Ecologia e telecomunicações

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AS TELECOMUNICAÇÕES TAMBÉM PODEM CONTRIBUIR PARA UM MUNDO MAIS VERDE? A pegada ec lógica nas telecomunicações A área das telecomunicações tem sido uma das indústrias com maior crescimento na última década e uma das prioridades é comunicar de forma eficiente, mas, ao mesmo tempo, com uma preocupação ecológica. Por: Justino Lourenço* MOBILE Ecologia e Telecomunicação 46 eco

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As telecomunicAções tAmbém podem contribuir pArA um mundo mAis verde?

A pegada ec lógica nas telecomunicaçõesA área das telecomunicações tem sido uma das indústrias com maior crescimento na última década e uma das prioridades é comunicar de forma eficiente, mas, ao mesmo tempo, com uma preocupação ecológica.

por: Justino Lourenço*

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A indústria ICT (sigla inglesa para in-dústria da Informação e Tecnologia de Comunicação) tem apresentado

uma forte tendência de inovação e conse-quente crescimento sustentado e acelerado. Estima-se que cerca de 2 a 10% da energia consumida a nível global seja da respon-sabilidade deste sector. A proliferação de suportes tecnológicos de comunicação, em especial na rede 3.5G/4G, tem vindo a con-tribuir com uma parcela cada vez mais rele-vante neste consumo global. A necessidade de taxas de comunicação crescentes, aliadas a preocupações com a QoS (Qualidade de Serviço) tem conduzido a uma segmenta-ção crescente das redes móveis. Consegue-se, assim, uma optimização da cobertura, mas pagando o preço da proliferação de estruturas de suporte de antenas pelo glo-bo. Aparecem, desta forma, novos desafios ao nível da redução dos consumos energé-ticos destas estruturas que estão a surgir. Desafios na rede cablada A rede cablada a nível global tem vindo a sofrer uma das maiores revoluções na his-tória das telecomunicações. O fim do do-mínio do cobre como suporte essencial das comunicações cabladas trouxe mudanças fundamentais ao nível da qualidade dos serviços de telecomunicações, mas também ao nível do consumo da energia. A tendência actual é a criação de um es-queleto denso que leva fibra óptica a qual-quer ponto geográfico. Esta massificação das fibras ópticas como um canal de eleva-da capacidade, que permite a convergência de múltiplos canais de comunicação num único suporte, está a permitir a concentra-ção de informação num único suporte óp-tico. Além da elevada capacidade, a fibra óptica, que apresenta uma atenuação por quilómetro bastante inferior ao do cobre, permite a redução do número de repeti-dores (regeneradores) que são necessários ao longo de uma ligação. Esta redução do número de repetidores, associada a uma maior largura de banda, irá permitir al-gum decréscimo no balanço do consumo energético. Contudo, esta suposta redução da pegada de CO2 poderá ser contrariada pelo facto das redes de telecomunicações estarem igualmente a crescer, chegando a pontos onde no passado recente não exis-tiam necessidades de comunicação. Por último, o que poderá ainda ser feito? Optimização dos mecanismos de hiberna-ção (Power Save), desde o mais elaborado dispositivo de rede até ao mero receptor de TV digital, de forma a reduzir ao máximo o consumo dos dispositivos de comunica-ção quando estes não estão a ser utilizados. A diferenciação positiva dos dispositivos de comunicação também deverá ser efectuada recorrendo à sua classificação em termos de eficiência energética: um consumidor ou em-presa deverá tomar a decisão de compra base-

EstimA-sE quE EntrE 2 A 10% DA EnErgiA consumiDA A nívEL gLobAL provEnhA DAs tEcnoLogiAs DE comunicAção.

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ada nas performances anunciadas e também na poupança na factura de energia.

redes móveis A já referida proliferação das estruturas de suporte para comunicação móvel tem vindo a trazer novos desafios ao nível da gestão dos consumos de energia. A taxa de crescimento do tráfego de dados nas redes móveis está a atingir uma taxa de 108%, segundo os dados da CISCO Visu-al Networking Index, Global Mobile Data Traffic Forecast Update 2009-2014. Este crescimento acentuado é suportado pelo incremento na utilização de smartphones e acessos móveis dos mais variados dispositi-vos que recorrem a ligações 3G/3.5G. Será importante que na concepção do hardware o focus deixe de ser apenas o aumento das

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funcionalidades e taxas de comunicação, mas também a questão da eficiência ener-gética dos dispositivos. Este aumento das infra-estruturas de comunicação móvel e da utilização dos recursos gerados com es-ta taxa anual de crescimento representa um forte contributo no aumento das emissões de CO2. A literatura científica neste campo já mostra que existe esta preocupação na área do I&D, que certamente se irá reflectir no curto prazo na concepção dos sistemas de telecomunicações móveis do futuro. A proliferação de estações base (BS) que irão garantir uma eficiente cobertura para as futuras redes 4G é, obviamente, um da-do preocupante. A crescente segmentação das redes móveis em células de menor di-mensão traz a vantagem de ser necessário menos potência envolvida na comunicação pelos dispositivos móveis. Recentemente foram tornados públicos alguns estudos médicos que apontam riscos para a saúde humana resultantes da utilização de tele-móveis. Esta redução da potência envolvida irá certamente resultar numa redução desse risco. Contudo, o facto de existirem mais estações base implicará um incremento no consumo global de energia, a não ser que seja repensada a sua concepção. O aumento de estações base irá igualmente aumentar o tráfego comutado entre as várias esta-ções, pois um utilizador em mobilidade com alguma rapidez terá necessidade de sucessivos “handovers”. Tendo a mobili-

