Econômico com Dignidade Trabalho Humano e Desenvolvimento · Daniele Comin Martins Administrativo...

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Revista Jurídica da Nº: 01 - Ano: 2018 Trabalho Humano e Desenvolvimento Econômico com Dignidade Reforma Trabalhista

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Revista Jurídica da

Nº: 01 - Ano: 2018

Trabalho Humano e Desenvolvimento Econômico com Dignidade

Reforma Trabalhista

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REVISTA

DA ESCOLA ASSOCIATIVA DOS MAGISTRADOS DA

JUSTIÇA DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

Nº: 01 – ANO: 2018

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REVISTA

DA ESCOLA ASSOCIATIVA DOS MAGISTRADOS DA

JUSTIÇA DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

TRABALHO HUMANO E DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO COM DIGNIDADE

Nº: 01 – ANO: 2018

Imagem da Capa: Il quarto stato - Giuseppe Pellizza da Volpedo

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DIRETORIA EXECUTIVA ESMAT 15

Patrícia Maeda

Diretora Geral

Marcus Menezes Barberino Mendes

Vice-Diretor

Daniele Comin Martins

Administrativo e Financeiro

Camila Ceroni Scarabelli

Cursos de Duração Continuada

Marcelo Chaim Chohfi

Cursos de Curta Duração

Jorge Luiz Souto Maior

Convênios e Parcerias

Conselho Fiscal

Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa

Rita de Cássia Scagliusi do Carmo

Marcelo Bueno Pallone

Conselho Acadêmico

Marcus Menezes Barberino Mendes

Eleonora Bordini Coca

Rita de Cássia Penkal Bernardino de Souza

Carlos Eduardo Oliveira Dias

Márcia Cristina Sampaio Mendes

Amanda Barbosa

Vinícius de Miranda Taveira

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AUTORES

Adriana Campos de Souza Freire Pimenta

Juíza do Trabalho, Titular da 34ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG; Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana

Mackenzie de São Paulo e Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo.

Ben-Hur Silveira Claus

Mestre em Direito (UNISINOS); Professor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região; Professor da Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS (FEMARGS)

e Juiz do Trabalho do TRT da 4ª Região.

Camila Miranda de Moraes

Doutoranda em Direito do Trabalho pela PUC SP; Mestre em Direito Constitucional pela UNIFOR e Juíza do Trabalho Substituta do TRT da 7ª Região.

Fausto Siqueira Gaia

Doutorando em Direito do Trabalho pela PUC SP; Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV; Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 17ª Região.

Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani

Desembargador Federal do Trabalho da 15ª Região e membro da Academia Nacional de Direito Desportivo.

Francisco das C. Lima Filho

Desembargador do TRT da 24ª Região.

Mestre e doutor em Direito Social pela Universidad Castilla-la Mancha (Espanha).

Professor em pós-graduação em Direito do Trabalho na UCDB (Campo Grande – MS).

Heitor Oliveira Barbosa

Acadêmico de Direito na UCDB – Campo Grande – MS.

Jasiel Ivo

Professor Adjunto da Universidade Federal de Alagoas - UFAL; Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e Juiz do Trabalho Titular da Vara de Penedo -

Alagoas - TRT da 19ª Região.

Jorge Luiz Souto Maior

Graduação em Direito pela Faculdade de Direito Sul de Minas (1986); Mestrado (1995) e Doutorado (1997) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Professor livre docente da Universidade de São

Paulo; Diretor de Convênios e Parcerias da Escola Associativa dos Magistrados do Trabalho da 15ª Região e Desembargador do Trabalho no TRT-15.

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Júlio César Bebber

Juiz do Titular da 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande, Mato Grosso do Sul; Doutor em Direito do Trabalho pela USP. Fundador acadêmico da Academia de Letras Jurídicas do Estado de

Mato Grosso do Sul e Professor de Direito Processual do Trabalho.

Leonardo Evangelista de Souza Zambonini

Analista Judiciário vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região e comissionado a assistente e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP.

Maria Fernanda Souto Barreto Rezende

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Murilo C. S. Oliveira

Juiz do Trabalho na Bahia; Especialista e Mestre em Direito pela UFBA; Doutor em Direito pela UFPR; Membro do Instituto Baiano de Direito do Trabalho – IBDT e Professor Adjunto da UFBA.

Paulo Henrique Costa Lima

Bacharel em Direito pela Universidade Unigran- Dourados - MS

e Advogado Trabalhista em Brasília – DF.

Rosane Gauriau

Doutora em Direito pela Université Paris 1- Sorbonne; Membro do Institut de Recherche Juridique de la Sorbonne, Mestre em Direito Empresarial pela Université d´Angers; Pós-Graduada em

Direito do Trabalho pela Universidade Mackenzie; Graduada em Direito pela Universidade de Brasília e Servidora Pública.

Silvia Isabelle Ribeiro Teixeira do Vale

Possui graduação em Direito pela Universidade Potiguar (1998); Professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito, EMATRA5, CERS e da Escola Judicial do TRT da 5ª Região; Juíza do Trabalho no TRT da 5ª Região; Mestre em Direito; pela UFBA. Doutoranda pela PUC/SP; Membro do Conselho da

Escola Judicial do TRT da 5ª Região (2012); Coordenadora acadêmica da Escola Associativa da AMATRA 05, biênio 2013/2015. Membro do Conselho editorial da Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região e da

Revista Vistos etc. Autora da Obra "Proteção efetiva contra a despedida arbitrária no Brasil", pela LTr, ex-professora substituta da UFRN.

Valdete Souto Severo

Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP; Mestre em Direitos Fundamentais, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC do RS; Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e RENAPEDTS - Rede

Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social. Professora, Coordenadora e Diretora da FEMARGS - Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS; Especialista em Processo Civil pela

UNISINOS, Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela UNISC, Master em Direito do Trabalho, Direito Sindical e Previdência Social, pela Universidade Europeia de Roma - UER (Itália) e

Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade da República do Uruguai. Juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

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Tempos desafiadores reclama mais de todos nós:

Eis a Revista da ESMAT 15.

A Revista da ESMAT 15 vem à lume quando já vicejam os primeiros resultados sociais e

econômicos da Lei 13.467/2017. Mas as consequências jurídicas estão a se maturar. Muitas das

temáticas abordadas pelos colaboradores da Revista irão auxiliar na compreensão dessa lei desafiadora,

que contém nela não apenas imperfeições técnicas, mas um sentido desestruturador.

Desde seu veloz e ao mesmo tempo obstrutivo processo legislativo, que privilegiou o lobby em

forma de turba ideológica e obstruiu as organizações do conhecimento jurídico e mesmo a técnica

legislativa, até a Medida Provisória 808/2017, a chamada “reforma trabalhista” tem submetido a

sociedade brasileira a um regime de choque regulatório advindo do terror legislativo, que resulta na

criação de incerteza e insegurança. Isso na relação jurídica mais importante para o funcionamento da

sociedade: relação de trabalho assalariado.

Caberá à comunidade jurídica, especialmente aos integrantes do sistema de justiça do trabalho,

dar tratamento constitucional a essa tormenta regulatória que, apenas para ficar em um dos exemplos

mais significativos da falta de compromisso com a segurança jurídica e a confiança nas relações sociais

de produção, submeteu o setor de bares e restaurantes a quatro (isso mesmo) regimes jurídicos quanto

a fundante questão da remuneração das gorjetas.

Sem ceder ao risco de retrocesso social e às indevidas críticas aos integrantes do mais eficiente

ramo do Poder Judiciário, a Associação dos Magistrados da 15ª Região e a Escola Associativa dos

Magistrados do Trabalho da 15ª Região, trazem à lume uma contribuição acadêmica que buscou aliar

crítica estrutural com sólidos fundamentos jurídicos que permitem, minimamente, integrar as alterações

legislativas ao sistema jurídico de proteção do trabalho e promoção da dignidade da pessoa humana.

Boa leitura a todos!

Patrícia Maeda

Diretora Geral da ESMAT 15 – Biênio 2017-2019

Marcus Menezes Barberino Mendes

Vice-Diretor da e Coordenador Pedagógico da ESMAT 15 – Biênio 2017-2019

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SUMÁRIO

A REFORMA TRABALHISTA E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA .................. 10

ADRIANA CAMPOS DE SOUZA FREIRE PIMENTA

LEONARDO EVANGELISTA DE SOUZA ZAMBONINI

EXECUÇÃO TRABALHISTA EFETIVA: A APLICABILIDADE DO CPC DE 2015 AO CUMPRIMENTO DA

SENTENÇA .................................................................................................................................................. 32

BEN-HUR SILVEIRA CLAUS

ENSAIO SOBRE A REGRA EXCEPTIVA DA EXECUÇÃO MENOS GRAVOSA DO CPC DE 2015 E A

EXECUÇÃO TRABALHISTA ....................................................................................................................... 67

BEN-HUR SILVEIRA CLAUS

A APLICAÇÃO DO REGIME JURÍDICO ESPECIAL DA FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL NO PROCESSO

DO TRABALHO ........................................................................................................................................... 84

BEN-HUR SILVEIRA CLAUS

JÚLIO CÉSAR BEBBER

A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO TRABALHISTA DEPOIS DA REFORMA

TRABALHISTA INTRODUZIDA PELA LEI N. 13.467/2017 ....................................................................... 112

BEN-HUR SILVEIRA CLAUS

REFORMA TRABALHISTA E O CONCEITO DE SISTEMA JURÍDICO ...................................................... 137

CAMILA MIRANDA DE MORAES

FAUSTO SIQUEIRA GAIA

PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO X LEGISLADO – A REFORMA TRABALHISTA DA LEI

Nº 13.467/2017 ............................................................................................................................................. 156

FRANCISCO ALBERTO DA MOTTA PEIXOTO GIORDANI

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O EQUIVOCO DA TARIFAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTTRAPATRIMONIAIS

PELA LEI 13.467/2017 ................................................................................................................................. 166

FRANCISCO DAS C. LIMA FILHO

PAULO HENRIQUE COSTA LIMA

HEITOR OLIVEIRA BARBOSA

A REFORMA TRABALHISTA E A VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA .................. 183

JASIEL IVO

A “CLT DE TEMER” & CIA. LTDA. ................................................................................................................ 191

JORGE LUIZ SOUTO MAIOR

O ACESSO À JUSTIÇA SOB A MIRA DA REFORMA TRABALHISTA – OU COMO GARANTIR O ACESSO À

JUSTIÇA DIANTE DA REFORMA TRABALHISTA ....................................................................................... 209

JORGE LUIZ SOUTO MAIOR

VALDETE SOUTO SEVERO

A ARBITRAGEM COMO MÉTODO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS TRABALHISTAS ........................ 239

MARIA FERNANDA SOUTO BARRETO REZENDE

A EXECUÇÃO TRABALHISTA DEFORMADA: CRÍTICA À LEI 13.467/2017 ............................................... 271

MURILO C. S. OLIVEIRA

BREVES REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO INTERMITENTE À LUZ DA LEI Nº 13.467, DE 13 DE

JULHO DE 2017 ............................................................................................................................................ 285

ROSANE GAURIAU

A INCONSTITUCIONALIDADE DA DESPEDIDA COLETIVA IMOTIVADA .................................................. 294

SILVIA ISABELLE RIBEIRO TEIXEIRA DO VALE

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Revista da ESMAT 15 – Nº01 - 2018

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A REFORMA TRABALHISTA E A DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA

Adriana Campos de Souza Freire Pimenta

Juíza do Trabalho, Titular da 34ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG;

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais;

Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade

Presbiteriana Mackenzie de São Paulo

e Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade

Presbiteriana Mackenzie de São Paulo.

Leonardo Evangelista de Souza Zambonini

Analista Judiciário vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região,

comissionado a assistente e Bacharel em Direito pela Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo - USP.

A REFORMA TRABALHISTA E A ESSÊNCIA DO DIREITO DO TRABALHO

Ao argumento de modernizar as relações de trabalho no Brasil, entrará em vigor, após cento e vinte dias de sua publicação, havida em 13 de julho de 2017, a Lei 13.467, responsável pela maior flexibilização de direitos de que a seara trabalhista já foi alvo, manejada com o declarado fim de estimular a economia nacional, por meio da desregulamentação das relações laborais e sensível afastamento do Estado do papel de tutela que lhe era afeto. A partir de agora, como querem as alterações, o Governo haverá de se pautar pelo princípio da intervenção mínima, em sentido diametralmente oposto aos valores até então consolidados.

Com efeito, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, publicada em 1º de maio de 1943, mas já bastante modificada ao longo desses setenta anos, teve por linha condutora o princípio da proteção ao hipossuficiente, princípio este da essência do Direito do Trabalho, à consideração de que parte, enquanto sistema normativo, do pressuposto, tão assentado historicamente, da disparidade de forças inerentes às relações laborais.

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Princípios, como se sabe, são uma proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos. Constituem, nas palavras de Robert Alexy, “mandados de otimização”

1, na

medida em que demandam, na melhor forma possível, realização do arcabouço axiológico que refletem, segundo o qual o ordenamento jurídico deve ser erigido, ou seja, com fins à consecução daqueles valores.

Por isso, princípios, aqui tratando dos princípios com assento constitucional, têm conteúdo normativo, o qual vincula não só o intérprete, mas também o legislador, que fica impedido de editar regras que venham a contrariá-los, vedação, aliás, que é da essência do sistema democrático, no qual o poder político originário permanece afeto ao povo, a quem cabe, como soberano, determinar os rumos à luz dos quais pretende desenvolver-se como sociedade.

Canotilho define princípio como “conjunto de normas constitutivas para a identidade de uma ordem política e social e do seu processo de realização” afirmando que a Norma Fundamental de um Estado “ordena o processo da vida política e fixa limites às tarefas do Estado e da comunidade; mas é também um documento prospectivo na medida em que formula os fins sociais mais significativos e identifica o programa da ação constitucional”

2.

Em sede de Direito Individual do Trabalho, destaca-se, como já pontuamos, o princípio da proteção, voltado para a parte mais fraca e que busca compensar, com uma desigualação jurídica, em sentido inverso, a desigualdade fática, em homenagem ao princípio da igualdade em sua concepção material, segundo a qual os desiguais devem ser tratados desigualmente, na medida de suas desigualdades.

A proteção ao empregado tem uma série de desdobramentos e assento constitucional, no artigo 7º, caput, que estabelece os direitos dos “trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social” (Grifamos).

Referido dispositivo estabelece, na dicção de Maurício Godinho Delgado, Professor e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, uma função civilizatória e democrática

3.

A partir do princípio da proteção, vários outros de direito individual e de direito coletivo do trabalho se consagram, porque o legislador constituinte brasileiro fez a opção clara pela efetividade dos direitos fundamentais sociais

4.

Estamos em sede de direitos fundamentais de segunda (sociais) ou terceira geração (metaindividuais) em que, ao contrário dos direitos fundamentais de primeira geração, não se buscam, apenas, direitos e garantias diante do Estado, como liberdade e igualdade, mas, sim, prestações positivas que assegurem melhores condições de vida a todos os cidadãos e a eliminação dos

1 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 112

(Tradução livre).

2 CANOTILHO, JJ. Direito Constitucional, Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 147.

3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho, 16. ed., São Paulo: LTr, 2017, p. 55-59.

4 Sobre o tema já tivemos a oportunidade de escrever: PIMENTA, Adriana Campos de Souza Freire. Modelo de asociación

sindical em el presente: la experiência brasileña, In II jornadas de derecholaboral 2014 – II congreso latinoamericano de derecho material y procesal del trabajo, Bogotá: 2015, p. 167-191.

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denominados vazios de tutela pela extensão, aos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos)

5, da proteção jurisdicional antes assegurada apenas aos direitos subjetivos tradicionais, de

natureza estritamente individual.

Os direitos de segunda geração, também denominados prestacionais ou liberdades positivas, voltam-se, com efeito, à promoção da igualdade social, por meio de mandamentos que têm no Estado seu principal destinatário, a quem cabe o implemento da qualidade de vida de quem não tenha, por si, condições de alcançar melhorias em sua condição. Tais direitos, ademais, possuem avultada importância na seara trabalhista, porquanto constituem o cerne ou o eixo constitucional pétreo de regramento protetivo dos trabalhadores, em geral, e, principalmente, dos empregados

6.

Em resumo, aos poucos foi sendo operada uma evolução dos direitos fundamentais, com a superação histórica do paradigma liberal individualista

7.

O professor Cristiano Paixão8, de forma lapidar, trata a questão das conquistas e da ampliação dos

direitos em nosso país, mormente dos direitos sociais:

“Assim, os direitos sociais não são fruto de uma concessão de atores políticos à classe trabalhadora num determinado momento da trajetória política brasileira. Eles foram, em verdade, construídos pelos atores sociais ao longo de lutas, demandas, confrontos e estratégias de ação. É uma história rica e permeada de elementos contrastantes, e que precisa, sempre, ser resgatada. Quando se falar em interpretação constitucional, especialmente em matéria de direitos sociais, o que se coloca é a titularidade desse movimento de leitura e escritura, pois o texto constitucional se projeta para o futuro unicamente na perspectiva hermenêutica. Ele não existe fora de um contexto de aplicação. E há muitos atores envolvidos nesse movimento de leitura e escritura – as instituições, como os tribunais, são apenas um desses atores. São necessários, mas não são dominantes. Devem ser abertos à ressignificação constante do texto, e não enclausurados num universo de autorrepetição.

Movimentos sociais, compreendidos como sujeitos coletivos de direito, como é o caso dos sindicatos, são eles também autores do texto constitucional, na perspectiva em que foram protagonistas na sua escritura – e devem persistir nesse papel em sua releitura e reescritura. A linguagem dos direitos, particularmente no mundo do trabalho, desafia uma incessante reconstrução. Como dito por um narrador ao descrever uma experiência intensa de concentração de significados: “Toda linguagem é um alfabeto de símbolos cujo exercício pressupõe um passado que os interlocutores compartem”. Esse passado, no mundo do trabalho, é o do protagonismo dos trabalhadores na luta por aquilo que, na experiência brasileira, se resume, de modo inovador, numa tríade discursiva: trabalho, constituição e cidadania.

5 Definidos no artigo 81, parágrafo único da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor.

6 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 32 ed., São Paulo: Atlas, 2016.

7 Vide DELGADO, Maurício Godinho. As funções do Direito do Trabalho no Capitalismo e na Democracia. In: Constituição da

República e direitos fundamentais – dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho, DELGADO, Maurício Godinho, DELGADO, Gabriela Neves, São Paulo: LTr, 2012, p 75.

8 PAIXÃO, Cristiano. Mundo do trabalho entre passado e futuro: das greves de 1978/1980 à assembléia nacional constituinte de

1987/1988, In Como aplicar a CLT à luz da Constituição, VIANA, Márcio Túlio, ROCHA, Cláudio Janotti da (Coordenadores), São Paulo: 2016, p. 36-43.

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E ao contrário do que faça crer o fato de sempre vincularem, direta ou indiretamente, o Estado, os direitos fundamentais não são oponíveis apenas em face dele.

A eficácia horizontal desses direitos fundamentais, conceituada por Carlos Henrique Bezerra Leite como aquela que “decorre do reconhecimento de que as desigualdades estruturantes não se situam apenas na relação entre o Estado e os particulares, como também entre os próprios particulares”

9,

também é muito importante10

.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de decidir:

“SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCR ATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo

9 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais na relação de emprego, Revista LTr 75-01/24-29.

10 PIMENTA, Adriana Campos de Souza Freire. As ações coletivas e o incidente de resolução de demandas repetitivas do Novo

Código de Processo Civil , In O que há de novo em processo do trabalho, RENAULT, Luiz Otávio Linhares, VIANA, Márcio Túlio, FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara, FATTINI, Fernanda Carolina, PIMENTA, Raquel Betty de Castro (Coords.), São Paulo: 2015, LTr, p. 657-671.

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associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO” ( rel. Min. ELLEN GRACIE, rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, j. 11/10/2005, 2ª T., DJ 27/10/2006, p. 64) – Grifamos.

O Direito do Trabalho e o Direito do Consumidor são exemplos típicos de ramos jurídicos em que se parte de uma desigualação legislativa – onde as partes hipossuficientes são juridicamente protegidas – para se atingir a igualdade real entre particulares (empregado e empregador, empresa e consumidor), compensando-se a desigualdade existente no campo das relações econômicas e sociais. Ou seja, onde a igualdade formal

11 não é suficiente para assegurar, na prática, a igualdade real.

Isso é, nos dias de hoje, culturalmente mais facilmente aceito ao falarmos de Direito do Consumidor – embora se trate de ramo jurídico relativamente novo –, já que todos somos consumidores, pobres ou ricos, e temos consciência da nossa posição desprivilegiada perante as empresas, principalmente as de grande porte, cujos produtos, no mais das vezes, nos vemos compelidos, pela cultura de massa de consumo, a adquirir – enquanto que em relação aos trabalhadores isso não acontece

12.

Essa característica do Direito do Consumidor, que o assemelha ao Direito do Trabalho, é mencionada por Gianpaolo Poggio Smanio, dissertando sobre o princípio constitucional da vulnerabilidade do consumidor, com base no qual a legislação “reconhece necessidade de sua proteção especial, porque reconhece a sua vulnerabilidade dentro da relação de consumo.

13”

O já citado Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e Professor, Maurício Godinho Delgado, em outra obra, conceitua o Estado Democrático de Direito, esclarecendo que o “conceito inovador de Estado Democrático de Direito funda-se em um inquebrantável tripé conceitual: pessoa humana, com sua dignidade; sociedade política, concebida como democrática e inclusiva; sociedade civil, concebida como democrática e inclusiva.

14”

Verificamos isso de forma mais enfática no Estado Brasileiro, que tem como fundamentos o valor do trabalho e da livre iniciativa, além da dignidade da pessoa humana

15, todos no mesmo patamar.

11

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes” (CF/88).

12 Sobre o tema, vide: PIMENTA, Adriana Campos de Souza Freire. Substituição processual sindical, São Paulo: LTr, 2011, p.44.

13 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses Difusos e Coletivos, São Paulo: Atlas, 2007, p. 103.

14 DELGADO, Mauricio Godinho. Constituição da República, Estado Democrático de Direito e Direito do Trabalho. In: Direito

Constitucional do Trabalho – Princípios e Jurisdição Constitucional do TST, DELGADO, Gabriela Neves, PIMENTA, José Roberto Freire, VIEIRA DE MELLO FILHO, Luiz Philippe, LOPES, Othon de Azevedo (Coord.), São Paulo: 2015, Direito.UNB, LTr, TST, p. 30.

15 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,

constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

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Assim, a não ser que se pretenda afrontar, direta e propositalmente, a Norma Constitucional, não se pode falar em abandonar o princípio da proteção, explícito no já citado artigo 7º., caput e inciso I, da Constituição Federal, este último ainda não regulamentado

16, in verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - Relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

Aliás, trata-se de um traço marcante das constituições democráticas do pós II Guerra, de Estados em que o nível de vida é, sabida e indiscutivelmente, superior ao nosso e a sociedade bem mais organizada, com menor desigualdade e sem tantos gaps de proteção.

Sobre o tema, Paulo Bonavides assim disserta17

:

“O Estado social da democracia distingue-se, em suma, do Estado social dos sistemas totalitários por oferecer, concomitantemente, na sua feição jurídico-constitucional, a garantia tutelar dos direitos da personalidade.

A Constituição francesa de 1946, tão prolixa na discriminação dos direitos sociais e tão sóbria respeitante aos direitos fundamentais e tradicionais, como direitos perante o Estado, juntamente com a Constituição de Bonn, que fundou, sem rodeios, um Estado Social, denotam a irrefragável preponderância da ideia social no constitucionalismo contemporâneo, mas nem por isso enfraquecem as esperanças de que esse princípio generoso e humano de justiça não se possa compadecer com a tese não menos nobre e verídica da independência da personalidade.

Vencidos os escolhos que apontamos, o Estado social da democracia realizará esse equilíbrio.

Daí a razão por que lhe consagramos nossa preferência política e doutrinária, sem embargo de reconhecermos, conforme ficou dito, as dificuldades que, na ordem positiva dos entrechoques políticos, tão usualmente destroem a sua escala de valores e levantam

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.”

16 A Convenção 158 da OIT, relativa ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, em cumprimento ao texto

constitucional insculpido no inciso I, do artigo 7o., supramencionado, foi denunciada pelo então Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, em 20 de dezembro de 1996.

Sobre os textos, consultar:

http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_158.html.

Acesso em 09/08/2017.

17 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 204.

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no ânimo dos tímidos e desencorajados graves apreensões sobre o futuro da ideologia democrática.”

A já tão espoliada América Latina não pode, por escolha sã, optar por dar as costas aos mais pobres e sem acesso à educação, à saúde, ao emprego, direitos assegurados a todos, indistintamente, no texto constitucional

18.

O que devemos buscar é tornar realidade a constituição cidadã de 198819

e, não, mudar o texto fundamental e a sua interpretação de modo a tornar nossa desigual condição atual justificada constitucional e legalmente

20.

A propósito do continente sulamericano, como um todo, Jürgen Weller e Claudia Roethlisberger21

:

“En años recientes, muchos países de la región han hecho esfuerzos para mejorar la calidad de empleo, sobre todo por medio de la formalización de las relaciones laborales, pero también por medio del fomento de la capacitación y de la organización sindical. Em efecto, para el fomento de la calidad del empleo por el lado de la institucionalidad, el contrato de trabajo aparece como instrumento clave, dado que está altamente correlacionado com casi todos los otros indicadores. Otras áreas com espacio para mejoras de la calidad de empleo por meio de intervenciones políticas son al jornada excesiva, la sindicalización y la capacitación, pero también otras que este trabajo dejó sin medir, como son la seguridad y la higiene em el trabajo.

Em consecuencia, se subraya por um lado la importância de políticas para fomentar el crecimiento econômico, la productividad laboral y la convergência de la estructura

18

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

19 Expressão empregada por Ulysses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em relação à então nova

Constituição Federal “porque teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania” (SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 90).

20 Sobre o tema consultar dados do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, divulgado em

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/21/politica/1490112229_963711.html.

Acesso em 09/08/2017.

21 WELLER, Jürgen, ROETHLISBERGER, Claudia. La calidad del empleo en América Latina: um análisis de conjunto. In: La calidad

del empleo em América Latina a princípios del siglo XXI, FARNÉ, Stefano (Compilador), Bogotá: 2012, Universidad Externado de Colombia, p. 33-118.

Nos últimos anos, muitos países da região fizeram esforços para melhorar a qualidade do emprego, sobretudo através da formalização das relações de trabalho, mas também através da promoção da formação e da organização sindical. Com efeito, para promover a qualidade do emprego pelo lado das instituições, o contrato de trabalho aparece como um instrumento fundamental, uma vez que é altamente correlacionado com quase todos os outros indicadores. Outras áreas com espaço para melhoria na qualidade do emprego por intervenções políticas são a jornada excessiva, a sindicalização e a capacitação, mas também outros que este trabalho deixou sem medir, como segurança e higiene em trabalho.

Em consequência, se destaca por um lado a importância das políticas para promover o crescimento econômico, a produtividade do trabalho e a convergência da estrutura de produção, e por outro os espaços de instituições de trabalho para melhorias na qualidade do emprego, através de mecanismos legais e da negociação coletiva (Tradução livre).

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productiva, y por el outro los espacios de la institucionalidad laboral para mejoras de la calidad del empleo, por médio de mecanismos legales y de la negociación colectiva.”

Alterar uma legislação estruturada em torno de princípios próprios, direcionada a regulamentar as relações de trabalho e em estrita consonância com a CF/88, por si só, em nada moderniza a relação de trabalho. Ao contrário, ajuda a desconstruí-la, sem a substituir por algo com cientificidade e sistematização, permitindo, no nosso sentir, a possibilidade de exploração ilícita e desleal do mais fraco.

Bem por isso, e à consideração de que não é dado à lei excluir ao Poder Judiciário o exame de lesão ou ameaça a direito, a teor do contido no inciso XXXV, do art. 5º, da Carta Política, entendemos que um dos mais propalados objetivos da reforma, a saber, evitar ou diminuir a judicialização das relações de trabalho, também não será alcançado, e com muito mais razão nos primeiros anos de vigência das novas normas, à consideração de que, aos conflitos trazidos por elas, somar-se-ão outros, cuja origem remonte aos contratos de trabalho hoje celebrados à luz da antiga regulamentação. Como já ponderamos, tal qual em outras áreas do Direito, o Direito do Trabalho procura compensar com uma desigualação legal em sentido inverso a desigualdade econômica que, por definição, encontra-se presente entre patrões e empregados. É também essencial a já igualmente mencionada valoração equitativa do trabalho e da livre iniciativa, sem nos olvidarmos da notória natureza alimentar do salário e da centralidade do trabalho na vida das pessoas, essencialmente dos mais pobres. Em resumo, as partes contratantes não são idênticas e, como desiguais e nesta proporção, devem ser tratadas, de forma séria e leal, frisamos. A prevalecer a ficção da igualdade absoluta entre elas, que pelo menos apliquemos o Código Civil, o qual prestigia a boa-fé nos negócios jurídicos, de forma sistemática e organizada, sem se olvidar da dignidade da pessoa humana e das consequentes normas de ordem pública, prevalecentes onde o Estado tem por dever tutelar as relações

22.

Nesse sentido, é também a doutrina civilista, a partir do Código Civil/2002, conforme disserta Rose Melo Venceslau: “O Código Civil de 2002 rompeu com a estrutura codificada no tratamento do negócio jurídico ao consolidar a teoria dualista. Como se sabe, o Código Civil de 1916 adotou a teoria unitária do ato jurídico, disciplinando conjuntamente o ato jurídico em sentido estrito e o egócio jurídico. Ainda assim, via de regra, o estudo do tema considerava a existência de duas categorias distintas. A categoria do negócio jurídico teve alta relevância num momento em que se procurava firmar a autonomia privada como auto reguladora das relações. Hoje, o que se tem é a revisão do dogma da autonomia privada. Nem sempre, a pessoa poderá regular seus interesses da forma que lhe convier, pois a tutela da vontade possui limitações em preceitos de ordem pública. Principalmente, a proteção da dignidade da pessoa humana surge como um limitador, uma vez que impõe seu respeito, mesmo contra vontade do declarante.... E para equilibra a importância da vontade nos negócios jurídicos, além de outras normas antes carentes de solução normativa, o novo Código Civil trouxe a boa-fé objetiva como critério interpretativo, mas que completa sua função como justificadora de deveres anexos que surgem no curso de uma obrigação, ao lado e em função do dever principal, especialmente nos contratos.”

22

VENCELAU, Rose Melo. O negócio jurídico e as suas modalidades, In A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional, TEPEDINO, Gustavo (Coord.), Rio de Janeiro: 2003, 2. ed., Renovar, p. 226-227

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É nesse sentido que hoje, mesmo no âmbito dos contratos paritários, a promoção da igualdade substancial, de que o princípio do equilíbrio processual é forte matiz, constitui-se como um dos alicerces hermenêuticos do negócio jurídico e tem no instituto da lesão (art. 157 do Código Civil

23) e nas teorias da

imprevisão e da onerosidade excessiva seus principais reflexos.

CONCILIAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS DO CONTRADITÓRIO E DA

EFETIVIDADE – ESPECIFICIDADES DO PROCESSO DO TRABALHO Feitas essas considerações gerais acerca do Direito do Trabalho e da sua essência protetiva, mister tratarmos do Processo do Trabalho, que, sabidamente, estabelece os procedimentos para as pretensões trabalhistas deduzidas em juízo. O Processo do Trabalho, dotado de autonomia didática e doutrinária, possui princípios próprios, v.g., celeridade, concentração, informalidade, oralidade, economia processual, dentre outros, plenamente compatíveis com o arcabouço principiológico constitucional citado, afinal voltado, precipuamente, para a efetivação prática do Direito do Trabalho (artigo 7º., CF/88), este, por sua vez, tendo por função primeira a proteção ao trabalhador hipossuficiente. Da mesma forma que não podemos interpretar a Constituição Federal à luz do direito infraconstitucional, como já enfatizamos anteriormente, também este ramo especial do direito infraconstitucional – o Processo do Trabalho – não pode ser posto em prática como se de Direito Processual Comum se tratasse, pois deve se prestar, teleologicamente, a efetivar os direitos sociais constitucionalmente (materialmente) assegurados. Com efeito, o artigo 769 da CLT continua a exigir compatibilidade principiológica para aplicação dos institutos do Processo Civil, nos casos de omissão da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

24.

Contudo, hodiernamente, v.g., o Processo civil – que também passou por recente modificação legislativa significativa (CPC/2015: Lei 13.105, de 16 de março de 2015) –tem buscado prestigiar as tutelas de urgência e de evidência, de modo a garantir ao jurisdicionado o bem da vida, de forma mais célere

25, medida que nos parece plenamente consentânea com os fins do processo do trabalho, frise-se,

voltado a dar efetividade aos direitos titulados pelo trabalhador, o que, à evidência, não ocorre na hipótese de serem necessários anos de tramitação de seu processo judicial para que o bem da vida perseguido seja-lhe entregue. Saliente-se que a legislação processual comum, em alguns pontos, chega a ser mais coerente e menos preconceituosa, d.v., que a reforma trabalhista. Destacamos, no particular, a nova redação do artigo 844, da CLT, in verbis:

“Art. 844. ...

23

“Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”

24 Vide PIMENTA, Adriana Campos de Souza Freire. Substituição Processual Sindical, op cit..

25 V. os artigos 294, 295, 300, 301, 303, 304 e 1.059, do CPC/2015.

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§ 1o Ocorrendo motivo relevante, poderá o juiz suspender o julgamento, designando nova

audiência.

§ 2o Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das

custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.

§ 3o O pagamento das custas a que se refere o § 2

o é condição para a propositura de

nova demanda” (Grifamos).

Qual a razão de se apenar, por regra, o empregado (geralmente desempregado, a propósito) que se atrasa para uma audiência trabalhista?

O normal é que ele não se atrase e, se o faz, isso costuma acontecer por problemas alheios à sua vontade, como trânsito, dificuldade de transporte, distâncias a enfrentar, etc, tanto mais porque nenhuma vantagem, no mais das vezes, ele haveria de auferir da sua ausência à audiência, e isso mesmo considerando-se a anterior redação desse dispositivo consolidado.

Não deveríamos tratar as exceções como se fossem a regra, considerando-se que a norma processual comum

26 e a própria norma em comento

27 já nos dão solução para isso?

26

Da Responsabilidade das Partes por Dano Processual (Código Civil/2015)

Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente. Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. § 1

o Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse

na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. § 2

o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-

mínimo. § 3

o O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo

procedimento comum, nos próprios autos.

27 Da Responsabilidade por Dano Processual (CLT)

‘Art. 793-A. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como reclamante, reclamado ou interveniente.’ ‘Art. 793-B. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.’ ‘Art. 793-C. De ofício ou a requerimento, o juízo condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a 1% (um por cento) e inferior a 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. § 1

o Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juízo condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na

causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

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Seria constitucional dificultar o acesso à justiça daquele que não tem como arcar com as despesas do processo sem prejuízo de seu sustento?

São questões a serem enfrentadas, doravante28

.

Na verdade, o dilema real dos aplicadores do direito é ver cumpridas as decisões judiciais proferidas e não filigranas jurídicas, como a acima trazida pela alegada modernização da lei trabalhista, d.v.

Melhor ainda que não cheguem a existir as demandas e que nosso direito seja tão efetivo que o descumprimento reiterado e consciente da lei seja desestimulado. E, para isso, devemos voltar nossa preocupação.

As sentenças que não mudam a realidade, entregando àquele que tem razão o bem da vida pleiteado judicialmente, frustram a todos, mormente Magistrados e a Parte que tem razão, além de contribuírem, em muito, para o desprestígio do Poder Judiciário.

Processos lentos – principalmente na fase executiva – favorecem àquele que não tem razão.

Sobre tal tema têm se debruçado o próprio Poder Judiciário e instituições como o Conselho Nacional de Justiça – CNJ e as estatísticas mostram que o percentual de execuções trabalhistas que não chega ao fim é grande. Apenas 30%, em média, são bem-sucedidas!

29.

Entender o direito a um processo célere e efetivo como um direito fundamental importa em, aí sim, atingirmos um patamar de sociedade moderna, de fato

30.

Maurício Godinho Delgado nos auxilia, também neste particular

31:

§ 2

o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até duas vezes o limite máximo dos

benefícios do Regime Geral de Previdência Social. § 3

o O valor da indenização será fixado pelo juízo ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo

procedimento comum, nos próprios autos.’

28A propósito, vale conferir a ADI 5766 ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no Supremo Tribunal

Federal, com pedido liminar, contra dispositivos da reforma trabalhista que, na visão do chefe do Ministério Público da União, importariam em “restrições constitucionais à garantia de gratuidade judiciária aos que comprovem insuficiência de recursos, na Justiça do Trabalho”.

Vide: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=353910

Acesso em 07/09/2017.

29 A propósito, Relatório “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça, 2016, ano base 2015:

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/b8f46be3dbbff344931a933579915488.pdf. Consulta em 09/08/2017.

30 Já desenvolvemos o assunto em outras oportunidades: PIMENTA, Adriana Campos de Souza Freire. Substituição processual

sindical e efetividade dos direitos fundamentais sociais: uma visão prospectiva, Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 78, no. 2, abr/jun/2012, São Paulo: Lex Magister, pp. 24 - 41.

31 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 16. ed., São Paulo: LTr, 2017, p. 132-133.

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“A Constituição de 1988 trouxe, nesse quadro, o mais relevante impulso já experimentado na evolução jurídica brasileira, a um eventual modelo mais democrático de administração dos conflitos sociais no país.

Além disso, a Constituição da República criou as condições culturais, jurídicas e institucionais necessárias para superar antigo e renitente nódulo do sistema trabalhista do Brasil: a falta de efetividade de seu Direito Individual do Trabalho. Ao reforçar, substancialmente, a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, a par de garantir o manejo amplo de relevância da política pública de contínua inserção econômica e social dos indivíduos, por meio do Direito do Trabalho, no contexto da democratização da sociedade civil.”

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O PROCESSO DO TRABALHO

A partir de tais reflexões e tratando agora do tema central de nosso trabalho, impende compatibilizar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica com as características essenciais do Processo do Trabalho e que o distinguem do Processo Civil Comum.

É na fase de execução da sentença que se concretiza, para o Reclamante, o direito já tornado certo na fase de conhecimento do processo judicial.

O recebimento de seu crédito, sabidamente de natureza alimentar, representa a solução do processo, na medida em que, é absolutamente irrelevante para o trabalhador a distinção entre a fase de conhecimento e a fase de execução.

Mas não é o que normalmente acontece, importando o sucesso da fase executiva na principal questão a se solucionar no Processo do Trabalho e no processo como um todo

32.

Atender ao paradigma constitucional da duração razoável do processo

33, importa em assegurar a

efetividade prática do comando exequendo e, neste sentido, o Judiciário do Trabalho tem buscado implementar os meios necessários para tanto

34.

32

Vale conferir, novamente, o Relatório “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça, 2016, ano base 2015, que deixa evidente o grande número de processos com solução de mérito, que não são efetivamente quitados:

“Para bem ilustrar o desafio a ser enfrentado, constava na Justiça do Trabalho um acervo de 5 milhões de processos que estavam pendentes de baixa ao final do ano de 2015, dentre os quais, 42% se referiam à fase de execução” (5 Justiça do Trabalho – 5.6 Gargalos da execução):

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/b8f46be3dbbff344931a933579915488.pdf. Consulta em 09/08/2017

33 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

34 PIMENTA, José Roberto Freire; PIMENTA, Adriana Campos de Souza Freire. Uma execução trabalhista efetiva como meio de

se assegurar a fruição dos direitos fundamentais sociais, In Execução trabalhista. O desafio da efetividade, CLAUS, Ben-Hur Silveira; ALVARENGA, Rubia Zanotelli de (Coords.) São Paulo: 2015, LTr, p. 48-73.

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Nesse contexto de inefetividade, surge a discussão acerca da desconsideração da personalidade jurídica, muitas vezes requerida em sede de Processo do Trabalho, mormente na fase de execução, quando não se consegue executar o devedor principal, pessoa jurídica.

De origem relativamente recente, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou teoria da penetração (disregard of the legal entity), hoje plenamente internalizada em nosso ordenamento, tem em Rolf Serick o sistematizador de sua concepção clássica, haurida a partir do tratamento dado ao tema pelas jurisprudências inglesa e norte-americana, nas quais vinham se assentando precedentes no sentido da possibilidade de afastarem-se os efeitos da personalidade jurídica manejada em abuso contra credores

35.

Na mesma linha, Fredie Didier Jr, explicitando que

36:

“A pessoa jurídica é, portanto, um instrumento técnico-jurídico desenvolvido para facilitar a organização da atividade econômica. É técnica criada para o exercício da atividade econômica e, portanto, para o exercício do direito de propriedade. A chamada função social da pessoa jurídica (função social da empresa) é corolário da unção social ad propriedade. Se assim for, o caráter de instrumentalidade implica o condicionamento do instituto ao pressuposto do atingimento do fim jurídico a que se destina. Qualquer desvio ou abuso deve dar margem para a aplicação da sanção contida na desconsideração da personalidade jurídica, segundo a doutrina brasileira.”

Como paradigma, nota-se que o autor adotou o caso Salomon vs Salomon & Co. Ltda, no qual os efeitos da personificação foram desconsiderados pela primeira vez, em 1897, na Inglaterra, após constatar-se havida flagrante confusão patrimonial entre Aaron Salomon e a companhia de cujas ações detinha praticamente a totalidade, integralizadas por meio de superfaturada cessão de fundo de comércio por cuja diferença ele permaneceu credor, instituindo, ainda, garantia real em seu benefício, de sorte que, na falência, pudesse executar seu crédito preferencialmente aos demais credores

37.

A propósito, no entanto, é importante mencionar que, ao revés do que faça inicialmente crer, referida teoria não anula, mas ratifica o instituto da personalização da pessoa jurídica, cuja autonomia é passível de ser excepcionalmente desconsiderada, afinal, somente em âmbito judicial, e apenas quanto a determinadas relações. A personalidade da instituição continua a não se confundir com a de seus sócios, a quem apenas é estendida a responsabilidade por específicos débitos

38.

Enquanto ferramenta jurídica, a teoria da desconsideração tem como objetivo último permitir que se transpasse a personalidade social, a fim de que a responsabilidade pelo adimplemento de uma obrigação titulada inicialmente pela sociedade recaia sobre o patrimônio de seus administradores e sócios, de forma a garantir, ou ao menos aumentar as probabilidades, de que o crédito seja satisfeito. No início, essa possibilidade limitava-se a casos de fraude e manifesta má-fé. Atualmente, contudo, os pressupostos para sua aplicação são bem menos exigentes, a depender do caso. Como é consabido, as pessoas jurídicas gozam de existência e personalidade diversas às de seus

35

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2, p. 37.

36 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de

Conhecimento, 19a. ed. , Salvador: Ed. Jus Podium, 2017, p. 579.

37 FIÚZA, César. Direito Civil – Volume Único, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 102.

Fredie Didier Jr pondera que, embora paradigmática, a “decisão final – dada pela House of Lords – reverteu a decisão da Corte de Apelação e garantiu a autonomia da pessoa jurídica” (DIDIER Jr, Fredie, op. cit., p. 580-581.

38 Ibidem, p 101.

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membros (arts. 4539

e 1.02440

do Código Civil de 2002), de sorte que, pelo princípio da entidade, também denominado princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, seus respectivos patrimônios, entendidos como complexo de direitos e obrigações, podem ser, a depender do tipo de entidade criado, reciprocamente autônomos. Disso decorre também a possibilidade de que a instituição seja, de forma independente, titular de relações jurídicas. No entanto, essa separação, fundamental para a promoção da atividade empresária nos moldes atuais, na medida em que incentiva o empreendedorismo ao limitar a responsabilidade dos sócios pelas dívidas contraídas no exercício do comércio

41, pode ser utilizada

para fins diversos, claramente voltados a fraudar a satisfação de créditos titulados contra a pessoa jurídica, cujo patrimônio, não raras vezes, é dilapidado por seus proprietários e administradores, a fim de dificultar ou mesmo inviabilizar a respectiva execução, dentre tantas outras espécies de ardil. Foi nesse cenário que a desconsideração da personificação do ente mostrou-se ferramenta de grande valor. Contudo, e a despeito das inúmeras críticas tecidas pela doutrina

42, foi no âmbito do Direito

Consumerista, especificamente por meio do art. 28, caput, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)

43, que houve a pioneira integração da teoria ao ordenamento nacional, a partir de então

composto por previsão legislativa cujo alcance não apenas permite ao magistrado desconsiderar a personalidade jurídica à hipótese de a empresa, em prejuízo do consumidor, agir em afronta à lei ou a seus estatutos, mas também quando a personalidade, de alguma forma, consubstanciar obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores – norma cujo teor, mutatis mutandis, foi reproduzido pelo art. 4º da Lei 9.605

44, que regula os crimes ambientais. Aqui, portanto, nota-se flagrante

evolução do instituto, cuja aplicação passou a não mais se limitar aos requisitos pensados inicialmente. Posteriormente, mas na senda original da teoria, o art. 50, do Código Civil de 2002, trouxe ao âmbito geral das relações paritárias, assim que mantidas as disposições elaboradas a propósito no contexto de específicos sistemas legais (Enunciado 51 do CJF

45), disposição no sentido de que “Em caso

de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o Juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”. Justamente nos dispositivos citados acima refletem-se as duas principais teorias a respeito dos

39

“Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.”

40 “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens

sociais.”

41 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado, 6ª Ed. Rev. - Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método,

2016, p 308.

42 Por todos: “Na verdade, o único elo de ligação entre o dispositivo legal do Código de Defesa do Consumidor e a Teoria da

Desconsideração consiste no abuso de direito, pois os demais casos são apenáveis por si sós, não carecendo de buscar-se o culpado, que se esconde atrás da personalidade jurídica da sociedade.” (MARSHALL, Carla. A sociedade por quotas e a unipessoalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 139.)

43 “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver

abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”

44 “Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de

prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”

45 “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica - disregard doctrine - fica positivada no novo Código Civil, mantidos

os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.”

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pressupostos necessários à desconsideração da personalidade jurídica, a teoria menor e a teoria maior, também denominadas, respectivamente, objetiva e subjetiva. A primeira delas, teoria menor, adotada pelo art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, tem no mero prejuízo ao credor o elemento suficiente para desconsideração da personalidade. Quer dizer, não é necessária a comprovada existência de abuso ou fraude para que os efeitos da personificação sejam desconsiderados, bastando que a personalidade social constitua óbice objetivo à satisfação do credor, do que exsurge largo espectro de possibilidades para sua desconsideração, dentre elas a mera insolvência. Constitui-se, portanto, em método para garantir a satisfação do crédito a que a norma atribua especial importância, seja por sua natureza, seja pela qualidade de seu titular, de forma a ser alçada a posição superior em relação à separação patrimonial na escala de valores tutelados pelo ordenamento. De seu turno, a teoria maior, de ares clássicos, consagrada como regra geral pelo art. 50 do Código Civil, é no sentido de que, além do prejuízo, é necessário que tenha havido abuso da personalidade, entendido este como ofensa à lei ou aos estatutos da entidade. Bem se vê, então, que o número de exigências para desconsideração é inversamente proporcional ao nível de proteção que o respectivo ramo jurídico queira dar a uma das partes das relações que regulamenta, observado que, no âmbito das trocas de consumo, o ordenamento confere especiais prerrogativas ao consumidor (bem refletidas também na teoria do risco interno da atividade

46), tomado

como hipossuficiente perante a empresa fornecedora, desnível que, a priori, e de forma geral, não se considera ínsito aos negócios de índole estritamente civil. Diante da consideração de que o Direito do Trabalho tem como fundamento tutelar ou proteger o trabalhador diante do poder econômico titulado pelo empregador, entendemos que a primeira das teorias, ou seja, teoria menor ou objetiva, coaduna-se melhor com os princípios norteadores das relações de trabalho, notadamente as de emprego, e pode ser aplicada ao processo trabalhista a teor dos arts. 2

o,

parágrafo 2º., 9o e 455 da CLT, que atribuem ao juiz o poder/dever de impor responsabilidade a todos

que se beneficiem do labor do trabalhador. O instituto pode ser utilizado, inclusive, de forma inversa, passando do patrimônio do sócio para o da empresa – pessoa jurídica – caso haja indícios fortes de que houve transferência de bens particulares do sócio para a sociedade, com o fim evidente de dificultar a execução. A propósito, destaca-se o texto doutrinário abaixo, da lavra do Professor e Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault e da Dra. Maria Isabel Franco Rios

47:

“A desconsideração inversa acontece de maneira oposta à desconsideração direta. Ela parte da desconsideração da pessoa física para atingir o patrimônio da empresa, ao contrário da desconsideração direita, que parte da desconsideração da pessoa jurídica para chegar ao patrimônio do sócio. Embora a estrutura técnico-científica seja idêntica, a sua força é centrípeta, porque o esvaziamento patrimonial se dá de fora para dentro, isto é, da pessoa natural para a pessoa jurídica.

A autonomia da pessoa física é desconsiderada, mitigando-se a separação subjetiva existente entre o seu patrimônio e o da pessoa jurídica, com o objetivo de conferir resultado útil à demanda.”

46

“Art. 14, CDC: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

47 RENAULT, Luiz Otávio Linhares; RIOS, Maria Isabel Franco. A desconsideração inversa da personalidade jurídica e a

efetividade da execução na seara trabalhista, In O que há de novo em processo do trabalho, RENAULT, Luiz Otávio Linhares, VIANA, Márcio Túlio, FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara, FATTINI, Fernanda Carolina, PIMENTA, Raquel Betty de Castro (Coords.), São Paulo: 2015, LTr, p.596.

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O CPC de 2015 tratou do incidente, em seu artigo 133 e seguintes, in verbis:

“DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos

previstos em lei.

§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da

personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as

anotações devidas.

§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade

jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2

o.

§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais

específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.”

Quanto à aplicação supletiva e subsidiária desse incidente ao Processo do Trabalho, nos moldes dos artigos 15 do CPC/2015 e 769 a CLT, a Instrução Normativa 39, do Tribunal Superior do Trabalho, editada através da sua Resolução 203, de 15 de março de 2016, já entendia por sua compatibilidade:

“RESOLUÇÃO Nº 203, DE 15 DE MARÇO DE 2016. Edita a Instrução Normativa n° 39, que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva.

...

Art. 6° Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil (arts. 133 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (CLT, art. 878). § 1º Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente: I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do art. 893, § 1º da CLT; II – na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo; III – cabe agravo interno se proferida pelo Relator, em incidente instaurado originariamente no tribunal (CPC, art. 932, inciso VI). § 2º A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC.”

O argumento central para tal aplicabilidade seria assegurar a um suposto responsável patrimonial

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o direito a um justo processo, antes de ver atingidos seus bens, além de unificar os procedimentos, sabidamente díspares nas diversas Varas do Trabalho do Brasil.

Nessa senda, Nelson Nery Junior, depois de afirmar que o novo CPC aplica-se subsidiariamente ao processo trabalhista na falta de regramento específico, acrescenta que, “de qualquer modo, a aplicação subsidiária do CPC deve guardar compatibilidade com o processo em que se pretenda aplicá-lo”, acrescentando que a sua aplicação supletiva também deve levar em conta este princípio

48. Isto

porque, mesmo após a edição da Resolução supra, a discussão não cessou, alegando-se a incompatibilidade entre o procedimento legal e a celeridade do Processo do Trabalho.

Tal debate, contudo, está superado, d.v., com a edição da Reforma Trabalhista através da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, determinando-se, de forma expressa, a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao Processo do Trabalho, através do novo artigo 855-A da CLT:

“Do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica

Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil.

§ 1o Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:

I - na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1o do art. 893 desta

Consolidação;

II - na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;

III - cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal.

§ 2o A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da

tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).”

Exatamente por estarmos estendendo a responsabilidade a terceiro, isto é, quem não contraiu o débito (pelo menos não pessoalmente e, sim, utilizando-se da personalidade jurídica), é realmente de crucial importância conciliar-se a efetividade, aqui já tão tratada, com o contraditório, garantia constitucional essencial do processo justo. Esta é a preocupação da reforma, como também foi a da Instrução Normativa 39, do C.TST, retromencionada. Trazemos à colação, a esse respeito, o ensinamento do Professor e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, João Oreste Dalazen:

“A nova concepção de contraditório do CPC de 2015, inspirada no direito processual europeu, parte da premissa de que, em um Estado Democrático de Direito, o processo também deve ser um instrumento democrático e cooperativo.

48

NERY JR, Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil – Novo CPC – Lei 13.015/2015, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 232.

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Por isso, todos os sujeitos processuais têm direito de colaborar na construção do provimento jurisdicional, expondo uma visão diferente, eventualmente suscetível de mudar o convencimento do juiz ou do tribunal.

Eis porque, como corolário lógico do sistema, bem se compreende que o CPC de 2015 haja criado um incidente processual típico, no título dedicado às modalidades de intervenção de terceiros, com procedimento específico, de observância obrigatória, para a desconsideração da personalidade jurídica.

De modo que, ao fazê-lo, o CPC/2015 apenas reafirmou a primazia e a transcendental valorização que atribuiu à nova concepção de contraditório, efetivo e prévio, em regra, de forma a impedir a decisão surpresa.

A rigor, o IDPJ não passa de um desdobramento lógico dos arts. 9º e 10º do CPC.

A premissa é a distinção entre o débito e responsabilidade patrimonial.

Nessa perspectiva transparece claro que se se quer obter, no processo, a responsabilidade patrimonial de terceiro por dívida de outrem – terceiro estranho ao título executivo -, é absolutamente inarredável que se assegure contraditório prévio ao terceiro.

Em outras palavras, se o que se busca é alcançar o patrimônio de uma pessoa que não é devedora, mas terceira, segundo o título executivo, é muito mais congruente com o sistema de normas do CPC/2015 e consentâneo com o princípio do devido processo legal que seja dada oportunidade de prévia manifestação a essa pessoa.

Afinal, uma vez citada para o IDPJ ela passa a compor também a relação processual e, como tal, também não pode ser vítima de decisão surpresa.”

A aplicação do instituto da desconsideração ao processo do trabalho não afasta, contudo, a possibilidade de o magistrado do trabalho, em caso de necessidade, também valer-se simultaneamente das tutelas de urgência. Pelo contrário. O parágrafo segundo do novel artigo 855-A da CLT destaca, a exemplo do que já estava previsto no já citado parágrafo 2º do artigo 6º da Instrução Normativa no. 39/2016 do TST, que “a instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”. Com efeito, o grande número de execuções frustradas, como já destacamos aqui, motivou iniciativas de sucesso como os programas BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD e, o mais recente, SERASAJUD

49, além da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT, que buscam sempre, em

49

Sobre a regulamentação e o uso de referidos instrumentos – BACENJUD, INFOJUD e RENAJUD, consultar o sítio do Tribunal Superior do Trabalho, na interface da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho: http://www.tst.jus.br/apresentacao. Acesso em 10/08/2017.

Importante também a inovação trazida com a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT, em razão da lei nº 12.440/2011, que alterou a CLT e a Lei das Licitações (nº 8666/1993). Para que possa ser expedida referida certidão foi instituído o Banco Nacional de Devedores Trabalhistas - BNDT, que é composto pelas pessoas físicas e jurídicas devedoras inadimplentes nos processos de execução trabalhi sta definitiva. O banco está centralizado no Tribunal Superior do Trabalho, a partir de informações remetidas por todos os 24 Tribunais Regionais do Trabalho do país.

A importância deste instrumento se dá na medida em que a Lei de Licitações exige que o interessado em participar do procedimento licitatório ateste a inexistência de débitos trabalhistas, através da mencionada certidão. Sobre o instituto: [email protected]. Acesso em Acesso em 10/08/2017.

Vide o artigo 883-A, introduzido pela reforma trabalhista.

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última análise, penhorar da forma mais rápida e efetiva possível os bens do executado que não paga espontaneamente. A rigor, instaurar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não afasta em absoluto a possibilidade e, em certos casos, torna até mesmo indispensável a utilização cautelar de uma dessas ferramentas acima citadas, em face daquele apontado como responsável.

Entendemos que, a partir da adoção desse incidente na esfera trabalhista, não há óbice em continuarmos a nos valer de tais ferramentas, mesmo considerando que a execução trabalhista, desafortunadamente, não será processada de ofício, doravante, como regra

50. Isto porque, como já

mencionamos, o artigo 855-A, parágrafo 2º, admite, expressamente, a concessão das tutelas de urgência, de natureza cautelar, mesmo com a instauração do incidente em comento

51, já não fosse o

poder geral de cautela concedido ao magistrado pelo art. 297 do novo Código de Processo Civil, observado que a tutela antecipada, tanto de evidência quanto de urgência, pode ter caráter satisfativo, de sorte que possível ao juiz valer-se das medidas que entender necessárias e suficientes, observado sempre o princípio da proporcionalidade, para satisfação do direito.

A esse respeito, confiram-se os elucidativos artigos 294, 295, 297, 300 e 301 do CPC de 2015 e do artigo 769 da CLT:

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Art. 295. A tutela provisória requerida em caráter incidental independe do pagamento de custas. Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

No que tange ao SERASAJUD, o sistema serve para facilitar a tramitação dos ofícios entre os tribunais e a Serasa Experian, através da troca eletrônica de dados, utilizando a certificação digital para mais segurança. Não havendo mais solicitações enviadas em papel, apenas eletrônicas: http://www.cnj.jus.br/sistemas/serasajud. Acesso em 08/08/2017.

Aqui também se verifique o artigo 883-A, introduzido pela reforma trabalhista.

50 “Art. 878. A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal

apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.

Parágrafo único. (Revogado).” (NR)

51 O novel artigo 883-A, da CLT não altera tais conclusões, no nosso sentir, uma vez que mantém a Certidão Negativa de

Débitos Trabalhistas – CNDT e a inscrição dos devedores nos órgãos de proteção ao crédito, alterando apenas sua regulamentação e exigindo a garantia integral do juízo.

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§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.

Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

Tais dispositivos nada mais representam, como já dito, que o conhecido poder geral de cautela já presente no CPC de 1973, em seu artigo 798, o qual sempre possibilitou bloquear bens e créditos daqueles considerados responsáveis pela dívida, a fim de se atingir um resultado útil para o processo, in verbis:

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação

A situação em nada se alterou, em sua essência, e tais medidas podem e devem continuar a ser concedidas, de ofício, pelo Magistrado do Trabalho. Com efeito, quando requerida na fase de conhecimento, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não gera maiores consequências e deverá ser resolvida, em regra, com a sentença que decidir o mérito da controvérsia. Na fase executiva, entendendo o Juiz pela possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, com os elementos trazidos pelo exequente, deve, no nosso sentir, valer-se, de imediato e de ofício, dos instrumentos legais disponíveis para conciliar a efetividade da execução com o direito constitucional ao contraditório, como já fundamentamos. Assim, o bloqueio de bens ou valores, sem atos de alienação do bem constrito ou entrega de quantia ao exequente, pelo menos num primeiro momento, com a posterior concessão de vista ao atingido por referidos atos para ciência e manifestação e, por fim, com a solução da controvérsia pelo Juiz da execução, atende plenamente aos comandos legal e constitucional que asseguram o contraditório e garante a efetividade da execução trabalhista. Isto porque a execução se faz, em princípio e por definição, em benefício do credor, nos termos e para os efeitos dos artigos 797 do CPC/2015

52 c/c o artigo 769 da CLT.

Por oportuno, ressaltamos que a prática de atos de disposição por aquele declarado responsável pela dívida trabalhista, uma vez iniciado o incidente de desconsideração, pode importar em fraude à execução, a teor do disposto nos artigos 792 do CPC/2015

53 e 769 da CLT.

52

Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados (Grifamos).

53 Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver; II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828; III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude; IV – quando, ao tempo da

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E, ainda, cumpre destacar que a não utilização das tutelas de urgência, de ofício, pelo Magistrado, além de permitir a ineficácia da fase executiva, ao não assegurar a oportunda entrega, ao exequente, daquilo que lhe é devido, por força de decisão judicial já transitada em julgado, importa em desprestígio do Poder Judiciário e torna inócuos todo o conjunto de atos processuais praticados de forma legítima e diligente pelo Juízo do conhecimento. Tratando especificamente do instituto em comento, Homero Batista Mateus da Silva

54,

corretamente, no nosso sentir, pontua:

“Chega a ser caricato falar em incidente de desconsideração de pessoa jurídica para o empregado do quiosque de cachorro quente. Não vai nenhuma ironia nessa frase: apenas uma injeção de realidade para que o debate saia um pouco dos gabinetes palacianos. O processo do trabalho leva a fama de irresponsável e subversivo, mas ele nada mais é do que o anteparo ao direito material do trabalho brasileiro, que convive com altos executivos e ampla atuação da economia informal. Querer que o processo do trabalho seja um apêndice do processo civil ignora completamente a realidade da nação desigual e complexa de que somos parte.”

Com efeito, modernizar relações de trabalho não deve significar, nem para os que defendem a novel reforma trabalhista, admitir a prática de atos jurídicos inúteis, mormente na fase de execução em que, sabidamente, já existe uma sentença condenatória definitiva.

CONCLUSÃO

Alterar uma legislação estruturada em torno de princípios próprios e direcionada a regulamentar as relações de trabalho em consonância com a CF/88, em nada moderniza as relações de trabalho, permitindo, no nosso sentir, a possibilidade de maior exploração do mais fraco e o aumento vertiginoso no número de demandas trabalhistas, o que, à evidência, em nada contribuirá para a eficiência do mercado de trabalho e da economia nacionais.

Da mesma forma que em outras áreas do Direito, como o Direito do Consumidor, v.g., o Direito do Trabalho procura compensar com uma desigualdade legal a desigualdade econômica que se encontra presente nas relações entre patrões e empregados, tal como entre empresas e consumidores, a fim de promover a tão almejada igualdade real entre as partes dessas relações regulamentadas pelo Direito.

Por isso, é essencial a valoração equitativa do trabalho e da livre iniciativa, em obediência ao art. 1º., IV, da CF, sem nos olvidarmos do fato notório da natureza alimentar do salário e da centralidade do trabalho na vida das pessoas, em especial dos mais pobres, não só com vistas à justiça social, mas também para que possamos erigir uma sociedade entre cujos extremos não haja vale fundo o bastante para a proliferação de vidas indefectivelmente marginalizadas, fato que, é notório, está na gênese das

alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; V – nos demais casos expressos em lei.

§ 1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente. § 2º No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem. § 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar. § 4º Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.

54 SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista – análise da lei 13.467/2017 – artigo por artigo, São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 29.

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mais diversas crises sociais.

A prevalecer a interpretação que adota a ficção da existência de igualdade absoluta entre os contratantes da relação laboral, que pelo menos passemos a aplicar mais o Código Civil, o qual prestigia a boa-fé nos negócios jurídicos, de forma absoluta, sem olvidar da dignidade da pessoa humana, das normas de ordem pública ou mesmo da busca pela igualdade substancial entre os contratantes.

Assim como não podemos interpretar a Constituição Federal à luz do direito infraconstitucional, também o Processo do Trabalho não pode ser posto em prática como se de Direito Processual Comum se tratasse, pois deve se prestar a efetivar os direitos sociais constitucionalmente assegurados, de partes hipossuficientes – os trabalhadores. O dilema real dos aplicadores do direito é ver cumpridas as decisões judiciais proferidas. O contexto atual de inefetividade da prestação jurisdicional trabalhista, explorado por nós ao longo deste trabalho, favorece discussões como a da aplicabilidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, mormente na fase de execução, quando não se consegue executar o devedor principal, pessoa jurídica.

A aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica (fundamentado no art. 28, § 5º da Lei 8.078/90) não exige prova de conduta comissiva por parte do sócio cujo patrimônio se atinge.

Mencionada teoria é de aplicação ao processo do trabalho, conforme disposto nos artigos 2

o, 9

o e

455 da CLT, que atribuem ao juiz o poder/dever de impor responsabilidade a todos que se beneficiem do labor do trabalhador.

Não se trata de declaração da nulidade ou da invalidade dessa personificação, mas, tão-somente, de sua ineficácia para determinados atos, a fim de se evitar que o uso abusivo da personalidade jurídica obste a satisfação do crédito do Exequente. Exatamente por estarmos estendendo a responsabilidade a quem não contraiu o débito (pelo menos não pessoalmente e, sim, utilizando-se da personalidade jurídica), afigura-se de crucial importância conciliar-se a efetividade, aqui já tão tratada, com o contraditório, garantia essencial ao processo.

O instituto da desconsideração não afasta as tutelas de urgência. Antes, o reforça, conforme parágrafo segundo do novel artigo 855-A da CLT, destacando-se que “a instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015, (Código de Processo Civil)”.

Entendemos que não há óbice em continuarmos a nos valer, mesmo de ofício, de medidas que garantam a efetividade da execução, a exemplo das ferramentas eletrônicas como BACENJUD, SERASAJUD, INFOJUD, RENAJUD e da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), considerando-se o disposto no artigo 855-A, parágrafo 2º., da CLT e nos artigos 294, 295, 297, 300 e 301, do CPC/2015, que veiculam o poder geral de cautela antes estabelecido no vetusto artigo 798 do CPC/1973.

A não utilização das tutelas de urgência, de ofício, pelo Magistrado, além de permitir a ineficácia da fase executiva, ao não assegurar a oportuna entrega ao exequente daquilo que lhe pertence, importa em desprestígio do Poder Judiciário e torna inócuos vários atos processuais praticados de forma legítima e diligente pelo Juízo do conhecimento.

Modernizar as relações de trabalho não pode significar processos duradouros e ineficazes, sob pena de perda de importância ou da utilidade da própria Justiça do Trabalho, o que iria na contramão da necessidade, cada dia mais avultada, de pacificação social.

É isso que queremos? A quem isso interessa?

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Questões a serem enfrentadas por todos, doravante.

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EXECUÇÃO TRABALHISTA EFETIVA: A APLICABILIDADE

DO CPC DE 2015 AO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA

Ben-Hur Silveira Claus,

Mestre em Direito (UNISINOS). Professor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

Professor da Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS (FEMARGS). Juiz do Trabalho do TRT da 4ª Região (RS)

RESUMO

O presente artigo trata da aplicabilidade do CPC de 2015 ao cumprimento da sentença trabalhista que condena ao pagamento de quantia certa, explorando as potencialidades que o novo Código pode aportar à efetividade da execução trabalhista, seja no que respeita à execução provisória, seja no que respeita à execução definitiva.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por finalidade refletir sobre a aplicabilidade do CPC de 2015 ao Processo do Trabalho, especialmente no que respeita ao cumprimento da sentença que condena ao pagamento de quantia certa. Espero que o leitor encontre no presente artigo alguma contribuição à análise de tema tão importante para o Direito Processual do Trabalho e para a Jurisdição Trabalhista.

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Perguntar sobre a aplicabilidade do CPC de 2015 à execução trabalhista é retornar ao rico debate travado na teoria jurídica trabalhista acerca da aplicabilidade do direito processual comum ao processo do trabalho. Embora o enfoque do tema apresente-se mais específico quando circunscrito à execução, a pergunta demanda abordagem um pouco mais ampla por força da natureza sistemática do ordenamento jurídico. Essa mesma natureza sistemático do ordenamento jurídico impõe a necessidade de pensar o sistema jurídico na perspectiva produtiva oferecida pela teoria do diálogo das fontes enquanto concepção voltada à realização dos direitos fundamentais e à efetividade da jurisdição.

O art. 15 do CPC (BRASIL, 2015) prevê que, “na ausência de normas que regulem processos trabalhistas, as disposições do novo CPC lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Entretanto, parece consenso que esse preceito de direito processual comum não revogou os preceitos processuais especiais dos arts. 769 e 889 da CLT, que exigem, para a integração entre os subsistemas jurídicos processuais, a compatibilidade da norma de processo comum com os princípios do processo do trabalho. O tema é complexo. Iniciemos pela investigação da relação ontológica que se estabelece entre direito material e procedimento.

1. O DIREITO MATERIAL CONFORMA O PROCEDIMENTO

Há uma relação ontológica entre direito substancial e procedimento. Essa relação ontológica entre direito substancial e procedimento é compreendida como expressão do fenômeno do pertencimento que se estabelece desde sempre entre objeto (direito material) e método (procedimento). Daí a consideração de que direito substancial e procedimento são categorias conceituais que operam numa espécie de círculo hermenêutico: as respostas procedimentais nos remetem ao direito material a ser concretizado. Em outras palavras: somos reconduzidos ao direito material quando nos dirigimos às questões procedimentais. A circularidade entre pergunta e resposta vem à teoria jurídica enquanto legado da filosofia hermenêutica: o direito processual somente se deixa compreender no retorno ao direito material em que reconhece sua própria identidade; numa metáfora, o direito processual mira-se na superfície do lago do direito material em busca de sua identidade.

No direito processual civil brasileiro, uma das lições mais didáticas acerca da relação entre direito substancial e procedimento é recolhida na doutrina de Ada Pellegrini Grinover. A relação originária existente entre direito material e procedimento é identificada pela jurista na instrumentalidade do processo que, conquanto autônomo, está conexo à pretensão de direito material e tem como escopo a atuação da norma objetiva e a viabilização da tutela do direito violado ou ameaçado. Daí a conclusão de Ada Pellegrini Grinover (1993, p.87), no sentido de que “O processo, o procedimento e seus princípios tomam feição distinta, conforme o direito material que se visa a proteger”.

No âmbito do subsistema jurídico trabalhista, a natureza especial desse ramo do direito exerce uma influência ainda maior na conformação do vínculo originário que se estabelece entre direito material e procedimento. Depois de afirmar que o Direito Processual do Trabalho pretende ser um direito de renovação, Mozart Victor Russomano (1997, p.21-22) sublinha o fato de que o procedimento trabalhista “[...] é herança recebida do Direito do Trabalho, ao qual o Direito Processual do Trabalho corresponde, como consequência histórica”. Para o jurista, o caráter tutelar do direito material se projeta sobre o procedimento. Para recuperar a expressão consagrada por Héctor-Hugo Barbagelata (2009, p.39), é dizer: o particularismo do direito material do trabalho se comunica ao procedimento laboral. Na feliz síntese formulada por Wagner D. Giglio (2005, p.83-4) acerca do estudo do tema, somos conduzidos à consideração de que “o caráter tutelar do Direito Material do Trabalho se transmite e vigora também no Direito Processual do Trabalho”.

Com efeito, a existência de princípios próprios e a condição de subsistema procedimental especial reconhecido como tal pela teoria jurídica brasileira conferem ao Direito Processual do Trabalho a fisionomia própria sem a qual já não se poderia compreender a jurisdição trabalhista brasileira na

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atualidade.1

2. A COMPATIBILIDADE COMO CRITÉRIO CIENTÍFICO À APLICAÇÃO DO PROCESSO

COMUM

No estudo da heterointegração do subsistema jurídico laboral prevista nos arts. 769 e 889 da CLT, a teoria jurídica assentou o entendimento de que a aplicação do processo comum ao processo do trabalho é realizada sob o critério da compatibilidade previsto nesses preceitos consolidados. Vale dizer, a compatibilidade prevista nos arts. 769 e 889 da CLT opera como critério científico fundamental para “[...] calibrar a abertura ou o fechamento para o processo comum”, na inspirada formulação adotada por Homero Batista Mateus da Silva (2015, p.33) no estudo do Direito Processual do Trabalho brasileiro.

A especialidade do subsistema jurídico trabalhista sobredetermina essa compatibilidade, conferindo-lhe dúplice dimensão: compatibilidade axiológica e compatibilidade teleológica. Essa dúplice dimensão da compatibilidade é identificada por Manoel Carlos Toledo Filho (2015, p.330) sob a denominação de compatibilidade sistêmica. Vale dizer, a compatibilidade é aferida tanto sob o crivo dos valores do Direito Processual do Trabalho quanto sob o crivo da finalidade do subsistema procedimental trabalhista, de modo que o subsistema esteja capacitado à realização do direito social para o qual foi concebido. O critério científico da compatibilidade visa à própria preservação do subsistema processual trabalhista.

Fixadas algumas balizas teóricas acerca da heterointegração do subsistema processual trabalhista, cumpre agora enfrentar a questão da subsistência do critério da compatibilidade diante do advento do CPC de 2015.

3. O CRITÉRIO CIENTÍFICO DA COMPATIBILIDADE SUBSISTE AO ADVENTO DO NOVO CPC Diante do fato de o art. 15 do CPC não fazer referência ao critério científico da compatibilidade, surge a questão de saber se esse requisito previsto nos arts. 769 e 889 da CLT teria subsistido ao advento do novo CPC para efeito de aplicação subsidiária do processo comum ao processo do trabalho. No âmbito da teoria do processo civil, a resposta de Nélson Nery Junior (2015, p.232) é positiva. Depois de afirmar que o novo CPC aplica-se subsidiariamente ao processo trabalhista na falta de regramento específico, o jurista pondera que, “de qualquer modo, a aplicação subsidiária do CPC deve guardar compatibilidade com o processo em que se pretenda aplicá-lo”, acrescentando que a aplicação supletiva também deve levar em conta este princípio. A resposta da teoria jurídica trabalhista também é positiva, porquanto prevaleceu o entendimento de que o art. 15 do CPC de 2015 não revogou os arts. 769 e 889 da CLT, preceitos nos quais está prevista a compatibilidade como critério científico necessário à aplicação do processo comum. Essa é a conclusão que tem prevalecido entre os teóricos do Direito Processual do Trabalho com base nos seguintes fundamentos: a) não houve revogação expressa do art. 769 da CLT pelo novo CPC (LINDB, art. 2º, § 1º); b) o art. 769 da CLT é norma especial, que, por isso, prevalece sobre a norma geral do art. 15 do NCPC; c) o art. 769 da CLT é mais amplo do que o art. 15 do NCPC, não tendo o art. 15 do NCPC regulado inteiramente a matéria do art. 769 da CLT (LINDB, art. 2º, §§ 1º e 2º), de modo que ambos os preceitos harmonizam-se; d) o subsistema procedimental trabalhista é reconhecido no sistema jurídico brasileiro como subsistema procedimental especial.

1 O tema foi por nós desenvolvido no artigo “O incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC 2015 e

o Direito Processual do Trabalho.” Revista LTr. nº 1. Ano 80. Jan-2016. p. 71.

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Nada obstante o art. 15 do novo CPC estabeleça a possibilidade de aplicação subsidiária e supletiva do Código de Processo Civil de 2015 ao Processo do Trabalho na ausência de normas processuais trabalhistas, tal aplicação só ocorre quando está presente o pressuposto da compatibilidade previsto nos arts. 769 e 889 da CLT. O exame da presença do pressuposto da compatibilidade é realizado sob a óptica do Direito Processual do Trabalho, e não sob a óptica do Direito Processual Comum. Isso porque a previsão legal dos arts. 769 e 889 da CLT estabelece que tal exigência de compatibilidade é dirigida à consideração do juiz do trabalho, mas também porque se trata de uma contingência hermenêutica imposta à preservação da autonomia científica do Direito Processual do Trabalho enquanto subsistema procedimental especial. Portanto, o critério científico da compatibilidade subsiste ao advento do novo CPC, permanecendo indispensável ao processo hermenêutico que a aplicação do processo comum ao processo do trabalho impõe ao Direito Processual do Trabalho e à Jurisdição Trabalhista. Os magistrados trabalhistas são os condutores desse processo hermenêutico. Na execução, é intuitivo que a integração pressuponha seja a norma de direito processual comum fator agregador de maior eficácia para o subsistema processual laboral. Na feliz síntese de Manoel Carlos Toledo Filho, os preceitos do novo CPC deverão ser utilizados no âmbito do processo trabalhista quando tal utilização sirva para agregar-lhe eficiência, para torná-lo mais efetivo ou eficaz.

2

4. O NOVO PARADIGMA DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA NO CPC DE 2015

O novo CPC dá à efetividade da execução por quantia certa uma dimensão superior àquela que se caracterizava no CPC revogado, representando um novo paradigma teórico. Esse novo paradigma é identificado por Hermes Zaneti Jr. como a expressão de um novo modelo interpretado à luz de vetor da efetividade. O novo modelo apresenta-se como uma combinação de tipicidade flexível, adequação e generalização das astreintes, tendo na efetividade o núcleo das preocupações com a atividade executiva.

3

No advento de um novo Código de Processo Civil, a relação do fenômeno jurídico com a História traz à memória a clássica observação de Alfredo Buzaid na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1973: “Na execução, ao contrário, há desigualdade entre o exequente e o executado. O exequente tem posição de preeminência; o executado, estado de sujeição. Graças a essa situação de primado que a lei atribui ao exequente, realizam-se atos de execução forçada contra o devedor, que não pode impedi-los, nem subtrair-se a seus efeitos. A execução se presta, contudo, a manobras protelatórias, que arrastam os processos por anos, sem que o Poder Judiciário possa adimplir a prestação jurisdicional.”

4 A clássica observação de Alfredo Buzaid vem à memória porque a assimilação

da lição de Liebman não se mostrou suficiente para alterar o quadro – de falta de efetividade na execução – que CPC de 1973 pretendeu enfrentar. As manobras protelatórias continuaram arrastando os processos por anos, em que pese o alento que as minirreformas do Código revogado representaram. É comprida a estrada que vai da intenção à execução. Essa assertiva do dramaturgo francês Molière ilustra o desafio que recai sobre o novo CPC.

A alteração do paradigma normativo anterior está positivada objetivamente no CPC de 2015. Entretanto, a percepção dessa alteração paradigmática desafia os operadores jurídicos à subjetiva constatação de que o modelo teórico anterior realmente sofreu uma mudança substancial. No Direito, a

2 “Os poderes do Juiz do Trabalho face ao novo Código de Processo Civil”. In: O novo Código de Processo Civil e seus reflexos no

Processo do Trabalho. Elisson Miessa (organizador). Salvador: JusPodivm, 2015. p. 331-332.

3 Comentários ao Código de Processo Civil. vol. XIV. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero

(coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 129-130).

4 Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1973, item 18.

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mudança é sempre de uma cultura. Por se tratar de uma mudança de concepção, o peso da cultura formada sob o Código revogado pode obnubilar a percepção do novo paradigma proposto pelo CPC de 2015, nada obstante os esforços da doutrina em sublinhar a superveniência de um novo modelo teórico de efetividade da execução por quantia certa.

5

A vocação do processo do trabalho para constituir-se como processo de resultado opera como fator favorável à percepção, pelos seus operadores jurídicos, da alteração de paradigma proposta no novo processo comum trazido pelo CPC de 2015, potencializando a assimilação de conceitos, institutos e técnicas processuais aptos a promover a efetividade da jurisdição. Mais do que na Jurisdição Comum, é na Jurisdição Trabalhista que as potencialidades do novo CPC para a fase de cumprimento da sentença poderão ser acolhidas de forma mais generosa, exatamente porque a cultura da ciência processual laboral predispõe o magistrado trabalhista à perspectiva de uma jurisdição cada vez mais efetiva, sobretudo no contexto da constitucionalização dos direitos sociais (CF, art. 7º).

O legislador preocupou-se em salientar que a prestação jurisdicional inclui a satisfação da condenação. Para tanto, inseriu preceito específico entre as normas fundamentais do processo comum. No art. 4º do CPC, o legislador preceitua que “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.” Poder-se-ia objetar quanto à necessidade do preceito, na medida em que o legislador afirmou o óbvio. É verdade. O direito da parte à prestação jurisdicional inclui a satisfação do julgado, e não se concebe que possa ser diferente.

6 Entretanto, a

explicitação adotada pelo legislador guarda coerência com o compromisso do novo Código em favor da efetividade da jurisdição

7, além de demarcar uma clara distinção com a imprecisão técnica em que

incidiu o Código anterior no particular.

O CPC revogado estabelecera, no seu art. 463, a previsão de que “Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional (...).” A leitura do preceito sugeria que o ofício jurisdicional findava com a sentença, como se a execução do julgado não fosse ato do ofício jurisdicional. A imprecisão técnica chegou a ser percebida como lapso significativo de um ato falho representativo da vetusta concepção de que a execução constituiria ato de administração e não de jurisdição. Passaram-se mais de trinta anos até que a imprecisão técnica do art. 463 do CPC de 1973 fosse corrigida. No ano de 2005, a Lei nº 11.232 alterou a redação do art. 463 do CPC, para excluir a expressão de que o juiz, ao publicar a sentença, “acaba o ofício jurisdicional”. Transformar mera imprecisão técnica de redação em ato falho teórico é provavelmente tratar de forma muito rigorosa o lapso do legislador de 1973.

Seja como for, a redação do art. 4º do novo CPC tem o mérito de explicitar que o direito da parte à prestação jurisdicional inclui a satisfação do credor, deixando implícita a assimilação da lição doutrinária segundo a qual a garantia constitucional à prestação jurisdicional implica o reconhecimento da existência de um direito fundamental à tutela executiva correspondente.

8Além disso, esse preceito permite

5 Hermes Zaneti Jr. preceitua: “(...) o processo de execução deverá ser pensado, estruturado e efetivado de maneira a garantir

o direito à tutela do crédito adequada, tempestiva e efetiva” (Comentários ao Código de Processo Civil. vol. XIV. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 41).

6 No dizer de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, “(...) interessa a realização do direito da parte. Essa é a razão pela

qual o legislador explicita que o direito à duração razoável do processo necessariamente inclui a atividade executiva (Comentários ao Código de Processo Civil. vol. I. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 135).

7 Hermes Zaneti Jr. alerta que “(...) o Código não pode ser lido com os olhos apenas voltados para nossa experiência brasileira e

passada, mas deve voltar os olhos para o futuro, através de um direito processual que sirva às finalidades constitucionais que o comandam” (Comentários ao Código de Processo Civil. vol. XIV. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 130).

8 José Rogério Cruz e Tucci pondera “ (...) que, apesar de intuitivo, a regra do art. 4º, para não deixar margem a qualquer

dúvida, estende-se, de forma expressa, à fase de cumprimento de sentença e, por certo, também ao processo de execução,

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compreender mais adequadamente a concepção de ‘processo sincrético’ adotada pelo novo CPC, assim compreendido o processo que se divide em fases sem solução de continuidade, articulando atividades de cognição simultaneamente a atividades de execução.

9 No processo do trabalho, a norma de sobredireito

do art. 765 da CLT sintetiza, desde 1943, a opção do subsistema processual trabalhista pela completa satisfação do julgado, ao incumbir o magistrado do dever de velar pela rápida solução da causa, conforme preleciona José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva.

10

Outra demonstração da alteração de paradigma teórico é identificada no fato de que o CPC de 2015 estende à execução das obrigações por quantia certa o exercício dos poderes gerais de efetivação conferidos ao magistrado pelo novo sistema de processo comum. Tratava-se de histórica postulação de segmento considerável da doutrina do processo civil à época das minirreformas do CPC de 1973. O Código atual assimilou tal postulação, contemplando a execução por quantia certa com os mecanismos de efetivação que no CPC de 1973 estavam circunscritos à execução de obrigação de fazer e de não fazer.

11 Tais mecanismos estão previstos no art. 139, IV, do CPC, preceito que o art. 3º da Instrução

Normativa nº 39 do TST reputa aplicável ao processo do trabalho.12

Sede normativa do poder geral de efetivação do magistrado, o art. 139, IV, do CPC diz que incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Mais do que facultar ao magistrado a assim agir, o preceito legal estimula o juiz à pró-atividade, na medida em que o comando normativo diz incumbir ao magistrado determinar todas as medidas necessárias ao cumprimento dos provimentos jurisdicionais.

É de se observar que o art. 461, § 5º, do CPC revogado limitava a adoção das “medidas necessárias” ao cumprimento da sentença de obrigação de fazer ou não fazer.

13 A significa introdução do

vocábulo todas no art. 139, IV, do novo CPC – todas as medidas necessárias – demarca a nova postura do legislador em relação ao diploma processual anterior cuja ineficácia o CPC de 2015 quer superar.

14

Além da significativa a inclusão do vocábulo todas, o legislador optou por explicitar de forma ampla as medidas legais necessárias ao cumprimento dos provimentos jurisdicionais, relacionando praticamente todas as providências possíveis, ao dizer que está compreendido no poder geral de efetivação do

vale dizer, a toda ‘atividade satisfativa’ em prol da parte vencedora (Comentários ao Código de Processo Civil. vol. VIII. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 251).

9 Cassio Scarpinella Bueno. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 44.

10 Comentários ao novo CPC e sua aplicação ao Processo do Trabalho. vol. I. José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva

(coordenador). São Paulo: LTr, 2016. p. 24.

11 Hermes Zaneti Jr. preleciona: “O art. 139, IV, do CPC estabelece um novo modelo de execução civil no Brasil. Ao prever a

atipicidade dos meios executivos ligada ao controle da adequada e efetiva tutela pelo juiz, o CPC migra de um modelo exclusivo de execução rígida, de obrigações-tipo e execuções-tipo (germânico), para um modelo combinado de execuções tipo flexíveis, tutela adequada (commom law) e generalização das astreintes (francês)” (Comentários ao Código de Processo Civil. vol. XIV. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 113.

12 A Instrução Normativa nº 39/2016 foi aprovada pela Resolução nº 203 do TST, de 15-03-2016.

13 Renato Beneduzi faz o registro histórico de que a atipicidade dos meios de execução estava limitada no CPC revogado, tendo

sido ampliada no CPC de 2015. Diz o jurista: “Concebida na vigência do Código de Processo Civil de 1973 apenas para a execução específica, a aplicação do princípio da atipicidade dos meios executivos veio a ser generalizada pelo novo CPC a todas as espécies de execução, inclusive à pecuniária” (Comentários ao Código de Processo Civil. vol. II. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 282).

14 Como as “medidas necessárias” do CPC de 1973 não foram suficientes, o legislador do CPC de 2015 viu-se na contingência de

explicitar seu propósito de mais efetividade pela opção da utilização da locução “todas as medidas necessárias”.

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magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias. Por fim, o legislador faz referência expressa à execução por quantia certa no art. 139, IV, do CPC, assimilando a crítica doutrinária que reivindicava estender a atipicidade dos meios executivos também ao cumprimento de obrigação de prestação pecuniária.

15

Complementando a diretriz geral de efetivação da jurisdição prevista no art. 139, IV, do CPC, o art. 297 do novo diploma processual prevê que o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. Embora o preceito do art. 297 do CPC não tenha reproduzido o vocábulo todas, a amplitude do poder geral de efetivação do magistrado na tutela provisória é extraída da dicção da genérica locução adotada pelo legislador – medidas que considerar adequadas. Demais disso, a interpretação sistemática recomenda compreender o comando específico do art. 297 do CPC sob a inspiração da cláusula geral do art. 139, IV, do mesmo diploma legal. A relação de complementaridade existente entre tais preceitos inspirou Hermes Zaneti Jr. a extrair do art. 297 o alcance do art. 139, IV

16: “Parafraseando o art. 297 do CPC, podemos dizer que: o juiz poderá determinar

as medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela de crédito (poder geral de tutela efetiva).”

A locução todas as medidas necessárias expressa uma cláusula geral dirigida ao exercício da jurisdição de forma plena, o que evoca a lição de Edilton Meireles. Comentando o art. 139, IV, do CPC, o jurista recorre ao vocábulo imaginação. É à imaginação que o magistrado deve recorrer quando se tratar de fazer cumprir a decisão judicial. Diz o jurista: “O legislador, todavia, não limita as medidas coercitivas aquelas mencionadas no Código de Processo Civil. Logo, outras podem ser adotadas, a critério da imaginação do juiz.”

17 É certo, porém, que o amplo

poder geral de efetivação do magistrado está limitado pelo respeito devido aos direitos fundamentais do executado. Exatamente em razão da amplitude do comandado legal, o preceito do art. 139, IV, do CPC, na produtiva observação de Manoel Carlos Toledo Filho, “(...) pode ser considerado um adequado desdobramento supletivo e subsidiário do comando contido no art. 765 CLT, na medida em que complementa e reforça a expressão ‘qualquer diligência’ a que o dispositivo consolidado faz menção”.

18

Tratando do tema do poder geral de efetivação previsto no art. 139, IV do CPC, Edilton Meireles relaciona algumas medidas restritivas de direito que podem ser determinadas pelo juiz para estimular ao cumprimento dos provimentos jurisdicionais: “a) proibição do devedor pessoa física poder exercer determinadas funções em sociedades empresariais, em outras pessoas jurídicas ou na Administração Pública; b) proibição de efetuar comprar com uso de cartão de crédito; c) suspensão de benefício fiscal; d) suspensão dos contratos, ainda que privados, de acesso aos serviços de telefonia, Internet, televisão a cabo etc., desde que não essenciais à sobrevivência (tais como os de fornecimento de energia e água); e) proibição de frequentar determinados locais ou estabelecimentos; f) apreensão de passaporte (se pode prender em

15

Daniel Amorim Assumpção Neves pondera que, com o advento do art. 139, IV, “(...) é possível concluir que a resistência à aplicação das astreintes nas execuções de pagar quantia certa perdeu sua fundamentação legal, afastando-se assim o principal entrave para a aplicação dessa espécie de execução indireta em execuções dessa espécie de obrigação (Novo Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 231).

16 Comentários ao Código de Processo Civil. vol. XIV. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero

(coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 113.

17 Medidas sub-rogatórias, coercitivas, mandamentais e indutivas no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo. vol.

247. Ano 40. pp. 231-246. São Paulo: RT, set. 2015. p. 237.

18 Comentários ao novo CPC e sua aplicação ao Processo do Trabalho. vol. I. José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva

(coordenador). São Paulo: LTr, 2016. p. 200.

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caso de prestações alimentares, pode o menos, isto é, restringir parte do direito de ir e vir); g) apreensão temporária, com desapossamento, de bens de uso (exemplo: veículos), desde que não essenciais (exemplo: roupas ou equipamentos profissionais); h) suspensão da habilitação para dirigir veículos; i) bloqueio da conta corrente bancária, com proibição de sua movimentação; j) embargo da obra; k) fechamento do estabelecimento; l) restrição ao horário de funcionamento da empresa etc.”

19

Outro aspecto a demarcar importante distinção hermenêutica com o Código revogado radica na norma do parágrafo único do art. 805 do CPC de 2015.

20 O art. 797 do CPC de 2015

corresponde ao art. 612 do CPC revogado – sede normativa da regra geral de que a execução realiza-se no interesse do exequente. O art. 805 do CPC de 2015 corresponde ao art. 620 do CPC revogado – sede normativa da regra exceptiva da execução menos gravosa. O que não existia no CPC anterior é a previsão saneadora do parágrafo único do art. 805 do CPC de 2015, que exige que o executado indique meio executivo mais eficaz quando alegar que a execução realiza-se por meio mais gravoso, sob pena de manutenção da medida executiva adotada pelo juízo. Esse aspecto será desenvolvido em item posterior do presente artigo. O novo paradigma de efetividade da execução objetivado pelo novo diploma legal também levou o CPC de 2015 a proteger a posição jurídica do arrematante, em detrimento da posição jurídica do executado, numa clara opção em favor de coerção contra o executado que resiste ao cumprimento de suas obrigações, inclusive na execução provisória. Vale dizer, a arrematação não é mais desfeita, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos à execução. O arrematante arremata com eficácia jurídica plena. O executado perde o bem em favor da efetividade da execução; seu direito limitar-se-á à indenização, caso tenha êxito nos embargos opostos à execução. É o que se recolhe tanto do art. 520, § 4º

21, quanto do art. 903 do CPC

22,

matéria que merecerá abordagem mais ampla no tópico posterior. A perspectiva de aprofundamento da efetividade da execução buscada pelo novo Código de Processo Civil também pode ser haurida em face da opção de se estabelecer que, além de preferencial, a penhora em dinheiro passa a ser prioritária, não se admitindo mais a alteração da ordem preferencial de penhora quando a constrição recair sobre dinheiro.

19

Medidas sub-rogatórias, coercitivas, mandamentais e indutivas no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo. vol. 247. Ano 40. pp. 231-246. São Paulo: Ed. RT, set. 2015. p. 237.

20 “Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos

gravoso para o executado.

Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.”

21 “Art. 520. ...

§ 4º. A restituição ao estado anterior a que se refere o inciso II não implica o desfazimento da transferência da posse ou da alienação de propriedade ou de outro direito real eventualmente já realizada, ressalvado, sempre, o direito à reparação dos prejuízos causados ao executado.”

22 “Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a

arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.”

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A significativa novidade trazida pelo legislador foi positivada no art. 835, § 1º, do CPC23

, preceito legal que o Tribunal Superior do Trabalho considera aplicável à execução trabalhista, conforme o art. 3º, XVI, da Instrução Normativa nº 39/2016.

24 Nas palavras de Guilherme Rizzo

Amaral, “O atual CPC dá uma guinada importante ao afirmar a prevalência da efetividade da execução sobre o princípio da menor onerosidade”.

25 A penhora em dinheiro, além de continuar

a ser preferencial, torna-se prioritária no CPC de 2015, o que justifica a consideração doutrinária acima, na medida em que o novo preceito projeta um horizonte de maior efetividade para a execução, sobretudo considerando-se a possibilidade de se lançar mão – vale para a execução definitiva, vale para a execução provisória – da medida legal de bloqueio eletrônico de numerário expressamente prevista no art. 854 do CPC.

26 No art. 3º, XIX, da Instrução Normativa

nº 39/2016, o TST reputa o art. 854 do CPC aplicável ao processo do trabalho. Foi o advento do art. 835, § 1º, do CPC que levou o TST a alterar a redação da Súmula 417 da SDI-I, para passar a admitir penhora de dinheiro em execução provisória, aspecto que será objeto de desenvolvimento em tópico posterior. Além de conferir ao juiz todas as medidas necessárias para assegurar o cumprimento da execução de obrigação por quantia certa na cláusula geral de efetivação da jurisdição do art. 139, IV, do CPC, a ênfase do novo diploma legal na efetividade do cumprimento dessa espécie de obrigação é percebida, outrossim, pela circunstância de que o legislador outorgou ao exequente duas severas medidas de execução indireta para induzir o executado ao cumprimento da obrigação pecuniária, quais sejam, o protesto extrajudicial da sentença (CPC, art. 517) e a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (CPC, art. 782, §§ 3º e 5º). Essas medidas também serão objeto de estudo em tópico posterior. A determinação de alienação antecipada de veículos automotores é mais um indicativo do novo perfil da execução por quantia certa. Prevista no art. 852, I, do CPC

27, essa modalidade de

23

“Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

...

§ 1º. É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.”

24 “Art. 3º. Sem prejuízo de outros, aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do

Código de Processo Civil que regulam os seguintes temas:

(...)

XVI – art. 835, incisos e §§ 1º e 2º (ordem preferencial de penhora).”

25 Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015. p. 836.

26 Se no processo civil o bloqueio de numerário depende de requerimento do exequente (CPC, art. 854), no processo do

trabalho tal providência pode ser determinada de ofício pelo juiz, a teor do art. 878 da CLT. Essa conclusão é reforçada pela previsão do art. 765 da CLT, verdadeira norma de sobredireito do subsistema processual trabalhista que irradia efeitos a todas as etapas procedimentais. O art. 765 da CLT autoriza o magistrado a adotar todas as diligências necessárias à rápida solução da causa.

27 “Art. 852. O juiz determinará a alienação antecipada dos bens penhorados quando:

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alienação antecipada representa um produtivo meio de coerção para a efetividade da execução, na medida em que o executado tende ao pagamento na iminência da alienação do bem penhorado. Recaindo a penhora sobre veículo automotor, a alienação do bem penhorado deve ser determinada de imediato.

28 Na sociedade de consumo, esperar pelo trânsito em julgado de

todos os incidentes da fase de execução significa perder vários anos, com a progressiva depreciação econômica do bem penhorado. Ao realizar a imediata alienação do veículo automotor penhorado, o juiz antecipa a fase processual na qual o devedor torna-se mais vulnerável e tendente ao pagamento. Além disso, é expressivo o número de devedores que têm veículo automotor. Esse dado de economia social também revela o acerto do legislador, ao positivar nesse pragmático preceito uma espécie de presunção absoluta de depreciação econômica sempre que a penhora recair sobre veículo automotor. Tratando-se de veículo automotor, também operam em favor da efetividade da execução a pesquisa prévia dos veículos disponíveis no sistema RenaJud, a prévia inserção de restrição de circulação do veículo via sistema RenaJud e a remoção imediata do bem penhorado.

29 A alienação antecipada do veículo

penhorado será o desfecho de uma política judiciária de maior eficácia na execução, a ser implementada pelo juiz, com fundamento na aplicação supletiva do art. 852, I, do CPC. Ao estender para o coproprietário a previsão da penhora da totalidade do bem, o novo CPC deu mais um passo em favor da efetividade da execução. No Código revogado, a medida aplicava-se apenas ao cônjuge. O art. 655-B do CPC de 1973 previa a penhora a totalidade do bem do casal, assegurando ao cônjuge não devedor o recebimento de sua meação em dinheiro, após a alienação do bem. Prevista no art. 843 do novo CPC

30, a penhora da totalidade do bem

foi estendida para a hipótese de condomínio em geral.31

A experiência ordinária revela que a alienação do bem penhorado não costuma ser necessária, pois os vínculos sociais existentes entre os condôminos os induzem tanto à composição amigável da lide quanto à remição da execução; os embargos de terceiro são raros. Identificados os principais elementos caracterizadores do novo paradigma da execução por quantia certa no CPC de 2015, cumpre enfrentar o tema da regência legal da matéria.

5. A REGÊNCIA LEGAL DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA DE OBRIGAÇÃO POR QUANTIA

CERTA

A regência legal do cumprimento da sentença por quantia certa no CPC de 2015 é semelhante à regência da matéria no CPC de 1973. Entretanto, algumas diferenças devem ser destacadas, a fim de demonstrar a especial densidade conferida pelo novo CPC à efetividade da execução de obrigação

I – se tratar de veículos automotores (...).”

28 O verbo é empregado no modo imperativo – “determinará”.

29 A imediata remoção do bem móvel penhorado é a regra geral tanto na Lei nº 6.830/80 (art. 11, § 3º) quanto no CPC (art.

840, II).

30 “Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à

execução recairá sobre o produto da alienação do bem.”

31 Como esclarece Hermes Zaneti Jr., “O coproprietário tem direito a sua quota-parte, mas não pode evitar a alienação do bem

por ser este indivisível”. (Comentários ao Código de Processo Civil. vol. XIV. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 204).

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pecuniária.32

O percentual de penalização para a hipótese de não pagamento voluntário da obrigação foi ampliado para 20%. À previsão de multa de 10% já existente no CPC revogado (art. 475-J), o CPC de 2015 acrescentou o percentual de mais 10% de honorários advocatícios. A previsão está expressa no art. 523, § 1º, do CPC e aplica-se tanto à execução definitiva quanto à execução provisória (CPC, art. 520, § 2º). Ao estender tal penalização à execução provisória, o legislador inova e confere maior eficácia à sentença

33 ainda não transitada em julgado

34, estimulando o executado a depositar o valor liquidado para

evitar a oneração de 20%.35

No que respeita à execução definitiva, o não pagamento voluntário autoriza o juiz do trabalho a adotar, além da oneração da dívida em 20%, duas medidas de coerção indireta: o imediato protesto da sentença (CPC, art. 517) e a imediata inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (CPC, art. 782, §§ 3º e 5º)

36, medidas legais que geram severas restrições de crédito

ao executado. No que respeita à aplicabilidade da multa de 10% e de mais 10% de honorários advocatícios previstos no art. 523 do CPC de 2015 na hipótese de não ocorrer o depósito voluntário do valor liquidado

37, uma produtiva interpretação do conceito de aplicação supletiva do art. 15 do novo Código

oportunizará ao TST reexaminar a posição que a Corte adotara na vigência do CPC de 1973, então sob o fundamento de que a CLT não é omissa sobre o modo de realização da execução, contando com regramento próprio que não prevê cominação de multa. Sirva a essa reflexão a percuciente observação do voto vencido do Min. Augusto César Leite de Carvalho no julgamento de recurso de Embargos sobre o tema da aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC revogado. Na ocasião, o Min. Augusto César Leite de Carvalho observou que a CLT não trata de medidas coercitivas para estimular ao cumprimento voluntário da obrigação, limitando-se tão-somente à previsão de meios sub-rogatórios de execução.

38 No

particular, a razão parece estar com Célio Horst Waldraff, quando observa que a posição firmada pelo

32

No dizer de Hermes Zaneti Jr., “É justamente a efetividade o núcleo das preocupações com a atividade executiva” (Comentários ao Código de Processo Civil. vol. XIV. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 130).

33 Sobre a valorização das decisões de primeiro grau no âmbito recursal, remetemos o leitor ao artigo “A função revisora dos

tribunais – a questão da valorização das decisões de primeiro grau – uma proposta de lege ferenda: a sentença como primeiro voto no colegiado.” A função revisora dos tribunais: por uma nova racionalidade recursal. Ben-Hur Silveira Claus (coordenador). São Paulo: LTr, 2016.

34 Nélson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery anotam: “A execução provisória está agora, sujeita a multa, nos mesmos

moldes do que ocorre com a execução definitiva, bem como à incidência dos honorários advocatícios. Com isso, procurou-se conferir a mesma efetividade e coercitividade da execução definitiva à execução provisória, de forma que ela não se estenda até o julgamento final do recurso não dotado de efeito suspensivo” (Comentários ao Código de Processo Civil: novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: RT, 2015. p. 1283).

35 José Rogério Cruz e Tucci registra que “(...) o § 2º do art. 520, dirimindo qualquer dúvida, dispõe que, no cumprimento

provisório incidem a multa de 10% e os honorários advocatícios, também de 10%, sobre a soma devida, desde que o executado, depois de devidamente intimado, deixe de pagar a dívida no prazo de 15 dias” (Comentários ao Código de Processo Civil. vol. VIII. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 283).

36 O cabimento da aplicação sobreposta e combinada dessas medidas legais – oneração de 20%, protesto e inclusão em

cadastros de inadimplentes – é afirmada por Cassio Scarpinella Bueno na obra Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 346.

37 Vale tanto para a execução definitiva quanto para a execução provisória (CPC, arts. 520 e 523).

38 TST - E-RR – 54100-73.2006.5.10.0006, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho. Julgamento: 05/09/2013, Subseção I

Especializada em Dissídios Individuais. Data de Publicação: DEJT 13/09/2013).

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TST sob a vigência do CPC de 1973 servia como norte antes do advento do CPC de 2015, para concluir que, se a ideia do art. 15 do novo CPC, ao admitir a aplicação supletiva ao lado da subsidiária, é reforçar o Processo do Trabalho, o sancionamento do devedor inadimplente revela-se mais do que oportuno.

39

Outro aspecto que evidencia a eficácia reconhecida pelo novo CPC à sentença ainda não transitada em julgado é manutenção da possibilidade – possibilidade já existente no CPC revogado – de a execução provisória ser realizada de forma completa. Por execução provisória completa, a teoria jurídica identifica a execução provisória que vai até o final, com a alienação do bem penhorado e inclusive com a possibilidade de levantamento do depósito do valor apurado na alienação judicial do bem. Essa possibilidade está prevista na norma do art. 520, IV, do CPC.

40 Comentando esse preceito

legal, Nélson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery assentam que “hoje é possível alcançar-se, na execução provisória, todos os efeitos práticos da execução definitiva”.

41

Se a possibilidade de execução completa já estava prevista na execução provisória no CPC revogado (art. 475-O, III

42), a verdadeira novidade trazida pelo CPC em vigor está na opção do legislador

de tutelar a posição jurídica do arrematante em detrimento da tutela da posição jurídica do executado na execução provisória. Ao estabelecer que, na execução provisória, “a restituição ao estado anterior a que se refere o inciso II não implica o desfazimento da transferência de posse ou da alienação de propriedade ou de outro direito real eventualmente já realizada (...)” (CPC, art. 520, § 4º), o novo CPC pretendeu estimular a participação de terceiro arrematante na hasta pública do bem do executado e, por isso mesmo, induzir o executado ao cumprimento da obrigação, para não perder o bem penhorado definitivamente. A norma do art. 520, § 4º é complementada pelo preceito do art. 903 do CPC. Enquanto o art. 520, § 4º estabelece que a restituição ao estado anterior a que se refere o inciso II do art. 520 não implica o desfazimento da transferência da propriedade, o art. 903 confirma que, firmado o auto de arrematação, a arrematação é considerada irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma respectiva. A doutrina confirma essa interpretação: “Observe-se que, ocorrendo a expropriação de bem penhorado em execução forçada de decisão provisória – o que é perfeitamente possível, art. 520, IV, CPC –, não tem o executado direito ao desfazimento da arrematação. Vale dizer: o terceiro que arrematou o bem tem sua esfera jurídica desde logo resguardada, não tendo o executado direito de reaver o bem arrematado (art. 520, § 4º, CPC). O art. 903, CPC, a propósito, abona esse raciocínio, ao afirmar que, ‘assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma...’.”

43

39

Os poderes mandamentais do juiz no novo CPC e a superação da multa do art. 475-J do CPC/1973. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. nº 50. v. 5. mai- 2016. p. 127.

40 Cassio Scarpinella Bueno anota: “Assim é que a ‘execução provisória completa’ – ou o ‘cumprimento provisório de sentença

completo’ – é expressamente assegurada, ainda que, em regra, mediante prestação de caução (inciso IV)” (Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 348).

41 Comentários ao Código de Processo Civil: novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: RT, 2015. p. 1281.

42 “Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as

seguintes normas:

(...)

III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz nos próprios autos.”

43 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo:

RT, 2016. p. 624.

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A mesma opinião recolhe-se dos comentários de Daniel Amorim Asspumção Neves acerca do cumprimento provisório da sentença. O jurista pondera que “a expressa menção de retorno ao estado anterior das partes permite que os atos de expropriação sejam realizados mesmo no cumprimento provisório de sentença, protegendo-se o terceiro adquirente do bem penhorado, que não retornará ao patrimônio do executado, entendendo-se que o ‘estado anterior´ diz respeito à situação patrimonial do executado antes da execução provisória”

44. Orienta-se na mesma perspectiva a doutrina de José Rogério

Cruz e Tucci: “(...) pode ter-se verificado inclusive a transferência de domínio, como expressamente autorizam o inc. IV e o § 4º do art. 520. Neste caso, a despeito de não ser mais viável a restituição ao estado anterior, só restará ao executado ser reembolsado pelo dano experimentado”.

45

Enaltecendo a opção do legislador por privilegiar a posição jurídica do arrematante em detrimento da posição jurídica do executado, Wolney de Macedo Cordeiro afirma que o novo CPC adotou uma proposta extremamente corajosa para a solução dos problemas decorrentes da consolidação da arrematação. Comentando o art. 903 do CPC, o processualista registra que os meios de defesa do executado não são dotados de efeito suspensivo e conclui que “(...) é possível que a fase de expropriação seja sequenciada mesmo sem o julgamento dos embargos do devedor. A eventual procedência desse meio impugnativo, no entanto, não afeta a arrematação, mantendo-se incólume a aquisição feita por terceiro e restando ao devedor prejudicado obter a reparação perante o próprio credor”.

46

A doutrina identifica na possibilidade de execução provisória completa e no não desfazimento da arrematação a opção do legislador de organizar o processo “(...) de modo a concretizar de forma mais aguda o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional”

47. Essa forma mais aguda de

concretizar a tutela jurisdicional levou Hermes Zaneti Jr. à consideração de que as premissas do novo CPC “(...) afastam a concepção fraca da atividade executiva que estimula o comportamento irresponsável dos devedores e a corrupção do sistema”.

48 Para o referido jurista, a alteração

paradigmática projetada pelo novo CPC parte da premissa – acertada premissa, sublinhe-se – de que “(...) não há direito fundamental de propriedade que dê suporte a um processo de execução pensado para a tutela do devedor. O processo de execução deve ser voltado para a tutela do crédito”.

49

O novo CPC manteve a regra geral de que a impugnação não suspende a execução. Essa regra geral estava prevista no art. 475-M do CPC revogado. No CPC de 2015, essa regra geral está prevista no art. 525, § 6º e constitui evidência de que, ao organizar a execução forçada dessa maneira, o legislador infraconstitucional pretendeu dar maior densidade ao direito fundamental à tutela jurisdicional

44

Novo Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 896-97.

45 Comentários ao Código de Processo Civil. vol. VIII. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero

(coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 282. No mesmo sentido, alinha-se a doutrina de Cássio Scarpinella Bueno: “O § 4° evidencia o correto entendimento de que a alienação de domínio é preservada no caso de provimento de apelo do executado. Ressalvando-se o direito do executado (quem sofre o cumprimento provisória da sentença). pleitear a indenização cabível” (Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 348).

46 Execução no Processo do Trabalho. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 344.

47 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo:

RT, 2016. p. 625.

48 Comentários ao Código de Processo Civil. vol. XIV. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero

(coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 41.

49 Comentários ao Código de Processo Civil. vol. XIV. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero

(coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 130.

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efetiva (CF, art. 5º, XXXV), priorizando a eficácia da sentença condenatória ao pagamento de quantia.50

Aplicável à execução trabalhista por força dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 do CPC, a regra da não suspensão da execução incide tanto na execução definitiva quanto na execução provisória, estimulando o executado ao cumprimento da obrigação.

Alguns aspectos particulares da execução por quantia certa merecem desenvolvimento específico capaz de permitir explorar melhor determinadas potencialidades trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015. É o que se tenta enfrentar agora.

6. PROTESTO EXTRAJUDICIAL DA SENTENÇA E INCLUSÃO DO DEVEDOR EM CADASTRO

DE INADIMPLENTES – POR QUE FAZER AMBOS

Na esteira da doutrina e da jurisprudência51

formadas na vigência do CPC revogado, o art. 517 do novo CPC positivou o protesto extrajudicial da sentença transitada em julgado como medida de execução indireta mediante a qual o legislador evidencia o deliberado propósito de conferir maior autoridade às decisões judiciais. O art. 517 do CPC prevê que “a decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523.” A doutrina e a jurisprudência já admitiam o protesto extrajudicial da sentença, com fundamento no art. 1º da Lei nº 9.492/1997. Assim admitiam por reconhecer enquadrar-se a sentença no tipo legal previsto no referido art. 1º da Lei nº 9.492/1997. O art. 1º da Lei nº 9.492 prevê o protesto de “títulos e outros documentos de dívida”. A sentença transitada em julgado é considerada pela doutrina e pela jurisprudência, para efeito de protesto, título representativo de dívida. Daí o entendimento de que a sentença transitada em julgado podia ser levada a protesto ainda à época do CPC de 1973.

52 Aliás, seria contraditório que se pudesse protestar uma

duplicata e não se pudesse protestar uma sentença.53

O novo CPC ampliou o cabimento do protesto, estendendo-o também à decisão interlocutória transitada em julgado.

54 Daí a possibilidade de protestar a

decisão parcial do mérito prevista no art. 356 do CPC55

, o que pode aportar mais efetividade à boa prática da antecipação de capítulo(s) da sentença. No art. 5º da Instrução Normativa nº 39/2016, o TST reputa aplicáveis ao processo do trabalho as normas do art. 356, §§ 1º a 4º, do CPC que regulam o julgamento antecipado parcial do mérito, estabelecendo que da sentença parcial do mérito cabe recurso ordinário de imediato. Prevista no art. 782, §§ 3º e 5º, do novo CPC, a inclusão do nome do executado em cadastro de inadimplentes é mais uma importante medida de execução indireta que denota a opção do legislador

50

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo: RT, 2016. p. 641.

51 STJ, 3ª Turma, REsp 750.805/RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 14/02/2008, DJe 16/06/2009.

52 Cf. Ben-Hur Silveira Claus. Execução trabalhista em perguntas e respostas. Porto Alegre: HS Editora, 2015. p. 91-92.

53 Enquanto a duplicata enseja contraditório apenas diferido, a sentença judicial é antecedida de contraditório prévio, com

garantia inclusive de acesso ao duplo grau de jurisdição. Somente após o trânsito em julgado da sentença admite-se o protesto. Já a duplicata vencida é apontada para imediato protesto por ato unilateral do credor e, não havendo o pagamento, o protesto é lavrado, salvo se o devedor ajuizar ação de sustação do protesto, tomando a iniciativa de propor o contraditório.

54 Élisson Miessa. “Hipoteca judiciária e protesto da decisão judicial no novo CPC e seus impactos no Processo do Trabalho”.

Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 480.

55 Cf. Theotonio Negrão et all. Novo Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 47 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

p. 551, nota nº 517, 1a.

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pela efetividade da execução, uma vez que as restrições de crédito produzidas contra o devedor judicial são bastantes severas, à semelhança do que ocorre com o protesto extrajudicial da sentença. Assim como o protesto, a inclusão do devedor em cadastro de inadimplentes tem cabimento na execução definitiva. E ambas as medidas podem ser determinadas imediatamente após o decurso do prazo para pagamento do débito (CPC, arts. 517 e 872, § 4º). A semelhança dos efeitos do protesto extrajudicial da sentença e da inclusão do nome do executado em cadastro de inadimplentes têm levado os operadores jurídicos a se perguntarem sobre a utilidade da adoção simultânea de ambas as medidas. Isso porque o titular do Cartório de Títulos e Documentos comunica aos órgãos de defesa do crédito quando lavra o protesto extrajudicial da sentença. Essa comunicação aos órgãos de defesa de crédito é dever legal imposto ao Cartório de Títulos e Documentos, previsto no art. 29 da Lei nº 9.492/1997. Já o convênio celebrado entre o CNJ e a Serasa Experian, conhecido como SerasaJud, permite ao juízo operacionalizar a medida de execução indireta prevista no art. 872, §§ 3º e 5º, do CPC, incluindo o devedor judicial no Cadastro de Inadimplentes da Serasa mediante simples comando eletrônico.

A conveniência de realizar ambas as medidas simultaneamente pode ser percebida quando se atenta para a diversa regência legal estabelecida para o cancelamento dessas medidas. Enquanto basta a garantia do juízo para o executado obter o cancelamento da inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes (CPC, 782, § 4º), o cancelamento do protesto extrajudicial exige do devedor “a satisfação integral da obrigação” (CPC, art. 517, § 4º). Vale dizer, o protesto é mais eficaz do que a inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, na medida em que o devedor precisará providenciar a satisfação integral da obrigação para fazer cancelar o protesto extrajudicial da sentença. A distinção estabelecida pelo legislador no tratamento dessas duas medidas de execução indireta é objeto detalhado da doutrina de Cassio Scarpinella Bueno. O jurista observa que há uma diferença importante entre as duas medidas em cotejo, sublinhando que o cancelamento da inscrição do devedor nos cadastros de inadimplentes ocorre mediante simples garantia da execução, enquanto que a lei exige “a satisfação integral da obrigação” para o cancelamento do protesto. Ao explicar o tratamento diverso com que o legislador distinguiu essas medidas legais no que pertine ao respectivo cancelamento, Cassio Scarpinella Bueno pondera que a diferença de regime jurídico tem razão de ser, uma vez que a inscrição em cadastro de inadimplentes é possível mesmo diante de título executivo extrajudicial, ao passo que o protesto extrajudicial previsto no art. 517 do CPC pressupõe título executivo judicial transitado em julgado. Daí a conclusão do jurista de que não basta a garantia do juízo para o devedor obter o cancelamento do protesto. Antecipando a solução do debate que surgirá no particular, Cassio Scarpinella Bueno é categórico em afirmar que a regra do § 4º do art. 782 não se aplica ao protesto extrajudicial da sentença previsto no art. 517 do CPC

56, ou seja, o executado não logra obter o cancelamento do protesto apenas com a

garantia do juízo mediante a oferta de bem à penhora. A distinção estabelecida para o cancelamento da medida justifica-se em face do grau de certeza do direito a ser tutelado pela medida de execução indireta. Tratando-se de medida de execução indireta fundada em título judicial transitado em julgado, é razoável que o protesto seja cancelado apenas mediante “a satisfação integral da obrigação”, porquanto a existência do crédito exequendo conta com a autoridade da coisa julgada. Sendo a inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes viável na execução de título executivo extrajudicial desde que decorrido o prazo para pagamento espontâneo do débito (CPC, art. 782, § 4º), hipótese em que o contraditório será desenvolvido de forma diferida, houve por bem o legislador estabelecer hipótese de cancelamento da inscrição mediante mera garantia do juízo, não lhe exigindo a satisfação integral da dívida, solução legislativa para a qual certamente foi considerada a existência de um grau menor de certeza quanto à existência do crédito exequendo. Se ao protesto não se aplica a regra do § 4º do art. 782 do CPC sob o fundamento de que a

56

Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 481/482.

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inclusão em cadastro de inadimplentes pode se fundar em título executivo extrajudicial, cabe indagar se seria exigível a satisfação integral da dívida quando a inscrição do devedor estiver fundada em título executivo judicial transitado em julgado. Tratar-se-ia de conferir exegese sistemática aos preceitos dos arts. 517, § 4º e 782, §§ 3º, 4º e 5º do CPC, mediante recurso ao método hermenêutico de proceder à interpretação jurídica a contrário senso daquela que se recolhe na doutrina de Cassio Scarpinella Bueno. Enquanto a doutrina e a jurisprudência elaboram essa última questão, parece razoável afirmar que os juízos trabalhistas alcançarão maior efetividade na execução na medida em que optem por realizar, simultaneamente, tanto o protesto quanto a inclusão do nome do executado em cadastro de inadimplentes. No art. 17 da Instrução Normativa nº 39/2016, o Tribunal Superior do Trabalho adotou a orientação de que essas medidas legais de execução indireta são aplicáveis à execução trabalhista, consolidando a orientação da jurisprudência mais avançada dos Tribunais Regionais do Trabalho estabelecida na vigência do Código revogado acerca da matéria. Embora a adoção dessas medidas legais esteja subordinada à iniciativa do exequente no âmbito do Processo Civil (CPC, arts. 517, § 1º e 782, § 3º), assim não ocorre no âmbito do Processo do Trabalho em face da previsão do art. 878 da CLT, preceito que singulariza o procedimento laboral e que atua para conformar a autonomia científica do Direito Processual do Trabalho. A iniciativa conferida ao magistrado trabalhista pelo art. 878 da CLT para impulsionar a execução autoriza concluir que no Processo do Trabalho é lícito ao juiz determinar de ofício a prática dessas medidas legais de execução indireta. A doutrina justrabalhista é majoritária nesse sentido. Nada obstante Manoel Antonio Teixeira Filho sustente que a inclusão do nome do executado em cadastro de inadimplentes depende de requerimento do exequente em face da respectiva previsão do CPC

57, a licitude da adoção de ambas as

medidas de ofício pelo juiz do trabalho é reconhecida pela doutrina de Cleber Lúcio de Almeida58

, Edilton Meireles

59, Mauro Schiavi

60 e Élisson Miessa

61, entre outros.

