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2008 Economia Brasileira Contemporânea Walter Franco Lopes da Silva

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Economia Brasileira ContemporâneaWalter Franco Lopes da Silva

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S586 Silva, Walter Franco Lopes da. / Economia Brasileira Con-temporânea. / Walter Franco Lopes da Silva. 1. ed —

Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2008. 92 p.

ISBN: 978-85-7638-813-5

1. Desenvolvimento. 2. Inflação. 3. Crescimento econômico. 4. Políticas públicas. 5. Industrialização. I. Título.

CDD 330.981

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Walter Franco Lopes da SilvaMestre em Ciências Sociais pela University of London, Institute for Latin American Studies. Pós-Graduado em Economia de Empresas, e Graduado em Administração de Empresas, pela Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP). Consul-tor de Investimentos e Novos Negócios. Profes-sor de Economia e Administração nos cursos de Bacharelado, Pós-Graduação e Graduação Tec-nológica da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID).

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ário As transformações da economia brasileira no século 20 11

11 | Breve histórico e a questão do desenvolvimento econômico no Brasil

14 | O período entre a Primeira Guerra Mundial e a Crise de 1929

15 | As bases do processo de substituição das importações

A crise dos anos 30 e o processo de industrialização 25

25 | A crise dos anos 1930 como motor do processo de industrialização

25 | As duas teses que explicam o início do processo de industrialização do Brasil

29 | Outras razões para justificar o processo de substituição das importações

30 | Dinâmica, desequilíbrios e crises do modelo

31 | Crítica à política de substituição de importações

31 | O governo de Getulio Vargas: consolidação das políticas industriais e conseqüências

Do Estado Novo à crise do endividamento 39

39 | A consolidação das estratégias dos governos Vargas até o período de 1951-1954

44 | O governo de JK: as políticas de modernização e o plano de metas

As décadas de 1960 a 1980: dívida externa, recessão, inflação e crise do setor público

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53 | O agravamento da inflação

56 | Desestabilização econômica, desemprego e crises

58 | Planos econômicos: conseqüências e problemas

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Da abertura econômica de Collor ao Plano Real 69

69 | Governo Collor e a abertura econômica

73 | Governo FHC, Plano Real e reformas estruturais

76 | Governo Lula e a consolidação da estabilidade econômica

78 | Panorama do desempenho econômico de 2007 e perspectivas

Gabarito 85

Referências 89

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Apresentação Econom

ia Brasileira

Contem

porâneaEste livro tem por objetivo estudar a Economia Brasileira Contempo-rânea, de forma a propiciar ao aluno uma visão ampla e crítica dos principais temas políticos, econômicos e sociais que afetam o Brasil nos dias de hoje. Esse estudo se dará a partir de uma visão histórica das políticas públicas e de desenvolvimento implantadas pelos di-versos governos nas últimas décadas, e do entendimento de temas importantes como inflação, estabilização, emprego e desigualdade social, presentes no dia-a-dia dos brasileiros. Estudaremos também os principais desafios que se apresentam hoje ao país, no que se refere a seu crescimento econômico e à sua viabilidade de sustenta-ção a longo prazo. Por fim, trataremos do importante papel que vem sendo desempenhado pelo Brasil no âmbito internacional e seu cres-cente papel como economia emergente nos mercados globalizados.Na primeira aula, o foco será uma breve análise histórica e o estudo das principais transformações por que a economia brasileira passou, no período compreendido entre o final do século XIX até a Crise de 1929. Esse estudo de como a economia brasileira se encontrava or-ganizada permitirá compreender as razões das estratégias adotadas no país com a tomada do poder por Getulio Vargas, a partir dos anos 1930. Em seguida, estudaremos a importância – fazendo uma análise histórica e crítica – das bases do processo de substituição das im-portações, iniciado no Brasil na primeira metade do século XX. Esse processo trouxe enormes desafios para o país e possibilitou uma mu-dança significativa na estrutura da sociedade brasileira, com reflexos até os dias de hoje.Na segunda aula, estudaremos os impactos da Crise dos anos 1930 na economia brasileira, e de que forma o governo Vargas deu início ao processo de substituição de importações. Estudaremos também o papel dos governos e da iniciativa privada no processo de indus-trialização no Brasil, que abandona seu perfil basicamente rural e agroexportador para se transformar em um país urbano, exportador também de produtos industrializados e detentor de um parque in-dustrial em grande transformação.

