Economia e Sociedade Escravista em Minas Gerais e São Paulo em 1830

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    ECONOMIA E SOCIEDADE ESCRAVISTA EM MINAS GERAIS E SO PAULO EM 1830

    Francisco Vidal LunaUniversidade de So Paulo

    &

    Herbert S. KleinColumbia University

    Verso de 31 de outubro de 2003Apresentada ANPEC

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    Nos ltimos trinta anos emergiu no Brasil uma nova compreenso da sociedade escravista organiz

    nos perodos colonial e imperial, especialmente no aspecto do modo como a mo-de-obra cativa foi usad

    Esses novos estudos sobre a posse e o trabalho escravo questionaram a viso tradicional da escravido

    brasileira exposta por Gilberto Freyre, que em sua obra sobre os engenhos do nordeste props o modelo d

    grande lavoura escravista. Essa viso dominante comeou a ser contestada na dcada de 1980 com estudo

    mostrando que os pequenos proprietrios de escravos predominaram na economia extrativa colonial de M

    Gerais nos perodos colonial e imperial 1 . Como se poderia justificar a predominncia do modelo da gran

    lavoura quando a maioria dos proprietrios de escravos em Minas possua menos de 5 cativos e controlav

    uma grande parcela da fora de trabalho? Na minerao de ouro de aluvio em Minas Gerais no sculo X

    quem predominou foram esses pequenos proprietrios, e no o imaginado minerador senhor de centenas

    escravos. Esses resultados surpreendentes da predominncia dos pequenos proprietrios de cativos

    encontrados para Minas logo se repetiram em estudos subseqentes sobre a agricultura em vrias regies

    pas. De fato, at fins da dcada de 1820, quando o caf finalmente se consolidou no Vale do Paraba, o

    agricultor proprietrio de pequeno ou mdio plantel de cativos foi o produtor predominante tambm na

    rural de So Paulo 2.

    Mesmo na regio aucareira do nordeste o verdadeiro padro da posse de escravos diferiu

    substancialmente da viso tradicional; de fato, o plantel mdio dos engenhos continha 65 escravos, e pou

    engenhos possuam mais de cem cativos

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    . Essas descobertas parecem bvias, considerando o estadorudimentar da agricultura no Brasil colonial. Os estudos anteriores confundiram a vastido das proprieda

    fundirias na poca com empreendimentos agrcolas supostamente grandes. A posse de terras, obtida na

    maioria dos casos graas a concesses de sesmarias, representava poder. A terra representava tambm um

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    reserva de valor, mas sua liquidez era pequena, e terras sem trabalhadores no produziam renda. Na ausn

    de um grande mercado de mo-de-obra livre, a gerao de renda requeria investimentos em escravos. Os

    trabalhadores cativos eram, com efeito, a riqueza lquida, mas representavam um investimento arriscado

    requeria manuteno. Dada a disparidade entre o tamanho das terras, o nmero reduzido de escravos

    possudos e a limitada disponibilidade de tecnologia, a maioria dos proprietrios de terras era capaz de

    explorar efetivamente apenas parcelas reduzidas de suas terras, em pequenas unidades produtoras. A gran

    propriedade fundiria com uma explorao econmica modesta seria a melhor definio para essa socied

    colonial.

    No s os plantis foram pequenos, mas tambm a prpria posse de escravos distribuiu-se mais

    amplamente pela sociedade do que antes se sups. A profunda dicotomia que existiria entre uma minoria

    senhores de engenhos, que concentravam seus cativos nas culturas de exportao, e a maioria de brancos

    pretos e pardos livres que no possuam escravos foi tambm questionada pelos novos estudos. Evidencio

    que a mo-de-obra escrava esteve presente em todas as reas da economia, quer orientadas para o mercad

    interno, quer para a exportao. Os estudos recentes indicam uma sociedade mais complexa, com um me

    interno ativo no qual gneros bsicos eram comercializados para suprir esse mercado, e tambm identific

    um amplo sistema de comrcio regional e ofcios artesanais. Em todas essas atividadesagricultura, com

    e artesanatoencontramos proprietrios e no-proprietrios de escravos, bem como trabalhadores livres

    cativos. Encontramos inclusive proprietrios trabalhando ao lado de seus escravos. Por toda parte havia

    cativos, at mesmo nos domiclios caracterizados como pobres. No havia regio ou atividade econmica

    escravos. Mas importante enfatizar que em todas as atividades, exceto na produo de acar, tambm

    trabalhadores livres sem escravos. Em geral, um tero dos domiclios possua cativos, e os escravos

    compunham um quarto da populao residente 4.

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    Os novos estudos tambm revelaram o papel da populao livre de cor na sociedade colonial e

    imperial. Demonstraram que os afro-brasileiros tornavam-se proprietrios de escravos e participavam da

    maioria das atividades econmicas bsicas, figurando com especial importncia nas ocupaes artesanais

    Embora a literatura tradicional ressaltasse a importncia das pessoas livres de cor, as novas pesquisas

    finalmente deixaram patente sua relevncia econmica. Elas foram encontradas em todas as regies e em

    todos os setores da economia, embora em geral fossem mais pobres que os brancos e tivessem nfima

    participao nos principais cargos do governo. Tambm foram encontrados indcios da ocorrncia de um

    amplo processo de alforrias, influenciadas por consideraes sentimentais, humanitrias e sexuais,

    privilegiando mulheres e crianas. Mas as causas econmicas tambm foram importantes. A compra da

    prpria liberdade por escravos foi significativa, especialmente entre os cativos que trabalhavam em ocup

    qualificadas e na minerao. Alguns desses forros chegaram a tornar-se proprietrios de escravos 5.

    As novas pesquisas tambm trouxeram luz o papel das mulheres como proprietrias de

    escravos. Ainda que os homens predominassem como chefes de domiclio e proprietrios de

    cativos, as mulheres foram um elemento importante em ambos os grupos. Alm disso, como

    proprietrias, elas possuram o mesmo nmero mdio de escravos que os homens. A maioria das

    mulheres, porm, assumiu a posio de chefe de domiclio ou proprietria de escravos ao

    enviuvar e tomar posse do patrimnio da famlia. Mas houve tambm muitas mulheres,

    especialmente entre as artess e as ocupadas no comrcio, que foram economicamente

    independentes graas a recursos prprios, os quais com freqncia incluam escravos. Nos

    domiclios chefiados por pessoas de cor encontramos proporcionalmente mais mulheres do que

    homens como proprietrias de cativos.

    A reproduo natural dos escravos tem constitudo, nos ltimos 25 anos, outro tema fundamental

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    estudo para pesquisadores brasileiros e estrangeiros. De um modo geral, a elevada proporo de homens

    adultos entre os cativos importados, aliada s condies precrias de sade e ao trabalho penoso, resultou

    uma taxa de crescimento negativa para a populao cativa residente no Brasil. Mas h indcios de taxas d

    crescimento natural positivas entre os escravos em algumas reas e determinadas pocas. Em Minas Gera

    por exemplo, com o declnio da minerao na segunda metade do sculo XVIII reduziu-se a importao d

    escravos e mudou o uso da mo-de-obra cativa na regio, criando-se assim condies especiais favorvei

    um crescimento natural positivo da populaes escrava local. Os cativos nascidos no Brasil passaram a

    predominar numericamente, o que levou a um maior equilbrio na razo entre os sexos e ao aumento da

    proporo de crianas na populao total. Em conseqncia, neste caso, a reproduo escrava comeou a

    assemelhar-se aos padres reprodutivos da populao livre na mesma provncia, e essas regies atingiram

    estabilidade na substituio da mo-de-obra ou at mesmo o crescimento natural positivo sem a necessid

    de importar mais cativos. A variao no volume de entrada de africanos foi a transformao essencial nes

    processo de crescimento natural. Uma experincia semelhante de crescimento positivo da populao escr

    tambm ocorreu, ainda mais cedo, no Paran 6.

    Nas reas de agricultura de exportao, onde a proporo de africanos crescia constantemente, o

    crescimento natural entre os escravos no pde ocorrer e nestes casos, o crescimento da populao cativa

    requeria a importao contnua de africanos. O trfico atlntico de escravos introduzia mais homens do q

    mulheres e poucas crianas o que distorcia a estrutura demogrfica da populao cativa local. Ademais, a

    africanas que chegavam j haviam perdido parte de seu potencial reprodutivo em seu pas de origem. Ess

    processo de elevada importao de africanos e crescimento negativo da populao escrava residente

    evidencia-se nas reas da agricultura de exportao em expanso, particularmente em So Paulo e Rio de

    Janeiro no incio do sculo XIX. O nvel elevado da entrada de africanos distorcia a estrutura de idade e s

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    da populao entrante, mais predominantemente masculina e muito mais velha do que a populao cativa

    nascida no Brasil. Quanto maior a proporo de africanos, menor a possibilidade de reproduo natural d

    escravaria local.

