era a vida, aquela que seu herói acabava de perder. Resolveu se de-dicar aos estudos. “Era um sonho do meu velho me ver formado. Ninguém da família tinha conseguido essa proeza”, relatou.

O vigor de Gèza era impressionante. Com 19 anos, tinha adquirido um corpo atlético – “resultado de uma adolescência revolucionária”, explica -, so-breposto em um esqueleto que já chegava a 1,82m. De cabelos sempre curtos, camisas e calças largas, bota de couro e óculos arredondados, ingressou em 1961 sua jornada universitária. Optou por dois diplomas. “Escolhi hotelaria queria viajar, e a gastronomia porque queria levar a culinária do meu país para o mundo todo”, destacou.

Era mal visto por seus colegas por colecionar imagens de Hitler, estampa-das no interior do caderno. No navio transatlântico, seu primeiro trabalho, foi

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obrigado a deixar as preferências de lado. Limitou-se a conciliar trabalho e la-zer. À bordo, conheceu países do norte africano, Europa, Oriente Médio, Oce-ania e suas terras paradisíacas. “Nada me encantou mais que o Líbano. Morei em Beirute, onde trabalhei no famoso Hotel Fenícia. Foi um grande momento da minha vida”, disse.

O Brasil foi o destino final. “Precisava ganhar uma família. Neli e Victor (mulher e filho) são, até hoje, o bem mais precioso que recebi. Depois da morte do meu pai, não sabia o que era amar”. Hoje em Atibaia, Gèza coleciona ami-gos e desafetos. O orgulho nazista, facilmente percebido quando as portas de sua casa estão abertas, continuam. Com ele, o preconceito: negros, homossexu-ais, nordestinos e judeus não são bem vistos. Os que respeitam são, na maioria, descendentes de alemão que encomendam doces e salgados típicos de sua terra.

Com os olhos já miúdos, o andar lento, a voz roca e o sorriso tímido, Gèza espera morrer como o pai: à paisana, numa tarde de domingo, com o sentimen-to de missão cumprida.

- E a caminhada continua, finalizou.

VINÍCIUS PURGATO é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas e

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5Jhonathan de Barros Santos

POR FRANCELA PINHEIRO

Jhonathan de Barros Santos, um jovem de 16 anos, considerado herói pela coragem ao salvar uma criança de três anos de um buraco durante um resgate pela equipe do Corpo de Bombeiros de Campinas. O fato

que rendeu um troféu de Amigo dos Bombeiros ao adolescente magro, alto e muito tímido aconteceu em dezembro do ano passado.

Com uma calma e uma tranquilidade de um policial bombeiro experiente, o jovem ajudou os policiais a resgatar o garotinho Kevin de uma vala de dois metros de profundidade no bairro Novo Horizonte, em Hortolândia. Estudante do primeiro ano do ensino médio, o adolescente orientado pelos bombeiros, entrou no buraco com o auxílio de uma corda e salvou o pequeno Kevin. O resgate foi registrado por um dos policiais e divulgado em rede regional e na-cional de televisão.

Com um sorriso tímido, um jeito simples de olhar e atender as pessoas ao seu redor, Jhonathan foi o homenageado pelo 7° Grupamento de Bombeiro de Campinas por ter participado da ocorrência de mais destaque do mês. Com a mesma simplicidade do dia em que salvou a criança, ele recebeu o troféu das mãos do Tenente Teixeira como o jovem “extremamente corajoso”. Pelos vi-zinhos da família e pais do garotinho salvo o adolescente tornou-se “grande herói”.

Filho de uma família simples e religiosa, Jhonathan é o segundo mais velho dos quatro irmãos. Carinhoso, atencioso, sério e sonhador, ele quer no futuro ser um profissional com a missão de salvar vidas. O sonho de ser médico ou policial do Corpo de Bombeiros está estampado nos olhos do adolescente, como também no instinto protetor que ele tem quando está com os irmãos, com a irmã e o irmãozinho mais novo, um bebê de pouca idade.

Filho do lavrador José Aparecido dos Santos e da dona de casa Paula Nu-nes de Barros, o jovem vivia no bairro com a família em uma casa simples, rústica e de quintal de terra batida. A simplicidade do lugar e a vida do jovem sem muitos requintes mostram para quem quer enxergar o quanto pouco é ne-cessário para ser útil a alguém, mesmo que para isso a própria vida seja coloca-da em risco. Um exemplo de essência humana explícita no jeito mais simples

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e religioso de ser.A vida em uma casa, simples e sem conforto, no entanto, se transformou

para ele e a família. O sargento Luiz Carlos Dicara do Grupamento dos Bom-beiros se comoveu com a história do adolescente e escreveu uma carta ao qua-dro “Sonhar mais um sonho” do Programa do Gugu, da Rede Record, contando a história de Jhonathan. A equipe do apresentador acatou a ideia, foi até a base do Corpo de Bombeiros de Campinas, conheceu a história do jovem e contem-plou-o com o prêmio da casa nova.

No encontro entre o apresentador e o adolescente, a alegria e o sorriso do jovem ficaram estampados o tempo todo nos olhos do garoto que brilhavam e não acreditavam no que estavam vendo. E, mais uma vez, com o mesmo jeitinho e expressão da primeira entrevista dada no local onde ele salvou Ke-vin, Jhonathan falou com a equipe do apresentador, um pouco mais tímido e vergonhoso. Sempre citando Deus, foi aclamado herói mirim em rede nacional por um dos programas de entretenimento de grande audiência da televisão bra-sileira.

Com a mesma confiança e coragem de antes, ele acredita que faria tudo outra vez. Para Jhonathan, a vida é o mais importante nesse mundo, e por ela arriscaria outras valas que por acaso encontrasse, já que segundo ele, a vida é algo que ninguém pode dar a ninguém e por isso teria coragem para salvar outros Kevin.

A velha casinha inacabada foi destruída e o jovem e a família ganharam um novo lar no bairro Taquara Branca. As obras duraram 15 dias e a entrega emocionou a família. Na entrega do prêmio, Jhonathan ganhou um quarto te-mático dos Bombeiros para dividir com o irmão mais velho.

E com a mesma simplicidade de desde o começo da história do pequeno grande homem corajoso, o jovem, os pais e os irmãos receberam o prêmio do apresentador da Rede Record com uma alegria emocionante. Com uma postura centrada e um comportamento de verdadeiro homem, responsável e humilde em todos os momentos, Jhonathan mudou a vida e a vida da família num ato de muita coragem, confiança e fé. Mas segundo ele, nada do que aconteceu era esperado. Ele nunca imaginava passar pelas surpresas boas que passou, ter sua experiência contada em rede nacional e, por fim, ganhar uma casa novinha e dos sonhos como ganhou. Daqui a dois anos e meio Jhonathan vai concluir o ensino médio e o sonho de poder salvar inúmeras vidas como a de Kevin con-tinua latente para o adolescente. Para esse herói, “é melhor salvar vidas do que ser salvo, né”.

FRANCELA PINHEIRO é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas e

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6Dna. Mercedes Marchi

POR PATRÍCIA BIGARDI

Dona de uma memória invejável, prestes a completar 88 anos, Mer-cedes Ladeira Marchi não deixa escapar nada. Criadora da Feira da Amizade, tradicional evento de Jundiaí, interior de São Paulo,

voltado às entidades sociais da cidade, Mercedes conta, cheia de orgulho, os feitos que conquistou no passado.

Vaidosa, dona Mercedes, como gosta de ser chamada, não dispensa a ma-quiagem e o laquê nos cabelos curtos e escuros. De descendência alemã, é a caçula entre os irmãos. Formou-se em 1943 e optou por fazer magistério sete anos depois, tornando-se professora primária na cidade em que nasceu.

Suas grandes paixões, no entanto, eram a pintura, as artes e a porcelana e assim, não nega o desejo de ter cursado Belas Artes, na capital. Mas, teve que abrir mão desse sonho e relembra, com um divertido sorriso, seu pai dizendo “filha minha não vai morar em São Paulo sozinha”.

Depois de formada, Mercedes casou-se. Oswaldo Marchi foi, por 40 anos, um dos joalheiros mais conhecidos de Jundiaí. O casal teve dois filhos: Marta e João Henrique, que veio a se tornar médico. Já a mais velha demandava mais cuidados, pois havia nascido com síndrome de down.

Hoje, vive em um grande apartamento, apenas com o marido, também de 87 anos. “João Henrique formou sua família e tem seu emprego, que o deixa com uma vida bastante corrida. Agora, somos só eu e Marchi”, conta. Mas, ao falar de Marta, em especial, um misto de alegria e tristeza é percebido em seu olhar e jeito de falar.

Quando ainda não se sabia a causa genética da síndrome Down, Mercedes deu a luz à sua filha. Na época, levava-a na APAE na cidade de São Paulo, pois era o local mais próximo em que cuidavam, na medida do possível e do que a época permitia, dos portadores da síndrome. O médico chegou a afirmar que a criança viveria no máximo 18 anos. Exatos 51 se passaram quando Marta resolveu se mudar para a casa de Deus.

Mas, nesse meio tempo, o cansaço físico e mental começou a dominar Mercedes e seu marido. O caminho até São Paulo parecia uma eternidade e a fé de que a garota poderia viver por mais tempo falava mais alto. Assim, decidiu

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encontrar uma maneira de poder ajudar a filha em sua própria cidade.Em Jundiaí, algumas complicações, mas a mãe de Marta não se deu por

vencida. “Pensei: ‘Não posso cruzar os braços diante disso! O prédio da Apae estava pela metade; funcionava numa garagem na (rua) Senador e depois numa casa alugada”.

Mercedes se lembra da conversa informal que teve com Oswaldo, seu marido, na expectativa de achar uma solução ao que desejava “na época, as pessoas eram mais unidas e os amigos, mais próximos. Decidimos, ainda sem muitas esperanças, contatá-los”.

Com a ótima aceitação por parte dos casais de amigos acerca de sua ideia, a doce senhora deixa transparecer todo o seu exemplo de fé “tenho certeza que foi Deus quem nos iluminou, devemos sempre ter muita fé, pois Ele não falha”.

O grupo foi crescendo, chegando, ainda no início, a 200 casais colabora-dores. Assim, em 1969, com um nome impossível de ser mais sugestivo, deram vida à “Feira da Amizade”.

A Feira ganhou espaço e tornou-se um evento plenamente conhecido em toda a cidade. Com o intuito de ajudar entidades assistenciais, o evento era realizado no mês de setembro, no Parque Municipal Comendador Antonio Car-bonari, popularmente conhecido pelos jundiaienses como “Parque da Uva”.

Em sua primeira edição, dona Mercedes contou com o apoio de comércios e indústrias locais. A festa continha barracas, cada qual com um presidente e destinada a um país, oferecendo comidas típicas. Dentre elas, a barraca Sírio-Libanesa, a Brasileira, a Francesa, a Portuguesa e, claro, não poderia faltar a barraca Italiana, já que a cidade foi e é, em sua grande maioria, formada por colonizadores do país europeu.

Sobre o evento, ela recorda e um tom especial, carinhoso, sai de sua voz “Na primeira vez, havia 12 barracas, com culinárias típicas de todos os países do mundo. Também fizemos um pavilhão especial dedicado às crianças”. Mer-cedes acrescenta mais um de seus feitos: conseguiu trazer o então presidente do Brasil ao evento. “O presidente Emílio Médice nos visitou exatamente nesse pavilhão. Ele foi atencioso e beijava a testa das crianças”, lembra, orgulhosa.

Logo, não eram mais 200 casais colaboradores. Esse número subiu para 500, fato que enche d’água os olhos da fundadora da Feira “Como o povo da minha terra é maravilhoso! Ninguém disse não!”. Os resultados foram ainda melhores e Mercedes fez questão de anunciá-los “Terminamos o prédio da Apae e até o telhado foi concluído para este trabalho maravilhoso”.

Sempre lembrando a importância da política em suas colocações, ainda concluiu que “as doações da Feira da Amizade para a Apae eram três vezes maior que as verbas destinadas pelos governos estadual e federal”.

Com o decorrer dos anos, mais precisamente três edições do evento, am-pliou sua solidariedade e passou a ajudar outras entidades, como a Bem-Te-Vi (Centro de Atendimento à Síndrome de Down), Amarati (Associação de Edu-

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cação Terapêutica para Portadores de Lesões Neurológicas), Ateal (Associação Terapêutica de Estimulação Auditiva e Linguagem) e Grendacc (Grupo em Defesa da Criança com Câncer). Esses são só alguns exemplos, mas Mercedes chegou a ajudar 42 instituições.

Sobre como liberar os recursos obtidos por meio da Feira, ela explica que eram feitos estudos para analisar qual das entidades assistenciais possuía mais necessidades e também quantas pessoas cada uma atendia. A partir de dados como esses, eram definidas as verbas que seriam destinadas a cada instituição.

A “Feira da Amizade” acabou em 1999, pois não havia mais condições, além do desejo, em vão, de que os mais jovens dessem continuidade ao evento, mas a presidente afirma “Até hoje as pessoas me perguntam: ‘Quando a senho-ra vai retomar a Feira’?”

Para a alegria de Mercedes, percebida no brilho dos seus olhos e nas mãos unidas, como se estivesse orando, a resposta chegou, já que após quase 15 anos, o evento será retomado na cidade de Jundiaí. E com todas as suas ca-racterísticas iniciais, incluindo local e data. Mesmo que indiretamente, a doce senhora continua esbanjando solidariedade e ajudando ao próximo.

PATRICIA BIGARDI é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas e

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7Dr. Roberto Torao, das guitarras

POR ARMANDO SAGULA NETO

Nascido no Recife, no dia 29 de maio 1979, o pequeno japa filho de imigrantes japonês e com uma irmão sete anos mais velha teve uma infância complicada como todo qualquer nordestino. Região

afasta dos considerados grandes centros econômicos de nossa pátria, Roberto, ou Betinho como conhecido quando pequeno se interessou por algo um pouco fora do normal, pensando que o Nordeste é uma região em que predomina o forró, baião e até mesmo o axé em determinadas regiões. Mas Roberto decidiu ouvir Rock n’ Roll. Sua infância foi dominada por bandas gringas como Iron Maiden, Metallica, Dream Theater, Mrs. Big e entre outras inúmeras bandas. Aos 12 anos, como todo garoto que ouve rock, consequentemente teve inte-resse pela guitarra elétrica (outra coisa muito estranha tratando-se de um nor-destino e na década de 90). O seu interesse num primeiro momento era puro hobby e diversão. Torao viveu muitas épocas complicadas na sua adolescência, a principal delas e o que fez crescer ainda mais seu interesse pelo Rock, foi o período em que Color foi presidente do Brasil.