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Na terceira aula, trataremos primeiramente da consolidação de Ge-tulio Vargas no poder – no período conhecido como Estado Novo, de 1937 a 1945 –, a importante fase do período pós-guerra, a transição para o governo Dutra e o Nacionalismo Econômico de Vargas, a partir de 1951. Em seguida, estudaremos as principais características e feitos das políticas de modernização do governo de Juscelino Kubitschek, cujos impactos podem ser ainda sentidos na sociedade brasileira. Fa-remos uma análise de como os diversos planos de desenvolvimento permitiram o crescimento significativo da inflação no Brasil, bem como o agravamento de crises econômicas nos governos subseqüentes.Na quarta aula, estudaremos o agravamento da inflação no Brasil, ocorrido nos anos 1960. Veremos também a fase compreendi-da entre o chamado “Milagre Econômico” da década de 1970 e a “Década Perdida”, de 1980: dívida externa, recessão, inflação e crise do setor público. Nesse capítulo, trataremos das diversas tentativas por parte dos governos em controlar a inflação por meio de planos econômicos, assim como a difícil missão de viabilizar o crescimento e o desenvolvimento econômico nacional no período.Por fim, na quinta aula estudaremos as importantes transformações ocorridas no Brasil na década de 1990, após um longo período de profundas mudanças econômicas, políticas e sociais que possibilita-ram a contenção da inflação e permitiram a continuidade das atuais políticas de crescimento e de desenvolvimento nacionais. Nesse estudo, enfocaremos a importância da abertura comercial do Brasil para o mundo durante o governo Fernando Collor e a busca pela es-tabilidade econômica durante os governos Itamar Franco e Fernan-do Henrique Cardoso. Concluiremos nosso estudo sobre Economia Brasileira Contemporânea tratando da consolidação do controle da inflação e do desafio do crescimento econômico durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, bem como a estratégia de inserção do Brasil no mundo globalizado, as ações voltadas à redução das desigualda-des sociais e à busca pelo desenvolvimento sustentado.Boa leitura e bom estudo!

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ia Brasileira

Contem

porânea

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A crise dos anos 30 e o processo de industrialização

A crise dos anos 1930 como motor do processo de industrialização

Nesta aula, estudaremos de que forma a crise internacional desencadeada a partir da quebra da Bolsa de Nova York em 1929 levou a economia norte-americana à recessão e impactou a economia brasileira a partir de 1930.

Nos anos 1930, o mercado internacional não tinha interesse, nem capa-cidade, de absorver grande parte das tradicionais exportações do agrone-gócio brasileiro. Composta basicamente pelo café, nossa principal pauta de exportação era uma commodity de luxo e facilmente substituível nas eco-nomias em recessão, como era o caso da norte-americana. E foi nesse cená-rio pouco propício ao comércio internacional do Brasil que Getulio Vargas iniciou o processo de substituição das importações, passando a enxergar o crescimento do mercado local como o principal foco da política econômica governamental.

Foi a partir dessa época que o Brasil se viu forçado a abandonar sua tra-dicional vocação como grande exportador da monocultura cafeeira e iniciar uma transformação rumo à diversificação de sua matriz exportadora e ao de-senvolvimento de um novo modelo industrial. Esse novo modelo acarretou profundas mudanças na sociedade brasileira, transformando-a de maneira definitiva nas cinco décadas subseqüentes.

As duas teses que explicam o início do processo de industrialização do Brasil

Podemos procurar entender o processo de substituição de importações das economias latino-americanas de duas formas distintas. A primeira delas é a da industrialização induzida pelas exportações, e a segunda, a teoria dos choques adversos.