Essa última posição é a mais consentânea com o processo do trabalho. A assimetria da relação de emprego imprime ao processo do trabalho um traço inquisitório bastante superior àquele reconhecido ao magistrado no processo civil. A lição de José Augusto Rodrigues Pinto acerca da assimetria da relação de emprego e de sua repercussão no processo do trabalho ilustra a afirmação anterior. O jurista observa o processo civil é um “(...) sistema processual que navega em águas de interesse processuais caracteristicamente privados, porque oriundos de relação de direito material subordinada à idéia da igualdade jurídica e da autonomia da vontade. O sistema processual trabalhista flutua num universo dominado pela prevalência da tutela do hipossuficiente econômico, que se apresenta como credor da execução trabalhista”.

62 Se a iniciativa conferida ao juiz do trabalho pelo art. 878 da CLT assegura-lhe

determinar a prática de atos executivos de execução direta de natureza sub-rogatória, inclusive a

57

Comentários ao novo Código de Processo Civil sob a perspectiva do Processo do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 869. No que diz respeito ao protesto extrajudicial da sentença previsto no art. 517 do CPC, o autor afirma que “a norma é aplicável ao processo do trabalho, desde que tenha decorrido o prazo para o pagamento da dívida (...)”, sem descer ao detalhe da possibilidade da iniciativa de ofício do juiz, talvez no pressuposto de que a iniciativa da parte é exigida pelo CPC (obra citada, p. 728).

58 Direito Processual do Trabalho. 6 ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 754.

59 Medidas sub-rogatórias, coercitivas, mandamentais e indutivas no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo. vol.

247. Ano 40. pp. 231-246. São Paulo: Ed. RT, set. 2015. p. 237).

60 Execução no Processo do Trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 292.

61 “Hipoteca judiciária e protesto da decisão judicial no novo CPC e seus impactos no Processo do Trabalho”. Novo Código de

Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 480.

62 Execução trabalhista. 11. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 213.

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constrição e a alienação de bens do executado63

, não parece razoável negar-lhe a prática de atos de mera execução indireta destinados a induzir o executado ao cumprimento da obrigação. Aqui, a autonomia científica do Direito Processual do Trabalho modela e adapta o ingresso do preceito de direito comum no processo do trabalho sob o comando normativo do art. 878 da CLT, na medida em que exigir a iniciativa do exequente para a adoção dessas providências não se afigura compatível com os princípios que governam o subsistema jurídico processual do trabalho (CLT, arts. 765, 769 e 889). Em reforço dessa argumentação, alinha-se a orientação do TST de reconhecer licitude à iniciativa do juiz de conceder de ofício tutela de urgência de natureza cautelar (CPC, art. 301) quando da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresarial executada, conforme previsto no art. 6º, § 2º, da Instrução Normativa nº 39/2016. É interessante observar que a adoção de medidas cautelares de ofício é admitida tanto no âmbito da teoria jurídica processual trabalhista quanto no âmbito da teoria processual civil. É bem verdade que há distinção entre medidas cautelares e medidas de execução indireta. Todavia, tal distinção apenas reforça o argumento em favor da possibilidade de adoção das referidas medidas de execução indireta de ofício no processo do trabalho, uma vez que as medidas de execução indireta em questão – protesto extrajudicial da sentença e inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes – têm oportunidade apenas após o trânsito em julgado da sentença trabalhista, quando o grau de certeza acerca da existência do direito exequendo é superior àquele necessário para a concessão de medida cautelar, em que mera probabilidade do direito alegado satisfaz o pressuposto jurídico necessário ao provimento. Daí a pertinência de recuperar as lições que nos deixaram Alcione Niederauer Corrêa e Galeno Lacerda no tema. O processualista trabalhista sustenta que, embora a concessão de medida cautelar de urgência, ex officio, no processo civil ainda se constitua exceção, o mesmo não deve ocorrer no processo do trabalho, argumentando que o juiz trabalhista não apenas promove a execução de ofício, independentemente de provocação da parte, complementando a satisfação jurisdicional, como realiza um direito material de proteção do economicamente fraco. Depois de registrar que a execução de ofício é uma regra representativa da superioridade jurídica conferida ao empregado na relação processual, Alcione Niederauer Corrêa postula seja admitida a concessão de medidas cautelares de ofício também no processo conhecimento, ponderando, para tanto, que “(...) o processo do trabalho se caracteriza pela predominância do inquisitório sobre o dispositivo, pela presença atuante do juiz na sua direção e na busca de todos os elementos de possam influir na sua convicção”.

64

O processualista civil conclui que o juízo trabalhista tem a faculdade de decretar providências cautelares diretas de ofício. Galeno Lacerda desenvolve seu raciocínio com o brilho habitual, ponderando que “(...) alarga-se, portanto, no processo trabalhista pela própria natureza dos valores que lhe integram o objeto, o poder judicial de iniciativa direta. Isto significa que, ao ingressarem no direito processual do trabalho, como subsidiárias, as normas do processo civil hão de sofrer, necessariamente, a influência dos mesmos valores indisponíveis. Por isso, o teor do art. 797 – ‘só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes’ – ao transmudar-se subsidiariamente para o processo trabalhista, deverá ser interpretado de modo extensivo e condizente com os princípios sociais que informam esse direito, e com o consequente relevo e autonomia que nele adquirem os poderes do juiz, consubstanciados, até, na execução de ofício”.

65

Quanto à operacionalização dessas medidas, o protesto extrajudicial da sentença pode ser realizado mediante mandado-papel dirigido ao titular do Cartório de Títulos e Documentos, acompanhado de certidão da dívida. Alguns Cartórios admitem a utilização de ofício-papel, o que simplifica o procedimento, pois libera o Oficial de Justiça de levar o mandado até o cartório, fazendo-se a remessa

63

Constrição e alienação forçadas.

64 As ações cautelares no processo do trabalho. 2 ed. Ben-Hur Silveira Claus (organizador). São Paulo: LTr, 2015. p. 94-95.

65 Comentários ao Código de Processo Civil. vol. VIII. Tomo I. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 129-130.

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pelos Correios. A certidão da dívida deve acompanhar o ofício-papel. O ideal, entretanto, é o TRT celebrar o convênio necessário à realização eletrônica do protesto.

66 O convênio é celebrado entre o TRT

e a entidade representativa dos Cartórios de Protestos no âmbito da Região, o Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil.

67 Alguns Tribunais Regionais já têm o convênio e realizam com êxito o

protesto extrajudicial da sentença de forma eletrônica68

, o que implica simplicidade e agilidade procedimental.

Já a inclusão do nome do executado no cadastro de inadimplentes da Serasa pode ser realizada eletronicamente por meio do convênio SerasaJud, o qual está acessível a todos os juízos trabalhistas do país, desde que o respectivo Tribunal Regional tem aderido ao convênio celebrado entre o CNJ e a Serasa Experian. Para outros cadastros de inadimplentes

69, a medida

pode ser realizada mediante a expedição de mandado-papel dirigido ao cadastro de inadimplentes desejado, enquanto não celebrados os convênios necessários à implementação da providência legal de forma eletrônica, o que já é objeto da atenção dos Gestores Nacionais e Regionais da Execução e das Corregedorias dos Tribunais Regionais.

7. A PENHORA DE DINHEIRO EM EXECUÇÃO PROVISÓRIA

O Tribunal Superior do Trabalho vem atualizando sua jurisprudência ao novo CPC. No art. 3º, XVI, da Instrução Normativa nº 39, o TST reputou o art. 835, § 1º, do CPC de 2015 aplicável ao processo do trabalho. No dia 19 de setembro de 2016, o TST atualizou sua jurisprudência ao preceito do art. 835, § 1º, do CPC de 2015.

70 Com a atualização de sua jurisprudência, o TST

passou a admitir o cabimento de penhora de dinheiro na execução provisória, posicionamento que poderá descortinar um horizonte de promissora efetividade para a jurisdição trabalhista.

71

66

Luciano Athayde Chaves pondera sobre a necessidade de utilizar e desenvolver ferramentas eletrônicas na execução trabalhista, observando, com pertinência, que “(...) as práticas forenses permaneceram tempo demais na obscuridade das rotinas tradicionais”, fator de grande relevo para explicar a baixa efetividade das tutelas jurisdicionais (“Ferramentas eletrônicas na execução trabalhista”. Curso de Processo do Trabalho. Luciano Athayde Chaves (organizador). São Paulo: LTr, 2009. p. 925-926).

67 Cada Estado da Federação tem uma Seção estadual do Instituto.

68 É o caso do TRT do Amazonas e do TRT de Minas Gerais, por exemplo.

69 SPC – Serviço de Proteção ao Crédito (lojistas); Cedin - Cadastro de Entidades Devedoras Inadimplentes, mantido pelo CNJ;

Cadin – Cadastro de Inadimplentes, mantido pelo Banco Central do Brasil (obrigações não pagas para com órgãos da Administração Pública Federal); Sicaf – Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (regularidade fiscal das empresas que contratam com a Administração Pública).

70 “Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação financeira;

(...)

§ 1º. É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.”

71 Cf. Ben-Hur Silveira Claus. TST atualiza sua jurisprudência: penhora em dinheiro na execução provisória. Suplemento

Trabalhista n. 105/16. São Paulo: LTr, 2016. Ano 52. p. 601-603.

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Na redação anterior, a Súmula 417 do TST não admitia a penhora em dinheiro na execução provisória. Com efeito, o item III da referida súmula apresentava o seguinte enunciado: “III – Em se tratando de execução provisória, fere direito líquido e certo do impetrante a determinação de penhora em dinheiro, quando nomeados outros bens à penhora, pois o executado tem direito a que a execução se processe da forma que lhe seja menos gravosa, nos termos do art. 620 do CPC.” Em razão da previsão do art. 835, § 1º, do novo CPC, o TST cancelou o item III da Súmula 417 e alterou a redação do item I da Súmula 417, passando a admitir a penhora de dinheiro também na execução provisória. O preceito que fundamenta o novo posicionamento do TST estabelece que a penhora em dinheiro, além de continuar sendo preferencial, é prioritária, o que significa dizer que a ordem de penhora não pode mais ser alterada pelo juiz quando a constrição recair sobre dinheiro. A nova redação do item I da Súmula 417 do TST apresenta o seguinte enunciado: “I – Não fere direito líquido e certo do impetrante o ato judicial que determina penhora em dinheiro do executado para garantir crédito exequendo, pois é prioritária e obedece à gradação prevista no art. 835 do CPC de 2015 (art. 655 do CPC de 1973).” Cancelado o item III e alterado item I da S-417-TST, a jurisprudência atual do TST não mais distingue, para efeito de considerar prioritária a penhora em dinheiro, entre execução provisória e execução definitiva. Em ambas as modalidades de execução, a execução realiza-se prioritariamente mediante penhora de dinheiro, a teor do § 1º do art. 835 do CPC de 2015. Vale dizer, mesmo na execução provisória, o exequente tem direito subjetivo à penhora em dinheiro, ainda que o executado indique bens à penhora, na acertada conclusão de Leonardo de Faria Beraldo.

72

A lição de Daniel Amorim Assumpção Neves sintetiza a doutrina sobre o alcance do preceito legal, no sentido de que “(...) a preferência pela penhora do dinheiro é absoluta, prevalecendo em toda e qualquer execução, independentemente das particularidades do caso concreto.”

73 Sendo preferencial e agora também prioritária a penhora em dinheiro (CPC, art.

835, I, § 1º), o executado deve observá-la ao indicar bem à penhora, sob pena de presunção relativa de ineficácia da indicação de outro tipo de bem à penhora (CPC, art. 848, I). A formulação de Guilherme Rizzo Amaral ajuda a compreender melhor o conteúdo do novo preceito legal, esclarecendo um aspecto peculiar de seu alcance: “o prejuízo ao exequente será presumido sempre que dinheiro for preterido na indicação do devedor”.

74

Compreender o itinerário da Súmula 417 do TST permite visualizar melhor as perspectivas que se abrem à Jurisdição Trabalhista após a alteração da redação da súmula. Na interpretação sobre a incidência do art. 655 do CPC de 1973 na execução provisória, o TST firmara o entendimento de que a ordem preferencial de penhora estabelecida no referido preceito legal não impedia que, em favor da observância da regra da execução menos gravosa para o devedor, pudesse ser afastada a penhora em dinheiro quando o executado indicasse outro bem

72

Leonardo de Faria Beraldo é didático: “E, se o executado se antecipar e oferecer um bem à penhora, mesmo que com ótima liquidez, é direito do exequente requerer a penhora on line, estando o juiz obrigado a deferir o pedido” (Comentários às inovações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 318).

73 Novo CPC comentado artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1330.

74 Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015. p. 836.

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à penhora.75

Esse entendimento restou consagrado no item III da Súmula 417 do TST: “III – Em se tratando de execução provisória, fere direito líquido e certo do impetrante a determinação de penhora em dinheiro, quando nomeados outros bens à penhora, pois o executado tem direito a que a execução se processe da forma que lhe seja menos gravosa, nos termos do art. 620 do CPC.” Com o advento do CPC de 2015, sobreveio explicitação normativa inexistente no CPC de 1973. Após consagrar a ordem preferencial de penhora no caput do art. 835, à semelhança da disciplina existente no CPC revogado (art. 655), o novo CPC acrescentou § 1º ao dispositivo legal em questão. O § 1º do art. 835 do CPC tem a seguinte redação: “§ 1º. É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.” Por meio do referido § 1º, o legislador explicitou ser prioritária a penhora em dinheiro, facultando a alteração na ordem preferencial de penhora apenas para os demais bens penhoráveis. E já não mais se cogita de execução menos gravosa no particular: “... o princípio da efetividade da tutela executiva se sobrepõe ao da menor onerosidade no caso de penhora em dinheiro.”

76

Aplicável à execução trabalhista por força da previsão expressa do art. 882 da CLT, o art. 655 do CPC de 1973 arrolava o dinheiro como primeira modalidade de bem a ser penhorado. Como não havia a atual explicitação normativa de que o dinheiro era a modalidade prioritária de bem a penhorar, a jurisprudência do TST adotou uma interpretação mitigada da natureza preferencial da penhora em dinheiro na execução provisória, admitindo que a ordem preferencial de penhora pudesse ser relativizada quando se tratasse de execução de título executivo não definitivo e desde que o executado tivesse oferecido bens à penhora. Essa relativização era feita sob inspiração da regra da execução menos gravosa para o devedor, prevista no art. 620 do CPC de 1973, dispositivo legal mencionado na parte final do item III da Súmula 417 do TST. Com a explicitação normativa de que a penhora em dinheiro, além de preferencial, tornou-se prioritária, o TST atualizou sua jurisprudência ao preceito do § 1º do art. 835 do CPC, alterando a redação do item I e cancelando o item III da Súmula 417, sem fazer referência à regra da execução menos gravosa. Abandonando a distinção que fazia na antiga redação da Súmula 417, entre execução definitiva e execução provisória, o Tribunal Superior do Trabalho assentou o entendimento de que a penhora em dinheiro é cabível, desde logo, em ambas as modalidades de execução, o que significa dizer que a nomeação de bens à penhora pelo executado não tem mais a eficácia jurídica de impedir que a penhora recaia sobre dinheiro. A nova orientação adotada pelo TST na Súmula 417 contribuirá para a efetividade da execução, estimulando a adoção da boa prática da execução provisória de ofício (CLT, art. 878). Estimulará a boa prática da sentença líquida. Nos casos em que a completa liquidação da sentença for inviável diante da complexidade dos cálculos, a boa prática da sentença líquida em parte (em determinados capítulos) permitirá antecipar todos os atos de execução no que respeita ao valor líquido apurado. É preciso ter em conta, neste contexto, o fato de que a execução provisória, no novo CPC, vai até a alienação do bem

75

A posição do TST foi contestada por copiosa doutrina. Essa doutrina adotava o entendimento de que a juridicidade da penhora em dinheiro na execução provisória podia ser extraída da mera preferência atribuída ao dinheiro na ordem preferencial de bens prevista no art. 655 do CPC de 1973 e também da previsão legal de que a execução provisória realiza-se da mesma forma que a execução definitiva.

76 A síntese de Élisson Miessa é perfeita. Impactos do Novo CPC nas Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST. Salvador:

Juspodivm, 2016. p. 116.

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penhorado e permite, inclusive, o levantamento de depósito em dinheiro (CPC, art. 520, IV), independentemente de caução, quando se tratar de execução de crédito de natureza alimentar (CPC, art. 521, I), preceitos que têm sido considerados aplicáveis supletivamente à execução trabalhista pela doutrina majoritária (CLT, arts. 769 e 889; CPC, art. 15). Por fim, a diretriz hermenêutica adotada pelo TST na nova redação da Súmula 417 parece colocar no horizonte da Jurisdição Trabalhista a perspectiva de uma produtiva assimilação da aplicação supletiva do CPC de 2015 à execução trabalhista.

8. PENHORA DE SALÁRIO E DE DEPÓSITO EM CADERNETA DE POUPANÇA

Outro fator de efetividade na execução de obrigação pecuniária está na opção do novo CPC de tornar penhorável tanto a remuneração da pessoa natural do executado quanto seus depósitos em caderneta de poupança quando estiver em execução prestação alimentícia, independentemente de sua origem (CPC, art. 833, § 2º). Trata-se de mais uma distinção em relação ao Código revogado. No CPC de 1973, a remuneração do executado era considerada absolutamente impenhorável (art. 649, IV). A única exceção era o pagamento de prestação alimentícia stricto sensu (art. 649, § 2º). Idêntica impenhorabilidade era conferida à caderneta de poupança, desde que o valor depositado fosse inferior a 40 salários mínimos (art. 649, X).

77

Aproveitando a oportunidade para aproximar-se da melhor experiência do direito comparado78

, o novo CPC tornou penhorável a remuneração da pessoa natural do executado para pagamento de prestação alimentícia de qualquer natureza, aspecto que foi saudado pela doutrina de Wolney de Macedo Cordeiro como grande evolução da norma processual brasileira, que há muito tempo se ressentia de uma ampliação das hipóteses de constrição do salário do devedor.

79

A nova disciplina que o CPC de 2015 conferiu à penhora de salário coloca em perspectiva a reavaliação da diretriz hermenêutica adotada pelo TST na Orientação Jurisprudencial n. 153 da Seção de Dissídios Individuais II.

80 A jurisprudência uniformizada do TST firmou-se – na OJ 153 da SDI-II – no

sentido de distinguir, para efeito de penhorabilidade, entre o crédito de alimentos do direito de família e o crédito alimentar trabalhista. A distinção adotada pelo TST tinha fundamento no entendimento de que a possibilidade de penhora estava limitada pelo art. 649, § 2º, CPC de 1973 à hipótese de execução de crédito de alimentos do direito de família, espécie de crédito alimentar na qual não se podia entender compreendido o crédito trabalhista. Isso porque o crédito trabalhista, embora integrasse o gênero crédito alimentar, não se confundia com a estrita espécie de crédito alimentar prevista no art. 649, § 2º, do CPC de 1973. Ocorre que o novo CPC, ao disciplinar as hipóteses de impenhorabilidade e respectivas

77

A primeira observação é notar que desaparece, no novo CPC, o advérbio absolutamente – absolutamente impenhoráveis – que estava presente no Código revogado (art. 649, caput). O CPC de 2015 relativiza algumas hipóteses de impenhorabilidade, atendendo a ponderações da doutrina em favor da efetividade da tutela executiva.

78 Cf. Cleber Lúcio de Almeida. Direito Processual do Trabalho. 6 ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 809-810.

79 Cf. Wolney de Macedo Cordeiro. Execução no processo do trabalho. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 276.

80 OJ 153 da SDI-II do TST: “Mandado de segurança. Execução. Ordem de penhora sobre valores existentes em conta salário.

Art. 649, IV, do CPC. Ilegalidade. Ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista.”

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relativizações, abarcou as diversas espécies de crédito alimentar no gênero prestação alimentícia, independentemente de sua origem, conforme se recolhe dos termos do § 2º do art. 833 do CPC. A adoção da genérica locução prestação alimentícia, independentemente de sua origem

81 no suporte

fático do preceito legal não mais permite distinguir entre as diversas espécies de prestação alimentícia no tema da penhorabilidade. Noutras palavras, o novo diploma geral superou a distinção que se fazia na vigência do Código anterior, passando a compreender as diversas espécies de prestação alimentícia no gênero adotado no novo suporte fático do preceito – prestação alimentícia, independentemente de sua origem. O novo CPC veio para superar a distinção que havia no CPC revogado, exatamente porque essa distinção deixava os demais credores alimentares sem tutela jurídica efetiva. O novo CPC estabelece que a caução pode ser dispensada na execução provisória quando o crédito for de natureza alimentar, independentemente de sua origem (CPC, art. 521, I). O novo CPC estabelece também a possibilidade de penhora de salário e caderneta de poupança quando estiver em execução prestação alimentícia, independentemente de sua origem (CPC, art. 833, § 2º). Ambos os preceitos têm redação semelhante e disciplinam tais matérias sob a mesma orientação axiológica, conferindo posição jurídica de preeminência aos credores alimentares. Trata-se de elemento hermenêutico de extração sistemática que opera como reforço de argumentação. Note-se que a expressão crédito alimentar e a expressão prestação alimentícia são ambas seguidas da mesma locução – independentemente de sua origem. Os preceitos dos arts. 521, I, e 833, § 2º, do CPC, compreendidos em harmonia sistemática, na busca da otimização da eficácia da tutela executiva, permitem extrair a interpretação extensiva de que basta que o crédito seja alimentar – aqui incluído o crédito trabalhista – para que se considere lícita a penhora de salário e de caderneta de poupança, ainda que não se trate de prestação alimentícia continuada. A interpretação extensiva da norma do art. 833, § 2º, do CPC é encontrada na doutrina do processualista civil Daniel Amorim Assumpção Neves. Diz o autor que “(...) essa exceção à impenhorabilidade não depende da origem do direito de alimentos, aplicando-se àqueles derivados da relação familiar, de casamento ou união estável, verbas trabalhistas lato sensu e decorrentes de ato ilícito.”

82

Precisamente em razão de tais fundamentos, Élisson Miessa vem sustentando a necessidade o TST reavaliar a diretriz hermenêutica da Orientação Jurisprudencial nº 153 da SDI-II. Pondera o jurista que o art. 833, § 2º, do novo CPC impõe que a expressão prestação alimentícia seja interpretada em consonância com o art. 100, § 1º, da CF/88, o qual estabelece que “os débitos de natureza alimentar compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil. Daí a razão porque Élisson Miessa afirma que não mais se sustenta a limitação imposta pelo TST na OJ 153 da SDI-II, no sentido de que a exceção da impenhorabilidade da remuneração de devedor apenas diz respeito à ação de alimentos. É o caso – sustenta o jurista – de cancelamento da referida Orientação Jurisprudencial, devendo o TST aplicar o disposto no art. 833, § 2º, do CPC de 2015, para permitir penhora de salários, vencimentos e afins e da quantia depositada em caderneta de poupança, nas situações em que as verbas decorrentes de sentenças trabalhistas ostentem caráter alimentar, nos termos do art. 100, § 1º, da Constituição Federal.

83

No mesmo sentido, orienta-se Wolney de Macedo Cordeiro, para quem a norma do art. 833, § 2º, do novo CPC é mais ampla do que a norma do art. 649, IV, § 2º do CPC revogado e elimina a possibilidade de uma interpretação restritiva quanto à penhora de salário para a quitação de execução decorrente de crédito alimentar. O processualista conclui que, “a partir da vigência do NCPC, podemos considerar plenamente possível a penhora da remuneração do devedor, com a finalidade de garantir

81

Wolney de Macedo Cordeiro adota a expressão prestação alimentícia de qualquer natureza (Execução no processo do trabalho. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 298).

82 Novo CPC comentado artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1316.

83 Impactos do Novo CPC nas Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST. Salvador: Juspodivum, 2016. p.123.

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crédito tipicamente trabalhista e, portanto, dotado de caráter alimentar”.84

9. A DISPENSA DE CAUÇÃO NA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA SENTENÇA TRABALHISTA É A

REGRA

Como se viu de forma sintética anteriormente, a execução provisória no processo do trabalho, após o advento do CPC de 2015, abre uma promissora perspectiva de efetividade à Jurisdição Trabalhista, na medida em que a ordinária natureza alimentar do crédito trabalhista exequendo acaba por tornar regra geral a possibilidade de dispensa de prestação de caução no cumprimento provisório da sentença.

Para bem compreender a assertiva anterior, convém reafirmar que o art. 521, I, do CPC vigente dispensa a prestação de caução quando a execução provisória tenha por objeto a realização de crédito de natureza alimentar. O preceito tem inspiração na garantia constitucional de acesso à prestação jurisdicional efetiva. Conforme prelecionam Marinoni, Arenhart e Mitidiero, a dispensa de caução está relacionada à necessidade do exequente de fazer frente às suas necessidades básicas, sendo evidente a textura constitucional da tutela assegurada pelo preceito legal em exame.

85

Entretanto, a perspectiva de efetividade da Jurisdição Trabalhista depende da iniciativa do magistrado em determinar a execução provisória de ofício, com fundamento no art. 878 da CLT. Se os magistrados do trabalho não despertarem para a possibilidade de execução provisória de forma ordinária na Justiça do Trabalho de ofício, essa potencialidade do novo CPC permanecerá adormecida à espera de que se ouça o chamado de Heráclito: se não esperas o inesperado, não o encontrarás. Se a falta de estrutura de pessoal e de recursos materiais dificulta implementar a medida em todos os casos

86, a

execução provisória de ofício pode ser adotada no caso de litigantes recalcitrantes que se utilizam da jurisdição para ordinariamente retardar o cumprimento das obrigações, nos casos em que há risco de dissipação de bens ou necessidade de antecipar atos de constrição e nas demais situações em que a experiência cotidiana recomende à deliberação do juiz promover a execução provisória da sentença no interesse da efetividade da jurisdição. Quanto à licitude de o magistrado do trabalho determinar a execução provisória de ofício, há de acabar prevalecendo a resposta afirmativa, basicamente orientada pela incidência do art. 878 da CLT e pela especialidade do processo do trabalho, nada obstante a profunda divergência que caracteriza a teoria processual trabalhista nesse tema. Em favor dessa resposta afirmativa quanto à possibilidade de o juiz do trabalho determinar a execução provisória de ofício, alinham os seguintes doutrinadores: Antônio Álvares da Silva

87, Cleber Lúcio de Almeida,

88 Marcos Neves Fava

89, Julio César Bebber

90, Wolney de

84

“Causas de impenhorabilidade perante a execução trabalhista e o novo Código de Processo Civil”. In: Novo CPC e o Processo do Trabalho. José Affonso Dallegrave Neto e Rodrigo Fortunato Goulart (coordenadores). São Paulo: LTr, 2016. p. 298).

85 Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo: RT, 2016. p. 626. No mesmo sentido orienta-se a doutrina de

Daniel Amorin Assumpção Neves. Para o jurista, “nos termos do art. 521, I, do Novo CPC, dispensa-se a caução independentemente da origem da dívida alimentar. Não interessa, portanto, se o crédito decorre de relação de parentesco, matrimônio, remunerações por trabalho ou de responsabilidade civil” (Novo CPC comentado artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 898)

86 Uma vez que os recursos trabalhistas têm efeito apenas devolutivo (CLT, art. 899), a execução provisória pode ser adotada de

forma generalizada no processo do trabalho.

87 Execução provisória trabalhista depois da Reforma do CPC. São Paulo, LTr, 2007. p. 55.

88 Direito Processual do Trabalho. 6 ed. São Paulo LTr, 2016. p. 792

89 Execução trabalhista efetiva. São Paulo: LTr, 2009. p. 197.

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Macedo Cordeiro91

, Delaídes Alves Miranda Arantes e Radson Rangel Ferreira Duarte92

e Amaury Haruo Mori

93, entre outros. Reporto-me, no particular, aos ensinamentos de Alcione Niederauer Corrêa e

Galeno Lacerda expostos no item 6 do presente artigo, ensinamentos que podem ser aqui retomados em face da estreita relação existente entre os temas examinados – medidas de execução indireta de ofício, medidas cautelares de ofício, execução provisória de ofício. Em sentido contrário à possibilidade de a execução provisória ser promovida de ofício, manifestam-se Manoel Antonio Teixeira Filho

94, Carlos

Henrique Bezerra Leite95

e Mauro Schiavi96

, entre outros juristas, todos sob o argumento da responsabilidade objetiva do credor no caso de prejuízo ao devedor. Eis uma questão que pode melhorar a efetividade da execução trabalhista, a depender dos pendores da jurisprudência que venha a se formar na matéria após o advento do CPC de 2015.

10. A NOVA PERSPECTIVA TRAZIDA PELO ART. 805, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC

Para o objetivo do presente estudo, é preciso resgatar a consideração básica de que o princípio da execução mais eficaz prevalece sobre a regra da execução menos gravosa. Essa consideração decorre tanto de fundamento lógico quanto de fundamento axiológico. O fundamento lógico radica na circunstância de que a execução forçada impõe-se como sucedâneo do não cumprimento espontâneo da sentença: a execução forçada somente se faz necessária porque o executado não cumpre a obrigação espontaneamente; citado para pagar, o executado omite-se. O fundamento axiológico radica no fato de que o equilíbrio da ordem jurídica somente se restaura com a reparação do direito violado mediante o cumprimento da obrigação estabelecida na sentença; cumprimento coercitivo, regra geral.

97

A superioridade hierárquica do princípio da execução mais eficaz sobre a regra exceptiva da execução menos gravosa, além de decorrer de fundamento lógico e axiológico, encontra confirmação na dimensão tópico-sistemática do ordenamento jurídico, porquanto as fontes normativas desses preceitos estão localizadas em dispositivos legais hierarquizados em uma determinada estrutura normativo-sistemática, típica das codificações. Nessa estrutura normativo-sistemática, a regra geral precede a exceção. Trata-se de uma estrutura lógica, que organiza a codificação numa sistemática perspectiva hierarquizada, do geral para o particular. Em outras palavras, a regra geral traz a premissa básica antes; depois, vem a hipótese de

90

"Execução de título provisório: instrumento de efetividade e tempestividade processuais". Contemporaneidade e trabalho: aspectos materiais e processuais. Gabriel Veloso e Ney Maranhão (organizadores). São Paulo: LTr, 2010.p. 392.

91 Execução no processo do trabalho. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 110.

92 Execução trabalhista célere e efetiva: um sonho possível. São Paulo: LTr, 2002. p. 65 e p. 69.

93 “Execução provisória”. Execução Trabalhista. 2 ed. José Aparecido dos Santos (coordenador). São Paulo: LTr, 2010. p. 824.

94 Execução no processo do trabalho. 9 ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 206-207.

95 Curso de Direito Processual do Trabalho. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1329.

96 Execução no processo do trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 244.

97 O tema foi objeto de pesquisa por nós desenvolvida no artigo “A execução trabalhista não se submete à regra exceptiva da

execução menos gravosa – a efetividade da jurisdição como horizonte hermenêutico.” Revista Síntese, São Paulo, n. 306, dez/2014. p. 9-24.

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exceção à regra geral. Examinemos esse aspecto tópico-sistemático. Enquanto o princípio da execução mais eficaz está implícito no preceito do art. 797 do CPC de 2015, que fixa a diretriz hermenêutica básica de que realiza-se a execução no interesse do exequente, a regra exceptiva da execução menos onerosa está prevista no art. 805 do CPC de 2015. Ambos os preceitos estão localizados no capítulo que trata das disposições gerais sobre a execução. Porém, o art. 797 precede ao art. 805. Essa precedência tópica expressa a preeminência que o sistema normativo outorga ao credor na fase de cumprimento da sentença, ao estabelecer a diretriz básica de que “(...) realiza-se a execução no interesse do exequente” (CPC, art. 797). Além disso, o art. 797 abre o respectivo capítulo do CPC de 2015, fixando a regra geral da execução: a execução realiza-se no interesse do credor.

98 Já o art. 805 do CPC

encerra o capítulo, estabelecendo uma exceção àquela regra geral: a execução será feita pelo modo menos gravoso para o devedor, quando por vários meios o credor puder promover a execução de modo igualmente eficaz. Daí a conclusão de que parece mais correto identificar a execução menos gravosa como regra exceptiva, o que implica recusar-lhe a condição de princípio com a qual a regra é identificada algumas vezes na doutrina. A natureza excepcional da regra do art. 805 do CPC torna-se ainda mais evidente quando se atenta à diretriz hermenêutica de que o preceito exceptivo deve ser compreendido à luz da regra geral. Em segundo lugar, o emprego do advérbio de tempo quando – “Quando por vários meios o credor puder promover a execução...” – indica que a regra de exceção terá cabimento somente em determinada situação específica (e sempre no caso concreto), o que exige exame casuístico para se aferir a configuração da hipótese exceptiva. Faz-se necessário que seja possível, no caso concreto, realizar a execução por vários modos igualmente eficazes.

99 E isso

constitui exceção na prática, pois geralmente a execução não pode ser realizada por vários modos, com a mesma eficácia. Mas também é necessário que a execução seja igualmente eficaz pelos diversos modos viáveis para a sua realização, a fim de que tenha incidência o preceito excepcional do art. 805 do CPC.

100 E isso também constitui exceção na prática; é que a

adoção de um determinado modo de execução costuma tornar a execução mais eficaz, conforme revela a observação da experiência ordinária a que o art. 375 do CPC remete o juiz. O preceito do art. 797 do CPC induz a que o juiz já opte pelo meio mais eficaz de concretizar a execução, pois somente assim a execução será realmente realizada no interesse do exequente. Essa interpretação do art. 797 do CPC conforme à Constituição se impõe tanto em face da garantia fundamental da efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) quanto em face da garantia fundamental da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII). No âmbito do processo do trabalho, a referida interpretação tem alento hermenêutico na norma que atribui ao

98

É intuitivo que a regra geral de que a execução realiza-se no interesse do exequente deve ganhar maior densidade em se tratando de execução de título executivo judicial.

99 A lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero é neste sentido: “Observe-se que a aplicação do

art. 805, CPC, pressupõe a existência de várias técnicas processuais igualmente idôneas para a realização do direito do exequente. Obviamente, o juiz não pode preferir técnica processual inidônea, ou menos idônea que outra também disponível, para a realização do direito, a pretexto de aplicar o art. 805. A execução realiza-se no interesse do exequente, que tem direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva (arts. 5º, XXXV, CF, e 797, CPC)” (Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo: RT, 2016. p. 877).

100 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero advertem: “Todavia, o art. 805, CPC, não se aplica na

concorrência de técnicas processuais idôneas e inidôneas. A aplicação do art. 805, CPC, neste último contexto, violaria os arts. 5º, XXXV, CF, e 797, CPC” (Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo: RT, 2016. p. 877).

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juiz a incumbência de velar pela rápida solução da causa (CLT, art. 765101

). Portanto, somente em situações excepcionais caracterizar-se-á o suporte fático do art. 805 do CPC, porquanto a regra é já se adotar o modo mais eficaz para realizar a execução no âmbito da jurisdição trabalhista, o que implica descartar os modos menos eficazes de realizar a execução. A possibilidade de incidência da regra excepcional do art. 805 do CPC tem por pressuposto já haver sido garantida a prévia observância do comando normativo que estabelece deva ser respeitada, no cumprimento da decisão judicial, a regra geral da execução mais eficaz. Não se trata, portanto, de uma norma para neutralizar a regra geral da execução mais eficaz: a exceção confirma a regra, não podendo sobrepujá-la.

102 Trata-se de uma regra exceptiva que permite,

desde que esteja assegurada a realização mais eficaz da execução, que a execução seja feita por modo menos gravoso para o executado em determinado caso concreto. De acordo com a doutrina de Francisco Antonio de Oliveira, é necessário compreender que a execução trabalhista deve ser realizada no interesse do credor e não no interesse do devedor. O jurista paulista explica: “Menos gravoso não significa que, se houver duas possibilidades de cumprimento da obrigação que satisfaçam da mesma forma o credor, escolher-se-á aquela mais benéfica ao devedor. Se existirem duas formas de cumprimento, mas uma delas prejudica o credor, escolher-se-á aquela que beneficia o credor.”

103

Se houver vários modos de promover a execução e todos forem eficazes na mesma medida, então – e somente então – a execução deve ser realizada pelo modo menos gravoso para o executado. Contudo, se a execução for mais eficaz quando realizada pelo modo mais gravoso para o executado, tem aplicação a regra geral do art. 797 do CPC: adota-se a execução desse modo; não por ser o modo mais gravoso, mas por ser o modo mais eficaz no caso concreto. Da mesma forma, adota-se o modo menos gravoso quando for ele o modo mais eficaz para a execução; não por ser o modo menos gravoso, mas por ser o modo mais eficaz no caso concreto. Não se poderia encerrar este item do presente artigo sem fazer o registro de que o legislador do CPC de 2015 resgatou o melhor conceito de execução mais eficaz, de forma pragmática, como convém à efetividade da execução. Eis a nova perspectiva trazida pelo atual CPC. Ao introduzir o parágrafo único no art. 805 do CPC, preceito que o TST reputa aplicável ao processo do trabalho no art. 3º, XIV, da Instrução Normativa nº 39/2016, o legislador de 2015 equacionou de forma acertada a relação hierárquica existente entre execução mais eficaz e execução menos onerosa. Numa metáfora, as coisas foram recolocadas no seu devido lugar. A ausência de tal preceito no CPC de 1973 gerou as distorções hermenêuticas denunciadas por Cândido Rangel Dinamarco:

104“A triste realidade da execução burocrática e condescendente,

que ao longo dos tempos se apresenta como um verdadeiro paraíso dos maus pagadores,

101

CLT: “Art. 765. Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”

102 Não há contradição entre as normas dos arts. 797 e 805 do CPC, desde que sejam elas hierarquizadas sob perspectiva

valorativa. Isso porque, conforme pondera Manoel Antonio Teixeira Filho, “a preeminência axiológica é do art. 797; ao redigir o art. 805, o legislador não teve a intenção de neutralizar o art. 797, senão que impor uma espécie de regra de temperamento em sua aplicação prática. Destarte, sem que a execução deixe de processar-se no interesse do credor, em algumas situações ela deverá ser realizada pelo modo menos gravoso ao devedor” (Comentários ao novo Código de Processo Civil sob a perspectiva do Processo do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 892).

103 Execução na Justiça do Trabalho. 6 ed. São Paulo: RT, 2007. p. 93.

104 Instituições de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 4, p. 63.

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impõe que o disposto no art. 620 do Código de Processo Civil seja interpretado à luz da garantia do acesso à justiça, sob pena de fadar o sistema à ineficiência e por em risco a efetividade dessa solene promessa constitucional (CF, art. 5º, inciso XXXV)”. Tais distorções – espera-se – poderão ser superadas diante da pragmática regra do parágrafo único do art. 805 do CPC, assim redigido: “Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.”

105

Além de inovadora, a saneadora previsão legal, na acertada consideração de Cassio Scarpinella Bueno, “(...) evitará requerimentos despidos de seriedade”

106, requerimentos que se

tornaram ordinários na vigência do CPC revogado, atravancando a célere tramitação processual prometida ao jurisdicionado pela garantia constitucional de duração razoável do processo (CF, art. 5º, LXXVIII). Note-se que o preceito exige que o executado indique um meio mais eficaz para a execução do que o meio adotado pelo juízo.

107 Já não basta mais que o executado

indique um meio menos oneroso para a realização da execução. Ao executado incumbe agora indicar um meio que seja menos oneroso e, ao mesmo tempo, mais eficaz do que aquele adotado pelo juízo da execução.

108 Na vigência do CPC de 1973, certa incompreensão acerca

da relação hierárquica existente entre o princípio da execução mais eficaz e a regra exceptiva da execução menos onerosa acarretava a distorção de interpretar-se que ao executado bastava indicar apenas um meio menos oneroso para realizar-se a execução, ainda que a aplicação tal meio implicasse uma execução menos eficaz. Na prática, essa interpretação acarretava uma verdadeira subversão axiológica na execução: a regra exceptiva anulava a regra geral. Ao invés de prevalecer a regra geral da execução mais eficaz, imposta pela posição preeminência conferida ao exequente, acabava prevalecendo a regra exceptiva da execução menos gravosa para o devedor, nada obstante a posição de sujeição atribuída ao executado pela ordem jurídica. O preceito do parágrafo único do CPC de 2015 tem o claro propósito de corrigir tal distorção, introduzindo um produtivo elemento hermenêutico no sistema processual.

105

Para Cristiano Imhof e Bertha Stecker Rezende, “Este inédito parágrafo único determina de forma expressa que é ônus e incumbência do executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa, indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados” (Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015. p. 836).

106 Cassio Scarpinella Bueno. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 495.

107 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero afirmam que a alegação pode ser rejeitada se o executado

não se desincumbir do encargo processual de indicar outros meios tão eficazes quanto o meio executivo adotado pelo juízo: “Não havendo essa demonstração, o juiz pode rejeitar de plano a alegação” (Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo: RT, 2016. p. 877).

108 Leonardo de Faria Beraldo critica a redação do preceito. Pondera que o legislador deveria ter utilizado o vocábulo “tão”

eficaz ao invés do vocábulo “mais” eficazes, ao atribuir ao executado o encargo processual de “indicar outros meios mais eficazes” quando alegar que a execução realiza-se de modo mais gravoso para o executado (Comentários às inovações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 309). Parece, entretanto, que o legislador objetivou estreitar a possibilidade de invocação do argumento da execução menos onerosa em face da histórica experiência de ineficácia da execução judicial, experiência essa construída muitas vezes sob alegações artificiosas de execução mais gravosa. Parece mais consentânea a consideração doutrinária de Guilherme Rizzo Amaral: “O atual CPC dá uma guinada importante ao afirmar a prevalência da efetividade da execução sobre o princípio da menor onerosidade. Reflexo disso é a total superação da referida Súmula [417 do STJ], com a instituição da prioridade da penhora em dinheiro (art. 835, I e § 1º), da qual não pode abdicar em favor da penhora sobre outro bem, e também o parágrafo único do art. 805, segundo o qual passa a ser ônus do executado, ao ventilar a aplicação do princípio da menor onerosidade, demonstrar existirem outros meios mais eficazes e menos onerosos para a satisfação do crédito do exequente” (Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015. p. 836).

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Esse preceito foi concebido para remediar os abusos vividos na vigência do CPC revogado no âmbito desta matéria. Ao atribuir ao executado o ônus processual de indicar meio executivo mais eficaz, o legislador visou esvaziar as conhecidas alegações infundadas de que a execução realiza-se de modo mais gravoso. O ônus processual da argumentação restou explicitamente atribuído ao executado que alegar execução mais onerosa: “Se o executado não se desincumbir desse encargo processual, a consequência será a manutenção dos atos executivos já determinados pelo juiz”, conforme preleciona Manoel Antonio Teixeira Filho na interpretação do preceito em estudo.

109 Como é de

fácil intuição, será muito difícil para o executado desincumbir-se do encargo processual de indicar um modo mais eficaz para realizar-se a execução do que o modo de execução determinado pelo juízo. Com a saneadora norma introduzida no parágrafo único do art. 805 do CPC, o legislador do CPC de 2015 enfrenta pragmaticamente um tema relevante para a efetividade da execução e deixa patente sua opção pela densificação da tutela executiva de crédito, fechando as portas a conhecidas manobras de resistência opostas à execução sob o artificioso pretexto de execução menos gravosa.

CONCLUSÃO Perguntar sobre a aplicabilidade do CPC de 2015 ao cumprimento da sentença trabalhista é interrogar sobre a aplicação do Direito Processual Civil ao Direito Processual do Trabalho na execução por quantia certa – seus limites e suas potencialidades. Se a tese da revogação do art. 769 da CLT pelo art. 15 do novo CPC restou logo superada pela teoria jurídica, o alcance da aplicação do CPC de 2015 ao Processo do Trabalho continua a desafiar os juristas, sobretudo no que respeita ao conteúdo do conceito de aplicação supletiva. É precisa a percepção do processualista Wolney de Macedo Cordeiro diante no novo Código: a grande novidade está na supletividade.

110 Esse novo conceito confere maior densidade

hermenêutica ao requisito da compatibilidade, relativizando o requisito da omissão, na medida em que simples omissão parcial enseja colmatar lacunas do processo do trabalho com normas do Código de Processo Civil de 2015. Na vigência do CPC/1973, a omissão ostentava maior expressão por força de a regência da matéria apresentar-se subordinada exclusivamente aos arts. 769 e 889 da CLT. Com a superveniência do art. 15 do CPC de 2015, a previsão de aplicação supletiva desloca para o requisito da compatibilidade uma maior densidade hermenêutica, configurando-se então uma equação mais complexa à subministração do processo de integração dos subsistemas processuais. A nova equação que o advento do art. 15 do CPC de 2015 coloca à teoria processual trabalhista continua, porém, subordinada às normas especiais dos arts. 769 e 889 da CLT: é a compatibilidade da norma de processo civil com os princípios do processo especial que segue comandando o suprimento de omissão. Já era assim para a hipótese de omissão total no sistema processual trabalhista à época do CPC de 1973; continuará sendo assim na hipótese de omissão parcial, após o advento do CPC de 2015 – trata-se de uma contingência teórica

109

Comentários ao novo Código de Processo Civil sob a perspectiva do Processo do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 893.

110 Execução no processo do trabalho. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 47.

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decorrente da autonomia científica do Direito Processual do Trabalho. A omissão parcial do sistema trabalhista permitirá aproveitar a norma de processo civil sempre que essa última, agregada à norma trabalhista, promova os princípios fundamentais do processo do trabalho – simplicidade, celeridade e efetividade. É o que ocorre com os avançados preceitos do novo CPC que disciplinam a execução por quantia certa, matéria sobre a qual a regência da CLT apresenta-se incompleta quando cotejada com as novas técnicas de execução previstas no CPC 2015, técnicas recentemente concebidas para promover a efetividade da tutela de crédito. A linha de raciocínio desenvolvida no presente artigo já permitira ao leitor concluir que é positiva nossa resposta quanto à aplicabilidade do CPC de 2015 ao cumprimento da sentença trabalhista de obrigação pecuniária – tanto no cumprimento provisório da sentença quanto no cumprimento definitivo da sentença. Reputamos aplicáveis à execução trabalhista todos os dispositivos do CPC de 2015 examinados no presente artigo, aplicação que consideramos produtiva à efetividade da Jurisdição Trabalhista. Alguns desses dispositivos do novo CPC, para ingressar no processo do trabalho, sofrem as naturais adaptações impostas pela especialidade do subsistema jurídico procedimental laboral, o que é inerente ao método de integração de normas de direito processual comum em um subsistema de direito processual especial. Nossa resposta positiva decorre tanto da regência legal da matéria quanto do aporte que a Teoria do Diálogo das Fontes traz ao tema da integração dos subsistemas processual trabalhista e processual civil. A regência legal é dada pela combinação dos preceitos dos arts. 769 e 889 da CLT com o preceito do art. 15 do NCPC. Esses preceitos autorizam suprir omissão da legislação trabalhista na fase de execução – seja omissão completa, seja omissão parcial – mediante a aplicação de normas do novo CPC que, promovendo os princípios fundamentais da simplicidade, celeridade e efetividade, revelem-se assim compatíveis com o Direito Processual do Trabalho. Ou seja, a compatibilidade da norma de processo comum com os princípios do processo do trabalho continua sendo o requisito normativo substancial pelo qual o sistema processual trabalhista afere a viabilidade da aplicação de uma norma do processo civil à execução trabalhista. Por sua vez, a Teoria do Diálogo das Fontes, concebida por Claudia Lima Marques como novo método da teoria geral do direito

111, constitui um desenvolvimento superior

da interpretação sistemática que, informado por fundamentos axiológicos112

, opera como uma espécie de vetor de harmonização dos diversos ramos do Direito, mas sempre na perspectiva humanista da realização dos direitos fundamentais previstos na Constituição.

113

De forma específica ao objeto do presente estudo, cumpre observar que as três dimensões da Teoria do Diálogo das Fontes contribuem para responder – positivamente – à pergunta sobre a aplicação do NCPC ao Processo do Trabalho no cumprimento de obrigação pecuniária, porquanto a questão colocada sob interrogação mantém interface tanto com o diálogo sistemático de coerência quanto com o diálogo de complementaridade e subsidiariedade e,

111

“O ‘diálogo das fontes’ como método da nova teoria geral do direito: um tributo a Erik Jaime.” Diálogo das Fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. Claudia Lima Marques (coodenadora). São Paulo: RT, 2012. p. 21.

112 Bruno Miragem. “Eppur si mouve: diálogo das fontes como método de interpretação sistemática no direito brasileiro.”

Diálogo das Fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. Claudia Lima Marques (coodenadora). São Paulo: RT, 2012. p. 78.

113 Antonio Herman Benjamin. Prefácio. p. 6. Diálogo das Fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro.

Claudia Lima Marques (coodenadora). São Paulo: RT, 2012.

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ainda, com o diálogo de coordenação e adaptação sistemática.114

O diálogo normativo entre diferentes fontes de direito tem em Karl Engisch um de seus mais importantes defensores.

115 O

doutrinador liberta os juristas para uma utilização mais ampla da analogia quando sustenta que “toda a regra jurídica é susceptível de aplicação analógica – não só a lei em sentido estrito, mas também qualquer espécie de estatuto e ainda a norma de Direito Consuetudinário. As conclusões por analogia não têm apenas cabimento dentro do mesmo ramo do Direito, nem tão-pouco dentro de cada Código, mas verificam-se também de um para outro Código e de um ramo do Direito para outro.”

116

Na doutrina de processo civil, pode-se citar a lição de Hermes Zaneti Jr. acerca da comunicação do novo paradigma processual aos demais ramos processuais. Diz o jurista que “(...) o art. 139, IV, CPC é aplicável a toda e qualquer atividade judicial prevista no CPC e também para além dele, nos termos no art. 15, CPC, de forma supletiva, subsidiária e residual, aos demais processos e procedimentos especiais fora do Código”.

117 No âmbito da doutrina

processual trabalhista, a compatibilidade da aplicação de diversos preceitos do novo CPC à execução trabalhista por quantia certa é percebida por um número crescente de juristas.

118 São

juristas que, com os olhos postos na autonomia científica do Direito Processual do Trabalho, pesquisam o conteúdo mais produtivo a atribuir ao conceito de aplicação supletiva previsto no art. 15 do CPC. No campo da tutela executiva, como preleciona Wolney de Macedo Cordeiro, a aplicação supletiva do direito processual comum pode render excelentes frutos.

119

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114

Luciano Athayde Chaves desenvolveu esse tema no artigo “O novo Código de Processo Civil e o Processo do Trabalho: uma análise sob a óptica do cumprimento da sentença e da execução forçada”. O artigo é uma versão adaptada da exposição realizada no I Seminário Nacional sobre a Efetividade da Execução Trabalhista, promovido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), no dia 7 de maio de 2015. mimeo.

115 Cf. Ben-Hur Silveira Claus. “Execução trabalhista: da desconsideração clássica à desconsideração inversa da personalidade

jurídica.” Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Porto Alegre, n. 42, 2014, p. 48-73.

116 Karl Engisch, Introdução ao pensamento jurídico. 10 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 293.

117 Comentários ao Código de Processo Civil. vol. XIV. Luiz Guilherme Marinoni (diretor). Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero

(coordenadores). São Paulo: RT, 2016. p. 115.

118 A Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região aprovou o Enunciado nº 47 sobre a matéria: “ENUNCIADO

47. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. COMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. O regramento do cumprimento provisório da sentença prevista nos arts. 520, 521 e 522 do CPC é compatível com o processo do trabalho, considerada a natureza alimentar do crédito trabalhista.”

119 Execução no processo do trabalho. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 49.

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ENSAIO SOBRE A REGRA EXCEPTIVA DA EXECUÇÃO MENOS

GRAVOSA DO CPC DE 2015 E A EXECUÇÃO TRABALHISTA1

Ben-Hur Silveira Claus

Mestre em Direito (UNISINOS). Professor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

Professor da Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS (FEMARGS). Juiz do Trabalho do TRT da 4ª Região (RS)

RESUMO

O presente ensaio fundamenta a proposição teórica de inaplicabilidade subsidiária da regra exceptiva da execução menos gravosa no processo do trabalho. Trata-se de uma proposta de superação do paradigma teórico civil de que a execução deve ser realizada pelo modo menos oneroso para o executado, condição de possibilidade para a efetividade da execução trabalhista.

INTRODUÇÃO

Uma das mais nocivas influências do direito processual civil no direito processual do trabalho decorre da aplicação da regra exceptiva da execução menos gravosa no âmbito da execução trabalhista. A invocação dessa regra tem servido para justificar diversas restrições que costumam ser opostas ao cumprimento das decisões judiciais; como se as decisões judiciais pudessem ter o seu cumprimento adiado por sucessivos argumentos vinculados ao invocado direito a uma execução menos onerosa para o devedor. Um estudo consequente sobre o déficit de efetividade na execução não pode ser realizado senão mediante o reconhecimento das deformações que a aplicação dessa regra acarretou à cultura jurídica da execução da sentença, em especial no processo civil, mas também no processo do trabalho.

1 A primeira versão do presente ensaio foi publicada na Revista Síntese, São Paulo, n. 306, dez de 2014, p. 9 e ss. Escrita na

vigência do CPC de 1973, a primeira versão do presente ensaio foi publicada sob o título “A execução trabalhista não se submete à regra exceptiva da execução menos gravosa – a efetividade da jurisdição como horizonte hermenêutico”. A presente versão está atualizada ao CPC de 2015 e desenvolve o tema à luz do art. 805, parágrafo único, do novo CPC.

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Essa questão estava presente nas cogitações de Wagner D. Giglio quando, em 2003, o autor identificava as causas da falta de efetividade da execução trabalhista. Depois referir que Luigi de Litala já alertava, no início da década de 1940, que o processo de execução era feito mais para a tutela do devedor do que do credor, o processualista paulista constata que a regra da execução menos onerosa é uma herança do processo civil que compromete a eficácia do processo do trabalho: “... protege-se o devedor, que comprovadamente não tem direito (tanto assim que foi condenado), em detrimento de quem, reconhecidamente, está amparado por ele”.

2

Na afirmação de que a execução trabalhista não se submete à regra da menor gravosidade prevista no art. 620 do CPC de 1973

3 (CPC de 2015, art. 805

4) está pressuposta uma doutrina

comprometida com a efetividade da execução trabalhista, sob inspiração da garantia constitucional da jurisdição efetiva (CF, art. 5°, XXXV) e da garantia constitucional da duração razoável do processo do trabalho (CF, art. 5°, LXXVIII), ambas qualificadas pelo conteúdo ético que o princípio da proteção irradia para o direito material do trabalho numa sociedade marcada por severa desigualdade social.

Não se trata de uma postulação teórica original.

Mesmo antes do advento do CPC de 2015, diversos doutrinadores sustentavam devesse ser mitigada a regra exceptiva da execução menos onerosa na execução trabalhista. Já outros juristas defendiam a ideia mesma da inaplicabilidade do art. 620 do CPC de 1973 no Processo do Trabalho. Essa última corrente doutrinária está representada, por exemplo, na obra de José Augusto Rodrigues Pinto.

5 Ao lado do erudito jurista baiano, estão outros juristas de expressão: Antônio Álvares da Silva,

Sérgio Pinto Martins, Carlos Henrique Bezerra Leite, Cláudio Armando Couce de Menezes e José Carlos Külzer, entre outros.

O presente artigo constitui um modesto aporte teórico para que façamos a execução trabalhista de forma mais eficaz. Essa preocupação sempre motivou a obra de Wagner D. Giglio: “Uma reforma ideal do processo trabalhista abandonaria o dogma da igualdade das partes e adotaria, na execução, o princípio da execução mais eficaz, em substituição ao da execução menos onerosa”.

6

A preocupação de Wagner D. Giglio seja a nossa inspiração.

1. A EXECUÇÃO PERDEU EFICÁCIA QUANDO PASSOU A SER PATRIMONIAL

A execução humanizou-se quando deixou de ser corporal e passou a ser patrimonial. A legislação viria a consagrar a exigência da nova consciência jurídica que se formara sob a inspiração do cristianismo: já não era mais possível admitir a crueldade da execução corporal do executado, que permitia ao credor escravizar o executado, repartir seu corpo e até exigir a morte do devedor. A Lex Poetelia

7 é um símbolo dessa viragem hermenêutica humanizadora da legislação executiva.

2 GIGLIO, Wagner D. Efetividade da execução trabalhista. Revista Síntese Trabalhista, Porto Alegre, n. 172, p. 146, out. 2003.

3 CPC de 1973: “Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo

menos gravoso para o devedor.”

4 CPC de 2015: “Art.805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo

modo menos gravoso para o executado.”

5 PINTO, José Augusto Rodrigues. Execução trabalhista. 11. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 213.

6 GIGLIO, op. cit. , p. 147.

7 Antes da Lex Poetelia (século V), a Lei das XII Tábuas autorizava o credor a escravizar e até matar o devedor.

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Contudo, é inegável que a eficácia da execução diminuiu com o advento de seu novo perfil, de natureza patrimonial. Isso porque o êxito da execução passou a depender da existência de patrimônio do executado. Porém, não só da existência de patrimônio, mas também do registro desse patrimônio em nome do executado e da própria localização dos respectivos bens. Se era difícil a ocultação da pessoa do executado à época da execução corporal, bem mais fácil tornar-se-ia a ocultação de patrimônio com o advento da execução patrimonial, dando ensejo a simulações e fraudes, que ainda hoje caracterizam a execução, sobretudo nos países de sistema jurídico de civil law. Aliás, quando se trata de efetividade da jurisdição, é inevitável dirigir o olhar à experiência dos países do sistema jurídico de commom law no que respeita à eficácia superior lá alcançada no cumprimento das decisões judiciais.

8

É fácil perceber que determinada perda de eficácia seria inevitável com o advento da execução de natureza patrimonial. As execuções mais eficazes sempre foram aquelas que autorizam a prisão civil do executado, como é o caso clássico da execução de obrigação de prestar alimentos devidos em face do direito de família. A cultura que se criou na sociedade é a de que não se pode dever tais alimentos. É por isto que o executado dá um jeito de pagar: para evitar a persuasiva sanção da prisão civil.

É a natureza corporal da sanção que confere eficácia à execução de alimentos. Nesses casos, a iminência da prisão civil do obrigado opera como fator de eficaz persuasão. O mesmo ocorria no caso de depositário infiel até o advento da Súmula Vinculante nº 25 do STF.

9 A referida súmula fragilizou a

autoridade jurisdicional na relação com o depositário que desrespeita o encargo de direito público que, para permanecer na posse do bem penhorado, assume perante o Poder Judiciário ao ser nomeado depositário.

10 Se faltava argumento para remover de imediato o bem penhorado ao depósito do leiloeiro

judicial, a Súmula Vinculante n° 25 do STF tornou induvidosa a necessidade da remoção do bem penhorado, sob pena de placitar-se a conduta ilícita do depositário infiel que depois não apresenta o bem penhorado quanto instado pelo juízo a fazê-lo.

A crueldade com a qual o credor podia tratar o devedor não encontra qualquer possibilidade de repristinação diante da consagração dos direitos fundamentais. Contudo, uma reflexão consequente acerca da baixa efetividade da execução passa pelo reconhecimento de que o potencial de coerção na execução aumenta quando se combina a execução de natureza patrimonial, com aquela de natureza pessoal, em determinadas situações, caracterizadas quando o crédito goza de privilégio jurídico especial (CTN, art. 186), como é o caso da pensão de alimentícia do direito de família e como parece deva ser também o caso do crédito trabalhista, cuja natureza alimentícia é reconhecida na Constituição Federal de forma expressa (CF, art. 100, § 1º).

11

8 “Convém salientar a extraordinária e temível eficácia das decisões da justiça inglesa que não podem ser ridicularizadas, não

havendo nenhuma exceção a esse princípio. Os tribunais recorrem para a execução das suas decisões a verdadeiras ordens que, se não são respeitadas, são passíveis de sanções muito severas (contempt of Court), podendo chegar até a prisão.” (Roland Séroussi. Introdução ao Direito inglês e norte-americano. São Paulo: Landy, 2006, p. 24, grifo nosso).

9 Súmula Vinculante nº 25 do STF: “É ILÍCITA A PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL, QUALQUER QUE SEJA A MODALIDADE DO

DEPÓSITO.”

10 Entre os enunciados propositivos da Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho realizada pela Associação

Nacional dos Magistrados do Trabalho – Anamatra, em novembro de 2010, em Cuiabá – MT está a proposta de revisão parcial da Súmula Vinculante nº 25 do STF, nos seguintes termos: “PRISÃO POR ‘CONTEMPT OF COURT’ NO PROCESSO DO TRABALHO. PRISÃO DO DEPOSITÁRIO JUDICIAL INFIEL ECONOMICAMENTE CAPAZ. POSSIBILIDADE JURÍDICA. NECESSIDADE DE REVISÃO PARCIAL DA SÚMULA VINCULANTE Nº 25 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). A prisão civil do depositário judicial economicamente capaz, por estar autorizada pela norma do art. 5º, LXVI, parte final, da Constituição Federal, não se resume à mera ‘prisão civil por dívidas’. Tem natureza bifronte, consubstanciando também medida de defesa da autoridade pública e da dignidade do Poder Judiciário, à maneira de ‘contempt of court’, o que não está vedado pelo Pacto de San José da Costa Rica.”

11 BRASIL. Constituição (1988): “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e

Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios

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Neste particular, a sempre corajosa doutrina de Ovídio A. Baptista da Silva deve ser trazida à colação. Ao criticar a monetarização das sentenças mandamentais através da multa como único instrumento de persuasão para induzir o obrigado ao cumprimento de sua obrigação, o processualista propõe o resgate da categoria dos deveres como forma de recuperação da autoridade de nosso sistema judiciário, identificando na ameaça de prisão do obrigado um meio próprio para exigir o cumprimento da obrigação mandamental: “A sociedade humana em que a ameaça de prisão perde a condição de meio coercitivo, capaz de induzir ao cumprimento da ordem contida na sentença, obrigando a que se recorra à multa, como único instrumento capaz de dobrar a resistência de obrigado, é uma comunidade humana individualista e mercantilizada que perdeu o respeito pelos valores mais fundamentais da convivência social, como o autorrespeito e a dignidade pessoal, transformada, afinal na ‘grande sociedade’, em que o único dispositivo capaz de assegurar a observância das regras jurídicas é a sua monetarização. Submeter-se à prisão poderá, quem sabe, ser até um fato jornalístico que acabará glorificando o gesto de heroísmo e rebeldia”.

12

Nada obstante o tema do presente ensaio seja a inaplicabilidade da regra exceptiva da execução menos gravosa ao Processo do Trabalho, a reflexão agora proposta serve de aporte crítico para o debate que se propõe, porquanto a aplicação da regra da execução menos onerosa ao processo do trabalho tem contribuído para o enfraquecimento da execução trabalhista, quando o resgate da efetividade da execução reclama crescente poder de coerção jurisdicional na exigência do cumprimento das decisões judiciais, para o que pode contribuir, significativamente, a criativa aplicação do preceito do art. 139, IV, do CPC de 2015 à execução trabalhista.

13

É importante observar que os preceitos dos arts. 139, IV e 297

14 do CPC de 2015 operam como

alento hermenêutico capaz de fazer desvelar a norma de sobredireito do sistema jurídico laboral brasileiro que habita na morada do art. 765 da CLT.

15 Nesse particular, cumpre referir que a tendência à

adoção da atipicidade dos meios executivos, que já se fazia sentir nas minirreformas introduzidas no CPC de 1973 e que vinha sendo desenvolvida pela mais avançada doutrina do Direito Processual Civil

16,

e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto aqueles referidos no § 2º deste artigo.”

12 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 200.

13 CPC de 2015: “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.”

14 CPC de 2015: “Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela

provisória.”

15 O desenvolvimento da compreensão do art. 765 da CLT enquanto norma de sobredireito aguarda pelos pesquisadores mais

ousados da Ciência Processual Trabalhista.

16 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil – Execução. v. 3. 6 ed. São Paulo: RT, 2014. p.

51. Ao comentar os arts. 461 e 461-A do CPC de 1973, os autores assentam que “... o juiz está autorizado a determinar a modalidade de execução adequada a cada caso concreto.” Na avaliação do alcance da norma do § 5º do art. 461 do CPC de 1973, os autores observam que “... o juiz pode determinar a ‘medida necessária’, exemplificando com a busca e apreensão de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva”. E concluem que “estas normas evidenciam a superação do princípio da tipicidade, deixando claro que, para o processo tutelar de forma efetiva as várias situações de direito

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ganhou novo impulso com o advento do Código de Processo Civil de 2015. É ilustrativa dessa tendência doutrinária a afirmação de Edilton Meireles, no sentido de que a abertura da norma do art. 139, IV, do CPC impõe ao magistrado um rico exercício de imaginação destinado à escolha das medidas necessárias à efetividade da execução em cada caso concreto. O criterioso estudo desenvolvido pelo ilustre processualista acerca do alcance do art. 139, IV, do CPC, encoraja a magistratura a extrair do novo diploma legal toda sua potencialidade para a efetivação da execução: “O legislador, todavia, não limita as medidas coercitivas aquelas mencionadas no Código de Processo Civil. Logo, outras podem ser adotadas, a critério da imaginação do juiz. Por exemplo, podemos mencionar a adoção de medidas restritivas de direito. E, enquanto medidas restritivas de direito, podem ser citadas

a) a proibição do devedor pessoa física poder exercer determinadas funções em sociedades empresariais, em outras pessoas jurídicas ou na Administração Pública; b) proibição de efetuar comprar com uso de cartão de crédito; c) suspensão de benefício fiscal; d) suspensão dos contratos, ainda que privados, de acesso aos serviços de telefonia, Internet, televisão a cabo etc., desde que não essenciais à sobrevivência (tais como os de fornecimento de energia e água); e) proibição de frequentar determinados locais ou estabelecimentos; f) apreensão de passaporte (se pode prender em caso de prestações alimentares, pode o menos, isto é, restringir parte do direito de ir e vir); g) apreensão temporária, com desapossamento, de bens de uso (exemplo: veículos), desde que não essenciais (exemplo: roupas ou equipamentos profissionais); h) suspensão da habilitação para dirigir veículos; i) bloqueio da conta corrente bancária, com proibição de sua movimentação; j) embargo da obra; k) fechamento do estabelecimento; l) restrição ao horário de funcionamento da empresa etc.”.

17

Feito o registro necessário, é hora de retomar o tema do presente ensaio.

2. UMA REGRA SOB QUESTIONAMENTO NO PRÓPRIO PROCESSO CIVIL

A regra exceptiva da execução menos gravosa encontra-se sob interrogação no próprio processo civil, tamanhos são os prejuízos que causa à efetividade da execução civil. Neste particular, a eloquente crítica que Cândido Rangel Dinamarco dirige às distorções que a aplicação do art. 620 do CPC de 1973 provocou na execução civil faz lembrar a afirmação do magistrado trabalhista Marcos Neves Fava, no sentido de que o art. 620 do CPC de 1973 não pode ser lido como uma carta aberta de alforria do devedor.

18 Não pode, mas foi lido assim na prática judiciária, especialmente no processo civil, mas

muitas vezes também no processo do trabalho.19

substancial é indispensável não apenas procedimentos e sentenças diferenciados, mas também que o autor e o juiz tenham amplo poder para requerer e determinar a modalidade executiva adequada ao caso concreto” (p. 51).

17 Medidas sub-rogatórias, coercitivas, mandamentais e indutivas no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo. vol.

247. Ano 40. pp. 231-246. São Paulo: RT, set. 2015. p. 237

18 FAVA, Marcos Neves. Execução trabalhista efetiva. São Paulo: LTr, 2009, p. 156.

19 Daniel Amorim Assumpção Neves pondera que “(...) o processo não passa de mera enganação” quando o princípio da menor

onerosidade não é interpretado à luz do princípio da efetividade da tutela executiva (Novo CPC comentado artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1276).

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O ilustre processualista civil, escrevendo após mais de trinta anos de vigência do CPC Buzaid, reconhece os prejuízos que a distorcida aplicação da norma do art. 620 do CPC de 1973 causou à efetividade da execução civil, postulando a revisão da forma abusiva com que se tem invocado, compreendido e aplicado a regra exceptiva da execução menos gravosa no processo civil: “... as generosidades em face do executado não devem mascarar um descaso em relação ao dever de oferecer tutela jurisdicional a quem tiver um direito insatisfeito, sob pena de afrouxamento do sistema executivo. É preciso distinguir entre o devedor infeliz e de boa-fé, que vai ao desastre patrimonial em razão de involuntárias circunstâncias da vida ou dos negócios (Rubens Requião), e o caloteiro chicanista, que se vale das formas do processo executivo e da benevolência dos juízes como instrumento a serviço de suas falcatruas. Infelizmente, essas práticas são cada vez mais frequentes nos dias de hoje, quando raramente se vê uma execução civil chegar ao fim, com a satisfação do credor.”

20

Dinamarco é enfático quanto à necessidade de alterar a cultura de descumprimento das decisões judiciais no processo civil, propondo que se utilize o método mais eficaz para realizar a execução. Isso sob pena de inviabilizar-se o próprio sistema judiciário e de frustrar o compromisso constitucional de acesso à jurisdição efetiva – porquanto jurisdição efetiva pressupõe execução efetiva.

21 Adverte o jurista:

“Quando não houver meios mais amenos para o executado, capazes de conduzir à satisfação do credor, que se apliquem os mais severos.”

22 Depois de sublinhar que a regra do art. 620 não pode ser

manipulada como um escudo a serviço dos maus pagadores nem como um modo de renunciar o Estado-juiz a cumprir seu dever de oferecer tutelas jurisdicionais adequadas e integrais sempre que possível, o processualista retoma sua prédica: “A triste realidade da execução burocrática e condescendente, que ao longo dos tempos se apresenta como um verdadeiro paraíso dos maus pagadores, impõe que o disposto no art. 620 do Código de Processo Civil seja interpretado à luz da garantia do acesso à justiça, sob pena de fadar o sistema à ineficiência e por em risco a efetividade dessa solene promessa constitucional (CF, art. 5º, inciso XXXV).”

23

Por outro lado, é preciso compreender que a ineficácia da execução é herdeira da congênita baixa eficácia a que o sistema jurídico nacional relegara a sentença condenatória. A pesquisa de Paulo Henrique Conti tem a virtude de trazer luz a essa questão, permitindo identificar um antecedente histórico fundamental para a compreensão desse problema central do sistema jurídico brasileiro: “A resistência do devedor tornou-se regra, e não exceção! Na prática forense, a presunção que prevalece não é a de que a sentença deve ser cumprida pronta e imediatamente após proferida, em toda sua extensão, mas sim de que as obrigações nela contidas devem ser satisfeitas apenas após sua ‘lapidação’ pelas vias de resistência do devedor, incidentais à execução ou endoexecutivas, típicas ou atípicas.”

24

O autor identifica no CPC de 1973 uma das fontes do enfraquecimento da autoridade da sentença. É que o CPC de 1973, a pretexto de conferir tratamento uniforme às execuções – tanto àquelas fundadas em sentença quanto àquelas fundadas em títulos extrajudiciais –, acabou retirando eficácia da sentença condenatória, rebaixando o grau de certeza do título executivo judicial ao nível inferior de certeza reconhecido aos títulos extrajudiciais. Esse quadro de desprestígio à sentença condenatória no

20

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 4, p. 63.

21 O CPC de 2015 cuidou de explicitar que a satisfação do credor integra o direito fundamental da parte à prestação

jurisdicional. É o que se recolhe da previsão do art. 4º do novo CPC: “Art. 4º. As partem têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.” Sublinhamos.

22 DINAMARCO, op. cit., p. 63.

23 DINAMARCO, op. cit., p. 63.

24 CONTI, Paulo Henrique. A nova sentença condenatória: uma abordagem ideológica. In: SANTOS, José Aparecido dos

(Coord.). Execução Trabalhista – Amatra X. 2. ed. São Paulo: LTr, p. 77.

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processo civil é confirmado pela decisiva circunstância de que a regra no processo civil brasileiro é conferir efeito suspensivo ao recurso de apelação (CPC de 1973, art. 520, caput, primeira parte), regra mantida no CPC de 2015 (art. 1.012). Neste contexto, o dever de colaboração das partes na execução tem sido uma quimera, sobretudo no que diz respeito ao executado, que costuma resistir por todos os meios ao cumprimento da decisão judicial.

25

As distorções que a aplicação do art. 620 do CPC de 1973 causaram ao direito processual do trabalho foram objeto da reflexão científica de um dos juristas que mais tem se notabilizado pela preocupação com a efetividade da jurisdição trabalhista. Antônio Álvares da Silva pondera que “... o art. 620 do CPC não pode ser uma porta aberta à fraude e à ineficácia do comando sentencial. A lei fala que, na hipótese de existência de ‘vários modos’ pelos quais o credor possa executar a sentença, o juiz escolherá o menos gravoso. Mas é necessário que existam estes ‘vários modos’ e que eles não importem na diminuição de nenhuma medida prevista em lei para a entrega da prestação jurisdicional. Por exemplo, se a penhora tem uma ordem preferencial, e o credor deseja a penhora em dinheiro cuja existência ficou comprovada, não se há de romper com a preferência legal, porque o executado alega prejuízo pessoal, comercial ou de qualquer espécie.”

26

O jurista sintetiza com precisão a relação de subordinação que a regra exceptiva da execução menos gravosa deve à regra geral da execução mais eficaz, na seguinte passagem: “Ao aplicar a regra do art. 620, há que se considerar o que dispõe a regra do art. 612, de que ‘a execução se realiza no interesse do credor.’ Este é que é o verdadeiro norte da execução e vale como orientação geral dos atos que nela se devam praticar. Quem ganhou deve executar com êxito.”

27

Ao lado de Antônio Álvares da Silva, alinha-se a doutrina de Francisco Antonio de Oliveira. Para o jurista paulista, a reflexão que se impõe é pensar sobre os efeitos deletérios que o art. 620 do CPC de 1973 produziu no âmbito do processo civil: “O processo civil extrapolou em cuidados, exigindo que a execução seja feita da forma menos gravosa, quando a execução puder ser feita por vários meios (art. 620, CPC), princípio que vem sendo deturpado por interpretações incoerentes, desmerecendo o credor.”

28

3. COMPREENDENDO A REGRA EXCEPTIVA DA EXECUÇÃO MENOS GRAVOSA NO ÂMBITO

DO PROCESSO CIVIL. A NOVA PERSPECTIVA DO ART. 805, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC DE

2015

Quando se examina o tema da execução menos gravosa para o executado no âmbito do processo civil, a primeira questão que se impõe examinar diz respeito à hierarquia dos princípios reitores da execução.

Para o objetivo do presente estudo, trata-se de cotejar o princípio da execução mais eficaz com o assim mal denominado princípio da execução menos gravosa; na verdade, regra exceptiva da execução menos gravosa. Neste particular, é preciso resgatar a consideração básica de que o princípio da

25

FAVA, Marcos Neves. Execução trabalhista efetiva. São Paulo: LTr, 2009, p. 156. Pondera o autor: “No plano da principiologia, mais comum do que os deveres de cooperação do executado, faz-se presente a evocação do art. 620 do Código de Processo Civil, que dá ao devedor o direito de ter contra si a execução menos gravosa. Ora, o advérbio de comparação – menos – tem por pressuposto a existência de dois modos igualmente suficientes e eficazes para a realização concreta do título executivo.”

26 SILVA, Antônio Álvares da. Execução provisória trabalhista depois da Reforma do CPC. São Paulo: LTr, 2007, p. 65-66.

27 SILVA, Antônio Álvares da. Execução provisória trabalhista depois da Reforma do CPC. São Paulo: LTr, 2007, p. 65-66.

28 OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Execução na Justiça do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 40.

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execução mais eficaz prevalece sobre a regra da execução menos gravosa. Essa consideração decorre tanto de fundamento lógico quanto de fundamento axiológico. O fundamento lógico radica na circunstância de que a execução forçada impõe-se como sucedâneo do não-cumprimento espontâneo da sentença: a execução forçada somente se faz necessária porque o executado não cumpre a obrigação espontaneamente; citado para pagar, o executado omite-se. O fundamento axiológico radica no fato de que o equilíbrio da ordem jurídica somente se restaura com a reparação do direito violado mediante o cumprimento da obrigação estabelecida na sentença; cumprimento coercitivo, regra geral.

Nesse particular, vem à memória a clássica observação feita por Alfredo Buzaid na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1973. Sob a inspiração das lições de Enrico Tullio Liebman, o processualista assentou: “Na execução, ao contrário, há desigualdade entre o exequente e o executado. O exequente tem posição de preeminência; o executado, estado de sujeição. Graças a essa situação de primado que a lei atribui ao exequente, realizam-se atos de execução forçada contra o devedor, que não pode impedi-los, nem subtrair-se a seus efeitos. A execução se presta, contudo, a manobras protelatórias, que arrastam os processos por anos, sem que o Poder Judiciário possa adimplir a prestação jurisdicional.”

29

A superioridade hierárquica do princípio da execução mais eficaz sobre a regra exceptiva da execução menos gravosa, além de decorrer de fundamento lógico e axiológico, encontra confirmação na dimensão tópico-sistemática do ordenamento jurídico, porquanto as fontes normativas desses preceitos estão localizadas em dispositivos legais hierarquizados em uma determinada estrutura normativo-sistemática, típica das codificações. Nessa estrutura normativo-sistemática, a regra geral precede a exceção. Examinemos esse aspecto tópico-sistemático. A regra geral vem antes e traz a premissa básica; depois, vem a hipótese de exceção. Examinemos esse aspecto tópico-sistemático.

Enquanto o princípio da execução mais eficaz está implícito no preceito do art. 797 do CPC de 2015, que fixa a diretriz básica de que realiza-se a execução no interesse do exequente, a regra exceptiva da execução menos onerosa está prevista no art. 805 do CPC de 2015. Ambos os preceitos estão localizados no capítulo que trata das disposições gerais sobre a execução. Porém, o art. 797 precede ao art. 805. Essa precedência tópica expressa a preeminência que o sistema normativo outorga ao credor na fase de cumprimento da sentença, ao estabelecer a diretriz básica de que “(...) realiza-se a execução no interesse do exequente” (CPC, art. 797). Além disso, o art. 797 abre o respectivo capítulo do CPC de 2015, fixando a regra geral da execução: a execução realiza-se no interesse do credor.

30 Já

o art. 805 do CPC encerra o capítulo, estabelecendo uma exceção àquela regra geral: a execução será feita pelo modo menos gravoso para o devedor, quando por vários meios o credor puder promover a execução de modo igualmente eficaz. Daí a conclusão de que parece mais correto identificar a execução menos gravosa como regra exceptiva, o que implica recusar-lhe a condição de princípio com a qual é identificada algumas vezes na doutrina.

A natureza excepcional da regra do art. 805 do CPC torna-se ainda mais evidente quando se atenta à diretriz hermenêutica de que o preceito exceptivo deve ser compreendido à luz da regra geral. Em segundo lugar, o emprego do advérbio de tempo quando – “Quando por vários meios o credor puder promover a execução...” – indica que a regra de exceção terá cabimento somente em determinada situação específica (e sempre no caso concreto), o que exige exame casuístico para se aferir a configuração da hipótese exceptiva. Faz-se necessário que seja possível, no caso concreto, realizar a execução por vários modos igualmente eficazes.

31 E isso constitui exceção na prática, pois geralmente a

29

BUZAID, Alfredo. Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1973, item 18.

30 É intuitivo que a regra geral de que a execução realiza-se no interesse do exequente deve ganhar maior densidade em se

tratando de execução de título executivo judicial.

31 A lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero é neste sentido: “Observe-se que a aplicação do

art. 805, CPC, pressupõe a existência de várias técnicas processuais igualmente idôneas para a realização do direito do exequente. Obviamente, o juiz não pode preferir técnica processual inidônea, ou menos idônea que outra também disponível, para a realização do direito, a pretexto de aplicar o art. 805. A execução realiza-se no interesse do exequente, que tem direito à

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execução não pode ser realizada por vários modos, com a mesma eficácia. Mas também é necessário que a execução seja igualmente eficaz pelos diversos modos viáveis para a sua realização, a fim de que tenha incidência o preceito excepcional do art. 805 do CPC.

32 E isso também constitui exceção na

prática; é que a adoção de um determinado modo de execução costuma tornar a execução mais eficaz, conforme revela a observação da experiência ordinária de que trata o art. 375 do CPC.

O preceito do art. 797 do CPC induz a que o juiz já opte pelo meio mais eficaz de concretizar a execução, pois somente assim a execução será realmente realizada no interesse do exequente. Essa interpretação do art. 797 do CPC conforme à Constituição se impõe tanto em face da garantia fundamental da efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) quanto em face da garantia fundamental da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII). No âmbito do processo do trabalho, a referida interpretação tem alento hermenêutico na norma que atribui ao juiz a incumbência de velar pela rápida solução da causa (CLT, art. 765

33). Portanto, somente em situações excepcionais caracterizar-se-á o

suporte fático do art. 805 do CPC, porquanto a regra é já se adotar o modo mais eficaz para realizar a execução no âmbito da jurisdição trabalhista, o que implica descartar os modos menos eficazes de realizar a execução.

A possibilidade de incidência da regra excepcional do art. 805 do CPC tem por pressuposto já haver sido garantida a prévia observância do comando normativo que estabelece deva ser respeitada, no cumprimento da decisão judicial, a regra geral da execução mais eficaz. Não se trata, portanto, de uma norma para neutralizar a regra geral da execução mais eficaz: a exceção confirma a regra, não podendo sobrepujá-la.

34 Trata-se de uma regra exceptiva que permite, desde que esteja assegurada a realização

mais eficaz da execução, que a execução seja feita por modo menos gravoso para o executado em determinado caso concreto. De acordo com a doutrina de Francisco Antonio de Oliveira, é necessário compreender que a execução trabalhista deve ser realizada no interesse do credor e não no interesse do devedor. O jurista paulista explica: “Menos gravoso não significa que, se houver duas possibilidades de cumprimento da obrigação que satisfaçam da mesma forma o credor, escolher-se-á aquela mais benéfica ao devedor. Se existirem duas formas de cumprimento, mas uma delas prejudica o credor, escolher-se-á aquela que beneficia o credor.”

35

Se houver vários modos de promover a execução e todos forem eficazes na mesma medida, então – e somente então – a execução deve ser realizada pelo modo menos gravoso para o executado. Contudo, se a execução for mais eficaz quando realizada pelo modo mais gravoso para o executado, tem aplicação a regra geral do art. 797 do CPC: adota-se a execução desse modo, não por ser o modo mais gravoso, mas por ser o modo mais eficaz no caso concreto. Da mesma forma, adota-se o modo menos gravoso quando for ele o modo mais eficaz para a execução, não por ser o modo menos gravoso, mas por ser o modo mais eficaz no caso concreto.

tutela jurisdicional adequada e efetiva (arts. 5º, XXXV, CF, e 797, CPC)” (Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo: RT, 2016. p. 877).

32 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero advertem: “Todavia, o art. 805, CPC, não se aplica na

concorrência de técnicas processuais idôneas e inidôneas. A aplicação do art. 805, CPC, neste último contexto, violaria os arts. 5º, XXXV, CF, e 797, CPC” (Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo: RT, 2016. p. 877).

33 CLT: “Art. 765. Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento

rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”

34 Não há contradição entre as normas dos arts. 797 e 805 do CPC. Isso porque, conforme pondera Manoel Antonio Teixeira

Filho, “a preeminência axiológica é do art. 797; ao redigir o art. 805, o legislador não teve a intenção de neutralizar o art. 797, senão que impor uma espécie de regra de temperamento em sua aplicação prática. Destarte, sem que a execução deixe de processar-se no interesse do credor, em algumas situações ela deverá ser realizada pelo modo menos gravoso ao devedor.” (Comentários ao novo Código de Processo Civil sob a perspectiva do Processo do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 892)

35 OLIVEIRA, op. cit., p. 93.

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Não se poderia encerrar este capítulo do presente ensaio sem fazer o registro de que o legislador do CPC de 2015 resgatou o melhor conceito de execução mais eficaz, de forma pragmática, como convém à efetividade da execução. Ao introduzir o parágrafo único no art. 805 do CPC, o legislador de 2015 equacionou de forma acertada a relação hierárquica existente entre execução mais eficaz e execução menos onerosa. A ausência de tal preceito no CPC de 1973 gerou as distorções hermenêuticas denunciadas por Cândido Rangel Dinamarco, distorções que poderão ser superadas diante da pragmática regra do parágrafo único do art. 805 do CPC, assim redigido: “Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.”

36

Note-se que o preceito exige que o executado indique um meio mais eficaz para a execução do que o meio adotado pelo juízo.

37 Não basta que o executado indique um meio menos oneroso para a

realização da execução. Ao executado incumbe indicar um meio que seja menos oneroso e, ao mesmo tempo, mais eficaz do que aquele adotado pelo juízo da execução.

38 Na vigência do CPC de 1973, certa

incompreensão acerca da relação hierárquica existente entre execução mais eficaz e execução menos onerosa acarretava a distorção de interpretar-se que ao executado incumbia indicar apenas um meio menos oneroso para realizar-se a execução, ainda que tal meio implicasse numa execução menos eficaz. Na prática, essa interpretação acarretava uma subversão dos valores na fase de execução de sentença: a regra exceptiva anulava a regra geral.

Ao invés de prevalecer a regra geral da execução mais eficaz, acabava prevalecendo a regra exceptiva da execução menos gravosa para o devedor, o que gerava a inversão de valores denunciada também por Francisco Antonio de Oliveira. O preceito do parágrafo único do CPC de 2015 tem o claro propósito de corrigir tal distorção. Ao atribuir ao executado o ônus de indicar meio executivo mais eficaz, o legislador visou esvaziar conhecidas alegações infundadas de que a execução realiza-se de modo mais gravoso. O ônus da argumentação restou explicitamente atribuído ao executado que alegar execução mais onerosa: “Se o executado não se desincumbir desse encargo processual, a consequência será a manutenção dos atos executivos já determinados pelo juiz”, conforme preleciona Manoel Antonio Teixeira Filho na interpretação do preceito em estudo.

39 Como é de fácil intuição, será

muito difícil para o executado desincumbir-se do encargo processual de indicar um modo mais eficaz

36

Para Cristiano Imhof e Bertha Stecker Rezende, “Este inédito parágrafo único determina de forma expressa que é ônus e incumbência do executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa, indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados” (Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015. p. 836).

37 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero afirmam que a alegação pode ser rejeitada se o executado

não se desincumbir do encargo processual de indicar outros meios tão eficazes quanto o meio executivo adotado pelo juízo: “Não havendo essa demonstração, o juiz pode rejeitar de plano a alegação” (Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo: RT, 2016. p. 877).

38 Leonardo de Faria Beraldo critica a redação do preceito. Pondera que o legislador deveria ter utilizado o vocábulo “tão”

eficazes ou invés do vocábulo “mais” eficazes, ao atribuir ao executado o encargo processual de “indicar outros meios mais eficazes” quando alegar que a execução realiza-se de modo mais gravoso para o executado (Comentários às inovações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 309). Parece, entretanto, que o legislador objetivou estreitar a possibilidade de invocação do argumento da execução menos onerosa em face da histórica experiência de ineficácia da execução judicial, experiência essa construída sob alegações artificiosas de execução mais gravosa. Parece mais consentânea a consideração doutrinária de Guilherme Rizzo Amaral: “O atual CPC dá uma guinada importante ao afirmar a prevalência da efetividade da execução sobre o princípio da menor onerosidade. Reflexo disso é a total superação da referida Súmula [417 do STJ], com a instituição da prioridade da penhora em dinheiro (art. 835, I e § 1º), da qual não pode abdicar em favor da penhora sobre outro bem, e também o parágrafo único do art. 805, segundo o qual passa a ser ônus do executado, ao ventilar a aplicação do princípio da menor onerosidade, demonstrar existirem outros meios mais eficazes e menos onerosos para a satisfação do crédito do exequente” (Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015. p. 836).

39 Comentários ao novo Código de Processo Civil sob a perspectiva do Processo do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 893.

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para realizar-se a execução do que o modo de execução determinado pelo juízo.

4. A NATUREZA ALIMENTAR DO CRÉDITO TRABALHISTA COMO FONTE MATERIAL DE

DIREITO

A baixa eficácia da execução atenta contra a garantia constitucional da jurisdição efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Daí a doutrina ter evoluído para postular uma nova interpretação para a regra exceptiva da execução menos gravosa. Isso porque a aplicação do art. 620 do CPC de 1973 dificultava o êxito das execuções, quadro que colocava em questão a própria eficiência do Poder Judiciário.

40

No processo civil, a execução tem o executado em situação de inferioridade econômica em relação ao exequente, ao passo que, no processo do trabalho, é o exequente a parte que se encontra em situação de hipossuficiência econômica em relação ao executado. A situação inverte-se. E a hermenêutica impõe ao juiz atender aos fins sociais na aplicação da lei (LINDB, art. 5º). A parte hipossuficiente não tem condições econômicas para resistir à demora processual. Vai se tornando cada vez mais vulnerável a acordos prejudiciais.

Sendo o executado a parte hipossuficiente no processo civil, compreende-se que a regra exceptiva da menor onerosidade possa socorrer-lhe eventualmente. Porém, mesmo no processo civil esse socorro somente se faz viável depois de assegurado que a execução vai de fato ser realizada no interesse do credor (CPC, art. 797). Vale dizer, esse socorro está condicionado à prevalência da eficácia da execução. Nesse particular, a execução civil será realizada da forma menos gravosa somente depois de garantida a maior eficácia para sua consumação. Em outras palavras, mesmo no processo civil, sobretudo depois das referidas minirreformas legislativas realizadas no CPC de 1973, a execução deve ser realizada pelo modo mais eficaz, independentemente de ser o modo mais ou menos gravoso.

Não é a maior ou a menor gravosidade que define o modo pelo qual a execução civil realizar-se-á. A execução civil realizar-se-á pelo modo mais eficaz. Essa é a interpretação que se impunha à leitura do art. 620 do CPC de 1973 após as minirreformas legislativas realizadas no processo civil. Isso porque as minirreformas legislativas reforçaram o compromisso do sistema processual civil com a efetividade da execução, o que realça a idéia de que o preceito exceptivo do art. 620 do CPC de 1973 subordinava-se à regra geral do art. 612 do CPC de 1973. A execução civil realiza-se no interesse do credor. Esse princípio preside a execução. De modo que, para a consecução da execução, o magistrado orientar-se-á pela maior eficácia do procedimento executivo. Essa interpretação, que se impõe na execução civil, é ainda mais imperiosa na execução trabalhista.

A postulação pela não aplicação da regra exceptiva da execução menos gravosa no processo do trabalho decorre de um fundamento sócio-econômico específico à relação jurídica de direito material do trabalho. Trata-se da natureza alimentar do crédito trabalhista, que opera como fonte material de direito. Esse elemento sociológico é decisivo, pois se cuida da tutela jurídica da própria subsistência da pessoa do trabalhador.

41 Não se precisa sequer recordar que o interesse econômico do empregador subordina-

se ao interesse de sobrevivência digna do trabalhador. Basta pensar que a execução trabalhista visa recompor, e “a posteriori”, o equilíbrio decorrente do descumprimento da legislação do trabalho já ocorrida há muito tempo. Se no processo civil, o executado costuma ostentar situação econômica de inferioridade em relação ao exeqüente, no processo do trabalho a situação é oposta – o exeqüente é a

40

BRASIL. Constituição (1988): “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”.

41 Detentor de privilégio legal na ordem jurídica brasileira (CTN, art. 186), o crédito trabalhista tem sido identificado na

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça como crédito necessarium vitae (STJ STJ. 1ª Turma. Recurso Especial nº 442.325. Relator Min. Luiz Fux. DJU 25.11.2002, p. 207).

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parte hipossuficiente. Daí a necessidade de tutela jurídica efetiva, sem demora.

5. É O RESULTADO SOCIAL NEGATIVO QUE MUDA O PARADIGMA TEÓRICO

Os modelos teóricos não costumam progredir por força de insights dos cientistas. Se a aplicação de determinado modelo teórico produz resultado social negativo, aí então o paradigma ingressa num ambiente de questionamento teórico, com vistas à produção de um novo resultado social aceitável. Em outras palavras, é o resultado social alcançado pelo modelo teórico adotado que interroga o paradigma científico. Boaventura de Sousa Santos sintetiza assim a influência decisiva que o resultado social tem na ruptura do paradigma científico: “Só a concepção pragmática da ciência permite romper a circularidade da teoria.”

42

A aplicação da regra exceptiva da execução menos onerosa para o devedor é uma das causas do entrave da execução trabalhista. Vale dizer, o resultado social da aplicação desta regra exceptiva tem sido manifestamente negativo para a efetividade da execução na Justiça do Trabalho. Isso porque a referida regra tem sido invocada para justificar as principais medidas de resistência à execução trabalhista e tem sido muitas vezes acolhida em detrimento ao princípio da execução mais eficaz, numa verdadeira inversão de valores. O prejuízo à efetividade da jurisdição trabalhista é evidente. Como lembra Hermann de Araújo Hackradt, “nenhum dano se torna maior do que o próprio desvirtuamento do conceito de Justiça Social através de um procedimento ineficaz e demorado, principalmente quando se tem em contraposição uma correlação de forças absolutamente desigual.”

43

Esse aspecto não escapou à percepção de Leonardo Dias Borges. Examinando os efeitos nocivos decorrentes da aplicação da regra da execução menos gravosa no âmbito da execução trabalhista, o jurista identifica no art. 620 do CPC de 1973 uma das causas da ineficácia da jurisdição trabalhista e pondera: “Procrastinar desnecessariamente o processo, sob o falacioso argumento da ampla defesa e dos demais institutos que norteiam a execução civil, por vezes incompatíveis, em sua totalidade, com a execução trabalhista, é desumanizar o direito, bem como desconhecer-lhe a origem e a finalidade”.

44

Também Carlos Eduardo Oliveira Dias e Ana Paula Alvarenga Martins perceberam os concretos efeitos deletérios que a aplicação do art. 620 do CPC de 1973 no processo do trabalho tem causado à efetividade da execução trabalhista, conforme revela esta realista observação: “...o objetivo principal da execução é a satisfação do crédito, não podendo ser invocado o art. 620 do CPC como forma de suprimir a verdadeira efetividade do processo, transformando a execução, que seria um direito do credor, em um verdadeiro suplício.”

45 A cultura jurídica criada a partir da distorcida interpretação do art. 620 do CPC de

1973 tem deturpado a ideia de respeito às decisões judiciais, justificando infundados atos de resistência ao cumprimento das sentenças, de modo que resistir ao cumprimento da sentença tem se tornado um

42

SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução a uma ciência pós-moderna. 2. ed. Porto: Afrontamento, 1990, p. 170: “A concepção pragmática da ciência e, portanto, da verdade do conhecimento científico parte da prática científica enquanto processo intersubjectivo que tem eficácia específica de se justificar teórica e sociologicamente pelas consequências que produz na comunidade científica e na sociedade em geral. Por isso, existe uma pertença mútua estrutural entre a verdade epistemológica e a verdade sociológica da ciência e as duas não podem ser obtidas, ou sequer pensadas, em separado. Porque só são aferíveis pela sua eficácia produtiva, são indiretas e prospectivas. Só a concepção pragmática da ciência permite romper com a circularidade da teoria.”

43 HACKRADT, Hermann de Araújo. Princípios da execução e o art. 620 do CPC. In: Castro, Maria do Perpétuo Socorrro

Wanderley de. Processo de execução: homenagem ao Ministro Francisco Fausto. São Paulo: LTr, 2002, p. 24.

44 BORGES, Leonardo Dias. O moderno processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 80.

45 DIAS, Carlos Eduardo Oliveira; MARTINS, Ana Paula Alvarenga. Os abusos do devedor na execução trabalhista: estudos de

processo de execução. São Paulo: LTr, 2001, p. 182.

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procedimento contumaz, capaz de ensejar inúmeros incidentes – a maioria, protelatórios – destinados a eternizar as demandas.

O executado tem o dever jurídico de pagar; mas na prática parece deter um direito fundamental de não pagar, tamanha é a resistência que opõe, muitas vezes sob a alegação de que a execução deve ser realizada de forma menos gravosa. Francisco Antonio de Oliveira, sempre atento às consequências práticas da aplicação da legislação, observa que, na vigência do art. 620 do CPC 1973, “em vez de honrar a obrigação, a empresa procrastina a execução com o uso de inúmeros expedientes processuais e aplica o dinheiro em seu capital de giro, cujo rendimento servirá para saldar a execução de forma vantajosa. Isso quando não vence o exequente pela demora e acaba por fazer um acordo vantajoso, com o pagamento de valor irrisório, depois de ganhar a ação e esperar vários anos.”

46

Assim compreendida a questão, a não aplicação da regra da execução menos gravosa no processo do trabalho é condição para a realização das garantias constitucionais da efetividade da jurisdição e da duração razoável do processo. Essa conclusão se torna ainda mais consistente diante da teoria jurídica contemporânea, que extrai da ordem constitucional a existência de uma garantia fundamental à tutela executiva efetiva. Explicitando sua adesão a essa concepção doutrinária, o CPC de 2015 preceitua que “as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.” Essa norma está positivada no art. 4º do novo CPC. Inserida no capítulo que trata das normas fundamentais do processo civil, o preceito do art. 4º do CPC explicita estar a satisfação do julgado compreendida no direito das partes a uma solução integral da causa, o que revela que o novo CPC assimila a concepção contemporânea de que existe uma garantia fundamental à tutela executiva efetiva.

Mas haveria fundamento para acolher tal conclusão? Diversos juristas vêm afirmando que sim.

6. A DOUTRINA PELA NÃO APLICAÇÃO DA REGRA EXCEPTIVA DA EXECUÇÃO MENOS

GRAVOSA AO PROCESSO DO TRABALHO

Se alguns juristas limitam-se a mitigar a aplicação da regra exceptiva da execução menos gravosa no processo do trabalho, outros juristas são categóricos em sustentar a inaplicabilidade dessa regra na execução trabalhista.

Enquanto Francisco Meton Marques de Lima pondera que a execução “deve ser econômica, da forma menos gravosa para o executado, desde que satisfaça, de maneira mais efetiva possível, o direito do exequente”,

47 Carlos Henrique Bezerra Leite faz um resgate autêntico da autonomia do direito

processual do trabalho e propõe “inverter a regra do art. 620 do CPC [de 1973] para construir uma nova base própria e específica do processo laboral: a execução deve ser processada de maneira menos gravosa ao credor.”

48

A posição de Cláudio Armando Couce de Menezes é semelhante àquela defendida por Carlos Henrique Bezerra Leite. Depois de fundamentar seu posicionamento na condição de inferioridade econômica do trabalhador, Couce de Menezes sustenta que “... não cabe perquirir se a execução pode ser feita de forma menos onerosa ao empregador executado. Mas, sim, como fazê-lo de maneira a torná-la mais rápida, célere e efetiva, evitando manobras do devedor destinadas a impedir ou protelar a

46

OLIVEIRA, op. cit., p. 133.

47 LIMA, Francisco Meton Marques de. Manual sintético de processo e execução do trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 142.

48 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 977.

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satisfação do crédito obreiro.”49

Para José Augusto Rodrigues Pinto a aplicação da regra da execução menos gravosa ao processo do trabalho não passa pelo crivo do art. 769 da CLT. Entende o erudito jurista baiano que não se faz presente no caso o requisito da compatibilidade do art. 620 do CPC de 1973 com os princípios do Direito Processual do Trabalho.

A consistência da fundamentação justifica a reprodução integral do argumento. Pondera o jurista: “Reflita-se imediatamente sobre o pressuposto da compatiblidade, fixado no art. 769 da CLT para autorizar a aplicação supletiva da norma de processo comum ao sistema processual trabalhista. O art. 620 do CPC é, evidentemente, tutelar do interesse do devedor, exposto à violência da constrição. A tutela é bastante compreensível dentro de um sistema processual que navega em águas de interesse processuais caracteristicamente privados, porque oriundos de relação de direito material subordinada à idéia da igualdade jurídica e da autonomia da vontade. O sistema processual trabalhista flutua num universo dominado pela prevalência da tutela do hipossuficiente econômico, que se apresenta como credor da execução trabalhista. Em face da evidente oposição de pressupostos, sustentamos que, em princípio, o art. 620 do CPC não pode suprir a omissão legal trabalhista, por ser incompatível com a filosofia tutelar do economicamente fraco, que lhe dá caráter. Sua aplicação coloca em confronto a proteção do interesse econômico do devedor (a empresa) e o direito alimentar do credor (o empregado), a cujo respeito não pode haver hesitação de posicionamento do juiz do trabalho ao lado do empregado.”

50

A incompatibilidade do art. 620 do CPC de 1973 com o direito processual do trabalho também é afirmada por José Carlos Külzer. Para o autor, o princípio da proteção deve ser aplicado também na fase de execução, “... não podendo assim ser transposta para o Processo do Trabalho, pura e simplesmente, a recomendação do art. 620 do Código de Processo Civil de que a execução se processe pelo modo menos gravoso ao devedor, sem ser considerado que tal regra tem como pressuposto a igualdade das partes na fase de conhecimento, o que não acontece, no entanto, no Direito do Trabalho.”

51

O aperfeiçoamento do processo do trabalho postulado por Wagner D. Giglio tem em Sérgio Pinto Martins um de seus mais lúcidos defensores: “Na execução trabalhista deveria ser abandonado o princípio da execução menos onerosa para o devedor (art. 620 do CPC), para a mais eficiente e rápida, mas sempre prestigiando o contraditório e a ampla defesa.”

52

A orientação indicada pelo jurista paulista recebeu um importante reforço com o advento do novo CPC, cujo art. 805, parágrafo único, atribui ao executado o ônus de indicar meio mais eficaz para realizar a execução, quando alegar a gravosidade do meio de execução adotado pelo juízo. Como observa Cassio Scarpinella Bueno, o objetivo do preceito é evitar requerimentos inidôneos do executado que reclama de execução gravosa,

53 exigindo do executado o cumprimento do dever de colaboração no

requerimento em que postule execução menos gravosa.

O parágrafo único do art. 805 do CPC de 2015, conforme assinalado anteriormente, tem o mérito

49

MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Teoria geral do processo e a execução trabalhista. São Paulo: LTr, 2003, p. 171.

50 PINTO, op. cit., p. 213.

51 KÜLZER, José Carlos. A contribuição dos princípios para a efetividade do processo de execução na Justiça do Trabalho no

Brasil. São Paulo: LTr, 2008, p. 39-40.

52 MARTINS, Sergio Pinto. Novos rumos do processo do trabalho. Justiça do Trabalho, Porto Alegre, n. 325, p. 74, jan. 2011.

53 BUENO, Cassio Scarpinella. Projetos de Novo Código de Processo Civil Comparados e Anotados. São Paulo: Saraiva, 2014. p.

384.

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de resgatar a devida posição de preeminência do exequente na execução, ao atribuir ao executado, que se encontra em estado de sujeição, o encargo de indicar meios mais eficazes para realizar-se a execução, sempre que alegar ser a medida executiva adotada pelo juízo mais gravosa. Já não basta ao executado indicar meio de execução menos gravoso, como se costumava tolerar na vigência do CPC de 1973. Além de indicar meio executivo menos gravoso, o meio de execução indicado pelo executado deverá ser, também, mais eficaz do que o meio de execução empregado, sob pena de manutenção dos meios executivos adotados pelo juízo da execução.

CONCLUSÃO

Se uma certa tradição moderna logrou persuadir os operadores jurídicos de que a fase de conhecimento é a mais importante, aos jurisdicionados sempre foi intuitiva a percepção de que a fase mais importante do processo é a fase de execução. É natural que assim seja: a parte quer ver seu direito realizado, e não apenas declarado. Essa tradição moderna conduziria os operadores jurídicos a acreditar que o charme está na intelecção; o glamour está na cognição. E já não poderíamos mais escapar da consequente distorção: à sobrevalorização da fase de cognição corresponderá velado menoscabo à fase de execução. Trata-se do “mito da cognição” de que fala Luciano Athayde Chaves

54,

uma estranha espécie de gás paralisante da execução, com deletérios efeitos colaterais; entre eles, o torpor cultural da execução menos gravosa, para o qual ainda procuramos antídoto. O fato é que não temos cumprido a solene promessa constitucional de prestar jurisdição efetiva. A eloquente advertência de Cândido Rangel Dinamarco nos interroga sobre a própria funcionalidade do Estado. Renunciar a uma herança nunca é fácil. Tratando-se de uma herança cultural, essa renúncia torna-se ainda mais difícil. Não sabemos se seremos capazes de abandonar esse legado. Mas é preciso fazê-lo: dar à execução a primazia significa pensar o direito para os jurisdicionados. São eles os destinatários da Jurisdição.

Uma adequada hermenêutica para a execução trabalhista tem como primeira fonte de direito a Constituição Federal. Mais precisamente, o ponto de partida está na garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), aqui compreendida como a concreta garantia de alcançar o pagamento do crédito trabalhista previsto na sentença. Além disso, tal pagamento deve ser realizado em prazo breve (CF, art. 5º, LXXVIII). A imperatividade desses comandos constitucionais ganha ainda maior densidade sob o influxo do princípio jurídico da proteção, que inspira o direito material do trabalho, mas também se comunica ao direito processual do trabalho, porquanto se trata de execução de crédito de natureza alimentar (CF, art. 100, § 1º) a que a ordem legal confere privilégio diante de créditos de outra natureza jurídica (CTN, art. 186); mais do que isso, se trata de crédito representativo de direito fundamental social (CF, art. 7º, caput), qualificado na jurisprudência cível como crédito necessarium vitae. No esforço hermenêutico desenvolvido para dotar a jurisdição trabalhista de maior efetividade, a jurisprudência evoluiu para afirmar que a existência de previsão legal de que a arrematação realizar-se-á pelo maior lanço (CLT, art. 888, § 1º) é fundamento jurídico suficiente para afastar a aplicação subsidiária do conceito de preço vil previsto no art. 692 do CPC de 1973 (CPC de 2015, art. 891) na execução trabalhista, por inexistência de omissão do processo do trabalho nessa matéria (CLT, arts. 769 e 889). Assim como a execução trabalhista ganhou efetividade ao rejeitar a aplicação subsidiária do art. 692 do CPC de 1973, é chegado o momento de evoluir para, agora por incompatibilidade (CLT, arts. 769

54

Os desafios da Execução na Justiça do Trabalho. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. nº 36. 2010. p. 65.

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e 889), rejeitar a aplicação da regra exceptiva da execução menos gravosa na execução trabalhista, para promover o resgate da vocação do Processo do Trabalho como processo de resultados. A propósito de efetividade da execução, é interessante recordar a consideração com a qual Wagner D. Giglio inicia o texto - histórico - que fornece a epígrafe do presente artigo: “Um hipotético observador, nos últimos anos deste século, provavelmente consideraria nosso atual processo, em geral, e o trabalhista, em particular, com o espanto e a incredulidade que, hoje, nos despertam os ‘juízos de Deus’ e a Justiça Medieval. E perguntaria a si mesmo como teriam os jurisdicionados de nossos dias suportado o suplício de aguardar a solução de sua demanda por anos e anos, sem desespero ou revolta.”

55

No referido artigo, publicado em 2003, Wagner D. Giglio afirmou: “Uma reforma ideal do processo trabalhista abandonaria o dogma da igualdade das partes e adotaria, na execução, o princípio da execução mais eficaz, em substituição ao da execução menos onerosa”.

56 Desde então passaram

quinze anos. Nesse período, sobreveio a Emenda Constitucional nº 45/2004, que elevou a duração razoável do processo à condição de garantia fundamental do cidadão, e o novo CPC fez clara opção pela efetividade da execução (CPC, arts. 139, IV e 297), instituindo no art. 805, parágrafo único, saneadora norma para execução, norma pela qual se resgata a devida posição de preeminência do exequente na execução, ao atribuir ao executado, que se encontra em estado de sujeição, o encargo de indicar meio mais eficaz para realizar-se a execução, sempre que alegar ser, a medida executiva adotada pelo juízo, mais gravosa.

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GIGLIO, Wagner D. Efetividade da execução trabalhista. Revista Síntese Trabalhista, Porto Alegre, n. 172, out.

55

GIGLIO, op. cit., p. 146.

56 GIGLIO, op. cit., p. 147.

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A APLICAÇÃO DO REGIME JURÍDICO ESPECIAL DA FRAUDE À EXECUÇÃO

FISCAL NO PROCESSO DO TRABALHO1

Ben-Hur Silveira Claus Mestre em Direito (UNISINOS),

Professor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Professor da Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS (FEMARGS),

Juiz do Trabalho do TRT da 4ª Região (RS).

Júlio César Bebber

Juiz do Trabalho e Doutor em Direito do Trabalho

RESUMO

O presente artigo estuda a juridicidade da aplicação do regime jurídico especial da fraude à execução fiscal à execução trabalhista, com vistas a promover a efetividade da jurisdição na Justiça do Trabalho. Para tanto, articula-se a proposta de interpretação extensiva do art. 889 da CLT à interpretação sistemática do art. 186 do Código Tributário Nacional, com vistas à assimilação produtiva da modalidade de fraude à execução prevista no art. 185 do CTN à execução trabalhista, que se revela

mais favorável ao credor do que o regime jurídico geral de fraude à execução previsto no art. 593, II,

do CPC de 1973 e no art. 792 do CPC de 2015.

INTRODUÇÃO

O Direito pressupõe a boa-fé das pessoas na vida de relação. É a boa-fé que fundamenta o princípio da responsabilidade patrimonial. De acordo com esse princípio, o patrimônio do contratante responde por suas obrigações: o patrimônio do sujeito obrigado é expropriado pelo Estado, para satisfazer coercitivamente a obrigação não adimplida espontaneamente, restabelecendo-se o equilíbrio da relação contratual e a integridade da ordem jurídica.

Esse princípio encontra expressão literal no art. 591 do CPC de 1973 e no art. 789 do CPC de 2015, preceito que estabelece que “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.” Trata-se de preceito localizado no título em que o Código de Processo Civil trata da execução forçada das obrigações não cumpridas espontaneamente. Na Lei nº 6.830/80, o princípio da responsabilidade patrimonial tem

1 O presente artigo foi publicado na Revista Justiça do Trabalho, nº 377, de maio de 2015, da Editora HS, Porto Alegre, p. 7-37 e

na Revista LTr, nº 6, ano 79, junho de 2015, da Editora LTr, São Paulo, p. 647-662.

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expressão nos arts. 10 e 30.

Para coarctar condutas de má-fé do devedor, a teoria jurídica extraiu do princípio de responsabilidade patrimonial dois institutos jurídicos destinados a combater fraude patrimonial praticada pelo sujeito passivo da obrigação – a fraude contra credores (CC, arts. 158 e 159) e a fraude à execução (CPC de 1973, art. 593; CPC de 2015, art. 792). O fato de não haver processo contra o obrigado quando da alienação do bem revela que a fraude contra credores é ato ilícito menos grave do que o ato ilícito de fraude à execução

2, modalidade de fraude patrimonial na qual já há processo contra o obrigado

3

quando da alienação do bem que torna o obrigado insolvente para responder pela obrigação.

No presente artigo, estuda-se a juridicidade da aplicação do regime jurídico especial da fraude à execução fiscal à execução trabalhista, com vistas a promover a efetividade da jurisdição na Justiça do Trabalho (CF, art. 5º, XXXV; CLT, art. 765). Para tanto, articula-se a proposta de interpretação extensiva do art. 889 da CLT à interpretação sistemática do art. 186 do Código Tributário Nacional, com vistas à assimilação produtiva da modalidade de fraude à execução prevista no art. 185 do CTN à execução trabalhista, uma das diversas modalidades de fraude à execução previstas no direito positivo.

1. AS MODALIDADES DE FRAUDE À EXECUÇÃO NO DIREITO POSITIVO

Ao lado da modalidade geral de fraude à execução prevista no inciso II do art. 593 do CPC de 1973, o sistema legal prevê uma modalidade específica de fraude à execução no inciso I do art. 593 do CPC e abrange as demais modalidades de fraude à execução previstas em diversas leis na genérica hipótese do inciso III do art. 593 do CPC de 1973

4 (CPC de 2015, art. 792, V

5).

2 A fraude à execução tipifica, além de ilícito processual civil, o ilícito penal de fraude à execução capitulado no art. 179 do

Código Penal. Outrossim, configura ato atentatório à dignidade da justiça (CPC de 1973, art. 600, I; CPC de 2015, art. 774, I) sancionado com a multa do art. 601 do CPC de 1973 (CPC de 2015, art. 774, parágrafo único). A ordem jurídica atua contra a fraude à execução mediante a declaração de ineficácia do ato fraudulento (CPC de 1973, art. 592, V; CPC de 2015, art. 790, V), autorizando a penhora do bem alienado em fraude como se permanecesse no patrimônio do executado. Para facilitar o combate a essa espécie de fraude patrimonial, a declaração de ineficácia da alienação é pronunciada nos próprios autos em que flagrada a fraude, de ofício. Conclusão ainda mais evidente na execução trabalhista, por força da previsão dos arts. 765 e 878, caput, da CLT.

3 A hipótese de fraude à execução fiscal prevista no art. 185, caput, do Código Tributário Nacional constitui exceção à regra.

Introduzida pela Lei Complementar nº 118, de 09-06-2005, a atual redação do art. 185, caput, do CTN radicalizou a figura da fraude à execução fiscal, estabelecendo que a fraude à execução fiscal caracteriza-se quando a obrigação tributária já estiver inscrita em dívida ativa à época da alienação do bem. Na redação anterior do art. 185, caput, do CTN, a disciplina da fraude à execução era mais favorável ao devedor tributário: somente se caracterizava a fraude se já estivesse em curso a execução fiscal à época da alienação do bem. Exigia-se a litispendência da execução fiscal. Essa exigência foi suprimida pela Lei Complementar nº 118, de 09-06-2005.

4 CPC de 1973: “Art. 593. Considera-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens:

I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II – quando, ao tempo de alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III - nos demais casos expressos em lei.”

5 CPC de 2015: “Art. 792. A alienação ou a oneração é considerada fraude à execução:

I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;

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A fraude à execução prevista no inciso II do art. 593 do CPC de 1973 tem sido considerada a modalidade geral de fraude à execução por se tratar do tipo de fraude à execução que ocorre com maior frequência. Caracteriza-se quando, ao tempo da alienação do bem, já corria demanda capaz de reduzir o demandado à insolvência. A hipótese está prevista no CPC de 2015 (art. 792, IV).

Menos frequente é a modalidade de fraude à execução prevista no inciso I do art. 593 do CPC de 1973, que se caracteriza quando o devedor aliena determinado bem sobre o qual há ação judicial fundada em direito real. Essa modalidade de fraude à execução decorre do direito de sequela próprio ao direito real. Nesse caso, a configuração da fraude à execução independe do estado de insolvência do devedor. A hipótese está prevista no CPC de 2015 (art. 792, I).

Entretanto, as modalidades de fraude à execução são mais numerosas do que normalmente se percebe, sobretudo quando se atenta para as diversas modalidades de fraude à execução previstas em distintos diplomas legais. Nada obstante passem despercebidas algumas vezes, as demais modalidades de fraude à execução previstas em distintos diplomas legais foram consideradas pelo legislador na abrangente previsão do inciso III do art. 593 do CPC de 1973, preceito que faz remissão a outras modalidades de fraude à execução, assim consideradas aquelas previstas “nos demais casos expressos em lei”. O CPC de 2015 faz referência às demais modalidades de fraude à execução no art. 792, V.

Ao legislador é dado estabelecer, para a tutela do princípio da responsabilidade patrimonial, hipóteses outras em que a conduta do devedor caracterize fraude patrimonial a ser rejeitada pelo sistema normativo, tipificando novas modalidades de fraude à execução com o objetivo último de assegurar a integridade da ordem jurídica. Entre as demais modalidades de fraude à execução tipificadas em distintos diplomas legais, a teoria jurídica tem identificado – sem prejuízo de outras modalidades dessa espécie de ato ilícito

6 – as seguintes hipóteses:

a) há fraude à execução quando, na penhora de crédito, o terceiro deixa de depositar em juízo a importância por ele devida ao executado, nada obstante intimado pelo juízo para assim proceder (CPC de 1973, arts. 671 e 672, §§ 2º e 3º

7); a hipótese está prevista nos

arts. 855 e 856, §§ 2º e 3º, do CPC de 2015;

II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;

III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;

IV – quando, ao tempo de alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;

V – nos demais casos expressos em lei.”

