ECCOM 14 – Revista de Educação, Cultura e Comunicação

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ISSN 2177-5087 Lorena, SP – Brasil volume 7, número 14, jul./dez. 2016 EDUCAÇÃO, CULTURA E COMUNICAÇÃO FACULDADES INTEGRADAS TERESA D’ÁVILA

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Revista de Educação, Cultura e Comunicação do Curso de Comunicação Social das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – FATEA, Lorena, SP, Brasil.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

ISSN 2177-5087

Lorena, SP – Brasil volume 7, número 14, jul./dez. 2016

EDUCAÇÃO, CULTURA E COMUNICAÇÃO

FACULDADES INTEGRADAS TERESA D’ÁVILA

LORENA - SP

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ISSN 2177 – 5087

ECCOM – Revista de Educação, Cultura e Comunicação

Lorena, SP, volume 7, número 14, jul./dez. 2016

© Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – FATEA

Pós Graduação em Docência no Ensino Superior: Educomunicação

Cursos de Comunicação Social Jornalismo/Publicidade e Propaganda/Rádio, TV e Internet

Curso de Letras

ECCOM – Revista de Educação, Cultura e Comunicação / Faculdades

Integradas Teresa D´Ávila - vol. 7, n. 14 (2016). – Lorena, SP: Cursos de

Comunicação Social, 2016 –

Semestral

ISSN: 2177-5087

1. Educação - periódicos. 2. Cultura - periódicos. 3. Comunicação - periódicos. I.

Brasil, Faculdades Integradas Teresa D´Ávila.

CDU.001.5(05)

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Equipe Editorial

Editor Científico

Neide Aparecida Arruda de Oliveira, Fatea, Brasil

Editor Gerente

Neide Aparecida Arruda de Oliveira, Fatea, Brasil

Revisores

Neide Aparecida Arruda de Oliveira, Fatea, Brasil (Línguas portuguesa e inglesa)

Jefferson José Ribeiro de Moura, FATEA, Brasil (Normatização)

Conselho Editorial

Prof. Dr. Adilson da Silva Mello, UNIFEI, Brasil

Prof. Dr. André Luiz Moraes Ramos, UniFOA, Brasil

Prof. Dr. Carlos Manuel Nogueira, Universidade de Lisboa, Portugal

Profª Drª Débora Burini, UFSCar, Brasil

Profª Drª Lucia Rangel Azevedo, FATEA, Brasil

Profª Drª Olga de Sá, PUC-SP, FATEA, Brasil

Prof. Dr. Rosinei Batista Ribeiro, UniFOA, FATEA, Brasil

Prof. Dr. Walter Moreira, UNIMAR, Brasil

Prof. Dr. Wellington de Oliveira, PUC-SP, FAINC, FATEA, Brasil

Prof. Me. Jefferson José Ribeiro de Moura, FATEA, UNITAU, Brasil

Profª Me. Neide Aparecida Arruda de Oliveira, FATEA, Brasil

Publicação On Line

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http://www.issuu.com

http://www.doaj.org

© Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – FATEA

Especialização em Docência no Ensino Superior: Educomunicação

Cursos de Comunicação Social Jornalismo/Publicidade e Propaganda/Rádio, TV e Internet

Curso de Letras

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SUMÁRIO

EDITORIAL

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O CENTRO PROFISSIONAL DOM BOSCO (CPDB):

DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE PARA O ENSINO TÉCNICO DE NÍVEL

MÉDIO

Rodrigo Tarcha Amaral de Souza

9

A METÁFORA NA ECONOMIA – UM ESTUDO COM REPORTAGENS

JORNALÍSTICAS

Marlene Silva Sardinha Gurpilhares, Alba Luciene Thiago

19

COMUNICAÇÃO, ECONOMIA POLÍTICA E SOCIEDADE MUNDIAL DE

CONTROLE: COMPLEXIDADE E PODER NA CONTEMPORANEIDADE

José Antonio Martinuzzo, Wagner Piassaroli Mantovaneli

31

EDUCAÇÃO PARA O TURISMO: O PROGRAMA “MAIS CULTURA NAS

ESCOLAS” EM UMA ESCOLA DE PARNAÍBA/PIAUÍ

Aline Ribeiro de Sousa, Dilene Magalhães Borges, André Riani Costa Perinotto

49

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR E A LINGUÍSTICA

Fernanda Valéria Pereira Moliterno, Neide Aparecida Arruda de Oliveira

75

UM ESTUDO GRAMATICAL DO POEMA “O MUNDO, O NOVO MUNDO” DE

PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS

João Francisco Pereira Nunes Junqueira

83

CARTOGRAFIA DE CONTROVÉRSIAS COMO PROCEDIMENTO

METODOLÓGICO: MAPEANDO PROCESSOS CULTURAIS EM UMA

ASSOCIAÇÃO DE ARTESÃOS DE MARIA DA FÉ/MG

Adilson da Silva Mello, Guilherme Garrido, Camila Lorrichio Veiga

93

O (IM)POSSÍVEL DA EDUCAÇÃO COMO PROCESSO E A CONSTITUIÇÃO

DO SUJEITO NO CAMPO DA CULTURA: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE

O ENSINAR E O EDUCAR

Polyana Ribeiro de Assis Corrêa, Rogério Rodrigues

111

EDUCAÇÃO ONLINE E MUDANÇAS NAS PRÁTICAS COMUNICACIONAIS

DE DISCENTES NO SERTÃO DO PIAUÍ NA MODALIDADE EAD

Juscelino Francisco do Nascimento, Lívia Fernanda Nery da Silva

125

INTERAÇÕES TEMPORAIS NA ERA DA CONVERGÊNCIA: PERSPECTIVAS

DAS GERAÇÕES Y E Z NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS

Moisés Cardoso, Álvaro Nunes Laranjeira, Alexandre Artur Kumm

139

JORNALISMO E CULTURA: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO E EXTENSÃO

UNIVERSITÁRIA

Carlos Fernando Martins Franco, Verônica Dantas Meneses

155

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A EVASÃO ESCOLAR NA MICRORREGIÃO DE GUARATINGUETÁ: UMA

ANÁLISE A PARTIR DE INDICADORES EDUCACIONAIS

José Edson da Silva, Ludmila Correa Gesualdi Chaves Gomes, Márcia Maria Dias

Reis Pacheco, André Luiz Silva

169

O NOVO VOLUNTARIADO E A COMUNICAÇÃO DE ONGS NO CONTEXTO

DA AMÉRICA LATINA

Ricardo Carvalho de Almeida, Gino Giacomini-Filho

191

TEMPO LINEAR E TEMPO MÁGICO NAS PROPAGANDAS EDUCACIONAIS

Marcelo Siqueira Maia Vinagre Mocarzel, Cláudia da Silva Pereira

205

USOS E APROPRIAÇÕES DE MULTIMÍDIAS NA EDUCAÇÃO PARA A

BIODIVERSIDADE EM ESCOLAS DE BELÉM/PA

Mayara Santos Maciel, Vanja Joice Bispo Santos, Lúcia das Graças Santana da

Silva

217

A LITERATURA ORAL NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Carlos Nogueira

231

O ENSINO DE LITERATURA COM BASE EM UMA ATIVIDADE SOCIAL: O

RESGATE DA VOZ DISCENTE A PARTIR DA CRIAÇÃO COLETIVA DE UM

BLOG

Rodolfo Meissner Rolando

237

WEB RÁDIO: MODELOS DE GESTÃO E EMPREENDEDORISMO

Marcus Augusto Santos Silva, Sandro Ramos Obeica Cardoso

251

O SERVIÇO DE CONTACT CENTER COMO UM DIFERENCIAL

COMPETITIVO DE RELACIONAMENTO EM UMA INSTITUIÇÃO RELIGIOSA

Adriana Bernadete Barros Carvalho Garcia, Ana Carolina de Brito Bombachi,

Daniela da Silva França, Érica Bizaio

267

NORMAS PARA ENVIO DE ORIGINAIS

279

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Editorial

A revista ECCOM – Educação, Cultura e Comunicação circula desde 2010, com

periodicidade semestral em versão eletrônica. A revista divulga estudos inéditos, de caráter

teórico ou aplicado. Em 2014, publicada em 2015, foi classificada pela CAPES no estrato B1

do Qualis, na área de Ciências Sociais Aplicadas.

É com imenso prazer que se coloca mais uma vez um novo volume para apreciação, reflexão

e discussão da comunidade pesquisadora. A ECCOM está se consolidando ao longo destes

seis anos de publicação. Autores de todo o Brasil e até do exterior têm submetido artigos à

apreciação pelo sistema SEER.

No volume 7, número 14, segundo semestre de 2016 encontram-se dezenove artigos.

O primeiro deles é “O Centro Profissional Dom Bosco (CPDB): do ensino profissionalizante

para o ensino técnico de Nível Médio”, de Rodrigo Tarcha Amaral de Souza.

Em seguida, as pesquisadoras Marlene Silva Sardinha Gurpilhares, Alba Luciene Thiago

propõe um estudo sobre “A metáfora na economia- um estudo com reportagens jornalísticas”.

O terceiro artigo intitulado “Comunicação, economia, política e sociedade mundial de

controle: complexidade e poder na contemporaneidade”, é dos pesquisadores José Antonio

Martinuzzo e Wagner Piassaroli Mantovaneli.

“Educação para o turismo: o Programa ‘Mais Cultura nas Escolas’ em uma escola da

Parnaíba/Piauí”, é mais um estudo das autoras Aline Ribeiro de Sousa, Dilene Magalhães

Borges e André Riani Costa Perinotto sobre as áreas de Turismo e Educação.

Segue-se “A formação do professor alfabetizador e a linguística” de Fernanda Valéria Pereira

Moliterno, Neide Aparecida Arruda de Oliveira abordando a importância da Linguística na

alfabetização.

Já o sexto artigo “Um estudo gramatical do poema ‘O mundo, o novo mundo’ de Péricles

Eugênio da Silva Ramos” tem como autor o doutorando João Francisco Pereira Nunes

Junqueira.

O estudo “Cartografia de Controvérsias como procedimento metodológico: mapeando

processos culturais em uma Associação de Artesãos de Maria da Fé/ MG”, vem dos

pesquisadores da Universidade Federal de Itajubá, Adilson da Silva Mello, Guilherme Garrido

e Camila Lorrichio Veiga sempre contribuindo com a sociedade.

O oitavo artigo “O (Im)Possível da educação como processo e a constituição do sujeito no

campo da cultura: alguns apontamentos sobre o ensinar e o educar”, de Polyana Ribeiro de

Assis Corrêa e Rogério Rodrigues promove uma reflexão sobre a área educacional.

Abordando a educação a distância encontra-se o nono artigo “Educação on-line e mudanças

nas práticas comunicacionais de discentes no sertão do Piauí na modalidade EAD”, cujos

autores são Juscelino Francisco do Nascimento, Lívia Fernanda Nery da Silva.

O décimo estudo trata de outro tema atual, “Interações temporais na era da convergência:

perspectivas das Gerações Y e Z nas redes sociais digitais”, de Moisés Cardoso, Álvaro

Nunes Laranjeira e Alexandre Artur Kumm.

Em seguida, Carlos Fernando Martins Franco e Verônica Dantas Meneses abordam um estudo

sobre “Jornalismo e cultura: uma experiência de ensino e Extensão Universitária”.

“A evasão escolar na microrregião de Guaratinguetá: uma análise a partir de indicadores

educacionais”, dos pesquisadores José Edson da Silva, Ludmila Correa Gesualdi Chaves

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Gomes, Márcia Maria Dias Reis Pacheco e André Luiz Silva tratam de um tema regional no

Vale do Paraíba, interior de São Paulo.

O décimo terceiro estudo, traz “O novo voluntariado e a comunicação de ONGS no contexto

da América Latina”, de autoria de Ricardo Carvalho de Almeida e Gino Giacomini-Filho.

O “Tempo linear e tempo mágico nas propagandas educacionais” dos pesquisadores Marcelo

Siqueira Maia Vinagre Mocarzel e Cláudia da Silva Pereira, analisa as propagandas

relacionadas à área educacional.

“Usos e apropriações de multimídias na educação para a Biodiversidade em escolas de Belém/

PA”, das autoras Mayara Santos Maciel, Vanja Joice Bispo Santos e Lúcia das Graças

Santana da Silva relata mais experiências na área educacional.

Contribuindo com esta edição, encontra-se também “A literatura oral no ensino da Língua

Portuguesa”, do professor e pesquisador português Carlos Nogueira.

Ainda sobre o Literatura há o artigo “O Ensino de literatura com base em uma atividade

social: o resgate da voz discente a partir da criação coletiva de um blog”, do doutorando

Rodolfo Meissner Rolando da PUC-SP.

O penúltimo estudo apresentado é “Web rádio: modelos de gestão e empreendedorismo” de

Marcus Augusto Santos Silva e Sandro Ramos Obeica Cardoso

Para finalizar esta edição, apresenta-se “O serviço de Contact Center como um diferencial

competitivo de relacionamento em uma instituição religiosa” de Adriana Bernadete Barros

Carvalho Garcia, Ana Carolina de Brito Bombachi, Daniela da Silva França e Érica Bizaio.

Agradecemos a todos os pesquisadores e colocamo-nos à disposição para receber novas

pesquisas.

Boa leitura a todos!

Neide Aparecida Arruda de Oliveira

Editora Gerente

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O centro profissional Dom Bosco (CPDB): do Ensino

Profissionalizante para o Ensino Técnico de Nível Médio

Rodrigo Tarcha Amaral de Souza Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Metodista de Piracicaba –

UNIMEP. Mestre pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, unidade de Americana, SP.

Professor do Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, unidade São José/Campinas, SP. E-

mail: [email protected]

Resumo

Este artigo é fruto de uma dissertação de mestrado em educação desenvolvida em 2013 que

investigou a incidência dos princípios salesianos na prática dos educadores docentes no

Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) Campinas – SP. O objetivo deste trabalho é

apresentar o processo de passagem do ensino profissionalizante para o ensino técnico de

nível médio, permitindo inquirir sobre a Educação Salesiana em seus aspectos pedagógicos e

profissionais.

Palavras-chave

João Bosco; Educação Salesiana; Ensino Profissionalizante; Ensino Técnico.

Abstract

This article is the result of a master's thesis in education developed in 2013 that investigated

the incidence of Salesian principles in practice of teacher’s educators in the Professional

Center Don Bosco (CPDB) Campinas - SP. The objective of this paper is to present the

process of transition from vocational education to mid-level technical education, allowing

inquire about the Salesian Education in teaching and professional aspects.

Keywords

João Bosco; Salesian Education; Vocational Education; Technical Education.

Introdução

Este artigo investiga como são entendidos e desenvolvidos os princípios

educacionais salesianos elaborados por João Bosco e que servem de referencial para os

gestores e educadores docentes do Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) da Escola

Salesiana São José de Campinas, SP.

O escopo deste artigo é o de apresentar elementos da passagem pedagógica e jurídica

funcional do ensino profissionalizante para o ensino técnico de nível médio no Centro

Profissional Dom Bosco – Campinas – SP, apoiando-se em bibliografia atualizada, entrevistas

semiestruturadas com colaboradores e professores, e observação participante no CPDB. Além

de uma análise dos currículos dos cursos do CPDB, procurando verificar, se são coerentes

com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e com o Projeto Educativo Salesiano.

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O tempo das fundações

A gênese da educação salesiana está ancorada na história do trabalho profissional de

João Bosco com os jovens do século XIX no norte da Itália, então em processo de

industrialização. O ponto central de sua práxis educativa é a abordagem integral do jovem nas

suas potencialidades e dimensões humanas e, os salesianos, ao se expandirem pelo mundo, o

fizeram nessa óptica.

Estabelecidos e consolidados como Congregação na Itália, os salesianos partem para

expedições missionárias. A expansão salesiana na Europa e continente sul-americano

aconteceu com Bosco ainda vivo. O êxito do trabalho salesiano na educação de jovens

tornara-se cada vez mais visível e bem sucedido, crescendo os pedidos de autoridades civis e

eclesiásticas a Bosco para que enviasse salesianos para trabalharem com os jovens. Em alguns

casos, tratava-se de assumir pedagógica e administrativamente estabelecimentos educacionais.

Consolida-se a presença salesiana no Brasil com a implantação dos colégios Santa

Rosa no Rio de Janeiro, o Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo e o São Joaquim em Lorena

(CUNHA, 2000). Na cidade de Campinas, os salesianos chegaram em 1897, fundando

sucessivamente três obras educativas: Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, Escola Agrícola,

hoje Escola Salesiana São José e Externato São João, atual Obra Social São João Bosco.

Na Escola Agrícola eram realizadas as oficinas de Arte e Ofício dirigidas aos jovens

pobres da cidade. Passadas algumas décadas, diante da expansão da cidade e o perigo de

invasões dos campos da escola, os salesianos elaboraram um projeto de venda dos terrenos.

O espaço pegava da rua Carolina Florença, a rua Barão de Itapura e dava

volta atrás do Liceu, descia para o bairro Taquaral e subia aqui, outra vez.

Depois começou a lotear. A inspetoria começou, mas como não é do ramo,

passou para a prefeitura. Loteamento não era nosso ramo e estava indo para

trás. A prefeitura assumiu1, loteou, trouxe os serviços de luz, esgoto, toda a

infraestrutura de praças e jardins. A inspetoria não estava preparada para

isso. Então, a prefeitura assumiu no mandato político do prefeito Joaquim de

Castro Tibiriçá. [Pergunto em que ano foi isso. E ele:] 1945 e 1946. Por isso

puseram o nome de jardim Nossa Senhora Auxiliadora, pelos salesianos.

Este loteamento aqui em baixo, muitos compraram. (TESTONI,

29/08/2012).

Com a renda da venda das terras da antiga Escola Agrícola, orçada em 5 milhões de

cruzeiros, somada à doação da prefeitura municipal de Campinas de quinhentos títulos da

dívida pública, chegou-se ao montante de 12 milhões de cruzeiros, o suficiente para a

construção de um novo edifício para ensino agrícola profissional, hoje, a Escola Salesiana São

1 “Um ofício do então Prefeito de Campinas, Dr. Joaquim de Castro Tibiriça, passava às mãos do Diretor do

Liceu N. S. Auxiliadora o processo protocolado de nº 5879, de 7 de junho de 1945, sobre a construção de um

parque municipal, solicitando a manifestação positiva sobre esse plano e cessão da área para o parque. Em

resposta adenda ao referido Ofício, à mão, dizia-se que os Salesianos não se opunham, contanto que houvesse

indenização justa, em benefício da Escola Agrícola, uma vez que se tratava de patrimônio beneficente dessa

Escola. Em carta ao padre José Joaquim Santana, o Provincial salesiano, padre Orlando Chaves, manifestava a

opinião de não ceder a título gratuito os terrenos da Escola Agrícola, porque não pertencia aos Salesianos, e sim

a essa instituição, que os Salesianos deviam ‘defender e desenvolver em benefício dos pobres’, mas autorizava a

cessão dos terrenos se as compensações fossem as melhores possíveis, exigindo indenização da cocheira uma

vez que a construção de outra seria bastante elevada. O cumprimento da cláusula imposta pela Resolução

1.141/1946 começava assim a realizar-se com a construção da Escola São José” (SANTOS; CASTILHO, 2003,

p. 49-50).

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José, inaugurada em 1953. (VIEIRA, 2002). Sua origem remonta à “Associação Agrícola de

Educação e Assistência com o objetivo de ministrar cursos profissionais na modalidade de

internato” (MIRANDA, 2002, p. 139).

No ano de inauguração da Escola eram 214 internos nas oficinas de mecânica,

carpintaria, sapataria, alfaiataria, tipografia e nas suas plantações. Do total de alunos internos,

68 procediam do serviço social de menores da Capital Paulista, sendo que muitos destes

jovens traziam uma carga de maus costumes difíceis de erradicar, causando dificuldades à

manutenção de uma disciplina tranquila (CASTRO, 2002).

A Educação Profissional no Centro Profissional Dom Bosco (CPDB)

Sendo hoje o braço social da Escola Salesiana São José, o Centro Profissional Dom

Bosco - CPDB esteve sujeito às leis do Estado, desde seu início com a antiga Associação de

Educação e Assistência Beneficente e depois, como Escola Agrícola. A lei de Diretrizes e

Bases da Educação (LDB) de 1961 foi um marco na história da Educação no Brasil, trazendo

avanços, principalmente quantitativos. Universalizou-se o ensino fundamental e foram

atraídos mais alunos para as escolas em todos os níveis e modalidades, ainda que a qualidade

do ensino não tenha sido preservada com a expansão quantitativa de alunos, caracterizando

um divórcio entre o ideal pedagógico e a instituição escolar (BUFFA, 1979).

Novas leis surgiram nas décadas seguintes, como a LDB 5.692 de 1971 que

estabelece o ensino profissionalizante obrigatório para todos os alunos do 2º grau (atual

ensino médio), mas que fracassou na pretensão de capacitar profissionais necessários para

atender à demanda de trabalho (PACHECO, 2012). Em 1996, a LDB 9.394 permite que o

curso profissional técnico de nível médio possa ser realizado concomitantemente com o

ensino médio.

Com aprovação do Congresso Nacional, em 1996, a LDB, no que corresponde à

educação profissional, segundo Pacheco (idem, p. 19):

[…] se encontra estruturada em dois níveis – educação básica e educação

superior -, por não localizar a educação profissional em nenhum deles, o

texto explicita e assume uma concepção dual em que a educação profissional

é posta fora da estrutura da educação regular brasileira, considerada algo que

vem em paralelo ou como um apêndice2.

Niskier (1996, p. 92 – 93) traz, em forma de estudo comparativo, a Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional no que diz respeito à educação profissional:

Tabela 1 – Educação Profissional

ANTIGA LEGISLAÇÃO A NOVA LEI Nº 9394/96

CAPÍTULO IV

Dos Serviços Nacionais de

CAPÍTULO III

Da Educação Profissional

2 A Lei 11.741/08, ao alterar a LDB, localiza a educação profissional técnica de nível médio no Capítulo I – Da

Educação Básica, explicitando que essa oferta educacional é integrante desse nível de ensino (PACHECO,

2012).

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Aprendizagem

Art. 159. (Dec.-Lei 4.936, art. 2º

O Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial (SENAI) deverá organizar e

administrar escolas de aprendizagem não

somente para trabalhadores industriários,

mas também para trabalhadores dos

transportes, das comunicações e da pesca.

Art. 39. A educação profissional,

integrada às diferentes formas de

educação, ao trabalho, à ciência e à

tecnologia, conduz ao permanente

desenvolvimento de aptidões para a vida

produtiva.

Parágrafo único. Todas as

escolas de aprendizagem ministrarão

ensino de continuação e de

aperfeiçoamento e especialização.

Parágrafo único. O aluno

matriculado ou egresso do ensino

fundamental, médio e superior, jovem ou

adulto, contará com a possibilidade de

acesso à educação profissional.

Art. 160. (Dec.-Lei 4.048/42,

art. 3º e Dec.-Lei 4.936/42, art. 1º) O

Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial será organizado e dirigido pela

Confederação Nacional da Indústria.

Art. 40. A educação profissional

será desenvolvida em articulação com o

ensino regular ou por diferentes

estratégias de educação continuada, em

instituições especializadas ou no

ambiente de trabalho.

Art. 161. (Dec.-Lei 8.621/46,

art. 1º) Fica atribuído à Confederação

Nacional do Comércio o encargo de

organizar e administrar, no território

nacional, escolas de aprendizagem

comercial.

Art. 41. O conhecimento

adquirido na educação profissional,

inclusive no trabalho, poderá ser objeto

de avaliação, ao reconhecimento e

certificação para prosseguimento ou

conclusão de estudos.

Parágrafo único. As escolas de

aprendizagem comercial manterão

também cursos de continuação ou

práticos e de especialização para os

empregados adultos do comércio, não

sujeitos à aprendizagem.

Parágrafo único. Os diplomas

de cursos de educação profissional de

nível médio, quando registrados, terão

validade nacional.

Art. 162. (Dec.-Lei 8.621/46,

art. 2º) A Confederação Nacional do

Comércio, para o fim de que trata o

artigo anterior, criará e organizará o

Serviço Nacional de aprendizagem

Comercial (SENAC).

Art. 42. As pessoas técnicas e

profissionais, além dos seus cursos

regulares, oferecerão cursos especiais,

abertos à comunidade, condicionada a

matrícula à capacidade de

aproveitamento e não necessariamente ao

nível de escolaridade.

Para além das divergências entre especialistas sobre os aspectos de melhorias e/ou

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retrocessos das leis sancionadas em vários períodos, percebe-se o enquadramento do Centro

Profissional Dom Bosco a essas leis, enquanto marco regulatório que tem guiado a condução

do ensino e trabalho técnico, metodológico e pedagógico do CPDB.

Castro (2002, p. 12) a respeito do Centro Profissional Dom Bosco afirma:

Todas as diretrizes pedagógicas são de responsabilidade do coordenador

pedagógico dos cursos, que faz um acompanhamento dos programas que está

sendo desenvolvido. Este acompanhamento acontece através de reuniões

pedagógicas mensais, observações diárias, acompanhamento do

planejamento de cada professor, entrevistas individuais com os professores,

com pessoal administrativo, orientação educacional e serviço social.

O Centro Profissional Dom Bosco elaborou seu quadro curricular dos cursos

profissionais, considerando a prática de oficina, desenho técnico, tecnologia aplicada, cálculo

técnico, associados a conteúdos salesianos como o ensino religioso escolar e a educação

física. Esta estrutura era dimensionada e aplicada aos alunos dos cursos de mecânica

industrial, eletricidade, marcenaria e desenho de máquinas, tendo como referência os

procedimentos metodológicos desenvolvidos pelo SENAI. Foram ofertados no formato de

ensino profissionalizante até o ano de 2009, quando, por motivos de legislação, passaram a ser

de nível técnico.

O programa do curso de mecânica industrial consistia em formar o aluno para

desenvolver atividades nas áreas industriais de usinagem convencional e assistida por

computador. Foi um dos cursos mais procurados, chegando a ter cinco candidatos disputando

uma vaga (MENÃO, 2003).

No curso de eletricidade, o aluno era formado para desenvolver atividades nas áreas

industriais de manutenção e instalações elétricas, como também comandos elétricos e

automação industrial (CASTRO, 2002). No curso de marcenaria, o aluno era formado para

desenvolver atividades nas áreas industriais de fabricação e montagem de móveis. Já no curso

de costura industrial, o aluno era formado para desenvolver atividades nas áreas industriais de

confecção de vestimentas. No curso de máquinas, o aluno desenvolvia atividades nas áreas

industriais de projeto e desenho de componentes de máquinas, assistido por computador.

No âmbito pedagógico, de acordo com os conteúdos programáticos dos cursos

profissionalizantes, os docentes, até então com a nomenclatura de instrutores3, tinham uma

carga horária de disciplinas que favorecia um maior tempo de contato com os alunos de cada

curso. Com competência e profissionalismo ministravam as aulas práticas e teóricas referentes

a sua área de curso. Neste sentido, do ponto de vista pedagógico, havia o benefício de exercer

influência moral nos alunos.

Ainda que o CPDB esteja integrado numa escola de ensino regular, sua estrutura

interna e operacionalização dos cursos profissionais e proposta pedagógica se enquadrava até

20084, na educação não formal.

Referendado por Trilla (apud Fernandes; Park, 2007, p. 132):

[…] A educação não formal é definida como aquela que não tem uma

legislação nacional que regula e que incide sobre ela; portanto seu foco é na

3 Os docentes do CPDB, no formato de ensino profissionalizante, eram registrados como instrutores. No formato

de ensino técnico de nível médio, por força de lei, foram, em 2008, registrados como professores. Ambas as

categorias na Escola Salesiana São José passaram a ter a mesma faixa salarial. 4 Ano que o CPDB teve seus programas curriculares legislados pelo MEC. Anterior a essa data, a coordenação

pedagógica realizava os programas curriculares com certa aproximação da estrutura do SENAI.

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parte legislativa que, ao ser adotada de forma generalizada, conforma as

possibilidades do fazer educativo e pedagógico.

Na modalidade de educação não formal, compreendemos que, segundo Gohn (2008,

p. 128):

[...] esta ocorre em ambientes e situações interativas construídas

coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos – usualmente a

participação dos indivíduos é optativa, mas ela também poderá ocorrer por

forças de certas circunstâncias da vivência histórica de cada um.

Se ampliarmos a discussão sobre a educação não formal, perceberemos que esta

modalidade, em sua ampla compreensão, tem proporcionado certa integração entre

casa/família e escola/educador/educando. Considerem-se, para isso, projetos extracurriculares

no período de férias ou mesmo projetos sociais que integrem a família, educadores e

educandos, favorecendo uma maior interação social e cultural de âmbito comunitário

(SOUZA, 2012).

Observamos que: “O espaço educativo ocupado pela práxis comunitária não é o da

educação formal, mas preponderantemente o da denominada não formal [...]” (MARTINS,

2007, p. 23). Modalidade não formal que, segundo nos orienta Lima; Dias (2008, p. 05), “[...]

propicia a reflexão sobre as desigualdades sociais e possíveis encaminhamentos para sua

superação [...]”.

A descrição da modalidade não formal, compreendida também como formação

complementar e cultura geral, tem potencial para aplicação no campo laboral. Desta forma,

salientamos que a parte educativa profissional, com suas devidas competências e habilidades,

está em total correlação com valores e princípios humanos e salesianos, podendo assim, no

CPDB, ser desenvolvida a educação profissional com os procedimentos educativos salesianos

que são permeados pelas dimensões sociocultural e comunitária, visando não somente a

preparação dos jovens para o mundo do trabalho, mas também sua formação integral

(VILLANUEVA, 2012).

Conforme Fernandes (2007, p. 125):

Uma educação integral visa desenvolver todas as facetas humanas,

facilitando e descobrindo habilidades. Uma educação em tempo integral visa

promover novas e ousadas formas de se ensinar, aprender e construir o

conhecimento, em diferentes espaços e temporalidades, valendo-se da

contribuição de variados sujeitos com seus repertórios geracionais, sociais,

históricos e culturais, ou seja, do intercâmbio entre contextos sociais e

culturais e da mistura da idade, gênero, etnia etc.

Neste sentido, o CPDB, setor genuíno do trabalho e educação salesiana, faz jus ao

termo sociocomunitário, uma vez que a perspectiva comunitária de cunho social tem suas

raízes na sua história e forma de intervenção educativa de Bosco. Conforme Gomes (2008, p.

52 – 53):

[...] a proposta da investigação em educação sociocomunitária surgiu do

estudo da identidade histórica de uma prática educativa, a educação

salesiana. Em suas origens históricas, ela se fundava na articulação de uma

comunidade civil de religiosos e cidadãos comuns – em torno de um projeto

educacional, que participou e promoveu transformações sociais em seu

tempo e lugar histórico.

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A educação sociocomunitária salesiana é o pano de fundo do programa educativo do

CPDB que procura favorecer e garantir a centralidade da pessoa em relação à economia, haja

vista que é um setor de preparação para a inserção ao mundo do trabalho. Procura também

salvaguardar a dimensão da gratuidade contra o poder incontestável do lucro, e “[…] a

promoção de modelos mais justos de desenvolvimento, impedindo o alargamento da

disparidade das desigualdades presentes no sistema” (VILLANUEVA, 2012, p. 10). Que outra

educação se pode fazer para o trabalho que não deva ser uma educação para a esperança e

para o sonho? “Que outra forma existe de o ser humano se realizar que não através do

trabalho, na amplitude das suas formulações possíveis?” (AZEVEDO, 2012, p. 86).

Com uma estrutura de curso de dois anos, o CPDB pretende apresentar uma prática

pedagógica que busque harmonizar e integrar valores humanos e salesianos com a dimensão

do trabalho e da profissionalização. Um elemento da prática pedagógica salesiana é o

denominado ‘bom dia’ ou ‘boa tarde’. É uma mensagem de cunho humanístico e motivacional

dirigida aos alunos no início de cada período de aula com duração média de cinco minutos.

Esta mensagem é transmitida pelos docentes5, por meio de escala organizada pela

coordenação pedagógica.

Eu observei nesses dois anos, dando aulas no CPDB, uma coisa muito linda.

Eu nunca tinha participado antes porque sempre trabalhei no UNISAL e lá

não há a dinâmica de bom dia, boa tarde e boa noite. Aliás, acho que bons

dias, boas tardes e boas noites são imprescindíveis e obrigatórios em todos

os lugares. Já fiz e faço bom dia e boa tarde no CPDB quando sou

convidada. Antes na escola tinha o dia certo. Então, há oportunidade para

todos. Acho isso fantástico. (MARLI, E 10/10/2012).

[Pergunto o que poderia ser potencializado e fortalecido no CPDB. E ele:]

olha, a vivência dentro da escola, já faz toda uma diferença. O que a gente

não pode perder é o princípio, deixar as coisas caírem no esquecimento,

embora sempre trabalhemos com as palestras que envolvam a questão da

salesianidade, com os vídeos, com os bons dias e boas tardes. São muito

importantes, pois, sempre se passa uma mensagem. Não necessariamente

você precisa colocar o nome de João Bosco no meio das coisas. O sistema

preventivo é independente de João Bosco. Acho que quando você trabalha

com o jovem, mostra para ele o caminho certo, como as coisas devem ser.

Quando ele está ali, prestando atenção no que você faz, já estamos aplicando

o que João Bosco fez. Você não precisa levar o nome dele, embora sempre o

façamos de alguma forma (JORGE, E 19/10/2012).

A estratégia e a dinâmica de ‘bom dia’ e ‘boa tarde’ foram mantidas na ocasião da

adaptação da estrutura do CPDB às leis Nº 12.101/2009 da transferência da responsabilidade

da concessão e renovação dos certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social para

os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Saúde e da Educação.

Adequação de estrutura também feita ao Parecer CNE/CEB Nº 11/2008 da homologação da

Proposta de Instituição do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio.

Pacheco (2012, p. 29) referenda:

Ao alterar a LDB, a Lei 11.741/08 localiza a educação profissional técnica

de nível médio como seção IV – A do Capítulo II Da Educação Básica. Essa

disposição no texto legal procura ressaltar a concepção de que esses cursos

5 Os depoentes membros do corpo docente tiveram suas identidades preservadas e serão identificados por nomes

fictícios.

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são da Educação Básica e encontram-se, portanto, no âmbito das políticas

educacionais.

Ainda que comparações entre o antigo ensino profissionalizante e o novo ensino

técnico de nível médio fossem inevitáveis, para além da esfera pedagógica e da gestão, Castro

(E 06/12/2012) ressalta que, no CPDB, o procedimento educativo extracurricular,

denominado ‘bom dia e boa tarde’, não sofreu alteração:

Há essa preocupação de realizarmos o bom dia e o boa tarde e não se perder

a característica de passar sempre os princípios salesianos de Dom Bosco.

Trazer os jovens aqui para que sintam que é uma escola de preventividade.

Penso que o bom dia e a boa tarde não os perdemos. É uma característica

bem forte no CPDB e não deixamos de realizá-lo.

Embora esta estratégia didática, ‘bom dia e boa tarde’, aconteça, efetivamente, no

CPDB, percebia-se, por meio de observação participante que, tanto no ano de 2012 como no

primeiro semestre de 2013, havia certa desconformidade entre o ideal dos princípios e

referenciais salesianos e a prática do bom dia e boa tarde. Consiste em que o docente,

entendido como educador, devia, por meio de escala elaborada pela coordenação pedagógica,

transmitir a mensagem humanista cristã de cunho motivacional ao aluno. Por motivos

diversos, esta estratégia pedagógica apresentava inconstâncias.

Em suma, o CPDB, ao longo de sua história de trabalho social e educacional como

ensino profissionalizante, hoje ensino técnico de nível médio, tem fortalecido a malha

industrial da cidade de Campinas e região, atendendo às demandas industriais e tecnológicas.

O CPDB, como obra salesiana, preocupa-se com a formação humana, profissional e

religiosa de seus destinatários. Elementos fundamentais para que os objetivos institucionais

salesianos sejam alcançados, que seu corpo docente e colaboradores técnico administrativo

estejam afinados e comprometidos com a Educação Salesiana. O CPDB é herdeiro da tradição

educacional e pedagógica que legou o educador Bosco, especialmente, voltada à educação dos

jovens de baixo poder aquisitivo.

A estrutura salesiana, em obras, recursos humanos e financeiros pauta-se na

convicção e fidelidade criativa, por parte de seus seguidores, aos princípios educacionais

salesianos, originários de Bosco. Seu entendimento, aplicação e vivência são requisitos

basilares a todos os educadores salesianos para a eficácia da educação salesiana.

Considerações finais

O propósito deste trabalho foi apresentar o Centro Profissional Dom Bosco num

processo de passagem do ensino profissionalizante para o ensino técnico de nível médio,

verificando, se a educação profissional técnica de nível médio preservou os procedimentos

educativos salesianos, mediante a adequação das leis vigentes em cada tempo.

Constatamos que no processo de mudança do ensino profissionalizante para o ensino

técnico de nível médio foram preservados espaços e estratégias pedagógicas que favorecem o

desenvolvimento dos princípios e referenciais salesianos no CPDB. Não obstante, havendo

pouco tempo de existência nessa nova configuração de cursos e currículos, faz-se necessária

uma análise mais completa do CPDB como estrutura de educação profissional de nível médio.

O Centro Profissional Dom Bosco tem sua história documentada e marcada na vida de

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muitos colaboradores, docentes, alunos e ex-alunos. Confiantes na máxima salesiana ‘Com

Dom Bosco e com os tempos’, o CPDB, hoje, como ensino técnico de nível médio, uma vez

consolidado, terá sua história narrada pelas vivências que nele surgirem. Uma outra história

está por vir.

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A metáfora na economia – um estudo com reportagens

jornalísticas

Marlene Silva Sardinha Gurpilhares Doutora em Linguística Aplicada, pela PUC/SP, professora de Linguística e de Língua Portuguesa na FATEA,

professora do Mestrado em Design, Tecnologia e Inovação, da FATEA.

Alba Luciene Thiago Licenciada em Letras, com habilitação em Inglês, pela FATEA.

Resumo

Este trabalho tem como objetivo examinar a força argumentativa da metáfora conceptual na

construção do sentido do gênero discursivo “reportagem jornalística”, sobre economia. A

opção por esse gênero deve-se ao fato de o mesmo ser um importante veículo de

comunicação, que transmite informações atualizadas e aprofundadas, além de fazer parte do

nosso cotidiano. A fonte de coleta – o jornal O Estado de São Paulo – foi escolhida devido à

sua credibilidade na comunidade intelectual do país. O Corpus selecionado constituiu-se de

uma reportagem jornalística, do caderno Economia & Negócios. Como fundamentação

teórica, utilizamos propostas de GEARY (2011), SARDINHA (2007) e VEREZA (2007), sobre

metáforas; COIMBRA (2004), KINDERMANN (2003) e MELO (2003), sobre reportagem

jornalística, entre outros. Essa pesquisa teve como foco de análise, a dimensão argumentativa

da metáfora e, sua análise mostrou que as expressões metafóricas, discursivamente inter-

relacionadas, funcionam como fortes mecanismos de argumentação na construção do sentido

do texto.

Palavras-chave

Argumentação; Economia; Metáfora Conceptual; Reportagem.

Abstract

This research has as objective to examine the argumentative strength of conceptual metaphors

in the meaning construction of “economy news reporting discoursive genre”. The choice for

this discoursive genre is due to the fact that this is an important méans of communication,

which transmits updated and deepened information, besides making part of our day-by-day.

The choice for the journal O Estado de Sao Paulo was done for the fact that it is well-

qualified by the intellectual community of our country. The selected corpus was composed of

news reportings, extracted from its section Economia & Negócios. As theoretical background,

we used GEARY’s (2011), SARDINHA’s (2007) and VEREZA’s (2007) proposals about

metaphors; COIMBRA’s (2004), KINDERMANN’s (2003) and MELO’s (2003) proposals

about news reporting discoursive genre, among others. This research had as focus of analysis,

the discursive dimension of metaphor, and its corpus analysis revealed that metaphorical

expressions, discursively inter-related, work as strong mechanisms of argumentation, in the

meaning construction of the text.

Keywords

Argumentation; Economy; Conceptual Metaphor; News Reporting.

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Introdução

O tema abordado, a Metáfora e o Discurso Jornalístico, especificamente a reportagem

sobre economia, é particularmente relevante, uma vez que contribui com a sociedade,

despertando no leitor comum, um processo de conscientização a respeito das estratégias

persuasivas utilizadas pelos jornalistas – sendo a metáfora uma delas – na construção do

sentido do texto.

Por outro lado, visa romper com as práticas rotineiras, que acabam sempre focando a

visão tradicional da metáfora, vista apenas como um ornamento linguístico ou uma figura de

linguagem.

A opção pelo gênero discursivo reportagem jornalística deve-se ao fato de o mesmo

ser um importante veículo de comunicação, que transmite informações atualizadas e

aprofundadas a respeito de fatos relevantes que já repercutiram no organismo social, além de

fazer parte do nosso cotidiano. E a fonte de coleta – o jornal O Estado de São Paulo – foi

escolhida devido à sua credibilidade na comunidade intelectual do país.

A partir do exposto, esta pesquisa tem como objetivo examinar a força argumentativa

das metáforas conceptuais na construção do sentido do gênero discursivo reportagem

jornalística sobre economia, e tem, como foco de análise, a dimensão discursiva da metáfora,

que foca em seu emprego em situações reais de linguagem em uso, como também propõe uma

articulação entre os enfoques cognitivo, linguístico e pragmático.

Nossos pressupostos teóricos constam de propostas de GEARY (2011), SARDINHA

(2007) e VEREZA (2007) sobre metáforas; COIMBRA (2004), KINDERMANN (2003) e

MELO (2003), sobre reportagem jornalística, entre outros.

O corpus selecionado constitui-se de uma reportagem jornalística, do caderno

Economia & Negócios. E, para sua análise, propomos um modelo que segue a fundamentação

teórica exposta nessa pesquisa. O método utilizado é, portanto, estritamente bibliográfico, de

abordagem qualitativa, uma vez que não emprega dados estatísticos como centro do processo

de análise.

Considerações sobre a metáfora

A metáfora, ao longo dos tempos, deixou de ser um mero ornamento linguístico e

passou a desempenhar uma função cognitiva. Essa mudança paradigmática tem merecido a

atenção de muitos pesquisadores. Por isso, apresentaremos os principais conceitos da teoria da

metáfora conceptual, bem como das abordagens da metáfora sistemática e da cognitivo-

discursiva pragmática, por serem as mais relevantes para essa pesquisa.

A metáfora conceptual

De acordo com Sardinha (2007), a Teoria da Metáfora Conceptual (TMC) foi

formulada por George Lakoff e Mark Johnson, linguista e filósofo americanos

respectivamente, e divulgada no seu consagrado livro Metaphors We Live By, de 1980. Os

conceitos principais dessa teoria são a própria noção de metáfora conceptual: “uma maneira

convencional de conceitualizar um domínio de experiência em termos de outro, normalmente

de modo inconsciente” (LAKOFF, 2002, p.4, apud SARDINHA, 2007, p.30); expressão

metafórica, expressão linguística que exprime uma metáfora conceptual; domínio, área do

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conhecimento ou experiência humana; mapeamentos, relações entre os domínios; e

desdobramentos, inferências que fazemos a partir de uma metáfora conceptual. Com base

nesses conceitos, ‘nosso casamento está indo muito bem’, é uma expressão metafórica que

advém da metáfora conceptual AMOR É UMA VIAGEM, na qual amor é o domínio-alvo,

abstrato, o qual desejamos conceitualizar, ao passo que viagem é o domínio-fonte, concreto,

que está conceitualizando metaforicamente o amor.

Nessa teoria, o termo metáfora é sinônimo de metáfora conceptual e é uma

representação cognitiva, pois existe na nossa mente e atua no nosso pensamento, sendo,

portanto, abstrata. Entretanto, apesar de abstrata, a metáfora conceptual se manifesta tanto na

fala quanto na escrita, por intermédio das expressões metafóricas, assim como também são

acionadas automaticamente na nossa mente sem nos darmos conta de que as usamos. Dessa

forma, as metáforas conceptuais ‘licenciam’ ou ‘motivam’ as expressões metafóricas, as quase

não teriam sentido imediato e aparente sem esse licenciamento ou motivação, como é o caso

do exemplo anterior: ‘nosso casamento está indo muito bem’, expressão metafórica que

advém da metáfora conceptual AMOR É UMA VIAGEM.

Sardinha (2007) também salienta que a TMC contrapõe-se à visão lógico-positivista

do mundo, propondo que não há verdades absolutas, pois as metáforas são culturais,

resultantes de mapeamentos que variam entre uma cultura e outra, refletindo tanto sua

ideologia como seu modo de ver o mundo. TEMPO É DINHEIRO é uma metáfora conceptual

das culturas ocidentais, não tendo o mesmo sentido para os povos aborígenes, por exemplo.

Segundo esse autor, o próprio título Metaphors we live by já evidencia o fato de que vivemos

de acordo com as metáforas existentes na nossa cultura, bem como se quisermos fazer parte

da sociedade, interagir, ser entendidos e entender o mundo, precisamos obedecer (live by) a

estas metáforas que fazem parte do nosso cotidiano. Além disso, as metáforas conceptuais são

em maior ou menor grau, corporificadas, possuindo uma base no corpo humano. Quando

abraçamos alguém de quem gostamos muito, estamos exercendo a metáfora conceptual

AFEIÇÃO É CALOR. Há também as metáforas orientacionais, que são aquelas que envolvem

uma direção, como no caso BOM É PARA CIMA.

Por fim, existem muitas vertentes dessa teoria. A tradicional, de Lakoff e Gibbs, segue

em grande parte os preceitos originais. Todavia, há outras que seguem apenas alguns desses

pressupostos teóricos, sendo que para uma dessas, a metáfora é um fenômeno ‘social’ que

busca entender como as pessoas vivem e interagem e, não um fenômeno individual ou

corporificado, como o é na teoria essencialmente cognitiva. Por essa razão, o foco de suas

pesquisas é a política, ideologia, produção de texto, ensino e aprendizagem de línguas,

interfaceando com áreas como a análise do discurso crítica, a lexicografia, as ciências

políticas e a linguística de corpus.

A metáfora sistemática

Segundo Sardinha (2007), a metáfora sistemática, também conhecida por abordagem

discursiva ou metáfora em uso, é uma corrente de pesquisa que teve início por volta de 2000,

com os estudos de Lynne Cameron, uma educadora inglesa. O enfoque principal dessa

abordagem é a primazia dada à metáfora em uso, sendo quaisquer suposições sobre o

processamento mental, um ato secundário. Portanto, ela é o oposto da teoria cognitiva da

metáfora conceptual, na qual a representação mental antecede a realização linguística. Além

disso, as expressões metafóricas são o foco da análise, e não as metáforas conceptuais.

Essa abordagem surgiu tanto pela grande disponibilidade de dados sobre o uso da

linguagem – principalmente em formato digital, permitindo, através de softwares adequados,

a percepção da sistematicidade do uso da metáfora em sua plenitude – quanto por causa do

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ceticismo em relação às não provadas alegações sobre o funcionamento da mente pela TMC.

Uma dessas alegações é a de que todas as pessoas acionam a mesma metáfora conceptual

independentemente do contexto, ao passo que, na abordagem discursiva se faz necessária uma

ocorrência sistemática de metáforas linguísticas, isto é, de expressões metafóricas, para

alegarmos que alguma metáfora abstrata e mental está em jogo em determinado contexto.

Conforme Vereza (2007, p.490), “muito do material linguístico usado nesses estudos

consiste de exemplos inventados” e, se os exemplos forem amostras reais de linguagem em

uso, a sua legitimidade e eficácia podem ser garantidas. Ela ainda salienta que, “essas

pesquisas pressupõem que a metáfora, mesmo como figura de pensamento, manifesta-se no

âmbito da linguagem em uso, e é a partir do contexto discursivo que ela pode ser mais bem

compreendida”.

De acordo com Sardinha (2007), as principais influências dessa abordagem são de

Richards, Bakhtin, Firth, Sinclair e Vygotsky, de quem veio a noção de pensamento como

uma ação internalizada:

Desse modo, as metáforas que conhecemos e usamos estariam disponíveis na

nossa cognição por meio da abstração e da internalização de nossa

experiência real. Uma metáfora como AMOR É UMA VIAGEM faz sentido

para algumas pessoas porque elas foram capazes de abstrair e internalizar os

conceitos de amar e viajar a partir de suas experiências (SARDINHA, 2007,

p.43).

O mesmo autor conclui que, na visão discursiva, a metáfora é entendida como um

processo social e não individual como o é nas visões tradicional e conceptual. Além disso,

apesar de não descartar a existência de metáfora na mente e no corpo, enfatiza o seu uso

recorrente e sistemático.

A metáfora e a argumentação

Segundo Vereza, vários estudiosos têm, mais recentemente, se focado na dimensão

discursiva da metáfora, propondo uma articulação entre discurso e cognição. Desse modo,

essas pesquisas têm se voltado para o uso da metáfora em situações reais de linguagem em

uso, as quais presume a metáfora conceptual como uma ferramenta fundamental na

construção de significados em determinados campos do discurso. Além disso, “a tentativa de

ressaltar o aspecto social nos estudos cognitivos confere clara legitimidade ao conceito de

sócio-cognição, que não dicotomiza as noções de mente, sociedade e linguagem” (VEREZA,

2007, p.491). Pelo contrário, considera o enfoque cognitivo, bem como o pragmático, o qual

pode ser associado a uma teoria geral de argumentação, com o intuito de oferecer um maior

entendimento quanto ao uso da metáfora convencional ou nova, no discurso persuasivo.

Assim sendo, essa pesquisadora também filia-se a esta tendência, pois também explora a

dimensão argumentativa da metáfora, em especial a metáfora nova, como um recurso de

natureza cognitivo-pragmática. Seguindo as propostas de Turner (2001) e Van Dijk (1990),

apud Vereza (2007, p.494),

[...] adota-se uma visão que rejeita qualquer hierarquização ou até mesmo

dicotomização entre a dimensão social e a cognitiva do significado: qualquer

“atividade discursiva” emerge a partir de uma estrutura cognitiva sócio e

discursivamente inserida.

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Em seus estudos, Vereza optou por analisar o papel da metáfora nova na

argumentação, por entender que “essa é uma das dimensões do uso da linguagem em que

vários recursos linguístico-cognitivos, entre eles a metáfora, são acionados, mais

explicitamente, para criar efeitos discursivos” (KOCH, 1988/2002, apud VEREZA, 2007,

p.494). Essa pesquisadora propõe que, “a metáfora nova, a partir de uma cadeia de

desdobramentos, textualmente coesivos, colabora, linguística, cognitiva e pragmaticamente

para a força argumentativa do discurso” (VEREZA, 2007, p.496). Tais inferências, presentes

em muitos textos argumentativos são vistos como um grupo de expressões metafóricas,

discursivamente inter-relacionadas, denominadas nichos metafóricos.

Para concluir, Sardinha (2007) sintetiza que cada teoria ou abordagem possui

um enfoque que contribui para entendermos um determinado aspecto da metáfora. Entretanto,

elas apresentam alguns pontos em comum, tais como o fato de que a metáfora é um fenômeno

cognitivo e um recurso habitual dos usuários de uma língua, uma vez que as pessoas se

expressam metaforicamente. Adotar, portanto, apenas uma visão como a correta seria um

meio de estreitar o nosso entendimento a respeito da metáfora.

Considerações sobre a reportagem

Conforme Kindermann (2003, p.30), um dos estudiosos que se destaca na área

jornalística é José Marques de Melo, o qual afirma que “embora a identificação dos gêneros

jornalísticos seja tarefa de pesquisadores acadêmicos, é na práxis que se busca a sua origem”.

De acordo com esse estudioso, há duas categorias de trabalhos jornalísticos: o

jornalismo informativo, que engloba a nota, a notícia, a reportagem e a entrevista; e o

opinativo, composto pelos gêneros editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica,

caricatura e carta. Todavia, Melo (2003, p.25) enfatiza que a distinção entre essas duas

categorias “corresponde a um artifício profissional e também político (...), onde a expressão

ideológica assume caráter determinante. Cada processo jornalístico tem sua dimensão

ideológica própria, independentemente do artifício narrativo utilizado”.

Para Kindermann (2003, p.11) a reportagem é um dos principais gêneros do jornal,

porém sua constituição não é clara, uma vez que “as definições constantes nos manuais

jornalísticos acadêmicos e de redação e estilo variam bastante, principalmente quanto às suas

especificidades estruturais e funcionais”. Ainda acrescenta que, “um breve olhar sobre o

jornal nos revela variantes da reportagem e mesmo momentos em que não é muito fácil

discerni-la da notícia”.

Segundo essa pesquisadora, embora os teóricos acadêmicos que tratam do gênero

jornalístico não o estabeleçam explicitamente, a reportagem pode ser caracterizada tanto

como uma notícia ampliada quanto como um gênero autônomo.

A reportagem, como uma notícia ampliada, é defendida por autores como Bahia e

Melo. Para Bahia (1990, p.49, apud Kindermann, 2003, p.39), a grande notícia é a

reportagem, acrescentando que toda reportagem é notícia, mas o inverso não, pois a notícia

não muda de natureza e sim de caráter ao evoluir para a reportagem. Isso acontece quando a

notícia “se situa no detalhamento, no questionamento de causa e efeito, na interpretação e no

impacto, adquirindo uma nova dimensão narrativa e ética”. Já para Melo (2003, p.65) “a

notícia é o relato integral de um fato que já eclodiu no organismo social”, enquanto que “a

reportagem é o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e

produziu alterações que são percebidas pela instituição jornalística”.

Lage (1987, p.46) é um dos estudiosos que trata a reportagem como um gênero

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jornalístico que se diferencia da notícia por vários aspectos. Para ele, “a reportagem não cuida

da cobertura de um fato ou de uma série de fatos, mas do levantamento de um assunto

conforme ângulo preestabelecido”. Além disso, acrescenta que a distância entre esses dois

gêneros distintos se dá na prática, através do projeto de texto, isto é, da pauta, que deve

indicar de que maneira o assunto deve ser abordado, que tipo de ilustrações e quantas, o

tempo de apuração, os deslocamentos da equipe, o tamanho e até o estilo da matéria. Para

Lage, o estilo da reportagem também é menos rígido do que o da notícia, variando de acordo

com o veículo, o público e o assunto e, as informações podem aparecer em ordem decrescente

de importância e por meio de uma linguagem mais livre.

Coimbra (2004, p.44) trabalha com tipologia textual e considera a dissertação, a

narração e a descrição como modelos de estrutura do texto da reportagem. Para ele, na

reportagem dissertativa, essa estrutura “se apoia num raciocínio explicitado através de

afirmações generalizantes”, seguidas de fundamentação. Já, na reportagem narrativa, o texto

contém os fatos organizados dentro de uma relação de anterioridade ou de posterioridade que

mostra mudanças progressivas de estado nas pessoas ou nas coisas, através do tempo. Por

último, a reportagem descritiva mostra as pessoas e coisas fixadas em um único momento,

sem as mudanças progressivas que lhe traz o tempo, além de ter também como característica,

o detalhamento do momento apreendido. Tanto o texto narrativo como o dissertativo podem

conter trechos descritivos, da mesma forma que o texto descritivo pode ter trechos narrativos

e dissertativos e, em geral o tem, pois “uma reportagem totalmente descritiva corre o risco de

tornar-se discursiva ou extremamente fria” (SODRÉ e FERRARI, 1977, p.115, apud

COIMBRA, 2004, p.90). Esse autor ainda salienta que “como na reportagem dissertativa a

função de informar é inseparável do esforço para convencer o leitor a aceitar a informação no

contexto de um raciocínio que se pretende correto, é óbvia a presença nela de argumentação”.

E lembra também que os jornalistas em geral admitem que sua atividade contém alguma carga

de subjetividade:

Por exemplo, o Manual geral da redação da Folha de S. Paulo (1987, p.34)

diz no verbete sobre objetividade: Não existe objetividade em jornalismo. Ao

redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma uma série de decisões que são

em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais,

hábitos e emoções.

Entretanto, essa subjetividade não anula a busca da exatidão no Jornalismo. Esse

mesmo manual (1987, p.30) declara que a exatidão é o elemento-chave da notícia, ou seja, da

informação como puro registro dos fatos, sem comentário nem interpretação, afirmando que

“a busca das informações corretas e completas é a primeira obrigação de cada jornalista”.

Por fim, esse autor faz menção à metáfora. Para ele, como um elemento articulador de

imagem, a metáfora dá intensidade a um fragmento de texto que, sem ela, poderia tornar-se

sem graça. Um fragmento descritivo sobre a fragilidade da economia brasileira,

cientificamente correto, pode ter mais rigor, mas não será tão atraente quanto a frase: “A

economia brasileira está na corda bamba”. Além disso, a metáfora evita o hermetismo.

O corpus

O corpus selecionado para essa pesquisa constitui-se de uma reportagem do jornal O

Estado de São Paulo, do Caderno Economia & Negócios, conforme Anexo A.

O critério de escolha desse material deve-se à importância de refletir sobre o poder

persuasivo das metáforas no discurso jornalístico sobre economia, uma vez que jornalistas se

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valem desses poderosos recursos tanto para criar um estilo próprio, quanto para formular uma

linguagem mais acessível ao entendimento do leitor comum – especialmente na área da

Economia, traduzindo o complicado “economês”.

As metáforas estão presentes em textos cotidianos de uma forma mais

especializada do que se imagina. Pesquisas recentes constatam uma relação

estreita, por exemplo, entre metáforas econômicas e a área da saúde (‘O

mercado está na UTI’, Brasil recebe alta do FMI’, (...). No campo da

política, tornou-se comum o apego ao repertório da guerra e do esporte (‘O

candidato sofreu um nocaute nas urnas’, ‘O escândalo foi um golpe para o

ministro’, em que a noção de disputa está em primeiro plano (GEARY apud

GUERREIRO e JUNIOR, 2011, p.16).

Geary explica que essas afinidades revelam intenções enraizadas no idioma.

Procedimentos metodológicos

Trata-se de uma pesquisa estritamente bibliográfica, de abordagem qualitativa, uma

vez que não faz uso de dados estatísticos como centro do processo de análise. Considerando a

fundamentação teórica exposta, o método de análise do corpus segue cinco etapas,

1) seleção do fragmento da reportagem contendo a expressão metafórica para análise.

2) exposição da expressão metafórica.

3) explanação da incongruência semântica1 que gerou a expressão metafórica.

4) relação entre a expressão metafórica e a sua força argumentativa no texto.

5) levantamento de metáforas conceptuais subjacentes.

Análise do corpus

Para uma melhor visualização, a análise do corpus, contendo as cinco etapas propostas

será apresentada na Tabela 1 – Reportagem do Caderno Economia & Negócios.

1) fragmento: (...), a presidente Dilma Rousseff voltou a criticar o “tsunami monetário” na

Europa, (...)

2) expressão metafórica: “tsunami monetário”

3) incongruência semântica: literalmente, tsunami é uma onda gigantesca provocada por um

maremoto. Portanto, representa um fenômeno de ordem natural, diferentemente do sentido

empregado no texto jornalístico, que retrata um fenômeno econômico.

4) força argumentativa: esse excesso de liquidez no mercado global é tão grave que causou 1 Refere-se à incompatibilidade entre as porções não-metafórica e metafórica de uma expressão linguística,

quando interpretadas literalmente. Para o levantamento do sentido literal dos termos foi utilizado o Novo

Dicionário da Língua Portuguesa, com exceção de ‘tsunami’, que veio do Dicionário Escolar da Língua

Portuguesa.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

um desastre econômico tão impactante quanto um tsunami.

5) metáfora conceptual subjacente: MAIOR É PIOR e RUIM É PARA CIMA.

Segue-se, portanto, a análise de alguns dos fragmentos selecionados para essa pesquisa:

1) fragmento: (...), os chefes de Estado e de governo dos dois países entraram em rota de

colisão em público, ontem, em Hannover.

2) expressão metafórica: “entraram em rota de colisão em público”.

3) incongruência semântica: uma das acepções do substantivo rota seria combate, luta, bem

como caminho, direção e rumo; já o substantivo colisão, envolve um embate recíproco de

dois corpos. Como ambos implicam ações físicas, ocorre incongruência semântica na

expressão, pois a situação de desentendimento entre os dois países, Brasil e Alemanha, é

representada através da ação verbal, que é um processo cognitivo e não físico.

4) força argumentativa: está na analogia à uma batalha, visto que as discussões e as

polêmicas políticas são fortes a ponto de se assemelharem a esforço físico.

5) metáfora conceptual subjacente: POLÍTICA É UMA GUERRA.

1) fragmento: (...) advertindo que o país poderia adotar medidas para proteger o real das

“desvalorizações artificiais” de outras moedas.

2) expressão metafórica: “proteger o real das desvalorizações artificiais”.

3) incongruência semântica: o verbo proteger implica, literalmente, dispensar proteção a,

tomar a defesa de alguém, revelando, portanto, incongruência semântica quando empregado

com o sentido de proteger o real, a moeda vigente em nosso país, que é uma medida de valor.

4) força argumentativa: essa expressão se relaciona à metáfora da saúde, pois trata a

economia como um organismo que para se manter saudável, necessita de cuidados

preventivos. Assim como é importante manter o organismo saudável, também a economia

precisa manter-se forte e robusta para o bom desempenho do desenvolvimento do país.

5) metáfora conceptual subjacente: ECONOMIA É UM ORGANISMO.

1) fragmento: (...), Dilma disse que a injeção de US$ 8,8 trilhões no sistema financeiro nos

últimos três anos causa “desvalorização artificial” (...)

2) expressão metafórica: “a injeção de US$ 8,8 trilhões no sistema financeiro”.

3) incongruência semântica: injeção é o ato ou efeito de injetar, de introduzir sob pressão

(gás, líquido ou fluido) em um corpo. Envolve, portanto, esforço físico, gerando

incongruência semântica com o termo abstrato US$ 8,8 trilhões, uma quantia representativa

de valores econômicos.

4) força argumentativa: essa expressão também se relaciona à metáfora da saúde, porém

agora, tratando a economia como um organismo doente e carente de cuidados. A decisão de

injetar uma quantia grande de dinheiro na Economia (‘o remédio’), tomada pelos BCs de

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países ricos (‘médico especializado’), gerou um descontentamento por parte do governo

brasileiro, pois essa medida vem desvalorizando a moeda brasileira.

5) metáfora conceptual subjacente: ECONOMIA É UM ORGANISMO.

1) fragmento: (...) e “equivale a barreiras tarifárias”.

2) expressão metafórica: “barreiras tarifárias”.

3) incongruência semântica: o substantivo barreira significa um parapeito (muro ou parede),

composto de madeira ou de qualquer outro material como barro, saibro, metal etc. É,

portanto, um substantivo concreto e gera incongruência semântica ao representar um

obstáculo econômico.

4) força argumentativa: a palavra barreira confere mais força à instabilidade econômica

gerada pela consequente desvalorização do real por causa da introdução de uma quantia alta

de dinheiro no mercado financeiro. Nesse contexto, podemos fazer uma analogia com uma

guerra porque não está havendo espírito cooperativo, uma vez que as barreiras tarifárias

podem constituir obstáculo para entrada de produto externo.

5) metáfora conceptual subjacente: POLÍTICA FINANCEIRA É UMA GUERRA.

1) fragmento: (...) O mercado de derivativos cambiais também permanece na mira do

governo.

2) expressão metafórica: “na mira do governo”.

3) incongruência semântica: o verbo mirar significa cravar a vista em; fitar os olhos em;

olhar, visando; tomar como alvo. Trata-se, portanto, de um ato físico enquanto que mercado

de derivativos cambiais é uma entidade (abstrata).

4) força argumentativa: Enquanto a presidente toma medidas está protegendo o país, como

também colaborando com o seu desenvolvimento econômico.

5) metáfora conceptual subjacente: POLÍTICA FINANCEIRA É UMA GUERRA.

Análise dos resultados

A análise do corpus selecionado para essa pesquisa nos permitiu constatar que nossos

objetivos foram realmente atingidos, pois as expressões metafóricas, discursivamente inter-

relacionadas, constituem forte mecanismo argumentativo na construção do sentido, do gênero

discursivo reportagem jornalística, sobre economia. Quando a presidente Dilma Rousseff

utiliza a expressão “tsunami monetário”, o sentido que ela quer transmitir assume um caráter

persuasivo extremamente convincente, muito mais forte do que a utilização de uma linguagem

literal.

Pudemos verificar também, como aponta Geary (2011), a estreita relação entre

determinados tipos de metáforas e certas áreas do conhecimento e da atuação humana, como

por exemplo, entre metáforas econômicas e a área da saúde; entre a política e o repertório de

guerra. Da mesma forma, em nossa análise, a Política foi retratada pelas metáforas de guerra e

a Economia, pelas metáforas da saúde.

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Seguem-se alguns exemplos:

Expressões Metafóricas Metáforas Conceptuais

“...tsunami monetário...” MAIOR É PIOR. / RUIM É PARA

CIMA.

“...entraram em rota de colisão em público...”

POLÍTICA É UMA GUERRA. “...barreiras tarifárias.”

“...na mira do governo.”

“...proteger o real das desvalorizações artificiais...”

ECONOMIA É UM ORGANISMO. “...a injeção de US$ 8,8 trilhões no sistema

financeiro...”

Considerações finais

Em vista do exposto, entendemos que o nosso trabalho é relevante porque contribui

com a sociedade, despertando o senso crítico do leitor comum em relação às estratégias

persuasivas utilizadas pelos jornalistas (sendo a metáfora uma delas) na construção do sentido

do texto.

Esse trabalho também vai ao encontro dos objetivos do ensino-aprendizagem de

Língua Portuguesa, visto que abre perspectiva para se trabalhar com outros gêneros

discursivos, que além de contribuir para que os alunos desenvolvam senso crítico e

criatividade, os tornam mais aptos e autônomos para ler, interpretar e lidar com as múltiplas

linguagens que compõem o nosso cotidiano.

Além disso, favorece a interdisciplinaridade, pois as metáforas, por estarem presentes

em muitos materiais didáticos como os de Química, Ciências, Biologia etc, constituem uma

dinâmica ferramenta que facilita o entendimento de conceitos difíceis de serem

compreendidos literalmente, como por exemplo, o de átomo, de DNA, de funcionamento das

células e do corpo humano.

Adicionalmente, rompe com as práticas rotineiras, que sempre evidenciam a visão

tradicional da metáfora e passa a focar o seu emprego em situações reais de linguagem em

uso, reforçando, desse modo, o fato de que a metáfora é muito mais que uma figura de

linguagem ou ornamento linguístico.

Essa pesquisa mostrou que a metáfora é um poderoso recurso de retórica, o qual

muitos jornalistas, políticos e escritores fazem uso, com o objetivo de dar mais força

argumentativa aos seus discursos, sejam eles orais ou textos escritos. Ela é, portanto, um

recurso tão humano e natural e nós a utilizamos sem nos darmos conta.

Referências

COIMBRA, Oswaldo. O texto da reportagem impressa: um curso sobre sua estrutura. 1ª.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

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FERREIRA, Aurélio de Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1ª.

ed. 14ª. impr. Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A., 1975.

GUERREIRO, Carmem; PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. Figura de linguagem: a metáfora

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KINDERMANN, Conceição Aparecida. A Reportagem Jornalística no Jornal do Brasil:

desvendando as variantes do gênero. 2003. 141 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Li

LAGE, Nilson. A notícia hoje e amanhã. In: _______. Estrutura da Notícia, 2ª. ed. São

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LETRAS, Academia Brasileira. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. 2ª ed. São

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MELO, José Marques de. Jornalismo Opinativo: gêneros opinativos no jornalismo

brasileiro. 3ª ed. ver. e ampl. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003.

NETTO, Andrei. Dilma promete ‘proteção’ ao real, e Merkel critica ‘protecionismo

unilateral’. O Estado de São Paulo, São Paulo, 06 mar. 2012. Caderno Economia &

Negócios. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,dilma-promete-

protecao-ao-real-e-merkel-critica-protecionismo-unilateral--,844514,0.htm. Acesso em: 20

nov. 2012.

SARDINHA, Tony Berber. Metáfora. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

VEREZA, Solange Coelho. Metáfora e Argumentação: uma abordagem cognitivo-

discursiva. Linguagem em (Dis)curso – LemD, v. 7, n. 3, p. 487-506, set./dez.2007.

Anexo

Dilma promete 'proteção' ao real, e Merkel crítica

'protecionismo unilateral'

ANDREI NETTO, ENVIADO ESPECIAL / HANNOVER - O

ESTADO DE S.PAULO

06 Março 2012 | 03h 05

Em um evento que deveria marcar a comunhão de interesses entre Brasil e

Alemanha, os chefes de Estado e de governo dos dois países entraram em rota

de colisão em público, ontem, em Hannover.

Em entrevista concedida ao meio-dia de ontem, a presidente Dilma Rousseff

voltou a criticar o "tsunami monetário" na Europa, advertindo que o país

poderia adotar medidas para proteger o real das "desvalorizações artificiais" de

outras moedas.

A resposta veio oito horas depois. Em discurso de improviso, a chanceler

Angela Merkel advertiu que os países desenvolvidos observam "as medidas

protecionistas unilaterais", em referência indireta aos emergentes.

A discussão foi o desdobramento da insatisfação do governo brasileiro com a

crescente liquidez estimulada pelos BCs de países ricos. Citando números do

Banco de Compensações Internacionais (BIS), Dilma disse que a injeção de

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US$ 8,8 trilhões no sistema financeiro nos últimos três anos causa

"desvalorização artificial" das moedas e "equivale a barreiras tarifárias".

O tom das reclamações do Brasil cresceu quando o Banco Central Europeu

(BCE) ofereceu mais € 530 bilhões aos seus bancos. De dezembro para cá, o

valor chega a € 1 trilhão.

Questionada pelo Estado se o governo brasileiro estava pedindo a Merkel

uma intervenção na autonomia do BCE, Dilma respondeu: "Não, sabe por

quê? Porque estão interferindo na nossa". "O que o Brasil quer com isso é

mostrar que está em andamento uma forma concorrencial de proteção de

mercado, que é o câmbio. O câmbio virou uma forma artificial de proteção."

Dilma antecipou que o governo pode tomar medidas para evitar a valorização

artificial do real. "Tomaremos todas as medidas para nos proteger. Vamos ver

quais medidas, como essa que tomamos recentemente sobre o IOF"

Questionada se pensava em quarentena de capital externo, reagiu: "Não estou

defendendo quarentena".

Especulações. Nos últimos dias, aumentaram as especulações em torno da

decisão de amanhã do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Analistas

interpretaram as medidas cambiais adotadas na semana passada e as

declarações de Dilma sobre o "tsunami" como uma sinalização de que o BC

poderá ser mais agressivo no corte de juros.

Nesse cenário, um corte mais forte da Selic seria uma forma de se antecipar ao

"tsunami" de dinheiro que deverá chegar ao Brasil como resultado da ação do

BCE nos bancos europeus.

Nos bastidores do governo, aumenta o desconforto com o câmbio valorizado. A

possibilidade de uso do Fundo Soberano do Brasil (FSB) vem ganhando força.

O Fundo pode atuar comprando dólares em ações de surpresa. O mercado de

derivativos cambiais também permanece na mira do governo.

Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,dilma-promete-protecao-ao-

real-e-merkel-critica-protecionismo-unilateral--,844514,0.htm. Acesso em: 20 nov. 2012.

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Comunicação, economia política e sociedade mundial

de controle: complexidade e poder Na

contemporaneidade

José Antonio Martinuzzo Professor Doutor no Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades, na mesma instituição, do qual é

coordenador-adjunto. Lidera os grupos de pesquisa Laboratório de Comunicação e Cotidiano (ComC) e

Sociedade Midiatizada e Práticas Comunicacionais Contemporâneas.

Wagner Piassaroli Mantovaneli Mestre em Comunicação e Territorialidades pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Graduado em

Comunicação Social (UFES) e Graduando em Direito (UFES). Pesquisador no grupo de pesquisa Sociedade

Midiatizada e Práticas Comunicacionais Contemporâneas, na linha de pesquisa Economia Política da

Comunicação.

Resumo

Objetivamos discutir como a análise da economia política, conjugada à análise dos sistemas

de comunicação, pode ajudar a entender a complexidade da formação de uma sociedade

mundial de controle, condição indispensável para a sobrevivência acadêmica frente ao tecido

complexo do real com o qual tem de lidar para criar efeitos positivos no campo da ação

social. As técnicas metodológicas utilizadas são análises bibliográficas de autores específicos

do campo da economia política da comunicação e da sociologia. Nossos resultados desvelam

a intricada complexidade que compõe a sociedade mundial de controle em termos de sistemas

econômico, político e comunicacional.

Palavras-chave

Sistemas de comunicação; Economia política; Sociedade mundial de controle; Comunicação.

Abstract

This paper aims to discuss how the political economy analysis joint a communication systems

analysis can help understand the complexity of global society of control, an indispensable

condition for academic survival given the complexity of reality which we have to deal with to

create positive effects in the social action structure. The methodological technique used is a

bibliographic analysis of particular authors of the political economy of communication field

and sociology. Our results unveil the intricate complexity that makes up the global society of

control in terms of economic, political and communication systems.

Keywords

Communications systems; Political economy; Global society of control; Communication.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Introdução

Aproximar-se do social é sempre uma difícil tarefa, pois envolve organizar o

complexo continuum do real com o qual devemos nos defrontar enquanto pesquisadores

encarregados de providenciar à sociedade um conhecimento rigorosa e sistematicamente

fundamentado. Organizar essa complexidade é tarefa que irresistivelmente faz-nos debruçar

nas atividades de seleção e decisão entre opções metodológicas que comporão o método de

toda a pesquisa.

Com uma complexidade organizada em mãos, o pesquisador tem condições de

controlar as variáveis que conhece e promete relacionar. Caso contrário, estaria apenas

entregando o caos do real ou o senso comum àqueles que por ele são direta ou indiretamente

afetados. Junto a essa complexidade organizada, a forma com que conhecemos deve sempre

ser-nos consciente para que possibilite um conhecimento apto a se integrar nas discussões

acadêmicas e sociais de maneira profícua.

Nossa complexidade aqui se organiza de acordo com o entendimento do papel dos

sistemas no saber humano, que separam sua ordem da desordem do meio (LUHMANN,

2011). Na vida, o mesmo ocorre: “nosso mundo organizado é um arquipélago de sistemas no

oceano da desordem” (MORIN, 2013, p. 129). Deste modo, o humano faz parte de “um

sistema social, no seio de um ecossistema natural, que está no seio de um sistema solar, que

está no seio de um sistema galáctico”. Por sua vez, ele, o humano, é constituído de “sistemas

celulares, que são constituídos de sistemas moleculares, que são constituídos de sistemas

atômicos” (MORIN, 2013, p. 129).

Os sistemas atuam na organização do saber e na organização de toda a vida. Não há

como viver sem ordem. Não há como viver sem um poder instituído. Não há como não

conviver dentro de uma civilização. Os sistemas atuam para organizar as condições de

possibilidade em que a vida ocorre. Ao se fechar operacionalmente em si mesmo, como nos

ensinou Luhmann, o sistema consegue organizar seus elementos e probabilidades de relações

entre eles e, assim, reproduzir-se (autopoiesis). O mundo fora de um sistema tem um

gradiente muito maior de complexidade, uma complexidade com a qual o sistema só consegue

se relacionar no âmbito do ruído.

A economia política, ciência, assim como tantas outras, que organiza a complexidade a

seu modo, é uma disciplina que pode nos oferecer o entendimento do sistema social em seu

todo a partir da seguinte definição proposta pelo sociólogo Vincent Mosco (2009): economia

política é controle e sobrevivência em vida social. Controle é metáfora para os processos de

organização da complexidade interna do poder social, referindo-se, portanto à política (do

grego: polis, referindo-se à organização de uma cidade, nação, país, território). Sobrevivência

é metáfora para os processos de produção e reprodução social, isto é, como a sociedade e o

homem, por meio de sua própria produção, resultado do trabalho, consegue produzir a si

mesmo. O interessante que vamos notar é que ambos, sobrevivência e controle, imbricam-se

na realidade por meio da comunicação.

A comunicação também será tratada em termos de sistema. Ela é a operação básica de

uma sociedade, segundo Luhmann (2001; 2011), e que é capaz de tornar qualquer sociedade

apta a se observar e produzir-se continuamente. A comunicação se torna preposto da ordem

sistemática, servindo para criar e recriar a todo momento estruturas e processos econômicos

(observação dos preços) e políticos (observação da opinião pública).

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Economia política: uma forma de conceber o social

Entendemos que devemos conhecer um objeto e ao mesmo tempo conhecer as

possibilidades e limites do saber que nos permite ter acesso à realidade do objeto. Assim,

afastamos o risco do que acusou Rosa Luxemburgo [s.d], em 1925, de que “por mais incrível

que possa parecer, é um fato que a maior parte dos especialistas em economia política apenas

têm noções confusas sobre o verdadeiro objeto de seu saber” (p. 35). Desse modo, trataremos

primeiro de explicar o que é a economia política e como esse conhecimento pode, logo após,

ser atrelado a uma realidade formada por sistemas comunicacionais, que nos leva à uma

sociedade mundial de controle.

Para o estudo da economia política, Vincent Mosco (1996; 2009) elabora uma

definição ampla. Essa definição ampla – de economia política como controle e sobrevivência

na vida social – foi sugerida a Mosco por Dallas Smythe, uma das figuras fundadoras, junto a

Herbert Schiller e outros, da economia política da comunicação, em uma entrevista para a

primeira edição do livro de Mosco, The political economy of communication (1996).

A definição em sentido lato, que Mosco chama de “uma definição mais geral e

ambiciosa de economia política” (2009, p. 3), trata esta disciplina como “o estudo do controle

e sobrevivência na vida social” (p. 3). Junto a essa definição, o autor já delimita o que seria o

controle e a sobrevivência. São, primeiramente, metáforas para os processos políticos e os

econômicos (MOSCO, 2015) que, juntos, conformam a disciplina e que nos permitem um

alcance de sentido mais abrangente que na definição estrita. O controle significa

especificamente “como uma sociedade se organiza, conduz seus problemas e se adapta ou não

às inevitáveis mudanças que todas as sociedades enfrentam”. O controle, portanto, “é um

processo político porque molda as relações dentro de uma comunidade”. Sobrevivência, por

sua vez, significa “como as pessoas produzem o que elas necessitam para se reproduzir e

manter o andamento da sociedade”. Assim, sobrevivência “é principalmente um processo

econômico porque envolve o processo de produção e reprodução” (p. 3). A constituição mútua

de controle e sobrevivência é a tarefa mais interessante a se observar, isto é, como poder

social e reprodução social se imbricam.

Adicionalmente, segundo Mosco (p. 3), para descrever a economia política podemos

ampliar seu significado para além das definições mais comuns, realçando características

centrais que a caracterizam. Para isso, a economia política tem como pressupostos básicos: 1)

Entender a mudança social e a transformação histórica; 2) Examinar o todo social ou a

totalidade das relações sociais que conformam as áreas econômicas, políticas, sociais e

culturais da vida. Segundo Mosco, “a economia política sempre acreditou existir o todo de

uma sociedade e que nós deveríamos tentar entendê-lo” (p. 4). Mosco ainda vai mais longe ao

dizer que fazer uso do todo social não requer essencialismos ou reducionismos. “Na verdade,

como Marx e intérpretes do século XX como Gramsci e Lukács nos lembram, o pensamento

dialético nos leva a reconhecer que a realidade é compreendida de partes e do todo,

organizados na totalidade concreta de integração e contradição que constitui a vida social”

(2009, p. 31); 3) Ter o compromisso com a filosofia moral, isto é, procurar entender o dever-

ser na forma de valores, princípios e normas morais e legais capazes de constituir e também

mudar o comportamento social; e 4) Executar o pensar e o fazer em unidade, o que constitui a

ideia de práxis social.

Essas quatro características, portanto, colaboram para o entendimento da relação

controle-sobrevivência na vida social para além da própria definição, pois destacam

elementos que são pressupostos centrais da própria economia política. Assim, ao tempo em

que descrevemos a relação da distribuição de poder em uma organização social e de sua

reprodução, não devemos nos esquecer de que tal definição está atrelada à compreensão de

mudanças sociais, que se relacionam com um todo social, que processa mutuamente ser e

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dever-ser e que, por isso, dá azo a uma práxis social.

Na conclusão de Political economy of communication, Vincent Mosco (2009) também

nos deixa claro algumas tendências para as quais a economia política da comunicação pode

ajudar a construir. Vemos no conceito de controle e sobrevivência um notável ponto de partida

para ajudar nessas tarefas, que são: 1) construir pontes com ajuda dos estudos da ciência e

tecnologia; 2) um projeto maior, que ajudaria a unir o amplo programa das ciências sociais e

humanidades, das quais a economia política, os estudos culturais e estudos de política são

parte e o programa de ciências, principalmente a física, a química e a biologia, que se arroga

quase completa autoridade na vida intelectual de hoje. Obstruir essa separação, segundo

Mosco, é um desafio enorme, porém vital (2009).

Ora, tanto a primeira ponte, quanto a segunda, a economia política da comunicação

pode ajudar a construir a partir da definição da qual partimos aqui neste estudo, utilizando,

como complementação de sentido a perspectiva da complexidade de Edgar Morin, que nada

mais requer, dentre outros desafios, a religação de saberes hoje afastados na Academia,

sobretudo criando uma relação circular virtuosa, como diz, e não viciosa, entre física, biologia

e antropossociologia (p. 30-32, 2013).

A economia política da comunicação atinge um estágio ambicioso, como Mosco nos

coloca, se seguirmos essa tendência. A ideia não é, portanto, a de retomar perspectivas

antigas, mas de retornar a elas por um estudo crítico da epistemologia e da história das

ciências, e delas avançar nesse projeto de construção de uma economia política coerente com

a complexidade inerente ao conhecimento da vida desde sempre, e também desvelar truísmos

que a humanidade moderna inocentemente codificou por detrás de conceitos meteóricos e

também por conta de sua perplexidade ante a novidade do aparato tecnológico que

rapidamente construiu. Assim, é importante não só reestabelecer o conhecimento que

lentamente foi se acumulando, mas de expô-lo criticamente na forma de uma economia

política que dê conta da complexidade cada vez mais mistificada pela ignorância e pela

influência do pragmatismo decorrente da marcha de aceitação do poder econômico

(COMPARATO e SALOMÃO FILHO, 2014).

Para uma história da economia política, podemos sempre partir de dois pontos

comumente utilizados, conforme Mosco (2009): 1) Período da Grécia clássica, o que permite

um ponto de partida pela análise etimológica do termo; e 2) Período dos filósofos escoceses

da moral iluminista do século XVIII, culminando em Adam Smith. Não é difícil perceber que

em sua raiz grega a economia política que hoje discutimos na forma de ciência referia-se

àquilo que nos evidencia a etimologia da palavra economia, uma junção de oikos (casa,

ambiente, meio) e nomos (lei, organização, controle), isto é, a lei ou organização da casa, o

que requer pensar na complexidade de nossa sociedade, uma evolução que nos remonta à

organização política de toda uma economia, que deixa de ser familiar para ser controlada por

um estado. Política originou-se, por sua vez, do termo grego polis, para cidade-estado, “a

unidade fundamental da organização política no período clássico” (MOSCO, 2009, p. 23).

Economia política se origina, portanto, na organização da casa familiar e da casa

propriamente política. A etimologia nos atenta que o termo “economia política” nada mais é

que o estudo de uma economia adjetivada por características políticas, isto é, a organização de

um meio politizado.

Aristóteles é certeiro, no início de seu opúsculo Econômicos (2011), ao nos dar uma

síntese do que discutimos como economia e política, a partir de uma diferença básica: “a arte

de administrar uma casa e a de administrar uma polis diferem entre si não apenas na medida

em que a casa e a polis também diferem (uma vez que aquela é o fundamento desta), mas

ainda no fato de a administração da polis envolver muitos governantes e de a administração

doméstica depender somente de um” (p. 5, 2011).

Unindo à análise da etimologia do termo, podemos encontrar uma associação a um dos

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pilares do Iluminismo, no qual se baseavam a economia política clássica: a visão de

racionalidade de Descartes (MOSCO, 2009, p. 38). Descartes é fundamento, como diz Morin

(2010; 2011; 2013), de toda uma ciência que dissocia res extensa e ego cogitans, que busca

esforços de uma objetividade como que separada da interferência do sujeito pensante. É obvio

que a economia política clássica, derivada desse paradigma cartesiano, não poderia ser outra

em suas primeiras figuras, com destaque para Adam Smith. As preocupações dessa economia

política giram muito mais em torno de um equilíbrio social por meio de um mercado de livre

conduta, o qual, pela concorrência acirrada de seus constituintes, trataria naturalmente de se

autorregular. A influência cartesiana na economia política continuou com as tentativas de

fundamento da economia enquanto ciência, principalmente na obra Principles of Economics

(1890) de Alfred Marshall. Assim, a economia normativa preocupar-se-ia apenas com

questões de ordem puramente econômica, descrevendo forças em equilíbrio. “Em resumo”,

escreve Mosco (2009, p. 48), “a legitimidade matemática e científica veio com um preço

substancial: deixou de lado a economia política e a integração de história, todo social,

filosofia moral e práxis dentro de um significado de pesquisa e vida intelectual”.

Ao contrário da visão dialética e crítica de Marx da economia política clássica, essa

visão estática tendeu a afastar a história para tratar das mudanças sociais e a tornar, cada vez

mais, a economia uma ciência matemática, que buscasse uma objetividade científica, acima de

quaisquer outras características (MOSCO, 2009). Um retorno da análise da economia política

nos dias de hoje, no âmbito marxiano e marxista, pode ser interpretado como uma tentativa de

retorno do sujeito e suas reflexões críticas na ordem objetivista das ciências.

Sobrevivência e controle retomam o conceito de história e trabalho de Marx, no

sentido de que não há reprodução social sem a organização do poder social; e essa

organização implica uma organização do trabalho social para que possa ser controlada. A

história, para Marx, “significava, acima de tudo, como as pessoas produzem a si próprias por

meio do trabalho” (MOSCO, 2009, p. 42). Nossa visão de trabalho está aqui inclusa na visão

de processamento de energia e matéria para constituição de uma organização social. Neste

sentido, não se diferencia substancialmente da de Marx, entendendo que a sobrevivência na

vida social se dá principalmente na economia social como um processador de matéria, energia

e consequentemente informação, o que possibilita a produção e a reprodução social,

construindo um curso histórico sob o qual, vale sempre lembrar, não tem uma finalidade em

si, mas no qual os homens podem interferir e prever circunstâncias futuras a partir do controle

e da comunicação que circula em sociedade. Assim, lembrando célebre passagem de Marx em

O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, “os homens fazem a sua própria história; contudo, não

a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob

as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram”, e, portanto,

o passado torna-se um problema constante para aqueles que desejam sobreviver, e isso inclui

previsão sobre a insegurança que aguarda o futuro: “a tradição de todas as gerações passadas é

como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos” (MARX, 2011, p. 25).

O sistema de comunicação

Há quem diga que a comunicação é o ponto cego do marxismo ocidental (SMYTHE,

1977). A modernidade está baseada numa constante observação da observação, ou cibernética

de segunda ordem, de modo que esse ponto cego circula sem que sua materialidade seja

apontada. Os sistemas político e econômico têm suas formas de observação de segunda

ordem, para se proteger da complexidade e da contingência. Daí as tarefas de observar a

opinião pública e o sistema de preços para ambos sistemas, respectivamente, serem primordial

à sobrevivência (reprodução) mútua. Se a observação da observação da modernidade

evidencia a existência de um ponto cego, este obviamente não se trata de um ponto

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literalmente, mas de um sistema informacional e comunicacional que permite aos sistemas

verem a si próprios. Como observar os preços e a opinião pública? Uma resposta é visível:

pelo controle informacional e comunicacional. Por esse motivo, a informação e a

comunicação não devem ser tratadas como entes abstraídos do mundo material, nem sequer

devem ser consideradas abstrações, pois não existem sem controle e este requer uma

materialidade onde são possíveis os fenômenos comunicacionais. Assim, a revolução da

informação não é uma revolução na informação, mas, antes, uma revolução no controle, no

modo de processar matéria. A informação, portanto, “só adquire sentido dentro de um

contexto particular (...) do contrário, a informação não possui sentido; é indiferenciável do

ruído” (MULGAN, 1991, p. 10). Uma sociedade da informação é sempre, também, uma

sociedade do controle, onde o propósito é o de controlar por meio da obtenção de informação

a partir de uma dada materialidade. Entretanto, uma sociedade do controle põe logo a questão

de início: quem programa? quem dita a lógica? quem controla? Há uma reprodução milenar de

um sistema de classes e, se ainda existe, é porque seus propósitos estão sendo alcançados

continuamente. O sistema comunicacional é o ponto cego1.

Robert McChesney (2008) enfatiza e explica o papel do sistema de comunicação nas

sociedades modernas. Para ele, “é axiomático em quase todas variantes de teoria política e

social que o sistema de comunicação seja o pilar das sociedades modernas”. Em termos

políticos, “o sistema de comunicação pode servir para elevar a democracia, ou para negá-la,

ou alguma combinação dos dois”. Em termos econômicos, “o sistema de comunicação surgiu

como uma área central para fins lucrativos em sociedades capitalistas modernas” (p. 305). A

relação disso tudo junto, que é o que fazemos aqui em termos de controle e sobrevivência, é

enfatizada por McChesney (2008) ao dizer: “um grande esforço de pesquisa é, portanto,

realizado para avaliar a relação de comunicação enquanto uma atividade privada com os

mais amplos e necessários deveres políticos e sociais que também são operados pelos

mesmos sistemas de comunicação” (p. 305-306). Para McChesney, esse é um ponto central e

recorrente nos estudos de mídia. “A vida dupla do sistema de comunicação, de uma só vez o

pivô da economia global emergente e também um alicerce da democracia política, constitui a

tensão vital no cenário mundial” (2008, p. 306). Essa relação da economia global

contemporânea e da democracia política já é uma materialidade de onde podemos deduzir a

definição de controle e sobrevivência em vida social atrelando o ponto cego: o sistema de

comunicação, no qual se baseiam tanto política (organização interna do poder de controle) e

economia (reprodução social). O sistema de comunicação, apontado por McChesney, é o

mesmo que “compreende as bases institucionais indispensáveis para a deliberação social –

discussão, debate e tomada de decisão – para além dos fóruns de elite” (2008, p. 336). A

dualidade do papel do sistema de comunicação na reprodução social é essencial, portanto,

para ligar economia e política em uníssono.

De la Haye destaca que “durante o desenvolvimento do modo capitalista de produção,

o sistema de comunicação, que não era mais do que um fenômeno periférico e desorganizado

na sociedade feudal, tornou-se um elemento central” (1979, p. 16). Os meios de comunicação

1 Apesar da acusação de Smythe de a doutrina marxista não ter se preocupado com a comunicação do modo

devido, há autores marxistas que enfatizam o elemento comunicacional em Marx. Um exemplo é o Professor

Christian Fuchs, quem já possui um trabalho extenso que relaciona marxismo e comunicação. Um dos artigos em

que trata diretamente sobre o assunto é “Some theoretical foundations of critical media studies: reflexions on

Karl Marx and the Media”. O subtítulo é sugestivo e visa a combater a visão de alguns autores em dizer que

Marx não tinha nada a nos oferecer sobre o assunto das mídias, da comunicação e da cultura. Muito pelo

contrário, o argumento central de seu artigo é de que “Marx deveria ser considerado como uma das figuras

fundadoras dos estudos críticos de comunicação e da mídia e que seus trabalhos podem ser aplicados hoje em dia

para explicar fenômenos como a comunicação global (...)” (FUCHS, 2009, p. 269). Um outro importante

exemplo de trabalho já existente sobre a relação da obra de Marx e Engels e a comunicação é o de Yves de la

Haye – Marx & Engels on the means of communication (1979), que trataremos neste artigo.