    Neste trabalho continuaremos a nos pautar no modelo desses estudos anteriores, examinando em

    detalhes os censos de populao e produo para as provncias de Minas Gerais e So Paulo no incio do

    sculo XIX. Essas mesmas fontes serviram de base para muitas das anlises recentes da escravido aqui

    mencionadas. Para So Paulo (incluindo o Paran) 7, analisamos as Listas Nominativas de Habitantes do

    de 1829 que se encontram no Arquivo do Estado de So Paulo8

    . Para Minas Gerais, estudamos um conju

    de censos mantidos no Arquivo Pblico Mineiro, realizados na provncia no comeo da dcada de 1830 9

    Nessas duas provncias encontramos a maioria das principais atividades econmicas existentes no Brasil

    sculo XIX. Havia uma vasta agricultura comercial e de subsistncia, bem como um ativo mercado local

    longa distncia e uma atividade exportadora internacional. Tambm aqui foi encontrada toda a gama de

    atividades artesanais.

    O declnio da minerao em Minas Gerais na segunda metade do sculo XVIII acarretou a

    desorganizao da economia local, a migrao interna e a transferncia de mo-de-obra escrava e livre pa

    outras atividades como a agricultura e o artesanato. A entrada de africanos reduziu-se, a populao

    estabilizou-se e a diversidade regional na provncia tornou-se mais acentuada. O sul e o sudeste de Minas

    fronteira com So Paulo e Rio de Janeiro, tornaram-se importantes reas agrcolas que incluam a produ

    acar e caf. Os antigos centros mineradores, com os maiores e mais antigos centros urbanos, permanec

    como centros de artesos e comerciantes, embora a agricultura tambm penetrasse nessas regies. A elev

    proporo de escravos na regio e o elevado nvel de miscigenao resultou na maior populao livre de

    de todas as regies brasileiras. No norte e nordeste, de baixas densidades populacionais, desenvolveu-se u

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    aparentemente manteve uma taxa de crescimento natural positiva. No incio do sculo XIX rompeu-se es

    equilbrio com o intenso afluxo de escravos africanos para atender expanso da produo aucareira e

    cafeeira na provncia. Esse aumento na proporo de africanos na populao escrava resultou em uma tax

    crescimento natural negativa para a populao escrava residente. A razo de masculinidade aumentou

    imensamente, com uma correspondente queda da razo entre crianas e adultos na populao cativa total

    partir desse momento, o crescimento da populao escrava s foi mantido graas contnua importao d

    escravos em So Paulo.

    Embora no existam estatsticas totalmente confiveis sobre a populao brasileira no perodo ant

    ao primeiro censo nacional de 1872, h dados de censos parciais de boa qualidade que nos permitem com

    padres regionais de crescimento. Segundo o levantamento do governo realizado por Daniel Pedro Mlle

    1836 10, o presente estado de So Paulo possua uma populao de 282.000 pessoas, das quais 201.000 er

    livres e 81.000, escravas. Na mesma poca, o atual estado do Paran, ento ainda parte de So Paulo, pos

    42.000 habitantes, sendo 35.000 livres e 8.000 escravos. Em Minas Gerais a populao era maior, mas as

    estimativas populacionais so menos confiveis que as de So Paulo. Estimou-se que o censo de 1831-32

    tenha registrado cerca de 620.000 pessoas na provncia, mais que o dobro dos residentes em So Paulo. M

    houve problemas na qualidade da estimativa total observados pelo presidente da provncia na poca 11, e

    nossos de dados censitriosaos quais faltam alguns distritosfornecem informaes para cerca de 407

    pessoas.

    O processo de ocupao e desenvolvimento econmico das regies distintas nas provncias de Mi

    Gerais e So Paulo refletiu-se na importncia do trabalho escravo prevalecentes em cada regio. Neste ar

    compararemos as caractersticas dessas regies no perodo de 1829 at os primeiros anos da dcada de 18

    Nossos dados, provenientes dos mapas de populao dessas provncias, so atualmente os mais abrangen

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    disponveis para esse perodo e essas provncias, e contm informaes sobre 677.000 pessoas.

    A fim de possibilitar uma anlise regional dessas provncias, dividimos cada uma no que, a nosso

    constituem regies coerentes com base principalmente em suas economias e, em menor grau, em suas

    ecologias e localizaes. Para Minas Gerais organizamos o estado em quatro reas: os Centros Minerado

    Tradicionais, a Fronteira Sul, a Zona da Mata e o Norte/Nordeste 12. No incio da dcada de 1830, com b

    nos censos utilizados, viviam 234.000 pessoas nos Antigos Centros Mineradores e 122.000 na Fronteira S

    sendo essas as duas reas mais populosas da provncia.

    Para nossa anlise segmentamos a provncia de So Paulo em trs grandes regies, a primeira

    constituda pelo agrupamento do Vale do Paraba e do Oeste Paulista, as duas reas de maior dinamismo

    econmico, onde se concentrava a produo de caf e de acar 13. A segunda grande regio englobava a

    demais reas j ocupadas do atual estado de So Paulo, tais como a Capital e seu entorno, as reas do lito

    norte e do litoral sul, bem como a parte ao sul da cidade de So Paulo, at a fronteira com o Paran. Nest

    grande rea encontrava-se a capital da provncia, onde se concentravam os altos funcionrios pblicos, os

    artesos e os comerciantes. A terceira regio era representava pelo atual estado do Paran, que nessa poc

    ainda pertencia provncia de So Paulo. Essa rea, usualmente chamada de Caminho do Sul, que dom

    a rota para a distante fronteira meridional e as reas de pecuria e tropas de mula que posteriormente se

    tornariam o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Toda uma indstria e mercado locais desenvolveram-se

    redor de Curitiba para a engorda das mulas trazidas dos criadouros no sul e a venda para tropeiros e seus

    agentes em So Paulo e as provncias mais ao norte. A demanda por mulas era alta, pois elas forneciam o

    transporte bsico nessa era pr-ferrovia.

    Em nossos dados para as provncias de Minas Gerais e So Paulo encontramos 677.411 pessoas,

    distribudas por 105.635 domiclios; os escravos compunham cerca de 30% da populao e nessa mesma

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    porcentagem estavam presentes nos domiclios. Mas as diferenas regionais eram significativas. Embora

    provncia de Minas Gerais como um todo contivesse 30% de escravos em sua populao, em duas reas a

    importncia relativa dos cativos destacava-se. Na Zona da Matauma regio de povoamento recente e

    populao pequenaconcentravam-se as fazendas de caf, e ali os cativos compunham cerca de 40% da

    populao. Por sua vez, a regio dos Centros Mineradores Tradicionais, ainda uma parte rica e populosa

    provncia que continha dois teros da populao regional, abrigava uma populao cativa que atingia 36%

    populao total. Em compensao, as outras duas regies de Minas Gerais eram menos representativas

    demograficamente e economicamente, alm de conter uma proporo menor de escravos. Havia tambm

    grandes diferenas regionais quanto ao tamanho dos plantis. Nos Centros Mineradores Tradicionais, com

    proporo elevada de cativos, o plantel mdio era pouco inferior a 7 escravosvalor semelhante ao

    encontrado para a Fronteira Sul de Minas e muito inferior mdia de quase 8 escravos por proprietrio n

    Zona da Mata.

    Na regio de agricultura de exportao de So Pauloabrangendo o Vale do Paraba e Oeste Pau

    o plantel mdio era semelhante ao da Zona da Mata e bem superior aos das outras regies de So Paulo

    das reas ao norte do centro minerador das Minas Gerais e da rea do atual estado do Paran. Nesta ltim

    zona, at a proporo de escravos na populao total era muito baixaapenas 20% da populao, com m

    de apenas 5 cativos por proprietrio, semelhante das zonas mais pobres de Minas Gerais (ver tabela 1).