Mas o sonho de ser um rockstar acabou relativamente cedo, quando com-pletou 18 anos e sem incentivo paternal, o agora Beto resolveu dar um tempo e se concentrar em um outro sonho que foi adquirido durante o colegial, que era de se tornar um médico. Prestou vestibular em 1997 em diversas faculdades e seu objetivo foi alcançado. Torao sempre foi um garoto muito dedicado em toda sua vida e em tudo o que decidiu fazer. Janeiro de 1998, ano de copa do mundo, a internet e computador começando a ganhar mais espaço no Brasil, Roberto, aspirante a Dr. Roberto Torao, iniciou sua nova etapa de vida, um novo desafio, desafio esse que durou 10 anos, entre Faculdade, Residência e especialização. Lógico que ele sempre soube de todos os desafios que iria en-contrar escolhendo Medicina. Entrou na Universidade Federal de Brasiia em 98 e se formou em 2004. Nesse período, Torao formou uma de suas bandas que talvez tenham dado mais certo, pelo simples motivo que ele estava na capital do Rock. O nome da banda era “Silent Moon”, o estilo musical não poderia ser outro a não ser o Heavy Metal Melódico. A banda chegou a lançar dois cds no período de 2004 a 2006 e tendo como seu principal show, abertura pro Sha-

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aman. “Era uma sensação incrível, estar tocando pra mais de 2 mil pessoas, entrar em estúdio, eu me sentia um verdadeiro rockstar, parecia que eu estava realizando aquele sonho de garoto”, é com essas palavras que Torao descreve a sensação deste período.

Mas, vida de médico não é fácil. O então Dr. Roberto Torao teve que fazer uma nova escolha complicada, após passar quase 8 anos em Brasílio concluin-do a faculdade, ele decidi que pra sua vida profissional, seria importante sair do país, e foi assim que fez. Em 2007 Roberto é aprovado pra se especializar em Pediatria pela Universidade de Toronto (Canadá). “Mudar para o Canadá foi o principal motivo que me fez repensar em muitos caminhos que tracei, conheci uma cultura de vida muito mais avançada do que a nossa aqui no Brasil, vi o quanto é valorizado a vida de um músico, isso mexeu comigo, mexeu com a minha ideia de vida, naquele momento eu estava no canada pra me consagrar como médico, e foi lá que minha vida virou de ponta cabeça”, quando o Dou-tor se mudou para o Canadá em 2007, a internet já era totalmente presente e inserida em todo mundo, ou pelo menos em todos os países desenvolvidos. Mesmo assim, Torao seguiu seu caminho, fez tudo como sempre fez em sua vida, dedicação, estudos e muito esforço pra concluir sua especialização no exterior. Roberto viveu em Toronto de 2007 até 2010, nesse período retomou seus estudos de guitarra paralelamente a especialização e em 2009 pensando em uma forma de evoluir seus estudos de guitarra, Torao criou uma conta no Youtube e começou a gravar seus vídeos de improviso em cima de playbacks. “Meu tempo era de ouro no Canadá, eu não podia perder muito tempo estudan-do Guitarra, se não eu não conseguia cumprir o acordo com a Universidade, então comecei a criar minhas trilhas de improviso no meu Mac (computador pessoal) e gravar meus improvisos em cima dessas trilhas, ligando a guitarra direta na entrada de microfone do Mac, fazia a captura de imagem através da própria câmera do noot”, ele ouvia e assistia a seus próprios vídeos, percebia que conseguia melhorar sua técnica e seu desempenho assistindo seus próprios vídeos, quando ele considerava o vídeo muito bom, ele repassava para alguns amigos guitarrista pedindo uma crítica sobre o que foi gravado ali. No começo, Torao gravava vídeos a cada 3 meses, pois seu tempo era muito complicado em Toronto.

Quando voltou ao Brasil em 2010, Torao trouxe consigo muitas coisas, pois foram 3 anos vividos lá, e no meio dessas muitas coisas, trouxe alguns equipamentos de música que eram muito complicadas ver no brasil. Guitarras se assinatura, importadas, pedais de efeito nunca vendidos no Brasil e por não estar trabalhando logo quando voltou ao Brasil, Dr. Torao começou a gravar muitas coisas em sua casa, desde músicas covers, improvisos até reviews (ví-deo falando sobre algum produto especifico, falando de seus componentes, prós e contras) sobre o que ele havia trazido pro Brasil. Foi ai que ele teve uma surpresa, seu canal do Youtube que antes haviam pouco mais de 15 pes-

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soas inscritas, em uma semana passou a ter 467 inscritos. “Quando gravei o primeiro vídeo review, que foi da guitarra Music Man John Petrucci Signature Mistyc Dream, eu subi ele no youtube numa segunda feira e viajei com minha mãe no dia seguinte, e não entrei mais na internet, quando voltei uma semana depois, meu canal tinha 467 pessoas e o vídeo mais de 70 mil visualizações, e recebi em meu e-mail pessoal a primeira monetização do youtube. Monetiza-ção é quando as visualizações do seu vídeo se torna dinheiro em sua conta, a partir de um determinado numero de visualizações, o youtube paga pra você, mas há necessidade de estar mantendo regularmente uma quantidade de vídeos semanais” conta Torao. Então o pequeno japa nordestino, que virou Betinho na infância, Beto na adolescência e Dr. Roberto Torao da Universidade, agora era simplesmente Dr. Torao para todos os youtubers, como ele gosta de chamar, e como hoje ele se considera. “Hoje eu não trabalho mais com medicina, meu tempo está totalmente dedicado a produção e conteúdo musical no youtube. Fui o primeiro a fazer reviews de guitarras, amplificadores e pedais em português. O que eu tenho feito agora é descobrir a melhor forma de divulgar sua música Online, tenho um projeto que se chama”Doze”, só musicas instrumentais, e quero achar a melhor forma de divulga-las.”. Dr. Torao hoje é referencia em nosso pais pra qualquer tipo de músico, ele tira dúvidas, indica equipamentos e tem ajudado muito principalmente a todos os jovens guitarrista, que nunca tiveram a verdadeira informação do bom produto, seja ele nacional ou interna-cional.

Torao finaliza nossa conversa com uma pequena frase “Agora estou dando um tempo com os vídeos, estou preparando o que com toda certeza, vai ser o melhor conteúdo de guitarra brasileiro visto no youtube. Isso inclui vídeo-au-las do básico ao avançado, explicações de porque o Delay “x” funciona melhor que o Delay “y” por estilo “z”. O que esta por vir vai revolucionar o mercado musical nacional em todos os sentidos, posso garantir isso”, e eu não duvido, nem seus fãs. O Japa é dedicado e sabe o que faz, não é atoa que atualmente é o guitarrista brasileiro mais visto na internet, cada vídeo tem cerca de 200 mil visualizações. Torao também é com toda certeza, o músico com mais vídeo na internet, contanto com incríveis 400 vídeos entre 2010 e 2013. Se você que conhecer o trabalho do Dr. Torao, procure por “Roberto Torao” e entre para a legião de fãs do Japa nordestino.

ARMANDO SAGULA NETO é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas e

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8Aloísio Alve - O impacto do forró

POR RAUL PEREIRA

Aloísio Alves, nordestino de Pernambuco, veio para São Paulo ga-nhar a vida. Assim como muitas outras pessoas, Ana Alves da Sil-va, paranaense, também. Enquanto um corria atrás dos caminhões

de lixo, ajudando a megalópole a se manter mais limpa, a outra ajudava a mãe costurando para conhecidos. E pelas razões do destino, acabaram se conhecen-do, se casando, e dando origem, em 1983, a Adriano Alves, que viria a se tornar o impacto do forró.

Nascido na Mooca, cresceu pelas ruas do bairro periférico da extrema zona leste de São Paulo, São Mateus. Sob influências do pai, Adriano cresceu ouvindo forró pé de serra, do qual Seu Aloísio tanto gostava. Com o passar do tempo, e com muito esforço, os Alves conseguiram abrir e tocar uma pequena vendinha, que virou ponto de encontro do bairro. Aos finais de semana, em meio aos churrascos, amigos reuniam-se para relaxar e tocar o bom e velho forró pé de serra. Foi quando, aos 7 anos de idade, Adriano tocou seu primeiro instrumento, um triângulo. Em sua memória, os elogios do colegas do pai que se impressionaram com o ritmo do garoto. “Esse menino leva jeito! tem futu-ro!” disseram.

Apesar do incentivo, a moda eram as duplas sertanejas. Os ídolos Chi-tãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé de Camargo e Luciano estavam estourados nas rádios, e suas músicas sempre sendo interpretadas por cantores da região nas quermesses. Foi o que o fez despertar interesse pela música ser-taneja. Sua primeira tentativa no microfone foi com a música Pense em Mim, de Leandro e Leonardo, pela qual até hoje ainda tem um carinho especial. E pelos karaokês das festas no bairro, Adriano foi se soltando, e soltando a voz, e o resultado era sempre o mesmo: elogios vindos de toda parte.

Mas com a separação dos pais, acabou indo morar com a mãe e o irmão mais novo em Rondon, uma cidadezinha bem pequena, no interior do Paraná, localizada a mais ou menos 100 km de Maringá. O mercado de trabalho lá era bem difícil, e só havia trabalho na roça. Mesmo com pouca idade, arriscou-se trabalhar na colheita de algodão, e após um dia inteiro de suor, voltou pra casa com R$1,40 no bolso. Decidiu então que nunca mais voltaria a realizar esse

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tipo de trabalho. Em 1998, seu pai já havia se estabelecido na cidade de Várzea Paulista

com um novo comércio, e Seu Aloísio passou a ser chamado de Zé do Norte, já que o estabelecimento era uma casa do norte, localizada na periferia da ci-dade. Foi aí que retornou para o estado de São Paulo. Veio primeiro ele, e no ano seguinte, seu irmão. No começo da nova empreitada, ajudava o pai com as vendas, mas já estava tudo na cabeça: ele iria seguir a carreira de músico. Com mais um amigo para cantar, Vadinho, saiu pelos bares e pequenas festas tocan-do teclado e cantando sertanejo. A dupla estava indo bem, mas após 4 anos seu companheiro o deixou para ir para Pernambuco.

Adriano não teve dúvidas, e continuou seguindo o sonho da carreira mu-sical, mas dessa vez, sozinho, e agora tocando forró elétrico, e o nome tinha crescido um pouquinho; agora era Adriano, o Impacto do Forró. Inspirado no estilo de Frank Aguiar, a carreira solo lhe rendeu 3 CDs, todos gravados ao vivo no salão da casa do norte.

E foi num show, em Embu das Artes, que teve a oportunidade de conhe-cer Fadja da Costa, que viria a se tornar sua mulher e mãe da pequena Adriele Alves, de 6 anos. A história sui generis começou quando Adriano recebeu, após a apresentação, uma nota de um dólar, com o nome e o telefone de Fadja. Apesar de não tê-la visto, ligou logo no dia seguinte para tratar de conhecê-la. Uma semana depois, foi à casa da baiana que o tinha admirado tanto na noite do show. Bastaram alguns encontros para que tudo começasse a dar certo. Alu-garam uma casinha ainda em Embu das Artes, onde moraram por cerca de um ano e meio, mas devido à distância e o tempo de viagem, decidiram mudar-se para Várzea Paulista, onde Adriano já tinha alguns contatos para seguir sua carreira musical.

De volta à cidade, convenceu Fabiana Menezes e Braz do Sax a saírem da banda de um amigo, e se juntarem ao Impacto do Forró, entretanto, com a ambição de formar um grupo conhecido, acharam por bem trocar o nome da banda, que passou a se chamar Cintura de Moleka, mas não abandonaram o estilo do forró elétrico. Já são dois CDs e um DVD lançados, e agenda cheia nos finais de semana e feriados. A banda faz em média de três a quatro shows de sexta a domingo, e quando há um feriado, a soma do número de shows pode chegar a sete.

Além dos shows, Adriano já fez muitas participações especiais nas apre-sentações de cantores mais famosos, das quais ressalta ter cantado ao lado de quem considera, depois de Luiz Gonzaga, o rei do baião: Dominguinhos. As cantadas músicas lhe trouxeram uma sensação indescritível em cima do palco.

Ainda assim, sobra tempo para a família durante a semana, e orgulha-se de ter realizado parte de seu sonho e poder sustentar a casa com a música, mas garante que a caminhada ainda não acabou, e a esperança da banda crescer ainda mais permanece, sempre mantendo os pés no chão. Os R$1,40 por dia

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ficaram para trás, e hoje o retorno liquido é de R$500 por show, só pra ele, e a dedicação de sua carreira vai para o pai, que sempre o apoiou e acreditou em seu futuro, e ainda sonha em ver Adriano Alves estourando na TV.

RAUL PEREIRA é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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9Moacir Salcedo

POR GABRIELA SALCEDO

Moacir joga baralho toda sexta-feira e sábado à noite em sua casa com seu filho, José Henrique, seus genros, Cássio e Bolívar, e seu vizinho, Ambrósio. A modalidade é o cachetão, um jogo em

que cada participante recebe nove cartas com o objetivo de fazer três trios e ba-ter. Os conjuntos podem ser sequenciais e do mesmo naipe ou lavadeiras, isto é, números iguais de naipes diferentes. Se o participante julgar que sua mão não está para peixe, ele pode desistir da rodada e perder apenas um ponto. Se jogar e perder, perde dois pontos. Se jogar e ganhar, mantém a pontuação.

São 7h30 da noite de uma sexta-feira. Começa a jogatina e os participan-tes recebem suas cartas, de três em três. Moacir completa sua mão, todas as cartas estão desparceradas, exceto por uma fura, um cinco e um sete de paus, e um coringa. O famoso jogo que perde.

- Eu vou, essa to sentindo que vai ser minha, diz ele.Nunca foge e dificilmente ganha, mas isso é o que menos importa. Moacir

Salcedo é um senhor “inteirão”, calvo, os cabelos brancos preenchem apenas as laterais da cabeça, o que já é suficiente para andar com um pente no bolso da camisa, sempre preparado para pentear as madeixas quando sente um fio fora do lugar. De seus 79 anos, 20 foram passados de lá para cá, fugindo. Cansado de uma vida as escondidas, hoje não foge de nada, nem das cartas de um bara-lho.

Foi no último dia de março de 1964 que Moacir fez sua primeira fuga. Ele tinha passado alguns dias no Rio de Janeiro, participando de um congresso na-cional dos sindicatos do Brasil no Ministério do Trabalho. No dia 31, pegou um ônibus da Cometa de volta a Campinas. Chegou ao seu destino já era bem tarde e logo que pôs os pés na plataforma da rodoviária, deu de cara com um policial amigo seu. Se surpreendeu quando, ao invés de um abraço ou um cumprimento bem apertado, seu amigo gritou de longe:

-Foge, Moacir, foge! Eles vão pegar você!Graças a deus, deus lhe deu pernas compridas. A malícia? A malícia se

converteu em sentimento de classe. Em 1958, quando tinha 24 anos, fundou a Associação dos Trabalhadores da Indústria de Vidro, Cristais, Espelhos e Ce-

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râmica de Pó de Pedra. Em 1960, a associação virou sindicato e Moacir passou a presidi-lo.