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não passam a ser apenas fatores na circulação de mercadorias e de manutenção da indústria

moderna, mas o seu papel passa a ser também como “a condição geral de aparecimento da

figura de um novo homem: o capitalista” (DE LA HAYE, 1979, p. 25). O nascimento de um

mercado mundial do qual o capitalista seria a base dependeu de mudanças no processo social

de produção e reprodução, das quais participavam os meios de transporte (ferrovias) e

comunicações (telégrafo), mas também a presença inconteste do Estado no estabelecimento

dessas condições gerais de produção. O Estado serve à burguesia em vários motivos, com o

uso de sua autoridade para regular salários, coordenar a transformação dos modos de troca e

também “para gerir contradições decorrentes do desenvolvimento desigual dentro da

formação social” (DE LA HAYE, 1979, p. 43). Não é uma questão apenas de um interesse de

classe que dirige o Estado, mas de interesse ao próprio Estado nos meios de comunicação e

transporte. O Estado, como de la Haye coloca, é agente para criar o consenso necessário para

a hegemonia, “como um agente que coagula a formação social dentro das fronteiras

nacionais” (1979, p. 43). A questão comunicacional é interessante, em termos de soberania,

inclusive, pois também diz respeito à administração de seu território, de suas forças armadas,

de sua polícia, inteligência (DE LA HAYE, 1979). A comunicação passa a ser também uma

utilidade pública na medida em que não só conduz a vida dentro de um território, mas também

é fator essencial para decidir sobre a continuidade dessa vida em um território, principalmente

em momentos de guerra, onde a defesa da soberania e da população correm risco. Podemos

observar que inventos importantes da comunicação também surgem em momento de guerra,

impulsionados pelo investimento em pesquisa e desenvolvimento estatal. O Estado, em

momentos de crise, é quem carrega a legitimidade sobre o monopólio da força e precisa

utilizar essa força não só para manter a coesão da produção e reprodução sociais, mas também

a defesa e controle de seu território e territorialidades2.

Para de la Haye, “as forças armadas, de um lado, e a indústria, de outro, devem ser

considerados as matrizes históricas reais do setor da comunicação” (1979, p. 46). E esta

afirmação nos basta para perceber, mais uma vez, a relação de mútua constituição de controle

e sobrevivência e o papel do sistema de comunicação. Assim, a comunicação não pode ser

simplesmente “resumida como uma vasta superestrutura industrial”. A “‘comunicação’ como

uma atividade social compreende o conjunto de formas sociais pelas quais as relações sociais

são expressas, materializadas e modificadas”; a “comunicação estabelece a moldura, os

limites e as implicações dessas relações sociais, seja lá uma questão de nações, classes,

mercados ou impérios” (DE LA HAYE, 1979, p. 55). Essa afirmação complementa, portanto,

a noção de comunicação de Luhmann (2006; 2011), um sistema fechado que produz a si

mesmo e operador central do sistema social. A autopoiesis do sistema comunicacional se

confirma na materialidade do sistema social, que possui múltiplas formas responsáveis, como

diz de la Haye (1979), a dar expressão, materialidade e a modificar as relações sociais. A

comunicação é uma atividade social que estabelece os próprios limites dessa atividade. Uma

economia política da comunicação, como dissemos, deve relacionar poder e reprodução

sociais por meio desse sistema autopoiético: a comunicação social. A comunicação,

pensamos, deveria não ocupar o lugar, mas ter considerado um grau de relevância equiparado

ou, talvez, maior que os estudos de ideologia, seguindo a esteira de la Haye: “‘comunicação’

enquanto uma atividade social não pode ser restringida à pura ideologia, ao comércio de

mensagens ou às relações individuais e sociais, como faz a dominante sociologia da

comunicação” (1979, p. 55).

Luhmann nos possibilita pensar a sistemicidade das operações comunicacionais, o que

pode complementar a ideia de mútua constituição entre economia e política de Mosco.

Atentando à cibernética de um sistema autopoiético, que sobrevive na clausura para diminuir

2 Territorialidade, para Soja (1971, p. 19), “é um fenômeno comportamental associado a organização do espaço

em esferas de influência ou territórios claramente delimitados que são feitos distintos e considerados ao menos

parcialmente exclusivos por seus ocupantes”.

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a complexidade do mundo, Luhmann, para construção de uma teoria dos sistemas sociais,

partiu da comunicação como operação fundamental para que esse sistema exista. A

comunicação de Luhmann “é uma realidade emergente, uma situação sui generis” (1992, p.

252). A comunicação, como uma “situação sui generis”, não há de ser confundida, portanto,

com o sistema psíquico humano, onde opera a consciência. Sistemas social e psíquico, assim,

são coisas, apesar de suas relações na realidade fática, diferentes. Este último está ligado à

operação da consciência e aquele primeiro, o social, às operações de comunicação. Há um

entendimento corrente de que são indivíduos ou sujeitos que comunicam. Como uma situação,

a comunicação não pode estar ligada ao ato de um indivíduo, pois trata-se de um sistema em

sua complexidade, em primeiro lugar. Dessa maneira, o conceito de comunicação não é

atribuído à ação individual, a qual faz parte da realidade comunicacional, mas não pode ser

encarada como aquela que comunica. Nesse sentido, para Luhmann, somente a comunicação

pode comunicar e é somente dentro dessa rede de comunicação que está o que entendemos a

ação criada. A comunicação é assim um sistema de complexa organização. Se fôssemos

definir apenas a comunicação enquanto realidade emergente, a definição de Luhmann nos é

esclarecedora: “a comunicação surge por meio da síntese de três seleções diferentes, a saber,

seleção de informação, seleção de expressão ou modo de emissão (utterance) dessa

informação e seleção do entendimento ou desentendimento dessa expressão ou da

informação” (1992, p. 252). Esses três componentes só podem criar comunicação em sua

síntese e não separados. Assim, a seleção da informação em conjunto com a seleção do modo

de expressá-la e do decorrente entendimento ou desentendimento dessa informação, ou de seu

modo de expressar, constituem a síntese que faz emergir a comunicação enquanto situação

complexa. A comunicação ocorre, portanto, “somente quando a diferença de expressão e

informação é entendida”, e isso quer dizer que comunicação é diferente da mera percepção do

comportamento dos outros. Ambos, o comportamento expressivo e a informação, apenas

formam a situação comunicacional, pois “são experimentados como seleção e, por esse modo,

distinguidos” (LUHMANN, 1992, p. 252). “Em outras palavras”, resume Luhmann, “alguém

deve ser capaz de assumir que a informação não é auto-compreendida, mas requer uma

decisão separada. Isso também é verdade quando o enunciador enuncia algo sobre ele

mesmo”. Assim, “enquanto essas distinções não são feitas estamos lidando apenas com mera

percepção” (LUHMANN, 1992, p. 252). A distinção de percepção e comunicação é sempre

necessária ser feita para o entendimento da definição de Luhmann: “o que alguém percebeu

não pode ser confirmado nem repudiado, ou questionado nem respondido. A percepção

permanece fechada dentro da consciência e opaca ao sistema de comunicação assim como

para outra consciência” (1992, p. 253). Um sistema de comunicação é, para Luhmann, “um

sistema completamente fechado que cria componentes dos quais ele surge por meio da própria

comunicação”. Nessa visão cibernética de comunicação, Luhmann quer nos dizer que a

comunicação é um sistema autopoiético e que não existe informação nem controle fora desse

sistema de comunicação. Assim, as atividades de processamento de informação, comunicação

mútua e controle são possíveis de ser separadamente descritas, mas em Beniger (1986)

veremos que todos os sistemas vivos mantêm os três inter-relacionados, sendo que um não

existe sem o outro. A visão de Luhmann é estritamente voltada ao sistema social e não aos

sistemas vivos de uma forma geral, daí sua ênfase na comunicação como a situação ou a rede

de onde a informação e o controle são possíveis existir. Seja lá o que for que os participantes

desse sistema entendem no fechamento de suas consciências, “o sistema de comunicação

elabora seu próprio entendimento ou desentendimento. E, para esse propósito, ele cria seu

próprio processo de auto-observação e auto-controle”. O processo de entendimento ou

desentendimento é uma condição de autopoiesis do próprio sistema, pois é pelo entendimento

ou desentendimento que há uma conexão com comunicação posterior dentro do sistema de

comunicação (LUHMANN, 1992, p. 253). Quem quer que seja pode comunicar sobre

entendimento, não compreensão ou mal-entendido, mas dentro das condições de autopoiesis

do sistema de comunicação (LUHMANN, 1992). Mesmo quando alguém diz não entender, a

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comunicação procura resolver o problema por intermédio dela mesmo, uma comunicação

sobre a comunicação.

Comunicação, que enlaça em um sistema as três seleções – informação, expressão e

entendimento –, não pode ser também considerada simplesmente uma transmissão de

mensagens, informações ou expectativas de compreensão (LUHMANN, 1992, p. 254). A

seleção (e o fluxo comunicacional decorrente) é, portanto, uma situação emergente da própria

comunicação, não podendo se falar, inclusive, de comunicação fora da comunicação. Com a

criação de sistemas de processamento de informação, seja pela invenção da escrita, ou seja

pela invenção da imprensa, do telégrafo, do rádio, da televisão, do computador etc., a

formação desse sistema autopoiético só se tornou mais complexo com grande consequência

para a estrutura social, para a semântica, para a linguagem (LUHMANN, 1992). Assim, a

própria seleção da qual depende a atividade comunicacional é afetada pela própria

comunicação. As escolhas da informação, da expressão dessa informação e de seu

entendimento (ou não) são afetadas pela situação comunicacional do sistema. Assim, como

um sistema fechado, a comunicação produz a si própria (autopoiesis), produzindo e

reproduzindo tudo que funciona como uma unidade para o sistema por meio do próprio

sistema. Neste momento que a crítica deve entrar, ao analisar quem tem maior influência

sobre esse sistema que produz e se reproduz e se esse sistema está de acordo ou não com

determinados valores sociais. Assim, a produção da comunicação por ela mesma depende de

um meio e de restrições desse meio para ser efetivada (LUHMANN, 1992). Um crítico pode

entrar e perguntar: mas quem impõe as restrições, quem controla o meio? Essa, todavia, é

tarefa que distingue Luhmann ao fazer sua teoria dos sistemas sociais.

Sejam quais/quem forem seus elementos, o sistema de comunicação, por ele mesmo,

em sua autorreferência, cria seus próprios elementos e estruturas. Assim, “o que não é

comunicado não contribui nada para o sistema” (LUHMANN, 1992, p. 254), sendo visível

que a falta de quaisquer uma daquelas seleções que definem a comunicação não gera

comunicação. Assim, na torrente informacional que invade a sociedade da informação, é fácil

entender que a confusão, o ruído e o caos dentro da ordem das estruturas dos sistemas sociais

(econômicas e políticas) surgem em algum momento pela não-seleção e, portanto,

descontinuidade do processo comunicacional que só pode ser revertida se a seleção for feita,

isto é, se a diferença se realizar. Daí a importância da troca de sentido dentro de uma

sociedade, para reforçar a ordem social pela própria comunicação que a produz e que a

reproduz. O sistema social produzido e reproduzido pelo da comunicação, entretanto, é

processado pelas operações comunicacionais até que encontre os limites para o

processamento, que devem ser resolvidos pela própria comunicação, pondo em relação

recursiva ordem e desordem. A não resolução do limite comunicacional implica a morte do

sistema social, o que, entretanto, não nos aconteceu até hoje, como veremos com a Revolução

do Controle, de Beniger (1986). A dificuldade do sistema em se comunicar, devido à expansão

social levada pela industrialização, tanto no âmbito político como no econômico, foi resolvida

pela própria comunicação, por novos meios de processamento de informação (burocracia e

racionalização) e feedback (marketing, pesquisa de mercado, técnicas de recenseamento,

sondagem de opinião etc.).

A sociedade mundial de controle

O conceito de Sociedade de Controle foi posto por Deleuze (2013) em seu Post-

scriptum sobre as sociedades de controle e desenvolvido mais a fundo por Hardt (1996) e

também Hardt e Negri (2000). Alguns preferem tratar essa sociedade em termos de vigilância

(LYON, 2011; BAUMAN, 2013), mas consideramos a palavra controle com maior

profundidade teórica, de acordo com o que já vimos na biologia, na cibernética, na sociologia,

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na filosofia etc. Continuando o pensamento de Foucault (1998; 2015) sobre as sociedades

disciplinares, e lembrando Burroughs, Deleuze trouxe ao conhecimento a crise generalizada

institucional de espaços tradicionais de construção subjetiva como a escola, a família e a

fábrica. É como se “os muros das instituições” estivessem “desmoronando”. Portanto, sem

barreiras rígidas ou restrições, a livre circulação do poder hegemônico global tem a habilidade

de ser ubíquo e, portanto, o controle sobre o comportamento. As instituições passam a estar

constantemente se corrompendo. Esta característica que as torna muito próximas do que quer

a mais complexa fase do capitalismo: sua habilidade de se esfacelar, pois sem essa

flexibilidade o poder de controle social não se torna efetivo. O dispositivo de construção

subjetiva do indivíduo controlado por uma sociedade mundial de controle só pode ser aquele

em que as comunicações estejam presentes vinte e quatro horas por dia. Assim, o tempo livre

do trabalhador é também tempo de trabalho. No seu próprio lazer, o indivíduo tem seu

comportamento registrado, avaliado e alimentado na grande máquina. Isso é simples de ver

com a utilização da propaganda massiva, tanto por governos quanto por mercados, e também

outros elementos simples de estímulo da demanda social e retorno comportamental como as

pesquisas de mercado, as relações públicas. Verdadeiras indústrias da consciência, como

lembrou Dallas Smythe (1977).

Deleuze, para retratar a passagem da disciplina ao controle, equipara os dois

momentos respectivamente, aos “túneis estruturais da toupeira” e às “ondulações infinitas da

serpente”, fazendo referência aos moldes pré-definidos da disciplina e à modularidade

reajustável do controle. Tal metáfora se refere basicamente às novas ferramentas de

realimentação do poder social. O espectro eletromagnético, por exemplo, que é o que nos

mais remete às ondulações infinitas dessa serpente, para não causar abstrações exageradas,

passa a ser um elemento de disputa com a invenção do rádio, tanto pelo Estado, como pelo

mercado. Ora, o controle desse elemento ubíquo, nada mais é que o controle sobre a

informação em momentos de guerra que põem em risco a soberania estatal e o controle sobre

a demanda para o mercado. A família e a fábrica não podem dar mais contas sozinhas, em

seus muros, de uma demanda de controle global. A família e a fábrica tradicionais precisam se

corromper o máximo possível para dar lugar ao controle ubíquo da população e das

demandas, que precisam ter suas subjetividades produzidas e reproduzidas no mesmo ritmo da

expansão populacional e industrial.

O mercado mundial, os Estados e suas ligações a instituições transnacionais formam

hoje instâncias globais que ditam a nova ordem mundial. Elas surgem, em sua maioria, dos

Estados Unidos. Chega-se ao império, após a crise do imperialismo colonialista, conforme

Hardt (1996). O poder não possui mais limites claros e não respeita fronteiras, mas possui

origem material bem clara: os países industrializados e detentores de know-how e tecnologias

de ponta. A fluidez exigida pelos mercados na contemporaneidade solapou a concepção da

“soberania moderna”. A delimitação de locais é substituída por fluxos que não permitem

mais, segundo Hardt, estabelecer os contornos de um espaço “de fora”. O dentro e o fora cada

vez mais se tornam hibridizados e confusos. A construção das civilizações, agindo

constantemente sobre a natureza humana, reprimindo seus instintos em nome da ordem,

alcança seu ápice nessa nova era. A artificialidade da ordem civil chegou a um extremo onde

o natural não é mais reconhecido, pois se hibridiza com a estrutura que foi construída pelo

humano. É como que se anunciassem o fim da natureza, para Hardt. Entretanto, nosso

trabalho, ao passo que é uma descrição de uma Sociedade de Controle, é também uma

alternativa a ela pelo estudo de sua complexidade e da compreensão de sua necessidade para

que uma consciência possa de fato efetuar mudanças na realidade social.

Hardt também nos informa sobre a privatização dos espaços tidos antes como

públicos. Há aí também uma evidente tendência à hibridização ou de quase eliminação do

“fora”. Por isso, entende-se que há um déficit do pensamento político na sociedade de

controle. Separar, portanto, “um dentro de um fora – o natural do social, o privado do

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público” é tarefa complexa no abstracionismo da sociedade de controle. Mulgan (1991, p.

243-261), nesse sentido, leva-nos a repensar o que seria o controle público e a ideia de

“interesse público”, especialmente em um contexto democrático. Se a comunicação é privada

e pública ao mesmo tempo e se subjuga ao processamento social de reprodução, qual o espaço

ético a ser buscado? O espetáculo de Debord, utilizado pela mídia hodiernamente, é nada mais

que estratégia que desemboca nas fusões pós-modernas, onde o mercado se confunde com a

cultura (JAMESON, 2001).

O “fim da história”, em Fukuyama (apud HARDT, 1996), introduz o reino da paz. Isso

porque não cabe mais à potência soberana confrontar diretamente o “fora”. A ideia é de

extensão de seus domínios não mais pela força, mas pela persuasão. O “lugar da soberania” é

indistinto e o soberano se impõe difusamente. Na arquitetura do poder panóptico foucaultiano,

a disciplina mostrava sua estrutura. Na sociedade controlada, o mercado mundial instala seu

poder de tal forma que não mais é possível conceber seu lugar e sua estrutura. “O planeta

inteiro é seu domínio” (HARDT, 1996, p. 361). Assim, não existe algo que possa ser chamado

de espaço de “fora” para o mercado mundial, tal como existia para o poder na era

disciplinada. “Nesse espaço liso do império, não há mais lugar do poder: ele está em todos os

lugares e em nenhum deles. O império é uma utopia, ou, antes, um não-lugar” (HARDT,

1996, p. 362).

A não existência de um fora deve ser interpretada como a crescente sistemização das

sociedades em torno de um mercado mundial. Deve-se tomar muito cuidado, pois a falta de

conhecimento do que é um sistema, pode levar um a achar que a não existência do fora é uma

realidade. Mas não é. O que o sistema faz é fechar-se operacionalmente para reduzir

complexidade e controlar. Durante essa operação contínua, que envolve o processamento de

informação e comunicação mútua, os sistemas processam também ruídos, caos. Estes são

informados por feedback e os limites reajustados de acordo com o conhecimento deles pelo

sistema. Esse sistema cibernético não se iguala a uma máquina fechada, pois diz respeito à

complexidade social. A realidade social é um jogo de reprodução que encontra, para tal

finalidade, conflitos que determinam os próprios limites dessa reprodução e que são

resolvidos para que o sistema não morra. Dizer que não existe um fora, é uma visão

unicamente que parte do ponto de vista interior ao sistema, mas que não diz respeito à

realidade complexa.

As estratégias do poder na era controlada evidenciam sua realidade amorfa e moldável.

São estratégias de reorganização de empresas, por exemplo, na concepção de um mercado

mundial que trarão à mostra esse “não-lugar”. A descoberta ou a ilação do caminho do poder

contribui para evidenciar as diferenças entre era disciplinar e era do controle e, ainda,

contribui para afastar a ideologia persuasiva que a todos cega. A “desdiferenciação” entre o

dentro e o fora, para usar terminologia de Jameson (2001), na sociedade de controle, não

obstante, vem interferir diretamente na construção da subjetividade dos indivíduos. A fluidez

que diluiu as barreiras entre instituições provoca uma intensificação do contato dos indivíduos

com elas e, consequentemente, uma intensificação na produção de subjetividades. Segundo

Hardt, o lugar de cada instituição foi estendido a todo campo social. Disso se depreende que

os indivíduos não deixam de participar das instituições, mas se perde a limitação que era

inerente a todas elas.

A relação das desregulamentações institucionais com o capitalismo é essencial para

explicar o mundo em que vivemos. “Assim como o capitalismo, quanto mais elas [as

instituições] se desregram, melhor elas funcionam” (HARDT, 1996, p. 369). A lógica do

capitalismo está em seu esfacelamento ou corrupção, como nos mostra Hardt. É se

aproveitando da corrupção da subjetividade, portanto, que o capitalismo se aperfeiçoa. O

controle é, assim, uma intensificação e uma generalização da disciplina, em que as fronteiras

das instituições foram ultrapassadas, tornadas permeáveis, de forma que não há mais distinção

entre fora e dentro. Dever-se-ia reconhecer que os aparelhos ideológicos do Estado também

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operam na sociedade de controle, e talvez com mais intensidade e flexibilidade do que

Althusser jamais imaginou (HARDT, 1996, p. 369).

A sociedade de controle, consoante conclusão de Hardt (1996), conforma um “ponto

de chegada” do capitalismo. Há a constituição de uma nova “axiomática social” que

contempla uma “soberania propriamente capitalista”. Chega-se, logo, à sociedade

genuinamente capitalista que Marx definiu como “sociedade da subsunção real” (apud

HARDT, 1996, p. 372). É de grande importância, portanto, sublinhar o que esclarece Dênis de

Moraes (1998, p. 251). A diversidade de ofertas e os grandes fluxos de informação

proporcionados pela era digital contribuem para modificar a lógica entre mídia e público. O

que existe de diferente entre a mídia atual da mídia pré-digital, com relação ao controle, é que

hodiernamente não se pressupõe uma atuação disciplinar clássica, baseada na coerção. “A

antiga disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. As novas práticas de controle

social passam a ser de curto prazo, com rotação rápida e contínua” (MORAES, 1998, p. 251).

Embora o modelo disciplinar clássico não desapareça, aquele que impõe a informação,

justamente por saber que esta emana dele e apenas dele, o modelo atual de controle social,

segundo Moraes, conduz essa disciplina através de “modelos discursivos, fluidos e

sugestivos”. É uma (aparente) contradição perigosa que emerge nessa nova era: de um lado

megacorporações condicionando o mercado simbólico; de outro, a (aparente) diversidade de

oferta de informação.

James Ralph Beniger (1986), procurando compreender a centralidade da informação

para a vida material dos dias de hoje, já inicia sua grande obra – The Control Revolution – nos

convidando a pensar o porquê, como já demos sinal anteriormente, dentre as muitas coisas

que os seres humanos valorizam, de a informação ter sido aquela que dominaria as maiores e

mais avançadas economias do mundo. Por que agora os computadores, as máquinas

cibernéticas, que processam informação? A informação não haveria de se tornar bem e serviço

à toa. Simplificando: por que informação? Por que agora? Resposta: Por conta de uma

revolução na forma de o controle social operar. Isto é, a Revolução do Controle se trata de

“um complexo de rápidas mudanças nos arranjos econômicos e tecnológicos pelos quais a

informação é coletada, armazenada, processada e comunicada e pelos quais decisões

programadas ou formais podem afetar o controle social” (p. vi). A história apenas, sozinha,

argumenta Beniger (1986), não consegue explicar porque é a informação que passa a ser tão

crucial à economia e à sociedade. O cérebro mecânico que operaria e controlaria esse novo

processo de informação na era da cibernética só existe por conta da centralidade dada à teoria

da informação. Isto é, matéria não se confunde com informação, mas uma depende da outra.

“O cérebro mecânico não secreta pensamento ‘como o fígado faz com a bílis’, tal como

pretendiam os primitivos materialistas, nem o externa sob a forma de energia, como o

músculo externa sua atividade”. Assim, “informação é informação e não matéria ou energia.

Nenhum materialismo que não o admita pode sobreviver hoje em dia” (WIENER, 1970, p.

171). O caminho descrito pela cibernética para pensar um “cérebro mecânico” abriu outros

para pensar os mesmos processos em todos os sistemas vivos, o que faz com que a

informação tenha sua contrapartida e fundamento de validade naquilo que há de mais

complexo nas ciências: a própria vida. A resposta, assim, deve ser buscada “na natureza de

todos sistemas vivos – em última análise, na relação entre informação e controle” (BENIGER,

1986, p. vi). A razão disso é simples e complexa ao mesmo tempo: a vida já implica controle,

em células e organismos, não menos do que em economias nacionais ou qualquer outro

sistema finalista (purposive system) (BENIGER, 1986, p. vi).

Sociedades são sistemas de processamento de matéria e esse papel se tornava mais

claro na medida em que a Revolução Industrial aumentou o ritmo e a velocidade com as quais

a matéria se tornava processada. Houve um momento em que a necessidade de um

processamento mais rápido ultrapassou as possibilidades humanas, sendo necessários novos

avanços econômicos e tecnológicos com vistas em se criar ferramentas propícias ao

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processamento daquilo de que sempre precisou a vida: informação. A razão da informação

também é clara: a necessidade de controle se tornou cada vez maior. Controle sempre gera

controle e, nisso, a velocidade para controlar ultrapassou o ritmo humano nos momentos

próximos e posteriores à Revolução Industrial, necessitando de extensões para controlar o

próprio controle e, como consequência, para processar informação e comunicação. Entender a

economia da informação em expansão como meio de controle parece ser apenas um modo

diferente de olhar as coisas. Apesar disso, as pretensões de Beniger são maiores: propor uma

síntese dos conhecimentos parcelares sobre as sociedades de informação, trazendo todas as

verdades produzidas dentro de outras que abarquem o todo (p. viii). Assim, criamos uma série

de teorias com termos diferentes (Sociedade de controle, Sociedade do conhecimento,

Sociedade pós-fordista etc.) que, a fundo, referem-se a uma verdade em comum: necessidade

de controle, daí a Revolução do Controle. Controle tem raízes no biológico, no físico e no

antropossociológico, compondo um pondo de partida importante para realização de um

pensamento complexo, conforme proposto por Morin (2013). O termo “revolução”, explica

Beniger, é um termo emprestado da astronomia que somente apareceu no discurso político na

Inglaterra do século XVII, referindo-se à “restauração de uma forma prévia de governo”,

sendo somente com a Revolução Francesa que a palavra ganhou um significado oposto até

hoje utilizado: “de mudança abrupta e frequentemente violenta” (1986, p. 7). No estudo de

Beniger, esse cuidado com a etimologia implica dizer que seu trabalho encara a palavra

revolução na combinação dos dois sentidos, não somente no popular, pois a Revolução à qual

Beniger se refere também tem seu sentido de restabelecimento de uma ordem que se

encontrava em crise – é o que ele chama de “crise do controle”, iniciada com a Revolução

Industrial e que levou mais tarde à Revolução do Controle, o que podemos encarar como uma

sobrevivência por meio do controle do sistema capitalista. Até mesmo a palavra “crise” pode

passar a ganhar uma autorreflexão nesse contexto, sendo levada às suas origens na medicina

como sinônimo de um ponto máximo de adoecimento de um sistema que, passado esse

momento por meio das realimentações vitais para combater seu enfraquecimento, voltaria à

sua homeostase; ou não, à sua morte. Isso é, entretanto, muito complicado para dizer sobre os

sistemas complexos humanos na forma de sociedades. Há quem diga que estamos em crises

constantes. Mas, esse não é nosso ponto aqui, já que controle absoluto é improvável e não

deve ser encarado no trabalho de Beniger, nem neste, como uma forma de absoluta

dominação. A renovação constante da crise é uma forma dialética de ver a mudança social, de

acordo com sua necessidade de manutenção de controle sobre a vida.

No trabalho de Beniger, como escreve, “a palavra controle representa sua mais geral

definição, influência proposital direcionada a um objetivo predeterminado” (purposive

influence toward a predetermined goal) (1986, p. 7). A ideia de controle como “influência” é

uma possibilidade que confirmamos com o estudo etimológico da palavra feito por

Comparato (2014). A origem do termo do Latim, entretanto, oferece-nos mais informação

importante. A palavra controle deriva do verbo do Latim medieval contrarotulare. Beniger

interpreta o verbo como “comparar algo contra os rolos” (rolos tem o sentido de “registro”),

cilindros de papel que serviam como registros oficiais nos tempos antigos. Essa própria

origem latina já é explicativa do processo de controlar algo, comparando os inputs de

determinados sistemas a seus programas armazenados, registrados. Assim, o programa de um

sistema serve como o registro da história do sistema com o qual o insumo que adentra o

sistema será comparado. Assim, inseparáveis do conceito de controle são as atividades de

processamento de informação e comunicação recíproca, centrais para realização do controle.

O processamento de informação, segundo Beniger, “é essencial para toda atividade com um

propósito, que são por definição direcionadas a um objetivo (goal) e devem, portanto,

envolver a contínua comparação dos estados atuais aos fins futuros, um problema básico de

processamento de informação” (1986, p. 8). Junto à comparação entre inputs e objetivos, uma

interação comunicacional mútua entre controlador e controlado deve também ocorrer, “não

apenas para comunicar a influência daquele para este, mas também para comunicar de volta

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os resultados dessa ação (daí o termo feedback, por conta do recíproco fluxo de informação de

volta ao controlador” (BENIGER, 1986, p. 8). Daí, portanto, a centralidade do processamento

de informação e da comunicação mútua entre controlador e controlado. Não apenas essa

concepção influenciou Wiener em sua definição de Cibernética, mas também, conforme

Beniger, os pioneiros da teoria matemática da comunicação, Shannon e Weaver. Para estes,

conforme Beniger, a comunicação era um controle proposital, ou o conjunto de procedimentos

pelos quais uma mente pode afetar a outra. Eles notaram que “ou a comunicação afeta um

comportamento ou não possui qualquer efeito discernível ou provável” (BENIGER, 1986, p.

8).

Pondo tal conceito de controle, inseparável das atividades de processamento de

informação e comunicação, ao nível de uma sociedade, Beniger (1986) nos afirma, portanto,

que a habilidade dessa sociedade em manter controle, em todos os níveis (do interpessoal ao

das relações internacionais), será diretamente proporcional ao desenvolvimento de suas

tecnologias de informação.

O processamento de informação, explica Beniger, pode ser mais difícil de apreciar do

que o processamento da matéria e energia, como é simples perceber com o processamento

tanto do carvão, da energia à vapor e dos tecidos em algodão pelos inventos que levaram à

Revolução Industrial. Isso ocorre, pois, ao contrário do processamento de matéria e energia, a

informação é epifenomenal, ou seja, “deriva da organização do mundo material no qual ela é

inteiramente dependente para sua existência” (BENIGER, 1986, p. 9, grifo nosso). Aqui,

precisamente, lembramos as palavras de Wiener: de que não há materialismo que se sustente

sem sua relação com a informação. Apesar de ser derivada da matéria e da energia que

constituem esse mundo material, a informação está ligada diretamente aos sistemas vivos que

necessitam de organização, de ordem e de poder. Resumindo, com Beniger: “todos os

sistemas vivos precisam processar matéria e energia para se manter contra a entropia, a

tendência universal da organização rumo ao colapso e à aleatoriedade” (1986, p. 10). Sendo o

controle necessário para tal processamento, a informação é, por sua vez, essencial ao controle.

Em decorrência, o processamento da informação e a comunicação mútua, enquanto elementos

que diferenciam os sistemas vivos do universo inorgânico, são elementos que definem a vida,

“excetuados alguns artefatos recentes de nossa própria espécie” (1986, p. 10).

A crise do controle, que levaria à Revolução do Controle, é encontrada por Beniger na

descrição de Émile Durkheim sobre o processo de industrialização das sociedades. A

industrialização, assim, de acordo com Durkheim (apud BENIGER, 1986), tende a quebrar

barreiras para transporte e comunicação que isolam mercados locais, chamados por ele de

“tipo segmentado”, estendendo a distribuição de bens e serviços para o “tipo organizado” de

mercado, que se trata de mercados em âmbito nacional e global. Quando ocorre isso, há uma

quebra de equilíbrio sob o qual a produção é regulada por intermédio de comunicação direta

entre produtor e consumidor. Essa descrição de Durkheim, presente no livro Da divisão do

trabalho social, é a descrição do que Beniger caracteriza como “crise de controle”. A saída da

crise seria solucionada com novos meios de comunicação com a finalidade de controlar

economias organizadas em níveis mais complexos que o do mero tipo segmentado,

localizado. Há, como diz Beniger, uma crescente “sistemização” (“systemness”) da sociedade,

na qual a capacidade de comunicar e processar informação está diretamente ligada ao que

funcionalistas estruturalistas como Durkheim chamaram de “problema de integração”

(BENIGER, p. 11), ou seja, “a crescente necessidade de coordenação de funções que

acompanham a diferenciação e a especialização em qualquer sistema” (BENIGER, p. 11).

Para Beniger, o que Durkheim descreve como uma crise de controle no âmbito social tem sua

contrapartida no âmbito da psicologia individual. A “anomia” de Durkheim surge, portanto,

do colapso de normas que governam o comportamento grupal e individual. A anomia é um

estado patológico do comportamento, exceção da própria regra de Durkheim que via o

aumento da divisão do trabalho diretamente associado a uma integração normativa e de

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solidariedade social. Todavia, o estado de anomia não decorreria primeiramente dessa

mudança na estrutura da divisão do trabalho social, mas do colapso da comunicação entre os

setores sociais cada vez mais isolados. Assim, tanto o problema da integração econômica

quanto o da anomia, resultam da incapacidade de comunicação. O que Beniger segue

mostrando em todo seu livro são exatamente os esforços tecnológicos e econômicos para que

a comunicação se tornasse possível.

Para Beniger, principais respostas tecnológicas à essa crise de controle estão em

Weber, quem primeiro analisou o rápido crescimento da burocracia formal na virada do século

XIX para o XX (BENIGER, 1986), mais notavelmente em Economia e Sociedade. A

burocracia é a tecnologia que controla outros inventos tecnológicos capazes de cuidar dessa

organização complexa trazida pela crise do controle. Apesar do apelo à formalidade da

burocracia nesse novo momento histórico, não se deve atribuir novidade ao fenômeno. Os

antigos estados-nação da Mesopotâmia e do Egito necessitavam de administrações

centralizadas, sendo daí que surge o aparato burocrático, o qual continuou a ser utilizado e

aperfeiçoado atingindo os impérios pré-industriais de Roma, China e Bizâncio (BENIGER,

1986). As organizações burocráticas, sintetiza Beniger, “tendem a aparecer qualquer que seja

o local em que uma atividade coletiva necessite ser coordenada por muitas pessoas em direção

a objetivos explícitos e impessoais, isto é, ser controlado”. Assim, “burocracias têm servido

como meios generalizados de controle a qualquer sistema social amplo na maior parte das

arenas institucionais e das culturais desde sua emergência em torno de 3.000 a.C.”

(BENIGER, 1986, p. 13, grifo nosso).

Por conta dessa pervasividade da forma burocrática, a história e seus historiadores,

segundo Beniger (1986), tendeu a discutir com superficialidade o seu papel no último século

XIX como uma grande tecnologia de controle. É na sua forma moderna, sobretudo, que a

burocracia atinge o grau de tecnologia de controle e também de sobrevivência, isto é, tanto em

termos políticos como em econômicos. Com ajuda de novos meios de comunicação que

entrariam como parte desse aperfeiçoado objeto de controle, a sobrevivência de toda uma

economia social se tornara possível, juntamente com o lucro visado por particulares

detentores do poder econômico cada vez mais centralizado. O aparato estatal, é claro, bem

mais evidente inclusive que o econômico, aproveitou-se dessa nova organização do mundo

material, podendo aplicar a força da lei com a ajuda de meios de controle tentaculares como a

burocracia. A burocracia é, assim, um constituinte, ao mesmo tempo, econômico e político na

modernidade, dela se apropriando o imperium para aplicar suas leis e controlar a ordem

social, e a economia para permanecer sobrevivendo, inclusive mantendo padrões antigos de

exploração. A burocracia não pode deixar de ser vista como um meio de comunicação maior

que organiza outros menores. Se a comunicação, enquanto objeto, está situada nessa

encruzilhada de controles, como podemos falar de comunicação “livre”, em “free” flow of

information? Assim, como o poder não mostra sua materialidade com facilidade para a

sociedade emergente, estando “escondido” em uma rede de controle e sobrevivência,

podemos dizer que a comunicação que ali circula só pode dele “ser serva”.

A afirmação de Morin (2011) de que o poder que está escondido faz a comunicação

sua serva é corolário do pensamento de que à organização do controle e da comunicação não

se tem dirigido tanta atenção. Aliás, o seu pensamento complexo evidenciou que a forma

organizacional das coisas não pode estar imiscuída em um black-box onde os processos não

são vistos e reduzidos ao esquema input-output das máquinas triviais. Controle e

comunicação, em sua relação, só se tornam temas novamente postos em discussão, mesmo

assim marginalmente, com a Cibernética, quando exatamente o homem tem o aparelho ou a

máquina em suas mãos para analisá-lo e controlá-lo, observando nele os fluxos de

comunicação e de controle. Na guerra, mais do que nunca, era preciso dominar os processos

de comunicação e de controle.

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Considerações finais

Como visto, a “‘comunicação’, como uma atividade social, compreende o conjunto de

formas sociais pelas quais as relações sociais são expressas, materializadas e modificadas”; a

“comunicação estabelece a moldura, os limites e as implicações dessas relações sociais, seja

lá uma questão de nações, classes, mercados ou impérios” (DE LA HAYE, 1979, p. 55, grifos

nossos). Essa afirmação complementa, portanto, a noção de comunicação de Luhmann, um

sistema operacionalmente fechado que produz a si mesmo e operador central do sistema

social. A comunicação é uma atividade social que estabelece os próprios limites de tal

atividade.

Para organizar e, ao mesmo tempo, por limites à situação de um todo social complexo

que se produz e reproduz continuamente, a comunicação tem de ser relativa ao controle

social. Controle social e comunicação social são faces de uma mesma moeda, de uma mesma

realidade: a dos sistemas vivos (Estados, indivíduos, empresas, sociedades) que produzem e

se reproduzem para sobreviver à tendência eterna à entropia que foi estabelecida pela segunda

lei da termodinâmica (MORIN, 2011).

O caráter central da reprodução social está no movimento de seus limites e isso só é

possível por meio da realimentação sistêmica (feedback). A informação, epifenômeno do

mundo material, passa por todas as barreiras físicas, como lembra Raffestin: “as barreiras em

volta dela não servem para nada”. E Raffestin lembra Wiener em Cibernética e Sociedade ao

dizer que gozará de maior segurança aquele país em que “a situação da informação e da

ciência for apropriada para satisfazer as eventuais exigências – o país no qual se constatar que

a informação interessa na qualidade de um processo contínuo, pelo qual observamos o mundo

exterior e agimos eficazmente sobre ele” (1993, p. 220).

A informação e sua existência no processo comunicacional dos sistemas sociais

(político e econômico) hoje só revelam a vida dupla da comunicação. Ela organiza o poder

social (política) ao mesmo tempo em que estabelece os limites da produção e reprodução

social sistêmica (economia). É na e pela comunicação que se vive e que se permite viver e

sobreviver. O que nos resta é criticar o processo comunicacional engendrado nesse tipo de

realidade – se compatível com a axiologia democrática preconizada pelos territórios

ocidentais ou se a comunicação é apenas serva de uns poucos. Daí, portanto, a tarefa do

sujeito e do intelectual é buscar e criticar os limites dos usos e alcances da comunicação em

sociedade, principalmente na atual complexidade da sociedade mundial de controle.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Educação para o turismo: o programa “Mais cultura nas

escolas” em uma escola de Parnaíba/Piauí

André Riani Costa Perinotto Doutor em Ciências da Comunicação – UNISINOS/RS; Mestre em Geografia (Organização do Espaço) –

UNESP/Rio Claro; Especialista em Docência para Ensino Superior (Turismo e Hotelaria) – SENAC/SP; e

Bacharel em Turismo – UNIMEP/SP. Professor Adjunto do Curso de Turismo da UFPI (Universidade Federal

do Piauí – Brasil). Professor do Mestrado Profissional em Artes, Patrimônio e Museologia – UFPI e Professor

do Mestrado em Gestão de Negócios Turísticos da UECE. Endereço para correspondência: Av. São Sebastião,

2819 (Bairro Reis Veloso). CEP: 64202-020 – Parnaíba – Piauí (Brasil). Telefone (+55 86 33235299). E-mail:

[email protected]

Aline Ribeiro de Sousa Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Piauí- UFPI; e Licenciada em Pedagogia pela

Universidade Federal do Piauí- UFPI. E-mail: [email protected]

Dilene Magalhães Borges Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Piauí- UFPI. E-mail: [email protected]

Resumo

Buscou-se neste trabalho refletir sobre o papel da Educação para o Turismo, tendo a

Educação Patrimonial como ponto de partida para as reflexões a respeito do fazer turístico

no município de Parnaíba-Piauí. O objetivo consiste em analisar como a Educação

Patrimonial tem ajudado os alunos da escola Municipal Borges Machado a conhecer e

valorizar a cultura local e consequentemente a educação para o turismo. Neste sentido,

adotou-se uma linha de conteúdos sobre Educação Patrimonial, o projeto Mais Cultura nas

Escolas, sobre turismo, educação e hospitalidade. O delineamento da pesquisa se

caracterizou como estudo de caso, por conseguinte a pesquisa classificou-se como

exploratória e descritiva, e utilizou-se a pesquisa bibliográfica e documental. Para a coleta

dos dados usou-se da entrevista não padronizada e aplicação de questionário. Diante dos

resultados pode-se perceber que a Educação Patrimonial tem contribuído para validar as

experiências e conhecimento da realidade dos envolvidos e com isso cria-se um sentimento de

pertencimento e afetividade com seus bens patrimoniais. No entanto, notou-se as limitações

existentes no projeto, por isso acredita-se que a educação para o turismo pode além de

agregar valores em relação ao exercício da cidadania, como também ajuda no despertar de

um sentimento de pertencimento da comunidade local, o que auxilia na preservação de suas

tradições.

Palavras-chave

Patrimônio; Educação e Turismo; Parnaíba/PI.

Abstract

This job wanted to reflect the role of the Education for Tourism, having the Heritage

Education as a starting point for the tourist reflections about doing in the city of Parnaíba-

Piauí. The goal to analyze consist as the Heritage Education has helped the students of

Municipal School Borges Machado to know and value to the local culture and therefore

education for tourism, in this sense adopted a line of contents about Heritage Education, the

project More Culture in Schools, about tourism, education and hospitality. The delineation of

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the research was characterized as a case study, so the research was classified as exploratory

and descriptive, it was used bibliographical research and documental. For the collection of

the data using one of the interview not standardized and application of questionnaire. Given

the results can be realized the Heritage Education has contributed to validate the experience

and knowledge of the reality of the people involved, and with that creates a sense of belonging

and affectivity with your capital actives. However you noticed the limitations existing in the

project, so help is believed that the education for tourism can beyond adding values in

relation to the exercise of citizenship, as well as her to wake from a sense of belonging to the

local community, what you watch on the preservation of your traditions.

Keywords

Heritage; Education and Tourism; Parnaíba/PI.

Introdução

O que seria do homem se não fosse a sua história, seus costumes e tudo mais que o

faz ter uma identidade ou que o identifique como pertencente a um grupo social específico? É

com este questionamento que se abre esta pesquisa e uma das respostas mais plausível para

essa pergunta vai de encontro ao pensamento de Karl Marx (s/d, p.2) que já dizia “o homem é,

inseparavelmente, produto do meio em que vive”. Deste modo o homem é fruto do meio em

que vive, seja pelos fatores ambientais/naturais, seja pelas relações sociais, advindas dos

ambientes de trabalho, escolar e principalmente, familiar. Dessa forma, infere-se que o

homem se estrutura, influenciando e sendo influenciado nesse processo de interação.

Essas relações veiculam e fortalecem o que se conhece como patrimônio cultural,

que do ponto de vista de Dias e Machado (2009) “compreende os elementos significativos da

memória social de um povo ou de uma nação que englobam os elementos do meio ambiente”,

como as crenças, costumes tradições e monumentos que são repassados de geração para

geração e que ao longo dos anos sofrem transformações. Devido a isso o indivíduo é

considerado um ser social, que constrói o seu legado e o transmite para seus descendentes.

Isso significa dizer que a cultura, constituída de princípios éticos e morais, é a essência do ser

humano no que diz respeito ao seu convívio em sociedade. Por conseguinte faz-se necessário

repensar o que o sistema educacional tem feito em relação à preservação das diferentes

culturas e de que maneira pode-se manter viva a identidade de um povo, haja vista que a

educação tem papel decisivo no que diz respeito à construção do conhecimento e só se

preserva o que se conhece.

Com base no que foi exposto buscou-se neste trabalho discutir o papel da escola no

que tange a Educação para o Turismo, tendo a Educação Patrimonial como ponto de partida

para as reflexões a respeito do fazer turístico no município de Parnaíba-Piauí. Para isso

adotou-se o seguinte questionamento: De que maneira o projeto de Educação Patrimonial,

desenvolvido na Escola Municipal Borges Machado no Município de Parnaíba-Piauí colabora

no processo de ensino aprendizagem em relação ao grau de pertencimento da cultura local que

os alunos podem adquirir com as atividades extraclasses?

Embora o turismo seja considerado uma atividade econômica por ser geradora de

emprego e renda, este se encontra ligado a diversos setores que o torna multidisciplinar, visto

que engloba diferentes áreas do saber como a geografia, história, artes, biodiversidade, dentre

outras que estão contidas no universo e propostas educacionais, por isso, o interesse de se

trabalhar a educação tendo como perspectiva o desenvolvimento da atividade turística no

município de Parnaíba- Piauí.

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Há de se ter em vista que a cidade possui um grande acervo histórico-cultural e

natural, que tem tudo para se tornar um dos destinos mais procurados e visitados da região

nordeste para a prática do turismo. No entanto, a população parece não se atentar ao fato de

que seu envolvimento nesse processo se torna necessário para alcançar o sucesso da atividade

e em decorrência disto o seu patrimônio será salvaguardado para que as futuras gerações

possam ter conhecimento das suas raízes e tradições e sintam-se orgulhosos do seu povo.

Para isso, é necessário que se incentive desde muito cedo o envolvimento e a

inclusão da comunidade em conhecer e defender o que é seu, a sua identidade e seus

costumes. A maneira mais viável é trazer essas discussões para a sala de aula através dos

temas transversais que são destacados nos Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação-

PCN e isso pode ser feito através da Educação Ambiental, Educação Patrimonial e demais

disciplina formais, visto que a integração entre esses conteúdos são importantes para uma

educação de qualidade, tendo em vista o novo momento que se vive.

Neste sentido, acredita-se que uma educação turística, possibilita a construção de

meios para trabalhar desta maneira a multidisciplinaridade característica do turismo e da

educação e com isso pode-se inserir uma infinidade de temas que estão direta ou

indiretamente ligados à atividade turística e que são importantes para a relação entre hóspede

e hospedeiro. Todavia o que se pode perceber é que as instituições não têm uma percepção de

que através do turismo é possível reverter um problema que há muito tempo é debatido no

meio educacional, que é a falta de conscientização e interesse dos alunos em assuntos que

dizem respeito à cidadania e sua participação ativa no meio em que vivem. Assim, esse aluno

passa de sujeito passivo para ser um indivíduo proativo, atuante no que tange a sobrevivência

da sua história, cultura e tradições dentro desse sistema globalizado em que se vive.

Deste modo, a educação para o turismo traz consigo a possibilidade de salvaguardar

a história de um lugar, fato este que define a origem e identidade de um povo que através

disto o homem guarda seus costumes e valores, os quais irão ser transmitir para seus

descendentes. E isso é que o visitante procura quando sai do seu local de origem, ou seja, o

turista vem em busca de troca de experiências e vivências com o autóctone. Vale ressaltar que

possibilita o enriquecimento do indivíduo e da sociedade, bem como se torna uma alternativa

para o desenvolvimento consciente da atividade turística dentro de uma comunidade.

Portanto, a educação para o turismo tem como fator importante nesse processo, a

inserção da população local com a finalidade, não só de envolvê-los nas ações de preservação

do seu patrimônio, mas de sensibilizá-los e prepará-los para receberem bem o visitante,

despertar assim o sentimento de povo acolhedor, de modo que a relação entre anfitrião e

hóspede seja inteiramente amistosa e recíproca. Para alcançar esse objetivo não basta esperar

que a comunidade receptora por si só já esteja preparada para recepcionar esse viajante, ela

precisa ser introduzida no sistema de forma a participar das tomadas de decisões que

interferem na sua vida, no seu cotidiano. Nesse sentido é relevante destacar que não basta só

estruturar o destino para satisfazer as necessidades dos turistas, mas o envolvimento dos

moradores com os visitantes são peça-chave com relação à hospitalidade de um lugar, tendo

em vista que a maioria dos turistas preza pela boa receptividade que encontrarão nos futuros

destinos.

Na concepção de Issa (2007) a hospitalidade se caracteriza pela proximidade de

ações como solidariedade, vínculos e laços sociais que estão enraizados na composição e

concepção das comunidades, deve-se assim iniciar no seio dos componentes da população

local para posteriormente exteriorizar aos visitantes, ou seja, criar um ambiente amigável

entre os próprios moradores e isso se reflete na recepção do turista.

Assim a Educação para o Turismo cria possibilidades do desenvolvimento

sustentável da atividade turística, em que vise buscar meios de minimizar seus impactos

negativos e maximizar os positivos de forma que autóctone e visitante convivam

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harmonicamente com o meio ambiente e que dessa relação resulte a preservação do

patrimônio cultural e natural, bem como o crescimento econômico da região.

Educação patrimonial: significados, conceitos e desafios

A Educação Patrimonial refere-se a uma atividade que está relacionada a ações

educacionais que visam o conhecimento do patrimônio cultural, seja ele local, regional ou

nacional, e tem como finalidade sua preservação para que no futuro se tenha conhecimento

sobre os fatos ocorridos no passado.

Desse modo, a proposta de desenvolver ações educativas com a finalidade de fazer

uso e se apropriar dos bens culturais, surge no Brasil em 1983 no 1º seminário “Uso

Educacional de Museus e Monumentos” que ocorreu em Petrópolis, Rio de Janeiro, Horta

(1996, p.1). No entanto, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional- IPHAN

desde a sua criação na década de 30 salienta sobre a importância de criar estratégias para a

proteção e preservação do patrimônio, dando destaque as ações educativas.

Desde a sua criação, em 1937, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional – IPHAN – manifestou, em documentos, iniciativas e projetos, a

importância da realização de ações educativas como estratégia de proteção e

preservação do patrimônio sob sua responsabilidade, instaurando um campo

de discussões teóricas e conceituais e metodologias de atuação que se

encontram na base das atuais políticas públicas de Estado na área

(FLORÊNCIO, CLEROT, BEZERRA, RAMASSOTE, 2014, p. 5).

Por isso, o Patrimônio Cultural é um direito do ser humano e isso foi formalizado em

1998 pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos). Como descrito por

Rodrigues (2005) todo homem tem direito e este deve ser respeitado, mostrando-se autêntico,

expressando sua identidade, utilizando seu patrimônio e dos demais, participando das decisões

relacionadas à sua cultura, podendo associar-se para defender e preservar este.

Seguindo esta perspectiva é preciso ressaltar que a cultura resulta de uma construção

social, visto que é a partir da convivência entre os indivíduos e sua interação com o meio

ambiente que surgem os interesses em comum que os fazem pertencerem a um grupo social

especifico. Esta por sua vez é o que contribui para a criação de uma identidade seja individual

ou coletiva.

[...] Cultura é um processo pelo qual o homem acumula as experiências que

vai sendo capaz de realizar, discerne entre elas, fixa as de efeito favorável e,

como resultado da ação exercida, converte as idéias em imagens e

lembranças, a princípio colocadas às realidades sensíveis, e depois

generalizadas, desse contato inventivo com o mundo natural (PINTO, 1968,

p. 123, apud TRIGO, 1993, p.52).

Ao destacar que as experiências se convertem em imagens e lembranças o autor faz

uma reflexão a respeito da memória que é outro fator importante ao se trabalhar à educação

patrimonial, pois através da memória coletiva, estimulada no ambiente escolar, é que se pode

concretizar a apropriação e valorização da cultura local.

Segundo Cabral (2004, p.36) a “memória como construção, formada da inter-relação

entres os seres e entre seres e coisas, sendo esta a base para a construção da identidade, da

consciência do indivíduo e dos grupos sociais e é assim que se estabelecem as relações, a

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partir dessa identificação”. Partindo desse pressuposto é valido ressaltar que memória e

identidade são primordiais para a existência e preservação do Patrimônio Cultural, o que

Batista (2005, p.30) reforça ao dizendo que:

A identidade cultural e a memória reforçam-se mutuamente. Conhecemos as

nossas raízes, distinguimos o que nos une e o que nos divide. Estamos aptos

a entender que a cultura e a memória são faces de uma mesma moeda e que a

atitude cultural por excelência e com o que nos rodeia, desde os testemunhos

construídos ou das expressões da natureza aos testemunhos vivos aos quais

são imprescindíveis para a construção desta identidade.

Seguindo essa perspectiva a Educação Patrimonial tem nos bens culturais, sejam

estes materiais e imateriais e/ou tangíveis e intangíveis, a fonte de conhecimento primário,

capaz de transformar a realidade de comunidades que muitas vezes não são percebidas pelos

próprios moradores de quão importante é a sua cultura e que seu conhecimento e

reconhecimento é preciso para que esta continue viva e assim possa fortalecer sua identidade

e memória.

Nesse sentido, a escola é concebida como um espaço sociocultural, em que tem como

obrigações conduzir o indivíduo ao conhecimento e assim o exercício pleno da cidadania,

feita através de sua colaboração para com a comunidade onde está inserido. Neste sentido, é

preciso frisar a importância que o sistema educacional tem em relação ao desenvolvimento de

ações que visem ao respeito à diversidade cultural do país, buscando assim a valorização não

só do patrimônio cultural nacional, mas principalmente ao patrimônio que se encontra ao seu

redor. Para isso a Educação Patrimonial deve-se ser inserida, de fato, nos currículos escolares,

entretanto deve-se pensar em uma metodologia inovadora, que agregue valores referentes à

realidade das comunidades.

Do ponto de vista de Magalhães (2009, p.2), existem duas possibilidades ao se

pensar na Educação Patrimonial, com características distintas e opostas, que são a educação

tradicional e a educação transformadora. A primeira dá ênfase a uma visão impositiva que tem

interesses específicos, enquanto a segunda segue uma visão de caráter libertador, em que o

sujeito é autônomo capaz de produzir seu próprio conhecimento e perceber contradições nesse

processo. Esse autor ainda justifica suas palavras dizendo que a educação tradicional “[...]

preocupa-se apenas com construções significativas para alguns grupos sociais, geralmente

identificados aos grandes barões do café ou a edificações religiosas, vinculando a memória da

cidade com estes personagens. [...]” (p.4).

Desta maneira o desafio da educação está em inserir nos currículos uma proposta

pedagógica que venha a trabalhar o educando de forma que o torne sujeito participativo no

que se refere a sua participação no meio em que vive, incentivando-o a exercer sua cidadania

e em consequência disto criar a possibilidade deste se apropriar e salvaguardar sua cultura.

Nas argumentações de Biazzeto (2013) em seu trabalho sobre educação patrimonial e

memória, é destacado o arquivo histórico de Porto Alegre, e dois projetos desenvolvidos nele,

como lugar de memória e a utilização deste como espaço não formal de educação, para esse

autor lugares como esses “[...] contribui na construção de identidades a partir do momento que

propicia a apropriação dos bens culturais que os educandos entram em contato durante as

ações, conscientizando que todos são sujeitos históricos, construtores de memória e

identidade”.

De acordo com Biazzeto (2013), pode-se referir a um método não muito recente, mas

que se bem planejado é capaz de ultrapassar as barreiras existentes entre a teoria e a prática,

são as chamadas aulas passeio ou city tour, em termos mais atuais visitas técnicas. O passeio

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pela cidade funciona como um importante instrumento pedagógico no processo de ensino

aprendizado do estudo do meio utilizando práticas de recreação a fim de integrar conteúdos

curriculares as vivências sociais e assim contribuir para enriquecer os conhecimentos sobre o

lugar em que vive e seus moradores. Nesse contexto, a proposta se confronta com os

princípios do turismo pedagógico.

No entanto a proposta de que trata esta pesquisa, não é necessariamente de levar os

alunos a conhecerem a cultura de outros locais, não no primeiro momento, mas sim instigá-los

a conhecer sua própria, para se auto afirmarem como possuidores de uma identidade autêntica

e que tem valor equiparado às demais. As instituições educacionais, em sua grande maioria,

insistem em uma educação tradicional com metodologias defasadas e que tem provocado

diversos problemas, então a ideia é utilizar métodos que envolva o sujeito para que este passe

de espectador a ator e autor da sua própria história. Gomes (1996, p. 87) diz que: “Discutir,

compreender e pesquisar sobre a relação entre cultura, escola e diversidade étnica cultural nos

possibilita um olhar mais aguçado sobre a instituição escolar e a adoção de novas práticas

pedagógicas”.

A Educação Patrimonial tem com isso o papel fundamental de promover uma

aproximação do educando com sua realidade, possibilitando que os conhecimentos adquiridos

em sala de aula se intensifiquem na vivência da prática, criando deste modo novas

possibilidades de ações dos cidadãos, bem como a preservação de seus bens culturais,

construindo um elo entre passado e presente e desconstruindo assim essa identidade que por

tempos foi imposta pelo sistema educacional. Para isso é interessante averiguar o tem sido

feito em relação à introdução de políticas públicas que visem à valorização do patrimônio

local por parte de todos os envolvidos no cenário onde este se encontra.

O programa mais cultura nas escolas e sua possibilidade de

ampliação

Diante do que foi exposto emerge a necessidade de explanar sobre um recente

programa de política pública relacionada à temática, que é o Programa Mais Cultura nas

Escolas. Este foi implantado em 2013 em todo território brasileiro e foi elaborado por uma

iniciativa interministerial, Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Cultura (MinC),

(MANUAL, 2013). Esse tipo de iniciativa se torna necessário visto que os municípios não

disponibilizam de recursos para a execução de projeto que requer uma atuação mais prática

dos sujeitos envolvidos. De acordo com Sowa e Rosa (2014, p.5) “políticas como essas

possibilitam a redução das desigualdades sociais, assim como garantir o direito humano e de

cidadania a cultura”.

O Programa Mais Cultura teve seu surgimento iniciado a partir de dois outros

programas do MEC, que são: Mais Educação (2007) e Ensino Médio Inovador (2009). Estes

foram criados para comtemplar gradativamente a integralização do ensino público Sowa e

Rosa (2014). Por isso que uma das exigências para as escolas se escreverem no Programa, era

está participando de um desses outros dois. A finalidade é promover ações que façam a

ligação entre o projeto pedagógico de escolas públicas e as experiências culturais nas

comunidades locais e nos diversos territórios (MANUAL, 2013). Dentre os objetivos dos

quais se propôs essa iniciativa destaca-se quatro dos nove que consta no manual de elaboração

de atividades, que são:

•Reconhecer e promover a escola como espaço de circulação e produção da

diversidade cultural brasileira; Contribuir com a formação de público para as

artes e ampliar o repertório cultural da comunidade escolar;

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•Promover, fortalecer e consolidar territórios educativos, valorizando o

diálogo entre saberes comunitários e escolares, integrando na realidade

escolar as potencialidades educativas do território em que a escola está

inserida;

•Proporcionar encontro entre vivências escolares e manifestações artísticas e

culturais fora do contexto escolar;

•Fomentar o comprometimento de professores e estudantes com os saberes

culturais locais (MANUAL, 2013).

Os objetivos em destaque são os que mais têm relação com o que foi exporto nesta

pesquisa, que trazem a escola como espaço de integração e produção da diversidade cultural,

enfatiza a importância das vivências e trocas de experiências entre saberes escolares e

comunitários, que se fazem presente nas propostas da Educação Patrimonial. E por que não

dizer que tem uma relação como a atividade turística?

A proposta de inserir o turismo nessas atividades se justifica por ser esse projeto

aplicado em uma escola que está situada em uma cidade que tem perspectiva em se tornar um

destino promissor e que possui diversos fatores que contribuirão para a expansão/extensão do

projeto, auxiliando no processo de ensino aprendizagem que colaborarão para o

enriquecimento dos conhecimentos vistos apenas em sala de aula. Visa com isso à inovação

ou reformulação de métodos que permite uma compreensão mais eficaz do contexto histórico-

socioambiental em que esse educando esteja inserido.

No entanto vale fazer uma ressalva quanto à aplicabilidade desse tipo de iniciativa,

pois em sua grande maioria a sua ineficácia acontece por falta de continuidade desses projetos

tanto por parte do órgão criador, como pelos executores. De forma que esses projetos devem

ser vistos pelas escolas como base inicial para o desenvolvimento e elaboração de outros que

busquem enquadrar conteúdos das disciplinas formais com a realidade dos alunos.

A organização dos conteúdos em torno de projetos, como forma de

desenvolver atividades de ensino e aprendizagem, favorece a compreensão

da multiplicidade de aspectos que compõem a realidade, uma vez que

permite a articulação de contribuições de diversos campos de conhecimento.

Esse tipo de organização permite que se dê relevância às questões dos Temas

Transversais, pois os projetos podem se desenvolver em torno deles e serem

direcionados para metas objetivas, com a produção de algo que sirva como

instrumento de intervenção nas situações reais (como um jornal, por

exemplo) (BRASIL, 1998, p.41)

A educação neste sentido pode utilizar-se do turismo para desenvolver atividades

educadoras e criar mecanismo que facilite o processo de ensino aprendizagem. Para isso os

educadores precisam se renovar quanto as suas práticas e investir em recursos que traga o

aluno a participar mais das questões urgentes da sua realidade. Isso pode ser desenvolvido

através de atividades complementares que ultrapasse os muros escolares, como visto na

Educação Patrimonial.

Educação, turismo e hospitalidade

Até agora o discurso aqui produzido serviu para enfatizar a Educação Patrimonial no

que diz respeito à preservação da identidade cultural de um povo. No entanto a proposta de se

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trabalhar a Educação Patrimonial deve ir além dos estudos aplicados à preservação do

patrimônio material e imaterial, como já foi supracitado, deve envolver ações que

comtemplem o desenvolvimento como um todo da comunidade, visando à qualidade de vida

tanto do residente quanto das pessoas que possam vir a visitar a localidade.

Dentro desta perspectiva, o turismo de maneira geral, independente de qual seja o

segmento, tem ajudado a mudar a realidade de inúmeras comunidades, dessa forma cabe fazer

uma ressalva quanto ao envolvimento da população em relação à implantação ou ampliação

desta atividade, uma vez que a população vai ter que se habituar a essa nova condição.

Camargo (2002, p.98) salienta para o fato de que: “são os habitantes da localidade e do

entorno imediato os primeiro a ser sensibilizados, com apoio na afetividade, para valorizar o

patrimônio”.

Partindo desta concepção Barreto (2000, p.17) também destaca que a “ideia não é

manter o patrimônio para lucrar com ele, mas lucrar com ele para conseguir mantê-lo”. Neste

sentido o turismo pode contribuir nesse preservar, conscientizando a população de que sua

cultura desperta o interesse do outro, pois embora esses indivíduos se reconheçam como

pertencentes daquele meio, muitos não sabem valorizar o que tem. Ainda de acordo com

Camargo (2002, p. 98) “Ao contrário do que se pode imaginar, os moradores locais, embora

possuindo afetividade por elementos do patrimônio constituído ou potencialmente a constituir,

não tem condições para distinguir sua importância enquanto tal”.

Por isso ao surgir o interesse em investir no turismo e em desenvolvimento local é

preciso ter em primeiro plano a inclusão social, pois a participação de todos tende a evitar

grandes impactos, sobretudo entre a cultura do visitante e da comunidade receptora. Já Bastos

(2004) faz uma observação em relação às rupturas simbólicas que poderão surge a partir das

trocas sociais e culturais com a implantação da atividade turística e ressalta que somete

através do acesso educativo cultural é que se pode evitar o desenraizamento dos sujeitos com

seu patrimônio. Ainda a respeito da exploração comercial do patrimônio, Bastos (2004, p.3)

deixa claro que esta deve:

[...] ser precedida por um planejamento e acompanhamento permanente para

que não ocorra a expropriação cultural das comunidades receptoras, a

degradação ambiental, desequilíbrios socioeconômicos e a desvalorização

cultural. Os empreendimentos devem promover a rentabilidade econômica e

o desenvolvimento social, alicerçados em critérios de qualidade que resultem

na melhoria da qualidade de vida dos moradores e não apenas canalizados

para o bem estar do turista.

Seguindo a perspectiva da autora a Educação para o Turismo dar-se-á mediante a

necessidade de deixar a par dos acontecimentos todos os envolvidos, não somente gestores

públicos e empresários, mas sim a instância mais afetada (população local) pela atividade,

pois a ausência da comunidade no processo de planejamento e monitoramento poderá

acarretar problemas irreversíveis no futuro que vão desde os impactos causados no meio

físico/ambiental como a degradação e descaracterização dos patrimônios explorados.

Do ponto de vista de Bonfim (2010) a estreita relação que existe entre turismo e

educação vem de longe, visto que no século XVIII jovens aristocratas ingleses viajavam pela

Europa, com o objetivo de obter mais conhecimento e ganhar destaque no meio profissional.

Como observado por Silva e Holanda (2012) a inclusão do turismo nos currículos, seja feito

como tema transversal, disciplina ou em atividade extraclasse, tem sentido pelo fato de que o

turismo se torna uma ferramenta para o preenchimento de diversas lacunas que existe na

implementação da transversalidade na educação formal, facilitando assim o processo de

aprendizagem.

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Como descrito por Fonseca Filho (2007) o processo de construção do conhecimento

turístico é recente e se concentra mais nos âmbitos da educação técnica e superior, ficando a

educação básica de fora deste contexto. Por isso, o foco do seu estudo está direcionado ao

ensino do turismo na educação básica, onde o turismo possa dialogar com as disciplinas

tradicionais: geografia, história, artes, ciências, biologias dentre outras áreas afins.

Partindo dessa análise a integração do turismo com as disciplinas formais possibilita

a criação de vínculos da comunidade com seu meio. De acordo com as concepções de Issa

(2007, p. 7) “o turismo é um fenômeno social, que envolve relações, vínculos, trocas de

interesses entre os diversos setores e atores e que desse relacionamento possa resultar tanto

relações amistosas e satisfatórias, quanto vínculos insatisfatórios”. Neste sentido é importante

considerar que essas relações se tornam sujeitas em um cenário turístico e que precisa ser

desenvolvidas de forma que as duas partes envolvidas tenham a satisfação garantida.

Com base as colocações desses autores à educação para o turismo tanto é importante

no que diz respeito ao processo de ensino-aprendizagem contínuo, visando à sustentabilidade

de modo geral, como também para o artifício do bem receber o turista. A harmonia entre essas

vertentes vão fazer com que o turismo seja bem recebido pela comunidade e esta será

respeitada por quem a visita. Nas considerações de Scorsato (2006, p. 84) “O turismo é uma

atividade que exige sempre um bem-receber, seja ele em uma pousada, em um restaurante, no

transporte, na casa de amigos ou parentes, na cidade etc.”.

Levando em consideração a ideia de um espaço preparado para o sujeito residente,

bem como este consciente que seu lugar, seu povo e cultura são motivadores para o

estrangeiro vir a conhecer, esta comunidade se tornará hospitaleira, que é um dos motivos que

faz com que o visitante retorne ao destino e/ou o indique a outras pessoas. Dentro desta

perspectiva Scorsato (2006) ressalta que dentre os vários motivos que levam uma pessoa a

viajar, ser bem-recebido é o que há de denominador comum entre os diversos tipos de turistas.

Busca neste sentido o relacionamento amistoso entre hóspede e anfitrião, visto que

para Bedim e de Paula (2007) a hospitalidade é fruto da relação construída socialmente entre

ambos. Dessa forma, o turismo e a hospitalidade devem estar alicerçado um ao outro, para

que atividade turística desenvolva de forma ordenada e com a participação de todos

amenizando os impactos negativos típicos desta prática.

De acordo como os estudos de Bezerra (2007) a hospitalidade é concebida a partir de

duas fontes, a escola francesa e a norte-americana, em que a primeira se baseia nas

concepções de Mauss (1974) que tem ênfase nos três deveres: dar, receber e retribuir,

enquanto a segunda possui uma visão mais capitalista, contradizendo assim a primeira, é

regida pelas atividades comerciais e que está mais direcionada a atividade turística são eles:

ato de receber, hospedar, alimentar e entreter.

A hospitalidade vista pela ótica da cultura, da moral e tida como uma dádiva está no

sentido daquilo que circula entre os envolvidos, que vai além da troca monetária Bezerra

(2007, p.341). Ou seja, é uma relação que vai além dos tramites comerciais, envolve

cordialidade, simpatia, reciprocidade, solidariedade e outros sentimento que está inserido no

processo de acolhimento de um lugar.

Neste sentido, um dos principais aspectos da hospitalidade nestas

comunidades é o bem-querer do turismo, ou seja, um dos fatores principais

para que haja a hospitalidade é o exercício da reciprocidade, a comunidade

deseja o turismo e o turista compartilha do modo de vida da comunidade.

Esta reciprocidade gera a troca, que pode ser pelo simples fato de querer

agradar o outro ou com a finalidade de suprir uma necessidade ou de prestar

um serviço (SCORSATO, 2006, p.86).

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Para Issa (2007, p. 9) a hospitalidade tem como fundamento básico o acolhimento,

independente da parte física do lugar, é o simples fato de acolher o indivíduo, no turismo, a

autora faz referência da hospitalidade como sendo esta, dinâmica e que pode ser orientada e

trabalhada para melhor desenvolver a atividade. Issa (2007) ainda acrescenta que sendo a

aprendizagem um atributo básico do ser humano, devido a este ser dinâmico e propício a

adaptações, a hospitalidade pode ser aprendida e absorvida pelo indivíduo.

Isso reafirma o papel que a educação tem em relação à promoção da atividade

turística nas comunidades, visto que muitas vezes os autóctones podem ser hospitaleiros em

decorrência da dádiva e/ou do dom, por outro lado os sujeitos podem ser inospitaleiro no

sentido de não estarem preparados para aceitar o visitante, pois podem ver estes como

invasores que irão prejudicar seu meio.

Dessa forma o acolhimento deve ser percebido desde a entrada do viajante no destino

até o retorno para sua residência. Na visão de Dias (2010) assim como a placa na entrada diz

algo sobre o lugar, a higiene dos locais utilizados para satisfazer suas necessidades básicas, o

comportamentos dos operadores de serviços, assim como as placas de sinalizações agregam

valores percebidos por qualquer cidadão que se insere nesse novo espaço.

Procedimentos metodológicos

O delineamento da pesquisa se caracterizou como estudo de caso, sendo o seu objeto

bem delimitado, pois envolveu a aplicação de um projeto em um determinado local. Neste

caso Gil (2012) considera este um processo profundo e desgastante de um ou poucos objetos,

no entanto permite um amplo e detalhado conhecimento sobre o objeto.

A pesquisa classificou-se como exploratória e descritiva e, para fundamentar

teoricamente a investigação recorreu-se a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, para

propiciar uma melhor compreensão sobre as questões abordadas nesta investigação. A

pesquisa bibliográfica nas considerações de Gil (2012) se define com base em material já

publicado, como livros e artigos científicos. Sendo assim a investigação teve como alicerce

trabalhos publicado em relação ao tema aqui abordado. Para isso buscou-se em livros, artigos,

jornais, rede eletrônica e revista informações para subsidiar e fortalecer o embasamento

teórico, tendo como fonte autores que descrevem sobre as temáticas: educação; patrimônio;

turismo; cultura; hospitalidade dentre outros temas correlacionado com o objeto da pesquisa.

Utilizou-se também a pesquisa documental que ainda na concepção de Gil (2012)

diferencia da bibliográfica pelo simples fato dos materiais não receberem tratamento analítico

ou mesmo por poderem ser refeitos de acordo sua o surgimento de necessidades. A pesquisa

documental é feita principalmente através de documentos oficiais, como foi o caso desta

investigação que se valeu da LDB- Leis de Diretrizes e Base da Educação, dos PCN-

Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação/ Temas Transversais, bem como de

documentos extra oficial como fotografias, cartas, jornais, diários, dentre outros.

Após essa etapa a pesquisa estendeu-se ao campo, que para Andrade (2010) é onde

ocorre a coleta de dados sem a interferência do pesquisador, e teve como colaboradores

docentes e discentes da Escola Municipal Borges Machado localizada no município de

Parnaíba/ Piauí, onde se encontra o objeto de estudo, tudo isso para desenvolver da melhor

maneira um trabalho consistente e com embasamento suficiente para as conclusões da

pesquisa.

Como instrumentos de coleta de dados optou-se por fazer um levantamento através

de entrevista não padronizada que segundo Andrade (2010) possui um grau de estruturação

focado no assunto que vai ser explorado permitindo assim que o entrevistado sinta-se livre e

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59

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

espontâneo no decorrer do processo. Esse procedimento é interessante para se ter uma

compreensão maior sobre a opinião real dos entrevistados e de que forma estes se posicionam

em relação ao assunto em questão.

Em seguida foi aplicado um questionário com outros atores envolvidos no estudo. O

documento foi elaborado pelo autor da pesquisa que serviu de subsídio para a identificação

dos impactos socioculturais que o objeto de estudo traria para atividade turística. Desta

maneira Dencker (1998) enfatiza que os questionários devem ser redigidos de forma clara e

que os entrevistados tenham conhecimento do que se trata a pesquisa, qual seu objetivo, por

esse motivo deve constar na parte inicial um resumo sobre o assunto, bem como o

agradecimento por fazerem parte desse processo.

A análise bem como a interpretação dos dados coletados foi realizada com a

finalidade dar respostas à problemática inicial, de forma harmônica com a realidade, fazendo

ligações com os conhecimentos existentes na literatura acerca da temática abordada.

Os resultados apresentados refletem as principais informações obtidas através da

entrevista e dos questionários aplicados. Esses dois procedimentos apesar de possuírem

conceitos diferentes estão intimamente ligados, uma vez que a análise tem como fim

organizar e sumariar os dados, enquanto a interpretação se refere ao processo de confrontar as

ideias dos dados obtidos durante a pesquisa e os conhecimentos já produzidos.

O primeiro contato com local da pesquisa de campo ocorreu no dia 19 de março de

2015 e teve como objetivo consultar os responsáveis a possibilidade de concretizar a pesquisa

na escola. Nesta ocasião, foi colocado ao conhecimento da Diretora do se que se tratava a

pesquisa, quais objetivos pretendidos e qual sua importância de ser realizada. E, neste sentido,

houve uma boa receptividade por parte da mesma, que se colou disponível em colaborar com

este processo, autorizando a continuidade da pesquisa. Essa conversa prévia é um passo muito

importante para que os sujeitos investigados não se sintam invadidos e colabore de forma

voluntária coma investigação.

Neste mesmo momento houve uma breve explanação sobre o projeto, feito pela

gestora da escola, visto que a idealizadora deste não se encontrava no recinto, pois estava a

caminho da capital, Teresina- PI, para a defesa de sua tese de mestrado. Solicitou-se então os

contatos da professora responsável pelo projeto afim de que pudesse entrar em contato para

agendar a próxima visita. Neste encontro a diretora se comprometeu em enviar via e-mail o

projeto que foi enviado ao Ministério da Educação, visto que apenas ela tinha acesso ao

sistema.

Logo em seguida entrou-se em contato com a coordenadora do projeto por meio de

um telefonema, que ficou que enviar o projeto por e-mail que de fato ocorreu no dia 26 de

março do ano corrente.

A entrevista de semiestruturada e/ou não padronizada passou-se para padronizada

devido a falta de tempo da entrevistada, esse procedimento aconteceu em dois momentos: o

primeiro, de forma informal na escola onde atua, no dia 14 de maio de 2015, e a segunda foi

feita através de questionário aberto contendo 12 perguntas subjetivas no dia 22 de maio, na

Regional de Educação seu outro local de trabalho. Esse foi o processo que mais se encontrou

dificuldades, pois sempre que se entrava em contato com a professora não era possível o

encontro, por falta de tempo da entrevistada, no entanto foi superado depois de várias

tentativas.

No primeiro encontro com a professora, na escola, foi apresentado o questionário

que os alunos responderiam, para que a professora pudesse fazer as alterações cabíveis para

melhor entendimento destes, visto que ela conhece os alunos envolvidos no projeto, isso foi

uma espécie de pré-teste. O questionário é composto por 10 questões, sendo sete fechadas de

múltiplas escolhas e três abertas. Neste sentido, Andrade (2010) alerta sobre os cuidados que

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

se deve ter ao elaborar as perguntas de um questionário, pois tem de levar em consideração

que os pesquisados não contarão contar com demais esclarecimentos do pesquisador.

O público alvo desta fase foram os alunos do 7°, 8° e 9° ano do ensino fundamental

II, esta etapa aconteceu no dia 15 de maio, após as alterações feitas a pedido da professora.

Foram deixados setenta cópias do questionário com as professoras de cada turma e foram

recolhidas quarenta e quatro. A divisão se fez da seguinte forma foram treze alunos do 7º ano,

dezoito do 8º e treze do 9º ano.

Após a coleta houve a organização dos dados, a análise e interpretação das

informações coletadas. Por consequência houve um confronto da literatura aplicada com o

que foi detectado na realidade. Para isso utilizou-se o cruzamento de dados que possibilitou

chegar às conclusões desta pesquisa.

Análise: escola e projeto

Pretende-se com este tópico mostrar os dados, seus resultados e análises da pesquisa

de campo, com o intuito de saber ao final se os objetivos propostos foram alcançados. Para

isso, optou-se por dividir em duas partes, a primeira está relacionada à análise dos dados

coletados com a coordenadora e responsável pelo Projeto de Educação Patrimonial a

professora Mestre Maria Dalva Fontenele Cerqueira e a segunda diz respeito aos resultados da

aplicação dos questionários com os alunos do sétimo, oitavo e nono ano do ensino

fundamental II da escola Municipal Borges Machado.

Esta divisão foi necessária tendo em vista que se realizou entrevista e aplicação de

questionários com perguntas fechadas e abertas, o que requer uma análise separadamente,

porém isso não quer dizer que os dados não possam ser cruzados em algum momento. A

primeira parte a ser analisada é a entrevista que foi planejada com o intuito de buscar

informações acerca da parte técnica do projeto desenvolvido na Escola Municipal Borges

Machado, em que se procurou saber como aconteceu todo o processo, quais os envolvidos e

outros detalhes que pudessem ajudar nesta investigação.

A professora entrevistada atua na escola desde 2012, ministrando a disciplina de

História, o que confirma a concepção que se tem quando se trata de ações de Educação

Patrimonial, pois a disciplina que mais trabalha com essa temática é História, apesar dos PCN

focarem a pluralidade cultural como tema transversal e distribuir essa responsabilidade as

disciplinas formais:

Optou-se por integrá-las no currículo por meio do que se chama de

transversalidade: pretende-se que esses temas integrem as áreas

convencionais de forma a estarem presentes em todas elas, relacionando-as

às questões da atualidade e que sejam orientadores também do convívio

escolar (BRASIL, 1998, p. 27).

Ao ser questionada sobre por qual meio soube do projeto, a professora diz que foi

através da Secretaria Municipal de Educação-SEDUC e que este foi o único órgão que os

apoia no projeto, sendo que para a elaboração do documento houve o envolvimento de todos

os professores, juntamente como a diretora da escola. O envolvimento entre outros órgãos

sejam públicos ou privados é indispensável para resultados positivos na construção e

execução de projetos como este, devido à sua complexidade em trabalhar fatores que

correspondem aos valores de uma comunidade e isso talvez seja um dos pontos negativos ao

investir nesse tipo de atividade, pois é desenvolvido de forma isolada em cada escola, sem o

envolvimento da comunidade em geral. No entanto em conversas informais, posteriormente, a

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

professora deixou claro o seu interesse em formar parceria com a Universidade Federal do

Piauí- UFPI, mais especificamente com o núcleo de mestrado sobre patrimônio, para ampliar

e dar continuidade ao projeto.

Outra dificuldade encontrada no decorrer da execução do projeto, descrita pela

docente, foi à falta de estrutura física da escola que consistiu em um empecilho durante todo o

processo, uma vez que para trabalhar algumas das atividades era necessário um espaço mais

amplo, como uma quadra coberta ou um auditório em que pudesse realizar palestra sobre o

tema. Entretanto, a instituição não dispunha desse tipo de ambiente. Isso poderia ser sanado

com a parceria feita entre Universidade e escola, visto que a primeira dispõe de lugares

amplos que podem servir de apoio para o desenvolvimento de algumas atividades do projeto,

como os momentos de culminância, que são as apresentações de todas as tarefas executados

pelos alunos no final dos trabalhos, haja vista que este é um dos requisitos apresentados nos

PCN, os quais descrevem:

Ao final do projeto, é interessante que seu resultado seja exposto

publicamente, na forma de alguma atividade de atuação no meio, isto é, de

uso no âmbito coletivo (seja no interior da classe, no âmbito da escola ou da

comunidade) daquilo que foi produzido (BRASIL, 1998, p.41).

Em relação ao tempo de execução do projeto, segundo a entrevistada, não foi

possível concluir na data prevista, pois estava planejado para realizar todas as atividades em

2014, mas até o momento da entrevista não havia sido concluído, devido a não entrada da

segunda remessa de verba. O projeto envolveu toda a escola, nos turnos manhã e tarde, sendo

que a pesquisa de campo envolveu somente o turno da manhã. O tempo entre o lançamento do

edital e a execução da primeira parte do projeto foram dois meses e está previsto para

terminar até o mês de julho, porém vale ressaltar que isso só ocorrerá se o restante da verba

for disponibilizado. No que se refere à continuidade do projeto a professora foi enfática, ao

confirmar que, por se tratar de um projeto proposto por ministério era inviável continuar, pois

ele tem um prazo para ser concluído.

Essas questões levantadas pela educadora, do tempo de execução e o da não

continuidade do projeto, reflete o progresso de todo o processo educacional, devido ao

sistema não disponibilizar meios para investir em uma educação de qualidade que possibilite

ao educando construir seu próprio conhecimento através das vivências do seu cotidiano. Por

outro lado, existe a acomodação por parte dos professores, o que não é o caso da entrevistada,

em pensar que ao se determinar um prazo para concluir tais projetos, estes não devem ser

continuar, visão esta que deve ser repensada, visto que esses mecanismos servem como ponto

de partida para a elaboração de diversos outros planos, ou seja, são exemplos a serem

seguidos, melhorados e adaptados à realidade de cada um.

O projeto, segundo a professora, não contempla a área do turismo, pois a escola tinha

que optar pelos eixos temáticos propostos no edital e optou por Educação Patrimonial

dividido entre patrimônio material e imaterial, memória, identidade e vínculo social. Tendo

em vista que os locais visitados também são pontos turísticos da cidade e do estado, relatou

ainda que o turismo foi mencionado, superficialmente. No entanto, nas considerações de

Fonseca Filho (2007), o turismo, como caráter multidisciplinar, pode, através da educação em

turismo, desenvolver-se de maneira que aborde questões como cidadania, alteridade,

sociabilidade, cultura, educação ambiental e patrimonial, que são extremamente relevantes

para a formação dos cidadãos e que são deixados de lado devido à obrigação de cumprir os

conteúdos das disciplinas formais.

A seguir, têm-se um quadro referente aos resultados obtidos através da primeira e

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

décima questão feita aos alunos do sétimo, oitavo e nono ano, respectivamente. Esses dois

questionamentos foram formulados com a finalidade de compreender se os alunos associam o

patrimônio cultural a pontos e/ou atrativos turísticos, para isso a posição das questões foi

escolhida de modo a fazer com que os participantes tivessem um intervalo a responder tais

indagações. A primeira questão pedia para citar três ou mais patrimônio cultural ou natural da

cidade de Parnaíba, enquanto a décima solicitava para apontar quais pontos turísticos eles

conheciam ou tinham vontade de conhecer.

Pesquisados Questão 1 Questão 10

7º Ano

Sujeito 1 Portos das Barcas, Casarão e Praça

da Graça.

Casarão, Estação do Trem e Porto

das Barcas

Sujeito 2 Casarão Porto das Barcas e Estação

do Trem.

Porto das Barcas e Casarão

Sujeito 3 Portos das Barcas Rodovia

Floriópolis e Casarão

Pedra do Sal Lagoa do Portinho e

Portos das Barcas

Sujeito 4 Portos das Barcas, Casarão e Estação

Floriópolis

Porto das Barcas e Praça da Graça

Sujeito 5 Portos das Barcas, Casarão e Estação Porto das Barcas

Sujeito 6 Portos das Barcas, Casarão e Pedra

do Sal

Porto das Barcas, Casarão e estação

de trem

Sujeito 7 Porto das Barcas Estação de Trem e

Igreja Nossa Senhora das Graças

Eu conheço Porto das Barcas e

tenho interesse Estação de Trem

Sujeito 8 Porto das Barcas, Estação Floriópolis

e Igreja Nossa Senhora das Graças

Porto das Barcas, Estação

Floriópolis e Igreja Nossa Senhora

das Graças

Sujeito 9 Porto das Barcas, Pedra do Sal. Coqueiro da praia, Pedra do sal e

praia do coqueiro

Sujeito 10 Porto das Barcas Casarão e Praça da

Graça

Porto das Barcas e Estação do Trem

Sujeito 11 Porto das Barcas, Estação

Floriópolis, Nossa Senhora das

Graças e Casarão

Porto das Barcas, Casarão e Sete

Cidades

Sujeito 12 Porto das Barcas, Casarão e Rio

Igaraçu

Porto das Barcas

Sujeito 13 Porto das Barcas, Estação de Trem e

Nossa Senhora das Graças

Casarão e Sete Cidades

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

8º Ano

Sujeito 1 Porto das Barcas, casarão, Estação de

Parnaíba e Floriópolis

Porto das Barcas, casarão, Estação

de Parnaíba e Floriópolis.

Sujeito 2 Estação Floriópolis e porto das

Barcas

Portinho Porto das Barcas, Delta.

Sujeito 3 O Trem Maria Fumaça, Estação

Floriópolis e porto das Barcas.

Delta, Porto das Barcas e Lagoa do

Portinho.

Sujeito 4 Porto das Barcas, Casarão de

Simplício Dias e Estação Floriópolis.

Estação Floriópolis

Sujeito 5 Estação Florianópolis, Porto das

Barcas e Catedral.

Não lembro

Sujeito 6 Estação Floriópolis, Porto das Barcas

e Casarão de Simplício Dias.

Porto das Barcas

Sujeito 7 Estação Floriópolis, Porto das Barcas

e Casarão de Simplício Dias.

Estação Floriópolis, Porto das

Barcas, queria conhecer o Casarão.

Dizem que é muito grande.

Sujeito 8 Delta do Parnaíba, Porto das Barcas

e Pedra do Sal.

Delta do Parnaíba, Serra da

Capivara e Sete Cidades.

Sujeito 9 Porto das Barcas e Estação Museu Porto das Barcas, Casarão e Delta

do Parnaíba.

Sujeito 10 Porto das Barcas, Estação e Igreja. Porto das Barcas, Estação, Casarão

e Igreja.

Sujeito 11 Porto das Barcas, Estação Floriópolis

e Casarão.

Praia Pedra do Sal

Sujeito 12 Porto das Barcas, Pedra do Sal e

Estação.

Porto das Barcas e Pedra do Sal

Sujeito 13 Porto das Barcas e Casarão Simplício

Dias

Casarão Simplício Dias

Sujeito 14 Trem Maria Fumaça e Estação

Floriópolis.

Porto das Barcas, Lagoa do

Portinho, Pedra do Sal e Praia de

Luís Correia.

Sujeito 15 Estação Floriópolis, Porto das Barcas

e Praça da Graça.

Porto das Barcas

Sujeito 16 Estação Floriópolis, Porto das Barcas

e Praça da Graça.

Praça da Graça, Estação Floriópolis

e Porto das Barcas.

Sujeito 17 Porto das Barcas, Pedra do Sal e Porto das Barcas, Pedra do Sal.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Estação do Trem.

Sujeito 18 Porto das Barcas e Casarão Simplício

Dias

Casarão Simplício Dias

9º Ano

Sujeito 1 Casarão Simplício Dias, Matriz e

Estação Floriópolis.

Pedra do Sal, Porto das Barcas, etc.

Sujeito 2 Porto das Barcas, Casa Simplício

Dias e Praça da Graça

Porto das Barcas e Estação

Floriópolis

Sujeito 3 Casarão, Portos das Barcas e Pedra

do sal

Portos das Barcas, Praça da Graça,

Portinho e Luís Correia

Sujeito 4 Casarão Simplício Dias, Matriz e

Estação Floriópolis

Não respondeu

Sujeito 5 Casarão Simplício Dias, Matriz e

Casa Inglesa

Delta, Pedra do Sal e Porto das

Barcas.

Sujeito 6 Casarão Simplício Dias, Porto das

Barcas e Estação Floriópolis

Delta, São Raimundo Nonato e

outros, tenho muita vontade de

conhecer.

Sujeito 7 Casarão Simplício Dias, Praça da

Graça Matriz

Casarão, Praça da Graça, Matriz,

etc.

Sujeito 8 Casarão Simplício Dias, Matriz e

Estação Floriópolis

Porto das Barcas

Sujeito 9 Casarão Simplício Dias, Casa

Inglesa, Estação Floriópolis e Porto

das Barcas

Porto das Barcas, Lagoa do

Portinho e Igreja Matriz

Sujeito 10 Casarão Simplício Dias, Porto das

Barcas e Praça da Graça

Porto das Barcas

Sujeito 11 Porto das Barcas O Delta

Sujeito 12 Porto das Barcas, Casarão Simplício

Dias e Praça da Graça.

Estação Floriópolis, Porto das

Barcas, Casarão Simplício Dias

Sujeito 13 Casa do Simplício Dias, Porto das

Barcas.

Porto das Barcas

Quadro 1: resposta das questões 1 e 10 do questionário

Como se pode observar no quadro acima existe uma associação por parte dos alunos

entre o patrimônio e pontos turísticos. Essa correlação só foi possível devido à inserção do

projeto de Educação Patrimonial, que segundo a professora não contemplava o tema turismo,

todavia por se tratar de locais tombados e que são visitados pelos viajantes, houve explicações

de maneira informal sobre o tema, o que de fato contribui para o conhecimento dos alunos em

relação à atividade turística.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Dentre os locais mais citados, o Casarão Simplício Dias, Portos das Barcas e Estação

Floriópolis, foram os que mais apareceram tanto como patrimônio quanto pontos turísticos,

isso se justifica pelo o fato de que esses lugares estavam entre os locais a serem visitados

como uma das atividades proposta no projeto. Além desses o projeto inclui outros locais

como: Esplanada da Estação; Praça da Graça: incluindo as duas igrejas, o prédio do Instituto

Histórico, geográfico e genealógico de Parnaíba; Praça Santo Antônio e o Parque Nacional

Sete Cidades situado numa cidade circunvizinha (PROJETO ESCOLAR, 2014). A partir disto

os alunos eram instigados a produzir materiais referentes às atividades realizadas, que

descrevem os relatos sobre o que aprenderam durante todo o processo, como: relatório das

visitas; história oral; produção de crônicas; construção de jornal. Desta maneira, o projeto

desenvolveu-se de forma organizada e pode-se identificar as três etapas primordiais no

desenvolvimento desse tipo de ação que são os processos que acontecem antes, durante e

após:

As viagens e os passeios incluem aprendizagens que ocorrem através de pelo

menos, três momentos: o do planejamento, isto é, a fase de organização, que

deve contar com a participação dos estudantes, num exercício de

democracia, através da escolha do lugar a ser visitado, da elaboração de

regras, da pesquisa sobre o local a ser visitado; o da execução propriamente

dita, através da observação e coleta de dados, da fruição do prazer de dirigir

o olhar para uma paisagem; o das atividades de retorno, através da

sistematização de conhecimentos, de montagens de relatórios, de

organização de painéis com fotos, com desenhos e textos, podendo-se contar

atualmente, com os recursos multimídia advindos dos computadores e da

Internet (VINHA, GARCIA, ROMÃO, et al. 2005, p.7).