dade um comportamento estatístico, é de alguma complexidade estimar os recursos e controlar este fluxo que irá aumentar. Actualmente, uma estação base que esteja operacional, mesmo que não esteja a gerir tráfego, apresenta uma margem de consu-mo ainda considerável: necessita de garan-tir emissões regulares em potência para se anunciar aos potenciais visitantes móveis e o suporte de refrigeração estará igual-mente activo, representando um consumo energético não desprezável. Uma possível abordagem, em situações de baixa utiliza-ção da rede numa zona, poderá passar por uma desactivação temporária de algumas dessas estações (Sleep Mode). Esta abor-dagem é possível pois as restantes estações activas na zona poderão garantir o déficit de cobertura que resulta do referido Sleep Mode. Esta estratégia poderá igualmente passar por uma solução de “wireless relay” e uma afinada estratégia de cooperação inter-BS. O recurso a sistemas avançados de antenas adaptativas permite a concentração do fei-xe de potência numa zona específica, onde realmente existem carências de canais de comunicação. Recorrendo a estruturas de antenas adaptativas é possível controlar o

redireccionamento do sinal em função do comportamento estatístico na mobilidade dos utilizadores. Ao contrário da aborda-gem tradicional, onde cada sistema de an-tenas garante uma cobertura homogénea de uma zona, esta abordagem permite a adaptação do perfil de radiação em função das constantes mudanças na concentração geográfica dos utilizadores. Supostamente serão conseguidos ganhos importantes ao garantir que as antenas se vão adaptando aos cenários de comunicação. Na literatura da área também aparece uma referência crescente para uma nova solução – Green Cellular Architecture. De uma forma resumida, esta solução distingue o tráfego de uplink do de downlink, utili-zando "Green Antennas" nas proximidades do dispositivo móvel, conseguindo-se que este utilize menos potência na comunica-ção, aumentando a sua autonomia e, mais uma vez, o risco de saúde inerente à sua utilização. Esta estrutura de "Green An-tennas" poderá ser conectada recorrendo a estruturas cabladas (como fibra óptica) ou a feixes altamente direccionais. Ao reduzir a potência envolvida na comunicação redu-zimos ainda o risco de interferência e assim conseguimos optimizar a rede.

o crEscimEnto Do tráfEgo DE DADos AcEntuADo é suportADo pELo incrEmEnto nA utiLizAção DE smArtphonEs E pELo AcEsso às rEDEs 3g/3.5g.

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A solução das femtocells que garante co-berturas “indoor” específicas é igualmente vantajosa pelas mesmas razões que foram anteriormente apresentadas. O recurso à utilização de sistemas de ali-mentação apoiados em energias renováveis, como a solar ou a eólica, que já são uma realidade em Portugal e mesmo a nível global, permite igualmente decréscimos importantes na pegada ecológica das re-des de telecomunicações. A utilização si-multânea das duas soluções permite uma redundância importante para garantir um fornecimento de energia eléctrica ao longo do dia, fortemente suportado pelo recurso a energias renováveis. Esta abordagem trará imensas vantagens para os operadores: ausência de exposição a custos variáveis da energia eléctrica e re-duzida manutenção. Por último, uma nova abordagem na con-cepção dos terminais móveis é igualmente importante: é necessário procurar aumen-tar a performance tendo igualmente em conta o factor autonomia do dispositivo; a implementação de sistemas de hiberna-ção mais sofisticados, que sejam activados sempre que o dispositivo não utiliza qual-quer um dos seus recursos; ou a procura de sistemas de display ainda mais económicos com controlo automático de iluminação em função da luz ambiente. Algumas destas soluções, contudo, já são implementadas por alguns fabricantes. conclusões A questão da pegada ecológica passou a fazer parte da agenda do nosso dia-a-dia. A criação de grupos de discussão e projec-tos tais como o "Mobile Virtual Centre of Excellence" (VCE) em 2009, que manifes-taram preocupação com a eficiência ener-gética das futuras redes móveis, são um

contributo relevante nesta área.É necessário repensar estratégias de pro-dução e planeamento tradicionais das re-des de telecomunicações e transpôr o focus para a questão ambiental. Esta estratégia deve ser concertada, incentivada e com uma adequada legislação de suporte. Só assim poderemos aspirar que os próximos 10 anos sejam uma década onde a qualida-de de vida a nível global melhore com um planeta mais verde.

*professor e investigador do instituto superior

politécnico gaya. consultor na área das

telecomunicações.

contacto: [email protected]

o rEcurso à utiLizAção DE EnErgiAs rEnovávEis,

quE Já são umA rEALiDADE Em portugAL, pErmitirá

DEcréscimos importAntEs nA pEgADA EcoLógicA .

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