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    Livres Escravos % escravos Mdia de

    Populao Chefes de Nmero % na populao escravos

    Minas Gerais Domiclio possudos

    Centros Mineradores Tradicionais 149844 84513 234357 35917 12310 34% 36% 6,9

    Fronteira Sul 86269 36043 122312 19186 5761 30% 29% 6,3Zona da Mata 10100 6601 16701 2174 874 40% 40% 7,6

    Norte/Nordeste 26772 7678 34450 6155 1554 25% 22% 4,9

    Total 272985 134835 407820 63432 20499 32% 33% 6,6

    So Paulo

    Regio Exportadora (Oeste Paulista e Vale Paraba) 76368 42736 119104 17356 4940 28% 36% 8,7

    Capital, Litoral e Regio Sul 88556 26993 115549 18599 4753 26% 23% 5,7

    Regio do Paran 28914 6054 34968 6248 1191 19% 17% 5,1

    Total 193838 75783 269621 42203 10884 26% 28% 7,0

    Fonte: So Paulo: Censos manuscritos do Arquivo do Estado de So Paulo; Minas Gerais: Censos manuscritos do Arquivo Pblico Mineiro.

    TABELA 1ESCRAVOS, LIVRES E CHEFES DE DOMICLIO NAS DUAS PROVNCIAS EM 1830s

    Domiclios com escravosTotal

    Embora o tamanho dos plantis apresentasse diferenas regionais, as duas provncias mostravam c

    um todo mostravam uma estrutura de posse de escravos muito semelhante. Havia um nmero reduzido de

    grandes proprietrios e uma elevada proporo de pequenos proprietrios, estes controlando uma parcela

    significativa da escravaria. Nas duas provncias aproximadamente um quarto dos proprietrios possua ap

    um cativo, quase 80% dos senhores possuam 10 escravos ou menos, e esse grupo controlava

    aproximadamente 40% da escravaria total. Em toda essa rea brasileira encontramos pouqussimos plant

    com mais de 200 cativos (menos de 50 entre os 30.000 domiclios com escravos), e esses enormes plant

    continham apenas 4% da populao cativa total. Das duas provncias, Minas possua o maior nmero des

    grandes fazendeiros, com trs proprietrios controlando mais de 300 escravos. Em contraste, o maior

    proprietrio em toda a provncia de So Paulo possua apenas 164 cativos 14. O ndice de Gini, que mede

    desigualdades na distribuio de recursos em uma populaoneste caso, escravos distribudos pelos

    proprietrios -, foi praticamente idntico para as duas provncias 15. Considerada a regio do Paran

    isoladamente a estrutura de posse mostrou expressiva diferena. No s a proporo dos cativos na popul

    total era menor, mas tambm o peso dos pequenos proprietrios de escravos era maior. A maioria possua

    apenas 1 escravo, e os que tinham 10 cativos ou menos representavam 90% dos proprietrios e controlav

    elevada parcela de 58% da escravaria total (ver tabela 2).

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    Minas Gerais So Paulo

    Indicadores de posse de escravosMdia 6,6 7Moda 1 1

    Maior nmero de escravos 393 164

    Coeficiente de Gini da distribuio 0,574 0,600

    Distribuio dos proprietrios por tamanho do plantel

    1 escravo 5.022 2.669

    1 a 5 escravos 13.697 7.169

    6 a 10 escravos 3.581 1.869

    11 a 20 escravos 2.059 1.126

    21 a 40 escravos 847 477

    mais de 40 escravos 315 243

    Total 20.499 10.884

    Distribuio dos escravos por tamanho do plantel

    1 escravo 5.022 2.669

    1 a 5 escravos 32.336 16.698

    6 a 10 escravos 27.130 14.034

    11 a 20 escravos 29.527 16.238

    21 a 40 escravos 23.466 13.328

    mais de 40 escravos 21.312 15.485

    Total 133.771 75.783

    EngenhosNmero 293 590

    Nmero mdio de escravos 20 31

    Moda 11 20

    Maior nmero de escravos 103 164

    Distribuio dos engenhos por tamanho do plantel

    Sem escravos 11 5

    1 escravo 9 2

    1 a 5 escravos 41 29

    6 a 10 escravos 55 54

    11 a 20 escravos 80 170

    21 a 40 escravos 64 184

    mais de 40 escravos 31 148

    Total 282 585

    Distribuio dos escravos dos engenhos por tamanho do plantel

    1 escravo 9 2

    1 a 5 escravos 131 101

    6 a 10 escravos 435 441

    11 a 20 escravos 1.151 2.625

    21 a 40 escravos 1.799 5.350

    mais de 40 escravos 1.997 9.707

    Total 5.513 18.224

    Fonte: a mesma da tabela 1.

    TABELA 2DISTRIBUIO DOS ESCRAVOS NAS DUAS PROVNCIAS EM 1830s

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    Em So Paulo a dinmica expanso da regio exportadora gerou maiores concentrao de escravo

    africanos recm-importados, e sua parcela na populao cativa total aumentou para 60%. Em Minas Gera

    exceto na regio cafeeira da Zona da Mata, a porcentagem de cativos nascidos no Brasil era maior que a d

    africanos. Devemos salientar, porm, que apesar do declnio da atividade mineira, Minas Gerais ainda era

    capaz de importar escravos na dcada de 1830, como prova a importante presena de africanos na popula

    Na Zona da Mata eles constituam metade da populao cativa, nos Centros Mineradores Tradicionais e n

    Fronteira Sul representavam 44% do total, mas eram muito menos significativos em outras partes de Min

    Gerais. Essas regies mais pobres, de fato, assemelhavam-se regio do Paran, em So Paulo.

    A desigual distribuio dos escravos quando considerada sua origem, influenciaria a razo de

    masculinidade dos cativos, pois os africanos apresentavam razes de masculinidade mais elevadas do que

    encontradas entre os cativos nascidos no Brasil. Nas duas provncias como um todo, a razo de masculini

    dos escravos foi quase idntica, com aproximadamente 158 homens para 100 mulheres, mas, como se po

    esperar, houve grande variao regional nesse indicador em razo da diferente proporo de africanos. N

    Zona da Mata e na regio exportadora de So Paulo (Vale do Paraba e Oeste Paulista), havia 180 escravo

    homens para cada 100 escravas. Nas zonas mineiras mais antigas a razo era de 162 homens para 100

    mulheres, ao passo que nas zonas mais pobres a razo de masculinidade era bem menor sendo o Paran

    regio com razo de masculinidade mais equilibrada entre os escravos (ver tabela 3).

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    Razo deTotal de masculinidade Crianas Adultos Velhos Total

    Africanos Pretos Pardos sub-total TOTAL

    Minas Gerais (1)

    Centros Mineradores Tradicionais 35.139 35.453 8.445 43.898 79.037 162 21.948 53.007 2.943 77.898Fronteira Sul 15.464 16.302 4.048 20.350 35.814 154 11.141 23.681 1.125 35.947

    Zona da Mata 3.462 2.524 613 3.137 6.599 181 1.892 4.567 142 6.601

    Norte/Nordeste 2.063 4.035 1.448 5.483 7.546 138 2.433 4.975 262 7.670

    Total 56.128 58.314 14.554 72.868 128.996 159 37.414 86.230 4.472 128.116

    So Paulo

    Regio Exportadora (Oeste Paulista e Vale Paraba) 19.998 13.221 33.219 186 11.061 31.319 262 42.642

    Capital, Litoral e Regio Sul 9.546 8.084 17.630 124 8.664 17.967 322 26.953

    Regio do Paran 491 1.669 2.160 104 2.204 3.710 107 6.021

    Total 30.035 22.974 53.009 153 21.929 52.996 691 75.616

    Fonte: a mesma da tabela 1.