6 Araken de Assis relaciona outras hipóteses de fraude à execução, que costumam passar despercebidas: “Além disso, atos de

índole diversa, como a dação em pagamento, a renúncia à herança, a interrupção da prescrição e, conforme caso julgado pela 3ª Câmara Cível do extinto TARS, a partilha de bens em separação consensual, igualmente representam fraude contra a execução” (Manual da Execução. 14 ed. São Paulo: RT, 2012. p. 303).

7 CPC de 1973: “Art. 671. Quando a penhora recair em crédito do devedor, o oficial de justiça o penhorará. Enquanto não

ocorrer a hipótese prevista no artigo seguinte, considerar-se-á feita a penhora pela intimação:

I – ao terceiro devedor para que não pague ao executado, seu credor;

II – ao executado, credor do terceiro, para que não pratique ato de disposição do crédito.

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b) há fraude à execução quando há registro de averbação premonitória de existência de ação à época da alienação do bem (CPC de 1973, art. 615-A, § 3º

8); a hipótese está

prevista no art. 828, § 4º, do CPC de 2015;

c) há fraude à execução quando o executado insolvente adquire bem residencial mais valioso, hipótese em que não poderá mais fazer prevalecer a alegação de impenhorabilidade de bem de família (Lei nº 8.009/90, art. 4º, caput e § 1º

9);

d) há fraude à execução fiscal quando o crédito tributário já se encontrava regularmente inscrito como dívida ativa à época da alienação do bem pelo executado (CTN, art. 185, caput).

10

Esse resumido inventário das modalidades de fraude à execução autoriza a conclusão de que o sistema legal inclui a fraude à execução fiscal entre os casos de fraude à execução capitulados no inciso III do art. 593 do CPC de 1973 e no inciso V do art. 792 do CPC de 2015, identificando na previsão do art. 185, caput, do CTN, particular modalidade de fraude à execução inserida pelo direito positivo entre os “demais casos expressos em lei”; modalidade de fraude à execução em que a presunção de fraude é considerada absoluta.

2. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL: A PRESUNÇÃO DE FRAUDE É ABSOLUTA; NÃO SE

ADMITE PROVA EM CONTRÁRIO

Art. 672. A penhora de crédito, representada por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, far-se-á pela apreensão do documento, esteja ou não em poder do devedor.

...

§ 2º. O terceiro só se exonerará da obrigação, depositando em juízo a importância da dívida.

§ 3º. Se o terceiro negar o débito em conluio com o devedor, a quitação, que este lhe der, considerar-se-á em fraude de execução.”

8 CPC: “Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução,

com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

...

§ 3º. Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (593).”

9 Lei nº 8.009/90: “Art. 4º. Não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé

imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

§ 1º. Neste caso poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.”

10 CTN: “Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em

débito para com a fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.”

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No debate que conduziu à edição da controvertida Súmula 375 do STJ11

, a doutrina e a jurisprudência desenvolveram, na vigência do art. 593 do CPC de 1973, rica controvérsia acerca da natureza jurídica da fraude à execução.

De um lado, alinhou-se a corrente tradicional de opinião, sustentando que a fraude à execução continuava a caracterizar-se de forma objetiva (in re ipsa), exigindo apenas:

a) litispendência por ocasião da alienação do bem: demanda ajuizada em face do demandado à época do negócio fraudulento; b) alienação essa capaz de reduzir o demandado à insolvência.

Para essa corrente de opinião, não se conhece do elemento subjetivo da boa-fé do terceiro adquirente na fraude à execução, ou seja, dispensa-se a prova acerca de “consilium fraudis”, requisito exigível apenas para a caracterização do ilícito civil de fraude contra credores (CC, arts. 158 e 159). No âmbito da teoria justrabalhista, essa corrente de opinião tem em Manoel Antonio Teixeira Filho um histórico representante.

12

De outro lado, articulou-se o entendimento de que a fraude à execução somente configurar-se-ia na hipótese de estar caracterizada – ao lado dos demais elementos objetivos mencionados - a má-fé do terceiro adquirente, compreendida na ciência do terceiro adquirente quanto à existência da ação movida em face do executado-alienante; ou seja, o elemento subjetivo (má-fé do terceiro adquirente) teria passado a ser exigível para a caracterização de fraude à execução. Em outras palavras: o elemento subjetivo do “consilium fraudis” teria passado a integrar o suporte fático da fraude à execução, conforme indica o enunciado da Súmula 375 do STJ, “in litteris”: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”.

A jurisprudência trabalhista predominante assumiu essa posição sob inspiração da Súmula 375 do STJ, que passou a ser adotada por ocasião do julgamento de embargos de terceiro adquirente do bem.

Enquanto o primeiro entendimento faz resgate efetivo do compromisso da ordem jurídica com o princípio da responsabilidade patrimonial (CPC de 1973, art. 591) em detrimento da boa-fé do terceiro adquirente, o segundo entendimento tutela a boa-fé deste, privilegiando o interesse privado em detrimento do princípio da responsabilidade patrimonial.

A concepção de fraude à execução fiscal, todavia, passou praticamente incólume por tal controvérsia

13. Isso porque a teoria jurídica do Direito Tributário sempre identificou na supremacia do

interesse público tutelado pelo direito fiscal o histórico fundamento segundo o qual a fraude à execução fiscal configura-se de forma objetiva (in re ipsa) e caracteriza hipótese de presunção absoluta de fraude, não abrindo ensejo à discussão acerca da conduta subjetiva do terceiro adquirente, de modo a impedir a hipótese jurídica de convalidação do negócio fraudulento pela boa-fé do terceiro adquirente. Sequer a possibilidade da respectiva hipótese jurídica é admitida na fraude à execução fiscal; num autêntico resgate da categoria dos deveres patrocinado pela verticalização do princípio de responsabilidade patrimonial, que se alicerça na boa-fé indispensável à construção de uma vida de relação fundada na

11

Súmula 375 do STJ: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente.” A Súmula 375 do STJ foi editada em 30.3.2009.

12 Execução no processo do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 200.

13 Em 19-11-2010, o STJ uniformiza sua jurisprudência para afirmar ser inaplicável à execução fiscal a S-375-STJ, editada em 30-

03-2009. A matéria é desenvolvida no item 6 do presente estudo.

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honestidade dos contratantes.14

É da lição clássica de Aliomar Baleeiro que a fraude à execução fiscal não admite prova em contrário precisamente por se caracterizar como ato ilícito cujo vício faz constituir presunção absoluta de fraude contra o interesse tributário. Segundo o autor:

“O CTN, no art. 185, estabelece uma presunção geral, iuris et de iure, isto é, sem possibilidade de prova em contrário, de que é fraudulenta contra o Fisco, a alienação de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo, desde que o crédito tributário contra ele esteja regularmente inscrito (CTN, arts. 201 a 204) e em fase de execução. Mas entender-se-á que esta presunção absoluta está limitada ao caso de o sujeito passivo alienar seus bens ou rendas em tal proporção, que não lhe reste o suficiente par o total pagamento da dívida em execução”

15.

No mesmo sentido, alinha-se praticamente toda a doutrina do Direito Tributário. Depois de assinalar que o art. 185 do Código Tributário Nacional estabelece presunção de fraude à execução quando ocorre alienação de bem por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa, o tributarista Hugo de Brito Machado afirma que “tal presunção é absoluta. Uma presunção de direito contra a qual não cabe nenhuma espécie de prova”

16. O

autor volta a explicitar referido entendimento quando contextualiza o tema do interesse do terceiro adquirente de boa-fé no âmbito da fraude à execução fiscal à luz da atual redação do art. 185 do CTN

17:

“No âmbito do Direito Privado, a lei protege o terceiro de boa-fé, estabelecendo que são anuláveis os contratos onerosos de devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante. O fato de ser devedor de um tributo com crédito tributário inscrito em dívida ativa, todavia, não pode ser considerado indicador de notória insolvência, e mesmo assim o Código Tributário Nacional considera sem validade, em face da presunção de fraude, a alienação ou oneração do bem, sem qualquer consideração para com o terceiro de boa-fé.”

Em sintonia com Aliomar Baleeiro e Hugo de Brito Machado, Zelmo Denari também identifica a presunção absoluta de fraude na fraude à execução fiscal

18 e a irrelevância da conduta subjetiva do

terceiro-adquirente para o reconhecimento de ineficácia do negócio fraudulento. A presunção absoluta de fraude, segundo ele, opera de tal modo que não é facultado ao terceiro adquirente produzir prova de sua

14

A responsabilidade socioeconômica dos sujeitos funda-se na boa-fé exigida pelo art. 422 do CC de 2002, preceito que irradia saneador efeito ético aos contratos em geral e a toda a vida de relação.

15 Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 970. O autor está a comentar o art. 185 do CTN, na

redação anterior à Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005, quando se exigia estivesse já ajuizado o executivo fiscal para configurar-se a fraude à execução.

16 Comentários ao Código Tributário Nacional. 2 ed. v. III, São Paulo: Atlas, 2009. p. 649.

17 Comentários ao Código Tributário Nacional. 2 ed. v. III, São Paulo: Atlas, 2009. p. 677.

18 Enquanto Aliomar Baleeiro escreveu à época da redação anterior do art. 185 do CTN, Zelmo Denari escreve sob a nova

redação do art. 185 do CTN, introduzida pela Lei Complementar 118, de 09.02.2005. Contudo, ambos chegam à conclusão idêntica: a fraude à execução fiscal caracteriza hipótese de presunção absoluta de fraude e não admite prova em contrário.

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eventual boa-fé19

. “In litteris”:

“A presunção acautelatória aqui estabelecida é juris et de jure, isto é, não admite prova em contrário. Irrelevante, portanto, se de boa ou má-fé o adquirente do bem ou o titular do direito real de garantia. A fraude se presume e a presunção é absoluta”.

20

Na medida em que a fraude à execução fiscal é interpretada como hipótese de presunção absoluta de fraude no Direito Tributário, a vantagem jurídica com que essa concepção de fraude à execução tutela o crédito fiscal conduz o operador do processo do trabalho a interrogar-se acerca da juridicidade da extensão dessa concepção de fraude à fraude à execução ao processo do trabalho – quem sabe se conduzido pelas mãos de Karl Engisch

21 – mediante recurso à analogia e com os olhos

postos na promessa constitucional de jurisdição efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Para tanto, é intuitivo ao operador do processo do trabalho dirigir especial atenção à histórica opção da teoria jurídica brasileira de conferir ao crédito trabalhista privilégio legal superior àquele reconhecido ao crédito fiscal.

3. A HISTÓRICA OPÇÃO DA TEORIA JURÍDICA BRASILEIRA DE CONFERIR AO CRÉDITO

TRABALHISTA PRIVILÉGIO LEGAL SUPERIOR ÀQUELE RECONHECIDO AO CRÉDITO FISCAL

O privilégio do crédito trabalhista tem por fundamento próximo a natureza alimentar dos créditos decorrentes do trabalho

22, enquanto que o fundamento remoto radica na dignidade humana da pessoa

do trabalhador cuja prestação laboral transforma-se em riqueza apropriada pelo tomador de serviços inadimplente.

Mesmo na jurisdição fiscal, encarregada de fazer valer o privilégio legal assegurado ao crédito fiscal pelo art. 186 do CTN, o crédito trabalhista tem sido historicamente reconhecido como privilegiado em face deste, em razão da sua qualidade de crédito necessarium vitae (STJ. 1ª Turma. REsp nº 442.325. Relator Min. Luiz Fux. DJU 25.11.2002, p. 207).

A ponderação de se tratar de um crédito necessário à subsistência do ser humano que vive do próprio trabalho integra o arcabouço axiológico sob o qual a consciência jurídica tem conformado a estrutura hierárquica normativa em que são classificadas as diversas espécies de créditos ao longo da tradição jurídica brasileira. Com efeito, o predicado de crédito necessarium vitae tem sido, na verdade, o principal fundamento material da opção da consciência jurídica nacional de privilegiar o crédito trabalhista na concorrência com os demais créditos previstos no sistema legal brasileiro, ratificando nessa histórica

19

Nesse mesmo sentido orienta-se o entendimento de Mauro Luís Rocha Lopes. Comentando o art. 185 do CTN, o autor observa que a doutrina do Direito Tributário considera absoluta a presunção de fraude, sendo dispensável a prova do “consílio fraudulento” à sua caracterização (Processo judicial tributário: execução fiscal e ações tributárias. 7 ed. Niterói – RJ: Impetus, 2012. p. 106).

20 Comentários ao Código Tributário Nacional. Ives Gandra da Silva Martins (coord.).3 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. p. 496.

21 “Toda a regra jurídica é susceptível de aplicação analógica – não só a lei em sentido estrito, mas também qualquer espécie de

estatuto e ainda a norma de Direito Consuetudinário. As conclusões por analogia não têm apenas cabimento dentro do mesmo ramo do Direito, nem tão-pouco dentro de cada Código, mas verificam-se também de um para outro Código e de um ramo do Direito para outro” (Introdução ao pensamento jurídico. 10 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 293).

22 CF: “Art. 100. ...

§ 1º. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários, e indenizações por morte e invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.”

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opção da teoria jurídica brasileira a primazia da dignidade da pessoa humana enquanto valor superior que viria a ser eleito pela Constituição como fundamento da República

23.

Nada obstante o reconhecimento doutrinário de que a relevância do crédito tributário funda-se na supremacia do interesse público que lhe é imanente

24, ainda assim a consciência jurídica nacional tem

posicionado – trata-se de tradição histórica - o crédito trabalhista num patamar superior àquele conferido ao crédito fiscal, sugerindo concretamente possa a supremacia do interesse público vir a ser superada em determinada situação especial, na qual a ordem jurídica identifique interesse ainda mais relevante a tutelar – no caso do privilégio do crédito trabalhista, o interesse fundamental social a tutelar é satisfação prioritária dos créditos decorrentes da prestação do trabalho humano. Desse interesse fundamental social deriva a formulação conceitual que conduziria a teoria jurídica a conceber a expressão superprivilégio para bem significar a primazia conferida pelo sistema jurídico nacional ao crédito trabalhista.

Essa tradição histórica de a ordem jurídica nacional conferir primazia ao crédito trabalhista sofreu revés significativo com o advento da nova Lei de Falências e Recuperação Judicial. Entre outros preceitos representativos dessa nova orientação, o art. 83, I, da Lei nº 11.101/2005 limitou o privilégio do crédito trabalhista ao valor de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos na falência, classificando como quirografário o crédito trabalhista excedente desse montante. A possibilidade de limitação do privilégio do crédito trabalhista a determinado montante foi reservada ao legislador ordinário pela Lei Complementar nº 118, também de 09-02-2005, que introduziu parágrafo único no art. 186 do CTN para conferir a prerrogativa que o legislador comum exerceria nessa mesma data mediante a edição da Lei nº 11.101/2005. Daí a eficácia que a medida legal da hipoteca judiciária pode conferir à exequibilidade do crédito trabalhista na hipótese de superveniência de falência da empresa, conforme a arguta lição de Élisson Miessa.

25

Na legislação anterior, não havia limitação do privilégio do crédito trabalhista a determinado valor (Decreto-Lei nº 7.661/45). A alteração em questão foi recebida com reservas por expressiva parte da doutrina, tendo Francisco Antonio de Oliveira registrado ser essa restrição imposta ao privilégio do crédito trabalhista pela nova Lei de Falências desejo de setores empresariais e do próprio governo sob a alegação infundada de excesso de vantagens trabalhistas.

26 Depois de identificar afronta da nova Lei de

Falências e Recuperação Judicial aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da

23

CF: “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III – a dignidade da pessoa humana”.

24 Cf. Hugo de Brito Machado. Comentários ao Código Tributário Nacional. 2 ed. v. III, São Paulo: Atlas, 2009. p. 660.

25 Hipoteca judiciária e protesto da decisão judicial no novo CPC e seus impactos no Processo do Trabalho. In: O novo Código

de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Élisson Miessa (organizador). Salvador: Juspodivm, 2015. p. 475-6: No entanto, conforme se verifica pelo art. 83, inciso I, da Lei nº 11.101/05, a preferência apenas é observada no limite de 150 salários-mínimos. Dessa forma, o valor restante poderá ser analisado em consonância com o inciso II de referido dispositivo que determina que, logo após os créditos trabalhistas até o limite de 150 salários-mínimos, possuem preferência os créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado. Com efeito, na falência, a hipoteca judiciária produzirá duas preferências ao credor trabalhista. Uma em decorrência [da natureza jurídica alimentar] de seu crédito, limitada ao montante descrito na lei. E outra em razão da hipoteca judiciária, limitada ao valor do bem hipotecado.”

26 Execução na Justiça do Trabalho. 6 ed. São Paulo: RT, 2008, p. 257.

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valorização do trabalho e da submissão da propriedade à sua função social, Mauricio Godinho Delgado27

assevera com sua reconhecida autoridade teórica:

“A Lei n. 11.101, de 2005, ignorando a filosofia e a determinação constitucionais, confere enfática prevalência aos interesses essencialmente econômicos, em detrimento dos interesses sociais. Arrogantemente, tenta inverter a ordem jurídica do País. [...] A nova Lei de Falências, entretanto, com vigência a partir de 9.6.05, abrangendo, essencialmente, processos novos (art. 201, combinado com art. 192, Lei n. 11.101/05), manifesta direção normativa claramente antitética à tradicional do Direito brasileiro, no que tange à hierarquia de direitos e créditos cotejados no concurso falimentar.”

Em sentido contrário, André de Melo Ribeiro posiciona-se a favor da orientação adotada pela Lei nº 11.101/2005, destacando que a Convenção nº 95 da Organização Internacional do Trabalho autoriza a lei nacional a limitar o privilégio do crédito trabalhista a determinado valor. A nova Lei de Falências e Recuperação Judicial “[...] consolida no ordenamento jurídico brasileiro – no entender do autor

28 – a

orientação axiológica pela manutenção e recuperação das unidades produtivas viáveis, enquanto núcleo de um feixe de interesses sociais.” Essa orientação o autor reputa amparada nos valores eleitos pelo legislador constitucional relacionados à valorização do trabalho e da livre iniciativa, bem como na função social da propriedade e na busca do pleno emprego. Para o jurista, o legislador definiu a recuperação da atividade econômica como o objetivo precípuo:

“Tal objetivo busca preservar a empresa – enquanto atividade econômica – por reconhecê-la como núcleo de um feixe de interesses sociais, mais amplo do que aquele composto pelos interesses patrimoniais individuais dos credores (resguardado o limite do crédito privilegiado dos credores trabalhistas), da Fazenda ou do empresário.” Na fundada crítica do tributarista João Damasceno Borges de Miranda à nova diretriz adotada pela Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), de privilegiar, na falência, os créditos dotados de garantia real em detrimento do crédito fiscal, o autor conclui que “jamais se poderia deferir privilégio aos credores financeiros com garantia real, pois os mesmos estão alocados no ramo do Direito Privado e devem ser tratados com as regras próprias”. A consistência da fundamentação adotada pelo autor para chegar à referida conclusão justifica – note-se que se trata de jurista do campo do direito tributário – a reprodução do argumento cuja extração sistemática implícita é revelada pela ponderação do privilégio do crédito trabalhista

29:

“Pacífico o entendimento quanto à prevalência do crédito trabalhista por se tratar de crédito social com natureza alimentar e ser, reconhecidamente, a contraprestação pelo esforço físico posto em função da riqueza de outrem. D’outra banda, o crédito tributário diz respeito ao interesse público e coletivo, de interesse geral da sociedade, e, sendo assim, conforme a previsão principiológica constitucional, este tem prevalência sobre os interesses privados.”

O argumento do jurista faz evocar o acórdão do STJ anteriormente referido, porquanto à natureza alimentar do crédito trabalhista destacada por João Damasceno Borges de Miranda corresponde a identificação pretoriana – estamos a examinar jurisprudência cível – do crédito trabalhista na qualidade

27

Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo: LTr, 2011. pp. 793-5; sem itálico no original.

28 “O novo eixo axiológico de interpretação do fenômeno da empresa e a modulação necessária entre o direito do trabalho e o

direito concursal após a Lei n. 11.101/2005”. In Direito do Trabalho e Direito Empresarial sob o enfoque dos direitos fundamentais. Gustavo Filipe Barbosa Garcia e Rúbia Zanotelli de Alvarenga (org.). São Paulo: LTr, 2015. p. 166.

29 Comentários ao Código Tributário Nacional. Marcelo Magalhães Peixoto, Rodrigo Santos Masset Lacombe (coordenadores).

São Paulo: Magalhães Peixoto Editora Ltda., 2005. p. 1319.

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de crédito necessarium vitae (STJ. 1ª Turma. Recurso Especial nº 442.325. Relator Min. Luiz Fux. DJU 25.11.2002, p. 207). Além disso, o argumento do tributarista tem o mérito de colocar em destaque relevante componente hermenêutico de feição socioeconômica, ao sublinhar a circunstância de que o crédito trabalhista é consequência da exploração econômica do trabalho humano e do inadimplemento da devida contraprestação ao trabalhador – a contraprestação pelo esforço físico posto em função da riqueza de outrem, na feliz síntese do tributarista.

Com efeito, o crédito trabalhista tem natureza jusfundamental (CF, art. 7º) e constitui-se como expressão objetiva de inadimplemento à contraprestação devida ao trabalhador pelo tomador dos serviços, trabalho esse cuja prestação incorpora-se ao patrimônio do tomador de serviços na condição de riqueza apropriada sob a forma de mais-valia. É o fato objetivo de que essa apropriação faz-se inexorável na relação de produção capitalista que conduz a consciência jurídica a sobrevalorizar o crédito trabalhista na disputa com outras espécies de créditos, reconhecendo-lhe posição de superprivilégio indispensável à concretização do valor da dignidade da pessoa humana que vive do trabalho. É nesse ambiente axiológico que se contextualiza o desafio hermenêutico de compatibilizar os arts. 29 da Lei nº 6.830/80 e 186 do CTN sob a condução do postulado da unidade do sistema jurídico.

4. HERMENÊUTICA E MÉTODO SISTEMÁTICO DE INTERPRETAÇÃO: DO POSTULADO DA

UNIDADE DO SISTEMA JURÍDICO À COMPATIBILIZAÇÃO DOS ARTS. 29 DA LEI Nº 6.830/80 E 186

DO CTN

A hermenêutica jurídica é a ciência da interpretação das leis. Para cumprir o objetivo de definir o alcance dos preceitos legais, estuda os diversos métodos de interpretação da lei e as respectivas interações. O método sistemático disputa – a observação é de Luís Roberto Barroso - com o teleológico a primazia no processo interpretativo.

30 Se o método teleológico de interpretação orienta-se à finalidade

da norma jurídica interpretada, o método sistemático de interpretação funda-se na ideia de que o ordenamento jurídico constitui um “sistema de preceitos coordenados ou subordinados, que convivem harmonicamente”.

31

Conformando uma estrutura orgânica que pressupõe ordem e unidade, esse organismo jurídico unitário relaciona suas partes ao todo, de tal modo que o dispositivo legal interpretado o seja em harmonia com o contexto normativo no qual está compreendido. O postulado da unidade do ordenamento normativo enquanto sistema é conformado pela lógica da não contradição: as partes são interpretadas em harmonia com o seu conjunto, superando-se eventuais contradições por uma interpretação preordenada a reconduzir o dispositivo interpretado à unidade do sistema e de sua autopoiética coerência interna.

O fato de o art. 29 da Lei de Executivos Fiscais estabelecer que o crédito fiscal não está sujeito a concurso de credores e não se submete à habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento

32 acabou dando ensejo a interpretações no sentido de que, nada obstante o privilégio

assegurado ao crédito trabalhista sobre o crédito fiscal no art. 186 do CTN, o crédito tributário poderia ser satisfeito no juízo fiscal de forma definitiva, inclusive sem observância ao pagamento prioritário devido ao crédito trabalhista em decorrência do privilégio legal previsto na precitada regra do Código Tributário Nacional.

30

Interpretação e aplicação da Constituição. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 140.

31 Idem, ibidem.

32 A previsão do art. 187 do CTN é semelhante à previsão do art. 29 da Lei nº 6.830/80.

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Humberto Theodoro Júnior relata, no particular, que, diante dos termos exageradamente amplos do art. 29 da Lei nº 6.830/80, entendeu Ricardo Mariz de Oliveira

33 que até as garantias legais de

preferência dos créditos trabalhistas teriam sido preteridas pelo preceito da Lei de Executivos Fiscais, com o abandono da sistemática do próprio Código Tributário Nacional (art. 186). Contudo, o processualista mineiro demonstra o equívoco da interpretação postulada por Ricardo Mariz de Oliveira, ao esclarecer que o art. 29 da Lei de Execução Fiscal quis apenas excluir a Fazenda Pública da participação nos juízos universais como o da falência e o do concurso civil de credores. Entretanto, não entrou em linha de cogitação alterar privilégios instituídos pelas leis de direito material em vigor. Isso porque – pondera Humberto Theodoro Júnior – não seria razoável que, em questão de direito material como essa, pudesse ocorrer revogação de uma lei complementar, como é o Código Tributário Nacional, por uma simples lei ordinária

34, como é a Lei nº 6.830/80.

A interpretação postulada por Ricardo Mariz de Oliveira somente pode ser compreendida como fruto de uma concepção não sistemática do ordenamento jurídico, interpretação que incorre no equívoco de tomar isoladamente o preceito do art. 29 da LEF quando deveria considerá-lo – o método sistemático de interpretação visa a preservar a unidade do ordenamento normativo – no contexto dos demais diplomas legais correlatos, especialmente o Código Tributário Nacional, sob pena de perder de vista o fato de que esse “[...] diploma legal predica a prevalência dos créditos trabalhistas sobre os créditos fiscais”, conforme preleciona João Damasceno Borges de Miranda diante da correlata antinomia também sugerida pela primeira leitura do art. 187 do CTN

35.

A interpretação de uma norma isolada do contexto no qual está compreendida pode conduzir o intérprete a equívoco, como geralmente acontece quando se despreza o elemento contextual na interpretação da lei. Isso ocorre porque “[...] a interpretação de uma norma – a observação é do tributarista Hugo de Brito Machado

36 – não deve ser feita fora do contexto em que se encarta, mas tendo-

se em consideração outras normas com as quais se deve harmonizar”. Por vezes identificada como a mais racional e científica, à interpretação sistemática importa a coerência interna do ordenamento jurídico, conforme revela a didática lição de Luís Roberto Barroso

37 sobre a interpretação da

Constituição: “Mesmo as regras que regem situações específicas, particulares, devem ser interpretadas de forma que não se choquem com o plano geral da Carta”.

A precisão da interpretação sistemática sustentada por Humberto Theodoro Júnior acerca do art. 29 da Lei de Executivos Fiscais pode ser aferida tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Na doutrina, essa aferição é obtida nos comentários de Anderson Soares Madeira acerca da relação de coordenação com que o art. 186 do CTN conforma a interpretação do art. 29 da Lei nº 6.830/80. Ao comentar a interpretação dada ao art. 29 da Lei nº 6.830/80 pelos tribunais, o autor observa que a “jurisprudência se quedou a entender que não poderia o fisco se sobrepor à preferência dos credores protegidos pela

33

“Dívida Ativa da Fazenda Pública”. RT Informa, 261:5.

34 Lei de execução fiscal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 179.

35 Comentários ao Código Tributário Nacional. Marcelo Magalhães Peixoto, Rodrigo Santos Masset Lacombe (coordenadores).

São Paulo: Magalhães Peixoto Editora Ltda., 2005. p. 1315.

36 Comentários ao Código Tributário Nacional. 2 ed. v. III, São Paulo: Atlas, 2009. p. 676.

37 Interpretação e aplicação da Constituição. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 141-2. O autor informa que devemos a Pietro

Merola Chiercia o mais amplo estudo sobre interpretação sistemática do direito constitucional, destacando que o jurista italiano atribui à interpretação sistemática uma posição de “prioridade lógica com respeito a outros critérios interpretativos” (L’interpretazione sistemática della Constituzione, Padova: CEDAM, 1978. p. 243 e s.).

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legislação trabalhista”. A acertada observação de Anderson Soares Madeira decorre da supremacia da legislação complementar sobre a legislação ordinária. O autor contextualiza o dispositivo do art. 29 da LEF no âmbito do sistema dos executivos fiscais, identificando na supremacia do Código Tributário Nacional o consagrado critério hermenêutico que orienta a subordinar a lei ordinária (Lei nº 6.830/80 - LEF, art. 29) à lei complementar (Lei nº 5.174/66 - CTN, art. 186). Na harmonização dos preceitos legais em cotejo, a interpretação sistemática conduz o autor à consideração de que, “[...] sendo a Lei de Execução Fiscal lei ordinária, esta não poderia se sobrepor à lei complementar, como assim foi recepcionado pela Constituição Federal, o CTN, que em seu art. 186 prevê a ressalva de preferência da legislação do trabalho”

38.

Na jurisprudência, o acerto da interpretação sistemática com a qual Humberto Theodoro Júnior harmoniza os arts. 29 da LEF e 186 do CTN pode ser apurado no julgamento do Recurso Especial nº 188.148-RS realizado pela Corte Especial do STJ. A síntese do julgamento da Corte Especial do STJ é a de que os créditos fiscais não estão sujeitos à habilitação, mas se submetem à classificação, para disputa de preferência com os créditos trabalhistas. Eis a ementa do acórdão:

“PROCESSUAL – EXECUÇÃO FISCAL – MASSA FALIDA – BENS PENHORADOS – DINHEIRO OBTIDO COM A ARREMATAÇÃO – ENTREGA AO JUÍZO UNIVERSAL – CREDORES PRIVILEGIADOS. I - A decretação da falência não paralisa o processo de execução fiscal, nem desconstitui a penhora. A execução continuará a se desenvolver, até à alienação dos bens penhorados. II – Os créditos fiscais não estão sujeitos a habilitação no juízo falimentar, mas não se livram de classificação, para disputa de preferência com créditos trabalhistas (DL 7.661/45, art. 126). III – Na execução fiscal contra falido, o dinheiro resultante da alienação de bens penhorados deve ser entregue ao juízo da falência, para que se incorpore ao monte e seja distribuído, observadas as preferências e as forças da massa.” (STJ. Corte Especial. Recurso Especial nº 188.148-RS. Relator Min. Humberto Gomes de Barros. DJU 27.05.2002, p. 121 – sem grifo no original).

As considerações da tributarista Valéria Gutjahr sobre precitado acórdão da Corte Especial do STJ revelam-se didáticas à compreensão da matéria. Tais considerações estão situadas nos comentários da autora aos arts. 186 e 187 do CTN. Observa a jurista que, na falência, o produto arrecadado com a alienação de bens deve ser entregue ao juízo falimentar, para que este faça a posterior distribuição dos respectivos valores conforme a classificação dos créditos em disputa.

Nesse julgamento da Corte Especial do STJ – prossegue Valéria Gutjahr – consolidou-se o entendimento que reconhece a independência da processualística do executivo fiscal. Contudo, essa independência procedimental da Lei de Executivos Fiscais não assegura a imediata satisfação do crédito tributário quando houver credores preferenciais – e esse é o caso dos credores trabalhistas, por força do art. 186 do CTN. Vale dizer, observam-se as normas procedimentais da Lei de Executivos Fiscais, o que significa excluir o crédito fiscal de habilitação; mas à distribuição do valor apurado aplicam-se as normas de direito material (CC, arts. 957, 958 e 961) que classificam os créditos em disputa e observam-se os respectivos privilégios legais (CTN, art. 186) ao estabelecer a ordem de prioridade a ser observada no pagamento dos credores concorrentes. Preleciona a jurista

39:

“Em outras palavras, trata-se do reconhecimento do princípio de que a lei especial (Lei de Execuções Fiscais) sobrepõe-se à geral (Lei de Falências) na aplicação do procedimento

38

Lei de Execuções Fiscais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 214.

39 Comentários ao Código Tributário Nacional. Marcelo Magalhães Peixoto, Rodrigo Santos Masset Lacombe (coordenadores).

São Paulo: Magalhães Peixoto Editora Ltda., 2005. p. 1337.

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por aquela instituído, passando-se, após, à observância das normas gerais aplicáveis ao processo falimentar e obedecendo-se, inclusive, o disposto no próprio Código Tributário Nacional (art. 186 e seu Parágrafo único).”

É de ver que a solução preconizada para a hipótese de falência do devedor também se aplica quando a disputa entre crédito fiscal e crédito trabalhista ocorre perante devedor solvente. “Haverá, então, um concurso de penhoras de natureza particular (e não um concurso universal) entre a Fazenda e o credor trabalhista, devendo aquela – na lição de Humberto Theodoro Júnior – respeitar a preferência legal deste no pagamento que se realizar com o produto do bem penhorado por ambos”

40. Também aqui

o comando do art. 186 do CTN protagoniza a interpretação sistemática do ordenamento jurídico em aplicação.

Nesse particular, cumpre observar que, ao protagonismo do comando do art. 186 do CTN na regência jurídica da classificação dos créditos, a interpretação sistemática do ordenamento normativo revela confluírem tanto o art. 30 da Lei de Executivos Fiscais quanto o art. 711 do Código de Processo Civil de 1973 (no CPC de 2015, trata-se do art. 908), preceitos que reconduzem o intérprete à diretriz superior de se fazer respeitar, na disputa entre credores, a primazia assegurada aos créditos dotados de privilégio legal pelo direito material (CC, arts. 957, 958 e 961).

Enquanto o art. 30 da LEF afirma que o devedor responde pelo pagamento da Dívida Ativa com a totalidade de seus bens, ressalvando contudo que a responsabilidade do devedor é apurada “sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei” (Lei nº 6.830/80, art. 30, parte final), colmatando a lacuna do art. 29 da LEF que teria induzido Ricardo Mariz de Oliveira ao equívoco apontado por Humberto Theodoro Júnior

41, o art. 711 do CPC de 1973 colmata a lacuna dos

arts. 612 e 613 do CPC de 1973 para esclarecer que o critério cronológico da anterioridade da penhora somente define a ordem de pagamento aos credores se não houver, entre eles, credores detentores de crédito dotado de privilégio legal: “Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora” (CPC de 1973, art. 711 – sem destaque no original). No CPC de 2015, o preceito do art. 908 corresponde ao art. 711 do CPC de 1973.

Se à compatibilização dos arts. 29 da LEF e 186 do CTN o método sistemático de interpretação faz prevalecer o postulado da unidade do sistema jurídico mediante o resgate de sua coerência interna sob a condução dirigente do comando superior do art. 186 do CTN, o desafio subsequente que a presente pesquisa propõe é responder se à execução trabalhista aplicam-se apenas os preceitos da Lei nº 6.830/80 ou se há um sistema legal de executivos fiscais a aplicar à execução trabalhista por força da previsão do art. 889 da CLT.

5. A APLICAÇÃO DO SISTEMA LEGAL DOS EXECUTIVOS FISCAIS À EXECUÇÃO

TRABALHISTA: À EFETIVIDADE DO DIREITO MATERIAL DO CREDOR TRABALHISTA

CORRESPONDE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 889 DA CLT

À primeira vista, pode parecer que a incidência subsidiária prevista no art. 889 da CLT estaria limitada a aplicarem-se à execução trabalhista apenas os dispositivos da Lei de Executivos Fiscais. A interpretação literal do art. 889 da CLT poderia conduzir a essa estrita compreensão do preceito.

40

Lei de execução fiscal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 180.

41 Ver notas de rodapé nº 35 e 36.

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Entretanto, mais do que aplicar à execução trabalhista apenas os dispositivos da Lei de Executivos Fiscais, a necessidade de potencializar o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (CF, art. 5º, XXXV) tem fomentado interpretação extensiva do comando do art. 889 da CLT, na perspectiva de se compreender que todo o sistema dos executivos fiscais seria aplicável à execução trabalhista

42.

Se pode ser controvertida a proposta de conferir interpretação extensiva ao art. 889 da CLT, parece razoável considerar que da teoria jurídica recolhe-se o reconhecimento implícito de que os executivos fiscais constituem um sistema. Se a própria natureza sistêmica ínsita ao ordenamento jurídico em geral é indicativo teórico de que também os executivos fiscais em particular podem ser compreendidos enquanto sistema, uma percepção ainda mais clara de que se estaria a tratar de um sistema de execução fiscal pode ser haurida da relação de coordenação e complementaridade existente entre os diplomas legais incidentes na matéria, como ressalta Humberto Theodoro Júnior nas sucessivas edições da obra Lei de execução fiscal.

Já na introdução a essa obra, o jurista mineiro adota a precaução científica de sublinhar o fato de que seus comentários à Lei nº 6.830/80 não poderiam ser desenvolvidos sem o necessário recurso aos preceitos do Código Tributário Nacional correlatos à execução fiscal, deixando implícita a consideração de que os executivos fiscais, por conformarem-se à interpretação imposta pelo CTN, constituiriam um verdadeiro sistema. Essa implícita consideração parece decorrer da mencionada advertência com a qual o autor inaugura seus comentários

43:

“Também, os dispositivos do Código Tributário Nacional serão colocados em confronto com o texto da nova Lei, sempre que se fizer aconselhável para a melhor interpretação das regras que comandam o processo da execução judicial da Dívida Ativa.”

O fato de a Exposição de Motivos nº 223 da Lei nº 6.830/80 fazer remissão ao Código Tributário Nacional diversas vezes também sugere a relação de coordenação e de complementaridade com qual o CTN conforma a Lei de Executivos Fiscais, a indicar a conformação de um verdadeiro sistema de executivos fiscais, complementado pela aplicação subsidiária do CPC (Lei nº 6.830/80, art. 1º), sistema esse que encontra na sua compatibilidade com a Constituição Federal o fundamento de sua validade na ordem jurídica nacional.

No âmbito da teoria jurídica do processo do trabalho, a doutrina Luciano Athayde Chaves também parece sugerir a existência desse sistema de execução fiscal, na medida em que o processualista sustenta, com fundamento na interpretação sistemática do art. 186 do Código Tributário Nacional ao processo do trabalho, a aplicação da medida legal de indisponibilidade de bens prevista no art. 185-A do CTN à execução trabalhista

44. Em outras palavras, ao sustentar a aplicação subsidiária de providência

42

Sem prejuízo da aplicação subsidiária do CPC quando mais apta a fazer realizar a efetividade da execução prometida tanto na legislação ordinária (CLT, art. 765) quanto na legislação constitucional (CF, art. 5º, XXXV). Essa assertiva não é inovadora. A jurisprudência já atua no sentido de sobrepor algumas regras processuais comuns às trabalhistas sempre que aquelas se mostrarem mais efetivas, no escopo de fazer justiça, à moda do Tribunal Constitucional da Espanha, que enunciou o dever dos juízes de promover e colaborar ativamente para a realização da efetividade da tutela jurisdicional. Esse dever, segundo a corte espanhola, é um dever jurídico-constitucional, uma vez que os juízes e tribunais têm a “obrigação de proteção eficaz do direito fundamental” (Francisco Chamorro Bernal. La Tutela Judicial Efectiva – Derechos y garantias procesales derivados del artículo 24.1 de La Constitución. Barcelona: Bosch, 1994. p. 329).

43 Lei de execução fiscal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 3; sem grifo no original.

44 “Ferramentas eletrônicas na execução trabalhista”. Curso de processo do trabalho. Luciano Athayde Chaves (org.). São Paulo:

LTr, 2009. p. 968.

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legal não prevista na Lei nº 6.830/90 – a respectiva previsão legal consta do Código Tributário Nacional45

– à execução trabalhista com suporte jurídico no art. 186 do CTN, o jurista parece estar a reconhecer implicitamente a existência desse sistema de executivos fiscais, cuja incidência subsidiária ao processo do trabalho alicerça-se no solo hermenêutico em que se conformará então a necessidade de conferir interpretação extensiva à norma do art. 889 da CLT, na perspectiva da promoção da efetividade da jurisdição trabalhista (CF, art. 5º, XXXV; CLT, art. 765).

A jurisprudência trabalhista tem reconhecido a juridicidade da aplicação da medida legal de indisponibilidade de bens capitulada no art. 185-A do CTN ao processo do trabalho, autorizando o entendimento de que, mais do que apenas os preceitos da Lei nº 6.830/80, também preceitos do CTN correlatos à execução fiscal aplicam-se à execução trabalhista, o que parece corroborar a ideia de que há mesmo um sistema de executivos fiscais e que é todo esse sistema que ingressa no âmbito da execução trabalhista pelas portas abertas pelo permissivo do art. 889 da CLT. A seguinte ementa é ilustrativa dessa perspectiva de interpretação extensiva:

“CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO REGULAR DA EXECUÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 185-A DO CTN. A ausência de bens em nome do executado constitui justamente o pressuposto para a determinação de indisponibilidade de bens, nos termos do disposto no caput do novel art. 185-A do Código Tributário Nacional. Trata-se, enfim, de medida a ser tomada na hipótese de impossibilidade de prosseguimento regular da execução, servindo como garantia de que bens futuros possam ser objeto de apreensão judicial. Isto é o que, aliás, está preceituado, há muito tempo, no art. 591 do CPC, que registra que ‘o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.’ O art. 646 do mesmo Diploma de Lei respalda este entendimento, na medida em que fixa que ‘a execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor (art. 591).’ Veja-se, com isto, que, mais que se discutir sobre a perspectiva da moralidade – dar efetividade à jurisdição conferida à parte – tem-se uma questão de interpretação literal do texto de lei, não sendo demais praticar atos expropriatórios contra quem se nega, mesmo que seja forçado, a cumprir o que lhe foi determinado por sentença. A expropriação não se traduz em ato brutal contra o devedor e, muito menos, a decretação de indisponibilidade dos seus bens futuros, já que, quanto a estes, não há, nem mesmo, a suposição de que são essenciais à sobrevivência, não fazendo parte do que é esperado pelo devedor, diariamente. Cumpre ressaltar que o Direito Processual Moderno – especialmente, o do Trabalho – admite este tipo de procedimento. O juiz tem de buscar os bens do devedor e a efetividade da justiça, que deve ser buscada.” (TRT3 (MG) - AP-00264-1995-038-03-00-0, Terceira Turma, Rel. Milton Vasques Thibau de Almeida, data de publicação: 05/08/2006, DJMG).

Parece razoável concluir, portanto, que os executivos fiscais constituem propriamente um sistema

46, conformado pela Lei de Executivos Fiscais (Lei nº 6.830/80), pelo Código Tributário Nacional

45

Atualmente, a medida legal de indisponibilidade de bens pode ser ordenada pelo magistrado mediante comando eletrônico por meio da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, providência que representa considerável aporte à efetividade da execução, na medida em que atinge bens imóveis registrados em nome do executado em todo o território nacional. O comando de indisponibilidade é realizado mediante informação do CNPJ/CPF do executado. Para mais informações, consultar o Provimento CNJ nº 39/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) e o site http://www.indisponibilidade.org.br.

46 Francisco Antonio de Oliveira sugere essa ideia de sistema quando, ao afirmar que a indisponibilidade de bens prevista no §

1º do art. 53 da Lei nº 8.212/91 não exclui os respectivos bens da execução trabalhista, sustenta que esse preceito da Lei de Custeio da Previdência Social deve ser interpretado “[...] em consonância com o art. 100 da CF, o art. 29 da Lei 6.830/80 (LEF) e os arts. 186 e 187 do CTN, os quais informam sobre a execução trabalhista (art. 889, da CLT)”. (Cf. Execução na Justiça do Trabalho, 6 ed. São Paulo: RT, 2008. p. 196 – sem grifo no original).

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(Lei nº 5.172/66), pelo CPC de aplicação subsidiária à LEF (Lei nº 6.830/80, art. 1º) e pela Constituição Federal, essa última a conferir validade a todo o sistema de executivos fiscais.

Assimilada a ideia de que os executivos fiscais constituem verdadeiramente um sistema, é razoável concluir então que esse sistema – e não apenas os preceitos da Lei nº 6.830/80 – se aplica subsidiariamente à execução trabalhista, por força da previsão do art. 889 da CLT em interpretação extensiva

47. Essa conclusão acaba por colocar a relevante questão de saber se, na omissão da

Consolidação das Leis do Trabalho sobre a matéria de fraude à execução (CLT, arts. 769 e 889), aplicar-se-ia ao processo do trabalho o regime jurídico especial da fraude à execução fiscal previsto no art. 185 do CTN

48.

6. A JURISPRUDÊNCIA DO STJ ACERCA DA APLICAÇÃO DA SÚMULA 375: FRAUDE À

EXECUÇÃO FISCAL X FRAUDE À EXECUÇÃO CIVIL. A QUESTÃO DA APLICAÇÃO DO REGIME

JURÍDICO ESPECIAL DA FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL PREVISTO NO ART. 185 DO CTN À

EXECUÇÃO TRABALHISTA

Em 30-03-2009, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 375, fixando importante diretriz acerca do instituto da fraude à execução, com o seguinte enunciado: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente.”

A diretriz da Súmula 375 do STJ é controvertida, na medida em que tutela a posição jurídica do terceiro de boa-fé à custa da posição jurídica do credor-exequente, estimulando – involuntariamente, é certo – indireta desconstituição do princípio da responsabilidade patrimonial do executado (CPC de 1973, art. 591; CPC de 2015, art. 789). Com isso, estimula o executado à prática da fraude patrimonial, em conduta de autotutela. Conforme foi observado por Manoel Antonio Teixeira Filho em análise crítica à Súmula 375 do STJ, “a orientação jurisprudencial cristalizada nessa Súmula estimula as velhacadas do devedor ao tornar mais difícil a configuração do ilícito processual da fraude à execução”

49.

Deveras, consoante já foi ponderado alhures, ao executado, em face dos termos da S-375-STJ, certamente ocorrerá alienar seus bens antes do registro da penhora. Fará isso intuitivamente para não perder seus bens; alienará seus bens e desviará o dinheiro apurado. Como o terceiro adquirente terá êxito nos embargos de terceiro em face da aplicação da diretriz da Súmula 375 do STJ, o executado safar-se-á ileso, sem ter que assumir perante o terceiro adquirente a responsabilidade regressiva que decorreria da declaração de ineficácia jurídica da alienação realizada em prejuízo ao credor. A experiência ordinária fartamente revela essa conduta de autotutela dos executados em geral e não apenas dos devedores contumazes, uma vez que desviar imóveis e veículos é muito mais difícil do que

47

De acordo com o ensinamento de Luís Roberto Barroso, a interpretação extensiva tem cabimento diante de situação em que o legislador disse menos, quando queria dizer mais. Nesse caso, a correção da imprecisão linguística do dispositivo legal ocorre então mediante a adoção de “[...] uma interpretação extensiva, com o alargamento do sentido da lei, pois este ultrapassa a expressão literal da norma (Lex minus scripsit quam voluit).” (Cf. Interpretação e aplicação da Constituição. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 125)

48 Observadas as adaptações necessárias. Entre elas, a distinta definição do marco temporal a partir do qual se configura a

fraude à execução trabalhista. O que é objeto do item 8 do presente estudo.

49 Execução no processo do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 19. O autor sustenta a incompatibilidade da S-375-STJ com

o processo do trabalho, ponderando ser da tradição jurídica considerar-se que a fraude à execução caracteriza-se pelos fatos objetivos da alienação do bem e da consequente insolvência do devedor, com presunção de má-fé do devedor. Na sequência, argumenta que o art. 593 do CPC não exige o registro da penhora ou má-fé do terceiro adquirente para a configuração de fraude à execução; e recusa se transferir ao credor o ônus da prova quanto à existência de má-fé do terceiro adquirente, por ser ônus probatório de difícil atendimento.

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desviar o dinheiro apurado com a alienação particular dos bens50

. Não há exagero quando Manoel Antonio Teixeira Filho perscruta na S-375-STJ estímulo à desonestidade do devedor.

Até o advento do Recurso Especial nº 1.141.990-PR, julgado pela 1ª Seção, tendo como Relator o Min. Luiz Fux, DJe 19-11-2010, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça oscilava na aplicação da Súmula 375 do STJ à execução fiscal.

No julgamento do referido recurso, realizado sob o rito do regime dos recursos repetitivos representativos de controvérsia (CPC de 1973, art. 543-C)

51, o Superior Tribunal de Justiça definiu a sua

jurisprudência acerca da aplicabilidade da Súmula 375 do STJ na hipótese de fraude à execução, estabelecendo posicionamento distinto conforme a modalidade de fraude à execução caracterizada no caso concreto, a partir de distinção estabelecida entre fraude à execução fiscal e fraude à execução civil, nos seguintes termos:

a) inaplicabilidade da Súmula 375 do STJ à execução fiscal; b) aplicabilidade da Súmula 375 do STJ à execução civil.

No item 5 da ementa do acórdão proferido no julgamento do referido REsp nº 1.141.990-PR, revelou-se a distinção de tratamento conferido à fraude à execução fiscal, na comparação com a fraude à execução civil, na diferença de qualidade do interesse jurídico tutelado em cada uma das modalidades de fraude:

“5. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento de tributos serve à satisfação das necessidades coletivas.”

A distinção estabelecida pelo STJ partiu da premissa de que na fraude à execução fiscal há afronta a interesse público, que justifica sujeitá-la ao regime jurídico especial do art. 185 do CTN

52, sendo

irrelevante, então, a boa-fé do terceiro adquirente. Daí a conclusão de ser inaplicável a S-375-STJ à execução fiscal. Nesse caso, subsistirá a penhora do bem alienado e eventuais embargos do terceiro adquirente serão rejeitados, prosseguindo-se a execução fiscal com o leilão do bem e o pagamento do credor tributário.

Já no caso de fraude à execução civil, em que a execução se sujeita ao regime jurídico geral do art. 593, II, do CPC de 1973

53, o STJ considerou existente afronta a interesse privado, fundamento pelo

qual concluiu não haver presunção absoluta de fraude, situação em que a boa-fé do terceiro adquirente descaracteriza o ilícito. Daí a conclusão de ser aplicável a S-375-STJ à execução civil. Nesse caso, não subsistirá a penhora do bem alienado e eventuais embargos do terceiro adquirente serão acolhidos, com livramento do bem constrito.

50

Ricardo Fioreze e Ben-Hur Silveira Claus. “Execução efetiva: A aplicação da averbação premonitória do art. 615-A do CPC ao processo do trabalho, de ofício”. In Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS Editora, nº 366. Jun/2014, p. 8, nota 37.

51 STJ-REsp nº 1.141.990-PR, 1ª Seção, Relator Min. Luiz Fux, DJe 19-11-2010.

52 No item 1 da ementa, o STJ começa por afirmar que a lei especial prevalece sobre a lei geral, numa referência à prevalência

do regime jurídico especial do art. 185 do CTN sobre regime jurídico geral do art. 593, II, do CPC, no que respeita à regência jurídica da fraude à execução.

53 No CPC de 2015, o regime geral de fraude à execução está previsto no art. 792, IV.

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Pode-se argumentar que a parte final S-375-STJ abre à possibilidade de que a penhora venha a subsistir e de que os embargos de terceiros venham a ser rejeitados caso o credor prejudicado logre comprovar que o terceiro adquirente tinha conhecimento da existência da demanda quando da aquisição do bem do executado.

54 De fato, a parte final da súmula – “[...] ou da prova da má-fé do terceiro

adquirente” – opera como uma espécie de válvula de escape à restrição que a S-375-STJ impõe à esfera jurídica do credor-exequente civil. Entretanto, o ônus da prova ali atribuído ao credor-exequente é de tão difícil atendimento que, se não evoca a figura da chamada prova diabólica, remete o intérprete a perguntar-se sobre a razoabilidade da atribuição desse ônus de prova ao credor em sistema processual que reputa nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito (CPC de 1973, art. 333, parágrafo único, II; CPC de 2015, art. 373, § 3º, II).

Daí a importância – no combate à fraude de execução – do resgate do instituto da hipoteca judiciária, mediante subsidiária aplicação de ofício dessa medida legal pelo juiz do trabalho na sentença

55, orientação assumida por Manoel Antonio Teixeira Filho na 11ª edição de sua obra clássica

Execução no processo do trabalho, a primeira edição posterior ao advento da Súmula 375 do STJ56

. Conforme interpretação extensiva do instituto, a hipoteca judiciária poderá recair inclusive sobre bens móveis

57. Também de ofício, o magistrado poderá se utilizar de outras duas medidas legais correlatas

que ingressam subsidiariamente no processo do trabalho pelas portas que lhes abrem os arts. 769 e 889 da CLT:

a) fazer registrar averbação premonitória da existência de ação trabalhista contra o demandado nos órgãos de registro de propriedade de bens (CPC de 1973, art. 615-A; CPC de 2015, art. 828)

58;

b) fazer registrar ordem de indisponibilidade de bens do executado nos órgãos de registro de propriedade de bens (CTN, art. 185-A)

59.

A orientação adotada no julgamento realizado sob o rito do regime dos recursos repetitivos representativos de controvérsia no REsp nº 1.141.990-PR uniformizou a jurisprudência do STJ na matéria, conforme exemplificam os julgamentos posteriores realizados nos seguintes processos: AgRg

54

Na inteligência S-375-STJ, reputa-se verificada a má-fé do terceiro adquirente quando comprovado que esse tinha ciência da existência da demanda contra o executado à época da aquisição do bem.

55 Ben-Hur Silveira Claus. “Hipoteca judiciária: a (re)descoberta do instituto diante da Súmula 375 do STJ – Execução efetiva e

atualidade da hipoteca judiciária”. In Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª. Região, nº 41, 2013, Porto Alegre: HS Editora, p. 45-60.

56 Execução no processo do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 201/2: “Considerando que o nosso entendimento quanto à

inaplicabilidade da Súmula n. 375, do STJ, ao processo do trabalho possa não vir a ser aceito, seria o caso de valorizar-se a hipoteca judiciária de que o trata o art. 466, do CPC”.

57 Aline Veiga Borges e Ben-Hur Silveira Claus. “Hipoteca judiciária sobre bens não elencados no art. 1.473 do Código Civil – A

efetividade da jurisdição como horizonte hermenêutico”. In Suplemento Trabalhista. São Paulo: LTr, nº 059/2014, p. 267-72.

58 Ricardo Fioreze e Ben-Hur Silveira Claus. “Execução efetiva: A aplicação da averbação premonitória do art. 615-A do CPC ao

processo do trabalho, de ofício”. In Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS Editora, nº 366. Jun/2014, pp. 7-29.

59 Ben-Hur Silveira Claus. “A aplicação da medida legal de indisponibilidade de bens prevista no art. 185-A do CTN à execução

trabalhista – Uma boa prática a serviço do resgate da responsabilidade patrimonial futura”. In Revista do TRT da 8ª Região, nº 92, 2014, p. 111-18.

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no REsp nº 241.691-PE, Relator Min. Humberto Martins, 2ª Turma, publicado em 04-12-2012; REsp nº 1.347.022-PE, Relator Min. Castro Meira, 2ª Turma, publicado em 10-04-2013; AgRg no REsp nº 289.499-DF, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, publicado em 24-04-2013; AgRg no REsp nº 212.974-AL, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, publicado em 29-11-2013. Essa orientação consolidou-se em definitivo, na medida em que o Supremo Tribunal Federal nega seguimento ao respectivo recurso extraordinário: o exame da matéria de fraude à execução implicaria análise de legislação infraconstitucional (CPC e CTN)

60, não se configurando nessa matéria a contrariedade à

Constituição que o art. 102, III, a, da CF estabelece como pressuposto ao conhecimento de recurso extraordinário (STF - AI nº 712245-RS, Relatora Min. Ellen Gracie, publicado em 27-03-2010; STF – ARE nº 793809-PE, Relator Min. Roberto Barroso, publicado em 05-09-2014).

Analisada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca da aplicabilidade da Súmula 375 e a distinção estabelecida entre fraude à execução fiscal e fraude à execução civil, cumpre saber se é aplicável ao processo do trabalho o regime jurídico especial da fraude à execução fiscal previsto no art. 185 do CTN.

É positiva nossa resposta, tendo por fundamento a aplicação analógica61

da orientação jurisprudencial adotada no precitado acórdão STJ–REsp nº 1.141.990-PR. Concorre, ainda, para tal aplicação analógica a inflexão da interpretação sistemática do art. 186 do CTN que se impõe ao intérprete nesse tema, submetido que está ao cânone hermenêutico da lógica da não contradição com o qual o método sistemático de interpretação – à delicadeza de sua “prioridade lógica com respeito a outros critérios interpretativos” (Pietro Merola Chiercia)

62 – se impõe à racionalidade jurídica.

A recusa a essa conclusão significaria dar ao crédito tributário tutela jurídica superior àquela assegurada ao crédito trabalhista. Com efeito, recusar essa conclusão importaria indireta – mas inequívoca – preterição do crédito trabalhista pelo crédito tributário, em contradição lógico-sistemática à previsão do art. 186 do Código Tributário Nacional, preceito de direito material cujo comando acabaria por ser obliquamente violado. A preterição do crédito trabalhista pelo crédito tributário expressar-se-ia no grau inferior de tutela jurídica que então seria atribuído ao crédito trabalhista por força de seu enquadramento no regime jurídico geral de fraude à execução previsto no art. 593, II, do CPC de 1973 (CPC de 2015, art. 792, IV), regime jurídico no qual a jurisprudência do STJ exclui a presunção absoluta de fraude, submetendo o credor civil à restritiva diretriz da Súmula 375 do STJ.

A questão faz lembrar a doutrina de Francisco Antonio de Oliveira acerca de dois problemas jurídicos correlatos cuja solução o jurista constrói pela sistemática administração do mesmo preceito legal. O primeiro problema jurídico é saber se lícito ao credor hipotecário obter a adjudicação de bem quando concorre com credor trabalhista. Na solução desse problema jurídico, é o art. 186 do CTN que o jurista invoca para fundamentar o entendimento de que não é dado ao credor hipotecário obter a adjudicação quando há disputa com credor trabalhista

63. Ao recusar juridicidade à pretensão do credor

60

Cf. Júlio César Bebber. Recursos no processo do trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 344.

61 Ovídio Baptista da Silva, assíduo leitor de Karl Engisch e Arthur Kaufmann, rompe os grilhões que negam aos juristas o

recurso à analogia: “Ao socorrer-nos, na exposição precedente, das lições dos grandes filósofos do Direito contemporâneo, tivemos a intenção de mostrar que, como diz Kaufmann, a analogia não deve ser utilizada apenas como um instrumento auxiliar, de que o intérprete possa lançar mão, para a eliminação das lacunas. Ao contrário, o raciocínio jurídico será sempre analógico, por isso que as hipóteses singulares nunca serão entre si idênticas, mas apenas ‘afins na essência’.” (Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 285).

62 L’interpretazione sistemática della Constituzione. Padova: CEDAM, 1978. p. 243 e s.

63 Na verdade, quando há disputa com credor dotado de privilégio superior ao credor hipotecário.

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hipotecário, Francisco Antonio de Oliveira obtempera “[...] que a tanto se opõe a preferência do crédito trabalhista (art. 186, CTN)”, explicitando sua conclusão nestes termos:

“A permissão legal (art. 1.483, parágrafo único) somente terá lugar em se cuidando de execução que não envolva créditos preferenciais (acidentário – art. 83, I, Lei 11.101/2005 (LF) -, trabalhista e executivos fiscais), pena de frustrar-se a execução”

64.

O segundo problema consiste em definir o alcance da medida legal de indisponibilidade de bens prevista na Lei de Custeio da Previdência Social perante o credor trabalhista. Quando afirma que os bens declarados indisponíveis pelo § 1º do art. 53 da Lei nº 8.212/91 não estão excluídos da execução trabalhista, a doutrina de Francisco Antonio de Oliveira está fundada no método sistemático de interpretação do ordenamento jurídico, porquanto o jurista subordina o preceito da Lei de Custeio da Previdência Social ao comando superior do art. 186 do CTN. Outrossim, alarga a interpretação sistemática à consideração do art. 100, § 1º, da Constituição Federal, trazendo à ponderação a natureza alimentícia que a própria Constituição reconhece ao crédito trabalhista.

Com efeito, caso a aplicação da norma do § 1º do art. 53 da Lei nº 8.212/91 pudesse excluir – por força de sua interpretação literal e isolada – da execução trabalhista os bens tornados indisponíveis em execução previdenciária, estaríamos então diante de contradição lógico-sistemática caracterizada pela indireta preterição do privilégio do crédito trabalhista em favor do crédito previdenciário, com subversão à ordem preferencial dos créditos estabelecida no Direito Brasileiro (CC, arts. 957, 958 e 961; CTN, art. 186).

Essa contradição lógico-sistemática instalaria uma crise no ordenamento jurídico cuja superação somente poderia ser alcançada mediante o restabelecimento da coerência interna do conjunto normativo ministrada pelo método sistemático de interpretação do ordenamento jurídico, de modo a, harmonizando as partes ao todo, restaurar a unidade do sistema jurídico mediante o resgate de sua unitária estrutura hierárquica. A didática lição do processualista paulista justifica a reprodução do argumento

65:

“Dispõe a Lei 8.212, de 24.07.1991, art. 53, que, ‘na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exeqüente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor. § 1º. Os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis.’ Evidentemente, referidos preceitos deverão ser interpretados em consonância com o art. 100 da CF, o art. 29 da Lei 6.830/80 (LEF) e os arts. 186 e 187 do CTN, os quais informam sobre a execução trabalhista (art. 889, da CLT). Vale dizer, a ‘indisponibilidade’ de que fala o § 1º retrocitado diz respeito àqueles créditos cuja preferência não esteja acima do crédito tributário. (...) Mirando-se por outra ótica, tem-se que a ‘indisponibilidade’ de que fala a lei diz respeito ao proprietário. Os bens declarados indisponíveis pela Lei 8.212/91 não estão e não poderiam estar alijados da execução trabalhista. Essa não foi a mens legislatoris e não poderia sê-lo em face do superprivilégio e da natureza jurídica do crédito trabalhista.”

Com efeito, somente uma resposta positiva à pergunta acerca da aplicabilidade do regime jurídico especial da fraude à execução fiscal previsto no art. 185 do CTN à execução trabalhista pode conferir sentido à seguinte passagem do item 4 da Exposição de Motivos nº 223 da Lei nº 6.830/80, na qual o

64

Execução na Justiça do Trabalho. 6 ed. São Paulo: RT, 2008. p. 163.

65 Execução na Justiça do Trabalho. 6 ed. São Paulo: RT, 2008. p. 196.

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legislador dos executivos fiscais, logo após sublinhar o predomínio de interesse público na realização do crédito tributário, afirma que “[...] nenhum outro crédito deve ter, em sua execução judicial, preferência, garantia ou rito processual que supere os do crédito público, à exceção de alguns créditos trabalhistas” (grifamos).

À construção sistemática semelhante seria conduzido o Superior Tribunal de Justiça quando defrontado com o desafio hermenêutico de superar a aparente antinomia existente entre o art. 185-A do CTN (indisponibilidade de bens e direitos do devedor executado) e os arts. 655 e 655-A do CPC de 1973 (penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira). Enquanto ao credor comum se assegura a tutela jurídica da penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras independentemente do exaurimento das diligências extrajudiciais por parte do exequente (CPC de 1973, arts. 655 e 655-A), ao credor tributário não se assegurava essa tutela jurídica desde logo, exigindo-se-lhe o exaurimento de tais diligências para só depois poder chegar à penhora eletrônica de numerário. Isso nada obstante o privilégio legal que o ordenamento jurídico confere ao crédito tributário no art. 186 do CTN. Diante da necessidade de preservar a coerência do sistema normativo, o STJ recorreu à aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes, que visa a harmonizar preceitos de diplomas legais distintos, para concluir que a interpretação sistemática do artigo 185-A do CTN, com os artigos 11, da Lei 6.830/80, e 655 e 655-A do CPC de 1973, autoriza a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras independentemente do exaurimento das diligências extrajudiciais por parte do credor fiscal, porquanto se faltaria à coerência sistemática ao dar a credor comum tutela jurídica superior àquela dada a credor privilegiado por norma de direito material (CTN, art. 186). A reprodução da ementa do acórdão justifica-se em razão da consistência de sua fundamentação e visa a permitir ao leitor avaliar se de fato há semelhança entre a construção sistemática proposta no presente estudo e a construção sistemática adotada no referido julgamento do Superior Tribunal de Justiça. Eis a ementa do acórdão:

“A antinomia aparente entre o art. 185-A do CTN (que cuida da decretação da indisponibilidade de bens e direitos do devedor executado) e os artigos 655 e 655-A do CPC (penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira) é superada com a aplicação da Teoria pós-moderna do Diálogo das Fontes, idealizada pelo alemão Erik Jayme e aplicada, no Brasil, pela primeira vez, por Cláudia Lima Marques, a fim de preservar a coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil. Com efeito, consoante a Teoria do Diálogo das Fontes, as normas mais benéficas supervenientes preferem à norma especial (concebida para conferir tratamento privilegiado a determinada categoria), a fim de preservar a coerência do sistema normativo. Deveras, a ratio essendi do art. 185-A, do CTN, é erigir hipótese de privilégio do crédito tributário, não se revelando coerente ‘colocar o credor privado em situação melhor que o credor público, principalmente no que diz respeito à cobrança do crédito tributário, que deriva do dever fundamental de pagar tributos (artigos 145 e seguintes da Constituição Federal de 1988)’ (REsp 1.074.228/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. 07.10.2008, DJe 05.11.2008). Assim, a interpretação sistemática do artigo 185-A do CTN, com os artigos 11, da Lei 6.830/80, e 655 e 655-A do CPC, autoriza a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras independentemente do exaurimento das diligências extrajudiciais por parte do exequente” (STJ - REsp 1184765/PA, 1ª Seção, Relator Min. Luiz Fux, j. 03.12.2010).

As razões expostas conduzem à conclusão de que relegar a fraude à execução trabalhista ao regime jurídico geral do art. 593, II, do CPC de 1973 (CPC de 2015, art. 792, IV), enquadrando-a na modalidade geral de fraude à execução civil, significaria negar a primazia do crédito trabalhista sobre o crédito fiscal prevista no art. 186 do CTN. Para restabelecer a primazia do crédito trabalhista sobre o crédito fiscal também no relevante tema da fraude à execução é necessário estender à execução trabalhista o regime jurídico especial da fraude à execução fiscal previsto no art. 185 do CTN mediante interpretação sistemática dos arts. 889 da CLT e 186 do CTN – a interpretação sistemática como ponte

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hermenêutica à assimilação produtiva do regime jurídico especial da fraude à execução prevista no art. 185 do CTN à execução trabalhista.

7. A FRAUDE À EXECUÇÃO NO NOVO CPC (E A NECESSIDADE DE REVISÃO DA S-375-STJ)

O novo Código de Processo Civil tratou da fraude à execução no art. 792 e exigirá a revisão da Súmula n. 375 do STJ, uma vez que disse textualmente o que parte da doutrina adverte há tempo: a fraude à execução pela alienação de bem no curso de demanda capaz de reduzir o alienante à insolvência (CPC de 2015, art. 792, IV) não se confunde com a fraude à execução pela alienação de bem quando tiver sido averbado, em seu registro, ato de constrição judicial (CPC de 2015, art. 792, III).

66

A fraude à execução pela alienação de bem no curso de demanda capaz de reduzir o alienante à insolvência tem como elementos caracterizadores: a) a litispendência (demanda pendente); b) a alienação no curso da demanda; e c) a redução do alienante à insolvência. Não cogita, portanto, do consilium fraudis, uma vez que sanciona o intento de subtração ao Poder Jurisdicional.

67 Como dizia

Amílcar de Castro, “a responsabilidade processual é sujeição inelutável ao poder do Estado (...). E por isso mesmo devem ser tratadas com maior severidade as manobras praticadas pelo devedor, para fugir daquela responsabilidade, isto é, para suprimir efetivamente, ou sabendo que praticamente suprime, os efeitos de sua sujeição ao poder do Estado”.

68

A fraude à execução pela alienação de bem quando tiver sido averbado, em seu registro, ato de constrição judicial (CPC de 2015, art. 792, III) tem como elementos caracterizadores: a) a litispendência (demanda pendente); b) a constrição judicial de bem; c) a averbação da constrição judicial junto ao registro do bem; e d) a alienação no curso da demanda. Independe, portanto, da redução do alienante à insolvência, uma vez que sanciona a afronta à individualização do bem e sua separação do patrimônio pelo ato de constrição, e pressupõe o consilium fraudis, diante da averbação do ato de constrição no registro. Se o bem se encontra sob o império da apreensão judicial, “não pode sofrer qualquer limitação decorrente de ato voluntário do devedor e de outrem”.

69 Por isso, o ato de constrição que grava o bem o

acompanha, “perseguindo-o no poder de quem quer que o detenha, mesmo que o alienante seja um devedor solvente”.

70

66

Da distinção entre fraude à execução prevista no inciso II do art. 593, do CPC de 1973 e alienação de bem penhorado “resultam importantes consequências: se o devedor for solvente, a alienação de seus bens é válida e eficaz a não ser que (a) se trate de bem já penhorado ou, por qualquer outra forma, submetido a constrição judicial, e (b) que o terceiro adquirente tenha ciência – pelo registro ou por outro meio – da existência daquela constrição; mas, se o devedor for insolvente, a alienação será ineficaz em face da execução, independentemente de constrição judicial do bem ou da cientificação formal da litispendência e da insolvência ao terceiro adquirente” (ZAVASKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000, v. 8, p. 286).

67 A fraude de execução caracteriza “ato de rebeldia à autoridade estatal exercida pelo juiz no processo”, uma vez que, “alienar

bens na pendência deste e reduzir-se à insolvência significaria tornar inútil o exercício da jurisdição e impossível a imposição do poder sobre o patrimônio do devedor” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 275). A alienação e a oneração (CPC, art. 593) “dos bens do devedor vem constituir verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 108).

68 CASTRO, Amílcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: RT, 1983, v. VIII, p. 84.

69 GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, v. 2, p. 46.

70 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, v. II, p. 111. Os atos

executórios continuam a incidir sobre o bem em razão de um vínculo que o prende “ao processo, e que pré-existe à aquisição do terceiro. A propriedade deste já nasceu limitada” (GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, v. 2, p. 46).

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8. O MARCO TEMPORAL A PARTIR DO QUAL A ALIENAÇÃO FAZ PRESUMIR FRAUDE À

EXECUÇÃO TRABALHISTA: AJUIZAMENTO X CITAÇÃO

Diversamente do que ocorre no Direito Tributário atual71

, em que a presunção absoluta de fraude à execução fiscal configura-se quando o crédito tributário já se encontrava inscrito em dívida ativa à época da alienação do bem, no Direito do Trabalho não há uma fase administrativa de pré-constituição do crédito trabalhista; há, apenas, a fase judicial, que tem início com a propositura da ação reclamatória trabalhista e prossegue com a citação do reclamado e demais atos processuais. No Direito Tributário, há um livro de lançamento da dívida ativa, registro público que permite aos interessados livre consulta para saber se o alienante é sujeito passivo de obrigação tributária pendente. A referência doutrinária é do tributarista Paulo de Barros Carvalho

72:

“... inscrito o débito tributário pela Fazenda Pública, no livro de registro da dívida ativa, fica estabelecido o marco temporal, após o que qualquer alienação de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito devedor, será presumida como fraudulenta.”

No Direito do Trabalho, a ausência de uma fase administrativa de pré-constituição do crédito trabalhista mediante registro público acaba por conduzir o operador jurídico a cogitar de dois momentos possíveis para adotar-se como marco temporal a partir do qual há presunção de fraude na alienação do bem pelo reclamado: 1) o ajuizamento da demanda; 2) a citação do devedor.

No âmbito do processo civil, a doutrina inclina-se a identificar na citação do réu o marco temporal definidor da fraude à execução. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart ponderam que, embora toda ação se considere proposta no momento em que é distribuída (art. 263 do CPC de 1973), a caracterização da fraude à execução depende da ciência do réu da existência da demanda. “Assim – argumentam Marinoni e Arenhart – a alienação ou oneração de bens é considerada em fraude à execução apenas após a citação válida (art. 219 do CPC de 1973)”.

73

No âmbito do processo do trabalho, a elaboração teórica tem se inclinado a identificar tal marco temporal na data do ajuizamento da demanda. Isso porque o art. 593, II, do CPC de 1973 (CPC de 2015, art. 792, IV), exige apenas a existência de uma ação pendente (corria contra o devedor demanda), não fazendo referência ao fato de que nela o réu já deva ter sido citado. Tem-se ação pendente desde o momento em que ela é ajuizada pelo autor

74 (ou exequente)

75, nada obstante a tríplice angularização

venha a ocorrer somente em momento posterior, com a citação do réu (ou executado)76

. Portanto, se a

71

Desde o advento da Lei Complementar nº 118, de 09-06-2005.

72 Curso de Direito Tributário. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 558.

73 Curso de processo civil – Execução. 6 ed. v. 3. São Paulo: Forense, 2014. p. 267.

74 CPC, art. 263. Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente

distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 219 depois que for validamente citado.

75 CPC, art. 617. A propositura da execução, deferida pelo juiz, interrompe a prescrição, mas a citação do devedor deve ser feita

com observância do disposto no art. 219.

76 FRAUDE À EXECUÇÃO - Débito fiscal - Caracterização - Transferência de uso de linha telefônica objeto de penhora -

Antecedência de três meses depois da propositura da execução fiscal - Fraude que se caracteriza com a propositura da ação -

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alienação ocorreu posteriormente ao ajuizamento da ação, caracterizada estará a fraude de execução77

. A distribuição da ação “é o quanto basta para o reconhecimento da configuração da fraude de execução, pouco importando que a própria citação do devedor e a própria penhora do bem houvessem ocorrido após a alienação, que, na linguagem desenganada da lei, foi efetuada quando já em curso demanda capaz de reduzir o executado à insolvência”

78.

A opinião de Manoel Antonio Teixeira Filho em favor da adoção da data do ajuizamento da demanda como marco temporal a partir do qual se presume a fraude à execução do reclamado tem por fundamento o fato de que a doutrina justrabalhista não exige ato citatório para considerar interrompida a prescrição e estabelecida a prevenção, reputando suficiente, para tanto, o ajuizamento da demanda

79. O

autor argumenta que a exigência de citação poderia permitir que o devedor se beneficiasse da própria torpeza, exemplificando com situação em que o devedor, antes da citação, viesse a alienar todos os bens após dispensar os empregados, frustrando a execução dos respectivos créditos trabalhistas.

Diante da omissão da CLT e da LEF sobre a matéria, parece razoável adotar a data do ajuizamento da demanda como o marco temporal a partir do qual se tem por caracterizado o ilícito de fraude à execução trabalhista.

9. ACÓRDÃOS PIONEIROS PRENUNCIAM DEBATE NA JURISPRUDÊNCIA

No ano de 2016, o Enunciado nº 74 do Fórum Nacional de Processo do Trabalho, realizado em Curitiba (PR), nos dias 04 d 05 de março de 2016, aprovado por unanimidade, sintetizou a tese do presente artigo, tese que já fora acolhida em dois pioneiros acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) sobre o tema. Apresentado por iniciativa do Magistrado Reinaldo Branco de Moraes, o Enunciado 74 do Fórum Nacional de Processo do Trabalho foi aprovado com a seguinte redação: “Enunciado 74: CLT, ART. 889; CTN, ART. 185. NCPC, ART. 792, IV; CPC/1973, ART. 593, II. FRAUDE À EXECUÇÃO. REGIME DO ART. 185 DO CTN. INAPLICABILIDADE DO REGIME DO ART. 792 DO NCPC. Nas execuções trabalhistas, aplica-se o regime especial da fraude à execução fiscal previsto no art. 185 do CTN e não o regime geral da fraude à execução previsto no art. 792, IV, do NCPC, tendo como marco inicial a notificação válida do executado.” Nos mencionados dois pioneiros acórdãos proferidos pelo TRT da 12ª Região, a tese foi acolhida. O mesmo Magistrado que apresentaria a proposta do Enunciado nº 74 no ano de 2016, já atuará como relator nos dois agravos de petição acima mencionados, julgamentos ocorridos no ano de 2015, em Câmaras distintas, cujas ementas são a seguir reproduzidas: “FRAUDE À EXECUÇÃO - DIFERENÇA ENTRE A APLICAÇÃO DESSE INSTITUTO

Irrelevância do devedor ter ou não tomado ciência da citação - Aplicação dos artigos 185 do CTN e 593 do CPC - Recurso não provido (TJSP, Apelação Cível n. 228.959-2, Rel. Des. Ricardo Brancato).

77 Nesse sentido: Alcides de Mendonça Lima (Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, vol VI,

pág. 452); Belmiro Pedro Welter (Fraude de Execução. Porto Alegre: Síntese, 1997, pág. 37); Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (Fraude à Execução. Digesto de Processo. Rio de Janeiro: Forense, 1985, vol. 3, pág. 6); Maria Berenice Dias (Fraude à Execução. Revista Ajuris 50/75).

78 Yussef Said Cahali. Fraudes Contra Credores. São Paulo: RT, 1989, pág. 464.

79 Execução no processo do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 204

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PROCESSUAL QUANDO CARACTERIZADA NA EXECUÇÃO CIVIL X EXECUÇÃO FISCAL. APLICAÇÃO DO REGIME ESPECIAL REGULADOR DO CRÉDITO FISCAL AO CRÉDITO TRABALHISTA PARA MANUTENÇÃO DA PREFERÊNCIA DESTE ÀQUELE. MARCO INICIAL DA FRAUDE À EXECUÇÃO TRABALHISTA. Até o advento do julgamento do Recurso Especial nº 1.141.990-PR, Relator Ministro LUIZ FUX, DJE de 19.11.2010, a jurisprudência do STJ oscilava na aplicação da Súmula 375 à execução fiscal. Nesse julgamento ficou definida a diferença de tratamento conferido à fraude à execução fiscal em comparação à fraude à execução civil. Nesta há afronta ao interesse privado e naquela ao interesse público, daí por que, na fraude à execução fiscal, impõe-se sujeitá-la ao regime jurídico especial do art. 185 do CTN e, por consequência, irrelevante a boa-fé do terceiro adquirente (presunção absoluta de fraude à execução). Por isso, a partir de então, passou-se a entender pela inaplicabilidade nas execuções fiscais da Súmula 375 do STJ devendo ser mantida penhora efetuada, com a rejeição de eventuais embargos de terceiro pelo adquirente, prosseguindo a execução, independentemente da existência ou não de boa-fé do comprador. Idêntica interpretação deve ser aplicada no reconhecimento de fraude à execução na seara trabalhista a fim de que ao crédito trabalhista seja garantido o mesmo regime especial previsto ao fiscal, sob pena de negar a preferência daquele a este, inclusive como forma de manter hígido o indispensável diálogo das fontes e a interpretação sistemática (CPC/1973, art. 593, III, NCPC - lei 13.105/2015, art. 792, V, CLT, art. 889 e CTN, arts. 185 e 186), além da necessária coerência do conjunto de normas reguladoras do mesmo instituto processual (fraude à execução) a credores com preferência especial. A aplicação do instituto processual da fraude à execução nas causas trabalhistas, apenas com base no art. 593, II, do CPC, ou art. 792, IV, do NCPC (que conduz à presunção relativa daquela fraude por força do entendimento objeto da Súmula 375 do STJ- consoante entendimento hodierno -, colocaria o crédito trabalhista em situação inferior ao tributário, pois a este a lei prevê presunção absoluta da prefalada fraude desde momento anterior à existência da execução fiscal (CTN, art. 185). Equivale dizer: o credor fiscal receberá seu crédito (por força de presunção absoluta de fraude) e o credor trabalhista estaria compelido a provar a má-fé do adquirente (presunção relativa de fraude) e, pois, sujeitando-se aos mais diversos expedientes normalmente utilizados pelos envolvidos no negócio jurídico (comprador e vendedor) a fim de obstar a efetividade da execução trabalhista, em completa subversão da preferência do crédito trabalhista sobre o fiscal (CTN, art. 186). O marco inicial da fraude à execução trabalhista é o ajuizamento da ação - fase de conhecimento (inteligência CPC/1973, art. 263 e NCPC, art. 312), até pela inexistência da constituição do crédito trabalhista em fase anterior à judicial, como ocorre com o crédito tributário.” (TRT12 - AP - 0010026-38.2015.5.12.0013, Rel. REINALDO BRANCO DE MORAES, 1ª Câmara, Data de Assinatura: 18/09/2015) “FRAUDE À EXECUÇÃO - DIFERENÇA ENTRE A APLICAÇÃO DESSE INSTITUTO PROCESSUAL QUANDO CARACTERIZADA NA EXECUÇÃO CIVIL X EXECUÇÃO FISCAL. APLICAÇÃO DO REGIME ESPECIAL REGULADOR DO CRÉDITO FISCAL AO CRÉDITO TRABALHISTA PARA MANUTENÇÃO DA PREFERÊNCIA DESTE ÀQUELE. MARCO INICIAL DA FRAUDE À EXECUÇÃO TRABALHISTA. Até o advento do julgamento do Recurso Especial nº 1.141.990-PR, Relator Ministro LUIZ FUX, DJE de 19.11.2010, a jurisprudência do STJ oscilava na aplicação da Súmula 375 à execução fiscal. Nesse julgamento ficou definida a diferença de tratamento conferido à fraude à execução fiscal em comparação à fraude à execução civil. Nesta há afronta ao interesse privado e naquela ao interesse público, daí por que, na fraude à execução fiscal, impõe-se sujeitá-la ao regime jurídico especial do art. 185 do CTN e, por consequência, irrelevante a boa-fé do terceiro adquirente (presunção absoluta de fraude à execução). Por isso, a partir de então, passou-se a entender pela inaplicabilidade nas execuções fiscais da Súmula 375 do STJ devendo ser mantida penhora efetuada, com a rejeição de eventuais embargos de terceiro pelo adquirente, prosseguindo a execução, independentemente da existência ou não de boa-fé do comprador. Idêntica interpretação deve ser aplicada no reconhecimento de fraude à execução na seara trabalhista a fim de que ao crédito trabalhista seja garantido o mesmo regime especial previsto ao fiscal, sob pena de negar a preferência daquele a este, inclusive como forma de manter hígido o indispensável diálogo das fontes e a interpretação sistemática (CPC/1973, art. 593, III, NCPC - lei 13.105/2015, art. 792, V, CLT, art. 889 e CTN, arts. 185 e 186), além da necessária coerência do conjunto de normas reguladoras do mesmo instituto processual (fraude à execução) a credores com preferência especial. A aplicação do instituto processual da fraude à execução nas causas

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trabalhistas, apenas com base no art. 593, II, do CPC, ou art. 792, IV, do NCPC (que conduz à presunção relativa daquela fraude por força do entendimento objeto da Súmula 375 do STJ- consoante entendimento hodierno -, colocaria o crédito trabalhista em situação inferior ao tributário, pois a este a lei prevê presunção absoluta da prefalada fraude desde momento anterior à existência da execução fiscal (CTN, art. 185). Equivale dizer: o credor fiscal receberá seu crédito (por força de presunção absoluta de fraude) e o credor trabalhista estaria compelido a provar a má-fé do adquirente (presunção relativa de fraude) e, pois, sujeitando-se aos mais diversos expedientes normalmente utilizados pelos envolvidos no negócio jurídico (comprador e vendedor) a fim de obstar a efetividade da execução trabalhista. O marco inicial da fraude à execução trabalhista é o ajuizamento da ação - fase de conhecimento (inteligência CPC/1973, art. 263 e NCPC, art. 312), até pela inexistência da constituição do crédito trabalhista em fase anterior à judicial, como ocorre com o crédito tributário.” (TRT12 - AP - 0001224-13.2014.5.12.0037, Rel. REINALDO BRANCO DE MORAES, 5ª Câmara, Data de Assinatura: 20/05/2015) Trata-se de jurisprudência benfazeja ao debate que o tema está a exigir tanto do Direito Processual do Trabalho quanto da Jurisdição Trabalhista.

CONCLUSÃO

O sistema legal inclui a fraude à execução fiscal entre os casos de fraude à execução capitulados no inciso III do art. 593 do CPC de 1973 (CPC de 2015, art. 792, V), identificando na previsão do art. 185, caput, do CTN, particular modalidade de fraude à execução inserida pelo direito positivo entre os “demais casos expressos em lei”; modalidade de fraude à execução em que a presunção de fraude é considerada absoluta.

Na medida em que a fraude à execução fiscal é considerada hipótese de presunção absoluta de fraude no Direito Tributário, a vantagem jurídica com que essa concepção de fraude à execução tutela o crédito fiscal conduz o operador do processo do trabalho a interrogar-se acerca da juridicidade da extensão dessa concepção de fraude à execução ao processo do trabalho mediante recurso à analogia, em face da promessa constitucional de jurisdição efetiva (CF, art. 5º, XXXV).

O crédito trabalhista é expressão objetiva de inadimplemento à contraprestação devida ao trabalhador pelo tomador dos serviços, trabalho esse cuja prestação incorpora-se ao patrimônio do tomador de serviços na condição de riqueza apropriada sob a forma de mais-valia. É o fato objetivo de que essa apropriação faz-se inexorável na relação de produção capitalista que conduz a consciência jurídica a sobrevalorizar o crédito trabalhista na disputa com outras espécies de créditos, reconhecendo-lhe posição de superprivilégio indispensável à concretização do valor da dignidade da pessoa humana que vive do trabalho.

Assimilada a ideia de que os executivos fiscais constituem verdadeiramente um sistema, é razoável concluir então que é esse sistema – e não apenas os preceitos da Lei nº 6.830/80 – que se aplica subsidiariamente à execução trabalhista, por força da previsão do art. 889 da CLT em interpretação extensiva.

Relegar a fraude à execução trabalhista ao regime jurídico geral do art. 593, II, do CPC de 1973 (CPC de 2015, art. 792, IV), enquadrando-a na modalidade de fraude à execução civil, significaria negar a primazia do crédito trabalhista sobre o crédito fiscal prevista no art. 186 do CTN. Para restabelecer a primazia do crédito trabalhista sobre o crédito fiscal também no relevante tema da fraude à execução é necessário estender à execução trabalhista o regime jurídico especial da fraude à execução fiscal previsto no art. 185 do CTN mediante interpretação sistemática dos arts. 889 da CLT e 186 do CTN.

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A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO TRABALHISTA DEPOIS

DA REFORMA TRABALHISTA INTRODUZIDA PELA LEI N. 13.467/2017

Ben-Hur Silveira Claus,

Mestre em Direito (UNISINOS). Professor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

Professor da Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS (FEMARGS). Juiz do Trabalho do TRT da 4ª Região (RS)

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo enfrentar o tema da prescrição intercorrente prevista no art. 11-A da CLT e sua aplicação à execução trabalhista. O preceito foi introduzido na Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) e apresenta a seguinte redação:

“Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos. § 1º. A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir

determinação judicial no curso da execução. § 2º. A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em

qualquer grau de jurisdição.” Parece adequado iniciar o presente estudo pelo exame da atual jurisprudência do Tribunal

Superior do Trabalho sobre o tema da prescrição intercorrente e sobre as perspectivas da jurisprudência diante da introdução da prescrição intercorrente na execução trabalhista no direito positivo do trabalho.

1. A ATUAL JURISPRUDÊNCIA DO TST SOBRE A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA

EXECUÇÃO

No período anterior à denominada Reforma Trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho pacificou sua jurisprudência no sentido de que a prescrição intercorrente é inaplicável à execução trabalhista. A súmula 114 do TST sintetiza esse posicionamento. Aprovada no ano de 1980, a Súmula 114 do TST tem a seguinte redação: “PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”. Em que pese a possibilidade de arguição de prescrição intercorrente estivesse prevista no art. 884, § 1º, da CLT

1, o Tribunal Superior do Trabalho construiu sua jurisprudência na perspectiva de afirmar a

1 “Art. 884. Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado cinco dias para apresentar embargos, cabendo

igual prazo ao exequente para impugnação.

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inaplicabilidade da prescrição intercorrente à execução trabalhista. Mesmo quando a paralisação da execução decorre da inércia do exequente, ainda assim a jurisprudência do TST acabou por afirmar, mais recentemente, ser inaplicável a prescrição intercorrente ao processo do trabalho na fase de execução (TST-RR-20400-07.1995.5.02.0074, Relator Ministro João Oreste Dalazen, DEJT 27/02/2015). De outra parte, a atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho reputa insubsistente a distinção algumas vezes estabelecida entre prescrição intercorrente e prescrição da ação executiva, sob o fundamento de que essa distinção “... traz subjacente a superada ideia de bipartição entre ação de conhecimento e ação de execução, que já não existia no Processo do Trabalho, caracterizado por uma relação processual única, mesmo antes das reformas do CPC, que implicaram a consolidação do chamado processo sincrético, identificado pela união de tutelas cognitivas e executivas” (TST-RR-72600-08.1989.5.02.0007, 2ª Turma, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 13/03/2015). Fundada na possibilidade de o juiz promover a execução de ofício por força da previsão do art. 878, caput, da CLT, a jurisprudência do TST foi estruturada axiologicamente sobre uma concepção substancialista do Direito do Trabalho, com o evidente propósito de consagrar ao crédito trabalhista a hierarquia própria a sua condição de crédito representativo de direito fundamental previsto no art. 7º da Constituição Federal, dotado do superprivilégio legal previsto no art. 186 do Código Tributário Nacional. Para André Araújo Molina, o TST realizou uma metainterpretação da jurisprudência para os casos em que a execução ficava parada em razão de omissão de ato do juízo ou da prática de ato da defesa. Essa interpretação conduzia ao afastamento da prescrição intercorrente, já que a paralisação do processo não era causada pela omissão do exequente.

2

A concepção substancialista que conforma a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema revela-se evidente quando se observa que o TST admite Recurso de Revista contra a decisão regional que acolhe a arguição de prescrição intercorrente. Essa concepção substancialista torna-se ainda mais evidente quando o estudo da jurisprudência do TST revela que o tribunal admite o Recurso de Revista sob fundamento de violação a três distintos dispositivos da Constituição Federal. Em outras palavras, o TST reputa caracterizada ofensa direta e literal a três dispositivos da Constituição Federal quando o Tribunal Regional do Trabalho declara prescrição intercorrente na execução. Como é sabido, o cabimento de Recurso de Revista na fase de execução está restrito à hipótese de violação literal e direta de norma da Constituição Federal. Com efeito, a teor do art. 896, § 2º, da CLT, não cabe Recurso de Revista das decisões proferidas em execução de sentença, “... salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma da Constituição Federal.”

3

A pesquisa realizada na jurisprudência revela que o Tribunal Superior do Trabalho admite Recurso Revista nessa hipótese tanto sob fundamento de violação ao art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal (coisa julgada) quanto sob fundamento de violação ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal (cláusula da inafastabilidade da jurisdição); bem como sob fundamento de violação ao art. 7º, XXIX, da Constituição Federal (prescrição bienal e quinquenal). As ementas a seguir sintetizam a concepção substancialista da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho acerca da matéria, na medida em que revelam que o TST admite o recurso de revista por:

§ 1º. A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida.”

2 “A prescrição intercorrente na execução trabalhista”. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 3 (2017), nº 2. p. 124.

3 “Art. 896. Cabe Recurso de Revista...

§ 2º. Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho ou por sua Turma, em execução de sentença, inclusive em processo incidente de embargos de terceiro, não caberá Recurso de Revista, salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma da Constituição Federal.”

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a) ofensa ao inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal (coisa julgada):

“RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/2007. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À COISA JULGADA. Afronta o art. 5º, XXXVI, da Constituição da República decisão por meio da qual se extingue a execução com resolução do mérito, em virtude da incidência da prescrição intercorrente, uma vez que tal conduta impede indevidamente a produção dos efeitos materiais da coisa julgada, tornando sem efeitos concretos o título judicial transitado em julgado. Recurso de embargos conhecido e provido.” (E-RR – 4900-08.1989.5.10.0002, Relator Ministro Lelio Bentes Corrêa, SBDI – 1, DEJT 29/06/2012); b) ofensa ao inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal (cláusula da inafastabilidade da jurisdição): “RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. FASE DE EXECUÇÃO. INÉRCIA DO EXEQUENTE. JUSTIÇA DO TRABALHO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INAPLICABILIDADE. ART. 5º, XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho consolidou o entendimento de que não se aplica a prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, sob pena de ineficácia da coisa julgada material. Precedentes. 2. A diretriz perfilhada na Súmula nº 114 do TST também incide no caso de paralisação do processo decorrente de inércia do exequente. Ressalva de entendimento pessoal do Relator. 3. Viola o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal acórdão regional que mantém a declaração de prescrição intercorrente, ante a inércia do Exequente. 4. Recurso de revista do Exequente de que se conhece a que se dá provimento para afastar a prescrição intercorrente e determinar a remessa dos autos à Vara do Trabalho de origem, para que prossiga na execução.” (RR-162700-04.1997.5.03.0103, Relator Ministro João Oreste Dalazen, 4ª Turma, DEJT 17/06/2016); c) ofensa ao inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal (prescrição bienal e quinquenal): “RECURSO DE REVISTA. FASE DE EXECUÇÃO. INÉRCIA DO EXEQUENTE. JUSTIÇA DO TRABALHO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INAPLICABILIDADE SÚMULA Nº 114 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 1. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho consolidou o entendimento de que não se aplica a prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho. 2. A diretriz perfilhada na Súmula nº 114 do TST também incide no caso de paralisação do processo decorrente de inércia do exequente. Ressalva de entendimento pessoal do Relator. 3. O art. 7º, XXIX, da Constituição Federal prevê a contagem da prescrição bienal e quinquenal na Justiça do Trabalho em relação à data de extinção da relação de trabalho e do ajuizamento da ação, não durante seu trâmite. 4. Viola o art. 7º, XXIX, da Constituição Federal acórdão regional que mantém a declaração de prescrição intercorrente, ante a inércia do Exequente. 5. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento para afastar a prescrição intercorrente e determinar a remessa dos autos à Vara do Trabalho de origem, para que prossiga na execução (RR-20400-07.1995.5.02.0074, Relator Ministro João Oreste Dalazen, DEJT 27/02/2015).

No primeiro julgado, o TST reputou violado o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal por entender que a declaração de prescrição intercorrente pelo Tribunal Regional esvazia a coisa julgada material estabelecida no título executivo judicial em execução; para reproduzir os termos da ementa, porque a pronúncia da prescrição intercorrente pelo Tribunal Regional “... impede indevidamente a produção dos efeitos materiais da coisa julgada, tornando sem efeitos concretos o título judicial transitado em julgado.”

No segundo julgado, o TST reputou violado o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal por entender

que a declaração de prescrição intercorrente pelo Tribunal Regional não se aplica na Justiça do Trabalho, “sob pena de ineficácia da coisa julgada material”.

É questionável a conclusão pela ocorrência de ofensa direta e literal aos dois preceitos

constitucionais em questão; a ofensa poderia ser considerada apenas reflexa (indireta). Merece registro o fato de que o TST não admite prescrição intercorrente mesmo na hipótese de inércia do exequente. O fato de o relator ter registrado entendimento pessoal em sentido contrário confirma ser majoritário no Tribunal o entendimento de que não se aplica prescrição intercorrente ainda que a paralisação da execução decorra da inércia do exequente. Tanto o primeiro julgado quanto o segundo julgado têm por

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propósito evitar a ineficácia da coisa julgada material que a declaração da prescrição intercorrente acarretaria em termos concretos. Daí a razão por que reputo substancialista a concepção da atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho acerca da matéria, na medida em que a conclusão pela ocorrência de ofensa direta e literal dos incisos XXXVI e XXXV revelar-se-ia controvertida em face da tradição da teoria constitucional. A jurisprudência do TST supera o entendimento estrito de que a ofensa aos referidos preceitos constitucionais seria apenas reflexa (indireta), para divisar ofensa direta e literal à substância dos incisos XXXVI e XXXV do art. 5º da Constituição Federal quando a decisão regional declara prescrição intercorrente na execução trabalhista.

No terceiro julgado, o TST reputou violado o art. 7º, XXIX, da Constituição Federal por entender

que não se pode extrair deste preceito constitucional a existência de prescrição intercorrente. Na fundamentação do julgado, está assentado que a previsão do preceito da Constituição Federal não trata de prescrição durante o trâmite do processo. Isso porque tanto a prescrição bienal quanto a prescrição quinquenal vinculam-se tão-somente à data da extinção do contrato de trabalho e à data da propositura da demanda. Vale transcrever esta parte da ementa: “3. O art. 7º, XXIX, da Constituição Federal prevê a contagem da prescrição bienal e quinquenal na Justiça do Trabalho em relação à data de extinção da relação de trabalho e do ajuizamento da ação, não durante seu trâmite” (grifei).

Em outro acórdão em que o TST reputou violado o inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal,

da lavra do Min. José Roberto Freire Pimenta, essa fundamentação foi mais especificamente detalhada, tendo o Tribunal assentado que o instituto da prescrição trabalhista tem como fonte normativa principal a própria Constituição Federal. Na ocasião, afirmou-se: “... esta Corte assentou o entendimento de que não se aplica ao processo trabalhista a prescrição intercorrente, porquanto o instituto da prescrição no Direito do Trabalho possui como fonte principal o artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, do qual, absolutamente, não se extrai nem se deduz a incidência da prescrição intercorrente” (TST-RR-72600-08.1989.5.02.0007, 2ª Turma, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 13/03/2015).

Se nos dois julgados anteriores o intérprete depara-se com dúvida razoável acerca do

controvertido problema da caracterização de ofensa direta e literal a norma constitucional, no terceiro julgado e no último julgado mencionado parece mais razoável divisar violação direta e literal a preceito constitucional, sobretudo quando o Tribunal afirma que o instituto da prescrição no Direito do Trabalho tem como fonte principal o art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal.

Se o entendimento que se extrai desses dois últimos julgados permanecer subsistente no âmbito

do TST mesmo após a revogação da faculdade de o magistrado promover a execução de ofício pela Lei nº 13.467/2017, que confere nova redação ao art. 878 da CLT, é razoável admitir que a jurisdição trabalhista poderá vir a declarar a inconstitucionalidade do art. 11-A da CLT, em razão do entendimento de que o art. 11-A da CLT violaria o preceito constitucional do art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, na medida em que do preceito constitucional não se extrai interpretação acerca de existência prescrição intercorrente no Direito do Trabalho, conforme a atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Entretanto, é necessário refletir sobre a eventual opção pela declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito do art. 11-A da CLT, na medida em que uma reação previsível seria o recurso das entidades patronais ao controle concentrado de constitucionalidade acerca do preceito em questão mediante Ação Direta de Constitucional do art. 11-A, situação na qual a tendência natural do Supremo Tribunal Federal seria a de referendar sua jurisprudência, corroborando a diretriz hermenêutica da Súmula 372, na qual o STF afirma que “o direito trabalhista admite a prescrição intercorrente”.

4

A jurisprudência do TST acerca do tema da prescrição intercorrente foi construída sob o

pressuposto de que o juiz estava autorizado a promover a execução de ofício, a teor do art. 878, caput, da CLT, na redação anterior à Lei n. 13.467/2017. A denominada Reforma Trabalhista pretendeu retirar esse poder de iniciativa do magistrado, alterando a redação do dispositivo legal em questão. Com a alteração da redação do art. 878 da CLT, a Reforma Trabalhista pretendeu limitar a iniciativa do juiz para promover a execução à hipótese em que as partes não estão representadas por advogado. Essa hipótese é exceção; em regra, as partes têm advogado constituído nos autos do processo.

4 Súmula 327 do STF: “PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente” (1963).

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Resta saber se o TST vai manter a diretriz de sua jurisprudência acerca da prescrição

intercorrente após a modificação introduzida na redação do art. 878 da CLT pela Lei nº 13.467/2017 e após a introdução de previsão expressa de prescrição intercorrente na execução trabalhista pelo art. 11-A da CLT reformada. Isso porque a jurisprudência do Tribunal foi estruturada sob a vigência da redação anterior do art. 878 da CLT, preceito revogado pela legislação que introduziu a denominada Reforma Trabalhista na CLT. Para Manoel Antonio Teixeira Filho, a superveniência do art. 11-A da CLT reformada deverá implicar o cancelamento da Súmula 114 do TST.

5

Outro aspecto sobre o qual a comunidade jurídica aguarda pelo posicionamento do TST diz

respeito ao itinerário procedimental a ser observado na aplicação da prescrição intercorrente introduzida pelo art. 11-A da CLT reformada. Neste particular, cumpre registrar que a Instrução Normativa nº 39/2016 do TST definira posição pela não aplicação dos arts. 921 e 924 do CPC de 2015 ao processo do trabalho, fazendo-o de forma coerente com a jurisprudência que se uniformizara na Súmula 114 do TST – “É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”. Porém, é necessário registrar o elemento cronológico de que esse posicionamento foi adotado pelo TST antes do advento da Reforma Trabalhista. Com a superveniência da Reforma Trabalhista instituída pela Lei n. 13.467/2017, foi alterada a redação do art. 878 da CLT e foi introduzida a prescrição intercorrente na execução pela redação do art. 11-A, o que torna atual a questão de definir o procedimento a ser observado para a pronúncia da prescrição intercorrente.

2. A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA LEI DE EXECUTIVOS FISCAIS A previsão de incidência da Lei de Executivos Fiscais na execução trabalhista, estabelecida no art.

889 da CLT6, recomenda o estudo do tema da prescrição intercorrente no âmbito dos executivos fiscais,

a fim de melhor compreender o alcance do art. 11-A da CLT, preceito introduzido pela denominada Reforma Trabalhista, instituída pela Lei nº 13.467/2017.

Nada obstante a jurisprudência uniformizada do TST tenha assentado na Súmula 114 o

entendimento de que a prescrição intercorrente não se aplica ao processo do trabalho, não se desconhece o fato de que setores consideráveis da magistratura do trabalho, acompanhados da doutrina trabalhista majoritária, vinham sustentando a aplicabilidade da prescrição intercorrente na execução, fazendo-o mediante a adoção do itinerário procedimental estabelecido no art. 40 da Lei n. 6.830/80, sob a invocação da aplicação da Lei de Executivos Fiscais à execução trabalhista, a teor do art. 889 da CLT.

Na redação originária do art. 40 da Lei n. 6.830/80 havia apenas três (3) parágrafos. Não havia o §

4º, que viria a ser introduzido pela Lei 11.051/2004.

A redação originária do art. 40 da LEF era a seguinte:

“Art. 40. O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º. Suspenso o curso da execução será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º. Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º. Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução” (sublinhei).

5 O processo do trabalho e a reforma trabalhista. São Paulo: LTr, 2017. p. 39.

6 “Art. 889. Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo que não contravierem ao presente Título,

os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal."

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A interpretação gramatical da redação originária do art. 40 da Lei n. 6.830/80 dava margem ao entendimento de que o direito à exigibilidade da obrigação tributária tornar-se-ia imprescritível na hipótese de não localização do devedor ou de bens penhoráveis. Isso porque o § 3º do art. 40 da LEF previa o desarquivamento dos autos para prosseguimento da execução quando encontrados, a qualquer tempo, o devedor ou bens a penhorar. A locução “a qualquer tempo” induzia ao entendimento pela imprescritibilidade do direito a exigir a obrigação tributária, pois sugeria que a execução fiscal poderia ser retomada no futuro sem nenhum limite temporal; encontrado o devedor ou localizados bens a penhorar, a referida locução sugeria a possibilidade de ser retomada a execução fiscal no futuro, indefinidamente. Essa interpretação, contudo, não se conforma à norma de ordem pública do art. 202, parágrafo único, do Código Civil, preceito segundo o qual “a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato para a interromper.”

A regra é a prescritibilidade das pretensões. A imprescritibilidade é exceção. A Constituição

Federal estabelece algumas hipóteses de imprescritibilidade: a) crime de racismo (CF, art. 5º, XLII); b) crime de ação armada contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV); c) ação de ressarcimento por prejuízos causados ao erário (CF, art. 37, § 5º). São hipóteses excepcionais expressamente previstas no direito positivo. As ações declaratórias também são imprescritíveis, por construção doutrinária. As ações condenatórias estão sujeitas à prescrição. As ações reclamatórias trabalhistas são espécie do gênero das ações condenatórias.

Na doutrina, a interpretação pela imprescritibilidade do direito à obrigação tributária foi desde logo

rejeitada. Humberto Theodoro Júnior, ao comentar o art. 40 da Lei n. 6.830/80, foi categórico sobre o tema, assentando “... a necessidade de evitar-se a interpretação literal, pois essa acabaria provocando a aberração de criar-se direito obrigacional imprescritível em favor da Fazenda Pública”

7.

A tese da imprescritibilidade também foi rejeitada pela jurisprudência. O Supremo Tribunal

Federal assentou no particular: “A interpretação dada, pelo acórdão recorrido, ao art. 40 da Lei 6.830/80, recusando a suspensão da prescrição por prazo indefinido, é a única susceptível de torná-lo compatível com a norma do art. 174, parág. único, do Cód. Tributário Nacional, a cujas disposições gerais é reconhecida a hierarquia da lei complementar” (STF, RE 106.217-SP, Rel. Min. Octávio Galotti, ac. de 9-9-1986, RTJ 119:328).

O Superior Tribunal de Justiça também recusou a tese da imprescritibilidade da ação relativa à

obrigação tributária, rejeitando o entendimento a que a interpretação gramatical do § 3º do art. 40 da Lei de Executivos Fiscais poderia conduzir o intérprete desavisado: “O art. 40 da Lei n. 6.830/80 é silente quanto ao prazo máximo da suspensão do curso da execução. Todavia, cumpre afastar interpretação que a identifique à imprescritibilidade. Analogicamente, considerar-se-á o prazo de um ano” (STJ, 2ª T., REsp 6.783-RS, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, ac. de 17-12-1990, DJU 4-3-1991).

Na solução do conflito entre o art. 174 do CTN e o art. 40 da LEF, a jurisprudência do STJ

conferiu prevalência ao preceito do Código Tributário Nacional, em detrimento à literalidade do art. 40 da Lei n. 6.830/80, consolidando a diretriz hermenêutica antes referida, segundo a qual o sistema tributário não se compatibiliza com a noção de imprescritibilidade. Em acórdão do ano de 2003, a matéria em questão foi solucionada neste sentido: “4. Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174 do CTN, nele não incluídos os do artigo 40, da Lei n. 6.830/80. Há de ser sempre lembrado que o art. 174, do CTN tem natureza de Lei Complementar. 5. O art. 40, da Lei n. 6.830/80, nos termos em que admitido em nosso ordenamento jurídico, não tem prevalência. Sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174, do CTN. 6. Repugna aos princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. Após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes” (STJ, 1ª T., REsp 388.000/SP, Rel. Min. José Delgado, ac. de 21-2-2003, RJTAMG 85:386).

No ano de 2004 e na linha da orientação que se consolidara na jurisprudência, a Lei n.

11.051/2004 alterou a redação originária da Lei n. 6.830/80, para introduzir o § 4º no art. 40 da LEF,

7 Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 229.

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positivando previsão de aplicação de prescrição intercorrente nos executivos fiscais de forma expressa. E essa aplicação ocorre de ofício. Para tanto, basta que tenha ocorrido o arquivamento provisório dos autos e, após que tenha decorrido o prazo prescricional quinquenal aplicável à execução fiscal.

Com o acréscimo do § 4º introduzido pela Lei n. 11.051/2004, a redação do art. 40 da Lei n.

6.830/80 passou a ser a seguinte:

“Art. 40. O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º. Suspenso o curso da execução será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º. Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º. Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4º. Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”

Trata-se de inovação legislativa significativa. Comentando o preceito, Humberto Theodoro Júnior

registra que as dificuldades encontradas pela jurisprudência na aplicação do art. 40 da LEF foram superadas pela Lei n. 11.051/2004, que acrescentou o § 4º. Comentando o novo preceito, o jurista mineiro registrou que, “... uma vez arquivados os autos e transcorrido o prazo prescricional, o juiz ficará autorizado a decretar a prescrição intercorrente, de ofício”.

8

A jurisprudência do STJ confirmou a interpretação de Humberto Theodoro Júnior acerca do

alcance do § 4º do art. 40 da Lei n. 6.830/80: “O atual § 4º do art. 40 da LEF, acrescentado pela Lei 11.051, de 29.12.04 (art. 6º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe arguir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso”. (STJ-1ª T., REsp 735.220, Min. Teori Zavascki, j. 3.3.05, DJU 16-05.05).

A Súmula 314 do STJ sintetiza a atual jurisprudência acerca da prescrição intercorrente no âmbito

dos executivos fiscais, ao estabelecer que: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.” Essa súmula foi aprovada no final do ano de 2005 e publicada no início do ano de 2006.

A maior novidade a acrescentar à súmula 314 do STJ é, na observação de Humberto Theodoro

Junior, a autorização legal conferida ao juiz para declarar a prescrição intercorrente de ofício, com fundamento no § 4º do art. 40 da Lei n. 6.830/80, preceito introduzido na Lei de Executivos Fiscais pela Lei n. 11.051/2004.

Como se viu, tanto a doutrina quanto a jurisprudência rejeitaram a tese da imprescritibilidade no

âmbito da execução fiscal. Não há dúvida de que a formulação doutrinária e jurisprudencial sobre a matéria serviu de subsídio à legislação que viria alterar a redação originária do art. 40 da Lei n. 6.830/80, mediante a introdução do § 4º, inserido pela Lei n. 11.051/2004, para positivar a aplicabilidade da prescrição intercorrente nos executivos fiscais de forma induvidosa, inclusive de ofício.

Há um outro elemento cronológico importante para a compreensão do tema. Esse elemento

cronológico sobrevém cinco (5) anos após o advento da Lei n. 11.051/2004, que acrescentou o § 4º ao art. 40 da LEF. Trata-se do advento da Lei n. 11.960/2009, que acrescentou o § 5º ao art. 40 da Lei n. 6.830/80. Nessa lei, o legislador corrobora a opção pela aplicação da prescrição intercorrente na execução fiscal, estabelecendo hipótese em que a declaração da prescrição intercorrente pode ser

8 Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 230.

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realizada sem a prévia intimação da Fazenda Pública. A redação do § 5º do art. 40 da Lei n. 6.830/80 foi dada pela Lei n. 11.960/2009 e é a seguinte: “§ 5º. A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4º deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda.”

Vale dizer, a superveniência da Lei n. 11.960/2009 opera como fator de reiteração da opção do

legislador pela aplicação de prescrição intercorrente na execução fiscal, restando definitivamente insubsistente a tese da imprescritibilidade a que poderia conduzir a interpretação literal do § 3º do art. 40 da LEF.

A doutrina resume assim a aplicação da prescrição intercorrente na execução fiscal: “Como

acontece em qualquer processo, na execução fiscal, o despacho que ordena a citação interrompe a prescrição, e a efetivação do ato citatório faz com que os efeitos interruptivos retroajam até a data da propositura da demanda (interpretação sistemática da LEF (art. 8º, § 2º), do CTN (art. 174, § único), do CPC (art. 240, § 1º) e do CC (art. 202, I). Tal interrupção não se dá indefinidamente e, nos casos de não localização do executado ou de bens penhoráveis, obedece regras próprias para a execução fiscal. Nessas circunstâncias, passado um ano da suspensão da execução nessas hipóteses (§ 1º) e persistindo o insucesso na localização do executado ou de bens penhoráveis, deve haver a remessa dos autos ao arquivo (§ 2º), fato que deflagra o prazo prescricional anteriormente interrompido (§ 4º).”

9

Por fim, cumpre registrar que requerimentos infrutíferos quanto à localização de bens à penhora

não têm o condão de interromper o curso do prazo da prescrição intercorrente iniciado com o arquivamento provisório da execução fiscal. É o que afirma a doutrina de Ari Pedro Lorenzetti: “... são irrelevantes as buscas ou quaisquer outros atos promovidos pela Fazenda Pública durante o período, a menos que sejam encontrados bens penhoráveis. Todavia, por mais atos que a Fazenda Pública pratique após o arquivamento, se não obtiver êxito, não conseguirá obstar a liberação do executado”.

10

A jurisprudência orienta-se no mesmo sentido: “Os requerimentos de bloqueios de bens,

negativamente respondidos, não têm o condão de suspender ou interromper o prazo prescricional. Antes, comprovam que a exequente não logrou êxito no seu mister de localizar bens penhoráveis do devedor”. (STJ-2ª T., REsp 1.305.755, Min. Castro Meira, j. 3.5.12, DJU 10.5.12).

Por derradeiro, cumpre observar que a legislação fiscal abandona o modelo anterior de prescrição intercorrente, no qual se reputava relevante a conduta subjetiva do exequente no processo, para redefinir a prescrição intercorrente sob uma perspectiva objetiva, na qual interessam apenas dois (2) elementos objetivos – a inexistência de bens para penhorar e o decurso do tempo. A lição é de André Araújo Molina. Para o jurista, o modelo adotou uma perspectiva objetiva, independentemente do elemento subjetivo da inércia do exequente, para considerar apenas os critérios objetivos da inexistência de bens e da passagem do tempo, ainda que o exequente demonstre real interesse (frustrado) nas diligências para a busca de bens penhoráveis.

11

Em outras palavras, já não mais se exige tenha o exequente incorrido em conduta negligente

caracterizadora de inércia processual injustificada para se ter por iniciada a fluência do prazo prescricional intercorrente na execução fiscal. Esse elemento subjetivo é definitivamente abandonado pelo legislador tanto na edição da Lei n. 11.051/2004 quanto na edição Lei n. 11.960/2009, as quais acrescentaram ao art. 40 da Lei n. 6.830/80 os §§ 4º e 5º, respectivamente.

Afirma-se, por isso, que a prescrição intercorrente na execução fiscal assumiu perspectiva

objetiva: mesmo que a conduta subjetiva do exequente não possa ser identificada como conduta negligente caracterizadora de inércia processual injustificada, a inexistência de bens para penhorar é o

9 Theotonio Negrão e outros. Novo Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 47 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

p. 1351.

10 A prescrição e a decadência na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009. p. 303.

11 “A prescrição intercorrente na execução trabalhista”. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 3 (2017), nº 2. p. 143.

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fato objetivo que faz disparar a fluência do prazo prescricional intercorrente na execução fiscal, desde já tenha ocorrido o arquivamento provisório dos autos (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 4º). A adoção dessa perspectiva objetiva é confirmada no enunciado da Súmula 314 do STJ: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.” O fato de o exequente fazer sucessivos requerimentos infrutíferos não interrompe a fluência do prazo da prescrição intercorrente na execução fiscal.

O prazo de prescrição intercorrente que começa a fluir, nos executivos fiscais, após o

arquivamento provisório dos autos, somente é interrompido quando a penhora de bens ocorre e se logra promover a satisfação da execução mediante a alienação judicial do bem penhorado. Vale dizer, na execução fiscal, ainda que a Fazenda Pública faça requerimentos ao juízo com a finalidade de se fazer realizar a penhora de bens, essa pró-atividade processual não tem eficácia jurídica para fazer interromper o curso do prazo da prescrição intercorrente se a penhora não for exitosa.

Essa digressão é necessária porque parece que a Reforma Trabalhista instituída pela Lei n.

13.467/2017 não adotou a mera perspectiva objetiva de prescrição intercorrente imposta aos executivos fiscais pelas Leis n. 11.051/2004 e n. 11.960/2009. A Reforma Trabalhista, ao introduzir a prescrição intercorrente na execução de forma expressa, adotou o modelo de prescrição intercorrente no qual se toma em consideração a conduta subjetiva do exequente que permanece inerte mesmo após instado pelo juízo a promover a execução. É o que indica o § 1º do art. 11-A da CLT, ao estabelecer que “a fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução”. Voltaremos a essa questão depois de examinar o tratamento que o Código de Processo Civil 2015 conferiu ao tema da prescrição intercorrente.

3. A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO CPC DE 2015 A prescrição intercorrente na execução no CPC de 2015 tem regência legal semelhante àquela

adotada nos executivos fiscais, sobretudo depois das explicitações trazidas à execução fiscal com o advento das Leis n. 11.051/2004 e 11.960/2009, revelando que o tema da prescrição intercorrente recebeu disciplina semelhante nesses dois diplomas legais.

O CPC disciplina a prescrição intercorrente nos seguintes termos: “Art. 921. Suspende-se a execução: [...] III - quando o executado não possuir bens penhoráveis; [...] § 1º. Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o

qual se suspenderá a prescrição. § 2º. Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam

encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos. § 3º. Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem

encontrados bens penhoráveis. § 4º. Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o

prazo de prescrição intercorrente. § 5º. O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício,

reconhecer a prescrição de que trata o § 4º e extinguir o processo. ... Art. 924. Extingue-se a execução quando: [...] V - ocorrer a prescrição intercorrente.” O art. 924, V, do CPC estabelece que a prescrição intercorrente é causa extintiva da execução. A

previsão legal é suficiente para afastar interpretação em favor da tese imprescritibilidade da execução no processo civil. Se a interpretação isolada do § 3º do art. 921 pode conduzir o intérprete desavisado à tese da imprescritibilidade, a interpretação sistemática dos arts. 921 e 924 do CPC revela a

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insubsistência da ideia de imprescritibilidade. Se a prescrição intercorrente pode ser declarada (CPC, art. 921, § 5º), a interpretação que se impõe, para harmonizar os preceitos em questão, é aquela segundo a qual a locução “a qualquer tempo” há de que compreendida no sentido de que o desarquivamento dos autos previsto no § 3º do art. 921 do CPC é possível enquanto não consumada a prescrição. É dizer, o desarquivamento dos autos será possível se o prazo prescricional não tiver transcorrido por inteiro. A leitura seria então: o desarquivamento dos autos será possível a qualquer tempo desde que não consumada a prescrição.

Os §§ 1º e 2º do art. 921 do CPC fixam o arquivamento provisório como marco inicial para a

retomada da contagem do prazo prescricional na execução civil, a exemplo do que ocorre no âmbito dos executivos fiscais (Lei n. 6.830/80, art. 40, §§ 2º e 4º).

Esse arquivamento provisório dos autos deve ocorrer um ano após a suspensão da execução. A suspensão da execução ocorre quando o executado não possuir bens penhoráveis (CPC, art.