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Economia Brasileira Contemporânea

No caso da industrialização induzida pelas exportações1, a industrializa-ção das economias tradicionalmente agroexportadoras seria resultado da transferência de capital acumulado nesses processos de exportação para a produção de bens com maior valor agregado. Na visão de Bulmer-Thomas (1994), as riquezas decorrentes das exportações de bens primários eram gradativamente transferidas para outros setores da economia local, possi-bilitando o financiamento da industrialização. No século XIX, presenciamos esse fenômeno de transformação em larga escala nos Estados Unidos, e em menor proporção na Argentina2.

Ao ganhar dimensão, esse processo de industrialização pode ainda levar com o tempo à gradativa substituição de produtos manufaturados impor-tados pela produção local. Paralelamente ao atendimento das demandas internas por produtos industrializados, a indústria local propiciaria aumen-to significativo do valor agregado de produtos exportados, gerando, ainda, mais riqueza e desenvolvimento econômico. O Brasil presenciou um proces-so semelhante de industrialização da sua economia durante as últimas dé-cadas do Império, apesar de restrito a alguns poucos setores e em pequena escala.

Esse processo inicial de substituição de importações surgiu como conse-qüência natural da riqueza gerada pelo então dinâmico setor agroexportador brasileiro e como decorrência do surgimento das classes trabalhadoras assa-lariadas e da classe média urbana nos grandes centros. Esses grupos sociais passaram a demandar produtos em maior quantidade, e substitutos aos já tradicionais produtos importados, incentivando com isso o investimento em produção por parte de alguns capitalistas.

Com foco inicialmente nas indústrias alimentícia, têxtil e de vestuá-rio, esses industriais brasileiros viram-se, portanto, diante de um enorme mercado consumidor inexplorado e pronto para absorver praticamente tudo o que era ofertado a um preço e quantidades razoáveis. No entanto, por outro lado, apesar do mercado dinâmico e espontâneo – sem contar com qualquer tipo de incentivo, política ou planejamento central –, eles encontravam diversos obstáculos ao seu desenvolvimento, apesar de ge-rarem renda, empregos e impostos para o governo. Obstáculos esses que os impedirão de se desenvolver significativamente – e em maior veloci-dade – nas décadas seguintes, como poderia ser esperado.

1 A industrialização indu-zida pelas exportações, ou export-led growth, conforme descrito por Bulmer-Thomas (1994), é um modelo adota-do pelas diversas economias latino-americanas no final do século XIX e início do século XX, que realmente possibilita o nascimento de uma indus-trialização voltada, a princí-pio, ao mercado local.

2 Como exemplo de proces-so bem-sucedido de indus-trialização induzida pelas ex-portações na América Latina, poderíamos tomar como exemplo o caso da Argentina a partir da década de 1870. Nesse período, o eficiente processo de produção e ex-portação de carne daquele país passou a agregar valor por meio da industrialização local prévia à sua exportação. Com a venda de produtos com maior valor agregado, o que era antes exportado in natura ganhou status de “semi-industrializado” ou “in-dustrializado”. Os industriais argentinos não apenas ga-nharam enorme mercado consumidor local e interna-cional, mas também enorme lucratividade nesse processo de maior valor agregado.

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A crise dos anos 30 e o processo de industrialização

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A outra visão do processo de substituição de importações refere-se à teoria dos choques adversos3, que afirma que somente durante as crises externas (como foi o cenário dos anos 1930) é que economias tradicionalmente agroex-portadoras como a brasileira se voltam para o mercado interno, sob a liderança do setor industrial local. De acordo com essa teoria, esse retorno à economia local seria movido por três razões principais, explicadas a seguir.

A crise na balança de pagamentosCom a dificuldade de exportações, o governo age para desvalorizar a

moeda local a fim de baratear seus produtos exportáveis. Menor receita com exportações reduz a capacidade de endividamento dos governos centrais no exterior.