    Nascidos no Brasil

    TABELA 3

    Cor e origem Estrutura etria

    ORIGEM, COR, IDADE E SEXO DOS ESCRAVOS NAS DUAS PROVNCIAS EM 1830s

    A importncia relativa dos africanos, como j mencionado, influenciou as taxas de crescimento na

    da populao escrava residente. H fortes indcios de que grande parte das Minas Gerais durante fins do

    sculo XVIII e parte do sculo XIX possuiu populaes escravas que se auto-reproduziam, e isso clarame

    ocorreu no Paran 16. Usando a razo entre crianas e mulheres como uma proxy para a fecundidadeo

    padro em todos os estudos de fecundidade dos Estados Unidos no sculo XIX podemos observar na zo

    mineira tradicional de Minas Gerais um valor elevado para a razo entre crianas e mulheres frteis

    (aproximadamente 1.078 crianas at 9 anos para cada 100 mulheres com idades entre 15 e 49 anos). Ess

    razo consideravelmente superior s das demais regies de Minas e muito maior que todas as de So Pa

    incluindo a rea do Paran. Temos aqui dois fatos surpreendentes. Em primeiro lugar, a zona mineradora

    Minas Gerais apresentava uma elevadssima razo de masculinidade entre os escravos e ainda assim poss

    uma razo entre crianas e mulheres alta. Ademais, o Paran, que por sua razo de masculinidade equilib

    e baixas propores de africanos deveria ter apresentado razes entre crianas e mulheres to elevadas ou

    maiores que os tradicionais centros mineradores de Minas Gerais, registrou uma taxa muito inferior

    esperada. O problema dessas taxas de fecundidade est em como relacionar a razo entre crianas e mulh

    com a importncia relativa dos homens, africanos e crianas na populao. Talvez as taxas de fecundidad

    antigos centros mineradores fossem mais influenciadas pela miscigenao, que tornava a razo de

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    15

    masculinidade dos escravos muito menos importante como um indicador. No obstante, permanece a que

    a fecundidade resultante era suficiente para compensar a razo de 1,6 escravos do sexo masculino para ca

    escrava nessa regio de Minas Gerais? Isso duvidoso. Assim, est claro que as razes entre crianas e

    mulheres constituem apenas uma parte da equao para determinarmos as taxas de crescimento natural d

    populaol. Permitem-nos estimar a fecundidade das mulheres em seus anos produtivos, mas no nos

    possibilitam avaliar o impacto dessa reproduo sobre a populao cativa total. Para tal, precisamos conh

    a proporo de escravos nascidos no Brasil nos vrios grupos etrios, a mortalidade de crianas e mulhere

    outros ndices demogrficos, bem como seus pesos relativos na equao total. Infelizmente no dispomos

    todos os dados relevantes para fazer essas estimativas para Minas, e existe uma carncia especial de

    indicadores do papel dos africanos no processo total. Provavelmente a retomada das importaes de escra

    africanos para Minas Gerais tenha afetado o potencial reprodutivo da populao nesse perodo. No caso d

    Paran, apesar das razes mais baixas entre crianas e mulheres, a porcentagem de cativos nascidos no B

    atingiu o elevado patamar de 77% da populao escrava, houve equilbrio entre os sexos e a razo entre

    crianas e populao total atingiu 39%. Esses valores indicam uma estrutura demogrfica equilibrada,

    provavelmente resultado de reproduo natural e de reduzida influncia da importao de escravos africa

    (ver tabela 4)

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    Mulheres crianas/mulheres Mulheres crianas/mulheres

    Minas Gerais (15-44 anos) (0-4/14-44) (15-49 anos) (0-9/14-49)

    Centros Mineradores Tradicionais 17.542 741,8 18.229 1078,3

    Fronteira Sul 7.867 456,6 8.163 851,9

    Zona da Mata 1.345 395,5 1.372 806,9

    Norte/Nordeste 1.789 397,4 1.848 854,4

    Total 28.543 625,3 29.612 989,3

    So Paulo

    Regio Exportadora (Oeste Paulista e Vale Paraba) 8.945 339,0 9.209 647,4

    Capital, Litoral e Regio Sul 6.736 390,6 7.003 767,8

    Regio do Paran 1.594 409,0 1.649 846,0

    Total 17.275 366,1 17.861 711,8

    Fonte: a mesma da tabela 1.

    TABELA 4RELAO CRIANAS/MULHERES NA POPULAO ESCRAVA

    Nossos resultados, como outros estudos anteriores sobre So Paulo, revelam o padro de elevada

    incidncia de casamentos legais entre os escravos. Neste aspecto, So Paulo distingue-se de Minas Gerai

    todas as outras regies escravistas do Novo Mundo em sua elevada proporo de escravos casados e viv

    mesmo se constata para o perodo de 1830. A porcentagem de escravos casados na provncia de So Paul

    atingia 29% dos cativos adultos, enquanto em Minas Gerais a proporo limitava-se a 22%. Ademais,

    existiam importantes diferenas regionais. Em So Paulo, a regio do Paran apresentava a mais baixa

    porcentagem de escravos casados. Em contraste, a regio da Fronteira Sul em Minas Gerais possua uma

    parcela de cativos casados igual de So Paulo, enquanto as demais regies mineiras registravam nveis

    inferiores (ver tabela 5). Em razo da elevada razo de masculinidade dos escravos, evidenciou-se entre o

    escravos casados proporcionalmente mais mulheres do que homens, com 28% das mulheres escravas sen

    classificadas como vivas ou casadas em contraste com apenas 16% dos homens cativos nessas categoria

    Essas porcentagens, obviamente, eram muito menores do que as encontradas para as pessoas livres, entre

    quais a parcela de casados e vivos atingia 56% para homens e mulheres. Tambm descobrimos que a

    porcentagem de casados aumentava com o tamanho do plantel, devido exclusivamente maior

    disponibilidade de possveis cnjuges para os cativos. Uma vez que os estudos em geral indicam um nve

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    populao livre (apenas 95 homens para cada 100 mulheres livres). A segmentao por faixas etrias mo

    uma correlao positiva entre a idade e a razo de masculinidade dos escravos, enquanto entre os livres

    evidencia-se um processo inverso. Na populao escrava, a correlao positiva explica-se pelo impacto

    importao de africanos exercia sobre a razo de masculinidade de adultos e velhos, e que era menor entr

    crianas e jovens, pela maior influncia dos nascidos no Brasil nesse segmento etrio. Entre os cativos

    nascidos no Brasil com idades at 20 anos, por exemplo, a razo de masculinidade era de apenas 104 hom

    para 100 mulheres, e entre os adultos (a partir de 20 anos) a razo era a mesma. Entre os africanos, para o

    jovens e crianas a razo era de 238 homens para 100 mulheres; para os adultos era de 307 homens para

    mulheres.

    A idade tambm influiu na porcentagem de africanos na escravaria de Minas Gerais. O trfico de

    escravos trouxe poucas crianas e jovens para o Brasil, alm disso, para os recenseadores, todos os cativ

    nascidos no Brasil, mesmo os filhos de africanos, eram considerados nascidos no pas. Assim, foram

    encontrados poucos africanos entre os grupos de menor idade, ao passo que entre as idades favorecidas p

    comerciantes de escravos os africanos constituram um grupo muito representativo. Entre as crianas e jo

    apenas um quarto eram africanos, mas entre os cativos adultos os africanos constituam a metade dos esc

    existentes. Tambm devido ao peso dos africanos, a razo de masculinidade para todos os escravos adul

    residentes era de 182 homens para 100 mulherese essa razo declinava conforme diminuam as idades

    grupos etrios (ver tabela 6).

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    encontrar na comparao de escravos e seus proprietrios? Nesta anlise temos a vantagem de contar co

    dados das duas provncias, pois nosso levantamento inclui as informaes de todos os chefes de domicli

    com e sem escravos, de So Paulo e Minas Gerais. . Constatamos de imediato as mesmas variaes regio

    verificadas para seus cativos. Nas duas provncias os homens predominaram como chefes de domiclio e

    proporo ainda maior como proprietrios de escravos, ainda que com variaes regionais significativas.

    Paulo apresenta uma grande participao dos homens, com valores similares para os chefes de domiclio

    proprietrios de escravos. Em Minas a proporo masculina mostrava-se menor, com 2,6 homens para ca

    mulher (em vez de 4,2 homens para cada mulher encontrados em So Paulo) entre os chefes de domiclio

    3,5 homens para cada mulher entre os proprietrios de escravos. As mulheres tiveram uma participao

    especialmente significativa na antiga zona mineira. Como mostraram muitos estudos, o declnio da miner

    gerou uma grande proporo de mulheres emergindo como chefes de domiclio e at mesmo como

    proprietrias de escravos. Claramente a crise econmica acarretou a desintegrao de muitos domiclios e

    exigiu das mulheres um papel mais ativo como chefes de domiclio. Isso, obviamente, gerou maiores

    possibilidades de mobilidade socioeconmica, como indica o aumento da parcela de mulheres proprietri

    O papel das mulheres foi menos destacada nas outras zonas de Minas e na Zona da Mata os homens

    predominaram em um grau ainda maior que em So Paulo. A Fronteira Sul, neste aspecto como em tanto

    outros, apresentava ndices semelhantes ao de So Paulo (ver tabela 7).