- Caí pela ditadura, lembra ele.Na juventude, era articulado e engajado. Mas não era só na política, cati-

vava seus colegas de trabalho, unia a categoria e desunia as mulheres. Cantaro-lava sambas-canção, até em castelhano ensaiava algumas notas, o que desper-tava um ciúme calado de sua esposa, Aparecida.

Sua mulher lembra que no dia da cerimônia de posse da presidência do sindicato, ela arrumou seus três filhos, ainda “crianças de tudo”, passou um batom vermelho e perfume. Quando chegou lá na frente, poucos sabiam quem era aquela mulher de nariz arrebitado. Ouvia colegas do Moacir se referir a ele como “o noivo”.

- Tava noivo, acredita? Noivo de alguma e casado comigo.Após os discursos da celebração, abriram para participação do público.

Aparecida foi a única que quis se pronunciar. Levantou, subiu no palanque e pôs-se a falar. Um discurso lindo, segundo ela, feminista à época, em que ressaltou a importância da mulher, mesmo que apenas como companheira do sindicalista.

- De fora, víamos com muita clareza as falhas da categoria, diz ela.Quando acabou de falar, todos se levantaram e aplaudiram. E dessa forma,

todos passaram a saber quem era a mulher de Moacir. Ela, que embora sentis-se as escapadas de seu marido, foi sua melhor companheira, ia para qualquer canto, sem titubear.

Moacir conta que nos primeiros anos do golpe, a caça aos sindicalistas foi mais ferrenha. Conta a história que operações militares invadiram mais de duas mil entidades sindicais por todo o país, mas o grosso era em São Paulo. Buscavam os presidentes e diretores sindicais que, quando pegos, eram presos, torturados ou exilados.

Moacir então fugia, corria, se escondia. Não só para salvar a pele, mas também, como lembra com olhos brilhando, para manter vivo o espírito de categoria. Na primeira vez, quando chegou da rodoviária a sua casa, ficou por lá dois dias sem botar os pés na rua. Seu amigo Pedro Simionato, o Pedrinho, também sindicalista, chegou do Rio de Janeiro alguns dias depois. Junto de outras lideranças, resolveram se esconder em um sítio em Paraíbuna.

- A casa estava tão abandonada que dava para ouvir os bichos andando pelo chão quando a gente se deitava, lembra ele.

Moacir conta que durante a semana em que passaram escondidos na cida-de da banana não houve “sindicato disso, sindicato daquilo”.

-O que havia ali era força operária. Pensávamos no que fazer, em uma tentativa de organização da classe operária campineira.

Daí para frente,foi fuga atrás de fuga. Às vezes por um dia, no mesmo bairro, só dobrava a esquina, no sobradinho da padaria do Seo Pedro. Outras

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iam mais longe, por vezes, saiu do estado. A sorte, como ele mesmo diz, é que tinha muitos amigos. As cantaroladas

em bares, os duetos com a Cida, a vida boêmia e as discussões fervorosas fize-ram deles um casal querido e popular.

Após a redemocratização, Moacir não voltou a sindicatos, procurou uma vida que pudesse lhe oferecer calmaria independente da situação política do país. Apesar de sim, se sentir calmo e livre, os períodos de terror e de insegu-rança ainda lhe ferem a memória e a alma.

Certo dia retirou do fundo do armário, um de seus esconderijos, um livro antigo, sobre a história do “Partidão”, o Partido Comunista Brasileiro, escrito pelo fundador Luiz Carlos Prestes, e uma fita-cassete, com o documentário “A revolução não será televisionada” para emprestar a uma de suas netas, disse:

- Cuidado, minha filha, se a polícia te pega com isso, dá problema!

GABRIELA SALCEDO é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas e bacharel em Ciências Políticas pela UniCamp

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10Pedro Bigardi

POR GIULIANA CAMPOS

Filho de dona Encarnacion e de Antônio Bigardi, Pedro Bigardi, nas-cido em 28 de Dezembro de 1959, tem uma história de altos e bai-xos, mas tem alcançado seus maiores objetivos na vida.

Nascido e criado no bairro Vianelo em Jundiaí, que na época era um local descampado, Antonio Bigardi possuía uma loja de secos e molhados. Alguns anos depois, mudaram de residência, mas permaneceram no mesmo bairro.

Na infância, Pedro estudou o primário no colégio Sesi, no centro de Jun-diaí. Mostrando que tinha vocação para a área civil, na adolescência, Pedro fez um curso técnico de edificações no colégio Vasco Antônio Venchiarutti.

Esforçado e com muita determinação, Bigardi começou a trabalhar cedo, foi vendedor de pipoca no Anchieta, escola em Jundiaí, e também na Festa da Uva. Com essa renda, Pedro ajudava nas despesas da casa, e com o restante, guardava para futuramente fazer seu curso técnico em um colégio na cidade Alguns anos depois, passou em um concurso público na Prefeitura de Jundiaí e começou a trabalhar como desenhista, passando pelo cargo de assistente de engenheiro e, finalmente, alcançou o cargo de engenheiro na prefeitura.

Dessa forma, Pedro iniciou sua vida política em sua cidade natal. Torna-se um líder político respeitado e participa ativamente da vida publica de Jundiaí.

Quando atuava como engenheiro civil pelo FUMAS – Fundação muni-cipal de ação social – órgão ligado à prefeitura, Pedro foi o responsável pelo projeto de urbanização das casas da Vila Ana, um bairro com pessoas de baixa renda. Para a construção das casas, os moradores fizeram um mutirão. Com um coração cheio de compaixão pelo próximo, Pedro colocou a “mão na massa” e ajudou os moradores a subirem os seus lares.

Sempre pensando em melhorias para a cidade, Pedro foi um dos respon-sáveis da elaboração do Plano Diretor do Município, trabalhou na criação da Reserva Biológica da Serra do Japi, e então foi eleito Deputado Estadual, em 2010.

Porém, sua carreira política não começou dessa forma. Pedro foi filiado ao PT de 1985 a 2007, exerceu o cargo de presidente do diretório municipal e foi candidato a prefeito de Jundiaí em 1996, onde obteve 14,6% dos votos; em

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2000, obteve 37,5%, e, em 2004, alcançou 42% dos votos. No ano de 2006, conquistou a quarta suplência de deputado estadual com mais de 51 mil votos.

No ano de 2007 ingressou no PCdoB, foi presidente do Comitê Municipal de Jundiaí e é membro da Comitê Estadual. Foi candidato a prefeito em 2008 e obteve 35% dos votos. Em 2009, ocupou a cadeira de deputado estadual, e, em 2010, foi reeleito com mais de 67 mil votos.

Pedro fala da política com muito carinho. “A política me fez muito bem, sempre me fez muito bem. Eu gosto de fazer política porque ela me faz bem, conversar com as pessoas, estar na rua, tudo isso é um aprendizado extraordi-nário”.

Paralelo à vida política, Pedro conheceu sua grande aliada nessa vida em 1984, Margarete Bigardi, num grupo de teatro da peça Dom Quixote Delaman, em Jundiaí.

Nesses quatro anos de namoro, o casal foi construindo uma vida cheia de companheirismo e fidelidade um ao outro.

Em uma noite fria de 17 de Junho de 1988, selaram os votos do casamen-to na Igreja Matriz de Jundiaí, no centro da cidade.

Pedro sempre foi motivo de orgulho para família. Sua mãe, Encarnacion, mesmo debilitada no seu estado de saúde, estava sempre presente nos grandes momentos de sua vida: sejam eles em carreatas ou em momentos de grande emoção familiar.

Sempre morando no Vianelo, a família cresceu após três anos de casados. Patrícia Bigardi nasceu em 27 de Setembro de 1991. Unindo cada vez mais as duas famílias.

Patrícia sempre foi uma companheira para seu pai: em carreatas, na distribuição de panfletos, e em todas as campanhas políticas estava presente, apoiando e dando força para continuar a batalha diária. Isso sempre com a par-ticipação de sua mãe, Margarete.

Presente em todos os momentos na vida de sua filha, Pedro é um pai que está disposto a ajudá-la no que for necessário. Seja em atividades escolares, como serviços domésticos.

Hoje, aos 21 anos, Patrícia tem planos de seguir a carreira política de seu pai, se candidatando para vereadora nas próximas eleições.

Um ano decisivo na vida de Pedro foi o de 2012, no qual alcançou seu maior objetivo enquanto político: a prefeitura de Jundiaí.

A campanha para prefeito foi exatamente do jeito que Pedro desejava. Participação das pessoas na rua, ouvindo cada pedido desesperado dos mora-dores de Jundiaí, e sem falsas promessas, Bigardi garantiu que faria o que faria o que estava a seu alcance.

Com 24 de poder, o PSDB dominava a cidade. Jundiaí sempre foi conhe-cida como uma cidade conservadora, então, tinha medo de grandes mudanças, sendo uma delas, outra ideologia no poder.

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Com grandes chances de vitória, Pedro Bigardi quase ganhou a prefeitu-ra no primeiro turno, em 7 de Outubro de 2012. Eram necessários menos de 50 votos para consolidar a vitória.

Mas com muita garra e determinação, Pedro voltou às ruas como se ain-da não tivesse existido votação. Com o apoio de toda a família, sempre.

Em 28 de Outubro de 2012, no segundo turnos das eleições, Pedro con-solidou a vitória com 65% dos votos. Foi um dos momentos mágicos na vida de Pedro. Alcançou seu maior objetivo numa campanha limpa e determinada. Derrubando assim, a hegemonia tucana na prefeitura de Jundiaí.

Com cinco meses de mandato, Bigardi tem feito grandes obras na cidade. A primeira obra inaugurada foi o Pronto Atendimento Central (PA), atendendo toda a população jundiaiense. Esse foi uma das primeiras conquistas dos pró-ximos anos que ainda estão por vir.

GIULIANA CAMPOS é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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11Simone

POR PATRICIA LOPES

Sim, fui freira. Quatorze anos de sua vida foram em uma congregação religiosa e, é natural, o espanto para quem não sabe quando ela faz a afirmação. Firme, com convicção e sensata de que fez as escolhas

certas, Simone dispara: “Isso mesmo, fui freira!”.Dona de um sorriso largo, sua marca registrada. Há quem diga que ela é

a “senhora bom humor”. No ambiente de trabalho é assim que é conhecida, a jornalista, ex – freira, de alegria cativante.

Como é apresentadora de um programa semanal na Rede Século 21, já a conhecia, mas nunca tinha visto assim “ao vivo”. Simone entra na sala, um cubículo, de dois metros quadrados com seu chá gelado, que aquela altura nem deveria estar tão gelado assim. Com aquele sorriso característico, solta um sonoro: Alguém aqui quer falar comigo? Seu tom de voz estridente me deixou um pouco intrigada nas primeiras vezes que a vi - ou ouvi - pela televisão, mas neste dia era diferente, ela estava ali, na minha frente e mal pude notar se sua voz era estridente mesmo.

Era uma data especial, a missa daquela semana comemoravam os 40 anos de sacerdócio do padre Guido Montinelli, e Simone foi a comentarista. Acre-dito que foi este o motivo que penteou o cabelo de um jeito diferente, seu co-que no alto da cabeça e uma franja para o lado esquerdo realçavam seu rosto redondo.

Geralmente, quando o programa vai para o ar, as sextas - feiras, nove e meia da noite sempre usa um cabelão solto, com luzes loiras que chegam até o ombro. Sua fala pausada entre uma e outra, sempre acompanham um sorriso ao final de cada sentença.

- Boa noite (pausa), eu sou Simone Ramos (pausa). E este é mais um pro-grama Ecclesia (sorriso).

Ecclesia, vem do grego: Εκκλησία, ekklesia e significa assembleia aberta a todos os cidadãos. O programa tem abordagem nas questões que envolvem a igreja católica: sua história, cultura, crises e atualidades; um enfoque coerente com a proposta da emissora. Ela acredita que este é o casamento perfeito.

Convicta de que sua formação religiosa foi essencial para o sucesso que

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tem hoje. Simone cresceu junto às irmãs da congregação religiosa de São José. Aos 13 anos de idade foi conhecer, e de lá só saiu quando os questionamentos chegaram. Já que a decisão de ir para a congregação tão jovem foi mais da fa-mília que dela mesmo. Apesar de admirar o trabalho que fazia e estar feliz com a forma como viviam lá (eram casas com quatro, às vezes cinco religiosas e tudo coletivo, inclusive o dinheiro), Simone queria saber como era a vida fora dali. Seu desejo de constituir família falou tão alto que Simone pediu pra sair.

Durante o tempo que ficou na congregação, e por incentivo das pessoas que ali viviam, Simone foi fazer jornalismo, se formou em 2010 pela Univer-sidade Católica de Pelotas/RS, trabalhou em um jornal local e em assessoria de imprensa. O processo de discernimento (fase em que o religioso tem que se decidir) aconteceu em 2011, mesmo ano que Simone foi para a Rede Século 21 ajudar as irmãs na produção do programa “Semeando Vida”.

Na contra mão vinha Pedro, noivo de Simone. Ele que foi conhecer como vivem os jesuítas e também passou pelo processo de discernimento para ter certeza se ele queria optar pela vida religiosa. Quando se conheceram Pedro ainda era São José. Isto mesmo! Com o mesmo nome de sua ex congregação e vindo sua direção, as coincidências só serviram para despertar atenção de Simone que está ali apenas para assistir a gravação do DVD do padre Zezinho que Pedro representou José, da Sagrada Família.

Em menos de um ano, passou de produtora a apresentadora. Por causa do programa, Simone foi para Roma. A viagem foi como um bônus e um marco na sua carreira, já que foi por ocasião do conclave e eleição do novo Papa (o Francisco I) que ocorreu a oportunidade. Além da equipe de produção, Simone estava acompanhada de Padre Guido, que é italiano, mas vive no Brasil há 40 anos (se consagrou na Itália e veio para o Brasil um ano depois). Ele é seu fiel “escudeiro”. Salvo raras exceções é o padre, fofinho, de cabelos bem brancos e que sempre usa uma camisa azul claro por baixo do paletó quem responde as perguntas no programa semanal.

Neuzinha, a baixinha bem arrumada que está sempre de rabo de cavalo, é a maquiadora da emissora e conhece Simone como a palma de sua mão e foi por incentivo dela, que resolvi procurar a moça que já não respondia meus e-mails. O último que recebi ela havia me dito que estava com problemas de saúde - três semanas depois eu já sabia o motivo -. Fui até a redação na tenta-tiva de encontra-la.

Simone, estava sentada na ponta da mesa da copa, levantou-se imedia-tamente ao me ver. Espontânea, me abraçou e feliz da vida disse que aconte-ceram muitas coisas desde o último email que a deixaram confusa e de certa forma, atordoada com as novidades.

Ela e Pedro vão se casar em setembro. A mãe dela, que vive no Rio Grande do Sul, tem medo de avião e se recusa a vir para o casamento da filha. Como ela mesma diz, fui a pessoa que mais mudou de vida em pouco tempo. Mudou

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tanto que passou de freira a mãe. É isto, Simone vai ter um bebê.