Esse movimento de desvalorização do câmbio causa o conseqüente enca-recimento dos produtos tradicionalmente importados pelos brasileiros, ge-rando mercado interno para produtos locais mais acessíveis. Veja no quadro abaixo o grau de desvalorização sofrido pela moeda brasileira (mil-réis) entre 1913 e 1928, na véspera da Crise de 1929.

Taxa de câmbio Moeda Ano 1913 Ano 1918 Ano 1923 Ano 1928

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BULM

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Brasil mil-réis 3,09 4,00 10,00 8,30

Crise na arrecadação de impostosO governo opta por uma política de expansão de gastos e de corte de im-

postos, a fim de fomentar o desenvolvimento da economia doméstica. Com isso, a queda dos juros no mercado interno fomenta as vendas e incentiva a produção doméstica.

A crise força o aumento dos impostos dos produtos importados

Como cai o volume de produtos importados, o governo majora as tarifas de importação para compensar as perdas, incentivando ainda mais o consu-mo dos produtos fabricados internamente.

3 Expressão cunhada pelos economistas Celso Furtado e Raúl Prebisch, ambos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal).

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Economia Brasileira Contemporânea

No quadro abaixo, fica bastante claro o impacto da mudança da política adotada pelo governo no caso brasileiro, que resultou em significativa alte-ração do perfil das exportações do país. É notável, também, a queda da parti-cipação do comércio exterior do país (importações mais exportações) sobre o valor total do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil entre 1928 e 1938.

Comércio exterior

Exportações / PIB (Imp. + Exp.) PIB

(CEP

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1976

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1928 1938 1928 1938

Brasil 17,0% 21,2% 38,8% 33,3%

Entretanto, apesar de se mostrarem diferentes em seus princípios, tanto o processo de industrialização embrionário ocorrido no final do século XIX – explicado pela teoria da industrialização induzida pelas exportações – quanto a política econômica descrita na teoria dos choques adversos expli-cam o processo de substituição de importações do Brasil a partir de 1930.

Somado a isso, apesar das crises no modelo agroexportador já virem de algumas décadas, a gota d’água foi exatamente a crise norte-americana da década de 1930. A fim de justificar a teoria dos choques adversos como a grande responsável pelas transformações ocorridas nos países latino-ameri-canos, Raúl Prebisch (1964, p. 86) escreveu:

A grande depressão mundial marca definitivamente o fim desta forma de desenvolvimento. [...] Ante a impossibilidade de manter o ritmo anterior de crescimento das exportações tradicionais, ou de o acelerar, impõe-se então a substituição de importações – principalmente das indústrias. Para contrabalançar estas disparidades, inicia-se assim o desenvolvimento para dentro dos países latino-americanos.

Concluindo nossa análise, podemos então somar todos os componentes que contribuíram definitivamente para o crescimento da produção local em substituição às importações após a década de 1930. Em primeiro lugar a moeda local desvalorizada, em segundo as tarifas impostas pelo governo sobre os produtos importados, e finalmente os controles impostos pelo governo sobre as transações cambiais que restringiram significativamente as importações.

Estoques de bens de capital

Controlescambiais

Desvalorizaçãoda moeda

Tarifas deimportação

Substituiçãode importação

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A crise dos anos 30 e o processo de industrialização

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Somado a esses aspectos, os industriais brasileiros haviam aproveitado o bom cenário da década de 1920 para importarem bens de capital, como máquinas e equipamentos da Europa. Esses fatores, em conjunto, possibili-taram às empresas locais expandirem a produção tanto de bens de consumo tradicionais (alimentos e bebidas), dos setores tradicionalmente supridos por produtos importados, (como era o caso da indústria de chapéus, de sa-patos, têxteis e de confecção), quanto de alguns bens intermediários (aço e cimento) e duráveis (eletrodomésticos).