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    Minas Gerais Homens Mulheres Homens Mulheres Brancos Pretos P ardos Brancos Pretos P ardosCentros Mineradores Tradicionais 24.408 11.433 9.111 3.157 12.755 6.120 16.811 8.228 407 3.569

    Fronteira Sul 15.096 4.073 4.749 995 9.654 1.492 7.988 4.526 64 1.147

    Zona da Mata 1.799 374 748 126 944 136 1.091 628 6 239

    Norte/Nordeste 4.659 1.495 1.237 316 1.967 581 3.566 984 26 535

    Total 45.962 17.375 15.845 4.594 25.320 8.329 29.456 14.366 503 5.490

    So Paulo

    Regio Exportadora (Oeste Paulista e Vale Parab 14.301 3.026 4.049 865 13.755 238 3.289 4.610 22 243

    Capital, Litoral e Regio Sul 13.542 3.543 3.763 969 11.826 445 4.713 4.389 13 313

    Regio do Paran 4.867 1.377 914 274 4.421 111 1.702 1.139 3 39

    Total 32.710 7.946 8.726 2.108 30.002 794 9.704 10.138 38 595

    Fonte: a mesma da tabela 1.

    TABELA 7

    Sexo do chefe do domiclio Sexo dos proprietarios Cor dos chefes de domiclio Cor dos proprietrios

    SEXO E COR DOS CHEFES DE DOMILIO E PROPRIETRIOS DE ESCRAVOS

    Minas Gerais foi especialmente incomum em comparao com So Paulo no aspecto da cor dos c

    de domiclio e dos proprietrios de escravos. Em So Paulo os brancos formavam uma clara maioria,

    ocupando dois teros dos domiclios. Em Minas Gerais eles eram minoria, compondo apenas 40% dos ch

    de domiclio, enquanto os pardos constituam o maior grupo, com uma participao de 47% no total de c

    de domiclio, e os pretos integrando apenas 13%. Os brancos, sendo o grupo mais rico de todos em amba

    sociedades, controlavam maiores parcelas da escravaria que as pessoas livres de cor inclusive em Minas

    Gerais. Em So Paulo compunham 95% dos proprietrios de cativos, e em Minas, 70%. Os proprietrios

    pardos, embora constitussem uma parcela muito pequena na regio de So Paulo, compunham 27% dos

    senhores em Minas Gerais. O trfico de escravos mais antigo e mais intenso para Minas Gerais, aliado a

    longa histria de miscigenao que afetou todos os nveis dessa sociedade, aumentou a parcela de pardos

    nessa regio e permitiu uma mobilidade socioeconmica mais intensa, como se evidencia na participao

    pardos como proprietrios de escravos. Por exemplo, na regio dos antigos centros mineradores, 47% dos

    domiclios eram chefiados por pardos e 17% por pretos, e essas pessoas livres de cor representavam um tdos proprietrios de cativos. So Paulo, por seu desenvolvimento mais recente e crescimento mais lento,

    continha um segmento de pessoas livres de cor menos importante e menos rica do que Minas Gerais. Foi

    ritmo diferente da ocupao e evoluo econmica dessas duas provncias, juntamente com diferentes pa

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    de migrao, que influenciou no s as caractersticas demogrficas da populao, mas tambm sua posi

    econmica.

    Mas apesar de pessoas livres de cor possurem cativos, elas compunham a parcela mais pobre da c

    dos proprietrios de escravos at mesmo em Minas Gerais. Em So Paulo possuam menos de 3% da

    escravaria, e em Minas Gerais, apenas 16%, muito embora compusessem quase um tero dos proprietrio

    Obviamente os proprietrios livres de cor possuam um nmero mdio de cativos menor que os brancos

    aproximadamente 3 por proprietrio, em contraste com 8 para os brancossendo este ltimo valor

    semelhante ao obtido entre os proprietrios brancos em So Paulo. Embora para os brancos as variaes

    regionais nos tamanhos de plantel fossem muito pronunciadas conforme as atividades econmicas locais,

    as pessoas livres de cor a variao em geral era pequena. Em todas as partes possuam relativamente po

    cativos. Os livres de cor, por serem os proprietrios mais pobres, e como poucos eram produtores das cul

    de exportao - caf e acar-, geralmente um nmero reduzido de escravos, quer exercessem atividades

    rurais ou urbanas, quer fossem agricultores ou artesos. Na agricultura, concentravam-se na produo de

    gneros alimentcios e nos cultivos de subsistncia; como artesos, sua participao foi significativa, mas

    nenhuma categoria eles acumularam muitos escravos (ver tabela 8).

    Minas Gerais Brancos Pretos Pardos Brancos Pretos PardosCentros Mineradores Tradicionais 67.811 1.007 13.129 8 2 4

    Fronteira Sul 31.393 181 3.788 7 3 3Zona da Mata 5.754 16 817 9 3 3

    Norte/Nordeste 6.028 59 1.560 6 2 3

    Total 110.986 1.263 19.294 8 3 4

    So Paulo

    Regio Exportadora (Oeste Paulista e Vale Parab 39.451 74 769 9 3 3

    Capital, Litoral e Regio Sul 24.934 52 1.014 6 4 3

    Regio do Paran 5.769 4 77 5 1 2

    Total 70.154 130 1.860 7 3 3

    Fonte: a mesma da tabela 1.

    TABLE 8COR DOS PROPRIETRIOS E ESCRAVOS POSSUDOS

    Nmero de escravos possudos por proprietrios Mdia de escravos possudos por proprietrios

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    Os censos de Minas Gerais tambm nos fornecem material para examinar o processo de alforria n

    Brasil no incio do sculo XIX 20. Outros estudos sobre Minas Gerais j indicaram a importncia dos escr

    alforriados nessa sociedade, mostrando at mesmo que alguns foram, eles prprios, proprietrios de escra

    21. Encontramos o numeroso contingente de 14.483 pessoas alforriadas entre as pessoas livres de cor. E e

    forros compunham 5% do total das pessoas livres de qualquer cor. Distribuam-se por todas as regies, m

    sua participao era mais significativa nos Centros Mineradores Tradicionais, onde constituam 7% de to

    as pessoas livressendo esta tambm a zona com o maior nmero de pessoas livres de cor de todas as

    regies. Esses forros correspondiam a 11% da fora escrava total ento residente em Minas, o que nos d

    idia da importncia das alforrias na provncia. Como seria de esperar com base em todos os estudos

    anteriores, os forros eram em sua maioria mulheres, havendo uma razo de masculinidade de 94 homens

    cada 100 mulheres nesse grupo. Nas alforrias voluntrias as mulheres claramente predominavam, embora

    um grau no to extraordinrio como j se sups. Os forros eram relativamente mais velhos do que as pes

    livres de cor em geral e chefiavam uma parcela maior de domiclios do que sua porcentagem na popula

    livre levaria a crer (7% neste caso). Como se esperaria, os homens predominavam como chefes de domic

    (1,8 homens para cada mulher chefiando domiclio). Cerca de 16% desses forros chefes de domiclio eram

    africanos, e 30% eram pretos nascidos no Brasil. Os pardos compunham 60% dos forros e chefiavam met

    dos domiclios nessa classe especialum resultado um tanto surpreendente, pois significa que a porcenta

    de pardos chefes de domiclio entre os forros era menor do que entre as pessoas livre de cor que j nascer

    livres. Essa porcentagem de pardos entre os forros chefes de domiclio provavelmente um reflexo melh

    proporo de pardos na populao cativa, ao passo que na populao livre de cor havia uma mistura muit

    maior de grupos, o que produzia uma porcentagem de pardos em geral muito maior. Agricultura, comrc

    minerao e artesanatonesta ordemeram as principais ocupaes desses forros chefes de domiclio.

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    Embora a minerao ocupasse apenas um quinto desses forros chefes de domiclio, eles compunham a

    extraordinria parcela de 33% nos domiclios dedicados minerao. Provavelmente, o escravos na

    minerao tiveram maior acesso alforria do que qualquer outro grupo ocupacional na sociedade de Min

    Gerais. Cerca de 17% dos domiclios de forros possuam escravose esses forros compunham 4% do tot

    proprietrios de cativos e possuam 2% da escravaria ento encontrada em Minas Gerais. Em mdia, esse

    proprietrios forros possuam um nmero pequeno de cativospouco menos da metade do que a maioria

    proprietrios possua, embora extraordinariamente tenha havido um forro que possua 24 escravos 22. Os

    possuam escravos foram encontrados por toda partea maioria ocupada na agricultura e no comrcio

    uma representao muito significativa na minerao (ver tabela 9).