921, III), tal qual ocorre nos executivos fiscais (Lei n. 6.830/80, art. 40, caput). O prazo de suspensão da execução é de um (1) ano (CPC, art. 921, § 1º). Durante esse prazo de um (1) ano de suspensão da execução, a prescrição estará suspensa (CPC, art. 921, § 1º). Entretanto, decorrido esse prazo de um (1) ano, sem que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento provisório dos autos (CPC, art. 921, § 2º), data a partir da qual terá início o curso do prazo prescricional intercorrente na execução civil. E o § 5º do art. 921 do CPC prevê que o juiz poderá reconhecer a prescrição intercorrente de ofício e extinguir o processo, depois de ouvidas as partes. Trata-se de disciplina legal semelhante à adotada na Lei de Executivos Fiscais (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 4º). As partes são ouvidas apenas para indicar eventual causa de suspensão ou interrupção da prescrição e não para requerer novas diligências de penhora. Isso porque o prazo prescricional já estará consumado, salvo a caracterização de causa de suspensão ou interrupção da prescrição.

Assim como ocorre no âmbito dos executivos fiscais (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 3º), somente se

forem encontrados bens penhoráveis do executado é que a execução civil terá prosseguimento (CPC, art. art. 921, § 3º). Daí a percepção de que também o CPC adota a perspectiva objetiva para a aplicação da prescrição intercorrente.

A previsão do § 3º do art. 921 do CPC é de que “Os autos serão desarquivados para

prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.” Conforme já afirmado, a locução “se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis” deve ser interpretada de forma sistemática com os demais preceitos dos arts. 921 e 924 do CPC, de modo a evitar que a interpretação literal e isolada dessa locução conduza à tese da imprescritibilidade da execução. Trata-se de conferir à matéria no CPC a mesma interpretação sistemática que a doutrina e a jurisprudência outorgam ao § 3º do art. 40 da LEF, conformando a exegese da locução “a qualquer tempo” aos demais preceitos legais incidentes, de modo a submeter a interpretação dessa locução à supremacia da diretriz hermenêutica da prescritibilidade do direito a exigir pretensão relativa à obrigação de natureza civil.

Desta forma, assim compreendida a questão em razão da interpretação sistemática a ser

observada na execução civil, a retomada da execução pode ser feita a qualquer tempo, mas desde que antes da consumação do prazo da prescrição intercorrente. Para a retomada da execução civil, o exequente deve indicar bens à penhora. Mas não basta a mera indicação; a simples apresentação de petição não interrompe a prescrição intercorrente que começou a correr quando do arquivamento provisório dos autos. É necessário que a penhora seja realizada de fato, de modo que a execução civil tenha efetivo prosseguimento, com a alienação do bem penhorado e a satisfação da execução.

É ilustrativa a doutrina de André Araújo Molina no particular: “Com o arquivamento provisório e

reinício da contagem do prazo para a prescrição, a existência de pedidos reiterados, ainda que diligências inúteis tenham sido realizadas, não suspendem ou interrompem o prazo da prescrição que voltou a correr, sendo decisivo que o exequente encontre novos bens e instigue o juiz para a realização da penhora e alienação (art. 40 da Lei 6.830 de 1980 c/c 921, § 3º, do CPC de 2015), extinguindo-se a

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execução pelo pagamento ou pela transação (art. 924, II e III, do CPC de 2015), antes da consumação do prazo de prescrição”.

12

Na execução fiscal, somente a efetivação da penhora interrompe o curso do prazo prescricional

intercorrente iniciado com o arquivamento provisório dos autos. Na execução civil ocorre o mesmo. Assim, requerimentos infrutíferos de penhora de bens não interrompem o curso prescricional já iniciado, seja na execução fiscal, seja na execução civil.

4. A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO TRABALHISTA – ASPECTOS GERAIS Antes do advento da denominada Reforma Trabalhista, instituída pela Lei n. 13.467/2017, embora

a doutrina majoritária manifestasse, com fundamento na previsão do art. 884, § 1º, da CLT13

, posicionamento a favor da aplicabilidade da prescrição intercorrente à execução trabalhista (Mozart Victor Russomano, Valentin Carrion, Wilson de Souza Campos Batalha, Alice Monteiro de Barros, Amauri Mascaro Nascimento, Francisco Antonio de Oliveira, Manoel Antonio Teixeira Filho, Carlos Henrique Bezerra Leite, Sérgio Pinto Martins, Amador Paes de Almeida, Júlio César Bebber, Vitor Salino de Moura Eça, Rodolfo Pamplona Filho e Mauro Schiavi), a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho orientava-se em sentido contrário na Súmula 114. O enunciado da Súmula 114 do TST é no sentido de que “É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”. A súmula 114 do TST foi aprovada no ano de 1980.

A Lei n. 13.467/2017 acrescentou à CLT o art. 11-A, disciplinando a aplicação da prescrição

intercorrente na execução trabalhista. A redação do preceito é a seguinte: “Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos. § 1º. A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir

determinação judicial no curso da execução. § 2º. A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em

qualquer grau de jurisdição.” Em que pese não se desconheça a ponderação de retrocesso social em relação à orientação

estabelecida na Súmula 114 do TST acerca da matéria da prescrição intercorrente na execução trabalhista, o primado da legalidade (CF, art. 5º, II) impõe a observância da nova legislação, já que parece de difícil sustentação a tese da inconstitucionalidade do art. 11-A da CLT reformada. Afirma-se que parece de difícil sustentação a tese da inconstitucionalidade do art. 11-A da CLT reformada porque se imagina que essa interpretação não teria acolhida no âmbito nos Tribunais Superiores e no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, seja em face da literalidade do art. 11-A da CLT reformada, seja em face da previsão do § 1º do art. 884 da CLT; seja em face da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (S-372-STF). Aliás, o legislador pretendeu positivar a diretriz da Súmula 372 do STF no art. 11-A da CLT.

É preciso tentar compreender o alcance do novo dispositivo legal. O prazo de dois (2) anos é um elemento objetivo. Esse prazo está previsto no caput do art. 11-A

da CLT reformada, de forma expressa. O prazo de dois (2) anos aplica-se quando a ação reclamatória trabalhista foi proposta após a extinção do contrato de trabalho. Entretanto, quando o contrato de trabalho estiver em curso, o prazo será de cinco (5) anos, de forma a fazer valer o prazo prescricional

12

“A prescrição intercorrente na execução trabalhista”. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 3 (2017), nº 2. p. 143.

13 “Art. 884. Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado cinco dias para apresentar embargos, cabendo

igual prazo ao exequente para impugnação.

§ 1º. A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida.”

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quinquenal estabelecido na Constituição Federal (art. 7º, XXIX) e na CLT (art. 11), conclusão que decorre da hermenêutica imposta pelo método sistemático de interpretação do ordenamento jurídico.

Maior celeuma também não deve gerar a previsão de declaração de ofício da prescrição

intercorrente na execução trabalhista, seja porque a literalidade do preceito assim o estabelece (CLT, art. 11-A, § 2º), seja porque a declaração da prescrição intercorrente de ofício tornou-se regra legal tanto nos executivos fiscais (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 4º) quanto na execução cível (CPC, art. 921, § 5º). O sistema jurídico nacional registra uma tendência legislativa no sentido do pronunciamento da prescrição de ofício. A Lei n. 11.280/2006 introduziu o § 5º no art. 219 do CPC de 1973, para estabelecer que “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.” Essa tendência orienta também o CPC de 2015. O CPC vigente prevê que haverá resolução do mérito quando o juiz “... decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou de prescrição” (CPC, art. 487, II).

Cumpre enfrentar agora o alcance da previsão legal do § 1º do art. 11-A da CLT. Trata-se do

preceito que enseja maior controvérsia. O preceito está assim redigido: “§ 1º. A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução.”

O preceito legal prevê a existência de um fato que determina o início da fluência do prazo

prescricional intercorrente na execução trabalhista. Esse fato é o descumprimento de determinação judicial pelo exequente. Significa dizer que o art. 11-A, § 1º, da CLT encerra um requisito normativo adicional em relação à regência legal do tema estabelecida na LEF e no CPC para a prescrição intercorrente, pois prevê que uma específica determinação judicial tenha sido estabelecida pelo juízo da execução e que essa determinação não tenha sido cumprida pelo exequente.

Na LEF e no CPC, não há tal previsão; de tal modo que a fluência do prazo de prescrição

intercorrente inicia-se com o fato objetivo do arquivamento provisório dos autos tanto nos executivos fiscais (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 4º) quanto na execução civil (CPC, art. 921, §§ 2º e 4º). Em outras palavras, nos executivos fiscais e na execução civil não há previsão legal para a realização de um novo ato pelo qual o juízo insta o exequente a cumprir determinada ordem judicial, de tal modo que a fluência do prazo prescricional tem início – imediata e automaticamente – com o arquivamento provisório dos autos. Esse fato objetivo – o arquivamento provisório dos autos – é suficiente para, isoladamente, fazer disparar a fluência do prazo prescricional intercorrente tanto no âmbito da execução fiscal quanto no âmbito da execução civil.

Na execução trabalhista, contudo, a disciplina da matéria é diversa, porquanto o legislador

introduziu na CLT o requisito normativo adicional de que tenha havido o descumprimento, pelo exequente, de uma específica determinação judicial, para que então – e só daí então – se tenha por iniciada a fluência do prazo prescricional intercorrente de dois (2) anos. O problema está em saber de que espécie de determinação judicial cuida o legislador no § 1º do art. 11-A da CLT.

Parece razoável presumir que se trata de determinação judicial para o exequente impulsionar a execução. Essa presunção apresenta-se em consonância com a denominada interpretação autêntica, na medida que, na justificativa do preceito em estudo, o legislador consignou: “[...] o marco inicial deste prazo ocorre somente quando o o próprio exequente deixar de cumprir alguma determinação do juízo para prosseguir com o processo.”

Vejamos algumas espécies de determinação judicial de que se pode cogitar. A primeira hipótese é a de apresentação de artigos de liquidação pelo exequente.

14 Diante da

previsão de execução de ofício existente na redação originária do art. 878, caput, da CLT, a jurisprudência do TST foi construída na perspectiva de que não se poderia cogitar de prescrição intercorrente, na medida em que se compreendia ser incumbência do juízo promover a execução de

14

A liquidação por cálculos pode continuar determinada de ofício pelo juízo da execução, pois nessa modalidade de liquidação de sentença não há necessidade de alegar e provar fato novo.

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ofício, não podendo o exequente ser prejudicado pela inércia estatal ou por medidas protelatórias adotadas pelo executado, consoante se recolhe dos precedentes que conduziram à edição da Súmula 114 do TST. Entretanto, como o juízo da execução não pode substituir a parte exequente na apresentação de artigos de liquidação diante da necessidade de alegar e provar fatos novos nessa modalidade de liquidação de sentença, a jurisprudência do TST identificou nessa situação hipótese para realizar uma distinção – no âmbito da aplicação da Súmula 114 do TST – quando a necessidade de apresentação de artigos de liquidação impunha a necessária iniciativa do exequente, admitindo então que nessa particular situação a inércia injustificada do exequente teria o efeito de fazer iniciar a fluência do prazo prescricional intercorrente, pois, do contrário, o processo ficaria indefinidamente pendente de solução.

15

Certamente, a determinação judicial para que o exequente apresente artigos de liquidação é uma

hipótese em que se tem por preenchido o suporte fático da norma em estudo quando o exequente permanecer inerte diante da ordem do juízo. A previsão legal, contudo, abrange outras hipóteses de descumprimento de determinação judicial. Essa interpretação decorre do enunciado genérico da locução empregada pelo legislador no preceito em exame – “quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução”. Mauro Schiavi cita os seguintes exemplos: “indicação de bens do devedor, informações necessárias para o registro da penhora, instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica etc.”.

16

Conquanto o preceito legal em estudo constitua-se como uma espécie de cláusula geral em face

do enunciado genérico de sua redação, não parece razoável admitir que o juízo da execução possa invocar o preceito do § 1º do art. 11-A da CLT para se desvencilhar do dever funcional previsto no art. 765 da CLT de determinar “qualquer diligência necessária” a assegurar o resultado útil do processo, para transferir para o exequente a incumbência de realizar desde as primeiras pesquisas de bens à penhora, quando é o juízo da execução que tem acesso aos sistemas informatizados de pesquisa patrimonial eletrônica capaz de promover a constrição de patrimônio necessária à satisfação da dívida trabalhista.

Uma tal interpretação contrariaria – além do princípio da proteção (CLT, art. 9º

17) – tanto a norma

de sobredireito do art. 765 da CLT18

quanto a norma do art. 139, IV, do CPC19

, aplicável ao processo do trabalho (CLT, art. 769; CPC, art. 15; Instrução Normativa n. 39/2016 do TST, art. 3º, III

20), acarretando

15

TST-SBDI1 – ERR 0693039-80.2005.10.0004 – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJE 08.05.2009. No mesmo sentido, TST-SBDI2 – RO 0000014-17.2014.5.02.0000 – Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues – DEJT 06.000003.2015.

16 A reforma trabalhista e o processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2017. p. 76.

17 “Art. 9º. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos

preceitos contidos na presente Consolidação.”

18 “Art. 765. Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido

das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”

19 “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”. 20

“Art. 3º. Sem prejuízo de outros, aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam os seguintes temas: ...

III – art. 139, exceto a parte final do inciso V (poderes, deveres e responsabilidades do juiz);”.

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maltrato também ao princípio de direito administrativo da eficiência da administração pública (CF, art. 37, caput

21; CPC, art. 8º

22).

Cumpre observar que o art. 139, IV, do CPC estabelece ser incumbência do magistrado

determinar todas as medidas necessárias ao cumprimento das decisões judiciais. Essa incumbência do magistrado aplica-se também na execução por quantia, aspecto em relação ao qual é de se registrar que o novo tratamento da matéria no CPC de 2015 denota a superação do paradigma restritivo que orientava o CPC revogado. O novo paradigma visa à efetividade da execução de crédito, inserindo-se numa clara perspectiva de ruptura com o modelo anterior, que ficara identificado pela marca da ineficácia da execução de crédito. O preceito do 139, IV, do CPC “(...) pode ser considerado um adequado desdobramento supletivo e subsidiário do comando contido no art. 765 CLT, na medida em que complementa e reforça a expressão ‘qualquer diligência’ a que o dispositivo consolidado faz menção”, conforme a produtiva observação de Manoel Carlos Toledo Filho

23.

De outra parte, não se deve cogitar de fluência do prazo de prescrição intercorrente antes de

terem sido esgotadas – pelo juízo da execução, de ofício, – as demais providências necessárias à satisfação da execução, entre as quais figuram – além da pesquisa patrimonial eletrônica de bens – tanto o redirecionamento da execução contra os sócios da sociedade executada quanto a pesquisa acerca de existência de grupo econômico, caso não encontrados bens da sociedade executada; o protesto extrajudicial da sentença; a inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes; a indisponibilidade de bens via Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, dentre outras providências.

5. A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO TRABALHISTA – ASPECTOS

ESPECÍFICOS: A QUESTÃO DA EXECUÇÃO DE OFÍCIO A Reforma Trabalhista pretendeu articular a introdução da prescrição intercorrente com a

eliminação da execução de ofício. O propósito teria sido o de retirar eficiência da jurisdição trabalhista, nada obstante a Administração Pública seja regida pelo princípio da eficiência (CF, art. 37, caput; CPC, art. 8º). A Lei n. 13.467/2017 contraria o princípio da eficiência na Justiça do Trabalho. A Reforma Trabalhista é uma espécie de punição à eficiência da Justiça do Trabalho, o ramo mais eficiente da jurisdição brasileira. A Reforma Trabalhista objetiva uma jurisdição menos eficiente, na contramão do projeto constitucional de construção de um aparato judiciário eficiente.

O impulso do processo do trabalho pelo magistrado é uma característica histórica do sistema

processual do trabalho no Brasil. Daí afirmar-se que a execução de ofício é um dos princípios do Direito Processual do Trabalho. A acertada observação é de Homero Batista Mateus da Silva.

24 Eliminar a

execução de ofício significa descaracterizar um dos elementos essenciais do direito processual do trabalho. Não é só o aspecto conceitual da autonomia científica do processo do trabalho que resta mutilado, a Reforma foi pragmática na realização do desiderato de enfraquecer o direito processual do trabalho na prática, suprimindo uma das principais virtudes do procedimento trabalhista. Entretanto, foi

21

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ...”.

22 “Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e

promovendo a dignidade da pessoa humana, e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”

23 Comentários ao novo CPC e sua aplicação ao Processo do Trabalho. vol. I. José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva

(coordenador). São Paulo: LTr, 2016. p. 200.

24 Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo: RT, 2017. p. 169.

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mantida a possibilidade de execução de ofício do crédito previdenciário. O crédito principal não pode ser executado de ofício (o crédito trabalhista), enquanto que o crédito acessório (crédito previdenciário) pode ser executado de ofício (CLT, art. 876, parágrafo único

25). É um contrassenso. Não é racional que no

mesmo processo se possa executar de ofício o crédito previdenciário acessório e não se possa executar de ofício o crédito trabalhista principal, sobretudo quando se considera que o crédito trabalhista serve de base de cálculo às contribuições previdenciárias. Trata-se de uma alteração legislativa ilógica.

Me parece que a maioria dos magistrados do trabalho não vai acatar essa mutilação do processo

do trabalho. Isso porque continua vigente a norma de sobredireito processual do art. 765 da CLT, a qual atribui ao juiz o dever de velar pela rápida solução da causa. Essa mesma norma legal atribui ao magistrado a incumbência de “determinar qualquer diligência necessária”. A interpretação desse preceito da CLT deve ser realizada em conformidade com a Constituição Federal. A Constituição estabelece que os cidadãos têm direito à razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII). A interpretação do art. 765 da CLT conforma-se à previsão constitucional apenas quando se assegura às partes a rápida solução da causa em concreto. Daí por que não parece conforme à Constituição a interpretação de que a execução trabalhista seja realizada apenas se houver iniciativa do exequente. De outra parte, o novo Código de Processo Civil atribui ao juiz a incumbência de adotar todas as medidas necessárias ao cumprimento das determinações judiciais (CPC, art. 139, IV), evidenciando que a sociedade quer pronto cumprimento das decisões judiciais.

O processo do trabalho apresenta particularidades que motivam a atuação de ofício do juiz do

trabalho na execução. Entre essas particularidades está a natureza alimentar do crédito trabalhista. A estatura jurídica conferida ao crédito trabalhista na ordem de classificação dos créditos no direito brasileiro levou a Superior Tribunal de Justiça a qualificar o crédito trabalhista como crédito necessarium vitae.

26 Posicionado no ápice da classificação de créditos na ordem jurídica nacional (CTN, art. 186), o

superprivilégio legal do crédito trabalhista constitui uma expressão pela qual se manifesta o primado da dignidade da pessoa humana no sistema de Direito brasileiro. Trata-se de um tipo de crédito especial, ao qual a ordem jurídica confere primazia ainda quando em cotejo com o crédito fiscal, cuja característica é expressar o superior interesse público que o Estado tem na arrecadação de tributos necessária à consecução da vida em sociedade (CTN, art. 186). Em resumo, a ordem jurídica brasileira confere primazia ao crédito trabalhista no cotejo com o crédito fiscal.

Observo que a Lei n. 6.830/80 representou importante passo na desburocratização do processo

27,

ao prever que o despacho do juiz que deferir a inicial importa em ordem para citação, penhora, arresto, registro da penhora ou do arresto, independentemente do pagamento de despesas, e avaliação dos bens. Trata-se do art. 7º da Lei n. 6.830/80

28. Deferida a petição inicial – e a regra é o deferimento –, os

25

“Art. 876. ... Parágrafo único. A Justiça do Trabalho executará, de ofício, as contribuições sociais previstas na alínea a do inciso I e no inciso II do caput do art. 195 da Constituição Federal, e seus acréscimos legais, relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e dos acordos que homologar.”

26 STJ. 1ª Turma. REsp nº 442.325. Relator Min. Luiz Fux. DJU 25.11.2002, p. 207.

27 Marcos Cavalcanti de Albuquerque. Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Madras, 2003. p. 30.

28 “Art. 7º. O despacho do Juiz que deferir a inicial importa em ordem para:

I – citação, pelas sucessivas modalidades previstas no art. 8º;

II – penhora, se não for paga a dívida, nem garantida a execução, por meio de depósito ou fiança;

III – arresto, se o executado não tiver domicílio ou dele se ocultar;

IV – registro da penhora ou do arresto, independentemente do pagamento de custas ou outras despesas, observado o disposto no art. 14; e

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atos necessários à execução fiscal são realizados automaticamente, de ofício. Salvo a rara hipótese de indeferimento da petição inicial, basta o ajuizamento da ação para que todos os atos necessários à execução fiscal sejam realizados de ofício. A norma visa à concreta realização do crédito fiscal, cuja satisfação atende ao interesse público de prover as políticas de Estado. A simplificação procedimental justifica-se diante do privilégio legal que o crédito fiscal ostenta na ordem jurídica nacional (CTN, art. 186

29). É intuitiva a conclusão de que ao crédito trabalhista deve ser assegurada sua execução de ofício,

à semelhança do que ocorre nos executivos fiscais, na medida em que a ordem jurídica posiciona o crédito trabalhista acima do crédito fiscal na classificação dos créditos, conferindo-lhe o superprivilégio legal que levou o Superior Tribunal de Justiça a identificá-lo como crédito necessário à vida.

Tem razão Platon Teixeira de Azevedo Neto quando pondera que a Reforma Trabalhista também

contraria os arts. 4º e 6º do CPC30

, de aplicação supletiva no processo do trabalho (CLT, art. 769; CPC, art. 15). O art. 4º do CPC é contrariado porque se trata de norma que estabelece o direito de as partes de obterem solução integral do mérito em prazo razoável, incluída a atividade satisfativa. O art. 6º é contrariado porque estabelece que todos os sujeitos do processo devem cooperar para obter-se uma decisão justa e efetiva. Esses dispositivos integram as normas fundamentais do novo CPC, conformando a teoria geral do processo civil. A aparente antinomia de normas de mesma hierarquia deve ser resolvida por uma interpretação sistemática e por uma hermenêutica principiológica. O acertado magistério é de Platon Teixeira de Azevedo Neto.

31 Acrescento que a teoria do diálogo das fontes pode ser útil à conformação da

interpretação sistemática postulada por Azevedo Neto, na medida em que o recurso à norma de ordem pública do art. 186 do Código Tributário Nacional pode permitir conformar interpretação sistemática no sentido de conferir dimensão também processual à primazia do crédito necessarium vitae, sobretudo se os juristas trabalharem com interpretação conforme à Constituição, na perspectiva da razoável duração do processo e da eficiência da atividade estatal judicial.

Por derradeiro, uma ponderação de matiz consequencialista. O impulso da execução de ofício pelo juiz do trabalho não acarretará nulidade processual. A nulidade processual caracteriza-se quando o ato processual acarretar manifesto prejuízo para a parte. A norma está prevista no art. 794 da CLT.

32 O

prejuízo de que se cogita aqui é prejuízo de natureza processual. O prejuízo de natureza processual caracteriza-se apenas quando o exercício de determinada faculdade processual da parte lhe for negado pelo juízo. Na medida em que se assegure ao executado – como, aliás, ordinariamente é mesmo assegurado – a faculdade processual de opor embargos à execução após a realização da penhora, não se poderá cogitar de nulidade processual, porquanto nessa situação não caracterizar-se-á o manifesto prejuízo processual de que trata o art. 794 da CLT. Isso porque a faculdade processual do executado é a de se opor à execução mediante a apresentação dos embargos previstos no art. 884 da CLT. Assegurado ao executado o exercício da faculdade processual prevista no art. 884 da CLT, já não mais se poderá cogitar de nulidade processual em decorrência do fato de a execução ter sido impulsionada de ofício diante da ausência de prejuízo processual. E, ainda que se pudesse cogitar de nulidade processual, eventual nulidade processual restaria convalidada por ter sido assegurado ao executado o

V – avaliação dos bens penhorados ou arrestados.”

29 “Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a sua natureza o tempo de sua constituição, ressalvados

os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente do trabalho.”

30 Antonio Umberto de Souza Júnior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto. Reforma

Trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei nº 13.467/2017. São Paulo?: Ridell, 2017. p. /////

31 Antonio Umberto de Souza Júnior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto. Reforma

Trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei nº 13.467/2017. São Paulo?: Ridell, 2017. p. /////

32 “Art. 794. Nos processos sujeitos à apreciação da Justiça do Trabalho só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados

manifesto prejuízo às partes litigantes.”

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exercício do contraditório na execução, como, aliás, é da experiência ordinária do foro. Incide, aqui, a teoria teleológica das nulidades processuais: se a finalidade foi alcançada, o ato é considerado válido, mesmo que o itinerário processual observado não seja exatamente aquele prescrito em lei.

6. A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO TRABALHISTA – ASPECTOS

ESPECÍFICOS: A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NÃO RETROAGE No caso de nova hipótese de prescrição instituída por lei superveniente, a fluência do prazo

prescricional somente pode ter início a partir da vigência da nova lei. É lição clássica que a instituição de novo prazo prescricional não pode ter efeito retroativo. Mais do que isso: o novo lapso prescricional somente pode ser contado para frente – é a partir da vigência da nova lei que pode ter início a fluência do prazo prescricional fixado na lei que estabelece a nova hipótese de prescrição. A lição decorre do postulado da segurança jurídica.

Assim sendo, na hipótese da prescrição intercorrente instituída pelo art. 11-A da CLT reformada,

a fluência do prazo prescricional somente pode ter início a partir da vigência da Reforma Trabalhista. Portanto, não poderá o magistrado, a pretexto de aplicar a nova lei, procurar processos parados há dois anos e declarar a prescrição intercorrente de forma retroativa. Isso porque se trata de nova hipótese de prescrição, situação em que os respectivos efeitos projetam-se – necessária e exclusivamente – para o futuro; nessa hipótese não se pode atribuir efeito retroativo à lei, sob pena de maltrato ao postulado da segurança jurídica. A lição doutrinária é de Homero Batista Mateus Silva. O autor invoca o magistério em que Pontes de Miranda afirma que esse tipo de situação – lei que institui nova hipótese de prescrição – equivale à criação de uma nova modalidade de prescrição sobre a pretensão deduzida pela parte. Logo, o novo prazo prescricional somente tem aplicação a partir da criação da nova hipótese de prescrição instituída, sem possibilidade de operar efeito retroativo; e com início da contagem do prazo apenas para o futuro, a partir da vigência da lei instituidora da nova modalidade de prescrição criada pelo legislador.

33

Essa diretriz hermenêutica é confirmada na obra clássica de Carlos Maximiliano: “Prescrição. Submetem-se à exegese estrita as normas que introduzem casos especiais de prescrição, porque esta limita o gozo de direito”.

34

Mesmo aqueles magistrados que aplicavam a prescrição intercorrente na execução trabalhista

antes do advento da Lei n. 13.467/2017, fazendo-o mediante a aplicação do art. 40 da Lei de Executivos Fiscais, com fundamento na previsão do art. 889 da CLT, devem considerar que a Lei n. 13.467/2017 instituiu nova hipótese de prescrição, a ser aplicada a partir da vigência da lei e sem caráter retroativo, de modo a evitar seja o exequente surpreendido por prematura declaração de prescrição intercorrente da execução, quando a jurisprudência uniformizada na Súmula 114 do TST afirmava não ser aplicável a prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho.

Essa mesma diretriz hermenêutica foi adotada no CPC de 2015 no que diz respeito à prescrição

intercorrente na execução. No art. 921 do CPC, o novo diploma processual civil explicitou a aplicabilidade da prescrição intercorrente à execução civil. O CPC de 1973 não havia explicitado a aplicabilidade da prescrição intercorrente na execução. Nos estudos em que são comparados ambos os códigos, a doutrina é pacífica ao afirmar que o CPC de 1973 não tinha dispositivo equivalente aos §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do inciso III do art. 921 do CPC de 2015.

No art. 1.056 do CPC de 2015, o legislador houve por bem inserir norma de direito intertemporal

destinada a promover segurança jurídica na aplicação da prescrição intercorrente na execução civil. É interessante observar – sob a perspectiva da tópica – que se trata de norma integrante das Disposições Finais e Transitórias do CPC de 2015. Tendo explicitado a hipótese de aplicação de prescrição intercorrente na execução civil no art. 921, o legislador do CPC de 2015 adotou a cautela de definir o

33

Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo: RT, 2017. p. 203/204.

34 Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20 ed. 3 tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 190.

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termo inicial do prazo prescricional em questão, com o evidente propósito de evitar surpresa ao exequente e com a finalidade de promover segurança jurídica na aplicação da nova norma, ciente de que a instituição de nova hipótese de prescrição reclamava dispositivo definidor do termo inicial do prazo prescricional explicitado no art. 921 do CPC.

A norma de direito intertemporal em questão tem a seguinte redação: “Art. 1.056. Considerar-se-á

como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V, inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código”.

É interessante reiterar que o CPC de 1973 não tinha norma explícita acerca de prescrição

intercorrente na execução. Nada obstante o silêncio do CPC de 1973, a doutrina e a jurisprudência enfrentaram o tema mediante interpretação sistemática e sempre concluíram pela aplicabilidade da prescrição intercorrente na execução, apesar da omissão do Código revogado acerca da matéria. O fato de a doutrina e a jurisprudência terem concluído pela aplicabilidade da prescrição intercorrente na execução civil não dispensou o legislador do CPC de 2015 da cautela de definir, para promover segurança jurídica, que a prescrição intercorrente na execução, explicitada no art. 921 do CPC, somente tem sua fluência a partir da data de vigência do CPC de 2015.

O mesmo raciocínio jurídico é válido para a aplicação da prescrição intercorrente na execução

trabalhista. A exemplo da previsão do art. 1.056 do CPC, no caso de prescrição intercorrente na execução trabalhista somente se pode cogitar do início da fluência do prazo prescricional a partir da vigência da Lei n. 13.467/2017. Significa dizer que não se pode aplicar o art. 11-A da CLT reformada de forma retroativa; mais do que isso, é só a partir da vigência da Lei n. 13.467/2017 que se pode cogitar do início da fluência do prazo prescricional de dois (2) anos estabelecido no art. 11-A da CLT. Recorrendo à fórmula adotada na redação do art. 1.056 do CPC, poder-se-á enunciar a regra de que o termo inicial do prazo de prescrição prevista no art. 11-A da CLT reformada, inclusive para as execuções em curso, não poderá ocorrer senão depois da data de vigência da Lei n. 13.467/2017.

A fórmula adotada pelo legislador na redação do art. 1.056 do CPC tem a virtude de promover

segurança jurídica ao definir que o termo inicial do novo prazo prescricional somente pode começar a fluir depois da vigência da lei que instituiu a nova modalidade de prescrição no sistema jurídico, o que significa dizer que não há possibilidade de aplicação retroativa do novo prazo prescricional instituído.

Contudo, é preciso ponderar que essa fórmula apresenta-se incompleta – insuficiente – para

disciplinar a adequada aplicação da prescrição intercorrente na execução trabalhista, na medida em que o art. 11-A da CLT reformada exige a conformação do elemento adicional do descumprimento de uma específica determinação judicial pelo exequente, para que somente após esse descumprimento tenha início a fluência do prazo prescricional bienal (CLT, art. 11-A, § 1º). Na regência do CPC de 2015, não se exige a conformação desse elemento adicional, bastando o fato objetivo do arquivamento provisório dos autos para que tenha início a fluência do prazo prescricional intercorrente (CPC, art. 921, §§ 1º, 2º e 3º). Na regência da Lei dos Executivos Fiscais, também não se exige a conformação desse elemento adicional, bastando o fato objetivo do arquivamento provisório dos autos para que tenha início a fluência do prazo prescricional intercorrente (Lei n. 6.830/80, art. 40, §§ 2º e 4º). Na execução trabalhista, a prescrição intercorrente tem regência legal distinta daquela prevista na LEF e no CPC.

O legislador reformista da CLT, ciente de que fragilizava a tutela do crédito trabalhista ao instituir

a prescrição intercorrente na execução trabalhista quando a jurisprudência uniformizada na Súmula 114 do TST excluía essa modalidade de prescrição, houve por bem, presumivelmente para estabelecer alguma compensação, adotar perspectiva distinta da perspectiva objetiva que foi adotada nos executivos fiscais e na execução civil, ao estabelecer como requisito normativo adicional para a fluência do prazo prescricional o descumprimento, pelo exequente, de determinação judicial no curso da execução.

7. EM FAVOR DA APLICAÇÃO COMBINADA DA LEF E DO ART. 11-A DA CLT A aplicação do art. 40 da Lei de Executivos Fiscais à prescrição intercorrente na execução

trabalhista é defendida tanto por Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Péricles Rodrigues

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Marques de Lima35

quanto por André Araújo Molina36

. Manoel Antonio Teixeira Filho também defende essa aplicação.

37 Raphael Miziara segue o mesmo caminho, ponderando que a aplicação da LEF à

execução trabalhista não dispensa adaptações necessárias.38

Para Mauro Schiavi, o itinerário procedimental da LEF também seria aplicável à prescrição intercorrente. Embora faça menção ao procedimento instituído no art. 921 do CPC de 2015, o itinerário procedimental que o jurista entende aplicável é o mesmo previsto na Lei n. 6.830/80

39. Isso decorre da similitude que se registra na LEF e no

CPC na disciplina do tema da prescrição intercorrente. Para Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima essa

aplicação tem natureza subsidiária. Embora os juristas não o explicitem, presume-se que estão a trabalhar com a previsão do art. 889 da CLT, quando afirmam que se deve aplicar o rito do art. 40 da LEF na execução trabalhista para efeito de incidência da prescrição intercorrente, com exceção do prazo, que é de dois anos. Os juristas explicam o itinerário procedimental a ser obervado: “Então, primeiro se suspende a execução por um ano. Não sendo encontrado o devedor ou bens penhoráveis, inicia-se a contagem do prazo para a prescrição intercorrente”.

40 Embora tenham escrito já na vigência do art. 11-A

da CLT, os referidos juristas não abordam o papel adicional que poderia estar reservado à norma do § 1º do art. 11-A da CLT reformada para o equacionamento do tema.

André Araújo Molina escreveu sobre o tema prescrição intercorrente na execução antes da

Reforma Trabalhista e sustentou, na ocasião, que se aplicam, além do art. 40 da LEF, o art. 202, parágrafo único, do Código Civil, o art. 844, § 1º, da CLT e o art. 924, V, do CPC, tendo concluído, à época, que o procedimento seria então o seguinte: “1) não localizados bens do devedor, deve o magistrado determinar a suspensão da execução pelo prazo de 1 (um) ano; 2) havendo persistência na situação de não encontrar bens penhoráveis, o passo seguinte é a remessa dos autos ao arquivo provisório; 3) esgotado o prazo de prescrição de 2 ou 5 anos (conforme o caso), deverá o juiz intimar o exequente para se manifestar se ocorreu alguma das causas suspensivas; 4) ao final, pronunciar a prescrição intercorrente da pretensão.”

41 Como destacado, no artigo pesquisado, o jurista não tinha

conhecimento do teor que viria ser atribuído pela Lei n. 13.467/2017 ao art. 11-A da CLT reformada, de modo que suas ponderações tiveram em consideração a legislação vigente à época da publicação do artigo.

Entendo que a declaração da prescrição intercorrente na execução trabalhista deve obedecer –

combinadamente – tanto à previsão do art. 11-A, § 1º, da CLT quanto ao itinerário procedimental previsto no art. 40 da LEF, por força da previsão do art. 889 da CLT, dispositivo que manda aplicar na execução

35

Reforma trabalhista – entenda por ponto. São Paulo: LTr., 2017. p. 28.

36 “A prescrição intercorrente na execução trabalhista”. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 3 (2017), nº 2. p. 143.

37 O processo do trabalho e a reforma trabalhista. São Paulo: LTr, 2017. p. 38: “... consideramos aplicável ao processo do

trabalho a disposição encartada no art. 40 da Lei n. 6.830/80, segundo a qual o juiz suspenderá o curso da execução: a) enquanto não for localizado o devedor; ou b) não forem encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora (caput); decorrido o prazo de um ano, sem que o devedor tenha sido localizado ou os bens encontrados, determinará o arquivamento dos autos (§ 2º)”.

38 “A tutela da confiança e a prescrição intercorrente na execução trabalhista: o equívoco da instrução normativa nº 39 do

TST.” Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 5, n. 50, p. 204-222, maio de 2016.

39 A reforma trabalhista e o processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2017. p. 77: “... quando o executado não possuir bens

penhoráveis, ou não for localizado, pensamos que as providências preliminares do art. 921 do CPC (suspensão da execução por um ano, sem manifestação do exequente) devem ser aplicadas pela Justiça do Trabalho antes do início da fluência do prazo prescricional.”

40 Reforma trabalhista – entenda por ponto. São Paulo: LTr., 2017. p. 28.

41 “A prescrição intercorrente na execução trabalhista”. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 3 (2017), nº 2. p. 142.

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trabalhista os preceitos que regem os executivos fiscais naquilo que não contravierem ao Título do Processo Judiciário do Trabalho (arts. 763 a 910 da CLT). Assim entendo porque o art. 11-A da CLT mostra-se sintético e genérico, apresentando-se incompleto para disciplinar o complexo tema da prescrição intercorrente na execução trabalhista, como se conclui ao cotejar a regência legal do tema na CLT, na LEF e no CPC.

Além de apresentar-se fundada na previsão do art. 889 da CLT, essa interpretação em favor da

aplicação combinada da LEF e do art. 11-A, § 1º, da CLT é consentânea com a norma de direito material do art. 186 do CTN, que posiciona o crédito trabalhista no ápice da ordem de classificação de créditos no sistema de direito do país, colocando-se, essa interpretação, outrossim, na perspectiva da teoria do diálogo das fontes formais de direito que tratam da prescrição intercorrente no ordenamento jurídico nacional, de modo a evitar que créditos classificados em posição jurídica inferior tenham tutela jurídica superior àquela conferida ao crédito trabalhista no que diz respeito ao tema da prescrição intercorrente na execução.

Assim, por força da aplicação do art. 40 da LEF à execução trabalhista (CLT, art. 889), a

declaração de prescrição intercorrente na fase de execução da sentença trabalhista também deve ser antecedida do arquivamento provisório dos autos.

42

E, antes do arquivamento provisório dos autos, o juiz deverá, para observar o itinerário

procedimental previsto no art. 40 da LEF, de aplicação supletiva à execução trabalhista, suspender o curso da execução se não for localizado o devedor ou encontrados bens para a penhora (Lei n. 6.830/80, art. 40, caput) e intimar o exequente da suspensão da execução (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 1º).

Somente depois do decurso do prazo de um (1) ano sem que tenha sido localizado o devedor ou

encontrados bens penhoráveis é que o juiz determinará o arquivamento provisório dos autos na execução fiscal (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 2º). Durante esse prazo de um (1) ano, a execução ficará suspensa e o prazo prescricional ficará igualmente suspenso (Lei n. 6.830/80, art. 40, caput; CPC, art. 921, § 1º).

É depois desse período de um (1) ano que ocorre o arquivamento provisório dos autos. E é

somente a partir do arquivamento provisório dos autos que se pode cogitar da fluência do prazo prescricional intercorrente de dois (2) anos previsto no art. 11-A da CLT; mas apenas após a ocorrência de específica determinação judicial para que o exequente cumpra ordem judicial para impulsionar a execução. Sem essa determinação judicial, expressamente prevista no art. 11-A, § 1º, da CLT reformada, não se pode cogitar do início da fluência do prazo de prescrição intercorrente de dois (2) anos previsto no preceito legal em estudo. Isso porque o dispositivo legal de regência estabelece que o termo inicial desse prazo prescricional ocorre somente “quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução” (CLT, art. 11-A, § 1º).

Para que a fluência do prazo prescricional tenha início é necessário, portanto, que antes ocorra

uma determinação judicial para que o exequente impulsione a execução e que essa determinação judicial não seja cumprida pelo exequente. É a partir daí que poderá ter início o prazo prescricional intercorrente na execução trabalhista. Antes disso, não. Do contrário, a se entender que a prescrição teria início automático com o arquivamento provisório dos autos, não teria sentido a previsão do legislador, que estabeleceu, no art. 11-A, § 1º, da CLT, a exigência de descumprimento de específica ordem judicial, pelo exequente, para que então tivesse início o curso do prazo prescricional intercorrente – “§ 1º A fluência do prazo prescricional inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução” – grifei.

42

A exceção é a hipótese de necessidade de apresentação de artigos de liquidação pelo exequente, uma vez que essa providência é antecedente lógico do arquivamento provisório dos autos; e sem a apresentação de artigos de liquidação pelo exequente o processo não pode prosseguir. Nesse caso específico, caracteriza-se situação que a doutrina identifica sob a denominação de prescrição da pretensão executiva.

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Essa interpretação apresenta-se em conformidade também com a denominada interpretação autêntica. Na justificativa do preceito em estudo, o legislador consignou: “[...] o marco inicial deste prazo ocorre somente quando o o próprio exequente deixar de cumprir alguma determinação do juízo para prosseguir com o processo.”

Outra interpretação possível seria a de se entender que não se aplica ao credor trabalhista a

disciplina do art. 40 da LEF no que diz respeito à prescrição intercorrente, aplicando-se tão-somente o art. 11-A da CLT reformada, de modo que bastaria então uma – única e isolada – determinação judicial descumprida pelo exequente para que a fluência do prazo de prescrição intercorrente de dois (2) anos tivesse início, sem necessidade de prévia suspensão da execução por um ano (Lei n. 6.830/80, art. 40, caput); e sem necessidade de prévio arquivamento provisório dos autos (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 2º) – arquivamento provisório esse realizado depois de um ano de suspensão da execução.

Essa interpretação não parece adequada do ponto de vista sistemático porque, em afronta

substancial à norma de ordem pública do art. 186 do CTN, colocaria o credor trabalhista em posição desvantajosa em relação ao credor fiscal, incidindo numa verdadeira contradição axiológico-sistemática no ordenamento jurídico nacional. Essa interpretação teria como consequência autorizar a declaração de prescrição intercorrente de ofício depois de dois (2) anos na execução trabalhista, enquanto que o credor fiscal teria, pelo menos, seis (6) anos para promover a execução tributária (um ano de suspensão da execução; mais cinco anos, depois de realizado o arquivamento provisório dos autos). O mesmo raciocínio vale para cotejar a prescrição intercorrente do crédito trabalhista com a prescrição intercorrente do crédito quirografário na execução civil. O credor quirografário, a exemplo do credor fiscal, contará com a suspensão da execução por um (1) ano e, depois, com o arquivamento provisório dos autos durante o prazo de prescrição da respectiva pretensão, sendo que é a partir desse último – o arquivamento provisório dos autos – que se contará o prazo prescricional intercorrente para o credor quirografário. Vale dizer, o credor quirografário também teria tratamento vantajoso em relação ao credor trabalhista.

A propósito da relação de coerência axiológica que o ordenamento jurídico impõe entre direito

material e direito processual no sistema de direito, vem a propósito recordar a lição que se recolhe do item 4 da Exposição de Motivos nº 223 da Lei n. 6.830/80 e que serve de fundamento à proposta adotada no presente artigo para a resolução da questão em estudo: “[...] nenhum outro crédito deve ter, em sua execução judicial, preferência, garantia ou rito processual que supere os do crédito público, à exceção de alguns créditos trabalhistas”.

Poder-se-ia pretender afastar a aplicação do art. 40 da LEF à execução trabalhista no tema da

prescrição intercorrente sob o argumento de que a CLT não é omissa, na medida em que a matéria foi disciplinada no art. 11-A da CLT reformada. Entretanto, essa não parece ser a melhor solução, porquanto o art. 11-A da CLT apresenta-se extremamente sintético quando comparado com a disciplina adotada no art. 40 da LEF para o tema da prescrição intercorrente. O mesmo ocorre quando o art. 11-A da CLT é comparado com o art. 921 do CPC.

Admitido o entendimento de que se aplica a Lei de Executivos Fiscais à prescrição intercorrente

na execução trabalhista, cumpre retornar à crucial questão da oportunidade em que a determinação judicial prevista no art. 11-A da CLT pode ser ordenada pelo juiz. A questão é crucial porque é a partir do descumprimento dessa determinação judicial que tem início a fluência do prazo prescricional intercorrente na execução trabalhista, a teor do § 1º do art. 11-A da CLT.

Penso que a determinação judicial em questão não pode ser anterior ao arquivamento provisório

dos autos, sob pena de se conferir ao crédito fiscal e ao crédito quirografário tutela jurídica superior àquela assegurada ao crédito trabalhista, em afronta à norma de ordem pública do art. 186 do CTN. Assim, penso que essa determinação deva ser ordenada ou na mesma oportunidade da decisão em que o juiz do trabalho determina o arquivamento provisório dos autos; ou em momento posterior a esse arquivamento provisório; mas nunca antes do arquivamento provisório dos autos. Essa decisão deve explicitar, para promover segurança jurídica, que o prazo prescricional intercorrente terá curso caso não cumprida a determinação judicial ordenada com fundamento no art. 11-A, § 1º, da CLT, de modo que o exequente tenha consciência de que lhe incumbe diligenciar para cumprir a determinação judicial, de

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modo a evitar a consumação da prescrição intercorrente, sob pena de extinção de sua execução com julgamento de mérito. Para tanto, a intimação respectiva deve ser feita tanto ao procurador quanto ao exequente; quanto a esse último, pessoalmente.

8. A NECESSIDADE DE INTIMAR TAMBÉM A PARTE EXEQUENTE PESSOALMENTE Tanto na doutrina quanto na jurisprudência prevalece o entendimento de que a parte exequente

deve ser intimada pessoalmente, para que tenha fluência o prazo prescricional, medida que se revela consentânea com o instituto da prescrição intercorrente, na medida que a pronúncia da prescrição tem como consequência a extinção do processo com resolução do mérito. Essa providência deve ser adotada pelo juízo trabalhista quando esse último der cumprimento à norma do art. 11-A da CLT.

Comecemos pela doutrina. Para Manoel Antonio Teixeira Filho, a intimação também da parte é

indispensável para que tenha curso a prescrição intercorrente: “Mesmo nos casos em que a norma legal autoriza o juiz a agir de ofício será indispensável a intimação da parte para que a prescrição intercorrente se constitua. Essa prévia intimação, que figura como requisito ou pressuposto da praescriptio, se destina a atribuir segurança jurídica à parte, uma vez que terá ciência de que praticar determinado ato, no prazo previsto em lei ou assinado pelo juiz, sob pena de o seu direito de estar em juízo ser fulminado pelo termo prescricional.”

43

Mauro Schiavi também sustenta a necessidade de que tanto o advogado quanto o exequente

sejam intimados para cumprir a determinação judicial: “... pensamos cumprir ao magistrado, antes de reconhecer a prescrição intimar o exequente, por seu advogado e, sucessivamente, pessoalmente, para que pratique o ato processual adequado ao prosseguimento da execução, sob consequência de se iniciar o prazo prescricional.”

44

A mesma posição é adotada por Raphael Miziara. Para o jurista, a intimação pessoal do

exequente é indispensável.45

A jurisprudência pesquisada por Raphael Miziara confirma que essa posição é adotada também no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: “[...] De acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a prescrição intercorrente só poderá ser reconhecida no processo executivo se, após a intimação pessoal da parte exequente para dar andamento ao feito, a mesma permanece inerte (AgRg no AREsp 131.359-GO, relator Ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 20 de novembro de 2014, DJe 26 de novembro de 2014). Na hipótese, não tendo havido intimação pessoal da parte exequente para dar andamento ao feito, não há falar em prescrição” (AgRg no REsp 1.245.41-MT, relator Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 8.8.2015, DJe 31.8.2015).

9. CONSUMADO O PRAZO PRESCRICIONAL, NÃO CABE NOVA DILIGÊNCIA PARA PENHORA Se o prazo prescricional intercorrente de dois (2) consumar-se, o juiz poderá então decretar a

prescrição e extinguir o processo com julgamento do mérito. Entretanto, o exequente poderá impedir a consumação desse prazo prescricional, indicando bens à penhora que levem à efetiva constrição do patrimônio de executado; e pode fazê-lo a qualquer tempo (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 3º) enquanto não consumado o prazo prescricional de dois (2) anos previsto no art. 11-A da CLT. Mas vale repetir, deverá fazê-lo antes de terminado o prazo prescricional intercorrente. Consumado o prazo prescricional intercorrente de dois (2) anos, novo requerimento de penhora de bens não terá o condão de desconstituir a prescrição já consumada, cujo efeito é o de extinguir o processo com julgamento de mérito (CPC, art.

43

O processo do trabalho e a reforma trabalhista. São Paulo: LTr, 2017. p. 39.

44 A reforma trabalhista e o processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2017. p. 77.

45 “A tutela da confiança e a prescrição intercorrente na execução trabalhista: o equívoco da instrução normativa nº 39 do

TST.” Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 5, n. 50, p. 204-222, maio de 2016.

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924, V). A doutrina de André Araújo Molina é precisa: “Consumada a prescrição, é evidente que a intimação do exequente não é para dar seguimento à fase de execução, com requerimento de novas diligências, mas apenas para que exercite o contraditório substancial, precisamente indicando alguma causa suspensiva da prescrição intercorrente”.

46

CONCLUSÃO

A súmula 114 do TST foi aprovada em 1980 e adota o entendimento de que a prescrição

intercorrente é inaplicável na Justiça do Trabalho. A jurisprudência do TST acerca do tema da prescrição intercorrente foi construída sob o

pressuposto de que o juiz estava autorizado a promover a execução de ofício, a teor do art. 878, caput, da CLT, na redação anterior à Lei n. 13.467/2017.

Resta saber se o TST vai manter a diretriz de sua jurisprudência acerca da prescrição

intercorrente após a modificação introduzida na redação do art. 878 da CLT pela Lei nº 13.467/2017 e após a introdução de previsão expressa de prescrição intercorrente na execução trabalhista pelo art. 11-A da CLT reformada. Isso porque a jurisprudência do Tribunal foi estruturada sob a vigência da redação anterior do art. 878 da CLT, preceito revogado pela legislação que introduziu a denominada Reforma Trabalhista na CLT.

É necessário refletir sobre a eventual opção pela declaração incidental de inconstitucionalidade do

preceito do art. 11-A da CLT, na medida em que uma reação previsível seria o recurso das entidades patronais ao controle concentrado de constitucionalidade acerca do preceito em questão mediante Ação Direta de Constitucional do art. 11-A, situação na qual a tendência natural do Supremo Tribunal Federal seria a de referendar sua jurisprudência, corroborando a diretriz hermenêutica da Súmula 372, na qual o STF afirma que “o direito trabalhista admite a prescrição intercorrente”.

O prazo de prescrição intercorrente começa a fluir, nos executivos fiscais, após o arquivamento

provisório dos autos e somente é interrompido quando a penhora de bens ocorre e se logra promover a satisfação da execução mediante a alienação judicial do bem penhorado. Vale dizer, na execução fiscal, ainda que a Fazenda Pública faça requerimentos ao juízo com a finalidade de se fazer realizar a penhora de bens, essa pró-atividade processual não tem eficácia jurídica para fazer interromper o curso do prazo da prescrição intercorrente se a penhora não for exitosa.

Essa digressão é necessária porque parece que a Reforma Trabalhista instituída pela Lei n.

13.467/2017 não abraçou a mera perspectiva objetiva de prescrição intercorrente adotada nos executivos fiscais pelas Leis n. 11.051/2004 e n. 11.960/2009. A Reforma Trabalhista, ao introduzir a prescrição intercorrente na execução de forma expressa, adotou o modelo de prescrição intercorrente no qual se toma em consideração a conduta subjetiva do exequente que permanece inerte mesmo após instado pelo juízo a promover a execução. É o que indica o § 1º do art. 11-A da CLT, ao estabelecer que “a fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução”.

A prescrição intercorrente na execução no CPC de 2015 tem regência legal semelhante àquela

adotada nos executivos fiscais, sobretudo depois das explicitações trazidas à execução fiscal com o advento das Leis n. 11.051/2004 e 11.960/2009, revelando que o tema da prescrição intercorrente recebeu disciplina semelhante nesses dois diplomas legais.

Assim como ocorre no âmbito dos executivos fiscais (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 3º), somente se

forem encontrados bens penhoráveis do executado é que a execução civil terá prosseguimento (CPC, art. art. 921, § 3º). A previsão do § 3º do art. 921 do CPC é de que “Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.” A locução “se

46

“A prescrição intercorrente na execução trabalhista”. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 3 (2017), nº 2. p. 143.

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a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis” deve ser interpretada de forma sistemática com os demais preceitos dos arts. 921 e 924 do CPC, de modo a evitar que a interpretação literal e isolada dessa locução conduza à tese da imprescritibilidade da execução. Trata-se conformar a exegese da locução “a qualquer tempo” aos demais preceitos legais incidentes, de modo a submeter a interpretação dessa locução à supremacia da diretriz hermenêutica da prescritibilidade do direito a exigir pretensão relativa à obrigação de natureza civil.

Na execução trabalhista, contudo, a disciplina da matéria é diversa, porquanto o legislador

introduziu na CLT o requisito normativo adicional de que tenha havido o descumprimento, pelo exequente, de uma específica determinação judicial, para que então – e só daí então – se tenha por iniciada a fluência do prazo prescricional intercorrente de dois (2) anos.

O impulso da execução de ofício pelo juiz do trabalho não acarretará nulidade processual. A

nulidade processual caracteriza-se quando o ato processual acarretar manifesto prejuízo para a parte. A norma está prevista no art. 794 da CLT. O prejuízo de que se cogita aqui é prejuízo de natureza processual. O prejuízo de natureza processual caracteriza-se apenas quando o exercício de determinada faculdade processual da parte lhe for negado pelo juízo. Na medida em que se assegure ao executado a faculdade processual de opor embargos à execução após a realização da penhora, não se poderá cogitar de nulidade processual, porquanto nesta situação não estará caracterizado o manifesto prejuízo processual de que trata o art. 794 da CLT. Isso porque a faculdade processual do executado é a de se opor à execução mediante a apresentação dos embargos previstos no art. 884 da CLT. Assegurado ao executado o exercício da faculdade processual prevista no art. 884 da CLT, já não mais se poderá cogitar de nulidade processual em decorrência do fato de a execução ter sido impulsionada de ofício. E, ainda que se pudesse cogitar de nulidade processual, eventual nulidade processual restaria convalidada por ter sido assegurado ao executado o exercício do contraditório na execução.

Na hipótese da prescrição intercorrente instituída pelo art. 11-A da CLT reformada, a fluência do

prazo prescricional somente pode ter início a partir da vigência da Reforma Trabalhista. Portanto, não poderá o magistrado, a pretexto de aplicar a nova lei, procurar processos parados há dois anos e declarar a prescrição intercorrente de forma retroativa. Isso porque se trata de nova hipótese de prescrição, situação em que os respectivos efeitos projetam-se – necessária e exclusivamente – para o futuro; nessa hipótese não se pode atribuir efeito retroativo à lei, sob pena de maltrato ao postulado da segurança jurídica.

A declaração da prescrição intercorrente na execução trabalhista deve obedecer –

combinadamente – tanto à previsão do art. 11-A, § 1º, da CLT quanto ao itinerário procedimental previsto no art. 40 da LEF, por força da previsão do art. 889 da CLT, dispositivo que manda aplicar na execução trabalhista os preceitos que regem os executivos fiscais naquilo que não contravierem ao Título do Processo Judiciário do Trabalho (arts. 763 a 910 da CLT).

Admitido o entendimento de que se aplica a Lei de Executivos Fiscais à prescrição intercorrente

na execução trabalhista, cumpre retornar à crucial questão da oportunidade em que a determinação judicial prevista no art. 11-A da CLT pode ser ordenada pelo juiz.

A determinação judicial em questão não pode ser anterior ao arquivamento provisório dos autos,

sob pena de se conferir ao crédito fiscal e ao crédito quirografário tutela jurídica superior àquela assegurada ao crédito trabalhista, em afronta à norma de ordem pública do art. 186 do CTN. Assim, penso que essa determinação deva ser ordenada ou na mesma oportunidade da decisão em que o juiz do trabalho determina o arquivamento provisório dos autos; ou em momento posterior a esse arquivamento provisório; mas nunca antes do arquivamento provisório dos autos. Essa decisão deve explicitar, para promover segurança jurídica, que o prazo prescricional intercorrente terá curso caso não cumprida a determinação judicial ordenada com fundamento no art. 11-A, § 1º, da CLT, de modo que o exequente tenha consciência de que lhe incumbe diligenciar para cumprir a determinação judicial, de modo a evitar a consumação da prescrição intercorrente, sob pena de extinção de sua execução com julgamento de mérito. Para tanto, a intimação respectiva deve ser feita tanto ao procurador quanto ao exequente; quanto a esse último, pessoalmente.

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Se o prazo prescricional intercorrente de dois (2) consumar-se, o juiz poderá então decretar a prescrição e extinguir o processo com julgamento do mérito. Entretanto, o exequente poderá impedir a consumação desse prazo prescricional, indicando bens à penhora que levem à efetiva constrição do patrimônio de executado; e pode fazê-lo a qualquer tempo (Lei n. 6.830/80, art. 40, § 3º) enquanto não consumado o prazo prescricional de dois (2) anos previsto no art. 11-A da CLT. Mas vale repetir, deverá fazê-lo antes de terminado o prazo prescricional intercorrente. Consumado o prazo prescricional intercorrente de dois (2) anos, novo requerimento de penhora de bens não terá o condão de desconstituir a prescrição já consumada, cujo efeito é o de extinguir o processo com julgamento de mérito (CPC, art. 924, V).

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REFORMA TRABALHISTA E O CONCEITO

DE SISTEMA JURÍDICO

Camila Miranda de Moraes

Doutoranda em Direito do Trabalho – PUC SP

Mestre em Direito Constitucional – UNIFOR

Juíza do Trabalho Substituta – TRT 7

Fausto Siqueira Gaia

Doutorando em Direito do Trabalho – PUC SP

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais – FDV

Juiz do Trabalho Substituto – TRT 17

RESUMO

A gênese do trabalho humano remonta os esforços físicos, punições. A etimologia da palavra trabalho, que vem do latim “tripaliare” que significa torturar, reflete em sua evolução histórica e na evolução da disciplina jurídica que hoje conhecemos como Direito do Trabalho. No curso da história o trabalho assumiu diversas feições – servidão, escravidão, corporações de ofício – o que gerou a necessidade do surgimento de uma disciplina jurídica autônoma que regulasse tais relações, que hoje chamamos Direito do Trabalho. O objetivo do presente artigo é estudar o conceito de sistema jurídico e suas características para investigar quais as características do sistema de Direito do Trabalho no Brasil e pesquisar se a chamada reforma trabalhista veiculada pela Lei 13467 de 13/07/2017 guarda pertinência com o sistema do Direito do Trabalho brasileiro e em que medida.

INTRODUÇÃO

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A gênese do trabalho humano remonta os esforços físicos, punições. A palavra trabalho significa ”ocupar-se em algum mister; exercer seu ofício. Do latim ‘tripaliare’, torturar, derivado de ‘tripalium’ , instrumento de tortura composto de três paus; da ideia inicial de sofrer; passou-se à de esforçar-se, lutar, pugnar e, por fim, trabalhar.”

1

A etimologia da palavra trabalho reflete em sua evolução histórica e na evolução da disciplina jurídica que hoje conhecemos como Direito do Trabalho. No curso da história o trabalho assumiu diversas feições – servidão, escravidão, corporações de ofício – o que gerou a necessidade do surgimento de uma disciplina jurídica autônoma que regulasse tais relações, que hoje chamamos Direito do Trabalho.

O objetivo do presente estudo é estudar o conceito de sistema jurídico e suas características para investigar quais as características do sistema de Direito do Trabalho no Brasil e pesquisar se a chamada reforma trabalhista veiculada pela Lei 13467 de 13/07/2017 guarda pertinência com o sistema do Direito do Trabalho brasileiro e em que medida.

O ordenamento jurídico brasileiro possui um vasto arcabouço de normas jurídicas protetoras dos direitos sociais laborais no âmbito constitucional e infraconstitucional.

No plano constitucional há de se observar que os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e dignidade da pessoa humana estão inscritos como fundamentos da República Federativa do Brasil (art.1º, Constituição Federal de 1988) e que o trabalho está inserido dentre os direitos sociais (art.6º, Constituição Federal).

Por sua vez, o artigo 7º da Constituição Federal, nos seus 34 (trinta e quatro) incisos, traz uma lista meramente exemplificativa dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, o que significa dizer que há permissão para criação ou adoção de outros desde que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores – conclusão extraída da parte final do “caput” do mesmo dispositivo constitucional.

Quanto aos aspectos metodológicos, as hipóteses apresentadas foram investigadas mediante pesquisa bibliográfica, em que são analisadas algumas obras que tratam do assunto, e pesquisa documental, pois exploramos diversos diplomas normativos existentes atinentes aos tópicos discutidos. A tipologia da pesquisa, segundo a utilização dos resultados, é pura. Segundo a abordagem, a tipologia da pesquisa é qualitativa, visto que busca desenvolver a problemática com base numa pesquisa subjetiva, ou seja, preocupando-se com o aprofundamento e abrangência da compreensão das ações e relações humanas. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva e exploratória, uma vez que procura aperfeiçoar as sugestões e ajudará na formulação de hipóteses para pesquisas posteriores.

2. CONCEITO DE SISTEMA JURÍDICO Ao conceituar o que seria ciência Maria Helena Diniz diz que ciência é um complexo de conhecimentos ordenados e conexos entre si, cujo objetivo é dar às suas constatações um caráter descritivo, genérico, comprovado e sistematizado. Ciência é um saber metodicamente fundado, demonstrado e sistematizado.

2

1 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. 2. ed., Rio de Janeiro,

Nova Fronteira, 1986, p.779.

2 DINIZ, Maria Helena. Sistematização: problema central da ciência jurídica. Revista de Direito Brasileira | São Paulo, SP | v. 13 |

n. 6 | p. 88 – 94| jan./abr. 2016.

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Segundo a autora a ideia de sistema é de fundamental importância por ser o principal argumento para afirmar a cientificidade de algo. A justificação do saber científico decorre da sistematização. Explica ela que a palavra sistema é de origem grega e significa “aquilo que é construído” (syn-istemi). Nas palavras de Maria Helena Diniz o sistema

é um todo organizado racionalmente e planejado metodicamente, portanto significa nexo, uma reunião de elementos, e método, um instrumento de análise. A sistematização é uma operação lógica que estabelece um nexo entre os elementos do direito, que constituem o objeto da análise do jurista, para dar uma unidade. De modo que o sistema não é uma realidade, é o aparelho teórico, mediante o qual se pode estudá-la. É, por outras palavras, o modo de ver ou de ordenar, logicamente, a realidade, que não é sistemática. Todo o sistema é uma reunião de objetos de seu estudo e seus atributos ou elementos (repertório) relacionados entre si, conforme certas regras (estrutura) que variam de concepção para concepção.

3

Ainda sobre o conceito de sistema diz Tacio Lacerda Gama que a expressão significa

existência de um conjunto formado por elementos que se relacionam segundo certos padrões de racionalidade. Nesse sentido, Lourival Vilanova afirmava que “onde há sistema há relações e elementos, que se articulam segundo leis”. Por isso, falar em “sistema” é falar na totalidade de elementos, reunidos por uma característica comum e organizados de acordo com certos padrões.

4

Portanto o sistema é uma construção epistemológica realizada pelo jurista com o propósito de conhecer e organizar o ordenamento jurídico para facilitar a aplicação do direito e a consequente solução dos problemas que surgem na vida cotidiana. Para que haja ciência não basta haver sistematização. Além da organização das partes de um todo no sistema, é imprescindível que haja coerência lógica e unidade de sentido. São características de um sistema jurídico o nexo entre seus elementos, a coerência entre eles, serem reunidos e organizados de forma lógica e relacionados entre si. Nesse sentido importante a síntese feita por Paulo Issamu Nagao:

Em qualquer campo do conhecimento humano em que houver a congregação de diversos elementos (feição concreta) e aspectos conceituais (face abstrata) que se coordenam entre si e se organizam estruturalmente para a consecução de determinado(s) escopo(s) estará presente a noção de sistema, de modo que se pode falar, v.g., de sistema jurídico, judicial, constitucional, ou processual, sobressaindo-se a ideia de unidade, organização e finalidade.

5

O sistema, portanto, é um método de análise, a forma metodológica de estudar o direito colocando em ordem o que está em desordem. Conhecer o sistema de Direito do Trabalho brasileiro implica estudar suas características, sua estrutura e diretrizes para diferenciá-lo de outros sistemas.

3 DINIZ, Maria Helena. Sistematização: problema central da ciência jurídica. Revista de Direito Brasileira | São Paulo, SP | v. 13 |

n. 6 | p. 88 – 94| jan./abr. 2016.

4 GAMA, Tacio Lacerda. Sistema jurídico - Perspectiva dialógica. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo,

Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: < https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/100/edicao-1/sistema-juridico---perspectiva-dialogica> Acesso em maio/2017.

5 NAGAO, Paulo Issamu. O papel do juiz na efetividade do processo civil contemporâneo. São Paulo: Malheiros, 2016, p.172.

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3.CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA DE DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO Com a finalidade de analisar as características do sistema de Direito do Trabalho nacional faremos uma digressão histórica para verificar a evolução e características dos direitos trabalhistas nas Constituições brasileiras. No Brasil, o período de maior significância para o direito do trabalho foi uma parte da chamada Era Vargas, que compreende o período de 1930 até 1945. Não podemos, entretanto, deixar de analisar as mudanças ocorridas no período que vai desde a Constituição do Império, em 1824, até a Constituição de 1988. O estudo das cartas constitucionais brasileiras demonstra de maneira clara a evolução do pensamento constitucional brasileiro e do próprio direito do trabalho nacional. A Constituição de 1824, outorgada por Dom Pedro I, não tratou dos direitos sociais dos trabalhadores. Esta Carta tinha inspiração na filosofia liberal da revolução francesa, e limitou-se a proibir, no seu artigo 179, XXV

6, a existência das corporações de ofício, como fora feito na França em 1791, por

meio da Lei Le Chapelier. A inovação da Carta de 1824 foi a existência do poder moderador, do qual o Imperador era titular.

Houve a abolição da escravatura em 1888 e, no ano seguinte, a proclamação da República. Em 1891 foi promulgada a primeira Constituição da era republicana. Este diploma sofreu influências da Constituição norte-americana e, a exemplo da Constituição do Império, também não tratou dos direitos dos trabalhadores. “Fundamentalmente, a Constituição de 1891 adaptou ao Brasil o sistema constitucional de modelo norte-americano, à semelhança do que já tinham feito o México e a Argentina.”

7

Comparando as Constituições de 1824 e 1891, Anderson Orestes Cavalcante Lobato afirma que

[...] a Monarquia constitucional brasileira, apesar de inserir no seu Texto constitucional os Direitos fundamentais individuais de cidadania, ignorava a sua dimensão coletiva, notadamente quanto ao exercício dos direitos políticos, porquanto admitia o voto censitário, bem como o direito de propriedade individual sobre pessoas, os escravos, que por uma ficção jurídica, considerava-se coisa. (sic) Desse modo, o avanço obtido com a primeira Constituição republicana foi deveras significativo. O final da monarquia representou para os brasileiros a conquistas, dos direitos coletivos e políticos, como o sufrágio universal.(sic)

8

Limitou-se a Carta de 1891 a garantir “o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial” (art.72,§24) e que “a todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas” (art.72,§8°).

9

6 NOGUEIRA, Octaciano. Constituições Brasileiras:1824.Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de

Estudos Estratégicos, 1999, p.105.

7 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, t. I, p.225.

8 LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante. Os direitos humanos na Constituição brasileira: os desafios da efetividade. In:

MALUSCHKE, Gunther e outros (Org.) Direitos humanos e violência : desafios da ciência e da prática. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2004, p.23.

9 BALEEIRO, Aliomar. Constituições Brasileiras:1891. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de

Estudos Estratégicos, 1999, p.113.

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O pensamento da época entendia que a liberdade contratual era absoluta. Por tal razão a intervenção estatal nas relações entre os particulares, mormente nas relações trabalhistas, não era aceita. Entendia-se que o Estado não podia intervir na formação dos contratos, pois estaria restringindo a liberdade dos contratantes e ferindo-a, limitando o livre exercício de todas as profissões. Era a preponderância da doutrina do liberalismo, que não foi propícia para a evolução jurídica na ordem trabalhista.

Nessa época a população das cidades crescia, a imigração ocorria em grande escala, a industrialização no Brasil iniciava-se. Segundo Amauri Mascaro Nascimento:

Formavam-se, assim, as condições para que o trabalho subordinado viesse a ser regido por leis de proteção, mas, não obstante, o Poder Público, fiel ao princípio liberalista que o inspirava, mantinha-se alheio a qualquer reivindicação. Estas existiram. Atestam-no dois fatos: o elevado número de greves e o movimento político.

10

Nesse período surgiram iniciativas isoladas buscando tratamento jurídico para as relações de trabalho. Por meio do Decreto 1637/1907, foi assegurado o direito de sindicalização aos trabalhadores.

Com o Código Civil, em 1916, foi regulada a locação de serviços, antecedente histórico do contrato de trabalho.

Em 1919 a União legislou sobre seguro de acidentes do trabalho (Lei 3724/1919), e em 1923 instituiu as Caixas de Aposentadorias e Pensão dos Ferroviários, com estabilidade decenal para os empregados das respectivas empresas (Lei Eloi Chaves n°4682/1923). O Conselho Nacional do Trabalho, vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, foi criado pelo Decreto 16027/1923. Em 1924 surgiu o Decreto 17934-A, o Código de Menores, que, entre outras coisas, dispôs sobre trabalho de menores.

Aliomar Baleeiro declara que tais fatos “foram os pródromos da legislação social que, logo após a Revolução de 1930, Lindolfo Collor induziria Vargas a aceitar.”

11

Já em 1925 a Lei 4982 concedia o direito a quinze dias de férias anuais remuneradas aos empregados de estabelecimentos comerciais, industriais, bancários e de caridade ou beneficentes. Notamos, portanto, que a legislação existente era esparsa e específica, contemplando apenas determinados setores da sociedade com vantagens que poderiam ser encaradas como verdadeiros privilégios, e não direitos. Afinal, criava-se uma verdadeira discriminação ao conceder certas vantagens somente a uma categoria específica de trabalhadores. “Depois da Revolução de 3 de outubro de 1930 todas as Constituições dispuseram sobre os direitos sociais do trabalhador” é a constatação assinalada por Arnaldo Süssekind.

12 Foi nesta época

que houve o desenvolvimento da indústria no Brasil. Em 26/11/1930 Getúlio Vargas, então chefe do Governo Provisório, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. A revolução paulista de 1932 incitou a necessidade de se promulgar uma nova

10

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.62.

11 BALEEIRO, Aliomar, op. cit., 1999, p.51.

12 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.33.

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Carta Constitucional, o que ocorreu em 1934. A inspiração para elaboração dessa Carta foi obtida na Constituição de Weimar (Alemanha, 1919) e na Constituição Republicana espanhola, de 1931.

13

Registra Ronaldo Poletti que o anteprojeto da Constituição de 1934 era inovador, pois trazia em seu texto inúmeros temas que não eram comumente abordados pelo Direito Constitucional, como religião, família, cultura e ensino, ordem econômica e social. Afirma o autor que “[...] deve decorrer daí a tendência nacional de inserir na Carta Política dispositivos materialmente não-compreendidos pelo Direito Constitucional. Por isso, o texto projetado era mais extenso que o normal (135 artigos mais as disposições transitórias), embora não chegasse a ser uma enciclopédia.”

14

A nova Constituição mantinha o Brasil como uma República Federativa, havia separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, independentes entre si, e eleição direta dos membros dos poderes executivo e legislativo.

A Constituição de 1934 consagrou a justiça eleitoral (criada em 1932); reforçou os poderes do Congresso (em especial, da Câmara dos Deputados, eleita pelo povo e pelas organizações profissionais); previu formas de intervenção do Estado na economia e direitos sociais na linha da Constituição mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar; introduziu o mandado de segurança, para garantia de certos direitos certos e incontestáveis contra actos inconstitucionais ou ilegais.

15

No dia seguinte à promulgação da nova Carta, Getúlio Vargas foi eleito indiretamente presidente do Brasil, para um mandato de quatro anos.

Promulgada a 16 de julho de 1934, o novo Estado Político tornou-se um marco na história do Direito Constitucional brasileiro pelas normas que inseriu no capítulo, até então inédito, sobre a ordem econômica e social. [...] A Constituição de 1934 procurou conciliar filosofias antagônicas emanadas das cartas magnas de Weimar (social-democrata) e dos Estados Unidos da América (liberal-individualista), além de mesclara a representação política resultante de voto direto com a escolhida pelas associações sindicais (representação corporativa). Foi-lhes, por isso, vaticinada vida efêmera, o que aconteceu.

16

Foi a Carta de 1934 que previu a instituição da Justiça do Trabalho, que só foi criada em 1941 (já na vigência da Constituição de 1937, que trazia a mesma previsão), o sistema da pluralidade sindical, o repouso semanal preferentemente aos domingos (art.121, “e”) e o salário mínimo “capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador” (art.121 – b).

O capítulo II da Carta de 1934 era intitulado “Dos direitos e garantias individuais.” O artigo 113 tratava de tais direitos. O art.113, 12 assegurava a liberdade de associação para fins lícitos. O inciso 13 do mesmo artigo garantia o livre exercício de qualquer profissão. Dentro do capítulo II estava o título IV “Da ordem econômica e social”. Neste título havia previsão de reconhecimento dos sindicatos e associações profissionais (art.120), garantia da pluralidade sindical e completa autonomia dos sindicatos (parágrafo único do art.120). O artigo 121 da Constituição de 1934 elencava uma série de direitos

13

POLETTI, Ronaldo. Constituições Brasileiras: 1934. Brasília: Senado Federal me Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 1999, p.19.

14 Idem, p.34.

15 MIRANDA, Jorge, op.cit.,1997, t. I, p.228.

16 SÜSSEKIND, Arnaldo, op.cit., 2003, p.34.

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trabalhistas como salário mínimo, proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho em virtude de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil, limitação da jornada diária de trabalho em oito horas, etc.

Sublinha Irany Ferrari a grande importância para a época do parágrafo 2º do artigo 121 da Constituição Brasileira de 1934 porque ainda não existia a Consolidação das Leis do Trabalho, apenas poucas leis esparsas sobre o trabalho, e a Lei Maior tratou da proibição de discriminação entre o trabalho manual, intelectual ou técnico.

17

Bem se vê que o curto tempo de vigência da Carta de 1934 não apaga sua importância histórica. As diretrizes nela lançadas foram reproduzidas na maioria das constituições posteriores. Percebemos que o grande salto para o Direito do Trabalho foi dado por ocasião da Constituição de 1934, haja vista a inserção de um título tratando da ordem econômica e social e trazendo diversas garantias aos trabalhadores.

Em 10 de novembro de 1937, foi promulgada no Brasil uma nova Carta Constitucional, inspirada na Constituição polonesa de 23/04/1935. Esse período de nossa história é conhecido como “Estado Novo” (1937/1945). Foi nessa época que houve a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, mais exatamente em 01/05/1943.

O “Estado Novo” era nitidamente intervencionista, principalmente na ordem econômica e social. A greve foi proibida por ser nociva à produção. Fixou-se o princípio do sindicato único que somente seria legítimo se reconhecido pelo próprio Estado.

18

O artigo 122 da Carta de 1937 trata dos direitos e garantias fundamentais, semelhantemente à Carta de 1934. Nos artigos 135 a 155 está o tratamento da ordem econômica e social. O artigo 137 traz catorze incisos contendo direitos dos trabalhadores. Dentre eles citamos o direito às férias ( “e) depois de um ano de serviço ininterrupto em uma empresa de trabalho contínuo, o operário terá direito a uma licença anual remunerada;”

19), à indenização pela cessação da relação de emprego (“f) nas empresas de

trabalho contínuo, a cessação das relações de trabalho, a que o trabalhador não haja dado motivo, e quando a lei não lhe garante a estabilidade no emprego cria-lhe o direito a uma indenização proporcional aos anos de serviço;”

20), a impessoalidade da relação de emprego em relação ao empregador,

garantindo a continuidade do emprego nos casos de sucessão do empregador (“g) nas empresas de trabalho contínuo, a mudança de proprietário não rescinde o contrato de trabalho, conservando os empregados, para com o novo empregador, os direitos que tinham em relação ao antigo;”).

Em 1° de maio de 1939, com o Decreto-lei 1237, foi constituída a Justiça do Trabalho, que se instalou oficialmente em 01/04/1941, ainda no âmbito do Ministério do Trabalho e não do Poder Judiciário.

Foi na Constituição de 1946 que os órgãos da Justiça do Trabalho estavam divididos de maneira similar à de hoje em dia. Naquela época havia as Juntas de Conciliação e Julgamento (hoje Varas do Trabalho), os Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho.

17

FERRARI, Irany et. al. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p.56.

18 Idem, p.57.

19 PORTO, Walter Costa. Constituições Brasileiras: 1937. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro

de Estudos Estratégicos, 1999, p.105.

20 Idem, p.105.

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A Carta de 1946 trouxe uma nova fase ao constitucionalismo brasileiro, uma vez que se tratava de uma carta de cunho social-democrata. Assim, percebemos o contraste entre a Constituição anterior, extremamente autoritária, e a Carta de 1946, que continuou a evolução das normas trabalhistas e do próprio Direito do Trabalho.

Aliomar Baleeiro e Barbosa Lima Sobrinho registram que a Assembléia Constituinte formada para elaborar a Carta de 1946 contava com a participação de bancadas comunistas e trabalhistas, o que foi importante para determinar algumas mudanças no texto constitucional.

21

O título IV da Constituição de 1946 tratava “Da declaração de direitos”, e o capítulo II tratava “Dos direitos e das garantias individuais”. O título V, “Da ordem econômica e social”, trazia preceitos trabalhistas (artigo 145 a 162). A leitura do artigo 145 da Carta de 1946, o primeiro do título sobre a ordem econômica e social, já deixa antever o teor mais democrático e social da nova Constituição:

Art. 145 A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.

Parágrafo único. A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social.

22

O artigo 157 era todo devotado à legislação do trabalho e estatuía, dentre outros preceitos, salário mínimo (inciso I), remuneração do trabalho noturno superior à do trabalho diurno (inciso III), “participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e na forma que a lei determinar” (inciso IV), assistência aos desempregados (inciso XV). A liberdade de associação foi garantida (artigo 159), as convenções coletivas reconhecidas (inciso XIII) e o exercício do direito de greve, outrora proibido em 1934, foi assegurado (artigo 158). Em 1967 veio uma outra Carta Constitucional, que praticamente manteve os ditames da Constituição de 1946, e que sofreu ampla revisão pela Emenda Constitucional n° 01, de 1969. Segundo Arnaldo Süssekind, “essa revisão não alterou o elenco dos direitos sociais trabalhistas, mas introduziu modificação de relevo quanto à finalidade da ordem econômica.”

23 O voto nas eleições sindicais torna-se

obrigatório e é criado o chamado imposto sindical. O salário-família e o fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) são instituídos.

Finalmente, em 05 de outubro de 1988, é promulgada a Carta Constitucional até hoje vigente, que trouxe inúmeros avanços tanto em termos do estudo da teoria da democracia quanto relativamente aos direitos trabalhistas. Para Daniel Sarmento, “do ponto de vista histórico a Constituição de 1988 representa o coroamento do processo de transição do regime autoritário em direção à democracia.”

24

Nas palavras de Lenio Luiz Streck a Constituição brasileira de 1988 é uma Constituição social, dirigente e compromissária, “alinhando-se com as Constituições europeias do pós-guerra.”

25

21

BALEEIRO, Aliomar ; LIMA SOBRINHO, Barbosa. Constituições Brasileiras: 1946. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 1999, p.15.

22 Idem, p.103.

23 SÜSSEKIND, Arnaldo, op.cit., 2003, p.36.

24 SARMENTO, Daniel. Por um constitucionalismo inclusivo : história constitucional brasileira, teoria da Constituição e direitos

fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.102.

25 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica : uma nova crítica do direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,

2004, p.15.

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Assim, a Carta Constitucional vigente contemplou, no seu artigo 7°, uma série de direitos de natureza trabalhista, como: seguro-desemprego; fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS - que atualmente é regulado pela Lei n° 8036/1990); salário mínimo fixado em lei; piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho (regulado pela Lei Complementar n° 103/2000); décimo terceiro salário; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; irredutibilidade do salário salvo o disposto em acordo ou convenção coletiva; repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos; férias acrescidas de um terço; aviso prévio de no mínimo trinta dias; proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos, e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos; igualdade de direitos entre o trabalhador avulso e aquele que possui vínculo de emprego; extensão aos empregados domésticos do direito a salário mínimo, irredutibilidade do salário salvo o disposto em acordo ou convenção coletiva, décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria, repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos, gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal, licença à gestante, licença paternidade, aviso prévio de no mínimo trinta dias e aposentadoria.

Alguns desses direitos já eram regulados por legislação ordinária anterior a 1988, que se manteve sem alterações, por ter sido recepcionada pelo sistema constitucional vigente. Este é o caso da gratificação natalina, popularmente conhecida como décimo terceiro salário, que foi criada pela Lei 4090/1962, e do repouso semanal remunerado, regulado pela Lei 605/1949, ambos integralmente recepcionados pela Constituição de 1988. Outros direitos constituíram novidade à época, como a licença paternidade de cinco dias regulada pelo art.10, §1° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e a licença à gestante de 120 dias, garantidos o emprego e o salário.

Arion Sayão Romita, diferentemente de grande parte dos doutrinadores, critica alguns aspectos da Constituição de 1988, dizendo que esta “sem dúvida introduz inovações, no intuito de implantar a democracia na regulação das relações de trabalho, mas conserva o essencial do regime antidemocrático, que deveria ter afastado por completo.”

26

Assiste alguma razão a Arion Sayão Romita, pois embora tenha introduzido, no que diz respeito aos direitos trabalhistas, muitas inovações, a Constituição de 1988 ainda manteve alguns dispositivos que remontam períodos autoritários de nossa história. Desta feita, a manutenção da unicidade sindical e da contribuição sindical compulsória, por exemplo, tem um caráter antidemocrático.

Embora criticada por alguns doutrinadores, como Arion Sayão Romita

27, entendemos que a

Constituição de 1988 foi inovadora. Com base no estudo do pensamento constitucional brasileiro, percebemos que a Constituição de 1988 buscou regular e garantir inúmeros direitos à classe trabalhadora, diferentemente das Constituições que a precederam. “Diversamente de todas as anteriores Constituições, a de 1988 ocupa-se dos direitos fundamentais com prioridade em relação às demais matérias.”

28

Como se esperava depois de tantas cartas constitucionais retrógradas e autoritárias, o espírito da Carta de 1988 é democrático. Entretanto, por excesso de zelo, o constituinte foi, por vezes, redundante ao tratar dos direitos trabalhistas, procurando evitar quaisquer dúvidas quando da exegese do texto constitucional. Tal desiderato, entretanto, não foi alcançado integralmente.

26

ROMITA, Arion Sayão. Os direitos sociais na Constituição e outros estudos. São Paulo: LTr, 1991, p.12.

27 ROMITA, Arion Sayão, op.cit., 1991, p. 11: “Antecipando a conclusão, digo que minha impressão a respeito da regulação dos

direitos dos trabalhadores pela Constituição de 5 de outubro de 1988 não é lisongeira. Não vou tecer loas ao novo texto constitucional, contrariando a tendência já revelada por alguns estudiosos, que destacam o “caráter progressista” da Carta Magna recentemente promulgada.”

28 MIRANDA, Jorge, op.cit., 1997, t. I, p.231.

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Exemplo dessa redundância pode ser visto no inciso XXVI do art.7° da Constituição, que trata do “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”. Ora, se o inciso VI do art.7° já garante “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”, que necessidade havia de inserir no inciso XXVI o reconhecimento dos instrumentos coletivos?

Houve grande preocupação do legislador constituinte em instituir ou garantir a inserção no texto da Carta Magna de diversos tipos de direitos. No que pertine aos direitos sociais, percebe-se que sua inclusão no texto constitucional foi uma espécie de promessa do legislador que, no entanto, deixou de lado as questões relativas à efetividade de tais normas.

Tal problema ou constatação também encontra explicação na história. Anderson Orestes Cavalcante Lobato afirma que

[...] é preciso entender que a participação popular na constituinte ofereceu à Constituição de 1988 uma legitimidade sem precedentes na história constitucional brasileira. As expectativas criadas pela Nova República foram de uma grande transformação social que pudesse encerrar não somente com o ciclo autoritário, marcado pela institucionalização da violência; mas, igualmente, eliminar a imensa desigualdade social e econômica que provoca a banalização da violência nas relações quotidianas.

29

Assim, o inciso X do art.7° garante “proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa”. Entretanto, até o presente não foi promulgada qualquer lei definindo como crime a retenção dolosa do salário. Em razão disso o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que se não existe tipo penal, não há sanção a aplicar:

Ementa: HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. RETENÇÃO DE SALÁRIOS PELO EMPREGADOR. ATIPICIDADE RECONHECIDA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL ACOLHIDO. NÃO CONHECIMENTO DA IMPETRAÇÃO MAS CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário. 2.

A retenção dolosa de salário, conquanto tenha sido prevista no art. 7º , X da

Constituição Federal como crime, ainda ressente-se da necessária lei, criando o tipo

penal respectivo. 3. Também não há como subsumir a conduta à apropriação

indébita (art. 168 do Código Penal ), porque o numerário ao qual o empregado tem

direito, até que lhe seja entregue, em espécie ou por depósito, é de propriedade da

empresa (empregador), não havendo se falar, então, em inversão da posse,

necessária para a tipicidade do crime. 4. O administrador da empresa, ao assim agir,

não pratica fato típico previsto no art. 168 do Código Penal . Talvez por isso tenha o

legislador constituinte feito a previsão mencionada, mas ainda sem eficácia, ante a

omissão legislativa. 5. Writ não conhecido, mas concedida a ordem, ex officio, para trancar a ação penal por atipicidade, ficando prejudicada a inépcia da denúncia e a alegação de que a paciente não seria administradora da pessoa jurídica.(STJ Habeas

29

LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante, op.cit., 2004, p.24.

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Corpus HC 177508 PB 2010/0118366-6 , 6ª Turma, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA DJ 26/08/2013)

30 (grifos nossos)

O mesmo pode se dizer em relação aos direitos garantidos nos seguintes incisos do artigo 7° da Constituição de 1988: garantia de “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei” (inciso XX), adicional de remuneração para as atividades penosas (inciso XXIII ), “proteção em face de automação, na forma da lei” (inciso XXVII).

Para Jorge Miranda

Os direitos sociais abrangem tanto a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desempregados como os direitos dos trabalhadores atinentes à segurança do empregado, ao salário, à associação sindical, à greve e à participação (arts.6º ao 11º). No que é, por certo, a mais grave deficiência do texto constitucional, só muito depois surge a ‘ordem social’ (arts.193º a 232º), evidentemente indissociável dos direitos sociais, mesmo quando se traduz em garantias institucionais e incumbências do Estado. Dominam aqui as normas programáticas, muitas delas de difícil cumprimento até a longo prazo, pelo menos da mesma maneira num país tão diversificado como o Brasil (e cuja estrutura federativa deveria recomendar maior plasticidade).

31

Interessante a observação crítica de John D. French, historiador americano, que toca no problema da eficácia das normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho e na proliferação de normas no ordenamento jurídico brasileiro:

Para um historiador do trabalho acostumado com os Estados Unidos, uma primeira leitura da CLT decididamente produz uma reação curiosa. Fica-se imediatamente atônito diante da extraordinária liberalidade com a qual a CLT estabelece direitos e garantias para os trabalhadores urbanos e suas organizações. Se o mundo do trabalho de fato funcionasse de acordo com a CLT, o Brasil seria o melhor lugar do mundo para se trabalhar. E se metade da CLT fosse mesmo cumprida, o Brasil ainda seria um dos lugares mais decentes e razoavelmente humanos para aqueles que trabalham em todo o mundo.

32

A primeira grande mudança no texto de 1988 foi a posição reservada para os direitos trabalhistas. Nas ordens constitucionais anteriores, a matéria era tratada no capítulo intitulado “Da ordem econômica e social”, que ficava no final do texto constitucional.

Daniel Sarmento sublinha que a forma de organização do texto da Constituição de 1988 é reveladora de algumas prioridades:

Se as constituições brasileiras anteriores iniciavam pela estrutura do Estado, e só depois passavam aos direitos fundamentais, a Constituição de 88 faz o contrário: consagra inicialmente os direitos e garantias fundamentais – no segundo título, logo depois daquele

30

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus HC 177508 PB 2010/0118366-6 , 6ª Turma, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA DJ 26/08/2013. Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24135975/habeas-corpus-hc-177508-pb-2010-0118366-6-stj> Acesso em: fevereiro/2017.

31 MIRANDA, Jorge, op.cit., 1997, t. I, p.232.

32 FRENCH, John D. Afogados em leis : A CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo: Perseu Abramo, 2001,

p.14-15.

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dedicado aos princípios fundamentais – só voltando-se depois disso à disciplina da organização estatal. Esta inversão topológica não foi gratuita. Adotada em diversas constituições europeias do pós-guerra, após o exemplo da Lei Fundamental alemã de 1949, ela indica o reconhecimento da prioridade dos direitos fundamentais nas sociedades democráticas.

33

Os direitos e garantias fundamentais compõem o título II da Constituição da República brasileira de 1988, subsequente apenas ao título que traça os princípios fundamentais do próprio Estado. Esse título divide-se em cinco capítulos, dos quais apenas o último, a tratar dos partidos políticos, não se refere diretamente ao homem, mas a um dos caminhos a ser por ele utilizado para o exercício de sua cidadania.

Hoje, a visualização de onde estejam os direitos dos trabalhadores na “geografia” constitucional é bastante clara: o Título II da Constituição de 1988 trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Dentro deste título está o Capítulo II, chamado “Dos Direitos Sociais”.

O interesse público e social na proteção dos direitos trabalhistas fica claro quando se constata que os direitos trabalhistas estão inseridos no Capítulo II do Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, da Constituição Federal brasileira. Os direitos trabalhistas se manifestam como de ordem pública, igualmente, a partir do caput do art.7° da CF, que estabelece que os direitos laborais atendem ao princípio da melhoria da condição social.

34

Quis o constituinte demonstrar que os direitos trabalhistas têm grande importância, razão pela qual, diferentemente do que ocorria nas outras ordens constitucionais, foram colocados no início da nova Carta, em local de destaque.

Percebemos assim que o art.7° da Constituição de 1988, principal dispositivo a tratar de normas relativas a direito do trabalho, é direito social e, portanto, direito fundamental. Para Kátia Magalhães Arruda

É inegável a evolução trazida do ponto de vista de enquadramento dos direitos trabalhistas no elenco de direitos fundamentais, no entanto, a reflexão sobre o aspecto de ‘leis inovadoras’ mostra que a Constituição limitou-se a constitucionalizar ou ampliar direitos já existentes nas diversas leis esparsas e na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho e reconhecer direitos largamente utilizados na realidade laboral cotidiana, confirmando a veracidade do conhecido princípio trabalhista da primazia da realidade.

35

Notamos também, através do estudo do lugar escolhido pelo constituinte de 1988 para tratar dos direitos sociais, que a disposição do §1º do art.5º da Constituição

36 abrange todo o título atinente aos

direitos e garantias fundamentais. Empós isso, basta lembrar que o trabalho está elencado como direito social no “caput” do art.6º da Carta Magna, razão porque os direitos e garantias a ele atinentes também possuem aplicação imediata.

33

SARMENTO, Daniel. op.cit. 2010, p.104.

34 CASTELO, Jorge Pinheiro. O direito material e processual do trabalho e a pós-modernidade: a CLT, o CDC e as repercussões

do Novo Código Civil. São Paulo: LTr, 2003, p.243.

35 ARRUDA, Kátia Magalhães. Direito Constitucional do Trabalho: sua eficácia e o impacto do modelo neo-liberal. São Paulo:

LTr, 1998, p.34-35.

36 Art.5°, §1° da CF/88: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”

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Importante ressaltar que a doutrina brasileira é pacífica no sentido de ratificar que, por disposição constitucional expressa (§1º do art.5º da Constituição), as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

As características do sistema de Direito do Trabalho brasileiro podem ser extraídas da Constituição Federal de 1988, da Consolidação das Leis do Trabalho e das fontes do Direito do Trabalho. A Constituição Federal de 1988 assenta desde sua epígrafe que visa assegurar o exercício dos direitos sociais (dentre os quais estão os direitos trabalhistas). Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, inscrito no primeiro artigo da Constituição de 1988, é o valor social do trabalho.

O capítulo II da Constituição de 1988 é intitulado “Dos direitos sociais” e contém no artigo 7º um rol apenas exemplificativo de 34 incisos tratando de direitos e garantias dos trabalhadores urbanos e rurais. A parte final do “caput” do artigo 7º da Constituição de 1988 é explícita no sentido de que os direitos ali inscritos não são taxativos, mas sim meramente exemplificativos, pois ao contrário de vedar a existência de outros direitos, ressalta que pode haver outros que visem a melhoria da condição social dos trabalhadores.

Portanto, o sistema de Direito do Trabalho no Brasil tem por escopo a melhoria da condição social dos trabalhadores conforme dita a parte final do “caput” do artigo 7º da Constituição de 1988. Essa característica do sistema se coaduna com a evolução histórica do próprio Direito do Trabalho no Brasil e no mundo. Partiu-se de um período em que não havia qualquer preocupação com o regramento das situações envolvendo o labor humano para um estágio em que a Revolução Industrial ensejou lutas sociais pelo desenvolvimento de normas que regulassem o labor humano e limitassem sua exploração.

O sistema de Direito do Trabalho brasileiro também é calcado em princípios próprios ou peculiares, que foram enumerados por Américo Plá Rodriguez na clássica obra “Princípios do Direito do Trabalho”. Os princípios têm função informadora, normativa e interpretativa. A função informadora dos princípios do Direito do Trabalho é aquela de inspirar o legislador na criação das normas que comporão o ordenamento jurídico laboral. A função normativa é aquela pela qual os princípios do Direito do Trabalho atuarão como meio supletivo de colmatar as lacunas existentes no ordenamento jurídico laboral (artigo 8º da CLT). A função interpretativa é aquela segundo a qual os princípios do Direito do Trabalho operarão como critério orientador para o intérprete da norma jurídica.

Princípios do Direito do Trabalho são “as regras dogmáticas básicas que servem de alicerce para a sistematização do ordenamento jurídico trabalhista.”

37

São princípios específicos ou peculiares do Direito do Trabalho, segundo Américo Plá Rodriguez38

: o princípio da proteção que se subdivide em princípio do “in dubio pro operario”, princípio da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador e princípio da aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador; princípio da indisponibilidade ou irrenunciabilidade de direitos; princípio da continuidade da relação de emprego; princípio da primazia da realidade; princípio da razoabilidade e princípio da boa-fé. Os doutrinadores citam outros princípios além daqueles indicados por Américo Plá Rodriguez, mas para os fins deste estudo nos limitaremos à doutrina clássica.

37

PINTO, José Augusto Rodrigues e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Repertório de conceitos trabalhistas. São Paulo, LTr, 2000,p.419.

38 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed., São Paulo, LTr, 2000.

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A jurisprudência trabalhista utiliza com frequência os princípios de Direito do Trabalho para solução de conflitos trabalhistas.

Da análise do texto constitucional vigente, especificamente o artigo 7º da Constituição de 1988, e dos princípios do Direito do Trabalho podemos afirmar que o sistema de Direito do Trabalho brasileiro é um sistema aberto no sentido de que permite o ingresso no ordenamento jurídico de normas que visem à melhoria da condição social do trabalhador (parte final do “caput” do artigo 7º da Constituição de 1988).

A interpretação do sistema de Direito do Trabalho brasileiro deve orientar-se pelos princípios do Direito do Trabalho em razão de suas funções e de expressa disposição legal (artigo 8º da CLT).

Assim, o sistema de Direito do Trabalho brasileiro é um sistema aberto que visa a melhoria das condições sociais dos trabalhadores e a proteção de seus direitos.

4.ANÁLISE DE ALGUNS PONTOS DA REFORMA TRABALHISTA (LEI 13467 DE 13/07/2017)

A Lei 13467 de 13/07/2017 entrará em vigor no prazo de 120 (cento e vinte) dias de sua publicação (artigo 6º) e trata do que se convencionou chamar de “reforma trabalhista”. Referida norma jurídica traz em seu bojo que tem por “fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.”

Assim, em tese, a Lei 13467/2017 teria por escopo adequar o sistema de Direito do Trabalho brasileiro de forma a manter sua coerência com os fatos sociais ou “novas relações de trabalho”.

Entretanto, da leitura da Lei 13467/2017 percebe-se que ela vai muito além de meramente tentar adequar a legislação às novas relações de trabalho, visto que alterou não só dispositivos de direito material, mas também de direito processual e de hermenêutica. Trataremos de alguns pontos trazidos pela reforma trabalhista como forma de analisar se ela se adequa ou não à noção de sistema jurídico.

O artigo 8º da CLT, na sua redação original, diz:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

A primeira alteração significativa efetuada pela Lei 13467/2017 foi exatamente no parágrafo único do artigo 8º da CLT, que passou a ser parágrafo primeiro e houve inserção de mais dois parágrafos. Eis a nova redação dos parágrafos do artigo 8º da CLT:

§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho. § 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

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§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Note-se que o alcance do antigo parágrafo único do artigo 8º da CLT, que dizia que o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste, foi diminuído. Com a vigência da Lei 13467/2017 a redação será apenas “ o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho”.

Essa alteração demonstra que a noção de sistema não foi respeitada, visto que os princípios do Direito do Trabalho têm funções específicas (informadora, normativa e interpretativa) e não é aconselhável a existência de um sistema em que haja incompatibilidades entre suas normas e seus princípios informadores. Nesse ponto considera-se que a alteração realizada por meio da Lei 13467/2017 não melhorou nem dinamizou o sistema de Direito do Trabalho brasileiro. Ao contrário. Como o “caput” do artigo 8º da CLT permanece inalterado, os princípios de direito do trabalho continuam a exercer as funções informadora, normativa e interpretativa de maneira relevante por expressa disposição do artigo 8º da própria CLT.

Interessante também neste aspecto lembrar que o artigo 769 da CLT, que dispõe que “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que não for incompatível com as normas deste título”, não foi revogado nem alterado pela Lei 13467/2017.

Aparentemente existe incongruência da Lei 13467/2017 neste tocante, visto que tentou extirpar a incidência dos princípios de direito material do trabalho ao alterar o parágrafo único do artigo 8º da CLT em sua redação original, mas nada tratou sobre as normas de direito processual.

Ademais, vislumbra-se que a técnica legislativa utilizada não foi das mais recomendadas, visto que em alguns trechos a Lei 13467/2017 cuidou de estabelecer o que não caracterizaria determinado instituto jurídico no lugar de conceitua-lo. Ou seja: a lei tratou de definir as exceções à regra, e não a regra geral, o que é considerado boa técnica legislativa. Isso foi feito na modificação do artigo 4º da CLT, que trata do tempo à disposição do empregador, para inserir o §2º do artigo 4º da CLT e dizer o que não caracteriza tempo de trabalho. O mesmo ocorreu na alteração do artigo 2º da CLT para inserir o §3º e dizer o que não caracteriza grupo econômico além do §2º do artigo 58 da CLT que diz o que não configura tempo “in itinere”.

Trata-se de uma lógica invertida: em vez de enunciar o que seria o instituto jurídico sob exame, declara-se casuisticamente hipóteses que não configuram o instituto.

Um exemplo de boa utilização da Lei 13467/2017 ao conceito de sistema foi a alteração perpetrada no artigo 11 da CLT, que serviu para modificar o texto da CLT e adequá-lo ao disposto no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição de 1988 que diz respeito à prescrição dos créditos trabalhistas. A alteração realizada corrigiu uma distorção de quase 30 anos pois desde sua vigência a Constituição de 1988 alterou o parâmetro da contagem do prazo prescricional dos créditos trabalhistas e a CLT continuava com redação que não havia sido recepcionada. Com isso o problema terminou e privilegiou-se a ideia de um sistema uno e coerente logicamente. Os parágrafos 2º e 3º do artigo 11 da CLT são reprodução de

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entendimentos jurisprudenciais sumulados pelo Tribunal Superior do Trabalho que agora transformam-se em texto de lei.

A introdução do artigo 11-A da CLT por meio da Lei 13467/2017 tratando da prescrição intercorrente deve levar ao cancelamento da súmula de jurisprudência 114 do Tribunal Superior do Trabalho que dispõe expressamente que não se aplica a prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho. Note-se aqui que a noção de sistema funciona como de uma estrutura em que seus elementos mantem relações entre si. O texto do novel artigo 11-A da CLT é completamente incompatível com o conteúdo da Súmula 114 do TST. Sendo o artigo 11-A da CLT texto de lei compatível com a Constituição, é hierarquicamente superior ao conteúdo da Súmula 114 do TST, razão pela qual a mesma deverá ser cancelada como forma de manter a coerência e unidade do sistema de Direito do Trabalho brasileiro.

Outro bom exemplo de adequação da norma ao fato social, que revela preocupação do legislador com a efetividade da norma jurídica e sua aplicabilidade, foi a alteração propugnada no artigo 47 da CLT pela Lei 13467/2017 com a finalidade de fixar parâmetros pecuniários atuais condizentes para multa fixada naquele artigo.

A alteração no artigo 58-A da CLT, que trata do trabalho a tempo parcial, foi para aumentar a jornada máxima de 25 horas de trabalho semanal para 30 horas de trabalho semanal e explicitar o regime de férias, horas extras e compensação de horários desses empregados.

O artigo 59 com redação dada pela Lei 13467/2017 veio explicitar que a jornada de trabalho pode ser aumentada por meio de acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo – entendimento já pacificado pela doutrina e jurisprudência.

O §4º do artigo 71 da CLT alterou a natureza jurídica da remuneração do intervalo para repouso e alimentação que tenha sido suprimido do trabalhador, que passou a ser indenizatória quando o entendimento doutrinário e jurisprudencial até então dominantes era de que a natureza jurídica dessa parcela era salarial.

Foi inserido um capítulo na CLT relativo ao teletrabalho – fato social advindo das novas tecnologias utilizadas no mundo do trabalho e que demonstra nesse ponto que a Lei 13467/2017 buscou adequar a legislação à nova realidade.

O parágrafo 1º do artigo 134 da CLT foi alterado para permitir que as férias do empregado possam ser fracionadas em até 3 (três) períodos desde que o empregado com isso concorde e que um dos períodos não seja inferior a 14 (catorze) dias.

A reforma trabalhista criou o título II-A na CLT, que vai dos artigos 223-A até 233-G que tratam da reparação dos danos extrapatrimoniais. O tema já é amplamente conhecido e debatido na doutrina e jurisprudência, mas o §1º do artigo 223-G da CLT traz um sistema de tarifação do valor da indenização do dano extrapatrimonial, o que não parece razoável por usar como base de cálculo o valor do último salário contratual do ofendido se este for pessoa natural ou do ofensor caso o ofendido seja pessoa jurídica.

Acreditamos que as mudanças inseridas pelo artigo 394-A da CLT que tratam do trabalho da mulher gestante em ambiente insalubre sejam incompatíveis com as normas de medicina e segurança do trabalho postas na CLT e nas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, pelo que pensamos que a mesma não se adequa ao sistema de Direito do Trabalho brasileiro.

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O artigo 442-B da CLT diz: “Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.” Referida disposição legal não se adequa ao sistema de Direito do Trabalho brasileiro porque macula o princípio peculiar do Direito do Trabalho da primazia da realidade, segundo o qual a realidade fática (os fatos) se sobrepõem às aparências ou aos documentos.

Portanto, se a contratação do autônomo estiver descaracterizada formar-se-á o vínculo de emprego com o tomador de serviços desde que presentes os requisitos do artigo 3º da CLT. O sistema de Direito do Trabalho brasileiro prestigia a verdade, aquilo que realmente ocorreu no mundo fático, razão pela qual a lei não tem o condão de transformar a realidade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema é uma criação do jurista que busca organizar as normas jurídicas para melhor aplicação do direito. Portanto o sistema é como uma grande estrutura, cujas vigas mestras são postas de maneira sólida e não devem ser modificadas sob pena de destruir ou abalar a estrutura. Os elementos que estão dentro da estrutura chamada sistema devem ser harmônicos e compatíveis entre si.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, foi revolucionária no que diz respeito à inserção de uma série de direitos voltados aos trabalhadores, conferindo-lhes “status” de direitos fundamentais e aplicabilidade imediata.

O sistema de Direito do Trabalho brasileiro tem como fontes a Constituição de 1988, a Consolidação das Leis do Trabalho e as fontes do Direito do Trabalho (artigo 8º da CLT). Os princípios peculiares do Direito do Trabalho têm função normativa, interpretativa e informadora. As características do sistema de Direito do Trabalho brasileiro são, dentre outras, o escopo de melhorar a condição social dos trabalhadores (parte final do “caput” do artigo 7º da Constituição de 1988) e aquelas firmadas pelos princípios peculiares do Direito do Trabalho.

A Lei 13467/2017, conhecida por reforma trabalhista, propõe na sua ementa adequar a legislação às novas relações de trabalho, mas faz muito mais que isso, pois também tratou de aspectos processuais e hermenêuticos.

Vislumbramos que alguns pontos da reforma trabalhista não se adequam à noção de sistema que tem o Direito do Trabalho brasileiro, pois são contraditórias e incompatíveis com a principiologia peculiar do Direito do Trabalho, a exemplo do §1º do artigo 8º da CLT, e dos ditames da Constituição Federal de 1988 no sentido de que são direitos dos trabalhadores todos aqueles elencados no artigo 7º, além de outros que visem a melhoria de sua condição social.

A moderna hermenêutica privilegia a concretização dos comandos constitucionais, razão pela qual podemos afirmar que os trechos da reforma trabalhista (Lei 13467/2017) que tratam de direito material não se coadunam com a noção de sistema jurídico pois não guardam coerência nem unidade com a vontade constitucional de melhoria da condição social dos trabalhadores nem com os princípios peculiares do Direito do Trabalho.

Importante frisar que enquanto no direito material do trabalho a legislação é protetiva dos direitos e garantias do sujeito trabalhador por razões históricas, filosóficas e econômicas, essa distinção não ocorre no direito processual do trabalho, em que deve haver paridade de armas entre os sujeitos do

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processo. Desta forma, o princípio do “in dubio pro operario” somente deve ser utilizado quando houver dúvida sobre a aplicação da norma de direito material.

Podemos concluir que a Lei 13467/2017 se adequa de forma apenas parcial ao sistema de Direito do Trabalho brasileiro, visto que nos itens em que há incompatibilidade com princípios peculiares do Direito do Trabalho não se pode falar em sua integração ao sistema jurídico trabalhista. De um modo geral a reforma trabalhista foi casuísta pois focou-se em extirpar temas ou matérias controvertidas na jurisprudência dos tribunais, a exemplo do tempo “in itinere”, do dano moral por utilização de logomarcas em uniforme de trabalho, e não em criar normas que se adequassem ao sistema de Direito do Trabalho brasileiro.

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LABOUR REFORM AND THE CONCEPT OF JURIDICAL SYSTEM

ABSTRACT: The birth of human labour tracks back to physical efforts and punishments. The etymology fo the word labour, that comes from the latin word “tripaliare”, which means to torture, reflects in its historical evolution and in the evolution of the juridical discipline Labour Law as we now know it. In the course of history labour has assumed many facets – servitude, slavery, labour corporations – and that generated the need of na autonomous juridical discipline to regulate those facets, which nowadays we call Labour Law. This article aims to study the concept of juridical system and its carachteristics to investigate which of them form the Labour Law juridical system in Brazil and research if the so-called labour reform (L.13467/2017) adapts to the brazilian Labour Law juridical system and to what extent.

KEY-WORDS: System; Labour Law; Labour reform; Law 10467/2017; principles.

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PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO X LEGISLADO –

A REFORMA TRABALHISTA DA LEI Nº 13.467/2017

Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani

Desembargador Federal do Trabalho da 15ª Região e membro da Academia Nacional de Direito Desportivo.

Antes de ferir o tema, ou mesmo já ferindo-o, eis que visualizo forte relação entre o excerto que a seguir reproduzirei com o tema objeto destas reflexões, o tão ardentemente desejado pelos que queriam – a todo custo- ver vitoriosa a prevalência do Negociado x Legislado, e que lograram ver seus anseios atendidos pela lei 13.467/2017, peço vênia para lembrar aguda observação do preclaro jurista lusitano António Menezes Cordeiro, apontando o cuidado que se há de ter, atento ao fato de que

1

“A História – particularmente a do século XX – mostra que os direitos das pessoas foram sempre restringidos com apelo a causas nobres. E nesses cenários inicialmente justificados foram perpetrados os maiores barbarismos. Há, pois, limites que nenhum fim, por excelente que se apresente, pode postergar”. A esse cuidado, outro há de ser somado, porquanto, como bem fixa Dom Orlando Dotti, Bispo Emérito de Vacaria-RS, em prefácio ao livro do Padre Anderson Francisco Faenello

2, “Não se pode cair

no reducionismo de olhar para o trabalho apenas como emprego nem como salário compensador, e muito menos como mercadoria disponível na praça do mercado. O trabalho humano deve ser analisado dentro do humanismo cristão, em que a pessoa humana goza do primado sobre todas as coisas, e o trabalho, da primazia sobre o capital. Nessa visão, ‘todo o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho’ (LE 6)”. Recordados tão valiosos ensinamentos, há observar que esse tema voltou, o da prevalência do negociado sobre o legislado, tendo sido objeto da reforma trabalhista levada a efeito por meio da lei nº 13.467/2017, de 13.07.2017, com entrada em vigor a partir de 13.11.2017, num momento que se diz de crise!

1 António Menezes Cordeiro, “O Respeito Pela Esfera Privada do Trabalhador”, coordenação António Moreira, “I Congresso

Nacional de direito do Trabalho – Memórias”, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, página 31.

2 Dom Orlando Dotti, Bispo Emérito de Vacaria-RS, em prefácio ao livro do Padre Anderson Francisco Faenello, “A Felicidade e a

Realização Humana no Trabalho”, Paulus, 2014, páginas 11/12 .

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Curioso não? Como pode ser entendido isso? Como um ato de malícia e muitas outras coisas não favoráveis para a classe trabalhadora, aproveitando da necessidade por que passa todo trabalhador, para prover a sua existência e a dos seus! Por falar em necessidade, de lembrar Eurípedes que, em sua bela tragédia Alceste, uma das que contribuiu para imortalizar o teatro grego, agudamente fez observar, por um de seus personagens, a força irresistível da necessidade, ao fazê-lo declarar

3:

“Alçou-me um dia a Musa, em suas asas, à região celeste, e de lá, depois de observar todas as coisas que existem, nada vi mais poderoso do que a Necessidade! Nem as fórmulas sagradas de Orfeu, inscritas nos estélios da Trácia, nem os violentos remédios que Apolo ensinou aos filhos de Esculápio, para que minorassem os sofrimentos dos mortais. Só ela, entre as deusas, não tem altares, nem imagens, a que possamos levar nossos tributos: nem recebe vítimas em holocausto. Ó temerosa divindade! Não sejas mais cruel para comigo, do que já tens sido até hoje! Tudo o que Júpiter ordena, és tu que executas sem demora; até o ferro dos Calíbios tu vergas e dominas; e nada conseguirá abrandar teu coração inflexível!”. A propósito do argumento da crise, de lembrar, à partida, que o Direito do Trabalho nasceu com e por causa de crise; logo, viver/conviver com crise, não é novidade para esse ramo do direito! Ou seja, falar em crise do Direito do Trabalho é algo repetitivo, carente de imaginação e vigor, pois ele já não nasceu nos braços de uma crise? E que sempre o acompanha? Aliás, como diz Antonio David Cattani, há um abuso na utilização do vocábulo crise, e sem maior especificação de sua relação com o que, para melhor situar a sua efetiva ocorrência; em suas palavras

4:

“Entretanto, o uso indiscriminado desse termo {crise} provocou o seu desgaste. Ele é abusadamente empregado para referir-se a qualquer evolução considerada problemática, numa ordem pensada como normal ou estável. Porém, essa ordem raramente é conceituada ou descrita com objetividade. Ela aparece, antes, como uma hipotética época de ouro, como uma mítica belle époque que teria existido no passado”. Ainda – e também por isso-, quanto ao argumento “crise”, é preciso considerar que há recebê-lo com muita cautela, grande reserva e muita desconfiança, pois, como lembram Patrícia Dittrich Ferreira Diniz e Marco Antônio César Villatore, citando posicionamento de Joseph Alois Schumpeter: “Por fim, ele assegura que a crise é essencial para o desenvolvimento do capitalismo, inclusive chamando-a de destruição-criativa, uma vez que em razão de determinado distúrbio, no sistema, o capitalismo precisa ser criativo e se reinventar para sobreviver”

5.

3 Eurípedes, “Teatro Grego”, Clássicos Jackson. Indiana. W.M. Jackson, v. XXII, página 216.

4 Antonio David Cattani, “Trabalho & Autonomia”, Editora Vozes, 2ª edição, 2000, página 17.

5 Patrícia Dittrich Ferreira Diniz e Marco Antônio César Villatore, “Capitalismo, Crise Econômica e a Preservação dos Direitos

Fundamentias dos Trabalhadores nas Transformações Ocorridas no Mercado de Trabalho, em Especial, a Propalada Reforma Trabalhista”, “Direitos Fundamentais e Justiça”, Revista do Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Direito da PUCRS, ano 07, nº 25, Out/Dez-2013, página 196.

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Ora, em sendo assim, forte a observação de António Casimiro Ferreira, no sentido de que6:

“Neste sentido, e em muitos casos, a crise tem sido utilizada como mais uma oportunidade de subordinar os trabalhadores individuais, os governos e mesmo sociedades inteiras ao ritmo dos mercados do capitalismo global. Quanto aos trabalhadores, os sucessivos pacotes de austeridade agravam as situações de trabalho precário e de fragilidade laboral, evidenciando que a função de pagar a crise recai sobre as pessoas, suas famílias e pensionistas”. Relativamente a crise, ainda duas observações devem ser feitas: uma, quanto a lição do grande Prof. Fábio Konder Comparato, para quem

7:

“Empregamos a todo tempo a palavra crise para caracterizar o lamentável estado atual de nossa política e de nossa economia, sem entender a semântica do vocábulo. Ele foi criado por Hipócrates, a partir do verbo grego krito, kritien, cujos sentidos principais no grego clássico eram de separar ou discernir, de um lado, e de julgar ou decidir, de outro. Para o Pai da Medicina, krisis designava o momento preciso em que o olhar justamente dito crítico do esculápio conseguia discernir o tipo de doença que acometia o paciente, permitindo-lhe fazer com precisão o diagnóstico e o prognóstico”. A julgar pelo remédio sugerido pelos que apresentaram essa reforma, convertida na lei suso-mencionada, não é difícil enxergar a quem é atribuída a responsabilidade pelo momento atual que o nosso País atravessa.... Por seu turno, no “Dicionário das Crises e das Alternativas”, dos investigadores do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, na palavra crise, está dito que: “Na nossa linguagem comum, 'crise' significa algo em perigo, sob ataque, em transformação. Apesar de usarmos, de facto, esta palavra quotidianamente nas nossas vidas para falar de todo o tipo de situações, não pode ser negado que o conceito tem também complexas conotações políticas. ... Por vezes, a palavra 'crise' não é tanto usada para descrever uma situação difícil, e até perigosa, mas antes para agravar e até criar essa mesma situação. A História antiga e contemporânea diz-nos que os políticos (e poderes dominantes) procuram produzir, frequente e ativamente, um clima de crise – seja social, económico ou 'afetivo' – de forma a alterar o equilíbrio da balança constitucional a seu favor”

8.

Destarte, como salientado, é preciso muita cautela e até alguma boa dose de desconfiança, com o argumento/justificativa da existência de crise, para dar respaldo e/ou disparar (e com que pontaria!) contra direitos da classe trabalhadora, tão duramente conquistados, mas, ao que parece, jamais assimilados inteiramente, por certos segmentos da sociedade, já que, com maciço apoio de várias fontes, que se “unem”, lamentavelmente, “em torno de um interesse comum”, sempre à espreita de um momento favorável –e se necessário criá-lo, “mãos à obra” então!- para retirá-los, ou ao menos, diminuí-los consideravelmente, o que um exame da lei 13.467/2017, que é o resultado do aludido momento favorável, permite constatar! Para que não se diga que nego, absolutamente, a existência de crise, afirmo que não é isso o que

6 António Casimiro Ferreira, “Sociedade da Austeridade e Direito do Trabalho de Exceção”, Vida Económica Editorial S.A., Porto,

Portugal, 2012, página 12.

7 Fábio Konder Comparato, “Significado e Perspectivas da Crise Atual, Ladislau Dowbor e Marcelo Mosaner, coordenadores, “A

Crise Brasileira: coletânea de contribuições de professores da PUC/SP”, Editora Contracorrente, SP, 2016, página 21.

8 “Dicionário das Crises e das Alternativas”, dos investigadores do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra

Almedina, 2012, página 68.