Outras razões para justificar o processo de substituição das importações

Diferentes em cada período de tempo, e refletindo as políticas de cada governante no Brasil nessas cinco décadas, o processo de substituição de importações durante o governo Vargas ganhou uma vertente muito pecu-liar e típica. Durante os anos de seu governo, a substituição de importações veio combinada com propagandas de cunho nacionalista e de valorização da produção local. Essa forma de fazer uso político e nacionalista da pro-dução de bens locais tornou-se preponderante no Brasil, mesmo após a Era Vargas, propiciando como resultado enormes ganhos políticos e eleitorais aos governantes.

Outro aspecto de viés eleitoral e populista foi a instituição de políticas voltadas à substituição de importações como resposta a questões estratégi-cas e de segurança nacional. Os diversos governos brasileiros enxergavam, e com razão, a questão da produção de bens localmente como necessária para o desenvolvimento do parque industrial local, para o desenvolvimento econômico do país e para a manutenção da segurança do fornecimento de determinados bens, antes supridos unicamente por produtos importados.

Nesse sentido, são importantes as iniciativas de criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Petrobras nas décadas seguintes (1940 e 1950), como típicos exemplos de ações governamentais voltadas à produ-ção de aço e petróleo localmente, bem como a valorização dessas ações con-sideradas essencialmente nacionais. Esse viés político foi bastante explorado pelo programa de governo nos anos Vargas, e também muitas vezes copiado nos governos posteriores.

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Economia Brasileira Contemporânea

Dinâmica, desequilíbrios e crises do modelo

DinâmicaO processo de substituição de importações normalmente se inicia com a

produção de gêneros de primeira necessidade, e cuja demanda reprimida é suficientemente grande para atrair a atenção dos setores industriais. Outro fator importante é a exigência de investimento de capital; assim, certamen-te que o industrial optará por produzir itens que exijam investimentos mais acessíveis em um primeiro momento, mas isso não é regra.

DesequilíbriosA partir dos anos 1930, a indústria realmente encontrou uma oportuni-

dade para se consolidar no Brasil, mas trabalhou por muitas décadas ainda com os problemas decorrentes da baixa produtividade, de racionamentos energéticos, da falta de pessoal capacitado, do acesso restrito ao crédito e da utilização de maquinário defasado. Esse processo, aliás, estendeu-se pelos anos seguintes até a década de 1970, com a conclusão dos investimentos do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), durante o governo Geisel.4

Crises do modeloÉ importante lembrar que todo tipo de importação exige divisas, o que

compromete as reservas externas dos países importadores e que, no caso específico do Brasil, não eram compensadas pelas divisas geradas principal-mente pelas exportações de bens primários. Nos anos 1950, as multinacionais (principalmente dos Estados Unidos e de alguns países europeus) auxiliarão o Brasil a implementar mais efetivamente essa política de substituição de im-portações, viabilizando a produção em território nacional de diversos bens de alto valor agregado, antes importados de suas matrizes no exterior. Esse é o caso, por exemplo, da indústria automotiva a partir do governo de Jusce-lino Kubitschek, que atenderá a uma enorme demanda reprimida no Brasil por automóveis e um antigo anseio político de desenvolver localmente um parque fabril automobilístico.

4 Classificação do período completo do processo de substituição de importações de acordo com Pedro C. D. Fonseca (2003, p. 249).

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A crise dos anos 30 e o processo de industrialização

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Crítica à política de substituição de importaçõesÉ importante destacar também que, como o Brasil não detém as tecno-

logias utilizadas em larga escala para o desenvolvimento de sua indústria local, o país depende quase sempre da importação dessas tecnologias a fim de possibilitar sua produção de bens. Essa dependência tecnológica pode gerar, por outro lado, dificuldades e desequilíbrios, inviabilizando muitas vezes a produção local de todo tipo de bens. A solução, portanto, deve passar necessariamente pelo desenvolvimento tecnológico próprio brasilei-ro, possibilitando assim a substituição de importações com maior grau de sustentabilidade.

Ao produzir localmente todos os produtos, e ao fazer uso de tecnologia importada dos países industrializados, o Brasil criou uma indústria de substi-tuição de importações sem o importante componente tecnológico. Acabou por produzir bens com o mercado (demanda) local, mas sem mercado no ex-terior. Isso acabou por criar uma indústria muito focalizada no atendimento do mercado interno, e pouco capaz de produzir bens aceitos nos mercados externos.