PATRICIA LOPES é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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12Vanilda Souza Ferreira

POR HELOÍSE SANTOS

É comum o desejo das pessoas em sair de casa e visitar outros países a fim de conhecer novas culturas e um mundo diferente do que co-nhece habitualmente e buscar por experiências em lugares distantes

que proporcionem o conhecimento de um novo idioma ou de mais uma expe-riência para por no currículo. Mas há também pessoas que viajam para outros países, aprendem outras línguas, mas não em benefício próprio. Vanilda Souza Ferreira, de 41 anos, é uma dessas pessoas que saiu de seu país, Brasil, não para engordar seu currículo, mas para ajudar assistencialmente um povo desconhe-cido, conhecidos como Pigmeus e que vivem nas florestas de um país chamado Camarões, no continente africano.

Formada em teologia pelo Instituto Bíblico de Campinas, as viagens da missionária, título que recebe pelos trabalhos que realiza, para aquela região monótona começou no ano 2000. Para que pudesse se comunicar com aquele povo, Vanilda teve que estudar a cultura de Camarões, assim como o idioma oficial, o francês e o inglês, pois há cidades que falam somente inglês britânico. O país africano fala em torno de 300 dialetos, fora a língua oficial. “Viajei para Camarões pela primeira vez e fiquei quase um ano lá para ter contato com estes povos, onde encontrei muitas dificuldades, em várias áreas (cultura, idioma, financeiro, falta de pessoas para dar suporte). É preciso muito amor, dedicação e perseverança para trabalhar neste país”, contou Vanilda.

Muito religiosa Vanilda explica que é importante ir até esses povos que são esquecidos pela própria sociedade na qual estão inseridos. Os pigmeus são considerados seres inferiores a outras populações, e são continuamente marginalizados da vida social. Vivem em condições primitivas, em cabanas de bambu cobertas por folhas de banana, sem cuidados médicos nem educação, tentando sobreviver fabricando cestos, vasos vendidos a preços irrisórios, 1 real ou menos. Seu território é isolado do resto do país, e não são capazes de cultivar a terra. Não possuem carteira de identidade, e por isso não tem direito à assistência médica. Não existem funcionários estatais, nem um escritório do governo encarregado de se ocupar de sua sorte, a não ser para interesses de exploração para turismo.

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Os pigmeus também foram vítimas de violência em Ruanda, em 1994. Estima-se de que 30% da população pigméia foram mortas.

Para cumprir a ação social chamada de Projeto Amparo a África foi pre-ciso que a missionária deixasse o conforto do seu lar e se distanciasse da sua família e amigos do Brasil. “Não é fácil ficar longe do conforto do seu lar e do carinho dos seus familiares e amigos, a saudade é muito forte, mas sei que é isso que quero fazer da minha vida, até quando Deus quiser”, explicou.

Além de trabalhos voluntários que consistem na construção de poços de água, pois a água lá não é tratada, o ensino de higienização para mulheres, ho-mens e crianças, doação de remédios, são ensinados a eles valores e princípios conhecidos na bíblia.

Todos os anos ela faz viagens para Camarões e lá encontra o povo pigmeu. A última viagem realizada em Janeiro desse ano trouxe o sonho em seu coração de continuar os Projetos, mas agora construir um posto de saúde e uma escola de alfabetização para crianças. Para que esses projetos se realizem, Vanilda conta com a ajuda de empresários, famílias e instituições que fazem doações, a fim de ajudar nas ações. “Sem a ajuda desses colaboradores, nada disso seria possível, nas próximas viagens juntamente com alguns voluntários, queremos construir um posto de saúde, e uma escola de alfabetização para investir naque-las crianças, que estão esquecidas pelas autoridades”, afirmou Vanilda.

Sempre questionada do porque fazer esses trabalhos em Camarões com o povo Pigmeu e não em outros lugares, como no Brasil que também possui tantos lugares em que o povo sofre e passa necessidades ela diz que não é uma escolha pessoal. ‘Quando decidi que realmente iria para Africa, só queria aten-der o chamado que recebi de Deus de ajudar aquelas pessoas, eu apenas escolhi aceitar, o lugar foi escolhido por ele’, explicou.

HELOISE SANTOS é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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13José Carlos de Oliveira

POR CAMILA LOPES

Foi no ano de 1971, não se sabe o dia e o mês ao certo, que José Carlos de Oliveira saiu do Hospital das Clínicas de São Paulo. Era um dia ensolarado, havia poucas nuvens no céu e fazia calor.

Ele, enfim, sairia andando, ainda que com certa dificuldade, e poderia se despedir de uma vez por todas do 5° andar do HC da capital paulista.

Junto de sua mãe, Maria José de Oliveira, José Carlos sentiu os raios do sol chegando até a pele do seu rosto, o ar abafado da cidade de São Paulo e viu como era o movimento intenso dos carros e das pessoas. Lembrava-se do último passeio, no natal do ano anterior, quando ele e sua mãe podiam sair do hospital, apenas por alguns dias, para passar as festividades do fim do ano com a família. Mas, foi só aos 17 anos que José Carlos foi liberado e pode dar início a uma vida de luta, desafios e sonhos.

Nascido na cidade de São Manuel, interior de São Paulo, no dia 22 de março de 1954, José Carlos, mais conhecido hoje como Baixinho da Adefilp, herdou de sua mãe a acondroplasia, doença genética que afeta a locomoção. A acondroplasia é a uma forma rara de nanismo que aconte-ce quando há um impedimento no desenvolvimento correto dos ossos em comprimento. Com apenas dois meses de idade, ele e sua mãe, que era pa-raplégica, transformaram o Hospital das Clínicas em moradia para fazer o tratamento da doença.

Em meio a 27 cirurgias feitas, 17 anos se passaram no Hospital das Clínicas e Baixinho começou a andar com a ajuda de aparelho. Foi aí que ele e sua mãe tiveram alta do hospital e retornaram para a cidade natal. Fo-ram para São Manuel e permaneceram por pouco tempo. Baixinho se mu-dou para Santos para trabalhar na Rádio Clube, e aos 20 anos, recebeu um convite para ser locutor na Rádio Difusora, da cidade de Lençóis Paulista, também interior de São Paulo, a cerca de 30 minutos de São Manuel. Além do trabalho na rádio, ele, nas horas vagas, cantava em bares e fazia shows em casamentos na cidade.

Em 1995, aos 41 anos, Baixinho começou a sentir maiores dificuldades para andar e passou a utilizar muletas como auxílio. “O médico após uma

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das cirurgias que fiz me deu o diagnóstico de que eu andaria até um tempo apenas. A doença poderia me deixar em uma cadeira de rodas a qualquer momento”, contou com lágrimas nos olhos.

Convivendo no hospital com outros deficientes físicos, Baixinho pen-sava em como seria sua vida no futuro, afinal, uma coisa era certa: ele se tornaria um cadeirante. “Nunca me imaginei parado, em minha casa, entre-gue para a vida”, afirmou.

Ele tinha um sonho. Um sonho que não abrangia apenas a sua vida, mas sim a de outros deficientes físicos, com necessidades semelhantes à dele. Um local onde fosse possível conduzir os deficientes à inclusão social e ao mercado de trabalho, onde houvesse um atendimento diferente, com uma apropriada estrutura para tratamento, e principalmente, onde o estímulo fosse o componente principal dado às pessoas com necessidades especiais.

O caminho para conquistar esse sonho foi cheio de barreiras. Mas, com determinação, esforço e dedicação, o sonho se tornou realidade, em 11 de maio de 1997. Com a ajuda de mais seis sonhadores deficientes físicos, nasceu a Adefilp – Associação dos Deficientes Físicos de Lençóis Paulista.

A entidade começou em um prédio pequeno, com apenas uma loja de artesanato para ajudar nos custos dos projetos. Eram feitos trabalhos arte-sanais com madeira, palha e outros materiais. Porém, Baixinho tinha planos maiores para a Adefilp. Ele sentia que era necessário crescer com seu proje-to para ajudar mais pessoas que precisavam de uma atenção especial. Com a ajuda da Prefeitura da cidade, um novo projeto foi iniciado com grande êxito: um sistema de reciclagem de materiais descartáveis foi implantado. Além de trazer benefícios ao meio ambiente, Baixinho visava aumentar a renda da entidade e incluir os deficientes no trabalho. Porém, um novo obstáculo foi colocado na vida do Baixinho. Um incêndio atingiu a sede da Adefilp e acabou com tudo o que tinham, desde o material até o transporte.

Ainda abalado com o incêndio, mas certo de que sua luta pela inclusão não havia acabado, Baixinho ergueu a cabeça e começou tudo novamente. Hoje, após 16 anos, a Adefilp conta com amplo espaço. Piscina aquecida, salas de fisioterapia, academia, atendimento médico e odontológico, quadra de basquete e pista de atletismo são outras conquistas de Baixinho. “Fa-zemos um trabalho social muito bom para a cidade. Atendemos em média 60 pessoas com deficiência e já inserimos no mercado mais de 500”, disse orgulhoso.

Há oito anos Baixinho se tornou cadeirante e resolveu começar a prati-car esportes paraolímpicos. Com 30 medalhas em sua coleção, ele participa de quatro modalidades: corrida de cadeirante 100 e 400 metros, arremesso de disco e peso. “Com as instalações que temos para a prática de esportes, pretendo trazer campeonatos regionais e estaduais para incentivar outros cadeirantes”, disse cheio de orgulho com sua coleção de medalhas ao lado.

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Para Baixinho há muito ainda há ser feito na Adefilp, mas grande parte do sonho da sua vida já foi concretizado. Com um semblante feliz e reali-zado, ele conclui “O sonho sempre foi meu, mas essa realidade é de todos os deficientes”.

CAMILA LOPES é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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14Telínes Basílio do Nascimento Júnior, o “Carioca”

POR ISABELLA TOGNIOLLI

-Eu não me tornei um catador de lixo porque eu estava preocu-pado com o meio ambiente ou com o esgotamento dos recur-sos naturais do planeta. Eu me tornei um catador de lixo por

causa da fome e da miséria. Foi assim que Telínes Basílio do Nascimento Júnior começou a con-

versa, logo querendo dividir um pouco mais de sua história. Antes disso, só havia dito que era conhecido por todos pelo apelido de ‘Carioca’, e o sotaque carregado dispensou explicações. Então continuou:

- A fome e a miséria fizeram com que eu procurasse alguma coisa digna e honesta para sobreviver, e naquele momento a única solução que eu en-contrei foi sustentar minha família com o dinheiro que ganhava através do lixo que a sociedade gera diariamente.

Os cabelos grisalhos, já quase mais brancos que pretos, contrastam a pele negra enrugada pelo trabalho que, por 12 anos, foi realizado nas ruas. Há cinco anos diretor-presidente da Cooperativa de Coleta Seletiva Coo-percaps, considerada modelo dentro do município de São Paulo, e gestor ambiental graduado pela Unisa (Universidade de Santo Amaro), reforça a importância do estudo.

- Estou tentando fazer com que os cooperados entendam que é preciso se profissionalizar. Porque dizem que nós somos empreendedores do ramo do material reciclado.

Com a família, migrou para São Paulo em 1987 atrás de novas opor-tunidades e melhoria de vida, e percebeu que sozinho não chegaria longe. Após a descoberta de que o plano diretor de 2002 da cidade apoiaria ca-tadores organizados em cooperativas, 20 deles se reuniram e criaram um centro de coleta na região sul.

- Comecei a tentar entender durante quatro ou cinco anos o que era o cooperativismo, entender as leis, para que um dia eu pudesse me tornar presidente da cooperativa.

Em 2008, sua hora chegou. Feliz por contar o resultado de seu traba-lho, começa a ficar mais ofegante ao falar de sua primeira viagem interna-

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cional e deixa transparecer um pouco da ansiedade ainda existente, que voa com a lembrança. No ano seguinte, em 2009, a Coopercaps foi escolhida para representar as cooperativas do município de São Paulo na cidade de Osaka, no Japão, e Carioca ministrou palestras em parceria com a secretaria do Meio Ambiente para os japoneses.

- Eu ganhei uma bolsa para fazer um curso de resíduos sólidos urbanos. Mas veja bem, um ex-catador, que não sabe nem falar, que nunca andou de avião na vida, imagina que sufoco que eu passei pra chegar lá.

Ao retornar, percebeu que tinha um potencial empreendedor, que tam-bém se estendia a 85 pessoas que se tornariam cooperados. “Eu precisava me capacitar, melhorar, buscar recursos e ajudar a melhorar a vida daquelas 85 pessoas que já trabalham atualmente conosco”.

Carioca conhece as necessidades e deficiencias dos catadores, e a co-operativa ampliou seu quadro pro lado social. Os trabalhadores são senho-res, “jovens senhores igual a mim, que já passaram dos 40 anos e o mercado de trabalho diz que já está velho”, ex-egressos do sistema prisional e jovens que ainda não encontraram o primeiro emprego.

Depois de 27 anos resolveu voltar a estudar, e lembra a data da conclu-são do curso como se fosse a de um casamento.

- No dia 12 de fevereiro de 2012 recebi o meu diploma e concluí a graduação em Gestão Ambiental. Além da satisfação pessoal, é bom para a Cooperativa, porque fez com que a gente começasse a se profissionalizar.

É essa satisfação que engloba a vida de Telines com a trajetória da Co-opercaps, tornando-as inseparáveis.

- Pra mim é motivo de muito orgulho, porque tudo o que eu tenho e tudo o que eu consegui na minha vida foram depois que eu entrei nessa cooperativa.

Há 26 morando em uma comunidade no bairro Cidade Dutra, no mu-nicípio de São Paulo, possui mais do que colegas e companheiros de tra-balho. Cada cooperado é sócio-proprietário do seu negócio, graças a lei do cooperativismo. Hoje, o Conselho Brasileiro de Ocupações, através do Ministério do Trabalho, já reconhece as profissões de ‘catador de papel’, ‘catador de material reciclavel’ e ‘prensista de material reciclavel’. Mas, para Carioca, ainda é pouco. Ele participa de debates com deputados e so-licita que, além dessas ocupações, eles também possam ser reconhecidos como agentes ambientais.

- Prestamos um trabalho de utilidade pública, e nada mais justo do que sermos reconhecidos como profissionais do meio ambiente.

Carioca descobriu que tinha uma visão empreendedora e começou a transformar sua vida e viver de forma digna através do lixo. Mas hoje, fina-liza a conversa se redimindo.

- Peço desculpas por não me considerar hoje catador. Eu tenho orgulho

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do que eu fui, tenho orgulho do que eu sou, mas hoje eu me considero pro-fissional do meio ambiente.