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digo, mas sim que, embora as coisas não sejam tão simples assim e nem se reduzam a apenas isso, por mais triste que seja, para alguns setores, “uma boa (e oportuna) crise pode ser bem aproveitada, trabalhada, direcionada”! De todo modo, essa mudança, a provocada pela lei que se vem de referir, não significa apenas uma simples mudança na órbita do Direito do Trabalho – o que, aliás, já seria e será um doloroso retrocesso-, mas na própria concepção de Estado, recuando-se, mais ainda, o que resta ou o que há de Estado Social entre nós, abstração feita da indagação acerca de se, em algum momento, nosso país viveu, em toda sua extensão ou, ao menos, em larga medida, que não apenas por meio de textos legais, mas na realidade da vida, sob o manto, a atmosfera de um autêntico Estado Social

9; aliás, pode-se até

inferir que a tendência e/ou realidade atual, é a de que não há mais estado de Bem Estar Social, podendo existir, conforme o ângulo preponderante de análise: - Estado penal, ou - Estado de sujeição laboral, ou, numa hipótese mais “otimista”: - Estado de Estar Individual, com um individualismo exacerbado (hiperindividualismo), fazendo abalar os valores da solidariedade, tão caros à vida em sociedade. Quanto ao Bem... Vale mencionar que, quanto ao Estado punitivo, já foi dito que:

“O agigantamento do Estado punitivo tem sido uma constante, aa ttaall ppoonnttoo qquuee aattéé mmeessmmoo aass

ggaarraannttiiaass ee ddiirreeiittooss ffuunnddaammeennttaaiiss,, oobbrraa ddee ffoorrtteess rreessiissttêênncciiaass ee lluuttaass ppoollííttiiccaass,, ttêêmm ssooffrriiddoo

sseennssíívveeiiss vviioollaaççõõeess. Isso tudo tem ocorrido num ambiente de normalidade institucional e sob a

égide da Constituição cidadã, ainda que ao seu arrepio. Esse fato torna-se mais grave e

preocupante, por que os princípios fundamentais vão sendo corroídos como parte de um

processo natural e de aparente aceno democrático”. 10

(grifei e negritei). Interessante e curioso observar que, substituindo-se o “punitivo”, por “sujeição laboral”, poder-se-á aplicar todo o restante do substancioso parágrafo ao que vem acontecendo com o Direito do Trabalho em nosso País, mais ainda com a edição da Lei nº 13.467/17, é ver:

“O agigantamento do Estado de sujeição laboral {punitivo} tem sido uma constante, a tal ponto que até mesmo as garantias e direitos fundamentais, obra de fortes resistências e lutas políticas, têm sofrido sensíveis violações. Isso tudo tem ocorrido num ambiente de normalidade institucional e sob a égide da Constituição cidadã, ainda que ao seu arrepio. Esse fato torna-se mais grave e preocupante, por que os princípios fundamentais vão sendo corroídos como parte de um processo natural e de aparente aceno democrático”

11.

E essa mudança, tão ansiosa e ardentemente desejada por certos segmentos da sociedade, traduz uma visão míope, equivocada, que não consegue enxergar que, em realidade,

9 José Luis Bolzan de Morais fala de “um Estado que se apresenta como de bem-estar, mas que se executa como de mal-estar”,

“As Crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espaço-Temporal dos Direitos Humanos”, Livraria do Advogado Editora, 2ª edição, 2011, página 60.

10 Denival Francisco da Silva e Alexandre Bizzotto, em prefácio a obra de que são coordenadores, “Quotidianus – A

criminalização nossa de cada dia”, Intelecto Editora, 2016, página IX.

11 Denival Francisco da Silva e Alexandre Bizzotto, em prefácio a obra de que são coordenadores, “Quotidianus – A

criminalização nossa de cada dia”, Intelecto Editora, 2016, página IX., ressalvando a inserção feita, apenas para demonstração de que o mesmo que se dá com o direito Penal, verifica-se com o direito do Trabalho.

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“O Estado social não é gordura, é músculo”

12.

A maliciosa alteração contida na nova lei ignora que a natureza, a razão de ser dos instrumentos

coletivos, É A DE MELHORAR AS CONDIÇÕES DE TRABALHO de determinada categoria profissional, o que já autoriza a Lei maior, não precarizá-las, torná-las inferiores ao que a lei estabelece! Ao menos, até a mudança de ventos que se propõe, rectius, efetiva entrada em vigor da lei nº 13.467/2017, era/é o objetivo visado como resultado de uma negociação coletiva! Pretender isso (novamente, ou como sempre), num momento em que, por conta de uma CRISE (ao menos, a existência de uma crise é apontada, como dito já, como o motivo que determina essa mudança!), em que a fragilidade dos trabalhadores (que sempre existe) se tem como mais acentuada, o que também acontece com os sindicatos, é algo assustadoramente cruel, e parece que os trabalhadores são (como dito e outra vez), os responsáveis pela tal da crise, pelo menos, para solucioná-la, se apresenta como eficaz solução a retirada de seus direitos! Para isso, com base na cultura do medo, se procura provocar, cultivar e explorar o MEDO, no coração e na alma de cada um e de todos os trabalhadores! E para isso, há, aqui sim, grandes especialistas! Para comprovar, basta uma leitura dos argumentos utilizados para justificar, por exemplo, as reformas trabalhista e previdenciária, a primeira já convertida em lei e o debate travado acerca da diminuição da maioridade penal, entre outras questões. Vale lembrar que, como aponta o preclaro Juiz Jorge Luiz Souto Maior: “A desigualdade da relação material, ademais, permite que o empregador tenha aquilo que, na teoria processual, se denomina 'autotutela'. Ou seja, o empregador tem o poder de tutelar, por ato unilateral, o seu interesse, impondo ao empregado determinados resultados fático-jurídicos. Se o empregado não comparece ao trabalho, o empregador desconta seu salário; se atrasa, a mesma coisa. Se o empregado age de modo que não atenda à expectativa do empregador, este, mesmo que o direito, em tese, não lhe permita fazê-lo, multa, adverte e até dispensa o empregado...

O empregador, portanto, não precisa da tutela do Estado para a satisfação de seu interesse”13

.

Pelas mesmas águas singra o eminente Desembargador Manoel Carlos Toledo Filho14

: “o empregador não necessita da Justiça do Trabalho porque, no cotidiano do labor, pratica a autotutela, enquanto que o empregado, por não deter poder de reação imediata, deve aguardar o momento oportuno para propor uma reclamação em que, talvez, logre recuperar ao menos uma parte de seus direitos”. O que isso significa?

12

André Barata e Renato Miguel do Carmo, ob. coletiva, “Estado Social de Todos para Todos”, Edições Tinta-da-China, Lisboa, 2014, página 21.

13 Jorge Luiz Souto Maior, “O Conflito entre o Processo do Trabalho e o Novo CPC”, publicação da Escola Judicial do TRT-15ª

Região, “Estudos Jurídicos 2015: Os Impactos do Novo CPC no Processo do Trabalho”, página 31.

14 Manoel Carlos Toledo Filho, “Os Poderes do juiz do Trabalho Face ao Novo Código de Processo Civil” publicação da Escola

Judicial do TRT-15ª Região, “Estudos Jurídicos 2015: Os Impactos do Novo CPC no Processo do Trabalho”, página 31., f. 78/9.

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Significa, como observou David Duarte, que15

: “Em toda relação trabalhista, joga-se uma relação de poder, e sua regulação heterônoma destina-se a frear este poder, colocando-lhe limites, a fim de evitar o abuso do poder empresarial para que esta relação seja civilizada”. Alguns dos argumentos apresentados para justificar a necessidade de permitir a prevalência do negociado sobre o legislado dentre outros, são os seguintes: - respeito e prestígio devidos aos instrumentos coletivos e ao entendimento direto entre as partes envolvidas; - necessidade de flexibilização das relações de trabalho, para que as empresas possam atender/sobreviver num mercado tão dinâmico e em constante mudança, sem o que restaria/resta comprometida a competitividade dos produtos brasileiros;

- novas atividades, decorrentes dos avanços tecnológicos, que reclamam um novo e diferente modo de fazer, exigindo uma maleabilidade que a CLT, por antiga (argumento não-verdadeiro, pois deliberadamente ignora as mudanças ocorridas em seu corpo, a tal ponto, que, como apontam estudiosos sérios, apenas 20% ou um pouco menos de sua redação inicial ainda se mantém!) não oferece;

- sempre lembrando a relevância da empresa no e para o mundo contemporâneo, donde a necessidade de se procurar a sua preservação, armando-a de meios para enfrentar as dificuldades que o só existir lhe trazem!

Quanto a esses argumentos, é preciso refletir sobre alguns aspectos, para tentar uma visão mais específica, de modo a procurar evitar que ocorra algo semelhante ao descrito pelo inesquecível Alexandre Dumas, em um de seus livros, quanto ao excesso de luz, disse então:

“A luz fora forte demais a princípio e, em lugar de iluminar, cegara” 16

é dizer, não podemos nos deixar levar apenas por alguns argumentos que, parecendo irretorquíveis num primeiro exame, acabem por impedir-nos de analisar outros, ou seja, ao tempo em que parecem iluminar nosso raciocínio, como que cegam-no, por obstar prossiga a análise sob outros enfoques.

E não se deve esquecer, outrossim, de que quando há diferentes posicionamentos acerca de uma situação, nunca é demais conhecer uns e outros, ou, como melhor dito por João da Gama Cerqueira

17,

“se há dois campanários na aldeia, não é mau que se ouçam os timbres diferentes de seus sinos”. Aqui, a pergunta que não quer calar: a CF/88, autorizaria/autoriza semelhante mudança em seus valores/princípios estruturantes? O artigo 7º, e especialmente seu “caput”, poderiam/podem “absorver” semelhante golpe? A constitucionalização do Direito do Trabalho não significa um compromisso do Estado com os trabalhadores, a assunção de suas reivindicações? E se é assim, é possível que, ciclicamente, quando surge (seja por uma razão ou outra, “provocada” ou não) uma crise – e a vida, de resto, não é uma luta para, uma vez instaladas, qualquer

15

David Duarte, “Relações Trabalhistas Democráticas e sem Discriminação de Qualquer Tipo, de Maneira que o Trabalhador, Cidadão na Sociedade, Também seja Cidadão na Empresa – O Trabalhador, Cidadão na Empresa”, ob. coletiva, “Direito do Trabalho: Por uma Carta Sociolaboral Latino-Americana”, Ltr, 2012, página 37

16 Alexandre Dumas, “Um Baile de Máscaras e Outros Contos”, Ediouro, s/d, página 44.

17 João da Gama Cerqueira, “Sistema de Direito do Trabalho”, volume I, Editora Revista dos Tribunais, 1961, página 09.

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que seja o motivo, a superação de crises, quer no plano individual, no coletivo e mesmo no nacional?-, a solução, pronta e imediata, a par de simples (claro que não para os trabalhadores!), seja a da restrição/supressão dos direitos dos trabalhadores? Assim agir não iria/vai de encontro à própria razão de ser e aos fins perseguidos pelo Direito do Trabalho? Não seria/é passar por cima de uma realidade que, ainda que alguns pretendam, não há como deixar escondida, na sombra, ou aprisionada, e é a de que: “A lógica própria do Direito do Trabalho não é proteger espaços de autonomia dos privados –como ocorre no Direito Civil -, sim frear os eventuais abusos de uma situação que se rotula como de mando e obediência, e que é precisamente a mesma lógica inscrita no código genético dos direitos fundamentais”

18.

Seja permitido reiterar, insistir que balofo, para dizer o menos, o argumento de que, se o empregado, no plano individual, está em situação de inferioridade, no plano coletivo, da negociação coletiva, haveria a igualdade entre as partes, o que não é verdade, mesmo porque, como se sabe, faz parte do ideário neoliberal o enfraquecimento dos sindicatos, o que a nova lei sabe bem e não deixa de contribuir para que isso ocorra. A prevalência do negociado sobre o legislado deixa a descoberto, desnuda, duas realidades: uma, a de que quase tudo pode ser negociado numa relação de emprego (guardando-se o “tudo” ou excluindo-se o “quase” para um segundo momento?!), e a segunda, com ligação direta com o já mencionado enfraquecimento dos sindicatos, é a de, desviando/desvirtuando as funções próprias da atuação sindical (é dizer, sua razão mesma de existir), fazê-los atuar como “mediadores” das dificuldades enfrentadas por uma empresa e/ou grupo de empresas. Ainda quanto aos sindicatos, pois isso importa – e muito - para que uma negociação cumpra seu papel, sua finalidade, é preciso ver bem claro que o sistema os vê com reservas, e isso desde sempre, sendo que, em momentos pretéritos, achava que podiam ter uma utilidade maior, mas sempre “sob suas vistas”, na quadra atual, parece tender a acreditar que, com os recursos que os novos meios de produção e as novas tecnologias oferecem, é possível (e como sempre desejável) tê-los mais afastados/distantes do círculo de influência sobre os trabalhadores; e talvez, aqui, esteja uma grande e gritante dificuldade para o sindicalismo: a de reverter esse quadro e tirar desse momento de angústia e colossais obstáculos - um quadro verdadeiramente dantesco para os sindicatos-, quanto ao seu futuro, força e meios de comprovar que ainda possuem -e muito, e necessários- vigor e utilidade, o que passa pela busca de novas estratégias e maior coesão entre as entidades sindicais. Como referido nas linhas transatas, as mudanças contidas na Lei 13.467/2017, alteram o Estado Social no nosso País (reitero a abstração feita ao quanto de modelo de Estado Social tivemos/temos entre nós), o qual tem tudo para passar a ser denominado de Estado de Sujeição Laboral ou, ao menos, de Estar Individual ( o “Bem” para alguns poucos), ou, numa linguagem mais vulgar, a idéia é a de institucionalizar-se (ou já se institucionalizou) o “Estado do Salve-se quem Puder”, com um individualismo exacerbado (bem característico dos dias que correm), o que gera várias consequências, mas desde logo abalando os valores da solidariedade, tão caros ao sindicalismo, de modo que aos sindicatos caberá, para mudar esse quadro, se esforçarem para convencer seus representados do peso e imprescindibilidade da solidariedade para a atuação sindical, o que, pela coesão daí advinda, os deixará mais fortes e/ou permitirá que recuperem algo do peso que um dia já possuíram, para o que, desde logo, imperiosa a valorização da negociação coletiva, como meio de obtenção de melhores condições de trabalho e, se e quando, em dado momento e por circunstâncias não menos imperiosas (e verdadeiras), algum direito (entre os que puderem sê-lo, é dizer, desde logo, que não magoem a dignidade de pessoa humana e os direitos fundamentais, enquanto manifestações daquela, dos integrantes da respectiva categoria, nem lhe privem de condições dignas de trabalho!), só mediante efetiva, real e substancialmente equivalente contrapartida.

18

José Luis Ugarte Cataldo, “Derechos, Trabajo y Privacidad”, Perrot, 2011, página 59.

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O que vem de ser dito é necessário para que, então mais fortalecidos, possam os sindicatos, com expectativa de algum sucesso, batalhar para que as negociações coletivas não restem perversamente desfiguradas, deixando de se justificar como instrumentos para a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores, e fiquem sendo, apenas (e o problema é esse: o de ser apenas!) um meio de se compor as consequências de possíveis dificuldades econômicas das empresas. Outrossim, cabe aos sindicatos deixar bem claro, pelo meios que tiverem a seu alcance (e aqui de grande valor o intenso uso das redes sociais) que, no momento atual, o argumento da autonomia privada coletiva, construído com base na existência de uma paridade de força entre as partes, é, como referido nas linhas transatas, uma falácia, pois não existe essa paridade.

Somente assim, parece, será possível evitar-se, no campo da relação de emprego, que os trabalhadores virem mercadoria, tal a liberdade de contratar, emblematicamente simbolizada na prevalência do negociado sobre o legislado, e que a mão de obra passe a estar no “shopping humano”, a que se refere Alexandre Morais da Rosa, nos seguintes termos

19: “O paroxismo desta liberdade de

contratar se deixa ver quando transforma os próprios sujeitos em mercadorias e gera, no seu cúmulo, um grande 'Shopping Humano', onde tudo é comprável, vendável e permutável”, passando o nosso País à triste condição de um, como dito pelo grande juslaborista português João Leal Amado

20, “Paraíso

Social”.

Chegando à essa altura, de referir a questão da Justiça! Diz, em valiosa lição, Ricardo Timm de Souza que

21:

“A questão filosófica primigênia e subjacente a todas as outras – a questão magna – é a investigação sobre o sentido que a palavra justiça deve assumir, ou seja, o conteúdo a construir. Todos os outros temas são a esse subsidiários, o que significa são dele logicamente dependentes e temporalmente derivados”.

A situação a que um trabalhador ficará sujeito por conta das alterações na CLT, recém promulgadas, corresponderá ao conteúdo que a palavra Justiça deve assumir, no âmbito das relações de trabalho e, mais ainda, no espaço de um Estado Democrático de Direito?

Claro que num ambiente em que se procura inspirar um verdadeiro “terror” nos trabalhadores, com ameaça de desemprego praticamente tomando “forma de rosto humano”, pois que possível enxergá-la nas feições dos trabalhadores brasileiros, e em que essa fragilidade é também sentida pelo sindicalismo, como permitir a prevalência do negociado sobre o legislado, na forma “fácil” e ampla que a lei nº 13.467/2017 possibilita? É o momento ideal para que os sindicatos recuperem o seu “espaço” com a classe trabalhadora, como já aqui dito mas que, pela sua relevância e para que “não passe” em branco, não será demais repetir/insistir! Entretanto, o fato de posicionar-me contrariamente a prevalência do negociado sobre o legislado, salientando que, apesar da reforma levada a (d)efeito pela lei nº 13.467/2017, os efeitos dessa alteração

19

Alexandre Morais da Rosa, “Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material: Aportes Hermenêuticos”, Lumen Juris Editora, 2ª edição, página 72.

20 João Leal Amado, “O Direito do Trabalho, a Crise e a Crise do Direito do Trabalho”, Revista Direito e Desenvolvimento, João

pessoa, volume 04, nº 08, jul/dez 2013, página 170

21 apud Marco Antonio de Abreu Scapini, “O Controle do Medo e as Práticas Punitivas: A justiça como questão por Excelência”,

organizador Gustavo Noronha de àvila, “Fraturas do Sistema Penal”, Editora Sulina, PA, 2013, página 50.

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nos contratos de trabalho passará pelo vigor da atuação dos sindicatos, aquando de uma negociação coletiva, não quer dizer que seja contra qualquer reforma na CLT, e para demonstrar isso, vou sugerir algumas mudanças que tenho por interessantes: - previsão de dispositivos acerca dos direitos de personalidade dos trabalhadores, não para tarifá-los, em caso de infração, mas para protegê-los; - maior proteção quanto aos acidentes do trabalho, com expressa previsão da responsabilidade objetiva e em alguns casos, a preventiva; - reconhecimento e disciplina do dano existencial; - contraditório nas despedidas por justa causa; - garantias para que o direito fundamental ao lazer seja efetivamente usufruído; Ao que consta, nenhum delas foi contemplada na Lei 13.467/2017, o que também demonstra que a idéia foi a de sujeitar os trabalhadores (o que, de resto, a leitura da própria lei poderá comprovar), provocando um desmonte na legislação do trabalho em nosso País, jamais a de promover uma saudável modernização. Além dessas, mencionadas entre tantas outras que poderiam sê-lo e que se alinhem à preocupação de que os direitos dos trabalhadores, por estreitamente vinculados à sua subsistência, enquanto e como pessoa, ou seja, com o direito à vida, são direitos fundamentais que precisam ser assegurados, preservando-se, então, a dignidade de pessoa humana que todo trabalhador ostenta e que não perde, por sê-lo, e que dão o tom à razão de ser de um Estado que se diz preocupado com os seus trabalhadores! Por isso, temos que refletir – e muito -, sobre as seguintes palavras, contidas em livro do grande jurista lusitano Paulo Ferreira da Cunha, para ver se já estamos ou se caminhamos para a situação por ele referida

22:

“Ora a sensação de impunidade e de desproteção dos trabalhadores é grande, em vastas regiões do mundo, e agora também em Portugal. A precariedade vai ao ponto de boa parte dos trabalhadores serem permanentemente eventuais (entre nós, os 'recibos verdes'), o que significa terem de se sujeitar a tudo. E perante isto forças poderosas de negócios, interesses e dinheiros ainda acham pouco, e que é preciso institucionalizar o despedimento livre. A apoiá-las e inventando argumentos e teorias, muitos clercs que de há muito vivem à mesa de orçamentos, públicos ou privados, ou (situação mais vil ainda) meramente na esperança de, com sua adesão à teologia do mercado, virem a ter algumas migalhas dessas mesas”. Aqui também, como perguntou António Casimiro Ferreira, quanto a Portugal, temos que, diante das alterações que se pretende promover no direito do trabalho, responder à pergunta: “Em suma, talvez não seja desrazoável formular a seguinte pergunta: quem protege os trabalhadores deste direito do trabalho?”

23.

Portanto, para ter lugar, no tema em foco, qualquer mudança que não seja meramente decorrente de possuir um braço mais robusto e/ou tenha melhores meios de fazer ouvir sua voz e suas razões, e para isso desqualificando as razões contrárias, o que torna a compreensão de uma norma legal mais

22

Paulo Ferreira da Cunha, “Direitos Fundamentais – Fundamentos & Direitos Sociais”, Quid Juris, Sociedade Editora, 2014, página 223.

23 António Casimiro Ferreira, “Sociedade da Austeridade e Direito do Trabalho de Exceção”, Vida Económica Editorial S.A.,

Porto, Portugal, 2012, página108.

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difícil, obstando uma relação mais próxima entre capital e trabalho, é preciso que os que recalcitram em aceitar, compreendam a razão de existir e utilidade dos sindicatos, gerados que foram pelo próprio sistema e para emprestar-lhe harmonia, e retirem e/ou não se deixem envolver por armadilhas, que podem atrair por um interesse mais imediato, mas depois, com o tempo, não trazem/trarão boas

consequências, e libertem-se da tirania do OU adotando a excelência do E, lições que se extraem dos dois excertos transcritos no pórtico deste singelo estudo, por isso que foram-no.

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O EQUIVOCO DA TARIFAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS

EXTTRAPATRIMONIAIS PELA LEI 13.467/2017

Francisco das C. Lima Filho Desembargador do TRT da 24ª Região.

Mestre e doutor em Direito Social pela Universidad Castilla-la Mancha (Espanha). Professor em pós-graduação em Direito do Trabalho na UCDB (Campo Grande – MS).

Paulo Henrique Costa Lima Bacharel em Direito pela Universidade Unigran- Dourados - MS

e Advogado Trabalhista em Brasília – DF.

Heitor Oliveira Barbosa Acadêmico de Direito na UCDB – Campo Grande – MS.

1. INTRODUÇÃO

Depois de muita polêmica e protestos de parlamentares de partidos de oposição ao Governo e de entidades de representação dos trabalhadores e Associações de Magistrados de Justiça do Trabalho, foi aprovado pelo Congresso Nacional Projeto de Lei 6.787/2016, originário da Câmara dos Deputados que recebeu no Senado Federal o n. 38/2017, sancionado pelo Presidente Michel Temer converteu-se na Lei 13.467, de 13.7.2017, que entrar em vigor em 11.11.2017, introduzindo profundas alterações na velha Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e, por consequência, criando aquilo o que se poderia denominar de “um novo Direito do Trabalho brasileiro”.

Necessário, assim, ainda que sinteticamente tecer algumas considerações a respeito das bases jurídicas da nova Lei para que se possa compreender o que a seguir se defenderá.

Nesse passo, vale lembrar que a chamada “Reforma Trabalhista” se encontra fundamentada, essencialmente, em duas grandes pilastras:

a) o reconhecimento e a valorização da autonomia individual visando permitir que trabalhadores e empregadores ou contratantes possam negociar diretamente sem necessidade da tutela estatal, às vezes excessiva, e para alguns, paternalista, certas condições que regerão o contrato de emprego ou de trabalho;

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b) a valorização, o prestígio e a preferência da autonomia coletiva da vontade das categorias que terão, a partir da entrada em vigor da nova Lei, maior liberdade para negociar as condições a que se submeterão, na pressuposição de que ninguém melhor daquele que trabalha e de quem se apropria dos frutos do labor - verdadeiros atores do processo produtivo - têm mais e melhores condições de conhecer suas próprias realidades e necessidades.

E para se constatar esse fato, basta vê os vários dispositivos constantes da Lei 13.467/2017 valorizando a autonomia individual da vontade do trabalhador e do empregador para convencionar diretamente por meio do diálogo e da negociação vários direitos, inclusive fora do padrão garantido pelo Estado, desde é claro, que não se achem marcados pelo caráter da indisponibilidade absoluta, como, por exemplo, aqueles ligados à jornada, salários e outras condições de trabalho, dando-se prevalência aquilo que se tem denominado de “convencionado sobre o legislado”.

De fato, prevê o art. 611-A da CLT acrescido pela nova lei:

A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;

II - banco de horas anual;

III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;

V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial;

VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;

VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

X - modalidade de registro de jornada de trabalho;

XI - troca do dia de feriado;

O legislador partiu da ideia que aos atores da relação de emprego ou de trabalho e às categorias a que integram, deve ser garantido o direito de negociar, especialmente por meio da autonomia coletiva aquilo que entendam seja mais conveniente e aproximado de suas próprias realidades como, aliás, foi reconhecido pelo Excelso Supremo Tribunal no julgamento do RE 590.415-SC, ao deixar assentado no voto do Ministro Luis Roberto Barroso:

A negociação coletiva é uma forma de superação de conflito que desempenha função política e social de grande relevância. De fato, ao incentivar o diálogo, ela tem uma atuação terapêutica sobre o conflito entre capital e trabalho e possibilita que as próprias categorias econômicas e profissionais disponham sobre as regras às quais se submeterão, garantindo aos empregados um sentimento de valor e de participação. É

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importante como experiência de autogoverno, como processo de autocompreensão e como exercício da habilidade e do poder de influenciar a vida no trabalho e fora do trabalho. É, portanto, um mecanismo de consolidação da democracia e de consecução autônoma da paz social. O reverso também parece ser procedente. A concepção paternalista que recusa à categoria dos trabalhadores a possibilidade de tomar as suas próprias decisões, de aprender com seus próprios erros

1.

Esse entendimento, diga-se de passagem, havia sido acolhido anteriormente pela Excela Corte no julgamento do RE 590.415-SC a respeito da validade da negociação coletiva limitando para efeitos de pagamento as horas in itinere, numa clara demonstração de que antes mesmo da edição da Lei 13.467/2017 se prestigiava a autonomia coletiva das categorias para, por meio do mecanismo da negociação coletiva superar o conflito com estabelecimento de normas que atendam a realidade dos trabalhadores e empregadores como ocorre no modelo laboral europeu, no qual o legislador se baseou, e que tem dado margem a muitas discussões e debates.

E essa autonomia da vontade para negociação foi também reconhecida e prestigiada no campo da relação individual de trabalho à medida que a nova Lei permite que o trabalhador e o empregador possam, em dadas condições, negociar e convencionar fora do padrão legal vários direitos como, por exemplo, banco de horas (art. 59, §§ 5º e 6º), intervalo para amamentação da trabalhadora lactante (art. 396, § 2º), fracionamento de férias, alteração do trabalho presencial para teletrabalho (art. art.75-C, § 2º acrescido pela nova Lei), intervalo intrajorda e até mesmo tacitamente outros direitos, estimulando um louvável processo de diálogo e de negociação direta sem intervenção estatal ou/e intermediação da entidade sindical. Tanto assim que criou a representação do trabalhador na empresa como um espaço democrático para esse diálogo direto (510-A acrescido à CLT pela citada Lei), regulamentando o que se encontra previsto no art. 11 da Carta da República e na Convenção 135 da OIT, tornando realidade aquilo que o constituinte de 1988, fundado no pluralismo democrático, pretendeu, não constituindo qualquer ameaça ao relevante papel social e político do sindicato que em verdade deve agir em cooperação com a representação dos trabalhadores na empresa (art. 5º da aludida Convenção Internacional).

É evidente, todavia, que a autonomia coletiva exige a presença de sindicatos fortes e representativos, com capacidade de negociar com as empresas ou empregadores dentro de certos parâmetros de equilíbrio de forças, o que infelizmente no Brasil, salvo algumas exceções, não ocorre, pois ainda temos o sindicato organizado com base na categoria fundado no princípio unicidade que exige para que possa adquirir a capacidade de representação o registro no órgão competente do Estado, em absoluta falta de sintonia com os princípios e normas da Organização Internacional do Trabalho - OIT, especialmente o disposto na Convenção 87 que até o memento foi não ratificada pelo Brasil, o que torna o sindicato uma entidade de certa forma dependente o Estado para poder atuar. Portanto, necessária também uma reforma no sistema sindical para adequá-lo à nova realidade advinda com a Lei 13.467/2017.

Mesmo assim, e em que pese o previsto na nova Lei, tanto a autonomia individual como a coletiva não são absolutas como, aliás, nenhum direito ou liberdade o é. Ao contrário, embora reconhecida pelo Texto Maior (arts. 7º, inciso XXVI e 8º) encontra limites na proteção daquilo que doutrinariamente se convencionou denominar de padrão mínimo civilizatório constituído pelo conjunto de direitos garantidos pela Carta da República, especialmente aqueles elencados nos arts. 7º e seguintes da Carta Suprema, quase todos marcados pelo caráter de indisponibilidade e que, em obséquio ao princípio vedatório do

1 Como pondera Maurício Godinho Delgado, “não há Democracia sem que o segmento mais numeroso da população geste

uma sólida e experimentada noção de autotutela e concomitantemente, uma experimentada e sólida noção de responsabilidade própria. No primeiro caso, para se defender dos tiranos antipopulares; no segundo caso, para não se sentir atraído pelas propostas tirânicas populistas”. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2011, p. 117.

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retrocesso social2 previsto nos arts. 7º do Texto Supremo e 26 da Convenção Americana de Direitos

Humanos – Pacto de San José da Costa Rica3 - não podem ser retirados, ainda que mediante

negociação coletiva, Todavia, isso não implica afirmar que não possam ser objeto de certa “flexibilização” para serem adequados à realidade da empresa, especialmente aquelas médias e pequenas, em homenagem ao princípio da adequação setorial negociada, mas sempre respeitado o núcleo essencial

4

do próprio direito.

Assim, tanto a autonomia individual como a coletiva da vontade, têm balizas que uma vez não observadas, poderá ensejar à anulação perante a Justiça do Trabalho do que negociado, em que pese o equivocadamente previsto no art. § 3º do art. 8º da CLT acrescido pela nova Lei, pois é evidente que “o juiz não é escravo da lei”, como pensam alguns positivistas; antes é seu intérprete.

É com essa visão que pensamos se deve interpretar as disposições contidas na Lei 13.467/2017 que como toda obra humana não é perfeita, evidentemente, mas contém muitos avanços, e isso não se pode negar.

De fato, e como tivemos oportunidade de afirmar em dado momento5, a negociação coletiva menos

ainda a individual, não pode ser erigida em um cheque em branco para se negociar o que bem se entender, contrariamente o que alguns desavisados têm entendido, à medida que o Texto Maior e a própria Lei impõe determinados limites ao intérprete. Porem, na atividade interpretativa não se pode adotar posições maniqueístas, corporativas ou ideológicas que apenas vêem na Lei o lado negativo.

Assim entendido, passa-se ao tema proposto: a tarifação da indenização do dano moral.

É esse o objeto do presente artigo que nem de longe se pretende completo, mas apenas contribuir para o debate do tema.

2. O DANO MORAL OU EXTRAPATRIMONIAL TRABALHISTA E A DISCIPLINA CONTIDA NA

LEI 13.467/2017 Entre as matérias que a nova Lei veio disciplinar se encontra a questão do dano expatrimonial no âmbito das relações laborais, inclusive quanto à tarifação da indenização e que, a nosso juízo terminou por agredir o Texto Maior, ao estabelecer alguns critérios e limites que além de violarem o garantia da justa reparação, agride o previsto nos arts. 1º, 3º e 5º do Texto Supremo, 927, 942 e 944 do Código Civil, afetando o princípio da isonomia e proibitivo da discriminação, ao fixar como base para a quantificação da reparação do dano extrapatrimonial trabalhista, o salário ou o contracheque do trabalhador.

2 Lembra Gomes Canotilho que “os direitos sociais e econômicos (direitos dos trabalhadores, à assistência, à educação), uma

vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. A proibição do retrocesso social nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fática), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos”. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2002, p.336-337. 337.

.

3 Ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.

4 Lembra Humberto Virgilio Afonso da Silva, fundado em Konrad Hesse, que proteger o núcleo essencial de um direito

fundamental implica proibir restrições à eficácia desse direito que o tornem sem significado para todos os indivíduos para boa parte deles. SILVA, Virgilio Afonso Da. Direito Fundamentais. Conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 185.

5 LIMA FILHO, Francisco das C. Negociação Coletiva e boa-fé. O princípio no ordenamento jurídico brasileiro e espanhol.

Curitiba: Editora DT, 2008, p. 28-30 e 89-90.

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Assim posto, vale lembrar inicialmente que a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004 que atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para apreciar e julgar as ações de indenização por dano moral decorrente das relações de trabalho, e que à época também deu margem a muita polêmica até que o Excesso Supremo Tribunal Federal viesse interpretá-la.

As ações envolvendo esse tipo de reparação, talvez em consequência da alteração do modelo de produção e de trabalho decorrente da implementação de novas tecnologias com maior propensão a produzir danos ao trabalhador, aumentaram sobremaneira s partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004, especialmente aquelas nas quais se pede reparação por danos morais, a ponto de hoje quase toda reclamatória conter um item a esse título. e isso é reconhecido na Justificativa do Projeto de Lei n. 6.787/2027 que deu origem à Lei 13.467/20017.

Para alguns, com os quais, com o devido respeito, não concordamos, surgiu uma verdadeira “indústria do dano moral” e para outros, teria ocorrido uma maior conscientização pelos trabalhadores a respeito de seus direitos levando, como consequência, a certos exageros - não se pode negar – não apenas nos pedidos, mas também quanto aos valores arbitrados às indenizações, sendo assim, necessário, ao contrário do que defende parte da doutrina, que o legislador, ponderadamente, estabelecesse algum critério para que as vítimas possam balizar os pedidos e os juízes arbitrem as indenizações em parâmetros justos.

Nesse quadro, não causa nenhuma surpresa ter o legislador reagido ao editar a Lei 13.467/176

que, além de fixar limite máxime para esse tipo de indenização, terminou, em boa hora, reconhecendo outra modalidade de dano, o chamado dano existencial.

Originário do Direito italiano, o chamado dano existencial pode ser considerado como “uma espécie de dano imaterial que tem aptidão de acarretar à vítima, de modo parcial ou total, a impossibilidade de executar, dar prosseguimento ou reconstruir o seu projeto de vida na dimensão familiar, afetivo-sexual, intelectual, artística, científica, desportiva, educacional ou profissional, entre outras e a dificuldade de retomar sua vida de relação (de âmbito público ou privado, especialmente no âmbito da convivência familiar, profissional ou social. Subdivide-se no dano ao projeto de vida e no dano à vida de relações. Em outras palavras, o dano existencial se alicerça em 2 (dois) eixos: de um lado, na ofensa ao projeto de vida, por meio do qual o indivíduo se volta à própria autorrealização integral, ao direcionar sua liberdade de escolha para proporcionar concretude, no contexto espaço-temporal em que se insere, às metas, objetivos e ideias que dão sentido à sua existência; e, de outra banda, no prejuízo à vida de relação, a qual diz respeito ao conjunto de relações interpessoais, nos mais diversos ambientes e contextos, que permite ao ser humano estabelecer a sua história vivencial e se desenvolver de forma ampla e saudável, ao comungar com seus pares a experiência humana, compartilhando pensamentos, sentimentos, emoções, hábitos, reflexões, aspirações, atividades e afinidades, e crescendo, por meio do contato contínuo (processo de diálogo e de dialética) em torno da diversidade de ideologias, opiniões, mentalidades, comportamentos, culturas e valores ínsita à humanidade”

7. Pode-se, então, afirmar, em

síntese, que o dano existência é aquele originário da vida em relações. É assim, um prejuízo ao livre desenvolvimento da pessoa que impede ou prejudica o seu projeto de vida pessoal ou profissional.

O dano ao projeto de vida - lembra a doutrina8 - incide sobre a liberdade do sujeito a realizar

segundo sua própria decisão. É assim, um dano de tal magnitude que afeta a forma em que o sujeito

6 E isso se encontra expresso na justificação do Projeto originário da Câmara dos Deputados 6787/2016.

7 FROTA, Hidemberg Alves Da. Noções fundamentais sobre o dano existencial. Disponível em <BuscaLegis - biblioteca jurídica

digital Infojur - biblioteca de Informática Jurídica>. Acesso em 5.10.2017.

8 SASAREGO FERNANDÉZ, Carlos. Deslinde conceptual entre “Daño Personal” “Daño el Proyecto de Vida” y “Daño Moral”. In:

Revista “Foro Jurídico”. Ao I, n. 2. Facultadad de Derecho de la Pontificia Universidad Católica del Perú, Julio 2003.

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tenha decidido viver, “que trunca el destino de la persona, que le hace perder el sentido mismo de su existencia”.

Embora admitido pela doutrina e na jurisprudência nacional, essa modalidade de dano ainda não tinha recebido disciplina legal entre nós, o que agora aconteceu pela Lei 13.467/2017, não havendo mais espaço para qualquer discussão a respeito dessa modalidade de dano na ordem jurídica brasileira, e nesse aspecto a nova lei é muito bem-vinda.

A aludida Lei inseriu na CLT o “TÍTULO II-A” disciplinando a questão da indenização dos danos morais decorrentes da relação de trabalho, nos seguintes termos:

Art. 223 - A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.

Art. 223 - B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.’

Art. 223 - C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.’

Art. 223 - D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.’

Art. 223 - E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.’

Art. 223 - F. A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.

§ 1o Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os

valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.

§ 2o A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os

danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.’

Art. 223 - G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

I - a natureza do bem jurídico tutelado;

II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação;

III - a possibilidade de superação física ou psicológica;

IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;

V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;

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VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;

VII - o grau de dolo ou culpa;

VIII - a ocorrência de retratação espontânea;

IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa;

X - o perdão, tácito ou expresso;

XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa.

§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um

dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

§ 2o Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos

mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o deste artigo, mas em relação ao salário

contratual do ofensor.

§ 3o Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da

indenização.’

Entretanto, o legislador cometeu alguns pecados e até mesmo inconstitucionalidades como se verá a seguir. Em primeiro lugar, vale anotar que as aludidas normas não são taxativas quanto aos bens ou valores nelas previstos, bastando lembrar o direito à livre manifestação de pensamento, de expressão, de consciência, a liberdade religiosa, ideológica, de comunicação, o direito à intimidade, de não ser discriminado por qualquer motivo

9, entre outros valores que, violados, ainda que no seio da relação de

trabalho ou emprego, poderão ensejar à indenização por dano extrapatrimonial, que em verdade é mais abrangente do que o dano moral, por compreender não apenas este, mas também outros que afetam a dignidade humana.

9 Art. 3º, inciso IV da Constituição da República.

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Como lembra Maria Celina Bodin de Moraes10

o dano moral pode ser entendido como lesão à dignidade humana, sobretudo pelas consequências que pode gerar.

Assim, em primeiro lugar, toda e qualquer circunstância que atinja o ser humano em sua condição humana, que (mesmo longinquamente) pretenda tê-lo como objeto, que negue a sua qualidade de pessoa, será automaticamente considerada violadora de sua personalidade e, se concretizada, causadora de dano moral a ser reparado. Acentue-se que o dano moral, para ser identificado, não precisa estar vinculado à lesão de algum ‘direito subjetivo’ da pessoa da vítima, ou causar algum prejuízo a ela. A simples violação de uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial (ou de um ‘interesse patrimonial’) em que esteja envolvida a vítima, desde que merecedora da tutela, será suficiente para garantir a reparação.

Portanto, o dano moral ou extrapatrimonial é sempre um ato atentatório aos valores que compõem a dignidade humana, não podendo se limitar aos bens elencados pela Lei 13.467/2017, evidentemente.

Assim entendido, a norma constante do art. 223-A da CLT acrescida pela aludida Lei quanto aos bens os valores nela inscritos, é apenas exemplificativa.

Desse modo, pode-se afirmar que na verdade, todos os direitos que compõem a dignidade humana do trabalhador podem ser passiveis de violação moral. Por conseguinte, não se pode limitar àquelas hipóteses previstas na aludida normas, acrescida à CLT pela Lei 13.467/2017.

Uma segunda advertência que se faz necessária é no de que os critérios estabelecidos na norma constante do art. 223-G não se aplicam à indenização pelo dano patrimonial ainda quando decorrente da relação de trabalho ou de emprego, que continua sendo disciplinada pelas normas do Direito Civil (art. 186, 927, 942, 944 e seguintes do Código Civil)

11.

De outro lado, parece evidente que a limitação constante do art. 223-B quanto à legitimidade para postulação da indenização apenas pelo ofendido ou em caso de óbito, pelo cônjuge, companheiro ou pelos sucessores não pode ser aceita, considerando que nos termos do art. 12 do Código Civil essa legitimidade também se estende a qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau (Parágrafo único do art. 12 combinado com o estabelecido no art. 943 do Código Civil).

A propósito, lembra Fabrício Zamprogna Mariello12

que ”embora os direitos de personalidade não se transmitam causa mortis, a prerrogativa de buscar a reparação dos danos provocados pela agressão passa às pessoas elencadas no dispositivo, não desaparecendo pelo fato do óbito do titular”. Até porque – dizemos nós - muitas vezes os efeitos do ilícito atingem, por ricochete, a família da vítima falecida, não raro de forma permanente como, por exemplo, a dor decorrente da perda de um filho, cônjuge ou companheiro, não se justificando a limitação prevista na norma do art. 223-B da CLT trazida pela Lei 13.467/2017.

10

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 188

11 MARQUES DE LIMA, Francisco Meton ET al. Reforma Trabalhista. Entendida ponto por ponto. São Paulo: LTr, 2017, p. 53 e

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. O Processo do Trabalho e a Reforma Trabalhista. São Paulo:LTr, 2017, p. 22.

12 MARTIELLO, Fabrício Zamprogna. Curso de Direito Civil. São Paulo: LTr, v.5.2008, p. 93.

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Aliás, como pondera com acerto Amaury Rodrigues Pinto Junior13

a propósito da legitimidade dos sucessores da vítima de agressão moral para pleitear a indenização por dano extrapatrimonial:

É indiscutível que a morte gera efeitos jurídicos. De inicio, abre-se a sucessão, que provoca a transmissão de bens e direitos aos herdeiros. No campo da responsabilidade civil surge o prejuízo de afeição, autêntico prejuízo reflexo ou por ricochete, consistente no dano psicológico que atinge todas as pessoas que mantinham ligação com o falecido. Esse dano extrapatrimonial decorre do evento morte, mas não objetiva indenizar a própria morte e sim o sofrimento que atinge os sobreviventes, motivo pelo qual caberão a eles, vítimas indiretas do evento danoso, demandar em nome próprio uma indenização compensatória”.

De fato, o dano pode atingir não apenas o trabalhador. Às vezes, por extensão ou ricochete, também pode afetar a família do ofendido como, por exemplo, aquele decorrente de um processo de assédio moral ou sexual, que transcende à pessoa do assediado, ou em caso acidente ou doença do trabalho, à medida que o prejuízo sofrido afeta o equilíbrio social e, por óbvias razões, pode levar à perda do emprego ou à incapacidade laborativa, na maioria das vezes privando a vítima direta e familiares da única fonte de subsistência

14. Portanto, também atinge a dignidade dessas pessoas que, apesar de não

ostentarem a condição de empregados ou trabalhadores, podem ser alcançados pelos efeitos do ato ilícito.

Nesse sentido, aliás, entendeu a 3ª Sala do Tribunal Supremo Espanhol no recurso de cassação 37.25/1997, em 23.7.2001

15.

Vale citar a esse propósito, ainda, o v. aresto proferido no julgamento do RO 001839.30.2012.5.24 RO1 pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, nos seguintes termos:

DANO MORTE E PREJUÍZO DE AFEIÇÃO. DISTINÇÕES. 1. No campo da responsabilidade civil a morte faz surgir duas linhas indenizatórias bem definidas: há que se distinguir o direito de indenização por danos extrapatrimoniais padecidos pela vítima direta (transmissível por herança e reivindicável pelo espólio), do direito indenizatório decorrente de danos extrapatrimoniais sofridos pelas vítimas indiretas (por ricochete). 2. O prejuízo de afeição não pode ser vindicado pelo espólio, mas apenas pelos que sofreram dano psicológico em razão da ligação afetiva que mantinham com o falecido (vítima direta). 3. O dano morte é transmissível por herança e deve ser vindicado pelo Espólio..

TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS

EXTRAPATRIMONIAIS. É preciso distinguir entre o direito da personalidade e direito à indenização por sua violação: o direito da personalidade é inerente ao seu titular e não pode ser transmitido, cedido ou alienado, mas, uma vez ofendido em quaisquer de seus matizes, surge o direito ao ressarcimento, que só poderá ser obtido pela via patrimonial..

RESSARCIBILIDADE DO DANO MORTE. 1. O art. 5º da Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida e é este o maior bem jurídico tutelado por nosso ordenamento. 2. Não se concebe que o maior patrimônio da pessoa humana, constitucionalmente tutelado, uma vez ofendido, possa permanecer não ressarcido. 3. Nem se diga que o fim da personalidade jurídica decorrente do falecimento da vítima impossibilitaria o ressarcimento do “dano morte”, afinal, foge à lógica sustentar que a

13

PINTO JUNIOR, Amaury Rodrigues. A dano morte. A existência jurídica do “pretium mortis”. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Campo Grande- MS: n. 20, 2015, p. 39-60.

14 LIMA FILHO, Francisco das C. Lima Filho. O assédio moral nas relações laborais e a tutela da dignidade do trabalhador. São

Paulo: LTr, 2009, p. 52.

15 NAVARRO, Francisco González. Acoso psíquico en el trabajo (El alma, bien jurídico a proteger). Madrid: Civitas, 2002, p. 136.

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própria lesão seja a causa de sua não ressarcibilidade. 4. E como pondera Sergio Cavalieri Filho: “O dano moral, que sempre decorre de uma agressão a bens integrantes da personalidade (honra, imagem, bom nome, dignidade etc.), só a vítima pode sofrer, e enquanto viva, porque a personalidade, não há dúvida, extingue-se com a morte. Mas o que se extingue – repita-se – é a personalidade, e não o dano consumado, nem o direito à indenização” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. 4ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2009).

Vale registrar, também, que esse entendimento é perfilhado o Colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ, como se vê do seguinte julgado:

Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Especial. Dano moral. Falecimento do titular. Ajuizamento de ação indenizatória. Transmissibilidade do direito. Entendimento jurisprudencial consolidado. Súmula n. 168/STJ. A posição atual e dominante que vigora nesta c. Corte é no sentido de embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio ou os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus. Incidência da Súmula n. 168/STJ. Agravo regimental desprovido

16.

Desse modo, a Lei 13.467/2017, limitando os legitimados para requerer a indenização pelo dano extrapatrimonial trabalhista deve ser interpretada em harmonia com o disposto nos arts. 12, Parágrafo único e 943 do Código Civil e não como equivocadamente pretendido pelo legislador. Afinal, como afirma Norberto Bobbio

17:

Na realidade os ordenamentos jurídicos são compostos por uma infinidade de normas, que, como a estrelas no céu, jamais alguém consegue contar.

Partindo-se da premissa, de que nenhum ordenamento jurídico é completo, pois a idéia de completude “é puramente acadêmica”, e o ordenamento laboral não é uma exceção, não se pode admitir a pretensão limitadora contida no art. 223-B da CLT, de impedir ao julgador lançar mão das normas do Direito Civil quanto à legitimidade dos sucessores do trabalhador falecido para postular eventual reparação dessa espécie dano, colmatando eventuais lacunas da lei, pois como nenhuma norma é gota, ao contrário, encontra-se inserida no ordenamento jurídico composto de múltiplas leis que interagem e de princípios que informam os institutos jurídicos que devem ser aplicados levando-se em consideração a permanente mutação dos fatos da vida real e os valores da sociedade no tempo e no espaço. Por conseguinte, o juiz jamais poderá ignorar essa realidade. Afinal, não de pode negar que é a partir da norma jurídica que o julgador profere a decisão, e ao assim fazê-lo, leva em consideração não apenas o expresso no texto normativo, mas também os elementos da realidade e termina criando o direito para o caso concreto, pois como lembra Mauro Cappelletti

18, fundado em Alessandro Pakelis, “o processo de

criação do direito (…) se completa efetivamente pelos tribunais, e não já segundo a falsa fábula de que daria lugar, ao invés de um efetivo estado de direito, a um governo mascarado e irresponsável”.

16

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. AgRg nos EREsp n. 978651/SP. Relator: Felix Fischer. Diário da Justiça 10 fev. 2011.

17 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. de Maria Celeste Leite dos Santos. Brasília: Editora UnB, 1997, p.

37.

18 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Proto Alegre: Sergio Antonio Fabris

Editor, 1999, p. 132.

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Ao decidir casos envolvendo pessoas reais, fato concretos, enfim, problemas atuais da vida não pode o julgador ignorar a realidade que muitas vezes as normas do direito posto, não conseguem disciplinar. Até porque o Direito nem sempre consegue acompanhar as mutações da sociedade especialmente num mundo globalizado em que a as mudanças são sempre permanentes.

Em síntese, quem interpreta o texto normativo cria a norma jurídica, que se concretiza naquela da decisão para o caso concreto

19. Até porque no Estado Democrático de Direito, o sistema jurídico deve

ser interpretado e entendido partir de um ponto de vista axiológico, à medida que os princípios, que como lembra Robert Alexy

20, também são normas que devem ser vistos como valores que informam o próprio

ordenamento jurídico que deve ser analisado como um todo, de forma integral, sob pena de se reduzir a ordem jurídica a um mero aglomerado de regras procedimentais que podem se mostrar em muitos casos incompatíveis com a complexidade e a realidade da vida em sociedade especialmente em tempo de rápidas mudanças.

Por essa razão, lembra Ronald Dworkin21

que o principio de integridade do ordenamento jurídico orienta os juízes a identificar direitos e deveres legais, até onde isso for possível, a partir do pressuposto de que foram todos criados por um único autor que ele denomina de “comunidade pernsonificada”. expressando uma concepção coerente de justiça e de equidade. Por essa razão, afirma que o ordenamento jurídico deve ser visto e interpretado como um todo. Portanto, o direito como integridade recomenda que os juízes admitam, na medida do possível, que o Direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal que devem ser aplicados nos casos que lhes são apresentados – especialmente nos chamados casos difíceis - ridhi case - de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas normas.

Esse estilo de interpretação, de deliberação ou decisão judicial, respeita a ambição que a integridade assume: a de ser uma comunidade de princípios

22.

Deve, pois, o intérprete/julgador, em cada caso concreto, especialmente nos ridhi case, procurar no ordenamento ponderando os bens ou valores em conflito ou colisão, como um todo, a solução que naquela hipótese concreta se mostre adequada para resolver o conflito não podendo ficar limitado ao que expresso ou omitido pela lei procurando no sistema jurídico a adequada solução, e não como equivocadamente pretenderam os autores da Lei 13.467/2017 ao estabelecer a limitação constante do art. 223-B da CLT por ela acrescido.

Quanto à responsabilidade, todos aqueles que tenham colaborado para a ofensa ao bem juridicamente tutelado, respondem pela indenização na proporção da ação ou da omissão (art. 223-E), o que coloca fim a celeuma a respeito da responsabilidade dos tomadores de serviços, inclusive o dono da obra no caso de contratação do trabalhador em regime de empreitada

23, pois a norma fala em “danos

19

CAPPELLITI, Mauro. Ob. cit. p.. 105-107.

20 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Versão espanhola Ruth Zimmenrling, Madrid: Centro de Estúdios

Constitucionales, 1997, p. 82-87.

21 DWORKIN, RONALD. O Império do Direito. Trad. Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 271-290.

22 DWORDKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luiz Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 319 ss.

23 Nos termos do que entendido pelo TST ao rever a OJ 191: “I) A exclusão de responsabilidade solidária ou subsidiária por

obrigação trabalhista a que se refere a Orientação Jurisprudencial 191 da SDI-1 do TST não se restringe à pessoa física ou micro e pequenas empresas, compreende igualmente empresas de médio e grande porte e entes públicos (decidido por unanimidade); II) A excepcional responsabilidade por obrigações trabalhistas prevista na parte final da Orientação Jurisprudencial 191, por aplicação analógica do artigo 455 da CLT, alcança os casos em que o dono da obra de construção civil é construtor ou incorporador e, portanto, desenvolve a mesma atividade econômica do empreiteiro (decidido por unanimidade); III) Não é compatível com a diretriz sufragada na Orientação Jurisprudencial 191 da SDI-1 do TST jurisprudência de Tribunal

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decorrentes da relação de trabalho”, e não apenas de emprego, aliás, em harmonia com o previsto no art. 114, inciso VI da Carta de 1988, na redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004.

Como lembra a boa doutrina24

“a expressão relação de trabalho foi utilizada pelo legislador em sua acepção genérica de tal sorte que compreende a relação de emprego, como espécie”. Nem poderia ser diferente, à medida que o Direito do Trabalho contém um triplo centro de imputação, referência normativa ou objeto de regulação: a) a relação individual de trabalho – contrato de trabalho – que se estabelece pela troca de trabalho por um determinado salário, entre um trabalhador subordinado e um empresário ou empregador; b) as relações coletivas – conflito e negociação – que se formalizam entre os órgãos de representação profissional e econômica – os sindicatos – que constituem objeto do Direito Coletivo do Trabalho; c) relações individuais e coletivas, em termos de emprego, proteção e segurança sociais, administração e inspeção de trabalho ou jurisdição laboral – que são objeto do Direito Público do Trabalho, administrativo ou processual

25. A relação jurídica que se estabelece entre a pessoa física que

aliena a força de trabalho, de forma subordinada ou dependente, em troca de uma determinada paga ou salário por parte daquele que se apropria dos frutos ou resultados desse labor, é a relação mais importante e o centro ou núcleo de todas as relações de trabalho. A relação individual de trabalho corresponde, assim, ao núcleo central do Direito do Trabalho. Estão em causa regras e princípios que dizem respeito a um negócio jurídico entre empregador e trabalhador: o contrato de trabalho

26.

Nessa linha de pensar, a norma contida no art. 223-A da CLT alberga não apenas os danos originários da relação de trabalho subordinado, mas também aqueles decorrentes do trabalho humano não dependente ou autônomo. A assim não se entender não teria sentido o uso do termo “relação de trabalho” e se o fez o legislador, o foi intencionalmente. Portanto, o dano extrapatrimonial previsto pela Lei 13.467/2017 é aquele decorrente da violação à dignidade do trabalhador na relação de trabalho (gênero) e não apenas o originário da relação de emprego (espécie).

Necessário registrar, ainda, que a responsabilidade solidária pela indenização de todos aqueles que participaram ou colaboram para o ato ofensivo não constitui nenhuma novidade, à medida que expressamente prevista no art. 942 do Código Civil.

Desse modo, na análise da indenização do dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho o juiz não pode se limitar a aplicar de forma literal ou autômata, as normas contidas nos arts. 223-A à 223-G da CLT, devendo, ao contrário, se valer de outras normas e princípios constantes do ordenamento jurídico, especialmente aqueles contidas no Texto Maior e do Direito Civil adotando assim, a Teoria do Diálogo das Fontes.

Regional do Trabalho que amplia a responsabilidade trabalhista do dono da obra, excepcionando apenas "a pessoa física ou micro e pequenas empresas, na forma da lei, que não exerçam atividade econômica vinculada ao objeto contratado" (decidido por unanimidade); IV) Exceto ente público da Administração Direta e Indireta, se houver inadimplemento das obrigações trabalhistas contraídas por empreiteiro que contratar, sem idoneidade econômico-financeira, o dono da obra responderá subsidiariamente por tais obrigações, em face de aplicação analógica do artigo 455 da CLT e culpa in eligendo (decidido por maioria, vencido o ministro Márcio Eurico Vitral Amaro)”.

24 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Ob. cit. p. 22.

25 De acordo com o pensamento de Pedro Romano Martinez, o Direito do Trabalho regula quatro aspectos: a) as relações

individuais de trabalho (o contrato de trabalho propriamente dito); b) as relações coletivas de trabalho; c) as intervenções do Estado da vida laboral (o chamado direito das condições de trabalho); e d) o processo laboral. ROMANO MARTINEZ, Pedro. Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2006, p. 49.

26 Por isso, como lembra Palomeque López, de forma um tanto crítica, “o trabalho objeto do Direito do Trabalho não é senão a

actividade laboral que presta no seio de uma relação contratual, suporte generalizado, por sua vez, de um sistema produtivo, em regime de alienidade (e dependência) e liberdade”. LÓPEZ PALOMEQUE, Manuel Carlos. Direito do Trabalho e Ideologia. Coimbra: Almedida, 2001, p.43.

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De acordo com essa Teoria desenvolvida pelo alemão Erik Jayme, em 1995, trazida ao Brasil por Cláudia Lima Marques, se defende à aplicação simultânea e coerente das normas existentes no ordenamento jurídico como um todo, por meio da técnica da ponderação dos bens ou valores em jogo - da proporcionalidade - de modo que se possa alcançar, à luz dos princípios e valores constitucionais, uma interpretação que no caso concreto seja a mais justa e eficiente, partindo-se premissa de que normas não se excluem pelo fato integrarem a diferentes ordenamentos; antes, se complementam, especialmente quando são dotadas de campos de aplicação convergentes.

A principal justificativa para a adoção dessa teoria reside na sua funcionalidade, posto que, ante a complexidade do ordenamento jurídico, o diálogo das fontes destina-se a harmonizá-la e coordená-las.

Deve, pois, o interprete e aplicador das normas atentar para o fato de que o ordenamento jurídico é uma totalidade

27, e a Teoria do Diálogo das Fontes permite a conjugação de normas infraconstitucionais

visando a aplicação no caso concreto com a prevalência de uma sem que a outra seja anulada, adotando o princípio da concordância prática

28, num processo de ponderarão dos valores em pugna, mas sempre

com os olhos postos nos princípios e valores consagrados pela Constituição29

, e no campo do Direito do Trabalho, o princípio da proteção ao hipossuficiente, fundamento e razão de ser desse ramo da Ciência Jurídica.

3. O CRITÉRIO DE TARIFAÇÃO DO DANO DA INDENIZAÇÃO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA E PROIBITIVO DA DISCRIMINAÇÃO

Em primeiro lugar, e como antes se deixou registrado, ao contrário do pensa parte da doutrina, não somos contra à fixação da alguma baliza para o arbitramento da indenização do dano moral ou extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho, pois pensamos, com o devido respeito, e até mesmo para se evitar excessos, que algum critério deve ser fixado pelo legislador. Porém, não concordamos com aquele acolhido pela Lei 13.467/2017 ao estabelecer o salário ou contracheque do trabalhador como base para a quantificação da indenização, pois ao assim fazê-lo o legislador terminou por violar o princípio-garantia da isonomia e proibitivo da discriminação, atentando contra o previsto nos arts. 3º e 5º do Texto Supremo, além de agredir a dignidade do trabalhador, que passa a ser medida pelo valor do salário, o que não parece correto.

Com efeito, aceitar-se o aludido critério teremos uma situação verdadeiramente absurda em que o trabalhador que percebe salário elevado, embora tendo tido violado um ou alguns dos bens que compõem a dignidade humana, será indenizado com valor superior ao daquele que nas mesmas condições e sofrendo a mesma violação, receberá quantia inferior, numa verdadeira situação de discriminação em razão da remuneração num inaceitável atentado ao princípio da isonomia.

Ora, a ideia de dignidade humana, como lembrava Pico della Mirandola, no liminar da Idade Moderna, é que ela é uma qualidade peculiar inerente ao ser humano que lhe permite construir de forma

27

BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. XLIX.

28 Konrad Hesse, citado por Néviton Guedes, entende que o princípio da concordância prática permite que na solução de

problemas jurídicos, os bens constitucionalmente tutelados devem ser coordenados uns com os outros, de tal forma que todos ganhem realidade. “Onde surjam colisões, não se pode, mediante uma “precipitada ponderação de bens” (vorschneller Güterabwägung) ou muito menos uma “abstrata ponderação de valores” (abstrakter Wertabwägung), realizar um (bem jurídico constitucionalmente protegido) a custa do outro. GUEDES, Néviton. Constituição e Poder. Princípio da concordância não contraria ponderação de bens. Disponível em: <Consultor Jurídico. Conjur>. Acesso em 21.10.2017.

29 PRIETO SANCHÍS, Luis. Neoconsticionalismo y Ponderación Judicial. In: Neoconstitucionaismo(s). Edición de Miguel Cabonel.

Madrid: Editorial Trotta, 2003, p.123-158.

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livre e independente sua própria existência. Visa como lembra a doutrina30

, garantir o respeito ao ser humano, seu caráter superior dotado de uma natureza espiritual, cultural, histórica e moral que se impõe a todos os interesses e a todas as coisas

31. É, pois, um valor supremo que deve iluminar todo o

ordenamento jurídico constituindo um limite não apenas ao particular, mas também ao legislador, à medida que, como averba a doutrina espanhola

32, “está en el meollo de todos los derechos

fundametales” sendo assim uma “frontera insalvable para el legislador”. Não é por outra razão que se tem afirmado

33 com acerto que a primazia de dignidade da pessoa humana constitui um autêntico

princípio geral de direito, o que implica dizer que tanto os poderes públicos como os particulares têm o indeclinável dever de respeitá-la, constituindo atos antijurídicos aqueles que eventualmente venham lesá-la, inclusive os editados pelo legislador. Por conseguinte, toda e qualquer norma que venha atentar contra esse supremo valor, um dos fundamentos da República (art.1º, inciso III) sofre da mácula de inconstitucionalidade, como é o caso da norma contida no art. 223-G, § 1º da CLT acrescido pela Lei 13.467/2017, ao estabelece o valor do salário do trabalhador como baliza para a fixação da indenização por danos extrapatrimoniais, dando uma importância e um valor maior à dignidade daquele que percebe salário superior à daquele que seja remunerado com salário inferior.

Para o legislador da Reforma Trabalhista existem trabalhadores com dignidade mais valiosa do que outros, dependendo do valor salarial percebido, num verdadeiro atentado ao que previsto no art. 1º, inciso III do Texto Supremo. Isso é inadmissível, pois como alerta a boa doutrina

34, a dignidade da

pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, independentemente, por óbvio, do valor salarial que possa perceber. Portanto, esse valor supremo não pode ser medido pelo salário que eventualmente se receba ou pelo que consta de contracheque daquele que é vítima de alguma violação. Afinal, como recentemente afirmado por Renato Mario Borges Simões, Desembargador Federal da 5ª Região em palestra proferida na Conferência Nacional dos Advogados, “Cada preceito constitucional carrega o peso da concatenação e da conformidade a todo o sistema de valores nele estabelecidos. Quando a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito e erigiu o valor da dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” como pilares ou fundamento da República, estabelecendo - dizemos nós - que, juntamente com a soberania, a cidadania e o pluralismo democrático, esses valores maiores informam todo o sistema jurídico e não podem menosprezados, nem mesmo pelo legislador, pena de se violar não apenas o Texto da Constituição da República, mas também a todo o sistema de proteção aos direitos fundamentais, porque a primazia da dignidade da pessoa humana constitui um autêntico valor supremo e, ao mesmo tempo, princípio geral de direito, vale repetir, o que implica dizer que tanto os poderes públicos como os particulares, estes em face da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, têm o indeclinável dever de respeitá-lo.

Desse modo, a Lei 13.467/2017 ao estabelecer o salário do trabalhador como critério para o arbitramento do dano extrapatrimonial, porque atentatória contra a esses valores fundamentais da República, pilares do Estado Democrático de Direito brasileiro, efetivamente sofre da mácula da

30

PASCUAL LAGUNAS, Eulália. Configuración jurídica de la dignidad humana en la jurisprudência del Tribunal Constitucional. Madrid: J B Bosch Editor, 2009, p. 59.

31 Para Emamanuel Kant, “tudo possui um preço ou uma dignidade. Aquilo que tem preço pode ser substituído por algo

equivalente; por outro lado, o que se acha acima de todo preço e, portanto, não admite nada equivalente, encerra uma dignidade”. KANT, Emmanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2008, p. 23 e seguintes.

32 Voto do Magistrado do Tribunal Constitucional espanhol. D. Rafael de Mendizábal Allende, na STC 251/1994.

33 GONZÁLEZ, PÉREZ, Jesus. La dignidad de la persona. Madrid: Civitas, 1986, p. 85-94.

34 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2009, p.67.

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inconstitucionalidade material35

, pois manifestamente incompatível com o conteúdo essencial do princípio da dignidade humana do trabalhador, o que desobriga o julgador a aplicá-la no particular, pois como lembra Gomes Canotilho

36, “os actos normativos só estarão conforme com a constituição quando não

violem o sistema formal, constitucionalmente estabelecido, da produção desses actos, e quando não contrariem, positiva ou negativamente, os parâmetros materiais nas regras ou princípios constitucionais”.

Se isso não bastasse, o preceito legal viola ainda os princípios da isonomia e da proibição da discriminação, que também são endereçados ao legislador

37, pois permite ao trabalhador com maior

salário ser indenizado pelo mesmo dano sofrido por outro nas mesmas condições apenas porque percebe valor salarial diferenciado, atentando assim contra o contido nos arts. 3º e 5º da Carta da República, além de agredir aos termos da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, proibitiva desse tipo de discriminação no âmbito das relações laborais.

Assim entendido, pode=se afirmar que a norma legal em referência afronta aos princípios da isonomia e ao da não discriminação, o que reafirma que art. 223-G, § 1º da nova Lei efetivamente afronta o Texto Maior devendo ser interpretado à luz desses valores constitucionais e não como pretendido pelo legislador.

Ademais, não leva em consideração o critério da proporcionalidade e as balizas constantes do art. 944 do Código Civil que recomendam ao juiz que, em cada caso concreto, ao fixar a indenização por essa modalidade de dano, sopese as circunstancias em que o evento ocorreu, a gravidade, o grau da culpa, as condições das partes, entre outras, à medida que não pode ser fonte de enriquecimento da vítima, mas, todavia, não deve ser injustiçada apenas porque o legislador fixou certo teto com base no salário por ela percebido para essa indenização.

4. CONCLUSÃO

A forma em tanto açodada como tramitou o Projeto que deu origem à Lei 13.467/2017, de certa forma inviabilizou uma discussão uma maior e mais profunda sobre as conseqüências que poderá provocar no campo das relações de trabalho, seja positiva ou negativamente e talvez por isso, apesar de conter grandes avanços e de certa forma adequar a legislação laboral ao novo sistema de produção de trabalho prestigiando a autonomia e coletiva da vontade, terminou por cometer alguns pecados e até mesmo inconstitucionalidades como se procurou ao longo deste trabalho, cujo objeto é restrito à questão da tarifação da indenização por dano extrapatrimonial decorrente de relação de trabalho.

Conceitos jurídicos indeterminados com um certo desprezo à realidade e a princípios clássicos que informa o Direito do Trabalho, muitos com dignidade constitucional, maculam em alguns momentos a nova Lei que, apesar disso, contém muitos avanços que não podem ser negados.

35

A inconstitucionalidade material “expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou o ato normativo e a Constituição”. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 29..

36 GOMES CANOTILHO, J. J. Ob. cit., p. 888.

37 “O princípio vedatório da discriminação contém duas grandes regras: a) é um mandato de igualdade que se coloca,

sobretudo, ante a lei e que tem como destinatário principal, se não exclusivo, os poderes públicos em suas distintas manifestações legislativa, judicial e executiva; b) a segunda regra consiste na proibição de discriminações que tenham uma projeção mais ampla sob a perspectiva de seus destinatários, pois também afeta os sujeitos privados e as organizações sociais, porém limitando seus efeitos a determinados fatores ou circunstâncias, especificamente aqueles que têm maiores possibilidades de causar diferenças de tratamento e que, ao mesmo tempo – e por isso –, são dignos de maior tutela”. LIMA FILHO, Francisco das C. “O PROBLEMA DA DISCRIMINAÇÃO DA MULHER NO ÂMBITO LABORAL”. Revista do TRT da 24ª Região. Campo Grande: ano 2016. Disponivel em: <www.trt24.jus.br>. Acesso em 15.10.2017.

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Nesse cenário, incumbe ao Poder Judiciário delimitar, pelo processo hermenêutico construtivo e democrático, o alcance e os limites da Reforma, com o fim de se lhe emprestar o verdadeiro alcance e para evitar a retirada de direitos conquistados em lutas histórias afastando-se, por consequência, insegurança jurídica para todos aqueles são os principais atores do processo produtivo – trabalhador e empresário ou empregador - destinatários privilegiados ou prejudicados pelo “novo Direito do Trabalho” que surgirá da aplicação das normas constantes da Lei 13.467/2017, porém, sem adotar posições maniqueístas, corporativas ou ideológicas, de tal forma que haja um sopesamento dos valores sociais do trabalho e da dignidade do trabalhador, mas também sem se esquecer da existência do princípio de salvaguarda dos legítimos interesses do empresário ou empregador que gera riqueza e trabalho, igualmente garantido pelo Texto Supremo.

É essa a missão do interprete, e dela não poderá abrir mão em nenhuma hipótese.

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A REFORMA TRABALHISTA E A VIOLAÇÃO

CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA

Jasiel Ivo Professor Adjunto da Universidade Federal de Alagoas – UFAL,

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE e Juiz do Trabalho Titular da Vara de Penedo - Alagoas - TRT da 19ª Região.

1. INTRODUÇÃO

O advento da Lei nº 13.467, de 18 de julho de 2017, amplamente denominada de Reforma Trabalhista, modificou cerca de cem artigos da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, causando profundos reflexos não apenas no Direito Material como também no Direito Processual do Trabalho.

Os argumentos propalados pelos defensores da mudança eram a urgência e a necessidade da reforma para modernizar as relações trabalhistas, atualizando um estatuto normativo datado de 1943, ainda da época de Getúlio Vargas, visando superar o modelo industrial e adequar a lei à realidade hodierna, onde prevalece o comércio varejista e o terceiro setor, qual seja, o dos serviços, sobretudo das pequenas e médias empresas.

Alega-se, ademais, que a reforma simplificando essas relações, será capaz de gerar novos empregos e postos de trabalho, reativando a economia do País e propiciando uma melhor circulação da riqueza.

O presente estudo é uma breve análise dos reflexos da reforma no acesso ao judiciário, numa abordagem à luz da Constituição Federal de 1988 e também com uma preocupação de compreender o Direito como sistema.

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2. O DIREITO PROCESSUAL INTERTEMPORAL

Como o tema está delimitado ao contexto dos reflexos da reforma trabalhista, introduzida no sistema jurídico pela Lei nº 13.467, de 2017, no Direito Processual do Trabalho, é pertinente deixar demarcado que o legislador estabeleceu o período de cento e vinte dias, contados de sua publicação, dia 13 de julho de 2017, para entrar em vigor, cessa a "vacatio legis" em 11 de novembro de 2017, que sendo um sábado, na prática, a nova lei começa mesmo a valer a partir da segunda-feira, dia 13 de novembro de 2017.

Parece manifestamente desnecessária qualquer argumentação mais longa quanto ao alcance da lei ora discutida no tempo, posto que aquela profícua discussão sobre a aplicação da lei nova aos processos novos, pendentes e findos cessa diante da certeza hoje estabelecida nos artigos 13 e 14 do Código de Processo Civil - CPC, quanto à aplicação das normas processuais, estabelecendo:

Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte.

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Isso porque, também parece indiscutível, que a aplicação subsidiária destes dispositivos do CPC, harmoniza-se com o art. 765 da CLT, consoante previsão de observação subsidiária e supletiva do processo comum ao processo do trabalho.

3. O ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO A Constituição Federal no art. 1º, nos incisos II e III, estabelece como princípios fundantes da República Brasileira a valorização do Trabalho e a dignidade da pessoa humana, inafastáveis no trato do acesso ao judiciário contra lesão ou ameaça a direito. Assim, preconiza a Constituição Federal da República Brasileira de 1988, no Título "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", no Capítulo "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos":

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Inciso XXXV da CF - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Este dispositivo revela e consagra o princípio constitucional do acesso à justiça e à efetividade da tutela jurisdicional.

Seguindo na mesma linha, ainda o art. 5º da Constituição Federal prescreve:

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Inciso LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

Oportuno relembrar não apenas o clássico da literatura jurídica "Acesso à Justiça", de Mauro Cappelletti e Bryant Garth

38, como também as ondas

39 que dão corpo a esse princípio de acesso ao

poder judiciário, sendo de mencionar a criação das Defensorias Públicas no âmbito da União e dos Estados, conforme art. 24, Inc. XIII e artigos 134 e 135, da Constituição Federal, com a mudanças da Emenda 80, de 2014, os Juizados Especiais Cíveis a que se refere a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, a representação dos interesses difusos, todo esse esforço normativo e providências estatais para homenagear os Direitos de Cidadania, consagrados mais remotamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, os Direitos Humanos de 1789.

Não seria demais relembrar que a Constituição Federal no art. 7º assegura ali os direitos que elenca, além de outros que vissem à melhoria social do trabalhadores urbanos e rurais, e não que os esmague ou oprima. Nossa república tem por finalidade construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza, diminuir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem qualquer forma de discriminação, consoante princípios estampados nos incisos deI a IV do art. 3º da CF/88.

3.1 OS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA NA LEI Nº 13.467/2017

Pois bem, a contrário disso tudo, desprezando todo esforço e ignorando solenemente toda essa construção teórica e normativa, a Lei nº 13.467/2017, alterou a redação do § 3º do art. 790 da CLT e acrescentou ao mesmo o § 4º, ficando assim redigidos:

§ 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do regime geral da previdência social.

§ 4º O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

Por apreço à atividade pragmática, numa tentativa de ligação entre ciência e prática, conveniente lembrar que nos termos do artigo 105 do Código de Processo Civil - CPC, o próprio reclamante declara ou seu Advogado (a) com o poder especial o faz: “assinar declaração de hipossuficiência econômica”.

3.2 INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS - CRITÉRIOS

No âmbito do processo do trabalho, com a redação anterior do § 3º do art. 790 da CLT, o critério de concessão a requerimento ou de ofício dos benefícios da justiça gratuita era o padrão salarial "igual ou

38

Mauro Cappelletti e Bryant Garth. "Acesso à Justiça". Sergio Antonio Fabris Editor.

39 Paula Roberta Corrêa dos Santos Arruda, artigo "A Mediação como Instituto Prévio ao Poder Judiciário: a Busca pela

Efetividade do Acesso à Justiça". Revista CEJ, Brasília, Ano XVIII, n. 64, p. 32-45, set./dez. 2014.

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inferior ao dobro do mínimio legal ou a declaração formal, sob as penas da lei, que não estaria em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família".

Com a nova redação dada ao § 3º do artigo 790 da CLT, o critério agora é o do "salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, excluindo a possibilidade da alegação de "que não estaria em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família", como é ainda na Lei nº 5.5841970, que muito embora trate da Assistência Sindical, também cuida de normas de processo do trabalho:

Art 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador.

§ 1º A assistência é devida a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

É certo que o atual Código de Processo Civil revogou vários dispositivos da Lei nº 1.060/1950 e modificou profundamente a gratuidade de justiça, como está nos artigos 98 a 102, dentre outros.

Assim, hoje o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social é de R$ 5.531,31. Portanto, 40% (quarenta por cento) disso resulta exatos R$ 2.212,52, o que ao final e ao cabo não importa em qualquer grande mudança, considerando o valor atual do salário mínimo de R$ 937,00.

A gravidade surge quando se observa que antes a lei falava em “declarar a condição de hipossuficiência” e agora e lei exige a “comprovação”, conforme está no novel § 4º, do art. 790 da CLT:

§ 4º O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

A mudança não se justifica nem mesmo se comparada com o processo civil, cujo art. 99, § 3º do CPC estabelece:

§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.

Curioso constatar que o processo civil contém norma mais benéfica que a CLT, já esta agora inverte todo arcabouço teórico e legislativo da tradição brasileira, deixando de proteger o trabalhador hipossuficiente para abrigar em seu seio aqueles economicamente mais fortalecidos.

Comparando os benefícios da justiça gratuita nos artigos 790, 790-B e § 4º do artigo 791-A da CLT com os artigos 98 a 102 do CPC, facilmente chega-se à inequívoca conclusão da inafastável necessidade de homenagear o princípio da norma mais favorável, como derradeiro esforço exegético.

4. POSSÍVEIS TENDÊNCIAS DE ENCAMINHAMENTO JURISPRUDENCIAL

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Arriscaria antecipar algumas possíveis tendências da jurisprudência, sustentando que muito provavelmente deve ser mantida a Súmula 463 do Tribunal Superior do Trabalho - TST:

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 304 da SBDI-1, com alterações decorrentes do CPC de 2015) - Res. 219/2017, DEJT divulgado em 28, 29 e 30.06.2017 – republicada - DEJT divulgado em 12, 13 e 14.07.2017

I – A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015);

II – No caso de pessoa jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo.

É que o § 4º, do artigo 790 da CLT, acrescentado pela Lei nº 13.467/2017, quando usa a expressão "à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas", só pode estar se referindo ao empregador ou empresa, pessoa jurídica e não ao trabalhador - pessoa natural.

5. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Em boa hora o processo trabalhista reconhece aos Advogados e Advogadas, públicos e privados, o direito aos honorários profissionais, superando o tantas vezes repetido argumento de que "ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" e, se entrou na Justiça do Trabalho com Advogado, quando não era obrigado a fazê-lo, deve assumir o ônus de sua escolha, pelo que não seriam devidos os honorários de sucumbência.

Acaba sendo inevitável reconhecer que a reforma revela muito mais uma punição aos trabalhadores do que propriamente o reconhecimento desse elementar direito à laboriosa categoria dos Advogados.

É que o caput do art. 791-A da CLT, acrescentado pela Lei nº 13.467/2017, fixando a verba "entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa", aqui se afastou dos parâmetros já consolidado no ordenamento jurídico, entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento), como está art. 85, § 2º do CPC.

É de se observar que no § 4º, "vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário".

E para completar o grau de perversidade, além de ficar em condição suspensiva de exigibilidade a obrigação por dois anos, o legislador reformador assegurou a possibilidade de perseguir créditos do trabalhador sucumbente assistido pelos benefícios da justiça gratuita, ainda que obtidos em outro processo, como está no § 4º, do artigo 791-A da CLT, existindo dispositivo idêntico na lei reformadora

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quanto aos honorários periciais - art. 790-B, § 4º, nesse caso não encontrando, a União suportará o ônus do encargo.

Sem dúvida as Súmulas 219 e 319 do Tribunal Superior do Trabalho, que tratam dos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho, passarão por revisão ou até sejam canceladas.

Também chama a atenção do intérprete na nova lei a redação do § 1º, do art. 791 da CLT. Estaria derrogado o artigo 16 da Lei nº 5.584, de 1970, estabelecendo que os honorários do advogado pagos pelo vencido reverterão em favor do Sindicato assistente?

Tudo indica que sim, o que agrava ainda mais a condição dos sindicatos, já que praticamente perderam sua fonte de custeio diante da faculdade do novo caput do art. 545 da CLT quanto à contribuição anual que deixou de ser compulsória.

Pelo tom a reforma, também parecem devidos os honorários advocatícios diante do arquivamento se o reclamado tiver comparecido à audiência e contestado a ação, o que mais uma vez demonstra a crueldade do legislador, ignorando todo aparato de proteção aos vulneráveis economicamente.

6. HONORÁRIOS PERICIAIS

Por mais boa vontade que se queira ter com a reforma, é impossível deixar de gizar que a sanha desprezou a Constituição quando substituiu a expressão "salvo se" da redação original do caput do art. 790-B da CLT, pela "ainda que", impondo ao beneficiário da justiça a condenação ao pagamento de honorários periciais, mesmo respeitando os limites estabelecidos do CSJT - Conselho Superior da Justiça do Trabalho, pois acaba inibindo o acesso à justiça, como se tem sustentado até aqui.

Conforme mencionado anteriormente, o legislador assegurou a possibilidade de perseguir créditos do trabalhador sucumbente, ainda que assistido pelos benefícios da justiça gratuita e mesmo que obtidos em outro processo (art. 790-B, § 4º) e, caso não encontre, a União suportará o ônus do encargo.

Ousaria antecipar que a mudança, praticamente uma resposta desaforada à Súmula 457 do TST, que estabelece ser "a União responsável pelo pagamento dos honorários de perito quando a parte sucumbente no objeto da perícia for beneficiária da assistência judiciária gratuita, observado o procedimento disposto nos arts. 1º, 2º e 5º da Resolução n.º 66/2010 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT", não resiste à mais comezinha análise de constitucionalidade, pois também agride o amplo à justiça.

Quanto à vedação de antecipação de honorários periciais, prevista no § 3º. do art. 790-B da CLT, nenhuma novidade, diante da OJ 98 da SDI II, que já considerava "ilegal a exigência de depósito prévio para custeio dos honorários periciais, dada a incompatibilidade com o processo do trabalho, sendo cabível o mandado de segurança visando à realização da perícia, independentemente do depósito".

7. CUSTAS PROCESSUAIS

O art. 789 da CLT, também modificado, estabeleceu limites precisos quanto às custas processuais, fixando-as à base de 2%, observado o mínimo de R$ 10,64 e o máximo de 4 vezes o limite máximo dos benefícios do regime geral da previdência social, ou seja R$ 22.125,24, o que vem beneficiar

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desenganadamente as empresas, não sendo mais obrigadas a recolher custas de 2% da condenação quando o valor exceder ao limite aqui firmado.

Mas o problema não é esse.

O que incomoda é a condição praticamente vexatória e humilhante imposta aos trabalhadores

doravante, quando a lei impõe no art. 844, § 2º, que "na hipótese de ausência do reclamante" (à audiência), "este será condenado ao pagamento das custas processuais, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar motivo legalmente justificável".

Fazer tal exigência é impor ao trabalhador que apenas não pagará custas do processo ao qual deu causa ao arquivamento, se provar aqueles motivos previstos em lei, aqueles que autorizam a ausência ao trabalho, como nascimento de filho, casamento, morte de pessoa próxima da família, doação voluntária de sangue, alistar-se eleitor etc, como está no art. 473 da CLT. O que foge a isso, como por exemplo, qualquer motivo de força maior, não merece qualquer apreço.

E mais, no § 3º do mesmo dispositivo, impõe "o pagamento das custas a que se refere o § 2º", como "condição para a propositura de nova demanda".

Comparando com a Lei dos Juizados Especiais, Lei nº 9.099/1995, art. 51, inc. I e § 2º, esta exige apenas a comprovação de motivo de “força maior” e dispensa o pagamento das custas processuais em caso de arquivamento do processo por ausência do autor a qualquer das audiências.

Assim, a discussão se a exigência do pagamento das custas da reclamação trabalhista arquivada por ausência do reclamante para ajuizar o outro processo é condição da ação ou pressuposto processual perde qualquer relevância diante dos incisos XXXV e LXXIV, do artigo 5º, da Constituição Federal, pois "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" e "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", o que faz calar fundo os entusiastas da mudança.

Quando concluía este artigo, foi noticiado o ajuizamento, no dia 25.08.2017, perante o Supremo Tribunal Federal – STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5.766-DF, pela Procuradoria Geral da República, questionando o artigo 1º da Lei nº 13.467/2017, que modificou os artigos 790-B, caput e § 4º, 791-A, § 4º e 844, § 2º, da CLT, violando a CF nos artigos 1º, III, incs. III e IV; 3º, incs. I e III; 5º, caput, incs. XXXV e LXXIV e § 2º; e 7º a 9º, sendo Relator o Ministro Luís Roberto Barroso, que em 31.08.2017, despachou o processo determinando a oitiva do Congresso Nacional, do Presidente da República e da Advocacia Geral da União, quando então, após isso, deverá apreciar o pedido da cautelar requestada pela Procuradoria Geral da República.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo sem querer parecer refratário às mudanças introduzidas no ordenamento jurídico pelo veículo da Lei nº 13.467, de 18 de julho de 2017, denominada de Reforma Trabalhista e, por mais boa vontade que se tenha, os pontos aqui enfrentados, como a exigência de comprovação de insuficiência de recursos à parte beneficiada pela gratuidade de justiça, cuja interpretação justa é a de que a lei refere-se às pessoas jurídicas, já que as naturais gozam de presunção de verdade dessa afirmação (CPC, § 3º, art. 99); a cobrança de custas de processo arquivado como pressuposto processual da postulação seguinte; quando sucumbente, a exigência do pagamento de honorários advocatícios e honorários periciais, mesmo quando assistido pelos benefícios da justiça gratuita, tudo isso autoriza a conclusão de

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que as novas disposições são violadoras das garantias constitucionais do acesso à jurisdição, fazendo pesar sobre o trabalhador a pecha da suspeição, em detrimento dos princípios consagrados na Constituição Federal da valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana, além dos compromissos republicanos de melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e rurais, a erradicação da pobreza, a diminuição das desigualdades sociais, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de discriminação.

Ainda que o argumento para as mudanças seja a pletora de feitos que abarrota a Justiça do Trabalho e a necessidade de modernização dessas relações, a Constituição Federal deve ser respeitada, como última condição de consideração e apreço ao patamar mínimo civilizatório.

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A “CLT DE TEMER” & CIA. LTDA.

Jorge Luiz Souto Maior

Graduação em Direito pela Faculdade de Direito Sul de Minas (1986), Mestrado (1995) e Doutorado (1997) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Professor livre docente da Universidade de São Paulo. Diretor de Convênios e Parcerias da Escola Associativa dos Magistrados do Trabalho da 15ª Região.

Desembargador do TRT da 15ª Região.

Passado o luto, vamos à luta (jurídica), estimulada pela reforma trabalhista, que resultou na, recentemente sancionada, Lei n. 13.467/17.

Preliminarmente, importante consignar que é totalmente indevida a apropriação, pelos políticos no poder, do processo histórico, carregado de materialidade dialética e conflitos de toda ordem, do qual são feitas as leis. Assim, é equivocado falar em “CLT de Vargas”, como, certamente, é errôneo falar em “CLT de Temer”. Porém, como a retórica varguista, de que teria sido Vargas o pai da legislação do trabalho, foi apropriada pela classe empresarial para combater os direitos trabalhistas e, assim, atender o seu propósito de efetuar uma maior e mais livre exploração do trabalhador, não se pode, agora, simplesmente abandonar essa linha de argumentação, como se tal jogo não tivesse existido.

Uma fórmula eficiente para combater o retrocesso imposto pela “reforma” é a de denunciar as inverdades que embalaram o percurso de sua aprovação e nada mais apropriado para isso do que, agora que a “reforma” se tornou lei, utilizar, mas em direção oposta, os mesmos argumentos que foram apresentados para atacar a CLT.

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Prioritariamente, deve-se ecoar a propaganda do governo de que lhe pertence o “mérito” de ter feito “a nova CLT”, que seria, mais apropriadamente, nominada a “CLT de Temer”, ainda mais considerando o modo como Temer tem controlado, como bem quer, o Congresso Nacional.

1. A PERDA DO ARGUMENTO RETÓRICO

Pois bem, considerado esse pressuposto, o primeiro efeito contraditório é o de que não se terá mais a oportunidade de desferir ataques à legislação do trabalho no Brasil com o argumento de que a legislação trabalhista está expressa em um documento de 1943, a tal “CLT de Vargas”. Lembre-se que a “reforma” não foi, de fato, uma reforma, mas a tentativa de promover uma alteração profunda na regulação trabalhista brasileira, e teve por base exatamente o fundamento de que seria necessário, segundo se disse exaustivamente, superar a “CLT de Vargas”, de 1943, que possuiria apenas normas anacrônicas e obsoletas. Valendo-se do ambiente de “ruptura democrática”, conforme expressão utilizada pelo relator da reforma na Câmara dos Deputados, deputado Rogério Marinho, para se referir ao presente momento histórico, foram feitas na CLT todas as alterações que se consideraram necessárias para atingir esse objetivo, operando-se, então, a tão aclamada “modernização” das leis trabalhistas. E como essas alterações foram feitas, todas elas, no próprio corpo da CLT, é justo e necessário dizer que a dita “CLT de Vargas”, pelo bem ou pelo mal, enfim, formalmente, não existe mais, tendo sido substituída pela declarada “CLT de Temer”, sendo oportuno destacar que os textos que não foram alterados têm-se por implicitamente recepcionados. Fato é que, desse modo, os críticos eternos da legislação trabalhista no Brasil perderam o argumento retórico sobre a velhice da CLT, assim como aquele outro ligado à sua suposta origem fascista, ou, mais diretamente, o de ser a CLT cópia da Carta del Lavoro de Benito Mussolini. Concretamente, está eliminada, de uma vez por todas, a fala, com intenção demolidora, de que a legislação voltada às relações de trabalho no Brasil é fincada em um documento de 1943, de origem fascista, a “CLT de Vargas”, pois, agora, o que se tem, por consequência da ampla reformulação feita, é a “CLT de Temer”, de 2017, “moderna” e adaptada ao “mundo tecnológico”. E o mais interessante é que além de perderem o argumento da caducidade e da origem fascista da legislação, aqueles que antes eram avessos à legislação do trabalho passam a ser, daqui para adiante, os defensores da CLT. Por mais trágico que seja o momento político que vivemos, não deixa de ser um motivo de regozijo saber que doravante a CLT vai ser defendida pela grande mídia e por tantos que, há décadas, a atacam.

2. A ILEGITIMIDADE Mas, enquanto a CLT de 1943 foi resultado da elaboração de um projeto de industrialização para o país, que requeria a construção de um mercado de trabalho, assim como de um mercado de consumo, tendo a legislação do trabalho grande papel na organização desse modelo, a considerada CLT de 2017 não é nada além do que o resultado do aproveitamento de uma oportunidade, dada pela instabilidade política, para aumentar as margens de lucro do grande capital e fragilizar a classe trabalhadora.

O anteprojeto apresentado pelo governo ao Congresso Nacional, em 23/12/16 (quando recebeu o número PL 6787/16), com o apelido de uma minirreforma, feito às pressas para abafar mais uma crise política, tinha míseras 9 páginas, incluindo a justificativa, e alterava apenas 7 artigos da CLT, além de propor uma reformulação na Lei n. 6.019/16 (trabalho temporário).

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No relatório final do PL 6787/16, apresentado em 12/04/17 (devendo-se considerar que, de fato, a

tramitação do PL teve início em 09/02/17, quando foi instalada a Comissão Especial da Reforma e eleito

como relator o deputado Rogério Marinho, o que resulta em parcos dois meses de tramitação), já se tinham 132 páginas, incluindo o Parecer, propondo a alteração de mais de 200 dispositivos na CLT, dentre artigos e parágrafos, todas no mesmo sentido, qual seja, o do acatamento de teses jurídicas ligadas aos interesses empresariais. O texto chegou ao Senado e, como se viu, foi aprovado com a rapidez necessária para tentar manter o Presidente da República no poder, fazendo-se um grande ajuste, abertamente formulado e anunciado, entre o poder político e o poder econômico. Desse modo, ainda que o governo queira atrair para si o mérito de ter feito uma “nova CLT” e essa propaganda seja atendida para efeito de inverter a lógica do jogo, é fundamental que se preservem as diferenças básicas entre uma CLT e outra, que, ademais, o próprio governo faz questão de enunciar. A CLT de 1943, como o próprio nome diz, foi a consolidação das leis do trabalho que já vinham em construção no país desde 1919 e, de forma mais intensa e programada, a partir de 1930, valendo lembrar que esse impulso dado na década de 30 foi o resultado dos estudos encomendados pelo governo a especialistas em relações de trabalho e Direito Social, quais sejam: Joaquim Pimenta, Evaristo de Morais, Agripino Nazaré e Carlos Cavaco, além do industrial Jorge Street. Na elaboração da CLT, em 1943, novamente coube a uma comissão de estudiosos a elaboração do documento: Luiz Augusto de Rego Monteiro, Arnaldo Lopes Süssekind, Dorval de Lacerda, José de Segadas Vianna (Procuradores da Justiça do Trabalho) e Oscar Saraiva (Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio), Enquanto isso, a CLT de Temer foi construída à sorrelfa, sem qualquer estudo prévio, inclusive quanto a objetivos estruturantes. Não lhe cabe, portanto, o nome Consolidação das Leis do Trabalho, e sim, algo como Consolidação das Lesões do Trabalho, ou Consolidação dos Locupletamentos sobre o Trabalho, enfim... Na tal CLT de 2017 não há projeto de industrialização, aliás, muito pelo contrário. Parte-se do reconhecimento de que se vive na sociedade da “prestação de serviços” e, com uma lógica de tentar sair de uma areia movediça puxando-se pelo próprio cabelo, pretende-se fazer acreditar que basta reduzir o custo da exploração do trabalho (dentro de um contexto que é meramente o da circulação de mercadorias), para que se tenha como efeito a melhoria da economia e, com isso, se amplie o nível de emprego. Essa CLT, ademais, como reflexo do momento político, traz consigo uma carga de ilegitimidade insuperável. Se se acusava a CLT de 1943 de ser obra de um ditador com inspiração fascista, a CLT de 2017, vai ficar para a história como o fruto de um governo ilegítimo, que, aproveitando do argumento da crise econômica, da fragilização da classe trabalhadora por conta do desemprego e da perda de identidade das instituições, se habilitou para assumir o poder, no contexto do golpe, por meio do oferecimento do compromisso de destruir as bases dos Direitos Sociais e permitir, com isso, a ampliação das possibilidades de extração de lucros pelo grande capital, que patrocinou o golpe. Esta é, portanto, a obra de um Presidente com a menor aprovação popular da história, que atuou com apoio do poder econômico e de parte considerável da grande mídia, e de um Parlamento assolado em denúncias de corrupção e que, ao mesmo tempo, é composto, na sua maioria, por empresários. Uma obra que se oferece ao poder econômico em contrapartida da impunidade dos agentes da “reforma”. Além desses aspectos, acresça-se a completa falência democrática do processo legislativo instaurado, que culminou com um acordo totalmente impróprio, para dizer o mínimo, entre alguns Senadores e a Presidência da República, para correção posterior de pontos do PL declaradamente considerados inadequados, para que a expressão “inconstitucionais” não constasse do parecer da “reforma” nem das falas dos Senadores que votaram pela aprovação do PLC 38/2017. Cumpre verificar, entretanto, que nos termos do art. 62 da Constituição Federal, as medidas

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provisórias são reservadas a situações de relevância e urgência, o que impede sua utilização de forma generalizada e é óbvio que não há previsão de proibição de sua adoção no caso em questão porque o legislador pressupôs a vigência da ordem constitucional. Ou seja, o legislador não poderia mesmo sequer prever que se chegaria ao ponto de o Poder Legislativo abdicar do seu dever de legislar e requerer, ele próprio, que o Executivo o sub-rogasse em tal tarefa. Esse “acordo”, portanto, só serve para revelar o estágio de ruptura democrática que se instaurou no país para atender a vontade do poder econômico, e que tem recebido o beneplácito de algumas instituições. Outro aspecto que reforça a ilegitimidade da Lei n. 13.467/17 é o do desrespeito ao fundamento básico do processo legislativo específico da legislação do trabalho, estabelecido internacionalmente desde a criação da OIT (Organização Internacional do Trabalho, criada no Tratado de Versalhes, em 1919), que é o do diálogo social (atuação tripartite, com participação de representantes dos Estados, dos empresários e dos trabalhadores). Destaque-se que a própria OIT já se manifestou expressamente a respeito, reafirmando, neste aspecto, a ilegitimidade da “reforma”[i]. Por fim, a lei em questão, também não possui legitimidade porque fere os princípios constitucionais da prevalência dos Direitos Humanos, da progressividade (melhoria da condição social dos trabalhadores) e da função social da livre iniciativa, da propriedade e da economia, com vistas à construção da justiça social.

3. A DIFÍCIL ARTE DE APLICAR A “CLT DE TEMER” Não se querendo reconhecer a ilegitimidade da dita “CLT de Temer”, se chegará ao mundo tortuoso de sua aplicação.

3.1 A PRESERVAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO Os críticos históricos do Direito do Trabalho sempre quiseram, de fato, acabar com o Direito do Trabalho. A emergência dada pela oportunidade política e a forte resistência verificada, no entanto, impeliram para uma aliança, um tanto quanto contraditória, em torno de uma reforma que buscasse eliminar direitos pela via da flexibilização, mas sem expressar um ataque direto aos princípios do Direito do Trabalho. Assim, os argumentos, que chegaram a ser utilizados na década de 90, contra os princípios do Direito do Trabalho, notadamente, contra o princípio da proteção, assim como contra a função compensatória da desigualdade econômica reconhecida à legislação do trabalho, não foram expressos como fundamento da presente “reforma”. Muito pelo contrário, o que se viu foi, em certa medida, um reconhecimento explícito da importância do Direito do Trabalho, com o reforço dos seus princípios: proteção; condição mais benéfica; in dubio pro operario; norma mais favorável; irrenunciabilidade; primazia da realidade; continuidade da relação de emprego e boa-fé. E não foi só isso. Os principais propagandistas da reforma, muitos deles mais preocupados com os dividendos pessoais da aprovação de uma reforma, qualquer que fosse ela, portanto, para impedir o insucesso da empreita, dada a repercussão pública que o debate sobre a questão, contrariamente ao que se pretendia, acabou atingindo, se viram obrigados a destacar e a defender a finalidade social do Direito do Trabalho, apoiada em ideais humanísticos e na solidariedade como forma de proteção da parte mais fraca e para corrigir situações de privilégios. Claro que, em muitos dispositivos da “reforma”, a fórmula utilizada para atender esses preceitos foi completamente equivocada, pois o que se fez foi apenas colocar em comparação os próprios trabalhadores, esquecendo-se, propositalmente, que o antagonismo real se dá entre o capital e o

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trabalho. A partir desse pressuposto equivocado, a “reforma” procurou uma estranha política distributiva, contrapondo explorados e excluídos. Ou seja, para supostamente conferir emprego para os desempregados ou atrair para a formalidade os informais, sustentou-se a necessidade de que os empregados abrissem mão de parte de seus direitos. Mas, se a preocupação fosse, de fato, fazer justiça social, no sentido de tirar de quem tem mais para dar para quem tem menos, necessário seria, antes de atingir o patrimônio jurídico da classe trabalhadora, tirar de quem detém os meios de produção, sobretudo dos grandes conglomerados econômicos, passando pelos bancos, o capital especulativo e demais parasitas, para, depois, chegar às grandes fortunas, ao latifúndio, às terras improdutivas e às propriedades que não atendem a sua função social. De todo modo, a preocupação com a consagração da justiça social, mesmo no bojo da presente “reforma”, acabou sendo reconhecida como essência do Direito do Trabalho, mantendo-se intacta a base principiológica desse ramo do Direito.

3.2 O PRIMADO DA RELAÇÃO DE EMPREGO Foram preservados, inalterados, os conceitos de empregado e de empregador, fixados nos artigos 2º e 3º da CLT, de onde também se extraem os elementos caracterizadores da relação de emprego, tida como mola mestra do Direito do Trabalho, e a própria natureza de ordem pública dos preceitos que regulam essa relação, em consonância, inclusive, com o inciso I, do art. 7º da CF, que fixou como direito primeiro dos trabalhadores a “relação de emprego”, que é, ademais, uma relação de emprego “protegida contra a dispensa arbitrária. Lembre-se que todos os argumentos em defesa da “reforma” foram no sentido da relevância do emprego e, claro, isso possui consequências jurídicas das quais não se pode fugir.

A) A RELEVÂNCIA SOCIAL, ECONÔMICA E CULTURAL DA RELAÇÃO DE EMPREGO Do ponto de sua origem histórica, é certo que a legislação trabalhista significou, inicialmente, uma estratégia para impulsionar e manter a exploração capitalista sobre o trabalho alheio. Com o tempo, no entanto, essa legislação, que também foi fruto de muita luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, compôs de um ramo específico do Direito, cujos propósitos foram muito além daqueles que, no começo, se propugnavam, como deverá ocorrer, igualmente, com a Lei n. 13. 467/17. Pelo Direito do Trabalho, cujo advento marca a passagem do modelo jurídico do Estado Liberal para o Estado Social, almeja-se, sobretudo, a elevação da condição social e econômica daquele que vende sua força de trabalho para o implemento da produção capitalista. Neste sentido, a aquisição de um emprego, sobre o qual incide o Direito do Trabalho, passa a ser um “status” relevante na sociedade[ii], sendo a aplicação da normatividade do Direito do Trabalho determinante para dar vida concreta a esse valor. E como a base de incidência do Direito do Trabalho é a relação de emprego o reconhecimento jurídico da existência de uma relação de emprego independe da vontade das partes, chegando-se a ela também por intervenção das instituições públicas, criadas exatamente para preservar a finalidade pública da regulação da relação entre o trabalho e o capital (conforme previsto no Capítulo XIII, do Trabalho de Versalhes). O Direito do Trabalho tenta evitar o aviltamento da condição social e econômica do empregado, fornecendo-lhe um patrimônio jurídico sólido, como forma até mesmo de estabelecer uma base moral e

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econômica para o desenvolvimento da sociedade capitalista. Nesse sentido, a concretização dos objetivos empresariais não pode estar sujeita à vontade exclusiva do empreendedor, impulsionada, em geral, por uma concorrência destrutiva de tudo e de todos, ou mesmo aos interesses individuais e imediatos, determinados pela necessidade e a concorrência pelos postos de trabalho em oferta, de quem vende força de trabalho para sobreviver. Do ponto de vista da produção econômica, ademais, não se pode ficar na sujeição de saber se p trabalhador prestará serviços, ou não, no dia seguinte, pois a atividade capitalista deve ser necessariamente organizada e planejada. A previsibilidade de condutas é relevante, igualmente, para o trabalhador, para que possa projetar e programar o seu tempo fato do trabalho e a sua própria vida, afinal. Para o trabalhador, a relação de emprego é fonte de subsistência, mas também oportunidade de inserção social. Assim, é muito fácil verificar a falácia da proposição de que a precarização se impõe como uma consequência natural dos tempos modernos. Ora, até mesmo muitos daqueles que sustentam esse ponto de vista possuem vínculos permanentes e duradouros e quando necessitam da utilização de trabalho alheio, logicamente, procuram profissionais que atendam ao requisito da competência, que só se adquire com o tempo; ou seja, podendo optar, não procuram profissionais precarizados, que atuam na perspectiva de “bicos”, nem contratam empresas que estão no ramo há uma semana e que na semana que vem vão se dedicar a outra atividade... Não é possível, portanto, que se coloque na base do Direito do Trabalho o primado de que as relações de emprego “modernas” são efêmeras, que há uma disseminação do trabalho autônomo sem que tenha havido qualquer tipo de distribuição concreta dos meios de produção e tudo não passe de disfarces para superar os limites jurídicos da exploração do trabalho. Juridicamente, mantém-se a fórmula essencial de organização e desenvolvimento da sociedade capitalista de que a prestação de serviços realizada de forma não eventual, no contexto de atividade empreendedora alheia, gera a relação de emprego. Destaque-se, por oportuno, que se a promessa do “pleno emprego” não puder ser cumprida pelo Estado Social, não se pode tentar disfarçar as limitações que são próprias do modelo econômico por meio da imposição de restrição de direitos aos trabalhadores, sobretudo porque isso só piora a condição de vida de todos. Se os problemas econômicos existem é neste plano que devem ser resolvidos e essa constatação foi admitida, expressamente, nos próprios argumentos de defesa da “reforma”. Do ponto de vista teórico, portanto, não se pode querer adaptar os princípios e objetivos do Direito do Trabalho aos desajustes econômicos, de modo a corroborar a vontade do setor empresarial de reduzir seus custos por meio da diminuição de direitos dos empregados, ou, validar, juridicamente, de forma generalizada, o subemprego, na ilusão de que se esteja, com isso, ampliando o acesso de mais trabalhadores ao mercado de trabalho, até porque com essa estratégia mantém-se fora dos necessários questionamentos os desajustes da ordem econômica, nos planos da produção, da circulação, da distribuição e das políticas públicas.

B) A NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO DE EMPREGO A compreensão da natureza do vínculo fornece elementos essenciais, do ponto de vista da dogmática jurídica, para visualização da estrutura das normas que incidem sobre o aludido vínculo. Permite saber não só quais os tipos de normas a aplicar, mas como encontrar o seu sentido (interpretar) e fazê-las atuar (aplicar). Em outras palavras, fornece o arcabouço de ordem dogmática que vai, enfim, delimitar a eficácia das normas que se destinam a regular o vínculo. Ou seja, determina o alcance da função do Direito que se constrói, de modo específico, para regular a relação de emprego. Assim, dito de

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forma ainda mais clara, enfrentar a discussão da natureza jurídica da relação de emprego é mexer na definição da própria função do Direito do Trabalho. Malgrado a importância das advertências feitas pelos denominados anticontratualistas, acabou prevalecendo na doutrina a teoria contratualista. Entretanto, o que fora a essência da pregação dos anticontratualistas, a imperatividade das normas trabalhistas, não se perdeu. Esta essência do Direito do Trabalho acabou sendo assumida, como não poderia deixar de ser, pelos contratualistas. O que se verificou foi uma verdadeira revolução na própria concepção do contrato, que deixou de ser um negócio jurídico restrito à vontade das partes, passando a admitir a inserção de normas de ordem pública, mesmo sob o sacrifício da vontade. Esta visão, aliás, irradiou do Direito do Trabalho para outros ramos, a ponto de, atualmente, o Direito Civil brasileiro tratar, expressamente, da “função social do contrato”. O Direito do Trabalho se insere no contexto do Direito Social. O Direito Social, conforme leciona Cesarino Júnior “é o complexo dos princípios e leis imperativas, cujo objetivo imediato é, tendo em vista o bem comum, auxiliar a satisfazer convenientemente às necessidades vitais próprias e de suas famílias, às pessoas físicas para tanto dependentes do produto de seu trabalho”[iii]. Assim, não é a mera vontade que determina a realização do negócio jurídico ao qual o Direito do Trabalho se destina. O que determina esta incidência é a efetiva prestação de serviços, ou, em via inversa, a utilização da mão-de-obra alheia, sendo que não é qualquer prestação de serviços que delimita o campo de atuação do Direito do Trabalho e sim aquela que se execute de modo específico, qual seja: de forma não eventual, subordinada e mediante remuneração. Este tipo de serviço, ou melhor, esta forma de utilização da mão-de-obra alheia atrai a aplicação do Direito do Trabalho independente da vontade das partes e mesmo quando estas, expressamente, queiram, por razões particulares, evitá-lo. Relevante ressaltar, aliás, que é exatamente no ato da formação da relação jurídica que a vontade do trabalhador se presume viciada, pois para não perder a oportunidade de adquirir o emprego (na sua visão, um meio de vida e não mero negócio jurídico, ao qual se vincula por uma vontade livre e desembaraçada), o trabalhador acaba aceitando todas as condições que lhe são apresentadas pelo empregador, o que, aliás, independe da própria condição cultural e econômica do empregado. Além disso, a regulação jurídica específica dessa relação se dá, como dito, com propósitos que vão muito além da mera satisfação dos interesses particulares dos sujeitos que lhe integram, individualmente considerados. A normatização trabalhista vislumbra, inclusive, o interesse daqueles que estão, momentânea e aparentemente, fora do mercado de trabalho, visando possibilitar a sua inserção concreta. Lembre-se que é exatamente o excesso de mão de obra que impele o preço da força de trabalho para baixo e com ele a própria noção de direitos pela execução do trabalho. Por isso, a proteção do ser humano que trabalha, e não o trabalho em si, é que constitui o objeto central da investigação jurídica. Como explica Mario de La Cueva, “…la parte medular de la doctrina que niega a la relación de trabajo origen y naturaleza contractuales es la afirmación de que el trabajo humano no puede ni debe quedar sujeto al derecho de las obligaciones y de los contratos, que es un derecho para las cosas, a diferencia del derecho del trabajo que es un derecho para los hombres”[iv]. Para efeito da identificação da relação de emprego vale recobrar que o conceito de subordinação, elemento essencial desse instituto jurídico, foi forjado por atuação jurisprudencial, na França, quando se percebeu que os ajustes contratuais – que são determinados por quem detém o poder econômico – procuravam impedir a responsabilização dos detentores dos meios de produção quanto aos acidentes de trabalho e que a impunidade que dessa contratualização resultava alimentava os conflitos sociais. Como destaca François Ewald, alguns empregadores, para evitar qualquer responsabilidade frente

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aos acidentes, forjavam um contrato para “colocar o operário na posição de ser ele mesmo juridicamente encarregado de sua própria segurança”[v]. Mas, conforme relata o mesmo autor, “Os tribunais desvendam o artifício e declaram na ocasião, como verdadeiro critério da relação salarial, o poder de direção do empregador e a situação de subordinação do assalariado” [vi]. A subordinação, portanto, não é uma submissão do trabalhador ao controle disciplinar de um contratante específico, como, de forma equivocada, se costumou entender, e sim um conceito jurídico próprio do Direito Social para suplantar os artifícios do contratualismo do Direito Civil clássico que serviam para evitar a responsabilidade do capital pela exploração do trabalho.

C) TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM O ordenamento não pode estabelecer um padrão jurídico e, em paralelo, criar outro padrão contraditório com o primeiro. A ordem jurídica, por razões até de lógica, se estabelece a partir do parâmetro de regra e exceção, sendo que as exceções, direcionadas a fatos específicos, não regulados pela regra, precisam, além disso, ser claramente justificadas. Falando de modo mais direto, não é possível que a ordem jurídica estabeleça a relação de emprego como regra geral da vinculação entre o capital e o trabalho e se permita, ao mesmo tempo, que a relação de emprego não seja esse mecanismo de vinculação do capital ao trabalho, vendo-o tão somente como o efeito de um ajuste de vontades, que possibilita ao capital se distanciar, quando queira, do trabalho pela contratação de entes interpostos. Adotados esses pressupostos teóricos fica fácil perceber o quanto são ilusórias as regulações da Lei n. 13.467/17 que pretendem afastar o primado da relação de emprego, com prazo indeterminado e proteção jurídica integral. A terceirização generalizada, ademais, representa uma destruição completa do projeto de Direito Social. Adotados esses pressupostos teóricos fica fácil perceber o quanto são ilusórias as regulações da Lei n. 13.467/17 que pretendem afastar o primado da relação de emprego, com prazo indeterminado e proteção jurídica integral. A terceirização generalizada representa uma destruição completa do projeto de Direito Social. Claro que não está obstada pela ordem jurídica, considerando-se as características do modelo capitalista, a formação de empreendimentos empresariais cuja atividade é a realização de serviços, ou seja, atividades empresariais cujo objeto é a venda de serviços prestados por seres humanos e não propriamente de um produto. Mas é necessário, primeiro, que esse serviço tenha alguma qualificação específica, dentro de um contexto organizacional próprio, sendo que o permissivo, de todo modo, não pode conflitar com a regra geral de que as atividades do processo de trabalho, ligadas à realização do capital, nas quais se inserem o comércio e a financeirização, devem ser desenvolvidas sem intermediários. Uma prestação de serviços só pode se desenvolver de modo regular, juridicamente falando, no contexto do Direito Social, para a realização de atividades que não estejam inseridas ao conjunto daquelas que são necessárias, de forma permanente, à concretização do objeto empresarial daquele que contrata tais serviços, até porque quanto mais intermediações se efetivam no processo produtivo, mais distante o trabalhador fica do capital e mais difícil se torna a concretização do projeto de uma ordem social mínima para o capitalismo. A ampla discussão que se travou publicamente sobre a terceirização, que conduziu ao ponto de se pretender autorizar a terceirização da atividade-fim, paradoxalmente, acabou permitindo que se

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percebesse que já não havia qualquer sentido em autorizar a terceirização da atividade-meio, que não difere, pois, da terceirização da atividade-fim, até por ser um artifício retórico. Uma e outra forma de terceirização não passam de mera intermediação de mão de obra, que atrai a aplicação do preceito trabalhista, internacionalmente consagrado, da proibição desse tipo de atividade mercantil. Fato é que quando a lei autoriza a terceirização da atividade-fim cria-se a ilusão de acreditar que é possível o capital se realizar sem uma correlação com o trabalho e que, juridicamente, em uma realidade regrada pelo Direito Social, se teria uma fórmula para impedir a responsabilidade do capital frente ao trabalho, a não ser por uma concessão do capitalista, que só não terceiriza se não quiser. Em outras palavras, que seria juridicamente permitido ao capital não se ver mais obrigatoriamente vinculado ao projeto social, estando submetido, unicamente, à sua própria lógica. Mas a organização do modelo capitalista de produção pelo Direito Social não pode se efetivar dentro desse marco dos parâmetros de escolha do capitalista, ainda mais porque suas opões estão condicionadas à pressão da concorrência, que lhe impõe posturas que acabam sacrificando o trabalho e o projeto social, destruindo as possibilidades de concretização de políticas públicas. Então, quando a lei chega ao ponto de autorizar a terceirização da atividade-fim, o efeito jurídico necessário, para a manutenção da ordem social, assegurada na Constituição Federal, fixada nos Tratados internacionais de Direitos Humanos, com realce para as Convenções da OIT, e nos princípios do Direito do Trabalho, é o de se afirmar o contrário, ou seja, que a terceirização, juridicamente falando, não existe e o mecanismo que se tem para isso é o da declaração da relação de emprego, instituto cujo primado foi preservado na “reforma” e que foi criado exatamente para estabelecer, de forma obrigatória, um vínculo jurídico entre o trabalho e o capital, atribuindo-se a este uma responsabilidade social mínima e, claro, para proteger o ser humano trabalhador e lhe permitir projetar e almejar uma melhoria para a sua própria vida.

D) TRABALHO INTERMITENTE Quanto ao trabalho intermitente é exatamente a mesma coisa, valendo acrescentar a inconsistência da regulação trazida na Lei n. 13.467/17, quando diz que em qualquer atividade e para não importa qual serviço pode-se firmarem contratos intermitentes. Ora, se o primado é o da relação de emprego, para atender ao postulado da melhoria da condição social dos trabalhadores e favorecer o desenvolvimento econômico socialmente sustentável, não é possível conceber que a intermitência seja posta em paralelo com a relação de emprego pleno, pois isso apenas incentiva uma concorrência fratricida entre os empregadores, favorecendo os que meramente almejam uma redução de custos, destruindo toda possibilidade de organização do modelo. Mesmo do ponto de vista estritamente lógico, se a formação do contrato intermitente não estiver ligada à intermitência do serviço, em correspondência com uma demanda muito peculiar, todas as relações de emprego pleno poderão ser substituídas pelos contratos intermitentes. Assim, se teria uma empresa cuja atividade não está relacionada a qualquer demanda intermitente, atuando 24 horas por dia, sem possuir um empregado efetivo sequer, o que, claro, depõe contra a lógica da intermitência, pois daí o que resultará será a mera fraude, caracterizada pela relação falseada entre uma atividade permanente e vários trabalhos intermitentes, atraindo a aplicação do art. 9º da CLT: “Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”

3.3 OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS ESPECÍFICOS DA REFORMA Juridicamente falando, o que direciona o intérprete e aplicador da lei são os princípios, ou, mais propriamente, os valores e objetivos que embasam o conjunto normativo. Do ponto de vista político, os

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valores e objetivos da lei em questão foram aqueles acima enunciados, mas o Direito, como se sabe, tem vida própria, e no plano jurídico os valores e objetivos que embalaram a “reforma” foram outros. Os fundamentos teóricos, admitidos enquanto tais, da “CLT temerista” (ou temerária, como queiram), foram enunciados, claramente, nos pareceres elaborados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, tendo sido também expressos por todos aqueles que defenderam a “reforma”, com forte eco na grande mídia, quais sejam: a) Eliminação da insegurança jurídica; b) Geração de empregos (ou redução do desemprego); c) Não redução de direitos; d) Correspondência plena com a Constituição; e) Flexibilização, para melhor adaptação da lei a determinadas necessidades f) Modernização da legislação, acompanhando a evolução tecnológica; g) Fortalecimento da atuação sindical. Mesmo que se tenha utilizado tais argumentos apenas como forma de tentar criar um ambiente menos hostil na opinião pública para a aprovação de uma lei regressiva de direitos, o fato é que, do ponto de vista da linguagem jurídica, esses passaram a ser os fundamentos que integram a lei e direcionam o seu intérprete e aplicador. Vejamos alguns efeitos jurídicos concretos disso.