De acordo com a pauta da reunião do projeto (anexo A), seu objetivo tem por

finalidade mobilizar a escola e a comunidade em geral para conhecer e valorizar o patrimônio

histórico material e imaterial de Parnaíba, não somete os já citados, mas os alunos foram

levados a conhecer o que seu entorno (PROJETO ESCOLAR, 2014).

Segundo Dias e Machado (2009, p. 3) o patrimônio é visto como uma construção

social e cultural, devido a este ser concebido a partir da realidade concreta da comunidade,

percebendo-o como um processo simbólico e representativo de uma identidade coletiva. Neste

sentido, “a educação deve levar o indivíduo a compreender sua própria existência e em

consequência, suas necessidades e as necessidades ao seu entorno”. Na concepção desses

autores, a educação deve buscar uma articulação entre a comunidade no geral para o

fortalecimento de elos comuns entre si, visando assim à continuidade e sobrevivência da

localidade.

Neste sentido é importante ressaltar que o turismo tem contribuído de forma

significativa para o desenvolvimento de diversos municípios, que tem utilizado seus

patrimônios, sejam eles naturais ou culturais, para atrair viajantes. Nas considerações de Dias

e Machado (2009, p. 1) “a relação patrimônio cultural e desenvolvimento local torna-se cada

vez mais relevante a partir do papel dinâmico desempenhado pelo Turismo”. De acordo com

Silva e Holanda (2012, p.3), o turismo tem um grande potencial no processo educativo,

podendo este ser utilizado como ferramenta de ensino e aprendizagem, devido ao seu caráter

social, cultural, econômico, ambiental e político:

A inclusão do turismo nas escolas de municípios turísticos contribui para

contextualizar os conteúdos das disciplinas tradicionais com a realidade da

localidade, colaborando, por conseguinte, para a melhora do rendimento

escolar. Além disso, a inserção do turismo pode auxiliar a formação de

cidadãos críticos em relação à degradação dos patrimônios ambientais e

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histórico-culturais, aculturação, exploração sexual, dentre outros impactos

negativos atribuídos ao fenômeno turístico, potencializando assim, os

impactos positivos da atividade turística que, quando bem planejada, pode

contribuir, significativamente, para o desenvolvimento local sustentável.

Dentro desta perspectiva, para não haver dúvida referente ao entendimento dos

alunos sobre essa relação entre turismo e patrimônio cultural, foi perguntado diretamente a

respeito disto, sendo que a nona questão dizia o seguinte: você acha que Patrimônio Cultural e

turismo tem uma relação? Diante das respostas foi possível perceber o grau de compreensão

dos investigados sobre a temática aqui abordada.

Dos quarenta e quatro participantes, cinco disseram não existir relação alguma

enquanto trinta e nove disseram ter. Dois fatores chamaram a atenção nessa resposta: o

primeiro foi que entre os cincos alunos que responderam não, três deles estão no nono ano de

ensino fundamental II, indo para o ensino médio, levando-se em consideração a sua idade,

estes deveriam ser os que mais poderiam se expressar de forma positiva em relação a esse

questionamento, porém os PCN destacam que: “crianças pequenas têm, em geral, maiores

possibilidades de participar produtivamente em situações simples nas quais possam perceber

com clareza as consequências de sua intervenção” (BRASIL, 1998, p. 38). Ou seja, quanto

mais cedo inserir nos currículos os temas transversais, os resultados serão positivos,

consistentes e transformadores da realidade local.

O segundo fato destaca-se quando cruzados os dados da primeira e décima questão

com a nona, pois dos cinco alunos que disseram não ter uma relação entre patrimônio e

turismo colocam como sendo patrimônio cultural apenas os monumentos que visitaram, já

quando pedidos para citar pontos turísticos, os mesmos alunos dão respaldo ao patrimônio

natural, como Delta, Portinho, Pedra do Sal e outros. Deste modo, é importante enfatizar que

o patrimônio engloba não somente a parte cultural, mas também o natural.

Partindo dessa premissa é certo afirmar que essa conceituação não tenha ficado claro

para os alunos, uma vez que até mesmo a maioria dos profissionais da área deixam de falar

sobre a parte natural dentro dos projetos de Educação Patrimonial que desenvolvem, o que

dificulta o processo de conhecimento, apropriação e preservação do meio ambiente. Isso

ganha evidência na fala da professora entrevistada quando é questionada sobre seu preparo

para trabalhar essa temática:

Não sou especialista na área em Educação Patrimonial, sou especialista e

mestre em História do Brasil, no entanto a minha pesquisa de mestrado

envolve o Patrimônio Ferroviário Parnaibano, assim realizei leituras sobre

patrimônio, memória e identidade trabalhando estes conceitos na parte

teórica da pesquisa (FONTE PRIMÁRIA, 2015).

Diante disto entende-se que as colocações dos cincos alunos de não compreender que

patrimônio inclui o cultural e o natural, reflete a falta de exposição sobre o meio ambiente

neste processo, tendo em vista que o projeto enfatiza o patrimônio cultural dividido em

material e imaterial que como já citado, este último, não aconteceu ainda.

Dentre as respostas afirmativas, algumas merecem destaque, pois demostram um

nível de conhecimento elevado sobre turismo em relação às expectativas iniciais da pesquisa.

Entre as argumentações que se segue pode-se perceber que na concepção dos alunos o turismo

envolve o descolamento para conhecer novos lugares, patrimônio e cultura, bem como a vinda

de estrangeiros para conhecer a sua própria:

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

•Porque no turismo nós visitamos e conhecemos a cultura.

•Porque o turismo vem conhecer a nossa cidade, nosso histórico da nossa

cidade.

•Porque a cultura chama muita atenção do turista.

•Porque as pessoas tem cultura de conhecer novos lugares.

•Porque é através do turismo que conhecemos novos lugares.

•Porque se não for pelo turismo como vamos conhecer os lugares, conhecer

a cultura.

•Pois sem o turismo não poderíamos conhecer os patrimônios culturais

(FONTE PRIMÁRIA, 2015).

Outro aspecto importante é que alguns deles colocam a palavra “nosso (a)”, criando

uma ideia de pertencimento o que de fato a Educação Patrimonial tem como finalidade que é

a apropriação, e por conseguinte, a preservação do patrimônio. Essa apropriação que tanto se

busca para a criação de uma identidade é decorrente do processo de ensino-aprendizagem que

aos poucos, embora muito timidamente, vem sendo introduzido no sistema educacional

envolvendo a interação entre o ensino formal e o ensino a partir da realidade do educando,

como acontece na Educação Patrimonial. No entanto, Cascaes (2010) alerta sobre os cuidados

que se deve ter em relação aos projetos de Educação Patrimonial para que seus resultados

sejam de forma satisfatória e independente de que seja voltada para alunos ou professores este

deve ser um processo sistemático e continuado.

Do ponto de vista de Cerqueira (2005) o desenvolvimento da educação patrimonial

na escola deve visar à formação de cidadãos com qualidade, preocupada com o fortalecimento

da identidade cultural, para tanto, é necessário que seja implementada de forma criativa

incluindo atividades extraclasses e tendo professores preparados para os novos desafios. Neste

sentido, a educação para o turismo ganha força para ser efetivado como uma ferramenta a

mais para alcance do conhecimento, pois ampliaria o campo de estudo nas atividades fora do

espaço escolar.

Partindo dessa realidade é importante ressaltar a resposta de três alunos que referiram

à atividade turística como um meio de aprender sobre sua realidade, onde disseram: “sim.

Porque incentiva na aprendizagem” (FONTE PRIMÁRIA, 2015). Isso é de comum acordo

com o posicionamento de Silva e Holanda (2012, p.2) quando diz que “O turismo pode ser

utilizado para facilitar a aprendizagem, seja como conteúdo transversal, como disciplina ou

como atividade extracurricular”.

Dessa forma é possível promover a introdução do turismo em meio à educação

formal, para através desde preparar a população não só para receber bem o visitante, mas para

conscientizar a todos sobre o real valor do seu patrimônio e que se a própria população não se

apropriar deste outros irão fazer isso de forma desordenada e provocar o desaparecimento da

sua cultura. Para melhor compreender essa questão destacam-se as respostas abaixo, sobre a

relação entre patrimônio e turismo, na visão dos alunos:

•Uma relação de deixar a história marcada o que eles viveram.

•Patrimônio cultural e turismo são iguais porque se não tiver o turismo não

terá o patrimônio

•Porque são relações turísticas para que patrimônio não se perca (FONTE

PRIMÁRIA, 2015).

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68

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Percebe-se que os próprios alunos tem uma noção de que através do turismo pode-se

estabelecer estratégias que possibilitem a preservação do patrimônio cultural e natural. Neste

sentido, Fonseca Filho (2007) percebe a educação como base para a formação de indivíduos

críticos e participativos e um meio de envolver estes nos eventos cotidianos, acordando-os

para as questões sociais. Desta maneira a educação turística vem complementar o processo de

preservação de valores no que se refere à cultura e ao meio ambiente natural.

Para Dias e Machado (2009) à medida que o indivíduo compreende a sua realidade,

ele passa a dar valor a sua história e consequentemente a sua memória, que neste caso se torna

uma ligação entre o indivíduo e a preservação de sua identidade, sendo que sem essa

consciência as pessoas ficam incapazes de construir a cidadania. Nessa perspectiva os autores

consideram que ao salvaguardar o patrimônio os grupos se tornam conscientes não só do seu

passado, mas também do presente e futuro.

Dando continuidade à análise dos dados o gráfico a seguir corresponde aos

resultados das questões 2ª a 8ª, do questionário. Para uma compreensão mais detalhada, por

ser o gráfico é meramente ilustrativo, os resultados serão descritos abaixo.

Gráfico 1. Representação das questões 2º a 8º do questionário

A segunda questão perguntava se os alunos gostavam das aulas passeios, do total de

quarenta e quatro alunos pesquisados quarenta responderam que sim enquanto quatro

disseram que às vezes. E quando questionados, na terceira pergunta, a dizer como eram essas

aulas vinte e um deles responderam serem ótimas, dezenove disseram boa e quatro normais,

nenhum disse ser as aulas cansativas. Esse resultado significa que os alunos em sua grande

maioria aprovam esse tipo de atividade (metodologia) até mesmo, como a diretora ressaltou

em uma conversa informal, muitas vezes esses são os únicos momentos de lazer que esses

adolescentes desfrutam.

A quarta questão perguntava se os patrimônios estudados faziam parte do seu

cotidiano vinte e oito marcaram às vezes, onze responderam sim e cinco não. A quinta

questionava sobre o estado de conservação dos locais visitados vinte e um boa, quinze ótima e

cinco disseram regular. Percebe-se nestas respostas que os patrimônios escolhidos não fazem

parte do seu entorno, uma vez que grande parte dos alunos respondeu que às vezes esses

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patrimônios encontram-se no seu cotidiano, descreve-se então um cenário de passagem.

Neste caso é importante ressaltar que o projeto destaca em seus objetivos que tem

pretensão de valorizar o seu entorno (bairro), todavia neste mesmo projeto não apresenta

nenhum local a ser visitado nas proximidades da escola. E ao enumerar os locais de visita à

região que é comtemplada faz parte do Centro Histórico de Parnaíba. O que justifica o fato da

maioria dos pesquisados terem dito que a conservação desses espaços encontra-se em boas

condições, visto que essa área é tombada e por isso pode está recebendo mais atenção por

parte dos órgãos competentes. Na visão de Dias e Machado (2009, p.7) “As simples práticas

do tombamento ou do registro não estabelecem referência para que uma sociedade se

identifique com um bem cultural”.

Procurou saber, na sexta questão, se as aulas passeios ajudavam na aprendizagem dos

conteúdos, trinta e nove disseram que sim e cinco marcaram às vezes, ou seja, é um resultado

bastante positivo, pois a finalidade desse tipo de atividade é ajudar no processo de ensino-

aprendizagem. Segundo Bonfim (2010, p.124):

As aulas-passeio acabam por proporcionar um ambiente onde as relações

sociais, econômicas e culturais interagem-se, permitindo caracterizar essa

atividade como uma forma de lazer e turismo aplicados à educação. Essas

técnicas identificadas por Freinet, podem ser vistas também como um elo

entre a pedagogia e o turismo, confluindo para o que chamamos atualmente

de turismo pedagógico, proporcionando a conversão e reconversão do olhar

nos envolvidos.

Ainda de acordo com as concepções dessa autora ao incluir o lazer nas atividades

educativas apresenta-se mais uma possibilidade de fazer desse processo algo eficiente capaz

de envolver a teoria e prática dos conteúdos abordados em sala de aula, o contato com

artefatos que pertencentes ao contexto histórico da região, as aulas se tornar mais dinâmicas e

menos cansativas, ocasiona por consequência disto um estreitamento das relações entre

professores e alunos, visto que se percebe uma quebra de barreira construída na sala de aula,

onde o professor é considerado o dono do saber e não o mediador deste. Neste sentido Vinha,

Garcia, Romão, et al. (2003, p.15) estabelecem que: “o espaço da aprendizagem feita com

prazer, mas não é aquele prazer típico da alienação, é o prazer que é fruto da ampliação do

conhecimento, do esclarecimento, da convivência e do lúdico”.

A sétima questionava sobre a importância da preservação do patrimônio esse

resultado foi unanime, em que os quarenta e quatro alunos responderam que sim, é importante

preservar o patrimônio material e imaterial. Tendo como base essa resposta pode-se dizer que

aplicação desse projeto de Educação Patrimonial contribuiu para conscientizar esses alunos o

quão importante é a preservação em relação a permanecia desses artefatos, visto que para

Magalhaes (2009, p.9) “a educação patrimonial deve proporcionar o conhecimento crítico e

apropriação consciente, levando em consideração a diversidade sociocultural e as

possibilidades de apropriação, compreensão e preservação do patrimônio”.

As políticas de preservação nas considerações de Dias e Machado (2009) só são

completas e coesas quando fazem referência à memória de um povo, bem como integrar as

questões socioeconômicas, técnicas, artísticas e ambientais, tendo como finalidade a

qualidade de vida, o respeito ao meio ambiente e a prática da cidadania. Esses requisitos se

tornam indispensável na formação de uma identidade social, sendo que o reconhecimento

desses valores, atitudes, representações cria na comunidade um sentimento de pertencimento.

A oitava questão perguntava se nas atividades do projeto ouviu-se ou estudou-se

sobre turismo trinta e nove disseram que sim, enquanto cinco disseram que não, essa resposta

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é compatível com as colocações da professora quando ela ressalta que o turismo foi

mencionado de modo superficial.

Partindo da premissa que os PCN (BRASIL, 1998) estabelecem como objetivo o

conhecimento e valorização das características indenitária do país e com isso barrar qualquer

tipo de discriminação referente às diferenças culturais, seja coletiva ou individual, percebe-se

que o sujeito se torna mediador no que concerne a manutenção e preservação do patrimônio,

devido a isso a educação deve desenvolver-se de forma que os educandos se envolvam nos

problemas existentes na sua comunidade e desta maneira procurar meios para solucioná-los,

visto que a cidadania é exercida a partir do momento em que há contato com o meio social em

que estão envolvidos e de alguma forma contribuir para a transformação e melhoria do local.

Com isso o indivíduo passa a exercer uma cidadania democrática e participativa, que o faz ter

uma compreensão mais detalhada das questões relevantes que surgem:

A educação para a cidadania requer que questões sociais sejam apresentadas

para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, buscando um tratamento

didático que contemple sua complexidade e sua dinâmica, dando-lhes a

mesma importância das áreas convencionais. Com isso o currículo ganha em

flexibilidade e abertura, uma vez que os temas podem ser priorizados e

contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais e

que novos temas sempre podem ser incluídos (BRASIL, 1998, p. 25).

Com isso, a Educação para o Turismo pode e deve fazer parte do contexto escolar

através dos temas transversais, que priorizam as questões sociais urgentes, neste sentido cabe

destacar que o turismo se encaixa nos critérios adotados para introduzi-lo transversalmente

nas disciplinas formais, que são: urgência social; abrangência nacional; Possibilidade de

ensino e aprendizagem no ensino fundamental; Favorecer a compreensão da realidade e a

participação social, ou seja, a eleição dos temas transversais se dá mediante a existência

desses quatros critérios. Em que a urgência social se refere às questões graves que impede o

desenvolvimento pleno da cidadania, afronta à dignidade das pessoas e deteriora sua

qualidade de vida e como ficou exposto anteriormente o turismo pode impactar na vida das

pessoas de forma negativa se não planejado de acordo com as necessidades dos moradores

locais.

Em adição a isso, o turismo é uma atividade que abrange não só o território

brasileiro, mas o planeta, basta para isso que se tenha ou se crie um destino ou produto

turístico. Por outro lado a Educação para o Turismo funcionaria como uma ferramenta para

trabalhar temas como Educação Patrimonial e Ambiental, Orientação Sexual, visto que a

exploração sexual compõe o cenário turístico, dentre outros temas correlacionados, que fazem

parte da realidade do educando, isso irá auxiliá-los na compreensão e participação ativa no

meio em que vivem.

Portanto, o turismo possui inúmeros aspectos que contribuem ao processo de ensino-

aprendizagem, porém vale ressaltar que as instituições devem buscar auxílio de profissionais

qualificados que possam desenvolver projetos planejados e eficazes.

Considerações finais

Diante dos resultados obtidos através da pesquisa bibliográfica e de campo pode-se

perceber que o processo de conhecimento adquirido na sala de aula tem maior respaldo

quando trabalhado em conjunto com as vivências na prática. Desta forma a Educação

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Patrimonial tem contribuído para validar as experiências e conhecimento da realidade dos

envolvidos e com isso cria-se um sentimento de pertencimento e afetividade com seus bens

patrimoniais, bem como a revitalização e valorização de suas tradições. Neste sentido,

observou-se que a pergunta norteadora desta investigação foi respondida, pois os alunos

pesquisados mostraram-se conhecedores do patrimônio e cultura local, apesar de não fazerem

referência a locais do seu entorno, mas que de certa forma os lugares citados fazem parte do

contexto histórico social desses alunos.

Do mesmo modo notou-se que os objetivos foram alcançados, devido à percepção e

o envolvimento dos pesquisados perante aos resultados positivos obtidos por intermédio das

atividades extraclasses como forma de aprendizagem. Cabe ressaltar que o comprometimento

de todos da escola pesquisada, possibilitou que o projeto de Educação Patrimonial tenha

alcançado êxito com relação à parte do patrimônio material e imaterial, no entanto no que se

refere ao meio ambiente natural, o projeto não se tornou eficaz, uma vez que evidenciou a

falta de explanação sobre o assunto tanto pela professora quanto pelos alunos.

Por outro lado pode-se perceber que os resultados positivos encontrados na pesquisa

ainda se configuram de modo isolado por ser essa temática desenvolvida de forma aleatória e

não abrangente, devido ao Projeto Mais Cultura nas Escolas não contemplar a todas as

instituições de ensino, junta-se a isso a falta de interesse e/ou conhecimento/leitura, sobre os

PCN e sua flexibilidade em relação à adoção de novos métodos que possibilita a inserção dos

temas transversais. Em adição a carga horária exaustiva que esses profissionais são

submetidos para cumprir com as obrigações de aplicar os conteúdos das disciplinas

tradicionais, bem como a falta de tempo e de investimentos em especialização, participação

em capacitações e em desenvolvimento de projetos relacionados ao tema de Educação

Patrimonial, dentre outros temas.

Observou-se, ainda, que a atividade turística não se encontra no contexto escolar,

apesar de percebê-lo entre as atividades desenvolvidas no projeto, pois os lugares visitados

são pontos turísticos da cidade de Parnaíba-PI e de cidades vizinhas. Diante disto, fica em

evidência que o que tem sido feito é pouco em relação à dimensão e importância que os

patrimônios exercem sobre a construção e permanência da identidade de um povo, ademais a

escola como componente integrante no processo de preservação desse patrimônio deve

desenvolver estratégias funcionais que desperte seus alunos para a realidade que o cerca.

A sugestão é buscar no turismo formas para auxiliar a aprendizagem, visto que o

turismo é multidisciplinar e estabelece diálogos com as demais disciplinas. No entanto, vale

ressaltar que em qualquer projeto que seja aplicado no ambiente escolar deve-se priorizar sua

continuidade, pois grande parte desses projetos não alcançam resultados positivos e relevantes

devido a essa falha. Neste sentido a solução constitui-se em utilizar projetos, como o proposto

pelos Ministérios da Educação e Cultura, como modelos para renovar as metodologias de

ensino.

Neste sentido, a melhor maneira de trabalhar o turismo nas escolas é como tema

transversal, devido os componentes curriculares já se encontrar lotados de disciplinas. Desta

maneira, o turismo perpassaria por todas as áreas do saber, como: História, Artes, Geografia,

Sociologia, língua estrangeira, ciências naturais e outras. Desta maneira, a Educação para

Turismo proporciona ao aluno uma participação ativo no processo de construção do

conhecimento, pois promove uma transmissão de conhecimento a partir de uma construção

dinâmica entre saberes escolares e demais saberes e isso pode ser realizado com a retirada

desses alunos dos espaços formais das instituições de ensino para lavá-los a espaços públicos

com a finalidade de desenvolver a aprendizagem.

Dessa forma, esses sujeitos passam a ser críticos e participantes da realidade, com

isso cria-se condições para intervir e transformá-la. Para isso a educação deve introduzir-se

nesse cenário contemporâneo com foco nos estudos que visem à cidadania, sustentabilidade,

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globalização, diálogo, respeito e socialização. A escola neste sentido precisa atuar nesse

cenário e estimular seus os professores para o surgimento dos novos desafios como educar

para a diversidade. Criando assim estratégias que auxiliam na aprendizagem diferenciada e

estimuladora baseado na construção do conhecimento.

Por fim, a Educação para o Turismo pode dar um novo sentido ao exercício da

cidadania, bem como desenvolver na população a consciência de pertence da sua comunidade

com o objetivo de preservar suas tradições, histórias, seus bens patrimoniais culturais e

naturais, com isso evitar que seus costumes se percam para que as gerações que virão possam

obter conhecimento a respeito dos seus antepassados. Em consequência disso, tem-se uma

cidade preparada para receber bem o viajante de maneira que seja capaz de agregar o orgulho

do indivíduo em relação a sua cultura ao acolhimento e diversidade cultural do outro.

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A formação do professor alfabetizador e a linguística

Neide Aparecida Arruda de Oliveira Mestre em Linguística Aplicada pela Unitau. Professora e Coordenadora do Curso de Letras das Faculdades

Integradas Teresa D’Ávila – Fatea.

Fernanda Valéria Pereira Moliterno Graduada em Pedagogia. Pós-graduanda em Língua Portuguesa – Literatura e Linguagem pelas Faculdades

Integradas Teresa D’Ávila - Fatea

Resumo O objetivo deste estudo é o de promover uma reflexão sobre a importância do professor alfabetizador

em sua formação para o ensino da linguística, nesta fase que merece atenção e deve ser discutida,

visto que, as dificuldades na aprendizagem acerca da fala e escrita continuam e pouco se tem feito

para solucionar os problemas que acometem a forma de alfabetizar. A alfabetização é apresentada

como simples codificação e decodificação do sistema na aprendizagem da leitura e escrita, aprender a

ler pressupõe não só decifrar o código escrito, como interpretar e compreender os textos de diferentes

gêneros; aprender a escrever envolve não somente o escrito, estabelecendo correspondência entre

letra e som, mas estar apto a produzir textos em diferentes situações comunicativas que esse

alfabetizando vivencia. A Língua Portuguesa no Brasil apresenta uma grande variedade de dialetos, e

estes se diferenciam por cada grupo social, o que faz reforçar o embasamento linguístico na formação

do professor alfabetizador, para que o mesmo não assuma uma postura de “certo” e “errado” na

alfabetização de seus alunos, sendo a alfabetização um processo de ensino-aprendizagem da língua

que tem como objetivo dar ao alfabetizando mais um processo de comunicação verbal, a escrita, desse

modo se faz necessário que o professor alfabetizador tenha conhecimento das variações linguísticas.

Palavras-chave Formação do professor alfabetizador; Alfabetização; Linguística.

Abstract The aim of this study is to promote a reflection on the importance of literacy teacher in your training

for language teaching at this stage that deserves attention and should be discussed, given that the

difficulties in learning about the speaking and writing remain and little It has been done to solve the

problems that affect the form of literacy. Literacy is presented as simple encoding and decoding

system in the reading and writing learning, learning to read requires not only decipher the written

code, how to interpret and understand texts of different genres; learn to type involves not only writing,

establishing correspondence between letter and sound, but be able to produce texts in different

communicative situations that literate experiences. The Portuguese language in Brazil presents a wide

range of dialects, and these are different for each social group, which makes strengthen the linguistic

basis in training literacy teacher so that it does not take a position of "right" and "wrong" literacy of

their students, and literacy a language teaching-learning process that aims to give the more literate a

verbal communication process, writing, thus it is necessary that the teacher literacy aware of

linguistic variations.

Keywords Training of literacy teacher; Literacy; Linguistics.

Introdução

Este estudo apresenta uma pesquisa bibliográfica acerca do processo de

aprendizagem na fase da alfabetização e na formação do professor alfabetizador, pois a

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alfabetização na esfera educacional é uma fase que merece atenção e deve ser discutida pelos

que se preocupam com o caminhar da educação brasileira, visto que há décadas observam-se

as mesmas dificuldades de aprendizagem e pouco se tem feito a respeito. (Cagliari, 2010 p.5).

Os resultados obtidos não têm sido expressivos na solução dos problemas que acometem a

forma de se alfabetizar. O que motivou esta pesquisa foi perceber dificuldades na

alfabetização e letramento desses alunos nesta fase, pois pressupõe que estes alunos venham

sem conhecimento nenhum da língua materna, o que não é verdade, ele já vem com um

dialeto próprio que deve ser respeitado para que o aluno atinja um domínio da língua em suas

diversas variedades (dialetos, registros e modalidade oral e escrita). O objeto desta pesquisa

foi delinear o estudo da linguística na alfabetização e a formação deste alfabetizador para que

haja mudanças significativas no modo de ensinar já que em tese a alfabetização se apresenta

como simples codificação e decodificação do sistema na aprendizagem da leitura e escrita,

aprender a ler pressupõe não só decifrar o código escrito, como interpretar e compreender os

textos de diferentes gêneros; aprender a escrever envolve não somente o escrito,

estabelecendo correspondência entre letra e som, mas estar apto a produzir textos em

diferentes situações comunicativas que esse alfabetizando vivencia. Segundo Cagliari (2010),

ler e escrever são atos linguísticos, no entanto, a criança ao entrar na escola perde toda a

consciência que tem da linguagem oral. Assim, se a escola e seu professor alfabetizador não

tratam à escrita e a fala adequadamente, a dificuldade para lidar com a leitura e como

interpretá-la refletirá para esse aluno no ensino fundamental e médio.

Alfabetizar – ato de ensinar a ler e a escrever

Ferreiro (1999, p.47) afirma que “a alfabetização não é um estado ao qual se chega,

mas um processo cujo início é na maioria dos casos anterior a escola é que não termina ao

finalizar a escola primária”.

Há crianças que chegam à escola sabendo que a escrita serve para escrever

coisas inteligentes, divertidas ou importantes. Essas são as que terminam de

alfabetizar-se na escola, mas começaram a alfabetizar muito antes, através da

possibilidade de entrar em contato, de interagir com a língua escrita. Há

outras crianças que necessitam da escola para apropriar-se da escrita.

(FERREIRO, 1999, p.23)

A alfabetização inclui várias esferas para que aconteça com competência, e uma

delas e não menos importante é a consciência do educador de como se dá o processo de

aquisição de letramento e de oralidade deste alfabetizando, que vem em constante evolução

no seu processo de desenvolvimento emocional, interacional, e da sua realidade linguística em

seu processo de alfabetização. Sem dúvida, a alfabetização é a iniciação mais importante do

educando no mundo letrado e falado. O domínio da escrita representa na sociedade maior

fonte de poder do conhecimento humano. No entanto, poucos são os que realmente são

considerados competentes na arte da escrita e da leitura. A Língua Portuguesa no Brasil

apresenta uma grande variedade de dialetos, e estes se diferenciam por cada grupo social, o

que faz reforçar o embasamento linguístico na formação do professor alfabetizador, para que

o mesmo não assuma uma postura de “certo” e de “errado” na alfabetização de seus alunos, já

que a alfabetização um processo de ensino-aprendizagem da língua que tem como objetivo

dar ao alfabetizando mais um processo de comunicação verbal, a escrita. Desse modo se faz

necessário que o professor alfabetizador tenha conhecimento das variações linguísticas, visto

que os alunos já chegam à escola usando pelo menos a variante familiar da língua. Partindo

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desse pressuposto, é fundamental formar um usuário competente da língua que seja capaz de

usar os diversos recursos de modo adequado na construção de textos para veicular a

determinação de significações, produzindo efeitos de sentido pretendidos em situações

variadas e específicas de comunicação e, ao mesmo tempo, seja capaz de compreender os

sentidos veiculados pelos textos que recebe. Portanto, desenvolver a competência do professor

alfabetizador para que possa realizar um ensino efetivo na competência comunicativa desse

aluno. É importante ressaltar que não esperamos que a linguística consiga resolver o

problema da alfabetização, mas um caminho para que o professor realize seu trabalho sob

uma perspectiva linguística que fomente as dificuldades de leitura e de escrita perceptíveis ao

longo do processo estudantil dos alunos por meio de avaliações governamentais que avaliam a

qualidade de ensino oferecido por Estados e Municípios. Assim este estudo vem reforçar a

ideia já difundida por outros autores, sobre a importância da linguística no processo de

alfabetização e a formação do professor para que se dê com efetividade a sua proposta de

ensino da língua materna. Para Vygotsky,(1993) o desenvolvimento do pensamento é

determinado pela linguagem e pela experiência sociocultural da criança. Partindo desse

pressuposto, a linguagem duplica sua importância, pois, além de constituir um instrumento de

interação entre os falantes em idade de alfabetização, é um fator que também determina o

desenvolvimento psicológico desses iniciantes no mundo letrado. Vygotsky,(1993,p.44)

reitera: “O aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade escolar,

e é também uma poderosa força que, direciona o seu desenvolvimento, determinando, o

destino de todo o seu desenvolvimento mental”.

Uma criança que entra para a escola já vem com um conhecimento das suas relações

sociais e já adquiriu um conhecimento e uma habilidade linguística muito desenvolvida, ou

seja, já tem um dialeto, espelho da sua realidade linguística. Para Cagliari, (2010), um dialeto

não é simplesmente um uso errado do modo de falar de outro dialeto. São modos diferentes.

Esta mesma criança tem outras necessidades que o professor alfabetizador por sua formação

tem como obrigação ter conhecimento dos vários níveis que englobam a alfabetização: nível

fonético-fonológico, nível sintático-semântico, nível textual, o professor conhecendo essas

estruturas e sabendo como aplicá-las fica mais fácil de mediar às dificuldades dos alunos, mas

embasado somente nesse conhecimento o professor alfabetizador não realizará um trabalho

eficaz, faz-se necessário que ele leve em conta as variações dialetais que seus alunos

apresentam, pois uma classe ou comunidade escolar nunca é homogênea no dialeto, há

variações históricas, geográficas e sociais, e para tanto, o professor alfabetizador deve

conhecer e respeitar a fala dos alunos que irá ensinar, entendendo sua realidade linguística, já

que fazem parte de culturas diversas socialmente. Assim esses alunos levam as diferenciações

de fala do grupo ao qual pertence que pode ocorrer por características como; idade, sexo

níveis de fala ou por registro do que aprendeu com seus semelhantes, registro formal ou

coloquial. Os princípios linguísticos irão desenvolver-se a partir do momento em que a

criança resolve o problema da forma como a linguagem escrita esta elaborada para extrair

significados na cultura.

De acordo com Cagliari (2010, p.15-16)

A escola deve respeitar os dialetos, entendê-los e até mesmo ensinar como

essas variedades funcionam comparando-as entre si, ensinando como usar as

variedades linguísticas, sobretudo o dialeto padrão (...). A escola desta forma

não só ensina o português, como desempenha um papel imprescindível de

promover socialmente os menos favorecidos pela sociedade.

Desse modo, o professor alfabetizador contribui para o conhecimento dessas

variações linguísticas e estará conduzindo-os para que compreendam o seu mundo e o dos que

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os rodeiam, desmitificando o estigma de que a cultura e o saber só detêm quem fala o dialeto

padrão. O professor necessita ter um conhecimento linguístico para que essa desmistificação

aconteça ensinando a seus alunos a verdade linguística, assim, certamente a sociedade aceitará

as diferenças linguísticas da comunidade que a compõe. Infelizmente, muitos alfabetizadores

estão mais preocupados com a gramática descontextualizada estabelecida pela sociedade, e

que ignoram as variantes dialetais, e impõem sem perceber a norma da fala da classe

dominante, esquecendo-se do papel fundamental que tem a oralidade e gerando um

desconforto aos seus alunos, fazendo-os calarem-se por medo de não enquadrar-se ao que é

considerado “correto”. Em geral, os critérios que determinam os padrões de uma língua se

estabelecem principalmente pela ação da escola e dos meios de comunicação, levando os

falantes de um idioma aceitar como “certo” o modo de fala do segmento social mais

privilegiado, tanto no aspecto econômico como no cultural. Ocorre então, que a maneira

segundo a qual esse grupo se utiliza da língua vai se impondo como um padrão da gramática

normativa para estabelecer os conceitos de “certo e errado”, e o professor baseia-se neste

padrão para o ensino da língua materna sem ao menos oferecer ao estudante condições de

interpretar de maneira coerente que o modo de sua fala não é “errado” , mas inadequado a

certas situações, cabe então ao professor oferecer o ensino de modo que o aluno domine as

estruturas (regras) da língua culta, a fim de que, quando for conveniente, ele tenha condições

de utilizá-la sem perder sua identidade. É imprescindível que o professor na fase de

alfabetização não queira impor ao aluno o que a sociedade acha correto, mas mostrar-lhe

maneiras de como usar a língua culta, de que existem contextos que a língua informal pode

ser sim utilizada sem o preconceito linguístico. Quando uma pessoa se comunica com outras,

para que esse ato se realize de forma eficiente, é necessário que ela faça a adequação da

linguagem, assim, se o professor alfabetizador tiver essa consciência será muito mais fácil de

ensinar esse aluno sobre as regras gramaticais a serem utilizadas.

Fiorin diz que: (2004, p. 78),

São inúmeros os fatores que, individualmente ou combinados, interferem no

modo como o falante ajusta sua linguagem às circunstâncias do ato de

comunicação. Entre esses fatores destacam-se:

O interlocutor – não se fala do mesmo modo com um adulto e uma criança;

O assunto – falar sobre a morte de uma pessoa amiga requer uma linguagem

diferente da usada para lamentar a derrota do time de futebol;

A relação falante-ouvinte – não se fala da mesma maneira com um amigo e

com um estranho; em que uma situação social informal e em uma formal.

A linguística na formação do professor alfabetizador

Como o termo linguagem pode ter um uso não especializado bastante extenso,

podendo referir-se a linguagem dos animais até outras linguagens – música, dança, pintura,

mímica etc. – convém enfatizar que a Linguística detém-se somente na investigação científica

da linguagem verbal humana. No entanto, é de se notar que todas as linguagens (verbais e não

verbais) compartilham uma característica importante – são sistemas de signos usados para a

comunicação. A Linguística é, portanto, uma parte dessa ciência geral; estuda a principal

modalidade dos sistemas sígnicos, as línguas naturais, que são a forma de comunicação mais

altamente desenvolvida e de maior uso. (FIORIN,2004, p.17)

A chamada educação linguística de que tanto se fala é um conjunto de fatores

socioculturais que acompanham um indivíduo e possibilitam desenvolver seu conhecimento

sobre a língua materna. A cultura que circula numa sociedade também faz parte de uma

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língua, suas lendas, mitos e crenças, o que poderíamos chamar de uma ideologia linguística,

neste contexto também vemos e não é menos importante o aprendizado das normas

gramaticais que fazem parte da educação, a educação linguística que incidem nos grupos

sociais nos quais o indivíduo participa. Partindo desse pressuposto, pode-se dizer que a

educação linguística de cada indivíduo começa no início da sua vida na interação com outros

indivíduos, família, escola e comunidade em que está inserindo formando um conjunto de

dialetos que formam uma sociedade.

A educação em seu momento atual necessita de uma análise no que tange o

panorama das relações língua e sociedade, pois ainda há um mal entendido acerca de como se

ensina a língua materna respeitando a fala e o dialeto de cada falante. Diante desse fato, é de

suma importância que o Educador, professor alfabetizador tenha como cerne a sua formação

continuada em busca de aprender a aprender, ou seja, aprender como ensinar a língua materna

buscando uma formação integral para que possa ensinar com propriedade inovando sua

didática e não morra nas velhas práticas pedagógicas de um ensino mecanizado da tradição

normativa da língua, porém para que isso ocorra de modo participativo e com propriedade é

necessário que esse professor alfabetizador e de língua tenha formação para tal, para que

tenha uma perspectiva pragmática sobre como usa a linguística para ensinar a gramática de

modo que o desenvolvimento da proficiência oral e escrita do aluno não seja o único objetivo.

Infelizmente muitos graduados em Pedagogia e Letras vêm de um ensino que tem como

alicerce a gramática normativa pura, tornando assim o estudante um meio repetidor da

doutrina gramatical tradicional. Uma reflexão sobre língua e linguagem fica limitada em

geral, a uma disciplina introdutória à linguística, de simples historiografia dessa ciência.

Muitos estudantes que se graduam em Pedagogia e vão trabalhar especificamente com a

alfabetização, jamais ouviram falar durante sua formação, de pragmática linguística, de

conversação, de gramaticalização, de análise do discurso, linguística textual, etc.

Isso tudo acaba resultando em uma inaceitação por parte dos educadores

alfabetizadores e do ensino da língua materna dos documentos que regem as políticas de

ensino como o PCN de Língua Portuguesa e o PCN do Ensino básico, tendo dificuldade de

interagir com a ideia de inovação, de interação com o novo, pois não foram familiarizados

com esse tipo de reflexão em sua formação. Para validar essa afirmativa pode-se citar alguns

livros didáticos disponibilizados pelo MEC que foram erroneamente interpretados, um deles o

livro didático para o ensino da EJA da Editora Global, Coleção Viver e Aprender para uma

vida melhor, cujo objetivo era trabalhar as variedades linguísticas e estabelecer um novo

modo de se ensinar uma gramática mais reflexiva no que tange a linguística. O livro que traz

expressões como “nós pega os peixe” ou “os menino pega o peixe” é o único livro de

português que foi distribuído para este segmento de ensino pelo Programa Nacional do Livro

Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLDEJA) do MEC.

Com isso, abre-se um precedente para discussões sem fundamento sobre as propostas

oficiais do ensino da língua, a formação desses docentes que ainda por formação não são

capazes de assegurar os direitos linguísticos dos sujeitos em formação sem transgredir o seu

direito de usar seu dialeto, causando assim um preconceito linguístico.

Vê-se a necessidade de certa urgência na reflexão e ação que sejam capazes de suprir

uma demanda social no que concerne o ensino da língua materna, nos cursos superiores de

qualquer segmento educacional devendo interferir na formação de seus docentes e na

formação de seus licenciados. Os professores sejam eles de qual disciplina for agora

generalizando, deve deixar essa concepção prefixada ao longo de sua vida estudantil do certo

e do errado, é necessário que haja mudanças significativas para conceber essa postura

impregnada mesmo involuntariamente, e não gere mais comportamentos preconceituosos em

relação aos diferentes usos da língua e por consequência a seus usuários. Sem dúvida o

professor deve sim ensinar a norma padrão, logo no início da alfabetização, digo letramento,

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pois alfabetizar subentende-se ensinar as letras e letramento não é somente e tão simplesmente

ensinar a ler e a escrever, mas criar condições para que a formação desse sujeito seja plena e

participativa na sociedade “letrada” na qual ele está inserido e cheio de variedades linguísticas

a ser respeitada. Para tanto, o ensino dever ser respeitado em sua pluralidade cultural e

linguística, e esse trabalho implica na formação desse docente que deve pautar-se na

pedagogia da existência e valorização das características específicas do pensamento, da

emoção e da ação do indivíduo, em sua formação deve manifestar-se contra o tradicionalismo

que ignora a profundidade da educação e letramento, na busca de ideias e técnicas mais

eficientes no letramento de seus alunos tendo como tarefa principal a educação linguística

oferecendo propostas teóricas e práticas visando o interesse e necessidade do aluno

adequando, portanto a suas variedades linguísticas sendo norteadoras da primazia na

formação desses novos docentes. Cabe às instituições de curso superior enfatizar e despertar

em seus licenciandos o reconhecimento e entendimento das especificidades do português

brasileiro e no modo de como isso poderá interferir na didática no que diz respeito ao ensino

da linguística dos falantes e ou na fala dos sujeitos acerca das variações linguísticas

existentes, pois, as especificidades do português brasileiro são pouco e mal reconhecidas e

quando mencionadas, destinam-se a condenar os “supostos” erros praticando assim somente o

ensino da gramática normativa que vem de longa data a ser o correto em meio a uma

sociedade elitista.

Com o domínio de como se processa a aprendizagem e sobre qual modelo deve

prevalecer para o pleno desenvolvimento de indivíduos falantes de dialetos diferentes, do

português escrito, permitindo ao professor conhecer melhor seus alunos e seu universo

linguístico, oferecendo material que não se restrinja às variedades cultas, mas também que

não isole as variações linguísticas.

A pesquisa foi embasada na fundamentação teórica de vários autores, dentre eles

Cagliari (2010) e Travaglia (1995) que assumem uma concepção clara acerca do assunto.

Para tanto foi realizada uma pesquisa bibliográfica para embasar as perguntas feitas

por este objeto, tratando-se de uma pesquisa qualitativa para o estudo e análise da prática do

professor alfabetizador em sua formação.

Leitura

Muito se tem falado e escrito sobre a importância da leitura na vida do homem, sobre

as causas e consequências da falta da leitura numa sociedade letrada que exige um

desempenho linguístico no que se refere ao falante. Segundo Cagliari (2010), a alfabetização

tem sido uma das fases da educação de um sujeito que mais preocupa, já que há muitas

décadas se observam as mesmas dificuldades de aprendizagem. No entanto, os órgãos oficiais,

em suas tentativas não têm obtido resultados expressivos na solução dos problemas. Partindo

desse pressuposto, deve-se buscar uma formação que capacite o educador para o exercício de

suas funções. Mostra-se nesta pesquisa que a capacidade referida diz respeito principalmente

à formação técnica do professor alfabetizador.

Segundo Cagliari (2010) o processo de alfabetização tem como objetivo a aquisição do

conhecimento, de como o aluno irá situar-se em termos de desenvolvimento cognitivo,

emocional e de como evolui o seu processo linguístico durante a alfabetização, para isso o

professor terá de ter práticas produtivas para o aprendizado, sem que haja sofrimento e

preconceitos linguísticos. As instituições formadoras desses alfabetizadores têm que rever as

práticas deste profissional para que tenha domínio da escrita, linguagem para maior fonte de

métodos e técnicas.

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O professor alfabetizador não deve apenas satisfazer as necessidades do aluno, mas

despertar novas necessidades, organizando métodos, conteúdos e modelos, assim faz-se

necessário que a formação técnica do professor seja referência. (MEYER;BERTAGNA,

2006).

Vê-se que tem havido muitas pesquisas em Linguística, em Sociolinguística, em

Psicolinguística e em Análise do Discurso que têm contribuído para o debate acerca do ensino

de língua desde os anos iniciais, no entanto os avanços são tímidos e ainda não avançaram no

que tange à formação do professor alfabetizador ao convergir teoria em prática, partindo desse

pressuposto, um dos aspectos mais conflitantes na relação entre ensino e aprendizagem nos

graus iniciais e os estudos da linguagem e da aprendizagem nas instituições universitárias

encontram-se centralizadas na formação dos professores alfabetizadores, ou seja, os futuros

Pedagogos. O currículo na formação de Pedagogos e Profissional de Letras permite apenas

análises superficiais acerca das diferentes abordagens sobre o ensino e a aprendizagem da

língua, promovendo assim uma disputa entre os defensores de vertentes tradicionais e de

vertentes atualizadas.

Poucos são os resultados que alteram os rumos dos estudos da linguagem e

aprendizagem dos licenciados em pedagogia, que consequentemente trazem para nossas salas

de aula.

Evidentemente que esta desarmonia nos cursos de licenciaturas reflete-se nos cursos

de formação de professores de Ensino fundamental e Médio, assim vale ressaltar o quanto se

faz necessária e urgente uma implementação eficaz das políticas de formação de professores

para esta esfera do ensino. Em 2011, o MEC deu início ao Programa de Formação continuada

em Alfabetização (PROFA), e atualmente oferece o Pró-Letramento, Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa, cujos objetivos mais ampliados englobam a formação do

professor do Ensino Fundamental. Muitos Estados e Municípios já fazem parte do programa,

no entanto, ainda há muita resistência em aderir ao programa e os que aderem desistem por

falta de incentivo do próprio governo ao atrasar o valor da bolsa estipulada para a participação

do professor.

No que se refere à formação do professor e na construção do conhecimento e da

identidade social do mesmo e das maneiras como essa construção de conhecimento e

identitária interfere nas práticas discursivas e nas relações sociais, como o professor de

escolas públicas se vê como profissional, como vê sua atuação pedagógica na educação e

construção do indivíduo em formação global, como entende sua função social no que tange o

ensino no contexto sócio-histórico em que pretende atuar são questões que contemplam os

objetivos deste estudo fomentando a prática das instituições formadoras de professores

alfabetizadores.

Resultados

A pesquisa realizada aborda a falta de preparo de profissionais da educação em sua

formação para o uso de técnicas e métodos acerca do uso da linguística na Educação

Fundamental e Ensino Médio. O currículo na formação de Pedagogos permite apenas análises

superficiais acerca das diferentes abordagens sobre o ensino e a aprendizagem da língua,

promovendo assim uma disputa entre os defensores de vertentes tradicionais e de vertentes

atualizadas, esta desarmonia nos cursos de licenciaturas reflete-se nos cursos de formação de

professores, desse modo, vê-se a necessidade de certa urgência na reflexão e ação que sejam

capazes de suprir uma demanda social no que concerne o ensino da língua materna, nos

cursos superiores de qualquer segmento educacional devendo interferir na formação de seus

docentes e na formação de seus licenciados para que possam atuar com competência

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exercendo sua função de modo que contribua para o pleno desenvolvimento do sujeito como

um todo. É bom lembrar que, no Brasil, as reflexões sobre a problemática dos cursos de

licenciatura acerca da formação do profissional de Letras e do Pedagogo, em si é uma crise

tão antiga quanto a própria crise na educação atual.

À luz do pensamento dos vários autores citados, a intenção deste trabalho foi o de

explicitar a compreensão do que se convenciona dizer de “falta de preparo das instituições

para formação de professores acerca do uso da linguística desde os anos iniciais”. O uso que o

homem faz da linguagem é uma ação tão natural que não é hábito refletir sobre sua

importância e seu poder nas relações e em seu contexto social, visto que a fala apresenta uma

variedade de dialetos que, devem ser respeitados e contemplados em sala de aula para que o

aluno tenha conhecimento da própria língua e seu uso em diferentes contextos. Assim, a

formação do professor alfabetizador no caso dos licenciados em Pedagogia deveria haver

mais ênfase no que se refere à linguística para que ao estar em sala de aula com alunos

falantes de formas diferentes esse profissional saiba respeitar sua maneira de se expressar,

respeitando o contexto onde vive e a fala trazida do seio familiar mostrando as adequações na

escrita sem julgá-los pelo seu modo de falar.

Considerações finais

Conclui-se que a falta de preparo de profissionais da educação em sua formação para o

uso de técnicas e métodos acerca do uso da linguística na Educação Fundamental e Ensino

Médio, é uma vertente a ser mais aprofundada, apesar de muitos teóricos já abordarem o

assunto, ainda não é um tema que altera o que se espera de um curso de licenciatura na

formação de professores alfabetizadores, ou seja, pedagogos, mas já mostra uma tendência de

pensamento crítico acerca da reformulação que deve ser realizada nas instituições e na

formação desses indivíduos que entendendo claramente a ideia e distinção e para que, e como

usar a linguística em sua prática pedagógica, não perde assim a consciência dos fenômenos da

fala.

Referências

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. O que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2003.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione, 2009.

FIORIN, José Luiz. Introdução à Linguística I Objetos Teóricos. São Paulo: Contexto, 2004.

MAIA, Joseane. Literatura na formação de leitores e professores. São Paulo, Paulinas,

2007.

MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Leitura, produção de textos e a escola: reflexões

sobre o processo de letramento. Campinas, Mercado de Letras; Autores Associados, 1994.

MEYER, João F. da Costa Azevedo, BERTAGNA, Regiane Helena. O ensino a ciência e o

cotidiano. Campinas, Editora Alinea, 2006.

TRAVAGLIA, Luis Carlos. Gramática e interação. São Paulo, Cortez, 1995.

VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e linguagem. Trad. de Jeferson Luiz Camargo.

São Paulo, Martins Fontes, 1993.

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83

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Um estudo gramatical do poema “O mundo, o novo

mundo” de Péricles Eugênio da Silva Ramos

João Francisco Pereira Nunes Junqueira Doutorando em Estudos Literários na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” –

UNESP/Araraquara (Bolsista CAPES). Professor das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – FATEA/Lorena.

E-mail: [email protected]

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de discutir o poema “O mundo, o novo mundo”, do poeta

paulista Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992), a partir de algumas idéias propostas

por Roman Jakobson em seu ensaio “Poesia da gramática e gramática da poesia”.

Acreditamos que o ensaio de Jakobson possa nos dar um novo olhar sobre o poema,

ampliando aspectos de leitura que muitas vezes permanecem adormecidos. Assim, esperamos

levantar questões pertinentes aos estudos literários e poéticos, como o uso de estruturas

gramaticais recorrentes com o fim de expressar imagens poéticas, e de estruturas gramaticais

que trazem em seu bojo um pouco da forma de pensamento do poeta; também procuramos

demonstrar como o ritmo, muitas vezes, para ser permanente, necessita de padrões

gramaticais que possibilitem suas idas e voltas.

Palavras-chave

Péricles Eugênio da Silva Ramos; Poesia brasileira; Gramática poética.

Abstract

This article aims to discuss the poem "O mundo, o novo mundo," the paulista poet Péricles

Eugênio da Silva Ramos (1919-1992), from some ideas proposed by Roman Jakobson in his

essay "Poesia da gramática e gramática da poesia". We believe that the essay of Jakobson

can give us a fresh look at the poem, extending aspects of reading that often remain asleep. So

we hope to raise pertinent questions to literary and poetic studies, such as the use of

recurring grammatical structures in order to express poetic imagery, and grammatical

structures that bring in its wake some of the way of thinking of the poet; also to demonstrate

how the pace often to be permanent, requires grammatical patterns that allow their return

back.

Keywords

Péricles Eugênio da Silva Ramos; Brazilian poetry; Poetic grammar.

Introdução

O presente artigo é um exercício, possui o objetivo de discutir o poema “O mundo, o

novo mundo”, do poeta paulista Péricles Eugênio da Silva Ramos, a partir de algumas idéias

propostas por Roman Jakobson em seu ensaio “Poesia da gramática e gramática da poesia”,

presente no livro Lingüística. Poética. Cinema. Acreditamos que o ensaio de Jakobson, “o

poeta da lingüística”, segundo Haroldo de Campos, possa nos dar um novo olhar sobre o

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poema, ampliando aspectos de leitura que muitas vezes permanecem adormecidos. Antes de

iniciarmos, vamos ao poema:

O mundo, o novo mundo

1 Porque tentasse decifrar os signos da matéria,

2 com seu rumor de concha sob a forma silenciosa;

3 porque sem olhos desejasse ver além do que se vê,

4 os pés feriu à margem do caminho,

5 dilacerou as mãos nas grimpas da montanha.

6 Um deus, porém – sim, foi um deus –,

7 penalizado o socorreu no meio da jornada,

8 oferecendo-lhe, na voz, os olhos com que visse,

9 as asas com que o vale do mistério transpusesse.

10 E canta o socorrido, e em sua voz um novo sol gravita,

11 como o que luz no céu, porém mais quente,

12 como o que apaga estrelas, mas sem corpo.

13 Ei-lo que canta, e um novo mar se encrespa;

14 ei-lo que canta, e um novo homem nasce,

15 um novo homem sob um novo sol.

16 Ei-lo que canta; e uma só língua ecoa pela Torre de Babel;

17 ei-lo que canta!

18 E surge o mundo, o novo mundo, sobre o túmulo da esfinge.

(RAMOS, 1972, p.4).

O poema, de fundo metapoético, descreve a tentativa de um ente (um futuro poeta?) se

tornar detentor do poder de controlar “os signos da matéria”, e ver mais do que lhe é possível,

ou lhe é dado ver. Feridos os pés e dilaceradas as mãos, um deus, que não se sabe qual,

penalizado o ajuda, oferecendo na voz o poder que o ente busca. Agora o ser tem como cantar

com sua própria voz, digamos poética, e criar um novo mar, um novo homem e um novo

mundo. E esta única língua ecoará pela Torre de Babel. Esta língua, que será a língua própria

do novo poeta, será única, assim como o ritmo binário do poema será constante (veremos este

ponto mais abaixo), portanto, ritmo e conteúdo se plasmam na unicidade deste novo poeta.

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O autor do poema é considerado dentro a crítica literária como parte da chamada

“Geração de 45”. Nasceu em Lorena, cidade do estado de São Paulo, no dia 24 de outubro de

1919, e faleceu no dia 14 de maio de 1992 na cidade de São Paulo. Além de poeta, foi crítico

literário e tradutor.

A poesia de Péricles Eugênio é composta por cinco livros, são eles: Lamentação floral

(1946), Sol sem tempo (1953), Lua de ontem (1960), Futuro (1968) e Noite da memória

(1988). Em 1972, a José Olympio Editora lança Poesia quase completa, reunião dos quatro

primeiros livros do poeta.

“O mundo, o novo mundo” e a poesia da gramática

O poema em questão neste artigo, “O mundo, o novo mundo”, está presente na obra

Lamentação floral de 1946, seu primeiro livro publicado. É interessante observar que na

republicação dos quatro livros iniciais do poeta no volume Poesia quase completa Péricles

Eugênio deixa uma “Advertência” como prefácio para o livro, e chama a atenção para um

aspecto formal importante em sua obra, o uso sistemático do ritmo binário. Vejamos o trecho:

Já no 1o poema de Lamentação floral, de resto, como em muitos outros dêsse

livro, eu havia sistematizado o meu próprio verso livre, fazendo-o flutuar de

oito a vinte sílabas, num ritmo sustentadamente binário. Desconheço

exemplo de rigor semelhante em qualquer poeta anterior de nossa língua,

isto é, desconheço precedentes da sistemática de Lamentação floral e Sol

sem tempo, bem como do andamento, também binário, dos dois poemas em

prosa de Lua de ontem. Mostra isso que o autor não procurava repetir

ninguém, mas pelo contrário moldar seu próprio verso livre em bases

rítmicas binárias, como sinal de que ouvira a advertência de Mário de

Andrade sôbre a “desritmação bôba” que andava grassando pelo verso livre.

(RAMOS, 1972, p. xiii).

O primeiro poema de Lamentação floral é o próprio “O mundo, o novo mundo”. Em

outro momento tentamos desvendar o uso do ritmo binário neste poema, e propondo o número

“2” para as sílabas fortes e semi-fortes e o número “0” para sílabas fracas, chegamos ao

seguinte esquema rítmico, de base iâmbica (apresentamos aqui apenas a primeira estrofe):

1 Por/que/ ten/ta/sse/ de/ci/frar/ os/ sig/nos/ da/ ma/té/ria, 14 sílabas

0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 binário

2 com/ seu/ ru/mor/ de/ con/cha/ so/b a/ for/ma/ si/len/cio/sa, 14 sílabas

0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 binário

3 por/que/ sem/ o/lhos/ de/se/ja/sse/ ver/ a/lém/ do/ que/ se/ vê/, 16 sílabas

0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 binário

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4 os/ pés/ fe/riu/ à/ mar/gem/ do/ ca/mi/nho, 10 sílabas

0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 binário

5 di/la/ce/rou/ as/ mãos/ nas/ grim/pas/ da/ mon/ta/nha. 12 sílabas

0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 binário

O mesmo padrão permanece em todo o poema, com apenas alguns momentos em que

o andamento binário parece não se ajustar perfeitamente, como, por exemplo, no verso 6:

6 um/ deus,/ po/rém/ – sim,/ foi/ um/ deus/ -,

0 2 0 2 (2) 2 0 2

Nossa possível explicação para este verso seria as pausas sugeridas pela vírgula após o

advérbio “sim” e o travessão anterior ao “sim”, o que possibilita uma seqüência de três sílabas

fortes sem o enfraquecimento de uma delas. Apresentamos este verso como amostra, mas é

possível neste poema, e em outros da obra do poeta, encontrar versos em que poderíamos

discutir a efetividade do uso do ritmo binário.

Embora, em um primeiro olhar, o uso do ritmo binário nos pareça um formalismo um

tanto gratuito, o seu uso reiterado e plasmado à criação imagética do poeta nos dá um padrão

de construção próprio, e, ao mesmo tempo, faz com que a estrutura gramatical utilizada por

Péricles Eugênio também possa dialogar com este ritmo.

Como exemplo do que afirmamos acima, poderíamos citar a seguinte seqüência

padrão do poema “O mundo, o novo mundo” que vai costurando as últimas três estrofes do

poema, sempre mantendo a frase gramatical artigo indefinido/adjetivo/substantivo/verbo:

10 [...] um novo sol gravita

13 [...] um novo mar se encrespa

14 [...] um novo homem nasce

A mesma sequência ocorre com algumas alterações ao fechar os dois tercetos, porém,

agora, sem os verbos e com o uso das preposições “sob” e “sobre”, além da mudança do

artigo indefinido para o artigo definido:

15 um novo homem sob um novo sol

18 [...] o novo mundo, sobre o túmulo da esfinge

Nestes exemplos notamos a presença do ritmo binário organizando os versos:

10 [...] um/ no/vo/ sol/ gra/vi/ta

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0 2 0 2 0 2 0

13 [...] um/ no/vo/ mar/ se en/cres/pa

0 2 0 2 0 2 0

14 [...] um/ no/vo/ ho/mem/ nas/ce

0 2 0 2 0 2 0

15 um/ no/vo/ ho/mem/ so/b um/ no/vo/ sol/

0 2 0 2 0 2 0 2 0 2

18 [...] o/ no/vo/ mun/do/, so/bre o/ tú/mu/lo/ da es/fin/ge

0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0

Nossa ideia ao apresentar estes exemplos acima é tentar demonstrar como o uso de

determinada frase gramatical pode estar vinculada ao ritmo acentual. E, deste modo, tentar

expor a estrutura gramatical funcionando como meio de expressão para o conteúdo do poema.

Como ponto de partida, separamos o seguinte trecho do ensaio de Roman Jakobson como

pedra de toque para a análise, diz Jakobson:

Pode-se afirmar que na poesia a similaridade se superpõe à contigüidade e,

assim, ‘a equivalência é promovida a princípio constitutivo da seqüência’

(Jakobson). Nela toda reiteração perceptível do mesmo conceito gramatical

torna-se um procedimento poético efetivo. Uma descrição não-apriorística,

atenta, exaustiva, completa, dos processos de seleção, distribuição e inter-

relacionamento das diferentes classes morfológicas e das diferentes

construções sintáticas presentes em um dado poema surpreende até mesmo o

investigador que a realiza. (JAKOBSON, 1970, págs. 72-73).

Partindo dessa premissa, que é a definição da “função poética” apresentada por

Jakobson no seu famoso artigo “Lingüística e poética”, observamos que no poema de Péricles

Eugênio esta reiteração gramatical com fins poéticos ocorre de forma satisfatória.

O poema é composto por cinco estrofes. De forma descendente, a estrofe (I) possui 5

versos; a estrofe (II) 4 versos; as estrofes (III), (IV) e (V) possuem 3 versos cada. Partindo de

uma visão geral, podemos perceber que a estrofe (I) e a estrofe (II) têm um movimento

próprio visto pela estrutura gramatical, enquanto as estrofes (IV) e (V) mantêm um padrão

gramatical paralelístico muito próximo uma da outra. A estrofe (III) especificamente no verso

10 liga-se às estrofes (IV) e (V). Enquanto os outros dois versos (11 e 12) têm um movimento

paralelístico próprio. O que chama a atenção é que mesmo com algumas variações entre as

estrofes é nítido um sentido de construção onde cada palavra precisa ser medida com precisão

para o efeito almejado, ainda mais se vincularmos isto ao ritmo binário aplicado pelo poeta no

poema.

Outro ponto que gostaríamos de aventar é a possível reorganização da última estrofe

do poema, que, ao que nos parece, poderia ser dividida da seguinte forma para manter certo

paralelismo com a estrofe anterior (segue o trecho original, e o trecho reorganizado

respectivamente):

16 Ei-lo que canta; e uma só língua ecoa pela Torre de Babel;

17 ei-lo que canta!

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18 E surge o mundo, o novo mundo, sobre o túmulo da esfinge.

16 Ei-lo que canta; e uma só língua ecoa pela Torre de Babel;

17 ei-lo que canta! E surge o mundo,

18 o novo mundo, sobre o túmulo da esfinge.

É claro que esta nova divisão, totalmente arbitrária, visa apenas evidenciar uma

aparente construção entre as estrofes (IV) e (V), ou seja, apenas um recurso didático. Porém,

não deixa de ser relevante o fato da quebra do verso 17 ocorrer bem no momento em que o

“cantor” (um poeta em busca de sua linguagem?), após sofrer as penas da busca pela

decifração dos signos da matéria, e posteriormente ser socorrido por um deus do qual

desconhecemos - um deus anônimo? seriam Musas? este “deus” em minúsculo nos deixa

desamparado neste sentido, em que o “cantor” faz surgir o “novo mundo”, que agora é

precedido pelo artigo definido “o”, e não mais a presença do artigo indefinido “um” até então

preponderante. Já no verso 18 temos uma seqüência de três artigos definidos “o”, a criação

está consumada, e o mundo anterior, em formação, desaparece. O novo mundo está

plenamente realizado, o verbo “surge” está apartado da luta anterior, e nos dá num novo verso

(verso 18), e a imagem da esfinge, do túmulo da esfinge, pode ser a imagem do poeta que

vence o desafio e declara sua própria linguagem como seu novo caminho poético, o caminho

de um poeta pleno de sua função.

Pensando o poema desde seu início poderíamos abordá-lo a partir do paralelismo, pois

em todas as estrofes temos este procedimento com maior ou menor eficácia, e no caso

específico das estrofes (IV) e (V) temos um paralelismo padrão entre as duas estrofes. Segue

outro trecho do ensaio de Jakobson para nos guiar:

A “figura de gramática” recorrente, que, ao lado da “figura de som”, era

considerada por Gerard Manley Hopkins como o princípio constitutivo do

verso, é ainda mais palpável nas formas poéticas em que unidades métricas

contíguas se combinam de forma mais ou menos consistentes em dísticos e,

opcionalmente, em tercetos, através do paralelismo gramatical. A afirmação

da Sapir, acima citada, é perfeitamente aplicável a essas seqüências

contíguas: “são na realidade uma mesma sentença fundamental, diferindo

apenas pelo revestimento material”. (JAKOBSON, 1970, págs. 68-69).

Ao ler o trecho acima, percebemos que em todo poema “O mundo, o novo mundo” há

certo padrão paralelístico presente. Na estrofe (I) citamos as analogias (no sentido proposto

por Alfredo Bosi em O ser e o tempo da poesia, analogia como enriquecimento da percepção)

entre os versos 1 e 3, e entre os versos 4 e 5:

1 Porque tentasse decifrar os signos da matéria,

3 porque sem olhos desejasse ver além do que se vê,

Page 90: ECCOM 14 – Revista de Educação, Cultura e Comunicação

89

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

4 os pés feriu à margem do caminho,

5 dilacerou as mãos nas grimpas da montanha.

Estes dois grupos de analogias, portanto, reforçam o desafio proferido pelo ente, e

criam uma primeira imagem do poema. Além disto, podemos argüir em relação às

recorrências, que surgem em alguns momentos. Há recorrências morfológicas, como, por

exemplo, os verbos dentro da primeira analogia, que estão no mesmo tempo verbal

“tentasse/desejasse” (pretérito imperfeito), da mesma forma na segunda analogia

“feriu/dilacerou” (pretérito perfeito simples). Na primeira analogia há a recorrência do

pronome “porque”, no início dos dois versos. Também podemos nos referir às recorrências

sintáticas, como a que há na segunda analogia, que é o caso do genitivo: “do caminho/da

montanha”.

Ainda sintaticamente, há uma inversão entre os versos 4 e 5:

4 os pés feriu

5 dilacerou as mãos

A estrofe (II) é aquela que apresenta a menor incidência de uma estrutura gramatical

padrão. Temos entre os versos 7 e 8 certo paralelismo:

7 [...] os olhos com que visse

8 as asas com que o vale do mistérios transpusesse.

É interessante que o que fica sobrando neste paralelismo é a parte que dialoga com

outros pontos da estrofe (I), e mesmo da estrofe (II), os genitivos:

1 [...] os signos da matéria

4 [...] à margem do caminho,

5 [...] nas grimpas da montanha.

7 [...] no meio da jornada,

8 [...] o vale do mistério

A estrofe (III) já está em pleno diálogo com a estrutura das duas estrofes finais. O

verso 10,

10 E canta o socorrido, e em sua voz um novo sol gravita,

Page 91: ECCOM 14 – Revista de Educação, Cultura e Comunicação

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

mantém ligações com as estrofes (IV) e (V), já que “E canta o socorrido...” nos sugere “Ei-lo

que canta...” (estrofes (IV) e (V)), e em “... um novo sol gravita”, nos sugere “... um novo mar

se encrespa” (estrofe (IV)), e também há uma certa relação entre “... e em sua voz...” e “e uma

só língua ecoa...” da estrofe (V). Neste ponto nos parece que a voz que canta é a voz que

ecoará pela Torre de Babel.

Já os versos 11 e 12 têm um padrão próprio. Vejamos:

11 como o que luz no céu, porém mais quente

12 como o que apaga estrelas, mas sem corpo.

Trata-se de dois versos decassílabos. Na primeira parte dos versos temos uma

conjunção “como” seguida do artigo definido “o” e de um pronome relativo “que”, repetidos

desta forma nos dois versos. O acento na sexta sílaba ocorre em dois substantivos: “céu” e

“estrelas”, dentro de um mesmo campo semântico. Na segunda parte dos versos temos as

conjunções “porém” no verso 11 e “mas” no verso 12. A partir daí os versos sofrem

alterações, no verso 11 surge o advérbio “mais” seguido de adjetivo “quente”, e no verso 12 a

preposição “sem” seguida do substantivo “corpo”. De qualquer forma, mesmo com pequenas

mudanças entre os versos, a frase gramatical que os percorre nos faz com que os leiamos

como se tivessem um mesmo padrão, um mesmo sentido, porém de difícil compreensão.

Estas tessituras gramaticais apresentadas não deixam de ser importantes para

definirmos algo como o estilo do autor, ou até mesmo o estilo de uma época, como afirma o

próprio Jakobson:

A tessitura gramatical da poesia apresenta, além dos procedimentos comuns

ou mais constantes, muitos traços diferenciais salientes, característicos de

uma dada literatura nacional ou de um período limitado, de uma tendência

específica, de um determinado poeta ou até mesmo de uma única obra.

(JAKOBSON, 1970, p. 76).

Assim, de grande relevância seria o estudo de um número grande de poemas de

Péricles Eugênio para termos uma medida ideal dos processos gramaticais utilizados pelo

poeta. De um modo geral, a partir de um estudo anterior feito sobre o ritmo na poesia do

poeta, acreditamos que o ritmo binário em muitos momentos requer estruturas recorrentes.

Como ilustração, apresentamos o início do poema “Um dia azul de outubro” presente na obra

Lua de ontem, de 1960. Trata-se de um dos dois poemas em prosa citado por Péricles Eugênio

em sua “Advertência”. Segue o trecho inicial:

Um dia azul de outubro

Carne pelos trilhos. Carne sôbre as pedras. Carne humana.

Degradada carne humana. Abatida, aviltada carne humana, feita

choque e humilhação. Sangue, lágrimas, tristeza...

(...)

Page 92: ECCOM 14 – Revista de Educação, Cultura e Comunicação

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(RAMOS, 1972, p.101)

No trecho percebemos a repetição de vocábulos (“carne” aparece 5 vezes, “humana” 3

vezes) ou o uso de paroxítonas com quatro sílabas (“degradada”, “abatida”, “aviltada”). Isto

facilita que a alternância binária se instaure. Façamos a seguir a acentuação deste trecho:

Car/ne/ pe/los/ tri/lhos. Car/ne/ sô/bre as/ pe/dras. Car/ne hu/ma/na.

De/gra/da/da/ car/ne hu/ma/na. A/ba/ti/da/, a/vil/ta/da/ car/ne hu/ma/na/, fei/ta

cho/que e hu/mi/lha/ção/. San/gue/, lá/gri/mas/, tris/te/za...

Assim feito, temos a presença da alternância binária demonstrada. Observamos a

presença de sílabas semifortes, e apenas no vocábulo ‘lágrimas’ seria interrompida a

alternância, pois teríamos uma seqüência forte-fraca-fraca, a menos que colocássemos a

sílaba final ‘mas’ como uma semiforte, dando-lhe um valor maior. O que cairia perfeitamente

com o vocábulo seguinte ‘tristeza’, que inicia com a sílaba fraca ‘tris’. Isto nos daria uma

alternância binária perfeita.

Partamos, agora, com o intuito de finalizar, para as duas estrofes finais. Observando

estas duas estrofes do poema, percebemos uma estrutura gramatical constante entre ambas as

estrofes, e um paralelismo entre os versos 13 e 14, e depois entre os versos 16 e 17.

13 Ei-lo que canta, e um novo mar se encrespa;

14 ei-lo que canta, e um novo homem nasce,

15 um novo homem sob um novo sol.

16 Ei-lo que canta; e uma só língua ecoa pela Torre de Babel;

17 ei-lo que canta!

18 E surge o mundo, o novo mundo, sobre o túmulo da esfinge.

O primeiro ponto que salta aos olhos é o procedimento anafórico (“Ei-lo que canta”)

presente nos dois primeiros versos de cada estrofe, ou seja, repetido quatro vezes. Seguindo a

anáfora, temos na segunda parte dos versos 13 e 14 uma estrutura gramatical feita com as

mesmas classes gramaticais:

13 e um novo mar se encrespa

13 preposição artigo adjetivo substantivo verbo com partícula reflexiva

14 e um novo homem nasce

14 preposição artigo adjetivo substantivo verbo

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Esta mesma estrutura gramatical comunica a mesma idéia de pensamento, a idéia de

algo novo florescendo a partir do canto. Para enriquecer os dois versos acima, o verso 15

potencializa a idéia de nascimento:

15 um novo homem sob um novo sol

15 art. indefinido adjetivo subs. prep. art. indef. adjetivo subs.

Considerações finais

Assim, esperamos com este breve estudo ter levantado questões pertinentes aos

estudos literários e poéticos, como o uso de estruturas gramaticais recorrentes com o fim de

expressar imagens poéticas, e de estruturas gramaticais que trazem em seu bojo um pouco da

forma de pensamento do poeta; também procuramos demonstrar como o ritmo, muitas vezes,

para ser permanente, necessita de padrões gramaticais que possibilitem suas idas e voltas. A

riqueza da expressão se dá quando um mesmo padrão gramatical é enriquecido com material

diferente, deste modo o paralelismo ao invés de se tornar um processo fastidioso passa a ser

um recurso de enriquecimento, na tentativa do poeta em plasmar verbalmente a imagem

visual já apartada da realidade.

Referências

BALLARINI, Teodorico. A poética hebraica e os salmos. Petrópolis: SE, 1985.

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

JAKOBSON, Roman. Poesia da gramática e gramática da poesia. In: ___. Lingüística.

Poética. Cinema. Trad. Cláudia Guimarães de Lemos. São Paulo: Perspectiva, 1970, p. 65-79.

RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Poesia quase completa. Rio de Janeiro: José Olympio,

1972.

Page 94: ECCOM 14 – Revista de Educação, Cultura e Comunicação

93

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Cartografia de controvérsias como procedimento

metodológico: mapeando processos culturais em uma

associação de artesãos de Maria da Fé/MG

Adilson da Silva Mello Professor Adjunto IV da Universidade Federal de Itajubá. Possui graduação em Filosofia, mestrado em

Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999) e Doutorado pelo Programa de

Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor,

Pesquisador e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade.

Áreas de interesse: Tecnologias e Sociedade; Trabalho; Cultura e Desenvolvimento. Coordenador do GEPE de

Ciências Sociais e Desenvolvimento do Instituto de Engenharia de Produção e Gestão da Universidade Federal

de Itajubá.

Guilherme Garrido Mestrando em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade pela Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) com

bolsa CNPq. Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas do Sul de

Minas (FACESM) (2013). Pesquisa sobre a relação entre artefatos e tecnologia. Atua principalmente nos

seguintes temas: Tecnologia e Sociedade, tendo como grande área Sociologia.

Camila Lorrichio Veiga Mestrado em andamento em Desenvolvimento, Tecnologia e Sociedade na UNIFEI e bolsista FAPEMIG.

Graduada em Design pelas Faculdades Integradas Teresa D'Ávila (FATEA). Foi bolsista PIBIC e PIBITI na

FATEA. Pesquisa e Desenvolvimento nas áreas de design de produto, cartografia de controvérsias e teoria ator-

rede. Como trabalho de monografia, estudou a otimização da produção de uma movelaria em Lorena/SP por

meio de uma catalogação informatizada e gestão de produtos elaborados na mesma. Escritora com dois livros

publicados e membro da Academia Jovem de Letras de Lorena.

Resumo

O presente artigo tem como objetivo demonstrar a utilização da cartografia de controvérsias

como método. Essa pesquisa tem por locus a associação Casa do Artesão Mariense,

localizada cidade de Maria da Fé/MG, e todos os atores que se relacionam a ela nos vários

momentos da rede. Com a dúvida se era possível utilizar a cartografia de controvérsias como

método, realizou-se o mapeamento de uma das controvérsias que apareceram durante a

pesquisa: sobre a permanência da associação no local atual, o Centro Cultural. Com o

mapeamento de dados, realizou-se uma série de redes traçadas pelos atores para uma

visualização facilitada da complexidade da controvérsia. Consegue-se concluir que por meio

de uma demonstração virtual as possibilidades de visualização na rede possam a ser

ampliadas e também que essa visão auxilie na visualização da movimentação da rede e atores

e onde/como agem.

Palavras-chave

Cartografia de controvérsias; Ator-Rede; Maria da Fé; Centro Cultural; Artesão.

Abstract

This article aims to demonstrate the use of mapping controversy as a method. This research

has the locus association Craftsman House Mariense located in Maria da Fé City/ MG, and

all the actors who relate to it at many times of the network. To doubt whether it was possible

to use the mapping controversy as a method, it was conducted mapping of the controversies

that have appeared during the research: on the association of staying at the current location,

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

the Cultural Center. With the data mapping, carried out a series of networks drawn by the

actors for easy visualization of the complexity of the dispute. It can be concluded that through

a virtual demo visualization possibilities on the network can be expanded and also that this

view helps network drive display and actors and where / how they act.

Keywords Cartography of disputes; Actor-Network; Maria da Fé; Cultural Center; Craftsman.

Introdução

Esse artigo é parte de uma pesquisa de mestrado que teve início em 2014, com uma

incursão no campo a partir de maio de 2014 em uma associação de artesãos de Maria da

Fé/MG. Também é parte de um projeto maior que envolve mais duas pesquisas diferentes. A

visão proposta aqui percorre a ampliação de agência apresentada pela Teoria Ator-Rede1,

onde humanos e não-humanos são ambos considerados dotados de agência na rede.

O trabalho do designer tende a se relacionar com várias áreas e profissionais,

inserindo-se com diversas funções. Em vários trabalhos visualiza- se que há uma cisão entre

design e artesanato, uma fissura que se mostra pautada em um preconceito de que um é mais

formal que outro, mais acadêmico que o outro. Mesmo assim, há uma gama ampla de

discussões sobre o que é o design e o que é o artesanato até o presente momento. Dentro dessa

incursão de pesquisadores com formação em Design, Administração e Ciências Sociais foi

coletada uma grande série de dados de campo sobre o cotidiano da Associação Casa do

Artesão Mariense, das associadas, dos produtos e das conexões que existem entre todos os

atores envolvidos.

Articulando toda essa quantidade de dados e na Teoria Ator-Rede, que vem sendo

trabalhada desde o início da pesquisa, obtivemos contato com a Cartografia de Controvérsias2,

pensada por Bruno Latour e Tommaso Venturini, que permite descomplexificar o complexo

da vida social. Não sem muito esforço.

O objetivo desse artigo é responder à indagação da possiblidade de utilizar a

Cartografia de Controvérsias como procedimento metodológico para essa pesquisa

especificamente, na qual a quantidade de “dados off-line” é enorme, divergindo dos caminhos

pesquisados em Venturini (2012), onde a maior parte dos dados provém de textos e são

trabalhados virtualmente.

A estrutura do presente trabalho segue a sequência:

Primeiramente demonstramos o lócus da pesquisa, visualizando a associação

estudada, Casa do Artesão Mariense, e os atores que compõem esse cenário formatado em

rede. Em seguida situamos nos itens 2 e 3 a Teoria Ator-Rede e a Cartografia de

Controvérsias, respectivamente. No item 4 é concluída a análise por meio da Cartografia da

controvérsia sobre a permanência da associação no local atual.

1 Teoria Ator-Rede (Actor-Network Theory), desenvolvida por Bruno Latour, Michel Callon e John Law, tem

como pontos-chave a simetria de agência, o não-reducionismo no campo, a visão de que as redes não são

estáveis e a reflexividade, onde o pesquisador não se considera diferente do objeto estudado. Mais à frente há um

aprofundamento sobre o tema. 2 A Cartografia de Controvérsias é proposta como uma maneira de visualizar a complexidade da rede, como um

modo de traduzir as relações em um determinado momento e sob um determinado ponto de vista. No item 3 esse

tema é explanado mais profundamente.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Contexto histórico da Casa do Artesão Mariense: como, quando e

quem

Maria da Fé é uma cidade localizada no sul de Minas Gerais, e tem uma população

estimada de 14.518 habitantes, de acordo com dados do IBGE de 20153, é uma cidade com

202.898 km², com grande parte da sua população residindo em área rural.

A associação estudada, Casa do Artesão Mariense, tem até o presente momento 43

associados, trabalhando com os mais variados materiais: palha de bananeira, palha de milho,

madeira, biscuit, tecido, entre outros. Segue abaixo um relato do cotidiano da Casa do Artesão

Mariense realizado pelos pesquisadores durante os anos de 2014 e 2015.

De acordo com o Caderno de Atas mantido por uma das artesãs, a Casa do Artesão

Mariense foi inaugurada aos 7 de junho de 2008, como uma premissa da Secretaria Municipal

de Cultura e Turismo, por haver uma grande quantidade de artesãos marienses que não faziam

parte de nenhum tipo de associação ou cooperativa, ou outra forma de institucionalização.

Ainda de acordo com o caderno, consta que a prefeitura assume as despesas referentes ao

espaço onde a Associação se estabelece, o Centro Cultural de Maria da Fé.

Figura 1. Foto do Centro Cultural de Maria da Fé, a Associação se encontra na lateral do mesmo. Fonte: Autores, 2015.

No início, o funcionamento da Associação ocorria pelo revezamento dos associados

nas funções cotidianas como forma de manter a loja da Associação sempre em

funcionamento. Nesse esquema de revezamento não havia cobrança de taxa para que os

3 Dados do IBGE, Ferramenta “Cidades@”, disponível em:

<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=313990&search=minas-gerais|maria-da-fe>

Acesso em: Outubro de 2015.

Page 97: ECCOM 14 – Revista de Educação, Cultura e Comunicação

96

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

associados expusessem e vendessem seus produtos artesanais. Atualmente, de acordo com a

pesquisa de campo e entrevistas realizadas4, ainda há o revezamento, com escala do mês

seguinte sendo decidida nas reuniões mensais, mas é cobrada uma taxa sobre os produtos, que

é direcionado aos fundos de reserva da Associação. O arranjo atual dessa contribuição

funciona da seguinte forma: Para os associados que também trabalham na loja em funções

determinadas, é cobrada uma taxa de 5% sobre o valor de venda de suas peças. Para aqueles

que optam por não trabalhar no funcionamento da loja ou outras atividades administrativas,

essa taxa é reajustada para 10% do valor total da venda dos itens.

Figura 2. Exemplo de produtos vendidos e organização na loja Fonte: Autores, 2014.

De acordo com a ata e entrevistas, a Associação já possuiu cinco presidentes desde

sua institucionalização. A organização também obteve apoio de outras instituições, como o

Grupo Bem Viver da 3ª Idade, o qual contribuiu apoiando os associados na tentativa de

registro de um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), bem como a própria

organização institucional necessária para que o grupo de artesãos se tornasse formalmente

uma Associação. A partir de então, alguns cargos e funções foram estipulados. As atividades

partiam desde as escala de limpeza, confecção de embalagens fiscalização e controle de

qualidade do produto, funções operacionais financeiras, como o recebimento de pagamentos e

distribuição de taxas de contribuição aos artesãos. A institucionalização possibilitou também

uma realocação de espaço físico dentro do Centro Cultural do município. Em meados de

março de 2009, a Associação foi contemplada pela Prefeitura Municipal de Maria da Fé com

uma ampliação do seu espaço de funcionamento.

O espaço onde a Associação se estabelece é um ator que sempre se mostrou ativo na

rede. A Casa do Artesão sempre esteve, desde sua fundação, no Centro Cultural, porém esse

espaço sempre esteve sujeito a diversas mudanças, bem como às movimentações vetorizadas

4 Houve registro fotográfico e gravação de áudio das visitas e entrevistas sociotécnica e transcrição das

gravações, além de registros em cadernos de campo.

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por interesses políticos. Essa ampliação de local é um exemplo dessa manutenção da

instabilidade da rede. Em outras palavras, o espaço cedido à Associação foi iniciativa de um

prefeito, o qual buscou formas de apoiar e fomentar o trabalho artesanal na cidade de Maria

da Fé. Naquela época, a Associação possuía mais associados que atualmente, além de maiores

vínculos estratégicos com a Secretaria de Cultura e Turismo do município. A controvérsia, e

também o exemplo da instabilidade de uma rede de afetações, está no cenário observado

atualmente acerca da Associação. O atual prefeito possui intenções de construir quiosques

para todas as Associações da cidade de Maria da Fé em observância à retirada da Associação

Casa do Artesão Mariense do local onde estão atualmente, no Centro Cultural. O problema

não se restringe à mudança do local da Associação, mas também à reforma dos custos de

funcionamento. Esses quiosques não seriam cedidos sem ônus aos associados. Seria sobrado

um aluguel pelos mesmos. O rastreio da controvérsia em questão centra-se na questão dos

quiosques, que têm sua própria articulação na rede.

Outras consequências da institucionalização recaíram sobre a Associação Casa do

Artesão Mariense. A organização formal das artesãs resultou na constituição de um

regulamento interno, uma diretriz para a ordenação das competências de cada artesão, bem

como daqueles que estão no exercício do plantão na loja.

A abertura dessa pesquisa para um olhar diferente sobre o social, também significa

reformular a maneira como o pesquisador observa a rede. Dessa premissa, nascem as

incertezas e ficam mais evidentes os pontos de imprevisibilidade dessa rede de afetações.

Essas imprevisibilidades são algumas vezes expressas em controvérsias.

O aprofundamento dos pesquisadores na realidade da Associação revelou

determinadas características desde o estatuto da organização que não previa nenhum sistema

de punição aos infratores das cláusulas acordadas, como também o aparecimento de outras

realidades provenientes de um “emaranhado” de atores.

Depois de conversas com as artesãs descobrimos que elas não são uma associação

formalizada, pois não possuem um CNPJ, apesar dos esforços para tal. A Associação está

vinculada a uma outra associação denominada Associação Arte Livre, que por falta de

atividade não possui mais o próprio CNPJ. Para uma real institucionalização da Associação

Casa do Artesão Mariense, haveria necessidade de total desvinculação dessa outra associação

para que se configurasse legalmente uma Associação de artesãos.

Mesmo com essas questões controversas acerca da formalização da organização, suas

atividades permaneceram constantes desde sua constituição. Um evento importante, e que

nesse cenário se configura como um ator importante foi o Festival de Inverno de 2014, que

ocorreu no mês de julho. Esse evento é um festival anual, que até então era promovido pela

Secretaria de Turismo e Cultura da Prefeitura Municipal de Maria da Fé. Esse evento buscava

reunir vários estandes de comida, roupas e artesanato advindos da cidade e de outros

municípios próximos.

Foi possível um acompanhamento do evento, com o enfoque sobre a Associação e

sua exposição na feira. Os dias de maior intensidade de fluxo de visitantes eram os do final de

semana. Com isso, a equipe de quatro pesquisadores foi dividida em duas duplas e ambas

frequentaram os dois finais de semana que compunham a feira e nela realizaram observação

participante.

O que pode ser observado nesses dias foi que a confiança das associadas havia

aumentado com o evento. Porém a presença dos pesquisadores causou uma movimentação

nessa rede que apresentou seus pontos recalcitrantes. Muitas informações não eram expressas

diretamente, principalmente devido às experiências negativas ocorridas com os membros da

Associação em relação a outros pesquisadores.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

O modelo de funcionamento da Associação Casa do Artesão foi copiado anos antes

dessa pesquisa por um órgão de apoio ao pequeno produtor. Com isso, a desconfiança por

parte dos associados se apresentou como ponto de dificuldade para essa pesquisa.

Durante essas visitas diversas informações foram coletadas. Essas informações

abrangiam desde sua organização, passando por esquema de escalas, atritos entre os membros

da associação, as controvérsias que nela estavam presentes, e também o público-alvo dos

festivais e da própria Associação. A maior parte dos visitantes era composta por turistas de

cidades vizinhas ou de municípios mais distantes. Os visitantes muitas vezes se tornam

compradores. Para o público da cidade de Maria da Fé, a existência da Associação e de seus

produtos é quase desconhecida.

Depois do Festival de Inverno de 2014 surgiu a possibilidade de realizar uma

pesquisa mais aprofundada nos locais onde eles desenvolviam o trabalho artesanal. Então,

esses locais foram denominados laboratórios. A resistência à inserção dos pesquisadores nas

realidades vividas pelos membros da Associação continuou presente.

Com o passar do tempo as respostas positivas à presença dos pesquisadores foram

surgindo gradualmente. O início se deu com a anuência da presidente da Associação, a qual

cedeu uma entrevista em 5 de agosto de 2014. Depois de realizada essa etapa, as resistências

foram diminuindo gradativamente e foram realizadas um total de 17 entrevistas com artesãs e

mais 2 entrevistas com pessoas externas à Associação, mas importantes quanto à constituição

da instituição como tal.

As entrevistas forneceram dados essenciais para a construção de uma rede de

controvérsias sobre as quais foi configurado aquele social observado na época do

desenvolvimento da pesquisa.

A ANT e a Casa do Artesão

A Teoria Ator-Rede pode ser abreviada, mas a preferência aqui por utilizar a

abreviatura ANT ao invés de TAR, também utilizada em vários trabalhos, é devido à relação

que Latour (2012) traz com a palavra em inglês “ant”, que significa formiga. Assim a Teoria

Ator-Rede é relacionada com o trabalho da formiga, que condiria com um viajante “cego,

míope viciado em trabalho, farejador e gregário” (LATOUR, 2012). Para não perder essa

carga de significado, que traduz o que Latour enxerga de um trabalho utilizando a Teoria

Ator-Rede: lento, penoso, cheio de obstáculos e mudanças de percurso (devido às incertezas,

que serão tratadas adiante), com deslocamentos árduos e equipamento que verifica os vínculos

bem pesados, como uma formiga que arrasta um peso muito maior do que pode carregar, se

optou por utilizar o termo ANT.

Bruno Latour, Michel Callon e John Law, trabalharam em conjunto para desenvolver

a Teoria Ator-Rede, ou Actor-Network Theory, que tem como preceitos um modo de pensar e

estudar a heterogeneidade. Isto é, uma proposta de simetria generalizada, uma abordagem

construtivista que teve influências da etnometodologia de Harold Garfinkel, dos conceitos da

semiótica de Algidas Julius Greimas, da sociologia de Gabriel Tarde, da Filosofia das

Ciências por Michel Serres, do princípio metodológico da simetria de David Bloor, da noção

de rizoma de Deleuze e Guattari e do conceito de dispositivo de Michel Foucault (FREIRE,

2006). Para Callon (2008), a ANT se refere à inovação, subjetividade e agência, e segundo a

qual não se pode compreender a constituição da coletividade sem levar em conta a

“materialidade, as tecnologias e os não-humanos” (CALLON, 2008, p. 308).

A ANT também é conhecida como “sociologia da tradução” e “sociologia da

inscrição” (LEMOS, 2013). Para John Law, a “materialidade do mundo é heterogênea, uma

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mistura de social, econômico, material, humano, ‘natural’ e técnico” (LAW, 2014). Uma das

maneiras de entender essa materialidade é, para ele, a ANT, na qual os processos sociais

poderiam ser entendidos por um toolkit, uma ferramenta que ele chama de material-semiotics

(MORAES, ARENDT, 2013, p. 316).

Quando a atenção do estudo da ANT foca nas organizações há uma abertura que leva

o pesquisador a não se concentrar somente no elemento considerado ou social ou humano,

mas estender suas observações às materialidades presentes na realidade (CAVALCANTI,

ALCADIPANI, 2013, p. 558). Essa mediação de humanos e não-humanos sempre fez parte

do próprio humano, ele se relaciona com todos, e Lemos (2013) traz que a própria

constituição, como conjunto de elementos que constituem alguma coisa, da modernidade

acabou por fazer com que essa questão fosse ignorada, separando os híbridos de relações

humanas e não-humanas em “sujeitos e objetos”.

Muitos autores concordam no sentido de que o nome Teoria Ator-Rede, não é

realmente próprio para o que ela é, mas o objetivo é simplesmente perceber essa nova maneira

de analisar o mundo, de compreender as subjetividades e materialidades. As redes sociais são

pontos e possuem relações identificáveis, e não se pode descrever a ação realmente

considerando as origens das mesmas como pontos, mas sim como relações, pelas coisas que

circulam e agem. Já que a rede está sempre em movimento e em crescente mutação. É uma

rede de afetações (LATOUR, 2012). Ela não age sozinha, em um único ponto, mas está

inserida em um contexto, onde todos agem, inclusive os híbridos, surgidos da interação

homem-natureza.

Para Law, a ANT é um grupo de procedimentos que não ignoram as complexidades

da rede de relações, e que nada existe fora dessas relações (MORAES, ARENDT, 2013, pg

315). Vários conceitos são traçados e retraçados quando se considera a ANT e teorias

adjacentes. Como: o que é o social?