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    Total de forrosNmero 14483

    % entre livres 5%

    Razo de masculinidade 94Estrutura etria

    crianas 4072

    adultos 8452

    velhos 1797

    Cor

    Pretos 5926

    Pardos 8250

    Chefes de domicliosNmeros de domiclios 4431

    % forros entre os chefes de domiclios 7%

    Razo de masculinidade 182

    Cor

    Pretos 2.030

    Pardos 2.348

    Ocupaes

    agricultura 1.118minerao 631

    artesanato 1.053

    comrcio 191

    2993

    Proprietrios de escravosNmero 732

    % of forros entre proprietrios de escravos 4%

    Razo de masculinidade 153

    Cor

    Pretos 240

    Pardos 468

    % de chefes de fogos forros com escravos 17%

    Moda na posse de escravos 2

    Maior nmero de escravos possudos 24

    Mdia de escravos possudos 3,4

    Nmero de escravos possudos 2.491

    Proporo dos escravos possudos pelos forros 2%

    Tamanho do plantel

    Nmero de escravos

    1 escravo 186

    1 a 5 escravos 615

    6 a 10 escravos 91

    11 a 20 escravos 22

    20 a 40 escravos 4

    Nmero de escravos possudos

    1 escravo 186

    1 a 5 escravos 1431

    6 a 10 escravos 665

    11 a 20 escravos 306

    20 a 40 escravos 89

    Ocupaes

    Nmero de proprietrios

    agricultura 165

    minerao 158

    artesanato 103comrcio 64

    Nmero de escravos

    agricultura 557

    minerao 551

    artesanato 259

    comrcio 278

    Proporo de domiclios com escravos

    agricultura 15%

    minerao 25%

    artesanato 10%

    comrcio 34%

    Fonte: a mesma da tabela 1.

    TABELA 9CARACTERSTICAS DOS FORROS EM MINAS GERAIS

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    Analisando as ocupaes da classe dos proprietrios de escravos como um todo, evidencia-se que

    agricultura era sua atividade predominante mesmo em Minas Gerais, com sua lide extrativa e sua popula

    mais urbana 23. A agricultura ocupava aproximadamente metade dos domiclios e metade dos proprietrio

    cativos nas duas provncias combinadas, embora, como seria de esperar, as porcentagens fossem um pouc

    maiores em So Paulo (59% e 47% dos domiclios respectivamente, e 66% e 55% dos proprietrios de

    escravos). Um tero dos domiclios de Minas possuam escravos, enquanto metade dos chefes de domicl

    ocupados no comrcio em ambas as provncias possuam cativos. Mas s uma pequena parcela dos domi

    de artesos possua escravos nas duas provncias, e poucos dos jornaleiros em qualquer das regies eram

    proprietrios de cativos (ver tabela 10).

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    Nmero de % de chefes deNmero de Chefes Proprietrios de Nmero de domiclios com Nmero mdio

    Minas Gerais de domiclio Escravos Escravos escravos de escravosAgricultura 26.674 10.417 73.584 39% 7

    Minerao 1.857 636 6.376 34% 10

    Pesca

    Artesanato 15.239 2.906 8.998 19% 3

    Comrcio 3.753 1.917 8.608 51% 4

    Servio Civil 785 514 3.647 65% 7

    Transportes 943 410 2.144 43% 5

    Servio Domstico 584 214 1.134 37% 5

    Jornaleiros (trabalho dirio) 3.662 206 588 6% 3

    Outros 3.488 1.736 20.474 50% 12

    Total 56.985 18.956 125.553 33% 7

    So PauloAgricultura 23.712 6.927 57.770 29% 8

    Minerao - - -

    Pesca 399 42 123 11% 3

    Artesanato 3.871 794 2.016 21% 3

    Comrcio 2.310 1.322 6.568 57% 5

    Servio Civil 1.327 569 3.049 43% 5

    Transportes 635 213 1.270 34% 6

    Servio Domstico 41 3 4 7% 1

    Jornaleiros (trabalho dirio) 1.991 34 81 2% 2

    Outros 5.748 613 2.493 11% 4

    Total 40.034 10.517 73.374 26% 7

    Fonte: a mesma da tabela 1.

    TABELA 10OCUPAES DOS CHEFES DE DOMICLIO E DOS PROPRIETRIOS DE ESCRAVOS

    Examinando esses domiclios com escravos por regio, constatamos alguns padres interessantes.

    centros exportadores do Vale do Paraba e Oeste Paulista possuam um nmero mdio de cativos muito

    elevado. Mas os maiores plantis estavam nos engenhos de acar, presentes tanto em So Paulo como em

    Minas Gerais. Os engenhos paulistas possuam em mdia 31 escravoshavia 585 engenhos, com um tot

    18.224 cativosum quarto da fora de trabalho escrava total da provncia. Em Minas Gerais os 282 enge

    eram menorespossuindo apenas 20 cativos por unidade - e controlavam apenas 5% dos escravos da

    provncia 24. Em So Paulo, o caf concentrava-se no Vale do Paraba, que continha 1.725 fazendas de ca

    das quais menos da metade possua escravos. Esses cafeicultores com escravos controlavam 9.966 cativo

    com um plantel mdio de quase 10 cativos. Infelizmente a organizao das informaes referentes a Min

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    Gerais no nos permite analisar as fazendas de caf dessa provncia (ver tabela 11).

    SO PAULOCentros Regio de Exportao

    Mineradores Fronteira Zona da Norte e (Vale do Paraba e Capital, Litoral e Regio do

    Proprietrios Tradicionais Sul Mata Nordeste Oeste Paulista) Regio Sul Paran

    Agricultura 5.209 3.835 644 729 3.440 2.846

    Minerao 21

    Pesca 571 47 18

    Artesanato 2.022 674 64 146 372 349

    Comrcio 1.306 474 34 103 465 559

    Servio Civil 365 115 13 21 174 365

    Transportes 323 54 27 6 113 81

    Servio Domstico 134 63 7 10 1 2

    Jornaleiros (trabalho dirio) 165 31 1 9 9 11

    Outros 936 316 67 417 271 267 Total 11.031 5.609 857 1.459 4.845 4.501 1.

    Escravos

    Agricultura 40.966 24.542 4.414 3.662 36.596 17.882 3.

    Minerao 69

    Pesca 5.596 578 202

    Artesanato 6.300 2.077 211 410 883 834

    Comrcio 6.178 2.018 89 323 1.850 2.932 1.

    Servio Civil 2.063 1.426 106 52 840 2.078

    Transportes 1.785 208 126 25 661 528

    Servio Domstico 656 408 29 41 1 3

    Jornaleiros (trabalho dirio) 486 72 1 29 19 33

    Outros 12.595 3.787 1.481 2.611 1.154 1.011

    Total 76.625 35.116 6.457 7.355 42.004 25.370 6.

    Media de Escravos possudos

    Agricultura 8 6 7 5 11 6Minerao 3

    Pesca 10 12 11

    Artesanato 3 3 3 3 2 2

    Comrcio 5 4 3 3 4 5

    Servio Civil 6 12 8 2 5 6

    Transportes 6 4 5 4 6 7

    Servio Domstico 5 6 4 4 1 2

    Jornaleiros (trabalho dirio) 3 2 1 3 2 3

    Outros 13 12 22 6 4 4

    Total 7 6 8 5 9 6

    Fonte: a mesma da tabela 1

    TABELA 11

    MINAS GERAIS

    DISTRIBUIO DOS PROPRIETRIOS POR OCUPAO, REGIO E ESCRAVOS POSSUDOS

    Embora a maioria dos escravos e os proprietrios com os maiores plantis se concentrassem nas

    grandes fazendas de cultivos de exportao, no havia atividade econmica onde o trabalho escravo no

    estivesse presente. Mesmo nas atividades econmicas mais pobres, como a agricultura de gneros alimen

    e o artesanato, era comum a presena de escravos. A outra descoberta significativa que as pessoas livre

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    cor eram encontradas em toda parte nas duas provncias e, como vimos nos dados para Minas Gerais, me

    cativos recm-alforriados compunham uma parcela significativa da populao e surgiam inclusive como

    proprietrios de escravos. Esse uso generalizado de escravos na economia, por sua vez, garantia a

    predominncia dos pequenos proprietrios de cativos. Milhares de chefes de domiclio possuam apenas u

    escravo ou no mximo dois, os quais provavelmente trabalhavam ao lado da famlia e dos empregados na

    mesma ocupao de seus proprietrios. Poucos senhores possuam cativos suficientes para viver apenas d

    trabalho escravo. Assim, pequenos agricultores, comerciantes mais pobres e artesos usavam seus escrav

    para ajudar em seu prprio trabalho ou no de seus familiares. Cabe ressaltar, tambm, que em cada rea e

    ocupao havia domiclios sem escravosde fato, estes eram cerca de dois teros. Apenas a produo de

    acar, devido a seu elevado investimento e sua complexidade, era uma atividade que sempre contava c

    mo-de-obra cativa 25. No caso do caf, os baixos custos de ingresso na atividade, a mistura de cultivos n

    primeiras fazendas e seu importante papel na produo de alimentos fizeram com que os escravos no fo

    a fora de trabalho exclusiva como aparentemente eram na atividade aucareira. No Vale do Paraba, por

    exemplo, 40% das unidades cafeeiras no possuam escravos, e mesmo as que os possuam inicialmente

    tinham plantis muito pequenos, o que tornava necessrio uma fora de trabalho mista, com escravos e li

    para que a unidade fosse produtiva.