A) ELIMINAÇÃO DA INSEGURANÇA JURÍDICA Ao pontuarem a questão da insegurança jurídica, os defensores da reforma estabeleceram o pressuposto de que os empregadores no Brasil são fiéis cumpridores da lei e que somente não o faziam completamente, em algumas parcas situações, por causa da complexidade da lei, sendo que muitas vezes eram surpreendidos por decisões judiciais que ampliavam suas obrigações para além da previsão legal. Com o advento da lei que foi escolhida pelo próprio setor empresarial, fica, agora, completamente afastada a possibilidade de não se aplicar a lei, ou, ao menos, essa postura não será tolerada, nem mesmo pelos que criaram, defenderam e aprovaram a lei da “reforma”. O setor empresarial como um todo não poderá se unir em torno de empregadores que deliberadamente descumprem a lei, não valendo para isso nem mesmo o argumento de dificuldade econômica. Assim, ficam abolidas as farras da: contratação sem registro; do pagamento de salário “por fora”; da ausência de cartões de ponto que reflitam a efetiva jornada trabalhada; a falta de pagamento de verbas rescisórias; o não recolhimento de FGTS etc. Não que essa realidade simplesmente deixará de existir. No plano do “ser” continuarão ocorrendo, mas no campo jurídico do “dever-ser” passam a ser necessariamente reconhecidas, como sempre deveriam ter sido, aliás, e até mesmo pelo próprio setor empresarial, como práticas ilícitas destruidoras das garantias oferecidas pelos fiadores do capital. Esse pressuposto teórico reforça o caráter punitivo que se deve atribuir a tais práticas, não sendo, pois, suficientes as condenações para o pagamento apenas do valor correspondente ao que seria devido se o ilícito não tivesse sido cometido. Diante do pacto de moralidade do setor empresarial feito consigo mesmo, que se insere na lógica da Lei n. 12.529/11, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, resta reforçada a noção de que o desrespeito aos direitos trabalhistas representa uma infração à ordem econômica. Nos termos da Lei n. 12.529/11, constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre

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iniciativa; (....) III - aumentar arbitrariamente os lucros. Extrai-se dessa argumentação utilizada em larga escala pelo próprio setor empresarial o princípio da intolerância quanto ao deliberado descumprimento da lei, ainda mais quando utilizado como meio de obter vantagem econômica sobre a concorrência, até porque, segundo assegurado pelos apoiadores da reforma, isso jamais teria existido na realidade das relações de trabalho no Brasil. Assim, sai reforçada, por admissão do próprio setor empresarial que encabeçou a “reforma”, a pertinência das condenações por dano social, decorrente de práticas ilícitas reiteradas, nos termos da Ementa a seguir transcrita:

“DANO SOCIAL. AGRESSÕES REITERADAS E SISTEMÁTICAS AOS DIREITOS DOS

TRABALHADORES. REPERCUSSÃO NA SOCIEDADE. CORREÇÃO DA POSTURA PELO

JUDICIÁRIO. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR INDEPENDENTE DE PEDIDO. CONDENAÇÃO EX

OFFICIO. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. A constatação, em reclamação individual, de agressões reiteradas às normas trabalhistas atinge, não apenas o reclamante, mas outros trabalhadores e mesmo empresas concorrentes, o que deixa firme que a questão abarca realidade bem maior, em claro e notório dano social, com repercussão em toda a sociedade, obrigando a que o Judiciário atue no intuito de correção de prática tão danosa, por meio de condenação do respectivo empregador ao pagamento de indenização suplementar, de ofício, tendo como destinatária entidade reconhecidamente idônea e de atuação reconhecida e irrepreensível em prol da coletividade, o que não configura decisão extra petita, e encontra guarida de ordem positiva no art. 404, parágrafo único, do Código Civil, bem como em caros princípios do ordenamento jurídico pátrio, em especial o da dignidade da pessoa humana, a par de conferir concretude aos valores sociais do trabalho e a justiça social. (TRT 15ª Região, 3ª Turma, 6ª Câmara, Processo n. 0001032-98.2012.5.15.0156 RO, Origem: Vara Itinerante do Trabalho de Morro Agudo, Desembargador Relator, FRANCISCO ALBERTO DA MOTTA PEIXOTO GIORDANI)”

Outro efeito que decorre do princípio da intolerância frente ao ilícito trabalhista é o de que está

obstada a atuação processual, infelizmente muito comum na Justiça do Trabalho, de homologação de

acordos que representam renúncias a direitos, eis que esse procedimento torna válidas as práticas ilegais, favorecendo o empregador que descumpre a lei e, com isso, obtém vantagem econômica sobre a concorrência.

B) GERAÇÃO DE EMPREGOS (OU REDUÇÃO DO DESEMPREGO) Elevada à condição de fundamento jurídico, a promessa de geração de emprego impõe que se considere inválida toda a aplicação da lei que implique em transferência de trabalhadores da condição de empregos efetivos para empregos precários e, claro, toda forma de cessação coletiva de vínculos de emprego, ainda que com o disfarce do PDV, para a recolocação de outros trabalhadores, com salários menores e contratos precários. E isso não é mera teoria, pois dias depois da aprovação da “reforma”, uma instituição, cujo lucro líquido em 2016 foi de R$17,121 bilhões, anunciou a abertura de um PDV para eliminação de 10 mil empregos[vii]. As fórmulas jurídicas criadas na “reforma”, como o trabalho intermitente, o contrato a tempo parcial, o trabalho temporário (com prazo ampliado), a terceirização da atividade-fim, nos termos pressupostos da “reforma”, só podem ter incidência concreta para ampliar o nível de emprego.

Isso representa que se extrai do conjunto normativo da “reforma” uma cláusula geral de garantia

de emprego contra a dispensa arbitrária (conforme consagra, aliás, o art. 7º, I, da CF), ao menos no que se refere à impossibilidade da substituição de empregados efetivos por trabalhadores em contratos precários, até porque a transposição representaria o desatendimento do fundamento humanístico que se diz ter impulsionado a “reforma”, no sentido da preocupação com os 14 milhões de desempregados. Assim, todo empregado que for conduzido ao desemprego para que outro, em contrato precário for

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contratado, tem o direito de ser reintegrado ao emprego, com o recebimento dos salários e demais direitos desde a dispensa até a efetiva reintegração, ou optar pelo recebimento em dobro dos salários do período do afastamento (da dispensa até a data da prolação da sentença), além dos demais direitos consequentes, nos termos do art. 4º da Lei n. 9.029/95, já que, como decorrência da vigência da Lei n. 13.467/17, o empregado com plenos direitos não pode, por ostentar tal condição, sofrer tratamento diferenciado, no sentido de ser considerado um privilegiado que deve ceder espaço aos menos remunerados e precários. Não sendo assim, os empregados correm o risco de serem assediados pelos empregadores, servindo a lei, unicamente, como instrumento de poder do capital sobre o trabalho e a isso os defensores da reforma garantiram que a lei não serviria. Registre-se que esse direito atinge, também, as situações de dispensas coletivas que se consumaram no período imediatamente anterior à aprovação da “reforma”[viii], vez que não se pode negar a relação de causa e efeito entre as dispensas e o advento futuro da lei. Por aplicação do princípio clássico do Direito do Trabalho, da condição mais benéfica, os efeitos da nova lei só atingem as relações de emprego em curso para ampliar a proteção jurídica dos empregados, jamais para lhes impor retrocessos ou lhes submeter a uma condição de discriminação por “excesso” de direitos.

C) NÃO REDUÇÃO DE DIREITOS Extrai-se dos argumentos da defesa da reforma, igualmente, o preceito de que os termos da Lei n. 13.467/17 não podem representar redução de direitos e, evidentemente, a análise do que seja redução deve partir de um ponto determinado para a devida comparação, que será, necessariamente, o da realidade existente antes do advento da nova lei, considerando o patamar estabelecido pelo conteúdo dos contratos individuais de trabalho, as disposições contidas em acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho e as previsões legais, dentre elas, certamente, aquelas constantes da “velha” CLT. Por incidência do princípio da condição mais benéfica, cujo vigor foi preservado, não pode haver rebaixamento do patamar jurídico já fixado para os trabalhadores, até porque, como estabelecido no pressuposto da “reforma”, como se garantiu, não haveria qualquer redução de direitos para os trabalhadores.

D) CORRESPONDÊNCIA PLENA COM A CONSTITUIÇÃO Como dito expressamente em diversas ocasiões pelos patrocinadores da reforma, como, em tese, não poderia mesmo ser diferente, embora em tempos de ruptura democrática tudo possa ser tentado, não é possível que uma lei ordinária revogue uma Constituição. Os direitos trabalhistas, previstos constitucionalmente, devem estar todos integralmente garantidos, embora já se tenha tentado, historicamente, pela via obliqua da interpretação, desconstituir a Constituição. A grande questão, portanto, é saber o que, de fato, está consignado na Constituição, sendo que este “dever de casa” não foi devidamente realizado pelos propulsores da “reforma”. Enfim, em 1º de fevereiro de 1987, instalou-se a Assembleia Nacional Constituinte. Ao longo dos trabalhos, a Assembleia Constituinte esteve aberta a propostas de emendas populares. Para tanto, bastaria que as sugestões fossem encaminhadas por intermédio de associações civis e subscritas por, no mínimo, 30 mil assinaturas que atestassem o apoio popular à proposta.

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Até o encerramento dos trabalhos, a Assembleia Constituinte recebeu mais de 120 propostas de emendas constitucionais nas mais diversas áreas, reunindo cerca de 12 milhões de assinaturas. A Assembleia Nacional Constituinte, sob a Presidência de Ulysses Guimarães, eleito para tal função pelos constituintes em 02 de fevereiro de 1987, foi posta diante de grandes desafios, sendo certo que os trabalhadores se apresentavam como classe social em evidência, cujos interesses não podiam ser desconsiderados. Não havia, portanto, quem se opusesse à ampliação das garantias aos trabalhadores. A única resistência se dava unicamente acerta dos limites dessa ampliação. Neste sentido, aliás, foi que se ativou o grupo político denominado “centrão”, apoiado por empresários e proprietários rurais (estes representados pela UDR – União Democrática Ruralista, organização ultraconservadora liderada por Ronaldo Caiado). O resultado, de todo modo, foi a construção de uma Constituição que avançou bastante em valores sociais, mesmo que em alguns aspectos pudesse ter avançado muito mais. Fato é que a valorização social do trabalho na Constituição é inegável.

No título dos Princípios Fundamentais, assegurou-se a cidadania, a dignidade da pessoa

humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º). Repare-se que o valor social não diz respeito apenas ao trabalho, que estaria, para muitos olhares restritivos, limitado aos interesses da livre iniciativa, mas também a esta, que, assim, está contornada pelos valores sociais.

No artigo 3º restaram consignados como objetivos fundamentais da República: I- construir uma

sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o desenvolvimento nacional; III- erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV- promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O artigo 4º estabeleceu que a prevalência dos Direitos Humanos deve reger a República Federativa do Brasil em suas relações internacionais. Mesmo no título dos clássicos “direitos civis”, a preocupação com a agenda social está evidenciada. O inciso XXII, do artigo 5º, garante o direito de propriedade, mas, logo na sequência, o inciso XXIII do mesmo artigo estabelece que a propriedade deve atender a sua função social.

O artigo 184 autorizou à União “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária,

o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”. O artigo 186, em complemento, esclareceu:

“A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I- aproveitamento racional e adequado; II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III-

observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV- exploração que favoreça o

bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. É inegável que a Constituição brasileira preservou as bases do modelo capitalista: direito de propriedade, livre iniciativa e direitos individuais. No entanto, não o fez a partir de uma ordem jurídica liberal. O sistema jurídico constitucional fixou como parâmetro a efetivação de valores que considera essenciais para a formação de um “desenvolvimento sustentável”, ou, em outras palavras, um capitalismo socialmente responsável a partir dos postulados do Direito Social. O artigo 170, que regula a ordem econômica nacional, não deixa margem para dúvida quanto a

isso, quando estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social, observados, dentre outros, os princípios da função social da propriedade; da redução das

desigualdades regionais e sociais; e da busca do pleno emprego. Lembre-se, ainda, que o direito de greve, essencial à democracia, vez que instrumentaliza a

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necessária luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho, foi assegurado de

forma ampla, sendo preconizado que compete aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de

exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender (art. 9º). O capitalismo nacional, assim, do ponto de vista jurídico, está atrelado ao desenvolvimento social, não se podendo, pois, querer encontrar no próprio direito uma autorização para que o descumprimento das regra1s constitucionalmente fixadas no âmbito dos Direitos Sociais seja utilizado com estratégia econômica. Decididamente, a ordem jurídica não confere às empresas um direito para que, com o exercício do poder econômico, imponham aos trabalhadores uma redução das garantias sociais constitucionalmente fixadas. Desse modo, a negociação coletiva, que é reconhecida pela Constituição, não se presta à mera diminuição de direitos dos trabalhadores e à reivindicação de redução de custos e retirada de direitos – que se vislumbra com a ampliação da terceirização – sob o falacioso argumento de que isso serviria para alavancar a economia, não possui amparo constitucional. Mesmo uma reforma constitucional não poderia caminhar no sentido da derrocada das conquistas históricas dos trabalhadores, vez que as cláusulas pétreas da Constituição não podem ser alteradas, sendo certo que nelas se incluem os direitos fundamentais, dentre os quais se encontram os direitos sociais (arts. 6º a 9º), pois, conforme bem pontua Paulo Bonavides, “só uma hermenêutica constitucional dos direitos fundamentais em harmonia com os postulados do Estado Social e democrático de direito pode iluminar e guiar a reflexão do jurista para a resposta alternativa acima esboçada, que tem por si a base de legitimidade haurida na tábua dos princípios gravados na própria Constituição (arts. 1º, 3º e 170) e que, conforme vimos, fazem irrecusavelmente inconstitucional toda inteligência restritiva da locução jurídica ‘direitos e garantias individuais’ (art. 60, 4º, IV), a qual não pode, assim, servir de argumento nem de esteio à exclusão dos direitos sociais”[ix]. Está mais que evidente, portanto, que a Constituição avançou na proteção dos direitos dos trabalhadores, ainda mais se considerarmos que estes foram alçados ao Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, tendo como propósito claro alcançar a melhoria da condição social dos

trabalhadores, notadamente por meio da compreensão da relação de emprego protegida contra

despedida arbitrária ou sem justa causa (art. 7º caput e inciso I). Assim, ao contrário do que se tentou consagrar pela contrarreforma neoliberal da década de 90, e que foi retomado pelos defensores da atual “reforma” trabalhista, a flexibilização não foi uma opção constitucional, até porque o termo flexibilização não foi utilizado em nenhum dos inúmeros debates travados na Comissão de Sistematização, expressos em 2.397 páginas. Os debates na Comissão foram marcados, isto sim, por uma atuação de resistência de constituintes ligados ao empresariado às inúmeras propostas de ampliação de direitos trabalhistas, tendo havido, inclusive, a apresentação, em 27/08/87, da Emenda Popular n. 54, com 630.714 assinaturas de trabalhadores pleiteando a consagração de: estabilidade no emprego; redução da jornada para 40 horas; férias em dobro; direito de greve; aposentadoria integral e autonomia sindical. O conteúdo que se extrai dos debates passa ao largo de toda a discussão trazida em parte da doutrina trabalhista, em torno da adoção de um sistema jurídico trabalhista que atendesse às necessidades das empresas em tempos de crise, de modo a abalar os princípios básicos do Direito do Trabalho. Muito pelo contrário, com relação ao papel a ser cumprido pela Constituição, de elevar os direitos trabalhistas, houve pleno consenso, estabelecendo-se divergência apenas quanto ao alcance desses avanços. O intenso debate travado sobre a estabilidade no emprego é prova consistente disso, pois a única divergência estabelecida foi quanto a se deveria adotar uma forma de proteção do emprego plena ou mitigada, inspirada, esta última, na previsão da Convenção 158 da OIT, da proteção contra a dispensa arbitrária. O resultado de um avanço menos intenso dos direitos dos trabalhadores na Constituição foi fruto das intensas articulações do “centrão” e da mobilização das forças empresariais, o que levou, inclusive, aos trabalhistas a se sentirem derrotados com os termos finais da Constituição porque não foi até os

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pontos que pretendiam, chegando mesmo a votar contra o texto final, embora a tivessem assinado. Não houve em momento algum a apresentação de proposições que buscassem retrocessos nos direitos trabalhistas, até porque não havia ambiente político favorável para tanto no âmbito da Constituinte. Assim, não será possível encontrar na Constituição Federal um fundamento para justificar situações concretas em que uma “flexibilização” represente diminuição do patamar jurídicos dos trabalhadores. De forma concreta, por exemplo, é não se poderá conferir validade jurídica ao recebimento do valor de salário inferior a um salário mínimo nos contratos intermitentes, vez que a Constituição Federal (art. 7º, IV), sem abrir qualquer excepcionalidade, assegurou aos trabalhadores, em seus vínculos de emprego, independente da modalidade ou número de horas trabalhadas no mês (sendo que um menor número de horas de trabalho representa uma condição mais favorável ao trabalhador), o recebimento de um salário mínimo, que representa, igualmente, um balizador da concorrência entre os diversos empregadores

E) FLEXIBILIZAÇÃO, PARA MELHOR ADAPTAÇÃO DA LEI A DETERMINADAS

NECESSIDADES O termo “flexibilização”, como já ocorrera na década de 90, foi utilizado como um eufemismo para não se perceber a realidade, embutida na fórmula do negociado sobre o legislado, de uma imposição, pela força, aos sindicatos, da aceitação de redução de direitos, mas que não aparece como tal e sim como efeito de uma negociação. Mas se para “flexibilizar” é preciso superar a lei é porque o que se pretende é diminuir o alcance das garantias legais em favor dos trabalhadores, pois, como se sabe, para ampliar os direitos, nunca houve impedimento jurídico. De todo modo, o que restou da “reforma” foi um compromisso de que a “flexibilização” não reduzirá direitos, até porque é totalmente equivocado, considerando os preceitos constitucionais, os princípios jurídicos trabalhistas e as Convenções da OIT, entender que acordos e convenções coletivas de trabalho possam, sem qualquer avaliação de conteúdo, reduzir direitos trabalhistas legalmente previstos, simplesmente porque a Constituição previu o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” (inciso XXVI, do art. 7º) e permitiu, expressamente, por tal via, a redução do salário (inciso VI, art. 7º), a compensação da jornada (inciso XIII, art. 7º) e a modificação dos parâmetros da jornada reduzida para o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento (inciso XIV, do art. 7º). Ora, o artigo 7º, em seu “caput”, deixa claro que os incisos que relaciona são direitos dos trabalhadores, ou seja, direcionam-se a um sujeito específico, o trabalhador, não se podendo entendê-las, consequentemente, como algum tipo de proteção do interesse econômico dos empregadores. Além disso, as normas são, inegavelmente, destinadas à melhoria da condição social dos trabalhadores. Não se pode ver nos preceitos fixados nos incisos do art. 7º os fundamentos jurídicos para fornecer aos empregadores a possibilidade de, por um exercício de poder, induzirem os trabalhadores, mesmo que coletivamente organizados, a aceitarem a redução dos direitos trabalhistas legalmente previstos, ainda mais quando tenham sede constitucional e se insiram no contexto dos Direitos Humanos. O inciso VI, do art. 7º, por exemplo, que cria uma exceção ao princípio da irredutibilidade salarial, permitindo a redução do salário, e nada além disso, por meio de negociação coletiva, insere-se no contexto ditado pelo “caput” do artigo, qual seja, o da melhoria da condição social do trabalhador e não se pode imaginar, por evidente, que a mera redução de salário represente uma melhoria da condição social do trabalhador. Assim, o dispositivo em questão não pode ser entendido como autorizador de uma redução de salário só pelo fato de constar, formalmente, de um instrumento coletivo (acordo ou convenção).

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A norma tratada, consequentemente, só tem incidência quando a medida se considere essencial para a preservação dos empregos, atendidos certos requisitos. A Lei n. 4.923/65, ainda em vigor, mesmo que parte da doutrina assim não reconheça, pois não contraria a Constituição, muito pelo contrário, fixa as condições para uma negociação coletiva que preveja redução de salários: redução máxima de 25%, respeitado o valor do salário mínimo; necessidade econômica devidamente comprovada; período determinado; redução correspondente da jornada de trabalho ou dos dias trabalhados; redução, na mesma proporção, dos ganhos de gerentes e diretores; autorização por assembleia geral da qual participem também os empregados não sindicalizados. A própria Lei de Falência e Recuperação Judicial, n. 11.101/05, de vigência inquestionável, parte do pressuposto ao respeito à política de pleno emprego, à valorização social do trabalho humano e à obrigação de que a livre iniciativa deve assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. A recuperação judicial é um mecanismo jurídico, cuja execução compete ao Estado, por intermédio do Poder Judiciário, e tem por finalidade preservar as empresas que estejam em dificuldade econômica não induzida por desrespeito à ordem jurídica e que tenham condições de se desenvolver dentro dos padrões fixados pelo sistema, tanto que um dos requisitos necessários para a aprovação do plano de recuperação é a demonstração de sua “viabilidade econômica” (inciso II, do art. 53, da Lei n. 11.101/05). O art. 47, da Lei n. 11.101/05, é nítido quanto a estes fundamentos: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” (grifou-se) Fácil verificar, portanto, que tal lei não se direciona à mera defesa do interesse privado de um devedor determinado. A lei não conferiu um direito subjetivo a quem deve, sem se importar com a origem da dívida e a possibilidade concreta de seu adimplemento. Não estabeleceu, consequentemente, uma espécie de direito ao “calote”, até porque sem a possibilidade concreta de manter a atividade da empresa com base em tais postulados esta deve ser conduzida à falência (art. 73, da Lei n. 11.101/05). O que há na lei é a defesa das empresas numa perspectiva de ordem pública: estímulo à atividade econômica, para desenvolvimento do modelo capitalista, preservando empregos e, em conformidade com a Constituição, visualização da construção de uma justiça social. A lógica do ordenamento jurídico que se direciona à manutenção da atividade produtiva das

empresas é a da preservação dos empregos, admitindo como meios de recuperação judicial, a “redução

salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva” (art. 50, inciso VIII, da Lei n. 11.101/05). Para tanto, exige-se, ainda, a “exposição das causas concretas da situação patrimonial” da empresa e “das razões da crise econômico-financeira” (inciso II, do art. 51), além da “demonstração de sua viabilidade econômica” (inciso II, do art. 53), dentre diversos outros requisitos, sendo relevante destacar que a dispensa coletiva de empregados, em respeito ao art. 7º, I, da Constituição, não está relacionada como um meio de recuperação da empresa (vide art. 50). Como se vê, a ordem jurídica não autoriza concluir que os modos de solução de conflitos trabalhistas possam ser utilizados como instrumentos de meras reduções dos direitos dos trabalhadores, sendo relevante realçar os fundamentos que lhe são próprios, conforme acima destacado: a) fixar parâmetros específicos para efetivação, em concreto, dos preceitos normativos de caráter genérico referentes aos valores humanísticos afirmados na experiência histórica; b) melhorar, progressivamente, as condições sociais e econômicas do trabalhador. O sistema jurídico constitucional, reitere-se, serve como instrumentalização do modelo capitalista, fixando como parâmetro a efetivação de valores que considera essenciais para a formação de um “desenvolvimento sustentável”, ou seja, um capitalismo que segue as balizas da eficácia dos Direitos

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Humanos (individuais, sociais e ambientais). Em linguagem midiática, para comover o consumidor, fala-se em “responsabilidade social”, “consciência ecológica” ou “ética concorrencial”. Tudo isso dentro de uma lógica que almeja privilegiar quem age corretamente no que se refere ao respeito das normas jurídicas constitucionais.

F) MODERNIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO, ACOMPANHANDO A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA Aqui nem há muita consequência a se extrair, dado o ponto fantasioso que o argumento alcança. De todo modo, é possível negar vigência a diversos dispositivos da Lei n. 13.467/17 que, contrariando o seu próprio enunciado, não se vale do potencial tecnológico para, por exemplo, atribuir eficácia concreta ao direito constitucional à limitação da jornada de trabalho com relação aos trabalhadores em teletrabalho, ou para conferir efetividade à execução no processo do trabalho.

G) FORTALECIMENTO DA ATUAÇÃO SINDICAL Dentro do objetivo da reforma de ampliar a força do sindicato, há de se negar validade a diversos dispositivos da Lei que, expressamente, afastam o sindicato de decisões importantes da vida dos trabalhadores na sua relação com o empregador. Além disso, tem-se como efeito necessário o acatamento da efetiva aplicação do dispositivo constitucional que garantiu aos trabalhadores o livre exercício do direito de greve (art. 9º), sem possibilidade, portanto, de intervenção estatal para coibir a greve e obrigar os trabalhadores e retornar ao trabalho. O fortalecimento da atuação sindical, além disso, retira a representação sindical das amarras da categorização fixada na “velha” CLT. Os sindicatos poderão atuar dentro de uma lógica multicategorial, respeitados, evidente, os preceitos democráticos para a sua constituição e o seu desenvolvimento. Sobressai, ademais, a compreensão da prática de atos antissindicais como um dano social, nos termos da Ementa abaixo:

“ATOS ANTISSINDICAIS. DUMPING SOCIAL. DANO SOCIAL. REPERCUSSÃO ATUAL E

FUTURA NA SOCIEDADE. FIXAÇÃO PRUDENTE DE INDENIZAÇÃO ADICIONAL DE OFÍCIO EM

DISSÍDIO COLETIVO. A prática de atos antissindicais por intermédio do “dumping social”, com repercussão em toda a sociedade, não pode ser menosprezada pelo Judiciário Trabalhista. Não se pode ignorar que tal ato prejudica não apenas os trabalhadores, bem como a razoável duração dos demais processos decorrentes da propositura de novas reclamatórias postulando os direitos decorrentes, mas a própria economia, na medida em que provocará a concorrência desleal com os demais empresários. Pior ainda, constitui perigoso precedente, que poderá ser copiado pelos demais concorrentes. Identificado o “dumping”, os prejuízos causados e o risco para a sociedade, pode o Judiciário, para cumprir o dever de estabelecer a justa recomposição, conceder indenização adicional de ofício em favor de estabelecimento local benemerente. Assim, apesar da regra geral insculpida no art. 460 do CPC, a interpretação sistemática da legislação (arts. 461, § 5º, do CPC; 186, 187, 404, 883, 944 e 927 do CC; 81, 84 e 100, do CDC) abre um leque de opções proporcionais à extensão do dano, especialmente nos feitos coletivos, mediante a fixação prudente e equilibrada de indenização adicional. Devida, assim, indenização adicional em favor de entidade benemerente.” (TRT 15ª Região - SDC – Processo n. 0000385-86.2012.5.15.0000 - DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE – Desembargador Relator, SAMUEL HUGO LIMA – DJ 15/05/2012)”

4. CONCLUSÃO Como se vê, os próprios argumentos que foram utilizados no processo legislativo para que a “reforma” fosse impulsionada a toque de caixa, isto é, sem o tempo necessário para uma mínima

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reflexão inclusive daqueles que, mesmo sem querer saber qual seria o destino, embarcaram na nau da “reforma”, conferem a possibilidade de combater o objetivo não assumido da “reforma”, que é o da imposição de rebaixamento salarial, redução de direitos, precarização e fragilização da classe trabalhadora. É que mesmo a tal “CLT de Temer” não pertence a Temer e seus companheiros. Como todas as demais leis, a Lei n. 13.467/17 se integra ao ordenamento jurídico e o seu sentido pleno somente se dará pela consonância com as demais normas e princípios, com observância dos fundamentos que a embasaram no processo legislativo e, claro, mediante o essencial respeito aos preceitos constitucionais e aos valores consignados em Tratados internacionais de Direitos Humanos, nas Convenções da OIT e nos princípios específicos do Direito do Trabalho. Do ponto de vista formal, para aqueles que compreendem a relevância da rede de proteção social, a qual impõe limites aos interesses puramente econômicos, de grupos localizados, e se comprometeram, por dever funcional, com a efetivação dos preceitos constitucionais e internacionais ligados ao projeto que pressupõe a melhoria efetiva da vida em sociedade, sobressaindo, para esse efeito, os princípios do Direito do Trabalho, a derrota no procedimento legislativo é um fato consumado (embora, claro, não seja imutável, estando sempre sujeito a reversão), mas a “luta pelo Direito” está só começando e será justamente nesse momento que as falas e os atos vão se expressar de modo ainda mais revelador. São Paulo, 15 de julho de 2017. [i]. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Documento-da-OIT-reforca-argumentos-contra-a-reforma-trabalhista/7/38439 [ii]. Prova disso são as constantes pesquisas que procuram demonstrar o nível do emprego até como forma de medir o nível do desenvolvimento sócio-econômico do país. Lembre-se, também, que a principal plataforma política dos candidatos, em épocas de eleição, é a elevação no número de empregos. [iii]. CESARINO JR., Antônio Ferreira. Direito Social brasileiro. Vol. I. São Paulo: Freitas Bastos, 1957, p. 13. [iv]. CUEVA, Mario de La. Derecho mexicano del trabajo. Tomo I. México: Porruá, 1960, p. 478. [v]. EWALD, François. Historie de l’État Providence: les origines de la solidarité. Paris: Grasset, 1996, p. 214. [vi]. EWALD, François. Historie de l’État Providence: les origines de la solidarité. Paris: Grasset, 1996, p. 214. [vii]. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bradesco-lanca-plano-de-demissao-voluntaria,70001888627 [viii]. Vale verificar que a “reforma”, mesmo antes de concluída, mas com a previsão de sua aprovação, já vinha produzindo o efeito das dispensas em massa para a recontratação com menor preço ou, simplesmente, eliminar empregos. Vide em: - http://www.valor.com.br/financas/5036794/bradesco-lanca-plano-de-demissao-voluntaria - http://noticias.r7.com/economia/correios-abrem-plano-de-demissao-voluntaria-e-esperam-adesao-de-8200-empregados-16012017 - http://www.esquerdadiario.com.br/Petrobras-abre-programa-de-demissao-voluntaria-para-mais-de-10-mil-trabalhadores - http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2017/05/eletrobras-lanca-programa-de-demissao-voluntaria http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2017/05/24/internas_economia,597357/conab-conclui-programa-de-demissao-voluntaria-em-junho.shtml - http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/07/1899176-fmu-demite-220-docentes-e-preocupa-alunos-com-anuncio-de-reformulacao.shtml [ix]. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 597.

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O ACESSO À JUSTIÇA SOB A MIRA DA REFORMA

TRABALHISTA – OU COMO GARANTIR O ACESSO À JUSTIÇA

DIANTE DA REFORMA TRABALHISTA

Jorge Luiz Souto Maior

Graduação em Direito pela Faculdade de Direito Sul de Minas (1986), Mestrado (1995) e Doutorado (1997) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Professor livre docente da Universidade de São Paulo. Diretor de Convênios e Parcerias da Escola Associativa dos Magistrados do Trabalho da 15ª Região.

Juiz do Trabalho do TRT da 15ª Região, Titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí

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Valdete Souto Severo

Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP. Mestre em Direitos Fundamentais, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC do RS.

Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e RENAPEDTS - Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social. Professora, Coordenadora e Diretora

da FEMARGS - Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS. Especialista em Processo Civil pela UNISINOS, Especialista em Direito do Trabalho, Processo do

Trabalho e Direito Previdenciário pela UNISC, Master em Direito do Trabalho, Direito Sindical e Previdência Social, pela Universidade Europeia de Roma - UER (Itália).

Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade da República do Uruguai. Juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

Esclarecemos desde logo que reiteramos a nossa avaliação de que a reforma trabalhista, levada a

cabo para atendimento dos interesses do grande capital, é ilegítima, por ter sido mero instrumento de reforço dos negócios de um setor exclusivo da sociedade, o que, além disso, desconsidera a regra básica da formação de uma legislação trabalhista, que é a do diálogo tripartite, como preconiza a OIT, e também por conta da supressão do indispensável debate democrático que deve preceder a elaboração, discussão e aprovação de uma lei de tamanha magnitude, ainda mais com essa intenção velada de afrontar o projeto do Direito Social assegurado na Constituição Federal.

Por ser ilegítima, a Lei nº 13.467/17, que resultou da reforma, não deve ser aplicada, sob pena de se conferir um tom de normalidade ao grave procedimento em que se baseou, que melhor se identifica como um atentado à ordem democrática e como uma ofensa ao projeto constitucional baseado na proteção da dignidade, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da prevalência dos Direitos Humanos, da função social da propriedade, da melhoria da condição social dos trabalhadores, da política do pleno emprego e da economia regida sob os ditames da justiça social. Os profissionais do Direito, portanto, por dever funcional e também ditados por sua responsabilidade enquanto cidadãos que respeitam a ordem constitucional, devem rejeitar a aplicação da Lei nº 13.467/17. Ao mesmo tempo, o momento representa uma oportunidade para a classe trabalhadora avaliar quais foram as dificuldades que experimentou para a compreensão plena do momento vivido e que inviabilizou uma melhor organização e o incremento de uma resistência mais ampla e eficaz à reforma. A presente situação permite, ainda, que se possa refletir sobre os limites das apostas feitas no Direito como impulsionador de mudanças reais e concretas na realidade para o desenvolvimento de uma sociedade efetivamente melhor e justa, pois o retrocesso imposto foi justificado pelo fato de que a compreensão social do Direito do Trabalho estava efetivamente avançando. Não se pode, igualmente, negar o debate paralelo, de natureza político-partidária, que se instaurou a propósito do tema. Neste sentido, muitos visualizaram a contrariedade ao projeto de lei como uma forma de auferir dividendos eleitorais, o que desmotivou o advento de uma resistência mais contundente. Agora que a derrota no processo legislativo se consagrou e a reforma se transformou em lei, a par de continuarmos disseminando a compreensão em torno da ilegitimidade desta, para efeito de sua rejeição integral, o certo é que não podemos apenas realçar ou até reforçar os prejuízos da reforma, por meio da assimilação das interpretações que evidenciam seus malefícios. Isso serviria, meramente, para entrar no jogo político eleitoral ou, de forma mais idealista, pretender que algum tipo de impulso revolucionário

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possa advir daí. E, por outro lado, pode acabar facilitando a vida dos patrocinadores da reforma, no seu propósito de aumentar lucros por meio da redução de direitos trabalhistas. Por isso, o exercício de buscar interpretações juridicamente possíveis da Lei nº 13.467/17, para coibir seus efeitos mais nefastos, o que é bastante complexo, envolto mesmo em contradições, talvez não agrade a muitos que interagem com esse assunto por meio de interesses não revelados. Certamente, também não nos agrada. O problema é que enquanto se levar adiante, como única via, no campo jurídico, a aposta na declaração de ilegitimidade – que fica mais distante, quando percebemos o quanto o Direito se integra às estruturas de poder –, o sofrimento dos trabalhadores no dia a dia das relações de trabalho só aumentará (e nada mais). Assim, sem abandonar essa perspectiva de rejeitar, por completo, a aplicação dessa lei, sem abandonar o ideal social de buscar racionalidade e formas de superação de um modelo de sociedade que já deu inúmeras mostras de suas limitações enquanto projeto para a humanidade, e sem desprezar o efeito eleitoral que deve advir dessa tentativa político-econômica de desmonte social, faz-se necessário aos magistrados e juristas, lidando, no plano limitado do imediato, até para cumprimento do dever funcional de fazer valer a ordem constitucional e os princípios dos Direitos Humanos, buscarem os fundamentos jurídicos que impeçam que a Lei nº 13.467/17 conduza os trabalhadores, concretamente, à indulgência e à submissão. Isso não significa, de modo algum, salvar a lei ou os seus protagonistas, que devem, efetivamente, receber um julgamento histórico pelo atentado cometido, até porque é somente com muito esforço e extrema boa vontade, impulsionada pela necessidade determinada pela derrota da aprovação da lei, que se pode chegar a esse resultado de obstar os efeitos destruidores, de tudo e de todos, contidos potencialmente na Lei nº 13.467/17. Essa iniciativa, ademais, tem o mérito de forçar os defensores da aprovação da lei da reforma, que fundamentaram sua postura no argumento de que esta não retiraria direitos e que não geraria prejuízos aos trabalhadores, a revelarem a sua verdadeira intenção, quando se virem na contingência de terem que, expressamente, rejeitar as interpretações que, valendo-se da ordem jurídica, preservam os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras. Ao terem que recusar essas interpretações, deixarão cair as máscaras, revelando os objetivos da reforma: favorecer os empregadores e fragilizar ainda mais os empregados. Esse exercício interpretativo, portanto, permite recolocar as ideias e os personagens em seus devidos lugares e serve, ao mesmo tempo, para reforçar o argumento pela ilegitimidade plena da lei, pela declaração plena de sua inconstitucionalidade e, até mesmo, para reanimar a luta pela sua revogação. Além disso, contribui para o devido julgamento histórico dos atores da reforma. E trará, ainda, o benefício de desvendar que essa iniciativa destrutiva não é uma obra que pertence exclusivamente a Temer e seus companheiros. Afinal, historicamente, muito já vinha sendo feito, em termos hermenêuticos, para negar vigência às garantias constitucionais asseguradas aos trabalhadores e às trabalhadoras. Lembre-se, por exemplo, que a jornada 12x36 já vinha sendo admitida, assim como o banco de horas (apesar da contrariedade ao disposto no art. 7º, XIII, da CF); que o direito de greve vinha sendo reiteradamente desrespeitado (fazendo-se letra morta do art. 9º da CF); e que não havia nenhum movimento jurisprudencial para conferir eficácia ao inciso I do artigo 7º da CF, com relação à garantia contra a dispensa arbitrária. Aliás, esse embate técnico-jurídico toma ares de urgência, na medida em que os autores da reforma, prevendo as resistências jurídicas e sabendo, portanto, que a aprovação da lei foi apenas o primeiro passo, estão prontos para dar novas cartadas e uma delas é manter a Justiça do Trabalho sob a ameaça de extinção. O risco que se corre, sério e iminente, é o de se tentar agradar ao poder econômico, que, atualmente, controla a vida nacional sem a intermediação da política, e, assim, não só acatar os termos

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da reforma, como admitir os sentidos restritivos de direitos e até ir além, propondo compreensões teóricas que superam as regressões contidas na lei, assumindo-se, inclusive, o valor que os próprios políticos e os defensores da “reforma” em nenhum momento tiveram que assumir publicamente: a redução dos direitos dos trabalhadores como consequência “bem-vinda” da incidência da Lei nº 13.467/17 no Direito do Trabalho. Mas isso é um erro técnico, como demonstrado no presente texto, e não representa nenhum tipo de preservação da Justiça do Trabalho, até porque, na essência, eliminando-se a preocupação com o princípio que fundamenta o Direito do Trabalho, que determina a própria razão da existência de uma Justiça especializada, voltada a expressar valores sociais e humanos que impõem limites ao poder econômico, o que se estará dizendo é: “acabemos nós mesmos com a Justiça do Trabalho antes que outros o façam”. Aliás, outro risco que se corre – e este a sociedade devia perceber, urgentemente – é que os políticos que encaminharam essa reforma, buscando obter imunidade nas acusações de corrupção, tentem emplacar, agora, o argumento de que as eleições podem travar a economia e, assim, aprofundarem o Estado de exceção e o estágio de falência democrática, levando consigo também os direitos civis e políticos. Vide, a propósito, a chamada da reportagem publicada no jornal Valor Econômico, edição de 21/06/17: “Eleição de 2018 ameaça reformas, dizem analistas”[i]. Fato é que sem a construção de argumentos jurídicos que destruam os caminhos das perversidades da Lei nº 13.467/17, muitos passarão simplesmente a aplicá-la, motivados pela ausência de reflexão, pela premência de tempo ou mesmo pelo excesso de trabalho, e seguirão lesando o projeto constitucional de proteção dos trabalhadores.

1. NÃO APLICAR, APLICANDO Não temos dúvida de que o conjunto da reforma, em mais de 200 dispositivos, é todo ele voltado ao atendimento dos interesses dos empregadores e, mais especificamente, aos grandes empregadores, e o exercício proposto, de atividade interpretativa, não altera esse dado, que, ademais, já consta, muito claramente, de todos os registros históricos. Então, ao se chegar a efeitos benéficos ou não prejudiciais aos trabalhadores pela via da interpretação e da integração da Lei nº 13.467/17 ao conjunto normativo, ao qual se integram os princípios jurídicos, não se está extraindo aspectos positivos da reforma e sim, concretamente, impedindo que aqueles efeitos pretendidos (mas não divulgados abertamente) pelos seus elaboradores sejam atingidos. O método utilizado para tanto, dentro dessa via intermediária da preocupação com os resultados imediatos, não é, como dito, o de rejeitar a aplicação da lei, mas o de impedir que os efeitos que se pretendiam atingir com ela sejam atingidos, o que, no plano do real, pode ser um não aplicar. Enfim, parafraseando o método de raciocínio desenvolvido pelo mestre Márcio Túlio Viana para enfrentar, na década de 90, a legislação e os argumentos neoliberais que almejavam, já naquela época, destruir o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho, o que se promove é um “não aplicar, aplicando”. Aliás, como já manifestado em outro texto, foram os próprios argumentos apresentados como fundamentos da reforma que inauguraram essa (ir)racionalidade, pois os dispositivos da lei atendem exclusivamente aos interesses dos empregadores e os fundamentos trazidos foram no sentido da

preocupação com a melhoria da condição de vida do conjunto dos trabalhadores, incluindo os excluídos, sem retirada de direitos. Assim, ao se aplicar os dispositivos da lei, não se aplicam os seus fundamentos. Trata-se, portanto, igualmente, de um não aplicar, aplicando.

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Claro que esses fundamentos são falsos e ao se aplicar a lei, rebaixando o patamar de direitos dos trabalhadores e aumentando as margens de lucro dos empregadores, o que se teria é uma perfeita harmonia entre os objetivos da lei e os efeitos por ela produzidos. Mas como os fundamentos

retoricamente utilizados para a sua aprovação foram os da proteção dos trabalhadores, torna-se possível aplicar a lei em consonância com esses fundamentos, os quais, ademais, se enquadram nos fundamentos clássicos do Direito do Trabalho e aí o que se terá como resultado é um não aplicar dos

objetivos reais pretendidos pela reforma, aplicando a lei com suporte em seus fundamentos

retóricos. Desse modo, por exemplo, se o atual texto do artigo 8º pretende impedir que "súmulas e outros enunciados de jurisprudência" restrinjam direitos, tem-se o argumento definitivo e necessário para não mais aplicar as tantas súmulas que contrariam normas constitucionais. E se o juiz deve examinar a norma coletiva atentando para as regras do Código Civil, a boa fé objetiva, a transparência, a lealdade, a ausência de abuso de direito serão parâmetros obrigatoriamente observados juntamente com a norma do art. 1.707, que impede cessão, compensação ou renúncia de crédito alimentar. Da mesma forma, se o trabalho intermitente foi criado para tirar da informalidade trabalhadores que não atuam em tempo integral, devido a sazonalidade ou temporariedade da demanda do serviço, elimina-se o fundamento para negar o vínculo de emprego de trabalhadoras domésticas em conformidade com o número de dias que trabalham por semana. Ou seja, o que pretendemos demonstrar é que a tentativa de desconfigurar o Direito do Trabalho

por meio da integração à CLT de uma série de normas que a contrariam, encontra limite no próprio

procedimento atabalhoadamente adotado. A aplicação dos artigos 9º, 765, e 794 da CLT, dentre

outros, que foram preservados na “reforma”, assim como de todos os demais textos constitucionais e legais que estabelecem os limites da exploração do trabalho pelo capital, neutraliza o caráter destrutivo da Lei 13.467/17. Antes de abordamos os aspectos processuais propriamente ditos, vejamos, para melhor compreensão, como, concretamente, esse método interpretativo incide sobre alguns artigos da Lei nº 13.467/17.

A) REDUÇÃO DO INTERVALO PARA 30 MINUTOS Um ponto muito discutido na reforma foi o da possibilidade de redução do intervalo de uma hora para trinta minutos, por meio de negociação coletiva, nos termos do atual inciso III, do art. 611 da CLT, segundo o qual a “convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (...) III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas”. A primeira questão a ser desvelada é a contradição entre a lei e um de seus fundamentos, que é o de estabelecer a prevalência do negociado sobre o legislado. Ora, é a lei que está ditando o que pode ser negociado, então o que prevalece, mesmo aí, é a lei e não o negociado. Além disso, a lei, nos mesmos moldes do que fazia a “velha CLT”, fixou os limites da negociação. No caso, o intervalo deverá, por lei, ser de, no mínimo, 30 (trinta) minutos. E, como o fundamento apresentado para a aprovação da lei, foi o de que essa redução seria para beneficiar o empregado, é necessário que algumas condições sejam satisfeitas para que essa redução possa ser considerada juridicamente válida (embora, do ponto de vista do ideal jurídico, já não passaria pelo crivo constitucional, que prevê a redução dos riscos à saúde como um direito fundamental dos trabalhadores): 1) que haja condições efetivas para que o intervalo seja cumprido e se destine, integralmente, àquela que se disse tenha sido a sua finalidade. Assim, não se poderá considerar atingida a dita finalidade da norma se o trabalhador tiver de ficar 10 minutos esperando em fila para poder se alimentar, ou gastar boa parte do tempo do intervalo se deslocando do posto de trabalho até o local de alimentação, pois, nesse caso, o ato de se alimentar será mais um transtorno do que uma satisfação (embora seja, de todo modo, uma necessidade); 2) que haja redução do tempo total de permanência do empregado no ambiente de trabalho. É incompatível com o

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objetivo da norma o ato de submeter o trabalhador, com intervalo reduzido para 30 minutos, à execução de tarefas em sobrejornada. Acrescente-se que a supressão do intervalo já reduzido não equivale à supressão do intervalo de uma hora, conforme regulado no art. 71 da CLT, cujo caput se mantém com a mesma redação. A supressão do intervalo reduzido equivale à invalidação do acordo de redução, vez que desatende à dita finalidade da redução. Assim, diante da invalidação, prevalece a regra geral do intervalo de uma hora e a necessidade de indenização pela sua supressão, que não elimina a indenização por dano moral, dado o notório sofrimento a que se submete uma pessoa por trabalhar durante uma jornada superior a 06 (seis) horas sem a possibilidade de uma alimentação adequada a qualquer ser humano e sem descanso.

Aliás, desse raciocínio, estabelecido no contexto da “reforma”, decorre a extração da cláusula

geral da prevalência da lei sobre o negociado descumprido, ou seja, o desrespeito a uma norma fixada em convenção coletiva, que se pretenda seja prevalente sobre a lei, traz como efeito a aplicação não da norma desrespeitada, mas da lei que pretendeu substituir, pois a norma foi justificada pelo efeito

de conferir ao trabalhador uma melhor condição de trabalho e de sociabilidade e não para diminuir o

custo da ilegalidade. Mas, muito provavelmente, os defensores da reforma rejeitarão essa interpretação e dirão que uma vez reduzido o intervalo para 30 minutos por negociação coletiva o eventual descumprimento será o da norma já modificada pela negociação. No entanto, com este resultado, a negociação estará funcionando apenas para beneficiar os empregadores que não concedem intervalo para os seus empregados, reduzindo, matematicamente, o valor da indenização (nada mais). Aliás, é bom que se diga, todas as alterações das regras sobre a jornada de trabalho, que, certamente, buscam permitir uma maior exploração do trabalho pelo capital, tentando afastar os limites constitucionais, para além de evidentemente contrariarem a norma do art. 7º da Constituição, encontram restrição no texto da própria reforma. Basta que se confira efetividade concreta à promessa contida no art. 611-A, quando diz que as cláusulas de negociação em relação à jornada devem respeitar os limites constitucionais ou o art. 611-B, que textualmente determina a observância das normas de saúde, higiene e segurança do trabalho (inciso XVII). Assim, mesmo com outra norma da própria Lei nº 13.467/17 dizendo o contrário, não haverá como, por aplicação da ordem jurídica vigente, legitimar jornada que ultrapasse oito horas por dia, que permita horas extraordinárias habituais ou que eliminem períodos de descanso.

B) TRABALHO DA GESTANTE EM ATIVIDADE INSALUBRE E DIREITO À AMAMENTAÇÃO Outro ponto bastante discutido foi o do não afastamento obrigatório da gestante em atividades insalubres em graus médio e mínimo, conforme previsão do art. 394-A, segundo o qual "Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.” Como foi dito na defesa da aprovação da lei, o propósito não era prejudicar a empregada gestante. Nos termos propostos, a empregada somente será afastada de atividades insalubres em grau médio e em grau mínimo com apresentação de atestado. Em tal caso, poderá, a critério do empregador, ser transferida para outro local na empresa considerado salubre, ainda que a dificuldade concreta seja a da aferição real da insalubridade. Ora, se o propósito era proteger a saúde das trabalhadoras e do nascituro, o que se deveria fazer era criar norma objetivando a eliminação da submissão a atividades insalubres. No entanto, bem ao

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contrário, o que a reforma fez foi propor a possibilidade de exposição da gestante e do seu filho à situação de dano efetivo à saúde. Na exposição de motivos do projeto de lei afirmou-se que sem essa possibilidade a empregada seria prejudicada porque perderia o adicional. Ora, a lei não diz que a gestante perde o adicional se não puder trabalhar no ambiente insalubre. O adicional, portanto, está garantido. O que diz a lei é que para se afastar do trabalho em atividade insalubre em graus médio e mínimo a empregada deverá apresentar atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, que “recomende o afastamento durante a gestação”, e procedendo da mesma forma, em atividades insalubres de qualquer grau, durante a lactação. E todos disseram que o propósito não era prejudicar a empregada e o seu filho. Mas sabendo-se que a empregada que apresentar tal atestado poderá ser discriminada, a tendência é que as mulheres não os apresentem, o que não elide a ocorrência de danos concretos para o feto e para a gestante. Assim, considerada a dita finalidade da lei, esta somente poderá ser considerada atendida se a empregada apresentar atestado que comprove, cientificamente, que as condições reais do trabalho não resultarão prejuízo para si e para seu filho, valendo o mesmo raciocínio para a amamentação, na forma do § 2º do art. 396, da CLT. Igualmente, os defensores da reforma rejeitarão essa interpretação e dirão que basta a ausência do atestado para que se presuma que a saúde da gestante, da lactante, do nascituro e do filho está assegurada, mas vale perceber que de uma afirmação de que a lei não causaria prejuízo às trabalhadoras já se estaria passando para o estágio da mera presunção, sem qualquer base empírica.

C) EXTINÇÃO DO VÍNCULO E “QUITAÇÃO" DE DIREITOS A Lei nº 13.467/17 tentou facilitar as dispensas coletivas de trabalhadores, fazendo uma equiparação – inconcebível do ponto de vista da realidade fática – entre dispensas individuais e coletivas, conforme constou do art. 477-A: "As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”. A equiparação, no entanto, partiu de um pressuposto jurídico equivocado de que as dispensas individuais podem ocorrer sem necessidade de apresentação de justificativa ao empregado. No entanto, a Constituição é muito clara ao ter assegurado aos trabalhadores o direito à relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária (art. 7º, I). Por isso mesmo, a norma do art. 477-A da CLT pode ser interpretada / aplicada para o efeito de finalmente reconhecermos a todas as espécies de despedida, individuais ou coletivas, o dever de motivação por parte do empregador, sob pena de nulidade, na forma do art. 7º, I, da Constituição e da Convenção 158 da OIT. Essa norma internacional, que pode ser utilizada como fonte formal do direito do trabalho seja por força do art. 8º, seja pela literalidade do art. 5º, § 2º, da Constituição (Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte), estabelece o dever de motivação para o ato da despedida. Do mesmo modo, o conteúdo do art. 477-B, quando estabelece que "Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dispensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes” terá de se submeter ao crivo do Poder Judiciário trabalhista e mesmo ao conceito jurídico de quitação, tal como deverá ocorrer com a regra do art. 507-B, segundo o qual "É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria”.

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Aqui o legislador, inclusive, demonstrou desconhecimento quanto aos institutos jurídicos referidos. Ora, quitação é instituto jurídico específico que só se obtém mediante pagamento. Não há quitação como decorrência de renúncia ou transação. Os direitos trabalhistas são irrenunciáveis e somente se pode dar quitação de dívida efetivamente paga e nunca com relação a direitos sem que estejam relacionados a fatos concretos, que tenham sido devidamente discriminados e cuja representação monetária não esteja matematicamente demonstrada, como acontece, ademais, em qualquer dívida de natureza civil. Então, não tem qualquer valor jurídico uma declaração do trabalhador, estabelecida em TRTC, em PDV ou “termo de quitação anual”, no sentido de que todos os seus direitos, genericamente considerados, foram respeitados pelo empregador. É a própria Lei 13.467/17 que exorta os juízes do trabalho a considerarem o Código Civil como parâmetro para a interpretação e aplicação de normas trabalhistas. Pois bem, a quitação tem seu conceito estabelecido no artigo 320 do Código Civil, segundo o qual “a quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante”. E, conforme art. 324 do Código Civil, "ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor provar, em sessenta dias, a falta do pagamento". Lembre-se, ainda, que continua vigente o art. 9º da CLT, o qual estipula que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação".

2. O ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO Para introduzir a análise sobre os temas processuais o ponto de partida é o mesmo, ou seja, a

lembrança de que o termo de garantia da aprovação da reforma foi o de que não haveria eliminação de

direitos dos trabalhadores.

Pois bem, o acesso à justiça é um direito fundamental da cidadania, que tem sede constitucional e nas declarações internacionais de Direitos Humanos, assim, a Lei nº 13.467/17 não pode impedi-lo. As alterações nas regras processuais, propostas pela Lei nº 13.467/17, precisam ser compreendidas e aplicadas à luz da atual noção do direito de acesso à justiça como um direito fundamental, que é condição de possibilidade do próprio exercício dos direitos sociais. Esse é o referencial teórico que permitirá, também no âmbito processual, o uso das regras dessa legislação “contra ela mesma”, construindo racionalidade que preserve as peculiaridades do processo do trabalho e a proteção que o justifica. Para isso, ainda que brevemente, precisamos resgatar o caminho até aqui trilhado pela doutrina, que determina esse reconhecimento de um direito fundamental à tutela jurisdicional. No Estado liberal o acesso à justiça era concebido como um direito natural e como tal não requeria uma ação estatal para sua proteção. O Estado mantinha-se passivo, considerando que as partes estavam aptas a defender seus interesses adequadamente[ii]. Com o advento do Estado Social surge a noção de direitos sociais e, paralelamente, o reconhecimento de que uma ação efetiva do Estado seria necessária para garantir o implemento desses novos direitos. Por isso, o assunto pertinente ao acesso à justiça está diretamente ligado ao advento de um Estado preocupado em fazer valer direitos sociais, aparecendo como importante complemento, para que "as novas disposições não restassem letras mortas"[iii]. O movimento de acesso à justiça apresenta-se sob dois prismas: no primeiro ressalta-se a necessidade de repensar o próprio direito; no segundo preocupa-se com as reformas que precisam ser introduzidas no ordenamento jurídico, para a satisfação do novo direito, uma vez que pouco ou quase

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nada vale uma bela declaração de direitos sem remédios e mecanismos específicos que lhe deem efetividade. Sob o primeiro prisma (denominado método de pensamento), o movimento é uma reação à noção do direito como conjunto de normas, estruturadas e hierarquizadas, cujo sentido e legitimidade somente se extraem da própria coerência do sistema. Na nova visão o direito se apresenta como resultado de um processo de socialização do Estado, e passa a refletir preocupações sociais, como as pertinentes à educação, ao trabalho, ao repouso, à saúde, à previdência, à assistência social etc. Sob o segundo prisma, o movimento se desenvolve em três direções, chamadas "as três ondas do movimento do acesso à justiça". A primeira onda, que diz respeito aos obstáculos econômicos de acesso à justiça, consiste, por isso mesmo, na preocupação com os problemas que os pobres possuem para defesa de seus direitos. Esses problemas são de duas ordens: judicial e extrajudicial. Extrajudicialmente, preocupa-se com a informação aos pobres dos direitos que lhe são pertinentes (pobreza jurídica) e com a prestação de assistência jurídica nas hipóteses de solução de conflitos por órgãos não judiciais. Judicialmente, examinam-se os meios a que os pobres têm acesso para defenderem, adequadamente, esses direitos (pobreza econômica). Para eliminação do primeiro problema, o movimento sugere a criação de órgãos de informação a respeito dos direitos sociais. Para supressão do segundo, a eliminação ou minimização dos custos do processo, inclusive quanto aos honorários de advogado[iv] A segunda onda, de cunho organizacional, tende a examinar a adequação das instituições processuais, especialmente no que se refere à legitimidade para a ação, às novas realidades criadas pela massificação das relações humanas, gerando uma grande gama de interesses difusos e coletivos, cuja satisfação nem sempre se mostra fácil diante das perspectivas do direito processual tradicional, essencialmente individualista. A terceira onda caracteriza-se pela ambiciosa preocupação em construir um sistema jurídico e procedimental mais humano, com implementação de fórmulas para simplificação dos procedimentos, pois as mudanças na lei material, com vistas a proporcionar novos direitos sociais, podem ter pouco ou nenhum efeito prático, sem uma consequente mudança no método de prestação jurisdicional. O acesso à justiça pressupõe, portanto, a efetividade do processo. Mas, como explicam Cappelletti e Garth a efetividade é algo vago. Para dar substância à ideia, traduz-se a efetividade em "igualdade de armas", como garantia de que o resultado final de uma demanda dependa somente do mérito dos direitos discutidos e não de forças externas. Advertem, no entanto, os autores citados que essa igualdade é uma utopia e que pode ser que as diferenças entre as partes nunca sejam completamente erradicadas[v]. Desse modo, o primeiro passo na direção da efetividade consiste, exatamente, na identificação das barreiras que impedem o acesso à justiça e a própria efetividade do processo; o segundo, como atacá-las; e o terceiro, a que custo isso se faria. As barreiras são: a desinformação quanto aos direitos; o descompasso entre os instrumentos judiciais e os novos conflitos sociais; os custos do processo e a demora para solução dos litígios, que constitui fator de desestímulo. Por tudo isso, vale a observação de Mauro Cappelletti, no sentido de que o acesso à justiça pressupõe um novo método de analisar o direito, em outras palavras, uma nova maneira de pensar o próprio direito. Nesse novo método o direito é analisado sob a perspectiva do "consumidor", ou seja, daqueles que são o alvo da norma, e não sob o ponto de vista dos "produtores" do Direito. O acesso à justiça, nesse contexto, aparece como a garantia de que o sujeito poderá, efetivamente, consumir o direito que lhe fora direcionado, servindo-se, se necessário, do Estado para tanto[vi]. Esse é o pressuposto que deve orientar os intérpretes aplicadores do processo do trabalho, mesmo depois de alterado pela Lei nº 13.467/17, sob pena de se negar a própria razão de ser da Justiça do Trabalho.

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3. O PROCESSO COMO DIREITO FUNDAMENTAL Conforme preconizava o artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,

“Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”, Essa afirmação dos direitos do homem, no primeiro momento, tem a finalidade de superar o absolutismo do Estado religioso. Ainda que tenha representado considerável avanço, os fundamentos da Revolução Francesa, de 1789, não correspondem aos ideais assumidos pela humanidade a partir do século XX. De forma contemporânea à formação da sociedade burguesa desenvolveu-se um modelo de produção de índole capitalista, o qual, por sua vez, gerou complicações sociais que aos poucos demonstraram não encontrar uma solução dentro dos padrões jurídicos da ordem liberal. As relações capitalistas impulsionadas no ambiente jurídico legado pela Revolução Francesa (Lei Le Chapelier, 1791, e Código de Napoleão, 1804, que se baseavam na liberdade dos iguais e na igualdade do ponto de vista formal) geraram riquezas para alguns e extrema pobreza para muitos. Os desajustes de ordem social, econômica e política provocados puseram em risco concreto a sobrevivência do homem na terra. Desde a grande revolta de 1848, passando pelas Revoluções do México, da Alemanha e da Rússia, no início do século XX, a convivência humana passou a ser marcada por grandes conflitos de classes. Desses conflitos, advieram duas guerras de âmbito mundial. No final da 1ª guerra foi criada a OIT, Organização Internacional do Trabalho, para regulação da relação capital-trabalho em uma perspectiva supranacional. Após a 2ª guerra mundial, a OIT é elevada a órgão permanente da ONU. A duras penas, os seres humanos aprenderam a lição de que mesmo no capitalismo a solidariedade e a justiça social devem ser vistas como valores fundamentais. Assim, a concepção inicial de Direitos do Homem é alterada para ser concebida na ótica dos Direitos dos Seres Humanos, abrangendo a todos, sem qualquer distinção. “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”, passa a preconizar o artigo 1º., da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Na Constituição da OIT, por exemplo, é possível verificar as certezas de que “uma paz mundial e durável somente pode ser fundada sobre a base da justiça social” e de que havendo condições de trabalho que impliquem privações das quais advenham descontentamentos põe-se em risco a harmonia universal. Como se vê, os Direitos Sociais (Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social) buscam fazer com que ao desenvolvimento econômico corresponda, na mesma proporção, justiça social. Assim, na perspectiva do Direito Social, não basta respeitar o outro, deve-se, concretamente, agir para que os seus direitos sejam efetivados. Essa lição, no entanto, não é facilmente apreendida. Somente passa a ser seriamente considerada a importância da concretização dos direitos sociais após uma nova segunda guerra mundial. Desde então enuncia-se, expressamente, em diversos documentos internacionais, a certeza de que para se atingir a necessária justiça social não basta a enunciação de direitos. A flagrante negligência quanto à efetivação desses direitos é posta como razão de grande importância para o advento da segunda guerra. A efetivação dos Direitos Fundamentais, e, em especial, dos direitos sociais, passa a ser, ela própria, então, uma questão fundamental.

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Bem sabemos que essa necessidade histórica acaba por se revelar, em grande medida, por uma retórica protetiva que poucas vezes consegue refletir na prática das relações sociais. Ainda assim, para a compreensão da função que o processo desempenha na sociedade capitalista e, especialmente, do que significa a preservação de um processo trabalhista, inspirado na proteção, é preciso revisitar os parâmetros que o próprio Estado entendeu por bem adotar, no que tange ao chamado “direito ao processo”, ou, como preferem os europeus, “direito ao juiz”. Na Declaração Universal, de 1948: “Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.” Na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950: “Artigo 6º - 1- Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso a sala de audiências pode ser proibido a imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstancias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.” No Pacto dos Direitos Civis e Políticos, de 1966: “Art. 14 - 1. Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida em que isto seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tomar-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores.” Na Declaração Universal Dos Direitos do Homem, de 1948: “Artigo 10: Todo o homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.” Na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948: “Artigo XVIII - Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, quaisquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.” No Pacto de São José da Costa Rica, de 1969: “Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos. 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição,

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sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.” (...) Artigo 8º - Garantias judiciais. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo

razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.” Todas essas normas devem servir de parâmetros para o olhar que devemos ter para o processo do trabalho, mesmo com a desfiguração pretendida pela Lei 13.467/17 e que, como veremos, não nos impede (antes, nos convida) de construir uma racionalidade que a neutralize, preservando a essência da proteção que o justifica.

4. A FUNÇÃO DO PROCESSO DO TRABALHO Em uma realidade na qual os trabalhadores não têm garantia alguma contra a despedida, lutar pela efetividade dos direitos materiais é no mais das vezes uma ilusão. No ambiente de trabalho, lá onde a relação efetivamente ocorre, o trabalhador tem, via de regra, apenas duas opções: ou se submete às condições impostas pelo empregador ou sofre com a despedida “imotivada”. É por isso que duras realidades como a da terceirização sem limites ou a da realização de jornadas de 12h, sem intervalo e muitas vezes estendidas para “cobrir” a falta do colega que deveria trabalhar no turno sucessivo, já ocorriam bem antes da entrada em vigor do texto que infelizmente veio para tentar chancelar essas formas de exploração desmedidas. Nenhum trabalhador ou trabalhadora, isoladamente (e mesmo com atuação do sindicato, premido pela mesma insegurança jurídica que assola os trabalhadores), tem condições reais de exigir do empregador que respeite o intervalo para descanso; que conceda o direito à amamentação; que mantenha um ambiente de trabalho saudável. Tal constatação faz perceber, com nitidez, que o único momento em que o trabalhador realmente consegue tentar fazer valer os seus direitos, colocando-se em condições, ao menos formais, de ser ouvido, é quando ajuíza sua demanda trabalhista. É necessário, pois, que as formas jurídicas do processo não sirvam para reproduzir e, assim, reforçar a opressão do local de trabalho. Reconhecendo a realidade concreta, a função do processo é eliminar os obstáculos ao acesso à ordem jurídica justa. Não é de hoje que o grande capital vem se esforçando para colonizar o Poder Judiciário, tentando fazer com que o processo se transforme em mais um “bom negócio”, de tal sorte que pagar dívidas ou honrar créditos trabalhistas se tornou mera opção do empregador. Nas últimas décadas, a própria Justiça do Trabalho sofreu alguns efeitos dessa colonização, com súmulas endereçadas a situações específicas e campanhas de conciliação que se revelam como uma tentativa desesperada de reduzir o número de processos, em vez de resolver os conflitos sociais por meio da explicitação de uma postura firme perante o descumpridor da lei trabalhista, sobretudo com relação àqueles que a descumprem reiteradamente para a obtenção de vantagem econômica sobre a concorrência. O efeito deletério que o descumprimento reiterado de direitos gera em um Estado que se pretende democrático (crescimento exponencial de demandas judiciais) pode ser enfrentado de dois modos. De um lado, levando a sério o descumprimento e reconhecendo à demanda judicial a gravidade que deve ter, a fim de que aqueles que descumprem a legislação sejam punidos e, portanto, incentivados a não repetir esse ato de boicote ao projeto de sociedade que se anunciou desde 1988. De outro, tornando o Poder Judiciário um espaço de concessões e renúncias e, com isso, fazendo do descumprimento de direitos fundamentais um ótimo negócio, mas, claro, jogando por terra toda possibilidade de um projeto

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de sociedade, dentro do modelo capitalista de produção, minimante organizada. Desgraçadamente, e com o apoio da grande mídia, a segunda opção foi a adotada pelos idealizadores da Lei nº 13.467/17. Para bem utilizar os parâmetros jurídicos de que dispomos, para conservar o procedimento trabalhista e sua finalidade, precisamos inicialmente reconhecer a premissa do raciocínio a ser desenvolvido pelo intérprete do Direito material e processual do Trabalho: a preservação da proteção como princípio norteador desse ramo do Direito, até porque em nenhum momento dos debates sobre a reforma esse princípio foi posto em xeque, como já referimos. Claro que para isso é importante traçar uma definição mais precisa do que é e de como aplicar o princípio da proteção no Direito e no Processo do Trabalho. Essa será uma arma fundamental na manutenção da existência mesma de normas trabalhistas. O desenvolvimento da noção de direitos fundamentais tem relação mais íntima do que pode parecer com o Direito do Trabalho e com o princípio/dever de proteção. A sociedade se industrializa e o capitalismo se instala como forma de organização social, sob o manto do ideal liberal e é em nome de uma proposta de participação de parte mais expressiva da sociedade na economia (lato sensu), que o conceito de liberdade se modifica. À noção de propriedade agrega-se a noção de acúmulo de riqueza. E essa capacidade de acumular passa a constituir o principal elemento de divisão (ou reconhecimento) das classes sociais. Em pouco tempo, a sociedade passa a ser identificada como uma composição formada por homens que vivem-do-trabalho (expressão utilizada por Ricardo Antunes e para a qual Marx utilizava a denominação proletariado) e homens que vivem da exploração do trabalho alheio (capitalistas). O trabalho humano subordinado à vontade e aos fatores de produção de outrem é a mola propulsora dessa nova forma de organização social. Mas sem um balizamento jurídico específico dessa relação economicamente desigual, na qual a condição econômica mais favorável se transforma em poder, e a condição inversa, representa submissão, produzem-se várias formas aviltantes da condição humana para a venda da força de trabalho, desestabilizando toda a ordem social e abalando a própria crença nas benesses do capitalismo. Nesse contexto é que o Direito do Trabalho inevitavelmente encontra solo fértil para nascer. Barbagelata refere que a questão social, ou seja, a necessidade de lidar com a realidade excludente e díspar potencializada pelo sistema capitalista está na origem não apenas do Direito do Trabalho, mas dos direitos sociais em geral. A sistematização do conceito de princípio emerge dentro dessa realidade em que percebemos, como sociedade, a necessidade de garantir direitos sociais.

5. A PROTEÇÃO COMO PRINCÍPIO DO PROCESSO DO TRABALHO Se retornarmos aos clássicos, como Evaristo de Moraes ou Martins Catharino, veremos que a existência do Direito do Trabalho é explicada a partir de um princípio norteador: a necessidade histórica (econômica, social, fisiológica e inclusive filosófica) de proteger o ser humano que, para sobreviver na sociedade do capital, precisa “vender” a sua força de trabalho. Portanto, a proteção a quem trabalha é o que está no início, no princípio da existência de normas que protejam o trabalhador, em sua relação com o capital. É interessante observar que a leitura de Lenio Streck acerca do conceito de princípios, desenvolvida com o claro intuito de evitar o que chama de panprincipiologismo, ou seja, o fato de que autores de doutrina e jurisprudência estão criando seus próprios princípios e julgando a partir deles, vem ao encontro dessa leitura do enfrentamento da “questão social” a partir de normas próprias, de ordem material e processual, ditadas pela necessidade de proteção. Referido autor defende que “todo princípio encontra sua realização em uma regra”. Compreende a Constituição como um evento que introduz um novo modelo de sociedade, edificado sob certos pressupostos derivados de nossa história institucional, que condicionam “toda tarefa concretizadora da norma”.

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É a partir da Constituição que “o direito que se produz concretamente” legitima-se, por estar de “acordo com uma tradição histórica que decidiu constituir uma sociedade democrática, livre, justa e solidária”. Logo, o princípio é que está no início e que justifica, à luz da Constituição, a aplicação ou o afastamento de uma regra. Regra e princípio, consequentemente, não são espécies de normas jurídicas, mas partes de um mesmo conceito. A regra só se torna norma, quando sua aplicação puder ser fundamentada no princípio que a instituiu. O princípio, assim, qualifica-se como o que está “no princípio mesmo” da criação de um determinado conjunto de regras. É possível afirmar que a proteção ao trabalho humano é o princípio, o verdadeiro princípio em razão do qual o Direito material e processual do Trabalho existe. Princípio que não se confunde com a busca da igualdade material, porque reconhece e sustenta posições desiguais. A proteção é a razão de existência de regras próprias e a função do Direito do Trabalho no contexto capitalista. Então, é possível afirmar que a proteção que faz surgir o Direito do Trabalho é a proteção contra a superexploração econômica, mas é também, desde o início, o reconhecimento social de que essa relação implica uma troca desigual: tempo de vida/força física em troca de remuneração/valor monetário. Em outras palavras, no princípio está a proteção e se a afastarmos desconfiguraremos esse Direito, não porque lhe retiramos uma norma, mas porque retiramos a razão pela qual ele foi criado e existe até hoje, sua função. Fato é que todas as normas trabalhistas devem ser orientadas, contaminadas, pelo princípio que as institui, a "proteção ao trabalhador". É a partir de todos esses pressupostos que as normas do processo do trabalho devem ser interpretadas e aplicadas, porque, afinal, o processo é instrumento do direito material, ou seja, só tem sentido para conferir eficácia concreta aos direitos. Em nada adiantaria possuir um conjunto normativo protetivo do ser humano trabalhador, fincado nas bases da racionalidade do direito social, se o processo, isto é, o instrumento de concretização do direito material, fosse visualizado com uma racionalidade liberal. E, portanto, é também assim que se devem examinar as normas processuais que foram enxertadas na CLT pela Lei nº 13.467/17.

6. O PROCEDIMENTO

A) A VIGÊNCIA DA LEI PROCESSUAL A lei processual atinge os processos em curso, mas não pode, inclusive como decorrência do que até aqui expomos, gerar danos materiais concretos às partes. Considerando o pressuposto, acima fixado, de que a Lei nº 13.467/17 não deve trazer danos aos direitos fundamentais do trabalhador, nem prejudicar o acesso à justiça, a discussão em torno da vigência temporal fica em segundo plano. Ainda assim, é sempre bom explicitar a necessária observância ao princípio da proibição de que normas processuais atinjam fatos pretéritos para o efeito de causar dano ao trabalhador e aos direitos fundamentais de que é municiado.

B) A SUBSIDIARIEDADE DO CPC Uma questão intrigante se impõe aqui. É que já nos manifestamos no sentido de que o novo CPC não deveria ser aplicado ao Processo do Trabalho porque já se tinha na CLT um processo com as disposições necessárias para atender os objetivos de sua função instrumental e que a aplicação do novo

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CPC, inspirado no propósito de controlar a atuação do juiz, o que dificultaria mais a concretização de direitos sociais do que o contrário, e agora, diante de uma reforma processual trabalhista, que buscou atender, de forma direta e explícita, aos interesses do capital, especialmente no sentido de ameaçar e punir com altos custos processuais os trabalhadores, inviabilizando o seu acesso à justiça, nos vemos na contingência de buscar no CPC normas que possam evitar esse descalabro cometido pela “reforma”. Se antes colocávamos o foco no princípio de que o especial pretere o geral porque mais benéfico e apropriado aos propósitos da atuação jurisdicional trabalhista, o que, por certo, continua valendo, deve-se, agora, também conferir visibilidade à mesma proposição mas em sentido inverso, qual seja, a de que

o geral pretere o específico quando este último rebaixar o nível de proteção social já alcançado

pelo padrão regulatório generalizante, o que serve, ao mesmo tempo, para demonstrar o quão contrária aos interesses populares foi essa “reforma”.

C) A RESPONSABILIDADE PELOS CRÉDITOS TRABALHISTAS A alteração proposta para o art. 2º § 3º, da CLT, no sentido de que "não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes” não nos deve impressionar. A realidade das lides trabalhistas revela que duas empresas, com mesmos sócios, explorando uma mesma atividade geralmente possuem essa comunhão de interesses, algo aliás, que pode ser inclusive presumido pelo Juiz, na medida em que não houve alteração do conteúdo do art. 765 da CLT, que a ele dá ampla liberdade para a condução do processo. O art. 10, igualmente, resta intacto. Dispõe que "qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”. Pois bem, a norma do art. 10-A terá necessariamente de ser aplicada considerando o artigo que a precede. Para que o "sócio retirante” efetivamente se exima de responsabilidade, terá que produzir prova de que: não permanece como sócio oculto; não atua como gestor do negócio; não se beneficiou diretamente da exploração da força do trabalho (auferindo com ela aumento do seu patrimônio). E mais: será preciso que a empresa e os sócios remanescentes tenham patrimônio suficiente para suportar o débito, pois do contrário “liberá-lo” de responsabilidade afrontaria diretamente o que estabelece os artigos 10 e 448 da CLT, também este último preservado da destruição operada pela Lei 13.467. Há a introdução de um artigo 448-A para estabelecer a responsabilidade do sucessor em caso de caracterização da sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448. O parágrafo único desse novo artigo refere que "a empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência”. Certamente responderá. E nada na nova legislação impedirá o juiz do trabalho de reconhecer a mesma responsabilidade em outras hipóteses, desde que devidamente fundamentadas, nas quais evidencie que o patrimônio auferido com a força de trabalho passou às mãos da sucedida. Ao referir uma hipótese de responsabilidade solidária, o texto de lei, que não deve ser interpretado/aplicado isoladamente, certamente não descarta outras que também determinarão a persecução do patrimônio da sucedida, para a satisfação dos créditos alimentares do trabalhador. Quem adquire um empreendimento torna-se solidariamente responsável, com o sucedido, pelas dívidas trabalhistas, exatamente porque está adquirindo o capital, que se beneficiou diretamente do trabalho humano. O sucedido, que contraiu a dívida trabalhista, segue sendo responsável. A relação de trabalho se estabelece entre trabalho e capital, e é exatamente isso que a CLT reconhece ao fixar tanto o conceito quanto a extensão da responsabilidade de quem toma trabalho. A mudança na estrutura jurídica da empresa, que identifica o fenômeno da sucessão, ocorre toda vez que houver modificação na titularidade da empresa, no poder que comanda, dirige e assalaria o trabalhador. A sucessão de empregadores promove uma espécie de quebra da garantia e da confiança

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que se presume existentes no momento da contratação. Daí porque ambos, sucedido e sucessor, são responsáveis pelos créditos alimentares trabalhistas, como aliás seguem afirmando os artigos 10 e 448 da CLT, não alterados. A noção de continuidade da empresa, que decorre diretamente da proteção, e que está prevista nesses dois dispositivos, consagra a ideia de solidariedade, de resto reafirmada no art. 2º, § 2º, ou no art. 455, da CLT, cujas redações também são mantidas.

D) A PRONÚNCIA DA PRESCRIÇÃO No art. 11 criou-se um § 4º, para dispor que “tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração ou descumprimento do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei”. Com isso, incorporou-se à CLT disposição contida em súmula do TST, que - diga-se de passagem - constitui uma ode ao desconhecimento do instituto da prescrição. Eis, por consequência, uma boa oportunidade para que se supere esse entendimento, que vinha sendo revisto pelo TST em decisões mais recentes que tratam da matéria. A prescrição é apresentada como instituto jurídico criado em nome de uma suposta necessidade de segurança, como sanção que se aplica ao titular do direito que permanece inerte diante de sua violação por outrem. Para que esses conflitos não sejam eternos, o Estado estabelece um prazo dentro do qual aquele que se sente lesado deve interpor a demanda, para discutir em juízo as suas pretensões. A razão social dessa imposição de tempo para agir, nos dizem, é o interesse em pacificar as relações, em lugar de perpetuar os conflitos. O fato de que a prescrição atinge apenas direitos de crédito demonstra, desde logo, que há uma preocupação social, adequada à perspectiva do capital, de conservação do patrimônio. A pacificação dos conflitos sociais é pensada desde a perspectiva das relações de crédito e débito. A questão é que se essa é a realidade jurídico-formal, o instituto da prescrição nas relações de trabalho precisa ser pensado e aplicado restritivamente, pois não deve boicotar o projeto de sociedade que se edificou na Constituição de 1988 e cujo escopo é a realização (e não a negação) dos direitos sociais fundamentais. Lembre-se que a definição da prescrição é a de que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição” (Código Civil, artigo 189). Ora, se é a exigibilidade que perece, quando o juiz pronuncia a prescrição, não há que se falar em “prescrição total”. Esse posicionamento equivocado do TST, como dito, já vinha sendo revertido, conforme fixado expressamente na súmula 409: “Não procede ação rescisória calcada em violação do art. 7º, XXIX, da CF/1988 quando a questão envolve discussão sobre a espécie de prazo prescricional aplicável aos créditos trabalhistas, se total ou parcial, porque a matéria tem índole infraconstitucional, construída, na Justiça do Trabalho, no plano jurisprudencial”. A prescrição poderá incidir apenas sobre as parcelas que se tornaram exigíveis há mais de cinco anos da data da propositura da demanda. Compreender de forma diversa seria corromper o próprio conceito de prescrição. Há, também, no art. 11-A, introdução da prescrição intercorrente no processo do trabalho, contrariando a jurisprudência absolutamente majoritária, a súmula 114 do TST e o recente pronunciamento traduzido na Instrução normativa 39/TST. Em primeiro lugar, a previsão desse dispositivo precisa ser compatibilizada com a Constituição de 1988. Se, através de uma clara traição ao texto da emenda popular que deu origem à redação do inciso XXIX do artigo 7o, aceitou-se inserir prazo de prescrição como restrição a direito fundamental, o tempo mínimo ali referido (5 anos) deve ser respeitado.

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O interessante é que uma alteração legislativa, com conteúdo regressivo, acaba conferindo a chance de se rever uma jurisprudência destrutiva, que vinha insistindo no artificialismo da existência de dois prazos de prescrição no Direito do Trabalho. Ora, o inciso XXIX do art. 7º não prevê dois prazos de prescrição. Sua redação é clara: a prescrição é de 05 anos e o que ocorre é a fixação de um tempo de dois anos após o término do contrato de trabalho para que o ex-emprego proponha uma ação judicial para pleitear os seus direitos considerando-se, pois, o período prescricional de 05 anos, contados do término do vínculo de emprego para trás. Ainda que não se tenha coincidência quanto a esse modo de contar o prazo quinquenal, o que deve ser inquestionável é que o prazo de 02 não retroage ao período de vigência do contrato de trabalho. De um jeito ou de outro, a eficácia do inciso XXIX, que regula a prescrição, está condicionada, por suposto lógico, à eficácia do inciso I, que confere aos trabalhadores o direito à relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária. Além disso, a fluência desse prazo prescricional inicia-se, de acordo com o novo dispositivo, "quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução”. Nada mais simples: basta que o exequente impulsione o processo, requerendo ao juízo a adoção das medidas de que dispõe (SENIB, BACENJUD, RENAJUD, etc.), para que esteja afastada a aplicação dessa regra e se não o fizer, basta que o juiz o indague se fará ou não. Lembre-se, a propósito, do previsto no art. 487 do CPC, no sentido de que "ressalvadas as hipóteses do § 1º do art. 332, a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se". A realidade é que não se pode permitir que a prescrição intercorrente seja ressuscitada na Justiça

do Trabalho. A prescrição no campo das relações de trabalho constitui uma restrição à eficácia de direitos fundamentais. Como restrição, precisa ser compreendida e aplicada de modo restritivo. Isso porque retira do trabalhador a possibilidade (que se revela única em um sistema de monopólio da jurisdição) de fazer valer a ordem constitucional vigente. Daí decorre que sua aplicação deve se submeter, de uma parte, à aplicação (integral) de todos os direitos ali garantidos e, de outra, à uma análise que busque sempre reduzir ao máximo seu âmbito de incidência. Do mesmo modo, a pronúncia de prescrição de ofício pelo juiz constitui uma total inversão da razão mesma de existência desse instituto, revelando que a anunciada motivação da pacificação dos conflitos sociais não é o que a impulsiona no processo do trabalho. Em se tratando de créditos civis, de pessoas pressupostamente iguais, a prescrição pune o inerte, em homenagem à estabilização das relações. Mas, em termos de direitos fundamentais e, notadamente, nos casos dos direitos trabalhistas, a prescrição constitui um prêmio ao mau pagador e, com isso, um incentivo ao não cumprimento da legislação, ainda mais quando priorizada na atuação do juiz. A prescrição pronunciada de ofício (a da pretensão contida na inicial e a intercorrente) é uma “indevida interferência do Estado”, que visa punir o trabalhador, devendo ser rechaçada pela aplicação da doutrina dos direitos fundamentais sociais. Não importa pensar o quanto os juízes estejam soterrados de trabalho ou premidos por metas e números; processos não são pilhas (mesmo que virtuais) a serem derrubadas; são dramas de pessoas reais. A prescrição, concretamente, acomoda situações pretéritas e com isso evita a efetividade do direito e, quando o direito é reproduzido em créditos, impede que o patrimônio troque de mãos. No âmbito das relações de trabalho isso significa uma opção muito clara pelo capital, em detrimento do trabalho. Nas lides trabalhistas, são os trabalhadores que na maioria absoluta dos casos buscam o Poder Judiciário para tentar remediar um dano já sofrido, dano este que, tantas vezes, é insuscetível de uma reparação integral. Ora, o pagamento de verbas salariais no âmbito de uma reclamatória trabalhista, ou seja, meses ou até anos depois do fato ocorrido, caracterizado pela perda abrupta do emprego sem o recebimento de qualquer valor, tido como essencial à sobrevivência do trabalhador e de sua família, não repõe todo o sofrimento que certamente se experimenta em situações como esta.

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Toda vez que o Estado, embora reconhecendo que o trabalhador possui crédito a receber, se nega a buscar os meios necessários para satisfazer o crédito, atua como um superego que recalca nos indivíduos (em todos eles, não apenas naquele que porventura figura como reclamante na ação trabalhista em que a prescrição for pronunciada) a marca da naturalização da exploração impune. Cada prescrição pronunciada é um salvo conduto, por mais que se afirme o contrário, a beneficiar o mau pagador. Os argumentos utilizados durante a Constituinte de 1987, para transformar um direito fundamental em elemento de flexibilização de outros direitos, demonstra bem isso.

E) ÔNUS DE PROVA E OS PODERES DO JUIZ A alteração do art. 775, § 2º da CLT, de fato, reitera os poderes que o art. 765 já conferia ao juiz, explicitando algumas possíveis formas de utilização do direcionamento do processo, entendido como instrumento e não como um fim em si mesmo. O artigo em questão permite a dilação dos prazos processuais e a alteração da ordem de produção dos meios de prova, "adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”. Assim, mesmo a alteração que a Lei nº 13.467/17 procurou fazer no artigo 818, dentro do propósito de destruição dos direitos trabalhistas, encontra-se vaticinada pela aplicação desses dispositivos. A CLT traz em sua gênese, ainda que de forma intuitiva, a superação da separação absoluta entre direito material e direito processual. Com efeito, ao tratar do contrato de trabalho, na parte do direito material, estabelece deveres prévios de produção de prova documental, e o faz em pontos cruciais da relação capital-trabalho. Determina, por exemplo, que o contrato seja registrado na CTPS do trabalhador (art. 29), que a jornada seja devidamente anotada (art. 74), que o salário seja pago mediante recibo (art. 464). Determina, ainda, que seja escrito o “pedido” de demissão e o termo de quitação das verbas resilitórias, ambos com assistência do sindicato, sempre que se tratar de contrato com mais de um ano de vigência (art. 477). Qual a razão dessas regras, que habitam o campo do direito material do trabalho? Por que exigir do empregador que pague salário sempre mediante recibo ou que proporcione o registro idôneo da jornada de seus empregados? Qual o propósito de uma regra dessa natureza, se não a prévia produção de prova acerca de fatos que, de outro modo, dificilmente poderiam ser demonstrados em um eventual futuro processo trabalhista? Note-se que a CLT, nesse aspecto, promoveu um avanço que, apesar de revolucionário em termos de ciência processual, passou despercebido ao longo de várias décadas e está sendo desrespeitado pelo retrocesso injustificável promovido pela Súmula 338 do TST. O modelo regulatório fixado desde sempre na CLT (e que não foi rompido expressamente na atual “reforma”) consiste justamente em efetivar um encargo probante que onera a parte reconhecida como a mais apta à produção de documentos durante o desenrolar da relação material. No modelo da CLT não se trata, meramente, de perquirir ônus (seja pelo critério da melhor aptidão, seja pelo critério da distribuição especificada, seja ainda pelo equivocado critério da inversão, previsto no CDC), mas sim constatar que há obrigações de comportamento atribuídas ao empregador que repercutem, necessariamente, no processo. Apenas quando superadas as questões relativas aos deveres do empregador, passa-se ao exame do ônus da prova, e que a nova redação proposta para o artigo 818 tenta aniquilar. Reitere-se que o processo, por sua função de instrumento de concretização dos direitos fundamentais (seja de forma retroativa ou proativa, mediante seu caráter reparatório, pedagógico e dissuasório) tem crucial importância no manejo dos deveres fundamentais. Não basta reconhecê-los, é preciso que se lhes atribua (ou reconheça) função no âmbito processual. A CLT estabelece estreita

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ligação dos espectros material e processual dos deveres, e sua consequência. Enquanto ônus é algo que incumbe à parte, cuja inobservância gera mera presunção favorável à parte contrária, dever é imposição legal cuja desobediência acarreta uma sanção. No caso dos deveres ligados à prova, essa sanção é o indeferimento da prova testemunhal e, por consequência, o acolhimento da tese contrária. Nesse espectro, as alterações realizadas no art. 818 não são suficientes para superar a lógica acolhida na CLT. Ao contrário, e até considerando a predileção que muitos intérpretes da área trabalhista possuem pelo uso do CPC, o advento da nova redação do art. 818 talvez auxilie na sua observância, enfim, do sistema de deveres fixados na CLT. O § 1º do novo art. 818 refere que "diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”. Há evidente confusão neste dispositivo entre dever e ônus, mas para a prática, aqui proposta, de resistência ao desmanche, importa reconhecer que as coisas continuarão exatamente como são, no que tange à distribuição da prova no processo do trabalho. O empregador, cujo dever de documentação segue incólume, terá de demonstrar o cumprimento dos direitos trabalhistas por prova documental que, caso não apresentada, seguirá atraindo a aplicação subsidiaria (estimulada, aliás, pela CLT “do Temer”) das normas do CPC, notadamente daquelas inscritas nos artigos 400 e 443. Então, caso não se desincumba de seus deveres, haverá a admissão dos fatos alegados pela parte contrária como corretos. E o juiz segue proibido de autorizar a produção de prova testemunhal sobre fatos que apenas por documento ou perícia possam ser demonstrados (art. 443 do CPC). Do mesmo modo, o § 2º desse dispositivo deve ser aplicado em consonância com o poder geral de condução do processo pelo juiz, que, portanto, definirá a necessidade de adiamento da audiência e, ao possibilitar a prova dos fatos terá que atentar para o que for admitido pelo direito. Se o direito impede a prova por meio de testemunhas (art. 443 do CPC), não poderá o juiz admiti-la. Tem-se, portanto, uma chance importante para o cancelamento da imprópria súmula 338 do TST e, enfim, o reconhecimento da importância dos deveres de prova que gravam a figura jurídica do empregador. Vale recobrar aqui o preceito básico que se pode extrair do contexto da aprovação da Lei nº

13.467/17, que é o da intolerância quanto às práticas de ilícitos trabalhistas, do qual decorre o reforço da noção de que o processo não pode ser instrumento para que o ilícito trabalhista seja legitimado pela impossibilidade concreta de ser apurado, o que se dá quando se negam os deveres jurídicos fixados em lei ao empregador e quando se atribui ao empregado uma carga probatória que não possui condições de suportar. É preciso fazer referência, ainda, à alteração promovida no art. 611-A, quando diz que o negociado irá prevalecer sobre o legislado, inclusive no que tange a "modalidade de registro de jornada de trabalho” (inciso X) e "enquadramento do grau de insalubridade” (inciso XII). Note-se que não houve alteração dos artigos 74 e 193, quanto à exigência de manutenção de registros escritos do horário e quanto à realização de perícia. Logo, o resultado de uma negociação entre as partes acerca dessas matérias deve necessariamente observar os parâmetros legais da própria legislação trabalhista, sob pena de nulidade, na forma do art. 9º da CLT, cujo conteúdo também não foi alterado pelo desmanche promovido pela Lei 13.467/17. A própria “reforma" autoriza interpretação nesse sentido, pois o art. 611-B diz expressamente que "constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho”, entre outras, disposições que atentem contra "normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho" (inciso XVII).

F) CUSTAS E SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA

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A gratuidade da justiça é um dos conteúdos que, no projeto constitucional, se pretendeu integrar ao conceito de cidadania, e esta, como se sabe, não comporta subdivisões. A assistência judiciária tem por função permitir que o direito fundamental do acesso à justiça seja exercido também por quem não tem condições financeiras de arcar com os custos do processo. Tornar a gratuidade da justiça menos garantista na Justiça do Trabalho, comparativamente ao que se verifica em outros ramos do Judiciário, equivale a tornar o trabalhador um cidadão de segunda classe. Nesse sentido, a inserção, no art. 790, de um § 3º dizendo que o benefício da justiça gratuita poderá ser alcançado apenas àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social evidentemente não impede que o juiz defira tal benefício, como prevê inclusive o § 4º do mesmo dispositivo, a todo aquele que "comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”. E na realidade das relações de trabalho judicializadas, essa prova pode ser o próprio TRCT ou qualquer outro documento que demonstre a perda da fonte de subsistência. O conceito legal de assistência judiciaria gratuita é aquele da Lei 1.060/50, que continua em vigor e abrange todas as despesas do processo, inclusive "os honorários do advogado e do perito”, nos termos do art. 98, § 1º, do CPC. Desse modo, uma norma que pretenda estabelecer gravame ao trabalhador beneficiário da assistência judiciária gratuita, contrariando frontalmente a norma geral e a também a norma contida no CPC, qualificando-se, desse modo, como avessa à noção de proteção que informa e justifica o Direito do Trabalho, não poderá ser aplicada porque a normatização mais ampla a afasta.

Em termos de direitos fundamentais, a norma específica só pretere a norma geral quando

for mais benéfica. Ora, uma norma geral, aplicável a todos, tratando de direito fundamental, cria um patamar mínimo que, portanto, não pode ser diminuído por regra especial, sob pena de inserir o atingido na condição de sub cidadão. A norma do art. 790-B, ao referir que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, "ainda que beneficiária da justiça gratuita”, não poderá ter interpretação diversa daquela já praticada na Justiça do Trabalho, que reconhece ao trabalhador a responsabilidade, mas dispensa o pagamento, exatamente em face do benefício que lhe foi reconhecido, porque é assim que se dá em todos os demais ramos do Judiciário. Nada há de ser alterado, portanto, na compreensão quanto à aplicação dos recursos da União, como já ocorre, para permitir a efetiva remuneração do auxiliar do juízo, quando a parte autora está ao abrigo da assistência judiciária gratuita. A regra inserta no § 1º desse dispositivo, no sentido de que o juízo deverá respeitar o limite máximo estabelecido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ao fixar o valor dos honorários periciais, depende inicialmente de que tais valores sejam mesmo fixados e, em seguida, da análise da atividade pericial, que pode representar esforço que justifique remuneração superior a tal limite. Não se pode esquecer que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho edita recomendações, mas não detém competência para fixar valores de remuneração para os auxiliares do juízo. O § 2º desse dispositivo, ao referir mera possibilidade de atuação jurisdicional, nada diz. O § 3º, por sua vez, ao dispor que "o juízo não poderá exigir adiantamento de valores para realização de perícias”, estabelece proibição que também contraria frontalmente norma contida no CPC (art. 95). Ora, o art. 95, que sequer está fundado na noção de proteção a quem trabalha, estabelece que a remuneração do perito poderá ser adiantada. À primeira vista pode parecer benéfica a proposição da “reforma”, mas o que se pretendeu,

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concretamente, foi que as empresas não arquem com os custos adiantados da perícia, contrariando a prática processual contida no próprio CPC, custos esses que não se aplicam, em geral, aos reclamantes, dada a sua condição de miserabilidade. O § 3º do artigo 95 do CPC ainda estipula, expressamente, que quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado, tal como já ocorre na Justiça do Trabalho. Portanto, a disposição enxertada na CLT, no § 4º do mesmo art. 790, no sentido de que "somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo”, é de ser afastada, porque incompatível com a própria noção de gratuidade que, aliás, é decorrência lógica da proteção. Aliás, aqui há uma questão ainda mais grave. É que o crédito alimentar é insuscetível de renúncia, cessão, compensação ou penhora (art. 1.707 do Código Civil), cuja aplicação subsidiária a Lei nº 13.467 exorta o juiz a fazer (nova redação do art. 8º). O fato de que os créditos trabalhistas são alimentares está consolidado na redação do art. 100 da Constituição, em seu § 1º, segundo o qual tem natureza alimentícia os créditos "decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez”. Logo, não podem ser compensados. O art. 791-A estabelece que "ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”. O limite de 15% revela-se completamente dissociado da prática atual, inferior inclusive aos percentuais fixados em tabela pela OAB e, certamente, se mantidos em decisão judicial, implicarão a cobrança de outros valores, a serem suportados diretamente pelo trabalhador. A regra do parágrafo único do art. 404 do Código Civil resolve o problema. Há ali autorização para que o juiz defira indenização complementar, sempre que entender insuficiente aquela pleiteada ou deferida em razão de disposição legal. Aliás, essa regra serve também para, em aplicação subsidiaria, majorar o valor da indenização por dano moral, escapando da prisão em que a redação do art. 223 G, § 1o, tenta enredar o juiz do trabalho. O § 3º do artigo 791 prevê que na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários. Aqui talvez se esteja diante de uma das mais nefastas previsões da Lei nº 13.467/17, pois a sucumbência recíproca é a antítese da razão de existência mesma de um processo do trabalho, ao menos nos moldes propostos, isto é, sem o reconhecimento da gratuidade como princípio do acesso à justiça e sem a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, ou seja, impondo custos a quem não tem como pagar. A Justiça do Trabalho tem por pressuposto a facilitação do acesso à justiça, o que inclui a noção de jus postulandi e de assistência gratuita. Essa última, como se viu, abrange todas as despesas do processo. E se assim não for, para que a norma seja aplicada em consonância com a proteção que inspira a existência do processo do trabalho e com a própria linha argumentativa dos defensores da “reforma”, que insistem em dizer que não houve retirada de direitos, outras duas questões devem ser necessariamente observadas. Primeiro, que os honorários deferidos ao patrono do reclamante precisarão ser compensados com aqueles fixados em contrato, caso não se compreenda pela própria impossibilidade de cumulação. E, ainda, que os honorários fixados para o advogado da empresa deverão ser de 5%, enquanto aquele a

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ser reconhecido ao patrono do trabalhador deverá observar o patamar máximo de 15%, em razão da objetiva diferença na capacidade econômica das partes. Além disso, há de se reconhecer que sucumbência recíproca não existe no aspecto específico da quantificação do pedido. Isto é, se, por exemplo, o pedido de dano moral, com valor pretendido de R$ 50.000,00, for julgado procedente mas no patamar fixado pelo juiz de R$ 5.000,00, não se terá a hipótese de “procedência parcial”, da qual advém a hipótese de sucumbência recíproca, porque, afinal o pedido foi julgado procedente e a própria lei autoriza fixar as indenizações em outro patamar, que não é de um valor exato. E, se assim não se entendesse, os honorários advocatícios conferidos ao empregador poderiam até ser superiores à indenização deferida ao reclamante. Destaque-se que mesmo na dinâmica do processo civil, a compreensão doutrinária, já refletida em jurisprudência e em lei, é a de que os honorários advocatícios não servem para conferir um proveito econômico à parte que não tem razão; ou, dito de outro modo, não constituem instrumento para penalizar a parte economicamente desprovida e que vai à Justiça pleitear os seus direitos. Vide, neste sentido, a Súmula n. 326 do STJ: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.” E, também, o teor do parágrafo único do artigo 86: “Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários.” O atual § 4º do art. 791, quando menciona que o beneficiário da justiça gratuita terá as obrigações decorrentes de sua sucumbência "sob condição suspensiva de exigibilidade”, durante dois anos, nos quais o credor poderá provar que "deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade”, tenta obstar o acesso à justiça e cria uma contradição que não poderá ser resolvida, senão pela declaração da inaplicabilidade dessa disposição legal. É que a gratuidade se dá em razão da situação do trabalhador no momento em que demanda. E se ela abrange, inclusive sobre a exegese do CPC que, vale repetir, sequer tem por princípio a proteção a quem trabalha, todas as despesas do processo, não há como sustentar tal condição suspensiva sem negar, por via oblíqua, a gratuidade. O mesmo ocorre em relação à suposta autorização, contida nesse mesmo dispositivo, para compensação com créditos obtidos em juízo, "ainda que em outro processo”. Novamente, a disposição legal esbarra nas disposições dos art. 1.707 do Código Civil e no art. 100 da Constituição.

G) O DANO PROCESSUAL Nesse aspecto, a CLT virará uma cópia do CPC. A introdução dos dispositivos é inútil, vez que já eram utilizados de forma subsidiaria. De qualquer modo, os artigos art. 793-A e Art. 793-B não inovam nem atrapalham. O art. 793-C revela a mesma timidez já evidenciada no texto do CPC, resistindo a romper com a lógica do processo como um bom negócio. O art. 793-D, na linha da ânsia punitiva já revelada por alguns setores da própria Justiça do Trabalho, promove ruptura visceral com a origem histórica e os pressupostos do direito e do processo do trabalho por constituir evidente tentativa de intimidação das testemunhas em uma lógica na qual, bem sabemos, não existe isenção. É evidente que as testemunhas, em uma ação trabalhista, não são isentas. As testemunhas que comparecem a pedido do reclamante, via de regra, já trabalharam na empresa demandada, com ela mantendo, portanto, relação que não se resume a questões econômicas, como bem sabemos. A relação de trabalho é também uma relação de troca de afetos, pelo próprio lugar que o trabalho ocupa na vida humana. Por sua vez, as testemunhas convidadas a depor pela demandada, em regra, são empregados que não detém garantia alguma de manutenção no emprego, e seu depoimento, consequentemente, é carregado dessa dependência. Logo, intimidá-la com a possibilidade de multa ou, pior, aplicar tal penalidade, implicaria punir a testemunha por ato que extrapola as suas possibilidades. Não se está aqui, obviamente, defendendo a impunidade por falso testemunho, mas para isso já há

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previsão normativa que preserva o necessário devido processo legal, para que não se constitua um fator de autoritarismo aos juízes, que é, aliás, o que a Lei nº 13.437/17 pretendeu realizar. Importante reconhecer que em uma relação de trato continuado, como é a relação de emprego, muitas vezes a perfeita reprodução oral dos fatos é uma tarefa bastante imprecisa e até por isso mesmo o dever da produção de prova documental recai sobre o empregador. Essa norma em comento, além disso, contraria frontalmente o artigo 5º, LIV, da Constituição Federal, que impede que alguém seja privado de seus bens sem o devido processo legal e o inciso LV do mesmo artigo, que garante o contraditório e a ampla defesa aos "acusados em geral”. Logo, se a testemunha for acusada de mentir em juízo, terá que ter respeitado seu direito de defesa, antes de ser punida, dentro dos padrões legais estabelecidos.

H) A PETIÇÃO INICIAL E A DEFESA O art. 840 foi alterado para dispor que todos os pedidos devem ter a indicação do seu valor (§ 1º), o que a princípio pode parecer positivo, na medida em que estimula a propositura de demandas líquidas. Essa exigência, entretanto, só poderá ser observada quando não impeça o acesso à justiça, na medida em que subsiste o jus postulandi e em que existem muitos direitos que somente podem ser completamente quantificados com a apresentação de documentos que estão em poder da reclamada. Em tais casos não há como exigir da parte que determine o valor. Aliás, de forma geral, os valores fixados na petição inicial entendem-se por meramente indicativos, pois uma liquidação se apresenta materialmente impossível. Quanto à contestação, a regra enxertada no § 3º do art. 841 (“Oferecida a contestação, ainda que eletronicamente, o reclamante não poderá, sem o consentimento do reclamado, desistir da ação”) é uma tentativa de evitar que o reclamante desista da ação após saber dos termos da defesa, considerando que a reclamada teria o interesse no julgamento de mérito que lhe seria favorável. Ocorre que se tomados os fatos e provas documentais constantes do processo o provimento favorável só terá algum valor se repetidas, em outra ação, os mesmos fatos e provas documentais, sendo que a ausência do julgamento não representaria qualquer prejuízo, pois o mesmo efeito se daria em novo processo, ainda mais considerando a prevenção do juízo. Assim, o único efeito benéfico para a reclamada seria a condenação do reclamante em honorários advocatícios, o que inverte a própria finalidade do processo. Desse modo, se o reclamante considera que os termos da defesa impedem o sucesso da sua pretensão, a desistência é a atitude que melhor atende aos objetivos do processo, pensando, inclusive no princípio da economia, assim como nas estratégias de gestão do Judiciário. A regra, portanto, precisa ser compatibilizada com a possibilidade de ampla liberdade na direção do processo, pelo juiz (art. 765), bem como pelo exame dos pressupostos para o prosseguimento do feito, considerando-se, ainda, que a estabilização da demanda ocorre apenas após o vencimento do prazo para a apresentação da defesa, o que se dá, no processo do trabalho, em audiência, após a leitura da petição inicial. Verificando-se que não há interesse no prosseguimento do feito, por parte do demandante, admitir que o processo siga em razão da insistência da demandada seria subverter a própria razão de existência do processo. Não havendo litígio, não há porque manter a demanda judicial. Note-se que essa disposição vai na contramão, inclusive, de toda a lógica de redução de processos que inspira o documento 319 do Banco Mundial, fonte inspiradora das recentes alterações processuais, no CPC e na própria CLT. Já a disposição contida no § 3º do art. 843 não traz uma autêntica novidade. A CLT nunca exigiu a

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condição de empregado, para o preposto. O que ali se exige, e que se mantém, é que ele tenha conhecimento dos fatos. A disposição evidentemente é uma tentativa de superar jurisprudência dominante no TST que, curiosamente, acaba por permitir que os intérpretes do Direito do Trabalho voltem a aplicar a disposição legal. Duas são as funções do preposto, que tornam sua presença em audiência indispensável. A primeira é a capacidade para conciliar em nome da empresa. A segunda, é a de trazer ao juiz elementos que possam esclarecer os fatos controvertidos. Há, claro, o efeito processual, em favor da parte contrária, que é o de confessar. Quando a empresa traz em juízo um “preposto profissional” cria-se uma disparidade no processo, na perspectiva da produção das provas, estabelecendo um benefício exatamente em favor da parte que possui maior aptidão para a prova. Ora, o reclamante, em seu interrogatório, carregando a fragilidade pessoal de estar envolvido emocionalmente no conflito, pode se confundir e, assim, confessar fatos que, concretamente, não se deram da forma “confessada”. Já o preposto profissional, muitas vezes com formação jurídica, transforma o depoimento pessoal em mero ato protocolar. Uma repetição técnica dos termos da defesa. Essa disparidade contraria o princípio do contraditório, inscrito na cláusula do devido processo legal. Além disso, o preposto que não teve contato algum com o empregado em seu ambiente de trabalho, o que desatende, inclusive, a previsão do art. 843, § 1º, da CLT. Ora, quando se diz que o preposto deve ter conhecimento dos fatos, o que se estabelece é que este precisa ter vivenciado os fatos controvertidos e que, ao menos, conheça o reclamante e sua dinâmica do trabalho, não por ter ouvido falar ou por ter lido em algum memorando, e sim por tê-la vivenciado. Chega a ser pueril argumentar que esse conhecimento dos fatos pode ser obtido por meio da leitura dos documentos do processo. Ora, a leitura dos documentos do processo é obrigação do juiz e isso pode ser feito sem o “auxílio” do preposto. Ao se admitir que o conhecimento dos fatos se transforme na leitura e prévia preparação para a audiência, se estaria, em realidade, esvaziando o conteúdo e o sentido do art. 843 da CLT, transformando a audiência em um faz-de-conta que não beneficia as partes litigantes e, muito menos, o Poder Judiciário, enquanto instituição. O preposto faz-de-conta que conhece os fatos, quando em realidade apenas "estudou" o processo (e, portanto, desconhece objetivamente os fatos controvertidos do litígio) e o juiz faz-de-conta que acredita. Assim, empregado, ou não, cumpre ao preposto ter conhecimento dos fatos, na forma concreta acima indicada, sob pena de confissão, nos termos do art. 844 da CLT. No que diz respeito ao art. 844, a alteração proposta é no sentido de que a ausência do reclamante implicará condenação “ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita” (§ 2º), com exigência de pagamento de custas como condição para a propositura de nova demanda (§ 3º). O que a lei não mencionou foi a possibilidade de o reclamante justificar a ausência, para efeito de evitar o pagamento das custas, ou, até mesmo, para desarquivar o processo, sendo que a motivação pode ter até mesmo uma base econômica ou social. O § 5º do art. 844 expressa uma preocupação de proteger a demandada, em caso de revelia, estabelecendo que: “ainda que ausente o reclamado, presente o advogado na audiência, serão aceitos a contestação e os documentos eventualmente apresentados”. A preocupação, no entanto, não foi ao ponto de obstar a consequência jurídica da ausência da parte à audiência, qual seja, a decretação da revelia e a aplicação da consequente pena de confissão, mesmo que presente o seu advogado. O que se disse foi, unicamente, que ausente o reclamante, mas presente o seu advogado, serão aceitos defesa e documentos. O dispositivo, portanto, não se incompatibiliza com a regra do processo do trabalho, segundo a qual a revelia se dá pela ausência do reclamado à audiência, vez a notificação-citatória não tem como

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comando a apresentação de contestação e sim o comparecimento ao juízo. O não comparecimento implica, por si, revelia.

I) O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Inserido no CPC, em um movimento conservador de ruptura com toda a doutrina acerca da responsabilidade patrimonial, e apesar da previsão da IN 39 do TST, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não ingressou na prática das relações processuais de trabalho por uma simples razão: contraria a simplicidade que o inspira e justifica. Se aplicado for o incidente de desconsideração da personalidade jurídica o efeito, certamente, será o de inviabilizar o processo do trabalho, idealizado para ser célere e efetivo. Previsto como condição de possibilidade da persecução do patrimônio do responsável pelos créditos reconhecidos em juízo, altera a compreensão assente desde o Código de 1939, pela qual a responsabilidade constitui matéria a ser aferida na fase de execução apenas quando verificada a incapacidade financeira do devedor, que consta no título executivo. Pois bem, a Lei nº 13.467/17 insiste no erro ao dispor, no art. 855-A, que tal incidente deverá ser aplicado no processo do trabalho. Copiando a previsão do CPC, a lei da “reforma” veio para dizer que a parte pode promover tal incidente inclusive na fase de conhecimento. A inaplicabilidade é medida que se impõe. As demandas que atualmente já contam com a pluralidade no polo passivo, porque versam situação de terceirização ou mesmo quarteirização das atividades, passariam a ser ajuizadas contra as empresas prestadoras e tomadoras do serviço e contra todos os seus sócios. Teríamos, então, demandas com 20, 30, 50 pessoas compondo o polo passivo. Todos teriam que ser devidamente intimados para que o processo tivesse prosseguimento e, obviamente, teriam direito à defesa e à produção da prova. Levar a cabo um processo como esse, de um trabalhador contra um exército de responsáveis, todos muito bem assessorados por advogados diferentes, implicaria, como é fácil imaginar, o colapso da jurisdição trabalhista. Há, portanto, mesmo na fase de execução, nítida incompatibilidade do instituto com o rito processual trabalhista. Note-se que não houve alteração da regra do art. 4º da LEF, que, embora não sendo mais a primeira fonte subsidiaria ao processo do trabalho na fase de execução, sem dúvida segue aplicável, tal como outras legislações alienígenas sempre o foram. Pois bem, esse dispositivo autoriza a realização de atos de execução contra os responsáveis a qualquer título. Nessa categoria incluem-se os tomadores do trabalho. Tem-se, então, a chance de aproveitar a alteração legislativa para resgatar a aplicação da ordem jurídica aos casos de responsabilidade, ultrapassando a disposição da súmula 331 do TST. A responsabilidade subsidiária de que trata esse dispositivo (e a nova redação do art. 2º) nada mais é do que solidariedade com benefício de ordem. O parâmetro legal, no processo do trabalho, para tanto, é o artigo 4º da LEF, que autoriza promoção de atos de execução contra o responsável. O § 3º desse artigo dispõe que “Os responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste artigo, poderão nomear bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida. Os bens dos responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida”. Desse modo, não há necessidade de interposição do incidente e, se não há necessidade, a forma processual em questão não tem porque ser utilizada, pois o princípio processual é o da

instrumentalidade das formas. Isso significa que as formas processuais só se justificam pelos fins que possam gerar no sentido da finalidade própria do processo, que é a de conferir a cada um o que é seu por direito (efetividade). As formas não constituem um direito para a parte, que delas tentam se utilizar pelo bel prazer ou para evitar que o processo atinja sua finalidade.

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Sob a perspectiva do procedimentalmente, portanto, basta que na fase de execução, ao não se encontrarem bens do executado, suficientes para a satisfação da dívida, sejam indicados bens do responsável, para o prosseguimento da execução.

J) A EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO Do mesmo modo, caberá aos intérpretes do Direito a minimização do dano que se pretendeu causar à efetividade do processo trabalhista, por meio das alterações introduzidas no art. 878 da CLT. A nova redação dada a esse artigo refere que a execução será promovida pelas partes. Ora, o processo do trabalho já nasceu concebendo a atuação jurisdicional como uma só, que se inicia com a propositura da demanda e só termina com a entrega do bem da vida ao exequente, em caso de procedência das pretensões. O art. 765 da CLT, que confere ao juiz amplos poderes na condução do processo, aliado à compreensão de que ao pleitear em juízo horas extras, por exemplo, evidentemente a parte pretende a percepção dessas horas e não a declaração formal de que delas é credor, autorizam o juiz a prosseguir emprestando celeridade e efetividade ao processo, mesmo na fase de execução. A previsão de que a execução deverá ser promovida pelas partes, portanto, não retira o dever do juízo de também promover atos de execução, sobretudo utilizando os mecanismos de consulta e localização de patrimônio de que dispõe, a fim de solucionar definitivamente o litígio. Como já admite a doutrina processual civil, a prestação jurisdicional só se completa com a entrega do bem da vida e, portanto, deixar de fazê-lo representa negativa de prestação jurisdicional. Esse artificialismo da Lei nº 13.467/17 poderia facilmente ser corrigido, ademais, com outro artificialismo: o reclamante pleitear na inicial a declaração de seus direitos, a condenação da reclamada ao cumprimento das obrigações e execução caso não satisfeitas dentro dos prazos assinados pelo juiz, nos termos do art. 832, da CLT. A referência, no art. 879, de que "elaborada a conta e tornada líquida, o juízo deverá abrir às partes prazo comum de oito dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão” (§ 2º) suprime a necessidade de dar às partes a oportunidade de apresentar o cálculo. O juízo poderá, portanto, nomear desde logo um contador de sua confiança, para a liquidação da sentença. Por sua vez, a impugnação, por ausência de referência no texto legal, poderá ser feita de forma concomitante à intimação para o pagamento, a fim de evitar desnecessária demora na tramitação do processo. Não se esqueça de que a regra geral de livre condução do processo, contida no art. 765, da CLT, permanece em vigor. Assim, continua valendo o procedimento adotado por inúmeras Varas do Trabalho de intimar a reclamada para a apresentação dos cálculos em 15 (quinze) dias e, no mesmo prazo, efetuar o depósito do valor indicado, sob pena de multa de 10% e envio do processo a perito-contador, para elaboração dos cálculos às custas da reclamada com posterior início imediato da execução com penhora de bens etc. O art. 879 também foi alterado para estabelecer que a “atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial Diária (TRD)” (§ 7º). Sabemos da discussão atual acerca do critério para a atualização dos créditos trabalhistas. A TRD equivale à não atualização dos créditos. Logo, deverá ser afastada no caso concreto, exatamente por não implicar atualização, de modo a negar o escopo que a própria norma possui. Se esse dispositivo trata de atualização monetária, precisará sem dúvida ser integrado por uma compreensão que a ele empreste efetividade. Nesse sentido, é preciso seguir a discussão já existente, no campo jurisprudencial, acerca da necessidade de superação de um dispositivo que não se presta à correção das perdas monetárias e que na realidade prática implica atualização nenhuma para os créditos trabalhistas. Aliás, o TST, até agosto de 2015,

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considerava integralmente válida e constitucional a redação do art. 39 da Lei nº 8.177/91, conforme OJ nº 300 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais daquela Corte. Entretanto, após sucessivos julgados do STF sobre a matéria do índice de atualização monetária aplicável a débitos judiciais (ADIs nºs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, em que foi Relator originário o Exmo. Ministro Carlos Ayres Britto e Redator para o acórdão o Exmo. Ministro Luiz Fux), reverteu seu posicionamento, reconhecendo que a TR (TRD ou índice oficial da poupança) efetivamente não representa mais um índice capaz de projetar a depreciação da moeda ao longo do tempo. Em decisão de 04 de agosto de 2015 (Processo TST - ArgInc - 479-60.2011.5.04.021) em sua composição plenária, o TST decidiu acolher o incidente de inconstitucionalidade suscitado pela Egrégia 7ª Turma do TST, decidindo pela inconstitucionalidade por arrastamento da expressão “equivalente a TRD” contida no caput do artigo 39 da Lei nº 8.177/1991, em controle difuso da constitucionalidade nos autos do processo nº TST - ArgInc - 479-60.2011.5.04.0231. Na linha da orientação vertida pelo TST, a Seção Especializada em Execução do TRT da 4ª Região, nos autos da Execução Trabalhista 0029900-40.2001.5.04.0201 (AP), na sessão de 27 de outubro de 2015, por unanimidade, decidiu acolher a alegação de inconstitucionalidade da expressão “equivalente a TRD” contida no caput do artigo 39 da Lei nº 8.177/1991, em controle difuso de constitucionalidade, determinando a suspensão do processo até o julgamento pelo Tribunal Pleno do incidente de inconstitucionalidade, bem como determinando, por força do princípio de reserva de plenário, o encaminhamento do processo ao Tribunal Pleno para apreciação da questão. Na sessão de 30 de novembro de 2015, o Tribunal Pleno do TRT da 4ª Região, unanimemente, admitiu a União como amicus curiae, nos termos do artigo 482 CPC, e, no mérito, por maioria, em controle difuso de constitucionalidade, declarou a inconstitucionalidade da expressão “equivalente a TRD” contida no caput do artigo 39 da Lei nº 8.177/1991, com a alteração dada pela Lei nº 8.660/1993.

Sob o aspecto da literalidade do art. 39 da Lei 8177 /91, convém ainda observar que não há a indicação

da TR como fator de correção monetária, mas sim como de juros de mora. Logo, não pode ser utilizado como índice de atualização, até porque não há razão outra para a correção monetária, que não a reposição efetiva das perdas sofridas pelo credor, em razão do decurso do tempo para a satisfação de créditos que lhe foram reconhecidos como devidos. Com efeito, a atualização monetária não constitui vantagem financeira, mas sim mera reposição de perdas já experimentadas pelo credor, cujo objetivo é tão somente viabilizar a reparação efetiva do dano já causado, preservando assim o direito de propriedade, reconhecido como fundamental em nossa Constituição. Na hipótese de crédito alimentar, como é o caso do trabalhista (art. 100 da Constituição), a situação é ainda mais grave do que em relação a outros créditos, seja porque a reparação jamais será integral, pois tempo de vida não se restitui com pecúnia, seja porque os alimentos se destinam – como regra – à manutenção da subsistência física do trabalhador e de seus familiares. Basta observarmos que praticamente 50% das demandas trabalhistas ajuizadas versam sobre o pagamento de verbas resilitórias. Pois bem, a regra contida no artigo 39 da Lei nº 8.177/91, naquilo em que determina a utilização da variação acumulada da TRD, vai de encontro ao que foi decidido pelo STF, e inviabiliza essa reparação efetiva do dano, tornando um “bom negócio” o descumprimento de direitos fundamentais trabalhistas. Esse “bom negócio”, porém, tem elevado custo social, porque implica concretamente a redução do poder de consumo e o incentivo ao descumprimento contumaz da ordem jurídica. Constitui, ainda, um grave incentivo ao endividamento. O trabalhador que teve sonegados seus salários precisará, necessariamente, continuar a alimentar a família, vesti-la, pagar moradia, etc. Para satisfazer os débitos daí decorrentes, tantas vezes obriga-se a contrair empréstimo bancário. Para ele, porém, as taxas aplicáveis serão diversas. Não é difícil imaginar o resultado de uma situação como essa que, ao contrário do que se pode a princípio pensar, é o cotidiano do que ocorre nas relações de trabalho no Brasil. Por essas razões, que dizem com a necessária observância de entendimento já reiteradamente adotado pelo STF; com a literalidade do art. 39 da Lei 8.177/91, que segue em vigor; e, especialmente, com a função econômica e social que o instituto da correção monetária exerce, a Justiça do Trabalho deverá continuar reconhecendo como aplicável o IPCA-E. Quanto à alteração do art. 882, segue havendo preferência na ordem de penhora, inclusive para a garantia do juízo. A possibilidade de "apresentação de seguro-garantia judicial” evidentemente está condicionada ao crivo judicial. Tratando-se a executada, de empresa com evidente solidez econômica nada justifica a apresentação de bem que desobedeça a ordem de preferência que, repito, segue sendo a mesma do CPC: dinheiro.