ISABELLA TOGNIOLLI é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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15Maria Cristina Valle Aschenbach

POR REBECCA VICENTE

Aos 61 anos, o motivo do brilho nos olhos de Maria Cristina Valle Aschenbach, a Cris, é poder falar sobre seu trabalho. For-mada em Direito há mais de quatro décadas, ela se encontrou

na área da saúde recentemente, tendo dedicado seu tempo e suor ao campo. De segunda a sexta-feira, do amanhecer aos últimos momentos do dia, Cris dedica-se a um projeto que, segundo ela, foi um “divisor de águas” em sua vida. A ABCC (Associação Bragantina de Combate ao Câncer), instituição localizada na cidade interiorana de Bragança Paulista (SP), foi fundada em 2003 com o intuito de prestar auxílio a homens e mulheres com câncer.

A um olhar distante, Cristina aparenta ter um estilo de vida confor-tável. Sempre muito bem arrumada, a mulher de altura mediana, cabelos castanho-claros, olhos escuros e profundos e um sorriso que custa a sumir do rosto reside em um bairro nobre da cidade com o marido, Roberto. En-vergonhada, ela chega a assumir que já chegou a possuir cerca de 300 pares de sapato. E é em seu apartamento, mais precisamente no 14º andar, locali-zado aos arredores de um bairro nobre bragantino, que ela conta sobre sua trajetória, enquanto prepara uma xícara de café.

Trajando um confortável casaco de lã verde, botas marrom claras e cal-ça floral, ela não cessa a narrar os diferentes pontos de sua vida, sempre as-sociando cada momento a referências divinas. Religiosa, ela faz questão de ressaltar a importância da fé e da positividade como justificativa para todos os altos e baixos de suas seis décadas de caminhada. Descendente de uma família tradicional de comerciantes do interior, ela foi criada juntamente aos cinco irmãos, em constante contato com o dia a dia da grande loja que seus pais possuíam, o “Modas Cristina”, nomeada em sua homenagem.

Apesar do gosto pelos negócios da família, Cristina foi influenciada por um tio, que era desembargador, a cursar Direito em sua cidade natal, uma das únicas opções de Ensino Superior da região. Para ela, o “saldo positivo” de sua entrada em uma Universidade foi o encontro com o futuro marido, então 16 anos mais velho. Juntos, apesar das relutâncias, eles se casaram e tiveram uma filha, Ana Paula, hoje com 40 anos. Fascinada com

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a nova vida, ela conta que era constantemente contemplada com presentes luxuosos e regalias, proporcionando à recém-formada família boas condi-ções de vida. Tudo isso, entretanto, com o “pé no chão”, como insiste em ressaltar.

A fase materialista ainda foi protagonizada pela mudança a São Paulo, época na qual seu marido, um alto executivo, acabou perdendo o emprego. Apesar da mudança de realidade, ela assume que o casal ainda costumava gastar dinheiro com diferentes regalias, recusando-se a enfrentar os altos e baixos. A vontade de dar a volta por cima aconteceu quando Cris voltou às suas origens. Ela uniu sua paixão ao comércio e aos itens de valor e come-çou a vender jóias. Até então, ela não fazia ideia do quanto sua rotina ainda viraria de cabeça para baixo...

Tudo começou a partir de um incidente na família. No início da déca-da passada seu cunhado, o Toninho, descobriu que estava com câncer de próstata. Ao observar a realidade de São Paulo, cidade na qual o tratamento de radioterapia, na época, chegava a custar R$ 30 mil, Cris e a irmã, Rita, decidiram dar o primeiro passo. Ambas compartilhavam da vontade em as-sistir pacientes que estavam passando pelo mesmo sufoco que sua família. Ao saírem vitoriosas da batalha em conseguir um tratamento a Toninho, a dupla concluiu que havia chegado a hora de fazer algo ao próximo, até mes-mo como uma forma de agradecimento por toda a ajuda que conquistaram.

Com o estilo de vida, Cris não tinha uma relação forte com uma reli-gião específica ou com a caridade. Segundo ela, após constituir uma famí-lia e mudar-se para a capital paulista, sua realidade era caracterizada pela construção de seu patrimônio e pelo foco em sua carreira. Doações? Eram realizadas esporadicamente, quando algumas peças de roupa não seriam mais utilizadas. Até então, ela não planejava se dedicar a nada diferente da realidade a qual vivia.

Com o início dos trabalhos na ABCC, ponto de partida da nova fase, tudo mudou. Ela chegou a confessar que, desde então, tornou-se uma mu-lher mais “humanizada” e mais “espiritualizada”. Na companhia de 300 a 400 pessoas ao mês, ela deixou de lado a vida estável e material para de-dicar-se à sua nova missão. E tudo isso se torna claro quando ela passa a relatar sobre sua rotina. Neste momento, Cristina transforma-se em outra pessoa. O sorriso se alarga, as mãos movimentam-se rapidamente; o entu-siasmo é evidente. Cheia de orgulho, ela conta sobre o trabalho com vo-luntários – são 20 no total, e com o bazar que possui, recolhendo alimentos e vestimenta para os assistidos. Pacientes? Ela não tem nenhum. Gosta de chamá-los de clientes, por achar que eles não mantêm uma postura passiva, assim como sugere o termo.

A felicidade em tratar do assunto é facilmente convertida em emoção ao contar sobre os diferentes personagens os quais passaram pela Associa-

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ção. Se ela possui carinho especial por alguém? É uma pergunta difícil de obter resposta. Apesar de não conseguir escolher uma pessoa em especí-fico, Cris destaca a dona Jô, senhora que chegou a considerar como uma verdadeira “avó”. A cliente apareceu na ABCC durante a batalha contra um câncer, e o contato constante com sua família e sua realidade proporcionou a Cris uma grande empatia pela mulher, que acabou falecendo pouco tempo depois.

No decorrer dos trabalhos na ABCC, Cristina ainda percebeu a grande dificuldade em lidar, diariamente, com portadores de uma doença tão com-plicada. Além de oferecer um ombro amigo e itens úteis ao dia a dia de seus clientes, a bragantina tinha a certeza de que algo ainda faltava. Já com mais de 50 anos, ela procurou por uma segunda formação, por conhecimentos que a auxiliassem no desenvolvimento do trabalho ao qual escolhera se dedicar. E foi em Atibaia que ela encontrou a oportunidade de tornar-se psicóloga. O amor pela oncologia e a felicidade que passou a proporcionar aos companheiros fez com que ela deixasse de lado o luxo e a rotina para passar cinco anos dentro de uma faculdade, destinando seu tempo e atenção à sua nova realidade.

Abandonar a rotina – as viagens, os encontros, a dedicação integral à Associação, não foi fácil. E também não foi a primeira grande decisão que tomou. A vida continua a surpreendê-la. Atualmente, a psicóloga ainda par-ticipa de diferentes cursos de especialização em São Paulo para aumentar o repertório. A cereja do bolo, entretanto, é a clínica que ainda será inau-gurada, localizada nos arredores da ABCC. No local, ela espera expandir a assistência aos pacientes, além de dar início às suas sessões de terapia. E apesar de expressar grande preocupação ao falar sobre o assunto – espe-cialmente na questão financeira, Cristina, do começo ao fim, sempre pensa positivo.

Com a retrospectiva chegando ao fim, ela deixa o café de lado e espan-ta-se ao checar o relógio: quase 22h30. Ainda contando sobre detalhes de seus planos para um futuro próximo, ela torna visível que o brilho em seus olhos permanece intacto, assim como a característica simpatia e o sorriso no rosto. Por fim, encerra o assunto com uma confissão: ainda há muito por vir. As batalhas não cessaram, a dedicação é interminável e a esperança é a última que morre. E a conversa não poderia ter terminado de outra manei-ra. Afinal, como ela mesma insiste em repetir, “a gente não pode deixar de acreditar e ir atrás dos nossos sonhos”.

REBECCA VICENTE é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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17Mãe Dango de Hongolo

POR GABRIELA ROSSI

Vestimentas coloridas, pano envolvendo os cabelos, manta sobre os ombros, colares de diversas pedras no pescoço e a escultura de um gnomo em uma das mãos, denunciam que a mulher não

pertence a religião cristã. A felicidade esboçada no contraste entre os den-tes brancos e a pele negra anuncia a descendência africana.

Quem vê o sorriso escancarado no rosto de Eunice de Souza, 60 anos, conhecida popularmente como Mãe Dango de Hongolo, não imagina o pre-conceito racial e religioso que a persegue constantemente. Descendente dos escravos que chegaram no último navio negreiro a aportar na Bahia, a mãe de santo foi criada em Belo Horizonte (MG) e mudou-se para a região de Campinas em 1970. Desde então, tornou-se uma das divulgadoras do can-domblé na região.

A religiosa foi responsável pela criação da Lavagem Anual das Es-cadarias da Catedral. Uma tradição de 28 anos que surgiu após um triste episódio quando a mãe de santo ainda trabalhava como gari.

- Eu fui trabalhar com o uniforme da prefeitura e com o uniforme da minha religiosidade. Eu não ia esconder minha religião. Perto dos engra-xates da Francisco Glicério eu senti um empurrão muito forte e corri atrás do indivíduo, me machuquei toda. Eu olhei para a Igreja da Nossa Senhora da Conceição e disse para ela “onde a senhora reside teve toda uma história dos meus ancestrais”, e eu então resolvi humanizar a religião. pensei: “e se nós lavarmos a escadaria da catedral?” - conta Mãe Dango proferindo calmamente as palavras por entre os lábios grossos.

A Lavagem das Escadarias da Catedral se realiza anualmente no Sába-do de Aleluia desde 1986. Fora do Estado da Bahia, Campinas foi a primei-ra cidade a celebrar esse ritual no Brasil. O evento faz parte do calendário oficial cultural da cidade desde 1997 quando foi aprovado em um projeto de lei municipal. O ritual busca quebrar o preconceito contra as afro-religiões, e hoje conta com a participação de duas mil pessoas de todo o País.

Além disso, Mãe Dango é uma das criadoras do Projeto Candeias que busca resgatar a memória das religiões negras em Campinas e região, para

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a futura divulgação em escolas e outras entidades, com o objetivo de dimi-nuir o medo e o preconceito em relação às crenças de origem africana e sua plena aceitação e respeito pela sociedade brasileira.

- O povo pensa que a gente pega os outros para fazer feitiço, macumba. A primeira coisa que nós precisávamos ter é respeito com o outro, diz a mãe de santo com olhar de desânimo.

Mas, o brilho dos olhos negros e saltados se torna intenso quando a mãe de santo revela transforma toda a dor da descriminação em projetos sociais que ganharam aderência ao longo dos anos. Diversas comunidades terreiras da região metropolitana de Campinas que prestam auxílio médico e financeiro a população em geral são administradas pela sacerdotisa.

- Eu sou privilegiada eu acho sabe, eu sou muito abençoada. Tenho o privilégio das pessoas me darem crédito e faço jus a isso. Sou uma pessoa que não sou santa, mas tento ser muito séria. Respeito muito aqueles que vem na minha comunidade, na minha igreja, no meu terreiro. Pessoas que estão com problemas financeiro ou de saúde. Ou pessoas que recebo sem compromisso, apenas para discutir a questão cultural e religiosa.

Apenas na Comunidade Arco-Íris, em Hortolândia (SP), Mãe Dango conta que ajuda 70 famílias por semana. As comunidades contam com a verba da Prefeitura e do Governo Federal para arrecadar cestas básicas e medicamentos.

- Na casa de candomblé nós somos ensinados que até o pôr-do-sol você tem que dar pelo menos um copo de água para alguém. As pessoas não vem procurar nós como sacerdote espiritual. As nossas casas viram Pronto Socorro, consultório, psicologia. A gente ajuda casas, crianças de rua, em várias casas eu estou envolvida e em todos esses grupos eu estou junto – diz orgulhosa de si mesma.

Mesmo que os projetos e comunidades acolham pessoas das mais di-versas religiões, a mãe de santo afirma que o preconceito é uma triste rea-lidade que nunca deixou de fazer parte de seu cotidiano:

- Se eu perguntar aqui quem é espírita ou do candomblé, por exemplo é quase ninguém. Todos que freqüentam os terreiros são católicos ou evangé-licos. Eles vem até mim e minha intenção não é catequizar. Mas quando vai para questão religiosa é impressionante como todo povo de terreiro sofre.

Mas a mãe de santo afirma que não se deixa abater. Novamente com um largo sorriso nos lábios, diz que as pessoas aprendem com exemplos e não com agressões. Independente do quão difícil seja a batalha, Mãe Dango segue otimista na luta contra as desigualdades:

- A coisa boa é que nosso pais é tão miscigenado de cor, raça e religião. Talvez o que a gente precisa é só aprender a lidar melhor com as diferenças. Porque o que eu realmente acho é que a gente esteja é rezando muito igual! Não temos nem guerra nesse País abençoado. Talvez nossa briga seja por

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espaço, a inclusão é a única forma de agregar a todos e contemplar a beleza da diversidade da qual é formado o povo brasileiro.

GABRIELA ROSSI é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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18João Maria Rodrigues

POR MATHEUS BATISTA

É com esta afirmação que João Maria Rodrigues, 66 anos, conhe-cido como ‘seu’ João, introduz sua história. Quando criança, sua mãe, Maria de Jesus Rodrigues, traiu o ‘seu’ pai, João Car-

los Vasconcelos, com outro homem. Quando descobriu a traição, João Car-los assassinou o amante e foi preso, deixando sua esposa e seus três filhos sem fonte de renda.

Maria de Jesus não conseguia se estabelecer em um emprego por causa dos filhos. Ela conseguiu a oportunidade de trabalhar e ser agregada em uma propriedade, mas com a condição do dono de que abrisse mão de dois de seus filhos, já que ele não aceitava a ter tantas bocas para sustentar.

Dito e feito. A mãe entregou o filho mais velho para o juizado e a filha do meio para uma família adotiva. O mais velho era João, na época tinha nove anos e foi encaminhado à unidade de Campo Comprido e, posterior-mente, à Arapoti, no Paraná, em 1961.

Em sua primeira noite no centro correcional, ele foi verificar se os seus pertences haviam sido encaminhados para sua cela e sua cama. Ao chegar lá descobriu que muito do que trouxe consigo fora furtado. Ele exclamou:

-Isso aqui é escola de ladrão!Foi o pretexto para o funcionário que o acompanhava a dar-lhe um

tapa tão forte que ele diz ter “desmontado”. E assim, ele foi introduzido na violenta disciplina do reformatório.

O cotidiano da instituição era rígido. “Tinha horário para tudo, até para ir ao banheiro”. Os funcionários faziam duas filas, uma para tomar banho e outra, para o dormitório. Os que queriam tomar banho ingressavam na fila correspondente e então os funcionários trocavam o destino das filas “só de maldade”.

No refeitório, a porção que se recebia era mísera, o suficiente apenas para preencher as mãos em concha, sem direito a repetição. “Era comum estar conversando com um menino e de repente ele desmaiar, de tão pouco que davam pra gente come.”

Durante as refeições não era permitido escorregar os talheres ou o pra-

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to seria removido, e nem olhar para os lados ou iria apanhar. A única coisa permitida era olhar para baixo e comer em silêncio.