    Portanto, o quadro que emerge desta anlise estrutural da populao do centro-sul do Brasil na

    dcada de 1830 o de uma sociedade formada por uma maioria de proprietrios com poucos

    cativos, na qual eram poucas as grandes fazendas, com centenas de escravos. Nos aspectos

    econmicos e sociais da posse de escravos, essa regio apresentou muitas caractersticas

    semelhantes s da maioria das sociedades americanas da poca, incluindo os Estados Unidos. A

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    posse de escravos estava amplamente distribuda pela sociedade, e a classe dos senhores inclua

    uma parcela importante de pessoas livres de cor, at mesmo algumas que haviam sido

    recentemente alforriadas. Neste exame estrutural dos dados censitrios de 1830, como em todos

    os estudos recentes da escravido no Brasil, evidencia-se que o modelo propondo o predomnio

    da grande lavoura no se aplicou maior parte do Brasil durante a maior parte de sua histria. As

    fazendas de acar e caf de fins do sculo XIX no sudeste e as fazendas do Recncavo no

    nordeste durante a maior parte desse perodo realmente representaram o predomnio da grande

    lavoura em reas selecionadas ocupadas na agricultura de exportao. Mas de modo geral o

    Brasil assemelhou-se muito mais aos Estados Unidos do que s ilhas aucareiras das ndias

    Ocidentais. A nica diferena significativa desse padro continental generalizado est no fato de

    que no centro-sul do Brasil constatamos que os escravos estavam mais bem distribudos por

    regio e ocupao do que na maioria dos regimes escravistas americanos. Tambm a importncia

    central das pessoas livres de cor, mesmo na classe dos proprietrios de cativos, bastante

    incomum. Se a experincia de Minas Gerais tiver sido um modelo para a futura evoluo das

    pessoas livres de cor em ambas as provnciaso que possivelmente ocorreu, dado que em 1872

    essa categoria superava numericamente os brancos no Brasil e era quatro vezes mais numerosa

    do que os escravosento esse grupo de proprietrios de escravos no poderia deixar de ter sua

    importncia aumentada com o passar do tempo.

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    NOTAS

    1 Na dcada de 1980 foram publicados numerosos estudos de Francisco Vidal Luna sobre a posse de escravos emMinas Gerais. Ver, desse autor,Minas Gerais: Escravos e Senhores, So Paulo, USP, Instituto de PesquisasEconmicas, 1981; Estrutura da Posse de Escravos em Minas Gerais (1718),Histria Econmica: Ensaios

    Econmicos, So Paulo, IPE/USP, 1983, pp. 25-41; Estrutura da Posse de Escravos em Minas Gerais (1804). In:Iraci del Nero da Costa, ed.,Brasil Histria Econmica e Demogrfica. Srie Relatrios de Pesquisa, So Paulo,IPE/USP, 1986, pp. 157-172; e ainda Francisco Vidal Luna e Iraci del Nero da Costa, Demografia Histrica deMinas Gerais,Revista Brasileira de Assuntos Polticos 58:15-62, Belo Horizonte, 1984.2Sobre o tema da posse de escravos em outras reas do Brasil, ver Stuart Schwartz, Patterns of Slaveholding in theAmericas: New Evidence from Brazil,American Historical Review 87(1):55-86, February 1982; Francisco VidalLuna e Iraci del Nero da Costa, Posse de escravos em So Paulo no incio do sculo XIX,Estudos Econmicos13(13): 211-221, jan/abr 1983; Jos Flvio Motta, Corpos Escravos, Vontades Livres: Posse de Cativos e Famlia

    Escrava em Bananal, 1801-1829, So Paulo, Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo, Annablume,

    1999.3 Stuart B. Schwartz, Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society: Bahia, 1550-1835, Cambridge,Cambridge University Press, 1985.4Sobre esse tema, ver Francisco Vidal Luna, So Paulo: Populao, Atividades e Posse de Escravos em Vinte eCinco Localidades (1777-1829),Estudos Econmicos 28(1):99-169, jan/mar 1998; Iraci del Nero da Costa, Arraia-

    Mida: Um Estudo Sobre os No-Proprietrios de Escravos no Brasil. So Paulo, MGSP Editores, 1992.5 Russell-Wood, A. J. R. The Black Man in Slavery and Freedom in Colonial Brazil,New York, St. Martins Press,1983; Maria Ins Crtes de Oliveira, O Liberto: O Seu Mundo e os Outros, Salvador, 1790/1890, So Paulo,Corrupio, 1988; Maria Sylvia de Carvalho Franco,Homens Livres na Ordem Escravocrata, So Paulo, tica, 1969;Laura de Mello e Souza,Desclassificados do Ouro: A Pobreza Mineira no Sculo XVIII, So Paulo: Graal, 1982;Hebe Maria Mattos,Das Cores do Silncio: Os Significados da Liberdade no Sudeste EscravistaBrasil, Sculo

    XIX, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998; Leila Mezan Algranti,O Feitor Ausente: Estudos Sobre a EscravidoUrbana no Rio de Janeiro - 1780-1822, Petrpolis, Vozes, 1988; Francisco Vidal Luna e Iraci del Nero da Costa,

    A Presena do Elemento Forro no Conjunto de Proprietrios de Escravos, Cincia e Cultura 32(7):836-41, SoPaulo, Julho 1980; Herbert S. Klein, The Colored Freedmen in Brazilian Slave Society,Journal of Social History3(1):30-53, fall 1969; Herbert S. Klein e Clotilde Andrade Paiva, Free Persons in a Slave Economy: Minas Geraisin 1831,Journal of Social History 29(4):933-62, junho 1996; Herbert S. Klein e Clotilde Andrade Paiva, Slaveand Free in Nineteenth Century Minas Gerais: Campanha in 1831,Journal of Social History 15(1):1-21, abril 1994;Herbert S. Klein e Francisco Vidal Luna, Free Colored in a Slave Society: So Paulo and Minas Gerais in the Early

    Nineteenth Century, Hispanic American Historical Review, 80(4):913-941, novembro 2000; Francisco Vidal Luna eHerbert S. Klein, Caractersticas da Populao em So Paulo no incio do sculo XIX, Populao e Famlia,3:71-91, So Paulo, 2000; Peter L. Eisenberg, Ficando Livre: As Alforrias em Campinas no Sculo XIX, Estudos

    Econmicos 17(2):176-216, 1987; Ktia M. de Queirs Mattoso, A Propsito de Cartas de Alforria Bahia, 1779-1850,Anais de Histria, 4:23-52, Assis, So Paulo, 1972. Sobre a riqueza de uma amostra de ex-escravos deprimeira gerao, ver Maria Ins Corts de Oliveira, O Liberto: O Seu Mundo e os Outros, Salvador, 1790-1890,So Paulo, 1988.6Sobre o tema os trabalhos de Clotilde Andrade Paiva: Minas Gerais no sculo XIX; A Natalidade de MinasGerais no Sculo XIX; e, com Douglas Libby, The Middle Path. Ver tambm Cano e Luna, La Reproduccin

    Natural de los Esclavos en Minas Gerais; Libby e Grimaldi, Equilbrio e Estabilidade; e Bergad, Laird W.,

    Slavery and the Demographic and Economic History of Minas Gerais, Brasil, 1720-1888, Cambridge, CambridgeUniversity Press, 1999. Todos esses trabalhos contradizem diretamente o modelo proposto por Martins em Growingin Silence e em Martins Filho e Martins, Slavery in a Non-Export Economy. Para o Paran, ver dois artigos deGutirrez: Demografia Escrava numa Economia No-Exportadora: Paran; e Crioulos e Africanos no Paran; eLuna, Francisco Vidal e Herbert H. Klein, Caractersticas da Populao em So Paulo no Incio do Sculo XIX,

    Populao e Famlia 3:71-91, So Paulo, 2000.