Em Reagregando o Social (2012) tem-se essa indagação por parte de Latour, de que

o próprio conceito de social deveria ser reunido, recompreendido, por conta de estar sendo

usado atualmente como um diferencial, um “material” que modifica aquilo a que se vincula,

esse conceito limita a possibilidade de rastrear as conexões da rede, pois prevê uma

estabilidade da mesma. Ele continua traçando o panorama até rever as questões da própria

Sociologia, trazendo o que ele considera um paradoxo: “Sociologia da Ciência”. Ele trabalha

com a definição de “Sociologia de Associações”, onde o “Social” não é algo estabilizado, fixo

em suas definições, conceitos, mas sim algo que é explicado por meio das associações que são

encontradas. São várias associações entre atores heterogêneos, são conexões. Ele define o

social como “um movimento peculiar de reassociação e reagregação” (LATOUR, 2012, p.

25), pode se relacionar a coisas que não são sociais em si. Torna-se um movimento, uma coisa

que só é visível pelos traços, pelas linhas que vai deixando na rede, só existe enquanto está lá

e enquanto se busca essas associações.

Para Callon (2008) entidades são mais importantes que pontos ou estruturas na rede,

devem ser observadas enquanto estão circulando, enquanto estão agindo, só se observa

quando uma ação acontece, quando vira realidade. A intenção é acabar com essa separação

entre humanos e não-humanos, tanto que o termo usado para quem age nas relações é somente

actante. Actante vem da semiótica de Greimas e é o que gera uma ação, que age, gera

movimento e modificações e pode ser humano ou não humano, é o que chama-se aqui de

Ator. São compostos tanto quanto compõem a rede. (LATOUR, 2012; LEMOS, 2013).

Também há a consideração de um intermediário, que é aquele ou aquilo que não modifica,

apenas transporta relações, complementa a rede, mas não media nada, não é um actante. A

dificuldade surge por não ser possível avaliar quem age e quem sofre agência da rede, nem de

onde uma ação surge ao ponto em que a rede se constitui. Já que todos agem nessa rede

heterogênea, todos deveriam ser igualmente considerados. Aí que entra o conceito de simetria

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generalizada. Em Callon (2008), tem-se que, para o autor, essa divisão não deve ser o foco,

mas sim as agências, os agenciamentos sociotécnicos. Esses híbridos de natureza e humanos,

e essas relações entre todos os atores, levaram a “reconstruir um labirinto heterogêneo de

homens e máquinas, de grupos sociais e sistemas tecnológicos” (THOMAS, et al, 2013, p. 12,

tradução dos autores).

A questão posta sobre as associações e suas incertezas já começa por não se

conseguir saber de onde, a fonte, a ação vem, nem para onde ela vai e nem valorar e fazer

julgamento de qualidade dessas relações a priori, é um processo que se constrói (LEMOS,

2013).

Dentro da ANT, temos o conceito de tradução, que é aquele momento onde a

comunicação e transformação dos actantes se presta, onde as redes se constituem, é a ação que

um ator faz a outro, ela é “uma operação semiótica entre actantes modificando ambos a partir

de interesses específicos”, é o movimento, a circulação. (LEMOS, 2013).

Há níveis de interesse nesses momentos de tradução, aqueles que são relacionados a

um interesse particular e se relaciona com outros atores com o mesmo interesse; quando há

uma mobilização para despertar o interesse em outros; quando alguns deixam os interesses de

lado para acompanhar outros interesses; quando se modificam todos os interesses envolvidos,

se constrói novos grupos, objetivos; quando existe uma mobilização coletiva em prol de um

objetivo para que ele se torne indispensável. Há outros conceitos dentro de tradução, como

delegação (ator de delegar) ou mudança, quando acontecem essas modificações de objetivos,

de interesses, ocorrem as traduções (LEMOS, 2013).

Ainda em Moraes e Arendt (2013), temos que, em estudos mais recentes, Moser,

Law e Mol não consideram mais que o objetivo seja acompanhar como os objetos se

estabilizam, mas sim com essas intervenções dos atores que criam realidades, as fazem existir,

e a construção de uma rede não é nada mais que uma possibilidade. Na ANT se “redefine o

próprio objeto de investigação da sociologia das ciências” (FREIRE, 2006), onde não se tem

apenas uma construção social, mas sim uma “sócio-natureza”, se tem naturezas-culturas.

Em vários momentos e trabalhos são tratadas as questões de algumas críticas, como a

questão da ANT não ser política, respondida por Law em A Sociology of Monsters “a política

da ANT trata das distribuições hierárquicas, ou seja, de como ordens específicas criam

inclusões e exclusões específicas que são realizadas de forma heterogênea" (CAVALCANTI,

ALCADIPANI, 2013, p. 563). Para Law há dificuldades na abordagem da translação, que é

examinar o processo de organização dessas redes heterogêneas, que são relacionadas ao

problema encontrado de modificar acontecimentos para dados, todos eles relacionados à

atuação do pesquisador, seja por conta dele não ter testemunhado algum deles, ou não terem

sido anotados de alguma forma e posteriormente esquecidos, não terem sido considerados

relevantes, compreendidos e o próprio sistema de translação não ser confiável o suficiente

(CAVALCANTI, ALCADIPANI, 2013, p.561).

Ainda em Cavalcanti e Alcadipani (2013), temos alguns princípios metodológicos

que guiam a ANT na opinião de Law:

• Simetria: tudo merece uma explicação;

• Não reducionismo: crítica à prática da sociologia moderna, que parte ao campo

com conceitos prontos ou reduções;

• Visão processual, contingente e precária do objeto analisado: nada pode ser

encarado estável;

• Reflexividade: pesquisador não se considerar diferente do que está sendo

estudado;

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Como pode ser visto, os autores sempre trabalham tendo como foco as relações, e a

ANT serve para enfatizar essas relações, esses movimentos que os atores deixam ao se

relacionar, interagir. A proposta é trabalhar com uma sociologia de associações, onde se segue

os atores, se busca descobrir a realidade criada por eles, as relações travadas, as novas

associações que eles travam a todo momento em que a rede se configura (LATOUR, 2012). E

também traduzir isso por meio de uma cartografia de controvérsias, a ser tratado mais a fundo

no próximo item.

A ANT também foi construída se alimentando de vários direcionamentos para seguir

como uma abordagem diferente de compreender as realidades que são construídas, seja por

que ponto de vista, de John Law, Michell Callon, Bruno Latour, Annemarie Mol, as relações

geradas pelas ações dos actantes são o elemento chave para tentar compreender o que ocorre,

não se prendendo à conceitos pré-concebidos ao ir em campo; não se esquecendo da questão

da simetria, onde tudo merece uma explicação e é essencial, por mais que, como as críticas e

o próprio John Law tenham explicitado, há falhas em considerar o que é essencial na

pesquisa; o pensamento de que as realidades não são estáveis, podem e irão mudar a cada

interação e movimentação dessa rede; e a mudança de paradigma do pesquisador não poder se

considerar diferente da pesquisa, superior à ela, como aparece em Jamais Fomos Modernos

(1994) de Latour, que na sociedade dita moderna de não se estuda a si mesmo, apenas

sociedades externas à nossa, além do conceito de tradução, essencial no momento de

visualizar e compreender a rede serem complexos.

A Cartografia de Controvérsias e a ANT

A ANT trabalha bastante a questão das controvérsias: de acordo com Latour (2012)

analisando as controvérsias se consegue trabalhar melhor as “instituições das ciências

sociais”. Controvérsias são o que possibilitam ao social ser social e às Ciências Sociais

visualizarem e permitirem essa construção das redes, essas associações que são travadas. Elas

são todo pedaço de ciência e tecnologia que ainda se consegue rastrear, não se solidificou ou

fechou-se em uma caixa-preta. É como uma incerteza que os atores envolvidos na rede

dividem, tudo aquilo que não virou consenso ou não é de conhecimento do coletivo, gerando,

assim, discussão. Elas funcionam como “fóruns híbridos”, espaços de conflito e negociação

entre atores, que abrem caixas-pretas e renovam discussões (VENTURINI, 2010).

As controvérsias, que são a chave importante na observação com a ANT, é onde se

elaboram as relações, onde o social é constituído e desconstituído, já que não há uma

estabilização verdadeira da rede. É o meio por onde se enxerga a rede. Rastreia-se as

controvérsias para se rastrear as associações e relações, entender como o social se constitui

naquele momento da rede, antes que se tornem caixas-pretas, que vão para o fundo da rede, e

precisaríamos desconfigurá-las para entender como se constituem. Só que ao se tornarem

caixas-pretas, se torna extremamente dificultoso entender quem e o quê as constituem. Elas se

tornam os tais intermediários anteriormente citados. Como traz Lemos (2013):

[...] toda associação tende a virar uma caixa-preta, a se estabilizar e cessar a

controvérsia. O interesse é sempre abrir as caixas-pretas, colocar de novo em

causa (enquanto “matters of concern”, como prefere Latour) os elementos

estabilizados, ressaltado a necessidade de olhar para as controvérsias (a

construção das associações) e as suas novas e futuras estabilizações (em

outras caixas-pretas) (LEMOS, 2013, p. 56, grifo do autor).

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Ainda em Lemos (2013), temos a Cartografia de Controvérsias, um método para

“revelar as mediações”, proposta por Latour e Venturini, elas “desenham” esse processo de

rastrear os atores, segui-los, como as ações são distribuídas e se constituem, como se fossem

mapas. Em Venturini (2010) temos a descrição de que a cartografia de controvérsias como a

prática da ANT sem limitações de teorias e metodologias, o que não quer dizer desconsiderá-

las, mas trabalhar com o máximo de pontos de vista possíveis. Ele prossegue dizendo que ela

é construtivista e que o objetivo dessa cartografia é tornar a complexidade da vida social

legível, dando o protagonismo devido aos atores que encabeçam cada fenômeno social

(VENTURINI, 2010).

Tem-se vários problemas ao tentar compreender o como fazer isso. As controvérsias

são aquelas que geram as tensões, geram as polêmicas na rede, que ainda causam desarmonia

na rede, que ainda não se tornaram caixas-pretas. Mas como se seleciona as controvérsias

relevantes, qual o melhor formato para fazê-lo, já que também é construído, e ainda mais

considerando que o pesquisador colabora na construção dessas controvérsias, e por vezes é

também um ator na rede.

O primeiro passo, em Lemos (2013), seria conseguir compreender quais são as

controvérsias, que todos os atores concordam que são, concordam na desarmonia da mesma

na rede constituída. Essa cartografia se propõe a reunir o social a partir dos rastros, mesma

proposta da ANT em si, em buscar os indícios, as pistas, para constituir esse mapa, que não

podem generalizar nada na verdade, porque a questão não é gerar estereótipos, voltar à

Sociologia antiga que criava fotos ao invés de entender que as redes sempre se movimentam e

reconstituem.

Em Lemos (2013) tem-se alguns passos para evitar uma “má” controvérsia: evitar as

frias, já harmonizadas ou que não interessam a vários atores; evitar controvérsias que já se

constituíram como caixas-pretas, preferir as que ainda são debate, ainda geram discussões;

fugir das que são ilimitadas, grandes demais, e por vezes não se tem recursos suficientes para

rastreá-las, sejam eles monetários, humanos ou temporais mesmo; evitar assuntos que sejam

difíceis de acessar ou secretos. Deve-se ter sempre em mente, porém, que ao final, se é que se

pode chamar de final, não há uma verdade absoluta a ser encontrada, definida, não há

essência, mas sim uma “coleção de rastros deixados” pelos atores.

Há uma sintetização dos passos para uma criação de uma cartografia de

controvérsias:

1. Definir a controvérsia;

2. Observar e descrever o porquê de ser uma controvérsia;

3. Identificar as características da mesma (quente/fria; presente/passada;

secreta/pública; difícil acesso/acessível; limitada/ilimitada);

4. Recolher declarações, opiniões, ler literatura relacionada;

5. Identificar os atores humanos e não-humanos, esboçando a rede;

6. Identificar os cosmogramas, ideologias e visões de mundo.

7. Entender a representatividade, influência e interesses dos atores. (LEMOS,

2013)

Segue-se com as questões do que o pesquisador deve fazer:

1. Ouvir todos os atores, já que são eles que trazem a definição da controvérsia;

2. Observar os vários pontos de vista;

3. Descrever bem as controvérsias

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4. Dar peso proporcional aos atores. (LEMOS, 2013)

Além dessas recomendações se traz os seguintes instrumentos para o conjunto de

mapas a ser gerado:

1. Glossário de termos aceitos e controversos;

2. Repertório de documentos;

3. Análise da literatura especializada

4. Análise de opiniões publicadas na mídia

5. Mapa das posições contrárias ou ações de discordância

6. Limites ou escala da controvérsia

7. Diagrama dos atores-rede

8. Cronologia da controvérsia

9. Tabela “cosmos” ou das ideologias diferenciadas (LEMOS, 2013)

Ao acompanhar a descrição e estudo da cartografia de controvérsias por Venturini

(2010, 2012) temos que essa observação das mesmas também não é feita de forma simples.

Ela requer três questões chave: não restringir a observação a apenas uma teoria ou método;

observar do máximo de pontos de vista possível e sempre priorizar as “vozes” dos atores

acima das presunções do pesquisador. Vozes entre aspas por conta de atores não-humanos não

possuírem uma voz literal.

Venturini (2010) segue trazendo algumas “lentes” para se observar as controvérsias:

Pensar nos argumentos usados e a literatura envolvida na controvérsia. Mapear

a rede de referências

Pensar da literatura para os atores. Ampliar a rede pensada dessas referências

até os atores envolvidos, os atores actantes, que fazem diferença nessa rede

no caso.

Pensar dos atores para as redes. Atores isolados não existem, atores atuam na

rede e a modificam e são modificados por ela, trabalham relações. Observar

as controvérsias é ver esse movimento de conexões e interações na rede.

Pensar das redes pro-cosmos. Pensar a observação além de “statements, actions

and relations” (afirmações, ações e relações), mas em como o significado que

atores dão pra essas questões modificam a rede. Pensar nesse significado.

Pensar do Cosmos para a cosmopolítica. As verdades consideradas como

verdades são potenciais controvérsias. É preciso multiplicar pontos de vista,

atores e discussões.

Segue-se lembrando sempre que a simetria que é trazida na ANT, mantém-se na

Cartografia, e não significa de forma alguma uma simetria de pesos nas agências dos atores

envolvidos. Assim, Venturini (2010) traz as diretrizes pra se lidar com os pesos de cada ponto

de vista de uma controvérsia:

Pesar a representatividade de cada ponto de vista.

o Como? Quantidade de atores que adere a ele. Dar o peso proporcional a

cada um.

Pesar a influência de cada ponto de vista.

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o Como? Atores que tem mais influência na rede podem modificar mais a

controvérsia.

Pesar os interesses.

o Como? São as minorias que discordam de pontos de vista que trazem a

controvérsia à tona, que fazem caixas-pretas abrirem.

Justificar cada escolha de recorte em uma controvérsia.

Pensando em todas essas questões que propomos trabalhar no presente artigo uma

controvérsia e seu peso em um período específico de tempo de incursão dos pesquisadores,

para entender como funciona utilizá-la como método na prática.

Controvérsia do Local da Associação: de maio de 2014 a agosto

de 2015

O local onde a Associação se encontra, o Centro Cultural, como já foi dito

anteriormente, é fonte de controvérsias expressivas: a dúvida sobre a permanência no local; a

construção de quiosques menores; o pagamento de aluguel; a organização interna; a

distribuição de produtos; a escala de trabalho. Como demandaria muito espaço percorrer

detalhes e mapas de todas as considerações anteriores, propõe-se nesse artigo fazer um recorte

das controvérsias relacionadas ao local pensando no que foi coletado quanto à permanência no

local. A justificativa para tanto é baseada no fato de ainda ser uma controvérsia no seu estado

magmático (VENTURINI, 2010), com atores interagindo a cada instante na rede e ela ainda

não ter sinais de que vai se fechar em uma caixa-preta (LATOUR, 2012). Então essa foi a

escolha dentre as controvérsias citadas com o intuito de observar as interlocuções da rede em

questão. Considerando a estrutura proposta no item anterior, tem-se como ordem:

Rede de Referências

Diagrama dos Atores-Rede

Cronologia das Controvérsias

Há mais etapas e considerações nesse âmbito, mas como a cartografia é voltada para

assuntos tecnocientíficos (VENTURINI, 2012) e com informações e referências muitas vezes

online, reduziu-se a gama de referências no caso.

A rede de referências quanto ao assunto percorre todos os cadernos de campo desde

julho de 2014 até agosto de 2015, com base em um mapeamento de palavras-chave

relacionadas ao local, um mapeamento manual pesquisando-se através dos arquivos digitais e

também em um caderno físico. Os cadernos de campo percorrem as entrevistas, transcrições

de conversas gravadas e/ou filmadas, as visitas periódicas à Associação e outras anotações,

como ligações realizadas por associadas. Também foi pesquisado o banco de arquivos da

prefeitura de Maria da Fé, disponível online no site oficial5.

O Diagrama do Atores-Rede foi realizado tentando não ignorar nenhum tipo de ator

envolvido na controvérsia em questão, mas tentando, simultaneamente restringir aos que

possuíam relação direta com a controvérsia, que eram atores de fato e não intermediários.

5 Página da Secretaria de Cultura e Turismo de Maria da Fé, disponível em:

<http://www.prefeiturademariadafe.com/#!cultura-e-turismo/c1l9g>, acesso em 19.08.2015

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Criou-se uma lista de nomes, que podem ser vistos na Tabela 1, de cada ator, 6e

estabelecidos pesos para frisar a representatividade de cada ator, já que a simetria premente é

relacionada tão somente à agência de todos e não à intensidade da mesma, e um fluxograma

de relações. Todos os pesos foram pensados depois do mapeamento das referências

anteriormente citadas, quanto mais citado e mais influente um ator, maior seu peso.

Produtos (4) Artesãs (3) Prefeitura (3) Ator A (2) Conselho Municipal

de Patrimônio

Cultural (3)

Eleições

futuras (2)

Ator P. (5) Artesã M. (4) Centro Cultural

(5)

Espaço menor (5)

Quiosques (5) Verba externa

(3)

Organização

interna (3)

Rodoviária (4) Movimento Turístico

(5)

Maria da Fé (4) Ator A. P. (5)

Tabela 1. Atores envolvidos na controvérsia "Permanência no Local" (Os pesos são os números entre

parênteses variaram de 1 a 5, sendo 1 menor representatividade e 5 maior representatividade)

Fonte: Autores, 2015

A primeira referência que tem-se sobre uma possível mudança do local da

Associação consta de 4 de julho de 2014, durante a primeira participação do Festival de

Inverno. Essa mudança é relacionada, naquele momento, diretamente ao Ator P. e Ator A. P.

em decorrência de atritos pessoais envolvendo críticas à gestão e até alegações de roubo da

Associação. Ao mesmo tempo, temos um ator externo que funcionou como intermediário que

trouxe um ponto de vista oposto para se expressar positivamente em relação ao Ator P.,

criticando a postura de recriminação para com esse ator.

Nessa época também temos os elementos do conselho de turismo e da falta de

movimento turístico sendo citados, principalmente o fator de não haver reuniões para se

decidir caminhos para melhorar o turismo, objetivo desse Conselho, a Artesã M. faz parte do

Conselho e foi ela quem forneceu a informação sobre a ausência de atividade do mesmo, que

tinha sido criado havia 8 meses. Frisou-se que a falta de turismo na cidade era diretamente

relacionada à falta de divulgação.

Ao ser realizada uma busca no site da prefeitura os documentos referentes ao

Conselho, obtivemos que o nome de fato desse conselho é Conselho Municipal de Patrimônio

Cultural, e a primeira reunião ocorreu no dia 11 de julho de 2014. Nessa reunião do dia 11,

temos que Maria da Fé aderiu ao Sistema Nacional de Cultura.

A segunda referência que se tem começa nos cadernos de campo dos dias 11 e 12 de

julho de 2014, ainda durante o Festival de Inverno. Temos a informação de que durante junho

de 2013 houve uma manifestação contra a prefeitura, e que a partir dessa data, o apoio que se

tinha da mesma foi reduzido. Também foi feita uma alegação de que o Ator A. P. tenta tirar a

Associação do local desde que o Ator P. assumiu a gestão, por “não gostar delas desde o

início” e terem ocorrido rixas pessoais.

Em 8 de agosto de 2015, durante uma entrevista, foram feitas alegações quanto a

falta de auxílio da prefeitura e de que as associadas não pagam manutenção do Centro

Cultural, a prefeitura não cobrando aluguel nem energia. Há a primeira menção aos

6 Para alguns atores humanos não utiliza-se o nome completo para não constranger, mas apenas uma inicial para

fins de descrição das ações.

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quiosques, um projeto da prefeitura de criar um quiosque para cada associação/cooperativa da

cidade e cobrar aluguel pelo uso.

Também já se começa a pensar os problemas de organização interna que seriam

ocasionados pela mudança para um espaço menor, com problemas no sistema de escala e

também de locomoção para quem mora na zona rural.

Em 8 de agosto também foi realizada a segunda reunião do Conselho Municipal de

Patrimônio Cultural, onde se traz a relação do clima frio com o aumento do turismo e uma

iniciativa de reformas de alguns locais da cidade.

Uma contradição fica na declaração da artesã M. de que não teve reunião do

Conselho nesse dia, o mesmo da entrevista, e sua assinatura constar na ata lavrada. Tanto que

o nome da mesma não consta na escrita da ata.

Seguindo para a entrevista do dia 8 de setembro de 2014 tem-se citações diretas à

precariedade do Centro Cultural, da estrutura de fiação elétrica ser muito antiga, terem

ocorrido problemas de infiltração e de que a Associação já teve que arcar com a troca de uma

janela quebrada por crianças que brincavam de bola na frente das mesmas.

A artesã entrevistada naquele momento também demonstrou claramente a

preocupação sobre a permanência no local, citando que havia uma preocupação de algumas

artesãs em ter de votar nesse prefeito atual para não perder os benefícios. A entrevistada

discordou, já que se tratava de um prédio público e elas auxiliam na manutenção e atração

turística, já que o museu que havia por lá foi retirado.

Continuados os procedimentos investigativos, foi observada uma ata da terceira

reunião do Conselho de Turismo do município, datada de 22 de outubro de 2014, onde se diz

que Maria da Fé não atingiu pontuação necessária para requerer o ICMS Cultural, subsídio

para fomento do turismo e de eventos culturais. Também ficou evidente que mais eventos

culturais seriam promovidos no ano seguinte para pleitear o mesmo. Esses dados, de acordo

com a ata, foram descritos e apresentados pelo ator A., que foi figura presente em todas as

atas. Novamente há assinaturas de várias pessoas, inclusive da artesã M. que não estava

presente na ata lavrada.

Em uma visita posterior, a artesã M. comentou sobre a baixa pontuação do município

na avaliação do ICMS Cultural. As artesãs também comentaram que a ideia era tornar o

Centro Cultural uma rodoviária, o que entraria em conflito direto com os esforços de

promoção cultural do município.

Em várias visitas foi citado o contato próximo do ator A. com a Associação, mas

uma falta de interlocuções em relação à um auxílio na divulgação ou um possível auxílio na

permanência da associação no Centro Cultural reconfiguraram essa relação, e os vetores de

afetação se transformaram.

Buscou-se também as atas de reuniões de 2015, mas o último arquivo disponível é de

julho de 2014 a dezembro de 2014. E não há uma agenda disponível das reuniões de 2014,

nem de 2015. Esse tipo de registro ocorre apenas até o ano de 2013.

Seguindo com os cadernos de campos, temos dados de 7 de abril de 2015, durante

uma oficina de Criatividade em Artesanato, onde citou-se a questão de organização interna e

como lidar com uma gama muito grande de produtos num espaço menor, como o dos

quiosques, que ofertariam um espaço bem reduzido em relação ao atual. Nessa época os

quiosques ainda não eram uma certeza, e as artesãs esperavam que a ideia não se

concretizasse. Em uma reunião posterior dessa oficina, realizada no dia 28 de abril de 2015,

tem-se declarações referentes à necessidade de uma rodoviária. A artesã M. diz que é

simplesmente pra prejudicar os moradores e que assim a prefeitura poderia ganhar mais

dinheiro com a taxa de embarque, já que os pontos de ônibus mais próximos seriam excluídos

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e seria priorizada a rodoviária. Uma das artesãs presentes retrucou, dizendo que seria muito

bom ter uma rodoviária oficial, que todas as cidades próximas possuíam uma, exceto Maria da

Fé. Houve uma declaração de uma terceira artesã também referente à preocupação de uma

reforma interna no Centro Cultural, devido esse ser um patrimônio histórico. Havia também o

fato de que os artesãos gostariam que a lateral do mesmo se tornasse um museu pra voltar a

atrair turistas.

Em 5 de maio de 2015, durante uma outra oficina foi trazido à tona novamente a

questão dos quiosques, mencionados os problemas que viriam de uma organização interna,

que teriam um gasto a mais, que seria mais complicado trabalhar com escalas e também a

questão logística dos produtos devido questões de segurança. As artesãs pensam que os

quiosques serão abertos.

Em uma ligação de uma das artesãs no dia 12 de agosto, tem-se uma reviravolta na

controvérsia dos quiosques. Eles são finalmente aprovados e com prazo de finalização até

julho de 2016, e ainda segundo ela, e elas terão de sair do Centro Cultural até essa data.

Com base nessas informações e traçados, construiu-se um diagrama de relações ator-

rede, que pode ser observado na Figura 3.

Figura 3. Nuvem de palavras recorrentes nos trechos descrevendo a controvérsia.

Fonte: Autores, 2015 (Feito por meio do site Wordle.net)

Como pode ser visualizado na Figura 3, várias palavras que foram citadas como

portadoras de representatividade apareceram, algumas não por conta da utilização do nome

diferenciado.

Com isso em mente e com todo o mapeamento de dados de pesquisa, trabalhou-se

uma construção de uma linha do tempo utilizando-se o site Timeline7 envolvendo os

momentos-chave que apareceram na análise dos dados. Ela é composta de duas páginas

contendo a descrição da atividade da data em questão e uma pequena descrição do momento.

Que pode ser visualizada na Figura 4.

7 Timeline do site Read, Write,Think. Disponível em:

<http://www.readwritethink.org/files/resources/interactives/timeline_2/> Acesso em 20.08.2015

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Figura 4. Linha do Tempo da Controvérsia sobre a Permanência do Local

Fonte: Autores, 2015. (Feito no site Timeline da ReadWriteThink)

Considerações finais

O interessante de se utilizar a cartografia de controvérsias na análise de dados da

pesquisa de campo é verificar essa movimentação da rede e da complexidade da vida social.

Foi também uma experiência interessante verificar como a configuração da rede pode se

modificar a cada instante, tornando o que era certeza uma incerteza e a controvérsia se

mostrando solidificar e voltar ao estado magmático conforme o tempo. Não é simples a tarefa

de pensar essa complexidade de dados e atores de forma sucinta, até por conta da necessidade

de valorizar todos os pontos de vista para entender as várias facetas da rede naquele momento

em questão e ainda falta pensar maneiras diferenciadas de trabalhar esses dados coletados e

visualizá-los, por conta dos estudos permearem trabalhos tecnocientíficos online e a presente

pesquisa ter mais dados físicos ou coletados por meio de conversas. Os resultados dessa

pesquisa também não são definitivos, já que podem surgir declarações de atores que

reconfigurem toda a organização da rede e a modifiquem a favor de seus interesses. Como foi

o caso da construção dos quiosques e a possível mudança de local da Associação Casa do

Artesão do Centro Cultural. Entende-se também que a possibilidade de verificar tantos pontos

foi a de estar presente enquanto a controvérsia ainda se fazia presente e ativa, não tinha se

tornado uma caixa-preta, e dos pesquisadores estarem abertos para ouvir todos os atores,

humanos e não humanos.

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110

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O (im)possível da educação como processo e a

constituição do sujeito no campo da cultura: alguns

apontamentos sobre o ensinar e o educar12

Polyana Ribeiro de Assis Corrêa Professora de Língua Portuguesa na rede pública municipal de Guaratinguetá. Mestranda em Desenvolvimento,

Tecnologias e Sociedade pela UNIFEI (Universidade Federal de Itajubá). Especialista em Língua Portuguesa:

Gramática e Uso pela UNITAU (2013) e em Ética, Valores e Cidadania na Escola pela USP (2014)

Rogério Rodrigues Docente Associado Nível II da Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI. Tem experiência na área de

Educação - Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior. Trabalha na linha de pesquisa:

Fundamentos da Educação; Educação do corpo; Educação, Saúde e Trabalho. Atualmente, desenvolve o

projeto de pesquisa intitulado: A educação entre as práticas e os discursos: a aprendizagem escolar e o

processo de formação cultural do sujeito. (Projetos de Pesquisa em Educação Básica Acordo CAPES

FAPEMIG/2013 APQ-03301-12). Professor e Pesquisador do Programa de Pós-graduação em

Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade (UNIFEI). Área de interesse: Educação, Saúde e Trabalho.

Resumo

É notória a desqualificação da educação básica contemporânea, diante de dados que

evidenciam a crise da educação. Acredita-se que parte dessa desqualificação está ligada à

falta de compreensão sobre a prática educativa, principalmente, a diferenciação entre o

ensinar e o educar. Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo analisar se as

práticas cotidianas escolares, especificamente, no processo de alfabetização, caracterizam-se

como produto ou como processo. Para tal, realizou-se pesquisa de campo com observação

participante e diário de campo nos anos iniciais da educação básica, especificamente, nos 1º,

2º e 3º anos do Ensino Fundamental. A fundamentação teórica acerca da relação entre

desenvolvimento e educação e o ensinar e o educar pauta-se em Adorno (1995), Arendt

(2011), Freud (1990), Guattari (1981), Larrosa (1999), Marx (1983), Rodrigues (2013), Silva

(2002). Conclui-se que a escola deve encaixar-se nos parâmetros das sociedades

democráticas: equidade, igualdade, solidariedade e desenvolvimento humano, diferenciando-

se do mercado que objetiva a excelência e a competitividade individual, uma vez que o

mercado tenta reduzir os valores sociais, éticos e educativos da escola aos objetivos

relacionados à produção fabril.

Palavras-chave

Fundamentos da Educação; Ensinar; Educar; Processo de alfabetização.

Abstract

It’s noticeable the disqualification of the contemporary basic education. It’s believed that part

of this disqualification is linked to the lack of comprehension about the difference between

teaching and educating. With that being said, the present work has for objective to analyze if

the school daily practices in the process of literature is characterized as product or a process.

1 O referido artigo trata-se de parte da pesquisa realizada no mestrado em Desenvolvimento, Tecnologia e

Sociedade do programa Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá

(UNIFEI). 2 Agradecemos o apoio aos Projetos de Pesquisa em Educação Básica – Acordo CAPES – FAPEMIG. (Processo

Nº CHE-APQ-03301-12).

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For that, it was done a field research with a present and constant observation to the early

years in the beginning of the basic education, specifically on the 1st, 2nd and 3rd grades. The

theoric foundation about the relationship between development and education as well the

teaching and tutoring in Adorno (1995), Arendt (2011), Freud (1990), Guattari (1981),

Larrosa (1999), Marx (1983), Rodrigues (2013), Silva (2002). It’s known that the school

should fit in the parameters of a democratic society: equity, equality, solidarity and human

development. Being different from the market that aim the excellence and individual

competitively, which the market try to reduce social values, ethics and school development to

the objectives related to a production scale.

Keywords

Foundations of education; Tutoring; Teaching; Educating; Tutoring process.

Introdução

Ao se lançar um olhar para a sociedade, nota-se que muito se fala em desenvolvimento

voltado aos índices econômicos, ao aumento de rendas individuais e ao crescimento do

Produto Interno Bruto, mas não se pensa em desenvolvimento como “processo de expansão

das liberdades reais que as pessoas desfrutam” (SEN, 2010, p. 15).

Quando se fala em desenvolvimento, compreende-se que desenvolvimento vai além

das questões concernentes ao PIB ou ao aumento de lucros, rompendo com as privações da

sociedade contemporânea que abrangem desde pobreza, disposições econômicas e sociais,

acesso à saúde e à educação e negação de direitos civis e políticos, como é abordado por Sen

(2010).

O desenvolvimento para além do econômico só se faz possível mediante o aumento

das liberdades e, diante disso, educação básica está no cerne da questão por se tratar de um

componente constitutivo do desenvolvimento e por possibilitar ao sujeito a conscientização

das demais liberdades instrumentais e substantivas, contribuindo para sua formação como

sujeito agente, ou seja, como membro público e participante de ações econômicas, políticas,

sociais, ambientais, e de questões que envolvam a totalidade da sociedade e do indivíduo.

A educação, em seu aspecto geral e específico, é peça fundamental nessa proposta de

desenvolvimento contrária ao fetiche econômico que subjulga o sujeito a mercadoria, como

aborda Marx (1983), uma vez que possibilita ao educando acesso a liberdades instrumentais

que poderão possibilitar a participação social, econômica e política de forma que este

educando possa transformar-se num sujeito agente, por meio de uma formação crítica

mediante uma educação como processo.

Diante desse quadro, o presente trabalho tem por objetivo analisar se as práticas

cotidianas escolares, especificamente, no processo de alfabetização, caracterizam-se como

produto ou como processo.

A pesquisa compreende ações para conhecer o cotidiano escolar no processo de

alfabetização do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental I, analisando as práticas educativas

durante o processo de alfabetização, buscando compreender se as ações efetuadas permitem

efeitos de melhoria na qualidade da educação.

Delimita-se a investigação nos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental I mediante a

proposta do Plano Nacional da Educação (BRASIL, 2011 - 2020) em que se estabelece como

meta que o aluno seja alfabetizado até o 3º ano do Ensino Fundamental I e porque se entende

que o processo de alfabetização é uma fase relevante em que o aluno começa a formar-se

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como sujeito e começa a conhecer a cultura letrada e a desenvolver suas habilidades. Proposta

pela alfabetização que é reafirmada no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

(BRASIL, 2013), no qual se estabelece como prioridade, nos três primeiros anos do Ensino

Fundamental, a alfabetização das crianças até os 8 anos.

Dessa forma, essa pesquisa justifica-se mediante o recorte da necessidade de se

investigar as interfaces entre a educação básica e desenvolvimento para que se possa entender

a educação não apenas como instrumento para o letramento, mas como instrumento de

cidadania e como uma liberdade substantiva que contribuirá para que desenvolvimento

ultrapasse os interesses mercadológicos.

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, realizada numa escola pública

municipal, situada num bairro rural de uma cidade localizada no Vale do Paraíba, interior do

estado de São Paulo. É realizado um estudo de caso e, por meio da observação participante, de

entrevistas individuais, de questionários, de registros de falas das professoras e dos alunos em

áudio e de diário de campo com as observações diárias.

Durante a pesquisa de campo, no processo de alfabetização, verificou-se a dinâmica

em que o aluno é visto como coisa, um ser que precisa ser treinado para que metas sejam

alcançadas, ou seja, não há preocupação com a formação desse indivíduo para a criticidade,

para além de uma visão na qual o aluno seja um produto a ser moldado para o consumo.

Então, a indagação é lançada: Qual seria a diferença básica entre a educar e ensinar?

As diferenças entre essas concepções são determinantes no papel do desenvolvimento social e

econômico? Diante dessas questões, o texto traz a relação entre educação e desenvolvimento

e, em seguida, a discussão que envolve o educar e o ensinar, a partir de observações da

vivência nas séries do processo de alfabetização.

Acredita-se que seja preciso romper com a ideologia educacional atual para se

reconstruir o verdadeiro sentido da educação a fim de que se consiga uma formação em que se

considere o homem como inteiro, numa concepção de escola que seja “instrumento a serviço

da instauração de uma sociedade igualitária” (SAVIANI, 1999, p. 75).

Educação e desenvolvimento

Hoje, ao se pensar as relações entre desenvolvimento e educação, são necessários

alguns cuidados para realizar as medições que possam permitir a compreensão das possíveis

determinações desses campos. Há quem considere não apropriadas as relações que associam

diretamente educação com desenvolvimento, pois, muitas vezes, o educar está sendo

interpretado como treinamento para o trabalho que atenda somente ao interesse de reprodução

do capital.

No entanto, acredita-se que a concepção de educação associada ao desenvolvimento

está relacionada aos diversos indicadores sociais que apontam para a qualidade de vida do

sujeito. Neste caso, a educação deveria ser compreendida como um fator, entre tantos, que

pode ser associado à qualidade de vida e, por isso, um elemento que pode favorecer a

condição de o sujeito interpretar sua existência crítica, que permite o acesso à cultura,

constituindo-se como um instrumento de cidadania.

A educação pode ser a peça fundamental nessa proposta de desenvolvimento não

atrelada ao fetiche econômico, uma vez que a educação é considerada a base para o

desenvolvimento includente, desde que se preocupe com a formação do sujeito em agente,

sujeito esse que irá atuar como membro público e que participará de ações econômicas,

políticas, sociais, ambientais, questões que envolvam a totalidade da sociedade e do

indivíduo.

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Para tanto, compreende-se a educação a partir da teoria crítica de Adorno (1995) no

campo da educação e a unidade escolar como local de trabalho especializado na transmissão

do saber, no sentido de estabelecer a inserção do sujeito no campo da cultura científica. Essa

inserção do sujeito na cultura científica é algo que também transforma a própria concepção de

vida em relação à sociedade, portanto, o intelectual, na unidade escolar, deveria

responsabilizar-se por essa intervenção, no sentido de autorizar-se para produzir no outro a

diferença de si mesmo. Neste caso, o processo educativo é fazer do sujeito um “vir a ser” que

se transforma e se constitui em novos costumes e valores, quando o intelectual assume sua

autoridade que consiste na responsabilidade do professor pelo mundo e pelo aprendizado dos

alunos.

O trabalho escolar pauta-se, muitas vezes, em objetivos e planos de ensino que têm

como resultado a “formação do aluno crítico e participativo”, objetivos esses que compõem

um discurso que não corresponde à dinâmica do real. Ao olhar os planos de ensino das escolas

será possível encontrar objetivos voltados à criticidade e ao protagonismo, contudo, no

cotidiano escolar pouco se vê em relação a ações que contemplam tais objetivos, uma vez que

as práticas escolares estão voltadas a uma mecanização ligada aos interesses do capital.

E essa mecanização da educação básica, inclusive, do processo de alfabetização vem

configurar o impossível da educação como processo e da constituição do sujeito no campo da

cultura, uma vez que a escola não proporciona a democratização da cultura e não se busca a

formação do aluno como um todo, mas se prioriza pelo “passar o ponto” e se limita aos

interesses do capital, evidenciando toda a perversidade da educação contemporânea.

Educar e ensinar

A realidade escolar está em contraposição ao que propõe a teoria crítica da educação

de Adorno (1995), pois se compreende que a cidadania do sujeito não se realiza numa

sociedade fragmentada e, no caso da transmissão do saber, toda a organização do

funcionamento da escola encontra-se pautada na divisão dos saberes em diversas ciências.

Essa fragmentação do saber acaba por dificultar a produção do sujeito crítico e participativo.

Desse modo, as determinações do “projeto pedagógico” perdem-se em seus resultados,

já que a condição da realização da cidadania é algo que escapa por completo como sendo o

papel da escola. O “saber escolar” restringe-se a tarefas que não permitem ao sujeito

contextualizar e transformar o real, não possibilitando assim que o aluno constitua-se como

cidadão. Mesmo os parâmetros curriculares nacionais propondo competências e habilidades e

a interdisciplinaridade, as escolas continuam fragmentando o conhecimento em áreas,

promovendo um esvaziamento dos conteúdos, desqualificando as instituições escolares e

limitando os alunos a uma mecanização, como destaca Silva (2002).

Toda meta do trabalho escolar seria muito mais simples, em termos de organização

educacional, se fosse possível reconhecer que não se controla diretamente a produção do

sujeito- cidadão crítico e participativo e que esses elementos – criticidade e participação –

encontram seus determinantes presentes no tecido social, nas relações que se estabelecem

entre desenvolvimento e educação.

Assim sendo, a condição da realização da cidadania é algo mais complexo do que os

objetivos presentes no projeto pedagógico e do que aquilo que se encontra no objetivo de

ensino. O papel da unidade escolar é colaborar, oferecendo instrumentos teóricos que possam

permitir ao educando compreender a sociedade e também sentir-se representado como sujeito

no tecido social. Para isso, de acordo com Larrosa (1999), a escola precisa ser um espaço em

que o aluno tenha acesso ao conhecimento e à cultura, porém, o que ocorre hoje é um

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apagamento do sujeito, não se permite o encontro, a descoberta e a aventura durante as aulas.

Neste caso, a questão da cidadania e sua produção nas atividades escolares é uma

proposta paradoxal, ou seja, a escola é responsável pela produção da cidadania e,

simultaneamente, a escola não produz a cidadania.

Na primeira vertente, que considera a escola como responsável pela cidadania,

compreende-se que a rotina escolar deveria estar orientada para aspectos gerais e específicos

que direcionam o sujeito a pensar sua relação com o coletivo e, principalmente, que toda ação

individual corresponde a determinados efeitos na coletividade. Para tanto, a organização da

transmissão dos conteúdos deveria pautar-se numa unidade interdisciplinar, proporcionando

ao sujeito produzir relações mais amplas sobre o conhecimento transmitido no campo das

ciências disciplinares e deveria haver espaço para que o aluno pudesse se manifestar sobre as

diversas questões escolares e também participar das decisões que são tomadas.

Na segunda vertente, na qual é considerado que a escola não produz cidadania,

entende-se que o sujeito encontra-se inserido no campo das relações humanas, em

determinações objetivas e subjetivas e que o aparelho escolar é apenas um espaço de

representação dos conflitos que se encontram presentes na sociedade. Para agravar essa

situação, a divisão do saber em disciplinas fechadas em conteúdos específicos não permite aos

sujeitos compreender amplamente a realidade.

Entre essas duas esferas que envolvem a questão da cidadania na unidade escolar, há

que se tornar possível pensar esse paradoxo que se constitui na diferença entre o ensinar e o

educar. Uma educação pautada na primeira ou na segunda vertente apenas ensina ao sujeito o

que é cidadania.

O educar seria um trabalho adverso que consistiria em elaborar o conjunto das

contradições entre o real concreto e o real pensado, no sentido de proporcionar ao sujeito as

condições de assumir a responsabilidade, a autoridade e a autonomia durante sua existência na

sociedade, numa dinâmica crítica e participativa.

No conjunto dessa obra paradoxal, da questão da cidadania realizada pela unidade

escolar, encontra-se uma concepção hegemônica que interpreta o educar como algo que tem

como resultado o sujeito que obtém uma alteração do comportamento e, principalmente, o

domínio de determinados saberes/informações nas relações de ensino e aprendizagem. No

entanto, o que seria a especialidade no domínio do saber escolar e quais suas relações com a

produção da cidadania?

A resposta a essa pergunta pode determinar um corte entre o ensinar e o educar, pois,

de um lado, para o ensino, o saber pode ser o apresentar a informação, e do lado do educar, o

saber pode ser o representar criticamente a informação.

A diferença entre o apresentar a informação (ensino) e o representar pautado na crítica

(educar) é compreendida como o que qualifica a condição do sujeito do saber, que,

respectivamente, se encontra pautada na memória ou na elaboração do pensamento. Portanto,

a compreensão das diferenças entre o ensinar e o educar leva também a pensar a separação

entre o educar como produto e o educar como processo.

No caso do educar como produto (ensinar) no “projeto pedagógico”, cabe ao educador

empenhar-se na tarefa de transmitir aos alunos diversos conteúdos que compõem a grade

curricular. Nessa concepção de ensino, reduz-se, quase por completo, o encontro entre aluno e

professor na instituição escolar com ampla objetividade, a ponto de que toda aula pode

materializar-se em “dados” ou, como é conhecido no senso comum escolar, o “passar o

ponto”. Isso, o “passar o ponto”, é o que caracteriza a ideia da educação como produto, pois

se deve avaliar o desempenho da aprendizagem a partir de resultados objetivos, o que, na

atualidade, corresponde a critérios que, na educação básica e superior, se referem,

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respectivamente, a ingresso na universidade ou no mercado de trabalho.

Na realidade escolar observada durante a pesquisa de campo, denota o “passar o

ponto”, a transmissão do saber e não o processo ensino-aprendizagem, pois os professores

colocam-se na frente da sala de aula com o livro na mão ou com uma folha de informações

retiradas da internet, passando todo o conteúdo na lousa para que o aluno copie no caderno ou

entregando uma folha desse conteúdo para ser colada no caderno.

Durante uma matéria nova, um novo conteúdo a ser abordado, não há diálogo, não se

verificou nenhuma atividade que levasse o aluno à descoberta, à construção do conhecimento,

não se viu nenhuma situação de provocação ou uma situação em que o professor considerasse

o conhecimento prévio do aluno, o que facilitaria a assimilação daquele conteúdo.

O aluno das séries iniciais da educação básica é tratado como um mini adulto que deve

absorver o máximo de informações passadas, fazendo o menor ruído possível para que tenha

êxito e desenvolva-se. O sistema de ensino adotado pelos professores alfabetizadores é muito

próximo ao modelo de produção industrial.

Numa fábrica, a matéria-prima é colocada numa esteira, dessa esteira é conduzida até

uma máquina ou várias máquinas, voltando para a esteira, depois de várias rupturas e

moldagens em sua estrutura, como um produto. Na escola a dinâmica é a mesma: há algo a ser

moldado. O aluno entra na sala de aula, senta-se na sua carteira enfileirada, deve olhar o

tempo todo para frente onde está o professor, e diante de todo o “ponto” que é lançado pelo

professor, ele deve comportar-se de forma exemplar, assimilando o máximo possível de

informações.

Todas as condições objetivas que potencializam essa vertente da educação como

produto, no caso específico das “máquinas de ensinar”3, são otimizadas e apresentam-se como

elementos que produzem a “qualidade na educação”, o que, nessa concepção particular,

constitui-se como uma pseudoqualidade na educação e atende, especificamente, aos

determinantes do mercado como sendo um produto de qualidade.

O problema não se encontra em ingressar na universidade ou no mercado de trabalho.

Aliás esses ingressos são demarcações importantes que se apresentam como ligações do

sujeito com a sociedade. A presente crítica apresenta-se quando esses “elementos de ingresso”

reduzem o papel da unidade escolar ao de “escola preparatória”.

Acredita-se que essa ideia da escola básica como “escola preparatória” é uma redução

do papel da unidade escolar para um estágio do ensino voltado para uma meta/função de

preparo para outro estágio maior, já que a unidade escolar se reduz à rotina de informar os

conteúdos ou técnicas, respectivamente necessários para o ingresso na universidade ou no

mercado de trabalho.

Tais critérios são reducionistas, pois não levam em consideração que a inserção no

campo da cultura não atende diretamente ao ingresso na universidade ou no mercado de

trabalho, os quais se encontram associados à lógica da reprodução do capital. O que se deseja,

de fato, é a radicalização da função da “escola preparatória” para a inserção do sujeito no

campo da cultura.

Diante disso, ao se observar a realidade dos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental,

3 A ideia de “máquinas de ensinar” é trabalhada no projeto de dissertação de mestrado (em andamento)

intitulado “Desenvolvimento, tecnologias e educação: a implicação do uso das tecnologias no processo de

alfabetização”, inserido no programa Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade da UNIFEI, e elucida o uso

das tecnologias como produto, no qual o humano deixa de ocupar o centro do processo e torna-se apêndice.

Uma tecnologia encontrada em sala de aula que se constitui como uma “máquina de ensinar” são os livros

didáticos, os quais são utilizados pelo professor como um manual de instrução, fazendo com que haja perdas

no processo educativo, uma vez que o professor passa a ser instrumento da tecnologia, não possibilitando o

desenvolvimento de sua autonomia, uma possível criticidade e reflexão diante do que é apresentado.

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verificou-se que as práticas não se preocupavam em levar o aluno a pensar, a dizer o que

pensava, a argumentar, mas a ele cabia cumprir as atividades propostas sem fazer barulho e

sentado em sua cadeira para que, no momento exato, pudesse adquirir êxito nas avaliações.

Nos meses de acompanhamento diário nas salas dos anos iniciais do Ensino

Fundamental, os alunos não tiveram uma atividade em que se aprendesse ou tivesse contato

com a leitura e com a escrita por meio do lúdico. Nesse tempo, o aluno manteve-se sentado

em sua cadeira e quando levantava era advertido a voltar a sentar-se sem haver

questionamento.

Um exemplo a ser citado foi durante a leitura de poesias de Vinicius de Moraes, pois

os alunos estavam envolvidos num projeto da SME (Secretaria Municipal de Educação) que

tinha como foco o poeta. Um dos alunos do 2º ano fez sons com a boca do animal da poesia

que estava sendo lida: A foca. A professora, numa atitude de castração, advertiu

Psiu! Não quero sons impróprios, nem brincadeira na hora de

trabalhar! Já disse e vou repetir só mais uma vez: Agora é hora de

acompanhar com o dedinho. (Fala da professora do 2º ano)

Nessa concepção de educação como produto, o professor pouco se envolve com o

aprender e o ensinar, não permite que os alunos manifestem-se durante a lição e não permite

ainda que os múltiplos sentidos da aprendizagem extravasem a superfície e possibilitem a

democratização da cultura. Não se assume a responsabilidade pelo ensinar, o professor não se

compromete como intelectual nesse processo e não coloca as experiências como um

“movimento da pluralidade do aprender” (LARROSA, 1999, p. 144). Pluralidade está ligada a

inúmeras ações, como: descobrir, aventurar-se, respeitar, dialogar, pensar, comunicar, refletir,

trocar com o outro, apreender, reformular, construir.

Os conhecimentos construídos pelas crianças não podem ser ignorados, mas devem ser

olhados com atenção, pois riscos não são simples rabiscos, mas uma ânsia de tentar expressar-

se e fazer uso da linguagem. Uma situação observada no 2º ano permitiu perceber como o

aluno tenta incorporar o que aprende em sala de aula ao seu próprio saber, utilizando meios

diversos para construir seu aprendizado. Ao perguntar sobre a tarefa de matemática para o 2º

ano, a professora depara-se com a seguinte resposta

Tia, eu usei a ração do meu cachorro! Tinha continha que acaba meus

dedinhos, aí eu peguei a ração e deu certo! Acredita? (Fala de um

aluno do 2º ano)

Diante de tal resposta, a professora respondeu que ela já ensinou a calcular com a

cabeça, que basta colocar alguns números na cabeça e outros no dedo. Ignorou-se a fala do

aluno e principalmente a forma como ele buscou construir seu raciocínio.

Percebe-se o esvaziamento de sentido do processo de ensino-aprendizagem, pois as

atividades são basicamente mecânicas, os professores não assumem a responsabilidade como

ponte entre o aluno e o mundo e não se quebra com o autoritarismo professoral, para que se

permita o falar e o olhar do outro, numa relação de implicância entre ensinar e aprender e de

consciência de que o aprendizado ocorre na troca, na relação, numa construção permanente.

Portanto, em contraposição, o educar como processo deveria ser compreendido como

o “projeto pedagógico” em que, no seu desempenho, o educador apresenta-se como

intelectual. Este seria aquele que, ao entrar numa sala/quadra de aula, transmitiria os

conteúdos para além do ensinar, porque atuaria como responsável, com autoridade para inserir

o outro no campo da cultura. Para tanto, posicionar-se-ia criticamente perante a ciência.

Dessa forma, as “máquinas de ensinar” são utilizadas como elementos que colaboram

com o processo educacional e posicionam o educador no papel de intelectual, porém não são

esses elementos que caracterizam a qualidade. Nessa concepção, a educação é pensada para

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além da espetacularização dos recursos tecnológicos e do mercado, rompe-se com os modelos

estabelecidos e com a concepção do aluno como objeto. É aqui que a qualidade na educação

apresenta-se como sendo uma construção pontual que se realiza no encontro entre os sujeitos

no campo escolar. Dir-se-ia que essa qualidade na educação não é possível materializar-se

objetivamente e deve, a cada encontro, ser reconstruída como sendo a realização de uma

tarefa humana daqueles que desejam pensar a cultura e está nas relações humanas.

Essas diferenças, basicamente, colocam o sujeito educador entre aquele que repete a

informação e aquele que elabora a informação, na concepção do papel do sujeito crítico, no

campo educacional. É isso que estabelece um corte entre a educação como produto e a

educação como processo: a questão de inserir o sujeito no campo da cultura ou não.

O ensinar associado ao educar como processo deveria constituir-se em uma ponte

entre o saber e a constituição do argumento crítico. Desse modo, a função do educador está

para além do aprendizado pautado na informação, pois deve ocorrer o trabalho do pensamento

na elaboração, que se estabelece na relação com os conteúdos e compreensão crítica do real.

O professor, numa relação de responsabilidade e implicância, tem o papel primordial de

possibilitar o movimento da sala de aula para o mundo, promovendo instrumentos para que o

aluno possa desenvolver-se, modificando seu estado inicial em direção a uma mudança

pessoal, social, política.

Entender a educação como processo, é ultrapassar a ideia de que a escola deva

contemplar apenas ações voltadas para o desenvolvimento econômico, é pensar a educação

num contexto em que a escola seja um espaço social de ensino-aprendizagem que permita o

acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade, conhecimento esse que permitirá a

formação do aluno como sujeito social, tendo acesso à cultura, dialogando com o mundo que

o cerca, construindo conhecimentos e formando opinião a partir dessa relação estabelecida,

mas para que isso ocorra o professor deverá ser o elo entre o aluno e o mundo, corroborando

sua autoridade e sua responsabilidade, como aborda Arendt (2000), assumindo o papel de

intelectual nesse processo.

Neste contexto, o elemento primordial para a ruptura entre o ensinar e o educar seria o

diálogo que se produz no encontro entre os sujeitos na unidade escolar. E a postura crítica do

educador perante o saber elaborado é algo que corresponde à diferença que se estabelece entre

uma educação como produto e uma educação como processo na transmissão do saber.

A educação como produto encontra-se muito próxima da teoria comportamental, que

se resume à lógica simples dos esquemas em que o estímulo aplicado no sujeito produz uma

determinada resposta. Cabe ao educador analisar o conjunto dessa resposta e estabelecer o

retorno, que alimenta o próprio sistema. O aluno é visto sob uma óptica fabril, na qual aquele

que produz é quem faz as atividades propostas com agilidade, as quais passam pelo controle

de qualidade do professor e são aprovadas ou não. Essa concepção de ensino pode estabelecer

os seus ajustes na questão da eficiência e eficácia do ensino, e, portanto, a questão central

seria reinterpretar esse modelo para, verdadeiramente, compreender a dinâmica das relações

que se estabelecem entre o “eu” e o “outro” no campo escolar.

Essa preocupação em possibilitar a educação como processo está fundamentada no

fato de se entender os conteúdos científicos como construções históricas, que deveriam estar

inseridos na interpretação do sujeito. Sem esse trabalho intelectual de compreender tais

conteúdos como produção humana e de recusar que sejam apresentados nas unidades

escolares descontextualizados, eles tornam-se sem função operante para o pensamento crítico

e as atividades continuam mecânicas e sem sentido.

Assim, o papel do intelectual é atuar nas relações educativas como mediador dessa

interpretação do “real concreto” e, portanto, como aquele que reconhece a função da ciência,

que está realizando a transmissão do saber, e que apresenta no conjunto de estratégias para

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constituir o sujeito no campo da cultura.

Pode-se ensinar para os alunos diversas coisas da matemática, física, química: enfim,

todo um conjunto de ciência. No entanto, sem a possibilidade de interpretar a dinâmica que se

encontra presente na construção dessas ciências, as disciplinas escolares apresentam-se como

um conjunto de informações completamente alheias para serem memorizadas, mas não

interpretadas e compreendidas como elementos que possam produzir sentido como algo

relacionado com a “experiência de vida”.

Num primeiro apontamento, pode-se afirmar que o ensinar está para o entendimento e

que o aprender está para outra esfera, que é a compreensão, a qual requer um grau de

sofisticação do pensamento, que se encontra para além do acúmulo de informação. O trabalho

do pensamento é um trabalho de interpretação da realidade.

Em muitos casos, foi falado para os alunos do curso de graduação, nas licenciaturas,

que se o papel do professor for pautado na transmissão de informação e, principalmente, na

avaliação do aluno pela memória desses dados, acaba-se por destituir o papel fundamental da

educação que se encontra no fato de permitir ao sujeito a condição de pensar e elaborar sua

condição de existência.

Neste caso, o educar como sendo somente a transmissão de informação constitui-se no

paradigma de compreender o sujeito como máquina para armazenar informação, como, por

exemplo, um “pen-drive” que se constitui como um objeto que possui maior capacidade

acumulativa que o sujeito. Portanto, a diferença, em termos de qualidade na educação seria

entre a coisa/objeto com capacidade de acumular informação e o aluno sendo o sujeito

pensante como aquele que pode inovar e criar algo completamente diferente com o saber

disponibilizado no campo da cultura.

No caso do objeto, a informação pode ser acessada como um dado, cabendo ao sujeito

interpretá-la e transformar o real a partir de sua posição de existência política. Essa passagem

entre a informação e a condição de pensar é que define o verdadeiro papel da unidade escolar

no projeto pedagógico de formar o sujeito crítico e participativo. A realização desse projeto

pedagógico configura-se uma esperança de que o sujeito possa avançar com o conhecimento

adquirido e assumir a condição de responsabilidade, autoridade e autonomia.

Em contrapartida, pode-se observar que, na contemporaneidade, os conteúdos das

ciências e o centro da relação educativa tornaram-se neutros, a ponto de todo o processo

educacional transformar-se em produto que se materializa no domínio de alguma técnica.

Portanto, há perda por completo de aspectos primordiais do educar o outro, no sentido mais

amplo da palavra, que se relaciona com um modo de ser do sujeito no campo da cultura.

Numa sociedade pautada no mercado, quase por completo, todos desejam apropriar-se

de uma técnica que qualifique o sujeito perante o mercado de trabalho. Nesta vertente, a

educação como produto posiciona os sujeitos na relação educativa como objeto neutro – sem

responsabilidade, sem autoridade e sem autonomia. Nesta vertente educacional, de um lado,

há aquele que administra o conteúdo científico como uma informação a ser passada, e do

outro lado, há aquele que absorve a informação que o torna aparentemente capaz e

competente e, principalmente, eficiente perante a lógica do mercado, mas que continua a

corroborar a desqualificação da escola.

No interior dessas unidades escolares em que tudo é objeto, inclusive alunos e

professores, percebe-se que os sujeitos atuam numa posição esquizofrênica, no sentido de o

sujeito estar completamente destituído de sua humanidade, na relação de completo

fechamento de si mesmo entre o “eu” e o “outro”. Nessa posição de fechamento em si mesmo,

em que se destitui por completo o sujeito de sua própria humanidade, o que prevalece na

relação entre o “eu” e o “outro” é a atuação do fazer pedagógico como sendo a realização do

objeto manipulável no campo da “ciência educacional”.

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Nessas relações destituídas de humanidade, analisa-se qual seria a posição do

professor: seria ensinar uma prática de atender aos alunos no sentido de que sejam tratados

como objeto na demanda por realizar tarefas educacionais? Seria avaliar o outro e chancelar

os “aprovados” e “reprovados”?

Na concepção de professor, entre o ensinar a fazer e o avaliar encontra-se uma linha

demarcatória que torna grande parte das unidades escolares lugares sem contexto e,

principalmente, sem sentido algum para uma sociedade emancipada. É muito fácil encontrar

alunos que desejam ser mandados a fazer coisas e que querem ser ensinados e avaliados numa

posição de objeto. Essa dimensão do ensinar e o avaliar um monte de coisas apresentam-se

como perfil hegemônico no funcionamento da maioria das instituições escolares, em que há

uma pseudoqualidade em termos de educação, qualidade essa mascarada por índices e por

aprovações em exames externos.

O grande problema educacional é que nem sempre a condição do sujeito, que é tratado

como objeto, cuja memória é treinada para assimilar o conteúdo, resulta na aprendizagem. Os

diversos exames avaliativos indicam que esse viés educativo apresenta baixo rendimento

escolar dos alunos, pois os exames oficiais indicam que

[...] em 2012, o desempenho dos estudantes brasileiros em leitura

piorou em relação a 2009. De acordo com dados do Pisa (Programa

Internacional de Avaliação de Alunos), o país somou 410 pontos em

leitura, dois a menos do que a sua pontuação na última avaliação e 86

pontos abaixo da média dos países da OCDE (Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Econômico). (...) Com isso, o país

ficou com a 55ª posição do ranking de leitura, abaixo de países como

Chile, Uruguai, Romênia e Tailândia. (UOL Educação)

Por isso, a grande tarefa a ser pensada por todos aqueles que se comprometem com o

denominado “processo educacional” seria como romper com essa condição de perda de

sentido no processo educacional em que se pode “(...) ensinar sem educar e pode-se aprender

durante o dia todo sem, por isso, ser educado” (ARENDT, 2011, p. 247).

Seria importante que os educadores assumissem como problema o fato de que se pode

“ensinar sem educar”, e isso seria o ponto central para se compreender toda a recusa e a

falência do sistema educacional que lança como “produto final” sujeitos coisificados,

destituídos de compreensão e representação simbólica do seu papel como sujeito no campo

das relações sociais.

Pode-se identificar naquilo que se denomina curso de licenciatura, um lugar

especializado na formação de futuros professores, sujeitos ocupados, em grande parte, em

fazer um conjunto de atividades, mas perdendo o foco por não entender o verdadeiro papel do

educar. Isso pode resultar em perda de ação na transmissão de conteúdos destituídos de valor

e, sobretudo, de desejo de saber por parte daqueles que ensinam e dos outros que aprendem.

O quadro atual da educação é formado por professores com habilitação, mas com

qualificação precária, sem formação crítica e sem compreender o educar, como aborda Silva

(2002). É preciso repensar a formação inicial e continuada do professor para que ele possa

exercer o papel de intelectual para além das medidas técnicas que são estabelecidas pelas

Secretarias de Educação, pois de nada bastam pontos que serão acumulados na carreira

profissional, mas que não proporcionam conhecimentos teóricos, práticos e políticos com os

quais o professor possa implicar-se no processo de construção do conhecimento ao lado do

aluno. Faz-se necessário romper com o “fazer por fazer” e com a ideia de o espaço escolar ser

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concebido como espaço de subsistência e não de desejo e de responsabilidade pelo mundo.

A educação possui um papel primordial na instauração do novo e, portanto, o ponto

crítico na crise da educação seria que essa instauração do novo implicasse outros processos

educativos, que deveriam estar comprometidos em estabelecer uma resistência à sociedade de

mercado e, principalmente, em restabelecer um novo sentido à tarefa de educar orientado para

a emancipação do sujeito, rompendo com a lógica do consumo.

Para Arendt (2011), a questão de saber por que Joãozinho não sabe ler envolve muitos

outros aspectos. Interpreta-se que a crise na educação pode estabelecer novos fatores

associados à qualidade do ensino, que podem ser avaliados a partir de vários determinantes,

sejam eles práticos, no interior da sala de aula, ou elementos institucionalizados pela

administração pública.

Esses problemas no campo educacional já são identificados por Freud, no prefácio de

“A Juventude Desorientada de Aichhorn”, o qual já anunciava que existem “(...) três

profissões impossíveis — educar, curar e governar” (FREUD, 1990, p. 341). Na condição de

analisar esses outros aspectos é que a opção de avaliar a qualidade da educação refere-se à

tarefa do impossível de se compreender as relações entre as práticas e os discursos no interior

da unidade escolar, no sentido de entender a hipótese de Arendt (2011) na radicalidade, mais

propriamente de como a prática educativa poderia constituir uma resistência às concepções

educativas que tratam o sujeito como objeto e permitir o surgimento de novas ideias que o

faça se encontrar no aspecto da criticidade.

Parte-se do pressuposto de que a educação é algo que em si institui práticas e discursos

e que também, por decorrência, institui a verdade sobre o sujeito por meio do processo de

ensinar e aprender, numa dinâmica reflexiva constante. A escola precisa ser um espaço de

movimento entre o aluno e o mundo, entre a cultura e o conhecimento sistematizado. Tem-se

como hipótese de estudo, no campo educacional, que a aprendizagem encontra-se na

polarização entre “o passado e o futuro”, que pode ocasionar o sucesso ou a falta na realização

dessa tarefa de inserir as crianças no mundo adulto. Neste caso, cabe a responsabilidade do

adulto numa escolha de mundo no qual deseja inserir a criança – o pathos da novidade, de

acordo com Arendt (2011).

Partimos da compreensão que, em termos educativos, tanto o sucesso como o fracasso

acabam por produzir algum tipo de eficácia no processo de formação cultural do sujeito no

campo educativo, portanto, entende-se que a crise na educação seria uma fissura política nesta

passagem entre o novo e o velho, que, nas palavras de Arendt (2011), tem relação com o papel

a ser desempenhado pela educação, que seria o de começar um mundo novo.

Há dificuldade em compreender o que seria a qualidade na educação. No entanto, tem-

se como hipótese de investigação que é possível identificar, quanto à perda da qualidade na

educação, que a intensificação das práticas e dos discursos sobre a questão da aprendizagem

seria um modo de o educador evitar o enfrentamento dos problemas educacionais, conforme

destaca Rodrigues (2013).

Sobre a perda da qualidade na educação, é possível identificar diversos fatores. Em

uma conversa entre professores, numa instituição de ensino, um deles afirma ao colega de

trabalho: “Não sei o que fazer: os alunos não estão conseguindo entrar na linguagem da

ciência para compreender o assunto!”. Para se evitar esses desajustes nas metas educacionais,

o educador circunscreve as práticas educativas por demasiadas explicações que, por um lado,

justificam o real e, por outro lado, acabam também por produzir certo grau de eficácia no

processo de formação cultural dos sujeitos. Portanto, a crise na educação seria uma

oportunidade de pensar a passagem entre o mundo antigo e o mundo novo, que ainda se

mantém sem solução aos problemas da pobreza e da opressão. Dir-se-ia que a grande questão

para ser resolvida nessa passagem entre o mundo antigo e o mundo novo em termos

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educacionais seria resistir às

[...] novas formas de fascismo molecular: um banho-maria no

familialismo, na escola, no racismo, nos guetos de toda natureza, supre

com vantagens os fornos crematórios. Por toda a parte, a máquina

totalitária experimenta estruturas que melhor se adaptem à situação:

isto é, mais adequadas para captar o desejo e colocá-lo a serviço da

economia do lucro. (GUATTARI, 1981, p. 188).

Assim, responder à questão de os alunos não entrarem no assunto e ficarem fora da

linguagem da ciência seria compreender que outras formas de organização do pensamento

encontram-se presentes em imagens e representações. Cabe a possibilidade de representá-las

no conjunto da discussão que esteja voltada para a representação do real como sendo a

“síntese de múltiplas determinações” (MARX, 1983, p. 218). O que seria essa “síntese das

múltiplas determinações” no campo educacional?

A compreensão dessa “síntese” é o que diferencia o educador que atua no papel de

professor daquele que atua na reprodução do sistema, agindo como “monitor” no papel de

professor. O educador seria aquele que reconstrói o espaço da sala/laboratório/quadra de aula

como um lugar da experiência humana. O professor é aquele que tenta conduzir o aluno ao

encontro do conhecimento, num processo em que a formação não seja um fim, mas uma

aventura, na qual a “viagem exterior se enlaça com a viagem interior, com a própria formação

da consciência, da sensibilidade, do caráter do viajante” (LARROSA, 1999, p 53).

Já o monitor/instrutor de ensino seria aquele para quem o espaço da

sala/laboratório/quadra de aula é um lugar em que prevalece a informação sem experiência

humana, pois tudo se reduz ao ensino no sentido de apropriação da técnica interpretada como

uma produção neutra, em que se minimiza o conhecimento a decorar regras, a repetições, a

atos mecânicos que não possibilitam a formação crítica do aluno, mas perpetuam a lógica

mercadológica de produção, eficácia e eficiência em uma estrutura seletiva e excludente da

educação, de acordo com Silva (2002).

O educar é a possibilidade da realização de um algo a mais que se pauta na autoridade,

na responsabilidade e na autonomia e cujos resultados não se controlam e, portanto, há

necessidade da presença do educador como intelectual na relação para que sempre seja

retomada a intervenção a fim de direcionar o sentido do produzir no outro os efeitos do “vir a

ser” sujeito. Portanto, educar é compreender que a técnica, a ciência e a tecnologia não são

neutras e que possuem a marca e, principalmente, o vínculo daquele que profere em suas

palavras o modo de apropriar-se como um modo de fazer experiência humana, proporcionar a

reinterpretação na existência do “vir a ser” sujeito e, principalmente, permitir a constante

crítica que o instaura numa inconsistência que lhe permite inaugurar o inédito em ser o

sujeito.

Considerações finais

A educação básica é de extrema relevância porque é por meio dela que a criança se

inclui no mundo. Contudo, a educação hoje é vista sob a óptica de produto, pois se acomoda

as massas e se sonda o desenvolvimento do aluno contabilizando a produtividade durante as

atividades e não se consideram a criatividade, a espontaneidade, as falas e os pensamentos do

aluno; a maioria das práticas de alfabetização acaba não possibilitando ao aluno o direito de

pensar.

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O professor deve ser aquele que tenta conduzir o aluno ao encontro do conhecimento,

num processo em que a formação não seja um fim, mas uma aventura, na qual a “viagem

exterior se enlaça com a viagem interior, com a própria formação da consciência, da

sensibilidade, do caráter do viajante” (LARROSA, 1999, p 53), não podendo ser ignorados

alguns elementos, como, o meio em que o aluno está inserido, as pessoas com as quais ele

convive e as experiências que se dão pelo caminho.

Para educar é preciso que o professor tenha implicância, mobilize e se sensibilize,

capturando os sinais que o aluno transmite durante as atividades, sendo a escola um espaço de

reinterpretação, transformação e diálogo com o mundo.

A possibilidade de transformação é aquela que rompe com o discurso determinante e

com a subordinação do aluno, possibilitando o pensar e o movimento de fazer, refazer e

desfazer ideias, conceitos e valores.

A ideia de educação como processo é a que coloca o aluno como aquele que terá um

olhar crítico para o que o cerca, seja televisão, mídia, redes sociais, jornais ou informações

que são colocadas, que reproduzem, manipulam e até falsificam os fatos. A educação como

processo é a que possibilita ir além dos resultados de exames padronizados, mas que permite

uma dinâmica de atividades na qual o diálogo, o pensar, a reflexão, a descoberta e a aventura

são movimentos constantes a fim de que se possa olhar com criticidade para a

espetacularização, ora dos recursos tecnológicos, ora das teorias pedagógicas milagrosas, num

exercício de se buscar entender a realidade escolar. Entretanto, o que se observa é a educação

como produto, já que os objetivos e as ações escolares estão voltados ao mercado.

Não foram observadas práticas durante o processo de alfabetização que se

constituíssem como processo durante a pesquisa de campo. Durante as aulas em o professor

realizava a leitura de algum texto na frente da sala para os alunos, não era permitido ao aluno

expor sua opinião acerca do texto ou colocar alguma informação que se somava àquela

leitura, pois ao término da leitura, o professor exigia que os alunos voltassem às atividades em

silêncio, sendo que muitos alunos nem ao menos tinham percebido o que tinha ocorrido.

Assim, a ideia de leitura na escola ainda está sob a óptica da decodificação e não se permite

que o aluno explore o texto, aventure-se na leitura, assumindo o professor a função de ponte

entre o aluno e a cultura.

O desenvolvimento das aulas em que o professor sempre ocupava um lugar na frente

da sala, alunos todos enfileirados, sentados em suas cadeiras e produzindo atividades

solicitadas, avaliados constantemente como produtivos ou não, corroboram a ideia de uma

educação contemporânea voltada aos moldes do capital.

Essas observações evidenciam a urgência de transformações efetivas na educação

básica para que se possa ir além da ideia de desenvolvimento como produto, pensando nas

relações sociais que devem ser estabelecidas nas escolas para que ocorra o diálogo com o

mundo e para que seja possível se pensar na formação cidadã do aluno.

O professor deve ser aquele que tenta conduzir o aluno ao encontro do conhecimento,

num processo em que a formação não seja um fim, mas uma aventura, não podendo ser

ignorados alguns elementos como o meio em que o aluno está inserido, as pessoas com as

quais ele convive e as experiências que se dão pelo caminho.

A escola que se defende encaixa-se nos parâmetros das sociedades democráticas:

equidade, igualdade, solidariedade e desenvolvimento humano, enquanto o que o mercado

objetiva é a excelência, a formação vocacional e a competitividade individual, pois o mercado

tenta reduzir os valores sociais, éticos e educativos da escola aos objetivos relacionados à

produção fabril.

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Educação online e mudanças nas práticas

comunicacionais de discentes no sertão do Piauí na

modalidade EAD

Juscelino Francisco do Nascimento Professor Pesquisador do Centro de Educação Aberta e a Distância (CEAD) da Universidade Federal do Piauí

(UFPI), em Teresina. Licenciado em Letras/Inglês pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Especialista em

Docência para o Ensino Superior, pelo Instituto de Ensino Superior Múltiplo (IESM); e em Libras, pela

Faculdade Latino-Americana de Educação (FLATED). Obteve seu título de Mestre em Letras, Área de

Concentração em Estudos de Linguagem, pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Atualmente, é

Doutorando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília

(UnB). Sua experiência profissional abrange, especialmente, o Ensino Superior. Atua nas áreas de Línguas

Inglesa e Portuguesa, Estágio Supervisionado e Libras, além de cursos de extensão e de pós-graduação lato

sensu.

Lívia Fernanda Nery da Silva Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual do Piauí, mestrado em Educação pela Universidade

Federal do Piauí e Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Atualmente, é professora Adjunto II da Universidade Federal do Piauí. Tem experiência na área de Educação e

Comunicação, com ênfase em Educação, mídias, EaD e processos de ensino e aprendizagem digitais.

Resumo

Este trabalho objetiva apresentar as apropriações comunicacionais de discentes da Educação

a Distância (EaD) da Universidade Federal do Piauí, haja vista que essa modalidade

possibilita mudanças nas suas práticas comunicacionais/educacionais. A problemática

sistematizada reconhece que o processo comunicativo/educativo pode ser efetivado na

internet, basicamente em ambientes digitais. Contudo, pareceu-nos relevante a percepção do

“como” isso se processa. É nessa imbricação que surge o nosso problema de pesquisa, que, a

rigor, envolve a “maneira como” se dá a comunicação na modalidade a distância, bem como

a circulação desse processo nas plataformas educacionais/sociais digitais. Aplicamos um

questionário para a constatação de dados relativos à vida dos discentes; cartografamos as

práticas na internet antes e depois do curso EaD, bem como suas características pessoais, os

fluxos e as migrações comunicacionais. Os autores que balizaram estes estudos envolvem a

relação estabelecida entre os discentes e a cibercultura, sendo referendados, entre outros, por

Citelli e Costa (2011), Bonin (2011), Lopes (2006), Maldonado (2011), Freire (1983) e Hall

(2005). Os resultados apontam que os sujeitos passam a utilizar a internet como ferramenta

de aprendizagem obrigatória, reconfigurando o processo de aprendizagem e assinalando o

estabelecimento de um Contrato de Educação Midiatizada – CEMid.

Palavras-chave

Comunicação; Apropriações; Educação a distância.

Abstract

This paper aims at presenting the communicational appropriations of Distance Education

students of the Federal University of Piauí, given that this modality allows changes in their

communicational/educational practices. The systematic problem recognizes that the

communicational/educational process can be effected on the Internet, basically in digital

environments. However, it seemed relevant the perception of "how" it is processed. It is this

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overlap that our research problem arises, which, strictly speaking, involves the "how" is given

communication in distance education, and the circulation of this process in digital

educational/social platforms. We applied a questionnaire for finding data on the lives of

students, we also mapped practices on the internet before and after the distance education

course as well as their personal characteristics, the flows and communication migrations. The

authors that guided these studies involved the relationship established between the students

and cyberculture, being endorsed, among others, by Citelli and Costa (2011), Bonin 2011)

Lopes (2006), Maldonado (2011). Freire (1983) and Hall (2005). The results indicate that the

subjects started to use the internet as a compulsory learning tool, reconfiguring the learning

process and marking the establishment of a mediated education contract - MidEC.

Keywords

Communication. Appropriations. Distance education.

Palavras iniciais

Esta pesquisa foi enquadrada no âmbito comunicacional, contudo, com uma interface

educacional, pois se trata de um estudo dos aspectos comunicacionais e educacionais dos

estudantes da modalidade a distância e das produções comunicacionais desses sujeitos. Para

tanto, foram consideradas as apropriações comunicacionais e educacionais em ambiência

digital, por meio da internet, dentro ou fora do ambiente de aprendizagem digital específico.

Nesse sentido, conforme Flick (2009, p. 238):

A internet tornou-se parte da vida cotidiana de muitas pessoas. Portanto,

necessita de análises profundas sobre a sua inserção no dia a dia das pessoas,

já que tem transformado aspectos culturais da sociedade contemporânea.

A interface entre comunicação e educação não é um fenômeno recente, haja vista que

Citelli e Costa (2011) informam que, nos Estados Unidos, tais estudos surgiram em 1930; e,

no Brasil, com as ações de Roquette Pinto e Anísio Teixeira. Além disso, há mais de vinte

anos, especialistas da América Latina reuniram-se convocados pelo Fundo das Nações Unidas

para a Infância – UNICEF e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência

e a Cultura – UNESCO para asseverarem que:

A educomunicação inclui, sem reduzir-se, o conhecimento das múltiplas

linguagens e meios pelos quais se realiza a comunicação pessoal, grupal e

social. Abarca também a formação do sentido crítico, inteligente, frente aos

processos comunicativos e suas mensagens para descobrir os valores

culturais próprios e a verdade (UNICEF; UNESCO, 1992 apud APARICI,

2010).

Esses especialistas perceberam a necessidade de serem analisadas as inter-relações dos

campos comunicação e educação, observando-se um posicionamento sério e crítico ante o uso

de ambientes digitais e da tecnologia. A interface tem, portanto, como fundamentos, os

princípios da pedagogia crítica de Paulo Freire.

Além de Freire, nomes como Daniel Prieto Castillo, Mario Kaplún e Francisco

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Gutierrez são reconhecidos como educomunicadores precursores. Freire (1983) apresenta a

educomunicação como uma filosofia e uma prática pautada no dialogismo. Para Aparici

(2010), ser dialógico é problematizar o conhecimento, não apenas estabelecer um diálogo

complacente, um diálogo para nada ou apenas para conversação, mas um diálogo que

proporciona mudanças e posicionamento crítico-ideológico nos sujeitos do processo de

ensinar e aprender.

Vale destacar que o desenvolvimento da educomunicação, entre os anos 1970 e final

dos anos 1990, foi inversamente proporcional à expansão das novas tecnologias e ao

desenvolvimento de paradigmas economicistas que se trasladaram ao mundo da educação

(APARICI, 2010). Nesse sentido, podemos afirmar que as revistas, os estúdios de televisão, os

jornais e o vídeo em sala de aula foram substituídos por aulas de informática e o cenário

virtual1 transformou-se no e-learning. O modelo proporcionado pela tecnologia e pela

virtualidade conduziu o processo educativo a situações inéditas, as quais não haviam sido

abordadas pelos educomunicadores, tais como a interatividade, a imersão, a nova forma de

participação e a convergência (APARICI, 2010). Foi assim que, dentro da vida escolar, o novo

cenário digital e as tecnologias da comunicação, bem como as afetações desse novo modelo

educativo, tornaram-se o objeto de estudo da educomunicação.

Para Citelli e Costa (2011), a interface comunicação/educação já sinaliza as

circunstâncias históricas das transformações dos modos de produção, circulação e recepção do

conhecimento e da informação, levando-se em conta o papel central da comunicação nestes

processos. Segundo o entendimento dos autores, existem diversas maneiras de serem

trabalhados os vínculos entre comunicação e educação, pelo que afirma ser relevante analisar

“o plano epistemológico voltado a indagar acerca de possível novo campo reflexivo e

interventivo resultante dos encontros, desencontros e tensões, entre os processos

comunicacionais e educação” (CITELLI; COSTA, 2011, p. 13). Sob essa perspectiva, os

autores demonstram a necessidade de cogitarmos sobre a dimensão formal da inserção da

tecnologia e das culturas midiáticas e sobre as possíveis transformações nos modos de ser e

estar no mundo dos sujeitos. Propõem, ainda, que a comunicação e a educação envolvem

elementos da relação mídia-escola, alfabetização para a comunicação, a leitura crítica dos

meios e os estatutos das relações de ensino-aprendizagem atuais, tais como os dispositivos de

produção, circulação e recepção do conhecimento e da informação.

Nesse mesmo diapasão, Baccega (2001) afirma que o espaço da

comunicação/educação é de convergência de vários saberes, sendo fundamental para a

construção da cidadania. A autora lembra que o ensino de qualidade não é caracterizado

apenas pelo uso das tecnologias, mas pela implantação de projetos adequados e pela inserção

do discente como sujeito crítico na sociedade.

A partir dessas concepções, verificamos a pertinência de caracterizar nossa pesquisa na

interface comunicativa e educativa.

A trajetória metodológica da pesquisa

Essa pesquisa qualitativa foi permeada por várias fases, dentre elas, a pesquisa da

pesquisa2 em Comunicação e Educação, pois, com ela, conseguimos desvelar elementos, tais

como a apropriação dos conceitos e conhecimentos já existentes em relação ao tema proposto.

Para Bonin (2011), a pesquisa da pesquisa é uma prática relevante para o avanço sistemático

1 O termo virtual é usado no sentido de digital, não de algo irreal ou não concreto. Essa terminologia é usada

para designar o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). 2 A pesquisa da pesquisa é a revisita ao que já foi pesquisado e produzido em relação ao objeto em construção,

tranformando-a em elemento ativo na elaboração da nova pesquisa que se realiza.

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do campo da comunicação, pois possibilita a reflexão, a desconstrução, reformulações,

alargamentos em vários níveis. Nesse caso, a pesquisa da pesquisa permite verificar os pontos

fortes e fragilidades nas outras pesquisas, ajudando a sustentar o objetivo maior da nova

pesquisa, ou seja, a construção do conhecimento.

A segunda fase foi constituída pelo trabalho de campo prático, o qual teve início, em

2010, com uma pesquisa exploratória, que desejava ampliar a familiarização com o fenômeno,

bem como uma imersão no contexto para a verificação da exequibilidade da pesquisa, já que

os sujeitos residiam em locais diversos. A pesquisa exploratória serviria como movimento de

aproximação ao objeto de pesquisa para perceber os contornos, especificidades e

singularidades (BONIN, 2011; LOPES, 2006, MALDONADO, 2011).

Para tanto, elaboramos um questionário de perguntas abertas e fechadas que indagava

características do grupo, tais como idade, sexo, profissão, condições de vida e emprego,

acesso à educação e à internet, bem como algumas concepções e percepções dos estudantes

em relação à educação e à vida cotidiana deles. O questionário foi um instrumento de

aproximação com o campo e os sujeitos da pesquisa, gerando uma visão ampla do perfil dos

entrevistados, já que nos possibilitou identificar as condições de produção da pesquisa.

Na análise dos dados dos questionários, foi usado o Statistical Package for the Social

Science - SPSS, um software aplicativo, um pacote estatístico para as ciências sociais, o qual

possui dimensões analíticas e transforma dados em informações. A partir dele, foram feitas as

análises de questões fechadas, as quais apresentaram dados estatísticos analíticos que

possibilitavam a categorização das respostas.

Para aprofundar a compreensão do fenômeno pesquisado, foram realizadas entrevistas,

que foram transcritas e digitadas no banco de dados para serem classificadas e analisadas,

tendo em vista que, conforme Bardin (2000, p. 217), “um dado do discurso é submetido a

certo número de operações de desmembramento e de classificação semânticas, sintáticas e

lógicas simultaneamente”. Essa técnica foi aprofundada com a observação dos sujeitos

pesquisados em ambientes digitais, de modo que, somente com a confluência dessas técnicas,

pudemos capturar o objeto da pesquisa, bem como fortalecer o próprio desenvolvimento

metodológico do trabalho.

Neste texto, apresentamos dados que foram apreendidos nas várias fases da pesquisa e

que apontam elementos relevantes da prática comunicacional/educacional dos discentes na

EaD.

Comunicação e educação no sertão do Piauí

A comunicação, a cultura e a educação são os pontos de partida que se entrelaçam

neste trabalho, bem como na vida do ser humano. Nesta empreitada, a investigação do

processo de comunicação das experiências vividas por sujeitos residentes em pontos distintos

do Piauí3 é geradora de questões pertinentes às apropriações e produções comunicacionais

desses sujeitos, os quais residem em um dos estados mais pobres do Brasil. Nessa perspectiva,

as reflexões aqui engendradas adentram o cotidiano desses atores, cujos aspectos

comunicacionais e educativos são refeitos a partir da inserção no curso superior na

modalidade a distância.

Vale destacar que o público que cursa essa graduação no semiárido piauiense é,

3 O IDH do Piauí, em 2005, foi de 0,703, o 25º do Brasil. Os últimos estados são Maranhão e Alagoas,

respectivamente 26º e 27º. Fonte: PNUD/Fundação João Pinheiro. CEPAL/PNUD/OIT. 2005. Na avaliação

apresentada pelo PNUD 2013, o Piauí ocupou a 24ª posição com IDH de 0,646. Fonte:

http://www.atlasbrasil.org.br/2013/ranking. Acesso em 30 de Agosto de 2013.

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comumente, aquele que reside em pontos longínquos da capital e que vive da agricultura, de

programas assistencialistas ou do serviço público. Assim, aparecem com a idade acima da

média dos ingressantes em graduações presencias, conforme informações do Núcleo de

Tecnologia da Universidade Federal do Piauí – UFPI, como podemos observar no gráfico a

seguir:

Gráfico 1 – Faixa Etária dos Discentes do Semiárido Piauiense

Fonte: Núcleo de Tecnologia da UFPI (2013).

Em conformidade com Peters (2001) e de acordo com o que se confirmou nesse

levantamento (tanto do questionário da pesquisa quanto dos dados do Núcleo de Tecnologia

da UFPI), os estudantes da modalidade a distância são diferenciados em relação à faixa etária,

já que, via de regra, ingressam tardiamente no ensino superior. Além disso, o autor afirma que

as condições da experiência de vida e profissional são maiores como constitutivas de um

estudante que se compromete com a educação de modo diferente. Contudo, destacamos que

esses estudantes têm, na EaD, uma chance para obter a graduação, já que muitos deles

provêm de locais onde não lhes podem ser oferecidos cursos superiores na modalidade

presencial.

Entendemos, dessa forma, que esses sujeitos são inseridos em uma educação via

internet pelo fato de esta ser a única forma de ingresso ao curso superior ou, ainda, por outras

questões que os excluem das salas de aula presenciais. Discorremos, a seguir, sobre o uso e o

acesso semanal ao ciberespaço pelos discentes EaD, participantes da pesquisa, antes e depois

do início da graduação. Os dados aqui apresentados foram resultados dos questionários

aplicados na pesquisa exploratória, que consistia na primeira fase da nossa pesquisa, que nos

permitiu evidenciar que a primeira mudança perceptível ocorreu com o aumento da carga

horária de acessos semanais à internet após a inserção na graduação EaD.

Nesse sentido, começamos a identificar os primeiros sinais do que denominamos como

Contrato de Educação Midiatizada4, o qual, em princípio, impõe a necessidade do aumento da

carga horária do discente no ciberespaço. Constatamos nos questionários que, após o ingresso

4 O Contrato de Educação Midiatizada – CEMid consiste nas práticas comunicacionais compulsórias, requeridas

ao discente da educação a distância, que podem ser percebidas na quantidade de tempo delegado ao processo de

aprendizagem em rede, bem como nos usos e apropriações, comunicacionais e educacionais, ressignificadas a

partir do ingresso na modalidade a distância. Obviamente, tais ressignificações serão, também, percebidas nas

produções comunicacionais/educacionais, bem como nas identidades desses discentes.

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no curso, 75,7% dos discentes passaram a conectar-se à internet por quatro horas ou mais,

quando, anteriormente, apenas 19,7% deles faziam o acesso com essa frequência.

Ressaltamos, ainda, que, antes da EaD, 22,7% dos discentes não usavam a internet,

percentual que desaparece após o ingresso no curso a distância. Em seguida, percebemos que

o percentual de 53% passa acessar cinco horas ou mais de internet por semana, elevando esse

número, que era de 13,6%. Dessa forma, se observarmos os dados, verificaremos que existe

um aumento significativo na quantidade de horas que os estudantes passaram a destinar à

grande rede.

A partir desses dados, vemos que o aluno da EaD passa, compulsoriamente, a integrar-

se cada vez mais aos processos midiáticos, principalmente no caso da Educação a Distância

da UFPI, em que o uso das mídias digitais é o elemento básico dessa modalidade na

Universidade.

Além disso, ao examinar os questionários, pudemos identificar as mudanças nos

modos e objetivos de acesso dos estudantes à internet antes, durante e depois do curso,

posteriormente verificados nas entrevistas e na observação em ambientes digitais. Para tanto,

quando perguntados sobre o que faziam na internet antes e depois do curso EaD, os

participantes da pesquisa apresentaram respostas que destacavam mudanças em determinados

itens da cultura digital, conforme a Tabela 1, a seguir. Para a melhor compreensão, convém

destacar que a tabela foi ordenada decrescentemente em relação ao item que os estudantes

passaram a fazer após o ingresso no curso EaD, o qual ficou situado na primeira coluna; na

segunda coluna, temos o item que apresenta as atividades que os discentes já faziam antes do

curso e, na terceira, as atividades que não faziam antes nem fazem atualmente na internet.

PASSOU A

FAZER

APÓS EAD

JÁ FAZIA NEM FAZIA,

NEM FAZ

Participar de fóruns de

discussão 78,4 18,5 3,1

Participar de conversas em

bate-papos educativos 51,6 25,0 23,4

Elaborar hipertexto 40,0 27,7 32,3

Conhecer outras culturas por

meio de sites 40,0 46,2 13,8

Escrever e passar e-mails 40,0 58,5 1,5

Assistir a vídeos on-line 38,5 53,8 7,7

Ler notícias e informações on-

line 38,5 56,9 4,6

Participar de conversas em

bate-papos 38,5 43,1 18,5

Fazer pesquisas no google 31,3 68,8 0,0

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Criar blogues 31,3 10,9 57,8

Fazer compras em sites 30,8 49,2 20,0

Baixar vídeos e músicas 29,2 50,8 20,0

Participar de comunidades

digitais 26,2 56,9 16,9

Ouvir música 26,2 53,8 20,0

Frequentar redes de

relacionamento 24,6 43,1 32,3

Escrever diários digitais 21,5 12,3 66,2

Postar vídeos on-line 20,0 21,5 58,5

Encontrar pessoas para

relacionamentos de namoro ou

amizade

18,5 56,9 24,6

Tabela 1 – Atividades realizadas na internet antes e depois da EaD

Fonte: Questionário da pesquisa (2010).

A partir dos questionários, mapeamos as atividades realizadas pelos discentes antes,

durante e depois da EaD e detectamos que a maior mudança foi no âmbito comunicacional

educacional, haja vista que 78,4% dos estudantes passaram a participar de fóruns de

discussão, fato que correlacionamos à forma de interação comunicacional/educacional

disposta na plataforma Moodle 2007. Apesar disso, um percentual de 3,1% afirmou que não

fazia nem faz essa atividade, fato que nos permite concluir, pela existência de uma lacuna na

participação desses estudantes, que, de alguma forma, eles burlam a avaliação dos

professores/tutores em relação à participação nos fóruns. Já 18,5% afirmaram participar de

fóruns de modo geral, posto que os fóruns são importantes para o processo educativo, já que

se constituem em um instrumento de aquisição de conhecimento colaborativo no qual o

estudante pode apresentar suas opiniões, pesquisas e questões pertinentes aos conteúdos

desenvolvidos em cada disciplina.