Havia uma horta, cultivada do lado de fora do reformatório por um proprietário de origem Holandesa. Os internos não tinham permissão para comer nada que crescia ali, mas à noite, eles roubavam uma porção da horta para complementar a parca nutrição que recebiam ao longo do dia.

A instituição também segregava racialmente os detentos. Brancos não se misturavam com negros nem mesmo para compor um time de futebol. Na época, os times dos internos tinham o hábito de punir quem errava em campo com um “croque” na cabeça desferido por todos os membros restan-tes.

Os espancamentos eram brutais e calculados. -- Davam com pedaço de pau em todo lugar, só não batiam na sola do

pé ou na cabeça que matava, mas no resto lascavam o cano.Após os espancamentos, largava-se o detento caído no chão, deitado no

próprio sangue, fezes e urina. Á vista de todos para ser tido como exemplo.Uma punição mais moderada do que os espancamentos era a utilização

de uma tira de borracha para bater na palma da mão dos infratores. Os in-ternos tinham que apoiar os dois braços sobre a mesa, com as palmas aber-tas para o funcionário arremeter a tira sobre elas. O castigado não podia demonstrar dor, se encolhesse, mesmo que ligeiramente a mão, a punição ficaria ainda pior com mais golpes.

Quando as mães vinham visitar os filhos, elas só podiam levar alguns biscoitos, se levassem dinheiro ou algo mais valioso, esses bens seriam roubados dos menores pelos maiores.

Há noite, durante o sono, se alguém na cela roncasse, levaria um golpe sem dó para parar. “Foi aí que eu aprendi a dormir de lado.”

Existiam também os casos de abuso sexual por parte dos próprios fun-cionários, que eram, na verdade, internos mais antigos.

-- Menino branco que era mais vistoso, loirinho dos olhos azuis, os funcionários faziam na marra vira a bicha deles, se não virasse apanhava.

Quando um garoto branco adentrava na Febem, ele já podia imaginar o cruel destino que o aguardava. ‘seu’ João, por ser negro, foi poupado desse tipo de violência.

Um episódio marcante do qual ele se lembra foi o de um funcionário chamado Rubéolo de Sousa. Ele se destacava pelas roupas e pertences ca-ros incompatíveis com o salário de um funcionário. Um dia, ‘seu’ João e mais um outro colega surpreenderam Rubéolo de Souza tentando estuprar a cozinheira da instituição. “Já tinha rasgado a roupa dela e tudo”. Conta que os dois tentaram impedir o estupro, “apanhei tanto! fiquei com a camisa encharcada de sangue.”

O funcionário foi denunciado posteriormente pela cozinheira. Com o

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testemunho dela e dos dois meninos, Rubéolo foi preso e disse a João:-Quando eu sair da cadeia eu te mato!Foram oito anos confinado nesse ambiente, de 1961-1969, com três

tentativas de fuga, as duas primeiras mal sucedidas; na terceira, conseguiu finalmente escapar da Febem e fugiu para a cidade de Tibagi, onde reencon-trou o pai e morou com ele durante um tempo.

Atualmente, ‘seu’ João trabalha como pedreiro, mora em Guaxupé, Minas Gerais. Casou-se duas vezes, foi traído pela primeira esposa, mas o exemplo do pai lhe ensinou uma lição e não se vingou da traição. Atual-mente, é casado com outra mulher e tem uma filha de seu outro casamento.

Seus pais já morreram e nunca mais ouviu falar da irmã, não sabe nem se ainda está viva. Também nunca mais ouviu falar do funcionário Rubéolo de Sousa. Acredita-se que já está morto.

Apesar de todo o tratamento recebido na Febem, ele não apenas res-salta os pontos positivos da instituição, como também acredita que pode reabilitar os internos, aos quais sempre se refere como alunos, desde que estes estejam realmente dispostos a isso.

A assistência à saúde era de qualidade, segundo ele. “Não tinha essa história de que médico não podia te atender, se tivesse um problema ele te atendia na hora.” Outro ponto que ele destaca é a exibição de filmes educa-tivos. “Só passavam filme instrutivo.” Por fim ele completa:

-99% dos que estão lá não se recuperam. Eu me recuperei, quem não recuperou foi porquê não quis.

Quando interrogado sobre como é viver em um lugar como esse, ele responde com um ligeiro sorriso:

-Alguns dias você ri, alguns dias você chora.‘Seu’ João ainda declara que tem vontade de fazer uma visita ao seu

antigo lar:-Queria ir só pra ver como é que tá hoje em dia!

MATHEUS BATISTA é estudante de licenciatura em filosofiapela PUC-Campinas

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19Marcos Napolitano

POR MAYRA BISSO

“Você é filho de ninguém, menino”. Ninguém era pai de Marcos Napolitano, hoje com 60 anos e dono de uma casa de prostituição.

Marcos tinha 14 anos quando descobriu que seu pai não era ninguém. Seu pai era Sérgio Napolitano, dono de uma marcenaria no bairro Bixiga, à época.

Filho de prostituta, era igual carrapato. Na escola, todos conheciam sua história e quando passava por uma rodinha de crianças, cantavam: “Ai, ai, ai, carrapato não tem pai”. Marcos não servia para ser amigo, servia para fazer rir. Quando tentava se enturmar e chamava os colegas para um pelada, muitos negavam.

- Eles diziam que os pais não deixavam, porque eu era filho de puta. E eu nem sabia o que era puta, só sabia que era coisa ruim.

Quem o criou foi sua avó. Quando chegava da escola, Dona Neusa, faxineira, o levava junto para os serviços e fazia com que ele a ajudasse. Sua mãe, Vera, dizia que trabalhava em uma loja de sapatos, mas ele perce-bia que o trabalho era diferente do das mães de seus colegas.

Lá pelos 10, 11 anos, quando já tinha certa malícia, essa desenvoltura lhe serviu não só para cantar garotas, mas para perceber que sua mãe usava muita maquiagem e roupas muito indiscretas para um comércio. Foi então que descobriu o significado de puta.

Na escola, sempre estava no meio das brigas e visitava a sala da di-retora ao menos duas vezes por semana. Era uma criança feliz, apenas um pouco incompreendido. Tudo era motivo para brigas. Provocou? Levou. Na verdade, nem tudo, precisava ter o essencial: um xingamento. Filho da puta!

Para ele, o “filho da puta” lhe subia o sangue e lhe ofendia até as entra-nhas, porque não era um simples “filho da puta”, era o filho da Puta. Afinal, não havia verdade maior.

Cansado de ver “pai desconhecido” gravado em seu documento, procu-rou conhecê-lo. Sempre questionava sua mãe quando lhe surgia uma opor-

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tunidade. A resposta continuava a mesma: -Você não é filho de ninguém. Você é meu filho.Às vezes, nem era preciso ofensa verbal para que Marcos se sentisse

ofendido. Na saída da escola, quando via pais buscando seus filhos, ele sen-tava sozinho no ponto de ônibus, perdido em seus pensamentos.

Na tarde do dia 15 de abril de 1966, enquanto esperava a condução, um senhor sentou ao seu lado e puxou uma conversa. Perguntou seu nome, sua idade, o ano em que estava, o que gostava de estudar e contou que era amigo da família. Papo vai, papo vem, o homem se apresentou como Sérgio Napolitano e o convidou para almoçar.

- Fui, por que não? Nunca tive muito o que perder.Foram numa churrascaria e pediram uma cerveja. Marcos achou aquilo

o máximo, beber uma cerveja com um adulto. Apesar de não ter muito o que perder, o que Marcos não esperava é que naquele dia, naquele almoço, ele não perderia. Marcos ganhou um pai.

Sérgio se desculpou pelo tempo ausente. Explicou a paixão que teve pela sua mãe na juventude, mas que não foi suficiente para romper as bar-reiras do preconceito. Não aceitava a sua profissão.

Desde então, sem frequência certa, Marcos via seu pai. Percebeu que sua vida começou a melhorar, suas roupas mudaram e parou de trabalhar com a avó. Não ficava pesando muito sobre o porquê dessas mudanças, mas sabia que era o pai. O que realmente o afligia era:

- Que merda, vou ficar careca.De tanto frequentar “puteiro”, sempre às escondidas, acabou ficando

amigo da cafetina, que lhe ofereceu um emprego de “faz tudo”. Achou uma boa, já que poderia sair com as putas mais caras.

Um dia, dentre seus encargos, lhe pediram para comprar uma agulha de crochê. Ele foi. Não deu nem uma hora após ter voltado da rua com a agulha, as prostitutas começaram a berrar seu nome. Em um dos quartos da casa, uma delas estava nua, desmaiada e sangrando, com uma agulha entre as pernas.

Neste momento, do que lhe permite lembrar de uma memória tão repri-mida, a cafetina pediu para que ele sumisse com o corpo. Ele a olhou nos olhos e foi embora.

Meses depois, começou a namorar uma japonesa que vendia salgado de porta em porta no seu bairro, Yumi. Ela logo engravidou e após a primei-ra menina nascer, eles decidiram tentar a vida no Japão.

Tiveram mais duas filhas, sustentaram um lar trabalhando em um res-taurante típico brasileiro por quatro anos. Nesse tempo, Marcos tentara se desvencilhar do seu passado. Falava com a mãe, com a avó e com o pai, é claro, e se forçava a evocar apenas o carinho fraternal e não toda a condição do que o tornou filho.

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Depois de descobrir que Yumi lhe traía, Marcos resolveu voltar para o Brasil, levando suas três filhas. Novamente não sabia o que o futuro lhe reservava. Tentando tanto fugir de um passado, acabou dando de encontro.

O único lugar que achou as portas abertas foi no velho prostíbulo. Com parte do dinheiro que economizou do outro lado do mundo, não queria mais ser subordinado para não ser submetido a ordens desumanas, como ele mesmo disse. Ofereceu, assim, sociedade à cafetina.

O cafetão não acha estranho ter lhe restado esse destino, depois de todo o passado enfrentado e os preconceitos sofridos. Pelo contrário, se ele aceitou isso para sua vida, é porque também aceitou a prostituição como uma profissão.

MAYRA BASSO é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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20Martha Albuquerque

POR ALYNE MARTINEZ

Brincalhona, sempre sorridente e pronta para ajudar quem lhe pedir ajuda. Caminha devagar devido à doença que lhe acom-panha, denominada de fibromialgia. Também foi diagnosticada

aos 16 anos com câncer, hepatite e várias outras doenças pelo quadro de hemorragia terríveis que se encontrava, porém só descobriu quando adulta do que realmente se tratava a doença, era Hemofilia..

Aos 85 anos, Martha é uma mulher vivida e que tem muitas dores e muitas perdas, entre elas a do grande amigo e professor, o poeta Manuel Bandeira, da mãe Julieta Albuquerque e do terapeuta a quem tinha grande apreço, Ralph Berg.

Do fruto da paixão de Luiz Cecílio e Julita Albuquerque nasceu Mar-tha Albuquerque no dia 24 de agosto de 1927, no Rio de Janeiro. Embora o casal se amasse, não puderam ficar juntos pelo fato de seu pai já ser casado, então sua mãe começou a trabalhar na casa de um casal como empregada doméstica ainda durante a gravidez.

O casal tinha um carinho grande por ela, o que era recíproco, pois cha-mava-os de padrinho e madrinha. Tamanho era o amor para com a menina que certo dia seu padrinho pediu que o chamasse de pai. Fez às vezes de seu pai ensinando o hábito da leitura e despertando cada vez mais a vontade de aprender. Quando ele faleceu, Martha havia entrado para a universidade.

Para ajudar a mãe, que permanecia no cargo de empregada doméstica, a menina arrumou um emprego, mas sua madrinha não apoiou a decisão da menina e colocou as duas para fora de casa.

A sensação era de que suas pernas envergaram quando foi recebida pela sua mãe com a notícia após chegar do trabalho, em frente a escada da casa. Como já trabalhava na faculdade, terminou o curso e o diretor da faculdade a convidou para trabalhar com ele, na função de chefe de uma biblioteca pedagógica.

Nessa mesma época alugou um apartamento em Botafogo, onde se mudou com a mãe, logo depois veio à reclassificação, mesmo sendo forma-da em letras foi colocada na área de pedagogia e como só trabalhava meio

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período na faculdade pediu para Anísio Teixeira, colocá-la no INEP já que este preenchia o cargo de diretor, onde começou como datilógrafa.

Por se destacar no cargo por sua vivência e pelo gosto de escrever fo-ram falar com a diretora da documentação onde ela trabalhava, dizendo que ela não poderia ficar como datilógrafa por sua inteligência e por desenvol-ver bem seu trabalho, então foi promovida ao cargo de chefia.

Com o dinheiro do seu próprio trabalho conseguiu comprar um aparta-mento em Copacabana, onde viveu até o falecimento de sua mãe, em 1975. No mesmo ano, prestou um concurso para técnico de assuntos culturais, passou no teste e foi convocada em 1976 e em 01 de janeiro de 1977 foi para Brasília, cidade onde permaneceu trabalhando durante 5 anos.

Retornou ao rio após constatar que estava doente. Tratava-se de um realojamento de vértebra e desgaste no quadril. Voltou para morar no apar-tamento que morava com a mãe, mas as lembranças eram muitas e deci-diu então alugar outro apartamento. Atualmente, divide um apartamento de dois quartos, um banheiro, uma sala que se reparte em sala de estar e jantar e um pequeno ateliê de pintura com livros e telas, varanda e cozinha, loca-lizado no Leme, com a grande amiga Cleusa Gomes.

E foi aos 37 anos que presenciou um momento delicado e histórico para o país. Na época, chefiava ainda a biblioteca pedagógica, que era ane-xada à cátedra de administração escolar e educação comparada e era assis-tente de Anísio Teixeira.

Quando começou a Ditadura Militar no Brasil, o chefe de Martha, Aní-sio Teixeira, foi avisado que estava correndo perigo, pois tinha idéias so-cialistas que na época não eram admitidas pelo novo governo, e por esse motivo foi perseguido pelos militares.

Por ter grandes amigos na faculdade de letras Martha, sempre teve vontade de ir para lá por ser a sua área na realidade, e conversou com sua professora, Marcella, que conversou com os colegas e o catedrático de lín-gua e literatura portuguesa, Thierry Martin Moreira que já era muito amigo de Martha, e a assistente dele era Cleonice Berardinelli que agora tornou-se imortal da academia , então eles a requisitaram para fazer parte da cadeira.

O catedrático, Anísio Teixeira, recebeu a requisição e chamou sua as-sistente para falar sobre a exigência da faculdade de letras para que ela fos-se assumir o cargo, já que ela era formada em letras. Mas, ela não aceitou por pensar que se a ditadura estava perseguindo ele e a todos que estavam ao seu redor, ela não iria deixá-lo naquele momento.