Por muitos anos o Brasil vem adotando políticas nesse sentido, focando suas exportações de bens primários e importando tecnologia para o atendi-mento da demanda por produção de bens localmente, o que gera desequilí-brio a longo prazo nas contas externas.

O governo de Getulio Vargas: consolidação das políticas industriais e conseqüências

A fim de concluirmos o nosso estudo a respeito desse complexo processo de substituição de importações, vamos tratar brevemente dos aspectos polí-ticos e sociais que marcaram os anos dos governos Getulio Vargas.

Como chefe do Governo Provisório (1930-1934), Vargas percebeu que o Brasil já se encontrava mergulhado em uma profunda crise econômica. E como já descrevemos anteriormente, a economia do país estava quase que totalmente dependente das exportações de bens primários e das exporta-ções de café. Dados disponíveis sobre os números econômicos da época

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Economia Brasileira Contemporânea

mostram que o total das exportações brasileiras no período de 1931 a 1932 havia perdido dois terços de seu valor, além de metade de seu volume, isso quando comparado com 1928 (ABREU, 1989, p. 74).

As políticas do governo tiveram que ser, portanto, alinhadas com o mo-delo de ação defendido pela teoria dos choques adversos, com foco na des-valorização da moeda local, no controle de divisas, na moratória das dívidas externas e nos controles mais efetivos das transações comerciais externas. Paralelamente a isso, havia a problemática dos estoques gigantescos de café que passariam a ser controlados pelo recém-criado Departamento Nacional do Café, sob forte controle do Estado.

Dentre as principais políticas adotadas pelo governo federal nessa pri-meira fase de Getulio Vargas, e que marcariam a economia nacional ainda por muitas décadas, podemos destacar:

a reforma tributária de 1934, voltada ao fortalecimento dos cofres do governo;

a proibição da importação de algumas máquinas e equipamentos, vi-sando proteger empresários já instalados localmente;

a criação e a distribuição de linhas de crédito ao empresariado;

o aparelhamento do Estado e a criação de diversos órgãos e autarquias, aumentando a presença e o controle estatal na economia nacional;

o desenho de uma nova legislação trabalhista, visando garantir direi-tos e deveres de patrões e empregados, com o aumento dos movi-mentos migratórios do campo para as cidades em busca de emprego na indústria, no comércio e nos serviços.

O governo Vargas entrou na fase final de seu período transitório em 1934 elaborando uma nova Constituição. Essa Carta Magna atendia às reivindica-ções de oligarquias paulistas e, ao mesmo tempo, consagrava o intervencio-nismo estatal na sociedade e na economia brasileiras como nunca se havia presenciado no país. Nesse momento, o Estado passou a ser o motor das políticas públicas e industriais do Brasil, consolidando a visão centralizadora e transformadora da Era Vargas.

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A crise dos anos 30 e o processo de industrialização

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Ampliando seus conhecimentos

Diretrizes do Estado Novo (1937-1945) – estado e economia

(FGV/CPDOC, 2008)

Missão Aranha

Nos últimos anos da década de 1930, uma das principais preocupações dos Estados Unidos no campo das relações internacionais era o crescimento das relações comerciais entre Brasil e Alemanha, cuja base residia nos acordos de comércio compensado estabelecidos entre os dois países. Por outro lado, o governo norte-americano, pressionado internamente, era forçado a reivindi-car do governo brasileiro o pagamento dos juros da dívida externa e dos atra-sados comerciais, que havia sido suspenso em 1937 devido às dificuldades que o Brasil enfrentava em seu balanço de pagamentos. Isso acrescentava à preocupação de Washington com seus interesses comerciais prejudicados um outro temor, dessa vez de cunho político: o de que a instabilidade econômico-financeira do Brasil pudesse favorecer uma maior aproximação não só econô-mica, mas militar e político-ideológica com a Alemanha.