Verificamos, em seguida, que 51,6% dos estudantes, conforme eles próprios relataram,

só passaram a participar de conversas em bate-papos educativos depois do ingresso no curso

EaD. 25% disseram que já participavam de chats antes do ingresso no curso, em contraste

com 23,4%, que não realizavam no passado nem realizam no presente essa atividade.

Conforme se percebe, o bate-papo virtual pode realmente sofrer prejuízo em decorrência das

questões de condições de acesso à internet, de tempo e de lugar que comprometem a

interação, haja vista que os chats são síncronos, sem contar com a sincronização dos tempos

de todos os sujeitos envolvidos no processo.

O terceiro item de maior alteração no modo de fazer digital dos estudantes foi a

elaboração de hipertextos conhecidos por wikis. Nessas atividades, 40% dos discentes

passaram a escrever hipertextos, o que se configura em uma atividade bastante enriquecedora

ao processo de ensino-aprendizagem, pois resulta da interação coletiva e da própria

inteligência coletiva, além de ser um excelente exercício de respeito ao conhecimento

partilhado e colaborativo. Apesar disso, 32,7% dos estudantes não faziam nem fazem esta

atividade, que fica também em um patamar inferior de aplicação no Moodle 2007. Os outros

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27% já haviam construído hipertextos antes da EaD.

Analisaremos agora o item mais praticado pelos estudantes antes de cursarem a EaD,

as pesquisas em sites de busca. Verificamos que 68,8% dos discentes já realizavam pesquisas

no Google, por exemplo. Isso aponta para um fator relevante que caracteriza um uso comum

da internet: a procura por conhecimento e informação. Contudo, um número significativo

(37,3%) só passou a fazer pesquisas a partir da inserção no curso a distância. Mais

interessante ainda foi o fato de que nenhum dos estudantes informou estar fora dessa prática

após o início do curso EaD, o que representa outro ponto relevante, ou seja, que 100% dos

estudantes que responderam aos questionários fazem pesquisas, atualmente, por meio da

internet no âmbito educativo ou não.

O segundo item com maior índice de prática dos estudantes antes do curso na

modalidade EaD foi a de receber e enviar e-mails, já que somente 58,5% dos estudantes

costumavam usar o correio eletrônico como forma de comunicação. Apesar disso, 40% dos

discentes afirmaram que só passaram a enviar e-mails após o início do curso, ao passo que

apenas 1,5% continuam sem utilizar esse serviço. Assim, constatamos que 98,5% dos

estudantes escrevem e mandam e-mails como forma de comunicação, dado que confirma a

relevância do correio eletrônico, já constatada por Druetta (2009). Segundo a autora, os usos

da internet são fundamentalmente instrumentais e relacionados ao trabalho, à família e à vida

cotidiana, sendo o e-mail amplamente empregado para esses fins.

O terceiro item que mais compunha a prática comunicacional dos estudantes antes da

EaD apresentou triplo empate técnico com percentual de 56,9%, a saber: ler notícias e

informações on-line; participar de comunidades digitais e encontrar pessoas para

relacionamentos de namoro ou amizade. Para procedermos ao critério de desempate, usamos

o maior percentual da resposta dos que passaram a executar a prática após o curso EaD.

Assim, com 38,5%, ficou em terceiro lugar a leitura de notícia e informações on-line,

confirmando a ilação da pesquisa de que os estudantes estão sempre buscando informar-se

dos fatos que ocorrem no seu entorno e no mundo.

Em relação ao item que corresponde às atividades não praticadas pelos estudantes nem

antes nem depois do curso, o maior percentual foi de 66,2%, que corresponde a escrever

diários digitais. Embora presente no ambiente Moodle 2007, essa tarefa não parece ser

desenvolvida como atividade de aprendizado, de modo que boa parte dos estudantes

desconhece a sua formatação e utilização. Apesar disso, 21,5% dos discentes afirmaram já ter

escrito diários virtuais após o ingresso no curso a distância. Os 12,3% restantes jamais

produziram um diário virtual.

Após a análise das informações, verificamos que houve, grosso modo, mudanças

significativa nas práticas comunicacionais cotidianas dos estudantes, ou seja, um grupo

passou a desenvolver atividades que nunca haviam praticado; outros transpuseram práticas

comunicacionais para o campo educacional, e parte das atividades foi ampliada. A partir das

respostas recebidas, podemos caracterizar as apropriações comunicacionais e educacionais

desenvolvidas por eles, já que, segundo Leontiev (1978), ao tomarem consciência do uso

comunicacional digital tanto nos processo de aprendizagem quanto nas demais áreas, passam

a apropriar-se desses conhecimentos e a usá-los em benefício pessoal, o que acaba gerando

mudanças culturais e identitárias nos sujeitos. Compreendemos identidade aqui como aquela

culturalmente construída pela ligação que estabelece com as identidades coletivas,

produzindo sentidos e referências (HALL, 2005; BAUMAN, 2005).

O que se percebe é que os estudantes dão indício de mutação para a identidade

discente híbrido-cultural (HALL, 2005), uma categoria discursiva, pois não é caracterizada

biologicamente, mas sim organizadora das formas de comunicar, expressar, dos sistemas de

representação e práticas sociais, dentre as quais a comunicativa/educativa.

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Aprendizagem significativa em ambiência digital

Durante a pesquisa, descobrimos que os estudantes de EaD, após a incursão no mundo

educativo digital, passavam também, considerando esse novo existir, a ser produtores de

materiais digitais didáticos. Nessa conformidade, como asseverado por Canclini (2008, p. 37):

Exalta-se a criatividade nos novos métodos educacionais, nas inovações

tecnológicas e na organização das empresas, nas descobertas científicas e em

sua apropriação para solucionar necessidades locais. A pedagogia comum e

os cursos de reciclagem fomentaram a criatividade, a imaginação e a

autonomia para recolocar-se num tempo de mudanças vorazes.

À vista disso, examinaremos agora as produções das estudantes matriculados no curso

e que estudam no polo de Inhuma – PI, um dos municípios piauienses em que há turma do

curso e no qual uma das estudantes de pedagogia, por exemplo, criou um blog que divulga as

atividades realizadas em cada uma das disciplinas estudadas. Dentre as postagens, figuram os

slides usados nos seminários ministrados pelos estudantes de todas as disciplinas cursadas no

período, bem como os projetos elaborados ao longo do curso, planos de estágio e outros

materiais didáticos. Essa prática da estudante (re)significa os modos de aprender, já que a

discente foi educada na cultura de ensino presencial e passa, na ocasião, a ser produtora,

trabalhando na construção colaborativa dos conteúdos a serem socializados no Moodle 2007 e

no blog, apontando para a criatividade e a imaginação necessárias aos novos tempos. O

interessante nisso é que ela, ao aprender/se apropriar, passou a ensinar, pois produziu

conhecimento que foi divulgado e, certamente, servirá de fonte de aprendizado a outras

pessoas que buscarem algum dos temas trabalhados nas disciplinas do curso.

Figura 1 – Blog de discente do curso de pedagogia

Fonte: Disponível em pedagogiainhuma.blogspot.com. Acesso em 12.04.15.

Vale destacar que a discente que gerencia o blog não tinha familiaridade com o uso da

internet antes de iniciar o curso a distância, conforme relata a estudante “Blogueira” em uma

entrevista concedida para este trabalho: “Antes da EaD, eu não sabia de nada de net; morava

numa cidade que só acessava pagando, lá em São José. Aqui em Inhuma, temos net de

graça”.

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A partir da inserção à nova tecnologia, a “Blogueira de Inhuma” migrou para outras

formas de comunicação e divulgação os conhecimentos pedagógicos, artesanais,

aprendidos/produzidos ao longo da sua jornada de estudante. A propósito, no dia em que

concedeu-nos a entrevista, ela realizava uma filmagem sobre a teoria piagetiana do

desenvolvimento infantil, que seria apresentada em seminário e, posteriormente, postada, por

ela, no YouTube: “Estamos gravando um filme para nosso seminário sábado. No filme,

representaremos os estágios da teoria cognitiva de Piaget. Nós seremos as crianças,

narradores, roteiristas, cinegrafistas etc. Imagine o tamanho das crianças!”

Figura 2 – Créditos do filme “Teoria Piagetiana” do Curso de Pedagogia.

Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=xEQU4g4MH8c. Acesso em 12.04.15.

A filmagem foi dividida em seis vídeos; os quatro primeiros dramatizavam os estágios

operacionais de Piaget. O quinto vídeo continha os créditos do filme e o último era o making-

off das filmagens. A caracterização das discentes apresenta traços distintos da identidade

nordestina, a saber: as roupas são tipicamente interioranas e o boneco da criança de dois anos

era um bebezão negro; as expressões usadas no texto também têm características de

“nordestinês”, destacando as origens das estudantes. Isto revela a existência de uma forte

imbricação entre a identidade das alunas, já que elas mantêm, nas postagens, traços da sua

cultura, lançando-os na rede. Assim como este, são diversas as socializações de

aprendizagem dos discentes EaD do sertão piauiense que expressam posicionamento político,

conforme podemos perceber, por exemplo, na postagem da discente do curso de Biologia de

Simões, outro município do semiárido do Piauí.

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Figura 3 – Post da discente EaD em protesto à Presidência da Comissão de Direitos Humanos

Fonte. http://www.facebook.com/photo.php?fbid=504808706241820&set=a.3192229

64800396.73299.319213451468014&type=1&theater. Acesso em 03/04/15.

A partir do ingresso no curso e com base no uso das tecnologias a que têm acesso e

que são requeridas nas atividades das disciplinas, os alunos passam a produzir diversos

trabalhos, como o da figura acima, em que são ativados os conhecimentos exteriores ao texto,

por meio da imagem do Trapalhão, para construir o humor e, ao mesmo tempo e

principalmente, fazer um protesto à Presidência da Comissão de Direitos Humanos, na pessoa

do deputado Marcos Feliciano, o qual “não representa” o personagem da foto, representando,

assim, os alunos do curso que comungam da mesma opinião de não aceitar as ideias do

pastor-deputado frente à comissão em discussão.

Considerações finais

Em relação às apropriações comunicacionais e educacionais dos estudantes EaD,

identificamos, a partir das observações, dos questionários e das entrevistas, a participação em

fóruns de discussão, bate-papos educativos, elaboração de hipertextos, visitas a outras

culturas por meio de sites, despachos de e-mails, postagem de vídeos na internet, leitura de

notícias e informações on-line, pesquisas em sites, criação de blogs, entre outras. Isso aponta,

claramente, para o fato de as mediações exercidas pelos meios, especificamente a internet,

estarem produzindo novas formas de agrupar, identificar, pertencer, agir, comunicar e

aprender.

Ainda sobre as apropriações, verificamos que os discentes extrapolam o ambiente

digital de aprendizagem, em busca de socialização do conhecimento, passam a produzir blogs

com conteúdos educativos, vídeos no YouTube, visando divulgar o que aprendem. Ademais,

apresentam posicionamentos políticos, estéticos e éticos.

Detectamos, durante a pesquisa, que os discentes usavam a rede para as novas formas

de aprendizagem, avaliação e socialização de conhecimentos adquiridos.

Destacamos que duas apropriações, em especial, que totalizaram ser praticadas por

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98,5% e 100% dos discentes, foram, respectivamente, o uso de e-mail e a realização de

pesquisas em sites, sendo que esse índice (quase o total de discentes pesquisados) só foi

alcançado após o ingresso no curso EaD. Um resultado como esse mostra que as formas de

comunicação digital ganharam importância decisiva no cotidiano desses estudantes após a

graduação nessa modalidade de ensino.

Por fim, descobrimos que as apropriações extrapolaram o âmbito educativo, passando

para outros campos, como as formas de comercializa/comprar/vender passaram a ser

realizadas pela internet, quando os estudantes perceberam as facilidades de compra e os

menores preços dos produtos, embora alguns ainda tivessem receio em usar esse tipo de

transação pela falta de confiança no processo comercial midiatizado. Outra prática realizada

também com certo receio foi a dos discentes usarem a internet para encontrar

relacionamentos pelas redes sociais, apesar de um pequeno grupo ter afirmado levá-los a

efeito.

Referências

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BACCEGA, M. Comunicação/Educação: conhecimento e mediações. In: Comunicação e

Educação. ECA/USP. V.07, nº20, jan/abr. 2001.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Tradução de Luis Antero Reto e Augusto

pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2000.

BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi/ Tradução: Carlos Alberto

Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

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Interações temporais na era da convergência:

perspectivas das Gerações Y e Z nas redes sociais digitais

Álvaro Nunes Larangeira Pós-doutor em Jornalismo pela Universidade de Coimbra. Doutor em Comunicação pela PUCRS. Docente do

PPGCOM da Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: [email protected]

Moisés Cardoso Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens PPGCOM/UTP; Mestre em

Desenvolvimento Regional PPGDR/FURB; pós-graduado em Novas Mídias FURB. Publicitário formado pela

FURB. Jornalista formado pelo IBES/Sociesc; atualmente é professor nos cursos de Publicidade e Propaganda

da FURB e FAMEG.E-mail: [email protected]

Alexandre Artur Kumm Bacharel em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda FURB.

E-mail: [email protected]

Resumo

O advento das redes sociais digitais influenciou diferentes aspectos do cotidiano dos consumidores.

Nessas plataformas é possível gerar uma riqueza prodigiosa de interações temporais por parte das

empresas e clientes. O presente estudo tem o objetivo de analisar as interações temporais

desenvolvidas pelas gerações Y e Z a partir de seis categorias classificatórias: Passatempo,

Promocional Corrida Cartoon, Promocional Jogos Online, Apropriação de Conteúdo, Institucional/

Promocional Canal, Atualizações de Capa e Informativo Corrida Cartoon. Utilizou-se o método

bibliográfico para realizar um levantamento teórico dos conceitos que envolvem a temática e

posteriormente uma pesquisa descritiva para análise da página do canal Cartoon Network Brasil na

rede social Facebook, sob a perspectiva de como os usuários das gerações Y e Z, se comportam no

ambiente digital. Os resultados apontam que as interações temporais na era da convergência como

um processo de evolução do veículo de comunicação, juntamente com a modificação no

comportamento do público receptor.

Palavras-chave

Interações, Comunicação, Redes Sociais, Mídias Digitais.

Abstract

The advent of digital social networks influenced different aspects of the daily lives of consumers. These

platforms can generate a prodigious wealth of temporal interactions by companies and customers.

This study aims to analyze the temporal interactions developed by the Y and Z generations from six

qualifying categories: Hobby, Promotional Race Cartoon, Online Promotional Games, Content

Ownership, Corporate / Promotional Channel, Cape Updates and News Race Cartoon . We used the

literature method for performing a theoretical survey of concepts involving the theme and then a

descriptive research to analyze the Cartoon Network Brazil channel page on the social network

Facebook, from the perspective of how users of generations Y and Z if They behave in the digital

environment. The results show that the temporal interactions in the convergence era as a process of

evolution of the means of communication, along with the change in the target public's behavior.

Keywords

Interactions, Communication, Social Networks, Digital Media

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Introdução

O advento da internet transformou o mercado e suas operações ao longo dos últimos

anos. Novas possibilidades de comunicação e comércio surgiram e, a cada dia, mais

oportunidades continuam a aparecer vindas desta mídia. A conexão de uma sociedade é o

resultado da difusão de suas redes, mas especialmente, da sua utilização a partir de interações

entre novos paradigmas tecnológicos e a sociedade como um todo (CASTELLS e

CARDOSO, 2005).

Vale a pena destacar que o conceito de redes sociais, tem sua origem antes da internet,

que consiste em um conjunto de relações concretas entre as pessoas, capazes de vincular um

indivíduo aos outros. Entende-se então, que as redes sociais funcionam como elos que

interligam pessoas por meio de conexões já existentes, podendo ser elas gostos, habilidades,

conhecimentos, entre outros. Uma rede social consiste em um conjunto formado por dois

elementos: os atores formados por pessoas, grupos ou instituições e as suas próprias

conexões, definidas como laços sociais. Estes laços são compostos por relações sociais, as

quais são possíveis por meio da interação social, sendo capazes de causar um reflexo

comunicativo entre o indivíduo e seus respectivos pares. (BARNES, 1987 e RECUERO,

2009).

As redes sociais digitais são fundamentalmente diferentes de qualquer mídia

tradicional por causa de sua estrutura e natureza igualitária, tornando-se estratégicas para a

gestão da imagem das organizações. A fim de construir e manter a influência na mídia social,

uma marca precisa identificar e atrair um grupo de usuários que se envolvam com a marca. As

interações temporais atribuem papéis sociais dentro de uma rede que permite influenciar as

percepções de outros usuários. A comunicação publicitária tende a incorporar algo com o qual

não estava acostumada: a comunicação entre os consumidores. Não apenas a comunicação

direcionada ao consumidor é necessária, mas onde estes passam a ter a marca como um

veículo de interação entre a empresa e o mercado (CARVALHO, 2011).

As interações temporais dentro das plataformas digitais passaram a desenvolver uma

nova dinâmica com o surgimento da web 2.0 e também dos sites de redes sociais, que

significam uma grande mudança na relação existente entre os consumidores brasileiros, as

marcas e a forma com que estas se comunicam. A comunicação publicitária evolui dos

modelos um a um e um a muitos para o modelo de muitos a muitos.

Imersos nas redes sociais e seguidores de modismos e consumidores fiéis às marcas,

os membros da Geração Y cresceram em meio a grandes avanços tecnológicos. Os meios de

comunicação em conjunto com o volume avançado de informação, facilitaram para que

ficassem conectados 24 horas por dia. Por outro lado, a Geração Z, inserida à tecnologia

desde que nasceu e com a característica de ser capaz de executar múltiplas funções ao mesmo

tempo, apresenta grande favoritismo por produtos e marcas sustentáveis, uma vez que já

tomaram conhecimento de que eles irão sofrer as consequências causadas pelo uso indevido

dos recursos naturais pelas gerações passadas (TRINDADE; FESTA; CLARO, 2013).

Compreender as interações temporais destas gerações torna-se importante porque a

mensagem precisa ser recodificada pelos veículos para ser decodificada pelo consumidor de

um determinado conteúdo, exigindo assim rearticulação dos produtores de conteúdo, em

função dos avanços tecnológicos possibilitados através da evolução da conectividade humana

através da internet,

Ao analisar os estudos a respeito das interações em redes sociais digitais, convergência

e a respeito das gerações Y e Z é possível identificar diferentes autores que consolidam a

importância do tema. Quanto ao marco teórico empregado a fim de compreender o fenômeno

estudado, destacamos Ceretta e Froemming (2011); Filho e Lemos (2009); Jenkins (2009);

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141

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Jenkins, Ford e Green, (2014); Levy (2007); Primo e Recuero (2003).

O presente estudo visa aprofundar tal discussão e tem o objetivo de analisar as

interações temporais desencadeadas pelas gerações Y e Z, no ambiente digital midiático, a

partir das categorias classificatórias detectadas na página na rede social Facebook, do canal de

televisão infantil Cartoon Network Brasil (CNB)

Utilizou-se como aporte teórico-metodológico a referência de Caseiro e Barbosa

(2011), que aborda uma divisão dos conteúdos por tipologia, apresentados em quadros para

melhor visualização e compreensão das estratégias de Social Media Marketing adotadas pelas

marcas. As categorias definidas foram divididas em “Publicidade / Serviços / Campanhas”,

“Informação” e “ofertas / Concursos / Passatempos”. Posteriormente subdividiram a maneira

como os fãs se relacionam com a página por meio de quatro categorias, para assim, relacionar

interações e publicações estabelecidas nas páginas. São elas: “Pedidos / Dúvidas”, “Informal”,

“Respostas a Passatempos / Concursos” e “Reclamações”.

Estruturou-se o artigo em quatro seções: Introdução, Marco Teórico, que aborda os

desdobramentos tecnológicos e características dos atores sociais que compõe essa

investigação; Metodologia, Apresentação e Discussão dos Resultados e Considerações Finais.

Marco teórico

No decorrer da década passada visualizou-se uma ampliação do conjunto de tecnologias

móveis digitais. Como as redes sem fio, que são compostas pela característica de velocidade e

de abrangência, entre outras especificidades e diferenciações entre elas; e ainda as redes Wi-

Fi, 3G, 4G (terceira e quarta gerações) e Blutooth, que logo foi absorvido pela publicidade e

imprensa. Hoje, a cidade informacional do século XXI encontra na cultura da mobilidade o

seu princípio fundamental: a mobilidade de pessoas, objetos, tecnologias e informação sem

precedente (FILHO e LEMOS, 2009).

Existe uma mudança de paradigmas ocorrendo nos mercados midiáticos muito

similares a outras já vivenciadas pela sociedade, como a retórica da revolução digital na

década de 1990, no qual se argumentava a possibilidade dos novos meios de comunicação

substituírem os antigos, que a internet substituiria a radiodifusão e que tudo isso permitiria

aos consumidores acessar mais facilmente o conteúdo que mais lhes interessasse (JENKINS,

2009).

Muitas das novas empresas se referiam a convergência, de modo a acreditar que os

antigos meios de comunicação seriam substituídos pelas tecnologias emergentes. Um

paradigma da revolução digital juntamente com as previsões feitas em épocas analógicas, no

qual acreditava-se que as tais "novas mídias" substituiriam as "antigas". A convergência

argumentava que novas e velhas mídias estariam cada vez mais conectadas através da

interação de um com o outro (JENKINS, 2009).

O processo de convergência digital se resume a junção dos meios midiáticos através

do foco adotado pelas empresas quanto a produção e consumo de conteúdo cultural, no qual

rádio, televisão, música, livros, revistas, notícias e internet estão interligados. Devido a

convergência digital desses meios, são reorganizados os modos de acesso aos bens culturais e

às formas de comunicação (CANCLINI, 2008). Em a “Cultura da Conexão”, Jenkins, Ford e

Green (2014) apontam para uma modificação de paradigma que ocorreu na mídia, que passa

de uma mentalidade gerida pela lógica da radiodifusão, que dominou todo o século 20, para

uma nova proposição que consente e estima o engajamento das audiências.

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Geração Y

Seguidores de modismos e consumidores fiéis às marcas, os membros da Geração Y

cresceram em meio a grandes avanços tecnológicos. Os meios de comunicação em conjunto

com o volume avançado de informação, facilitaram para que ficassem conectados 24 horas

por dia. O crédito fácil juntamente com sua renda positiva, fez com que se tornassem uma

geração com baixa preocupação ambiental. (TRINDADE; FESTA; CLARO, 2013).

A respeito da maneira como os membros desta geração levam a vida e expressam seus

hábitos e costumes, Lombardía, Stein e Pin (2008) mencionam que são oriundos de famílias

pequenas, com poucos filhos, nas quais suas mães tentam combinar os lados profissional e

pessoal da vida enquanto assumem empregos fora de casa. As crianças crescem assistindo a

televisão e utilizando os computadores de seus pais ou irmãos mais velhos, o que faz com que

a tecnologia se torne uma de suas aliadas. Para Filho e Lemos (2008), as novas tecnologias

utilizadas pelos jovens nas mais diversas situações como cursos e lazer, são responsáveis por

lhes proporcionar experiências de comunicação nunca antes vistas. Sendo capaz de causar

uma possível mudança em seu comportamento, podendo alterar também seu método de

aprendizado e a maneira como se relacionam com as atividades rotineiras.

Sites como Google, YouTube, entre outros, como exemplos atuais de páginas

desenvolvidas por jovens com caráter microempresário em um curto período de tempo, e que

já igualam suas façanhas aos parâmetros financeiros traçados por Gates e Jobs. Jovens como

estes se tornam responsáveis por indicar uma nova maneira de se relacionar com o trabalho,

no qual o ambiente despojado e a autonomia na rotina de trabalho, ocupam o lugar do trabalho

sedentário. (FILHO; LEMOS, 2008).

Em essência, a Geração Y possui cum conjunto de valores que foram se estabilizando

ao longo dos últimos anos, originando indivíduos com um olhar diferenciado da sua realidade,

no campo profissional e nas relações interpessoais Lipkin e Perrymoe (2010); Liu et al.

(2013); Nursair, Bilgihan, Okumus e Cobanoglu (2013); Oliveira (2010) entre outros.

Geração Z

A Geração Z ou Geração Pontocom, diz respeito a atual população de jovens e

adolescentes, nascidos a partir da década de 1990. Filho e Lemos (2008) destacam como a

facilidade destes jovens em lidar com as tecnologias digitais afetou não só a si mesmos, mas

também a vida em família. Agora são os jovens da Geração Z que ensinam os adultos a

navegar na internet e realizar outras atividades, são capazes de fazer download de arquivos,

instalam programas e se responsabilizam pela segurança do computador.

Esta nova geração de jovens e crianças, mais conhecida como Geração Z, terminologia

originária da palavra zapping, os autores afirmam com base em seus estudos, que este

segmento possui como uma de suas principais características o contato desde cedo com a

tecnologia e seus dispositivos em constante evolução, no qual estes são responsáveis por

direcioná-los para um estilo de vida completamente distinto daquele vivido pelas gerações

anteriores (FILHO e LEMOS, 2008).

Segundo Ceretta e Froemming (2011), este grupo de indivíduos pode ser caracterizado

como consumista, uma vez que o consumo e o ato de fazer compras faz parte de sua rotina

enquanto procura a autoafirmação e a valorização de seu status perante os amigos. Estão

ligados às tendências e todas as inovações tecnológicas, o que consequentemente atrai o

interesse de diversas organizações. Valores como beleza e juventude são muito valorizados

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

por esta geração, na qual a moda é um dos principais canais que utilizam para se expressar

através das tendências. Roupas, acessórios, lanches, cosméticos e tênis, são os produtos e

serviços entre os mais adquiridos por estes jovens que investem sua renda em transações de

consumo diário, com moda e vaidade. A capacidade de exercer múltiplas funções ao mesmo

tempo é característica deles. Conforme explicam Ceretta e Froemming (2011), o jovem Z é

envolvido por todo tipo de mídia, ferramenta e tecnologia que possa transferir informações.

Interações temporais

O termo "inteligência coletiva" desenvolvido por Levy (2007), retrata a inteligência

coletiva como o conhecimento que se encontra distribuído pelas mais diversas partes. Este se

faz de valor, organizado e estruturado em tempo real e gera uma movimentação dos

indivíduos competentes a determinado assunto. Não cabe aos seres humanos a capacidade de

ter conhecimento pleno de tudo, portanto juntam suas referências e habilidades.

Além da inteligência coletiva, deve-se considerar também a inteligência distribuída,

como fruto da convergência. Esta se faz possível por meio dos diversos canais de informação

e das novas ideias, possibilitadas através da interação oriunda da evolução tecnológica

(BEIGUELMAN, 2010). Aspectos culturais e sociais vindos da interação e comunicação são

o que caracterizam a abrangência da cultura da convergência, o qual é capaz de atingir até

fatores mercadológicos e criativos.

Entretanto, todos esses aspectos somente são possíveis através do desenvolvimento

tecnológico e quando distribuídos nas mídias. Avanço este no incremento de mídias digitais,

fora responsável pela transformação do processo de comunicação existente. Anteriormente

este procedimento se dava por meio de um conteúdo produzido por poucos, mas transmitidos

para muitos. No desenvolvimento atual da comunicação, há uma potencialização aos acessos

às informações culturais (FACCION, 2010).

Hoje, uma base de fãs e seguidores não se restringe ao simples papel de consumidor

passional, frente a um conteúdo atrelado a lógica da mídia tradicional. Eles têm proatividade,

discutem, reagem, espalham seus interesses e críticas pelas diferentes modalidades midiáticas.

Querem ser ouvidos, atendidos e muitas vezes recompensados pelo engajamento (JENKINS,

FORD e GREEN, 2014). Mas não cabe se aprofundar na temática e descrever os modos como

a midiatização atua no que ocorre com a comunicação quando sujeitos, instituições e

organizações utilizam a mídia. É necessário apenas aceitar neste contexto que a sociedade e a

cultura como um todo dependem de uma mídia específica (KROTZ e HEPP, 2011, p.123).

Neste sentido podemos definir as interações temporais e a midiatização como um o

conceito utilizado para analisar as inter-relações de longo prazo entre a mudança da mídia e

da comunicação, por um lado, e a mudança da cultura como conhecemos até o presente

momento de espaço e tempo e da sociedade moderna que se reconfigura de diferentes formas

de uma maneira crítica (HEPP, 2014).

Redes sociais digitais

Uma rede social não se estabelece pela conexão tecnológica ela rata-se de um processo

emergente que mantém sua existência através de interações entre os envolvidos (PRIMO,

2007). Neste sentido ela diz respeito às conexões interpessoais, estabelecidas ou não por

plataformas digitais, no qual estas conectividades assumem o propósito de otimizar a

resolução de problemas, compartilhar conhecimento e estabelecer novas ligações entre

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pessoas. Os autores completam ao afirmar que, estas relações são frutos da identificação dos

usuários uns com os outros, através de ideais, vontades, objetivos entre demais fatores em

comum que estes venham a possuir. Assim sendo, se agrupam e compartilham informações,

conhecimentos e desejos similares (WENGER, TRAYNER e LAAT, 2011).

Redes sociais são serviços baseados na web que permitem aos indivíduos construir um

perfil público ou semi-público em um sistema limitado. Estes sites permitem ainda, a

articulação de uma lista de outros usuários dos quais compartilham de uma conexão,

visualizando e atravessando a lista de conexões destes e de outros que utilizem o sistema.

Sendo capaz de mudar o comportamento e a maneira como as pessoas se relacionam umas

com as outras, as redes sociais digitais são descritas como um dos meios de comunicação em

maior ascendência ao redor do mundo. Expõe em sua definição, uma estrutura social

composta por pessoas ou empresas, interligadas por dependências mútuas de parentesco,

afinidade, amizade, entre outras ligações (GABRIEL, 2010).

No âmbito empresarial podem ser entendidas através de ações exercidas pelas

empresas, para se conectar de forma comunicativa, com os consumidores. Mas deve-se ter

cuidado ao posicionar uma empresa ou marca neste ambiente digital, e pode resultar em

consequências devastadoras para a mesma, por isso estar apenas presente não se faz suficiente

(HENRIQUES, 2013). Cabe aos profissionais atuantes desta área estar e preparar esta

migração e atuação de forma planejada e eficiente.

Metodologia

Caracteriza-se a presente pesquisa como de natureza básica, com abordagem qualitativa. Sob

o ponto de vista do objetivo, consiste em uma pesquisa exploratória, pois visa proporcionar

maior familiaridade com o problema. Quanto aos procedimentos técnicos, o trabalho e

referente a uma pesquisa bibliografica acerca dos temas: Geração Y e Z, interações temporais

e redes sociais digitais.

O estudo da página na rede social Facebook, do canal de televisão infantil Cartoon Network

Brasil (CNB) é classificado como um procedimento tecnico de estudo de caso, orientado por

avaliacoes qualitativas. Selecionou-se a fan page em questão por se tratar de um assunto

recente e em ascendência, o qual agrega de forma positiva as diversas áreas de estudo da

comunicação, incluindo os hábitos e comportamentos do consumidor, as mídias sociais e

digitais. As Gerações Y e Z, jovens que possuem desde sua infância um contato total ou

parcial com a internet e as tecnologias digitais. Nascidos respectivamente entre os anos de

1977 à 1988 e 1989 à 2010, em diante (CERETTA; FROEMMING, 2011).

A coleta de dados teve como finalidade categorizar informacoes sobre as interações na fan

page no Facebook, atraves de análise das postagens na comunidade entre agosto de analisar e

categorizar todas as 27 publicações realizadas durante o período de análise estabelecido,

sendo este de 17 de julho a 14 de setembro de 2013. Durante o período de 60 dias analisados

por meio de 27 postagens, foram geradas 27.536 interações vindas de fãs.

Destaca-se a importância de afirmar os termos "visíveis" neste momento do estudo. Devido às

opções de privacidade que a rede social Facebook disponibiliza para seus usuários, no qual

cada pessoa pode definir que o conteúdo publicado em forma de texto, vídeo ou imagem seja

visível somente para determinadas redes de amigos, ou estendam-se somente para pessoas

ligadas a estas amizades, muitos dos comentários não estavam disponíveis para visualização

pública, impossibilitando assim a análise de todos os comentários realizados. Após a análise

completa do objeto de estudo, é possível avaliar o impacto que os comentários visíveis ou

não, geraram para os resultados desta pesquisa.

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Numa primeira etapa foram analisados unitariamente todos os comentários visíveis dispostos

em cada publicação para posterior classificação teórico-metodológica.

O quadro a seguir, demonstra a quantidade exata de comentários visíveis dispostos em cada

publicação gerada pela marca, agrupados de acordo suas categorias.

Categorias Total de Comentários Visíveis

Passatempo 3.186

Promocional Corrida Cartoon 2.378

Promocional Jogos Online 332

Apropriação de Conteúdo 110

Institucional / Promocional Canal 88

Atualizações de Capa 70

Informativo Corrida Cartoon 69

Quadro 01: Total de comentários visíveis por categoria

Fonte: Elaborado pelos autores.

A partir de um recorte teórico-metodológico de Caseiro e Barbosa (2011), foram

definidas 6 tipologias para que cada comentário pudesse ser agrupado e relacionado com a

categoria das publicações analisadas. São elas:

Interações estimuladas e espontâneas: nesta tipologia foram agrupados todos os

comentários que interagiram diretamente com o conteúdo proposto pela publicação. Estas

interações podem ser uma resposta direta a um questionamento feito por parte da página em

sua publicação, ou um simples comentário espontâneo demonstrando o fanatismo por um

personagem relacionado a imagem do conteúdo publicado.

Marcações/ interações entre usuários: nesta tipologia foram agrupados todos os

comentários que indicam a interação entre os usuários, por meio do recurso disposto pelo

Facebook que permite às pessoas divulgarem qualquer conteúdo diretamente no perfil pessoal

de outros usuários listados em sua rede de amizades, através da marcação do nome deste

indivíduo na publicação. Nesta tipologia, também foram consideradas todas as outras

interações realizadas entre usuários no campo de comentários da página, no qual muitas vezes

usuários acabam por contribuir a questionamentos feitos entre si ou mesmo para a página.

Questionamentos: foram agrupados todos os questionamentos feitos por parte dos

usuários para a página. Vale ressaltar que, uma das principais técnicas adotadas pela fan page

para incentivar a interação do público, se faz por meio de questionamentos aos mesmos.

Contudo, em nenhum momento durante o período analisado, houve qualquer contrapartida

dos administradores da página em responder aos questionamentos feitos pelos internautas.

Reclamações: no decorrer da análise dos comentários, percebeu-se a maneira como

muitos jovens acompanham e interagem com a página do canal Cartoon Network tanto para

expressar seu fanatismo e favoritismo pela programação e conteúdos dispostos, como também

o utilizam em forma de púlpito, para expor suas opiniões mesmo que negativas a respeito do

canal. Do mesmo modo, por meios destas reclamações os internautas esperam por explicações

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ou soluções dos problemas abordados. Nesta categoria, todas as reclamações expostas e sem

respostas foram agrupadas. A figura a seguir exemplifica a forma como estes jovens se

expressam por meio da página.

Sugestões: foram agrupados todos os comentários nos quais, diferentemente das

reclamações, os usuários interagiam com o canal por meio da exposição de ideias e

complementos, vistos por estes como melhorias para o conteúdo apresentado. Infelizmente, é

necessário ressaltar que novamente estas expressões capazes de estreitar as relações entre o

canal e seus fãs, foram totalmente desconsideradas por parte dos administradores da página.

Este fato pode gerar uma futura inibição por parte dos usuários, ou mesmo uma rejeição

destas gerações que não se contentam mais com a posição de telespectador, mas sim de

produtor de conteúdo.

Spam: Por fim, para agrupar e separar todos os comentários nos quais o conteúdo fazia

referência a outras páginas ou conteúdos, sem qualquer nexo com a temática apresentada pela

página do canal Cartoon Network. Compreende-se este tipo de ação, como uma maneira

encontrada por outras páginas e/ou usuários de tirar vantagem da grande quantidade de

usuários reunidos em função da página em estudo, para transferir sua atenção para outro site,

página do Facebook ou demais ações impertinentes.

Apresentação e discussão dos resultados

A partir da análise individual das categorias de publicações e tipologias dos

comentários, este capítulo fará uma reflexão geral sob os dados resultantes destas análises,

relacionando-os com as teorias abordadas no decorrer da fundamentação teórica do presente

trabalho.

Primeiramente, é importante ressaltar a validade da análise das tipologias de

comentários ainda que não estivessem disponíveis todas as informações mencionadas neste

campo de interação, uma vez que o ranking das categorias não sofreu grandes alterações. A

ordem das categorias de maior relevância na hora de incentivar o público a interagir se

manteve estática, com exceção das duas últimas listadas como "Informativo Corrida Cartoon"

e "Atualização de Capa", que inverteram suas posições pela diferença de apenas um

comentário, o qual é naturalmente compensado pelos demais campos de interação

mencionados no início da análise.

O quadro a seguir apresenta o ranking geral do total de interações por categoria de

publicações:

Categorias Total de Comentários Visíveis

Passatempo 16.723

Promocional Corrida Cartoon 4.885

Promocional Jogos Online 2.203

Apropiação de Conteúdo 1.174

Institucional/ Promocional Canal 1.115

Informativo Corrida Cartoon 726

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Atualizações de Capa 710

Quadro 02: Ranking total de interações por categoria de publicações

Fonte: Elaborado pelos autores.

Para compreensão da análise total da pesquisa realizada, também se faz importante à

apresentação do quadro geral do ranking de comentários visíveis por tipologia.

Tipologia Total de Comentários

Interações estimuladas e espontâneas 5.888

Spam 128

Marcações/Interações entre usuários 116

Questionamentos 47

Reclamações 36

Sugestões 18

Quadro 03: Ranking total de interações por categoria de publicações

Fonte: Elaborado pelos autores.

Através da análise realizada, fica evidente que a categoria de publicações

"Passatempo" exerceu maior influência sobre os jovens em ênfase neste estudo, o qual gerou

um total de 16.723 interações durante o período analisado. Assim, torna-se possível relacionar

o público aqui em análise aos estudos apresentados pela agência Linea (2013), o qual afirma

que passatempos estão em primeiro lugar no ranking de interesse dos jovens que acessaram o

Facebook em 2012.

Através da relação entre estes dados, pode-se afirmar o pensamento apresentado por

Tapscott (1999), no qual o autor pondera que, de forma contrária ao que muitos pensam, as

crianças estão utilizando a internet para executar tarefas similares as que sempre o fizeram

como brincar, aprender e até se relacionarem com seus amigos. Vale destacar aqui que, entre

todos os comentários visíveis desta categoria, além das interações estimuladas e espontâneas

que representaram a maior parte das interações, esta categoria também foi responsável por

estimular 40 comentários que puderam ser agrupados sob a tipologia “Marcações/Interações

entre Usuários”.

A categoria “Promocional Corrida Cartoon”, foi à segunda categoria com o maior

número de interações apresentadas. Esta foi responsável por estimular o total de 4.885

interações. Este resultado mostra a relevância do conteúdo divulgado nesta categoria, o qual

serviu de base para definição do período de análise da pesquisa. Através das informações aqui

coletadas, afirma-se a relevância da plataforma Facebook para a divulgação do evento

“Corrida Cartoon”, o qual, este foi o segundo conteúdo de maior influência sobre os usuários

da rede, na hora de estimular a interação. Ainda na categoria a principal tipologia de

comentários constatada foram as “Interações Estimuladas e Espontâneas”. Justifica-se o

destaque desta tipologia, devido ao posicionamento adotado pelas publicações, os quais

faziam perguntas diretas aos internautas que as respondiam neste campo de interação

oferecido pela rede social.

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Para confirmar a importância de publicações como esta, que visam se comunicar com

os internautas ao invés de apenas informar, basta citar Tapscott (1999, p. 03), “eles querem ser

usuários não apenas espectadores ou ouvintes”. O autor também afirma que a prática da

colaboração uma forte característica da Geração Z. A troca de informações,

compartilhamentos e opiniões define o perfil desta geração. (TAPSCOTT, 2010).

As publicações categorizadas como “Promocional jogos Online”, aparecem em

terceiro lugar entre as categorias definidas. Das 2.203 interações geradas a partir destas

publicações, a maior parte dos comentários visíveis está relacionada a interações estimuladas

ou espontâneas, de forma similar as demais tipologias descritas anteriormente. Ressalta-se

como característica destas publicações, a prática da convergência midiática realizada pelo

canal Cartoon Network. Neste caso, visualizada por meio da apresentação e divulgação dos

jogos onlines, dispostos no site do canal. Conforme menciona Canclini (2008), a cultura da

convergência é capaz de modificar a maneira como os internautas interagem com as mídias.

Esta, influencia seus hábitos de leitura, a maneira como assistem às informações e navegam

na internet.

Ainda em análise aos comentários constatados nesta categoria de publicações,

destacaram-se também os comentários enquadrados como “Reclamações”. A partir de

publicações que apresentavam novas plataformas de interação, a margem para reclamações

foi aberta e negativamente constatada. Os internautas relatavam problemas ao se conectar com

estas novas plataformas apresentadas nas publicações, no entanto, não foi constatado retorno

da página para solução ou esclarecimento destas adversidades. Destaca-se neste momento, a

importância da velocidade das respostas exigida de forma instantânea, como característica

desta geração. (TAPSCOTT, 2010).

Por permitirem aos usuários um relacionamento ainda mais profundo com os

personagens do canal Cartoon Network, justifica-se também o nível de interação dos

internautas com as publicações da categoria “Promocional Jogos Online”, as quais os

internautas mostraram abertamente sua opinião, ainda que negativa, sobre os jogos

apresentados.

A categoria de publicações intitulada “Apropriação de Conteúdo”, aparece no ranking

geral como a quarta maior em número de interações. Percebeu-se nesta categoria que a

maioria dos comentários enquadram-se na tipologia “Interações Estimuladas e Espontâneas”.

Vale relacionar esta categoria com a apresentada anteriormente, “Promocional jogos online”,

por ambas se tratarem de um modelo explícito da prática da convergência. Enquanto a

primeira abre o leque para interação direta dos fãs com os personagens, por meio dos jogos

online, a segunda se caracteriza por dispor de conteúdo que não prevê interação direta com os

internautas. Originalmente transmitido no canal de televisão, estes conteúdos são

disponibilizados na página do Facebook do canal por meio de link com uma segunda rede

social, o YouTube. Assim sendo, compreende-se que os conteúdos que possibilitam maior

profundidade de interação, geram mais interesse e, consequentemente, maior interação por

parte dos internautas. Conforme mencionado por Jenkins (2009), as ações de convergência

são capazes de estimular um novo comportamento migratório, no qual o público consumidor

dos meios de comunicação utilizados passa a buscar a experiência em seus momentos de

entretenimento. Esta conclusão está atrelada aos resultados obtidos nas interações das

publicações que fazem parte das categorias “Promocional Jogos Online” e “Apropriação de

Conteúdo”.

As interações geradas a partir da categoria “Institucional/Promocional Canal”, também

obtiveram o maior número de comentários categorizados na tipologia “Interações Estimuladas

e Espontâneas”. Com apenas uma publicação listada durante o período de análise, esta

categoria apresentou um resultado expressivo se comparado ao número de publicações

realizadas nas demais, bem como as interações geradas. Destaca-se que esta publicação em

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análise, não possibilitou interação direta de grande profundidade dos internautas com o

conteúdo divulgado, uma vez que apenas anunciava a programação do canal televisivo. Mais

uma vez, ressalta-se a importância da geração de conteúdos que permitam maior grau de

interação entre a página e os internautas (BLATTMANN e SILVA, 2007), quando afirmam

que a interação gerada pode contribuir para a qualidade do conteúdo distribuído. Além do

mais, é princípio de uma rede social a interação humana como principal fator presente.

(GABRIEL, 2010).

Na sexta posição do ranking geral do total de interações, aparece a categoria

“Informativo Corrida Cartoon”. Este agrupamento encontram-se duas publicações as quais

apresentam conteúdo relacionado ao durante e pós-evento “Corrida Cartoon”. Novamente, se

manteve como líder entre os comentários a tipologia "Interações Estimulada e Espontânea".

Observou-se que os internautas expressaram suas opiniões sobre o evento através de

comentários, tanto positivos como um único, no entanto profundo, depoimento negativo sobre

o evento, conforme figura a seguir.

Destaca-se igualmente a imparcialidade da página sobre o comentário da tipologia

"Reclamações", o qual contou com o apoio de demais usuários através das exposições feitas

sob a tipologia "Marcações/Interações entre Usuários". Neste ponto, avalia-se como negativo

o posicionamento do canal sob os conceitos de Laudon e Laudon (2010) quando enfatizam

que as redes sociais perdem seu sentido de existência caso não possam contar com o fator

comunicação seja este estabelecido entre pessoas e/ou pessoas e empresas.

Por fim, a última categoria definida com "Atualização de Capa" contou com

publicação de duas notificações automáticas quando atualizadas. Mesmo sendo a categoria

com o menor número de interações, esta se deu de forma espontânea pois se tratavam de

publicações capazes de contar apenas com os recursos visuais da publicação, sem qualquer

exposição textual. Igualmente as demais tipologias averiguadas neste artigo, esta se destacou

com maior relevância na classificação "Interações Estimuladas e Espontâneas".

Através das publicações coletadas nesta categoria, fica evidente o conceito exibido por

Mangol e Faulds (2009) que incentivam as empresas para que adentrem estas plataformas

digitais e as administrem de modo a gerar uma comunidade virtual, capaz de reunir usuários

de interesses e gostos em comum. Por meio das publicações analisadas nessa última categoria,

percebe-se a excelência da página neste quesito. No qual as publicações listadas não

necessitaram de qualquer incentivo textual para que os usuários, fãs dos personagens

apresentados, se expressassem coletivamente a respeito deste.

Considerações finais

Através deste estudo foi possível verificar as teorias que compõem as interações

temporais na era da convergência. Isto foi possível devido ao processo de reinvenção dos

veículos e meios de comunicação, em função dos avanços tecnológicos possibilitados através

da evolução da internet. Em seguida, avaliou-se as características dos jovens pertencentes às

Gerações Y e Z de modo a relacionar seus hábitos e costumes com as teorias abordadas pelos

autores relacionados. O trabalho se desenvolveu por meio dos estudos teóricos dos assuntos

apresentados e pelo estudo de caso da página no Facebook do canal de televisão Cartoon

Network Brasil. A partir deste objeto foram analisadas 27 publicações determinadas por um

período relevante de 60 dias, nos quais foram categorizados e analisados todos os conteúdos

dispostos pela página ao se comunicar com seus fãs. Também foram levados em consideração

na análise, todas as interações e comentários realizados por parte dos fãs. Ao longo da

pesquisa realizada, foi possível suprir os objetivos propostos, de modo a responder os

questionamentos iniciais.

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Com base nos conceitos apresentados, é possível definir que as interações temporais

na era da convergência como um processo de evolução dos meios de comunicação,

juntamente com a mudança no comportamento do público. Conforme as análises realizadas,

identifica-se que nenhuma mídia é descartada durante este processo. Todas passam por uma

reinvenção de conteúdo, no qual agora o receptor assume também papel de produtor, graças

aos avanços tecnológicos que o permitem estar conectado a qualquer hora e lugar.

Sendo assim, identificou-se que o objeto de estudo desta pesquisa, utiliza a rede social

Facebook para se aproximar do seu público alvo, os jovens pertencentes às Gerações Y e Z,

de modo a adequarem seu conteúdo televiso para o meio web. Identificou-se que o canal

utiliza da imagem de seus personagens presentes nas animações que compõem a

programação, em todas as publicações analisadas, de modo a proporcionar um campo de

comunicação direta entre os internautas e seus desenhos favoritos.

Foi possível identificar também a interação do canal de televisão entre o Facebook e

mais duas plataformas midiáticas que não haviam sido previstas no início deste estudo. As

publicações analisadas mostram que o canal utiliza da rede social para divulgar e convidar os

usuários para interagir com os jogos online dispostos no site do mesmo. Percebeu-se também,

que alguns dos comerciais institucionais do canal, puderam ser assistidos através das

publicações na própria fan page, por meio de uma ligação direta com uma outra rede social, o

YouTube. Este tipo de conexão enfatiza bem os conceitos de convergência e interações

temporais, ao demonstrar a apropriação de um mesmo conteúdo adaptado às diversas

plataformas midiáticas, de modo a ampliar o alcance do conteúdo desejado.

É necessário destacar, que apesar de ser nítido o interesse do canal de televisão em

utilizar de sua página na rede social digital para interagir com seu público alvo, não foi

identificado qualquer tipo de interação por parte da mesma quando as interações eram

respondidas pelos fãs. Calando assim, o processo de comunicação iniciado pelo próprio canal.

Através do estudo realizado e relacionado aos conceitos apresentados na revisão

teórica, foi possível identificar a maneira interativa com que os jovens pertencentes às

Gerações Y e Z se comportam no ambiente digital. Constatou-se que as publicações

categorizadas como “Passatempo”, é a grande preferências destes jovens ao acessarem o

portal. Por meio das 27.536 interações e 6.233 comentários visíveis, divididos entre as 27

publicações analisadas, confirmando a maneira como estes jovens estão dispostos a interagir

com a marca e os personagens apresentados.

Entre todas as tipologias de comentários visíveis, foi possível relatar a maneira como

os fãs utilizam das redes sociais para interagir. Em sua maior parte estas interações ocorreram

de forma espontânea ou estimulada com as publicações, em seguida com os demais usuários

para realizar reclamações, sugestões e questionamentos, sem esquecer dos diversos spams,

compreendido sob o ponto de vista empírico do comportamento das crianças. Nas quais,

muitas vezes não possuem a capacidade de discernimento de certo, errado, verdadeiro e falso,

totalmente formado e acabam sendo facilmente influenciados a participar destes tipos de

brincadeiras.

Fica evidente a forma como o momento atual da comunicação se encontra em fase de

modificação. Os diferentes autores abordados relatam conceitos futuros de como os avanços

da conectividade digital irão modificar as diferentes mídias e as interações temporais com o

mundo irão se alterar.

Como proposta para futuros estudos indica-se a realização de novas aferições a

respeito desse comportamento digital, já que o conteúdo abordado encontra-se em constante

evolução e poderia ser aproveitado de forma diferenciada, se aplicado de forma quantitativa,

através da realização de pesquisas com membros das Gerações Y e Z no formato de um

questionário por exemplo. Outra possibilidade de grande relevância seria a adaptação desta

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proposta para com os membros das gerações antecedentes, brevemente vistos neste trabalho,

denominados de Baby Boomers e Geração X que agregariam uma nova complexidade ao tema

abordado.

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Jornalismo e cultura: uma experiência de ensino e

extensão universitária

Carlos Fernando Martins Franco Graduado em Comunicação Social pela Faculdade da Cidade, Mestre em Psicologia pela Universidade Estácio

de Sá, e doutor em Comunicação pela Faculdade Vale dos Sinos (Unisinos). É documentarista e professor do

curso de Jornalismo da Universidade Federal do Tocantins, na área de audiovisual.

Verônica Dantas Meneses Jornalista e mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe, doutora em Comunicação pela

Universidade de Brasília; professora do curso de Jornalismo e do Mestrado em Comunicação e Sociedade da

Uuniversidade Federal do Tocantins.

Resumo

O artigo aborda a potencialidade do uso do documentário audiovisual etnográfico como

ferramental tanto no ensino do jornalismo como na difusão das culturas populares e

tradicionais como expressão e comunicação, a partir do projeto de extensão Cultura por

múltiplos olhares, desenvolvido pelo núcleo de Pesquisa e Extensão em Comunicação,

Imagem e Diversidade (CID) da Universidade Federal do Tocantins, desde 2015. O projeto

visa adicionar a linguagem audiovisual ao universo dos construtos, já que tem como

características estar em construção permanente, com infinitas possibilidades, e ser atraente

às novas gerações, que ao longo de seu desenvolvimento consumiram muito mais produtos

desta natureza do que a leitura, por exemplo. O projeto busca instrumentalizar os discentes

de jornalismo de diferentes períodos com as técnicas de produção, roteirização, captura de

imagens e edição audiovisuais, para instigar o exercício de novas possibilidades de

linguagem e incursão em olhares diversos sobre a realidade e o cotidiano, a partir de uma

metodologia aberta e sensível às diferenças. As primeiras experiências do projeto apontam

para o que chamamos de abordagem pluridimensional, ou seja, o fato de o enfoque ter o

potencial de abordar várias dimensões: uma cultural, ligada ao contexto social da localidade

e de sua população; outra subjetiva, na perspectiva que cada discente fotógrafo pela

atratividade construiu seu discurso; e uma didática, na experiência adquirida no uso

diferenciado das imagens em sua formação como jornalista; entre outras.

Palavras-chave

Cultura popular, documentário, etnografia, jornalismo, ensino.

Abstract

This paper discusses the potential use of ethnographic audiovisual documentary as a tool

both in journalism teaching and the dissemination of popular and traditional cultures as

expression and communication, from the extension project Culture for multiple looks,

developed by the Center of research and extension in communication, image and diversity

(CID), of the Federal University of Tocantins, on 2015. The project aims to add language to

the audiovisual universe, since it has features like be in permanent construction, with endless

possibilities, and be attractive to new generations, which its development consumed more

products of this nature than reading, for example. The project seeks to inform the students of

journalism about different periods with the techniques of production and screen play writing

as well as, capturing images and audiovisual editing, to instigate the exercise of new

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possibilities of language and foray into different looks on the reality and daily life, from an

open methodology and sensitive to differences. The first experiences of the project point to

what we call a multidimensional approach, namely, the fact that the approach have the

potential to address various dimensions: a cultural, linked to the social context of the locality

and its population. Another subject, in that each student’s photography showing attractiveness

built by language speech; and a teaching experience in differentiated use of the images in his

training as a journalist; among other.

Keywords

Traditional Culture, documentary, ethnography, journalism, teaching.

Introdução

Tornou-se senso comum certos discursos sobre a diversidade cultural presente no

Brasil. De fato, cada encontro com manifestações populares, religiosas e folclóricas, quer nos

grandes centros urbanos ou nos mais desconhecidos povoados do interior, mostra a

criatividade de um povo unindo suas demandas de vida, sua fé, valores e a necessidade de

reforçar laços identitários. Ainda que com a mesma origem e raízes, cada fato se torna único e

representa cada lugar, revelando suas expectativas presentes nas peculiaridades dos ritos

compartilhados comunitariamente.

Contudo, o cotidiano se mostra muitas vezes um enigma, quando pensamos nas

distintas realidades locais e neste sujeito contemporâneo da sociedade da informação. Pensar a

cultura é enveredar por contornos teóricos e empíricos diversos e com significados complexos

que mapeiam a própria dinâmica da existência humana, que inclui, entre outros fatores, a

presença efetiva dos meios tecnológicos nas vidas das pessoas, a compreensão dos processos

culturais que emergem por meio do diálogo, da vida em comum e cotidiana e as

heterogeneidades dentro do espaço-nação (DE CERTEAU, 1994; WILLIAMS, 1980).

O sujeito do século XXI, diferentemente daquele do anterior, não se desenvolve

inserido em um contexto apenas de consumidor de conteúdo midiático, mas como produtor.

Não produtor de conhecimento, que é um processo complexo e duradouro, mas de informação

com potencial de divulgação. Observemos o que acontece na internet com as redes sociais. As

pessoas sentem a necessidade de compartilhar suas experiências com as outras de seu grupo

de relacionamento, mesmo que esse conjunto de indivíduos não se conheça por presença ou

contato físico.

Mais do que compartilhar informação, experimentam linguagens e modos de

expressão, mesmo que não sejam profissionais da comunicação. Muitas dessas

experimentações ou modos de expressão acabam por se tornar “clichês”, como é o caso do

autorretrato em espelhos de banheiro, muito comum entre os adolescentes. Isto nos dá indícios

de que o problema talvez não esteja no que é mostrado, mas como é. Não é o conteúdo, mas a

forma como o produtor se relaciona com ele. Não é o consumidor, mas o foco em quem

captura, gerencia e divulga a informação. Daí originar-se-ia o processo que culmina na

atratividade tão buscada pelos produtores e programadores de conteúdo?

Baseados em tal referência, propusemos o projeto de extensão Cultura por múltiplos

olhares, por meio do Núcleo de pesquisa e Extensão Comunicação, Imagem e Diversidade

Cultural (CID), que trabalha com uma pesquisa metodologicamente experimental, tendo como

norteamento conceitual a etnografia, com base no uso sistemático da linguagem audiovisual

como uma ferramenta possível de ser utilizada também no ambiente acadêmico. O CID

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propõe o resgate do patrimônio imaterial do Estado do Tocantins a partir das manifestações

festivas e da cultura popular, bem como dos movimentos identitários e culturais diversos

presentes neste Estado, ou outras regiões.

Desta forma, já desenvolve pesquisas de cunho observacional-descritivo com caráter

etnográfico, cujos construtos são artigos produzidos tanto pelos discentes participantes,

quanto pelos professores líderes, e produtos audiovisuais. A ideia de adicionar a linguagem

audiovisual ao universo dos construtos é inerente ao propósito do Núcleo, pois esta linguagem

tem como características estar em construção permanente, com infinitas possibilidades, e ser

atraente às novas gerações, que ao longo de seu desenvolvimento consumiram muito mais

produtos desta natureza do que a leitura, por exemplo. Mais ainda, de acordo com os estudos

em Folkcomunicação, que também dão aporte teórico-metodológico aos nossos trabalhos, a

comunicação nas manifestações folclóricas e da cultura popular ocorre sob formas não apenas

lingüísticas, mas também icônicas. Para se analisar estas formas de comunicação é necessário

um acervo visual que possa contribuir com esta análise, pois cada cor, forma e gesto estão

carregados de herança e informação (BENJAMIM, 2004).

No Cultura por múltipos olhares, a ideia é experimentar na prática a produção em

mutirão. Este processo produtivo se operacionaliza através do dispersar a equipe para dentro

do evento a ser registrado, munida de equipamento de registro, após receberem prévia

instrumentalização sobre técnicas de produção, roteirização, captura de imagens e edição

audiovisuais, bem como indicações para a observação científica dos objetos. Isto produz um

copião por meio de múltiplos olhares, descentralizando e coletivizando a visão do diretor e

orientadores. O objetivo final é observar como tal linguagem poderia ser utilizada

experimentalmente, tendo como pano de fundo a diversidade cultural e o cotidiano, a

convergência tecnológica e a expansão dos meios de produção e divulgação.

Como já citamos anteriormente, o sujeito da contemporaneidade é um produtor de

informação, mais do que um consumidor. Deste modo, por que não promovermos por meio

desta pesquisa experimental a oportunidade do exercício do olhar, a fim de que possamos

tentar responder aos questionamentos que tanto incomodam os programadores e a audiência,

centrados em um modo de se produzir conteúdo a partir dos anseios de um consumidor?

Outro ponto importante é o fato de que a preservação do patrimônio imaterial tem

como público as novas gerações, que terão a missão de perpetuá-la, divulgando tais elementos

culturais que cimentam laços de pertencimento e valores comunitários específicos. Portanto,

não se trata de somente descrever os atos, festas e outras manifestações folclóricas e da

cultura popular, mas abordá-los sob o aspecto da comunicação. Assim, os alunos

extensionistas buscam entender as estratégias utilizadas para transmitir informações, as trocas

culturais efetivadas dentro do grupo e do grupo para a sociedade em geral, ou seja, os

processos de sociabilização produzidos nestas manifestações, as referências identitárias e

territoriais e com isso as relações de pertencimento dos membros com suas comunidades

sustentadas pelas manifestações culturais tradicionais, a posição de novos agentes,

representações e as formas de ativismos geradas dentro destes grupos. Olhar estas

experiências com uma metodologia aberta, a partir de vários olhares, é importante para

apreendermos a identidade e diversidade destas culturas e dar visibilidade a grupos que não

tem acesso aos grandes meios de comunicação.

Como outro tensionamento, há um problema na formação do profissional de

jornalismo: o conceito de informação. Temos observado desde 2003, pelo convívio

experiencial em sala de aula, que existe uma tendência de apenas enfatizar o objeto máximo

do jornalista, que é a notícia; e esta tem um caráter de prestação de serviço e efemeridade.

Tudo aquilo que potencialmente tende a se perpetuar também tende a não ser considerado

objeto jornalístico.

Isto tende a criar no profissional muita dificuldade em gerenciar informações perenes,

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como é o caso da informação considerada periférica à notícia. Um festejo junino, dentro de

uma ótica jornalística estaria muito mais vinculado à quantidade de pessoas, às atrações

oferecidas, à data de acontecimento do que a todo o aporte cultural e histórico que representa

para a população local e nacional. Vemos nas matérias veiculadas nas televisões, regionais ou

nacionais, uma abordagem horizontal e utilitária de tais festejos. No que tange às imagens,

utiliza-se uma linguagem que se constitui em um sequenciamento ilustrativo, cuja única

função é atender ao texto como “cobertura”, que tende a não valorizar as sonoridades e

plasticidades inerentes.

Assim, reeducar o olhar, transpor o aluno de jornalismo a um olhar menos ferramental

e tecnicista não é uma tarefa fácil. Ou seja, hierarquicamente, as regras dos manuais de

formato, culturalmente, sempre tendem a ser mais importantes. Pensamos em abordagens

mais autorais e menos narrativas, enfatizar mais a composição fotográfica, com planos longos,

valorização das sonoridades (principalmente os ruídos ambientais) e menor ênfase em

depoimentos e textualidades; com escolha de depoentes mais focados no conceitual e no

testemunho diacrônico, deixando de lado as expectativas e impressionismos, muito comuns na

apuração jornalística.

Em função disto, propusemos outro olhar. Que parte do que o objeto em questão quer

dizer ou diz a partir das plasticidades e sonoridades ali apresentadas. Sem deixar de respeitar a

abordagem jovem e atual, o modo como corriqueiramente o ferramental é utilizado para

descrever, interpretar e levar o mundo às rodas virtuais de amizade, e principalmente, o olhar

jovem e ainda pouco caricaturado dos discentes.

A realidade do público e do conteúdo atuais

O público tornou-se mais exigente. Não por um caráter de refinamento cultural sob

uma perspectiva formal, mas por uma expectativa e consciência do controle social. Hoje em

dia percebemos um fluxo informacional gigantesco, em função das redes e mídias sociais. Isto

fez com que a chamada mídia tradicional se dobrasse a este controle social, o que é

perceptível em qualquer programa de TV, seja ele ao vivo ou não: o que a recepção repercute

on line determina o que deve ou será veiculado.

Paralelamente a isto, tornamo-nos uma sociedade produtora de conteúdo (informação).

Quase tudo o que se grava, fotografa, escreve acaba se tornando público, devido ao fato de os

dispositivos de captura também serem terminais de rede telemática. Deste modo, conteúdos

que poderiam ser considerados de baixa qualidade ou fúteis dentro de uma perspectiva

“profissional”, acabam por atingir audiências altas nessas modernas mídias sociais. Muito

maiores, por exemplo, que os programas veiculados pela televisão pública, considerando

apenas a audiência absoluta nacional, pois a internet tem alcance global. Logicamente que

pelas redes sociais tais conteúdos acabam por ser divulgados diretamente pela sua própria

audiência.

Mas o que, fundamentalmente, possuem esses conteúdos que os tornam tão atraentes?

Seria apenas o modo pelo qual são divulgados? Não é o objetivo do presente trabalho tal

análise, mas tais constatações poderiam ir ao encontro de respostas aproveitáveis em

processos discursivos de produção. Todos os dias, recebemos em nosso correio eletrônico, por

meios de conhecidos ou não, pequenas peças audiovisuais. Em sua maioria de cunho hilário,

de curta duração, que acabamos por consumir, descartar ou passar adiante quando nos

divertimos com elas. Como produtores e pesquisadores, começamos a observar que tais

conteúdos seriam atraentes apenas por serem divertidos. Todavia, indo mais fundo e incluindo

aqueles que não dialogam com a categoria comédia, percebemos algo importante e comum

que nos chama à atenção: a liberdade de experimentação estética. Isto não é fácil de encontrar

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

na mídia tradicional, com exceção de programas cuja proposta de formato seja flexível. Mas

este é um dado muito relevante, pois a falta ou o medo da experimentação faz com que, por

exemplo, emissoras de grande porte adquiram licenças de formato para quadros de programas.

O programa Domingão do Faustão (Globo) licencia diversos quadros de propriedade

intelectual da Endemol. Por que isto acontece? Possivelmente por haver uma saturação de

ideias locais; ou se tem medo de criar, ousar, se experimentar localmente ou até por problemas

de custo.

No caso citado acima, é interessante ressaltar que a Globo sempre ousou na sua

teledramaturgia, principalmente inovando em formato e estética. As grandes minisséries

baseadas na literatura brasileira dos anos 80, os grandes documentários do Globo Repórter

nos anos 70, quando não havia muita liberdade para veiculação de determinados conteúdos,

entre outros exemplos disponíveis na história da emissora. O programa Cassino do Chacrinha

inovou ao mostrar os bastidores da produção televisiva como elemento cênico. Há ainda

novos programas como o Globo comunidade, Globo universidade, o próprio Globo rural,

entre outros que não são muito comuns entre as televisões abertas, o que caracteriza

originalidade.

Há exemplos de experimentações e quebra de paradigmas em outras emissoras. A

Band com A liga, onde há quebra do formato jornalístico para um aporte mais autoral e

interpretativo. Essas experiências sinalizam para a busca por um padrão que na atualidade

consiga criar empatia e identificação por parte do público. Vemos também uma tentativa de

apresentar a diversidade brasileira, mas que entra em choque com o modelo concentrado da

produção audiovisual no Brasil, centralizado no eixo Rio-São Paulo, e que por isso mesmo

apresenta um olhar caricatural e estereotipado, sem referências nas realidades e no cotidiano,

das demais regiões do Brasil (MENESES, 2015).

A assistência atual não se atenta a apenas um dispositivo, pois é multimidiática. Isto

pode ser constatado ao observarmos em locais públicos ou privados pessoas escutando a TV e

olhando para telefones celulares, computadores ou tablets. Muitas vezes, o que está sendo

consumido nesses dispositivos não está relacionado àquilo que se veicula no momento pela

televisão. Isto comprova que existe um problema com a linguagem utilizada na edição dos

programas televisivos, pois não atrai mais a atenção absoluta dos espectadores,

principalmente os mais jovens que estão incisivamente inseridos no atual contexto

tecnológico.

Por essa problematização e motivação à experimentação estética, no ano de 2013

participamos do Projeto 21 – um diálogo com o cinema, o qual consistiu na produção de vinte

e um documentários de curta duração na cidade de Porto Nacional-TO. Este projeto, que

durou pouco mais de um ano, nos motivou a levar o experimento da pesquisa de cunho

experimental para o ambiente acadêmico. Cada peça, de aproximadamente dez minutos,

propunha a experimentação de linguagens diversas a serem utilizadas tanto no roteiro, quanto

na montagem dos produtos. Isto nos fez concluir que poderíamos criar uma enunciação cuja

constituição discursiva se adequasse mais às demandas do objeto focado. Principalmente,

mostrou que é possível a utilização de linguagens diversas daquelas usuais e que algumas

respostas para a citada crise poderiam estar aí. Ou seja, os conceitos de formato, gênero e

categoria (SOUZA, 2004), no atual contexto, poderiam estar em xeque.

Jornalismo x “documentarismo”

Outra discussão que deve ser trazida é: qual o conceito real e viável de jornalista que

estamos propondo nos projetos pedagógicos? Qual a real situação que os profissionais

encontram no mercado consumidor e de trabalho? O que define um produto como

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jornalístico? Estes questionamentos poderiam dar origem a outras investigações futuras.

Dentro do campo do audiovisual, que é o enfoque deste trabalho, um produto

jornalístico seria aquele que responde a duas demandas: ao chamado valor notícia e ao

formato rígido, a fim de se encaixar em um programa televisivo do gênero. Ou seja, seu

tempo enunciatório (FRANCO, 2010) deve obedecer ao disponibilizado pelo editor chefe para

levar a informação ao público. Geralmente, uma matéria de telejornal tem em média de um a

dois minutos. Já uma reportagem pode ser maior, pois o tema pautado tem maior relevância

social naquele momento. Mas ambas obedecem a um formato ou tempo pré-determinado para

sua edição, o que pode justificar uma não verticalização da abordagem.

O que ora chamamos valor notícia é a relação entre os potenciais de agendamento

(TRAQUINA, 2000), a relevância social (temas que estão sendo referendados com frequência

pelos veículos), o público e o perfil editorial da empresa que veiculará. Quando um assunto

obedece a esses requisitos, pelo menos em parte, potencialmente trata-se de uma pauta, cuja

apuração e produção não garantem sua veiculação, pois dependem ainda de fortuitos de

última hora.

O jornalismo é e deve sempre ser atual, relacionado a acontecimentos que afetam a

vida das pessoas de forma direta ou apenas aticem sua curiosidade. Nem todo assunto pode

ser enquadrado como informação de cunho jornalístico. Isto não quer dizer que não sejam

informações e remetam a fatos que marcaram direta ou indiretamente indivíduos ou

provoquem a citada curiosidade.

Ou seja, a relação informação-jornalismo está muito mais ligada à atualidade do que à

natureza inerente a esta informação. Quando deixa de pertencer à atualidade não deixa de

existir, torna-se um documento testemunhal do fato, passando a pertencer primeiramente aos

arquivos dos veículos e posteriormente à história (SODRÉ, 2008; SOUZA, 2004).

Um acidente aéreo em uma cidade é uma notícia, com certeza. Em um mês, os

resultados das apurações de culpa continuarão sendo, mas o acidente e tudo aquilo que o cerca

serão para o jornalismo apenas informações e imagens “de arquivo”, não mais notícia.

Principalmente, o que por questões óbvias de viabilidade, tempo e apuração ficou na periferia

do fato, pertence ao acontecido, mas não está no que será noticiado; mas é aquilo que desperta

no mínimo curiosidade a quem acessa. É aí que entramos no campo do documentarismo, pois

a princípio tudo tem o potencial de se tornar documento histórico (inclusive matéria

jornalística de arquivo). Isto prova sem polêmica que documentário não pertence ao campo

dos gêneros jornalísticos. Mas não deixa de ser um produto que lida com a informação e com

em geral com mais profundidade do que o noticioso, dado o seu rigor científico de apuração,

que o diferencia do chamado rigor jornalístico.

Em nome da credibilidade, o chamado rigor jornalístico se preocupa, em um ambiente

ético, em mostrar todos os lados, a fim de atribuir um equilíbrio de pontos de vista. O que não

é obrigatório em uma apuração de documentos históricos, que focam centralmente não no

testemunhal do fato, mas no que ilustra e comprova, podendo inclusive se tendenciar para

defender teses.

Isto nos remete novamente à questão de que o jornalista também é um produtor de

conteúdo, enquanto desempenha outro papel social: o de receptor. Como anteriormente

dissemos isto é uma característica da contemporaneidade. Desta forma, podemos conceituar o

jornalista atual como um gerenciador profissional de informação, mesmo que ainda

insistamos na qualidade de educadores e pesquisadores em contribuir para formar mão de

obra para o funcionamento de veículos apenas, desprezando potenciais inovadores oriundos

deste perfil.

Muitas vezes em função de uma mudança de comportamento não perceptível de forma

explícita como expectadores, ao assistirmos a telejornais na televisão questionamos a

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qualidade dos produtos jornalísticos, a falta de rigor que traz informações não muito precisas,

a prática de copy-paste a partir de outros veículos, geralmente a internet. E isto é culpa,

possivelmente, de uma formação mecanicista dos processos, mais especificamente do não

trato da informação em sua integralidade, mas apenas com a efemeridade do que se considera

notícia e não como documento que constrói a história partir do presente; de conteúdo muito

maior do que o recorte dado pelo profissional da notícia.

Em virtude disto, vemos a prática da produção do documentário como uma atividade

construtiva na formação do profissional de jornalismo, mesmo que o produto não se constitua

em pertencente a esse gênero. Pois apesar de não possuir uma atualidade inerente, necessita

de um rigor muitas vezes não presente na corrida diária da prática profissional do jornalista.

O projeto de extensão

Já existem iniciativas similares no campo profissional que buscam a quebra de

paradigmas. Um exemplo disto é o programa Profissão Repórter (Globo), que propõe um

olhar diferenciado, da vídeo-reportagem, aos novos profissionais. O que se percebe ao assistir

ao programa é uma mudança de foco para uma percepção mais autoral, que dialoga com o

fato jornalístico em voga. Isto mostra que é possível uma utilização de outro critério de

noticiabilidade, enfatizado nos objetos contidos no fato com uma maior contextualização.

Apesar de não termos nos baseado no referido programa, o que propusemos para a

execução da pesquisa experimental e do projeto de extensão foram exercícios do olhar,

tomando como base conceitual o processual do documentário etnográfico.

A etnografia é uma metodologia do campo da Antropologia que propõe desconstruir o

“olhar habitual” quando da presença de manifestações culturais diversas. O citado método

enfatiza o descritivo. Assim:

[A] etnografia se enquadra nesta abordagem, pois busca compreender os

significados atribuídos pelos próprios sujeitos ao seu contexto, a sua cultura,

assim a pesquisa etnográfica se utiliza de técnicas voltadas para descrição

densa do contexto estudado [...] Desta forma, a etnografia, como também

outras pesquisas qualitativas, buscam a inserção no contexto natural para

acessar as experiências, aos comportamentos, às interações e aos

documentos para assim compreender a dinâmica do grupo estudado (LIMA,

2015, p.4).

O que chamamos a atenção como habitual são os processos de produção baseados na

ilustração por imagens e do texto como construto, muito comum na chamada Escola

Americana do jornalismo. Tal estilística técnica tem sua raiz nas técnicas de produção do

rádio, o que propõe a utilização das imagens como informação acessória ao texto. A forte

presença do repórter nos stand-ups e nas narrações off atribuem à informação uma ênfase na

textualidade, deixando as imagens, salvo a do repórter, em segundo plano.

A adoção de uma postura etnográfica ao experimento proposto não força os

participantes a um distanciamento ou estranhamento, mas a uma imersão observacional, pois

todas as três manifestações culturais exploradas na primeira fase do projeto são relativamente

conhecidas, por pertencerem ao universo de divulgação tanto da mídia regional, quanto das

políticas culturais do Estado do Tocantins de incentivo ao turismo.

Os primeiros roteiros desenvolvidos pelo projeto foram os festejos juninos em

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Tocantinópolis, norte do Estado, aproximadamente seiscentos quilômetros; os festejos de

Monte do Carmo, cerca de cem quilômetros da capital; e as Cavalhadas de Taguatinga, região

sudeste a quatrocentos e cinquenta quilômetros de Palmas. Todas as manifestações são de

origem europeia ou de forte herança africana.

Embora participem do projeto oito alunos do curso de Jornalismo, de vários períodos,

para cada viagem, foram selecionados entre três a cinco alunos, buscando mudar em cada

experiência, com o suporte dos dois professores orientadores e supervisores. A proposta foi

deixar os acadêmicos produzirem na totalidade, com liberdade, desde os contatos,

organização logística para transporte até a operação dos equipamentos de captura de imagens

e edição final.

Com uma filmadora e duas ou três fotográficas, optamos pela utilização de uma

captura de imagens em movimento a partir do olhar de um expectador. Ou seja, deixar que os

discentes se atraíssem pelo que houvesse de atraente plasticamente e emocionalmente, a partir

do que os atraísse nas histórias. Isto levaria à quebra do olhar profissional jornalístico que

vem apurar o que lhe é referendado por uma pauta naquele momento; o que os faria, em tese,

produzir imagens atraentes, pelo menos a um público similar a eles.

Como procedimento metodológico no processo de produção, em função da proposta

citada anteriormente, propusemos o chamado roteiro aberto (NICHOLS, 2005), ou seja, não

muito diferente do que é feito em uma matéria de telejornal. O esqueleto temporal do produto

final seria concebido e preparado após a captura das imagens, durante o que se chama de

decupagem. Isto se justifica pelo fato de não se saber o que será presenciado; dialogando de

forma coerente com a proposta conceitual e metodológica da etnografia. Cada experiência

gerou a edição de um documentário sobre cada local isoladamente para posterior montagem

de um média metragem mesclando todos os festejos.

Primeira missão: festejos juninos de Tocantinópolis – junho de 2015

Esta foi nossa primeira experiência na captura de imagens por parte dos discentes

participantes do projeto. Pela falta de experiência no trato com o equipamento, as primeiras

imagens capturadas apresentaram alguns problemas técnicos e não puderam ser aproveitadas.

Segundo levantamento gravado em um dos depoimentos, a cidade de Tocantinópolis

possui um espaço dedicado, único no país, a tais festejos, localizado à beira do rio Tocantins

(chamado de Quadrilhódromo). Além disto, houve outra informação relevante que é o fato de

tais festejos trazerem tanto a ritualística junina tradicional, quanto as chamadas quadrilhas

estilizadas, com enredos com cenografia e figurinos centrados no contar uma história, bem

como apresentações amadoras e comunitárias e até transversais, como uma quadrilha LGBT.

Como o nosso objetivo principal foi o exercício do olhar, os discentes munidos dos

equipamentos portáteis (câmera DSLR) tomariam inicialmente os preparativos para os

festejos, que aconteceriam em quatro dias consecutivos. Assim, foram captadas imagens que

teriam como função a ilustração do processo que culminaria nas noites festivas. Paralelamente

a tal captura, que fechou em cerca de duzentas e setenta tomadas de imagens em movimento e

cerca de trezentas fotografias, foi feito um planejamento de produção, por meio do qual foram

gravados onze depoimentos sobre a festa e a representação para a comunidade.

Obedecendo à desconstrução do olhar jornalístico e utilização da postura

observacional etnográfica, foram evitados enfoques no evento ou informações logísticas do

mesmo. Desta forma, cada discente focou em valorizar toda a plasticidade imagética e sonora,

pois, através de tal registro se poderia ter um panorama dos elementos culturais presentes na

manifestação por parte da comunidade.

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Para isto, foram orientados a utilizar tomadas de imagem longas e com o mínimo

possível de movimento de imagem (FRANCO, 2010), sendo utilizados apenas quando para

omitir ou buscar, dando ênfase, a determinados elementos visíveis.

Foi escolhido, do grupo, um aluno que ficaria responsável pela seleção das imagens e

produção do roteiro de montagem, além da operação do computador com o software de

edição. Esta metodologia seria utilizada em todos os trabalhos a fim de dinamizar o processo

e dar oportunidade de um aprendizado holístico a todos.

Segunda missão: os festejos de Monte do Carmo – julho de 2015

Monte de Carmo apresenta a peculiar tradição de unir três festejos no mesmo período,

originado pela necessidade de agregar os moradores devido especialmente às distâncias

percorridas antigamente, à pé ou à cavalo. São eles a festa, mais religiosa, da padroeira Nossa

Senhora do Carmo, a festa ou Folia do Divino Espírito Santo, e a festa de Nossa Senhora do

Rosário, cujo momento mais esperado é a Caçada da Rainha.

Na semana anterior aos festejos, o grupo foi àquela cidade para tratar da logística de

produção, hospedagem, agendamento de gravação de alguns depoimentos.

A caçada da Rainha faz parte das celebrações de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos

nos dias 17 e 18 de julho todos os anos. A pesquisa sobre o festejo foi fundamental, pois se

trata de uma manifestação pluricultural, com um viés católico e outro profano. A experiência

mostra que nem tudo o que acontece é divulgado, pois muito da ritualística faz parte de um

sacrifício religioso católico que muitas vezes não interessa ao turista comum.

A equipe teve de estar pronta para a captura de imagens na alvorada, por volta das

cinco da manhã e seguir as procissões e festejos na igreja matriz da cidade. Nesta parte do

projeto, houve o revezamento entre duas alunas na captura das imagens em movimento e

fotografias.

Terceira missão: as cavalhadas em Taguatinga – agosto de 2015

As Cavalhadas são o evento anual mais importante da cidade de Taquatinga, localizada

no sudeste do estado do Tocantins próximo à divisa com a Bahia. Tradicional, tem a força da

comunidade, assim como os demais festejos citados, como base para a perenidade dos

mesmos.

Diferentemente dos outros festejos, o momento mais esperado das Cavalhadas é uma

competição realizada em um campo de futebol na cidade, durante os últimos dois dias. Ou

seja, o maior desafio aqui foi o fato de não só mostrar imagens ilustrativas dos cerimoniais

religiosos, mas cobrir um evento. A equipe teve de se mobilizar em uma agenda puxada, que

começava antes das cinco da manhã com a alvorada, acompanhamento de procissões e

gravação de imagens com muito deslocamento a pé, sob um forte calor.

Por fim, conseguimos mais de trezentas imagens em movimento, duzentas fotografias

e seis depoimentos, além de um registro dos dois dias de competições a cavalo, ponto

culminante dos festejos de Nossa Senhora D´Abadia na região.

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A experiência

A priori, as informações repassadas aos professores orientadores do projeto pelos

discente/extensionistas mostram que existe uma percepção das dimensões que são abordadas

com a participação no projeto, seja no aspecto profissional ou no pessoal, como sugere o

depoimento abaixo:

A viagem me trouxe a oportunidade de conversar com pessoas de outras

culturas e realidade, de ouvir histórias diferenciadas, bem como capturar

imagens do meu olhar e a partir disso aperfeiçoar minhas técnicas de captura

e olhar fotográfico. (EXTENSIONISTA A. Relatório do projeto de extensão,

2015).

A experiência dos discentes mostra em alguns momentos certo deslumbramento com

as realidades registradas e vivenciadas, sobre as quais não conheciam e por isso mesmo não

carregavam expectativas ou imagens pré-concebidas, favorecendo a percepção mais crua e

honesta do evento. A primeira incursão pode ser resumida no depoimento abaixo,

A experiência de participar para uma festa popular procurando observar seus

costumes e crenças e tudo o que está envolvido nessa tradição nunca me foi

tão marcante. Confesso que fiquei surpresa de como é forte o poder de uma

tradição. Onde o senhor, o pai de família, o solteiro, a criança, a idosa

participam de uma festa em que não há distinção. Numa pequena cidade onde

praticamente todo mundo se conhece, a festa do Divino é motivo para a

cidade toda parar e comemorem juntos (EXTENSIONISTA B. Relatório do

projeto de extensão, 2015).

É perceptível que as Festas Juninas de Tocantinópolis são muito

democráticas e inclusivas. Todas as pessoas participam. A diversidade de

gêneros, classe social, faixa etária, condição física é basicamente

significativa. Essa manifestação cultural combate, puramente, às opressões,

mesmo que de forma indireta (EXTENSIONISTA C. Relatório do projeto de

extensão, 2015).

Percebe-se ainda a perspectiva dos valores que observam na comunidade, que gerou

um comprometimento com a causa:

A nossa ida à cidade e a forma que as pessoas nos trataram mostrou o quanto

as pessoas amam e veneram as solenidades do mês de junho. Os

tocantinopolitanos realmente se mobilizam como algo sagrado, como se

essas festas justificassem o seu cotidiano, o seu amor pela cidade. Também

foi possível sentir o quanto essa festa é carente de divulgação, mesmo que

popular.

A produção do documentário após as filmagens trará mais autoestima para os

tocantinopolitanos, eles se virem na telinha os farão acreditar em sua riqueza

histórica e cultural, já que a cidade aparenta sofrer com isso. Alguns

moradores comentaram sobre os monumentos históricos terem sido

derrubados para a construção de prédios públicos, isso deteriorou a história

de um povo. Em contrapartida, as festas juninas vêm acontecendo com

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assiduidade nos últimos trinta anos, afirmando ser o maior patrimônio

cultural imaterial da cidade (EXTENSIONISTA C. Relatório do projeto de

extensão, 2015).

Outro depoimento revela a importância desta imersão para desconstruir idéias pré-

formadas e mesmo desenvolver o olhar crítico e cuidadoso do futuro jornalista:

Apesar de ser a minha cidade natal e já ter um conhecimento prévio da sua

cultura, foi uma experiência interessante acompanhar pessoas que nunca

tiveram contato com aquela região e o quanto ficaram encantadas. Além de

claro, aprender um pouco mais o lado técnico e prático da fotografia. De

modo geral foi bastante fácil conseguir contatos e depoimentos, muitas vezes

surgiam mais do que prevíamos e isso era algo ótimo (EXTENSIONISTA D.

Relatório do projeto de extensão, 2015).

Outra dimensão relatada foi a condição de estranhamento que os alunos sentiram e ao

mesmo tempo o questionamento de como se inserir no contexto do local de modo mais

natural. Nesse momento, o receio em relação à pouca experiência mostrou-se um elemento

dinâmico, pois ao tempo em que inibe o pesquisador, contribui para a busca de informações

mais naturais e honestas:

Somos quatro novos rostos perambulando pelas ruas com câmeras,

microfone e caderninhos nas mãos, querendo arranjar papo, descobrir pela

boca dos nativos um pouco ou o máximo que der da grandiosa história e

tradição do município. Como aproximar-se das pessoas sem assustá-las?

Como deixa-las confortáveis para que possam ser genuínas? Foram algumas

das perguntas que passaram pela minha cabeça de pessoa ainda sem jeito e

sem costume com pesquisas de campo (EXTENSIONISTA E. Relatório do

projeto de extensão, 2015).

Pelo exposto, o discente parece ter consciência de que não é parte do lugar, embora

busque adquirir certa intimidade com as pessoas do local, e ao mesmo tempo aquela sensação

de turista, que acaba se envolvendo, se maravilhando e se familiarizando com os valores que

cada manifestação representa para cada grupo, inclusive captando as diferentes referências...

O olhar de orgulho dos personagens principais dessa festa é o mesmo olhar

de orgulho dos “coadjuvantes”. Do imperador ao espectador mais fiel. O que

os move é a sua crença. O sentimento geral de todos é de orgulho, de honra

(EXTENSIONISTA E. Relatório do projeto de extensão, 2015).

...e induzindo a questionamentos sobre o futuro, de si e do outro:

Os jovens perderam o interesse pela tradição da sua cidade? Que lugar da

história de Monte do Carmo abrigará Taieiras, Congueiros, Reis e Rainhas,

Imperadores e Imperatrizes em 30 anos? Novas perguntas se formulam em

minha cabeça. Existe uma preocupação dos mais velhos em passar o que lhes

foi apresentado desde cedo a diante, mas poucos são os mancebos que se

preocupam em aprender o que eles têm para ensinar (EXTENSIONISTA E.

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Relatório do projeto de extensão, 2015).

Por fim, estar neste projeto já me proporciona uma grande experiência. A

forma que me vejo é cada vez mais preparada para entrar em contato com o

que é desconhecido para mim, podendo absorver o máximo dele. O

sentimento de conhecer de perto os diferentes hábitos culturais de um povo é

indescritível (EXTENSIONISTA E. Relatório do projeto de extensão, 2015).

Considerações finais

As experiências e conclusões relatadas no presente ensaio estão ainda em

desenvolvimento, pois o projeto tem uma duração maior e ainda depende de outras incursões.

Todavia, pudemos até o presente momento apresentar algumas observações.

Um dos pontos centrais do projeto e ação extensionista é a percepção gradual de

responsabilidade e crescimento profissional que os discentes extensionistas adquirem a partir

da metodologia do projeto, o que promove a construção de um olhar mais comprometido com

a diversidade, essencial para o desenvolvimento tanto do futuro pesquisador, como do

profissional mais engajado, com visão mais holística e, sobretudo, relativizada. Isto porque a

cada encontro com a realidade os extensionistas/pesquisadores percebem, como afirma Zaccur

(2001, p.177), que “quem pesquisa o cotidiano vai se dando conta de que lida com caça

especialmente arisca”.

Percebemos que surgiu nos discente certa identificação embrionária de que as

pesquisas sobre o cotidiano requerem a necessidade de o pesquisador manter-se aberto às

diferenças e também de uma abordagem do objeto de pesquisa/extensão fora das tradições

sociológicas assentadas num determinismo tecnológico e econômico.

Em outro patamar, nossa hipótese de que o discurso audiovisual quando do ensino de

jornalismo é restrito a formatos não pôde ser confirmada ou desmentida, pois os discentes

participantes são de períodos diversos. Alguns já cursaram telejornalismo e fotografia e outros

não. Mas o que observamos é que se iniciou um processo de percepção holística das

possibilidades de exploração da linguagem, visto que todo o processo está sendo executado

pelos alunos e com a valorização de seu olhar. O não uso de recursos comuns como a narração

em off e o stand-up mostrou que tais ferramentas não são obrigatórias e podem ser

dispensadas, inclusive em trabalhos de cunho jornalístico.

Outro ponto que deve ser enfatizado e refletido é o fato da escolha do formato. Os

construtos tiveram entre quinze e vinte minutos de tempo enunciatório, o que trouxe uma

experiência para com o objeto de profundidade pluridimensional. O enfoque dado à plástica e

às sonoridades do objeto em exploração trouxe aos estudantes de jornalismo outra abordagem,

menos textual e mais descritiva, com menos narratividade e mais autoralidade. Assim, na

transposição para o discurso jornalístico, a percepção ética dos enfoques, posicionamentos

e/ou pontos de vista torna-se mais fácil, pois com esta experiência o olhar se acostuma a

perceber que existe um contexto e a consciência de informações, mesmo que devam ser

dispensadas pela imposição das regras, uma vez que os objetos pertencem a um contexto

muito maior do que o acontecimento ou fato motivador de sua amostragem.

O que chamamos de profundidade pluridimensional é o fato de o enfoque ter o

potencial de abordar várias dimensões: uma cultural, ligada ao contexto social da localidade e

de sua população. Outra Subjetiva, na perspectiva que cada discente fotógrafo, pela

atratividade construiu seu discurso. Outra didática, na experiência adquirida no uso

diferenciado das imagens em sua formação como jornalista. Além de outras que possam ser

amadurecidas em outras abordagens e experimentações por meio de outros projetos similares.

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Esta perspectiva pode ser evidenciada no depoimento de um dos

discentes/pesquisadores: “A viagem me trouxe a oportunidade de conversar com pessoas de

outras culturas e realidade, de ouvir histórias diferenciadas, bem como capturar imagens do

meu olhar e a partir disso aperfeiçoar minhas técnicas de captura e olhar fotográfico”

(EXTENSIONISTA B. Relatório do projeto de extensão, 2015).

Entendemos o resultado do projeto como uma síntese dos múltiplos olhares. Cada

experiência subjetiva, munida da técnica individual utilizada na abordagem e captura,

culminou na síntese de um produto único que os contêm. Ou seja, construímos produtos com

uma enunciação realmente coletiva e despida de regras fechadas, limitações de formato/tempo

ou perfis editoriais. Apenas um aluno, sob a supervisão de um docente, editou o material,

fruto dos mais diversos olhares e das várias subjetividades atualizadas nas imagens

capturadas.

Mesmo com dúvidas diversas, os discentes se mostraram competentes, desta forma

conseguindo imprimir seu olhar explorador, distanciado (mesmo sem desconhecer o objeto),

desconstruir e refletir sobre possibilidades de linguagem, tal qual metodologicamente é

proposto na etnografia.

Por fim, a exploração de outras linguagens dentro de uma grande ferramenta em

construção como o audiovisual amplia os horizontes. Em tempos em que tanto o ensino de

jornalismo quanto a própria mídia parecem estar em crise, a presente pesquisa experimental

sinaliza para a necessidade da utilização de novas metodologias na formação dos jornalistas

em busca de aperfeiçoamentos, respostas ou soluções.

Referências

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Gaúcha de Folclore, 2004.