Acabou permanecendo no mesmo cargo em que ocupava, embora ele tenha saído e colocado outra assistente, com a qual ela não concordava com as idéias e a rigidez. Na época, todos os cursos que terminavam dentro de sua área tinham que fazer a formação pedagógica para dar aula, como Mar-tha não tinha e a quantidade de alunos era muita para poucos professores, a

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assistente convocou-a para lecionar.De acordo com ela, era uma época difícil principalmente porque se

dava aula com um agente do Dops na sala, fingindo ser aluno, mas nunca se manifestava e nem sequer respondia a chamada, podendo ser notado nas turmas pequenas.

Um dia ao sair da sala deparou com o comentário de que um professor havia sido preso, o que deixou todos os professores apavorados. E ao notar um aluno suspeito em sua sala, na aula seguinte a professora pediu para conversar e foi quando ele confessou ser militar.

ALYNE MARTINEZ é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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21Vitoria Barim Pacela

POR THATYANE PEREIRA

Ela acabou de voltar do Rio de Janeiro, tem um estilo único, gosta de rock, mas também adora ouvir música erudita e ler um bom livro. Estudou sua vida inteira em escolas públicas, (detalhe que não pode ser esquecido) adora tocar teclado e participou de diversas maratonas de química e mate-mática desde dos doze anos. A última que participou rendeu uma classifi-cação para a final do Desafio da National Geografic sendo uma dos quatro alunos selecionados de todo o Sudeste para a final que teve apenas treze finalistas de todo o Brasil.

Vitoria Barim Pacela tem 16 e nasceu em 5 de abril de 1997 na cidade de Espírito Santo do Pinhal, interior de São Paulo, com apenas 42 mil habi-tantes.Ela tem altura mediana, olhos castanhos escuros, cabelos castanhos dourados e um pouco enrolados,um sorriso largo, pele branca, tronco pe-queno e adora unhas vermelhas.

Ansiosa, a estudante e aberta para novas idéias apesar de ter opiniões fortes, e muito simpáticas e gosta de fazer amigos. Inspirasse para as reali-zações de sua vida em grandes nomes marcantes como: “Nelson Mandela;-Freud;Isaac Newton e Albert Einsten”.

Sua leitura e baseada em livros infantojuvenis como: a saga Crepús-culo; os volumes de “Percy Jackson”; a saga do Diários de vampiro entre outros .Mescla com livros adultos como: a Arte da Guerra;a Cidade do Sol e Mundo de Sofia.Suas preferências de filmes são:o menino do Pijama Listrado;A ilha do silencio;O diário de Anne Frank e A espera de um mila-gre.Também gosta das series de televisão como “CSI,Pretty Little Liars,-Glee e Lost”.Sua preferência musical vai de bandas de rock como: “Green Day,PinkFlod,Paramore,Gun s Roses, Iron Maiden” ate musica erudita.

As preferências dela também envolvem participar de muitas Olimpía-das. Ela dedicasse e estudando muito para a participação nessa olimpíadas, detalhe que não poder ser esquecido ela estuda sozinha sem ajuda de nin-guém apenas estudando nas escolas publicas

A primeira A OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Esco-las Públicas) foi aos doze anos de idade concedendo-lhe uma Menção Hon-

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rosa e uma boa colocação no estado de São Paulo. Ela não perdeu o ânimo e tempo e aos treze, participou da OBA (Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica) e acabou ganhando uma medalha de prata. Em 2011,com 14 anos participou da OBMEP novamente e ganhou sua primeira minha me-dalha de bronze. Nesse ano na OBA, conquistou outra medalha de prata.

Ganhou novamente medalha de bronze na OBMEP e em 2012 uma Menção Honrosa na OBL (Olimpíada Brasileira de Lingüística),participan-do a primeira vez do Desafio National Geografic, perdendo na Fase Regio-nal do concurso.

As medalhas da OBMEP abriram as portas para que pudesse partici-par do PIC (Programa de Iniciação Científica Jr.), um curso de matemática oferecido aos medalhistas para atividades e encontros através de fóruns.

Foi uma dos 13 finalistas do Desafio National Geografic ganhando as-sim uma viagem para o Rio de Janeiro. Na cidade ela conheceu centro do Rio de Janeiro, o Paço Imperial, a Rua do Ouvidor, a Confeitaria Colombo, a Igreja da Candelária o projeto AfroReggae além de ter conquistado diver-sas amizades de todo o lugar do Brasil

Segundo ela, a o desafio trouxe muitos conhecimentos e mais ami-gos: “A Viagem do Conhecimento cumpriu sua meta, “viajar é conhecer”, e como previu o coordenador do projeto no início do jantar de abertura, não somos os mesmos após essa experiência. Foram três dias surreais e tão in-tensos quanto um ano todo, porém, que poderiam ter se estendido pelo resto do mês. Já sinto falta de tudo e de todos.”

Ainda não parou participa de desafios de matemática e ciências e ou-tras Olimpíadas. Atualmente, participa não mais apenas por medalhas, mas por aprendizados.

Já foi selecionada para em agosto participar do EHH, Encontro do Ho-tel de Hilbert, no Rio de Janeiro após ter um dos melhores desempenhos no PIC (Programa de Iniciação Científica Jr) aberto para os medalhista da OBMEP (Olimpíada Brasileira das Escolas Públicas).Nesse curso, há aulas de matemática, prova, fóruns resolvendo problemas, além outras tarefas. No EHH são realizadas atividades e palestras envolvendo matemática.

A jovem pode ser definida apenas por duas palavras perseverança e confiança e pretende de agora em diante não parar de participar de Olimpí-adas já que isso sempre a estimula e a faz feliz. Porque para ela olimpíadas são que medalhas, mas sim um crescimento interno: “As recompensas vão muito além dos prêmios em questão, elas levam ao crescimento interior, ao prazer em aprender, em conhecer pessoas, lugares e culturas diferentes.”

Vitoria almeja agrandes faculdades como Unicamp,USP ou UFSCar por gostar muito da área de exatas.Pretende prestar vestibular para Enge-nharia Mecânica ou Engenharia Física sem para de sonhar: “Certa vez me disseram que sempre podemos traçar metas maiores, porque por mais que

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elas sejam grandes, com esforço, dedicação e determinação, é possível re-alizá-las. Hoje, sou prova disso, de que nunca devemos desistir dos nossos sonhos”.

THATYANE é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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22Oswaldo Manicardi

POR RAFAEL MANICARDI

“Era uma quinta-feira. Não me lembro ao certo o dia, mas me lembro perfeitamente que era uma quinta-feira. Eu já estava dentro do helicóptero. Tudo pronto pra partir. Es-

tava afivelando o cinto do Ulysses (Guimarães, ex-presidente da Câmara dos Deputados do Brasil) para depois fechar a portinhola do helicóptero e partirmos. Foi quando o Ulysses me disse que eu não precisava viajar, que eu podia descer do helicóptero para visitar meu irmão Amélio, que estava internado no Hospital das Clínicas de São Paulo.” As lembranças são de Oswaldo Dante Manicardi, que foi assessor de Ulysses Guimarães por 44 anos. Sentado em uma das cadeiras de seu pequeno escritório, ao lado da garagem de sua casa em Peruíbe, litoral sul do estado de São Paulo, Oswal-do relembra com precisão os acontecimentos de uma das noites mais emo-cionantes de sua vida.

Era oito de outubro de 1992. Ulysses Guimarães faria uma viagem à Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro, junto com sua esposa, Dona Mora, e com o senador Severo Gomes e sua esposa. A viagem era a co-memoração de seu septuagésimo sexto aniversário, ocorrido no dia 6 de outubro. Na ocasião, iriam à casa de um amigo na cidade fluminense. No helicóptero estavam os dois casais, Oswaldo e o piloto. Como o irmão de Oswaldo estava internado após uma operação, Ulysses disse para o asses-sor que não havia necessidade de viajar com eles, que poderia visitar seu irmão e que se encontrariam assim que voltasse, na segunda-feira, dia 12. Foi então que Oswaldo desceu do helicóptero, que decolou em direção à cidade litorânea.

Eis que chegou o dia da viagem de volta. Um temporal entre a cidade de Paraty e Aparecida do Norte tornou-a perigosa. O desaparecimento do helicóptero virou notícia no país inteiro. Até que chegou a confirmação de que havia acontecido um acidente, sem sobreviventes. De todos os tripu-lantes, o corpo de Ulysses foi o único que nunca foi encontrado.

Oswaldo se emociona ao lembrar que poderia estar naquele helicópte-ro. Aos 85 anos, o ex-assessor do político busca em sua memória detalhes

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da história que mudou sua vida. Ao longo dos 44 anos em que assessorou Ulysses, presenciou reuniões políticas sigilosas em Brasília. Advogado por formação, Oswaldo é conhecido na capital do país, onde alguns dizem que ele é a “personificação da história política brasileira”, por tudo o que viveu e todas as reuniões que participou. Graças à sua excelente memória, diz lembrar-se desses eventos.

Nascido em de Itápolis, interior de São Paulo, morou grande parte de sua vida em Brasília, exercendo sua carreira no ramo da política. Em uma família de 14 irmãos – dos quais apenas três, incluindo Oswaldo, estão vi-vos hoje – sempre foi muito apegado aos seus familiares. Tinha um sonho que era o de facilitar os encontros familiares, para que não se distanciasse de seus irmãos e sobrinhos. Ao final da década de 1980, recebeu, como forma de pagamento de uma dívida, um terreno na cidade litorânea de Pe-ruíbe(SP). Dividiu esse terreno em partes e deu cada uma dessas partes para alguns de seus irmãos. Assim, construiu um condomínio de casas nomeado “Recanto Tio Oswaldo”. Hoje, aposentado, deixou Brasília para residir em uma das casas.

Oswaldo nunca foi casado. Considera “seus filhos” cada um de seus sobrinhos e sobrinhos-netos. Amante de vinhos, carrega consigo há anos o hábito de degustar ao menos uma taça por dia. Tem orgulho de exibir em sua casa sua vasta coleção da bebida, de todas as partes do mundo. Diver-te-se semanalmente sentando com seus vizinhos para conversar no “Bar da Mariana”, ao lado de sua casa.

Por ser um homem muito religioso, Oswaldo também viaja, de vez em quando, para a cidade de Abadiânia, no estado de Goiás, onde visita o curandeiro João de Deus para participar de eventos espirituais. Em sua casa no litoral paulista, construiu na garagem uma pequena capela de madeira, pintada de branco, cheia de flores. É lá onde ele realiza suas orações dia-riamente.

RAFAEL MANICARDI é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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23 Seu Almada

POR GABRIELA SANTA ROSA

“Eram tempos terríveis, aqueles, terríveis. A gente acabava ouvindo coisas, sabendo coisas, vendo coisas das quais não quer lembrar. Servir era um orgulho, sou tenente da Ae-

ronáutica, hoje aposentado, mas nunca vou esquecer os crimes cometidos contra a pátria na Ditadura Militar.”

Para evitar uma guerra civil, Jango deixa o país e refugia-se no Uru-guai. Os militares tomam o poder. E assim, o país dá início a uma das épocas de maior repressão do país. A Ditadura Militar reestabeleceu econo-micamente o Brasil, mas é conhecida pela tortura e morte dos opositores ao regime das piores maneiras possíveis.

Nesse cenário, Olinto de Almada servia ao governo como tenente da Aeronáutica, e lembra como era olhado na rua com apreensão por pessoas pra quem ele nunca tinha feito nada, apenas por servir ao exército.

Hoje, com 84 anos, Seu Almada (como é conhecido) fala abertamente sobre os horrores daquela época. Ele chora, e diz que nem em mil palavras poderia traduzir o medo que todos sentiam, inclusive os entre os militares, pois, assim como ele, tinham outros contra esse regime que calou toda uma nação.

“Muitos horrores foram causados século passado, duas guerras mun-diais, das quais todos conhecemos. Mas uma das maiores e piores atrocida-des foi feita no nosso quintal e ninguém mais fala disso, mas só quem viveu sabe. É terrível saber que uma pessoa vai entrar naquele prédio e não vai mais sair com vida de lá.”

Mesmo sofrendo muita pressão do governo, Seu Almada – esse senhor de cabelos brancos que estava muito emocionado com as revelações que me fazia – e outros membros do Exército e Aeronáutica ajudavam as escondi-das os manifestantes que eram contra a Ditadura.

Chorou mais uma vez. Olha para o jardim da sua casa em Tapiratiba, interior de São Paulo, e me diz que de falar nesse assunto muitas memorias voltam na sua mente, imagens que ele nunca vai conseguir descrever e o medo que sentia. Mas confessou que era esse medo que fazia ele ter certeza

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que aquele Governo estava errado.“Nenhuma pessoa que esta tentando mostrar a sua opinião deveria ser

calada, por ninguém. A maior dadiva que uma nação tem é a liberdade de expor o que pensa, de tentar mudar o que acha errado. Enquanto houver pessoas lutando para representar seus ideais, eu sei que o país esta cami-nhando pra frente. Meu receio é o silêncio delas.”

Ainda um pouco atordoado com as memorias, Seu Almada revela que em uma época tão ruim como a Ditadura Militar, ele guarda de recordação a imagem na cabeça do que ele julga coisa mais bonita que já viu, o Movi-mento das Diretas Já.

“Quando eu olhei aqueles jovens, aquele movimento, eu senti tanto orgulho de ser brasileiro, daquelas pessoas que tinham olhar de mudança, desejo de renovação. Os brasileiros deveriam ter mais orgulho daqueles mais de um milhão de anônimos que pararam São Paulo no dia 16 de abril de 1984 do que qualquer jogador de futebol.”

Para o tenente, o país está melhor agora, “você pode falar o que pensa sem ter medo de ser a ultima vez que vai abrir a boca” revelou. Entretan-to, ele afirma ter medo do futuro do país, pois acredita que o brasileiro se tornou um conformista, que, nas palavras de Seu Almada, não acredita no poder de mudança que tem nas mãos.

“Eu não vejo no jovem de hoje em dia a vontade de mudar o país, de lutar pelo Brasil, de mudar o que deve ser mudado, o que é direito da nação. Eu vejo hoje é muita gente reclamando de tudo e não fazendo nada. Eu te-nho medo de regredir para aqueles tempos. Eram tempos terríveis, aqueles, terríveis.”

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24Angil Ayke

POR RODRIGO OLIVEIRA

Quem olha para ela jamais poderia imaginar os apuros que Angil Ayke, de 70 anos, passara na cidade de Homs, na Síria, durante a guerra civil. De aparência tranquila, sobrancelhas desenhadas e

sorriso simpático - típico da avó - Angil nasceu na cidade de Aleppo, no inte-rior da Síria, e é filha de pais armênios que se mudaram ás pressas para o novo país por conta da invasão turca no país de origem.

Seu pai Giorgios Mamarbashi e sua mãe Zahr Minassian eram da cidade de Istambul, noroeste da Turquia, mas viviam na Armênia, leste da Turquia. Em 1920, durante a guerra Turco-Armênia, quando o local foi invadido por turcos sunitas, grande parte da população foi assassinada e, por isso, fugiram para Síria. Entre as vítimas dessa guerra foram seus avós, maternos e paternos.