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O art. 883-A estabelece que a “decisão judicial transitada em julgado somente poderá ser levada a protesto, gerar inscrição do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito ou no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, nos termos da Lei, depois de transcorrido o prazo de quarenta e cindo dias a contar da citação do executado, se não houver garantia do juízo”, buscando burlar a efetividade que é própria do processo do trabalho. Não há justificativa para tal proposição, que não a deliberada proteção a quem descumpre a legislação vigente, em uma total inversão da lógica que justifica a própria existência de um ordenamento jurídico sujeito ao chamado monopólio da jurisdição. Nesse aspecto, nada impede que o juiz adote outras medidas capazes de impedir que a executada siga atuando no mercado, mesmo quando inadimplente em relação a crédito alimentar.

L) O DEPÓSITO RECURSAL A tentativa de retirada da exigibilidade do depósito recursal do processo do trabalho não é nova, exatamente porque essa garantia é um dos principais diferenciais do processo trabalhista, que efetivamente estimula a conciliação e torna a demanda em alguma medida desvantajosa para o empregador. A Lei nº 13.467 altera o art. 899 para permitir que o valor do depósito recursal seja reduzido pela metade para entidades sem fins lucrativos, empregadores domésticos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte (§ 9º), isentar sua exigência para os beneficiários da justiça gratuita, as entidades filantrópicas e as empresas em recuperação judicial (§ 10) e autorizar sua substituição por fiança bancária ou seguro garantia judicial (§ 11). Com isso, pretende esvaziar o próprio sentido de existência do depósito recursal, que é a garantia da futura execução. Ora, se houvesse uma preocupação em não onerar indevidamente pequenos empregadores, que se propusesse a prolação de sentenças líquidas, dando maior realidade ao valor exigido como garantia. Não podemos esquecer que a empresa só tem que recolher depósito recursal quando sofre condenação em uma sentença trabalhista devidamente fundamentada, que já examinou de modo aprofundado as alegações das partes e as provas que foram produzidas. Não há, portanto, correspondência desse dispositivo com a função do processo, porque se trata de uma indisfarçada autorização para o descumprimento de decisões judiciais, indo, pois, na contramão da suposta intenção de “modernizar a legislação sem comprometer a segurança de empregados e empregadores”. Aqui, a segurança – parcial, diga-se de passagem – que o empregado tem de que o crédito já reconhecido em decisão de mérito será satisfeito - é mitigada, sem razão alguma. Note-se que ao justificar a alteração proposta para o art. 896-A, afirma-se que “a taxa de congestionamento de processos no Brasil atinge níveis superiores a 85%, segundo dados do Anuário “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, de 2016. Enquanto a taxa de recorribilidade na Justiça Estadual Comum é de 9,5%, na Justiça do Trabalho este número é de 52%. Essas estatísticas se traduzem na vida dos brasileiros em maior demora processual, especialmente no processo do trabalho, sendo que, na Justiça do Trabalho, essa questão é mais crítica por se tratar de verbas alimentares”. Ora, assumindo como verdadeiro o pressuposto para a “reforma”, devemos afastar qualquer tipo de fragilização ou supressão da exigência de depósito recursal. Se há muito recurso em relação às decisões de primeiro grau, a razão é uma só: o contumaz descumprimento de direitos fundamentais trabalhistas. E se a demanda trabalhista versa créditos alimentares, como o próprio relator admite, não há como sustentar, com seriedade, a necessidade de “diminuir o ônus da interposição do recurso, mantendo na economia os valores que seriam objeto de depósito recursal”. Aqui, a resistência necessária passa pelo uso do poder geral de cautela, autorizado tanto pelo art.

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765 da CLT quanto pelo CPC, bem como pelo correto manejo das tutelas de urgência e evidência, cuja aplicação subsidiária ao processo do trabalho parece consenso na doutrina e na jurisprudência. A decisão de mérito no processo do trabalho não tem efeito suspensivo. Ao contrário, a determinação expressa da CLT é que a execução seja sempre promovida, pelo menos até a penhora. Pois bem, com a fragilização imposta ao depósito recursal, nada obsta a determinação imediata de penhora, que é facilitada com a prolação de sentença líquida, mas pode ser realizada mesmo antes do cálculo, com base no valor arbitrado pelo juiz, à condenação. Além disso, o CPC fixa a possibilidade de liberação de dinheiro em execução provisória. Trata-se de autorização legal expressa que já estava contida na redação final do CPC de 1973, em razão de alteração promovida em 2005, que introduziu o artigo 475-0 àquele diploma legal. Em sua atual redação, o dispositivo assim determina o cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo da mesma forma que o cumprimento definitivo (Art. 520), autorizando "o levantamento de depósito em dinheiro” (inciso IV), inclusive sem qualquer garantia (Art. 521). A previsão contida no CPC não encontra correspondência na CLT, complementando, portanto, o quanto preceitua o art. 899 desse diploma legal. Não podemos esquecer que para a racionalidade que inspira a existência de um processo do trabalho, a realização do direito é parte integrante da demanda. E parece certo que há urgência em satisfazer crédito do qual depende a sobrevivência física e psíquica do trabalhador e de seus familiares. Essa é a razão pela qual hoje justifica-se a utilização subsidiária do CPC, no que tange à regra que autoriza a liberação de dinheiro em execução provisória. A razão de ser dos artigos 769 e 889 da CLT encontra-se justamente aí: permitir a integração da norma estranha ao processo do trabalho sempre e somente quando contribuir para a efetividade dos direitos sociais fundamentais trabalhistas. O recurso ordinário não pode constituir óbice à satisfação de crédito alimentar de que dependa o trabalhador. Sobretudo considerando-se que não há no ordenamento jurídico a previsão de tal benesse. A fragilização imposta à garantia da futura execução precisará, portanto, ser enfrentada desde uma perspectiva que resgate essa efetividade. O artigo 899 da CLT, conjugado com os artigos 520 e 521 do CPC, autoriza a constrição e a entrega de valores, como medida capaz de evitar dano irreparável ao direito. Nada obsta, portanto, que em sede de execução provisória, o juiz de imediato determine a penhora do valor integral da condenação (superando, inclusive, a garantia representada pelo depósito recursal). E, em uma perspectiva mais arrojada, nada impede o juiz de inclusive liberar o valor penhorado ao exequente, por se tratar de crédito alimentar ou de estado de necessidade da parte (art. 521).

CONCLUSÃO A tentativa de destruição do espaço de cidadania representado pela Justiça do Trabalho é a prova cabal de que o objetivo da “reforma” não foi modernizar, criar empregos ou valorizar a ação dos sindicatos. Ao contrário, ao final de todo esse movimento de destruição de direitos sociais está o propósito de evitar que os trabalhadores e trabalhadoras possam fazer valer seus direitos e que haja algum controle, por parte do Estado, no sentido de coibir o reiterado desrespeito a direitos fundamentais. O dado, sucessivamente repetido durante os debates sobre a “reforma”, de que há milhões de reclamações na Justiça do Trabalho, representa, antes de tudo, que os propósitos do movimento de acesso à justiça foram razoável e positivamente atendidos na realidade brasileira, pois, fundamentalmente, os institutos processuais criados visavam possibilitar que os titulares dos novos direitos sociais pudessem ter acesso a uma Justiça célere, simples e informal. A grande quantidade de ações, portanto, não é um demérito, muito pelo contrário, que mostra, também, o alto grau de confiabilidade que o Judiciário trabalhista adquiriu sobre a parcela da sociedade

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que historicamente tem sido evitada nos demais ramos do Judiciário. E demostra, igualmente, o quanto ainda os direitos trabalhistas são reiterada e abertamente desrespeitados no Brasil. Nesse ponto, é preciso reconhecer o quanto a própria Justiça do Trabalho, por atuação inadvertida, acabou contribuindo para a ineficácia da legislação trabalhista, ao legitimar conciliações com renúncia a direitos e cláusula de “quitação do extinto contrato de trabalho”, englobando, inclusive, direitos e verbas não discutidos nos autos, e deixando de punir os devedores contumazes. É o momento, pois, de o Judiciário trabalhista se recompor do baque e compreender que os ataques que sofreu constituem, em verdade, os fundamentos para retornar e prosseguir cumprindo o seu papel de impor o respeito aos valores sociais e humanos nas relações de trabalho, revendo, inclusive, os atos que contribuíram para a sensação de impunidade de empregadores com reiteradamente descumprem a legislação do trabalho. Mais uma vez, os profissionais que atuam na Justiça do Trabalho e que, de fato, dão vida e sentido à esta instituição, estão sendo postos à prova e tal qual os autores da Lei nº 13.467/17, que constituiu um ato de terrorismo contra a classe trabalhadora, serão historicamente julgados por seus atos e omissões, vez que o conjunto normativo, como procuramos aqui demonstrar, lhes confere opções. São Paulo/Porto Alegre, 26 de julho de 2017. [i]. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/5011788/eleicao-de-2018-ameaca-reformas-dizem-analistas, acesso em 25/07/17. [ii]. Access to Justice - Mauro Cappelletti and Bryant Garth, Sijthoff and Noordhoff - Alpehna Andenrijin, Dott. A. Giuffrè Editore - Milan, 1978. [iii]. "Accès a la Justice et État-Providence", Economica, Paris, 1984, p. 33. [iv]. Santos, Boaventura de Souza, "Introdução à sociologia da administração da Justiça", in Direito e Justiça, organizador, José Eduardo de Oliveira Faria, São Paulo, Ática, 1989, p. 45-6. [v]. Access to Justice - Mauro Cappelletti and Bryant Garth, Sijthoff and Noordhoff - Alpehna Andenrijin, Dott. A. Giuffrè Editore - Milan, 1978, p. 10. [vi]. "Accesso alla Giustizia come Programa di Riforma e como Metodo de Pensiero", Revista da Universidade Federal de Uberlândia, n. 12, p. 320, 1983.

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A ARBITRAGEM COMO MÉTODO DE RESOLUÇÃO

DOS CONFLITOS TRABALHISTAS

Maria Fernanda Souto Barreto Rezende

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar os fundamentos que legitimam a arbitragem como método adequado para solução de conflitos provenientes da relação de trabalho, valendo-se da legislação brasileira em vigor e do atual entendimento jurisprudencial. Com o novo Código de Processo Civil (CPC), a busca por meios adequados para solução de conflitos de forma pacífica e célere ganhou grande destaque. No procedimento comum, o réu não é mais intimado para responder, mas para

comparecer a uma audiência de conciliação ou de mediação, que passa a ser obrigatória (art. 334, CPC

1). Bem se sabe que o Estado, como prestador de serviços, tem recebido grandes críticas dos seus

usuários. Em todas as instâncias da Justiça do Trabalho, a tramitação de processos encontra diversas dificuldades, com pautas de audiência sempre lotadas e processos que se multiplicam a cada dia mais, com marcações de audiência já para 2019, colocando à prova a tutela do Estado aos direitos trabalhistas. Diante deste cenário, não resta dúvidas do quão importante é a utilização e ampliação da arbitragem, como forma eficaz de solução de conflitos e de desobstrução da Justiça, sem que o princípio do acesso à Justiça e da indisponibilidade dos direitos trabalhistas restem ameaçados. É neste sentido que o presente trabalho se desenvolve. Verificam-se, ainda, as vantagens e desvantagens na utilização da via arbitral na resolução de conflitos trabalhistas no Brasil, bem como uma análise sobre a evolução desse instituto no direito brasileiro e comparado.

1 BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como finalidade fomentar a discussão sobre a validade do instituto da

arbitragem como método de resolução dos conflitos trabalhistas, quer coletivos ou individuais.

A importância do presente tema tem origem na busca, que a cada dia se acentua, em encontrar meios de soluções mais céleres e eficazes na resolução de litígios de qualquer natureza jurídica que possam ser dirimidos por métodos extrajudiciais.

Em um primeiro momento, serão feitas breves considerações acerca dos diversos métodos de resolução de conflitos, perpassando pelos métodos consensuais, adversariais, autocompositivos e heterocompositivos.

A Lei n. 9.307/962 – Lei de Arbitragem - causou um definitivo marco na história da arbitragem no

Brasil, trazendo consigo novos e mais modernos conceitos que proporcionaram um desenvolvimento mais célere na solução de litígios por vias extrajudiciais.

Dessa forma, considerando a Lei de Arbitragem, serão analisados, ainda, os conceitos basilares desse instituto. Como sabido, a arbitragem é um método heterocompositivo de resolução de conflitos, que envolve direitos de natureza disponível/patrimonial, por meio do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, de acordo com as normas aplicáveis e delimitadas no termo de compromisso firmado pelas partes, que deverá ser cumprida pelas mesmas.

Nesse sentido, Mariulza Franco, no artigo “Nova Cultura do Litígio: Necessária Mudança de Postura” traz um posicionamento interessante:

A arbitragem não é modismo, nem panacéia, muito menos mera privatização da jurisdição. Ela se insere perfeitamente no estágio atual de evolução da sociedade, contribuindo, embora em pequena escala, com a paz social, eliminando, de forma célere, a tensão que no processo judicial se mantém por longo tempo. Contribui também, com a evolução do Direito vivo, distanciando-se das regras estratificadas do Direito posto.

3

Na continuação da abordagem, a fim de permitir uma maior compreensão da arbitragem no âmbito trabalhista, será verificada a natureza jurídica dos direitos trabalhistas, assim como dos dissídios individuais e coletivos do trabalho.

Inserida a arbitragem no âmbito do direito do trabalho, tratar-se-á diretamente da possibilidade de aplicação desse instituto em nossa legislação e litígios trabalhistas. Nesse ponto será feita, ainda, uma análise comparativa entre os ordenamentos interno e estrangeiros.

Ao final, passaremos a examinar diversos julgados, contrários e a favor do uso da arbitragem na resolução dos conflitos trabalhistas.

2 BRASIL. Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

3 FRANCO, Mariulza. Nova Cultura do Litígio: Necessária mudança de postura. in Arbitragem: estudos em homenagem ao Prof.

Guido Fernando da Silva Soares, in memoriam. FERREIRA, Selma. CARMONA, Carlos Alberto. MARTINS, Pedro Batista (coord). São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 113

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A pretensão final desse estudo é propor uma reflexão sobre a validade do instituto da arbitragem, com todas as vantagens que ele apresenta, na resolução dos conflitos trabalhistas, que hoje sobrecarregam o judiciário com cerca de nove milhões de processos.

1. MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

1.1 AUTOCOMPOSIÇÃO E HETEROCOMPOSIÇÃO

Os inevitáveis conflitos não podem ficar sem solução e por isso precisam encontrar o melhor caminho para serem administrados e extintos. Para alcançar o caminho mais adequado a cada situação específica, é que se estudam os diversos métodos de resolução de conflitos.

No Brasil, ainda há uma forte tendência para que tais conflitos sejam dirimidos pelo Poder Judiciário. Isso porque, grande parte da sociedade não enxerga a legitimidade do instituto da arbitragem, reduzindo-o a mera instância conciliadora, mas sem qualquer efeito legal ou cogente.

Essa crença em um monopólio do Poder Judiciário no trato da solução das controvérsias está em rota decrescente. De acordo com Pedro A. Batista Martins, não é razoável admitir que apenas a justiça comum, isto é, o Poder Judiciário, possa solucionar os litígios. O autor faz referência a diversos casos em que há a exclusão do Poder Judiciário, sem que com isso deixe de produzir os efeitos legais, é o caso da transação dos direitos, autorizada pela lei, mesmo quando está em curso um processo judicial.

Com a transação, os interessados põem em marcha, sem a interveniência estatal, a autoregulação dos seus interesses individuais, com a resolução do conflito por manifestação própria da vontade. Sob outro prisma, a transação exclui a participação do Estado e, nem por isso, deixa de produzir todos os efeitos legais.

4

Nesse sentido, entende a doutrina que existem dois métodos de resolução de conflitos, que se distinguem em métodos consensuais ou negociais e métodos adversariais ou jurisdicionais.

Os métodos consensuais ou negociais são aqueles em que as próprias partes, fonte primária da resolução de conflitos, encontram as soluções para seus litígios, podendo contar, caso necessário, com o auxílio de um terceiro facilitador imparcial, que não apresentará nenhuma decisão, uma vez que sua responsabilidade se restringe a estimular a manifestação dos envolvidos a fim de que eles mesmos encontrem suas respostas. Dentre eles, podemos destacar: o entendimento direto ou a autocomposição das partes e a mediação.

Já os métodos adversariais ou jurisdicionais, são aqueles em que a solução do conflito é tomada por um terceiro imparcial (juiz ou árbitro) que decide a questão substituindo a vontade das partes. Como exemplo, temos a arbitragem e a solução pelo judiciário. Segundo Roberto Bacellar, “As questões são resolvidas nos limites em que são apresentadas, e o terceiro substitui a vontade das partes e decide conforme estabelecido pela lei ou pela convenção arbitral”

5

É notável que tais métodos se distinguem claramente um do outro. No primeiro caso, o objetivo é a autocomposição das partes, enquanto que no segundo temos a heterocomposição.

4 MARTINS, Pedro A. Batista – Arbitragem no Direito Societário – São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 29

5BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. (Coleção saberes do direito). São Paulo: Saraiva, 2012. p.38.

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O encaminhamento adequado, seja por meio da autocomposição ou da heterocomposição, é que fará com que as soluções também possam ser mais adequadas.

Em outras palavras, significa perceber e utilizar os métodos mais adequados para o tratamento de conflitos (de acordo com sua natureza, com as relações envolvidas, valores, com o grau e intensidade do relacionamento e extensão de seus efeitos perante o grupo familiar, social, dentre outros fatores).

6

1.2 ARBITRAGEM

A doutrina brasileira identifica a presença da arbitragem em nosso sistema jurídico, desde a época em que o país estava submetido à colonização portuguesa.

No entanto, foi com a Constituição Imperial de 18247 (art. 160), que a arbitragem teve sua primeira

regulamentação, estabelecendo que as partes podiam nomear juízes árbitros para solucionar litígios nas causas cíveis e que suas decisões seriam executadas sem recurso, se assim fosse convencionado pelas partes.

Para Pedro A. Batista Martins, a arbitragem é anterior à estruturação de um direito positivo e de uma justiça estatal.

Com efeito, passada a fase da auto-tutela, onde as desavenças eram resolvidas pela força física, os povos de certas comunidades buscam resolver suas diferenças heteronomamente, entregando a um terceiro o poder de determinar o direito e a obrigação de cada parte na disputa.

8

José Augusto Delgado, citando Pedro A. Batista Martins, revela que, em âmbito infraconstitucional, a arbitragem foi, pela primeira vez, introduzida no Brasil, no ano de 1831 e, em seguida, em 1837, para solucionar litígios relativos à locação de serviços, em caráter impositivo ou obrigatório; informa, ainda, que ela foi regulada, em 1850, pelo Decreto nº 737, de 25 de novembro, para ser aplicada em dissídios existentes entre comerciantes, a fim de ser consagrada no Código Comercial:

Ainda nesse mesmo ano, o Código Comercial traz em seu bojo a figura do juízo arbitral e, seguindo a tendência já delineada no passado, prescreve-o de modo obrigatório às questões (i) resultantes de contratos de locação mercantil, (ii) suscitadas pelos sócios, entre si, ou com relação à sociedade, inclusive quanto à liquidação ou partilha, (iii) de direito marítimo, no que toca a pagamento de salvados e sobre avarias, repartição ou rateio das avarias grossas e (iv) relacionadas à quebra.

9

6Ibid. p. 53.

7 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

8 MARTINS, Pedro A. Batista – Arbitragem no Direito Societário – São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 35.

9 Apud, DELGADO, José Augusto. Arbitragem no Brasil – Evolução Histórica e Conceitual. Disponível em

<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/29798-29814-1-PB.pdf> Acesso em 29 abril 2017.

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A partir da Constituição Republicana de 1891, não houve referência a arbitragem em sede constitucional.

A atual Constituição, no entanto, voltou a valorizar tal instituto, quando nos §§ 1º e 2º do art. 11410

, ao tratar dos tribunais e juízes do Trabalho menciona expressamente a possibilidade de que, frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

Atualmente a arbitragem está regulada pela Lei n. 9.307/9611

, Lei de Arbitragem (LA), conhecida como Lei Marco Maciel.

Carlos Alberto Carmona, jurista que integrou a comissão redatora do anteprojeto da Lei de Arbitragem, traz uma conceituação sobre tal instituto:

A arbitragem – meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja para solução de conflitos relativos a direito patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor. Trata-se de mecanismo privado de solução de litígios, por meio do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes.

12

A partir desse conceito, é possível extrair algumas premissas básicas. A primeira delas é que, para que se instaure a arbitragem, é essencial o consentimento das partes: enquanto o juiz retira seu poder da vontade da lei, o árbitro só o conquista pela submissão da vontade das partes. Então é imprescindível a existência de uma convenção de vontades que escolha a arbitragem como mecanismo de solução de controvérsias.

Além disso, temos que a arbitragem é método adequado de resolução de conflitos que tenham como objeto direitos patrimoniais disponíveis, isto é, direitos passíveis de transação, cessão, transferência e até renúncia.

Por fim, também constitui elemento fundamental da arbitragem a força cogente da sentença arbitral. Com relação à eficácia da sentença arbitral, importante destacar o artigo 31 da Lei de Arbitragem, que estabelece que: “A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.

Tal artigo preconiza a tesa da jurisdicionalidade da arbitragem, ao determinar que a decisão dos árbitros produzirá iguais efeitos á decisão estatal, constituindo a sentença arbitral condenatória um título executivo, que mesmo não proveniente do Poder Judiciário, assume hierarquia judicial.

10

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>Acesso em 07 jun. 2017.

11 BRASIL. Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

12 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei º 9.307/96. 3° ed. São Paulo: Atlas S.A., 2009. p. 31.

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Dessa maneira, temos que desde logo, a sentença arbitral produzirá os mesmos efeitos da sentença estatal, conforme defende Carlos Alberto Carmona:

A equiparação entre a sentença estatal e a arbitral faz com que a segunda produza os mesmos efeitos da primeira. Por consequência, além da extinção da relação jurídica processual e da decisão da causa (declaração, condenação ou constituição), a decisão de mérito faz coisa julgada às partes entre as quais é dada (e não beneficiará ou prejudicará terceiros). Sendo condenatória, a sentença arbitral constituirá título executivo e permitirá a constituição de hipoteca judiciária.

13

Segundo a Lei 9.307/96, as partes interessadas poderão se utilizar da arbitragem mediante a convenção de arbitragem. Entende-se por convenção de arbitragem (gênero), que abrange tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral (art. 3º da Lei n. 9.307/96)

14. Ambos têm o poder

de excluir a jurisdição estatal.

Tal lei também prevê que as partes poderão escolher livremente as regras – material e processual – de direito aplicável, podendo ainda optar pela decisão por equidade. Podem também fazer a escolha dos árbitros que irão atuar em seu caso. Importante ressaltar que o árbitro deve proceder com imparcialidade, independência, competência, discrição no exercício de sua atividade e diligência, elementos que constituem vantagens ao instituto da arbitragem.

Nesse sentindo, não há como negar que a arbitragem tem sua base no consenso das partes, prestigiando em grau máximo o princípio da autonomia da vontade.

1.2.1 Modalidades de Arbitragem:

O instituto da arbitragem pode ser classificado em diversas modalidades, a depender dos critérios a serem adotados.

Nesse sentido, o elemento vontade das partes constitui um dos critérios mais conhecidos, classificando o instituto da arbitragem em: arbitragem necessária ou voluntária, ad hoc

15 ou

institucionalizada.

A arbitragem necessária, também conhecida com arbitragem obrigatória, é aquela que se impõem às partes, independentemente de sua vontade. Tal imposição pode resultar da lei (abolida do nosso ordenamento jurídico desde 1866) ou da convenção prévia estipulada pelas mesmas partes, por meio de uma cláusula compromissória (art. 4° da Lei n.9.307/96

16). Nesse caso, as partes ficam legalmente

impedidas de buscar o poder judiciário, que seria normalmente competente para apreciar o litígio.

13

Ibid. p. 393

14 Lei 9.307/96 - Art. 3º - As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante

convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

15 Ad hoc é uma expressão latina que significa “para esta finalidade", “para isso” ou "para este efeito". No contexto jurídico, a

expressão é utilizada quando alguém é designado para executar uma tarefa específica. Significado de Ad hoc. Disponível em <https://www.significados.com.br/ad-hoc/>. Acesso em 07 jun. 2017.

16 Lei n. 9307/96 - Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se

a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

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Para Carmona, a arbitragem obrigatória por imposição legal é um instituto em desuso que tende a ser abolido nos sistemas mais evoluídos. Não obstante, em 2001, houve uma tentativa de reintroduzir no Brasil tal modalidade, porém o dispositivo foi combatido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADIn 3003-5/600-DF.

17

Por outro lado, a arbitragem voluntária ou facultativa, como o próprio nome induz, é aquela criada pela vontade das partes, ao se depararem com algum litígio, fazendo surgir o denominado compromisso arbitral, previsto no art. 9° da Lei de Arbitragem. Nessa modalidade resta evidenciado a predominância do princípio da autonomia da vontade, cabendo as partes optarem por submeter o litígio ao poder judiciário ou a arbitragem.

Quanto à Institucionalizada e a ad hoc, é comum serem apresentadas como subtipos da arbitragem voluntária. Na arbitragem institucional, o procedimento arbitral segue as regras estipuladas por uma instituição especializada, uma Câmara de Arbitragem, instituição esta que será totalmente responsável em administrar o procedimento. Por sua vez, na ad hoc, o tribunal arbitral é constituído por árbitros designados pelas próprias partes e os procedimentos a serem seguidos devem observar as disposições fixadas pelas próprias partes.

Segundo o art. 2° da Lei de Arbitragem18

, o instituto de arbitragem poderá classificado como de direito ou de equidade.

Na arbitragem de direito, os árbitros devem decidir o litígio conforme o direito estrito, ou seja, a decisão arbitral deve estar fundamentada em normas e legislação nacional ou estrangeira, de acordo com a escolha das partes. Por outro lado, é permitido ao árbitro o julgamento por equidade, sem adstrição as normas de direito positivo, que poderão ser afastadas quando consideradas injustas em um caso determinado.

Por fim, é possível classificarmos o instituto da arbitragem em nacional ou doméstica e internacional. Nacional é a arbitragem que envolve sujeitos de um mesmo Estado, enquanto que a arbitragem internacional estará presente em litígios cujos interesses escampam as fronteiras de um país, envolvendo sujeitos de distintos Estados.

1.2.2 Procedimento Arbitral

Para a instituição de um procedimento arbitral, basta que as partes sejam capazes e tenham um interesse mútuo na resolução do conflito pela via arbitral. Uma vez aceita a nomeação pelo árbitro, considera-se instituída a arbitragem.

A lei de arbitragem não exige formalidades para essa aceitação, capaz de ser provada por todos os meios em direito admitidos. Cabe, no entanto, às partes zelar para que se tenha demonstração segura da aceitação pelos árbitros.

Nesse sentido, preconiza Carmona, que a regra é a seguinte:

17

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei º 9.307/96. 3° ed. São Paulo: Atlas S.A., 2009. p. 36.

18 Lei n 9.307/96 - Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes

escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. § 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.

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As partes podem adotar o procedimento que bem entenderem desde que respeitem os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do arbitro e do seu convencimento racional. Se nada dispuserem sobre o procedimento a ser adotado e se não reportarem a regras de algum órgão institucional, cabe ao árbitro ou ao tribunal arbitral ditar as normas a serem seguidas, sempre atendidos os princípios há pouco mencionados, princípios estes que, em última análise, resumem o conteúdo do que, historicamente, acabou sendo conhecido como o devido processo legal.

19

Disso extraímos que a vontade das partes encontra, sim, limitações, quais sejam: a natureza e finalidade da arbitragem e a própria lei.

Ao mesmo tempo em que se prestigia a autonomia da vontade, a arbitragem busca garantir os princípios básicos do devido processo legal. Dessa forma, as partes têm o poder de escolher as regras a serem aplicadas, isto é, o procedimento arbitral, desde que observem e respeitem os princípios do contraditório, da imparcialidade do árbitro, da igualdade das partes etc.

Mas, caso as partes se tornem omissas, nada dispondo sobre o procedimento que desejam adotar, caberá ao árbitro preencher tal lacuna, levando em consideração que sua principal função é buscar o consenso das partes, evitando futuras nulidades.

1.2.3 Direito Patrimonial Disponível

Conforme vimos anteriormente, para a instituição de um procedimento arbitral, é necessário que as partes sejam capazes e tenham interesse mútuo na resolução de um conflito por via arbitral.

Nesse sentido, não basta a capacidade das partes nem o interesse mútuo em submeter aos árbitros um litígio. É necessário, ainda, que tal litígio diga respeito a direito patrimonial disponível. Nessa linha temos o art. 1° da Lei de Arbitragem, vejamos:

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Temos então que o objeto da controvérsia deve versar sobre direito disponível, ou seja, direito que pode ser livremente exercido (alienado ou negociado) pelo seu titular, uma vez que se encontra desembaraçado, tendo por isso o alienante, plena capacidade para dispor desse direito.

De acordo com o art. 852 do Código Civil20

(CC), é vedada a arbitragem quando o objeto do litígio diz respeito a questões de estado, de direito pessoal de família e outros que não tenham caráter estritamente patrimonial.

Seguindo essa perspectiva, as questões relativas ao direito de família não estariam no âmbito do direito patrimonial disponível. No entanto, ao passo que uma demanda que versa sobre o direito de pensão alimentícia refere-se a direito indisponível, por estar na seara do direito de família, não é menos verdade que o quantum da pensão pode ser livremente negociado entre as partes, tornando arbitrável tal questão.

19

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei º 9.307/96. 3° ed. São Paulo: Atlas S.A., 2009. p. 23.

20 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

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Conclui-se então, nos termos de Carmona:

São arbitráveis, portanto, as causas que tratam de matérias a respeito das quais o Estado não crie reserva especifica por conta do resguardo dos interesses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem sobre que controvertem. Pode-se continuar a dizer, na esteira do que dispunha o Código de Processo Civil (art. 1072, revogado), que são arbitráveis as controvérsias a cujo respeito os litigantes podem transigir.

21

2. DIREITOS TRABALHISTAS

2.1 NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS TRABALHISTAS

Conforme abordado anteriormente, a lei da arbitragem, em seu artigo 1º, estabelece que o objeto arbitrável é aquele que se refere a direito patrimonial disponível, isto é, àqueles cujo as partes possam transigir.

Surge então a grande controvérsia que versa apresente monografia, qual seja, identificar a compatibilidade do instituto da arbitragem como mecanismo de resolução dos conflitos trabalhistas.

A questão em análise tem lugar uma vez que o direito do trabalho estabelece inúmeras regras e princípios com o objetivo principal de proteger o empregado, visando a atenuar, no plano jurídico, o desequilíbrio inerente a relação de trabalho.

Existem diversas teorias que buscam definir o conceito de direito do trabalho e divergem quanto a sua natureza. Para o grande jurista Miguel Reale, o direito do trabalho está inserido dentro do ramo de direito público

22, enquanto que para grande parte da doutrina, o direito do trabalho seria uma espécie do

ramo do direito privado.

Essencialmente, a legislação obreira visa a proteger o trabalhador, razão pela qual prevalecem princípios como o da indisponibilidade e irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas.

2.2 INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS

De acordo com o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, é vedado ao empregado renunciar, por sua simples manifestação de vontade, às vantagens e proteções que lhes asseguram a legislação e o contrato.

No entanto, a legislação não inibe toda e qualquer supressão de direitos trabalhistas, senão aquela que emana expressamente de uma renúncia ou transação, vejamos o que defende o jurista Mauricio Godinho Delgado sobre o assunto:

O despojamento restringido pela legislação centra-se fundamentalmente naquele derivado do exercício expresso ou tácito da vontade pelo titular do direito trabalhista (através da renúncia ou da transação, por exemplo). O direito do trabalho não impede, porém, a

21

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei º 9.307/96. 3° ed. São Paulo: Atlas S.A., 2009. p. 39.

22 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 23. Ed. Saraiva: Rio de Janeiro, 1996. p. 349.

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supressão de direitos trabalhistas em face do exercício, pelo devedor trabalhista, de prerrogativa legal (como a arguição de prescrição) ou em face do não exercício, pelo credor trabalhista, de prerrogativa legal ou convencional (como no caso da decadência). Prescrição e decadência gera, pois, a supressão de direitos laborais, sem afronta ao princípio básico da indisponibilidade que caracteriza o direito individual do trabalho.

23

Para o renomado jurista, a indisponibilidade dos direitos trabalhistas pode ser entendida sob duas óticas, quais sejam: a) indisponibilidade absoluta, b) indisponibilidade relativa.

Nesse sentido, será absoluta a indisponibilidade quando o direito em destaque merece uma tutela de interesse público, por “traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico”

24. A título de exemplo, é possível citar o direito a ter a Carteira de Trabalho e

Previdência Social (CTPS) assinada, assim como os direitos relativos a jornada de trabalho, dentre outros, que se refiram a incidência de normas de proteção de saúde e segurança do trabalhador.

Por outro lado, relativa será a indisponibilidade, quando o direito em questão diz respeito a um interesse individual, ou até mesmo bilateral, simples, isto é, que não demande uma tutela de interesse público, por exemplo, a modalidade de salário paga ao empregado, se fixa ou variável.

Dessa forma, de acordo com tal classificação, seria possível concluir que as parcelas de indisponibilidade relativa são passíveis de transação.

2.3 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO

O direito do trabalho regula atualmente as relações de trabalho25

quer no plano das obrigações contratuais de caráter individual, quer no plano mais amplo, dos vínculos estabelecidos entre os entes coletivos. Por essa razão classifica-se o direito do trabalho em dois segmentos – direito individual do trabalho e direito coletivo do trabalho – cada um contando com regras, princípios e institutos próprios.

O direito individual do trabalho é responsável pela regulação do contrato individual de trabalho, fixando direitos e obrigações para ambas as partes.

Dessa forma, o direito individual do trabalho trata da relação de emprego, individualmente considerada, isto é, relação entre empregado e empregador e relações de trabalho em geral.

23

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11° ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 209 e 210.

24 Ibid. p. 211

25 A expressão “relação de trabalho” tem caráter genérico, referindo-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem

sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano, conforme conceituação de Maurício Godinho Delgado. Refere-se, então a toda modalidade de contratação de trabalho, englobando a relação de emprego, relação de trabalho autônomo, eventual, avulso, de estágio etc. Por outro lado, a relação de emprego corresponde a um tipo legal próprio e específico, que reúne os seguintes elementos, quais sejam: a) prestação de trabalho por pessoa física, b) efetuada com pessoalidade pelo trabalhador, c) sob subordinação, d) habitualidade e, e) onerosidade.

Com a emenda constitucional 45 (EC 45/2004), a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada de forma considerável, determinando, nos termos do caput e dos incisos I e IX, do artigo 114 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, bem como outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. PEIXOTO Felipe, Yara. Competência da Justiça do Trabalho e a Súmula do STJ. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-jul-11/atual-competencia-justica-trabalho-sumula-363-stj> Acesso em 06 de junho de 2017.

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O dissídio individual do trabalho, que se materializa por meio da reclamação trabalhista, visa, justamente, a garantia desses direitos presentes na relação entre empregado e empregador e fixados no contrato de trabalho.

Nessa perspectiva, os dissídios individuais discutem interesses individuais de determinadas pessoas, quais sejam, empregado e empregador, visando a aplicação de normas jurídicas existentes, dessa forma é caracterizado pela existência de pretensão pessoal/individual do litigante, ainda que haja mais de um reclamante.

Portanto, independentemente do número de reclamantes, desde que os mesmos pleiteiem pretensões pessoais/individuais, teremos caracterizado um dissídio individual, devendo-se levar em consideração a natureza do conflito e não a quantidade de reclamantes.

2.4 DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

O direito coletivo do trabalho, por sua vez, regula as relações entre organizações coletivas de empregados e empregadores.

Nesse sentido, o direito coletivo do trabalho atua na resolução dos conflitos provenientes das relações em que empregados e empregadores estão coletivamente reunidos, principalmente na forma de entidades sindicais.

O direito coletivo tem um importante papel econômico, uma vez que tem o poder de realizar adequações de regras às particularidades, por meio da negociação coletiva, ajustando à realidade vivenciada no mercado do trabalho, aspectos próprios e até mesmo indisponíveis do direito individual do trabalho.

Os conflitos coletivos de trabalho podem envolver tanto as comunidades específicas de empregados e empregadores, como a categoria como um todo, contrariamente aos conflitos individuais que envolvem pessoas determinadas que pleiteiam interesses próprios. Nesse sentido, argumenta Maurício Godinho:

São distintos dos conflitos meramente interindividuais, que colocam em confronto as partes contratuais trabalhistas isoladamente consideradas (empregado e empregador). Os conflitos interindividuais tendem a abranger aspetos específicos do contrato bilateral entre as partes ou condições especificas da prestação de serviços pelo obreiro, sem que alcancem, regra geral, projeção no seio da comunidade circundante, empresarial e de trabalhadores. É claro que a repetição constante de idênticos ou semelhantes problemas individuais pode assumir dimensão grupal, dando origem, às vezes, a um conflito coletivo trabalhista.

26

O direito coletivo do trabalho apresenta diversos mecanismos de resolução de conflitos, seja por meio da autotutela (greve) ou mesmo por intermédio do poder judiciário.

Como abordado anteriormente, os litígios podem ser solucionados por meio de mecanismos de autocomposição e heterocomposição. A autocomposição ocorre quando as partes autonomamente compõem seus litígios, sem o auxílio de um terceiro. Ao passo que na heterocomposição, por não conseguirem chegar a uma solução autonomamente, as partes entregam a um terceiro que será encarregado de apresentar tal solução.

26

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11° ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 1316.

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Nessa linha, no campo da autocomposição, os dissídios coletivos podem ser ajustados por meio da negociação coletiva de trabalho, através do qual os interessados celebram autonomamente um documento (instrumento coletivo, que pode ser acordo ou convenção) com regras que traduzem os interesses de ambas as partes e que serão a elas aplicadas.

Por outro lado, no âmbito da heterocomposição, as partes coletivas por não chegarem a uma solução autonomamente, entregam o seu litígio a um terceiro, qual seja: o poder judiciário, ou ainda, a arbitragem.

3. ARBITRAGEM NO DIREITO DO TRABALHO

3.1 A ARBITRAGEM TRABALHISTA NO DIREITO COMPARADO

A arbitragem tem sido amplamente regulamentada nos ordenamentos jurídicos internacionais, visando o desenvolvimento de métodos alternativos para resolução de conflitos, inclusive os trabalhistas.

Nesse sentido, com o objetivo de traçar um comparativo entre o ordenamento jurídico interno e internacional no plano da arbitragem trabalhista, analisaremos as legislações dos seguintes países: Estados Unidos, França, Itália e Portugal.

Nos Estados Unidos, a arbitragem foi inicialmente regulamentada pelo Federal Arbitration Act, promulgado em 1925, com destaque para as transações marítimas e comerciais, assim como sucedeu no Brasil.

A referência à arbitragem nos contratos de trabalho começou a ganhar espaço em 1947, propiciada pelo Labor-Management Relations Act. Tratava-se de uma arbitragem informal e barata, uma vez que estava inserida no contexto das relações de trabalho.

De acordo com Jorge Luiz Souto Maior, nos Estados Unidos a arbitragem “não é um modo alternativo de solução de conflitos individuais de trabalho, é o modo único e obrigatório quando o conflito decorre da interpretação e aplicação de direitos inscritos em convenções coletivas.”

27

Não obstante, os americanos também se preocuparam com a condição de hipossuficiência dos trabalhadores, razão pela qual foi apresentada uma reforma da lei a fim de que fossem adotados critérios para avaliar a legitimidade da convenção de arbitragem, tais como: a desigualdade na negociação, a possibilidade de optar por outro método de solução, se a convenção atendia as expectativas do empregado, etc.

Na França, o instituto da arbitragem está previsto no próprio Código de Trabalho francês, no livro IV, que regulamente a inclusão de cláusula compromissória em contratos, acordos e convenções coletivas do trabalho.

Visando à proteção de seus empregados, estipulou-se, ainda, que uma vez detectada a violação à lei ou abuso de poder por parte do árbitro, a sentença arbitral poderá ser anulada perante a Corte Superior de Arbitragem.

Na Itália, a arbitragem trabalhista era totalmente inadmissível, tendo em vista que se referia a matérias não suscetíveis de transação. Ao longo do tempo, diversos decretos legislativos modificaram o

27

Apud, YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para a solução dos conflitos laborais. São Paulo: LTr, 2006. p. 60.

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tratamento dado ao tema, atualmente a arbitragem é amplamente admitida como método de resolução de dissídios coletivos e individuais, desde que previstas no contrato ou acordo coletivo de trabalho.

De acordo com Yoshida, “as decisões arbitrais em matéria trabalhista não podem ser fundadas na equidade e tampouco se admite sejam irrecorríveis. O laudo deve ser proferido no prazo de 180 dias da data da aceitação do árbitro, salvo se as partes estipularem de modo diverso. São nulos os laudos arbitrais fora dos limites do compromisso [...].

28

Por fim, em Portugal, a arbitragem também é admitida para solucionar dissídios coletivos e individuais trabalhistas e está prevista no Código Trabalhista - Lei n.º 7/2009

29, in verbis:

Artigo 529.º Arbitragem - Os conflitos colectivos de trabalho que não resultem da celebração ou revisão de convenção colectiva podem ser dirimidos por arbitragem, nos termos previstos nos artigos 506.º e 507.º. Artigo 506.º Admissibilidade da arbitragem voluntária A todo o tempo, as partes podem acordar em submeter a arbitragem as questões laborais resultantes, nomeadamente, da interpretação, integração, celebração ou revisão de convenção colectiva.

3.2 A ARBITRAGEM TRABALHISTA NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO

O novo Código de Processo Civil, que subsidiariamente é aplicado ao direito do trabalho em caso de omissão da legislação processual trabalhista (art. 769, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT)

30, aumentou a importância e a autonomia das decisões arbitrais, abrindo caminho para seu uso nos

litígios trabalhistas.

Contudo, o primeiro artigo da Lei de Arbitragem, conforme já analisado, parece excluir as demandas trabalhistas do escopo da arbitragem, ao restringir seu objeto a direitos patrimoniais disponíveis.

Não obstante, é possível encontrar na legislação trabalhista diversos dispositivos que mencionam a arbitragem como método de resolução de seus litígios.

Em primeiro lugar, no plano do direito coletivo do trabalho, é possível encontrar referência expressa à arbitragem na própria Constituição Federal, que em seu artigo 114, § 1º

31, dispõe que após frustrada a

negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

28

Ibid. p. 63 e 64.

29 Código do Trabalho. Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Disponível em <

http://www.unl.pt/sites/default/files/codigo_do_trabalho.pdf>. Acesso em 07 de jun 2017.

30 BRASIL. Lei 5.452, de 1° de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

31 Constituição Federal/1988 - Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I as ações oriundas da relação de

trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II as ações que envolvam exercício do direito de greve; III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI as ações de indenização por

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Dessa forma, a Constituição Federal abriu espaço para a arbitragem no direito coletivo do trabalho. A partir de então surgiram diversos diplomas legais que fizeram referência ao processo arbitral na seara trabalhista.

Nesse sentido, podemos mencionar dois dispositivos importantes. Primeiramente temos a Lei do Trabalho Portuário

32 (Lei n. 8.630/93 art. 23, parágrafo 1°), que prevê que em caso de impasse, as

partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais.

Em segundo, porém não menos importante, está o Estatuto do Ministério Público33

(LC n. 75 de 1993) que confere legitimidades aos membros do Ministério Público do Trabalho para aturaram como árbitros, em lides trabalhistas (art. 83, XI).

Temos ainda a Lei de Greve, Lei n. 7.783/8934

, que, em seu artigo 3°, faculta a cessação coletiva do trabalho quando frustrada a negociação ou impossibilitada a via arbitral. O mesmo diploma, em seu artigo 7°, também faz referência ao instituto da arbitragem quando submete as relações obrigacionais, durante o período da greve, ao que estiver redigido por acordo, convenção, decisão judicial ou laudo arbitral.

Por sua vez, a Lei de Participações nos Lucros35

(Lei n. 10.101/2000), ao dispor sobre a aplicação da arbitragem nos impasses trabalhistas, confere força normativa ao laudo arbitral, vejamos:

Art. 4o Caso a negociação visando à participação nos lucros ou resultados da empresa

resulte em impasse, as partes poderão utilizar-se dos seguintes mecanismos de solução do litígio: I - mediação;

II - arbitragem de ofertas finais, utilizando-se, no que couber, os termos da Lei

no 9.307, de 23 de setembro de 1996.

§ 1o Considera-se arbitragem de ofertas finais aquela em que o árbitro deve restringir-se a

optar pela proposta apresentada, em caráter definitivo, por uma das partes. § 2

o O mediador ou o árbitro será escolhido de comum acordo entre as partes.

§ 3o Firmado o compromisso arbitral, não será admitida a desistência unilateral de

qualquer das partes.

dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. § 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. (Grifo meu).

32 BRASIL. Lei 8.630, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das

instalações portuárias e dá outras providencias. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8630.htmimpressao.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

33 BRASIL. Lei complementar n° 75, de 20 de maio de 1993. Dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do

Ministério Público da União. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp75.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

34 BRASIL. Lei 7.783, de 28 de junho de 1989. Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula

o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7783.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

35 BRASIL. Lei 10.101, de 19 de dezembro de 2000. Dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da

empresa e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10101.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

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§ 4o O laudo arbitral terá força normativa, independentemente de homologação

judicial. (Grifo meu)

Cobiçou-se, ainda, a inserção na Lei de Arbitragem de dispositivo que possibilitasse submeter à arbitragem os litígios individuais trabalhistas, quando em 2012 foi instituída uma comissão de juristas com o objetivo de promover a reforma da Lei de Arbitragem. Todavia, restou frustrada tal pretensão.

De acordo com o André Chateaubriand:

A importância do tema reside na crescente eleição da via arbitral em matérias de competência da Justiça do Trabalho, que, por vezes, colide com o entendimento do Superior Tribunal do Trabalho e com a própria essência das leis trabalhistas de proteção do empregado, como também com o instituto da arbitragem, que não se presta para todo e qualquer tipo de disputa.

36

O ordenamento jurídico brasileiro, diferentemente de outros ordenamentos mundo afora, é totalmente omisso quanto ao uso do método arbitral na resolução dos conflitos trabalhistas individuais.

Ao passo que esse silêncio abre espaço para a discussão, gera uma enorme insegurança jurídica, tornando-se um grande obstáculo para o desenvolvimento da arbitragem no direito individual do trabalho.

3.3 ARBITRAGEM COMO MÉTODO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS TRABALHISTAS

A arbitragem, como vimos, é um método de solução de conflitos mediante o qual a decisão, proferida em um laudo arbitral, efetiva-se por um terceiro estranho a relação, qual seja, o árbitro, que dotado de conhecimento especializado no tema em litígio, é capaz de apresentar uma solução mais justa.

No entanto, conforme debatido anteriormente, tal instituto se restringe a regular direitos patrimoniais disponíveis, o que se mostra como um empecilho para sua aplicação na solução dos conflitos trabalhistas, uma vez que os direitos que regulam essa relação laborativa são, via de regra, indisponíveis.

Não obstante a presença de dispositivos em nosso ordenamento jurídico que preveem a aplicação da arbitragem para solucionar litígios trabalhistas, a validade desse mecanismo no direito do trabalho, ainda está longe de ser destituída de incertezas e inseguranças jurídicas.

No entanto, a arbitragem como método de resolução de conflitos coletivos do trabalho, por ter previsão na própria Carta Magna (art. 114, CF) é bem mais aceitável e difundida, o que torna menos questionável a sua aplicação no direito coletivo do trabalho.

Por outro lado, a legislação trabalhista não estabelece qualquer limite ou parâmetro para a eleição da via arbitral nos litígios individuais do trabalho. O silêncio da lei fez surgir diversas interpretações na forma de analisar a validade desse instituto nos contratos individuais de trabalho.

A ausência de tratamento da legislação brasileira sobre o tema gera incertezas e insegurança jurídica. A jurisprudência, no desempenho do relevante papel de aplicar a lei,

36

MARTINS, André Chateaubriand. A Arbitragem nas Relações de Trabalho: Proposta de Tratamento Legislativo. In: Arbitragem e Mediação: a Reforma na Legislação Brasileira/Caio Cesar Vieira Rocha, Luis Felipe Salomão (coordenação). São Paulo, Atlas S.A., 2015. p. 21-41.

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acaba por preencher a lacuna legislativa, realizando interpretação das normas de direito do trabalho a partir de situações que não permitem a construção de um parâmetro seguro para os diversos casos que chegam ao Judiciário. A declaração de invalidade da convenção de arbitragem em determinado caso não deveria se aplicar Omo regra para casos que não guardam as mesmas características fáticas.

37

O renomado jurista Mauricio Godinho Delgado38

aponta que, na direção da incompatibilidade da arbitragem com o direito individual do trabalho, encontra-se a jurisprudência majoritária, inclusive o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST). Vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ARBITRAGEM. DIREITO

INDIVIDUAL DO TRABALHO. INCOMPATIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA

DOMINANTE DO TST. Verificando-se que a decisão agravada guarda consonância

jurisprudência iterativa, notória e atual desta Corte Superior, no sentido de

reconhecer a incompatibilidade do instituto da arbitragem nos dissídios

individuais trabalhistas, deve ser mantido o despacho agravado que denegou seguimento ao Recurso de Revista interposto pela empresa reclamada, por força do disposto no §4º do art. 896 da CLT. Agravo de instrumento improvido. (TST-AIRR: 13579320125010040, Relator: Américo Bede Freire, data de julgamento: 20/08/2014, 6°

Turma, data de publicação: DEJT 22/08/2014). (Grifo meu)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARBITRAGEM. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.

DISSÍDIO INDIVIDUAL TRABALHISTA. RESTRIÇÃO DURANTE A RELAÇÃO

EMPREGATÍCIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. INAPLICABILIDADE

AOS DISSÍDIOS INDIVIDUAIS. Diante da violação do art. 1.º da Lei n.º 9.307/96, determina-se o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. ARBITRAGEM. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. DISSÍDIO INDIVIDUAL TRABALHISTA. RESTRIÇÃO DURANTE A RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL.

INAPLICABILIDADE AOS DISSÍDIOS INDIVIDUAIS. O artigo 1.º da Lei n.º 9.307/96

limita o uso da arbitragem para "dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais

disponíveis". Não é o caso dos direitos sociais do trabalho, que são direitos

indisponíveis e, em sua maioria, de sede constitucional. A cláusula compromissória (artigo 4.º Lei n.º 9.307/96)é anterior ao litígio e acarreta renúncia prévia a direitos indisponíveis. Tal renúncia, na hipótese dos autos, ocorreu na contratação, momento de

clara desproporção de forças entre empregador e trabalhador. Não produz efeitos a

cláusula compromissória arbitral inserida no contrato de trabalho do Reclamante . Recurso de Revista conhecido e provido. (TST – RR: 170400-06.2008.5.15.0008, Relator: Maria de Assis Calsing, data de julgamento: 07/12/2011, 4° Turma, data de

publicação: DEJT 19/12/2011).39

(grifo meu)

ARBITRAGEM. CONFLITO INDIVIDUAL TRABALHISTA. INAPLICABILIDADE.A Lei de

Arbitragem, ao dispor que o instituto se aplica à regulação de direitos patrimoniais

disponíveis, gera irrefutável dificuldade de inserção no direito individual do

trabalhista. Isso porque prevalece a noção de indisponibilidade de direitos

trabalhistas, à luz do princípio da irrenunciabilidade, não tendo validade certa

37

Ibid. p. 21-41.

38 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11° ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 1463.

39 TST – RR: 170400-06.2008.5.15.0008, Relator: Maria de Assis Calsing, data de julgamento: 07/12/2011, 4° Turma, data de

publicação: DEJT 19/12/2011

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decisão de árbitro particular que suprimisse direitos indisponíveis do trabalhador, pois a Carta Magna confere à pessoa humana a sua dignidade no plano social, em que se insere o trabalho, e a absoluta preponderância deste no quadro de valores, princípios e regras imantados pela mesma Constituição. Além disso, inexiste equivalência de poder entre as partes envolvidas nas relações individuais laborativas, sobretudo diante da hipossuficiência do trabalhador submetido ao poder econômico de quem detém o capital e os meios de produção, o que reforça a incompatibilidade da arbitragem com o direito individual do trabalho. Há incompatibilidade entre a regra disposta nos arts. 18 e 31 da Lei de Arbitragem com o preceito clássico de amplo acesso ao Judiciário, assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Carta Magna, o que cerceia até a transação que sobre eles poderia se dar, conforme previsão expressa nos artigos 9º e 468 da CLT. A transação firmada em Juízo Arbitral é insuscetível de operar efeitos jurídicos nesta seara, porque a transgressão de norma cogente importa em nulidade. (TRT-2-RO: 0001601-58.2010.5.01.0471 A28, Relator: Maria Isabel Cuevas Moraes, data de julgamento: 30/09/2014, 4° Turma, data de publicação: 10/10/2014).

40

É possível observar, a partir de tais julgados, que a jurisprudência trabalhista invoca dispositivos legais e princípios gerais de proteção ao trabalhador como forma de invalidar a arbitragem.

Um dos dispositivos celetistas mais invocados é o art. 9° da CLT, que estabelece que "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação".

De acordo com os defensores da incompatibilidade da arbitragem com o direito do trabalho, o mencionado dispositivo é interpretado no sentido de que, por meio da arbitragem, a parte mais forte da relação, isto é, o empregador, desvirtuaria, impediria ou fraudaria os direitos trabalhistas.

Outro dispositivo bastante utilizado para invalidar o instituto da arbitragem nas relações laborativas, é o art. 444 da CLT cumulado como art. 468 da CLT, vejamos:

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

O resultado proveniente da interpretação de tais dispositivos apreciados conjuntamente com os princípios gerais de proteção ao trabalhador acaba sendo no sentido de que as cláusulas compromissórias inseridas em contratos de trabalho devem ser consideradas inválidas, por resultarem em última análise um prejuízo ao trabalhador.

40

TRT-2-RO: 0001601-58.2010.5.01.0471 A28, Relator: Maria Isabel Cuevas Moraes, data de julgamento: 30/09/2014, 4° Turma, data de publicação: 10/10/2014

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Tal interpretação apenas existe porque se leva em consideração a hipossuficiência do empregado e o fato de que os contratos de trabalho se assemelham a um contrato de adesão, que não permite ao empregado negociar com o empregador suas disposições.

Dessa forma, as principais razões pela qual a Doutrina e a jurisprudência dominantes não admitem a arbitragem para solução de conflitos individuais no Direito do Trabalho, são: i) o princípio da irrenunciabilidade e indisponibilidade dos direitos trabalhistas, ii) a hipossuficiência do empregado, iii) o estado de subordinação decorrente do contrato de trabalho que impede que o trabalhador manifeste sua vontade ao aderir a uma cláusula compromissória e por fim, iv) o livre acesso, amplo e irrestrito, do trabalhador ao Judiciário (art. 5º, XXXV da CF/88

41).

No entanto, é preciso propor uma reflexão acerca da seguinte questão: a arbitragem tem força para dizimar ou mesmo atenuar os princípios básicos de proteção ao trabalhador?

De acordo com a jurisprudência do TST, a resposta tem se mostrado positiva. O fundamento para tal entendimento, reiterados em diversos julgados, é de que os direitos trabalhistas são indisponíveis e irrenunciáveis, havendo por isso incompatibilidade insanável da arbitragem com os princípios norteadores do direito do trabalho.

Não obstante, os princípios protetivos, que garantem aos empregados condições mínimas de trabalho, como remuneração, férias, segurança e jornada de trabalho, não podem e não devem ser confundidos com a indisponibilidade e irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e por isso impossíveis de submissão à arbitragem.

A indisponibilidade dos direitos deve ser encarada como uma proteção à renúncias forçadas e não como mera proibição de negociar/transacionar direitos trabalhistas. A flexibilização do direito do trabalho já é pauta no cenário político, econômico e social. A cada dia que passa, o negociado vem ganhado mais espaço sobre o legislado, no Brasil e no mundo. A transação de direitos, aliás, é algo que ocorre diariamente nas Comissões de Conciliação Prévia e nas próprias Varas Trabalhistas.

Seguindo essa exata linha de pensamento, se posicionou o Desembargador Enoque Ribeiro dos Santos, em voto proferido no Recurso Ordinário do processo nº 0011289-92.2013.5.01.0042. Vejamos:

Fato é que nem todos os direitos trabalhistas são, a todo tempo, indisponíveis, pois,

se assim o fossem, jamais poderiam ser objeto de transação ou mesmo de

negociação coletiva de trabalho. Aliás, se todos os direitos gozassem de uma indisponibilidade absoluta intangível, haveria, certamente, um entrave à evolução da

ordem jurídica e social. Na verdade, não há que se falar em indisponibilidade absoluta

de qualquer direito em abstrato, pois é, no caso concreto, que o Judiciário vai aferir se aquele direito é ou não indisponível, analisando-o e ponderando-o com os demais direitos, princípios e normas presentes no ordenamento jurídico.

42

Nesse sentido, pode-se dizer que a irrenunciabilidade é relativa. Se o empregado, titular de direitos, deixa de ajuizar a demanda trabalhista, ele estará renunciando ao seu direito, uma vez que em função do princípio da inércia da jurisdição, não cabe ao juiz agir de ofício, além de que ninguém pode ser compelido a provocar o Poder Judiciário.

41

Constituição Federal/1988 – Art. 5º, inciso XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

42 TRT-1ª R. – RO 0011289-92.20135.01.0042 – Rel. Desembargador Enoque Ribeiro dos Santos. Data de Julgamento:

11/04/2017.

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Por outro lado, se o titular desse direito opta pela arbitragem, ele estará efetivamente buscando a satisfação de seu direito e não o renunciando, como no caso em que deixa de demandar o Poder Judiciário. A arbitragem não requer renúncia ao direito material, que será apreciado pelos árbitros, mas sim a renúncia de um meio de solução, qual seja, o Poder Judiciário.

Dessa forma, é possível concluir que a arbitragem não apresenta qualquer ameaça aos princípios protetivos que informam as relações de trabalho. A realidade prática tem demonstrado que direitos tidos como indisponíveis e irrenunciáveis veem sendo constantemente negociados, seja por meio do autocomposição ou mesmo ante o juízo trabalhista.

A possibilidade do uso da arbitragem para solução de conflitos trabalhistas tem diversos defensores. Dentre eles está o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que durante a abertura da II Conferência Nacional de Mediação e Conciliação, realizada em outubro de 2016, viu essa possibilidade como forma de resolver, o que chamou de “mini guerra civil” entre o empregado e empregador.

Perguntei ao [Ives] Gandra quantos processos tramitam na justiça do trabalho: ele disse que 2 milhões entraram até agosto. Ao todo, tramitam 9 milhões de processos. Isso sugere, de novo, uma mini guerra civil. A guerra entre empregador e empregado. Há algo de errado nesse modelo. Deixamos a solução judicial como que solução única.

43

O ministro estimulou, ainda, o uso da arbitragem ao reconhecer que o veto do dispositivo sobre arbitragem no direito do trabalho, no projeto que reformou a Lei de Arbitragem, já deveria ter sido superado.

O atual presidente no TST, Ministro Ives Gandra Filho, também é adepto dessa linha de pensamento, tendo mencionado em reiteradas decisões que a arbitragem seria uma boa alternativa para desafogar o judiciário.

Diante desse cenário, já é possível visualizar o uso da arbitragem em algumas situações específicas do direito do trabalho. É o caso da aplicação desse instituto para dirimir conflitos entre executivos de altos salários e cargos de diretoria.

No julgamento da Reclamação Trabalhista ajuizada na 76ª Vara do Trabalho de São Paulo, o Juiz Hélcio Luiz Adorno Junior entendeu como válida a cláusula arbitral inserida no contrato de trabalho do Reclamante, um executivo de uma renomada instituição financeira, afastando dessa forma, a presunção de hipossuficiência, frente às peculiaridades do caso. In verbis:

COMPROMISSO ARBITRAL – A indisponibilidade dos direitos trabalhistas e a hipossuficiência do trabalhador são os motivos que têm impedido o reconhecimento da validade da cláusula arbitral no contrato de trabalho. Não é essa, porém, a situação

materializada neste feito. O reclamante tem notável formação acadêmica e exercia a

função de alto executivo da reclamada, para a qual auferia expressivos

vencimentos, como ficou incontroverso. Não pode ser entendido, diante deste

quadro, que foi implicitamente coagido a aceitar os termos do contrato de

gratificação (documento 53 do primeiro volume em apenso), pois detinha todas as

condições para negociar livremente sua contratação. Esse contrato previa o pagamento de bonificação ao reclamante para a hipótese de não se desligar voluntariamente do emprego, exigindo, ainda, a abstenção da prática de atos de concorrência comercial. O bônus em questão é, por evidência, prêmio que se destina a

43

MUNIZ, Mariana. Conflitos trabalhistas colocam país em “mini guerra civil”, diz Gilmar Mendes. Disponível em <https://jota.info/consenso/donflitos-trabalhistas-colocam-pais-em-mini-guerra-civil-diz-gilmar-mendes-05102016>. Acesso em 11 de abril 2017.

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incentivar a permanência de profissionais altamente qualificados no emprego, fugindo do padrão dos títulos de natureza trabalhista. Aplica-se ao caso concreto, assim, o artigo 104 do Código Civil, pois o reclamante aceitou livremente os termos do “plano de retenção” que lhe foram oferecidos. Os agentes deste ato jurídico são capazes, o objeto é lícito e a forma não é defesa em lei, o que valida os termos da contratação. Se o ajuste é válido, o mesmo efeito deve ser reconhecido à cláusula que estipulou a obrigatoriedade de se submeter a solução de eventual litígio à câmara de arbitragem do Rio de Janeiro. A eleição da arbitragem como meio de solução de eventual conflito, feita pelas partes no ato da contratação, é válida. Ficam, portanto, extintos sem resolução do mérito os pedidos de letras “a” e “b” da peça inicial, nos termos do artigo 267, incisos IV e VII, do CPC, diante da presença de pressuposto processual negativo a impedir a válida instauração do processo. (TRT-2ª R. – SENTENÇA DE MÉRITO – 00021863420105020076 – Juiz Hélcio Luiz Adorno Júnior – DOE/SP 01.02.2012).

44

Diferentemente dos precedentes do TST anteriormente citados, o Juízo da 76ª Vara do Trabalho verificou que a manifestação de vontade do reclamante pela arbitragem, foi isenta de qualquer vício, uma vez que o mesmo teria plena condição de negociar o seu contrato de trabalho com o empregador, não sendo possível, portanto, ignorar a cláusula de arbitragem no presente caso.

Seguindo essa perspectiva, analisemos mais um julgado:

ARBITRAGEM – DISSÍDIO INDIVIDUAL – CABIMENTO – Na seara coletiva, sem dúvida alguma, a arbitragem é um procedimento altamente salutar, reconhecido, inclusive, pela constituição federal (art. 114, § 1º). A questão, contudo, merece maiores reflexões no que se refere ao dissídio individual. O art. 1º da Lei nº 9.307/96 é explícito ao afirmar que a arbitragem somente é cabível para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Nesse diapasão, a doutrina e a jurisprudência têm se dividido entre aqueles que repelem totalmente o instituto, em razão da irrenunciabilidade e, consequente, indisponibilidade dos direitos trabalhistas; aqueles que o aceitam em termos e, por fim,

outros que querem aplicá-lo na sua forma mais ampla. A arbitragem no campo

individual trabalhista só deve ser admitida em casos excepcionalíssimos, quando

envolvidos empregados graduados, executivos etc., e estabelecida por

compromisso arbitral, após a eclosão do conflito, mas nunca por cláusula

compromissória, quando da realização do contrato de trabalho, que é um contrato

de adesão, em que o trabalhador não tem condições de negociar em igualdade o

que entende correto. Tais disposições não se chocam com o estatuído pelo princípio da inafastabilidade do poder judiciário para a lesão de qualquer direito, como preceituado no inciso XXXV, artigo 5º da Constituição Federal, visto que o poder judiciário poderá rever a questão, desde que haja evidências da nulidade da sentença arbitral (art. 33 da Lei 9.307/96). (TRT-15ª R. – RO 01048-2004-032-15-00-0 – (09503/2006) – Rel. Juiz Flavio Nunes Campos – DOESP 03.03.2006).

45

Ainda, em recentíssimo julgado do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, o Relator Desembargador Enoque Ribeiro dos Santos, ao encarar uma preliminar de convenção de arbitragem no caso envolvendo o Banco BTG Pactual S.A. e executivo André Henrique Buchheim, reputou como válida a cláusula compromissória, acolhendo e reconhecendo a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a questão antes de submetida ao juízo arbitral, julgando por fim extinto o pedido sem resolução de mérito. In verbis:

44

TRT-2ª R. – SENTENÇA DE MÉRITO – 00021863420105020076 – Juiz Hélcio Luiz Adorno Júnior – DOE/SP 01.02.2012

45 TRT-15ª R. – RO 01048-2004-032-15-00-0 – (09503/2006) – Rel. Juiz Flavio Nunes Campos – DOESP 03.03.2006

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RECURSO DO RECLAMADO. PRELIMINAR DE CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM.

TRANSAÇÃO ENVOLVENDO DIREITOS TRABALHISTAS. POSSIBILIDADE.O fundamento principal para justificar que os direitos trabalhistas são indisponíveis/irrenunciáveis é fulcrado na hipossuficiência/vulnerabilidade do trabalhador. E, é exatamente por isso que o próprio TST, ainda que timidamente, já vem admitindo a arbitragem nos casos em que não se vislumbra esta hipossuficiência, deixando claro que

tal indisponibilidade/irrenunciabilidade não é absoluta. Fato é que nem todos os direitos

trabalhistas são, a todo tempo, indisponíveis, pois, se assim o fossem, jamais

poderiam ser objeto de transação ou mesmo de negociação coletiva de trabalho. Aliás, se todos os direitos gozassem de uma indisponibilidade absoluta intangível, haveria, certamente, um entrave à evolução da ordem jurídica e social. Na verdade, não há que se falar em indisponibilidade absoluta de qualquer direito em abstrato, pois é, no caso concreto, que o Judiciário vai aferir se aquele direito é ou não indisponível, analisando-o e ponderando-o com os demais direitos, princípios e normas presentes no ordenamento jurídico. No caso em questão, a magistrada sentenciante afastou a cláusula de arbitragem prevista no contrato celebrado entre o autor e o réu utilizando como fundamentos a "inafastabilidade da jurisdição" e a "indisponibilidade dos direitos trabalhistas". Quanto à inafastabilidade da jurisdição, esta não é violada com a aplicação da arbitragem, pois o decidido pelo árbitro evidentemente poderá ser apreciado pelo Poder Judiciário. E no que tange à indisponibilidade dos direitos trabalhistas, se está é fulcrada na hipossuficiência/vulnerabilidade do trabalhador, então, obviamente, não tem aplicabilidade no presente caso, eis que o autor era um alto executivo do banco réu, verdadeiro alter ego e detentor de expertise e brain-power financeiro, com vultosos ganhos mensais e vasto conhecimento na área, razão pela qual não se vislumbra qualquer hipossuficiência/vulnerabilidade por parte dele, mas sim sua paridade com a parte adversa. Aliás, é justamente no setor do conhecimento e da informação que a relação jurídica de dependência muitas vezes se inverte, ou seja, é o empregador que fica dependente ou refém do empregado dotado do expertise e neurônios privilegiados, que dá um diferencial ao seu negócio, proporcionando-lhe elevados ganhos financeiros, levando-o a celebrar pactos e aditivos para a manutenção de tais empregados laborando a seu favor. Entendo também que os direitos indisponíveis do empregado se mantêm ao longo de todo o contrato de trabalho, pois, a partir da ruptura deste há uma transmutação dos direitos indisponíveis do empregado em créditos, na esteira do que expressa o art. 11 da CLT e o art. 7o., inciso XXIX da CF/88, o que permite até mesmo a transação entre as partes em

juízo ou fora dele. Portanto, havendo instrumento alternativo entre os canais de

acesso ao sistema de justiça, que não se confunde com acesso à jurisdição, que, na

verdade constitui-se em apenas um entre os vários outros disponíveis ao

empregado na seara laboral, deve-se privilegiar os demais meios de pacificação dos

conflitos individuais e coletivos de trabalho e não rechaçá-los como fez o juízo monocrático, porque de nada vale o discurso, corroborado pelo CPC/2015, se, diante dos casos concretos, na prática, o judiciário ao invés de acolhê-los, os afasta. Preliminar acolhida. (TRT-1ª R. – RO 0011289-92.20135.01.0042 – Rel. Desembargador Enoque Ribeiro dos Santos. Data de Julgamento: 11/04/2017)

46

No caso em questão, o juízo de primeiro grau rejeitou a aplicação da cláusula de arbitragem prevista no contrato celebrado entre o autor e o réu, tendo por base os princípios da inafastabilidade da jurisdição e da indisponibilidade dos direitos trabalhistas.

No entanto, conforme já citado anteriormente, o fato de submeter determinada demanda ao juízo arbitral não enseja uma violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, tendo em vista que o decidido pelo árbitro evidentemente poderá ser apreciado pelo Poder Judiciário, em um momento posterior, caso necessário seja.

46

TRT-1ª R. – RO 0011289-92.20135.01.0042 – Rel. Desembargador Enoque Ribeiro dos Santos. Data de Julgamento: 11/04/2017

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No que diz respeito a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, destacou o Des. Enoque Ribeiro dos Santos, que por trata-se de alto executivo não resta vislumbrado qualquer hipossufiência/vulnerabilidade, razão pela qual tal fundamento não deve constituir um entrave a submissão da demanda à arbitragem, vejamos:

E, no que tange à indisponibilidade dos direitos trabalhistas, se está é fulcrada na hipossuficiência/vulnerabilidade do trabalhador, então, obviamente, não tem aplicabilidade no presente caso, eis que o autor era um alto executivo do banco réu, verdadeiro alter ego do empregador, possuidor do brainpower e expertise financeiro, com vultosos ganhos

mensais (Ids. 44645Ef, b2e4b67, d852b66) e vasto conhecimento na área, razão pela

qual não se vislumbra qualquer hipossuficiência/vulnerabilidade por parte dele, mas

sim sua paridade com a parte adversa. Aliás, é justamente no setor do conhecimento e

da informação que a relação jurídica de dependência muitas vezes se inverte, ou seja, é o

empregador que fica dependente ou refém do empregado dotado do expertise e

neurônios privilegiados, que dá um diferencial ao seu negócio, proporcionando-lhe elevados ganhos financeiros, levando-o a celebrar pactos e aditivos para a manutenção de tais empregados laborando a seu favor. Entendo também que os direitos indisponíveis do

empregado se mantêm ao longo de todo o contrato de trabalho, pois, a partir da ruptura

deste há uma transmutação dos direitos indisponíveis do empregado em créditos,

na esteira do que expressa o art. 11 da CLT e o art. 7o., inciso XXIX da CF/88, o que

permite até mesmo a transação entre as partes em juízo ou fora dele. Portanto, havendo instrumento alternativo entre os canais de acesso ao sistema de justiça, que não se confunde com acesso à jurisdição, que, na verdade constitui-se em apenas um entre os vários outros disponíveis ao empregado na seara laboral, deve-se privilegiar os demais meios de pacificação dos conflitos individuais e coletivos de trabalho e não rechaçá-los como fez o juízo monocrático, porque de nada vale o discurso, corroborado pelo CPC/2015, se, diante dos casos concretos, na prática, o judiciário ao invés de acolhê-los, os afasta.

47

A análise das jurisprudências deixa claro que o bloqueio à arbitragem nas relações de trabalho pode ser facilmente afastado em casos específicos, sem que para isso, haja violação a princípios, valores e normas gerais de proteção ao empregado.

Nesse contexto, é possível observar que existe um tratamento diferenciado para diretores e altos executivos, uma vez que a realidade desses profissionais, que exercem funções de mando e gestão, foge da realidade dos empregados, subordinados e vulneráveis ao empregador.

Por esse motivo, de acordo com André Chateaubriand, a Comissão de Juristas responsáveis por promover a reforma da Lei de arbitragem, propôs ao Congresso Nacional que sancionasse dispositivo que possibilitava a pactuação de cláusula compromissória em contratos celebrados entre empresas e diretores e administradores que possuam poderes de mando e gestão. Segue o teor do dispositivo proposto:

Art. 1ª [ ... ] § 4ª Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar, expressamente, com a sua instituição.

48

47

Ibid. Acórdão p. 15.

48 MARTINS, André Chateaubriand. A Arbitragem nas Relações de Trabalho: Proposta de Tratamento Legislativo. In: Arbitragem

e Mediação: a Reforma na Legislação Brasileira/Caio Cesar Vieira Rocha, Luis Felipe Salomão (coordenação). São Paulo, Atlas S.A., 2015. p. 21-41.

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Mesmo rejeitado, esse dispositivo tende a prevalecer na realidade prática, uma vez que, além de garantir um julgamento célere, especializado e confidencial, garante a manifestação de vontade válida sem que haja qualquer vício de consentimento que justifique sua rejeição.

A garantia de um julgamento célere, especializado e confidencial constitui vantagens apresentadas pelo instituto da arbitragem. A sentença arbitral é proferida dentro do prazo determinado pelas próprias partes e em caso de omissão deverá ser proferida dentro de seis meses. A demanda por um julgamento célere é de enorme interesse na busca pela solução dos litígios trabalhistas, tendo em vista a natureza alimentícia de suas verbas.

No entanto, os Tribunais Trabalhistas, no mais célere dos processos, leva cerca de três anos para apresentar uma solução, razão pela qual a eleição da via arbitral se perfaz com mais adequada.

Outra vantagem de extrema importância que a arbitragem apresenta é a especialidade, cada árbitro, eleito pelas partes, é especializado no assunto que irá julgar, produzindo decisões mais apropriadas para as demandas apresentadas. Apesar de a justiça do trabalho ser considerada uma justiça especializada, há demandas que requerem um conhecimento mais especifico, como é o caso das demandas trabalhistas que envolvem empregados marítimos, propriedade intelectual, concorrência desleal, justas causas detalhadas, cabendo ao julgador ter um conhecimento de regras específicas que regem tais categorias.

No caso do uso da arbitragem para dirimir conflitos que envolvem empregados de alto escalão, isto é, diretores, gerentes e administradores que possuam poderes de mando e gestão, estes poderiam se beneficiar da confidencialidade e sigilo que a arbitragem oferece, ficando as partes, seus dados e o objeto do conflito, protegidos de eventuais exposições, ao contrário do que ocorre nos processos judiciais, que, via de regra, são públicos.

Nesse sentido preleciona Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho:

As notícias correm muito rapidamente no mundo corporativo e uma dispensa de um executivo em razão de maus resultados seguramente afetará negativamente a sua imagem no mercado, reduzindo suas possibilidades de contratação. Essa realidade perversa é a grande responsável pelo reduzido número de ações ajuizadas por executivos. Nos poucos casos em que decide enfrentar o risco de não obter sua recolocação no mercado de trabalho e ingressa com ação no judiciário, o executivo depara-se com uma forma diferente de preconceito, recebendo de diversos juízes tratamento diferente daquele que seria dado a um trabalhador que enfrentasse problema absolutamente idêntico, mas percebesse salário bastante inferior. Parece que a lei que se lhes é aplicável é diferente da lei aplicável a outros trabalhadores.

49

Nesse contexto, o instituto da arbitragem torna possível a preservação da imagem do diretor/gerente/administrador envolvido, além de viabilizar um julgamento especializado e célere.

Não é apenas no contexto das relações de trabalho que envolve empregados com cargo de gestão que a arbitragem trabalhista vem sendo admitida. A jurisprudência tem aceitado como válida e eficaz a decisão proferida pelo juízo arbitral, quando demonstrada a inexistência de vício de manifestação das partes. Nesse sentido analisemos o seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. JUÍZO ARBITRAL. COISA

JULGADA. LEI Nº 9.307/96. CONSTITUCIONALIDADE. O art. 5º, XXXV, da Constituição

49

Apud, MARTINS, André Chateaubriand. A Arbitragem nas Relações de Trabalho: Proposta de Tratamento Legislativo. In: Arbitragem e Mediação: a Reforma na Legislação Brasileira/Caio Cesar Vieira Rocha, Luis Felipe Salomão (coordenação). São Paulo, Atlas S.A., 2015. p. 21-41.

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Federal dispõe sobre a garantia constitucional da universalidade da jurisdição, a qual, por definir que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder

Judiciário, não se incompatibiliza com o compromisso arbitral e os efeitos de coisa

julgada de que trata a Lei nº 9.307/96. É que a arbitragem se caracteriza como forma

alternativa de prevenção ou solução de conflitos à qual as partes aderem, por força

de suas próprias vontades, e o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal não impõe o direito à ação como um dever, no sentido de que todo e qualquer litígio deve ser

submetido ao Poder Judiciário. Dessa forma, as partes, ao adotarem a arbitragem, tão-

só por isso, não praticam ato de lesão ou ameaça à direito. Assim, reconhecido pela Corte Regional que a sentença arbitral foi proferida nos termos da lei e que não há vício na decisão proferida pelo juízo arbitral, não se há de falar em afronta ao mencionado dispositivo constitucional ou em inconstitucionalidade da Lei nº 9.307/96. Despicienda a discussão em torno dos arts. 940 do Código Civil e 477 da CLT ou de que o termo de arbitragem não é válido por falta de juntada de documentos, haja vista que reconhecido pelo Tribunal Regional que a sentença arbitral observou os termos da Lei nº 9.307/96 - a qual não exige a observação daqueles dispositivos legais - e não tratou da necessidade de apresentação de documentos (aplicação das Súmulas nºs 126 e 422 do TST). Os arestos apresentados para confronto de teses são inservíveis, a teor da alínea -a- do artigo 896 da CLT e da Súmula nº 296 desta Corte. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AIRR - 1475/2000-193-05-00.7 , Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 15/10/2008, 7ª Turma, Data de Publicação: 17/10/2008)

50.

No julgado supracitado, o Tribunal Regional declarou como válida e eficaz a sentença decorrente da heterocomposição, produzindo o efeito de coisa julgada entre as partes, tendo em vista a ausência de vício na decisão proferida pelo juízo arbitral.

A reclamante, em suas razões de recurso de revista, alegou que a decisão regional, ao concluir pela coisa julgada e extinguir o processo, fundamentada em acordo extrajudicial de arbitragem, violava os arts. 5º, XXXV, da Constituição Federal; 940 do Código Civil; e 477, § 2º, da CLT.

Não entanto, os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negaram o provimento ao agravo de instrumento, sob o fundamento de que a arbitragem se caracteriza como forma alternativa de prevenção ou solução de conflitos à qual as partes aderem, por força de suas próprias vontades.

As partes, por conseguinte, têm a faculdade de renunciar ao seu direito de recorrer à Justiça ou de exercer o seu direito de ação, visto que o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal não impõe o direito à ação como um dever, no sentido de que todo e qualquer litígio deve ser submetido ao Poder Judiciário. Dessa forma, as partes, ao adotarem a arbitragem, tão-só por isso, não praticam ato de lesão ou ameaça a direito. Assim, reconhecido pela Corte Regional que a sentença arbitral foi proferida nos termos da lei e que não há vício na decisão proferida pelo juízo arbitral, não se há de falar em afronta ao mencionado dispositivo constitucional ou em inconstitucionalidade da Lei nº 9.307/96.

51

Nesse sentido, vem a calhar o seguinte precedente da Corte Suprema Trabalhista:

50

TST - AIRR - 1475/2000-193-05-00.7, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 15/10/2008, 7ª Turma, Data de Publicação: 17/10/2008

51 TST - AIRR - 1475/2000-193-05-00.7, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 15/10/2008, 7ª Turma, Data

de Publicação: 17/10/2008. Acórdão da Sétima Turma do TST. Disponível em:<http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight=true&numeroFormatado=AIRR%20%2014750016.2000.5.05.0193&base=acordao&numProcInt=97659&anoProcInt=2002&dataPublicacao=17/10/2008%2007:00:00&query>. Acesso em: 24 abril 2017.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO.

ARBITRAGEM. VALIDADE. O Regional evidencia que a transação ocorreu sem

qualquer irregularidade ou controvérsia acerca dos direitos indisponíveis,

considerando, ainda, a autonomia das partes. Além disso, tratando-se de modo

alternativo de solução de conflitos, a escolha da arbitragem, não viola o art. 5º, XXXV,

da Lei Maior. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (AIRR - 72491/2002-900-02-00.3 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 18/02/2009, 3ª Turma, Data de Publicação: 27/03/2009).

52

Em ambos os julgados do TST, evidencia-se que não há nenhum registro sobre possível vício de consentimento do reclamante, ao eleger, após a extinção do contrato de trabalho, a arbitragem como meio de composição de conflito trabalhista, não se sustentando, dessa forma, a conclusão sobre a nulidade do acordo firmado pelas partes perante o Tribunal Arbitral.

Muito embora tais julgados aceitem a arbitragem trabalhista, a jurisprudência dominante firma-se no sentido de que é inválida a utilização de arbitragem como método de resolução dos dissídios individuais trabalhistas.

Enquanto a cláusula compromissória não é pacificamente admitida nos contratos de trabalho, a jurisprudência passou a admiti-la após a extinção do contrato de trabalho com o encerramento do vínculo empregatício. Nesse sentido, um caso de grande repercussão foi julgado em 2010 pela 4° turma do TST, vejamos:

RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA - PRELIMINAR DE NULIDADE POR

NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. I - Compulsando o acórdão impugnado e o acórdão dos embargos de declaração, sobressai a certeza de o Colegiado de origem ter enfrentado todas as questões relevantes para o deslinde da controvérsia, invocando para tanto fundamentos pertinentes que o levaram à formação do seu convencimento, na esteira do artigo 131 do CPC, infirmando-se desse modo a denúncia de negativa de

prestação jurisdicional. II - Não é demais enfatizar que, à luz do princípio da persuasão racional, cabe ao juízo dar os motivos jurídico-factuais do seu convencimento, estando desobrigado, assim, de apreciar e rebater todos os argumentos colocados pelas partes, visto que o comando constitucional acerca da fundamentação das decisões judiciais não

implica interlocução sequenciada e interminável com o magistrado. III - De toda sorte, ainda que se aceitasse a agigantada versão de a decisão impugnada não primar pelo exaustivo exame de todas as matérias que lhe foram submetidas, inclusive daquelas que o foram por meio de embargos de declaração, remanescem elementos jurídico-factuais a

permitir a ampla atividade cognitiva do TST. Recurso de revista não conhecido. DISSÍDIO

INDIVIDUAL - SENTENÇA ARBITRAL – VALIDADE – EFEITOS - EXTINÇÃO DO

PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO – ART. 267, VII, DO CPC. I –O art. 1º da

Lei nº 9.307/96, ao estabelecer ser a arbitragem meio adequado para dirimir litígios

relativos a direitos patrimoniais disponíveis, não se constitui em óbice absoluto à

sua aplicação nos dissídios individuais decorrentes da relação de emprego. II - Isso porque o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas deve ser examinado a partir de momentos temporais distintos, relacionados, respectivamente, com o ato da

admissão do empregado, com a vigência da pactuação e a sua posterior dissolução. III - Nesse sentido, sobressai o relevo institucional do ato de contratação do empregado e da vigência do contrato de trabalho, em função do qual impõe-se realçar a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, visto que, numa e noutra situação, é nítida a posição de inferioridade econômica do empregado, circunstância que dilucida a evidência de seu eventual consentimento achar-se intrinsecamente maculado por essa difusa e

52

AIRR - 72491/2002-900-02-00.3 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 18/02/2009, 3ª Turma, Data de Publicação: 27/03/2009

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incontornável superioridade de quem está em vias de o contratar ou já o tenha contratado.

IV - Isso porque o contrato de emprego identifica-se com os contratos de adesão, atraindo a nulidade das chamadas cláusulas leoninas, a teor do 424 do Código Civil de 2002, com as quais guarda íntima correlação eventual cláusula compromissória de eleição da via arbitral, para solução de possíveis conflitos trabalhistas, no ato da admissão do trabalhador ou na constância do pacto, a qual por isso mesmo se afigura jurídica e

legalmente inválida. V - Diferentemente dessas situações contemporâneas à contratação do empregado e à vigência da pactuação, cabe destacar que, após a dissolução do contrato de trabalho, acha-se minimizada a sua vulnerabilidade oriunda da sua hipossuficiência econômico-financeira, na medida em que se esgarçam significativamente os laços de dependência e subordinação do trabalhador face àquele que o pretenda admitir ou que já o tenha admitido, cujos direitos trabalhistas, por conta da sua

patrimonialidade, passam a ostentar relativa disponibilidade. VI - Desse modo, não se

depara, previamente, com nenhum óbice intransponível para que ex-empregado e

ex-empregador possam eleger a via arbitral para solucionar conflitos trabalhistas,

provenientes do extinto contrato de trabalho, desde que essa opção seja

manifestada em clima de ampla liberdade, reservado o acesso ao Judiciário para

dirimir possível controvérsia sobre a higidez da manifestação volitiva do ex-

trabalhador, na esteira do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição. VII - Tendo em conta que no acórdão impugnado não há nenhum registro sobre eventual vício de consentimento do recorrido, ao eleger, após a extinção do contrato de trabalho, a arbitragem como meio de composição de conflito trabalhista, uma vez que a tese ali sufragada ficara circunscrita à inadmissibilidade da solução arbitral em sede de dissídio individual, não se sustenta a conclusão ali exarada sobre a nulidade do acordo firmado

pelas partes perante o Tribunal Arbitral. Recurso conhecido e provido. LITIGÂNCIA DE

MÁ-FÉ. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 17, INCISO VII, 18, 538, § ÚNICO DO CPC E 5º, LV

DA CONSTITUIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. I - Apesar de o Regional no acórdão que julgou os embargos de declaração ter aplicado a multa de 1% à recorrente, mediante remissão à litigância de má-fé do art. 17, VII, do CPC, extrai-se do registro ali contido sobre o intuito protelatório que os presidira tê-la aplicado, na realidade, com respaldo no

art. 538, Parágrafo Único do CPC. II - Tendo em vista o erro material em que incorrera o Colegiado de origem na tipificação legal a multa então imposta à recorrente, não se vislumbra violação aos arts. 17, VII e 18 do CPC, tampouco o art. 5º, LV, da Constituição, até porque aquela, se tivesse ocorrido, o teria sido no máximo por via reflexa, insuscetível

de pavimentar o acesso ao TST, a teor do art. 896, alínea "c", da CLT. III - Salientada a inocorrência de negativa de prestação jurisdicional, com a rejeição dos embargos de declaração, uma vez que no acórdão então embargado o Regional se pronunciara sobre todas as questões relevantes para o deslinde da controvérsia, na esteira do art. 131 do CPC, sobressai o intuito procrastinatório que os orientara, não se divisando desse modo à

alegada ofensa ao art. 538, Parágrafo Único do CPC. IV - A partir da constatação factual de que o acórdão então embargado não padecia de nenhum dos vícios do art. 535 do CPC, agiganta-se a inespecificidade dos arestos trazidos à colação, a teor da Súmula nº 296, em virtude de eles terem enfocado premissas fáticas indiscerníveis naquela decisão, arestos por isso mesmo só inteligíveis dentro dos respectivos contextos processuais de que emanaram. Recurso não conhecido.(TST - RR/144300-80.2005.5.02.0040 - Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, Data do Julgamento: 15/12/2010, 4° Turma, Data de Publicação: 04/02/2011).

53

Nesse caso emblemático, a arbitragem foi eleita após a rescisão do contrato de trabalho, não havendo por isso, qualquer vício na manifestação de vontade das partes.

53

TST - RR/144300-80.2005.5.02.0040 - Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, Data do Julgamento: 15/12/2010, 4° Turma, Data de Publicação: 04/02/2011.

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Houve acordo homologado no juízo arbitral, em razão do qual foi sustentado que haveria coisa julgada e que os direitos trabalhistas não seriam infensos à transação posteriormente ao fim do vínculo empregatício.

Não obstante, o juízo de segunda instância manteve a sentença de primeiro grau, afastando a solução de conflito individual trabalhista através da arbitragem, sob o argumento de ser permitido apenas para solução de litígio coletivo.

A Corte Superior entendeu de forma diversa, reformando o acórdão para estabelecer a arbitragem como meio adequado para dirimir conflitos trabalhistas após a dissolução do contrato de trabalho sob o argumento de que se encontra minimizada a vulnerabilidade do empregado, oriunda da sua hipossuficiência econômico-financeira, na medida em que, uma vez findo o contrato de trabalho, cortado estão os laços de dependência e subordinação do trabalhador.

Tendo a dependência e a subordinação, elementos que viciam a manifestação de vontade no momento da celebração do contrato, deixado de existir, a eleição pela via arbitral configura-se como válida.

Nesse sentido, o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma Ação Civil Pública (Nº TST-E-ED-RR-25900-67.2008.5.03.0075) em face de pessoa jurídica de direito privado denominada "Câmara de Mediação e Arbitragem de Minas Gerais S/S Ltda., com o objetivo de impor obrigação de abster-se de promover a arbitragem de conflitos no âmbito das relações de emprego. In verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. CÂMARA DE

ARBITRAGEM. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ABSTENÇÃO DA

PRÁTICA DE ARBITRAGEM NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE EMPREGO. 1.Controvérsia estabelecida nos autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, em que se busca impor a pessoa jurídica de direito privado obrigação de abster-se de promover a arbitragem de conflitos no âmbito das relações de

emprego. 2. Acórdão proferido por Turma do TST que, a despeito de prover

parcialmente recurso de revista interposto pelo Parquet, chancela a atividade de

arbitragem em relação ao período posterior à dissolução dos contratos de

trabalho, desde que respeitada a livre manifestação de vontade do ex-empregado e

garantido o acesso irrestrito ao Poder Judiciário. Adoção de entendimento em que se sustenta a disponibilidade relativa dos direitos individuais trabalhistas, após a extinção do vínculo empregatício. 3. Seja sob a ótica do artigo 114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, seja à luz do artigo 1º da Lei nº 9.307/1996, o instituto da arbitragem não se aplica como forma de solução de conflitos individuais trabalhistas. Mesmo no tocante às prestações decorrentes do contrato de trabalho passíveis de transação ou renúncia, a manifestação de vontade do empregado, individualmente considerado, há que ser apreciada com naturais reservas, e deve necessariamente submeter-se ao crivo da Justiça do Trabalho ou à tutela sindical, mediante a celebração de válida negociação coletiva. Inteligência dos artigos 7º, XXVI, e 114, I, da Constituição Federal. 4 . Em regra, a hipossuficiência econômica ínsita à condição de empregado interfere no livre arbítrio individual. Daí a necessidade de intervenção estatal ou, por expressa autorização constitucional, da entidade de classe representativa da categoria profissional, como meio de evitar o desvirtuamento dos preceitos legais e constitucionais que regem o Direito Individual do Trabalho. Artigo 9º da CLT. 5. O princípio tuitivo do empregado, um dos pilares do Direito do Trabalho, inviabiliza qualquer tentativa de promover-se a arbitragem, nos moldes em que estatuído pela Lei nº 9.307/1996, no âmbito do Direito Individual do Trabalho. Proteção que se estende, inclusive, ao período pós-contratual, abrangidas a homologação da rescisão, a percepção de verbas daí decorrentes e até eventual celebração de acordo com vistas à quitação do extinto contrato de trabalho. A premência da percepção das verbas rescisórias, de natureza alimentar, em momento de particular fragilidade do ex-empregado, frequentemente sujeito à insegurança do desemprego, com maior razão afasta a possibilidade de

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adoção da via arbitral como meio de solução de conflitos individuais trabalhistas, ante o maior comprometimento da vontade do trabalhador diante de tal panorama. 6. A intermediação de pessoa jurídica de direito privado - "câmara de arbitragem" - quer na solução de conflitos, quer na homologação de acordos envolvendo direitos individuais trabalhistas, não se compatibiliza com o modelo de intervencionismo estatal norteador das relações de emprego no Brasil. 7. Embargos do Ministério Público do Trabalho de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento. (TST-E-ED-RR: 259006720085030075, Relator: João Oreste Dalazen, data de julgamento: 16/04/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, data de publicação: DEJT 22/05/2015).

54

No julgado em referência, o TRT da Terceira Região reformou a sentença de primeiro grau para declarar a improcedência de todos os pedidos deduzidos na inicial. Eis o teor do acórdão regional, no que interessa:

(...) A presente ação civil pública tem como propósito obstar a ré de fazer arbitragens trabalhistas. (...) Se o trabalhador, capaz de contratar, opta por solucionar um conflito mediante arbitragem, está no exercício da liberdade de escolher, dentro das hipóteses ofertadas pelo ordenamento jurídico, o que melhor lhe convier. E exerce esta liberdade porque tem personalidade e capacidade jurídica. Está em condições de praticar todos os atos da cidadania, inclusive, é claro, o direito de escolher a arbitragem para a solução de possível conflito. A patrimonialidade da grande maioria dos direitos trabalhistas é um fato de todos conhecido, e pode ser objeto de transação, portanto de arbitragem. Isto nada tem a ver com a irrenunciabilidade. O que está em jogo é a consequência financeiro-econômica do direito e não a sua existência, que não foi excluída pelas partes. Pelo contrário, é graças ao pressuposto da existência do direito que se discutem suas consequências patrimoniais. (...)

Já o acórdão proferido pela quarta turma do TST adotou o entendimento em que se sustenta a disponibilidade relativa dos direitos individuais trabalhistas, após a extinção do vínculo empregatício, dando parcial provimento ao recurso de revista para “impor à ré a obrigação de não fazer, consistente na abstenção de atuar na solução de conflitos trabalhistas, nos casos em que eventual cláusula de eleição da via arbitral tenha sido objeto do contrato de trabalho ou de aditamento ao contrato na vigência da relação de emprego, facultada a sua adoção posteriormente à dissolução da pactuação, observada a higidez da manifestação volitiva do ex-empregado e a ressalva do acesso irrestrito a via judiciária”.

No entanto, o MPT opôs embargos declaratórios, que por sua vez mudaram mais uma vez os rumos do processo, tendo em vista que acordaram os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, vencido o Exmo. Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, conhecer dos embargos, condenando a Reclamada a que se abstivesse de promover amplamente a arbitragem envolvendo direitos individuais trabalhistas, inclusive após a cessação do contrato de trabalho.

Dessa forma concluímos que a aplicação da arbitragem na resolução dos conflitos trabalhistas é uma questão que ainda despertará muita divergência e polêmica entre os juristas e doutrinadores, até

54

TST-E-ED-RR: 259006720085030075, Relator: João Oreste Dalazen, data de julgamento: 16/04/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, data de publicação: DEJT 22/05/2015

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que enfim seja cessada a omissão legislativa a respeito da admissão desse instituto nos dissídios individuais do trabalho.

Caminhando nessa direção, a reforma trabalhista, por meio do Projeto de Lei nº 6.787/201655

, que visa a alterar a Consolidação das Leis do Trabalho, defende a adoção da arbitragem na justiça do trabalho, objetivando a diminuição dos conflitos trabalhistas que são demandados perante a Justiça do Trabalho.

Nesse sentido, o Relator da reforma trabalhista, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), proferiu em parecer da Comissão Especial, que a adoção da arbitragem, apesar de permitida, deverá observar algumas peculiaridades.

Levando-se em consideração a condição de hipossuficiência de boa parte dos empregados, o projeto de lei busca restringir a utilização da arbitragem apenas aos empregados cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social. O que corresponderá a um universo de aproximadamente dois por cento dos empregados.

Além disso, o projeto prevê em seu artigo 507-A, que a inserção de cláusula compromissória de arbitragem no contrato de trabalho dependerá de iniciativa do empregado ou, ao menos, de sua concordância expressa. In verbis:

Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

56

Apesar de ainda pendente aprovação, tal Projeto de Lei pode ser considerado como um dos primeiros passos para efetiva previsão legal da arbitragem como método de resolução dos conflitos trabalhistas.

CONCLUSÃO

Diante da omissão legislativa quanto a validade da arbitragem na resolução dos dissídios individuais do trabalho, já que nos coletivos a Constituição Federal traz expressa autorização, a jurisprudência passou a interpretar os princípios gerais de direito do trabalho de modo a obstaculizar a aplicação do referido instituto como meio de dirimir os conflitos individuais trabalhistas.

55

BRASIL. Projeto de Lei 6787, de 2016. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nºs 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122076>. Acesso em 07 jun. 2017.

56 MARINHO, Rogério. Parecer da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei Nº 6.787, de 2016.

Disponível em: <http://www.poder360.com.br/wpcontent/uploads/2017/04/relatorio-reformaTrabalhista.pdf> Acesso em 29 abril 2017.

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A posição dominante do Tribunal Superior do Trabalho, nossa corte suprema trabalhista, é pela invalidade de cláusula que prevê a aplicação da arbitragem inserida em contrato de trabalho diante da irrenunciabilidade e indisponibilidade dos direitos trabalhistas.

A despeito desse entendimento majoritário, caso de enorme repercussão julgado pelo Ministro Barros Levenhagen da 4ª Turma do TST, passou a admitir a instituição da arbitragem quando extinto o contrato de trabalho, tendo por encerrado o vínculo empregatício, não restando configurada a subordinação jurídica e dependência econômica entre as partes.

A arbitragem trabalhista também vem sendo admitida no contexto das relações de trabalho que envolve empregados com cargo de gestão. A jurisprudência tem aceitado como válida e eficaz a decisão proferida pelo juízo arbitral, quando demonstrada a inexistência de vício de manifestação das partes.

A análise dos acórdãos citados no presente estudo deixa claro que a jurisprudência passou a invocar a irrenunciabilidade e indisponibilidade dos direitos trabalhistas para toda e qualquer situação, sem que houvesse uma prévia análise sobre as peculiaridades que cada caso apresenta. Tais acórdãos deixam evidente que a posição de vulnerabilidade do empregado perante o empregador é o maior impeditivo à aplicação da arbitragem.

Tal situação nos permite chegar à seguinte conclusão, uma vez cessada a subordinação e a dependência econômica, as partes são plenamente capazes de negociar e manifestar livremente sua vontade, optando, assim, pela arbitragem, razão pela qual seria perfeitamente válida a resolução dos litígios trabalhistas pela via arbitral.

Portanto, temos que a posição atual da jurisprudência trabalhista é no sentido de rejeitar a aplicação da arbitragem na resolução de conflitos individuais do trabalho, mas de admitir, em determinadas situações, a validade de tal instituto, quando encerrado o vínculo trabalhista ou quando demonstrada a inexistência de vício de manifestação das partes. Cabe fazer a ressalva de que tal entendimento ainda deve ser reafirmado por outras turmas do TST.

Para concluir, tendo a Justiça do Trabalho o intuito de igualar as partes da relação de trabalho, em face da vulnerabilidade do trabalhador, apresento uma possível solução para tal questão, qual seja, a criação de centros de arbitragem trabalhista paritários, mantidos e organizados em conjunto pelos sindicatos dos empregados e empregadores, garantindo dessa forma, que todas as normas e princípios da Justiça do Trabalho sejam observados e cumpridos.

Desse modo, diante de todo o exposto, é possível concluir que o estudo atingiu sua finalidade na demonstração vantajosa da utilização da arbitragem na resolução dos litígios trabalhistas, sejam coletivos ou individuais, abrindo caminhos para novos debates.

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REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 23. Ed. Saraiva: Rio de Janeiro, 1996. Significado de Ad hoc. Disponível em <https://www.significados.com.br/ad-hoc/>. Acesso em 07 jun. 2017. TRT-1ª R. – RO 0011289-92.20135.01.0042 – Rel. Desembargador Enoque Ribeiro dos Santos. Data de Julgamento: 11/04/2017. TRT-2ª R. – SENTENÇA DE MÉRITO – 00021863420105020076 – Juiz Hélcio Luiz Adorno Júnior – DOE/SP 01.02.2012). TRT-2ª R. - RO: 0001601-58.2010.5.01.0471 A28, Relator: Maria Isabel Cuevas Moraes, data de julgamento: 30/09/2014, 4° Turma, data de publicação: 10/10/2014) TRT-15ª R. – RO 01048-2004-032-15-00-0 – (09503/2006) – Rel. Juiz Flavio Nunes Campos – DOESP 03.03.2006). TST - AIRR - 1475/2000-193-05-00.7 , Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 15/10/2008, 7ª Turma, Data de Publicação: 17/10/2008. Acórdão da Sétima Turma do TST. TST-E-ED-RR: 259006720085030075, Relator: João Oreste Dalazen, data de julgamento: 16/04/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, data de publicação: DEJT 22/05/2015). TST - RR/144300-80.2005.5.02.0040 - Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, Data do Julgamento: 15/12/2010, 4° Turma, Data de Publicação: 04/02/2011). TST - AIRR - 72491/2002-900-02-00.3, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 18/02/2009, 3ª Turma, Data de Publicação: 27/03/2009) TST - AIRR - 1475/2000-193-05-00.7, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 15/10/2008, 7ª Turma, Data de Publicação: 17/10/2008). TST – RR: 170400-06.2008.5.15.0008, Relator: Maria de Assis Calsing, data de julgamento: 07/12/2011, 4° Turma, data de publicação: DEJT 19/12/2011). TST-AIRR: 13579320125010040, Relator: Américo Bede Freire, data de julgamento: 20/08/2014, 6° Turma, data de publicação: DEJT 22/08/2014). VERDE, Giovanni. “Arbitrato e giuruisdizione”, in L’arbitrato secondo la Legge 28/83, Nápoles, Jovenne Editore, 1985, p. 161-182, esp. p. 168, trad. Livre. YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: um novo horizonte para a solução dos conflitos laborais. São Paulo: LTr, 2006.

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A EXECUÇÃO TRABALHISTA DEFORMADA:

CRÍTICA À LEI 13.467/2017

Murilo C. S. Oliveira

Juiz do Trabalho na Bahia,

Especialista e Mestre em Direito pela UFBA,

Doutor em Direito pela UFPR,

Membro do Instituto Baiano de Direito do Trabalho – IBDT,

Professor Adjunto da UFBA.

RESUMO

O texto apresenta, de modo crítico, as mudanças na execução trabalhista feitas pela reforma trabalhista (Lei 13.467/2017). Após a análise do direito intertemporal, discorre sobre as alterações sobre impulso oficial, na liquidação, na garantia do juízo, no prazo alongado para inserção do devedor em cadastro de devedores e outras regras novas que impactam na execução. Da comparação regras processuais similares (Código Processo Civil – CPC (Lei nº 13.105/ 2015) e a própria Lei de Execução Fiscal - LEF (Lei nº 6.830/ 1980)), conclui que as modificações na fase executória são, efetivamente, muito nocivas, apresentando entraves desnecessários para se chegar a efetividade da execução.

1. INTRODUÇÃO A propaganda de “modernização” para as relações de trabalho, veiculada como justificativa para a

reforma trabalhista feita pela Lei 13.467/2017, não resiste a simples comparação dos novos textos legais com as regras processuais de outras aréas do direito. Desta leitura, constata-se que as modificações na fase executória são, efetivamente, muito nocivas, apresentando entraves desnecessários para se chegar a efetividade da execução, o que se conclui por meio da comparação com o Código Processo Civil – CPC (Lei nº 13.105/ 2015) e a própria Lei de Execução Fiscal - LEF (Lei nº 6.830/ 1980).

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É também estranho que logo a execução da Justiça do Trabalho - aquela que tem alcançado os melhores índices e resultados se comparada com os demais ramos do Poder Judiciário, afetada de modo cristalinamente negativo. Que moderno seria esse, então, que altera as regras processuais executórias daquele modelo processual que, em termos de gestão, tem sido o mais eficiente?

Para tal questão, a resposta que surge é bem simples: quiz o legislador deformar a execução

trabalhista! Isto porque, a execução é doravante, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) reformada mais lenta, mais barata para o devedor, burocrática e restrita do que a execução das demais ações cíveis que tramitam pelo processo civil ou pior do que a execução fiscal? Essa “modernização” é, realmente, o retorno ao passado de técnicas processuais marcadas pela ineficácia.

À luz dos modelos processuais executivos do CPC e da LEF, apresenta-se uma crítica das

inovações em execução com as correspondentes críticas, a fim de se confirmar retrocesso processual, caso se aspire a efetividade da tutela jurisdicional. Isto porque, em termos axiológicos e tendo por referência o objetivo constitucional da “razoável duração do processo” (art. 5º, LXXVIII), não é possível conceber que a execução trabalhista, cujo objeto em geral são parcelas salariais (alimentares), tenha um tratamento processual muito pior do que a execução de dívidas cíveis (CPC) ou do que a cobrança de tributos e afins (LEF).

Visualiza-se onze mudanças insculpidas pela Lei 13.467/2017 na execução trabalhista, estando a

maioria inscritas no capítulo da Execução, mas igualmente outras alterações esparsas que repercutem incisivamente na fase de execução. São estas as alterações que impactam na parte de execução da CLT:

1) fim da execução ex officio quando a parte estiver com advogado (art. 878); 2) execução ex officio das contribuições sociais (art. 876, parágrafo único); 3) liquidação por cálculos com contraditório (art. 879, § 2º); 4) TR como critério de atualização monetária (art. 879, § 7º); 5) Prescrição intercorrente, inclusive de ofício (art. 11-A); 6) responsabilidade do sócio retirante (art. 10-A); 7) incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 855-A); 8) execução de multa contra testemunha (art. 793-A); 9) seguro-garantia judicial (art. 882); 10) dispensa de garantia do juízo para entidades filantrópicas e seus diretores; 11) prazo para “negativação” do nome do devedor trabalhista (art. 883-A). Antes de apresentar panoramicamente estas modificações aglunitadas por instituto ou sub-fase,

cabe situar o debate de direito intertemporal.

2. DIREITO INTERTEMPORAL É corrente considerar que as leis regem, ordinariamente, as situações fático-jurídicas presentes.

Todavia, a ocorrência de uma sucessão de regras jurídicas enseja um delicado debate sobre a aplicação da lei nova para situações jurídicas em curso e iniciadas na vigência na lei antiga. Discutir os efeitos temporais da sucessão legislativa é o objeto do direito intertemporal, também designado como “superdireito”, visto que se trata de discutir regras que orientam a aplicação de outras regras.

A máxima “tempus regit actum” perdura soberana quando se cogita a aplicação temporal do direito.

Ancorada na ideia de estabilidade e segurança, bem típicas de uma ideologia jurídica liberal, o sistema jurídico brasileiro aponta, como regra, a eficácia imediata da nova lei, todavia veda sua incidência pretérita, confirmando outro brocárdio jurídico: “lex prospicit, no respicit”.

No ordenamento jurídico nacional, a norma constitucional estabelece como garantias fundamentais

que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, consoante art. 5º, inciso XXXVI, dando concretude aos seus valores-princípios de estabilidade e segurança jurídica. No âmbito do processo comum, as normas seguem essa diretriz de imediatidade e irretroatividade. O

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CPC/2015 trata do tema nos artigos 14, 1.046 e 1.047, estabelece algumas ressalvas e regras de transição, como se vê abaixo:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. [...] Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. § 1o As disposições da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais que forem revogadas aplicar-se-ão às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste Código. § 2o Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código. § 3o Os processos mencionados no art. 1.218 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, cujo procedimento ainda não tenha sido incorporado por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Código. [...] Art. 1.047. As disposições de direito probatório adotadas neste Código aplicam-se apenas às provas requeridas ou determinadas de ofício a partir da data de início de sua vigência.

No campo do processo laboral, a CLT já disciplinava o tema no XI título de “disposições finais e

transitórias”. Tais regras eram pouco manejadas diante da pequena ocorrência de debates de superdireito. Trata-se dos dispositivos constantes dos artigos

Art. 912 - Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação. [...] Art. 915 - Não serão prejudicados os recursos interpostos com apoio em dispositivos alterados ou cujo prazo para interposição esteja em curso à data da vigência desta Consolidação. Art. 916 - Os prazos de prescrição fixados pela presente Consolidação começarão a correr da data da vigência desta, quando menores do que os previstos pela legislação anterior.

Para o problema teórico sobre o que seria irretroatividade, processo pendente e e relação não

consumada, a doutrina elenca três teorias que tentam responder como seria uma aplicação imediata sem retroação no direito processual. A primeira teoria é chamada de “unidade do processo”, segundo a qual sendo o processo unitário, a nova lei processual somente incidiria nos novos processos, perdurando para os atuais feitos em curso a lei revogada. A segunda teoria, conhecida como “autonomia das fases”, sustenta que a lei processual antiga deve perdurar, mesmo que revogada, a até o término da fase processual, ou seja, a lei nova somente tem incidência nos processos no início da respectiva fase. A terceiria teoria - designada como “isolamento dos atos processuais” – considera que é o ato processual individualizado a grande referência para a aplicação da lei nova regra.

Considerando que as duas primeiras teorias ensejam o prologamento da aplicação de leis

revogadas – algo inclusive de difícil gestão em termos de acervo processual – tendo em vista a delongada duração do processo, prevalece na doutrina e, em especial, na jurisprudência a teoria do “isolamento dos atos processuais”. Aliás, o art. 14 do CPC e art. 915 da CLT tomam como referência atos processuais isolados, o que justifica a ideia doutrinária de que a própria legislação acolheu essa teoria. O julgado do Tribunal Superior do Trabalho (TST) abaixo cuida deste debate de direito intertemporal sobre a incidência do CPC em sede recursal e revela a adoção expressa do critério do isolamento dos atos processuais para fins de direito intertemporal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. PRECEDÊNCIA DAS NORMAS DO CPC DE 1973 FRENTE AO CPC DE 2015. INCIDÊNCIA DA REGRA DE DIREITO INTERTEMPORAL SEGUNDO A QUAL TEMPUS REGIT ACTUM. I - O agravo de instrumento foi interposto em 23/03/2016

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contra decisão que denegara seguimento a recurso de revista manejado em face de acórdão proferido na sessão de julgamento ocorrida em 25/11/2015. II - Não obstante a vigência do novo Código de Processo Civil tenha iniciado no dia 18/03/2016, conforme definido pelo plenário do Superior Tribunal de Justiça, aplicam-se ao presente feito as disposições contidas no CPC de 1973. III - É que embora as normas processuais tenham aplicação imediata aos processos pendentes, não têm efeito retroativo, por conta da regra de direito intertemporal que as preside, segundo a qual tempus regit actum. IV - Esse, a propósito, é o posicionamento consagrado no artigo 14 do CPC de 2015 de que "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". V - Como a lei processual superveniente deve respeitar os atos praticados sob o domínio da lei revogada, a indagação que se põe, em sede recursal, diz respeito ao marco a partir do qual se aplicará a lei revogada ou a lei revogadora, propendendo a doutrina pela data da sessão em que proferida a decisão objeto do apelo. Precedentes do STJ [...]”. (AIRR - 1760-90.2013.5.10.0012, Relator Desembargador Convocado: Roberto Nobrega de Almeida Filho, Data de Julgamento: 23/08/2017, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/08/2017).

2. ATUAÇÃO EX OFFICIO E EXECUÇÃO TRABALHISTA

Consoante nova redação do art. 878 da CLT, a execução deixa de ser iniciada pelo Juiz do Trabalho, que somente poderá fazê-la na hipótese de jus postulandi das partes.

“Art. 878. A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado”.

A interpretação sobre a oração “A execução promovida pelas partes” deve ocorrer no contexto e de modo harmônico com todo o sistema jurídico processual da CLT e, de modo complementar, do CPC.

Logo, não se pode concordar, data venia, com a opinião de Vólia Cassar no sentido de que o juiz do trabalho não mais irá promover nenhum impulso à execução trabalhista. A autora citada assevera que “[...] não poderá o juiz determinar a penhora on-line (BacenJud) ou a penhora sem o prévio requerimento da parte; não poderá tomar a iniciativa de desconsiderar a personalidade jurídica; de praticar atos sem que a parte tenha requerido” (CASSAR; 2017, p. 114).

A eliminação da regra do início ex officio apenas atrasa a execução, sendo notório retrocesso processual. Manoel Antônio Teixeira é enfático:

Não havia necessidade de subtrair-se do magistrado o impulso oficial para a execução. Teria sido ela motivada pela preocupação do legislador com o “ativismo judicial” – e com isso, restringido o campo de incidência do art. 765, da CLT? A propósito, ainda bem que o art. 765 passou desapercebido ao legislador de 2017 (p. 196, 2017).

Além de confrontar princípios e regras processuais trabalhistas, esta exegese sugere um imobilismo do juiz trabalhista na execução que contraria os poderes-deveres que até o juiz comum tem na fase executiva, conforme as atuais regras do CPC.

Como se sabe a CLT adota, em termos de modelo processual, o perfil inquisitivo, quando o juiz do trabalho tem mais poderes e mais iniciativa para conduzir, com celeridade, o processo. Trata-se do art. 765 da CLT, o qual felizmente não foi bulido pela reforma trabalhista.

Este perfil processual inquisitório se harmoniza com os diversos princípios do Direito Processual do Trabalho e, em especial, viabiliza um tratamento diferenciando que tenta corrigir a assimetria dos

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litigantes, ou seja, é uma manifestação do princípio da proteção. No particular, nenhuma lei oportunista tem a aptidão para revogar princípios constitutivos e singulares de certa disciplina.

Como complemento à CLT na dimensão de aplicação de supletiva, o CPC impõe ao Juiz que impulsione o feito, após o início da execução por requerimento da parte. Cuida-se da inconteste diretriz/princípio do “impulso oficial” que é válida em qualquer sistema processual, disposta no art. 2º do CPC ao determinar que o processo “se desenvolve por impulso oficial”.

Adiante, o CPC vigente amplia os poderes dos juízes na execução, quando nas demais fases processuais prepondera a atuação das partes, a exemplo do instituto da negociação processual. Isto porque, segundo as normas fundamentais do processo civil (capítulo I do CPC), as “partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (art. 4º do CPC), devendo ainda as mesmas partes “cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (art. 6º do CPC).

Por decorrência, o CPC positiva no seu texto legal o direito “a uma tutela de efetividade das decisões” e “em um prazo razoável”, seja pela cooperação das partes, seja pela ampliação dos poderes para o Juiz. Para tanto, apresenta uma inédita cláusula geral de efetividade da execução com amplíssimos poderes – aliás bem simétrica com o art. 765 da CLT – no incisivo IV do art. 139, como se vê:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Assim, mesmo que se entenda que o juiz do trabalho não inicia à execução – entendimento este polêmico e contraditório com o parágrafo único do art. 876 reformado, o art. 765 da CLT impõe ao magistrado o dever de impulsionar, inclusive com atos de constrição ou pesquisa patrimonial, a fim de encontrar a verdade ou identificar os bens ocultos de alguns executados.

Ainda que se desconsidere o art. 765 da CLT e o princípio da proteção, a aplicação supletiva (complementar) do CPC impõe o impulso oficial em qualquer fase processual (CPC, art. 2º) e autoriza a adoção, de ofício, de todas medidas típicas ou atípicas para a efetivação da execução (CPC, art. 139, IV).

Se a inspiração é o CPC, o qual exige pedido expresso da parte para se iniciar a execução (CPC, art. 513, § 1º), deve-se, por congruência, impor honorários advocatícios na execução trabalhista por aplicação supletiva do CPC (art. 523, § 1º), inclusive como técnica processual de imposição de despesas para a parte que simplesmente resiste em cumprir a decisão judicial.

Apesar do silêncio do reformador trabalhista, perdura a dimensão de aplicação supletiva do CPC, sobretudo quando a própria CLT exige, tal como no CPC, que haja requerimento da parte para iniciar a execução, salvo jus postulandi. Vólia Bomfim registra: “Deixou a lei de prever honorários também na fase de execução como fez o art. §1º do art. 85 do CPC. Todavia, a regra, ainda assim, poderá ser aplicada com base no art. 15 do CPC” (2017, P. 99).

Estranho é que a mesma CLT “modernizada” passou, na redação do parágrafo único do art. 876, a exigir que o mesmo juiz, que não pode iniciar a execução para os créditos do trabalhador, faça de ofício a execução das contribuições sociais, as quais são as parcelas acessórias ao crédito trabalhista.

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“A Justiça do Trabalho executará, de ofício, as contribuições sociais previstas na alínea a do inciso I e no inciso II do caput do art. 195 da Constituição Federal, e seus acréscimos legais, relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e dos acordos que homologar.”