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Page 170: ECCOM 14 – Revista de Educação, Cultura e Comunicação

169

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

A evasão escolar na microrregião de Guaratinguetá: uma

análise a partir de indicadores educacionais

Márcia Maria Dias Reis Pacheco Possui graduação em Pedagogia pela Universidade de Taubaté (1992), Mestrado em Educação: Psicologia da

Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e Doutorado em Educação: Psicologia da

Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Atualmente é Professor Assistente Doutor

da Universidade de Taubaté efetivo (2010), lotado no Departamento de Pedagogia, concursada na disciplina de

Didática com atuação na graduação e pós-graduação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em

Didática, Didática do Ensino Superior e Psicologia da Educação. Atua como Supervisor de Ensino pela

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Compõe o corpo permanente de docentes do curso de

Mestrado Interdisciplinar de Desenvolvimento Humano: formação, políticas e práticas sociais. Suas Áreas de

Pesquisa são: Formação de Professores, Avaliação Educacional e Políticas Públicas.

André Luiz Silva Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1996), mestrado em Ciências da

Religião (2003) e doutorado em Ciências Sociais (2011) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É

docente efetivo de sociologia, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas de Práxis Contemporâneas e

docente do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Humano: Formação, Políticas e Práticas Sociais

da Universidade de Taubaté. É pesquisador colaborador do Grupo de Estudos de Práticas Culturais

Contemporâneas da PUC-SP. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Urbana, e

na área de Sociologia da Cultura. Pesquisa os seguintes temas: conflito simbólico, religiosidade, identidade,

diversidade cultural, cultura popular, mediação cultural e políticas culturais.

José Edson da Silva Mestrando em Desenvolvimento Humano pela Universidade de Taubaté, Pós-Graduado em Gestão de Produção

pela UNESP de Guaratinguetá, Graduado em Tecnologia Mecânica com ênfase em Processos de Produção

pelas Faculdades Integradas de Cruzeiro. Experiência profissional de 25 anos na Indústria, em empresas de

médio e grande porte tais como Philips do Brasil em São José dos Campos, Tekno S.A. em Guaratinguetá e

Iochpe-Maxion Structural Components em Cruzeiro onde trabalha atualmente.

Ludmila Correa Gesualdi Chaves Gomes Mestranda em Desenvolvimento Humano pela Universidade de Taubaté. Profissional graduada em Psicologia e

com pós-graduação na área de Psicologia Analítica pela UNISAL. Atua no consultório, realizando atendimento

clinico.

Resumo

Esse estudo tem como objetivo apreender alguns aspectos do processo em que se dá a evasão

escolar, particularmente, entre o ensino fundamental e o ensino médio. A pesquisa se baseia

em dados provenientes de censos recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira (INEP), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Essas fontes foram

utilizadas por meio da Internet em seus respectivos sites oficiais. A microrregião de

Guaratinguetá foi escolhida, como locus desse estudo, em virtude da consonância com os

objetivos dos pesquisadores que desenvolvem atualmente outros trabalhos científicos em

municípios da região. A evasão escolar pode trazer, de forma implícita, uma série de fatores

sociais, culturais, econômicos e até religiosos, que, se bem trabalhados, tem a propriedade de

definir, em certa medida, o perfil de uma sociedade. Diz-se isto, porque os motivos que levam

uma criança ou um jovem a desistir dos estudos antes de concluí-los, (no caso específico da

presente pesquisa, deixar de prosseguir no ensino médio, o que pode ser considerado o nível

mínimo de formação para um cidadão ter possibilidades de ingressar no mercado de trabalho

atual) não acontece sem que haja causas importantes. Este trabalho se propôs a, a partir de

indicadores educacionais de acesso público, estabelecer relações de causa e efeito entre

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alguns índices, e analisá-los a fim de revelar relações causais que identifiquem alguns fatores

que dificultam a permanência de jovens na transição do ensino fundamental para o ensino

médio.

Palavras-chave

Evasão escolar; Guaratinguetá; Indicadores educacionais.

Abstract

This study aims to learn some aspects of the process that gives school dropouts, particularly

among elementary school and high school. The research is based on data from recent

censuses of the National Institute of Educational Studies Anísio Teixeira (INEP), the Brazilian

Institute of Geography and Statistics (IBGE) and the United Nations Development

Programme (UNDP). These sources were used over the Internet in their respective official

websites. The microregion of Guaratingueta was chosen as the locus of this study, because of

the support of the objectives of the researchers are currently developing other scientific works

in municipalities. The truancy can bring, implicitly, a number of social, cultural, economic

and even religious factors, which, if well-crafted, has the property to define, to some extent,

the profile of a company. It is said that because the reasons why a child or young person to

give up studies before complete them, (in the particular case of this research, but continuing

in high school, which can be considered the minimum level of training for a citizen to have

possibilities to enter the current job market) does not happen without major causes. This work

proposes to, from educational indicators of public access, establish relations of cause and

effect between some indexes, and analyze them in order to reveal causal relationships to

identify some factors that make it difficult for young people to remain in the transition from

elementary school for high school.

Keywords

School dropouts; Guaratinguetá; Educacional indicators.

Introdução

Existem inúmeros indicadores da educação e todos eles podem auxiliar muito o

pesquisador na análise de uma problematização. Informações corriqueiras tais como dados

demográficos, pirâmide etária, nível de desemprego, dentre outros, podem ser aliados aos

dados específicos da área da educação e resultarem em perspectivas importantes, talvez

inéditas, na medida em que determinados indicadores nunca tenham sido juntados.

É de fundamental importância que haja, por parte do pesquisador, o cuidado com a

confiabilidade das fontes, assegurando que os dados utilizados sejam sempre fidedignos, bem

como, é essencial que haja sensibilidade e clareza no encontro de dois ou mais indicadores de

forma que a crítica proposta tenha coerência e relevância.

A análise sobre determinado indicador da educação resultará necessariamente na

inclusão de outros indicadores que venham a auxiliar o entendimento de alguns cenários,

portanto, deem subsídios para que a pesquisa possua um desenvolvimento analítico que traga

algumas respostas possíveis para o problema proposto inicialmente.

Esse movimento de junção de vários indicadores originais, e a partir daí a geração de

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

novos indicadores derivados daqueles, proporcionarão ao pesquisador uma relação de causa e

efeito, por meio da qual será possível desenvolver hipóteses e provocar novas perguntas. Ao

final de cada um desses processos, a compreensão sobre a temática da educação tornar-se-á

mais clara e passível de discussões em busca de melhorias.

Com esse intuito, pretende-se refletir nesse estudo, sobre a evasão escolar que se dá

entre o ensino fundamental e o ensino médio, dessa forma, foram utilizados dados relativos ao

número de alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental e alunos matriculados

no ensino médio. Definido o indicador principal para análise, para que se tenha foco e

delimitação no presente trabalho, foi proposto considerar a microrregião de Guaratinguetá

inserida na mesorregião do Vale do Paraíba Paulista. Por fim, foram considerados alguns

indicadores adicionais para dar subsídio ao entendimento desse objeto, que compreende a

diminuição do número de alunos matriculados no ensino médio quando comparado ao número

de alunos matriculados nos anos finais no ensino fundamental.

Metodologia

A partir da definição sobre o indicador da educação que seria o objeto do estudo, foi

realizada pesquisa exploratória a fim de obter dados atualizados que possibilitassem a

construção do indicador primário. O objeto “evasão escolar entre o ensino fundamental e o

ensino médio” não foi localizado de forma direta, por isso, foram utilizados os dados sobre a

quantidade de alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental e a quantidade de

alunos matriculados no ensino médio. Por meio desses dois tipos de dados foi calculado o

percentual de diferença entre as quantidades de alunos no ensino fundamental e médio. O

cálculo foi realizado para cada um dos onze municípios que compõem a microrregião

escolhida para análise. Esses dados foram obtidos em consulta ao site do INEP (2014).

Em consulta ao PNUD (2013) foram obtidos os dados do IDHM de cada município.

Esse indicador foi escolhido para análise de relação causal com o indicador de evasão escolar

em função de sua representação multidimensional. O IDHM é um índice que reúne vários

aspectos e que é amplamente conhecido e utilizado para medição de condições gerais para o

desenvolvimento humano de uma determinada cidade, região, estado, e assim por diante.

O segundo indicador pesquisado para relação causal com a evasão escolar, foi a

resultante entre a quantidade de escolas e a população. Esses dados foram coletados no site do

IBGE (2014) e foram trazidos com o objetivo de entender possíveis relações de causa e efeito

entre a quantidade de escolas disponíveis no ensino fundamental e no ensino médio, com a

desistência de alunos.

Por fim, foram utilizados os dados relativos à quantidade de alunos por sala, também

no ensino fundamental e médio, para análise da relação causal com a evasão escolar. Esses

dados foram obtidos no site do INEP (2014).

Depois da organização de todos os dados em torno de indicadores originais e

indicadores criados a partir de outros, cada relação de causa e efeito foi analisada

separadamente com o uso de quadros comparativos e gráficos de Pareto. Ao fim de todas

essas correlações, foi elaborada uma única matriz por meio da qual pretendeu-se possibilitar a

visualização de todos os indicadores em um único ambiente. Esses dados foram analisados

por meio de um critério criado pelos pesquisadores no qual foram selecionados os três

municípios com menor evasão escolar e os três municípios com maior evasão escolar, e a

partir daí, foram apontados todos os demais indicadores da mesma forma. Foi feita a

observação da presença e da frequência dos municípios em blocos similares, ou seja, três

melhores e três piores, para cada indicador.

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O resultado desse cruzamento de dados possibilitou a construção de um quadro final

que serviu de base para as discussões conclusivas a respeito do tema estudado.

Revisão de literatura

Com a intenção de refletir e promover o debate teórico sobre a evasão escolar que se

dá entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, buscar-se-á conhecer os estudos que já

existem a respeito desse fenômeno. Inicialmente, será feito um relato introdutório do caminho

metodológico traçado para execução desta pesquisa denominada “Estado do Conhecimento”.

E após, uma apresentação sobre a análise das produções acadêmicas encontradas.

As pesquisas denominadas Estado do Conhecimento, são:

Definidas como de caráter bibliográfico, elas parecem trazer em comum o

desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes

campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm

sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que

formas e em que condições têm sido produzidas certas dissertações de

mestrado, teses de doutorado, publicações em periódicos e comunicações em

anais de congressos e de seminários (FERREIRA, 2002, p.258).

Esse tipo de busca é considerado como pesquisa bibliográfica. O método utilizado foi

o exploratório-descritivo, considerando, para análise, os seguintes descritores: Evasão

Escolar, Ensino Fundamental e Ensino Médio. O período de anos e o idioma também foram

determinados. Optou-se por considerar o português e os últimos 10 anos, portanto, o período

de 2005 a 2015.

A pesquisa foi elaborada a partir de uma busca realizada no Banco de Dados de

Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e

também no diretório de dados da Scielo (Scientific Eletronic Library Online), biblioteca

eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros.

A discussão e as considerações finais foram apresentadas sob a forma textual com

uma linguagem descritiva, sem acréscimo de gráficos ou quadros ilustrativos.

Faz-se necessário apontar que esse mapeamento, tem suas limitações, pois apenas

auxilia na organização textual e no conhecimento dos teóricos da área. É pretensioso da parte

do pesquisador acreditar que sua construção sobre “estado do conhecimento” é capaz de

refletir fidedignamente a trajetória histórica de um objeto específico de investigação

(PEREIRA, 2014).

Diante disso, o que se propõe com este estudo de caráter bibliográfico é ampliar o

universo informacional sobre o tema Evasão Escolar entre o Ensino Fundamental e o Ensino

Médio.

Conforme já mencionado, foram utilizados dois bancos de dados para essa pesquisa, a

CAPES e o diretório da Scielo.

Em relação a CAPES, a pesquisa pautou-se pela identificação dos periódicos com os

seguintes descritores: Evasão Escolar, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Como filtros de

pesquisa foram utilizados o idioma português e os anos de 2005 a 2015.

No banco de dados da Scielo os descritores foram os mesmos obedecendo as mesmas

regras estipuladas pelo filtro dos anos.

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De todos os trabalhos encontrados, em ambas as bases de dados eletrônicas, foram

analisados, de maneira sucinta e breve, o título, as palavras-chaves e resumo. Com base nessa

análise inicial, selecionou-se os textos que tratavam de assunto correlatos com o tema da

Evasão Escolar que acontece entre o ensino fundamental e médio no sistema de ensino

brasileiro.

A pesquisa realizada no portal de periódicos da CAPES, se deu da seguinte forma:

num primeiro momento foi colocado o descritor “Evasão Escolar” com o filtro do idioma

português e dos anos 2005 a 2010. Os resultados foram de 136 (cento e trinta e seis) para

portal de periódicos. Em seguida acrescentou-se o descritor “Ensino Fundamental”,

considerando os mesmos filtros. Foram localizadas 29 (vinte e nove) unidades para o portal de

periódicos e selecionados para uma análise mais detalhada 16 (dezesseis) unidades. Os nãos

selecionados tratavam de temas distintos dos pesquisados aqui, como por exemplo, evasão

escolar no ensino superior, desempenho no vestibular, como os professores lidam com os

diferentes níveis de sono e vigília dos alunos, educação de jovens e adultos (EJA), crianças e

adolescentes em situação de vulnerabilidade, comunidade indígena e educação nos presídios.

Após essa pesquisa, limparam-se os campos e foram colocados os descritores “Evasão

Escolar” e “Ensino Médio” respeitando os mesmos filtros. Localizou-se 18 (dezoito) unidades

para portal de periódicos. Após análise breve do título, palavras-chaves e resumo, selecionou-

se 09 (nove) unidades. As outras unidades tratavam de objetos tais como, o currículo de

matemática no ensino médio, evasão na educação técnica, trajetória educacional acidentada de

alunos que cursam o ensino médio regular no período noturno, educação de Jovens e Adultos

(EJA), educação indígena e ensino superior.

Após análise, foi possível perceber que muitos periódicos se repetem no decorrer na

pesquisa, totalizando assim 20 (vinte) unidades de periódicos da base de dados da CAPES

para uma leitura e análise maior e mais detalhada, que será apresentado abaixo.

Os mesmos descritores de seleção utilizados para a pesquisa no banco de dados da

CAPES foi utilizado na Scielo. Porém, os resultados foram bem diferentes, como segue a

seguir. Utilizando apenas o descritor “Evasão Escolar” um total de 13 (treze) periódicos foram

localizados. Porém, somente 01 (um) foi selecionado para análise, pois o restante trata de

objetos específicos e distintos do interesse essa revisão de literatura como, evasão no ensino

superior, educação para jovens e adultos (EJA), desempenhos no vestibular e ensino técnico.

Acrescentou-se o descritor “Ensino Fundamental” e não se localizou nenhuma unidade.

Com os descritores “Evasão Escolar” e “Ensino Médio” localizou-se 01 (um) artigo,

que não foi selecionado para análise detalhada, pois o mesmo trata de entender a evasão no

ensino técnico de nível médio de Minas Gerais, logo, não contempla o objeto de estudo da

evasão entre o ensino fundamental e médio.

Uma nova pesquisa foi realizada juntando os três descritores, Evasão Escolar, Ensino

Fundamental e Ensino Médio. Nenhuma referência foi encontrada.

A partir da Revisão de Literatura sobre o tema da Evasão Escolar que ocorre entre o

ensino fundamental e médio, foi possível perceber que a evasão escolar está dentre os

assuntos que, historicamente, faz parte dos debates e reflexões no âmbito da educação pública

e que até os dias atuais está presente de maneira preocupante. (QUEIROZ, 2006).

No artigo de Figueiredo (2009) e na dissertação de Yamamoto (2012), evidencia-se,

historicamente, que o país tem se preocupado com o tema e têm proposto medidas. A partir de

1990, políticas públicas, programas e projetos têm sido gerados e financiados com o intuito de

enfrentar as altas taxas de evasão.

Foi possível perceber ainda que a evasão escolar não é um problema restrito apenas a

algumas unidades escolares especificas, mas sim nacional que vem ocupando relevante papel

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nas discussões e pesquisas educacionais no cenário brasileiro. (QUEIROZ, 2006). Segundo

Silveira (2008), o levantamento na base de dados do INEP revelou altas taxas de evasão

escolar no Brasil, como todo.

Como aponta Klein (2006), o acesso ao ensino fundamental está, de certa maneira,

generalizado no Brasil, mas a sua conclusão não é garantida. Segundo o autor, as taxas de

evasão escolar (embora altas) deixaram de cair nos últimos anos e estão subindo no ensino

médio. A expansão do ensino médio estagnou. Logo, a conclusão do ensino fundamental e do

médio, por parte dos alunos, ainda não é generalizada ou mesmo satisfatória.

Por algum tempo, a evasão escolar era vista como, apenas, fator social e cultural, o

que gerava uma certa isenção de responsabilidade por parte da escola, por seu corpo

administrativo e docente. Mas Cerratti (2008, p. 17) faz uma reflexão apresentando uma

dúvida, que faz mudar esse cenário, se a evasão estaria voltada para a “cultura social e

política, que por sua vez é segregadora e excludente, ou se a escola não reproduz essa mesma

sociedade contribuindo para que os alunos continuem excluídos da sociedade”. A partir dessa

reflexão a passividade da escola frente ao tema toma outra característica.

Em relação às causas da evasão escolar, os estudos apontam, de maneira geral, que

existem fatores internos e externos à escola que excluem os alunos da dinâmica escolar.

Dentre os fatores internos, os quais mais se repetiram foram o conteúdo do ensino e o preparo

dos professores. Já os fatores externos, o próprio aluno, familiares e econômicos.

Os pesquisadores colocam essas questões de maneiras distintas. Para Ceratti (2008) o

fracasso escolar é o produto da interação de três tipos de determinantes: psicológicos,

socioculturais e institucionais.

Segundo Queiroz (2006, p.38),

[...] vários estudos têm apontado aspectos sociais considerados como

determinantes da evasão escolar, dentre eles, a desestruturação familiar, as

políticas de governo, o desemprego, a desnutrição, a escola e a própria

criança, sem que, com isto, eximam a responsabilidade da escola no

processo de exclusão das crianças do sistema.

No artigo publicado em 2011, Evasão escolar no ensino médio: velhos ou novos

dilemas? dos autores, Antonia de Abreu Sousa, Tássia Pinheiro de Sousa, Mayra Pontes de

Queiroz, Érika Sales Lôbo da Silva, realizou-se uma análise da evasão escolar de alunos

que cursam o Ensino Médio regular da rede pública. E a falta de incentivo da família e da

escola, a necessidade de trabalhar e o excesso de conteúdos escolares e amizades erradas

foram as causas da evasão segundo a direção da escola, os docentes e discentes.

De acordo com Auler; Ferrão (2012), os resultados da evasão escolar podem ser

sintetizados em três categorias temáticas: cumprir programas, interesse: fazer sentido estar na

escola e Currículo naturalizado.

Nos estudos realizados por Neri (2009), identificou como os motivos da evasão

escolar, dificuldade de acesso a escola, necessidade de trabalho e de geração de renda e falta

intrínseca de interesse.

Já para Falcão (2010), o motivo principal da evasão escolar por parte de estudantes

dos ensinos fundamental e médio seria a “chatice da escola” (sic). E para o autor, uma das

razões da chatice seria a desconexão da escola em relação ao mundo extra-escolar.

Diante disso, o que se pode perceber em relação ao conteúdo do ensino, é que muitas

das vezes, eles são mesmos distantes da realidade do aluno, se tornando assim desinteressante

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e sem ligação alguma com a realidade vivida por eles fora dos muros da escola.

De fato, uma certa vertente do discurso psicológico (em psicologia da

aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo) sugere que a escola (isto é,

os conteúdos e atividades de ensino-aprendizagem) seria chata sempre que

se desconectasse da “vida real”, e seria interessante sempre que se mostrasse

“relevante”, “contextualizada”, “instrumental” (FALCÃO, 2010, p.641).

Nesse sentido, o autor continua sua reflexão, defendendo que para que a sala de aula

seja atraente e eficaz, é preciso que aja um professor comprometido, que seja um mediador, e

não apenas detentor de informação, que promova “discussão e ofereça a seus pupilos a

necessária educação para a atividade intelectual de construção do saber”. (FALCÃO, 2010, p.

652)

Ceratti (2008) também faz uma reflexão sobre os motivos que afastam os alunos da

escola, e segundo ele, são fatores didáticos e pedagógicos, que acaba deixando os educandos

desestimulados e com baixa autoestima.

A linguagem diferenciada utilizada pelos professores com os alunos e os elementos

afetivos na relação professor-aluno também se fizeram presentes nas pesquisadas analisadas.

Percebeu-se que os professores utilizam linguagens que não fazem parte do vocabulário dos

alunos, dificultando assim a aprendizagem e o interesse deles. E as relações afetivas,

geralmente são pobres (QUEIROZ, 2006).

Sobre os fatores econômicos, pode-se dizer que a evasão escolar e pobreza estão

intimamente ligadas (NERI, 2009), que existe uma necessidade, muitas vezes, imediata de

renda, por parte da família dos alunos e que se encontra uma falta de perspectiva na escola,

uma vez que os retornos futuros oriundos de estudos são baixos.

Em uma perspectiva mais crítica, Avila (2007, p. 68) diz que,

[...] o capitalismo neoliberal generalizou a pobreza, obrigando muitas

famílias a recorrer ao trabalho dos filhos para garantir sua subsistência. Pelo

trabalho, as crianças abandonam a escola. Quando adultos, pela perda da

educação, só conseguem ocupações que exigem menor qualificação e pelas

quais recebem menores ganhos. Em conseqüência, provavelmente serão pais

de novas crianças trabalhadoras, reproduzindo intergerações a pobreza.

Dentre os fatores ligados a ordem econômica, Queiroz (2006) aponta as necessidades

do aluno de trabalhar, as condições de desnutrição das crianças que acaba tendo impacto

direto na sua aprendizagem e as desvantagens culturais, vistas a partir da imensa desigualdade

social existente na sociedade.

Outro ponto que merece destaque diz respeito a família e ao próprio aluno. Segundo

Queiroz (2006), as condições da família destacando-se o nível de escolaridade dos pais e o

não acompanhamento dos filhos em suas atividades escolares, são geradores de evasão

escolar.

Em relação aos fatores que dizem respeito aos próprios alunos sobre o tema da evasão,

as pesquisas apontam que a falta de interesse do aluno, às vezes, é uma maneira de mascarar

sua incapacidade para se esforçar, e que a criança pode ser responsabilizada sim por seu

abandono dos estudos, através da pobreza, da má-alimentação, da falta de esforço, ou mesmo

pelo desinteresse (CERATTI, 2008; QUEIROZ, 2006).

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Cerullo (2006) em sua tese aponta para indícios de que maiores dimensões de capital

social, nos tópicos de informação e comunicação, confiança e solidariedade e coesão e

inclusão social, podem estar relacionados, de forma não determinante, a melhores

desempenhos nas unidades escolares. Seu objeto de pesquisa foi levantar e analisar as

relações existentes entre o capital social e dois indicadores específicos de desempenho de

instituições educacionais: evasão escolar e reprovação.

Já Silva (2009), também em sua tese, objetivou compreender algumas questões

relacionadas ao fracasso, à indisciplina e à evasão escolar sob a perspectiva do aluno pobre,

que segundo ela, vivencia a experiência de não ter se adaptado ao sistema formal de ensino

público.

Dimiani (2006) fez uma investigação, num primeiro momento, sobre os fatores de

risco para o fracasso escolar (entendidos como repetência e/ou evasão escolar). Os resultados

confirmam os encontrados em outras pesquisas, indicando a importante influência de fatores

como grupo étnico, renda familiar, número de irmãos, escolaridade dos pais, tipo de moradia,

entre outros, sobre o desempenho das crianças. A segunda parte do trabalho relata estudos de

caso de duas escolas cujas taxas de reprovação e evasão eram contrastantes.

Em síntese, a partir da revisão de literatura, foi possível perceber que discutir a

questão da evasão escolar é bastante delicado, pois a problemática envolve diversos fatores, e

que vai muito além de apontar apenas um ou outro responsável.

Nas considerações finais do estudo realizado por Queiroz (2006) ele aponta que tanto

a escola quanto à família, pouco têm feito pela criança que evade. Segundo o autor, no que se

refere à evasão, o que tem sido feito são ações isoladas com crianças que frequentam a escola,

e não às crianças que a abandonaram.

Diante disso, é preciso pensar e planejar políticas públicas que cuide desse fenômeno

que atinge a educação brasileira.

Queiroz (2006, p. 69) aponta duas sugestões para a problemática. Uma seria cuidar e

incentivar as crianças que estão na sala de aula, e buscar propor atividades que demandam a

participação dos pais. A segunda seria a inclusão da criança na escola, através de projetos

políticos e que garantam a participação da família nesses projetos, que “lutem e reivindiquem

junto ao poder público, apoio, orientação e acompanhamento, recursos materiais e de pessoal,

espaços físicos, para atividades específicas para que o aluno possa retornar à escola”.

Finalizando, Paiva; Silva (2013) acreditam que a evasão escolar, principalmente no

ensino médio, implica na substituição dessa sociedade meritocrática e individualista, na qual o

sujeito é totalmente responsabilizado pelo seu sucesso e pelo seu fracasso; por uma sociedade,

na qual todos os bens materiais e culturais estejam disponíveis a todos os cidadãos.

Resultados e discussão

De acordo com o IBGE (2014) o Vale do Paraíba Paulista compõem uma mesorregião

da unidade federativa de São Paulo. Essa mesorregião é subdividida em seis microrregiões

sendo, Bananal, Campos do Jordão, Caraguatatuba, Guaratinguetá, Paraibuna/Paraitinga e São

José dos Campos. É objeto desse estudo a microrregião de Guaratinguetá, que é composta de

onze municípios sendo, Aparecida, Cachoeira Paulista, Canas, Cruzeiro, Guaratinguetá,

Lavrinhas, Lorena, Piquete, Potim, Queluz e Roseira. Essa microrregião, dentre as seis que

constituem a mesorregião do Vale do Paraíba Paulista, é mais distante geograficamente da

capital do Estado de São Paulo, e situa-se mais próxima das divisas com os Estados de Minas

Gerais e Rio de Janeiro, especificamente Sul de Minas e Leste Fluminense.

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177

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

A escolha pelo estudo da microrregião de Guaratinguetá se deu em função do interesse

dos pesquisadores participantes, que desenvolvem outros estudos correlatos em municípios

dessa região, o que vem a contribuir com a consolidação do entendimento sobre as demais

pesquisas em andamento.

Apresenta-se inicialmente, conforme o Quadro 1, o número de alunos matriculados no

ensino fundamental e os alunos matriculados no ensino médio, por município. Além disso, o

quadro traz as totalizações dos municípios, por ensino fundamental e médio, e a relação

percentual da diminuição do número de alunos matriculados no ensino médio quando

comparado ao número de alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental.

Observa-se que a média de evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino

médio na microrregião de Guaratinguetá é de 28,4%, o que representa em números absolutos,

quase 7.000 alunos a menos, num universo de pouco mais de 24.000 alunos que chegaram até

o final do ensino fundamental. A partir dessa média é possível evidenciar municípios que se

posicionam acima e abaixo dessa linha referencial, sendo que, o município de Cruzeiro detém

o menor índice de evasão, com 21%, portanto, o melhor desempenho dentre os municípios

estudados, enquanto o município de Potim detém 47,8% de evasão, o pior desempenho entre

os municípios estudados. Nesse último caso, tem-se uma queda praticamente pela metade, do

número de jovens que terminam o ensino fundamental e ingressam no ensino médio.

Dos 11 municípios estudados, 8 apresentam índice acima da média que compõem a

microrregião de Guaratinguetá, enquanto apenas 3 posicionam-se abaixo da média. São eles

Cruzeiro, Guaratinguetá e Lavrinhas, com 21%, 22,3% e 23,3%, respectivamente. Para que se

tenha um parâmetro comparativo de maior amplitude, foram levantados na mesma fonte de

dados, os indicadores do município de São Paulo, capital do Estado, e também do município

de São José dos Campos, o mais populoso e de maior arrecadação da mesorregião do Vale do

Paraíba Paulista. O índice de São Paulo é de 19,1%, enquanto São José dos Campos apresenta

22,4%. Percebe-se que, a média da microrregião de Guaratinguetá encontra-se acima da

referência de dois grandes municípios do Estado de São Paulo, contudo, há municípios que

estão tecnicamente nivelados com esse parâmetro. É importante salientar que, os municípios

de São Paulo e São José dos Campos não podem ser considerados como referência positiva

meramente por serem mais populosos e de maior renda, trata-se portanto de conjecturas

possíveis que se fazem para aguçar a reflexão.

Em números absolutos, o município de Canas tem o menor número de alunos

matriculados, tanto no ensino fundamental, 302, como no ensino médio, 172, enquanto o

município de Guaratinguetá tem o maior número, 6.788 no ensino fundamental e 5.274 no

ensino médio.

Quadro 1

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178

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

A Figura 1 é um gráfico de Pareto que permite relativizar percentualmente o número

de alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental por município da microrregião

de Guaratinguetá. Observa-se que os municípios de Guaratinguetá, Lorena e Cruzeiro, são os

mais numerosos nesse quesito, ao passo que, Roseira, Canas e Lavrinhas, são os menos

numerosos. Cabe explicar que o gráfico consolidou os dados de Canas e Lavrinhas na última

coluna denominada como other em função de modelo matemático advindo do próprio

software onde o Pareto foi elaborado.

Juntos, Guaratinguetá, Lorena e Cruzeiro, representam 68,4% do total de alunos

matriculados no ensino fundamental nessa microrregião. Os municípios de Roseira, Canas e

Lavrinhas representam 5,4% do total.

Figura 1

Fonte: Censo escolar 2014 do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)

Elaboração: SILVA, J.E. (2015)

A Figura 2 também traz um gráfico de Pareto. Os dados referem-se aos números de

alunos matriculados no ensino médio por município. Nesse caso, os municípios com maior

número de alunos continuam sendo Guaratinguetá, Lorena e Cruzeiro, como foi observado no

ensino fundamental, todavia, a segunda posição se inverte com a terceira, passando Cruzeiro a

ter maior número de alunos matriculados no ensino médio que Lorena. Essa alteração

numérica remete ao bom desempenho percebido no Quadro 1 com relação ao município de

Cruzeiro. Ou seja, a menor diferença entre o número de matrículas entre o final do ensino

fundamental e o ensino médio. Esses três municípios somam 70,6% do total de alunos

matriculados no ensino médio nessa microrregião, enquanto, Roseira, Canas e Lavrinhas,

representam 4,9% do total, nesse gráfico consolidados todos como other na última coluna.

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179

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Figura 2

Fonte: Censo escolar 2014 do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)

Elaboração: SILVA, J.E. (2015)

Na Figura 3 observa-se o confronto dos dados relativos ao número de alunos

matriculados no ensino fundamental com os dados relativos ao número de alunos

matriculados no ensino médio, por município, o que resulta numa relativização percentual que

mostra a evasão de alunos entre essas duas etapas da formação escolar.

O município de Potim apresenta a maior evasão, conforme comentado junto à análise

do Quadro 1, enquanto o município de Cruzeiro apresenta a menor evasão. Contudo, o gráfico

apresentado como Figura 3 acrescenta mais um dado, que é o percentual de evasão a partir da

comparação dos percentuais individuais, entre todos os municípios estudados. Dessa forma,

Potim é responsável por 12,9% do total de alunos evadidos nessa microrregião, seguido de

Queluz com 12,1% e Canas com 11,6%. Os municípios de Cruzeiro, Guaratinguetá e

Lavrinhas, com os melhores índices, somam juntos, 18% do total de alunos evadidos.

Figura 3

Fonte: Censo escolar 2014 do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)

Elaboração: SILVA, J.E. (2015)

Com o propósito de estabelecer uma relação causal, o Quadro 2 mostra o IDHM

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180

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

(Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) para cada município da microrregião de

Guaratinguetá, como forma de permitir a discussão sobre a evasão de alunos entre o ensino

fundamental e o ensino médio na microrregião estudada, a partir de algumas correlações entre

esses indicadores.

O IDHM foi escolhido por conta de representar um indicador com relativa robustez,

haja vista, ser constituído de várias dimensões. Apesar de não ser possível, no IDHM, ter

todas as variáveis importantes representadas, noutra via, esse índice considera algumas

vertentes relevantes.

Pode-se tomar o IDHM como uma das causas que explicam a evasão escolar, mas

também é possível entender que a evasão escolar compõem, direta ou indiretamente, esse

índice. Assim, permitiu-se aqui propor, que o IDHM é, com relação à evasão escolar, tanto

causa, como efeito.

A Figura 4 apresenta um gráfico de Pareto com o IDHM de cada município da

microrregião de Guaratinguetá. Pode-se observar que Guaratinguetá, Cruzeiro e Lorena, tem

os melhores índices, ao passo que Queluz, Canas e Potim, tem os índices mais baixos.

Nessa primeira relação causal observa-se um comportamento que chama a atenção,

pois os dois municípios com maior IDHM são os mesmos que apresentam menor evasão

escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio, bem como, os três municípios com

maior evasão escolar, são os mesmos municípios detentores dos IDHM mais baixos. A única

alternância percebida nessa relação é do município de Lavrinhas, que aparece como um dos

três com menor evasão escolar, contudo, é o oitavo IDHM entre os municípios considerados.

Dessa maneira, evidencia-se mais concordâncias do que diferenças, o que permite

supor que haja importante relação causal entre o IDHM e a evasão de alunos entre o ensino

fundamental e o ensino médio nos municípios. O fato do município de Lavrinhas ser o único

que fugiu dessa tendência pode denotar a influência de outros componentes do IDHM que

exercem peso sobre esse índice e que são mais significativos do que a evasão escolar em si.

Cada município e cada indicador contém inúmeras possibilidades de exploração analítica,

porém, não cabe nesse estudo o aprofundamento do caso de Lavrinhas, mas deixa-se em

aberto a possibilidade para novos estudos desse caso específico.

Ao analisar o gráfico da Figura 4 pode-se interpretar a princípio que, apesar de haver

Quadro 2

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

diferença do IDHM dos municípios, a variação é pequena, sendo o maior 0,798 e o menor

0,697, ou seja, apenas 13% de distância entre os extremos desse gráfico, o que faz dele, na

relação percentual, praticamente uma reta, com as colunas absolutas muito niveladas.

Todavia, a que se ter cuidado com essa perspectiva matemática, pois há uma classificação por

níveis designados pelo IDHM, nesse caso, 0,798 é tido como alto, enquanto 0,697 é tido como

médio.

Mais do que isso, observando o ranking do IDHM de 2013, nota-se a sensível

diferença representativa desse índice quando se trata de um munícipio classificado com 0,798

em comparação com outro com a classificação 0,697. Foram analisados 5.565 municípios

abrangendo todo o território nacional brasileiro e Guaratinguetá com 0,798 ocupa a posição

47 nesse ranking, enquanto o município de Potim com 0,697 ocupa a posição 1.995

juntamente com alguns outros municípios. O município de São Caetano do Sul, localizado nas

imediações da capital paulista, tem a primeira colocação no ranking brasileiro com o IDHM

0,862. Na outra extremidade do ranking, ocupando a posição 5.565, está o município de

Melgaço, no Estado do Pará, com o IDHM 0,418.

Portanto, cabe novamente, chamar a atenção para as diversas possibilidades de análise

acerca dos municípios e seus indicadores como oportunidades futuras, mas para o presente

estudo, faz-se a contenção do foco estabelecido para a evasão escolar entre o ensino

fundamental e o ensino médio. Para dar conta da relação causal proposta entre o IDHM e a

evasão escolar, sugere-se cautela na interpretação dos dados apresentados, mediante as

perspectivas apontadas, sendo que, o município de Potim, com o IDHM mais baixo dentre os

municípios da microrregião de Guaratinguetá, também detentor do mais alto índice de evasão

escolar dessa amostra, pode ser considerado afetado em relação causa e efeito de forma direta

entre esses indicadores. Entretanto, pode-se acrescentar ainda, que, o município de Potim, se

comparado com São Caetano do Sul, com relação ao IDHM, é bastante deficitário, mas, se

comparado aos índices nacionais, encontra-se em posição intermediária. Por fim, entende-se

relevante observar que numa microrregião com onze municípios, naturalmente inscritos

geograficamente em região de características muito semelhantes, tem-se uma diferença entre

um índice de desenvolvimento humano que distancia o mais privilegiado, nesse caso,

Guaratinguetá, em 1.948 posições no ranking, do menos privilegiado, nesse caso, Potim.

Pretende-se, com esse diálogo entre os indicadores IDHM e evasão escolar entre o

ensino fundamental e o ensino médio, predizer que foi constatada relação causal entre eles.

Figura 4

Fonte: Censo escolar 2014 do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)

Elaboração: SILVA, J.E. (2015)

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Como segunda relação de causa e efeito propõem-se apresentar os dados relativos ao

número de escolas do ensino fundamental e do ensino médio, por município, para refletir

sobre a influência da disponibilidade de escolas com relação às oportunidades que os jovens

possuem, em suas localidades, para ter acesso adequado ao ensino médio. Porém, fez-se

necessário agregar outro dado a essa análise, pois, considerar de forma simples e direta, a

quantidade de escolas, provavelmente acarretará distorções à análise dos dados. Por essa

razão, foram trazidos os dados relativos às populações dos municípios. Evidentemente, o tema

abordado nesse trabalho está relacionado ao público jovem, na fase adolescente, e não a toda

população, no entanto, seria inviável para o propósito dessa pesquisa, buscar os dados exatos

por faixa etária, pois, inclusive a idade de trânsito entre o ensino fundamental e ensino médio

podem ter variações, o que também causaria distorções nos resultados das análises. Por isso,

entendendo que haja um comportamento etário semelhante na microrregião de Guaratinguetá,

a população total dos municípios foi utilizada como dado complementar ao número de escolas

para que fosse possível criar um fator relativizado que permitisse análise mais confiável.

No Quadro 3, encontra-se a quantidade de escolas de cada município e a população

deste, o que resulta num fator de “habitantes/escola”. A correlação foi feita para as escolas do

ensino fundamental e também para as escolas do ensino médio.

Na análise voltada para o ensino fundamental, dentre os municípios da microrregião

de Guaratinguetá, Lavrinhas apresenta a menor relação de habitantes por escola, 1.098, o que

pode ser interpretado como aspecto positivo, pois, em tese, há maior disponibilidade de

escolas para atender à população. Na mesma perspectiva, Potim apresenta a maior relação de

habitantes por escola, com 4.849, o que pode denotar maior concorrência por vagas, ou até

mesmo, maior distanciamento físico entre os munícipes e as escolas. A média observada nessa

amostragem é 1.880 habitantes/escola, portanto, há nove municípios abaixo da média,

enquanto apenas dois, acima da média, são eles, Potim e Canas.

No caso do ensino médio, o município de Potim continua apresentando o índice mais

alto, com 19.397 habitantes/escola, enquanto Lavrinhas, que apresenta relação mais baixa no

ensino fundamental, tem 3.295 habitantes/escola. No entanto, o município com a relação mais

baixa no ensino médio é Cachoeira Paulista, com 2.736 habitantes/escola. A média observada

na relação com ensino médio é de 6.706 habitantes/escola. Sendo assim, sete municípios estão

abaixo da média, e outros quatro, acima da média, são eles, Aparecida, Piquete, Queluz e

Potim.

Na Figura 5, o gráfico de Pareto mostra a relação entre número de habitantes e número

de escolas no ensino fundamental. Chama a atenção nesse indicador, a acentuada diferença do

município de Potim em relação aos demais. O município de Canas aparece como segundo

maior na relação de habitantes por escola e Aparecida vem em terceiro praticamente igual a

Guaratinguetá. Os municípios de Cachoeira Paulista, Piquete e Lavrinhas tem as relações

mais baixas. Na Figura 6, o gráfico relativo ao ensino médio, mostra Potim e Queluz com as

maiores relações, enquanto, Canas, Lavrinhas e Roseira, tem as relações mais baixas. Dessa

forma, observa-se que Potim tem a maior relação de habitantes por escola, tanto no ensino

fundamental como no ensino médio.

No ensino fundamental, Cachoeira Paulista, Piquete e Lavrinhas, tem as menores

relações, enquanto no ensino médio, ocorre uma alternância com Canas, Lavrinhas e Roseira,

portanto, somente Lavrinhas permanece nos dois grupos.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Diferentemente da relação estabelecida com o IDHM, o número de escolas apresenta

menos comportamentos convergentes entre os indicadores. Observa-se uma alternância entre

os municípios nas extremidades dos gráficos quando analisa-se o ensino fundamental e o

ensino médio. Contudo, há um município que merece destaque, pois em todas as relações

construídas até aqui, demonstra evidências de comportamento com tendência regular. É o caso

do município de Potim, que, figura como a maior evasão escolar entre o ensino fundamental e

o ensino médio conforme Figura 3, o menor IDHM conforme Figura 4, a maior relação de

habitantes por escola no ensino fundamental conforme Figura 5 e a maior relação de

habitantes por escola no ensino médio conforme Figura 6.

Entende-se que, a quantidade de escolas existentes num município, não determina de

forma isolada, a qualidade do ensino para as pessoas, sendo indispensável levar em conta as

condições físicas das instalações, os salários dos professores e funcionários da escola, a

qualidade e disponibilidade da merenda, a qualidade e oferta da biblioteca, as questões sócio-

econômicas das famílias, etc., mas reforça-se aqui, a necessidade de confrontar diferentes

dados para buscar o entendimento aproximado das questões que circundam a temática da

educação.

Figura 5

Fonte: Censo 2014 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

Elaboração: SILVA, J.E. (2015)

Cabe refletir, por exemplo, que o município de Cruzeiro, que aparece com a menor

Quadro 3

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio, se posiciona de forma também

positiva com relação ao IDHM, mas em posição intermediária nas relações de número de

habitantes por escola. Pode-se, dessa forma, inferir que, o IDHM somado a outros fatores

auxiliam o município de Cruzeiro a sofrer menos baixas de alunos na passagem do ensino

fundamental para o ensino médio, independentemente do número de escolas existentes.

Também é possível perceber que para o município de Potim, ter um IDHM mais baixo e

também ter uma oferta de escolas relativamente baixa, causa impacto grave na continuidade

dos estudos dos jovens que saem do ensino fundamental, impossibilitando-os de ingressar no

ensino médio. Portanto, mediante essas considerações, é proposto que, também ocorre relação

causal entre a evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio com o número de

escolas existentes em cada município.

Figura 6

Fonte: Censo 2014 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

Elaboração: SILVA, J.E. (2015)

Com o objetivo de estabelecer mais uma relação de causa e efeito, o Quadro 4

apresenta o número de alunos por sala de aula no ensino fundamental e no ensino médio.

Esses dados foram entendidos como importantes para a correlação com a evasão escolar,

mediante a perspectiva de que uma sala com maior ocupação pode configurar tendência de

menor atenção ao aluno por parte do professor, além de maior desconforto para compartilhar

os recursos físicos, por exemplo, cadeiras, carteiras, materiais de trabalho, a própria sensação

de calor em épocas de temperaturas mais elevadas, iluminação, proximidade das lousas,

painéis, projetores, e assim por diante.

A média de alunos por sala de aula no ensino fundamental observada na microrregião

de Guaratinguetá foi de 25,7. O município de Roseira apresenta o menor índice, com 20,6

alunos por sala, seguido de perto por Lavrinhas, com 20,9. Além dos municípios de Roseira e

Lavrinhas, outros cinco apresentaram índice abaixo da média observada, enquanto quatro

mostraram índices acima da média.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Dentre os quatro municípios com índice acima da média, Potim apresenta o valor mais

elevado, com 33,1 alunos por sala de aula no ensino fundamental. Além de Potim, Aparecida,

com 28,9 alunos por sala, Guaratinguetá, com 27 alunos por sala, e Lorena, com 28,9 alunos

por sala, formam o grupo de municípios acima da média.

Ao analisar os dados do ensino médio, nota-se que, o município de Canas, com 24,7

alunos por sala, apresenta o menor índice, ao passo que, o município de Potim, com 34,7

alunos por sala, apresenta o maior índice. A média observada para o ensino médio foi de 30,8

alunos por sala, sendo assim, cinco municípios apresentaram índices abaixo da meta, são eles,

Cachoeira Paulista, Canas, Guaratinguetá, Lorena e Roseira.

Assim como foi abordado nos indicadores anteriores, este também não pretende ser

decisivo, mas, contribuinte para a compreensão da evasão escolar entre o ensino fundamental

e o ensino médio. De forma ainda mais indireta do que os demais, este indicador não oferece

números diretos para retratar a evasão, mas pretende-se nessa análise, sugerir que salas mais

cheias ofereçam menos incentivo para os alunos permanecerem na escola.

Quadro 4

Figura 7

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

A Figura 7 é constituída de um gráfico de barras que permite a comparação entre a

ocupação das salas de aula no ensino fundamental e no ensino médio. É importante

compreender corretamente a dinâmica desse gráfico. A barra que representa a quantidade de

alunos por sala no ensino fundamental, legendada como EF, será melhor, quanto menor for

seu comprimento, pois significa que há menor sobrecarga de alunos por sala. Dessa forma,

Roseira e Lavrinhas estão em condição mais favorável. Da mesma maneira, Aparecida,

Lorena e Potim, apresentam condições supostamente mais desfavoráveis.

Ao analisar os dados do ensino médio, EM, a lógica para interpretação é a mesma,

portanto, Potim, Queluz, Piquete e Aparecida, apresentam condições mais desfavoráveis,

enquanto, Cachoeira Paulista e Canas, apresentam condições mais favoráveis.

Todavia, esse gráfico também deve ser analisado por meio da comparação entre as

duas barras de cada município, pois essa perspectiva mostra a diferença que um aluno,

efetivamente, sentirá ao sair de uma sala do ensino fundamental e entrar numa sala do ensino

médio. Por exemplo, o aluno do município de Potim que estudou no ensino fundamental com

33,1 alunos por sala, passará a estudar numa sala de 34,7 alunos. A diferença de ocupação

dessa sala em Potim é de 4,8% conforme o Quadro 4. Porém, em Lavrinhas, o aluno que

cursou o ensino fundamental e adaptou-se a uma realidade de 20,9 alunos na sala, enfrentará

no ensino médio, salas com 31,3 alunos, o que representa uma diferença adicional de 49,8%.

Nesse caso, os indicadores parecem conduzir o entendimento para uma composição

entre dois fatores, sendo um deles a quantidade de alunos por sala acima da média de forma

direta, e o outro, o salto na quantidade de alunos por sala na transição do ensino fundamental

para o ensino médio. Observa-se que o município de Potim, apresenta o maior número de

alunos por sala em ambos os cenários, ensino fundamental e médio. Portanto, intui-se que,

mesmo com uma pequena diferença na transição entre os níveis fundamental e médio, ser o

detentor do mais alto índice de alunos por sala, em comparação com os municípios da

microrregião em que está inserido, tem maior significância com relação à evasão escolar. Essa

hipótese é ainda mais reforçada na medida em que analisa-se o município de Lavrinhas, que

acabamos de citar, tem o maior distanciamento entre o número de alunos por sala na

comparação entre o ensino fundamental e o ensino médio, todavia está entre os três

municípios com menor evasão escolar.

Portanto, o estudo sugere que a quantidade de alunos por sala, independente no nível

de ensino, constitua um aspecto importante para a evasão escolar, caracterizando a relação

causal.

De acordo com o Quadro 5, foi possível estabelecer algumas relações de causa e efeito

num único ambiente de comparação entre indicadores. Primeiramente, na parte superior do

quadro, foi feita a organização dos municípios em blocos, sendo dispostos em três melhores

índices e três piores índices por indicador. Nessa parte do quadro, o indicador de referência

que está sendo estudado também foi posicionado da mesma forma, ou seja, a evasão escolar

entre o ensino fundamental e o ensino médio.

Na parte inferior do quadro foi montada uma matriz por meio da qual foi possível

listar todos os municípios do grupo estudado, e atribuir a cada um deles um número, que

corresponde a quantidade de vezes que o município apareceu no quadro superior, no bloco

dos melhores índices e no bloco dos piores índices.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Ao analisar a matriz do Quadro 5, observa-se que os três municípios que apresentam a

menor evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio na microrregião de

Guaratinguetá, não figuram nenhuma vez no bloco dos piores índices, ao passo que aparecem

ao menos uma vez no bloco dos melhores índices. Os municípios que apresentam os maiores

índices de evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio na microrregião de

Guaratinguetá, aparecem no mínimo duas vezes no bloco dos piores índices, e não aparecem

no bloco dos melhores índices necessariamente.

A primeira ressalva a se fazer com relação aos resultados dessa matriz, é que o

município de Canas está entre os três maiores índices de evasão escolar, porém, aparece três

vezes no bloco dos melhores índices. Também vale ressaltar que os municípios de

Guaratinguetá e Cruzeiro, têm os menores índices de evasão escolar, mas aparecem apenas

uma vez no bloco dos melhores índices.

Portanto, pode-se ponderar sobre esses resultados matriciais considerando que, para

apresentar os menores índices de evasão escolar é mais importante não estar presente no bloco

dos piores índices nenhuma vez, do que figurar várias vezes no bloco dos melhores índices.

Também pode-se supor que o IDHM, particularmente, tem maior representatividade na evasão

escolar do que os demais indicadores considerados nas análises de causa e efeito. Dos seis

municípios que apresentaram os três maiores e os três menores índices de evasão escolar,

cinco também estão no grupo dos três maiores e três menores IDHM, portanto, dos

indicadores considerados nesse estudo o IDHM é o que apresenta maior fidelidade com os

indicadores de evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio.

Também entende-se como relevante, observar os índices do município de Potim, pois,

diferentemente dos demais, que permaneceram em zonas intermediárias ou navegaram entre o

bloco dos melhores e o bloco dos piores índices, este se diferencia muito da amostra, com

índices desfavoráveis em todos os indicadores, o que pode dar mais sustentação à relação de

causa e efeito entre todos esses indicadores.

Quadro 5

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188

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Considerações finais

A guisa de conclusão, entende-se que, por meio dos dados eleitos e apresentados nesse

estudo, na forma original ou modificada em alguns casos, foi possível desenvolver análises

com bases numéricas, por isso quantitativas, e também reflexões de teor subjetivo. Todas

essas discussões remetem ao entendimento de que não há indicadores absolutos e

independentes, mas sim, indicadores que auxiliam na construção do conhecimento por meio

de correlações com outros indicadores e também sob a análise crítica do pesquisador.

Particularmente, os indicadores explorados nesse estudo levam à conclusão de que há relação

causal entre todos eles, em maior ou menor grau, e de acordo com especificidades de cada

município e também da microrregião. A descontinuidade dos estudos do jovem na faixa de 14

ou 15 anos de idade, pode trazer prejuízos irreversíveis para o futuro do sujeito e da

sociedade, portanto, entende-se que esse estudo tem potencial para provocar e auxiliar na

discussão sobre a evasão de alunos entre o ensino fundamental e médio, ficando em aberto a

possibilidade importante de elaborar estudos que ajudem a sociedade na compreensão dos

desdobramentos que essa evasão escolar pode causar em médio e longo prazo.

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O novo voluntariado e a comunicação de ONGs no

contexto da América Latina

Gino Giacomini-Filho Doutor e livre-docente pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).

Docente do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul

(USCS). Docente no curso de Comunicação Social da ECA/USP.

Ricardo Carvalho de Almeida Mestre em Comunicação pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e docente de cursos de

especialização da USCS: Empreendedorismo Social, Empregabilidade e Projeto de Vida, Desenvolvimento de

Novas Competências. Coordenador de programas de extensão: PAES – Programa de Apoio a Entidades Sociais.

PROEDUC - Programa de Contribuição com a Educação Básica. Fundador / Diretor Administrativo Financeiro

da Organização Social Opção Brasil.

Resumo O presente estudo objetiva apresentar e discutir o novo voluntariado em atividades

comunicacionais de ONGs no contexto latino-americano. Trata-se de um estudo exploratório

que se vale de modelos teóricos sobre as novas configurações do trabalho voluntário e sua

interação com a comunicação das ONGs. A pesquisa também recorreu ao estudo de caso

sobre o novo voluntariado nas atividades funcionais de comunicação da Opção Brasil em

2014, ONG integrada à rede Opción Latinoamérica (OLA). Os resultados apontam que os

espaços de participação em ONGs criados e estimulados para o voluntariado em atividades

de comunicação destas organizações se estabelecem em um ambiente transformador, tanto

para a ONG, como para o voluntário. O modelo de comunicação encontrado na Opção Brasil

apresenta características heterogêneas quanto a: motivações e interesses do voluntário;

limites de recursos e intenso volume de ações comunicativas da organização; dependência do

voluntariado de estudantes e profissionais para o cumprimento de sua missão organizacional.

Palavras chaves Comunicação; Novo Voluntariado; ONGs Latino-americanas.

Abstract This study aims to present and discuss the new volunteering in communication activities of

NGOs in the Latin American context. This is an exploratory study that makes use of

theoretical models of the new configurations of volunteer work and its interaction with the

statement of NGOs. The research also used the case study on the new volunteering in

functional communication activities of Opção Brasil in 2014, NGO integrated in Opción

Latinoamérica (OLA). The results show that the spaces of participation in NGOs created and

encouraged for the volunteer work in communication activities enhance either volunters as

these organizations. The communication model found in Opção Brasil has heterogeneous

characteristics as: motivations and interests of volunteer; resource limits and high volume of

communicative actions of the organization; dependence of students and professionals

voluntaries to fulfill their organizational mission.

Keywords Communication; New volunteering; NGOs in the Latin American.

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Introdução

Os estudos contemporâneos em comunicação organizacional indissociáveis das

influências transformadoras e inovadoras propiciadas pela sociedade atual, assim como as

recentes mudanças nos ambientes democráticos e de participação, sugerem a constante

atualização de modelos teóricos e conceituais para a aplicação e avaliação das práticas

comunicativas das organizações.

As instituições públicas e privadas também se apropriam desses referenciais para o

aprimoramento da comunicação para os seus serviços, negócios, relacionamentos, ambiente

ou imagem institucional. O terceiro setor, em especial as ONGs, que possuem missões

humanitárias e sociais, convivem com restrições de recursos, mas a prática voluntária tem

lançado novas luzes, em especial às práticas em ONGs na região da América Latina.

Partindo deste contexto, estima-se que nas ações voluntárias há o envolvimento de

distintos atores sociais, como profissionais, universidades e estudantes, que ao exercer o

voluntariado em comunicação, orientam seus propósitos na direção da construção de uma

nova cidadania. A opção pelo voluntariado significa adesão a causas, algo que ocorre por

distintas motivações, seja por altruísmo ou identificação ideológica, seja pelo engajamento às

questões sociais ou aprimoramento profissional. O trabalho voluntário incentiva soluções

inovadoras, caso de estudantes universitários que vivenciam experiências que ultrapassam os

limites da burocracia ou fórmulas já testadas no mercado tradicional.

Esses contornos específicos e recentes possibilitaram cunhar o termo “novo

voluntariado”, que se diferencia do modelo anterior de voluntariado, pois considera, entre

outros, o voluntário como um indivíduo independente mas com visão coletiva, que motivado

por valores de participação, identidade e solidariedade doa parte de seu tempo e aplica suas

competências para realizar intercâmbios de contribuição mútua nas atividades, trabalhos

coletivos ou em rede, de maneira espontânea e não remunerada, amparado por normas e

diretrizes institucionais recentes.

O novo voluntariado parece ajudar a conceber uma estruturação diferenciada para a

comunicação organizacional, principalmente na dinâmica com que os produtos

comunicacionais são elaborados, na formação e desenvolvimento de comunicadores nos

aspectos profissionais, acadêmicos e pessoais.

Esse estudo apresenta e discute de uma forma introdutória a configuração do novo

voluntariado nas atividades comunicacionais em ONGs na América Latina neste início de

século XXI, em especial das que dependem da contribuição voluntária para cumprir com suas

demandas em comunicação, uma realidade organizacional desse segmento, comum para um

número substancial de ONGs na região.

Deste modo, este artigo realizado em ordem dedutiva e por delineamento exploratório

aborda o novo voluntariado contextualizando sua correlação com as ONG na América Latina

e em sua configuração na comunicação destas organizações. A pesquisa recorreu também ao

estudo de caso sobre o novo voluntariado nas atividades funcionais de comunicação da ONG

Opção Brasil de modo a tratar configurações deste modelo de comunicação que pode ser

comum às ONGs na região.

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Considerações ligadas à legitimidade do voluntariado na

América Latina

As organizações de voluntariado na região latino-americana começaram a se

desenvolver desde a independência em relação às coroas portuguesa e espanhola. A saída dos

conquistadores deixou vazios nos incipientes serviços sociais que se fizeram sentir pelos mais

pobres e que são latentes até os dias atuais. Nestas iniciativas encontra-se a frequente

participação de homens, mulheres e até crianças trabalhando para resolver as necessidades

básicas dessas comunidades.

Desde épocas de la tradicional “minga” hasta nuestros días, el trabajo en

beneficio de la comunidad ha sido una constante cultural, practicada en

sábados, domingos y tiempo libre de las personas, que no perciben por ello

más remuneración que la satisfacción del beneficio próprio y ajeno

(THOMPSON; TORO, 2000, p.4).

Esse voluntariado espontâneo, conjuntural e não institucionalizado tem contribuído

com países latino-americanos para solucionar muitas necessidades das populações carentes.

Por isso, como defendem Thompson e Toro (2000, p.4) “Al hablar de voluntariado en

América Latina y Caribe es necesario reconocer esta forma permanente y silenciosa de

donación de tiempo personal al servicio del bien común”.

Com a redemocratização em boa parte da América Latina, marcada pela queda de

algumas ditaduras militares na década de 1980, o neoliberalismo surgiu como concepção

política, econômica e cultural para a região. Essas mudanças provocaram a redução

orçamentária do Estado à assistência social, o que permitiu o surgimento de um voluntariado

individual, autônomo e independente que veio preencher lacunas e assistir excluídos do

sistema.

O voluntariado passa a figurar como peça chave para a intervenção nos problemas

sociais, associando-se à corresponsabilidade entre o Estado e a sociedade civil. Assim,

organizações sociais, fundações e instituições empresariais voltaram-se a uma ação

assistencialista e participativa de maneira personalizada voltada para o bem público,

enfrentamento de problemas sociais e demandas para o desenvolvimento da sociedade.

Nesse contexto, muitas idéias sobre atitudes e comportamentos da sociedade

foram apontadas como parte dessas transformações, apresentadas como

novas, no sentido do ineditismo, como signos de um momento de renovação.

Muitas dessas idéias e atitudes ditas novas vêm permanecendo no cenário

público com esse aspecto, mantendo os termos que assumiram quando de

seu surgimento (CUNHA, 2005 p. 142).

A década de 1990, como também define o Instituto Brasil Voluntário:

[...] abre as portas para um “novo voluntariado” que supere o anterior e

considere o voluntário como um cidadão, que motivado por valores de

participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento de maneira

espontânea e não remunerada em prol de causas de interesse social e

comunitário (INSTITUTO, 2014, s/p).

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Neste mesmo contexto de inovações no voluntariado, acentua-se a atuação das ONGs,

na perspectiva de um conceito relacional para a sociedade civil entre

estado/mercado/sociedade civil, que se apresentam enquanto “não mercado” e “não governo”.

São instituídas no terceiro setor, relacionadas às demandas por cidadania, democratização,

direitos humanos e similares voltadas a contribuir com os rumos do desenvolvimento social.

Nesse entendimento, a sociedade civil é o espaço em que nascem e organizam-se as

associações voluntárias e autônomas. Entretanto, constituídas por indivíduos que trazem

consigo a síntese de suas relações comunitárias e culturais, indissociáveis de suas relações

com o mercado e o Estado (SCHERER-WARREN, 1993).

Considerando essas variáveis e contextos sobre o novo voluntariado e as ONGs

percebe-se que a orientação de indivíduos em intervenções em uma determinada realidade

social força um processo de adaptação da sociedade, seja a partir de uma nova ordem legal,

seja pela reorganização do sistema de maneira mais interativa. As mudanças vivenciadas nos

movimentos no entorno do voluntariado sempre ocorreram em função de uma pressão ou

iniciativa da sociedade.

El voluntariado es un desencadenante de círculos virtuosos en valores éticos,

educación ciudadana y conductas de asociatividad. Es un constructor neto de

capital social que, al incrementarse, creará un clima más favorable para el

impulso y el desarrollo del voluntariado (KLIKSBERG, 2007, p. 9).

Kliksberg também discorre sobre esse novo voluntariado configurado em algo

construtor de cidadania e participação. O autor comenta que há um forte avanço no modelo

atual de voluntariado pela necessidade de reposicionar os modelos tradicionais baseados na

ajuda, por outro reestruturado, onde o voluntário e a comunidade assistida constroem uma

relação de iguais e o objetivo do trabalho está em fortalecer a construção de cidadania.

O novo voluntariado vem se configurar como uma forma de apoiar a transformação

social, política e econômica da sociedade, contribuindo com a expansão de ambientes

democráticos na região latino-americana. Essa nova interpretação do trabalho civil voluntário

tem refletido no grau de credibilidade e representatividade das organizações que estimulam o

voluntariado, pois passam a ser percebidas como formas representativas de expressão das

demandas comunitárias. O modelo anterior de voluntariado configurou-se como paternalista,

num ato de caridade e unilateral, apesar de digno e contributivo. O novo modelo procura

promover a participação de maneira espontânea e com a finalidade do bem comum, um

voluntariado comunitário, protagônico, de interesse coletivo e independente, que se

caracteriza por uma relação horizontal entre quem se voluntaria e quem recebe a ação

voluntária, transformando ambas as partes pelo crescimento mútuo.

O conceito de novo voluntariado está atrelado em princípios de prazer, identificação,

alcance de trabalho e relações sociais, altruísmo, benefícios ao próprio voluntário, distantes do

sentido negativo de obrigação como no início destas atividades ou de resistência em períodos

de opressão vividos na região. Nesses novos espaços de participação possíveis, as atividades

são desenvolvidas de acordo com a disponibilidade, interesse e competências dos indivíduos

que se voluntariam.

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Comunicação organizacional – refletindo conceitos nas ONGs

pela via do novo voluntariado.

A comunicação organizacional encontrada nas ONGs, com características recentes,

particulares e voluntárias recorrem em grande parte a medidas e decisões inovadoras se

comparadas aos modelos tradicionais que a postulam.

Scroferneker (2000) trata da comunicação organizacional em seu estudo sobre

perspectivas teóricas da comunicação organizacional entendendo-a como um composto que

dá forma à organização e que a informa fazendo-a ser o que é. Para Kunsch (2003, p.150): “A

comunicação organizacional deve constituir-se num setor estratégico, agregando valores e

facilitando os processos interativos, por meio das Relações Públicas, da organização com os

seus diferentes públicos, a opinião pública e a sociedade em geral”.

Por sua presença e historicidade recente na América Latina, assim como por suas

características legais e distintas linhas de atuação, as ONGs executam distintos papéis

comunicativos, em que a escassez financeira e o trabalho voluntário condicionam os

complexos compostos de comunicação de grande parte destas organizações, uma

comunicação também pautada na autossustentação, entendida por Erege (2011, p.36) como:

Condição que garante a autonomia de uma organização e que acontece

quando ela gera receita suficiente para sustentar suas atividades-fim e meio.

As despesas com seus programas, projetos e sua administração são cobertos

com receita própria, que advém da colaboração de seus associados, de

prestação de serviço, atividades produtivas (por ex. marcenaria) ou

comerciais (por ex. bazar). A organização não depende da captação de

recursos externos.

As atividades de comunicação de ONGs, a fim de estabelecer comunicação ativa e

sustentabilidade comunicativa, por vezes, se apresentam de forma amadora e imprecisa por

contar com a contribuição de indivíduos com competências discutíveis em função de falta de

atualização, proveniência de outros campos profissionais e pouca afinidade com o foco social

do trabalho.

O contexto da comunicação organizacional, assim como o das ONGs em que se

estabelece o novo voluntariado, recebe influências causadas pelas transformações nos

ambientes democráticos e de participação cidadã.

Como também interpretou Peruzzo (2013, p.104):

[...] entendemos que os fundamentos teóricos da Comunicação

Organizacional e de outras áreas da Comunicação Social, desenvolvidos para

empresas e poderes públicos, não podem ser simplesmente transferidos e

reproduzidos no âmbito do terceiro setor, especialmente nos movimentos e

organizações sem fins lucrativos de base popular e mobilizadora.

A interatividade presente na atividade comunicativa, que por natureza emite valores e

significados outros ao consumo, influencia na formação do cidadão, quando possibilita o

acesso, a participação e o usufruto das informações e conhecimentos produzidos e

autoproduzidos. Trata-se da apropriação de conteúdos e cidadania comunicativa

(GIACOMINI-FILHO; CAPRINO, 2007). Isso ocorre quando a participação resulta na

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196

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

interação dos indivíduos por identificação e sentimento de pertencimento pelos conteúdos,

temas comunicados e defendidos pela organização.

O processo evolutivo da comunicação organizacional frente às transformações no

comportamento da sociedade, tanto pode trazer contribuições quanto sofrer influências das

práticas de comunicação das ONGs. Essas oferecem modelos de comunicação organizacional

peculiares e eficientes, calçados em um sistema integrado por contribuições voluntárias

associadas a atividades profissionais e amadoras, ingresso de doações, interface com

programas acadêmicos, que oferecem inovações e novas experiências no âmbito da

comunicação organizacional.

O grande desafio enfrentado pelos profissionais que trabalham nessas

organizações é, muitas vezes, a falta de recursos financeiros para a

implementação de projetos estratégicos de comunicação e uma formação

muito técnica e pouco humanística, que o permita entender o outro e dialogar

com ele. Com isso, é preciso que usem a criatividade, façam

experimentações e tenham motivação e um olhar atento para perceberem

tendências, demandas e desenvolverem um bom trabalho. Além do mais, é

uma área de atuação relativamente nova, não havendo ainda “fórmulas” de

como fazer comunicação para o Terceiro Setor (PAIVA, 2009).

Assim, esse ambiente comunicativo das ONGs configura-se num espaço de

aprendizado e criação, um laboratório constante da responsabilidade social da comunicação,

daquela responsabilidade social que se encontra no centro da própria comunicação desde seu

conteúdo até a maneira de fazê-la.

As manifestações comunicacionais, nesse universo, se configuram a partir de

um conjunto de premissas e atividades, com vistas a mobilizar e efetivar

mudanças reais na vida das pessoas, e, por outro lado, posicionar e facilitar o

relacionamento desses atores junto aos seus públicos e à sociedade, no

âmbito geral (PERUZZO, 2013, p. 104).

As dificuldades mais relevantes das ONGs quanto a sua autonomia remetem

centralmente na disponibilidade de recursos para garantir sua capacidade operativa,

dificuldades quanto aos recursos (humanos, materiais e financeiros) que afetam cada

organização (SOTO et al., 2005). Esses autores concentraram-se nas características, práticas e

representações das organizações sociais locais na Argentina, o que permitiu identificar que

dentre as dificuldades mais presentes, encontram-se as que estabelecem relação direta com a

fluidez da comunicação nas ONGs: escassez de recursos financeiros, dificuldades com relação

a recursos humanos, alta demanda, dificuldades em relação à população-alvo e socialização

de suas ações, falta de vínculos com outras organizações, dificuldades de comunicação e

organização interna, e falta de capacitação (SOTO et al., 2005)

A necessidade de uma comunicação ativa e sustentável nessas organizações enquanto

instituições sem fins lucrativos é imperativa, o que possibilita a presença e relevância do novo

voluntariado nas atividades funcionais para a comunicação das ONGs na região.

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197

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

O novo voluntariado e a responsabilidade social na ação

comunicativa das ONGs

As também recentes práticas de responsabilidade social no ambiente organizacional

surgidas sob as mesmas circunstâncias de um cruzamento entre fatores políticos, econômicos

e sociais mais evidentes no decorrer dos anos 1990 induziram a colaboração entre Estado e

empresariado e “deu origem a expressões como voluntário profissional ou cidadania

empresarial e o emprego de concepções sobre competitividade entre organizações sociais ou

eficiência e resultados do trabalho voluntário.” (CUNHA, 2005, p.145). Marcam a

participação como uma resposta da iniciativa privada às novas demandas sociais.

Os novos padrões competitivos, as novas competências exigidas dos indivíduos e das

organizações para que essas se mantenham não só competitivas, mas também sustentáveis,

fizeram surgir e moldaram a responsabilidade social corporativa e, dentre suas ações, o

voluntariado corporativo, quando possibilita a inserção de programas de estímulo e incentivo

do trabalho voluntário na, para e pelas organizações. Propôs-se então aos funcionários,

colaboradores e servidores, a participação voluntária e a ação cidadã.

Já as ONGs, mediante as demandas características do terceiro setor, buscam e, muitas

vezes, necessitam da contribuição técnica de instituições como as universidades e participação

voluntária de estudantes em seus processos de desenvolvimento. Essas, por sua vez, por

programas de extensão e da responsabilidade social universitária, possuem potencial e

mecanismos (que ainda deixam muito a desejar) dentre suas práticas de estímulo ao

voluntariado estudantil.

Há um grande desafio à gestão universitária de criar uma nova cultura institucional,

caso de encarar a extensão universitária com sua devida relevância, para que, assim, possa

realmente exercer sua missão pública, independente de sua natureza jurídica, encontrando

caminhos para que essas práticas se tornem financeiramente viáveis e sustentáveis

(CALDERÓN, 2005).

No que tange à formação de uma juventude mais autônoma e solidária, Costa

(1997/98) comenta o sentido de competência na formação de jovens protagonistas inseridos

em processos e espaços de participação democrática, como é o das ONGs; inclui o acúmulo

de conhecimentos e o proveito de oportunidades para aprofundar e enriquecer suas

competências para dar conta da missão que os tempos de aceleradas mudanças lhes impõem.

O autor defende que as esferas da educação devam ser capazes de desenvolver, de maneira

equilibrada nos jovens, as competências pessoais (aprender a ser), competências sociais

(aprender a conviver), competências produtivas (aprender a fazer), e competências cognitivas

(aprender a aprender).

A responsabilidade social presente na ação de comunicação das ONGs pela via do

novo voluntariado configura-se, também, como um exercício para se diferenciar e se

reconhecer no outro em um mesmo tempo. “Comunicar-se com o outro é comunicar-se

consigo mesmo” (SILVA, 2004, p.43), ou seja, a alteridade exercitada no comunicar é o meio

de integração e socialização. O modo de comunicar, de forma voluntária, é um ativo

sustentável pela construção ética de uma cultura pautada no outro.

A comunicação organizacional nas ONGs da América Latina, ora alternativa, ora

comunitária, de autossustentação pelo modo voluntário de se realizar, expressa-se por uma

prática imbuída de alteridade. Vale-se da responsabilidade ética, da obrigação com o outro,

contribuindo para o desenvolvimento da sociedade quando comunica: gestos, atitudes,

posicionamentos, conteúdos, a respeito das bases de interesse social que determinam uma

cultura e identidade regional.

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As motivações para o trabalho voluntário são de diversos tipos e características, mas

que convergem para escolhas autônomas e individuais de cada um; são influenciadas por

circunstâncias da vida que contribuem ou atrapalham a adesão de participantes. Podem

apresentar diferentes configurações quanto a: Categorias de motivação: Assistencial;

Humanitária; Política; Profissional; Pessoal (SILVA, 2004); Tipos de motivações: Altruísmo,

Pertença, Ego e reconhecimento social, Aprendizagem e desenvolvimento (FERREIRA et al,

2008); Perspectivas motivacionais: Eu faço bem a mim mesmo; Eu faço bem ao outro; Fazer

bem ao outro me faz bem; Fazer bem ao outro faz bem ao outro (AZEVEDO, 2007);

Perspectivas para o desenvolvimento de competências: Competência Pessoal; Competência

Social; Competência Produtiva; Competência Cognitiva (COSTA, 1997/98); Motivações

relacionadas com os campos de atuação das ONGs: a filantropia; o desenvolvimento; a

cidadania (SCHERER-WARREN, 1994).

O novo voluntariado na comunicação e a ONG Opção Brasil

Buscou-se materializar a abordagem do novo voluntariado nas ONGs por meio de

estudo de caso, pois como aponta Yin (2005, p.32), esse método proporciona a investigação

de “[...] fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, especialmente quando

os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.

A ONG Opção Brasil, objeto de estudo desta pesquisa, está sediada na cidade de São

Caetano do Sul-SP, Brasil, e configura-se como uma organização da sociedade civil, sem fins

lucrativos, que para a realização das suas atividades funcionais em comunicação e

sustentabilidade não possui autonomia financeira para suprir com suas demandas precisando,

assim, recorrer à contribuição voluntária de recursos humanos para o desenvolvimento de seus

projetos e ações. Surgiu em 2001 como parte da Red Opción Latinoamérica, rede de

organizações estabelecida em 1995, com apoio da Organização dos Estados Americanos.

Atualmente a OPCION Latinoamérica (OLA) é integrada por diversos países da América

Latina e possui sede na cidade de Bogotá.

A Opção Brasil tem como missão contribuir com o desenvolvimento justo,

participativo e sustentável da sociedade, configurando-se como um espaço de participação,

aprendizagem, integração e oportunidade para a prática da cidadania, de maneira ativa e

voluntária pela atuação de jovens frente aos desafios de seu tempo. Possui o intento de

promover o protagonismo, a integração e empreendedorismo da juventude no Brasil e

América Latina, por meio da realização de programas culturais, educativos, de voluntariado,

educação, intercâmbios, mobilidade acadêmica e cidadã, cultura e educação indígena, com o

fim de contribuir com o desenvolvimento da região. Seus programas, projetos e atividades

estão vinculados a três linhas de atuação Juventude e Participação; Mobilidade Acadêmica e

Integração Regional; Cultura e Diversidade.

O estudo de caso valeu-se de entrevistas com voluntários e dirigentes da ONG em

2014; a entrevista é um recurso apropriado para colher informações, opiniões e observações

de pessoas a fim de estabelecer um quadro real, experiencial e aderente com as categorias de

assuntos que se deseja desenvolver (GIL, 2010).

Inicialmente, os dirigentes e responsáveis pela comunicação da ONG indicaram seis

instrumentos e peças de comunicação que poderiam expressar a contribuição do novo

voluntariado em comunicação, ou seja: Vídeo Institucional (2013), Portal

Institucional/Website (2011), Portal institucional – Programa Opción Latinoamérica de

Intercâmbios (2011), Promocional – Programa Opción Latinoamérica de Intercâmbios (2014),

Encarte institucional – (2004), Vídeo documentário – Programa Índios na Cidade – Episódio

02 (2012). Para cada desses seis trabalhos foram identificadas as atividades funcionais

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

passíveis de realização por voluntários tais como: criação, direção, produção, tradução de

textos, locução etc. Desta forma foi possível estabelecer o perfil do trabalho voluntário

conforme a tabela 1 quanto à condição de estudante ou profissional (graduado), área de

atuação em comunicação ou outra área, e quanto à nacionalidade (brasileiro ou estrangeiro).

Considerando os seis instrumentos e peças de comunicação analisados, foram

identificadas 136 participações voluntárias em 59 atividades funcionais, de forma que alguns

voluntários exerceram duas ou mais atividades. Dessas participações voluntárias, 60 foram

realizadas por estudantes e 76 por profissionais, mostrando que a ONG optou por mesclar a

experiência de profissionais com o experimentalismo dos estudantes, porém todos como

agentes voluntários.

De outro lado, enquanto a maior parte dos estudantes é brasileira e da área de

comunicação, predomina nos profissionais um perfil de brasileiros, porém atuantes em outras

áreas, talvez sinalizando que para estes o importante é colaborar, participar das ações da ONG,

não apenas exercitar atividades de sua formação. Essa maioria representativa de estudantes da

área da comunicação reflete o significativo papel que as universidades, com seus cursos de

comunicação, exercem para o desenvolvimento e contribuição com a comunicação das ONGs,

que necessitam do trabalho voluntário para cumprir com suas demandas e interesses em

comunicação, assim como propiciam oportunidades para que os jovens comunicadores

desenvolvam novas competências, experiências e adicionem uma vivência de cunho

comunitário, social e cidadão (Costa, 1997/98). O exercício da Responsabilidade Social

Universitária fortalece e amplia as dimensões da extensão universitária, para uma formação

humana, de jovens mais autônomos, proativos e responsáveis (CALDERÓN, 2005).

A quantidade de estrangeiros entre estudantes é mais que o dobro do que entre

profissionais, espelhando uma das propostas da ONG de fomentar intercâmbios e mobilidade

acadêmica em torno do voluntariado e participação cidadã. Os estrangeiros trazem diferentes

visões de mundo, articulam as ações de comunicação segundo valores sociais muitas vezes

diferentes dos brasileiros, tornando-se assim fator inovador para o modelo de voluntariado

organizacional e para as práticas de comunicação da ONG.

No mesmo estudo de caso foi realizada entrevista com os voluntários que

desempenharam as atividades funcionais para a comunicação da ONG Opção Brasil, por meio

da aplicação de questionário (DUARTE, 2012), com questões abertas e questões fechadas por

abordagem linear do tipo quantitativa e em escala, com o intuito de identificar e analisar as

motivações ao trabalho voluntário em comunicação; a percepção dos voluntários quanto as

contribuições; a relevância deste modelo de comunicação com base no voluntariado. Os

Tabela 1 – Perfil do voluntariado na ONG Opção Brasil

Quantidade de

atividades funcionais

na elaboração dos seis

instrumentos de

comunicação

Quantidade de voluntários em atividades funcionais para a

comunicação.

Estudante Total Profissional Total Total

Gera

l CO

M

OUT BRA EST CO

M

OUT BRA EST

59 50 10 46 14 60 32 44 70 6 76 136

COM (área de comunicação) ou OUT (outra área); BRA (brasileiro), ou EST (estrangeiro).

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

questionários foram enviados no segundo semestre de 2014 para os que tiveram sua

participação voluntária em atividades funcionais para a comunicação da ONG Opção Brasil. A

qualidade das respostas foi diversificada, cabendo aqui indicar uma síntese das manifestações.

Quanto às motivações ao trabalho voluntário em comunicação, destacaram-se :

“desejo de contribuir na divulgação de um projeto relevante”; “propagar a integração dos

povos”; “ajudar a difundir uma iniciativa que eu acredito”; “para o próprio fortalecimento da

Organização”; “gosto muito de participar nesse processo fazendo as traduções quando

necessárias”; “como sou da área de artes visuais e já tinha tido diversas experiências na área

de design gráfico, assumi algumas demandas nessa área por interesse pessoal”.

No teor dessas respostas estão presentes menções diretas ao trabalho na comunicação

como fator de contribuição à formação técnica, humanística, integracionista, participativa para

um desenvolvimento pessoal e coletivo.

As avaliações sobre as contribuições do trabalho voluntário realizado em atividades

funcionais para a comunicação da ONG com relação à vida profissional, pessoal, social,

cidadã e acadêmica revelaram temas como: ética e ação solidária; desenvolvimento

sustentável e justo; participação social, exercício da cidadania e da solidariedade; forma de

lidar com a diversidade social e cultural. Tais questões foram relacionadas com o altruísmo, à

cidadania e ao bem comum, que transcendem o benefício pessoal e contemplam a experiência

da alteridade para o participante. Entre todas as questões apresentadas aos voluntários, a de

melhor avaliação foi quanto à contribuição de aspecto social, ou seja, “Para criar novos

amigos e redes de pessoas”. Entre as questões relacionadas à contribuição do trabalho

voluntário em atividades funcionais para a comunicação da ONG com relação à vida

acadêmica dos estudantes voluntários participantes, a questão melhor avaliada foi quanto:

“Ao aprendizado a partir do intercâmbio cultural vivenciado”.

Com base no modelo de auditoria em comunicação organizacional proposto por

Kunsch (2012), foi possível relatar e descrever as experiências vividas em comunicação pelos

voluntários formais dirigentes (diretores, gestores) e não dirigentes da organização.

Quanto à avaliação dos voluntários não dirigentes da organização sobre as questões

referentes à relevância do trabalho voluntário em comunicação para a ONG, foi destacado:

Para os fins sociais, culturais e comunitários que a organização comunica; Para a contribuição

com a sustentabilidade da organização. Já na opinião dos voluntários dirigentes coube

destaque em: Estimular a integração e participação de novos voluntários.

Percebeu-se que a ONG Opção Brasil possui um modelo de comunicação

organizacional com características próprias, com aspectos positivos e negativos pertinentes à

realidade organizacional quanto ao: Comprometimento dos voluntários - ou seja, não há um

comprometimento formal, lastreado na obrigação, o que pode prejudicar o cronograma para

entrega de um trabalho; Tempo e continuidade do trabalho - o período e horas de trabalho

variam, diferentemente do emprego formal, ficando a mercê dos interesses do voluntário;

Dificuldades para planejamento e cobrança dos resultados – a disponibilidade dos serviços

dos voluntários é relativa, afeita também a fatores grupais e emocionais, além da desobrigação

de contrapartidas, pois não há remuneração ou salário.

Esse modelo de empreendedor parece ser incompatível em relação à lógica das

organizações privadas que visam o lucro; porém, talvez, tais problemas podem ser superados

ao se verificar ganhos e entropia em vários aspectos: Participação – o colaborador percebe

aderência de aquilo que a organização solicita com seu ideário social e pessoal, ou seja, sente

uma sensação de pertencimento; Envolvimento com a organização - o colaborador pode se

sentir parte da organização, e não apenas um prestador de serviços; Apropriação da missão

organizacional – mostra sintonia com os propósitos da organização podendo não só

aprofundar relacionamentos com esta, como também difundir uma imagem positiva de seus

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201

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

experiências naquele ambiente de trabalho.

Considerações Finais

As ONGs exercem papéis comunicativos de relevância social e política, com potencial

de contribuir para as bases de uma democracia mais participativa, para uma cultura ética,

solidária e sustentável em âmbito local, regional e global.

A dimensão do voluntariado em suas novas configurações se apresenta indissociável

da dimensão das ONGs nos seus desafios e proposições. Ambas têm em sua historicidade

exercido papéis relevantes nas transformações e configurações da sociedade civil. A

participação dos indivíduos e organizações influencia e é influenciada nos contextos sociais,

políticos e econômicos que estão inseridos.

Essa participação permitida aos indivíduos, de maneira formal no ambiente das

organizações, mais autônoma e de ação cidadã, em um local de trocas, responde a fatores

motivacionais com relação ao prazer e significado pessoal, sendo uma participação ainda

melhor alocada quando viabilizada a partir de associações de indivíduos, independentes, que

se organizam entorno de interesses comuns e coletivos como as ONGs.

Os espaços de participação nas ONGs, conduzidos por indivíduos voluntários,

congregam adeptos por fatores como identificação, altruísmo, sentimentos de comunidade e

pertencimento. Daí se apresenta e se contextualiza a dimensão da comunicação.

A comunicação nas ONGs, que se faz voluntária, de modo independente e autônoma,

possibilita benefícios ao indivíduo comunicador nesses espaços, entre relações sociais,

culturais, políticas, profissionais e de aprendizagem, durante o desenvolvimento de ações

comunicativas que se orientam para a filantropia, o desenvolvimento profissional e a

cidadania.

Essa dimensão da comunicação pelo novo voluntariado nas ONGs está condicionada

a:

O que as ONGs comunicam e a relação do voluntario com o conteúdo;

Para quem comunicam e a interação do voluntário com a causa ou o público;

O que se pretende com a comunicação e a identificação do voluntário com o fim

social que a ONG se preste e;

Como essa comunicação é desenvolvida, onde entra a dimensão da comunicação

frente aos desafios organizacionais possíveis nesses espaços de participação voluntária, em

meio aos distintos papéis comunicativos exercidos pelas ONGs.

Os processos de comunicação complexos e particulares de cada organização podem se

sustentar e se manter ativos pelas novas características do trabalho voluntário, trazendo

contribuições de distintas naturezas não monetárias, para o indivíduo voluntário e as ONGs.

As ONGs, para se manterem independentes do Estado e reticentes à lógica competitiva

e de consumo do mercado, são desafiadas a eficientes processos organizacionais, para que, em

conformidade às suas particulares características, possam se fazer sustentáveis.

Essa configuração torna ainda mais desafiador para as ONGs estabelecerem eficientes

processos comunicativos entre as demandas organizacionais que já sofrem reveses para se

fazerem sustentáveis. É aí que se permite um modelo de comunicação particular a cada

demanda e organização, calcado na autossustentabilidade via voluntariado.

As motivações ao trabalho voluntário são de origens diferentes e também se ampliam,

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

reduzem ou diversificam, de acordo como é conduzida tal expectativa na relação de troca

estabelecida entre voluntário e ONG. Esta precisa desenvolver meios mais flexíveis, até

alternativos, para permitir a relação sinérgica entre os comunicadores voluntários e o

cumprimento das demandas, e sobre como, onde, em que momento e de que forma esses

podem contribuir aos fins da comunicação.

A dependência da ação comunicativa voluntária das ONGs se torna ainda mais frágil

no contexto do novo voluntariado em que o compromisso estabelecido, tempo atribuído à

função e a priorização para o desenvolvimento das atividades são determinados pelo

voluntário, que como todo indivíduo, se encontra em processos de constante reorganização de

sua vida cotidiana, assim, cabendo às ONGs considerarem formas possíveis e ajustáveis à

disponibilidade e possibilidade do comunicador voluntário contribuir.

Muitas dessas demandas, por exemplo, pelas novas tecnologias da informação e

comunicação não necessitam da participação presencial do indivíduo, permitindo ao

voluntário se comprometer, sem o agravante desmotivador dos deslocamentos demasiados e

seus custos envolvidos.

As ONGs dão a entender a necessidade de as universidades exercerem a extensão e a

responsabilidade social universitária para o desenvolvimento social de maneira qualificada e

estratégica; também valorizam o potencial contributivo do voluntariado estudantil, mesmo

mediante processos ainda pouco praticados ou instituídos pelas universidades. Cabe a estas

estimular programas de extensão a partir dos cursos de comunicação social orientados a

contribuir com o desenvolvimento comunicativo das ONGs pela via do voluntariado, um dos

caminhos apropriados para qualificar a comunicação dessas organizações, assim como para

possibilitar uma formação mais social e humana do futuro comunicador.

O exercício de comunicar com o outro, a relação de valores e significado da

comunicação das ONGs pautada no social e coletivo, permitem o desenvolvimento da

competência social, do aprender a ser por meio do sentimento de pertencimento e alteridade

exercitada no processo comunicativo. Diferentes esferas do trabalho voluntário em

comunicação contribuem pelo difundir uma cultura estabelecida no respeito e ética, calcada

na relevância social do papel do comunicador que se doa aos fins dessas organizações que, em

última instância, destinam-se a atender a sociedade local e global.

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Tempo linear e tempo mágico nas propagandas

educacionais

Cláudia da Silva Pereira Doutora (2008) e Mestre (2003) em Antropologia Cultural pelo PPGSA (Programa de Pós-Graduação em

Sociologia e Antropologia) do IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) da UFRJ (Universidade Federal

do Rio de Janeiro). Professora Ajdunta e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da

PUC-Rio, concentra suas pesquisas nos estudos das representações sociais da juventude na mídia,

especialmente na publicidade, e suas relações com o consumo. Pesquisadora Plena do PECC - Programa de

Estudos em Comunicação e Consumo - Academia Infoglobo/PUC-Rio.

Marcelo Siqueira Maia Vinagre Mocarzel Doutorando em Comunicação (PUC-Rio). Mestre em Educação (UFF). Professor do Unilasalle-RJ.

Pesquisador do NUGEPPE/UFF e do PECC/PUC-Rio.

Resumo

Contrariando expectativas, a publicidade é a guardiã do pensamento mágico na sociedade

capitalista. Dentro dela opera um sistema de tempo cíclico, não-linear, que resolve

magicamente todos os problemas e burla as determinações do tempo histórico: passado e

futuro se confundem com o presente para fazer valer o consumo. Neste artigo analisaremos

três anúncios publicitários de instituições ligadas ao campo educacional, apontando como o

discurso construído rompe com a noção de tempo linear e reorganiza a vida social de

maneira totêmica.

Palavras-chave

Publicidade; Tempo; Consumo; Magia.

Abstract

Contrary to expectations , advertising is the guardian of magical thinking in capitalist society

. It operates a cyclical time system , non-linear , which magically solve all problems and

fraud determinations of historical time : past and future merge with the present to enforce

consumption. In this article we analyze three commercials institutions linked to the

educational field, pointing out how the discourse constructed breaks with the notion of linear

time and reorganizes the social life in a totemic way .

Keywords

Advertising; Time; Consumption; Magic.

Introdução

O capitalismo, enquanto estrutura hegemônica, se sedimentou no mundo a partir da

combinação das resultantes de duas grandes revoluções do século XVIII: a Francesa, com a

queda da nobreza e a ascensão da burguesia como classe dominante e a Industrial, com as três

fases da industrialização, estendendo-se até o século XX. Esta última consolidou o modo de

produção e, consequentemente, a sociedade que hoje conhecemos como de consumo, que para

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206

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Baudrillard (2011, p. 264), “é a palavra da sociedade contemporânea sobre si mesma”. Mas

suas raízes são anteriores.

O capitalismo burguês tem suas origens nas cidades-estados italianas do fim da Idade

Média (séculos XIV e XV). Com a ruptura com o sistema feudal, o consumo passou a ser a

via de sobrevivência; não mais a produção agrícola para subsistência. Nas cidades era preciso

vender sua força de trabalho para obter bens de troca, que por sua vez eram convertidos em

bens de consumo. Assim surgiu o consumo que hoje conhecemos.

Esta estrutura inicial durou até o século XIX, quando ocorre a grande transformação,

explicitada por Polanyi (2012, p. 7): “Após 1815, a mudança é súbita e completa. A

repercussão da Revolução Francesa reforçou a maré montante da Revolução Industrial,

estabelecendo os negócios pacíficos como um interesse universal.” Este tempo de paz, citado

pelo autor, durou aproximadamente cem anos, atendendo aos interesses comerciais das

lideranças europeias, sendo quebrado somente com a Primeira Guerra Mundial.

A grande transformação diz respeito à ascensão e sedimentação da economia

capitalista de mercado, a partir do caso inglês, algo que mudou os rumos da história da

humanidade. Hoje, estudamos o consumo devido a essa transformação, que consolidou um

novo modelo de homem e um novo projeto de sociedade.

Este artigo irá investigar a publicidade como uma desbravadora da sociedade de

consumo, entendendo que é justamente seu aspecto mágico o que garante sua eficiência. A

publicidade é a ponta da lança na cruzada do capitalismo em busca da dominação global. Sua

expansão não possui precedentes na história da humanidade: nenhum conquistador, nenhum

Império dominou tantos territórios quanto esta ideologia sem rei.

Tempo(s)

O processo civilizatório compeliu as sociedades a se localizarem no tempo e no

espaço. Houve o desenho de fronteiras, com mapas, muralhas, cercas e a invenção de

ferramentas para controlar o tempo, como o relógio e o calendário. Diferentemente do que

acontecia nas sociedades primitivas, o tempo ganhou uma concretude, uma possibilidade de

quantificação.

É importante diferenciar dois tipos de tempo: o tempo linear e o tempo cíclico. O

tempo linear é o tempo quantificável, aferível, que nos separa em passado, presente e futuro.

Há uma valorização do tempo presente, da atualidade, sobretudo na sociedade de consumo.

“A cultura de massa privilegia o presente em uma imensa extensão que desposa e estimula a

atualidade” (MORIN, 2011, p. 173)

Já o tempo cíclico é mágico: não pode ser somado, contabilizado de maneira racional.