Convencido de que a guerra era inevitável, e além disso se alastraria para fora da Europa, o governo norte-americano elaborou um plano para assegu-rar o apoio político e ideológico dos governos latino-americanos. Foi nesse contexto que os Estados Unidos empreenderam uma forte campanha de pe-netração cultural na América Latina, e que, ainda no início de 1939, atendendo a convite pessoal do presidente Roosevelt, foi enviada a Washington a Missão Aranha. Chefiada pelo ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, e contando ainda com a participação do diretor do DASP, Luís Simões Lopes, do diretor do Banco do Brasil, Marcos de Sousa Dantas, e dos diplomatas Carlos Muniz e Sérgio de Lima e Silva, a missão manteve diversas conversações com autoridades norte-americanas entre os meses de janeiro e março.

Como resultado, Brasil e Estados Unidos assinaram uma série de cinco acor-dos que estabeleciam a concessão de um crédito de US$50 milhões para auxi-

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Economia Brasileira Contemporânea

liar a criação de um Banco Central brasileiro; a concessão de um empréstimo de US$19,2 milhões do Eximbank para a liquidação de atrasados comerciais e a reativação do intercâmbio comercial entre os dois países; o compromisso desse mesmo banco de financiar vendas norte-americanas para o Brasil com prazos de pagamento e juros favorecidos, e a promessa do governo Roose-velt de facilitar a formação de companhias de desenvolvimento, com capitais americanos e brasileiros, destinadas à industrialização de matérias-primas brasileiras. Em contrapartida, o governo brasileiro assumiu o compromisso de liberar o mercado de câmbio para as transações comerciais, facilitar a trans-ferência de lucros de capitais norte-americanos aplicados no Brasil e retomar o pagamento da dívida externa. A Missão Aranha acertou também a troca de visitas dos chefes de Estado-Maior dos Exércitos americano e brasileiro, respectivamente o general Marshall e o general Góes Monteiro, iniciativa de significado mais político do que militar, visando ao início de uma colaboração que barrasse o aumento da influência militar alemã.

Os resultados econômicos da Missão Aranha não encontraram boa recep-tividade em alguns setores do governo brasileiro, o que tornou problemáti-ca a implementação dos acordos assinados. Embora alguns compromissos tenham sido honrados – como a liberação do mercado de câmbio e a retoma-da do pagamento da dívida –, não houve uma mudança radical no perfil das relações econômicas entre Brasil e Estados Unidos, que só seria alterado dras-ticamente com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, pode-se afirmar que os acordos resultantes da Missão Aranha foram um marco inicial no movimento de aproximação política entre Brasil e Estados Unidos, que iria se aprofundar nos anos seguintes.

Criação da Companhia Siderúrgica Nacional

(FGV/CPDOC, 2008)

Já por ocasião da Revolução de 1930, a criação de uma grande indústria side-rúrgica nacional havia sido fixada como um dos objetivos do governo, visando a atender às necessidades não só do desenvolvimento econômico, mas da pró-pria soberania nacional. Foi exatamente a preocupação com a defesa nacional que fez com que, a partir de meados da década, os militares passassem a de-sempenhar um papel chave na luta em prol da indústria siderúrgica brasileira.

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A crise dos anos 30 e o processo de industrialização

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Em junho de 1939, durante visita aos Estados Unidos do chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro, general Góes Monteiro, o governo norte-ame-ricano manifestou sua disposição de cooperar no reequipamento econômi-co e militar brasileiro em troca de nossa colaboração nos planos de defesa continental traçados por Washington. Na ocasião foi enviado ao Brasil um grupo de técnicos da United States Steel e, como resultado das conclusões favoráveis de seus estudos, foi instalada a Comissão Preparatória do Plano Si-derúrgico. Contudo, em janeiro de 1940 o governo brasileiro foi informado da decisão daquela empresa de que não iria mais participar da construção da usina no Brasil. Embora os motivos dessa desistência nunca tenham ficado claros, é possível que estivessem ligados aos estudos que se faziam na época em torno da criação de um novo Código de Minas que proibiria a participação estrangeira na atividade metalúrgica. Em vista da decisão da empresa norte-americana, o governo brasileiro decidiu levar adiante o empreendimento por meio da constituição de uma empresa nacional, com a ajuda de empréstimos estrangeiros. Ainda em 1940 foi criada a Comissão Executiva do Plano Siderúr-gico Nacional, que estabeleceu metas de produção e financiamento e decidiu pela localização da usina em Volta Redonda (RJ).