Quase cem anos depois, a família de Angil sofre com mais uma guerra, dessa vez na Síria, tornando-se também vítima de guerra. A Síria faz parte da região de língua árabe e é governada por Bashar Al Assad. Lá, a senhora de sobrancelhas pintadas teve a casa invadida pelo grupo opositor ao governo, que bateram nela e no marido, chegando a ter a visão do lado direito prejudicada. Por esse motivo, todos vieram para o Brasil, direto para cidade de Itapira, in-terior de São Paulo, onde mora atualmente e de onde concedeu a entrevista na sala de estar, acompanhada das pulseiras e anéis.

Mesmo com dificuldade em falar português, ela conta que o motivo é a religião. Parte da minoria árabe, Angil é católica e morava no centro de Homs, onde só se morava católicos, pois não se aceitavam pessoas de outras religiões morando ao lado. Para ela, mulçumanos não gostam de cristãos e se puderem matam todos.

Traduzida pelo filho Fadi, ela conta em árabe como foram os detalhes da invasão. No início de 2012, durante a guerra na Síria, um homem bomba explo-diu na rua de sua casa e os opositores do governo de Bashar invadiram sua casa e começaram a bater nela e no marido, em frente da filha e dos netos, até que a acertaram com uma arma de fogo no olho direito e perdeu quase que total-mente a visão deste olho. Ela explica que enxerga muito embaçado e em dobro.

Depois desse episódio, ela e a família foram morar às pressas em Damas-

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co, capital da Síria, na casa de outros parentes, sem poder levar nada além da roupa que tinha no corpo. Na capital, a família e ela pensavam que fossem ficar por pouco tempo, no máximo 15 dias até acalmar as coisas, porém não foi o que ocorreu.

Durante a estada na capital síria, o terceiro filho, Fadi Ayek enviou um convite para morar em Itapira, interior de São Paulo, onde já vivem outras famílias sírias, incluindo a de Fadi, que já morava lá, numa loja de sapatos de nome ‘Calçados Munir’, pertencente a uma família de origem do país árabe. Em seguida, a família tirou seus passaportes em Damasco e vieram para o Bra-sil em abril de 2012, com destino direto para Itapira.

Na Síria, ela trabalhava como diretora de uma escola em Homs, onde mo-rava com toda família. Com o tempo aprendeu a falar francês. Casou-se em 1963 com o engenheiro elétrico Nasrallan Ayek. Um senhor que atualmente aparenta ter mais de 70 anos, de estatura mediana, pele morena clara e bigode farto, e conhecedor da língua inglesa.

Com ele, Angil teve cinco filhos: dois homens e três mulheres: o primeiro homem é Rizk Allah Ayek, formado em engenharia agronômica e atual vice-governador em exercício do Estado de Homs, pois o governador foi assassina-do pelo grupo opositor, o que fez refugiar-se junta aos pais. A segunda filha é Haua Ayek, professora de matemática, física e química; o terceiro é Fadi Ayek, que ajuda na tradução durante a entrevista e é formado em duas faculdades: en-genharia elétrica, seguindo o pai, e engenharia agronômica, seguindo o irmão mais velho. Atualmente Fadi é gerente geral de oito agências do Banco Agrô-nomo de Homs e também mora em Itapira. A quarta filha é Rula Ayek, formada em informática, é dona de casa, e a caçula Faten Ayek, artista plástica.

Os netos são, no total, dez, muitos que o mesmo nome dos avós, começan-do por Nasrallah, igual a do avô, que significa ‘vitória’, ou Vitor, no masculino, Angila, igual o da avó, e o caçula Taj, filhos do primeiro filho. Depois os netos Angila e Jozefin, filhos da segunda filha, Haua, além e Nasrallah e Christian, filhos de Fadi, e Giorgi, Rogih e Christian, filhos de Rula.

Ao lado da avó, Angila, filha da professora de matemática Haua Ayek, conta, ainda com surpresa, que viu, junto da irmã, cabeças decepadas jogadas pelas ruas da cidade de Homs, capital do Estado que leva o mesmo nome. O olhar de preocupação e medo era nítido durante a fala, mas a irmã sempre era o sujeito das frases. “Minha irmã e eu vimos...”, “minha irmã viu tam-bém...”,nunca esquecendo da presença da irmã.

Angil agora espera um pouco mais de tranquilidade e segurança, sem se preocupar com as possíveis explosões, como acontece na Síria. No Brasil, ela conquistou muitas pessoas e clientes, que começaram a comprar na sua loja de salgados árabes, produzidos por ela mesma. As economias da família estão bloqueadas no banco e não será liberada enquanto não acabar a guerra.

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RODRIGO OLIVEIRA é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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25Eliseu Nunes de Oliveira, o Pezão

POR MARÍLIA FITTIPALDI

Eliseu chega até à mesa do bar com dificuldade. Mas não é a difi-culdade de descer do seu grande carro com a sua pequena estatura. Não é a dificuldade de desviar dos badulaques pendurados pelo ca-

minho. É a boa-dificuldade de ser parado de mesa em mesa para cumprimentar os clientes. Quando enfim consegue sentar, dá a entrevista com a tal dificulda-de, já que é interrompido para ser cumprimentado a cada dez minutos.

A importância dada a ele hoje nem sempre fez parte da sua vida. Com mais nove irmãos, ele foi criado “solto pelo terreiro, que nem galinha”. O ter-reiro para ele eram as ruas e campos de Paranavaí, no Estado do Paraná.

E foi com galinhas que ele começou seu primeiro negócio. Com oito anos ele trocou um cachorro de rua por uma galinha e um pintinho. Arranjou um galo para cruzar com a galinha e em um ano tinha 150 galinhas pra vender. O marketing, não muito honesto, serviu de lição para os negócios que possui hoje. O menino Eliseu colocava os pintinhos da galinha que botava mais ovos com a galinha que botava menos ovos. Quando jogava milho para mostrar as galinhas aos compradores, a galinha saia com o dobro de pintinhos que tinha. O comprador logo queria esta botadeira, mas o garoto fazia charme, dizia que aquela não vendia. No final “tudo bem, eu vendo, mas só porque é pra você”, conta Pezão com um sorriso malicioso. E todos saiam satisfeitos. O aprendiza-do foi de que o ser humano sempre quer levar vantagem.

Depois das galinhas, Eliseu passou a fazer rolos com bicicletas. Chegou a ter 28 bicicletas com 10 anos. Mas resolveu vende-las para se arriscar em ou-tro ramo: passou a emprestar dinheiro cobrando os juros. A inflação da época do governo Sarney possibilitava que o empréstimo do menino fosse vantajoso para os irmãos e amigos.

A prosperidade das terras paranaenses acabou, junto com seus estudos, quando sua mãe o levou para a cidade de Indaiatuba. Aos 14 anos, quando cur-sava a 8ª série do Ensino Fundamental, ele trabalhou como sorveteiro e vende-dor de laranjas. Mais tarde se tornou servente de pedreiro e depois açougueiro em um frigorífico de frangos. Neste último ganhou o apelido de Pezão, já que o proprietário teve dificuldades de encontrar botas para seu número. Eliseu não

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gostou do apelido, chegou até a arrumar briga por causa dele. Nunca imaginou que o aceitaria tanto ao ponto de nomear um negócio próprio como ‘Pezão Bar’.

Depois de três anos como açougueiro, Pezão saiu da empresa e com o dinheiro do desligamento investiu em muambas paraguaias, como bonecas, eletrônicos e artigos para pesca. As bonecas não faziam muito sucesso, então ele passou a dar como cortesia para os clientes. Os eletrônicos davam muito problema, então ele deixou de vendê-los.

Sem planejar, sua venda de artigos de pesca acabou dando em um esta-belecimento em um bairro humilde de Indaiatuba. O dono do estabelecimento ao lado estava passando o ponto e, vendo a prosperidade do negócio vizinho, sugeriu a expansão, que Eliseu logo acatou. Mas as vendas não expandiram da mesma maneira. Pezão ainda insistiu no local e com a ajuda dos irmãos montou ali um bar.

“Lá em Paranavaí tem muito japonês e eles trabalham sempre juntos. Meu ideal era que meus irmãos também trabalhassem sempre comigo, mas eles não sabiam fazer as coisas do meu jeito. Eu sempre quis ter meu negócio próprio, eles não, mas mesmo assim, não me obedeciam”, narra Pezão justificando por-que sempre teve gente da família envolvida nos seus negócios.

Tocar uma loja e um bar só piorou a situação financeira de Eliseu. As dí-vidas acumularam e ele foi obrigado a fechar as portas do bar e ficar só com a loja de artigos de pesca. A escolha pela loja aconteceu porque ali era ele que cuidava de tudo, então era mais fácil controlar. Este episódio trouxe mais uma lição, das quais Pezão só falta anotar: não dá pra ter dois negócios de ramos diferentes, “mesmo que um seja uma loja de pesca e o outro um bar de peixe, se não fazem a mesma coisa, não dá!”.

O nome da loja de artigos de pesca era Casa do Peixe, o que causava uma confusão, pois as pessoas achavam que era uma peixaria. A confusão e a baixa procura por artigos de pesca fez com que Eliseu começasse a servir como cor-tesia um caldo de peixe. Mas se ele estava endividado, porque passou a servir algo de graça? Como arcaria com os gastos daquilo!? Outro segredo, outra lição: “Ninguém gostar de andar com gente quebrada, falida, ferrada na vida. As pessoas têm medo que você fique pedindo dinheiro emprestado e ninguém quer amigo assim. Então eu nunca deixei saberem que eu não tinha dinheiro. Mesmo falido eu precisava estar entre meus amigos, afinal, eram eles que iam comer os caldos e levar conhecidos. E vai que algum comprasse algo”.

O caldo de peixe fez tanto sucesso que Eliseu resolveu que, mesmo sem saber fritar um ovo, deveria abrir um bar para servir caldos e porções de peixe frito. Emprestou mil reais de um amigo (e aqui reafirma “viu, ninguém merece ser amigo de gente quebrada”) e começou o bar no mesmo ponto da Casa do Peixe, mas mudou o nome. Queria pôr ‘Pezão Bar’, mas a mãe discordou vee-mentemente: “Ela dizia que era nome de borracharia, de lava-jato, que ninguém

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ia querer comer num lugar com esse nome”. Desanimado, acabou colocando o nome de ‘Fish Beer’, sem saber direito se era peixe-cerveja ou peixe-urso.

Trabalhou um mês com a ajuda da irmã, mas logo precisou contratar dois funcionários. Em três meses de bar passou a ser impossível comportar os clien-tes naquele mesmo espaço. Então o tal amigo do empréstimo sugeriu Pezão fosse ver um bar que estava passando o ponto. “Agora eu vou me arrumar né!? O Zé com dinheiro ai, mandou eu dar uma olhada no bar, já me emprestou di-nheiro antes, confia no meu trabalho... é agora que eu me arranjo, ele vai com-prar o bar pra mim!” Com esse pensamento iludido, Eliseu foi até o tal bar dar uma olhada. Chegando lá o dono pediu um valor que ele definitivamente não tinha. “Ai quando eu falei pra ele que não tinha esse dinheiro, um negócio do além falou assim pra mim ‘esse bar vai ser seu’; embora que eu não acreditava muito, eu era meio ateuzão.”

Depois de dois anos Pezão comprou todas as instalações do tal bar por mil reais. Mais oito meses e ele conseguiu alugar o bar por seis meses. “Então o ponto veio na minha mão! Ou seja, tem uma força superior que me ajuda. Da onde vem eu não sei. Quem é eu também não sei. Mas enquanto tá me ajudan-do tá bom, né?! Hoje eu não sou mais ateu, eu fui obrigado a acreditar”.

Durante os próximos três anos o seu negócio prosperou. Há algumas qua-dras dali um outro ponto passava por fases instáveis. Os bares abriam e fe-chavam em seis meses. O lugar ganhou fama de amaldiçoado. Mesmo assim, Eliseu gostava do lugar, achava bonito. Ficou os três anos passando na frente e namorando. E de novo a voz falava com ele, e ele abriu o bar ali, contra a vontade da família, que achava que do jeito que estava, já era bom.

Eliseu reformou tudo e abriu o ‘Pezão Bar’. Fechou o estabelecimento anterior, porque sabia que não daria conta de tocar os dois. Um ano depois, reabriu com outro nome: “Eu fiquei com medo de colocar o mesmo nome lá e os garçons, sem eu ver, atendessem mal e isso refletisse aqui, porque era na mesma rua. Ai eu escolhi o nome ‘Ruinzin’, porque se atendesse normal seria ‘caramba, não tem nada de ruim aqui’, mas se atendesse mal ‘foi avisado’. Tirei o meu da reta. E coloquei o slogan ‘Comeu, morreu’, mas minha mãe achou muito pesado, vai que morresse alguém mesmo. Ai eu mudei pra ‘Não gostou, reclama pra quem te trouxe’”, conta Pezão justificando que o medo do mal atendimento se deve a falta de mão-de-obra que a cidade de Indaiatuba tem. Ele garante o bom atendimento dele, mas diz que não pode garantir que o funcionário faça o mesmo.

Hoje o ‘Pezão Bar’ é conhecido em toda região pelas especialidades do cardápio de peixes e frutos do mar. Os nove irmãos finalmente trabalham do jeito que o dono quer, como ele sempre quis, porque viram que é o jeito que deu certo. Todos os finais de semana as filas duram mais de duas horas. Mas Eliseu sempre soube como agradar os clientes: nas filas ele distribui o famoso 0800

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“é um saco ficar esperando pra comer, então eu dou cerveja, amostra de porção pra forrar o estômago do povo, ai eles topam esperar. Não é dar, ninguém dá nada pra ninguém. É investimento. Por mais rico que seja, todo mundo gosta de ganhar alguma coisa”.

Mesmo sem ter feito o ensino médio, quiçá faculdade, Pezão conhece seu público e é criativo. O que basta para seus estabelecimentos. “Eu espalhei as placas porque vi que ler é de graça e como o povo gosta de tudo o que é de graça, eu coloco as placas pro povo ler”.

O próximo passo é transformar o ‘Pezão Bar’ em franquia. Quando ques-tionado se isso não vai sujar o nome dele, porque ele não vai poder controlar tudo de pertinho, ele responde com toda simplicidade destacando o principal aprendizado que a vida lhe trouxe: “O que eu vou fazer? Agora eu tenho famí-lia, filhos... mas só dois, pra não criar largado no terreiro. Se alguém reclamar do que isso virar, vou mandar reclamar com quem trouxe!”.

MARÍLIA FITTIPALDI é estudante de jornalismo pela PUC-Campinas

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Cenas de um Retrato , e-book dos alunos de Jornalismo Lite-rário da PUC-Campinas, representa o aprendizado, no primei-ro semestre de 2013, e um desafio para a construção de perfis de pessoas comuns, com histórias diferenciadas e que mere-ciam ser contadas, conhecidas, pela importância e relevância social. Sempre com olhar jornalístico, procurando o melhor

enfoque para apresentar ao leitor.