Ele guarda tradições etiológicas, como aponta Lévi-Strauss (2013) e não projeta o futuro;

preserva a permanência. O tempo mágico está a serviço da narrativa que o constitui,

desrespeitando a lógica cartesiana que tenta ser imposta a ele. A partir da análise do

“pensamento selvagem”, o tempo coloca-se como mítico, totêmico. Pelos olhos dos nativos, o

tempo pode simplesmente não existir, como descreve Elias:

Um inspetor das escolas de uma reserva de índios sioux conversou com Hall

sobre as dificuldades de adaptação dos grupos tribais. (…) "Que acharia o

senhor", perguntou ele, "de um povo que não dispõe de nenhuma palavra para

expressar 'tempo'? Minha gente não tem nenhuma palavra que signifique

'atrasado' ou 'esperar'. Eles não sabem o que é esperar ou chegar atrasado." E

prosseguiu: "Cheguei à conclusão de que eles nunca se adaptarão à cultura dos

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207

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

brancos, enquanto desconhecerem o que significa o tempo e não souberem

dizer as horas. Por isso é que resolvi lhes ensinar o que é tempo. (ELIAS,

1998, p. 111)

A noção de tempo sofreu disputas intelectuais: se os newtonianos tinham o tempo

como algo absoluto e objetivo, Kant o pensou como um a priori – algo intrínseco ao humano,

parte de seu aparato intelectual e subjetivo, sem realidade objetiva fora da existência humana.

Durkheim adotou uma posição parcialmente kantiana, apenas deslocando a ideia de a priori

do indivíduo para a sociedade.

A partir desse panorama analítico apresentado por Rodrigues, buscamos entender o

tempo linear, datado, quantificável como uma estrutura de organização social, “um

instrumento para regular a convivência humana” (RODRIGUES, 2006, p. 86). Os homens

passaram a controlar o tempo, com seus relógios, se afastando da ideia mítica de blocos

temporais de passagens abruptas, como sinaliza Elias.

A sociedade burguesa repudia o tempo mágico em sua constituição ordinária.

Deterioram-se as narrativas míticas, separando a vida privada da religião, lugar que conserva

o aspecto sagrado. “Tende a destruir o in illo tempore1 dos mitos para substituí-lo por um

“chegou essa semana”. (MORIN, 2011, p. 174)

Há um novo imperialismo: o da cultura de massa. Para Morin, a cultura de massa não

consegue cristalizar-se como religião da vida privada, por isso baseia-se no mercado e no

consumo, criando seus próprios ritos. Faz-se um união ferrenha entre o imaginário e o real,

algo mais profundo que qualquer religião é capaz de fazer.

A sociedade de consumo experimenta o que Lévi-Strauss chama de “vazio totêmico”

(2012, p. 271): estabelecem-se critérios racionais que deixam o pensamento mágico de fora da

narrativa principal. Com exceção, talvez, de um campo: a publicidade. Esta ainda se pretende

mágica, como sinaliza Rocha (1995) e é justamente essa permanência que vamos analisar

adiante, a partir da categoria “tempo”.

Vale ressaltar que o tempo deve ser encarado como uma categoria social, construída

pelos homens a partir de suas necessidades. O tempo é um símbolo, segundo Elias, que

carrega uma dimensão física. O tempo está a serviço da consciência, trata-se de um elemento

organizador, mas nada tem de atávico.

O tempo serve à sociedade histórica, quando ele registra a linearidade dos fatos e

possibilita a construção de novas narrativas, como por exemplo o evolucionismo e o

materialismo. Para Elias: “O caráter de dimensão universal assumido pelo tempo é apenas

uma figuração simbólica do fato de que tudo encontra-se no fluxo incessante dos

acontecimentos.” (ELIAS, 1998, p. 31).

Portanto, o homem coloca-se nesse fluxo, amarra-se ao contínuo da história, buscando

mensurar o que antes não podia ser mensurado, saindo da lógica do mito, que para Barthes

(2013, p. 234), “é a eliminação histórica das coisas”, que perdem a lembrança de sua

produção e transformam eventualidade em eternidade. O controle do tempo é a fuga do mito;

é uma tentativa de combater a angústia de sentir-se sozinho no mundo, sem saber de onde se

veio e sem saber para onde se vai.

1 A expressão latina significa “Naquele tempo...”, um modo comum de iniciar a narrativa dos mitos.

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Publicidade, magia e consumo

Para Lévi-Strauss, o pensamento mágico na sociedade capitalista seria algo residual.

Estaria confinado em alguns pequenos espaços, dando lugar à racionalidade, ao pragmatismo.

O totemismo teria cedido a vez à razão prática, como lembra Sahlins:

É verdade que Lévi-Strauss escreve como se o totemismo se houvesse

limitado, em nossa sociedade, a uns poucos locais marginais ou práticas

ocasionais. E com razão – na medida em que o “operador totêmico”,

articulando diferenças na série cultural com diferenças na espécie natural,

não é mais um elemento principal no sistema cultural. Mas deve-se

questionar se não foi substituído por espécies e variedades de objetos

manufaturados, os quais como categorias totêmicos têm o poder de fazer

mesmo da demarcação de seus proprietários individuais um procedimento de

classificação social. (SAHLINS, 2003, p. 176)

A colocação de Sahlins vai ao encontro da proposição de autores como Wagner (2012)

e Rocha (1995). Para este, a publicidade é o locus da magia na sociedade capitalista. É

também, um sistema de classificação, uma vez que é um “caminho para o entendimento de

modelos de relações, comportamentos e da expressão ideológica dessa sociedade” (p. 29). A

publicidade opera, segundo o autor, como um sistema de ideias feito para circular no interior

da ordem social.

Até mesmo o nome que tão bem nos define – sociedade de consumo – a partir da

visionária proposição de Baudrillard só é possível através da publicidade. “É pela publicidade

que se transforma o domínio da produção – onde os produtos são indiferenciados, múltiplos

seriados e anônimos – no domínio do consumo, onde o produto tem nome, nobreza, mistério e

vida”. (ROCHA, 1995, p. 61).

Ao romper com o cotidiano, a publicidade traz o pensamento mágico e o totemismo

para o centro da cultura de massa: sem sair do lugar podemos nos transportar para lugares

paradisíacos, todos os nossos problemas são resolvidos pelos produtos e serviços oferecidos e

não há espaço para a dor, a tristeza, o sofrimento, a frustração.

Segundo Wagner (2012, p. 163), a publicidade – ou propaganda, nos termos do autor –

“redefine sutilmente que tipos de resultados as pessoas ‘desejam’ ao falar de seus produtos”.

Sendo assim, a publicidade vende a satisfação desses desejos antes de vender os produtos

(uma casa limpa, uma roupa macia, uma viagem inesquecível etc.). Se o desejo prometido

encontra a demanda, o produto é vendido.

Dessa forma, a propaganda se parece com a “magia” dos povos tribais, que

também objetifica a atividade produtiva por meio de outras imagísticas.

Assim como o significado dos produtos precisa ser continuamente inventado

para que as pessoas comprem, para que os produtos não sejam tomados

simplesmente como detalhes ordinários da vida, também os povos tribais,

para os quais a produção faz parte da vida familiar e de parentesco, precisam

continuamente criar um significado e direção separados para sua atividade

produtiva, para que ela não se torne meramente uma maneira de relacionar-

se com as pessoas. (WAGNER, 2012, p. 163)

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209

ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

Wagner faz ainda um interessante levantamento de como o discurso publicitário utiliza

a expressão “como mágica” em suas tentativas de enaltecer os produtos. Um simples pneu e

um sabão em pó funcionam como mágica ao resolverem os problemas cotidianos dos

consumidores. A magia torna-se então um projeto de vida, assim como nas sociedades

totêmicas.

A partir da visão dos autores, concordamos que o pensamento mágico não é tão

marginal no capitalismo quanto Lévi-Strauss afirmava. A cultura de massas deu à publicidade

um relevo considerável na vida das pessoas. A publicidade bombardeia os seres urbanos

através de diversos suportes (televisão, Internet, revistas, jornais, painéis, cartazes etc.),

fazendo com que o consumo seja o mito do tempo capitalista.

Para começar, um universo social precisa de uma dimensão temporal

demarcada. O calendário deve ser subdividido em período anuais,

semestrais, mensais, semanais, diários e outros ainda mais curtos. A

passagem do tempo é então carregada de significado. O calendário

estabelece um início para a rotação dos deveres, para o estabelecimento de

precedência, para a revisão e renovação. Outro ano passou, um novo

começo; vinte e cinco anos, um jubileu de prata; cem, duzentos anos, uma

celebração de centenário ou bicentenário; há um tempo de viver e um tempo

de morrer, um tempo de amar. Os bens de consumo são usados para marcar

esses intervalos. Sua variação de qualidade surge a partir da necessidade de

estabelecer uma diferenciação entre o ano calendário e o ciclo da vida.

(DOUGLAS & ISHERWOOD, 2013, p. 110)

O consumo, na modernidade, ritualizou-se. Adquiriu aspectos do sagrado para dar

sentido à incompletude dos acontecimentos. Rocha (apud DOUGLAS & ISHERWOOD,

2013) indica que o consumo possui uma importância ideológica e prática no mundo em que

vivemos, como “estruturador de valores que constroem identidades, regulam relações sociais,

definem mapas culturais” (p. 8).

Douglas e Isherwood analisam o consumo através de diferentes enquadramentos:

hedonista (prisma da publicidade, felicidade e realização pessoal), moralista (crítica à relação

entre consumo e os problemas sociais) ou naturalista (consumo como algo naturalmente ou

biologicamente necessário). Vamos aqui tratar do enfoque hedonista, a partir da análise de três

peças publicitárias.

O consumo traz, como indica Baudrillard (2011), uma configuração reflexiva e

discursiva. Ele reflete os desejos e anseios da sociedade e projeta novos desejos, criados a

partir de novos discursos. Para o autor, a única realidade objetiva do consumo seria a própria

ideia de consumo. “A nossa sociedade pensa-se e fala-se como sociedade de consumo. Pelo

menos, na medida em que consome, consome-se enquanto sociedade de consumo em ideia. A

publicidade é o hino triunfal desta ideia” (BAUDRILLARD, 2011, p. 264)

Tratamos aqui a publicidade como a ponta da lança do capitalismo. A metáfora não é

arbitrária: num duelo de cavaleiros, a ponta da lança definia o vitorioso. Aquele que tocasse

primeiro no oponente com a ponta da lança era o campeão. Enxergamos a publicidade neste

trabalho como a ponta da lança: é ela que garante a hegemonia do sistema, é ela quem lidera

as cruzadas em busca de novos mercados, não foi a produção industrial, mas sim o desejo de

consumir que batizou-nos como sociedade do consumo.

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Pequena nota metodológica

Mais adiante analisaremos três anúncios publicitários veiculados na Revista Nova

Escola, publicação mensal da Editora Abril. Esta revista é a maior publicação jornalística

voltada para a educação no país, tendo como público-alvo principal, professores, gestores

escolares e pais de alunos. Tais anúncios foram encontrados em três edições a que tivemos

acesso (n° 204, de agosto de 2007; n° 220, de março de 2009; n° 256, de outubro de 2012) e

correspondem a propagandas de organizações educacionais.

Optamos por analisar tais propagandas a partir de um visão interpretativa inicial,

enfatizando a categoria “tempo”. Na constituição da tese, é nossa intenção analisar as

propagandas a partir do encontro da Análise de Discurso Francesa e da Teoria das

Representações Sociais. Tal combinação não é apenas possível, como é instigante, mas

demanda um esforço de construção metodológica que caberá a outra etapa da tese. Neste

momento, faremos uma descrição analítica, a partir da Análise de Conteúdo, que segundo

Bardin (2011) é o tratamento de informações e descrição dos conteúdos das mensagens.

Três casos de tempo mágico nas propagandas de empresas

educacionais

Antes de iniciarmos a análise das três peças selecionadas, é preciso deixar claro que

toda propaganda deseja vender algo a alguém: seja um produto, uma marca, uma ideia, sua

intenção é seduzir, persuadir, convencer o espectador ou leitor de algo.

Para isso, a publicidade – e os publicitários – se utilizam de argumentos mágicos, de

soluções rápidas, práticas e definitivas para todos os problemas que o consumidor enfrenta em

seu cotidiano. Um produto ou serviço traz consigo um projeto de vida. Rocha nos alerta:

Quando vemos um produto funcionar magicamente é porque ele funciona,

antes, dentro do anúncio. As vidas projetadas nos anúncios dão sentido

absoluto ao produto, organizando a experiência do seu consumo. A

necessidade é colocada dentro do anúncio. (ROCHA, 2005, p. 203)

Sendo assim, nos casos a seguir, iremos buscar identificar como o tempo é

categorizado como algo mágico, não-linear, diferente do tempo-calendário que pauta a

sociedade industrial em seu cotidiano. Vejamos o primeiro caso2:

2 REVISTA NOVA ESCOLA. Anúncio da empresa Objetivo (parcial). São Paulo: Editora Abril, Ano XXVII, n.

256, p. 52, out. 2012.

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Neste anúncio temos o logotipo da empresa na parte superior e seus contatos (telefone

e página virtual) na parte inferior. Ocupando o eixo central do anúncio encontramos cinco

fotos acompanhadas de legendas. Na primeira, ao lado da imagem de uma menina, de

aproximadamente cinco ou seis anos, carregando um urso de pelúcia e um estetoscópio lê-se

“Vitória, futura Médica Veterinária”. Na segunda temos uma adolescente de jaleco e

estetoscópio e lê-se “Isabela, futura Neurocirurgiã”. Na imagem central temos um menino de

três ou quatro anos, aparentemente, brincando com blocos de montar e a legenda “Luís Felipe,

futuro engenheiro civil”. Nas duas últimas imagens temos um adolescente portando um tablet

e a legenda “André, futuro Administrador de Empresas” e uma menina de seis ou sete anos

mostrando um vaso de plantas, acompanhada do texto “Julia, futura Engenheira Ambiental”.

A única palavra que se repete em todas as legendas é futuro, trocando apenas o artigo

de gênero. A princípio poderíamos pensar que este anúncio está dentro da lógica linear do

tempo, que divide passado, presente e futuro. Mas a mágica reside justamente na sobreposição

desses tempos históricos. Ao lermos a peça publicitária, nos damos conta que já conhecemos

o futuro desses cinco personagens, mesmo que este futuro ainda não tenha chegado. O futuro

se faz presente, no momento em que cada um porta um atributo ligado à profissão

determinada. O futuro já estaria definido? Ou o futuro já está acontecendo?

A sobreposição dos tempos históricos é obra dos ‘feiticeiros publicitários’, que juntam

tudo magicamente para resolver todas as questões. Se esperar pela definição profissional é

algo angustiante para pais e filhos, nesta propaganda não é preciso se preocupar. O Objetivo

traz a solução mágica, objetiva (com a devida licença para o jogo de palavras). Fica claro que

trata-se de uma nova forma de classificação, em que quem será médica já é médica, quem será

engenheiro já é engenheiro etc. Se pensarmos nas profissões como clãs, poderíamos dizer que

há uma marca atávica em cada um dos seus integrantes e que nada irá desviá-los de seus

destinos. A propaganda não deixa brecha para desvios, mudanças, questionamentos, com a

força implacável que a magia deve ter. Podemos pensar nos objetos como operadores

totêmicos, pois eles codificam o texto e dão sentido ao anúncio.

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O segundo anúncio3 traz a sobreposição do tempo de forma ainda mais nítida.

Vejamos:

Temos uma imagem editada que domina toda a página, com um texto de apresentação

na parte superior e diversas assinaturas de empresas responsáveis pela ONG Amigos da

Escola na parte inferior, bem como um texto e uma indicação para acesso à página virtual da

instituição.

Um olhar menos cauteloso poderia entender que se trata de uma propaganda de

instituição sem fins lucrativos, uma iniciativa louvável de valorização das escolas através do

voluntariado. Mas fica clara a intenção publicitária quando vemos as marcas das empresas e

instituições adornando o anúncio: trata-se aqui da valorização das marcas frente ao público,

através de iniciativas socialmente positivas. Este anúncio busca vender a imagem da Rede

Globo, por exemplo, como uma empresa “amiga” da escola, uma personificação que por si só

já é mágica.

O título do anúncio traz as seguintes frases: “Estimule o aprendizado do seu filho. No

futuro, ele vai agradecer.” Na assinatura encontramos os seguintes dizeres: “Ajudar no dever,

acompanhar os estudos dos filhos. Ações simples que ajudam na educação. Saiba mais:

www.amigosdaescola.com.br”. Abaixo estão os logotipos da Rede Globo, UNICEF e outras

instituições parceiras do projeto.

A foto central já é mágica por si só: traz uma fileira de jovens que parecem estar na

cerimônia de formatura da graduação. No meio da fila, há um recorte na imagem, onde se

3 REVISTA NOVA ESCOLA. Anúncio da ONG Amigos da Escola. São Paulo: Editora Abril, Ano XXII, n. 204,

p. 30, ago. 2007.

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encaixa uma imagem de um menino estudando com uma adulto ao lado, que aparenta ser seu

pai. Este aluno está sobreposto ao formando que deveria aparecer. A ideia é mostrar que

aquele aluno que agora recebe o diploma um dia já contou com o acompanhamento do pai nos

estudos.

Novamente vemos a lógica do tempo linear ser embaralhada. O texto inicial traz a

ideia que seu filho irá te agradecer por algo no futuro, um período que ainda não chegou.

Assim como no primeiro caso, a ideia de futuro funde-se com a de presente: como saber no

presente o que acontecerá no futuro? Há uma ideia de tempo cíclico presente: o que vai

acontecer já aconteceu.

A imagem traz a magia de forma estética: a presença da criança na fila dos formandos

possibilita que dois corpos ocupem o mesmo lugar no espaço. Naquele pedaço do ambiente

escolar entra um ambiente doméstico, com paredes diferentes, iluminação própria, algo

milagroso. O adulto oculto é adulto e ao mesmo é criança. A criança é a projeção do que foi e

do que será. A formatura, um rito de passagem da sociedade burguesa, aos olhos de Gennep

(2011), dá espaço aos rotineiros estudos de uma criança. Uma marcação importante: os

formandos olham para frente, para o horizonte (marcando o futuro); a criança olha para baixo,

marcando o presente.

A solução mágica desta propaganda está numa equação simples: (estudo +

acompanhamento dos pais) = (sucesso acadêmico + gratidão). E como o anúncio se dirige aos

pais, entendemos que a resultante (sucesso acadêmico + gratidão) resolve as angústias e a

ansiedade deste público frente à formação dos filhos.

Por fim, temos um terceiro anúncio4 que traz à tona de forma ainda mais categórica a

sobreposição do tempo histórico.

4 REVISTA NOVA ESCOLA. Anúncio da Rede Salesiana de Escolas. São Paulo: Editora Abril, Ano XXIV n.

220, p. 31, mar. 2009.

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Trata-se da propaganda da Rede Salesiana de Escolas, cujo título é: “Aqui o futuro é

presente”, que é onde vamos nos deter. Abaixo há um longo parágrafo publicitário

enaltecendo as qualidades e valores da Rede. Por fim, há o logotipo da escola e a frase

“Garanta sua vaga!” acompanhada da página virtual da instituição.

A frase inicial é direta: o futuro é presente. Ao afirmar isso, em paralelo com a

imagem, a propaganda valida o discurso do tempo cíclico, em que o futuro está para o

presente assim como uma equação matemática está para uma obra futurista. Esta organização

texto/imagem trabalha com a ideia de que o aluno será capaz de projetar obras assim

aprendendo as equações naquela instituição de ensino.

Parece ser uma relação pobre, mas não é: é simples justamente por ser mágica. O

anúncio coloca que o futuro é presente num jogo de espelhos, em que o presente pode ser a

obra arquitetônica, assim como pode ser a equação. O que representa mais o futuro? Uma

obra futurista construída no passado ou uma equação que servirá de base para novas

construções. Este sistema se retroalimenta de tal forma que nos parece impossível identificar

em que tempo histórico se encontra cada coisa.

Assim, este anúncio reforça o sentido mítico das coisas: quem veio primeiro, a obra ou

a equação? Não se sabe. Se o futuro é presente, será que o presente também é futuro? A

confusão temporal causada só nos parece ilógica quando olhamos com a visão do outro, com

o estranhamento de quem não se reconhece no projeto de vida apresentado pela publicidade.

Mas ao mergulharmos na estrutura construída, fica clara a intenção do anunciante: informar

que a escola oferece a garantia do futuro.

Algumas considerações

Quando pensamos na força do consumo, pensamos imediatamente na publicidade. Ela

é a seta disparada, a ponta da lança, a catequese da modernidade, que leva o sagrado, o mítico,

o mágico para os lares contemporâneos.

Para muitos pesquisadores, o consumo moderno surge com a moda no século XVIII

(CAMPBELL, 2001; MCCRACKEN, 2003; MCKENDRICK, 1982), a partir da grande

indústria têxtil que se forma. Mas é a publicidade que garante sua sedimentação no mundo no

século seguinte. As lojas de departamento – os grandes magazines – serviam como “vastas

salas de aula nas quais os cidadãos do século XIX podiam aprender as artes e habilidades de

seu novo e vital papel como consumidores”; seus catálogos funcionavam como verdadeiras

cartilhas que instruíam e, ao mesmo tempo, seduziam. Os novos mercadores passaram a ser

“os profissionais do marketing”. (MCCRACKEN, 2003, p. 51).

A publicidade traz o sentido mágico esquecido de volta ao centro da cultura de massa,

resolvendo magicamente todos os problemas dos consumidores, despertando desejos, sonhos,

criando necessidades para depois vender as soluções. O tempo na publicidade tende a ser

mágico, diferentemente do tempo-calendário do cotidiano.

Sua própria lógica de repetição faz com que vejamos o mesmo anúncio várias e várias

vezes, como sendo algo novo a cada vez, além da própria estética de construção da narrativa

publicitária. Este artigo buscou exemplificar a magia relativa ao tempo encontrada nas

propagandas, a partir de três exemplos de uma revista específica do campo da educação.

Buscamos mostrar que na propaganda o tempo está em outra dimensão: ele não passa, mas se

repete em ciclos. Bem-vindo ao lugar em que o cowboy nunca envelhece e nem sofre dos

pulmões.

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Referências

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LÉVI-STRAUSS, C. O pensamento selvagem. Campinas, SP: Papirus, 2013.

MCCRACKEN, G. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad X, 2003.

MCKENDRIK, N. A consumer society: the commercialization of eighteenth-century.

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SAHLINS, M. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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Usos e apropriações de multimídias na educação para a

biodiversidade em escolas de Belém/PA

Lúcia das Graças Santana da Silva Doutoranda em Museuologia na universidade Lusófona em Lisboa, Portugal. Mestre em Teoria Literária pela

UFMG. Chefe do Serviço de Educação do Museu Paraense Emílio Goeldi/MCTI.

Vanja Joice Bispo Santos Mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas. Especialista em Comunicação Cientifica e Tecnológica.

Analista de Ciência e Tecnologia e Chefe do Serviço de Comunicação Social do Museu Paraense Emílio

Goeldi/MCTI.

Mayara Santos Maciel Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Bolsista do Programa de Capacitação

Institucional no Museu Paraense Emílio Goeldi/MCTI.

Resumo Esta pesquisa, realizada no âmbito do Programa de Capacitação Institucional através do Museu

Paraense Emilio Goeldi/MCTI, identificou as percepções sobre o conceito de biodiversidade em duas

comunidades escolares de Ensino Fundamental e Médio da cidade de Belém do Pará - Brasil,

vinculadas aos sistemas municipal e estadual de ensino, a saber: Fundação Centro de Referência em

Educação Ambiental Professor Eidorfe Moreira e Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

Vilhena Alves. Também identificou como as Tecnologias da Informação e da Comunicação e

multimídias atuam como mediadoras dos processos de ensino e aprendizado sobre biodiversidade

nestas comunidades. Como metodologia foi utilizada a pesquisa-ação com observação participante

(PERUZZO, 2003) e entrevistas em profundidade do tipo semi-abertas com questões semi-

estruturadas (Duarte, 2009). Concluiu-se que o conceito de biodiversidade deve ser melhor

trabalhado em âmbito escolar, de uma forma estruturada e com o auxílio pedagógico das TICs, cujo

uso educativo deve ser favorecido com melhores investimentos na educação pública, principalmente

na formação e sensibilização de professores para o uso pedagógico das TICs e multimídias.

Palavras-chave Biodiversidade; educomunicação; multimídia; educação; comunicação.

Abstract This research, carried out under the Capacity Institutional program through the Paraense Emilio

Goeldi Museum/MCTI, identified perceptions about the concept of biodiversity in two school

communities of elementary and high school in the city of Belém do Pará - Brazil, linked to municipal

systems and state education, namely: Reference Center for Environmental Education Foundation

Teacher Eidorfe Moreira and State Elementary School and Middle Vilhena Alves. Also identified as the

Information and Communication Technologies and multimedia, act as mediators of the processes of

teaching and learning about biodiversity in these communities. The methodology used is action

research with participant observation (PERUZZO, 2003) and in-depth interviews of semi-open type

with semi-structured questions (Duarte, 2009). It was concluded that the concept of biodiversity

should be better worked in the school environment, in a structured way and with the pedagogical

assistance of ICTs, whose educational use should be favored with the best investments in public

education, especially in training and teachers' awareness of the pedagogical use ICT and multimedia.

Keywords Biodiversity; educomunication; multimedia; education; communication.

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Introdução

Ao longo de quase 150 anos o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) pesquisa

diversos aspectos da biodiversidade brasileira, sobretudo da Amazônia. A experiência e

tradição na construção e compartilhamento de conhecimentos científicos sobre biodiversidade

fez da instituição uma referência no assunto.

Há aproximadamente 5 anos, o Museu Paraense Emílio Goeldi, através da Escola da

Biodiversidade Amazônica (Ebio)1, um dos sub-ptojetos formulados no âmbito do

INCT/Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia2, estuda e experimenta linguagens e

formatos multimidiáticos para a comunicação pública da ciência produzida pela instituição,

através de práticas educomunicativas que buscam formar redes de saberes que valorizem a

sabedoria popular amazônica em diálogo com o conhecimento científico. Para comunicar a

ciência, a Ebio desenvolve produtos adaptados para a web, rádio e mídias locativas como

telefones celulares e tablets. Dentre as ações da Ebio destacam-se o Prêmio José Márcio

Ayres3, a Agência Tubo de Ensaio4, o projeto Viva Amazônia5, e outros.

A experiência da Ebio norteou a elaboração e execução desta pesquisa, executada no

âmbito do Programa de Capacitação Institucional, através do Museu Paraense Emílio

Goeldi/MCTI no período de outubro de 2014 a setembro de 2015. A primeira fase da pesquisa

mapeou práticas de educação e comunicação multimidiáticas em escolas públicas ligadas aos

sistemas municipal e estadual de ensino de Belém e identificou os imaginários dessas

comunidades escolares sobre o tema da biodiversidade e o papel das TICs e multimídias na

construção destes imaginários. Assim, pretendia-se, também, conhecer um dos públicos

prioritários da Ebio, e, portanto, do Museu Goeldi, e analisar como um assunto tão importante

na agenda científica do MPEG, o estudo da biodiversidade, é abordado nas escolas. O Museu

Paraense Emílio Goeldi é uma referência mundial nas pesquisas sobre a diversidade biológica

da Amazônia, e a popularização dessa temática junto ao público escolar é uma meta do

programa institucional Biodiversidade da Amazônia.

O termo biodiversidade ficou conhecido na literatura na década de 1980 e passou a ser

difundido após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a

Rio 92. Apoiada em Primack (1992), Fonseca (2007, p. 65) afirma que, do ponto de vista

biológico, a biodiversidade “refere-se à variedade de formas de vida presente na Terra

(diversidade de espécies), aos genes que as constituem (diversidade genética) e aos

ecossistemas dos quais são parte (diversidade de ecossistemas)”.

Corroborando esta ideia, Wilson (1992 apud CASTRO et al, 2014) afirma que o termo

biodiversidade refere-se à

1A Ebio tem o objetivo de “propor, planejar, experimentar e estudar a organização de processos de aprender-ensinar-

comunicar conhecimentos sobre a biodiversidade amazônica e o uso da terra na Amazônia”. 2 O INCT/Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia é um projeto que foca no desenvolvimento de pesquisas, ações de

educação e comunicação da ciência no Arco do Desmatamento”. Informações retiradas de <http://museu-goeldi.br/inct/>.

Acesso em 25/03/2015. 3O PJMA é uma iniciativa do Museu Paraense Emílio Goeldi e da Conservação Internacional (CI Brasil) com o

apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia e da Escola

da Biodiversidade Amazônica. O Prêmio tem a proposta de provocar e estimular entre os estudantes de ensino

fundamental e médio a curiosidade em relação aos conhecimentos sobre a biodiversidade da região amazônica,

suas interrelações, seus impactos à sociedade e ao meio ambiente. 4A Agência Tubo de Ensaio – a escola no caminho da ciência, é uma rede colaborativa formada por estudantes do

ensino médio, professores, universitários e profissionais de comunicação para reportar assuntos científicos de

forma simples e criativa, a partir dos princípios da comunicação pública da ciência. 5Concebido pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, o Projeto “Viva Amazônia” pretende apresentar ao público

informações sobre a Amazônia em seus diversos aspectos, a partir dos acervos científicos do MPEG, como os

biológicos, etnográficos, arqueológicos, fósseis e minerais, de obras raras, documentais e das coleções vivas de

fauna e flora do Parque Zoobotânico.

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Variedade de organismos considerada em todos os níveis, desde variações

genéticas pertencentes à mesma espécie até as diversas séries de espécies,

gêneros, famílias e outros níveis taxonômicos superiores. Inclui variedade de

ecossistemas, que abrange tanto as comunidades de organismos em um ou

mais habitats quanto às condições físicas sob as quais elas vivem (WILSON,

1992, p.412 apud CASTRO et al, 2014, p. 2).

Anos depois, em uma publicação posterior, Wilson (1997) faz uma afirmação

diferenciada. Neste trabalho, dá a seguinte definição para biodiversidade:

Biodiversidade é toda variação em todos os níveis de organização, desde os

genes dentro de uma simples população local ou espécie, até as espécies que

compõem parte de uma comunidade local e, finalmente, as próprias

comunidades que compõem a parte viva dos ecossistemas multifatoriais do

mundo. A chave precisa para a efetiva análise da biodiversidade está em cada

nível de organização que está sendo discutido (WILSON, 1997, p.1 apud

OLIVEIRA; MARANDINO, 2011, p. 56).

O Artigo 2 da Convenção sobre Diversidade Biológica, do Ministério do Meio

Ambiente, considera que o termo “diversidade biológica” significa a

Variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo,

dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas

aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo

ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas

(___, 2000, p. 9).

A biodiversidade, no entanto, não se resume à terminologia das ciências naturais, ela

também tem caráter social e cultural, visto que é um produto da relação entre a natureza e as

populações humanas. De acordo com Diegues et al (2000), a biodiversidade

É também uma construção cultural e social. As espécies são objetos de

conhecimento, de domesticação e uso, fonte de inspiração para mitos e

rituais das sociedades tradicionais e, finalmente, mercadoria nas sociedades

modernas (DIEGUES et al, 2000, p. 1).

Em âmbito escolar, a questão da biodiversidade é abordada especialmente nas

disciplinas ciências e biologia, e é visualizada também pela perspectiva da educação

ambiental, área interdisciplinar que conflui entre os campos educativo e ambiental.

Inicialmente, a experiência em educação ambiental no Brasil carregou fortes marcas

conservacionistas e naturalistas originadas no campo ambiental, caracterizadas, entre outros

aspectos, pelas práticas de educação realizadas em espaços de conservação e na sustentação

de uma militância política na área (KAWASAKI; CARVALHO, 2009).

No entanto, o conceito de educação ambiental crítica, de acordo com Loureiro (2007),

ultrapassa a tendência comum até os anos 1980, que associa a educação ambiental apenas ao

ensino de temas relacionados à biologia e ecologia e a práticas ecologicamente corretas. Para

o autor, a educação ambiental crítica

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Se insere no mesmo bloco ou é vista como sinônimo de outras denominações

que aparecem com frequência em textos e discursos (transformadora,

popular, emancipatória e dialógica), estando muito próxima também de

certas abordagens da denominada ecopedagogia. A sua marca principal está

em afirmar que, por ser uma prática social como tudo aquilo que se refere à

criação humana na história, a educação ambiental necessita vincular os

processos ecológicos aos sociais na leitura de mundo, na forma de intervir na

realidade e de existir na natureza. Reconhece, portanto, que nos

relacionamos na natureza por mediações que são sociais, ou seja, por meio

de dimensões que criamos na própria dinâmica de nossa espécie e que nos

formam ao longo da vida (cultura, educação, classe social, instituições,

família, gênero, etnia, nacionalidade etc.). Somos sínteses singulares de

relações, unidade complexa que envolve estrutura biológica, criação

simbólica e ação transformadora da natureza (LOUREIRO, 2007, p. 66).

Apesar das diversas compreensões sobre a biodiversidade apontadas pelos autores, que

estão nos níveis da variedade genética, de espécies, de ecossistemas e das relações sociais e

culturais, a abordagem do tema nas escolas de Ensino Médio de Belém (PA) necessita de

maior exploração tanto por parte dos professores quanto dos alunos, já que um estudo

realizado por Fonseca (2007) mostra que maior parte dos docentes entrevistados em sua

pesquisa têm apenas informações básicas sobre os conceitos apresentados, sem

aprofundamento teórico. A afirmação é comprovada pela pesquisadora quando aponta que 17

dos 24 professores consultados entendem a biodiversidade em seu conceito de nível básico de

compreensão (variação do número de espécies existentes) e essa compreensão também é

dirigida a seus alunos por meio de livros didáticos. Dos 503 alunos ouvidos na pesquisa e que

afirmaram conhecer o termo biodiversidade, 352 (69,9%) apresentam construções centradas

em apenas um nível de compreensão, o mesmo que os professores.

Dessa forma, acreditamos que uma das possibilidades para favorecer uma discussão

mais ampla sobre os conceitos de biodiversidade nas salas de aula, visualizada não só pelo

viés biológico, mas alcançando também as questões sociais, econômicas, culturais e as

relações entre homem e natureza, especialmente na Amazônia, é a utilização de Tecnologias

da Informação e Comunicação como mediadoras dos processos educativos, componentes

pedagógicos dentro e fora dos ambientes escolares, desde que não funcionem como simples

aparatos de reprodução de conteúdos, mas como instrumentos importantes no processo de

autonomia da educação (FREIRE, 1983) e na busca por uma educação sensória e integrada

(MORAN, 1994).

Martín-Barbero afirma que o público em idade escolar, prioritariamente jovem, tem

intimidade com o uso das TICs e das multimídias.

Eles têm maior empatia cognitiva e expressiva com as tecnologias e com

novos modos de perceber o espaço e o tempo, a velocidade e a lentidão, o

próximo e o distante. Trata-se de uma experiência cultural nova, ou como

chama Walter Benjamin, um sensorium novo. Novos modos de perceber e de

sentir; uma sensibilidade que, em muitos aspectos, se choca e rompe com o

sensorium dos adultos (MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 54).

A atual Pesquisa Brasileira de Mídia mostra que 42% dos brasileiros apontam a internet

como meio de comunicação mais utilizado. 65% dos jovens brasileiros até 25 anos acessam a

internet todos os dias. Quando se trata de mídias sociais, os índices aumentam: 92% dos

usuários de internet estão conectados na rede por meio de mídias sociais. Destes, o Facebook

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é a mídia social mais utilizada, com 83% das respostas, seguido do WhatsApp (58%) e do

YouTube (17%).

Estes dados demonstram a presença cada vez mais constante de hipermídias6 e

multimídias na vida dos brasileiros, especialmente dos jovens. O filósofo francês Pierre Levy

(1999) definiu o termo multimídia como

Aquilo que emprega diversos suportes ou diversos veículos de comunicação.

[...] Hoje, a palavra refere-se, geralmente, a duas tendências principais dos

sistemas de comunicação contemporâneos: a multimodalidade e a integração

digital (LEVY, 1999, p. 58).

Soares (2000) arriscou a previsão de que na metade da primeira década dos anos dois

mil, aproximadamente 60% do ensino do país estaria sendo ministrado fora dos ambientes

tradicionais de educação, ou seja, inteiramente através do ciberespaço7. De maneira geral, as

tecnologias são mediações que permeiam o cotidiano dos brasileiros, assim como as

hipermídias.

A incorporação destas tecnologias na educação pode ser a chave para o envolvimento e

protagonismo das juventudes em seus próprios processos de aprendizado. Adilson Citelli

(2000) afirma que a escola vem reconfigurando suas práticas a partir das mudanças que

surgem na contemporaneidade.

A escola está sendo pensada, assim, como espaço mediativo cada vez mais

cruzado pelas novas linguagens e pelas transformações científicas,

tecnológicas, culturais e de comportamentos que marcam o mundo

contemporâneo (CITELLI, 2000, p.83).

Tendo isso em vista e incrementando as pesquisas e experimentações que o Museu

Paraense Emílio Goeldi desenvolve desde 2010 sobre comunicação e educação no âmbito da

Escola da Biodiversidade Amazônica e do Prêmio José Márcio Ayres, mapeamos neste estudo

práticas de educação e comunicação multimidiáticas em algumas escolas municipais e

estaduais de Ensino Fundamental e Médio de Belém (PA) para percebermos como constroem

suas percepções de ensino e aprendizado sobre a biodiversidade amazônica utilizando as TICs

como mediadoras do processo de ensino e aprendizagem.

Objetivos

Esta pesquisa teve o objetivo de mapear práticas de educação e comunicação

multimidiáticas em algumas escolas municipais e estaduais de Ensino Fundamental e Médio

de Belém (PA) e saber como constroem suas percepções de ensino e aprendizado sobre

biodiversidade. Também foram objetivos desta pesquisa realizar um levantamento das escolas

de Ensino Fundamental e Médio da cidade de Belém (Pará – Brasil) que têm afinidade com o

uso das TICs e plataformas multimídia; e investigar de que forma as TICs são utilizadas como 6 Hipermídia é uma "expressão não linear da linguagem, que atua de forma multimidiática" (BAIRON, 2011, p. 7

apud MELLO; ASSUMPÇÃO, 2012, p. 1). 7De acordo com Pierre Levy, o ciberespaço é um meio de comunicação oriundo da interconexão mundial de

computadores. Não se refere unicamente a infraestrutura material da comunicação digital, mas também ao

universo de informações que esta engloba, bem como as pessoas que nutrem e estão presentes neste universo.

(LEVY, 1999, p. 14).

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

colaboradoras no processo de ensino e aprendizado sobre a biodiversidade nas escolas

selecionadas na pesquisa.

Percurso metodológico

Como metodologia de pesquisa, utilizamos a pesquisa-ação com observação

participante. De acordo com Cicília Peruzzo (2003, p. 2) este método teve forte presença nos

estudos de comunicação no Brasil nos idos de 1980 e 1990, e “consiste na inserção do

pesquisador no ambiente natural de ocorrência do fenômeno e de sua interação com a situação

investigada”.

A pesquisa-ação precede da presença do observador no ambiente investigado,

analisando de forma dinâmica os problemas manifestados, para tomar decisões e executar

ações a partir deles, compartilhando das atividades e do contexto do grupo pesquisado para a

proposição de uma ação planejada, de caráter social/educacional/técnico.

De acordo com Peruzzo (2003, p. 13), contextualizada no campo da Comunicação, a

observação participante “objetiva observar como se processa a recepção das mensagens dos

mass media, como elas são entendidas, decodificadas e reelaboradas. Pode também ter a

finalidade de observar os processos comunicativos interpessoais, grupais ou comunitários,

envolvendo os mass media ou outros processos de comunicação como os grupais e meios

alternativos de comunicação”.

O trabalho de pesquisa foi complementado pela aplicação entrevistas em profundidade

do tipo semi-abertas com questões semi-estruturadas, que “conjuga a flexibilidade da questão

não estruturada com um roteiro de controle” (DUARTE, 2009, p. 66).

Durante o período da pesquisa foram coletados e analisados depoimentos de

professores, gestores e alunos de duas escolas vinculadas aos sistemas públicos de ensino

Municipal e Estadual. Um levantamento elaborado durante a pesquisa identificou 129 escolas

estaduais e 55 municipais que possuem afinidade com o uso das Tecnologias da Informação e

da Comunicação, satisfazendo um dos objetivos da pesquisa. Este levantamento foi realizado

com o suporte do Núcleo de Tecnologia Educacional Professor Washington Luís Barbosa

Lopes (NTE-Belém)8 e do Núcleo de Informática Educativa9.

Dentre as instituições de ensino inventariadas, selecionamos uma escola do sistema

municipal e uma do sistema estadual de ensino para compor o corpus de análise da pesquisa, a

saber: Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Vilhena Alves e Fundação Centro de

Referência em Educação Ambiental Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira (Funbosque). A

seleção das escolas que formaram o corpus de análise da pesquisa foi motivada pela presença

das TICs, pela relação pré-estabelecida com o Museu Goeldi e pela atuação pedagógica

voltada à educação ambiental.

A escolha da E.E.E.F.M Vilhena Alves é justificada pela relação que a escola mantém

com o Museu Goeldi através da participação de alunos na 5ª edição do Prêmio José Márcio

Ayres para Jovens Naturalistas (PJMA) e outras atividades educativas. Já a escolha da

Funbosque foi motivada principalmente pela valorização da educação ambiental em seu

Projeto Político Pedagógico, sendo esta a prática norteadora de suas ações.

8 O NTE-Belém é vinculado à Coordenação de Tecnologia Aplicada à Educação, da Secretaria Estadual de

Educação. Em todo o Brasil, os Núcleos atuam como multiplicadores do PROINFO, prestando assessoria e

formação de professores sobre o uso das TICs na escola e disseminando os princípios da educomunicação. 9 Órgão da Secretaria Municipal de Educação que oferece formação em informática educativa a professores do

sistema público de ensino.

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Através da metodologia da pesquisa ação (PERUZZO, 2003) e da aplicação de

entrevistas em profundidade do tipo semi-abertas com questões semi-estruturadas, coletamos

depoimentos de 10 alunos na faixa etária de 13 a 20 anos, cursando o 8º ano do Ensino

Fundamental e o 2º ano do Ensino Médio nessas escolas, por considerar que são etapas de

ensino intermediárias onde os estudantes estão em pleno processo de formação de suas

percepções sobre biodiversidade. Destes, 6 discentes entrevistados fazem parte do corpo de

alunos da Funbosque e 4 da E.E.E.F.M Vilhena Alves. Entrevistamos 3 professores das

disciplinas biologia e ciências, sendo 2 da Funbosque e 1 da E.E.E.F.M Vilhena Alves; além

de 2 gestores, sendo 1 representante da coordenação pedagógica da Funbosque e 1 da vice-

direção da Escola Vilhena Alves.

As entrevistas na Escola Bosque foram realizadas no dia 22 de abril de 2015, já na

E.E.E.F.M Vilhena Alves foram feitas em 14 de abril e 25 de setembro de 2015. As entrevistas

foram gravadas em aparelho celular Samsung, transcritas, lidas, analisadas e selecionadas em

alguns trechos com informações sobre as percepções de ensino da biodiversidade e o papel

das TICs neste processo em ambiente escolar.

Como parâmetro de análise sobre os conceitos de biodiversidade, utilizamos os autores

que compõem a base de referência desta pesquisa: Wilson (1992, apud CASTRO et al, 2014),

Wilson (1997, apud OLIVEIRA; MARANDINO, 2011), Primack (1992 apud FONSECA,

2007) e Convenção sobre Diversidade Biológica (2000). Também utilizamos como parâmetro

para análise das respostas obtidas, o conceito atribuído por Diegues (2000), que assume um

espectro mais amplo para o termo, tomando a biodiversidade como uma construção social.

Para analisar as respostas obtidas a respeito do uso pedagógico das TICs e multimídias

na educação, utilizamos autores como Soares (2011), Citelli (2000), Martín-Barbero (2000),

Moran (1994, 2015), Freire (1983), a Pesquisa Brasileira de Mídia (2015) e outros.

Principais resultados

Entre os resultados da pesquisa sobre as percepções das comunidades escolares a

respeito do conceito de biodiversidade, concluímos que os alunos das duas escolas

investigadas não possuem um conhecimento sistematizado sobre o conceito de biodiversidade

e não o definem de forma hierárquica, nos níveis da variedade de genética, variedade de

espécies e variedade de ecossistemas, de acordo com a literatura utilizada nesta pesquisa. A

maioria dos alunos utilizou a variável “diversidade de vidas” em suas respostas, o que

consideramos aproximar-se do nível de variedade de espécies atribuído pelos autores base de

nossas referências sobre biodiversidade, como Wilson (1992, apud CASTRO et al, 2014),

Wilson (1997, apud OLIVEIRA; MARANDINO, 2011), Primack (1992 apud FONSECA,

2007) e Convenção sobre Diversidade Biológica (2000). Além disso, os discursos dos alunos

relacionavam a biodiversidade aos aspectos da natureza e a interação do homem nestes

espaços naturais, o que consideramos aproximar-se do conceito atribuído por Diegues et al

(2000), que define a biodiversidade também como construção social e cultural.

A relação estabelecida entre homem e natureza fica mais evidente nos discursos dos

alunos quando perguntados sobre a importância que eles atribuem à biodiversidade.

Pra mim é uma importância grande porque a gente estuda a vida dos seres,

mas é só estudar? Não! O que eles têm a ver com a gente? Tipo, um

exemplo, eu vou estudar sobre uma preguiça, mas eu só vou estudar sobre

ela, e o que ela vai trazer pra mim depois? Então pra mim não é só estudar os

seres, mas estudar a vida deles com a nossa, entendeu? É juntar eles com a

gente porque as mesmas coisas que eles sentem a gente sente também, tipo,

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não é só estudar eles, mas sim ver como é a adaptação (Aluno 4 – 2º ano do

Ensino Médio - Funbosque, 2015).

Notamos que as respostas dos alunos aproximam-se não só do conceito de

biodiversidade como construção social e cultural, mas aproximam-se, também, do conceito de

educação ambiental crítica, apontado por Loureiro (2007), que interliga os processos sociais

aos processos ecológicos, já que, segundo o autor, é através das mediações sociais que nos

relacionamos com a natureza. Para o autor, a principal marca da educação ambiental crítica

Está em afirmar que, por ser uma prática social como tudo aquilo que se

refere à criação humana na história, a educação ambiental necessita vincular

os processos ecológicos aos sociais na leitura de mundo, na forma de intervir

na realidade e de existir na natureza. Reconhece, portanto, que nos

relacionamos na natureza por mediações que são sociais [...] (LOUREIRO,

2007, p. 66).

Entre os entrevistados nas duas escolas, apenas um relacionou biodiversidade ao nível

da variedade genética e ao conceito social de raça.

Percebemos, entre os alunos do Ensino Fundamental das duas escolas, uma diferença de

compreensões sobre os conceitos de biodiversidade. Os discentes do 8º ano do Ensino

Fundamental entrevistados na Escola Vilhena Alves não conhecem o termo biodiversidade,

por isso não conseguiram definir seus entendimentos sobre o tema e nem responder às demais

questões relacionadas no questionário de entrevista. Já os alunos da mesma etapa de ensino da

Funbosque (8º ano) conheciam o termo e relacionaram suas compreensões à diversidade de

vida. Ambas as escolas oferecem em sua grade curricular a disciplina “ciências”, matéria que

relaciona conteúdos afins.

Esta diferença pode estar atrelada à política de ensino da Escola Bosque, pautada na

educação ambiental. A escola está inserida em um ambiente favorável ao ensino da

biodiversidade, permitindo interação entre os alunos e demais elementos da natureza, por

estar situada em uma área de mata e preservação ambiental.

Sobre a percepção dos professores de ciências e biologia das duas escolas investigadas a

respeito da biodiversidade, concluímos que a definição deles está baseada na diferença de

espécies existentes em uma determinada área, na grandeza do que seria a diversidade de vida,

na diversidade da natureza e na sua conservação.

Percebemos nos discursos diferenças de abordagens. Enquanto um dos professores foi

mais específico e relacionou biodiversidade a um dos níveis presente nos conceitos vistos na

bibliografia desta pesquisa (nível da diversidade de espécies), os outros professores

entrevistados utilizaram conceitos mais gerais.

Quanto ao uso das TICs e multimídias para o ensino da biodiversidade na Funbosque, a

coordenação pedagógica afirmou que os alunos são estimulados ao uso educativo, porém,

tanto alunos quanto professores afirmam que os recursos didático-tecnológicos disponíveis

(como computadores) são insuficientes para atender a demanda da escola.

Na Escola Vilhena Alves, a vice-direção mencionou o uso das mídias sociais e o

planejamento para a implementação de produtos de comunicação com finalidade educativa, a

exemplo de um blog e de um jornal escolar. Professores e alunos da E.E.E.F.M. Vilhena Alves

também afirmam que os recursos didático-tecnológicos são insuficientes e que o uso em sala

de aula não é frequente.

Dessa forma, podemos dizer que ambas as escolas possuem TICs com usos voltados ao

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ensino da biodiversidade, mas são recursos limitados.

Quanto ao estímulo ao uso das TICs no ensino da biodiversidade, de maneira geral

podemos dizer que os professores da Funbosque estimulam o uso em medidas diferenciadas.

A frequência e a forma de uso das TICs nesta escola dependem da afinidade e identificação do

professor com as ferramentas. Porém, este uso é dificultado pela insuficiência da estrutura de

ensino.

Notamos que um dos professores da Funbosque divide suas aulas em momentos

distintos: as aulas teóricas em sala de aula, onde é sugerido que celulares e demais

ferramentas tecnológicas e multimidiáticas não sejam utilizados, e os momentos extraclasse,

que seriam na sala de informática e no auditório, locais onde é permitido o uso de tecnologias

como datashows e a linguagem audiovisual para ensinar. Por outro lado, o outro professor

entrevistado na Funbosque tenta utilizar este tipo de recurso com mais frequência.

Eu faço o máximo que eu posso pra fazer com que os alunos tenham uma

interação melhor com outras mídias, além de ficar só olhando pro quadro e

fazendo trabalho etc (Professor 1 - Funbosque, 2015).

Podemos dizer que a afinidade que o Professor 1 tem em relação ao uso de diferentes

mídias e linguagens em sala, corresponde à sua formação. Este professor realizou trabalho de

conclusão de curso de licenciatura em jogos eletrônicos e ainda pesquisa o assunto.

Enquanto um dos professores utiliza as multimídias e as TICs de forma pedagógica para

envolver seus alunos em suas aulas, o outro professor entrevistado na Funbosque evita utilizá-

las para que não tirem a atenção dos discentes, e em consequência, atrapalhem o momento da

aula dento da sala.

Eu vou te ser sincera, é um pouquinho complicado trabalhar com alguns

tipos, exemplo, celular dentro de sala de aula, acaba atrapalhando, tirando a

concentração do aluno porque muitas das vezes a gente está falando e ele

está ali no Facebook, então a gente tem que saber lidar com os meios

tecnológicos porque eu acho que tem momento pra tudo, né? [...] Geralmente

eu trabalho com a parte teórica, e quando não estou em sala eu estou no

auditório preparando um vídeo pra eles [...] só que o laboratório de

informática não atende todos os alunos [...] (Professor 2 – Funbosque, 2015).

José Manuel Moran (1994) atribui tal fato ao receio que educadores sustentam em

relação aos meios.

Diante da fascinação que exercem os meios e da sua aparente transparência,

muitos educadores e intelectuais sentem verdadeiro horror e os criticam de

forma radical, por isso apoiam qualquer curso ou palestra que denuncie os

meios, que aponte seus desmandos, exageros, mecanismos de dominação.

Procuram os cursos de leitura crítica, mas não chegam desarmados; trazem

uma carga de preconceitos, de leituras, que esperam ver confirmados

(MORAN, 1994, p. 46).

Martín-Barbero (2000) afirma que os jovens têm mais empatia cognitiva e expressiva

com as tecnologias, por isso o estímulo do uso dessas ferramentas de forma educativa e

criativa pode ser um importante aliado na otimização do ensino e do aprendizado.

Já na E.E.E.F.M Vilhena Alves, o professor entrevistado afirmou estimular a o uso

pedagógico das TICs e de multimídias, mas esbarra nos problemas de estrutura para o uso das

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

ferramentas na escola.

O professor entrevistado na E.E.E.F.M. Vilhena Alves afirmou que as informações

fornecidas pelo celular, através da internet, não trazem “grande proveito” e que os jovens não

estariam interessados em pesquisa, pois o ensino não é prazeroso.

Eu queria era incentivar a pesquisa com eles, é essa e sempre foi a minha

intenção, tentar fazer com que eles pensem porque hoje a maioria dos jovens

é imbecil, eles têm muita informação mas não sabem nada, porque o celular

te dá tudo quebrado, nenhuma informação que possa trazer grande proveito.

Ele sabe tudo, na sala de aula de vez em quando aparece um achando que

sabe alguma coisa, mas ele só sabe aquele tópico que apareceu lá, aquela

informação quebrada ali. Genética, por exemplo, “ah, é isso? É e tal”. A

minha intenção, eu queria isso, mas eles também não estão interessados, eles

estão interessados em outra coisa. Estão interessados em celular, estão

interessados em festa, reuniões, acho que bebidas, drogas, porque tu sabes

que o ensino não é prazeroso, eles não têm prazer. Alguns te escutam, mas...

(Professor 1, E.E.E.F.M Vilhena Alves, 2015).

Para que o ensino seja prazeroso, é necessário que professores, alunos, gestão,

comunidade e principalmente os gestores da educação no país estejam interessados e

envolvidos na construção de projetos de educação mais integrados, que não se apoiem em

subdivisões de disciplinas, mas que que integrem corpo e mente, unam os saberes, a razão, as

emoções e sensações. A educação formal bancária considera pedagógico apenas o

conhecimento sistematizado, que destaca a lógica matemática e a escrita e deixa às margens

do fazer educativo o conhecimento abstrato e intuitivo. De acordo com Manuel Moran (2013),

aprendemos de diversas formas, inclusive pelo prazer.

[...] Aprendemos pela credibilidade que alguém nos merece. A mesma

mensagem dita por uma pessoa ou por outra pode ter pesos bem diferentes,

dependendo de quem fala e de como o faz. Aprendemos também pelo

estímulo, pela motivação de alguém que nos mostra que vale a pena investir

num determinado programa, num determinado curso. Um professor que

transmite credibilidade facilita a comunicação com os alunos e a disposição

para aprender. Aprendemos pelo prazer, porque gostamos de um assunto, de

uma mídia, de uma pessoa. O jogo, o ambiente agradável, o estímulo

positivo podem facilitar a aprendizagem (MORAN, 2013, p. 27-29).

Professores da Funbosque e da Escola Vilhena Alves apontaram o uso do celular em

sala de aula como um “empecilho” para a aprendizagem, visto que esta ferramenta tiraria a

atenção dos alunos ou ofereceriam informações “quebradas”.

Apenas um professor da Funbosque afirmou usar o celular de forma pedagógica durante

suas aulas e ainda disse conseguir maior transdisciplinaridade no ensino utilizando meios

tecnológicos.

Esta discordância nos discursos nos leva a crer que o problema não estaria impresso no

uso das TICs e multimídias na sala de aula, mas sim na forma como elas são utilizadas.

Enquanto um professor acredita que essas ferramentas são aliadas da educação, outros

acreditam que tiram a atenção. Dessa forma, acreditamos que a formação e a sensibilização do

professor para o uso pedagógico e educativo das TICs em sala de aula (virtual, presencial ou

externa) conformaria uma estratégia para que o ensino da biodiversidade seja mais prazeroso

e engaje os educandos de forma integral em seus processos de construção de conhecimento,

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

dando a eles oportunidades de expressão, baseada em uma pedagogia educativa dialógica.

No discurso do professor entrevistado na E.E.E.F.M Vilhena Alves, notamos que os

alunos foram rotulados como imbecis, pois “eles têm muita informação mas não sabem nada”.

A estrutura da educação bancária sugere uma dicotomia entre homem e mundo, e prega o

homem como espectador e não recriador e transformador do mundo (Freire, 1983). A visão

bancária da educação dá ao educador uma postura de opressor, detentor de conhecimento a ser

transmitido aos educandos, seres que, de acordo com esta concepção, são incapazes de pensar

o mundo de forma crítica e apenas recebem, de forma passiva, informações processadas por

educadores bancários. Para Paulo Freire (1983),

A concepção e a prática da educação que vimos criticando se instauram

como eficientes instrumentos para este fim. Daí que um dos seus objetivos

fundamentais, mesmo que dele não estejam advertidos muitos do que a

realizam, seja dificultar, em tudo, o pensar autêntico, Nas aulas verbalistas,

nos métodos de avaliação dos “conhecimentos’, no chamado “controle de

leitura”, na distância entre o educador e os educandos, nos critérios de

promoção, na indicação bibliográfica, em tudo, há sempre a conotação

“digestiva” e a proibição ao pensar verdadeiro (FREIRE, 1983, p. 73).

Para o autor é necessário superar esta dicotomia e a verticalidade que afasta o educando

do educador e, em seu lugar, pôr em prática uma educação baseada no diálogo, que respeite os

educandos como pessoas autônomas, capazes de pensar e recriar o mundo e suas realidades, e

formar da mesma forma que é formado.

Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe

com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se

como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os

educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo.

É através deste que se opera a superação de que resulta um termo novo: não

mais educador do educando, não mais educando do educador, mas educador-

educando com educando-educador.

Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto

educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também

educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos

e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se,

funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e

não contra elas.

Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si

mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.

Mediatizados pelos objetos cognoscíveis que, na pratica “bancária”, são

possuídos pelo educador que os descreve ou os deposita nos educandos

passivos (FREIRE, 1983, p. 78-79).

Reforçando a ideia de Freire (1983), a educomunicação propõe a construção de

ecossistemas comunicativos em ambientes educativos. Os ecossistemas comunicativos são

ideais de relações construídos em um espaço geralmente escolar para favorecer o diálogo e o

convívio social, tendo como metodologia a troca de ideias, considerando o uso das

tecnologias pra potencializar essa relação. Este diálogo tem que ser construído de forma

coletiva, de maneira a congregar os personagens da educação e as TICs. Estes espaços, então,

devem ser abertos, democráticos e participativos, garantindo que os sujeitos sociais

envolvidos tenham possibilidade de se expressar de forma igualitária (Soares, 2011).

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

A dificuldade que os alunos das escolas investigadas apresentaram na definição do

conceito de biodiversidade de acordo com a literatura utilizada como referência na pesquisa

pode estar relacionada à forma como o ensino é realizado.

Considerações finais

De maneira geral, acreditamos que o conceito de biodiversidade deve ser melhor

trabalhado em âmbito escolar, de uma forma estruturada e com o auxílio das Tecnologias da

Informação e da Comunicação, que, em certa medida, são utilizadas nestas comunidades

escolares investigadas para favorecer o ensino da biodiversidade e demais temas, no entanto,

este uso é prejudicado pela ausência de estrutura adequada nas duas escolas investigadas, que

não atendem às demandas das comunidades escolares de forma plena, por isso acreditamos

que o uso integral dessas tecnologias seria favorecido com melhores investimentos na

educação pública, principalmente no que diz respeito à formação e sensibilização de

professores para o uso pedagógico das TICs e multimídias e ao estímulo à experimentação de

novas linguagens no ensino da biodiversidade e demais temas.

Como projetos futuros, propomos a sensibilização e a formação dos professores das

escolas investigadas para o uso pedagógico e educativo das Tecnologias da Informação e da

Comunicação, bem como de multimídias para dinamizar o ensino e o aprendizado sobre a

biodiversidade e outros temas

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

A literatura oral no ensino da língua portuguesa

Carlos Nogueira Universidade de Vigo – I Cátedra Internacional José Saramago

Resumo

Com este artigo pretendemos chamar a atenção para um aspecto muito específico dos

programas de língua portuguesa. Refletimos sobre as razões ideológicas, éticas e estéticas

que têm presidido à inclusão de textos da tradição oral portuguesa (e não só) nos manuais de

língua portuguesa dos ensinos básico e secundário de diversas épocas. Centrar-nos-emos no

caso português, mas as conclusões a que chegamos são aplicáveis, no essencial, aos países

de língua oficial portuguesa.

Palavras-chave

Tradição oral; Literatura; Ensino.

Abstract

With this article we intend to draw attention to a very specific aspect of English language

programs. We reflect on the ideological, ethical and aesthetic reasons which have guided the

inclusion of the Portuguese oral tradition texts (and not only) in the manuals of Portuguese

primary and secondary schools from different eras. We will focus on the Portuguese case, but

the conclusions reached are applicable essentially to Portuguese-speaking countries.

Keyword

Oral tradition; Literature; Teaching.

Falar de programas, de ensino da língua portuguesa e do lugar que aí ocupa a literatura

de transmissão oral implica falar de manuais escolares1. A tese de que parto baseia-se num

princípio inerente a tudo o que tem a ver com opções curriculares. Isto é: o uso que se faz, no

âmbito do currículo e dos processos de operacionalização didática, dos textos da tradição oral

resulta das mentalidades, das ideologias e dos conhecimentos científicos de cada momento

histórico. A preocupação era, sensivelmente até ao 25 de Abril de 1974, mais normativa e

moral do que estética. Tanto a literatura de autor como a literatura oral, regra geral adaptada

através de figuras de intertextualidade como a redução ou a substituição, estavam ao serviço

da ideologia nacionalista e religiosa. Com a ditadura salazarista este fenómeno assumiu uma

dimensão muitíssimo maior e claramente normativa, e por isso é que, em 1950, temos esta

directriz da Direção dos Serviços da Censura, que faz parte das Instruções sobre Literatura

infantil:

1 Um livro particularmente útil para o conhecimento do manual escolar é O Mural do Tempo. Manuais Escolares

em Portugal, de Justino Magalhães, onde se faz uma história crítica do manual escolar e onde se apresenta um

inventário de manuais escolares portugueses, “editados, aprovados e selecionados para o Ensino Primário

(Elementar e Complementar), publicados entre o século XVI e o XX, especificamente, até 1974” (2011, p. 10).

Este livro é também muito importante pela bibliografia crítica que vai convocando.

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Parece desejável que as crianças portuguesas sejam cultivadas, não como

cidadãos do Mundo, em preparação, mas como crianças portuguesas que

mais tarde já não serão crianças, mas continuarão a ser portuguesas.

(Cortez, 2013, p. 43)

Mas, no fundo, o duplo objectivo de moralização e valorização da pátria já existia há

muito, como se percebe por estas “Observações” que acompanham o Programa de Português

– III Classe, regulado pelo Decreto de 3 de Novembro de 1905 (Magalhães, 2011, p. 42):

(…) O livro de leitura será organizado de maneira a servir para as três

primeiras classes. (…); e nas composições em verso procurar-se-á atingir

o conveniente fim educativo, com fábulas, contos tradicionais, romances

populares postos em português moderno (…). (Magalhães, 2011, p. 42)

Convém fazer já uma clarificação teórica e terminológica. Estamos a falar de “textos

da tradição oral” ou de “transmissão oral”, mas do que se trata é, antes de mais, de textos que

resultam da tradição oral ou de textos de inspiração oral e tradicional. A literatura oral vive na

oralidade, e, por isso, quando a registamos por escrito, é já outra literatura; uma literatura que

é ao mesmo tempo oral e escrita. Os Contos Populares Portugueses (1879), de Adolfo

Coelho, ou os Contos Tradicionais do Povo Português (1883), de Teófilo Braga, não são

populares ou tradicionais num sentido estrito; são textos, em parte, reescritos ou preparados

para uma existência impressa, e, portanto, não são completamente fiéis à versão que se

recolheu junto de um informante; não são nem podem ser, muitas vezes, demasiado próximos

das versões originais, porque uma fixação palavra por palavra poderia pôr em causa a

legibilidade do texto e a sua utilização pedagógico-didática. Mais propriamente populares são

algumas versões que encontramos, por exemplo, em José Leite de Vasconcelos, as quais

procuram, tanto quanto possível, registar as especificidades dialectais do texto dito pelo

informante, a ponto de termos algumas versões que são quase, na medida do possível,

transcrições fonéticas.

Pensando especificamente nos textos literários “orais” que encontramos em manuais

escolares, estamos, por outro lado, a lidar com literatura oral ou de inspiração oral usada

como literatura dirigida aos mais novos.

Hoje, as razões que presidem à escolha de textos da tradição oral são tão éticas quanto

estéticas. Continua a assumir-se, sobretudo no caso do conto e da fábula, que há uma

moralidade cuja importância para a formação humana e cívica das crianças e dos jovens não

pode ser esquecida; mas o lúdico, o conhecimento e a exploração do mundo não interessam

menos. Ensina-se língua portuguesa e ao mesmo tempo promove-se “a liberdade de ser e de

pensar, o aprofundamento da educação para a cidadania e a implementação de novas

capacidades cognitivas” (Nogueira, 2011, p. 75).

E é assim porque se admite que «O que está em causa sempre que uma criança utiliza

um texto da literatura oral não é uma mera “iniciação no mundo da arte” (Coelho, 1883, p.

16); um poema oral infantil, uma adivinha ou um provérbio fazem parte do mundo do

literário, enquanto mundo de autonomia do estético e do belo, e permitem já a criação, a

descoberta e a exploração de identidades e intersubjectividades» (Nogueira, 2011, p. 76).

Sophia de Mello Breyner dizia que toda a arte é didática (ou seja: cumpre, no melhor sentido

da expressão, funções culturais e sociais). Por isso, quando o professor valoriza o património

literário oral da comunidade e, muito em particular, os textos literários orais que um aluno ou

os alunos usam, está a reconhecer os seus códigos linguísticos, sociais e culturais. “Desse

modo, investe na cultura de cada um e de todos, e faz da sala de aula e da escola espaços de

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acolhimento que contribuirão para a melhoria da qualidade de vida pessoal e social (do lazer

ao trabalho, do exercício da cidadania ao exercício profissional)” (Nogueira, 2011, p. 76). Ao

unir pessoas, esta literatura aproxima culturas e povos. Daí o ponto de vista da UNESCO, em

carta de recomendação assinada em 1989 em Paris: a literatura oral, tradicional e popular é

património universal da Humanidade.

Não faltam textos ditos orais ou de inspiração oral nos livros de leitura aprovados para

o Ensino Primário Elementar durante o Estado Novo. Há uma pragmática evidente a cumprir

por estes textos, que devem seduzir os leitores mas não podem deixar de ter uma

intencionalidade didáctica e moralizante inequívoca. A versão do conto popular “A Formiga e

a Neve”, que aparece no manual Leituras… Para a 1.ª Classe, de A. Augusto dos Santos,

promove, desde o incipit, princípios morais, normas e padrões de comportamento

considerados exemplares:

Era uma vez certa formiga muito trabalhadeira e esperta, que ia levando

para o formigueiro um grão de trigo.

De repente um pé prendeu-se-lhe na neve que cobria todo o chão.

(Santos, 1932, p. 17)

Na versão de Adolfo Coelho não há qualquer moralidade explícita no início, que é

muito direto e económico: “Uma formiga prendeu o pé na neve” (Coelho, 1999, p. 85). A

lição moral vai sendo deduzida pelo leitor ou ouvinte, a quem se pede que depreenda que há

sempre alguém mais forte do que nós e que a humildade e a honestidade são princípios e

atitudes a assumir. No final, temos ainda a noção de que a morte é universal e inevitável:

Ó carniceiro, tu és tão forte que matas o boi, que bebe a água, que apaga

o lume, que queima o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come

o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve que o meu

pé prende!

Responde o carniceiro: Tão forte sou eu que a morte me leva. (Coelho,

1999, p. 86)

A versão de A. Augusto dos Santos não inclui a conclusão de Adolfo Coelho, mas não

sabemos se se trata de uma supressão e, portanto, de uma suavização. O autor não nos diz em

que versão se baseou (escrita ou recolhida por ele), e por isso podemos apenas colocar

hipóteses. Uma vez que outras versões que conhecemos deste conto encerram com a resposta

do carniceiro, é de supor que este corte foi deliberado, embora não devamos esquecer que o

autor poderá ter tido acesso a uma versão sem este desfecho. Tratando-se de um manual para

crianças do 1.º ano, talvez o objectivo tenha sido o de não entrar numa questão (a da morte)

tão sensível. Seja como for, a moralidade que o texto encerra, e que, aliás, o professor com

certeza se encarregaria de notar bem na aula, é sublinhada por uma frase que surge destacada

um pouco abaixo do texto: “Não te julgues superior aos outros” (Santos, 1932, p. 21).

Esta versão convida-nos a reflectir um pouco sobre o que devemos pensar das

adaptações de contos e lendas que encontramos em manuais escolares do passado e do nosso

tempo, e a procurar saber se devemos aceitar ou recusar versões de textos ditos tradicionais

mais ou menos livres. Se a qualidade literária não for questionável, são tão legítimas como as

versões orais de que provêm; versões orais de que, como vimos acima na breve consideração

sobre o que é um texto literário oral, estamos já mais ou menos afastados, sempre que lemos

um texto dito “popular”, “oral” ou “tradicional”. São textos que se inscrevem numa família

textual que começa e se desenvolve na tradição oral, e continua na tradição escrita e muitas

vezes também iconográfica. Estas versões mantêm os elementos essenciais que permitem

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identificar a narrativa, mas, como qualquer versão oral, substituem, cortam, alteram, moldam-

se ao presente.

Poderíamos comparar e convocar outras especificidades textuais, mas as conclusões a

que chegaríamos não seriam diferentes. Apesar da rigidez moralizante a que já nos referimos,

estes textos atraíam (e, se lidos hoje, continuam a atrair) as crianças porque não deixam de ser

recreativos e lúdicos. Regra geral, situam os leitores infantis e juvenis num mundo natural e

vivo que tem tudo a ver com o imaginário animista que lhes é próprio. Acontece o mesmo nos

textos em verso ou nas narrativas de autor que imitam a literatura de transmissão oral. “Vozes

de animais”, de Pedro Dinis, organizado em onze quadras de sete sílabas, é um bom exemplo:

“Palram pega e papagaio/ E cacareja a galinha;/ Os ternos pombos arrulham,/ Geme a rola

inocentinha.// Muge a vaca; berra o touro;/ Grasna a rã; ruge o leão;/ O gato mia; uiva o

lobo,/ Também uiva e ladra o cão” (AA. VV., 1961, p. 9. Sublinhados no original).

Tais versões ou tais textos popularizantes não negam nem desprestigiam a tradição

oral de onde vêm; celebram a sua criatividade e performatividade, e lembram-nos que as leis

da tradicionalidade e da criatividade da literatura oral não são incompatíveis com a literatura

escrita. Ler num manual (ou ouvir a partir de) um conto, uma lenda, um provérbio, uma

adivinha ou uma quadra não é simplesmente ler um texto que dizemos da literatura oral, do

nosso património cultural, da nossa matriz identitária; é ler um texto em diálogo connosco,

individualmente, e com o nosso tempo histórico-cultural.

Contra a crise da literatura (na sociedade e na universidade), que é uma crise de

valores humanistas, esta literatura pode cumprir dinamicamente as funções sociais e culturais

de que a literatura oral e popular sempre se incumbiu. Nestas funções entram a valorização e a

democratização da língua portuguesa, que escritores como António Torrado ou Álvaro

Magalhães se orgulham de saber usar com criatividade e sentido humanista. A língua

portuguesa é, como lembra Vítor Manuel de Aguiar e Silva, “a mais esplendorosa, perdurável

e irradiante criação de Portugal” (2010, p. 9), mas há muito deixou de ser uma língua

exclusiva de portugueses. Língua de comunhão universal, de entendimento entre países,

comunidades e pessoas de várias partes do mundo, o português experimenta-se e enriquece-se

na literatura de inspiração oral. Se devidamente valorizado e divulgado, este fenómeno

literário e cultural poderá ser cada vez mais um dos grandes ex-líbris da cultura lusófona e um

símbolo de liberdade de expressão.

A fórmula “Não te julgues superior aos outros”, que sintetiza a leitura orientada da

versão do conto “A Formiga e a Neve” a que acima nos referimos, pode suscitar em nós

repulsa, condescendência ou incredulidade; mas o que acima de tudo importa é que ela diz-

nos que hoje pensamos de modo muito diferente em relação à prática pedagógica em geral e

ao que devemos fazer com a literatura numa sala de aula dos ensinos básico e secundário. É

por isso mesmo que devemos olhar para estes manuais com atenção. Conhecê-los ajudar-nos-

á a perceber melhor o que somos e o que podemos pensar da nossa cultura e da nossa

sociedade; e, portanto, o que podemos melhorar no ensino da língua portuguesa através da

literatura oral ou de inspiração oral.

Obras citadas

AA. VV. Livro de leitura para a 4.ª classe. Porto: Editora Educação Nacional, 1961.

BRAGA, T. Contos tradicionais do povo português. 2 vols. Porto: Livraria Universal de

Magalhães & Moniz – Editores, 1883.

COELHO, A. Contos populares portugueses. Prefácio de Ernesto Veiga de Oliveira. 5.ª ed.

Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999.

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COELHO, F. A. Jogos e rimas infantis. Porto: Magalhães e Moniz Editores Biblioteca

d’Educação Nacional, 1883.

CORTEZ, Maria Teresa. Estrangeiros e portuguesinhos, identidades e patriotismos na

literatura para crianças dos anos 30 e 40 – a exemplo de Virgínia de Castro e Almeida e

de Fernanda de Castro. In G. Fragoso (Org.). Literatura para a infância. Infância na

literatura (pp. 43-55). Lisboa: Universidade católica Editora, 2013.

MAGALHÃES, J. O mural do tempo. Manuais escolares em Portugal. Lisboa: Edições

Colibri / Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, 2011.

NOGUEIRA, C. Os textos da tradição oral portuguesa no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no

Ensino Secundário. Revista Lusófona de Educação, 17, 75-90, 2011.

Santos. A. A. dos. Leituras… Para a 1.ª Classe. Porto: Livraria Escolar “Progredior”, 1932.

Silva, V. M. de A. e. As Humanidades, os Estudos Culturais, o Ensino da Literatura e a

Política da Língua Portuguesa. Coimbra: Almedina, 2010.

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O ensino de literatura com base em uma atividade social:

o resgate da voz discente a partir da criação coletiva de

um blog

Rodolfo Meissner Rolando Doutorando em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC/SP. Mestre em Linguística Aplicada

pela Universidade de Taubaté. Professor efetivo de Língua Portuguesa do Colégio Técnico Industrial de

Guaratinguetá-UNESP; Professor de Redação do Sistema Anglo de Ensino; Professor da Pós-Graduação em

Língua Portuguesa e Literatura da FATEA.

Resumo

Há uma crise vigente no ensino de literatura, conforme indicam os estudos de Cereja (2005),

Cosson (2006,2014), Paulino e Cosson (2009) e Zilmerman e Rösing (2009). Com o intuito de

contribuir para a superação dessa crise, o presente artigo tem o objetivo de discutir o ensino

de literatura com base em uma Atividade Social. Tal discussão se ancora teoricamente na

Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural – TASCH (Vygotsky, 2001; Leontiev, 1977;

Engeström, 1999) e nos estudos sobre Atividade Social realizados por Liberali (2009,2011).

Para a concretização do objetivo deste artigo, escolheu-se a criação de um blog sobre

literatura como objeto da atividade discutida. Espera-se, a partir das discussões aqui

expostas, contribuir para ressignificar o ensino de literatura, favorecendo a criação de

relações colaborativas e transformativas em uma aula de literatura.

Palavras-chave

Ensino de Literatura; Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (TASCH); Atividade

Social.

Abstract

There is a current crisis in the teaching of literature, as shown by studies of Cereja (2005),

Cosson (2006,2014), Paulino Cosson (2009) and Zilmerman and Rösing (2009). In order to

contribute to overcome this crisis, this article aims to discuss the teaching of literature based

on a Social Activity. This discussion is theoretically anchored in the Theory of Socio-

Historical-Cultural Activity - CHAT (Vygotsky, 2001; Leontiev, 1977; Engeström, 1999) and

studies performed by Liberali (2009,2011) about Social Activity (2010). To achieve the

purpose of this article, we have chosen to create a blog about literature as a subject of

discussion activity. It is expected from the discussions here exposed, contribute to reframe the

teaching of literature, helping to create collaborative and transformative relationships in a

literature class.

Keyword

Literature Teaching; Theory of Socio-Historical-Cultural Activity (TASCH); Social activity.

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Introdução

Hoje me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem

espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver.

Todorov

Há uma crise vigente no ensino de literatura, como mostram os trabalhos de Cereja

(2005), Cosson (2006, 2014), Paulino e Cosson (2009) e Zilmerman e Rösing (2009). Para

Cosson (2006, 2014), a presença da literatura no ensino médio brasileiro tem se limitado à

história da literatura brasileira. O autor comenta ainda que esse tipo de ensino pautado apenas

pela história se dá, na maior parte das vezes, de modo engessado e alienante, em uma

sucessão dicotômica entre os estilos de época, biografismo e recortes teóricos sobre gêneros

literários, retórica e métrica. Ainda segundo o pesquisador, as aulas de literatura organizam-

se, em geral, em uma perspectiva tradicional e, muitas vezes, descontextualizada. Fica nítido,

portanto, que o ensino de literatura organizado dessa forma oferece poucas (ou nulas)

oportunidades de valorização da reflexão, da criticidade e da sensibilidade dos estudantes,

uma vez que o interesse do estudante não costuma ser valorizado nesse formato de aula,

tendo, em geral, a sua voz e as suas necessidades silenciadas.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é discutir uma unidade didática de ensino de

literatura com base em uma Atividade Social. Mais especificamente, oferecer-se-á, para o

trabalho com o ensino médio, uma unidade didática centrada na elaboração de um blog sobre

literatura, tencionando desencapsular a aprendizagem do fenômeno literário, buscando, assim,

superar os limites impostos pela aula “tradicional” e encontrar a realidade propriamente

vivida pelos adolescentes.

Para tanto, este artigo se apoia teoricamente no quadro conceitual da Teoria da

Atividade Sócio-Histórico-Cultural – TASCH (Vygotsky, 2001; Leontiev, 1977; Engeström,

1999) e nos estudos sobre Atividade Social realizados por Liberali (2009,2011).

E por que a opção por um trabalho com literatura visto como Atividade Social se

justifica? De acordo com Liberali (2009), a Atividade Social possibilita que a vida se

transforme em brincadeira na sala de aula e a brincadeira em sala de aula se transforme em

um palco para que os alunos se apropriem da cultura na qual se inserem, impulsionando,

assim, a reflexão, o prazer e a criticidade discentes. No dizer da autora (2009, p. 12), em um

trabalho com Atividade Social, o “foco recai sobre formas de ensinar pautadas por uma

reflexão sobre a vida”. Na esteira desses apontamentos, o ensino-aprendizagem de Literatura,

pensado sob o viés da TASCH, pode representar um movimento profícuo para a superação da

crise vivida por tal disciplina. Ademais, faz-se mister destacar como esse tipo de trabalho com

a literatura se coaduna com a visão transdisciplinar de ensino, contribuindo para ultrapassar as

limitações da perspectiva fragmentada da “disciplinaridade”, ainda tão cara ao ensino

brasileiro.

Sendo assim, para fins de organização, este texto obedecerá a seguinte divisão: 1.

Discute brevemente os postulados norteadores da TASCH e apresenta o conceito de Atividade

Social; 2. Problematiza os problemas observados no ensino de literatura no Ensino Médio e

aponta a perspectiva transdisciplinar como forma de enfrentá-los; 3. Apresenta e discute uma

sugestão de unidade didática de ensino centrada na elaboração de um blog sobre literatura,

organizada como uma Atividade Social.

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Fundamentação teórica

Esta seção discute a Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (TASCH) e o

conceito vygotskyano de ZPD, que são considerados centrais para a compreensão das

possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento que apoiam este artigo. Ademais, ainda

nesta seção, discute-se a crise no ensino de Literatura e a importância do paradigma

transdisciplinar na tentativa de superação de tal crise.

A Teoria da Atividade Sócio Histórico-Cultural (TASHC): breves considerações

Dado o objetivo deste artigo em oferecer, à luz da TASCH, uma proposta de ensino

que entende a Literatura como Atividade Social, faz-se necessário apresentar suscintamente

alguns aspectos dessa teoria que sustentam tal iniciativa.

Apoiada nas ideias de Vygotsky (2001), Leontiev (1977) e Engeström (1999), a Teoria

da Atividade Sócio-Histórico-Cultural – TASHC – vem se configurando como uma base

essencial para se pensar o processo de ensino-aprendizagem, como comenta Liberali (2009).

Segundo a autora, a TASCH dá ênfase ao estudo das atividades em que os sujeitos estão em

interação com outros em contextos culturais determinados e historicamente dependentes.

Liberali (2009) ressalta ainda que o conceito de atividade não pode ser tomado apenas como

um conjunto de ações e explica que os sujeitos nela atuantes estejam dirigidos a um fim

específico, definido a partir de uma necessidade percebida.

Ao discutir a TASCH, Stetsenko (2011) salienta a importância de se compreendê-la a

TASCH como uma possibilidade de gerar um quadro teórico-metodológico que supere o

reducionismo das abordagens behaviorista, cognitivista e construtivista na estruturação e

condução de pesquisas de intervenção formativa, em contextos de aprendizagem e

desenvolvimento. Para Magalhães (2012), sob a ótica da TASCH, o processo de ensino-

aprendizagem é visto como a produção de um movimento dialético e dialógico, propiciando

aos participantes de um dado contexto a compreensão e a transformação de si e do outro, o

que pode corroborar a construção do novo, ou seja, resultar em aprendizagem e

desenvolvimento.

Dessa maneira, pode-se dizer que a TASCH se ocupa em propiciar a reflexão crítica

sobre as ações de um sujeito histórico e culturalmente situado, agindo sobre o mundo, em

relação com o ambiente, com o outro e com a comunidade, vivenciando o eterno “tornar-se”

que rege a vida humana. Assim, ao se organizar uma pesquisa a partir da perspectiva da

TASCH, ter-se-á uma atividade em que, desde o início, pesquisadores e participantes de um

determinado contexto discutirão os sentidos contraditórios atribuídos ao objeto da atividade,

“por meio de ações recíprocas, intencionalmente pensadas, e dialética e dialogicamente

organizadas, para ouvir e considerar as ações e discursos dos outros e, com base nelas,

repensar os próprios modos de agir” (MAGALHÃES, 2012, p. 18). Desse modo, uma aula de

literatura, planejada e estruturada a partir dos postulados da TASCH e organizada como

Atividade Social, isto é, como uma atividade do mundo, pode contribuir para a construção da

criticidade dos alunos e para a transformação de todos os envolvidos na aula a partir das

relações criadas na/pela atividade. Em outras palavras, esse processo transformativo presente

nas relações que são estrturadas em sala de aula pode ocorrer, na aula de literatura, a partir da

criação de ZPD. Mas o que são “ZPD”? É o que discuto a seguir.

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A ZPD: conceito Vygotskyano expandido à luz da TASCH

Para Vygotsky ([1984] 2000; [1987] 2000), a Zona de Desenvolvimento Proximal –

ZPD – representa a distância entra aquilo que a criança já consegue realizar sozinha –

desenvolvimento real – e aquilo que ela consegue fazer com a ajuda de um adulto ou alguém

mais experiente que ela – desenvolvimento potencial. Ou seja, para o teórico, é neste espaço

entre o “real” e o “potencial”, tendo em vista a relevância da interação e da inserção dos

indivíduos em práticas sociais, que o desenvolvimento e as transformações acontecem.

No entanto, o conceito de ZPD vem passando por algumas expansões desde a sua

formulação por Vygotsky. Como comenta Ninin (2013), há muitas discussões sobre esse

conceito vygotskyano e tais discussões têm sido realizadas por diferentes autores, nos mais

diversos contextos educacionais e sob a tutela dos mais diversos objetivos. Dessa maneira,

apesar de possíveis divergências teóricas, a autora pontua que prevalece o fato de que “é nesse

espaço imaterial, não mensurável, onde circulam as dissonâncias, conflitos e contradições

com as quais convive o ser humano em função de sua sociohistórica, que toda atividade de

aprendizagem ocorre” (NININ, 2013, p.53).

Magalhães (2012), na mesma direção, destaca que o conceito de ZPD se expande sob

o enfoque da TASCH, passando a ser compreendido como um movimento de colaboração e

contradição, mediado pela linguagem, constituindo relações de compreensão e ressignificação

de sentidos e de produção compartilhada de significados. Holzman (2010), por sua vez,

afirma que a criação de ZPD é um construto fundamental para a gestação do novo e para o

entendimento da criatividade.

Comentando a relação entre a ZPD e a construção de novos saberes, Magalhães e

Oliveira (2011, p. 107) entendem a ZPD como um processo inter-intra-extra psicológico,

“característico da produção de sentidos, na e pela linguagem, um movimento de organização

de linguagem nas relações interpessoais que criam contextos para aprendizagem e

desenvolvimento”. Portanto, uma aula de literatura que se preocupe intencionalmente em criar

ZPDs representaria uma oportunidade para a efetiva transformação discente, rompendo com

um ensino, grosso modo, alicerçado em biografismo, em historicidade opaca, em

memorizações e que sequer contempla, em muitos casos, o texto literário em si, como elucida,

por exemplo, Cereja (2005).

Conceituando Atividade Social

Liberali (2011) expõe que a TASCH focaliza o estudo das atividades em que os

sujeitos estão em interação um com o outro em contextos culturais determinados e

historicamente dependentes. Ao encontro dessa ideia, a autora argumenta que “uma atividade

não é simplesmente um conjunto de ações” (LIBERALI, 2009, p. 12). Para a autora, para que

dado conjunto de ações possa ser entendido como, de fato, uma atividade, é imprescindível

que os sujeitos dela participantes estejam dirigidos a um fim específico, definido a partir de

uma necessidade percebida. Isto é, uma atividade é realizada por sujeitos que atuam

coletivamente – de modo intencional – para o alcance de objetos compartilhados que

satisfaçam as suas necessidades.

Para a concepção histórico-cultural, a atividade é um conceito fundamental. Segundo

Libâneo e Freitas (2007, p. 3), “a atividade mediatiza a relação entre o homem e a realidade

objetiva. O homem, pela sua atividade, põe-se em contato com os objetos e fenômenos do

mundo circundante, atua sobre eles e transforma-os, transformando também a si mesmo”.

Com base nas discussões de Vygotsky ([1934] 2007) e de Leontiev (1978), Engeström

(1999) define a atividade como um sistema humano dinâmico mediado por artefatos culturais.

Em tal sistema, os sujeitos que participam da produção colaborativa de um objeto, agem,

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inseridos histórico e culturalmente em uma dada comunidade, com regras e divisão de

trabalho estabelecidas. Dessa maneira, de acordo com Liberali (2011), para Vygotsky, a

atividade acontece entre três polos básicos: os sujeitos, o objeto sobre o qual eles agem e os

instrumentos específicos elaborados a partir de experiências de gerações precedentes que

alargam as experiências possíveis. A pesquisadora ressalta que “são esses instrumentos que

dão certa forma à atividade, que transformam os demais polos e por eles são transformados”

(LIBERALI, 2009, p. 14).

Assim, o conceito de Atividade Social, tomando como base Liberali (2009), pode

engendrar, em sala de aula, práticas culturais e possibilidades de mediação, muitas vezes,

incomuns ao universo dos alunos. Isso porque insere novos instrumentos no contexto escolar,

possibilitando a ressignificação de concepções de ensino-aprendizagem e, sobretudo,

permitindo forjar, no cerne da escola, novas concepções de ser no mundo/sociedade nesse

eterno “devir-transformativo” da experiência humana. Portanto, (re)pensar o ensino de

literatura visto como Atividade Social pode representar caminhos para superar a crise

observada no ensino de tal disciplina e para transformar os modos de pensar e agir de todos os

sujeitos envolvidos na aula. Mas, afinal, que crise é esta que este artigo está abordando?

A crise no ensino de Literatura

Cosson (2006, 2014) afirma que o ensino de literatura no ensino médio brasileiro tem

se limitado à história da literatura brasileira. O autor comenta ainda que tal historiografia se

dá, na maior parte das vezes, de modo engessado e indigente, preso a biografismo e a recortes

teóricos sobre gêneros literários, características de escolas literárias, retórica e métrica. Nesse

sentido, para o autor (2006, p. 21), “os textos literários, quando aparecem, são fragmentos e

servem prioritariamente para comprovar as características dos períodos literários antes

nomeados”. Ou seja, pode-se depreender desses apontamentos que, em geral, as aulas de

literatura acontecem sem a presença efetiva do texto literário, o que indica uma prática cuja

eficiência é altamente discutível.

Contribuindo para essa discussão, Cereja (2005) assevera que, independentemente da

opção metodológica escolhida no trabalho com a literatura, é preciso uma postura menos

rígida no trabalho em torno de leitura de textos literários e de contextualizações desses textos

no âmbito maior da literatura e da cultura brasileira como um todo. O autor pondera ainda que

o texto precisa ser o objeto central de tais aulas. Conforme Cereja (2005, p.198) “partilhar

com os jovens a leitura de um texto literário é ensinar a ler, função primordial das aulas de

literatura”. Vale ressaltar que, na tentativa de oferecer caminhos para a superação da crise

vigente no ensino de literatura, Cereja (2005) chama a atenção para o dialogismo como

metodologia necessária para o ensino de literatura. No dizer do autor, a historiografia literária

– abordagem mais comum nas escolas brasileiras - não pode ser uma simples camisa de força

para o trabalho docente. Não pode ser fator impeditivo de um trabalho mais significativo com

o texto literário em sala de aula. Como aponta o autor, existem interessantes propostas de

ensino de Literatura sem desprezar os movimentos diacrônicos do fenômeno literário. Em

outras palavras, Cereja (2005) assevera um trabalho com a Literatura aberto para os elementos

externos do texto – contexto histórico-social e cultural, relações com outras linguagens, estilo

de época, público leitor, etc. – e as relações dialógicas existentes entre diferentes textos,

independente da época, possibilitando um inesgotável percurso de exploração da Literatura.

Além disso, ainda na tentativa de compreender melhor os obstáculos enfrentados pelo

ensino de literatura, Paulino e Cosson (2009) apontam alguns elementos que dificultam ou

mesmo impedem a formação de leitores de literatura na tradição escolar. Segundo os autores,

muitas vezes, a escola enfatiza aquilo que é conhecido e mensurável. Isso se comprova, por

exemplo, na figura do aluno cuja competência mais reconhecida é repetir o que o professor

disse ou o que o livro didático apresenta. Nesse modelo de ensino, não há espaço para o

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inusitado e a subversão, marcas essenciais do texto literário. Além disso, os autores apontam

contradições da cultura letrada em âmbito escolar. Para eles, a escola é impelida a buscar um

letramento funcional e básico na tentativa de agradar a uma sociedade já estruturada, com

funções predefinidas para os sujeitos. Assim, comentam que, quando surgem textos e práticas

que possibilitam uma interação questionadora, poética e aberta – marcas do fenômeno

literário -, a tendência de parte dos educadores é negar os sentidos imprevistos na esfera

escolar, em uma busca pelo consenso e pela homogeneização.

Ainda sobre a questão do ensino de literatura, Paulino e Cosson (2009) também

partilham da ideia de que a disciplina se fecha em biografismo e historicismo, o que

representa um importante problema. Em suas palavras (2009, p.72):

Cai-se assim num elitismo cultural de fachada, de almanaque, em que o

conhecimento é aprendido sem integrar-se às vidas dos alunos enquanto

sujeitos. A soma de conhecimentos sobre literatura é o que interessa, não a

experiência literária.

Moraes (2010) evidencia outros aspectos que estão diretamente relacionados às

dificuldades enfrentadas pela literatura na contemporaneidade. Para a autora, o homem atual

vive em um período profundamente marcado pela velocidade da tecnologia, pelas imagens

instantâneas, pela cultura de massa, entre outros aspectos. Nesse cenário, segundo a autora, a

literatura aparece como uma espécie de luxo para uma geração que tem se formado, muitas

vezes, apenas pela ideológica programação televisiva e pelos maniqueístas jogos virtuais.

Ao encontro desse diagnóstico, Antônio (2013, p. 11) argumenta que “na chamada era

da informação, da sociedade do conhecimento, a poesia tem sido cada vez mais exilada”.