A embaixada brasileira em Washington foi então autorizada a solicitar ao Eximbank um crédito de US$17 milhões para a aquisição de maquinaria. O go-verno norte-americano, entretanto, retardava qualquer definição e chegou a favorecer o reatamento das negociações entre o Brasil e a United States Steel, solução que, àquela altura, não era mais desejada pelo governo brasileiro.

O lance decisivo viria, por fim, com o discurso pronunciado por Vargas a bordo do encouraçado Minas Gerais em 11 de junho de 1940. Contendo alu-sões simpáticas ao Eixo, o discurso pode ser interpretado como manobra para forçar os Estados Unidos a uma definição favorável à implantação da siderur-gia no Brasil. Logo a seguir, uma comissão integrada por Edmundo de Macedo Soares, Guilherme Guinle e Ari Torres foi aos Estados Unidos para negociar o financiamento junto ao Eximbank e obteve um empréstimo de US$20 mi-lhões. Paralelamente aos trabalhos da comissão, prosseguiam as negociações entre os governos norte-americano e brasileiro quanto às bases e ao alcance da cooperação econômica e militar entre os dois países, que só se completa-riam em 1942. Isso não impediu que já em 7 de abril de 1941 fosse criada a Companhia Siderúrgica Nacional, sociedade anônima de economia mista cujo primeiro presidente, nomeado também naquela data, foi Guilherme Guinle.

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Economia Brasileira Contemporânea

Atividades de aplicação1. O texto afirma que “o mercado internacional não tinha interesse, nem

capacidade, de absorver grande parte das tradicionais exportações do agronegócio brasileiro.” Assinale a alternativa correta.

a) O texto se refere ao café produzido em larga escala no Brasil, que era líder mundial na produção e comercialização dessa commodity.

b) O texto se refere à produção de grãos como soja e milho, fortes itens de exportação do Brasil nos anos 1930.

c) O texto se refere ao café produzido em pequena escala no Brasil, que era vice-líder mundial na produção e comercialização dessa commodity.

d) O texto se refere à produção de ouro e pedras preciosas, fortes itens de exportação do Brasil nos anos 1930.

2. A inexistência, no Brasil, de uma política governamental de longo pra-zo nos anos 1920 abriu espaço para o governo Vargas implementar suas políticas públicas após a revolução de 1930. Essa afirmativa é ver-dadeira, pois:

a) reflete uma vontade das oligarquias paulistas em enfraquecerem o governo federal.

b) reflete um interesse centralizador de Vargas, que aproveitou esse vácuo político para se consolidar no poder por várias décadas.

c) reflete uma característica pouco comum no Brasil, pois sempre houve políticas governamentais de longo prazo no país, especial-mente industriais.

d) reflete anos de colonização de políticas de desenvolvimento ade-quadas para o desenvolvimento econômico no Brasil.

3. O texto menciona: “Como cai o volume de produtos importados, o governo majora as tarifas de importação para compensar as perdas, incentivando ainda mais o consumo dos produtos fabricados interna-mente.” Essa política está:

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a) correta, pois quanto maiores as tarifas de importação, maior o con-sumo de bens importados.

b) errada, pois o aumento de tarifas de produtos importados não gera receitas aos governos.

c) errada, pois o governo nunca deve aumentar as tarifas de impor-tação.

d) correta, pois o governo precisa ver aumentada sua arrecadação fis-cal, uma vez que os gastos correntes continuam a crescer.