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    7 Nesse perodo o atual Estado do Paran era parte da ento Provncia de So Paulo, e assim ns o inclumos nadefinio mais ampla de So Paulo na dcada de 1830.8Analisamos os seguintes censos, ou mapas, intitulados Listas Nominativas de Habitantes, mantidos no Arquivo

    do Estado de So Paulo (AESP), Srie Maos de Populao, Latas no. 2, 5, 16, 24, 24A, 27A, 29, 33A, 36, 37, 37A,40, 43, 46, 47A, 47, 55, 62, 64, 69, 70, 79, 85A, 86, 94, 96, 112, 113, 115A, 123, 124, 133, 135, 140, 141, 142, 147,150, 154, 157, 160, 165, 173A, 174, 184, 185, 190, 191, 193, 196, 197, 201, 212, 213, 214, 215, 222, 225.9 Agradecemos professora Clotilde Paiva a permisso para usarmos seus conjuntos de dados para os censos deMinas Gerais em 1831-33, bem como suas inestimveis sugestes sobre como analisar o material. Esse conjunto dedados organizado pela professora Paiva constitui uma das maiores e mais ricas colees at hoje preparadas combase nesses censos no publicados do incio do sculo XIX no Brasil. O censo de Minas foi realizado entre outubrode 1831 e fevereiro de 1832, e encontra-se no Arquivo Pblico Mineiro, Seo Provincial, Mapas de Populao.10 Daniel Pedro Mller,Ensaio dum Quadro Estatstico da Provncia de So Paulo, 3a. reimpresso, So Paulo,Governo do Estado, 1978.11 Joaquim Norberto de Souza e Silva,Investigaes Sobre os Recenseamentos da Populao Geral do Imprio, 3a.reimpresso, So Paulo, Instituto de Pesquisas Econmicas, 1986, pp. 132-133.12 A respeito do estudo da diviso regional de Minas Gerais, ver Clotilde Paiva, Populao e Economia nas Minas

    Gerais do sculo XIX, tese de doutorado, Departamento de Histria, Universidade de So Paulo, 1996. 13 Em nosso recente estudo sobre So Paulo, analisamos a fundo as regies paulistas. Ver Francisco Vidal Luna eHerbert S. Klein, The Slave Economy and Society of So Paulo, 1750-1850, Stanford University Press, 200314 interessante observar quem foram os maiores proprietrios de escravos em Minas Gerais. O proprietrio com393 cativos era o Sr. Joz Igncio Nogueira da Gama, residente na Zona da Mata, branco, casado, 53 anos,identificado como fazendeiro. O proprietrio de 392 cativos era uma empresa, a Imperial Companhia de

    Minerao, e o terceiro maior proprietrio com 341 cativosera um clrigo, o Reverendo Capelo NicolauGomes de Arajo.15 O ndice de Gini foi 0,574 em Minas e 0,596 em So Paulo.16 Em nosso estudo da populao de So Paulo em 1804 identificamos possveis indicaes de um crescimentonatural positivo na populao escrava da regio do Paran naquele ano. Ver Luna e Klein, Caractersticas daPopulao em So Paulo no Incio do Sculo XIX, loc. cit.17 Para uma anlise pormenorizada dessa questo, ver Francisco Vidal Luna e Herbert S. Klein, Slave Society and

    Economy in So Paulo, Brazil, 1750-1850, Stanford, Stanford University Press, 2003, captulo 6.18 Existe uma questo intrigante na diferena verificada nas razes entre crianas e mulheres quando usamos a faixade 0-4 anos para crianas e de 14-44 anos para mulheres em vez da equao com crianas mais velhas e a faixa etriamais abrangente para as mulheres. Constatamos que os resultados obtidos para o nvel 0-4 anos das duas populaes,escrava e livre, aproximavam-se mais do que quando calculvamos o mesmo indicador para faixa de 0-9 anos. Asdiferenas na mortalidade de bebs e crianas poderiam explicar esse fenmeno? Ou existe algum tipo de distorono registro das idades dos escravos que gera um acmulo nas idades de 10 e 50 anos? Mudar a diviso usual e usaruma razo de crianas de 0-10 anos para mulheres de 15-50 poderia resolver esse problema. O emprego desse novocritrio fornece uma fecundidade para os escravos de 1.061 crianas para 1.000 mulheres em idades de 15 a 50 anos,mas no h mudana na fecundidade dos livres (1.174), o que aproxima os resultados das duas populaes. Essahomogeneidade sugere a surpreendente concluso de que talvez no houvesse grande diferena na mortalidade entreas crianas livres e as escravas, pois qualquer diferena significativa teria influenciado essas taxas de fecundidade.Entretanto, havia alguma diferena na fecundidade entre brancos e no-brancos na populao livre. Nessas novas

    categorias de idade, entre os brancos a taxa era de 1.275 crianas, e entre as pessoas livres de cor, de apenas 967crianas. Dividindo as pessoas livres segundo a cor, notamos uma drstica diferena em todos os grupos etrios narazo de masculinidade, com os forros de cor apresentando uma razo de masculinidade baixa, de 82 homens para100 mulheres, comparada a 104 homens para 100 mulheres entre os brancos. Mas comparando as razes demasculinidade das pessoas livres de cor por faixas etrias, havia uma inverso: os homens predominavam na faixaat 20 anos, e o oposto ocorria entre os adultos. Como interpretar isso? Uma possibilidade sub-registro dos homensadultos no censo, efetuado como meio de evitar o recrutamento militar. Outra hiptese que as distores entre ossexos no processo de alforria afetam a razo de masculinidade para as pessoas livres de cor, mas duvidamos que essapossibilidade possa explicar toda a disparidade. Uma terceira possibilidade seria a existncia de um intenso processomigratrio de homens livres de cor para outras localidades fora da provncia de Minas Gerais. Porm, como

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    sabemos, grande parte das migraes ocorreram entre regies da provncia, o que no afetaria os resultados.Finalmente, poderamos aventar que a mortalidade era maior entre os homens livres de cor. Mas essa mortalidaderelacionada ao trabalho teria afetado as mulheres trabalhadoras tambm. Dado o estado atual de nossos

    conhecimentos e as lacunas em nossas informaes, porm, estas hipteses tero de continuar na esfera dasconjeturas, e no das concluses19 Em Ouro Preto no ano de 1804 havia sinais evidentes de decadncia, com mulheres predominando entre aspessoas livres e tendo grande participao em todas as ocupaes e como solteiras chefes de domiclio. VerFrancisco Vidal Luna e Iraci del Nero da Costa, Contribuio ao Estudo de um Ncleo Urbano Colonial (Vila Rica:1804),Estudos Econmicos 8(3):1-68, set./dez. 1978.20 Ao contrrio dos censos de Minas Gerais, os de So Paulo no contm informaes sistemticas sobre forros.21 J no sculo XVIII em Minas Gerais encontramos uma proporo elevada de forros, incluindo alguns que j eramproprietrios de escravos. Nesta caso, mulheres compunham a maioria desses cativos recm-alforriados que setornaram senhores. Ver Francisco Vidal Luna e Iraci del Nero da Costa, A presena do elemento forro no conjunto

    de proprietrios de escravos, Cincia e Cultura 32(7):836-841, So Paulo, 1980.22 Ele era pardo, liberto, tinha 40 anos, era casado e trabalhava como comerciante.23 H uma srie de problemas na identificao das ocupaes em Minas Gerais, pois registraram-se indivduos com

    vrias ocupaes, impossibilitando, assim, determinarespecialmente no caso do cafqual a ocupao principal.No caso do acar, no houve problema para identificar os senhores de engenho.24 Com freqncia encontramos nos censos o termo genrico fazenda, sem especificaes quanto ao tipo deunidade agrcola ou de cultura produzida. Isso ocorreu em 405 casos, dos quais 284 domiclios possuam escravos.Esses domiclios totalizavam 4.113 cativos, portanto em mdia havia 14 escravos por fazendeiro, com o maiorproprietrio possuindo 393 escravos. Aparentemente algumas dessas fazendas foram engenhos de acar, mas nopodemos ser mais precisos devido s limitaes dos documentos.25 Encontramos alguns casos de engenhos de acar sem escravos, que provavelmente eram engenhocas produtorasde aguardente ou engenhos desativados.