Assim, o autor nos explica que a literatura – sobretudo em sua dimensão poética- tem sido

esquecida pelos poderes do mercado, pelas lógicas do entretenimento e do consumo

descartável, bem como pelas maquinarias de seduções de propaganda e marketing. Não

obstante, Moraes (2010) comenta a contradição que parece existir nessa sociedade que atingiu

um alto grau de desenvolvimento tecnológico, conhecimento e racionalidade, mas que,

simultaneamente, convive com cenas de decadência moral e barbarismo. O apontamento de

Moraes (2010) é relevante e desvela a necessidade de se perceber as aulas de literatura a partir

de um enfoque transdisciplinar e como uma Atividade Social, rompendo os limites alienantes

de um ensino perpassado por biografismos e memorizações de autores e obras e encontrando

“a vida propriamente dita”. Desse modo, a aula de literatura aqui defendida deve ter como

norte o despertar da criticidade dos alunos, valorizando a vida e o mundo reais na perspectiva

da transdisciplinaridade.

O ensino de Literatura e a emergência da Transdisciplinaridade

Nas últimas décadas, o ensino tem sido, em geral, perpassado pela disciplinaridade. Ou

seja, os chamados “conteúdos” são organizados e oferecidos aos alunos de forma, muitas

vezes, desconexa e estanque. A própria organização da grade curricular é alvo de críticas por

ser engessada e não possibilitar ao professor uma prática pedagógica capaz de abarcar a

complexidade e a amplidão do conhecimento. Ademais, observa-se, em muitos momentos, a

inquietação do universo discente, pois boa parte dos alunos não consegue compreender por

que exatamente tem que aprender determinada “matéria” e, na maioria das vezes, eles não são

capazes de estabelecer qualquer tipo de relação entre as diferentes áreas do conhecimento,

como expõe Santos (2008).

Na tentativa de melhor compreender a origem desse problema, Santos (2008) afirma que o

cartesianismo preconizado por Descartes passou a organizar toda a estrutura educacional nos

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últimos séculos e tem responsabilidade por essa forma de encarar a educação. De acordo com

o autor, isso resultou em um modelo marcado pela simplificação, fragmentação e

descontextualização. Ainda de acordo com Santos (2008), esse modo de ser cartesiano

direciona o olhar das pessoas, exclusivamente, para o que é objetivo e racional, desprezando

aspectos relevantes da vida e do cotidiano como a emoção, a intuição e a sensibilidade. Morin

(2003) corrobora essa ideia quando afirma que os alunos têm saído das escolas com a cabeça

“bem cheia” de informações, mas não necessariamente “bem feitas”.

De fato, comentando o ensino hoje, Morin (2001, p. 21) aponta que um dos pontos que

mais se fazem ausentes é “a arte de organizar o próprio pensamento, de religar e, ao mesmo

tempo, diferenciar”. Isto é, o autor revela a necessidade de (re)ligação entre os saberes, indo

além do conhecimento científico acumulado, incluindo aí a arte e os aspectos existenciais do

ser humano.

Nicolescu (1999), por sua vez, assevera que a transdisciplinaridade representa uma

possibilidade de fomentar uma nova arte de viver, visando à unidade do conhecimento.

Assinala, portanto, novas propostas de ensino na medida em que almeja uma educação

comprometida com o todo e com a vida. Seria uma ferramenta importante na busca de superar

a crise que se observa na escola atual, possibilitando a tão desejada construção de

conhecimento no âmbito escolar. Conforme Nicolescu (2000, p.150):

Aprender a conhecer significa ser capaz de estabelecer pontes – entre os

diversos saberes, entre esses saberes e seus significados para a nossa vida

cotidiana, entre esses saberes e significados e nossas capacidades interiores.

Ainda segundo Nicolescu (1999), a transdisciplinaridade significa transgredir a lógica da

não contradição, articulando os contrários: sujeito e objeto, subjetividade e objetividade,

matéria e consciência, simplicidade e complexidade, unidade e diversidade. Como explica

Santos (2008), a transdisciplinaridade solicita uma postura em que todos os saberes são

igualmente importantes, superando a hierarquização do conhecimento. Esse novo olhar de

educação traz o desafio de transitar pela diversidade dos conhecimentos, maximizando a

aprendizagem dos alunos ao trabalhar com imagens e conceitos que mobilizam, de forma

integrada, as dimensões mentais, emocionais e corporais, tecendo relações tanto horizontais

como verticais do conhecimento, conforme afirma o autor.

Compartilhando da visão transdisciplinar de ensino, Coelho (2000) discute o papel da

literatura como campo do saber capaz de conduzir o indivíduo em tempos de “caos” e

transição de paradigmas. A autora aponta que é a literatura como prática complexa de

linguagem que representa uma das possibilidades mais profícuas no planejamento e

organização do ensino em perspectiva transdisciplinar nessa incursão pela

contemporaneidade.

Nesse sentido, o trabalho com a literatura em sala de aula necessita atender exatamente a

esses anseios. Afinal, nesse novo cenário em que se vive, é preciso que as propostas

pedagógicas sejam capazes de demonstrar o compromisso da educação com a vida real e com

a formação integral de um ser que saiba viver e conviver de forma criativa, consciente, ética e

responsável.

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Literatura como atividade social: a construção coletiva de um

blog

A seção a seguir apresenta e discute a criação coletiva de um blog sobre literatura

como uma possibilidade de ensino ancorada teoricamente nos postulados da TASCH. Mais

especificamente, pretende-se oferecer e discutir um caminho para o ensino de literatura com

base em uma Atividade Social. Após a apresentação da atividade propriamente dita, discutir-

se-á sua pertinência, relacionado a atividade em foco à fundamentação teórica e ao objetivo

deste artigo.

Literatura como Atividade Social: sugestão de uma unidade didática centrada na

elaboração coletiva de um Blog

A unidade de ensino, vista como Atividade Social, oferecida por este artigo, centra-se

na elaboração de um blog sobre literatura. Sendo assim, cabe a seguinte indagação: por que a

escolha por um blog?

Antes de responder a essa indagação, vale comentar brevemente a concepção de

gênero aqui adotada. Este artigo se apoia no pensamento bakhtiniano ([1952,1953/1979],

2003) e faz coro às palavras de Rojo e Barbosa (2015, p. 27) quando estas destacam os

gêneros discursivos como “entidades da vida”, indo muito além das visões mais estruturalistas

sobre texto e tipologias textuais. Para as autoras (2015, p. 28) “tudo o que dizemos, cantamos

ou escrevemos/digitamos, tudo o que enunciamos, dá-se concretamente na forma de

enunciados ou textos. E todo enunciado articula-se em uma forma relativamente estável de

enunciar, que é o gênero”. As pesquisadoras ainda ressaltam a inevitável relação dos gêneros

com as esferas sociais nas quais circulam e as práticas histórico-culturais das quais são –

inevitavelmente- representativos.

No entanto, sobre os gêneros que são mais valorizados no contexto escolar, Rojo e

Barbosa (2015) fazem um apontamento importante: a escola ainda privilegia, quase que

exclusivamente, a chamada cultura “culta”, sem levar em conta “os multi e novos letramentos,

as práticas, procedimentos e gêneros com circulação nos ambientes da cultura de massa e

digital e no mundo hipermoderno atual” (ROJO; BARBOSA, 2015, p. 135). Ao encontro

dessa inquietação, as autoras indicam que a escola deve qualificar a participação dos alunos

nas práticas da web, propiciando aos estudantes experiências significativas com produções de

diferentes culturas e com práticas, procedimentos e gêneros que circulam em ambientes

digitais. A escolha por um “blog” tenciona, portanto, contribuir para responder aos desafios de

inserir na escola – consciente e criticamente – os gêneros pertencentes ao ambiente digital.

Tendo isso em vista, a atividade “blog de literatura” pode ser organizada, dados os

componentes de um sistema de atividade (Engeström ,1999), como mostra o quadro a seguir:

Instrumentos Poemas, contos, romances, computadores.

Sujeitos Blogueiros, leitores, alunos, professores,

curiosos.

Regras Prazo para a leitura das obras a serem

resenhadas/discutidas para a postagem no

blog. Cronograma para a produção e

revisão dos textos e consequente ativação

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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

do blog na internet.

Comunidade Todos os leitores – na escola (diretores,

professores, alunos, funcionários) e fora

dela (pais, colegas, internautas) - que se

interessarem por literatura.

Objeto Criação coletiva (alunos e professor) de

um blog sobre literatura na internet.

Divisão de tarefas Alunos-editores definem as obras a serem

divulgadas/discutidas no blog; alunos-

redatores produzem os textos a serem

postados; alunos-blogueiros criam vídeos

e/ou outras formas de discutir literatura a

serem inseridas no blog; alunos-revisores

fazem uma revisão atenta de todo o

conteúdo apresentado no blog; alunos-

leitores leem e comentam o conteúdo do

blog.

Quadro 1. Atividade “Criação de um blog sobre literatura”

A atividade “blog sobre literatura” acima descrita pode ser organizada ao longo de um

bimestre letivo. O professor de literatura pode iniciar o seu trabalho fazendo um diagnóstico

sobre o conhecimento dos alunos sobre blogs, investigando, dessa forma, se algum aluno já

tem um blog ou se há, na turma, alguém que acompanhe esse gênero na internet, etc. O

objetivo desta etapa é verificar o conhecimento prévio dos alunos sobre o assunto, além de

procurar fomentar o interesse discente para as futuras etapas. Cabe destacar, neste ponto, a

importância de o docente procurar entender, despertar e valorizar o interesse discente para a

participação na construção do objeto da atividade. Com expõe Vygotsky (2010, p. 192),

“entende-se o interesse como um envolvimento interior que orienta todas as nossas forças no

sentido do estudo de um objeto”. O teórico russo ainda explica que “se um mestre quer que

algo seja bem assimilado deve preocupar-se com torná-lo interessante” (VYGOTSKY, 2010,

p. 193).

Posteriormente, o docente pode discutir com os alunos o fato de existirem diversos

blogs na internet sobre os mais variados temas, inclusive sobre literatura. Nesse ponto, os

estudantes podem ser levados a responderem algumas perguntas, tais como: “para que serve

um blog de literatura?”, “quem normalmente produz um blog dessa natureza?”, “quem é o

público-alvo desse tipo de blog?”; “com que intenção se produz, normalmente, um blog sobre

literatura?”. Enfim, a intenção é, neste momento, estimular uma reflexão dos estudantes a

respeito da real circulação de um blog sobre literatura em esferas sociais reais e

historicamente situadas.

Após esse preâmbulo, o professor e os alunos – coletivamente – podem definir

algumas obras literárias – poema, conto, romance – para leitura, discussão coletiva e

apreciação crítica em sala de aula, com o intuito de comentar/discutir e divulgar tais obras –

posteriormente - a partir de um blog sobre literatura criado pela turma na internet. Sendo a

atividade concretizada por meio de ações, operações e tarefas, suscitadas por desejos e

necessidades dos participantes, como assevera Leontiev (1977), é importante, então, que o

professor saiba valorizar as necessidades e os motivos de todos os estudantes da turma e leve

em consideração esses anseios na condução da criação do blog.

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Ademais, as relações em sala de aula devem receber atenção especial para que

funcionem como ZPD. Essas ZPD, segundo Vygotsky ([1930] 2007), possibilitam

compreender as relações entre o “eu” e o “outro”, favorecendo a construção de significados

compartilhados em contexto escolar. Nessa direção, Newman e Holzman (1993, p. 110),

esclarecem que “a ZPD permite uma reorganização dos cenários ambientais para criar novo

significado e uma aprendizagem que conduz o desenvolvimento” e, ao encontro dessa

explicação, os autores apontam ainda que a ZPD funciona como “atividade revolucionária”, o

que, na criação do blog de literatura aqui sugerida, poderia propiciar a todos os sujeitos

envolvidos na atividade a possibilidade de transformação de si e dos outros.

Não obstante, uma aula de literatura organizada da forma aqui sugerida, pode resgatar

a voz do estudante na interpretação e discussão de textos literários, uma vez que, muitas

vezes, o professor de literatura detém em si “a verdade” sobre o texto discutido. A aula de

literatura com base em uma Atividade Social poderia ainda ir de encontro a uma postura, boa

parte das vezes, individualista e já cristalizada na construção de conhecimento em âmbito

escolar. Como elucida Magalhães (2011, p.13):

[...] há na cultura escolar, uma persistente e a-histórica estabilidade de

sentidos e significados, quanto a ações-discursos valorizados nas práticas

diárias de sala de aula, que estão embasados em uma compreensão

reducionista e individualista, quanto a metas e propósitos para agir, conhecer

e produzir conhecimento.

A aula de literatura organizada como Atividade Social poderia, portanto, oferecer um

“lócus” – tanto para o professor quanto para o aluno – de renúncia a um sentido

convencionado e imutável a ser transmitido pelo texto literário, possibilitando a negociação

coletiva de significados sobre o objeto da atividade e também sobre a interpretação dos textos

literários discutidos ao longo da atividade. Em consonância com essa perspectiva está Rouxel

(2013, p.20) quando, sobre novas possibilidades metodológicas para o ensino de literatura, a

pesquisadora comenta que “trata-se de partir da recepção do aluno, de convidá-lo à aventura

interpretativa com seus riscos, reforçando suas competências pela aquisição de saberes e de

técnicas”.

Ainda sobre aquilo que concerne à atividade proposta por este artigo, após a escolha,

leitura e discussão coletiva das obras, o professor poderia discutir em sala de aula as

diferentes formas de “alimentar” um blog sobre literatura na internet, tais como: produção de

resenhas críticas, vídeos, elaboração de enquetes e seções de comentários para um diálogo

mais estreito com o leitor, postagem de charges, tirinhas, letras de música e/ou cenas de filme

que tenham relação com as obras discutidas/divulgadas pelo blog, entre outras possibilidades.

Após a preparação, produção e revisão de todo o material desenvolvido na atividade, o blog

pode ser lançado/divulgado na escola e na própria comunidade na qual o trabalho se

desenvolveu.

Nesta etapa, cabe um apontamento: as sugestões aqui contidas não podem nem

pretendem ser “uma camisa de força” para o professor. São apenas recomendações para a

organização de uma aula de literatura capaz de superar as limitações que a memorização de

escolas literárias, nomes de obras e/ou autores podem trazer à disciplina, desencapsulando,

portanto, as potencialidades do texto literário em um movimento transdisciplinar (Nicolescu,

1999,2000) de encontro com a vida real e com os anseios dos estudantes, ou seja, uma aula de

literatura organizada com base em uma Atividade Social (Liberali, 2009, 2010).

Em síntese: pretende-se, após todos os movimentos da atividade aqui discutidos,

desenvolver a agência dos estudantes. Entende-se agência aqui, tomando como base Ninin e

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Magalhães (prelo), como “ações que, além de intencionais e conscientes, surgem imbricadas

às necessidades e aos interesses coletivos dos sujeitos da atividade”. Com isso, as sugestões

aqui contidas pretendem contribuir para resgatar o prazer estético de estar em uma aula de

literatura, vista como um movimento de produção coletiva de conhecimento e como um

espaço de valorização da voz de todos os sujeitos envolvidos na atividade em busca de um

comportamento crítico de estudantes do ensino médio.

Considerações finais

Tendo em vista o objetivo deste artigo em discutir o ensino de literatura com base em

uma Atividade Social, cabe destacar que as sugestões aqui oferecidas/discutidas, que tomaram

como eixo o objeto da atividade “criação de um blog sobre literatura”, pretendem oferecer

caminhos para ressignificar o ensino de literatura, contribuindo, assim, para superar a crise

vigente no ensino dessa disciplina.

Com base no que foi exposto neste artigo quanto ao ensino de literatura e a sua crise, é

possível inferir que há uma profunda assimetria de papeis entre professor e aluno, em que a

interpretação discente é, muitas vezes, desvalorizada e silenciada diante da “voz

interpretativa” autoritária do professor. No sentido aposto a essa perspectiva tradicional, o

ensino de literatura, visto sob a ótica da TASCH, pode engendrar um movimento colaborativo

de negociação de significados na construção do objeto da atividade, o que, consequentemente,

possibilitaria uma reformulação dos papeis normalmente atribuídos a professor e aluno em

uma aula de literatura, contribuindo, desse modo, para uma relação menos assimétrica entre

esses sujeitos, além de facilitar a acolhida de “sentidos imprevistos” surgidos ao longo da

aula, marca essencial do fenômeno literário. Como afirma Rouxel (2013, p.24), “a literatura

lida em sala convida também a explorar a experiência humana, a extrair dela proveitos

simbólicos que o professor não consegue avaliar, pois decorrem da esfera íntima”.

Na esteira desses apontamentos, vale ainda ressaltar que a passividade do aluno se

configura como condição inaceitável para o desenvolvimento de leitores críticos e definitivos:

leitores que tendem a continuar o seu percurso de leituras para além dos muros da escola.

Tem-se, portanto, no ensino de literatura com base em uma Atividade Social, um caminho

potencial para a formação de leitores proficientes e duradouros. Dada a natureza ambígua e

polissêmica do texto literário, abrir o ensino de literatura para além da voz autoritária do

professor representaria a criação de um espaço efetivamente capaz de abarcar a natureza

complexa desse tipo de texto e de formar leitores proficientes. Poder-se-ia, dessa maneira,

pensar em uma sala de aula de literatura em que as relações entre os sujeitos fossem mais

valorizadas e que houvesse, por conseguinte, o resgate da voz discente a partir da construção

coletiva do objeto da atividade.

Em suma, a aula de literatura organizada com base em uma Atividade Social pode

desvelar um horizonte profícuo para a efetivação de uma sala de aula acolhedora,

emancipatória e aberta à criação do novo: condições “sine qua non” do fenômeno literário e

da formação de leitores de literatura.

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Web rádio: modelos de gestão e empreendedorismo

Marcus Augusto Santos Silva Mestre em Linguística Aplicada pela UNITAU. Professor das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila - FATEA

Sandro Ramos Obeica Cardoso Graduação em comunicação social com habilitação em Radialismo (Rádio & TV) - FACHA, RJ (2008), MBA

em Gestão de Marketing & Negócios - FATEA (2015)

Resumo

Acompanhando as novas tendências tecnológicas e tudo que elas podem contribuir para a

reformulação e a reinvenção dos veículos de comunicação, este artigo pretende através de

pesquisa bibliográfica e do descritivo de práticas, ressaltar o quanto o Rádio mudou desde

que foi criado. Apontando novas diretrizes e modelos de gestão de negócios e

empreendedorismo voltados à Web radio, ele aborda novos formatos, plataformas e

conceitos, que aliados ao advento da internet, deram um novo fôlego ao tradicional meio e

lhe traçam novas perspectivas, sugerindo ações recomendáveis aos gestores de Web rádios e

rádios com transmissão em FM ou AM hoje. O entendimento de como funcionam estas novas

plataformas, aliadas aos mais recentes conceitos de marketing, juntamente com um estudo

sobre as novas práticas de consumo, contribuem para que novos modelos de negócios

voltados a esta área surjam a fim de suprir uma demanda nova e segmentada de consumo

musical e informacional.

Palavras-chave

Web Radialismo; Radialismo; Segmentação; Marketing; Modelos de negócio.

Abstract

Accompanying the new technological trends, and all that they can contribute to the

reformulation and the reinvention of the media, this article aims through literature and

descriptive practices, point out how much radio has changed since it was created. Pointing

new guidelines and business management models and entrepreneurship aimed at Web radio,

it addresses new formats, platforms and concepts, which combined with the advent of the

internet gave a new "breath" to the traditional middle and draw you new perspectives,

suggesting recommended actions to web managers radios and radios broadcast on FM or AM

today. Understanding how these new platforms, combined with the latest concepts of

marketing, along with a study on the new consumption practices, contribute to new business

models related to this area arise in order to supply a new, targeted demand Music and

informational consumption.

Keywords

Web Radio; Radio; Segmentation; Marketing; Business models.

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Introdução

Em um breve resumo de como surgiu o Rádio no mundo, pode-se citar Aleksander

Stephanovitsh Popov, que em meados de 1895, conseguiu fazer as primeiras transmissões de

sinais de Rádio em curtas distâncias no mundo. Guglielmo Marconi, outro grande estudioso

nesta área, juntou seus conhecimentos aos de Edouard Brainly, que possuía estudos avançados

em Coesores, os detectores de sinais de Rádio na época. Aleksander Popov já havia

desenvolvido a antena que captava estes sinais e Oliver Lodge, havia desenvolvido a sintonia,

onde poderia selecionar o recebimento de uma frequência especifica dentre as inúmeras

captadas por uma antena. (MIRANDA, 1998)

Em 1983 no Brasil, o padre Roberto Landell de Moura, pioneiro no Brasil, realizou a

primeira transmissão de palavra falada e sinais sonoros, sem fios, através de ondas

eletromagnéticas do alto da Avenida Paulista ao morro do Sant´anna, na cidade de São Paulo.

Em 1922, em ocasião do centenário da independência do Brasil foi realizada a primeira

transmissão realizada no Rio de Janeiro A primeira emissora de rádio do Brasil, a Rádio

Sociedade Rio de Janeiro, surgiu em 1923, fundada por Roquette Pinto e Henrique Morize.

(MIRANDA, 1998)

Entre as décadas de 1930 a 1950, o rádio viveu a sua “Era de Ouro”, pois naquela

época era o principal meio de divulgação de informações, artistas e talentos, juntamente ao

cinema. Em 1932, veio a autorização do governo Vargas para a veiculação de publicidade no

rádio, o que deu um grande impulso comercial e popular ao veículo, criando por exemplo o

conceito de publicidade “ao vivo”. Assim nascia o testemunhal e o merchandising. Em 1934,

nascia a Rádio Mayrink Veiga, uma das mais importantes do país pelas três décadas

seguintes. Nos anos seguintes foram criadas a Rádio Jornal do Brasil e a Rádio Tupi, duas

emissoras históricas que existem até hoje e em 1936, surge a Rádio Nacional, que além de

liderar a audiência por 20 anos, transformou e revolucionou os padrões de linguagem do

Rádio Brasileiro. (MIRANDA, 1998)

Na Década de 50 foi o “boom” do Rádio, que antes da criação da TV, era o meio mais

rápido de comunicação, já que naquela época, o que imperava eram os jornais impressos. A

velocidade da informação, o alcance e a qualidade eram as suas principais características, o

que favoreceu muito á expansão e o aprimoramento deste veículo. (MIRANDA, 1998)

Uma “recente alternativa”, foi a criação do Rádio Digital, que trouxe mais qualidade

às FM´s, (Frequência modulada) e às AM´s, (Amplitude modulada). Este “novo” formato

trouxe diversas possibilidades ao Rádio que há tempos “agonizava” por mudanças e

adequações aos novos formatos dos novos meios de comunicação. Por ser um meio digital, a

qualidade do áudio melhorou consideravelmente, além da transmissão de rádio poder incluir

além do tradicional áudio, vídeos e imagens. Fica ainda uma expectativa de que o “velho”

rádio seja reinventado com esta nova tecnologia, alternativa viável para essa tão esperada

evolução do Rádio, a Web rádio. (FERRARETTO e KLOCKNER, 2010)

Criado junto as Universidades Americanas e o governo dos Estados Unidos, o

protocolo de transmissão de dados foi primordial para a transmissão de dados em larga escala,

ou seja, um sistema unificado onde todos podiam se comunicar em uma mesma linguagem.

(PRATA e MARTINS, 2011)

As primeiras transmissões de áudio via internet foram através do Voip, (Voice Over

Internet Protocol), o que proporcionou no final da década de 1980 a digitalização das redes de

comunicação e a popularização do Fax. Com isso, logo se conseguiu uma maneira de se

digitalizar a voz ou colocar o áudio dentro de um IP, onde se criou o Streeming que quer dizer

fluxo continuo, ou seja, para se enviar arquivos de áudio, era preciso um fluxo continuo de

dados para transmitir áudio ou vídeo. (PRATA e MARTINS, 2011)

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Após estas descobertas que dariam novos rumos a esta nova plataforma que se tornava

a internet, em meados de 1995 nos Estados Unidos, no Estado do Texas, foi fundada a

primeira Web Radio do mundo, a Rádio K.L.I.F. No Brasil, a primeira transmissão de rádio

pela Web foi feita em 1998, pela da Web Radio Totem, em Belém do Pará. (PRATA e

MARTINS, 2011)

As Web Rádios ganharam notoriedade como meio de comunicação, principalmente

através da popularização da Internet, em seguida a expansão das redes Wireless, sem fio. A

criação de dispositivos móveis interligados a internet, deram total mobilidade e singularidade

ao conteúdo. A Internet ao longo dos anos se tornou um poderoso meio de comunicação, uma

nova plataforma interativa para a convergência de antigos formatos em comunicação, unindo

vários conceitos diferentes em apenas um sinal, o que mudaria e muito os próximos formatos

a serem adotados. (FERRARETTO e KLOCKNER, 2010)

Rádio Analógico X Web Rádios

Segundo Luiz Artur Ferraretto, principalmente ao longo destes últimos 5 anos, ocorreu

uma verdadeira revolução na maneira de se comunicar via internet. As inúmeras redes sociais,

canais de vídeo, os sites de Rádios Web, a mobilidade e as particularidades dos dispositivos

móveis, vêm trazendo um novo fôlego ao “velho Rádio”, mudando a maneira de se comunicar

e traçando novos horizontes na comunicação. (FERRARETTO e KLOCKNER, 2010)

Embora alguns setores mais tradicionais ainda achem que a única e eficaz maneira de

divulgar e montar estratégias para seus produtos, serviços e negócios é através de mídias

físicas e canais de comunicação massificados, muitos já perceberam que a segmentação e a

implementação de canais não tão convencionais, podem trazer ótimos resultados estreitando o

contato direto com seus consumidores e promovendo a sua marca. (KOTLER, 2008)

É inevitável ressaltar o quanto o Rádio convencional perdeu espaço frente aos veículos

que se integraram a internet. Existem inúmeras dificuldades em se adquirir uma concessão e

conseguir operar legalmente, seja em FM (frequência modulada) ou em AM (amplitude

modulada). Os limites geográficos para as transmissões, e as regras restritivas impostas pela

ANATEL, vem tornando o rádio convencional cada vez menos atraente como negócio

lucrativo. Já a Web rádio tem um processo muito menos burocrático e por sua característica

não apresenta fronteiras geográficas para a transmissão, ou seja, ao criar um canal de Rádio

Web na Internet, abre-se literalmente a transmissão para o mundo.

Estes fatores fazem com que a Web rádio seja um ótimo investimento para os

apaixonados por rádio que já enxergavam esta convergência como óbvia, produtiva e

inevitável dentre os mais diversos meios de comunicação.

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Gráfico 1 – Consumo musical no mundo

Fonte: (http://www.prweb.com)

Empreendedorismo na Web & Web Rádio

O empreendedorismo digital é algo que está em evidência quando ressaltamos as

gerações Y e principalmente a Z. Estas gerações que foram concebidas em meio ao “caos”

digital, tanto que se acostumaram a conviver com estas inovações múltiplas, são propicias a se

adaptarem a este espaço comum e sem fronteiras que é a internet e também aos novos

formatos de meios de comunicação que convergiram para este meio. (KOTLER, 2008)

A Web rádio tornou-se ao longo do tempo e aos olhos dos amantes do bom e “velho”

rádio, um grande negócio, principalmente pela sua viabilidade, pois com poucos

equipamentos de informática, conhecimento em TI, (Tecnologia da Informação) e

conhecimentos técnicos, qualquer pessoa pode ter o seu próprio canal de Web rádio. Ao longo

do tempo estas oportunidades se multiplicaram despertando em grandes empresas e seus

gestores, este olhar mais detalhista com relação ao Webradialismo a fim de explorar esta nova

maneira de se comunicar de inúmeras maneiras. (PRATA e MARTINS, 2011)

Modelos de negócios em Web rádio – Benchmarking

Ao fazer um estudo, detectamos quatro segmentos distintos como modelos comerciais em

Web rádio.

Web rádio como sonorização ambiente personalizada em estabelecimentos

(personalizada)

Web rádio como canal de comunicação de empresas com consumidores

Web rádio comercial.

Modelo Freemium

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Sonorização ambiente

Utilizada como sonorização ambiente de estabelecimentos comerciais ou institucionais

é uma Web Rádio personalizada de uma determinada empresa, gerando conteúdo específico

sobre produtos e serviços daquele determinado negócio a fim de que ela seja a programação

oficial do estabelecimento comercial, com programação adequada aquele público que

frequenta o local, plástica, informações e spots comerciais especificamente sobre produtos e

serviços exclusivos deste estabelecimento. Em alguns modelos neste gênero, a carga musical

pode ser escolhida e mudada a qualquer momento pelo gestor e só pode ser ouvida no

estabelecimento comercial o que a torna única. (PRATA e MARTINS, 2011)

Neste formato também dá à liberdade de um locutor intervir ao vivo na programação

fazendo algum tipo de “serviço de utilidade pública” interna do estabelecimento, anunciando

promoções ou estabelecendo contato com sua equipe. Geralmente este serviço é muito

encontrado em lojas de departamento, em grandes redes de supermercado, em negócios bem

específicos e segmentados, onde pretendem ambientar musicalmente o seu estabelecimento a

fim de torná-los propício ao consumo por parte seus clientes. (PRATA e MARTINS, 2011).

Podemos citar como exemplo a Rádio C&A, Rádio Renner, Supermercados Spani, entre

outras.

Canal de comunicação

No modelo de Web Rádio como canal de comunicação de empresas como

consumidores, o intuito é promover a marca ou produto e estabelecer um canal

comunicacional direto entre a empresa e o consumidor. Percebemos variações neste formato

de Rádio Web que fornece conteúdo informacional a respeito da marca, informações

segmentada sobre os artistas que são executados em seu canal de maior audiência, links

diretos para as redes sociais e o serviço onde o próprio ouvinte pode criar a play

list personalizada. Para usufruir deste conteúdo, o internauta tem que se cadastrar e fornecer

informações preciosas para que a empresa estude o perfil de seus consumidores, o que se

torna uma grande ferramenta de captação de informações para o banco de dados desta

empresa. Em alguns casos, a ideia é simplesmente propagar a marca e o conteúdo musical

apenas, o que torna uma mecânica muito mais simples. (PRATA e MARTINS, 2011) como a

Rádio Skol, Rádio Bradesco Seguros, Rádio Coca Cola, etc.

Web Rádio comercial

Além do Rádio ter mudado bastante, quando o ouvinte que estabelecia os contatos

através de telefone ou carta e simplesmente a ouvia sem muita interferência na diretriz de

programação, hoje, com este cenário de mudanças drásticas na maneira de se comunicar,

abriu-se uma oportunidade importantíssima para que o rádio não mais estivesse fadado à sua

extinção. As Web Rádios comerciais reinventaram a maneira de se fazer rádio, trazendo

conceitos do rádio convencional para este novo formato, só que de uma maneira muito mais

dinâmica, se unindo a vários outros meios e se tornando onipresente. (FERRARETTO e

KLOCKNER, 2010)

As Web Rádios comerciais, como modelo de negócio, são bem semelhantes às Rádios

convencionais, em frequências AM ou FM, no quesito formato de programação normal. A

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métrica é a mesma, porém, com inúmeras ferramentas e facilidades que a Internet

proporciona, tornam as Web Rádios veículos únicos.

Pode-se ressaltar uma palavra que deve ser muito considerada nas Web rádios

comerciais: segmentação. Segmentação de audiência, de público, de anunciantes, estilo

musical, faixa etária, sexo, conteúdo, etc. Por conta da grande oferta é o ouvinte/internauta

que vai determinar como os anunciantes devem atuar. Importante ressaltar que na Web, há

espaço e público para qualquer o tipo de conteúdo radiofônico, porém, estudar bem estes

fatores e traçar um panorama geral do perfil de audiência, adequado à localidade, premissas

culturais, turismo e logística, são imprescindíveis para se obter sucesso empreendendo em

Web rádio.

Modelo Freemium

O modelo de negócio “Spotify” é um serviço de streeming de músicas que funciona de

maneira semelhante a uma Web rádio, porém, é denominado Freemium e como tal, possui

duas maneiras de gerar a sua renda.

“Free” (gratuita): São financiadas por anúncios e publicidade que estão inseridos entre

as músicas, seja como spot´s comerciais ou anúncios em banners e span´s na tela do

aplicativo.

“Premium” (conta paga): Onde o assinante paga uma mensalidade para não ter

inserções de anúncios e propaganda em sua programação que pode ser personalizada ou em

play lists já pré-determinados.

Embora o número de contas “premium” seja menor, são estas que representam a

contribuição principal para o volume de negócios da empresa. Este serviço de streaming conta

com cerca de 50 milhões de usuários hoje, dos quais mais de 12,5 milhões são “premium”,

número este que vem crescendo anualmente. Podemos citar como exemplo Spotify, Rdio,

Groove Shark, entre outras.

Gráfico 2 – Comparativo do Spotify entre usuários Premium & Free Users

Fonte – (https://www.spotify.com/br/)

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Web Rádio: Foco Regional X Desregionalização

As Web rádios podem ser trabalhadas de maneiras bem distintas, inclusive quanto a se

focar em uma programação regional, semelhante às Rádios convencionais ou

(des)regionalizar, fazer o caminho inverso. (CORDEIRO, 2004)

O modelo de Web rádio com foco regional trabalha com segmento bem focado em

uma programação regional, voltada a atender os anseios deste público, trazendo também uma

carga informacional a fim de atender esta demanda bem especifica regional. Também possui

uma programação mais popular e homogênea direcionada ao Pop em geral, a fim de agradar

maiorias. Estas se espelham em grandes corporações e em uma programação semelhante a de

grandes rádios que são referência em capitais, replicando modelos, algo bem próximo do

antigo rádio, só que fazendo o uso destas novas tecnologias como ferramentas agregadoras em

Web rádio, coisa que hoje as rádios convencionais também fazem uso. (CORDEIRO, 2004)

Para uma análise do modelo de Web rádios com foco em públicos não locais, vale

ressaltar que ou a rádio tem que estar localizada em uma região turística ou trabalhar

segmentos muito específicos para poder explora-la comercialmente e obter êxito. Vale

também ressaltar que pelas Web rádios serem provenientes e usarem a Internet como seu

principal canal de comunicação, transmissão e difusão de informação, estar neste universo se

torna uma grande vantagem pois esta plataforma, centraliza tudo ou grande parte do que uma

Web rádio pode fazer uso, em um espaço comum, falando linguagens específicas, ousando,

inovando e trazendo este novo modelo com toda a interatividade que a internet nos

proporciona.

Um bom exemplo é a Rádio BSide que após detectar inúmeros fatores favoráveis a

bons negócios resolveu mudar a sua sede para Penedo, um distrito da cidade de Itatiaia, RJ,

entendendo que ali é a porta de entrada para a região das Agulhas Negras, uma região

montanhosa muito famosa no Brasil, localizada no eixo Rio X São Paulo. Dentre as inúmeras

vantagens em estar numa região como esta, os fatores logística, cultura, gastronomia,

entretenimento, fora as belezas naturais e o fato de o distrito ser bem conhecido por sua cena

musical que atrai inúmeros músicos de outras localidades do Brasil e de fora do país.

A Rádio BSide, foi criada com o intuito de atingir um público distinto, sendo de

dentro ou de fora desta região, porém que se interessasse pelo que acontece ali, oferecendo

uma programação diferenciada a fim de atrair ouvintes de fora de Penedo, porém que tenham

ou queiram ter alguma ligação com este lugar e anunciantes que queiram propagar seus

produtos e serviços a este mesmo público, principalmente os que vem visitar Penedo e a

região. Ao mesmo tempo em que a marca é trabalhada dentro da cidade com publicidade

física e virtual, a carga publicitária virtual é muito mais direcionada ao público de fora da

cidade, o que a torna atraente a investidores a serem anunciantes da Rádio BSide, com o

intuito de alavancarem seus negócios, que nesta região, são diretamente ligados ao turismo.

Fundamentos & Mix de Marketing

Tendo como premissa os fundamentos de sua empresa como missão, visão, valores,

negócio e sempre observando lideres, pode-se traçar um modelo de gestão de negócios

específico em Web rádio e desenvolvê-lo no segmento predeterminado a fim de atuar em

mercados únicos e se destacar desenvolvendo um “produto” com o intuito de suprir uma

demanda específica. (KOTLER, 2002)

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No Marketing 3.0, é preciso reconhecer que “o consumidor é mais do que um simples

comprador”. “Ele tem preocupações coletivas, ambientais e aspira por uma sociedade

melhor”. Estamos na era do Marketing centrado no indivíduo, onde temos em vista que

estaremos lhe dando com consumidores altamente conscientes e isso nos força a entender e

criar uma rede mútua de colaboração, abrangendo empresa, clientes e fornecedores, todos

juntos e interligados. (KOTLER, 2008)

Tendo como premissa os conceitos e fundamentos do Marketing 3.0, alguns aspectos

são de extrema importância ressaltar como, tratar sempre muito bem os seus clientes e

respeitar o seus concorrentes, ser sensível às mudanças e estar sempre pronto a se transformar

saber o que você faz e quem você é, procurar primeiramente os clientes que vão se beneficiar

com o que você pode oferecer, proporcionar um bom pacote a um preço justo, estar sempre

disponível e espalhar as boas notícias, cultivar sempre seus clientes e fazendo-os crescer. Seu

negócio sempre será uma empresa de serviços, refine o seu negócio em termos de qualidade,

custo e entrega, reúna o máximo de informações para assim chegar a sua melhor decisão de

acordo com o panorama. (KOTLER, 2008)

O Marketing identifica a necessidade e cria a oportunidade. Por este prisma, podemos

dizer que na Web rádio a significância é a mesma. Detectar alguns fatores antes de abrir um

negócio é imprescindível para o seu sucesso.

A verificação de variáveis como o macro ambiente que abrange fatores econômicos,

demográficos, socioculturais, tecnológicos, político e legais, o Micro Ambiente, que abrange

concorrentes, público, fornecedores e clientes, e sempre observar o ambiente interno da

empresa para que tudo funcione sempre de forma rápida e concisa. (KOTLER, 2008)

No caso de uma Web rádio, cada um destes fatores tem sua devida importância.

Localização, poder de compra, interesse, cultura, ambiente macro e micro, em suma, a

realização de um projeto em Web rádio em um local turístico, onde há circulação de pessoas

com poder aquisitivo alto e de comerciantes que querem propagar seus negócios, torna este

ambiente propício à sua realização com êxito.

Os fatores tecnológicos influenciam diretamente, pois para este modelo, precisa-se de

uma série de componentes quanto à tecnologia e logística para a realização e o seu

desenvolvimento. Os fatores políticos e legais também são importantes, já que a princípio,

não existe uma regulamentação para este tipo de negócio no Brasil.

Por fim, os fatores socioculturais, sendo fatores relevantes em uma determinada

localidade, são de extrema importância pois agregando estes fatores ao conteúdo de uma Web

rádio, faz com que o público correlacionado a cultura local se torne e dê audiência ao veículo.

Em um distrito como Penedo, a premissa cultural/artística, por ser extremamente forte, é

referência frente ás cidades periféricas, principalmente pela concentração de grandes músicos

e artistas, nacionais e internacionais, que ali residem.

Em Penedo, por exemplo, existem vários fatores a serem explorados como as belezas

naturais, música, artes, cachoeiras, cultura finlandesa, ecoturismo, gastronomia,

entretenimento, ou seja, quanto mais atributos tem o lugar e de alguma maneira isso possa ser

explorado por um veículo como estes, faz com que o veículo se aproxime de todos, tanto os

que ali residem quanto já conhecem o lugar ou que possivelmente virão conhecer, aliando isto

ás boas experiências de quem está a passeio ou a quem tem negócios por ali.

Deve-se também levar em consideração os 4 P´s para uma melhor avaliação de qual

plano de Marketing seja o melhor a ser implantado.

Quanto ao “produto”, uma Web Rádio trabalha com serviços intangíveis por oferecer

entretenimento musical, informacional e cultural sem custo algum ao ouvinte. Ao anunciante,

oferece espaços publicitários em sua programação, no site, aplicativo e em suas redes sociais.

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Uma Web rádio deve oferecer aos ouvintes e aos anunciantes, além de um conteúdo musical

segmentado, conteúdo informacional dentro de uma diretriz, inúmeros canais para que esta

conectividade seja efetuada através das mais diversas plataformas, cultura e entretenimento e

o que mais lhe for pertinente oferecer.

Outro fator importante é estudar os nichos específicos de mercado a fim de explorar

mercados ainda inexplorados, pois ser precursor e ao mesmo tempo não ter concorrência em

seu mercado de atuação, faz com que você seja único e sempre leve vantagem, mesmo que

após algum tempo, concorrentes venham a surgir.

Quanto ao “preço”, este é determinado a partir de custos de produção de comerciais,

comparação com outros veículos similares como o Rádio, veiculação junto à programação e

embasamento quanto aos preços praticados pelo mercado e seus concorrentes. O preço

também determina o posicionamento de sua empresa. Algumas empresas desejam passar a

seus compradores a imagem de preços imbatíveis, outras trabalham um posicionamento de

valorização de seus serviços a partir de preços mais elevados, levando em conta o status como

ferramenta principal na aquisição de produtos ou serviços. Planos sob medida e descontos

especiais para seus clientes que fidelizam anunciando em sua empresa por um determinado

tempo, pois hoje se sabe a importância em manter clientes fiéis ao seu negócio. Algo também

praticado é oferecer vantagens em número de inserções como forma de atrair novos clientes e

manter os já consolidados, pois acreditamos que os anunciantes fiéis, além de estarem

apoiando o crescimento do seu negócio, serão um bom canal para a divulgação do mesmo.

Quanto à “praça”, quer dizer como o serviço estará disponível ao seu cliente. A

localização e estrutura adequadas, canais de prestação de serviço disponíveis aos seus

clientes, a relação com seus fornecedores e terceirizados serão determinantes para levar ao

cliente o que ele necessita. Neste caso, além de portfólios via internet, web site e redes

sociais, além de parcerias com outros fornecedores de serviços, caso seja necessário, os

vendedores vão até os clientes a fim de mostrar o portfólio de comerciais já produzidos e

tentar as melhores soluções para cada um dos clientes, tratando cada um deles de uma

maneira singular. Caso o cliente queira conhecer as instalações e estúdios, oferece-se a opção

de marcar uma conversa na sede. Vale ressaltar que estar em um local privilegiado, com

infraestrutura de ponta e parcerias que agregam valor e mobilidade ao seu negócio, são de

extrema importância para esta fluência. Além das ações on line para que os clientes conheçam

a programação e os serviços oferecidos é importante investir em sinalizações externas a fim

de desmistificar e fazer com que a Web Rádio seja conhecida também no âmbito físico.

A “promoção” tem a função de estimular a demanda relacionando serviços a

necessidades e desejos dos seus clientes. “A chave do sucesso está em reter e atrair a atenção

de seus clientes”. Em especial, a promoção trabalha com três premissas:

*Informar aos clientes potenciais a existência dos produtos e serviços e suas vantagens.

*Informar aos clientes potenciais onde e como obter esses serviços.

*Lembrar aos clientes a existência dos produtos e serviços oferecidos.

Para isso, na Web rádio o cadastro nos inúmeros sites e aplicativos a fim de ampliar a

visualização da marca e seu conteúdo em outros canais de comunicação, atraindo ouvintes

novos para o seu canal e formando um novo target de clientes/ouvintes que são tão

importantes quanto os clientes/colaboradores que anunciam. Faz-se o uso frequente de

publicidade nas redes sociais a fim de lembrar sempre a marca aos que estão presentes em sua

rede de sua programação e conteúdo, produzindo e anunciando seus serviços e atrativos para

que os clientes se conectem ao veículo e consumam o conteúdo proposto.

Faz-se o uso de inúmeras maneiras de propagar a marca, peças publicitárias ou

informacionais relacionadas à empresa em inúmeros veículos de comunicação para se ter uma

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abrangência maior. Produzir matérias sobre a Web rádio, novidades na programação, novos

locutores, programas novos e promoções para atrair a atenção de outros veículos e assim ter

um alcance maior de público com este conteúdo.

As ações promocionais também se tornam importantes para que a marca apareça

juntamente a eventos e ações sociais positivas, pois ligar a sua marca a alguma boa ação ou a

eventos que abrangem o seu público, se torna eficaz trazendo o retorno em aumento de

audiência e em número de anunciantes, pois “quem não é visto, não é lembrado” e ter a sua

marca veiculada a grandes eventos, ações sociais e campanhas positivas, sempre geram

retorno referente a imagem da empresa.

O telemarketing é outra ferramenta importante na hora de estabelecer o contato com o

cliente e ir até ele, seja para a apresentação dos serviços, pacotes comerciais ou material

publicitário. Na era digital, o telefone ainda é uma boa ferramenta de contato direto com seu

cliente. Pela facilidade de poder transmitir shows e eventos ao vivo, além de gerar uma

programação bem diferenciada para uma Web rádio, e estar presente, gerando este conteúdo

singular, a propagação da marca se trona importante para quem está ali, visualizando e

acompanhando o evento ao vivo, tanto para quem não está presente e gostaria de acompanhar

a cobertura daquele evento, o que torna uma divulgação bi lateral e traz respaldo para a Web

rádio em propagar um conteúdo ao vivo, exclusivo e de interesse do seu target.

Causar o compartilhamento de experiências e informações entre os clientes, também

se torna imprescindível a empresas que queiram aderir a esta nova tendência, ajudando cada

vez mais os seus consumidores a se comunicarem uns aos outros através dos inúmeros canais

e comunidades disponíveis virtualmente. Quando o cliente começa a influenciar em seu

produto ou serviço, cabe à empresa ficar atenta ao feed back de quem os consome e criar

novas demandas, a fim de suprir as necessidades deste público. (KOTLER, 2008)

Ferramental tecnológico

Para a criação de uma Web rádio, é essencial que o ferramental tecnológico seja

adequado ao seu empreendimento, dando-lhe suporte para que a Web rádio não saia do ar. Ter

em mãos um computador ou notebook para ser usado como o gerador de informação em sua

transmissão, de onde vai se gerar o sinal oficial de sua transmissão, um computador ou

notebook para ser usado na edição e na pré-produção de todas as peças publicitárias, plástica

ou de propagandas institucionais. Softwares específicos para transmissão, edição e

equalização, são de extrema importância nesta mecânica, pois estes quem vão garantir a

qualidade do conteúdo em áudio propagado. Dentre os softwares essenciais estão o Zara

Rádio que é um organizador e gerenciador dos arquivos que vão ao ar, Opticodec que é quem

faz o link com o servidor, transmitindo pelo site ou quaisquer outros canais, ou seja, o

“transmissor” e o MBL4 que é o responsável pelos ajustes finos referentes à qualidade do

áudio a ser transmitido.

É de extrema importância ter um estúdio ou um cômodo a ser usado como um, para

ser o ambiente controlado de onde se gera o conteúdo ou se grava sem ruídos e intervenções

externas com a máxima qualidade. Mesa de som, um ou mais microfones, cabeamentos

necessários, são imprescindíveis para uma boa transmissão, pois além de refinar a qualidade

do áudio gerado, irão abrir a possibilidade de se trabalhar com intervenções de locutores ou

apresentadores de programas específicos, ao vivo, dando aquele toque “humanista” ao

conteúdo e a proposta que a Web rádio pretende oferecer ao seu ouvinte.

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No caso de uma Web rádio comercial, é importante ter estúdios físicos, de fácil

acesso, em local comercial, pois isso dá credibilidade a imagem da empresa, saindo da esfera

exclusivamente virtual, dando conotação real e profissional à empresa.

Lembramos que a transmissão de uma Web rádio pode acontecer de um estúdio fixo,

ou móvel, ou seja, pode-se transmitir de qualquer ponto que se tenha uma velocidade mínima

de internet e isso abre espaço para transmissões de shows ao vivo, programas que podem ser

transmitido de qualquer lugar, priorizando a exclusividade de conteúdo e a programação ao

vivo e na íntegra, o que cada vez mais se percebe que este tipo de conteúdo único como um

grande diferencial para sua Web rádio.

Gestão de pessoas e parcerias

As parcerias sejam elas com pessoas ou empresas são essenciais para que uma Web

rádio tenha sucesso. Para tanto, locutores, colaboradores, blogueiros, jornalistas e outros são

essenciais para esta engrenagem possa produzir conteúdo próprio e especifico, a fim de que

sua abrangência quanto à audiência seja ampliada. No rádio convencional ou na Web rádio,

gerar este conteúdo único se torna um grande trunfo para ter mais programas e conteúdo

diferenciado em sua programação, o que vai se refletir na íntegra em maior audiência.

(FERRARETTO e KLOCKNER, 2010)

No âmbito informacional, blogs, sites e aplicativos produtores de conteúdo, agências

de notícias e todo o conteúdo disponibilizado gratuitamente na internet, se tornam grandes

aliados ajudando a Web rádio a gerar o seu conteúdo específico. Por tanto, estar

permanentemente conectado a boas fontes informacionais é de extrema importância para

acompanhar em tempo real as notícias pertinentes ao seu veículo. (FERRARETTO e

KLOCKNER, 2010)

Parcerias muito recorrentes neste mercado são com empresas terceirizadas

fornecedoras de serviços como estúdios de produção de comerciais, técnicos em informática e

agências de publicidade especializadas em marketing digital, pois estes além de agregar

significativamente valor à sua empresa por serem parceiros, irão compor a sua carta de

serviços agregados, seja junto ao seu cliente ou junto a sua logística operacional. Estas

parcerias são muito importantes para uma prestação de serviços diferenciada, visando sempre

o atendimento em excelência e o crescimento do seu negócio.

Case Rádio BSide

A Rádio BSide tem como público-alvo homens e mulheres dos públicos “A” e “B”,

com idade dos 20 aos 45 anos, interessados em entretenimento, gastronomia, música de

qualidade, hobbies, viagens, natureza, relacionamentos e atividades ao ar livre.

A BSide nasceu em Resende, RJ, porém, ao perceber que grande parte do nicho de

mercado que ela pretendia alcançar era residente ou transitava como turista em Penedo, uma

região turística, que é distrito da cidade de Itatiaia, porta de entrada para a região das Agulhas

Negras e um dos polos turísticos mais importantes do Estado do Rio de Janeiro, se mudou

para aquela região. Após detectar se esta possibilidade logística era viável, desempenhou um

estudo amplo sobre a sua audiência onde foi detectado que a quantidade de ouvintes

residentes em cidades periféricas e nas grandes capitais era muito maior do que em sua cidade

sede. Concluindo que a logística como um todo era favorável ao negócio, inclusive por fatores

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culturais, decidiu se mudar definitivamente para Penedo e se tornar a “Rádio Oficial de

Penedo”.

Tendo como premissa que o seu target principal é focando nas classes A, B e C, dos

20 aos 45 anos, a Rádio BSide trabalha em sua programação normal programas segmentados

e uma musicalidade bem particular.

Com relação a sua programação, a Rádio BSide trabalha difundindo uma musicalidade

internacional muito atual e singular, onde no Brasil, poucos veículos tem alguma semelhança

neste quesito. Transitando entre o Rock, Indie, Folk, Soul e Reggae, tendo como proposta ser

diferente de todas as outras Web rádios, executando músicas bem atuais, porém pouco

exploradas pela maioria das rádios convencionais e Web rádios em nosso país.

As transmissões de shows ao vivo com artistas da região e outros grandes nomes

nacionais e internacionais que vem a Penedo para desempenhar os seus trabalhos musicais,

são outro grande ponto forte na programação da BSide que periodicamente, transmite shows

ao vivo, com alta qualidade através de sua programação.

Outro fator que chama atenção é o material institucional que a Web Rádio BSide

veicula em sua programação sobre Penedo e a região das Agulhas Negras, que se fazem

sempre presentes a fim de promover as particularidades da região, com isso, se tornando a

Rádio oficial de Penedo, enaltecendo a sua gastronomia, as belezas naturais, sua cena cultural

também relacionada ao entretenimento, os esportes radicais que podem praticados na região,

em suma, tudo que a região pode oferecer à um potencial turista. A Rádio BSide é

definitivamente um case que apesar de residir em Penedo, direciona a sua programação em

vários aspectos para uma audiência externa, para pessoas frequentam ou queiram conhecer

esta Colônia Finlandesa, pois através da BSide, o ouvinte pode conhecer e aprender muito

sobre Penedo, a região das Agulhas Negras e suas inúmeras maravilhas.

Em Penedo, até a chegada da Rádio BSide, não existia nenhuma rádio convencional

ou Web rádio, o que faz com que todos estes fatores influenciam para uma cada vez maior

aceitação deste veículo nesta região e potencialmente em regiões parecidas correlacionadas ao

turismo e seus inúmeros predicados.

Os próprios empresários ao viram com bons olhos a possibilidades de anunciar em um

veículo que se comunica com os Penedenses, ao mesmo tempo em que se faz presente junto

aos turistas, sejam eles de outras localidades ou das cidades periféricas, propagando tudo que

acontece em Penedo de uma maneira bem específica, a fim de seduzir ambos os públicos a

conhecerem a cidade, fornecendo-lhes informações preciosas sobre tudo que há de melhor,

acontecendo naquela localidade favorecendo todas estas conexões, sejam elas com

empresários, ouvintes e/ou turistas.

É de extrema importância perceber as inúmeras oportunidades existentes quando

conversamos sobre Web rádios. Engana-se quem diz que os canais hoje são exclusivamente o

site da Web rádio e/ou seu Aplicativo para mobiles. Hoje existem uma gama muito grande de

sites e aplicativos centralizadores de rádios convencionais e Web rádios, o que fez com que as

o internauta possa ouvir e descobrir conteúdos segmentados e os mais diversos estilos de

rádios convencionais ou Web rádios. Isso coloca as Web rádios lado a lado com grandes

corporações radiofônicas já consolidadas, tratando grandes e pequenos de maneira igual,

gerando livre concorrência e o direito de escolha exclusivamente por parte do ouvinte. Estes

sites e aplicativos centralizadores abriram uma grande oportunidade principalmente para as

Web rádios que hoje ocupam o mesmo espaço virtual que as grandes. O que vai predominar é

o segmento que cada uma atua o conteúdo que cada uma oferece e a qualidade que cada uma

possui.

Ao se tornar a Web rádio oficial de Penedo, sendo única existente, percebeu-se que se

o seu foco comercial fosse pautado em ter uma grande audiência fora daquela região, se

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tornando um veículo de comunicação atraente a quem tem produtos e serviços específicos

daquela região e deseja que estes sejam divulgados dentro e principalmente fora de Penedo, o

que poderia ser um grande diferencial como veículo de comunicação já que esta região é

muito carente no sentido de divulgar fora de sua área, todos os seus atrativos naturais,

gastronômicos e de entretenimento.

Além do fator peculiar da região ser turística, fatores como a base operacional fixa, o

escritório e os estúdios da Rádio BSide estão situados no shopping na entrada de Penedo, por

onde todos os turistas que vêm à região, são obrigados a passar, sem contar que o melhor

provedor de internet da região também tem a sua escritório central lá. Podemos citar como

pontos positivos o grande fluxo de turistas que ali transitam e o de comerciantes residentes

neste mesmo shopping, além do uso da área externa para placas de anúncios da Rádio BSide e

seus serviços.

Para gerar conhecimento de marca a Rádio BSide faz uso de campanhas físicas em

Penedo e região, e também virtuais, estas geralmente direcionadas ao público de outras

localidades a fim de sempre conseguir o maior número de ouvintes em localidades que já se

interessam pela atmosfera de Penedo.

Em campanhas físicas, faz-se o uso de panfletos com conteúdo sobre a programação

da Web rádio e sobre a parte comercial, releases explicativos para ambos os públicos sobre a

Web Rádio BSide, constando também contatos para maiores informações, além de banners

dentro de Penedo e Outdoors posicionados na rodovia a fim de alcançar o público que é

obrigado a passar por ali, indo para Penedo ou em quaisquer outros lugares lindos existentes

na Região das Agulhas Negras.

A periódica distribuição de adesivos e brindes da BSide também é usual, além de

descontos especiais em pacotes comerciais para os estabelecimentos comerciais que ficam

“sintonizados” em seus estabelecimento na Web Rádio BSide, a fim de que os turistas e

frequentadores possam também conhecê-la.

As transmissões ao vivo de eventos e shows também são um excelente canal de

divulgação da marca e sua programação, pois nestes estes eventos, os potenciais ouvintes da

BSide se encontram presentes e propagam esta transmissão a amigos que não puderam estar

presentes, além de fortalecer a marca junto ao público local.

O setor comercial também trabalha apresentando aos que ainda não conhecem a

programação e a proposta da Rádio BSide, além de efetuar venda do serviço posteriormente.

No âmbito virtual, a BSide trabalha inúmeras campanhas segmentadas em diversos

canais de comunicação. Redes sociais, malling, cadastro em sites e aplicativos especializados

em rádios convencionais e Web rádios no Brasil e no Mundo e claro, uma atenção especial

aos dispositivos mobiles.

Quanto às redes sociais, estas são trabalhadas de uma maneira bem peculiar, com

anúncios pagos e gratuitos no Facebook, twitter e instagram a fim de gerar conhecimento de

marca, causar um maior engajamento do público e consequentemente a sua audiência.

As ações táticas que a BSide desempenha frente ás redes sociais são feitas

estabelecendo um planejamento diário de postagens usando temas diferentes de publicidade

em banners virtuais e em texto, sempre constando o link direto para o seu web site e um link

para baixar o aplicativo, com o intuito de trazer o ouvinte a não só ouvir a rádio, mas a

navegar no conteúdo proposto em seu site ou através do aplicativo. A Rádio BSide possui

cronogramas diários de publicações em suas redes sociais que variam de acordo com a sua

programação, seus programas e suas campanhas especificas.

Como plano de ação, a BSide também faz uso de postagens com fotos sobre os artistas

que tocam em sua programação, notícias sobre estes artistas, sobre programas ao vivo, suas

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temáticas e horários, promoções exclusivas, divulgação do aplicativos para dispositivos

moveis, acesso à Rádio BSide por outros sites e App´s, mensagens positivas e subliminares

sempre ligadas a marca Rádio BSide, divulgação das ações de entidades filantrópicas,

iniciativas positivas e de eventos que sejam de seu interesse estar vinculada de alguma

maneira.

A Rádio BSide também trabalha as diversas singularidades que Penedo e a região

possuem, enaltecendo por exemplo os inúmeros atrativos naturais que a região possui, os

esportes radicais que podem ser praticados em toda a região das Agulhas Negras, a sua rica

gastronomia repleta de chef´s e restaurantes renomados e o entretenimento, que naquela

região já é um grande atrativo aos turistas. Estas campanhas estão presentes em áudio

inseridas na programação da BSide e em banners com o intuito de atrair os amantes, sejam

eles, das belezas naturais, de esportes radicais ou de todos os bons serviços existentes nesta

região e claro, gerar uma demanda de anunciantes que queiram ter seus produtos e serviços

vinculados a esta programação direcionada ao público turista.

A Web Rádio BSide, também oferece gratuitamente oficinas de especialização para a

formação de novos locutores e operadores de áudio, a fim de fornecer o treinamento de

pessoal, onde periodicamente, renova-se o casting de locutores e operadores de áudio na

Rádio BSide.

Considerações finais

O rádio definitivamente tem que se reinventar e promover mudanças drásticas quanto

a sua forma e conteúdo, se adequando às novas tecnologias e aos formatos interativos criados

a partir do advento da internet. Através de pesquisas relacionadas à maneira de se consumir

informação e entretenimento, estes paradigmas aos poucos devem ser quebrados, pois caso

contrário, o “velho rádio” está fadado à extinção, isto só será uma questão de tempo.

Quando falamos sobre Web rádio como modelo de negócios, temos que pensar em

inúmeros fatores para que sejam viáveis e rentáveis se investir em um veículo como este. O

panorama que temos é bem favorável, porém é preciso levar em conta alguns aspectos

logísticos, regionais, turísticos e culturais da região que se pensa em ser a base operacional da

Web rádio para que a fluência e os objetivos sejam alcançados com êxito.

Importante ressaltar que com a velocidade cada vez maior da informação que a

internet nos proporciona, o gestor de uma Web rádio deve além de ter conhecimento da área

operacional precisa entender o potencial de seu veículo e adequá-lo as condições do mercado

que pretende atuar. Deve ter também grandes e bons diferenciais em sua programação, pois a

segmentação de audiência explora justamente nichos específicos e bem direcionados com o

intuito de se fortalecer perante o público, o que interessa diretamente aos anunciantes.

De uma maneira geral, os negócios via internet tem crescido consideravelmente no

mundo inteiro. A facilidade em atingir cada vez mais públicos distintos e segmentados

espalhados pela rede e em um curto espaço de tempo faz com que este veículo tenha um

grande potencial frente aos outros meios que também habitam a internet como plataforma de

envio de sinal.

Portanto, este artigo tem como principal objetivo descrever tanto no prisma teórico

quanto no prático, argumentos que fomentam as Web rádios como modelos de negócios e

empreendedorismo, traçando paralelos entre o rádio hertiziano convencional e a Web rádio,

exemplificando com o modelo da Rádio BSide e ressaltando outros dentro desta perspectiva

do rádio on-line.

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A evolução das tecnologias e consequentemente do comércio eletrônico contribuiu

para o desenvolvimento de destes novos modelos de negócios e empreendedorismo na

internet, traçando novos horizontes no que diz respeito ao compartilhamento de informações e

quebrando paradigmas culturais entre as sociedades.

Os inúmeros modelos de negócios implícitos em uma Web rádio, abrem um universo

de oportunidades e segmentos nesta área. Cabe a cada gestor entender qual é o propósito de

seu veículo e direcionar sua gestão para o formato que mais se adequar ao seu panorama de

negócios.

Em um segundo momento vale ressaltar a necessidade evidente de que existam

parcerias com outras empresas e colaboradores. Atualmente, o mundo corporativo não

sobrevive de forma isolada e sim em forma de redes, através de conexões plurilaterais a fim

de estabelecer novas parcerias para o desenvolvimento do negócio e a criação de novos

produtos ou serviços agregados com o intuito de acrescentar de criar novos caminhos visando

a lucratividade.

O rádio contribuiu e continua a contribuir para os formatos em Web rádios, porém,

vale ressaltar que os formatos de programas devem ter conteúdo criativo e dinâmico,

oferecendo experiências contínuas, interativas e diferenciadas aos ouvintes, sempre com o

intuito de estabelecer uma relação de fidelidade, aumentando a audiência do veículo

justamente por apresentar um conteúdo diferenciado e único.

Tendo em vista todos estes fatores altamente relevantes quando se fomenta o estudo

mais aprofundado sobre Web rádios como modelo de negócios e empreendedorismo, vale

ressaltar que estes diferenciais na maneira de trabalhar e/ou atuar em qualquer um dos

segmentos deste objeto de pesquisa, farão toda a diferença no que diz respeito à rentabilidade

e a sustentabilidade do empreendimento, pois serão de extrema importância para o

crescimento do target de ouvintes, clientes e potencialmente em volume de negócios.

Referências

CORDEIRO, P. Rádio e Internet: novas perspectivas para um velho meio. CONGRESSO

IBÉRICO DE COMUNICAÇÃO NA COVILHÃ, II, Portugal, 2004.

FERRARETTO, Luiz Artur e KLÖCKNER, Luciano. E o rádio? Novos horizontes

midiáticos. Porto Alegre: Edipucrs, 2010.

KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e

controle. São Paulo: Atlas, 1998.

____________. Marketing em Ação. Rio de Janeiro: Campus, 2002.

____________. Marketing para o século XXI. São Paulo: Ediouro, 2008.

MIRANDA, Orlando. A Era do Rádio. In: Nosso Século. Abril Cultural, n.º 17, 1998.

PRATA, Nair; MARTINS, Henrique Cordeiro. A webradio como business. Comunicação e

Sociedade, v. 20, p. 129-140, 2011.

Streaming music is gaining on tradicional radio among yonger music listeners. USA:

prweb, 2013. Disponível em http://www.prweb.com/releases/2013/4/prweb10591285.htm.

Acesso em 23 de setembro de 2015.

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O serviço de Contact Center como um diferencial

competitivo de relacionamento em uma instituição

religiosa

Adriana Bernadete Barros Carvalho Garcia Graduada em Publicidade e Propaganda pela UNITAU, mestrado em Engenharia de Mecânica pela

UNESP/Guaratinguetá e Professora e Coordenadora do MBA em Marketing na Faculdade Integrada Teresa

D´Ávila.

Ana Carolina de Brito Bombachi Tecnóloga em Automação de Escritórios e Secretariado com ênfase em Marketing na Faculdade de Tecnologia

de Guaratinguetá

Daniela da Silva França Bacharel em Marketing na faculdade Anhanguera Educacional de Taubaté

Érica Bizaio Graduação em Comunicação Social - Relações Públicas pela Universidade de Taubaté. MBA Executivo pelo

Insper / Ibmec e Pós- Graduada em Administração de Marketing pela FAAP.

Resumo

Diante de um cenário empresarial mutante, marcado pelas constantes inovações tecnológicas

e concorrências acirradas, torna-se fundamental que as empresas se diferenciem através de

estratégias voltadas para o Marketing de Relacionamento, que contribuem como diferencial

para reter e encantar seus clientes. Este artigo tem como objetivo demonstrar a importância

do Contact Center como importante serviço em uma instituição religiosa que aplica os

conceitos de Marketing de Relacionamento e estratégias de CRM para criar valor e fidelizar

seus fiéis.

Palavras-chave

Marketing de Relacionamento, CRM, valor, fidelização, serviços.

Abstract Faced with a changing business scenario, marked by constant technological innovation and

fierce competitions, it is essential that companies differentiate themselves through strategies

aimed at Relationship Marketing, contributing as a differential to retain and delight your

customers. This article aims to demonstrate the importance of the Contact Center as an

important service in a religious institution that applies the concepts of Relationship Marketing

and CRM strategies to create value and retain the faithful.

Keywords

Relationship Marketing, CRM, value, loyalty, services.

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Introdução

Através da evolução do mercado, onde a competição aumenta cada vez mais, há uma

crescente e vital necessidade de se ter um diferencial competitivo nas organizações. Este

diferencial pode ser encontrado em um processo personalizado voltado ao cliente e a seus

valores. O dinamismo dos tempos atuais associado à crescente exigência do mercado e ao

aumento da expectativa e da demanda de uma sociedade eletrônica que funciona 24 horas por

dia, tem levado as organizações a buscarem serviços que permitam a orientação, captação e

fidelização de clientes por telefone, e-mail e rede social, através de Centrais de Atendimento

atualmente denominadas como Contact Center. Dessa forma, o presente estudo visa

demonstrar a importância do Contact Center e seu diferencial competitivo para as

organizações, bem como especificamente numa instituição religiosa.

O relacionamento eficiente e cordial com clientes por meio do Contact Center é um

importante diferencial, que tem o sucesso comprovado pelo mercado. Hoje muitas empresas

se evidenciam de forma positiva nesse segmento, tendo sempre o foco do cliente e não no

cliente, buscando agregar valor e superar as expectativas.

Como em qualquer organização, o atendimento a clientes em Contact Center é feito

por pessoas e para pessoas, com toda a sua complexidade de processos associados e

envolvendo capacidades, emoções, problemas, necessidades e mais uma enorme lista de

variáveis de difícil análise e controle, aspectos esses considerados como desafiadores para a

instituição.Este trabalho faz referência a teorias já estabelecidas demonstrando a importância

do Marketing de Relacionamento e estratégias de CRM aliadas à tecnologia.

Para evidenciar foi realizado um estudo de caso numa instituição religiosa na região

do Vale do Paraíba.

Fundamentação Teórica

O Marketing de Relacionamento e sua importância estratégica no ambiente de Contact

Center

Cresce cada vez mais os serviços de autoatendimento a fim de satisfazer ainda mais as

novas necessidades dos consumidores, que prezam por mobilidade e agilidade. Empresas que

se preocupam com a satisfação dos clientes nestes quesitos, aliados a boas práticas de

Marketing de Relacionamento com seus clientes, apresentam grande diferencial competitivo

perante às demais pois elas conquistam, retêm e encantam seus clientes, tornando-se

diferentes, líderes de mercado e altamente rentáveis.

De acordo com Madruga (2009), assim como o marketing de massa foi a solução no

século passado para levar o maior número possível de produtos para o maior número de

imaginável de clientes, o Marketing de Relacionamento na sua atualidade privilegia a

interação com o seu cliente, com o objetivo de desenvolver, especialmente para ele, um

conjunto de valores que o levarão à satisfação e longevidade do seu relacionamento com o

cliente. O autor ainda ressalta que para uma empresa que decide praticar conscientemente o

Marketing de Relacionamento na sua plenitude precisará desenvolver pelo menos seis

funções.

1. Elaboração Conjunta de uma nova visão e cultura empresarial voltada para os

clientes e parceiros.

2. Construção de objetivos de marketing de relacionamento conectados à visão e

sempre de natureza límpida.

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3. Estabelecimento das estratégias de marketing de relacionamento voltadas para a

criação de valores em conjunto com os clientes.

4. Implementação de ações táticas com foco no relacionamento colaborativo com

clientes.

5. Obtenção de benefícios mútuos, isto é, empresas e clientes tiram proveito da

cooperação ocorrida em vários momentos de contato.

6. Direção da ação, capacitação e envolvimento dos colaboradores da empresa para

relacionamentos superiores.

O Marketing de Relacionamento deve ser praticado prevendo-se a sustentação de suas

estratégias. Para que seja viável é necessário um processo contínuo de identificação e criação

de novos valores com os clientes. (MADRUGA, 2009)

De acordo com Kotler, vivenciamos hoje a fase de integração entre marketing e

valores (Marketing 3.0), onde as empresas querem aplicar na prática um conjunto de valores

que lhe oferecem personalidade e propósito. Qualquer separação entre marketing e valores é

inaceitável.

Uma das ferramentas estratégicas que poderá contribuir para construção de

relacionamentos produtivos e agreguem valor ao cliente é o CRM (Customer Relationship

Management), que pode ser traduzido para a Língua Portuguesa como Gestão de

Relacionamento com o Cliente.

Nos primórdios do surgimento do Telemarketing (década de 70) onde o objetivo

principal do serviço prestado era realizar vendas à distância através do telefone, devido seu

vasto crescimento e aceitação no mercado, na década de 90 a tecnologia se aliou às estratégias

de relacionamento com o cliente e os tradicionais centros de atendimento deram lugares a

estruturas com grande suporte tecnológico e organização de processos: os call centers. Estes

foram responsáveis pelo atendimento em larga escala e o telefone se tornou a principal opção

de contato por parte do cliente por satisfazê-lo através dos múltiplos serviços prestados, o que

torna a experiência do contato mais assertiva e satisfatória para ambas as partes envolvidas no

atendimento. Com a ampliação dos múltiplos serviços prestados aliados à tecnologia, os call

centers se transformaram em Contact Centers atendendo por outras mídias como e-mails,

chat, redes sociais e sms.

Segundo Wikipédia, o Brasil é um dos setores que mais emprega no país no ramo de

Contact Center, com mais de 600.000 empregos diretos. As companhias brasileiras possuem

tecnologia de ponta e mão-de-obra capacitada para atender diversos tipos de serviços de

empresas brasileiras e estrangeiras. Hoje o Brasil concentra mais de 60% dos call centers na

América Latina.

O Contact Center dentro das empresas deve ser visto como ação estratégica, pois é um

dos principais componentes de relacionamento com o cliente, afinal é uma ferramenta que

possibilita mensurar a satisfação dos clientes, percentual de problemas resolvidos, número de

ligações versus número de reclamações recebidas e outros mais ligados ao relacionamento são

de vital importância para a excelência no atendimento e relacionamento, contradizendo as

métricas tradicionais baseadas única e exclusivamente em custos e produtividade operacional,

como tempo médio de ligação e número de atendimentos por hora.

Estudos realizados pela E-Consulting, Março de 2015, o mercado de Contact Center

deverá movimentar cerca de 45,6 bilhões no Brasil, registrando crescimento de 3,78% em

relação ao ano de 2014, o que representa 65% de todo o setor do Brasil. De acordo com

Madruga (2006), as centrais de atendimento brasileiras já empregam mais de 800.000 pessoas

isto é, mais do o dobro do que todas as montadoras de automóveis reunidas. O faturamento do

setor atualmente ultrapassa R$ 5 bilhões por ano em transações por telefone.

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Vale ressaltar a importância percebida pelos clientes ao atendimento personalizado nos

serviços de Contact Center que prezem pelo tratamento com dignidade e sejam de fácil

manipulação pelo usuário final e pelos colaboradores das empresas prestadoras de serviços.

No âmbito de serviços, Kotler (2010) nos diz é necessário ter o espírito de querer servir ao

cliente e nunca ser considerado como um dever. As empresas precisam entender que seus

valores corporativos, expressos por meio dos produtos e serviços, devem ter impacto positivo

na vida das pessoas.

A ferramenta de CRM como importante aliada na construção e fidelização do

relacionamento

O CRM (Customer Relationship Management) une o potencial das estratégias de

marketing relacional com as Tecnologias de Informação e potência a oportunidade em utilizar

os dados e informações para compreender os clientes e criar valor. Isto requer uma integração

de processos, pessoas, operações e capacidades de marketing (Payne e Frow, 2005).

De acordo com Bretzke (2000), o CRM pode ser focado como uma estratégia de

negócios que busca ações voltadas para a satisfação e retenção do cliente, suportadas pela

tecnologia de informação. Consiste na integração entre marketing e tecnologia de informação,

abrangendo estratégias, processos, software e hardware. Seu objetivo é prover a empresa de

meios eficazes e integrados para atender, reconhecer e cuidar do cliente, em tempo real, e

transformar estes dados em informações que, disseminadas pela organização, permitam que o

cliente seja conhecido e cuidado por todos.

Roberto Madruga (2009) relata que o CRM deixou de ser um sistema de

relacionamento com o cliente e passou a ser comentado no meio empresarial como estratégia,

visão e orientação para o cliente.

No ambiente de Contact Center, onde o contato com o cliente acontece através de

vários meios eletrônicos, é de extrema importância que tenham uma posição de destaque na

estratégia CRM da empresa para melhorias no atendimento, relacionamento e fidelização.

Para que isso aconteça a solução de discagem precisa integrar com a base cadastral de clientes

pois assim pode se oferecer vantagem personalizada para cada tipo de cliente, facilitando a

conversão e êxito nos resultados.

Segundo Kotler; Armstrong, (2000) as empresas agora se preocupam em manter os

clientes existentes e a desenvolver com eles relacionamentos duradouros. Para vencer nos dias

hoje, com o lento crescimento da economia, uma concorrência sem trégua, com preços quase

iguais, e clientes extremamente exigentes, que não se contentam mais com serviços medianos,

a saída é a construção de valor, qualidade e satisfação superiores para o cliente.

A satisfação é a chave da fidelização. Satisfação tem a ver com expectativa, esperança

em receber o que se deseja.

A satisfação do cliente depende do desempenho percebido na entrega de

valor feita pelo produto em relação às expectativas do comprador. Se o

desempenho fica aquém das expectativas do cliente, ele fica insatisfeito. Se o

desempenho se equipara às expectativas, o comprador fica satisfeito. Se o

desempenho excede as expectativas, o comprador fica encantado. Qualidade

está intimamente ligada ao desempenho do produto ou serviço. (KOTLER &

ARMSTRONG, 2000, p.4)

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Qualidade em serviço

Segundo Gans, Koole e Mandelbaum (2002), a qualidade do serviço em Contact Center pode

ser dividida em três dimensões.

Refere-se à disponibilidade dos agentes. Procura-se responder a perguntas do

tipo: “quanto tempo o cliente precisa esperar para ser atendido?” e “quantas

ligações são abandonadas na fila antes de serem atendidas?”. Este tipo de

qualidade pode ser medida através de informações coletadas no sistema.

Refere-se à efetividade do serviço, em relação à necessidade de retrabalho. As

questões são: “o encontro de serviço resolveu completamente o problema do

cliente ou um trabalho adicional se fez necessário?”. Este tipo de qualidade é

avaliado através de uma inspeção aleatória. Os meios de contato são

selecionados ao acaso para serem analisados e então a necessidade de

retrabalho é avaliada.

O último tipo de qualidade monitorada é a interação do agente com o cliente.

Típicas perguntas incluem “o agente se referiu ao cliente pelo nome?”, “ele

falou com o cliente com um sorriso na voz?”, “ele direcionou a conversa da

maneira positiva?”. Neste caso também são ouvidas algumas ligações de forma

aleatória. Algumas vezes, o resultado da interação é rastreado e a pergunta “o

cliente ficou satisfeito?” é feita.

A satisfação dos clientes é coletada através de pesquisas. A noção de qualidade da

experiência do cliente vai além da interação com o agente. Por exemplo, é crítico incluir na

análise o tempo de espera na fila. Em particular, a natureza do tempo que o cliente espera na

fila ao telefone é diferente do tempo que ele espera no banco ou supermercado, por exemplo.

Neste caso, os clientes não veem os outros esperando e não possuem uma noção do seu

“progresso” se o Contact Center não prover a informação. Clientes que entram em uma fila

física podem começar insatisfeitos – quando veem o tamanho da fila – e passam a ficar mais

satisfeitos, quando se movimentam na fila. Em contraste, clientes que entram em uma fila

virtual podem estar otimistas no início – porque não têm noção do tempo que precisarão

esperar – e se tornam cada vez mais irritados enquanto esperam. (Gans, Koole e Mandelbaum

2002 apud Cleveland e Mayben 1997).

Satisfazer o cliente significa agregar valor a este. Segundo Kotler (2010), o Marketing

3.0 acredita que os clientes são seres humanos completos, cujas outras necessidades e

esperanças jamais devem ser negligenciadas. As empresas que praticam o Marketing 3.0

oferecem respostas e esperança às pessoas que enfrentam problemas e, assim, tocam os

clientes em nível superior. Elas se diferenciam por seus valores e em época de turbulência

trata-se de um diferencial e tanto.

Kotler (2010) nos coloca 10 credos inquestionáveis que integram o marketing aos

valores:

Credo 1: Ame seus clientes e respeite seus concorrentes, ou seja, trate seus

clientes com amor e respeite seus concorrentes

Credo 2: Seja sensível à mudança e esteja pronto para se transformar. Quanto

os tempos mudarem, mude também.

Credo 3: Proteja seu nome, deixe claro quem é você. Esclareça quais são seus

valores e não abra mão deles.

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Credo 4: Um cliente é diferente do outro; procure primeiro aqueles que podem

se beneficiar mais de você. Concentre-se no segmento ao qual você pode

proporcionar mais benefícios.

Credo 5: Ofereça sempre um bom pacote por um preço justo. Defina preços

justos para refletir sua qualidade.

Credo 6: Esteja sempre disponível, divulgue as boas-novas. Ajude seus futuros

clientes a encontra-lo.

Credo 7: Conheça seus clientes, cultive-os e conquiste outros. Considere seus

clientes como se fossem seus clientes para o resto da vida.

Credo 8: Não importa em qual setor você atue, será sempre no setor de

serviços. Toda empresa é uma empresa de serviços, pois todo produto envolve

um serviço.

Credo 9: Aperfeiçoe sempre seu processo de negócio em termos de qualidade,

custo e entrega.

Credo 10: Colete informações relevantes, mas use sua sabedoria para tomar a

decisão final. Considere outros aspectos além do impacto financeiro de uma

decisão.

Metodologia

O presente trabalho está baseado em um levantamento bibliográfico, que utiliza uma

série de fontes secundárias, como: livros de Marketing, publicações, sites e artigos.

A empresa em análise é uma instituição religiosa, localizada na região do Vale do

Paraíba, que contempla em sua organização um Contact Center voltado exclusivamente para

o relacionamento com os fiéis que subsidiam as obras evangelizadoras, sociais e de

construção do maior Centro Mariano de Peregrinação do Mundo. Embora de cunho religioso,

essa instituição busca aplicar as teorias de Marketing para se manter sólida e inovadora no

mercado, buscando dessa forma fidelizar seus “clientes – devotos” e conquistar novos

adeptos.

Estudo de caso

O estudo está baseado no relacionamento obtido pelo Contact Center da instituição em

análise, que tem como grande preocupação acolher bem e também evangelizar os milhares de

visitantes, além de manter e prover as diversas obras evangelizadoras.

Há 16 anos, tendo em vista a grande responsabilidade para realização dessas obras foi

criada uma campanha de arrecadação com a missão de sustentar a construção e manutenção

da Instituição e ampliar seus serviços de evangelização. Seu objetivo era contar com a

generosidade dos fiéis para a realização e manutenção das obras. Essa iniciativa tornou-se

bem aceita através de um compromisso de transparência e ética dos idealizadores e

administradores do Grupo. Como estruturação desse grande projeto, foi implantado um

Departamento de Marketing para cuidar da comunicação e relacionamento com os

colaboradores, subdividindo-se, posteriormente, nesses dois importantes e estratégicos

núcleos.

Ao longo destes anos importantes passos foram dados para a evangelização, sendo

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tudo isso possível graças à generosidade dos fiéis que contribuem com essa grande missão.

Para melhor atender os fiéis que ajudam a instituição e os demais que buscam

informações de como colaborar ou buscam auxílio espiritual através de pedidos de oração, no

ano de 2000 foi implantado no Departamento de Marketing o setor de Call Center, composto

de 10 agentes que trabalhavam das 8h às 17h com software específico e desenvolvido

internamente, que possibilita um atendimento personalizado ao devoto contendo todas as

informações de relacionamento e doações, informações essas de extrema importância para o

relacionamento. No ano de 2002, foi criado um importante meio de comunicação impresso

como instrumento de evangelização e formação que passou a ser enviado mensalmente como

presente para todos os fiéis colaboradores. O recebimento desse “presente” tangibilizou e

valorizou o relacionamento com os fiéis através de personalização e segmentação aos diversos

perfis, aumentando assim a interação dos fiéis com os meios de contato. Em 2005, com a

inauguração de sua emissora de TV, a instituição passou a contar com um Contact Center,

com aproximadamente 30 PA´s (pontos de atendimento) para atender os diversos meios de

contato (telefone e mídias digitais), buscando a ampliação e melhorias no relacionamento.

Além disso ampliou seu horário de atendimento para 16hs. Posteriormente, passou a

desenvolver produtos oficiais da instituição e a vende-los pelo telefone e Internet, tornando

assim o Contact Center um potencial prestador e parceiro da área comercial. Com o advento

das mídias digitais, também passou a contar com o atendimento via e-mail e redes sociais.

Esse grande diferencial dentro da Igreja permite que os fiéis, mesmo de longe e de

diferentes perfis, desde os que menos possuem meios tecnológicos aos mais favorecidos,

sintam-se mais próximos da instituição e sejam atendidos em suas necessidades, e através

destas várias possibilidades de contato sentem-se acolhidos em suas necessidades, sejam elas

de suporte, informativas ou espirituais.

Como funciona o Marketing de Relacionamento e CRM do

Contact Center

A integração da base dados cadastrais com a solução de discagem do Contact Center é

de vital importância para o atendimento e relacionamento. Na instituição analisada essa

interação acontece entre as estratégias de CRM e o Sistema de gerenciamento do Contact

Center. Com essa integração é possível oferecer um atendimento personalizado e otimizado

aos fiéis colaboradores.

No software utilizado pela instituição são capitadas e registradas todas as solicitações

e necessidades dos colaboradores cadastrados na base, além de potenciais novos

colaboradores, registrando todo o histórico do contato realizado. Nele contém todas as

informações cadastrais e histórico de relacionamento que possibilitam um atendimento

personalizado e eficiente. Com a solução em discagem, todos os registros de contato

telefônico são captados, este integrado ao sistema direciona as ligações recebidas para filas

específicas de acordo com o tipo de atendimento solicitado (grupos cadastrados na árvore de

atendimento). Além disso, com a ferramenta de Fila, é possível realizar o retorno de ligações

não atendidas.

Através do software de gerenciamento de Contact Center, sistema que integra

diferentes meios de comunicação e emprega roteamento baseado em habilidades, é possível

que cada tipo de contato, seja ligação telefônica, e-mail ou redes sociais seja encaminhado

para quem estiver apto para atender. Também oferece solução para acompanhamento full time

das ligações em fila de espera e tratamento automático das ligações que abandonaram a fila de

espera armazenando seu contato para retorno posterior. Aplicando as estratégias de CRM,

torna-se possível a identificação automática das ligações com o colaborador mediante o

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telefone do cadastro.

Para que os atendimentos sejam otimizados é de suma importância que a URA

(Unidade de Resposta Audível) seja estruturada e constantemente atualizada de forma simples

e prática para quem interage, ou seja, projetada na visão dos clientes.

Abaixo, segue modelo de árvore de URA utilizada na instituição em análise:

Estrutura de atendimento telefônico do Contact Center

As medidas de performance ou Indicadores de Desempenho do Contact Center ou KPIs (Key

Performance Indicators) utilizadas para análises e medidas estratégicas utilizadas, são:

Velocidade média de resposta (VMR);

Tempo de espera da ligação (em fla);

Índice de abandono (porcentagem de clientes que cortam a ligação ou desligam antes

da resposta);

Tempo médio de conversa (TMA);

Cumprimento (os agentes estão em seus devidos lugares?);

Tempo médio de trabalho;

Percentual de ligações bloqueadas;

Tempo médio que o cliente esperou antes de desistir de ficar esperando;

Total de ligações recebidas e atendidas por horário

Avaliação de pesquisas respondidas através de notas dadas aos agentes

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Conversão do atendimento em novos cadastros

De acordo com as normas de Contact Center estabelecidas pelo ministério da justiça

em 2008, a instituição em estudo, tem sua fila de espera de 1 minuto para atendimentos

telefônicos. Após esse tempo a ligação é encerrada e o cliente informado via mensagem

eletrônica “nossos atendentes estão ocupados, seu telefone foi registrado e em breve

ligaremos para você”. Esse processo de retorno das ligações em fila é feito diariamente

fazendo com que todos que entrem em contato com a central de atendimento fiquem

satisfeitos ao receber o retorno de seu contato. Todo esse gerenciamento é realizado através de

um sistema de tecnologia que captam as informações pré definidas e as transformam em

ações.

Nas mídias digitais existentes, o relacionamento por meio destas vem crescendo

acirradamente e a instituição em estudo se organiza para que todas as interações aconteçam no

prazo médio entre um e dois dias no máximo.

Desafios do Contact Center

Nos últimos anos, gerenciar um Contact Center se tornou uma tarefa que requer

gerenciar pessoas, serviços e qualidade em um ambiente altamente competitivo e o

gerenciamento é dificultado ainda mais, quando se gerencia um Contact Center religioso.

Para auxiliar neste gerenciamento e torná-lo eficaz faz-se necessário a utilização de

sistemas gerenciais que auxiliem na captação de informações indispensáveis para melhorar o

atendimento prestado e dimensionar de forma eficiente as equipes.

Segundo Madruga (2006), o Brasil é uma referência mundial em número de

trabalhadores e qualidade de atendimento nos seus melhores call centers. Em contrapartida

cerca de 70% dos gestores dessa área não recebem das empresas todo investimento necessário

para sua formação, gerando lacunas de liderança, qualidade no atendimento e criando custos

desnecessários.

Podemos destacar neste ambiente, o risco de causar danos irreparáveis à imagem da

empresa através da interação de um profissional mal treinado com o cliente, seja por meio do

telefone ou mídias digitais. Somando-se a isso, a uma grande dificuldade de manter um nível

aceitável de profissionais capacitados e leais à empresa devido à grande rotatividade entre os

colaboradores.

Outro fator importante está relacionado a dificuldade de lidar com o comportamento

das chamadas que variam de acordo com a sazonalidade e diversidade do volume de

chamadas. Para acompanhar e manter o nível de atendimento. Muito se fala sobre a

importância de conhecer os clientes da empresa, suas características e necessidades, porém, é

fundamental traçar essa mesma estratégia internamente e buscar entender todas as

particularidades do centro de contato. O conhecimento real do Contact Center está atrelado

diretamente à eficiência e ao resultado do ambiente, refletindo não somente nos custos e em

sua eficiência, mas principalmente na satisfação do cliente.

Análise dos Resultados

A apresentação e a discussão dos resultados da pesquisa dividem-se em três quadros.

O primeiro traz os resultados do estudo a partir do cálculo da demanda X oferta de ligações

recebidos e atendidos. O segundo traz os resultados de e-mail recebidos e respondidos. O

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terceiro e último o quadro apresenta os resultados da pesquisa de satisfação, aplicada nos

clientes que fazem contato com a instituição, e que de forma simples e rápida podem avaliar o

atendimento recebido. Essa é uma pesquisa qualitativa, aplicada para contribuir com a

realização de novas estratégias dentro do campo de conhecimento no qual se situa.

O relacionamento eficiente com o cliente com base na confiança contribui para gerar

valor e satisfação no serviço. Hoje o gerenciamento das relações entre cliente e empresa

devem ter como base a confiança, o respeito e a colaboração.

Quadro 1. Fonte: Dados da Pesquisa

Ao analisar o quadro 1, nota-se que a demanda é maior que a oferta, mas que a

representatividade de atendimento está dentro do proposto, que para empresa em questão é

atender de imediato no mínimo 75% das ligações, já que para os 25% são retornadas após os

períodos de grande fluxo.

Quadro 2. Fonte: Dados da Pesquisa

O quadro 2, demonstra que a taxa de resposta dos e-mails recebidos mensalmente está

totalmente dentro do padrão aceitável para empresa, que é de responder até em 2 dias úteis.

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Quadro 3. Fonte: Dados da Pesquisa

Um dos quadros mais importantes é o quadro acima, que demostra dados qualitativos.

A cada ligação recebido o cliente é convidado a responder 2 perguntas para avaliar o

atendimento prestado e tem a possibilidade de demonstrar se está satisfeito ou não,

escolhendo uma nota de 1 à 4, sendo 1 totalmente insatisfeito e 4 totalmente satisfeito. A

média apresentada está dentro do esperado e com esses dados são definidas ações caso algum

atendente receba uma nota insatisfatória.

Considerações finais

No trabalho realizado, procurou-se demonstrar a importância do Marketing de

Relacionamento dentro de um serviço prestado por uma instituição religiosa. Nos dias de

hoje o setor de serviços ocupa um papel fundamental na sociedade para fidelizar e captar

novos potenciais clientes, e se destaca quem possui um bom atendimento voltado aos valores,

pois satisfazer já não é mais um diferencial e sim uma exigência do mercado. É

imprescindível agregar diferenciais de valor na prestação de um serviço se atentando aos

desejos, necessidades e expectativas dos clientes.

A preocupação de manter um bom relacionamento deve fazer parte do espírito de toda

empresa, e as mesmas devem adotar estratégias para manter os clientes já existentes e

fidelizá-los, uma vez que manter custa bem menos que conquistar novos clientes.

Conhecer melhor o cliente e ter um diálogo personalizado com o mesmo favorece a

fidelização e permite determinar com maior precisão seus desejos e necessidades, atendendo-

os com excelência e visando resultados satisfatórios para empresa.

Não somente paras empresas, mas também de maneira muito particular as entidades

religiosas que não se preocuparem com as novas tendências de mercado e aplicações do

Marketing de Relacionamento com eficácia, tornar-se-ão vulneráveis e decadentes. Conhecer

o cliente e satisfazer suas necessidades e desejos é fundamental para manter um bom

relacionamento em busca de confiança, fazendo com que sejam multiplicadores de potenciais

clientes. Aplicar estratégias de bom relacionamento torna–se essencial para que a empresa

venha obter a tão almejada fidelização e retenção dos clientes.

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Referências

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Editora LTC S/A, 2000.

KOTLER, Philip. 2010. Marketing 3.0. As forças que estão definindo o novo marketing

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MADRUGA, Roberto. Gestão Moderna de Call Center e Telemarketing. Editora atlas

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https://pt.wikipedia.org/wiki/Central_de_atendimento

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279 ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016

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