A nova redação repete a tradição da conversão de entendimentos jurisprudenciais em textos legais. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) já tinha fixado, em 2015, a Súmula vinculante 53

1, a

qual estabelecia a seguinte posição: “A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados”. Antes, ainda em 1998, a Orientação Jurisprudencial (OJ) 141 da Seção de Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, atualmente o item I da Súmula 368

2, consagrava a mesma inteligência de que a execução das

contribuições previdenciárias somente incide no capítulo condenatória da sentença, não alcançando as contribuições sobre salários pagos pelo empregador à época da prestação de serviços.

A Reforma Trabalhista, além da forte contradição entre os novos textos dos arts. 878 e 876, conseguiu fixar que a parcela acessória transcende a parcela principal ao ponto de merecer a atuação ex officio outrora negada ao crédito principal, incorrendo em comezinho equívoco conceitual ao priorizar o acessório e obscurecer o principal.

1 O precedente desta Súmula Vinculante foi a seguinte decisão do Ministro Menezes Direito: “"No que concerne à contribuição

social referente ao salário cujo pagamento foi determinado em decisão trabalhista, é fácil identificar o crédito exeqüendo e, conseqüentemente, admitir a substituição das etapas tradicionais de sua constituição por ato de ofício do próprio Magistrado. O lançamento, a notificação e a apuração são todos englobados pela intimação do devedor para o seu pagamento. Afinal, a base de cálculo é o valor mesmo do salário. Por sua vez, a contribuição social referente a salário cujo pagamento não foi objeto da sentença condenatória ou mesmo de acordo dependeria, para ser executada, da constituição do crédito pelo Magistrado sem que este tivesse determinado o pagamento ou o crédito do salário, que é exatamente a sua base e justificação. Diga-se que a própria redação da norma dá ensejo a um equivocado entendimento do problema ao determinar que caberá à Justiça do Trabalho a execução de ofício das contribuições sociais. Ora, o que se executa não é a contribuição social, mas o título que a corporifica ou representa, assim como o que se executa no Juízo Comum não é o crédito representado no cheque, mas o próprio cheque. O requisito primordial de toda execução é a existência de um título, judicial ou extrajudicial. No caso da contribuição social atrelada ao salário objeto da condenação, é fácil perceber que o título que a corporifica é a própria sentença cuja execução, uma vez que contém o comando para o pagamento do salário, envolve o cumprimento do dever legal de retenção das parcelas devidas ao sistema previdenciário. De outro lado, entender possível a execução de contribuição social desvinculada de qualquer condenação ou transação seria consentir em uma execução sem título executivo, já que a sentença de reconhecimento do vínculo, de carga predominantemente declaratória, não comporta execução que origine o seu reconhecimento. No caso, a decisão trabalhista que não dispõe sobre o pagamento de salários, mas apenas se limita a reconhecer a existência do vínculo não constitui título executivo judicial no que se refere ao crédito de contribuições previdenciárias (...)". (RE 569056, Relator Ministro Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgamento em 11.9.2008, DJe de 12.12.2008).

2 Súmula nº 368 do TST. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS. IMPOSTO DE RENDA. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO

RECOLHIMENTO. FORMA DE CÁLCULO. FATO GERADOR (aglutinada a parte final da Orientação Jurisprudencial nº 363 da SBDI-I à redação do item II e incluídos os itens IV, V e VI em sessão do Tribunal Pleno realizada em 26.06.2017) - Res. 219/2017, republicada em razão de erro material – DEJT divulgado em 12, 13 e 14.07.2017. I - A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição. (ex-OJ nº 141 da SBDI-1 - inserida em 27.11.1998).

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4. MUDANÇAS NA LIQUIDAÇÃO

Na subfase da liquidação, a antiga dualidade de procedimentos do método de cálculos da CLT encerra-se. Daqui em diante, a liquidação por cálculos sempre será com contraditório, como dispõe o novo § 2º do art. 879 da CLT:

“§ 2º Elaborada a conta e tornada líquida, o juízo deverá abrir às partes prazo comum

de oito dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão”.

Tal modificação vai tornar mais demorada a liquidação e a culpa desta postergação não é em si da manifestação da parte contrária, mas da necessidade de decisão que enfrente o mérito e os critérios das contas, sendo que tal debate – por falta de alteração deste ponto problemático da CLT – poderá ainda ser renovado nos embargos à execução.

Logo, se foi imposto o contraditório quanto aos cálculos – que outrora dependia da garantia do juízo – o legislador reformista deveria, por coerência e organicidade, fixar a preclusão deste debate contábil na sub-fase de liquidação. Com tal silêncio da reforma, há amparo legal, especialmente para quem deseja postergar a execução, voltar a discutir os cálculos em sede de embargos à execução. Assim, há possibilidade de, no mesmo processo, discutir duas vezes as contas.

É interessante pontuar que o novo texto do § 2º do art. 879 reduziu o prazo de discussão dos cálculos de 10 (dez) para 8 (oito) dias, fixando que este prazo seria de natureza comum. Doravante a liquidação por cálculos terá dois caminhos: a) se o reclamante apresentar as contas, o juiz necessariamente concederá vista ao reclamado pelo prazo de 8 (oito) dias; b) se as contas foram elaboradas pelo calculista do juiz ou pelo perito contábil, as partes terão 8 (oito) dias para se pronunciarem.

Ainda sobre o prazo, já se pode considerar que, conforme a nova redação do § 2º do art. 775, este prazo de 8 (oito) dias poderá dilatado por decisão do juízo. Nos casos de processos com muitos exequentes ou mesmo com considerável complexidade e extensão de cálculos, pode o juiz, com o esteio na CLT reformada (art. 775, §2º) dilatar tal prazo.

No bojo do emendado art. 879 da CLT, a nova redação do § 7º estabelece que o critério de “atualização de créditos” para fins trabalhistas é a Taxa Referencial (TR).

“§ 7o A atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa

Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei no 8.177, de 1o de março de 1991”.

Isto é, a nova CLT diz o mesmo que o art. 39 da Lei 8.177/1991, a qual inclusive é citada na alteração legislativa. Então, a nova lei diz que aplica a lei antiga. Há aí um ineditismo legislativo: fazer uma nova lei para dizer que vale a lei antiga.

No entanto, o propósito deste § 7º é clarividente: confrontar a declaração de inconstitucionalidade da TR proferida pelo TST

3. A questão é demasiadamente tortuosa, pois o próprio STF outrora considerou

3 Conforme notícia publicada no site do TST: “O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, em sessão realizada nesta

terça-feira (4/8), que os créditos trabalhistas devem ser atualizados com base na variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O índice será utilizado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) para a tabela de atualização monetária da Justiça do Trabalho (Tabela Única). A decisão foi tomada no julgamento de arguição de inconstitucionalidade suscitada pelo ministro Cláudio Brandão em relação a dispositivo da Lei da Desindexação da Economia (Lei 8.177/91) que determinava a atualização dos valores devidos na Justiça do Trabalho pela Taxa Referencial Diária (TRD). Por unanimidade, o Pleno declarou a inconstitucionalidade da expressão "equivalentes à

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a TR inconstitucional no julgamento da ADI´s dos precatórios4, mas o Ministro Toffoli proferiu liminar

5

para suspender a decisão de inconstitucionalidade do TST.

Enfim, tem-se que cotejar uma nova regra de correção monetária que aplica a regra antiga, a qual tinha sido declarada inconstitucional, mas que o mesmo Tribunal Constitucional determinou a sustação da aplicação trabalhista dessa inconstitucionalidade. Neste quadro, a expectativa de alguma segurança jurídica no tema se revela como piada sem graça.

5. ALTERAÇÕES IMPACTANTES NA EXECUÇÃO FORA DO CAPÍTULO DE EXECUÇÃO

Como em outros momentos da Lei 13.467/2017, percebe-se mudanças processuais lançadas fora das respectivas seções de direito processual. No caso dos sócios, há mudanças mais que relevantes para a execução no art. 10-A, abaixo transcrito:

Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da

sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas

até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:

I - a empresa devedora;

II - os sócios atuais; e

III - os sócios retirantes.

Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato”.

Aparentemente o texto do art. 10-A transpõe para a CLT a regra do art. 1.003, parágrafo único do Código Civil. Justifica-se que o novo texto tentar conferir segurança jurídica sobre o tema, diante da oscilação da jurisprudência trabalhista. Leonardo Borges consigna esta ideia:

TRD", contida no caput do artigo 39 da lei, e deu interpretação conforme a Constituição Federal para o restante do dispositivo, a fim de preservar o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas”.

4 O STF no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4357 e 4425 estabeleceu que: “Quanto à correção

monetária, o STF modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida no julgamento das ADIs relativas à EC 62/2009, para considerar válido o índice básico da caderneta de poupança (TR) para a correção dos precatórios, até o dia de hoje (25), e estabeleceu sua substituição pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Os precatórios federais seguirão regidos pelo disposto nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs) quanto aos anos de 2014 e 2015, caso em que já foi fixado o IPCA-E como índice de correção”.

5 Trata-se da decisão noticiada em 05 de julho de 2016: “Liminar determina aplicação da TR a correção de débitos trabalhistas

do Banco Safra. O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar para determinar ao juízo da 10ª Vara do Trabalho de Porto Alegre (RS) que proceda à liquidação de débitos reconhecidos em reclamação trabalhista contra o Banco Safra S.A. de acordo com a Taxa Referencial Diária (TRD), nos termos do artigo 39 da Lei 8.177/1991. A liminar foi deferida na Reclamação (RCL) 24445, ajuizada pelo banco contra decisão daquele juízo que corrigiu o débito com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Segundo o ministro, a aplicação do INPC contraria a autoridade do STF que, na Reclamação 22012, suspendeu efeitos de decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que determinou a substituição da TRD pelo IPCA na correção monetária dos débitos trabalhistas.

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“A responsabilidade patrimonial secundária do sócio sempre foi um tema oscilante. Uma simples pesquisa jurisprudencial confirma essa assertiva. Há julgados que decidem pela responsabilização patrimonial do sócio pelo período em que se aproveitou da mão de obra do trabalhador. Outros no sentido de que sua responsabilidade se dá, pelo simples fato de ter sido sócio da empresa, ainda que não tenha se aproveitado da mão de obra. É possível encontrar entendimento de que, ao adquirir determinada empresa, o adquirente recebe o pacote: o bônus e o ônus. E por aí vai...” (BORGES, 2017, p. 133).

Todavia, um olhar mais atento capta que o art. 10-A fixou um marco temporal mais danoso para o trabalhador do que aquele civilista. Se no âmbito do direito civil, o prazo bienal é apurado da averbação da saída do sócio; no âmbito trabalhista a apuração se dará da data do ajuizamento da ação. Como decorrência, haverá casos em que o trabalhador, por ter laborado muitos anos na empresa, não poderá reivindicar do ex-sócio, mesmo aquele que lhe contratou e que auferiu lucros com seu labor, quando tal sócio tenha se afastado da sociedade no transcurso do vínculo e em data superior ao biênio ora criado.

No tocante ao procedimento de responsabilização dos sócios, o art. 855-A importa do CPC (arts. 133 a 139) o incidente de desconsideração da personalidade jurídica:

“Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da

personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil.

§ 1o Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:

I - na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1o do art. 893 desta Consolidação;

II - na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;

III - cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal.

§ 2o A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) ”.

Não se questiona o legítimo direito de defesa do sócio, mas sim a importação da cultura processual comum de “incidente” que ensejará a “suspensão do processo” e até a admissão de recurso contra decisão interlocutória (§ 1º, II do art. 855-A), o que se confronta ontologicamente com a dimensão da simplicidade – que albergaria um contraditório igualmente simplificado – e com a celeridade do processo laboral que, até então era demarcado pela irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias (CLT, art. 893, §1º).

Ao menos, o § 2º do art. 855-A foi expresso – embora até no sistema processual cível seria esse o entendimento – em admitir a aplicação da tutela de urgência cautelar.

Com o advento do CPC em 2015 (arts. 133 a 137) e nos termos do art. 6º da IN 39/2016 do TST, vem-se aplicando o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho, inclusive com determinação ex officio pelo Juiz do Trabalho da instauração desse incidente e até tutela de urgência cautelar com constrição prévia dos bens destes sócios (vide art. 6º da IN 39/2016 do TST). Registre-se que parcela considerável dos Juízes do Trabalho discordam da aplicação desse incidente do CPC na área trabalhista, fazendo a simples inclusão do sócio na execução com a penhora de bens.

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Em total desprezo ao princípio protecionista, a lei autoriza a pronunciar, de ofício, a prescrição intercorrente na execução trabalhista.

“Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos.

§ 1o A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução.

§ 2o A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição”.

Contrariando a Súmula 114 do TST6 – que deverá ser cancelada, o novo texto da CLT assegura a

aplicação da “prescrição intercorrente” no prazo de 2 (dois) anos na execução trabalhista, como consta no novel art. 11-A da CLT. O legislador foi cruel ao adotar o prazo de dois anos. Isto porque, para as execuções fiscais (art. 40 da LEF) o prazo prescricional é de cinco anos. Ou seja, a nova CLT é muito pior para o exequente do que dispõe a LEF em matéria de prescrição intercorrente.

A imposição de prescrição por paralisação processual na execução de créditos alimentares já significa o desprestígio que estes créditos têm para o legislador. O desprestígio se agrava pois o mesmo juiz deve ficar inerte no início da execução, mas deve, ex officio, aplicar a prescrição intercorrente, ou seja, o impulso oficial esboçado nessa situação é apenas para inefetividade da execução e eliminação do processo com os louros estatísticos.

De qualquer modo, o § 1º do art. 11-A condiciona que tenha ocorrido primeiro determinação judicial para ato do exequente que, inerte por dois anos, é punido com a prescrição intercorrente. Por lógica, deve-se entender que não encontrar bens do devedor, especialmente naquela situação de ocultação patrimonial, não pode ser motivo para a pronúncia da prescrição intercorrente, haja vista que não se trata de ato ou situação que caracterize a inércia do exequente. Pensar em sentido contrário significa defender que o meio do devedor fugir da dívida é simplesmente ocultar seus bens para fins de transcurso da prescrição, isto é, legitimar a má-fé e a própria torpeza.

Na contagem deste biênio prescricional, é mister afirmar que, em termos de aplicação temporal desta regra, a paralisação processual anterior à vigência da reforma trabalhista não será computável para a configuração desta prescrição intercorrente. Ora, é lição basilar afirmar que as regras processuais, mesmo sendo aplicadas imediatamente, não podem retroagir, tal como consta na literalidade do art. 14 do CPC/2015.

Além da dimensão de aplicação supletiva e subsidiária do CPC à CLT conforme art. 15 do CPC, há na norma consolidada regra que trata de direito intertemporal e prescrição que pode ser aplicada analogicamente à situação, visto que sua racionalidade é interpretação restritiva da prescrição. É o velho art. 916 da CLT que restringia a aplicação do prazo prescricional menor.

6 É pertinente registrar que a Súmula nº 114 é de 1980, tendo a atual redação: PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE (mantida) - Res.

121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”. No entanto, há, no STF uma Súmula ainda mais antiga – datada de 1963 – que diz exatamente o contrário: Súmula 327: O Direito Trabalhista admite a prescrição intercorrente.” Entretanto, o próprio vem decidindo que não lhe cabe discutir mais sobre prescrição intercorrente na área trabalhista, entendendo ser tema de natureza infraconstitucional. É o que se extrai deste julgado: "(...) conforme consignado na decisão agravada, a análise de questão atinente à aplicabilidade do instituto da prescrição intercorrente no âmbito trabalhista demanda o exame da legislação infraconstitucional. Incabível, portanto, o extraordinário." (AI 841655 AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgamento em 31.5.2011, DJe de 15.6.2011)

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Por consequência, a contagem do prazo bienal prescrição do art. 11-A da CLT – para aqueles que considerem que há inércia do exequente que não possa ser substituída pela atuação do juízo – não se valer de lapsos temporais pretéritos, o que configuraria aplicação retroativa.

Por fim, nas mudanças esparsas, encontra-se ainda mais uma situação que irá impactar na execução. Como derivação da transposição da litigância de má-fé daqueles que atuam no processo, a testemunha poderá ser apenada com multa na hipótese de “intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais” (novel art. 793-D, caput).

“Art. 793-D. Aplica-se a multa prevista no art. 793-C desta Consolidação à testemunha que intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa.

Parágrafo único. A execução da multa prevista neste artigo dar-se-á nos mesmos

autos”.

A consequência disto é que, na fase de execução, poderá haver título executivo contra a testemunha, na qualidade de terceiro que atuou no processo, sendo punida e, igualmente, executada no mesmo processo, vide parágrafo único do art. 793-D. Há que se compreender, então, que a execução dessa multa, devido a sua natureza acessória no processo e à semelhança dos honorários periciais, deve ser processada após o cumprimento da execução principal.

6. MODIFICAÇÕES RELATIVAS À GARANTIA DO JUÍZO

No momento de penhora, a nova redação do art. 882 positivou seguro-garantia judicial, algo que já vinha sendo validado pela Justiça do Trabalho, inclusive entendimento consagrado em Orientação Jurisprudencial n. 59 da SDI-2 do TST.

“O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da quantia correspondente, atualizada e acrescida das despesas processuais, apresentação de seguro-garantia judicial ou nomeação de bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 835 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil”.

Como se sabe, a CLT nada dispõe sobre o funcionamento da fiança bancária. Aliás, a própria CLT que, normalmente aplica subsidiariamente as regras da Lei de Execução Fiscal conforme art. 889, remete-se, inclusive na redação reformada, ao art. 835 do CPC, que regula o tema:

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: [...] § 2o Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.

Quando comparado com o art. 835, § 2º do CPC, percebe-se que o legislador esqueceu que o seguro-fiança deve ter ao menos 30% a mais do débito do processo, ou seja, caso este esquecimento seja interpretado como “silêncio eloquente”, o seguro-fiança trabalhista será pior do que cível.

Diante do silêncio da CLT sobre o regramento do seguro-garantia judicial, inclusive com referência expressa do art. 882 da CLT ao art. 835 do CPC, somente resta concluir que se aplica ao processo trabalho, pela lacuna e compatibilidade, a regra do §2º do art. 835 do CPC de que o seguro-garantia

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judicial deve ter o acréscimo 30% sobre o valor total da execução, com a finalidade de garantir os juros e atualização monetária que prosseguiram e eventuais despesas de execução.

Por outro lado, a faculdade assegurada ao devedor de, no lugar de dinheiro, garantir a execução com o seguro-garantia judicial não prejudica o direito do exequente de receber o valor incontroverso da execução. O direito a execução menos gravosa não pode significar simplesmente o não pagamento de valores incontroversos, o que seria negar solenemente a efetividade da execução.

Adiante a Reforma Trabalhista inicia sua fase de conceder isenções, evidentemente em favor do empregador/executado.

“§ 6o A exigência da garantia ou penhora não se aplica às entidades filantrópicas e/ou àqueles que compõem ou compuseram a diretoria dessas instituições”.

Na forma do novo texto do § 6º do art. 884 da CLT, são isentas as “entidades filantrópicas” ou os diretores “dessas instituições” do dever de garantir o juízo para de fins de execução, concedendo a tais pessoas jurídicas favores superiores aos demais devedores trabalhistas. Na métrica comparativa, pode-se visualizar que, para as filantrópicas, a execução trabalhista se processaria à semelhança do estabelecido pelo caput do art. 525 do CPC. Assim, esses executados poderão opor embargos à execução sem qualquer garantia do juízo.

A coerência – que falta notoriamente a Reforma Trabalhista – diria que também à semelhança do CPC deveria a execução, paralelamente à defesa do devedor, prosseguir em regra nos atos de penhora, como expressamente cominado no §6º do art. 525 do CPC. Como já restou clarividente, pouco se importou o legislador com coerência, paridade processual ou organicidade, basta apenas estabelecer regras sempre favoráveis ao executado.

7. O INTERSTÍCIO PARA “NEGATIVAÇÃO” DO EXECUTADO

Por fim, seguindo o mesmo padrão de favorecer apenas a uma parte e não cuidar de um sistema de efetividade da tutela executiva, o legislador reformista criou a inusitada carência para a “negativação” do devedor.

“Art. 883-A. A decisão judicial transitada em julgado somente poderá ser levada a protesto, gerar inscrição do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito ou no

Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT), nos termos da lei, depois de

transcorrido o prazo de quarenta e cinco dias a contar da citação do executado, se não houver garantia do juízo”.

Mesmo inadimplente, o executado trabalhista tem, conforme art. 883-A da CLT, o favor da lei de 45 dias para ter seu nome cadastrado como devedor, quando no CPC inexiste qualquer prazo para isto diante do inadimplemento, como se vê no art. 782, § 3º do CPC.

Além de postergar a execução ao criar um lapso temporal aonde quem deve não pode ser divulgado como devedor em manifesto prejuízo ao exequente, a medida prejudica, sobretudo, a terceiros que farão negócios jurídicos com inadimplentes que escondem sua inadimplência nessa carência de 45 dias. Visando proteger o devedor, a Reforma Trabalhista prejudicou aos terceiros de boa-fé que podem negociar, sem conhecimento, com devedores trabalhistas que estão gozando da inusitada carência de “negativação”, propiciando transtornos desnecessários e até incidentes processuais passíveis de caracterizar fraude à execução.

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8. O BALANÇO DA REFORMA EM TERMOS DE EXECUÇÃO TRABALHISTA

No balanço da nova execução trabalhista, mais lenta, burocrática e mais barata, percebe-se que todas as medidas apenas favorecerem o executado, inexistindo qualquer modificação que traga celeridade ou efetividade processual. Se antes a Justiça do Trabalho tinha os melhores índices em execução, agora terá mais amarras e entraves para tornar real a decisão judicial. Ou seja, será ainda mais difícil com essa execução deformada tornar realidade o Direito do Trabalho que foi reconhecido em decisões judiciais transitadas em julgado.

A comparação com o CPC e até mesmo com LEF somente indica que, infelizmente, os novos dispositivos incorporaram regras, institutos e procedimentos cíveis naquilo que são favoráveis aos devedores. Quis então o reformador da CLT nas entrelinhas dizer que as parcelas trabalhistas – em geral créditos de natureza alimentar – devem ser mais difíceis de executar do que uma dívida cível ou tributária. É o Poder Legislativo afirmando, implicitamente, que os créditos trabalhistas não são mais tratados como créditos privilegiados, de modo que merecem uma tutela processual executiva pior do que a tutela executiva padrão do CPC.

Nesse aspecto, a reforma trabalhista processual, especialmente na execução, é clara manifestação política, convertida em lei, que torna ineficaz ou mais demorada a efetividade das decisões trabalhistas. Se é a efetividade – isto é, o resultado concreto da prestação jurisdicional – a grande referência para a sociedade da utilidade do Poder Judiciário, a execução trabalhista ineficaz pode significar, infelizmente, mais argumentos para o fim da Justiça do trabalho.

Em face da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a qual tornou a execução trabalhista mais lenta, burocrática e barata do que a cível, o diálogo dessas fontes assume contornos inesperados: se antes a perspectiva efetividade diminuía a importação das regras do CPC, doravante a importação do CPC, na potencialização da aplicação supletiva (art. 15), poderá trazer mais efetividade à execução trabalhista.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Ordinária nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de Janeiro de 1974, 8.036, de 11 de Maio de 1990, e 8.212, de 24 de Julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 327. Diário Oficial da União. Brasília. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=1570>. Acesso em: 26 set. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 53. Diário Oficial da União. Brasília. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=2613>. Acesso em: 26 set. 2017.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 368. Diário Oficial da União. Brasília. Disponível em: < http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_351_400.html#SUM-368>. Acesso em: 26 set. 2017.

CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à Reforma Trabalhista. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista: Análise da Lei 13.467/2017 - Artigo por Artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

OLIVEIRA, Murilo. Mudanças no Processo do Trabalho com o novo CPC? Revisa Eletrônica do Tribunal do Trabalho da 5a Região, v. 1, p. 236-251, 2016.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário define efeitos da decisão nas ADIs sobre emenda dos precatórios. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=288146>. Acesso em: 23 set. 2017.

______. Liminar determina aplicação da TR a correção de débitos trabalhistas do Banco Safra. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=320391>. Acesso em: 23 set. 2017.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. O Processo do Trabalho e a Reforma Trabalhista: As alterações introduzidas no Processo do Trabalho pela Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Ltr, 2017.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. TST define IPCA como fator de atualização de créditos trabalhistas. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/tst-define-ipca-como-fator-de-atualizacao-de-creditos-trabalhistas>. Acesso em: 23 set. 2017.

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BREVES REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO INTERMITENTE

À LUZ DA LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017

Rosane Gauriau Doutora em Direito pela Université Paris 1- Sorbonne,

Membro do Institut de Recherche Juridique de la Sorbonne, Mestre em Direito Empresarial pela Université d´Angers,

Pós-Graduada em Direito do Trabalho pela Universidade Mackenzie,

Graduada em Direito pela Universidade de Brasília. Servidora Pública.

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo, num primeiro momento, examinar de modo exegético as noções, campo de aplicação, formalidades e elementos essenciais à formação e extinção do contrato de

trabalho intermitente, regulamentado nos arts. 443 e 452-A da CLT, pela Lei nº 13.467, de 13 de julho

de 2017. Num segundo momento, apresentam-se críticas e reflexões à lei em questão. Enfim, conclui-se no sentido de que o trabalho intermitente favorece a precarização das relações de trabalho, incita o trabalho em longas jornadas de espera por trabalho e longas jornadas de trabalho, além de transferir o risco da atividade econômica ao empregado. Enfim, incumbe ao juiz do trabalho interpretar a lei e aos atores sociais torná-la meio de pacificação do conflito social e de justiça social.

INTRODUÇÃO

A Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, em vigor em 11 de novembro de 2017, alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e as Leis n

°s 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de

maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

Na gênese desta alteração encontram-se várias proposições legislativas1, valendo destacar a mais

importante, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) n° 38/20172 denominado projeto de reforma trabalhista ou

1 Projeto de Lei (PL) n° 3.785/2012 de autoria do Deputado Laercio Oliveira (PR/SE) apensado ao Projeto de Lei (PL) n°

6.363/2005 de autoria do Deputado Vicentinho (PT/SP), Projeto de Lei do Senado (PL) n° 218/2016 de autoria do Senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES).

2 A matéria foi apresentada pelo Poder Executivo e na Casa iniciadora tramitou como Projeto de Lei nº 6.787, de 2016. A

proposição, conhecida como modernização trabalhista ou reforma trabalhista, propunha a modificação de dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Lei nº 6.019 de 03 de janeiro de 1974, Lei nº 8.036 de 11 de maio de 1990 e Lei nº 8.212 de 24 de julho de 1991. Visava, igualmente, a estimular a negociação coletiva, a atualizar os mecanismos de combate à informalidade, e a regulamentar o art. 11 da Carta Magna, que disciplina a representação dos trabalhadores nas empresas,

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de modernização trabalhista regulamentando o trabalho intermitente: uma exigência cuja lacuna legislativa demandava intervenção imediata do legislador

3, tendo em vista a necessidade de contratação

de mão-de-obra extraordinária em certas épocas do ano:

(...) “como em feriados prolongados, férias, fim de ano. Nestes períodos, a empresa hoteleira precisa de mais trabalhadores do que em outros, como garçons, cozinheiros, arrumadoras, faxineiras etc. Também pode ser usado no comércio na época de Natal, quando é necessário um número maior de trabalhadores”

4.

Apesar das críticas e das discussões contra (precarização, jornada “zero hora”, legitimação do “bico”) e a favor (necessidade regularizar a informalidade dos trabalhadores, modernidade das relações de trabalho, eliminação das formas precárias e arcaicas de trabalho) o trabalho intermitente está

regulamentado nos arts. 443 e 452-A da CLT , segundo a redação dada pela Lei nº 13.467, de 13 de

julho de 2017:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. (...)§ 3

o. Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de

serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.” Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. § 1

o. O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a

prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. § 2

o. Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao

chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.

além de atualizar a Lei n° 6.019, de 03 de janeiro de 1974. Disponível em: http://www.camara.gov.br/ Acesso em 1° de setembro de 2017.

3 Justificação do Projeto de Lei (PL) n° 3.785/2012: “O mundo do trabalho moderno ganhou feições, exigências, necessidades e

circunstâncias que carecem de regulamentos próprios, para proteger o trabalhador e a empresa. Não são raros os casos em que as pessoas têm interesse de trabalhar apenas parte da semana ou do dia, para ter mais tempo para si, sua família, ou mesmo para outros ganhos financeiros, ou em preparação intelectual e profissional. Por outro lado, existem atividades econômicas hoje que não demandam manter um número de empregados o tempo todo, e por outro lado, há atividades que carecem de mão de obra em determinados horários ou períodos descontínuos. E parece ser obrigação do legislador buscar formas sérias e corretas de soluções para essas transformações sociais, que muitas vezes aprisionam tanto os trabalhadores quanto as empresas, prejudicando o desenvolvimento do país, e o aperfeiçoamento das relações humanas. A proposição que ora trazemos à apreciação de todos está na trilha de estudos e levantamentos técnicos, dentre eles o do ilustre advogado, Dr. Amauri Mascaro Nascimento. A intenção é, utilizando-se do direito comparado italiano e português, regulamentar uma das figuras de contrato atípico, denominada nesses países de ‘trabalho intermitente’. A finalidade é assegurar a validade dos contratos de trabalho atípicos, nos quais as empresas do setor econômico, especialmente de hotéis, restaurantes e bares, se obrigariam a remunerar seus trabalhadores somente quando estes fossem convocados a trabalhar. Comprometem-se, ainda, a efetuar o pagamento apenas mediante a efetiva contraprestação do trabalho, a exemplo de outros países .” Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=543121. Acesso em 1° de setembro de 2017.

4 MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 87-88.

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§ 3o. A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de

trabalho intermitente. § 4

o. Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem

justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo. § 5

o. O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador,

podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes. § 6

o. Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o

pagamento imediato das seguintes parcelas: I - remuneração; II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; III - décimo terceiro salário proporcional; IV - repouso semanal remunerado; e V - adicionais legais. § 7

o. O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a

cada uma das parcelas referidas no § 6o deste artigo.

§ 8o. O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações. § 9

o. A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses

subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.”

Este artigo tem por objetivo examinar o trabalho intermitente de modo exegético. Isto é, “o coeficiente axiológico e social nele contido, baseado no momento histórico em que estamos vivendo

5” e

as possíveis significações e alcance da norma jurídica. Lembrando-se que o sistema jurídico é coerente e não comporta contradições.

Feitas essas considerações iniciais convém, num primeiro momento, examinar as noções e

elementos essenciais do contrato de trabalho intermitente, conforme dispõe a Lei nº 13.467, de 13 de

julho de 2017(1). Num segundo momento, tecer críticas e reflexões à lei em questão (2):

1. LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017: NOÇÕES E ELEMENTOS ESSENCIAIS

Os arts. 443 e 452-A da CLT, com a redação da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017,

regulamentam o trabalho intermitente. Os dispositivos tratam da noção (a), campo de aplicação (b), formalidades essenciais (c), elementos caracterizadores (d) formação do contrato: proposta e aceitação (e) e, enfim, a quitação e parcelas rescisórias devidas no contrato de trabalho intermitente (f).

A) NOÇÃO

O trabalho intermitente é um contrato escrito, subordinado, de duração indeterminada, descontínuo, ou seja, caracterizado pela alternância de períodos trabalhados e não trabalhados e que comporta um determinado número de cláusulas obrigatórias

6(art. 443, §3° da CLT).

5 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 441-442.

6 CID, Clarissa Felipe. Contrato de trabalho intermitente e a precarização do direito do trabalho. Revista Forum Justiça do

Trabalho, n. 398 p. 57-66, 2017. CASSAR, Vólia Bomfim. Limites da liberdade individual na relação de trabalho e reforma trabalhista. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 83, n. 2, p. 285-301, abr./jun. 2017. COLNAGO, Lorena de Mello

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B) CAMPO DE APLICAÇÃO

O contrato de trabalho intermitente abrange os empregados regidos pela CLT em todas as atividades econômicas, exceto os aeronautas que são regidos por legislação própria (art. 452-A, §3°, in fine, da CLT).

C) FORMALIDADES ESSENCIAIS

O art. 452-A, caput ,da CLT estabelece duas formalidades essenciais para a validade do contrato de trabalho intermitente: forma escrita e remuneração do valor da hora de trabalho que não poderá ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, em contrato intermitente ou não.

Todavia, o legislador restou omisso quanto ao número máximo de horas que podem ser trabalhadas por período de prestação de serviço. Também não há previsão legal para o pagamento de horas extraordinárias. Ao juiz do trabalho a tarefa de decidir a quaestio quando lhe for submetida. Mas creio que, em se tratando de um contrato por prazo indeterminado, ao trabalho intermitente aplica-se o limite constitucional e legal, relativamente à da jornada de trabalho e ao direito a horas extraordinárias.

Quid em caso de trabalho intermitente tácito ou verbal? Em razão do princípio da primazia da realidade (art. 9° da CLT), parece-me que o juiz do trabalho deve reconhecer o vínculo empregatício entre as partes e os consectários legais daí decorrentes.

D) ELEMENTOS CARACTERIZADORES

O contrato de trabalho intermitente é caracterizado pela subordinação e onerosidade.

O contrato é não exclusivo, ou seja, o trabalhador pode prestar serviços a outros contratantes; e não é contínuo, isto é, há alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador.

Mesmo que o empregado não aceite a convocação ao trabalho a sua recusa não implica ausência de subordinação ( art. 452-A, §3° da CLT).

Ressalte-se, enfim, que o período em que o empregado estiver em inatividade não é tempo à disposição do empregador (art. 452-A, §5° da CLT). Logo, o trabalhador não será remunerado.

E) FORMAÇÃO DO CONTRATO: PROPOSTA E ACEITAÇÃO

O art. 452-A estabelece regras para a convocação, proposta e aceitação do trabalho intermitente:

Rezende. Trabalho intermitente-trabalho "zero hora"-trabalho fixo descontínuo. Revista LTr :legislação do trabalho, v. 81, n. 9, p. 1086-1091, set. 2017.

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Convocação. Oferta. O empregado será convocado pelo empregador por qualquer meio de comunicação eficaz (cartas, e-mail, whataspp, sms, etc.), com, pelo menos, três dias corridos de antecedência, para a prestação de serviços, propondo-lhe a jornada de trabalho em regime intermitente (art. 452-A, §1° da CLT).

Convocação. Aceitação ou recusa. Recebida a convocação, o empregado deverá responder no primeiro dia útil seguinte ao recebimento. O silêncio do empregado implica presunção de recusa, a qual não precisa ser motivada (art. 452-A, §2° da CLT). Ressalte-se que a recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente (art. 452-A, §3° da CLT).

O § 1° do art. 452-A da CLT7 emprega a expressão “três dias corridos”. Questão: e se o término do

prazo se der em feriado ou final de semana? Aplica-se, por analogia, creio, a regra geral dos prazos, prevista na própria Lei n°13.467/2017, art. 775 da CLT

8, ou seja, o término do prazo ocorrerá no primeiro

dia útil subsequente ao dia do vencimento.

Por prudência, entendo que empregado e empregador deveriam comunicar-se por meio que permita comprovar que a resposta foi devidamente enviada e/ou entregue ao interessado, a fim de evitar mal-entendidos, sanções e tempo hábil para outra convocação.

Quanto às regras de proposta e aceite, nos termos do que dispõe o art. 8° da CLT, aplica-se supletivamente, a teoria geral dos contratos e princípio do sinalagma

9. Como consequência, toda a

prestação contratual deve conter outra prestação correspondente e equivalente.

Quid se a aceitação for expedida a tempo e por circunstância imprevista chegar tardiamente ao conhecimento do empregador? Aplica-se o disposto no art. 430 do CC

10? Creio que sim. Assim, se a

aceitação, por circunstância imprevista, chegar tardiamente ao conhecimento do empregador, este informará imediatamente ao empregado, sob pena de responder por perdas e danos. Sobretudo porque o empregado pode ter deixado de aceitar outra proposta por reputar que o trabalho intermitente ocorreria, conforme lhe foi proposto.

Multa. Em caso de descumprimento pelo trabalhador do acordado ou de frustração da oferta, a parte que descumprir o acordado, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo (art. 452-A, §4° da CLT).

Este dispositivo revela-se muito injusto para o trabalhador. Primeiramente, porque se o empregador descumprir a oferta aceita, sem justo motivo, o empregado terá que esperar até 30 dias para ser ressarcido das despesas efetuadas quando da aceitação da oferta, sem olvidar a frustração em razão do não-trabalho. Em segundo lugar, porque devem ser considerados com boa fé e razoabilidade os

7 § 1

o. O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será

a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.

8 Art. 775. Os prazos estabelecidos neste Título serão contados em dias úteis, com exclusão do dia do começo e inclusão do dia

do vencimento.

9 Cf. arts. 428 a 435 do CC.

10 Art. 430. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-á

imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos.

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elementos que justificam a recusa do empregado ao trabalho ofertado, a fim de evitar que ele se encontre devedor de uma multa sem nem ao menos ter trabalhado; mormente porque o risco da atividade econômica é do empregador

11.

F) QUITAÇÃO E PARCELAS RESCISÓRIAS

Não há previsão na lei quanto às formas de ruptura do contrato intermitente. No silêncio, creio aplicarem-se as regras do contrato por prazo indeterminado, pois o contrato intermitente não é um contrato por prazo determinado.

Recibo de quitação. Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato(com recibo de pagamento discriminado) das seguintes parcelas: remuneração; férias proporcionais com acréscimo de um terço; décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado, adicionais legais e FGTS (art. 452-A, §6° e 7°da CLT).

A lei não fixa a periodicidade da prestação de serviço: seria diário, semanal, quinzenal, mensal? Tampouco fixa a periodicidade do pagamento. A lei utiliza o termo “imediato”. Seria plausível, portanto, crer que o pagamento deveria ocorrer no mesmo dia. Mas, e se houver prestação de trabalho em vários dias do mês? Parece-me que se o contrato de trabalho não fixar a periodicidade, creio aplicarem-se as regras da periodicidade previstas na CLT para o contrato por prazo indeterminado

12.

Férias. A cada doze meses, o empregado adquire direito a um mês de férias, podendo ser usufruídas, nos doze meses subsequentes (arts. 452-A, §§ 6° e 9º)

13. O dispositivo tal como redigido não

garante direito a férias e décimo terceiro salário ao trabalhador em regime intermitente. Isso porque, se em nenhum dos "períodos de prestação de serviço” (art. 452-A, § 6º da CLT) tiver ocorrido trabalho intermitente em período superior a 14 dias em um mês, poderá haver relação de emprego em que o trabalhador nunca receberá décimo terceiro salário ou férias

14. O que afronta a Constituição Federal

15.

11

CASSAR, Vólia Bomfim. Op.cit..

12 Principalmente, os arts. 64, 457 e s. da CLT.

13 § 6

o. Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas:

I - remuneração;

II - férias proporcionais com acréscimo de um terço;

III - décimo terceiro salário proporcional;

IV - repouso semanal remunerado; e

V - adicionais legais.

§ 9o. A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no

qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.”

14 ALVES, Amauri Cesar. ALVES, Roberto das Graças. Reforma Trabalhista e o Novo Direito do Capital. Revista Síntese

Trabalhista e Previdenciária. São Paulo, v.29, n.338, p.47-74, ago.2017.

15 Art. 7°, XVI da CF.

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Enfim, a peculiaridade do trabalho intermitente “não abre ensejo para o fracionamento do período de gozo e para a conversão parcial das férias em abono pecuniário já que fixada em um período único (um mês) e pagas antecipadamente, de modo fragmentado

16”.

2. CRÍTICAS AO TRABALHO INTERMITENTE

A primeira crítica que se faz é a de que a Lei n° 13.467/2017 foi omissa, por exemplo, quanto ao direito às horas extraordinárias, intervalo intrajornada, intervalo de onze horas no mínimo entre duas jornadas de trabalho, a não concessão de descanso semanal remunerado em pelo menos um domingo por mês, estabilidade da empregada gestante e acidentes de trabalho. Questiona-se: o trabalhador em regime intermitente faz jus a tais direitos e garantias trabalhistas? Parece que sim por força dos artigos 6 a 11 da Constituição Federal.

A segunda crítica foi enunciada pelo Ministério Público do Trabalho na Nota Técnica n°1 de 23 de janeiro de 2017

17, qual seja, a de que “a jornada intermitente institui sistemática prejudicial aos

trabalhadores e à própria harmonia da relação capital-trabalho. Além de não proporcionar a alegada segurança jurídica - propalada por seus defensores -, agride normas fundamentais de regência de nosso modelo de produção”. Ademais, a inovação legislativa violaria a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e a função social da propriedade

18. “Coisifica” a pessoa humana, desconsidera

os direitos mínimos existenciais básicos, vitais e necessários à subsistência do trabalhador, direitos que não são variáveis, flexíveis ou intermitentes.

A terceira crítica diz respeito a longas jornadas que o trabalho em regime intermitente poderia incitar. Defende-se que o trabalho intermitente proporciona liberdade e autonomia

19 aos trabalhadores

para que possam trabalhar quando quiser e para quem quiserem, podendo programar seu tempo e vida pessoal e familiar, como bem lhe aprouver.

A realidade parece ser outra. Não creio que a possibilidade de trabalhar em regime intermitente e para vários empregadores, seja uma experiência tão reluzente. Isso porque, trata-se de um contrato de trabalho cuja incerteza é de sua essência. O empregado trabalha quando convocado, ou seja, quando há a necessidade de seu trabalho. Logo, não há uma remuneração mínima assegurada ao trabalhador nos períodos não trabalhados, o que implica imprevisilidade e insegurança salarial. Tal cenário encoraja o empregado a ter várias trabalhadores em regime intermitente, prolongando as jornadas de trabalho, o que terá inegáveis consequências sobre a saúde física e mental, vida social e de família, além de afrontar o princípio da primazia da continuidade do contrato de trabalho

20.

Ademais, a lei não limita a duração da jornada laboral mínima e máxima para essa modalidade contratual e, como consequência, pode haver uma utilização abusiva do tempo e da força de trabalho do trabalhador, já que o empregador pode a ela recorrer a qualquer tempo

21.

16

SOUZA JÚNIOR, Antônio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de. MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista. Análise comparativa e crítica da Lei n° 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017. p.183.

17 Disponível em: https://portal.mpt.mp.br/ Acesso em 4 de outubro de 2017.

18 BRAGHINI, Marcelo. Reforma trabalhista: flexibilização das normas sociais do trabalho. São Paulo: LTr, 2017. p.61.

19 CASSAR, Vólia Bomfim. Op.cit.

20 SOARES, Rodrigo Chagas. Caminhando da jornada móvel e variável para o trabalho intermitente. Revista Magister de Direito

do Trabalho, n. 54, p. 215, maio-junho/2013.

21 RODRIGUES, Deusmar José (coord.). Lei da Reforma trabalhista comentada artigo por artigo. São Paulo: JH Mizuno, 2017.

p.165.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto de precarização, desregulamentação e flexibilização do direito do trabalho, vozes sustentam que o trabalho intermitente responde à necessidade de modernização do direito do trabalho e de regulamentação de uma forma de trabalho que já existia na informalidade. Além disso, há atividades econômicas (hotéis, restaurantes e bares; estações de ski, balneários etc.) cujas atividades -descontínuas- justificam o contrato de trabalho intermitente.

Pode até ser verdade, mas também é verdade que, no mais das vezes, tal cenário oferece empregos de baixa qualidade, precários, sem contar que os períodos em que não há trabalho não têm efeitos previdenciários, para fins de aposentadoria, embora haja um contrato de trabalho vigente.

Trata-se uma forma de precarização de direitos por meio da legislação trabalhista, com a substituição crescente do contrato de trabalho a tempo integral pelo contrato de trabalho parcial, situação que contribui para o aprofundamento das desigualdades sociais

22, e não me parece solucionar a questão

do desemprego e da crise econômica do país.

Para o trabalhador a descontinuidade da prestação laboral representa a imprevisibilidade, a instabilidade: isto é, a impossibilidade de programar o futuro, o que frequentemente é fonte de angústia e estresse, com consequências sobre sua saúde, vida familiar e social

23.

O trabalho intermitente favorece a precarização das relações de trabalho, longas jornadas de espera por trabalho

24 e longas jornadas de trabalho, além de transferir o risco da atividade econômica ao

empregado.

Enfim, o que se tem como efeito concreto “é uma tentativa de impor à classe trabalhadora um estágio tal de submissão que torne legítima toda forma de exploração do trabalho, chegando-se ao ponto da eliminação da condição humana dos trabalhadores”

25.

Ao juiz do trabalho incumbe interpretar a lei, aos atores sociais torná-la meio de pacificação do conflito social e de justiça social.

22

BRAGHINI, Marcelo. Op.cit.

23 RODRIGUES, Deusmar José (coord.). Lei da Reforma trabalhista comentada artigo por artigo. São Paulo: JH Mizuno, 2017.

p.165. SOARES, Rodrigo Chagas. Caminhando da jornada móvel e variável para o trabalho intermitente. Revista Magister de Direito do Trabalho n. 54, maio-junho/2013. p. 215.

24 RODRIGUES, Deusmar José (coord.). op.cit.

25 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Trabalho intermitente e Golpismo Constante. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária., n. 334,

abril 2017, p.211-215.

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REFERÊNCIAS

ALVES, Amauri Cesar. ALVES, Roberto das Graças. Reforma Trabalhista e o Novo Direito do Capital. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. São Paulo, v.29, n.338, p.47-74, ago. 2017.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n.º 3785/2012. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=543121. Acesso em 1° de setembro de 2017.

BRASIL. Consolidação das Leis do Planalto. Disponível em http://www.planalto.gov.br/. Acesso em 2 de outubro de 2017.

BRASIL. Constituição Federal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/. Acesso em 30 de setembro de 2017.

BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Disponível em: https://portal.mpt.mp.br/. Acesso em 4 de outubro de 2017.

BRAGHINI, Marcelo. Reforma trabalhista: flexibilização das normas sociais do trabalho. São Paulo: LTr, 2017. p. 61.

CASSAR, Vólia Bomfim. Limites da liberdade individual na relação de trabalho e reforma trabalhista. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 83, n. 2, p. 285-301, abr./jun. 2017.

CID, Clarissa Felipe. Contrato de trabalho intermitente e a precarização do direito do trabalho. Revista Forum Justiça do Trabalho, n. 398, p. 57-66, 2017.

COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Trabalho intermitente - trabalho "zero hora" - trabalho fixo descontínuo. Revista LTr : legislação do trabalho, v. 81, n. 9, p. 1086-1091, set. 2017.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 441-442.

MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 87-88.

RODRIGUES, Deusmar José (coord.). Lei da Reforma trabalhista comentada artigo por artigo. São Paulo: JH Mizuno, 2017. p.165.

SOARES, Rodrigo Chagas. Caminhando da jornada móvel e variável para o trabalho intermitente. Revista Magister de Direito do Trabalho n. 54, maio-junho/2013. p. 215.

SOUZA JÚNIOR, Antônio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de. MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista. Análise comparativa e crítica da Lei n° 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017. p.183.

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A INCONSTITUCIONALIDADE DA DESPEDIDA

COLETIVA IMOTIVADA

Silvia Isabelle Ribeiro Teixeira do Vale Possui graduação em Direito pela Universidade Potiguar (1998), instituição esta onde se pós-graduou e

foi professora durante seis anos. Professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito, EMATRA5, CERS e da Escola Judicial do TRT da 5ª Região. Juíza do

Trabalho no TRT da 5ª Região. Mestre em Direito pela UFBA. Doutoranda pela PUC/SP, Membro do Conselho da Escola Judicial do TRT da 5ª Região (2012-). Coordenadora acadêmica da Escola

Associativa da AMATRA 05, biênio 2013/2015. Membro do Conselho editorial da Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da Quinta Região e da Revista Vistos etc. Autora da Obra "Proteção

efetiva contra a despedida arbitrária no Brasil", pela LTr, ex-professora substituta da UFRN.

RESUMO

Este trabalho analisa a inconstitucionalidade do artigo 477-A do PLC n.38/17, à luz do artigo 7º, I da Constituição Federal de 1988, bem assim do princípio do devido processo legal.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A fim de "modernizar" as normas trabalhistas, a proposta de reforma inicialmente trazida pelo Poder Executivo iguala a despedida coletiva à despedida individual, permitindo em ambas a denúncia contratual vazia; ou, em outras palavras, a consagração do pseudo direito potestativo de o empregador despedir sem motivação.

Esse artigo tem como escopo analisar a constitucionalidade do artigo 477-A do PLC n. 38/17, atual Lei n. 13.467/17, averiguando a vinculação do Estado-Legislador ao Texto Constitucional, sobretudo aos direitos fundamentais, enquanto ordem objetiva de valores. Todavia, para que seja realizado tal estudo, inicialmente será elaborada reflexão acerca da eficácia do artigo 7º, I da Constituição Federal de 1988, para, somente após, traçar o alcance da indigitada norma para fins de vinculação à confecção de normas infraconstitucionais e, por fim, perquirir a viabilidade da proposta do novo dispositivo à luz do princípio do devido processo legal.

2. AS LIBERDADES SOCIAIS

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Não é incomum encontrar na doutrina classificação que apõe todos os direitos sociais no patamar de direitos prestacionais

1, pois estes somente passaram a fazer parte das Constituições com o advento

do Estado Social, o que parece ser pouco acertado.

O Estado Liberal clássico fundamentava-se na concepção dos sujeitos como indivíduos, que, por serem formalmente iguais, poderiam contratar livremente, pois o próprio mercado ditava as suas regras, sempre fundadas na autonomia da vontade, que, selada por meio de vinculação contratual, figurava como verdadeira “lei entre as partes”.

Nesse contexto, ao Estado cabia tão só o afastamento das relações privadas, criando regras no sentido de assegurar às partes convenentes o livre exercício da autonomia sem limitações. Não é difícil compreender que, durante tal período, os primeiros Direitos Fundamentais, antes tidos como “naturais” – uma vez que decorrentes do jusnaturalismo, e “reconhecidos” pelas novas codificações – passaram a ser positivados também através de documentos constitucionais, que tinham como objetivo assegurar a plenitude da propriedade e do direito à liberdade e que, por conta disso, foram concebidos sob a ótica negativista do Estado, cuja missão somente consistia em assegurar a plenitude de seu afastamento das relações firmadas entre os indivíduos.

O modelo do Estado Social surge não abandonando a modelagem já posta, mas substitui o paradigma firmado com o Estado Liberal, tendo-se que este, fundado no protótipo da igualdade entre os indivíduos, na prática, gerava um abismo de desigualdade.

Com o surgimento da sociedade de massa, as necessidades também se amplificaram e o direito teve que se reinventar e, se antes se idealizava abstratamente o ser humano como formalmente igual, a realidade mostrou que a liberdade plena mais escravizava do que libertava, sendo necessária uma intervenção legislativa protetiva e “desigual” para proteger o indivíduo, agora enxergado de forma concreta, havendo uma necessidade de fixação estatal de limites para a contratação.

O Estado passa, de abstencionista, para intervencionista e, nesse cenário, a classificação dos Direitos Fundamentais, que até então eram ligados à atividade estatal negativa, evoluiu para considerar esses “novos direitos” como direitos positivos, de prestação estatal.

Se é correto afirmar que o Estado Liberal e a função estatal abstencionista não foram totalmente ultrapassadas pelo surgimento do Estado Social, não menos correto é afirmar que nem todos os direitos sociais figuram como reais direitos a prestações, sendo certo que há direitos sociais que são verdadeiros direitos de liberdade, a exemplo de boa parte do rol dos direitos fundamentais sociais dos trabalhadores, como o direito ao salário mínimo; irredutibilidade do salário; limitação da jornada de trabalho em oito horas, ou módulo semanal de quarenta e quatro horas; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência e proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; todos com previsão no artigo 7º do Texto Constitucional.

Nesse trilhar, concordando que os Direitos Fundamentais Sociais não se encerram na sua função prestacional, Sarlet já asseverou que grande parte dos direitos dos trabalhadores, presentes nos arts. 7º a 11 da nossa Constituição, “são, na verdade, concretizações do direito de liberdade e do princípio da igualdade (ou da não-discriminação), ou mesmo posições jurídicas dirigidas a uma proteção contra

1 De acordo com Abramovich e Courtis (ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Direitos sociais são exigíveis. Trad. Luis

Carlos Stephanov, Porto Alegre: Ed. Dom Quixote, 2011., p. 31), as classificações que inserem todos os direitos de liberdade como direitos de defesa e os de prestação como sociais, “estão baseadas numa visão totalmente parcial e ‘naturalista’ do papel e fucionamento do aparato estatal, que coincide com a posição antiquada de um Estado mínimo que garanta exclusivamente a justiça, a segurança e a defesa”.

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ingerências por parte dos poderes públicos e entidades privadas”2, deixando evidenciado que, no rol

aludido assim como nos demais dispositivos que tratam de Direitos Sociais, há direitos prestacionais e direitos de defesa, sendo mais coerente tratar estes últimos como “liberdades sociais”.

Na doutrina de Hermano Queiroz Júnior também se encontra presente a mesma conclusão, tendo o referido autor já pontificado que, dentre os direitos sociais elencados nos artigos 6º a 11 da Constituição Federal de 1988, “muitos há que não se acham contemplados dentro do grupo de direitos fundamentais à prestação, mas, ao reverso, se enquadram no grupo dos direitos de defesa, na medida em que ostentam o caráter de direitos à abstenção”

3, citando praticamente os direitos sociais trabalhistas

defensivos já aludidos ao norte.

No artigo 8º da Lei Fundamental pátria é clara a previsão de legítimos direitos de liberdade, que são o direito de greve

4, a liberdade e autonomia sindical, embora capitulados no rol dos Direitos Sociais,

demonstrando que o Legislador Constituinte não discrepou entre colocar direitos prestacionais e de liberdade no capítulo dos Direitos Sociais do trabalhador, não fazendo qualquer distinção em relação à eficácia entre os mesmos, até por que não poderia, diante da cláusula presente no artigo 5º, § 1º da nossa Constituição.

Idêntica manifestação se mostrava na Constituição Portuguesa de 1976 em sua versão originária, onde diversos dos direitos fundamentais dos trabalhadores, inicialmente postos no título dos direitos econômicos, sociais e culturais, passaram a ser, a partir da revisão de 1982, elencados no título dos direitos, liberdades e garantias

5, tendo Sarlet atentado para o fato de que “esta categoria de direitos

fundamentais sociais, de cunho notoriamente negativo, tem sido oportunamente denominada de ‘liberdades sociais’

6, integrando o que se poderia chamar – inspirados na concepção de Jellinek – de um

‘status negativus socialis’ ou ‘status socialis libertatis’”7.

Nesse mesmo passo, assegura Cristina Queiroz que a Constituição portuguesa de 1976 atualmente qualifica como “liberdades e garantias” – ou, simplesmente, liberdades sociais, pela doutrina

2 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Op. cit., p. 174.

3 QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores na Constituição de 1988, São Paulo: LTr, 2006, p.

67.

4 Lançando luzes sobre a tese ora defendida, a doutrina de Martinez: “nenhum direito fundamental, entretanto, é, em rigor,

unicamente defensivo ou prestacional. O seu exercício não pode acontecer sem que ações negativas e positivas sejam cumulativamente exigidas. Exatamente assim ocorre com o instituto da liberdade sindical, em nome do qual estão agregados todos os direitos que viabilizam a proteção do patrimônio jurídico dos trabalhadores, entre os quais o direito de greve e o de negociar coletivamente. Apesar de serem posições fundamentais subjetivas de natureza defensiva, notadamente quando opostas contra o Estado, comportam, sem dúvidas, múltiplas faculdades de exigir ou de pretender ações positivas, seja para a promoção das condições de seu gozo efetivo, seja para a sua proteção contra terceiros” (MARTINEZ, Luciano. Condutas antissindicais. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 124).

5 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador:

CAJ, n. 1, abril/2001, p. 18.

6 Como pontifica ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, 4. ed.,

Coimbra: Livraria Almedina, 2007, p. 385, quando faz remissão às liberdades sociais presentes na Constituição portuguesa, indicando o direito de greve e a liberdade sindical como legítimos representantes das ditas liberdades.

7 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador: CAJ,

n. 1, abril/2001, p. 18.

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– determinados direitos dos trabalhadores, verdadeiras pretensões defensivas, a exemplo do direito de greve e da liberdade sindical, antes da aludida reforma, apenas tidos como meros direitos sociais

8.

Miranda, após afirmar que a designação complexa de direitos, liberdades e garantias não é corrente no estrangeiro, assevera que a liberdade sindical e o direito de greve, previstos respectivamente nos artigos 55º e 57º da Constituição portuguesa de 1976, são legítimos exemplos de liberdades

9.

Sem embargo, como já verificado nesse mesmo capítulo, todos os Direitos Fundamentais, de defesa ou sociais (prestacionais ou não) são de liberdade

10, pois é impossível o indivíduo alçar qualquer

patamar socialmente justo e digno11

sem que lhe sejam assegurados direitos mínimos pelo Estado, tanto é assim que, em regimes constitucionais onde não se tem um rol de direitos sociais, a própria jurisprudência se encarregou de firmar determinadas tarefas estatais, como o fez o Tribunal Constitucional alemão, com a noção de “mínimo existencial”, já que a Lei Fundamental de 1949 praticamente não trata de Direitos Sociais.

Isso é algo até curioso, já que em terras germânicas a referida Corte extraiu do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana a construção sobre o mínimo existencial e aqui, em terras brasileiras, mesmo com um imenso rol de direitos sociais prestacionais e de defesa, a doutrina e a jurisprudência ainda relutam em creditar plena eficácia a alguns direitos, como, por exemplo, o direito ao trabalho, assim compreendido como direito subjetivo não a um posto de trabalho, mas sim, pelo menos, como respeito ao posto ativo de trabalho, não podendo o empregado ser despedido sem que haja um motivo.

Essa também é a doutrina de Jorge Miranda, para quem, ao revés de existir uma separação estanque entre direitos negativos e direitos positivos, há intercomunicação entre eles, pois, enquanto o paradigma liberal pregava a liberdade abstrata, a ideia presente no modelo social não despreza a liberdade, mas entende que esta somente é alcançada com a igualdade material entre os indivíduos, mediante forte intervenção estatal, pois:

igualdade material não se oferece, cria-se; não se propõe, efectiva-se; não é um princípio, mas uma consequência. O seu sujeito não a traz como qualidade inata que a Constituição tenha de confirmar e que requeira uma atitude de mero respeito; ele recebe através de uma série de prestações, porquanto nem é inerente às pessoas, nem preexiste ao Estado. Onde bastaria que o cidadão exercesse ou pudesse exercer as próprias faculdades jurídicas, carece-se doravante de actos públicos em autónoma discricionariedade. Onde preexistiam direitos, imprescindíveis, descobrem-se condições externas que se modificam, se removem ou se adquirem. Assim, o conceito de direito à igualdade consiste sempre

8 QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais. Funções, âmbito, conteúdo, questões interpretativas e problemas

de justiciabilidade. Coimbra Editora, 2002, p.27.

9 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV, 2, ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 93.

10 “No existen derechos de liberdad, por um lado, y derechos de igualdad, por outro: todos los derechos son de liberdad, incluso

aquéllos que aportan un elemento igualitario, como es el caso de los económicos y sociales, al potenciar y reforzar dicho elemento la liberdad para todos. [...] Por ello, al analizar la estructura de los derechos soiales, se comprueba – aunque persistan notables rasgos distintivos – la inexistencia de uma fractura radical com los tradicionales derechos de liberdad” (IBARRECHE, Rafael Sastre. El derecho al trabajo. Madrid: Editora Trotta, 1996, pp. 71-72).

11 Nesse tocante, Gabriela Neves Delgado atesta que o direito ao trabalho, sobretudo o direito ao trabalho digno faz parte

desse patamar mínimo (Direito fundamental ao trabalho digno, São Paulo: LTr, 2006).

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num comportamento positivo, num facere ou num dare12

.

Se se observar atentamente o Capítulo II do Texto Constitucional, facilmente se perceberá que a própria Lei Fundamental estabeleceu uma limitação, um patamar mínimo, fixando diretrizes que deverão ser cogentemente observadas quando da pactuação empregatícia, sendo correto afirmar que, abaixo do patamar estabelecido constitucionalmente, não é possível qualquer contratação individual.

No tocante à negociação coletiva, a Carta Política foi mais benevolente, permitindo que alguns direitos pontuais, a exemplo do salário e da jornada de trabalho, possam ser pactuados pelos sindicatos, em pleno exercício da autonomia privada coletiva. Assim, é possível afirmar que a limitação firmada na Constituição pátria é total em relação às partes individualmente, mas relativa em termos coletivos

13.

Mais acertado ainda parece afirmar que dito patamar constitucional mínimo figura como verdadeiro direito defensivo, não podendo sequer ser o seu espectro protetivo diminuído, por força do caput do artigo 7º da nossa Constituição, segundo o qual todo o rol que se segue é apenas exemplificativo, pois outros direitos sociais do trabalhador poderão ser previstos ordinariamente, não podendo haver alteração a menor, significando dizer que há uma barreira estatal, uma defesa em face de alterações in pejus, mais próxima ao direito de liberdade do que ao prestacional

14.

3. A PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA COMO DIREITO DE LIBERDADE

Ao doutrinar sobre o direito a algo, ou pretensão, Alexy estabelece que a sua estrutura segue a clássica relação triádica, composta do portador, ou titular do direito, do destinatário (nesse trabalho compreendido como o Estado ou o particular) e o objeto do direito, mais adiante dispondo que o indigitado direito a algo se bifurca em direitos a ações negativas, ou direitos de defesa, e direitos a ações positivas. Os primeiros são triplicemente divididos em “direitos ao não-embaraço de ações, direitos à não-afetação de características e situações e direitos à não-eliminação de posições jurídicas”

15,

enquanto os segundos são subdivididos em “direitos a ações positivas fáticas e direitos a ações positivas normativas”.

Analisando a estrutura normativa presente no artigo 7º, I da nossa Constituição, é fácil perceber que o dispositivo, quando estabelece proteção contra a despedida arbitrária, evidentemente tendo como destinatário um particular – empregador –, não contempla qualquer direito a ação positiva por parte deste. Ao revés, está ali presente um legítimo direito de defesa, de afastamento, abstenção, tendo-se

12

MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 96-97.

13 Eis a lição de Maurício Godinho Delgado: “não prevalece a adequação setorial negociada se concernente a direitos revestidos

de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negociação sindical coletiva. Tais parcelas são aquelas imantadas por uma tutela de interesse público, por se constituírem em um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho” (Introdução ao direito do trabalho: relações de trabalho e relação de emprego. 2. ed., São Paulo: LTr, 1999, p. 197).

14 Fábio Rodrigues Gomes (O Direito Fundamental ao Trabalho, Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008, 178), dissertando

acerca das diversidades atinentes ao direito de defesa e o direito à proteção, assevera que não se deve confundir a função defensiva dos direitos fundamentais com a categoria dos direitos de defesa, pois “a primeira é inerente a qualquer direito fundamental e implica, não a exclusão do Estado, mas, sim, a sua intervenção (subsidiária) em determinadas hipóteses [...]. A segunda, representa os direitos de liberdade voltados contra o Estado, bloqueando normativamente a sua intervenção indevida”.

15 Op. cit., p. 193 e ss.

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que ao empregador, diante do regramento constitucional, é dirigida a ordem estatal de não eliminação da posição jurídica do empregado, havendo clara limitação à livre iniciativa.

Mais claramente falando, o Legislador abstratamente já ponderou os interesses constitucionalmente tutelados, fixando tal limitação e estabelecendo que, diante da colisão entre o princípio constitucional da livre iniciativa e o princípio da liberdade natural de trabalhar, extraído do direito ao trabalho (CRFB/88, artigo 6º), prevalece este

16.

É dizer, o Legislador constituinte já estabeleceu abstratamente uma limitação à liberdade empresarial, não podendo o empregador destituir o empregado de seu status sem que haja um motivo não arbitrário para tanto. Assim agindo, o empregador pratica um não fazer, abstendo-se de despedir o empregado de forma arbitrária.

Nesse trilhar, já doutrinou Fábio Gomes, afirmando que o artigo 7º, I da Lei Fundamental pátria, embora qualificado como um direito social, “é outro dispositivo que não se encaixa naquele velho figurino doutrinário, eis que tem por finalidade, não uma prestação material, mas, sim, evitar a intervenção desmedida do empregador no trabalho continuamente executado por seu empregado”. E ainda assegura, com esteio na lição de Sarlet, que “não por outro motivo, é chamado por alguns de direito social negativo”

17.

À mesma conclusão chegou Alinie da Matta Moreira, ao afirmar que alguns direitos sociais se revestem da qualidade de típicos direitos de liberdade, e que a proteção contra a despedida arbitrária é um desses exemplos

18.

Também Cristina Queiroz, analisando a necessidade de intervenção legislativa no direito à segurança no emprego e, especificamente a proteção dos trabalhadores em face ao despedimento, previsto no art. 53 da Constituição portuguesa de 1976, atribuiu o epíteto de “direito de defesa” a tal proteção

19.

Nunca é demais lembrar que o argumento da reserva fática do possível não é capaz de vincular fortemente só os direitos sociais, sendo mais correto se falar em uma vinculação “fraca” de todos os Direitos Fundamentais à reserva do possível, no caso específico da proteção em face da despedida arbitrária, por ser esta um autêntico direito de defesa, ou liberdade social, como interpretado pela doutrina portuguesa já referida no item anterior. Não há qualquer vinculação à reserva do possível fática e, por tal motivo, a eficácia imediata e plena justiciabilidade da primeira parte do dispositivo constitucional é evidente, pois imposta diretamente como abstenção ao particular – empregador –, para que este não destitua o empregado de seu posto de emprego sem que haja um motivo não arbitrário para tanto.

16

Nesse particular, não há concordância com a doutrina utilitarista de Fábio Gomes (op. cit., p. 221), para quem o artigo 7º, I da Constituição de 1988 encerra direito (poder ou competência) potestativo do empregador despedir sem qualquer motivação, desde que pague indenização legalmente prevista, constituída na multa de 40% sobre os depósitos de FGTS, até que venha uma lei complementar para regulamentar montante indenizatório maior que o já “transitoriamente” previsto.

17 GOMES, Fábio Rodrigues. Op. cit., p. 204.

18 MOREIRA, Alinie da Matta. As restrições em torno da reserva do possível. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 44.

19 QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais. Funções, âmbito, conteúdo, questões interpretativas e problemas

de justiciabilidade. Coimbra Editora, 2002, p. 178.

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4. DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO SISTEMA DE VALORES

Segundo a clássica doutrina do Estado Liberal, os Direitos Fundamentais somente eram entendidos consoante a lógica estatal abstencionista, para que fosse assegurado o direito de liberdade do indivíduo; racionalidade que trazia à reboque a ideia de que a Constituição era um mero documento político, inferior à Lei, o que desembocava no não desenvolvimento do próprio Direito Constitucional, que evoluía paulatinamente, enquanto o Direito Civil crescia, imbuído de teorias que justificavam a sua superioridade.

O cenário narrado era bastante compreensível, diante da tradição jurídica presente ao longo de séculos e disseminada pelo mundo ocidental através do povo romano. Até o jusnaturalismo, no afã de se fazer mais perene, havia sido codificado

20, fazendo-se crer que algo não presente na legislação não era

valorado pela sociedade. Era chegada a época de um jusnaturalismo racional.

Esse cenário positivista, que afastava a moral, a ética e a justiça do Direito, fez-se presente em todo o século XIX, auge das ideias liberais, perdurando fortemente na doutrina civil e constitucional até meados do século XX, momento em que houve uma mudança substancial de racionalidade e, pouco a pouco, a hermenêutica constitucional passou a admitir a permeação do Direito pela moral, constitucionalizando, por assim dizer, o próprio Direito, agora imbuído de valores que se irradiavam para todas as esferas governamentais e até para as entidades privadas, algo impensável segundo a lógica liberal-burguesa.

Para tanto, foi necessário que o mundo testemunhasse as barbáries praticadas pelo holocausto, onde o ser humano foi menosprezado, não dignificado, e tratado como meio para o alcance de um fim que se pretendia legítimo.

Na Alemanha, país responsável tanto pelo cenário horrendo narrado, quanto pela própria modificação do pensamento positivista e virada Constitucionalista, a Constituição de Weimar, hoje plenamente reconhecida como uma das primeiras no mundo a tratar sobre os Direitos Sociais, sequer concebia os Direitos Fundamentais como cláusulas pétreas, omissão que terminou sendo decisiva para fazer com que Hitler retirasse a cidadania dos judeus e iniciasse a perseguição destes pelos mais diversos recantos da Europa.

Terminada a Guerra, na Alemanha, em 1949, foi publicada a Constituição de Bonn e dois anos após, em 1951, foi criado o Tribunal Constituição Federal, composto por juristas contrários às ideias que justificavam o holocausto, fato peremptório para a modificação da hermenêutica constitucional, que passou entender os Direitos Fundamentais como um sistema de valores, racionalidade que foi construída a partir de um julgado, mas plenamente desenvolvida pela Corte Constitucional alemã, influenciando diretamente a interpretação dos princípios como normas, a eficácia dos Direitos Fundamentais entre os particulares – o que se denominou chamar de eficácia horizontal – e o alcance dos direitos de liberdade, agora entendidos sob a ótica também objetiva.

Tal interpretação modificou de vez a própria concepção dos Direitos Fundamentais Sociais, que passaram a se desenvolver, também, sob o aspecto protetivo, não só fático, mas, sobretudo, jurídico.

A Constituição Federal de 1988 foi fortemente influenciada pelo influxo interpretativo das normas constitucionais campeado na Alemanha e é justamente esse o motivo por que se faz necessária a análise da construção germânica dos Direitos Fundamentais como valores, já que a jurisprudência pátria ainda é carente de avanço científico nesse sentido

21.

20

Atente-se para o capítulo I, quando foi abordada a chegada das codificações e, com isso, a segurança através da Lei.

21 Veja-se, por exemplo, julgado colhido do Supremo Tribunal Federal, onde não se admite Recurso Extraordinário, a não ser

por ofensa direta à Constituição: “CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA FÁTICA.

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Se for possível fixar o momento da mudança narrada, esse foi o julgamento do que se denominou caso Lüth.

Em 1950, durante a realização de um festival cinematográfico ocorrido em Hamburgo, o então presidente do Clube de Imprensa, Erich Lüth, além de expor publicamente o diretor de “Amantes Imortais”

22, Sr. Veit Harlan, acusando-o de grande disseminador das ideias nazistas através da Sétima

Arte, também organizou um boicote juntamente aos distribuidores de filmes.

Harlan e os parceiros comerciais ajuizaram uma ação cominatória em face de Lüth, com fulcro no § 826 BGB, dispositivo da Lei civil alemã que obrigava todo aquele que, por ação imoral, causar dano a outrem, a uma prestação negativa – no caso, deixar de boicotar o filme –, sob a cominação de pecúnia.

A referida ação teve o pedido julgado procedente pelo Tribunal Estadual de Hamburgo. Lüth, então, interpôs recurso de apelação junto ao Tribunal Superior de Hamburgo e, ao mesmo tempo, Reclamação Constitucional, alegando violação do seu direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento, garantida pelo art. 5 I 1 GG

23.

O Tribunal Constitucional Federal, já em 1958, julgando procedente a Reclamação, revogou a decisão do Tribunal Estadual, declarando que de acordo com a jurisprudência permanente do Tribunal Constitucional Federal, as normas jusfundamentais contêm não só direitos subjetivos de defesa do indivíduo frente ao Estado, mas representam, ao mesmo tempo, uma ordem valorativa objetiva que, enquanto decisão básica jurídico-fundamental, vale para todos os âmbitos do direito e proporcionam diretrizes e impulsos para a legislação, a administração e a jurisprudência.

A partir dessa decisão, com fulcro na teoria axiológica, os Direitos Fundamentais, a despeito de encerrarem direitos subjetivos para os indivíduos, também passaram a ser considerados como valores objetivos

24 de uma comunidade e, como tais, se espraiam por todo o ordenamento, vinculando

juridicamente todas as funções estatais, dentre elas, o próprio Poder Judiciário, que passa a ter como principal função interpretar a Constituição e as Leis, de modo a dar afetividade aos Direitos Fundamentais.

Nas palavras de Vieira de Andrade, os Direitos Fundamentais “não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto posições jurídicas de que estes são titulares perante o Estado”, pois, eles “valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins

SÚMULA 279 – STF. I. – Somente por ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais. II. – Alegação de ofensa ao devido processo legal: CF, art. 5º, LV: se ofensa tivesse havido, seria ela indireta, reflexa, dado que a ofensa direta seria a normas processuais. E a ofensa a preceito constitucional que autoriza a admissão do recurso extraordinário é ofensa direta, frontal. III. – Alegação de ofensa ao inciso IX do art. 93 da CF: improcedência, porque o que pretende o recorrente, no ponto, é impugnar a decisão que lhe é contrária, certo que o acórdão está suficientemente fundamentado. IV. – Incidência, no caso, da Súmula 279 – STF. V. – Agravo não provido. STF – AI – AgR 481215/RJ, Rel. Min. Carlos Veloso, DJ 24.02.06.

22 Nesse, assim como em outros filmes, dirigidos pelo Sr. Harlan, há forte incitamento à violência em face dos judeus.

23SCHWABE. Jügen. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Tradução de Beatriz Hennig

e outros. Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2005, p. 381.

24 No dizer de Pérez Luño (op. cit. p. 21): “en el horizonte del constitucionalismo actual los derechos fundamentales

desempeñan, por tanto, uma doble función: em el plano subjetivo siguen actuando como garantias de la liberdad individual, si bien a este papel clásico se aúna ahora la defensa de los aspectos sociales y colectivos de la subjetividad, mientras que em el objetivo han asumido uma dimensión institucional a partir de la cual su contenido debe funcionalizarse para la consecución de los fines y valores constitucionalmente proclamados”.

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de que se propõe prosseguir, em grande medida através da acção estadual”25

, que é, em outras palavras o próprio dever de proteção estatal em relação aos indivíduos.

Alexy, apesar de reconhecer que princípios e valores possuem a mesma estrutura, sendo ambos passíveis de sopesamento quando em conflito com outros princípios ou valores, afirma que aqueles ocupam o campo da deontologia, ou do dever-ser – como os conceitos de dever, proibição, permissão e direito a algo –, enquanto estes se localizam no âmbito da axiologia, identificado como o conceito de bom – como os conceitos de bonito, corajoso, seguro, econômico, democrático, social, liberal ou compatível com o Estado de direito

26.

Evidente que a assim denominada teoria axiológica dos Direitos Fundamentais encontrou séria divergência, sendo Habermas um dos seus principais opositores, quando lança contra o discurso da ponderação de valores o epíteto de “frouxo”, argumentando que:

ao deixar-se conduzir pela ideia da realização de valores materiais, dados preliminarmente no direito constitucional, o tribunal constitucional transforma-se numa instância autoritária. No caso de uma colisão, todas as razões podem assumir o caráter de argumentos de colocação de objetivos, o que faz ruir a viga mestra introduzida no discurso jurídico pela compreensão deontológica de normas de princípios do direito. [...] Normas e princípios possuem uma força de justificação maior do que a de valores, uma vez que podem pretender, além de uma especial dignidade de preferência, uma obrigatoriedade geral, devido ao seu sentido deontológico de validade; valores têm que ser inseridos, caso a caso, numa ordem transitiva de valores. E, uma vez que não há medidas racionais para isso, a avaliação realiza-se de modo arbitrário ou irrefletido, seguindo ordens de precedência e padrões consuetudinários

27.

Informa Steinmetz28

que a teoria axiológico-sistêmica também encontrou na doutrina de forsthoff grande crítica, acreditando o citado jurista que, na filosofia dos valores, “a interpretação jurídica dá lugar à interpretação filosófica”, tornando “inseguro o direito constitucional, dissolvendo a lei constitucional na casuística, porque o caráter formal-normativo do direito constitucional, isto é, a sua positividade jurídico-normativa, é substituída por uma suposta normatividade constitucional estabelecida caso a caso”.

Tomando emprestadas as palavras de Sarmento, “não se afigura necessária a adesão” à teoria da ordem de valores para “aceitação da existência de uma dimensão objetiva dos direitos fundamentais, e para o reconhecimento dos dois efeitos práticos mais importantes desta dimensão: a eficácia irradiante dos direitos fundamentais e a teoria dos deveres estatais de proteção”

29. E é sobre isso que se tratará a

seguir.

5. EFICÁCIA IRRADIANTE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

25

Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 4. ed., Coimbra: Almedina, 2009, p. 109.

26 Op. cit., p. 144 e ss.

27 HABERMAS, Jügen. Direito e democracia. Entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Breno Siebeneichler, Volume I,

Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Universitário 101, 2003, p. 231.

28 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 107-108.

29 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e relações privadas. 2. ed., Rio de Janeiro: Lumens Juris Editora, 2006, p. 123.

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A fim de orientar o alcance da teoria axiológica dos Direitos Fundamentais, na década de oitenta, Alexy indicou como única forma viável de se interpretar o caráter objetivo dos referidos direitos, a técnica da abstração de toda e qualquer noção subjetiva.

Nesse desiderato, pontuou o referido publicista, que apenas com uma tríplice abstração é possível fazer aparecer o caráter objetivo do direito

30.

Para tanto, o autor utiliza o direito à liberdade de expressão (caso Lüth), afirmando que, ao se realizar a primeira abstração (do titular), converte-se um dever relacional (que possui um direito subjetivo como contrapartida) em um dever não-relacional, ou seja, uma obrigação sem um direito subjetivo correspondente, que gera apenas um dever prima facie de o Estado atuar, de modo a se omitir de intervir na liberdade de opinião.

Todavia, para alcançar um “nível supremo de abstração”, é necessária a feitura de uma segunda abstração (do destinatário do direito) para, então, abstrair algumas particularidades do objeto (omissão de intervenção estatal). Como resultado final, haverá somente um “simples dever-ser” da liberdade de expressão, o que o Tribunal Constitucional Federal intitulou de “decisão básica jurídico-objetiva”, e o autor de “norma básica que decide valores”, que “se irradiará por todos os âmbitos do ordenamento”

31.

A partir dessa concepção irradiante dos Direitos Fundamentais, doutrina e jurisprudência germânicas evoluíram para outros conceitos que redundaram profundamente no aprimoramento da eficácia e efetividade das normas constitucionais, como, por exemplo, a assim denominada eficácia horizontal, ou vinculação dos particulares aos Direitos Fundamentais.

A teoria axiológica encontra no Direito constitucional brasileiro ampla possibilidade de aplicação, tendo-se que a Constituição Federal de 1988 é eivada de valores, positivados ou não, como, por exemplo, o valor social do trabalho, que, devidamente refletido, impediria qualquer denúncia vazia contratual por parte do empregador.

Nesse trilhar, fácil é perceber que as normas constitucionais, para além do conteúdo subjetivo, encerram valores que se irradiam para os mais diversos ramos do Direito, não só civil, mas também penal, econômico e, sobretudo, do trabalho, encontrando nos conceitos jurídicos indeterminados (bons costumes, ordem pública, boa-fé, abuso de direito) um forte campo para aplicação dos valores consagrados no Texto Constitucional.

6. O ALCANCE DO ARTIGO 7º, I, DIANTE DA REGRA CONTIDA NO ARTIGO 5º, § 1º

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Os Direitos Fundamentais, assim entendidos segundo a versão de direitos à prestação, podem ser subdivididos em direitos a proteção, estes bipartidos em prestações materiais e prestações jurídicas; e direitos à organização e procedimento.

Também foi pontuado que a hermenêutica constitucional contemporânea, aqui adotada, entende a Constituição como ordem de valores e os Direitos Fundamentais como normas-princípios, que vinculam todas as atividades estatais, impondo-se para que o Estado legisle e crie políticas públicas para efetivá-los, irradiando-se, inclusive para os particulares, para que estes também observem em suas relações privadas os ditos Direitos.

30

Op. cit., p. 508.

31 GOMES, Fábio. Op. cit., p. 104.

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Interessa nesse momento apenas a localização dos Direitos Fundamentais como direitos a prestação jurídica, máxime a proteção contra a despedida arbitrária (aqui entendida como despedida sem qualquer motivação), tendo-se que a Constituição em seu artigo 7º, I estabeleceu tal direito e o Estado-Legislador, passados quase trinta anos, ainda não cumpriu o seu dever constitucional, assumido já no Preâmbulo da Constituição Federal de 1988, no tocante ao desiderato de instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e a liberdade.

A regra contida no indigitado artigo 7º, I do Texto Constitucional encerra norma constitucional de eficácia plena, assegurando a proteção em face da despedida arbitrária ou sem justa causa, remetendo a Constituição ao Legislador apenas a previsão de indenização pela dispensa e o modo como tal deverá ser processada.

Apesar da evidente conclusão retro exposta, não há qualquer novidade em afirmar que doutrina e jurisprudência dominantes pensam exatamente o oposto, que o dispositivo contém regra de eficácia limitada, não podendo ser aplicado até que venha uma norma infraconstitucional tratando sobre o assunto, conclusão que por si só atenta contra a supremacia, a máxima efetividade e a força normativa da Constituição, tendo-se que não é crível que passados tantos anos da promulgação da Lei Maior, ainda penda de “regulamentação” tal direito fundamental social, quando a própria Constituição em seu artigo 5º, § 1º prevê que todas as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

É certo que, não obstante esse último mandamento constitucional, nem todos os Direitos Fundamentais possuem imediata eficácia, pois não é incomum encontrar no Texto Constitucional normas que, para alcançarem a plena aplicação, dependem de norma que as regulamente

32, destrinchando o

Direito Fundamental ao patamar ordinário, o que não significa que a norma fundamental possua nenhuma eficácia, pois há sempre uma vinculação negativa e positiva dos Poderes Públicos, no sentido de não se ignorar o traçado já posto na Constituição, assim como o dever de agir para maximizar o Direito Fundamental correspondente na Legislação ou através dos julgados.

Nesse sentido, importa muito mais saber se o direito analisado possui alta ou baixa densidade normativa e assim assegura Sarlet, afiançando que a Constituição de 1988 consagrou variada gama de Direitos Fundamentais Sociais e “considerou todos os Direitos Fundamentais como normas de aplicabilidade imediata” e que boa parte dos Direitos Fundamentais Sociais são, na verdade, direitos de defesa (classicamente de eficácia imediata), mas carentes de “concretização legislativa”, o que não significa a ausência de aplicação do artigo 5º, §1º da Constituição Federal de 1988, sendo relevante saber se a norma constitucional é dotada de “baixa densidade normativa”

33.

Prossegue o citado publicista, asseverando que a “melhor exegese contida no art. 5º, § 1º, de nossa Constituição é a que parte da premissa de que se trata de norma de cunho inequivocamente principiológico, considerando-a, uma espécie de mandamento de otimização (ou maximização)”

34.

Ou seja, a conclusão do autor guarda simetria com o quanto analisado neste trabalho, no tocante à vinculação de todos os poderes públicos aos Direitos Fundamentais, sendo do Estado a tarefa de maximizá-los, através do processo legislativo de proteção, na efetivação de políticas públicas materiais e efetivas voltadas à concretização dos valores já postos na Constituição e, sobretudo, por meio do Estado-Juiz, a quem cabe também o dever de interpretar o Texto Constitucional de modo a dar máxima efetividade às normas fundamentais.

32

Como, por exemplo, a regra contida no art. 7º, X da CRFB/88, que protege o salário na forma da lei, constituindo crime a retenção dolosa deste, devidamente atrelada ao princípio estrito da legalidade.

33 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 268.

34 Op. cit., p. 270.

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Vale lembrar a doutrina de Canotilho, já anunciando a “morte” das normas constitucionais programáticas, por entender que todas as normas constitucionais “têm força normativa independentemente do acto de transformação legislativa” e que essa concepção é diversa de “saber em que termos uma norma constitucional é suscetível de aplicação direta e em que medida é exequível por si mesmo”

35.

Se é certo afirmar, com se fez ao norte, que nem todos os Direitos Fundamentais podem ser automaticamente invocados e aplicados, por força da regra contida no artigo 5º, § 1º da Constituição, não menos certo é defender que os aludidos direitos possuem, em relação aos demais direitos constitucionais, “maior aplicabilidade e eficácia”. Isso não significa que entre os Direitos Fundamentais não possa haver conflito, aqui importando mais ainda saber se, no caso concreto, o respectivo Direito Fundamental colide com outro de mesma hierarquia, a densidade normativa de cada um deles, bem como o valor constitucional que cada um encerra, pois, “negar-se aos direitos fundamentais esta condição privilegiada significa, em última análise, negar-lhes a própria fundamentalidade”

36.

Nesse trilhar, outro ponto que merece análise é a eficácia e o alcance dos Direitos Fundamentais Sociais do Trabalhador, sendo certo que topograficamente a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa está localizada na parte constitucional que trata dos Direitos Sociais dos obreiros.

É o que será abordado no próximo tópico.

7. EFICÁCIA PLENA DA PRIMEIRA PARTE DO ARTIGO 7º, I CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1988 E A ANTIJURIDICIDADE DA DESPEDIDA IMOTIVADA

A primeira parte do artigo 7º, I do Texto Constitucional contém norma de eficácia plena, sendo proibida a despedida sem motivação pelo empregador

37, a assim denominada denúncia vazia

38, pois o

próprio Legislador Constituinte já afirmou que é direito de todos os empregados urbanos e rurais a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa (alguma causa há de ter!), relegando ao Legislador infraconstitucional apenas a confecção de Lei Complementar para tratar sobre a hipótese de indenização por conta da despedida com tais características.

Assim sendo, não há falar em norma constitucional de eficácia limitada, como professa a interpretação dominante, mas sim em norma de eficácia plena, na primeira parte, com baixa densidade normativa na segunda parte, não se permitindo constitucionalmente que o empregador se utilize da faculdade resilitiva que lhe é outorgada pela Lei, despedindo o respectivo empregado sem qualquer motivação, pois, ao revés do quanto majoritariamente defendido, a ordem emanada da Constituição é no

35

Op. cit., p. 1161.

36 SALET, op. cit., p. 272.

37 Em percuciente abordagem sobre o tema, a lição de Edilton Meireles (Abuso do direito na relação de emprego, op. cit. p.

198), para quem: “a primeira lição que se extrai é que é direito do trabalhador a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. Logo, se a lei busca proteger o trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, assegurando-lhe esse direito social, constitucional e fundamental, é porque ela não tem como jurídica a despedida imotivada. A despedida injusta, arbitrária ou sem justa causa, portanto, ao menos a partir da Constituição Federal de 1988, passou a ser ato antijurídico, não protegido pela legislação”.

38 Para Ceneviva, o indigitado dispositivo não é auto-aplicável, mas limita o poder de comanda da empresa, “que tem discrição,

mas não arbítrio de rescindir imotivadamente o contrato de trabalho, sob pena de indenizar o trabalhador” (CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional brasileiro. São Paulo: Saraiva, 3.ed., 2003, p. 95.

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sentido da proteção contra a despedida arbitrária, sem motivo, vazia e sem justa causa39

, em defesa do valor constitucional maior da dignidade do trabalhador, que informa o próprio direito ao trabalho, presente no artigo 6º da Constituição.

O paradigma dominante, assim entendido como a permissão de o empregador despedir sem qualquer apresentação de motivos, esvazia todo o conteúdo protetivo da Constituição e não se coaduna com o Estado, Legislador ou Juiz, vinculado aos valores constitucionais.

É de notar, inclusive, que a despedida sem motivação é ato antijurídico40

e contrário ao Texto Constitucional, sendo essa a única interpretação viável e possível para quem vislumbra a Constituição segundo uma ordem axiológica, tendo em conta o valor social do trabalho e o exercício do direito de propriedade segundo a sua função social.

Faça-se um pequeno teste, que pela sua simplicidade chega até a ser pueril. Se o Legislador regulamentar o art. 7º, I da nossa Constituição, jamais poderá fazê-lo para dizer que a despedida do empregado pelo empregador pode se dar sem motivação, de forma vazia, pois o Estado-Legislador é objetivamente vinculado à Constituição e esta já traça a diretriz de “relação protegida contra a despedida arbitrária” e não o contrário

41. Seria inconstitucional, portanto, qualquer norma que intentasse

“desproteger” a relação de emprego em face da despedida arbitrária, até porque a suposta norma se atritaria diretamente com o caput do artigo 7º da Constituição de 1988, que traça o perfil evolutivo das normas trabalhistas e não o inverso.

Lançando luzes sobre a conclusão já exposta, José Afonso da Silva, comentando o alcance do art. 7º, I da CRFB/88, concluiu:

temos para nós que a garantia do emprego é um direito por si bastante, nos termos da Constituição – ou seja, a norma do art. 7º, I, é por si só suficiente para gerar o direito nela previsto. Em termos técnicos, é de aplicabilidade imediata; de sorte que a lei complementar apenas virá determinar os limites dessa aplicabilidade, com a definição dos elementos (‘despedida arbitrária’ e ‘justa causa’) que delimitem sua eficácia, inclusive pela possível conversão em indenização compensatória de garantia de permanência no emprego. indenização não é garantia da relação de emprego. como se vê no texto, é uma medida compensatória da perda de emprego. se a Constituição garante a relação de emprego, o princípio é o da conservação, e não o da sua substituição. Compreendido o texto especialmente em conjugação como § 1º do art. 5º, aplicável aos direitos do art. 7º - que se enquadram também entre os direitos e garantias fundamentais – chega-se à conclusão de que a norma do citado inciso I é de eficácia contida

42.

39

Nesse particular, a lógica leva a concluir que se o Legislador proibiu a despedida sem justa causa, alguma causa, pelo menos, deve ser apresentada, para que seja analisada se é justa ou não.

40 À mesma conclusão chegou Virgínia Leite Henrique, assegurando que “a dispensa arbitrária (injusta ou imotivada) coloca-se

fora do ordenamento jurídico” (Dispensa arbitrária ou sem justa causa. In: SCHWARZ, Rodrigo Garcia (org.). Dicionário: Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 2012, p. 376, 376-385.

41 Em outras palavras, a mesma conclusão: “O direito fundamental a uma relação de emprego protegida contra a despedida

arbitrária esvazia-se, se condicionarmos seu exercício a uma atuação legislativa desnecessária, porque terá de dizer o óbvio. Ora, mesmo sob a perspectiva da eficácia indireta dos direitos fundamentais, a doutrina é unânime em reconhecer a necessidade de conformação do sistema jurídico às normas constitucionais. Logo, seria inconstitucional qualquer legislação que propusesse a ausência do dever de motivação do ato de denúncia do contrato. A lei, a ser editada a partir da ordem contida no inciso antes referido, terá necessariamente que disciplinar os motivos da despedida lícita e as consequências da perda do emprego. Ou seja, explicitar o dever já contido no dispositivo constitucional” (SEVERO, Valdete Souto. Op. cit., p. 197).

42 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8. ed., São Paulo: Malheiros, 2012, p. 193.

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O regramento previsto no artigo 7º, I do Texto Constitucional contém o que Alexy43

consagrou como “reserva simples” a um Direito Fundamental, tendo-se que o Legislador é instado, pela própria regra, a regulamentar o respectivo direito já assegurado na Constituição, mas este é também vinculado ao modelo já traçado pela Lei Maior.

É dizer, o Legislador ordinário não poderá jamais “desproteger” o empregado, permitindo a despedida arbitrária, diante de tal limitação. Ademais, atentando-se ao princípio da unidade do Texto Constitucional, fácil é perceber que a livre iniciativa que fundamenta a faculdade de o empregador dispensar o empregado não é absoluta; ao revés, encontra limites postos pela própria Constituição, através da vedação à despedida arbitrária e o exercício da propriedade segundo a sua função social.

Se é certo que há uma evidente limitação à atividade do Legislador ordinário, não menos certo é afirmar que a limitação constituída em torno da vedação à despedida arbitrária – aqui entendida como a denúncia vazia – é também ordem dirigida diretamente ao particular empregador, que, como já assegurado, não detém ilimitados “poderes” diretivos, já que tais teoricamente decorrem do exercício do direito de propriedade e do princípio da livre iniciativa, sendo aquele vinculado à sua função social e este limitado ao regramento já posto na Constituição ao redor da vedação à despedida arbitrária.

Toda a ordem constitucional proíbe o arbítrio e essa ideia foi algo construído pelos povos ocidentais, criando um paradigma que se irradiou, inclusive para as relações civis pátrias, que sequer permitem que a resolução de um contrato possa ser invocada por puro arbítrio de uma das partes contratuais, como prevê o artigo 122 do nosso Código Civil. Ora, se até a Legislação civil, que tem como paradigma a ideia ancestral de igualdade entre as partes convenentes

44, não permite tal forma de

resolução contratual, com muito mais razão as relações trabalhistas devem ser guiadas pela mesma racionalidade

45.

O artigo 7º, I do Texto Constitucional é claro ao estabelecer hipótese de indenização, prevendo que o empregado despedido sem justa causa ou imotivadamente terá reparação patrimonial, não sendo difícil concluir que, se a Constituição previu indenização para o empregado contra ato arbitrário do respectivo empregador, é porque o considera ato ilícito, contrário ao Direito, como determina o artigo 927 do Código Civil, segundo o qual “aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Pensar o contrário é permitir que o empregado se locuplete ilicitamente ao receber indenização, pois está recebendo pecúnia do empregador, que agiu licitamente, diante do seu “direito potestativo” de despedir.

Não se vê como possível qualquer outra interpretação, sobretudo a em voga, no sentido de um suposto direito potestativo de o empregador despedir com arbítrio, que contraria não só o próprio Texto Constitucional em sua literalidade, mas também ignora toda a evolução já traçada nesse trabalho acerca da proibição do arbítrio.

A inércia do Estado-Legislador é evidente nesse tocante e não se justifica pela realidade que se apresenta aos olhos mais atentos, quando é perceptível que o invocado direito potestativo de despedir com arbítrio do empregador permite, no mais das vezes, que este tenha por resilidos determinados contratos de empregados não muito interessantes à livre iniciativa e que “precisam” ser descartados

46,

43

Op. cit., p. 130.

44 Ideia, é verdade, um pouco sufragada entre nós pelo advento dos institutos da lesão, boa-fé objetiva e função social da

propriedade na codificação civil atual.

45 Atente-se para o último capítulo, onde é foi elaborada uma maior abordagem sobre essa mesma questão, que ora serve tão

somente como premissa para o raciocínio.

46 Sobre o tema, a percuciente abordagem de SILVA, Cristiane de Melo M. S. Gazola; SALADINI, Ana Paula Sefrin. Da limitação

do poder de despedir – a aplicação do art. 7º, I, da Constituição Federal aos casos de despedida abusiva de empregados portadores de doenças não ocupacionais. In.: Revista LTr. v. 74, n. 02, fev/2010, p. 74-02/242-74-02/250.

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como os doentes não amparados pela previdência social, os que estão em vias de adquirir determinados vencimentos pelo longo tempo na empresa, ou, simplesmente, porque há a possibilidade de contratar pessoal com menor custo.

Pensar que não há inércia ou omissão por conta da regra supostamente transitória contida no artigo 10 do ADCT é outra excrescência interpretativa. O referido dispositivo se pretende transitório, para teoricamente suprir a carência de Lei Complementar presente no artigo 7º, I da Constituição, mas, apesar disso, há quase um quarto de século serve como paliativo para conter a inércia do Estado.

Também é fácil encontrar na doutrina e na jurisprudência47

posicionamento no sentido de que a “estabilidade” é incompatível com o regime do FGTS e, portanto, toda a indenização a que o empregado teria direito já está contida no artigo 10 do ADCT.

Ora, uma coisa não tem nada a ver com a outra. O artigo 7º trata, em incisos diferentes e apartados, do direito do empregado contra a despedida arbitrária ou sem justa causa e do direito ao FGTS, respectivamente, incisos I e III, o que já demonstra que aquela indenização presente no indigitado artigo 10 do ADCT refere-se à indenização transitória, para suprir a falta da Lei Complementar a que se refere o artigo 7º, I, tratando, coincidentemente, sobre a elevação da multa pela despedida sem justa causa ou arbitrária, o que não significa dizer que esta indenização se confunde com a multa de 40% prevista na Lei n. 8.036/90.

É dizer, se vier a Lei Complementar, esta preverá indenização compensatória à despedida arbitrária ou sem justa causa, regulamentando o art. 7º, I do Texto Constitucional, mas isso não implicará que a multa de 40% incidente sobre o FGTS deixará de existir, pois a primeira indenização referida tem previsão constitucional no aludido dispositivo e a outra indenização, encontra amparo legal no inciso III do art. 7º da Constituição, esmiuçado ordinariamente pela Lei n. 8.036/90, que trada exatamente da multa de 40% incidente sobre o FGTS.

8. INCONSTITUCIONALIDADE DA AUTORIZAÇÃO DA DESPEDIDA COLETIVA IMOTIVADA

No contexto individualista e desgarramento dos direitos fundamentais, o PLC n. 38/17 prevê em seu artigo 477-A que "as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação".

Ora, é certo que o Estado-Legislador é insuficiente, em ofensa ao dever de proteção que decorre do próprio Estado Social, mas o artigo 7º, I da Constituição Federal de 1988 estabelece um dever de legislar e tal dever não deve ser cumprido de forma ilimitada. Ao revés, qualquer regulamentação infraconstitucional acerca do indigitado dispositivo constitucional, obrigatoriamente deve observar o regramento segundo o qual a proteção contra a despedida arbitrária é um direito fundamental do trabalhador. É dizer, o Estado-Legislador, por ser objetivamente vinculado às normas constitucionais, tem por obrigação que exercer o seu mister, de modo a não invadir ou esvaziar o conteúdo do Texto Constitucional e, preferencialmente, até, elevar a condição social do trabalhador, por força do quanto estatuído no caput do artigo 7º da Carta Política de 1988.

Ao ter o Estado-Legislador estabelecido que as despedidas coletivas ou plúrimas se equiparam às individuais, partiu necessariamente do pressuposto segundo o qual a Constituição Federal de 1988 permite a denúncia contratual individual vazia, quando o que lá está contido é justamente o contrário. Sem embargo, conforme já analisado, a primeira parte do artigo 7º, I da Constituição Federal de 1988

47

Veja-se, por exemplo, a decisão do TST, já transcrita nesse capítulo, resolvendo sobre a despedida sem qualquer motivo de empregado contratado há mais de vinte anos pela mesma empresa.

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assegura aos empregados a proteção contra a despedida arbitrária e esta, no moldes traçados pelo artigo 165 da CLT, é aquela não fundada em motivo técnico, econômico, financeiro ou disciplinar.

Em outras palavras, o Estado-Legislador é objetivamente vinculado às normas constitucionais e, assim sendo, a proposta trazida pelo artigo 477-A do PLC n.38/17, no sentido de esvaziar o conteúdo protetivo previsto no inciso I do artigo 7º da Constituição Federal de 1988 é materialmente inconstitucional.

9. A INCONSTITUCIONALIDADE POR OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

No dia 13 de janeiro de 2009, a EMBRAER, sob a alegação de reduzir os custos decorrentes da crise econômica global, resolveu despedir 20% do quadro de seus empregados (aproximadamente 4.400 trabalhadores, de um total de cerca de 22 mil), tendo a empresa alegado que a drástica decisão, embora dura, era necessária para preservar outros 17 mil postos de trabalho.

O ato empresarial, logicamente, ensejou a atuação do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, o Sindicato dos metalúrgicos de Botucatu e a Federação dos Metalúrgicos de São Paulo, que instauraram dissídio coletivo com pedido de medida liminar, pleiteando, primeiramente a cessação dos atos demissionários, bem como a reintegração dos empregados já despedidos, afirmando as agremiações que o ato perpetrado pela empresa era “antijurídico”, posto contrário ao artigo 7º, I da Constituição, antagônico aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da representação sindical e da participação obrigatória dos sindicatos nas negociações, além de ser abusivo e ofensivo à boa-fé, pois a possibilidade da despedida coletiva não fora objeto de negociação prévia e sequer haviam sido notificados os empregados do desiderato patronal, atitude que se afasta do dever de informação pertinente à empresa.

A despedida coletiva nada mais é do que o somatório das dispensas individuais48

e a razão da antítese ao poder de dispensa ilimitado é exatamente a mesmo, tanto é assim, que nesse caso citado, o grande argumento empresarial foi afirmar que o direito brasileiro não possui regramento acerca da despedida coletiva e, como há um hiato legislativo, força seria concluir que os atos demissionais vazios são permitidos, somente gerando direito à indenização de 40% sobre os depósitos de FGTS, levantamento do valor na conta vinculada e pagamento das parcelas resilitórias já adquiridas, como férias e gratificações natalinas proporcionais, ideia também presente quando se trata de despedida individual.

Em sua primeira manifestação, datada de 26 de fevereiro, o Tribunal Regional do Trabalho de Campinas concedeu liminar suspendendo as rescisões contratuais, já feitas ou que viessem a ocorrer, até a data da audiência de conciliação, e requisitou da empresa a apresentação de balanços patrimoniais e demonstrações contábeis dos dois últimos exercícios. Na oportunidade, o Relator, Desembargador

48

Em sentido diverso do ponto de vista defendido, a lição de Delgado: “a despedida individual é a que envolve um único trabalhador, ou que, mesmo atingindo diferentes empregados, não configura ato demissional grupal, ou uma prática maciça de rupturas contratuais (o chamado lay-off). A ocorrência de mais de uma dispensa em determinada empresa ou estabelecimento não configura, desse modo, por si somente, despedida coletiva. [...] Já a despedida coletiva atinge um grupo significativo de trabalhadores vinculados ao respectivo estabelecimento ou empresa, configurando uma despedida maciça de rupturas contratuais” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed., São Paulo: LTr, 20012, p. 1175-1176). O Des. José Antônio Pancotti, elaborou detida análise sobre o tema, afirmando que “na dispensa coletiva, a causa é única e o propósito é a redução do quadro de pessoal da empresa”, invocando a lição de Rua da Almeida, para quem a diferença entre dispensa individual e coletiva reside no fato desta se justificar por fato de natureza disciplinar (justa causa) imputável ao empregado ou por inaptidão profissional às mudanças técnicas da empresa, ao passo que aquela pode ser arbitrária ou não, dependendo da existência comprovada de fato objetivo relacionado à empresa, causado por motivo de ordem econômico-conjuntural ou técnico-estrutural (PANCOTTI, José Aantônio. Aspectos jurídicos das dispensas coletivas no Brasil. In: Revista LTr. v. 74, n. 05, maio/2010, p. 05/529-05/541.

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Sotero da Silva, disse haver “indiscutível interesse público na preservação da dignidade do trabalhador enquanto pessoa humana, fundamento do Estado Democrático Brasileiro”.

Fracassadas todas as tentativas conciliatórias, o TRT da 15ª Região julgou parcialmente procedente o dissídio coletivo e, em atenção à força normativa dos princípios, citando extensa e atualizada doutrina, declarou abusiva a demissão coletiva, diante da ausência de negociação coletiva prévia

49.

Embora se entenda que a dispensa em massa não precedida de fundamentos socialmente aceitos enseja a reintegração no emprego, exatamente por que o ato resilitório é nulo por abusividade e ofensivo à boa-fé e que isso enseja o retorno das partes ao status quo ante, sem qualquer impedimento da indenização compensatória, reconhece-se que essa decisão do TRT de Campinas foi um grande avanço na jurisprudência, pois se agasalhou o entendimento segundo o qual o empregador não possui poderes ilimitados de despedir, principalmente coletivamente, devendo o ato demissional coletivo ser sempre precedido de negociação com a agremiação, parâmetro este sequer previsto expressamente em lei.

Houve interposição de Recurso Ordinário por ambas as partes litigantes. A EMBRAER insistia que havia agido conforme a lei, almejando, com isso, a reversão da declaração de abusividade da greve, enquanto as agremiações ratificavam o pedido de reintegração de todos os empregados despedidos.

Em sede liminar, o Ministro Moura França suspendeu os efeitos da decisão de Campinas, afirmando em sua decisão que as resilições contratuais tiveram por base “comprovadas dificuldades financeiras capazes de comprometer o regular exercício de sua atividade econômica”.

Quanto à consideração de que a demissão teria violado o artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, que protege a relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, o citado Ministro afiançou que “o dispositivo, ao contrário do que se pensa, não assegura estabilidade ou garantia

49

CRISE ECONÔMICA – DEMISSÃO EM MASSA – AUSÊNCIA DE PRÉVIA NEGOCIAÇÃO COLETIVA – ABUSIVIDADE – COMPENSAÇÃO FINANCEIRA – PERTINÊNCIA. As demissões coletivas ou em massa relacionadas a uma causa objetiva da empresa, de ordem técnico-estrutural ou econômico-conjuntural, como a atual crise econômica internacional, não podem prescindir de um tratamento jurídico de proteção aos empregados, com maior amplitude do que se dá para as demissões individuais e sem justa causa, por ser esta insuficiente, ante a gravidade e o impacto sócio-econômico do fato. Assim, governos, empresas e sindicatos devem ser criativos na construção de normas que criem mecanismos que, concreta e efetivamente, minimizem os efeitos da dispensa coletiva de trabalhadores pelas empresas. À míngua da legislação específica que preveja procedimento preventivo, o único caminho é a negociação coletiva prévia entre a empresa e os sindicatos profissionais. Submetido o fato à apreciação do Poder Judiciário, sopesando os interesses em jogo: liberdade de iniciativa e dignidade da pessoa humana do cidadão trabalhador, cabe-lhe proferir decisão que preserve o equilíbrio de tais valores. Infelizmente não há no Brasil, a exemplo da União Europeia (Directiva 98/59), Argentina (Ley n. 24.013/91), Espanha (Ley del Estatuto de Los Trabajadores de 1995), França (Lei do Trabalho de 1995), Itália (Lei nº 223/91, México (Ley Federal del Trabajo de 1970, cf. texto vigente – última reforma foi publicada no DOF de 17/01/2006) e Portugal (Código do Trabalho), legislação que crie procedimentos de escalonamento de demissões que levem em conta o tempo de serviço na empresa, a idade, os encargos familiares, ou aqueles em que a empresa necessite de autorização de autoridade, ou de um período de consultas aos sindicatos profissionais, podendo culminar com previsão de períodos de reciclagens, suspensão temporária dos contratos, aviso prévio prolongado, indenizações, etc. No caso, a EMBRAER efetuou a demissão de 20% dos seus empregados, mais de 4.200 trabalhadores, sob o argumento de que a crise econômica mundial afetou diretamente suas atividades, porque totalmente dependentes do mercado internacional, especialmente dos Estados Unidos da América, matriz da atual crise. Na ausência de negociação prévia e diante do insucesso da conciliação, na fase judicial só resta a esta Eg. Corte, finalmente, decidir com fundamento no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e no art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, com base na orientação dos princípios constitucionais expressos e implícitos, no direito comparado, a partir dos ensinamentos de Robert Alexy e Ronald Dworkin, Paulo Bonavides e outros acerca da força normativa dos princípios jurídicos, é razoável que se reconheça a abusividade da demissão coletiva, por ausência de negociação. Finalmente, não sobrevivendo mais no ordenamento jurídico a estabilidade no emprego, exceto as garantias provisórias, é inarredável que se atribua, com fundamento no art. 422 do CC – boa-fé objetiva – o direito a uma compensação financeira para cada demitido. Dissídio coletivo que se julga parcialmente procedente.

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de emprego, e muito menos garante, de imediato, pagamento de indenização, pelo simples fato de que a fixação do valor desse título depende de lei complementar que, lamentavelmente, ainda não foi objeto de deliberação pelo Congresso Nacional”. No tocante à necessidade de negociação coletiva prévia, foi dito que “não há, especificamente, nenhum dispositivo normativo que lhe imponha essa obrigação”.

Na Sessão de Dissídios Coletivos, a relatoria coube ao Ministro Maurício Godinho Delgado. Em votação apertada de cinco votos a quatro, foi confirmada a decisão anterior de manter as demissões, mas com a previsão do iter, constituído em torno da necessidade de negociação coletiva anterior à resilição contratual em massa, mas somente para casos futuros

50.

Houve avanço na jurisprudência, sobretudo no tocante à indicação da necessidade de se proceder à negociação coletiva como medida profilática à despedida em massa, assim como restou vazado no voto do Ministro Relator, que “a proteção ao trabalhador já está plenamente prevista no texto constitucional, tratando-se de direito fundamental, tendo, portanto, aplicação imediata, impedindo a atuação do aplicador do direito em sentido contrário ao seu conteúdo”.

Por outro lado, disse o Eminente Ministro, que a norma constitucional possui eficácia contida, dependendo o direito à indenização de regulamentação através de Lei Complementar (reintegração, então, nem pensar), o que é um contra-senso, já que se falou em máxima eficácia das normas

50

Pela importância da decisão, optou-se pela sua transcrição da ementa na íntegra: RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO, DISPENSAS TRABALHISTAS COLETIVAS. MATÉRIA DE DIREITO COLETIVO. IMPERATIVA INTERVENIÊNCIA SINDICAL. RESTRIÇÕES JURÍDICAS ÀS DISPENSAS COLETIVAS. ORDE CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICA EXISTENTE DESDE 1988. A sociedade produzida pelo sistema capitalista é, essencialmente, uma sociedade de massas. A lógica de funcionamento do sistema econômico-social induz a concentração e centralização não apenas de riquezas, mas também de comunidades, dinâmicas socioeconômicas e de problemas destas resultantes. A massificação das dinâmicas e dos problemas das pessoas e grupos sociais nas comunidades humanas, hoje, impacta de modo frontal a estrutura e o fundamento operacional do próprio Direito. Parte significativa dos danos mais relevantes na presente sociedade e das correspondentes pretensões jurídicas tem natureza massiva. O caráter massivo de tais danos e pretensões obriga o Direito a se adequar, deslocando-se da matriz individualista de enfoque, compreensão e enfrentamento dos problemas a que tradicionalmente perfilou-se. A construção de uma matriz jurídica adequada à massividade dos danos e pretensões característicos de uma sociedade contemporânea sem prejuízo da preservação da matriz individualista, apta a tratar os danos e pretensões de natureza estritamente atomizada é, talvez, o desafio mais moderno proposto ao universo jurídico, e é sob esse aspecto que a questão aqui proposta será analisada. As dispensas coletivas realizadas de maneira maciça e avassaladora, somente seriam juridicamente possíveis em um campo normativo hiperindividualista, sem qualquer regulamentação social, instigador da existência de mercado hobbesiano na vida econômica, inclusive entre empresas e trabalhadores, tal como, por exemplo, respaldado por Carta Constitucional com a de 1891, já há mais um século superada no país. Na vigência da Constituição de 1988, das convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a Direitos Humanos e, por consequência, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inaceitável concluir-se pela presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresas, cidade e toda uma importante região. Em consequência, fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores. DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções da OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por se tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por consequência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1º, IV, 6º e 170, VIII , CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (arts. 5º, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8º, III e VI da CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, observados os fundamentos supra. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial (RODC-309/2009-000-15-00.4. Disponível em www.tst.jus.br. Acesso em 06/09/2012).

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constitucionais e novos paradigmas hermenêuticos, assim entendidos como o tratamento dos princípios como verdadeiras normas. Princípios estes que zelam pela dignidade da pessoa humana, valorização do trabalho humano “e especialmente do emprego”, sem perder de vista que a propriedade deve sempre ter em vista a sua função “socioambiental”.

Embora o Tribunal Superior do Trabalho não tenha enfrentado a questão da vinculação dos particulares ao Devido processo legal, é certo que o Tribunal, ao prever a obrigatoriedade de um iter para a despedida em massa, nada mais fez do que estabelecer observância ao princípio-garantia constitucional aludido e é sobre isso que se falará nas próximas linhas.

10. MOTIVAÇÃO E DEVIDO PROCESSO LEGAL PARA APLICAÇÃO DE PENALIDADES: O

PARADIGMA ESTABELECIDO PELO CÓDIGO CIVIL

O direito às decisões motivadas deriva da cláusula do devido processo legal e esta, por ser disposição aberta, também comporta o direito de informação, que nada mais é do que uma pequena parcela do due process of law, e toda essa gama de garantias invade as relações privadas, sobretudo a relação de emprego, onde há forte poder social.

O direito de informação, enquanto fundamental, igualmente decorre do princípio da boa-fé objetiva (CC, art. 422), permitindo que as partes convenentes possuam ciência contratual equivalente.

Há muito tempo doutrina e jurisprudência vêm admitindo a aplicação do devido processo legal nas relações privadas, mesmo que não haja previsão formal alguma nesse sentido no liame estabelecido entre as partes

51. Isso ocorre, principalmente, por dois motivos: i) a referida cláusula é garantia

constitucional fundamental e, como tal, é de observância obrigatória em todos os setores sociais, pois todo o aparato jusfundamental estabelecido na Constituição possui dimensão objetiva e efeito irradiante; ii) as relações privadas não podem servir de refúgio à penetração dos Direitos Fundamentais, sobretudo quando se tratam de pactuações eivadas de grande desequilíbrio entre as partes envolvidas, diante da existência de poder social.

Por pertinentes, eis a transcrição das palavras de Júlio Amaral:

tal como ocorre nas relações jurídicas mantidas com os poderes públicos, os particulares também não podem afrontar os direitos fundamentais. A liberdade e a dignidade dos indivíduos são bens intangíveis, sendo certo que a autonomia da vontade somente poderá atuar até aquele lugar em que não haja ofensas ao conteúdo mínimo essencial desses direitos e liberdades. E isso não é diferente no âmbito de uma relação trabalhista

52.

Determinadas entidades privadas, a exemplo das associações, agremiações e entidades de classe, possuem poderes semelhantes ao Estado, como a faculdade de se fixar penalidades e aplicar sanções, inclusive com expulsão de seus integrantes.

51

Perceba-se que na relação de emprego o TST admite o devido processo legal na relação privada, mas desde que tal peculiaridade tenha sido prevista em ato empresarial interno (súmula 51), mas não como decorrente diretamente da Constituição. Tal entendimento deve ser revisto, diante da tese ora defendida, no sentido da incidência direta da cláusula do devido processo legal e outros direitos laborais inespecíficos na relação havida entre empregado e empregador.

52 AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Os direitos fundamentais e a constitucionalização do Direito do Trabalho. In: Revista do TRT

- 9ª Região. Curitiba ano 35, n.65, Jul./ dez. 2010.

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Diante de tal poder privado, surge a necessária reflexão sobre a penetração da cláusula do devido processo legal nesse tipo de relação, sendo o direito à informação/motivação a micro parcela de tal cláusula, necessário à tutela maior, que é o acesso ao Poder Judiciário para que este possa analisar os motivos da aplicação da reprimenda, elaborando até um juízo de razoabilidade

53.

10.1 ENTIDADES ASSOCIATIVAS E SOCIEDADES

Sociedades e associações, segundo o art. 44 do Código Civil, são pessoas jurídicas de direito privado, sendo ambas a reunião de pessoas com objetivos comuns. Diferenciam-se as associações das sociedades, pois aquelas são formadas pela união de pessoas organizadas para fins não econômicos, ao passo que nas sociedades a finalidade do agrupamento humano é elaborada com objetivos econômicos e lucrativos (art. 966).

Tais entidades privadas, seguindo a diretriz constitucionalmente traçada acerca da liberdade associativa (CRFB/88, art. 5º, XX), se organizam através da Lei e, principalmente, por meio de seus estatutos sociais, podendo estes prever regras de organização, funcionamento e comportamento da pessoa jurídica para com os seus membros e vice-versa.

Dentre as regras, os ditos estatutos podem instituir penalidades, ou sanções convencionais, devidas em caso de descumprimento de alguma regra estatutária ou legal, tais como advertências, multas, suspensões de direitos, ou, até mesmo a exclusão dos sócios/associados da entidade.

Nesse passo, é dever destas entidades privadas a observância do devido processo legal, constituído, dentre outras garantias, pela necessária motivação do ato punitivo, para que assim a sanção possa eventualmente ser analisada pelo Estado-Juiz, ainda que não haja previsão estatutária nesse sentido.

Isso ocorre por que tal garantia fundamental, diante de sua dimensão objetiva, penetra diretamente nas relações particulares, encontrando o princípio da autonomia privada limitação na cláusula do due process of law.

É dizer, se o exercício do princípio da autonomia privada permite a reunião de pessoas com a mesma finalidade, constituídas em torno de sociedade ou associação, tais entidades não podem agir de forma ilimitada e absoluta. Ao revés, devem guardar obediência a todos os Direitos Fundamentais, dentre os quais se destaca o processo devido e suas consequências, como o dever de informação de atos, motivação de decisões, contraditório e ampla defesa

54.

É interessante perceber que a redação originária do art. 57 do Código Civil de 2002 previa a possibilidade de exclusão do associado, somente admissível em havendo justa causa, devidamente prevista no estatuto da entidade e, se esse fosse omisso, o membro da associação poderia ser, ainda assim, punido, desde que fossem reconhecidos motivos graves, em deliberação associativa

53

Ruitemberg Nunes Pereira (O princípio do devido processo legal substantivo. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 238), após traçar detalhadamente a evolução do princípio do devido processo legal substantivo, afirma que “nenhum outro instituto simbolizou tanto essa viragem hermenêutica em busca do ideal de justiça, por meio da abertura constitucional e de sua tendência à observância de valores e princípios não propriamente positivados, quanto o instituto do devido processo legal em sua vertente material”.

54 Nesse sentido, a lição paradigmática e inovadora de Braga: “sucede que esses entes associativos não podem punir o

associado ou o sócio por transgressão de normas legais ou estatutárias, sem assegurar-lhe um processo prévio pautado na lei e na razoabilidade. Deve ser respeitado o devido processo legal em suas facetas formal e material, seguindo-se um rito permeado por garantias mínimas como contraditório, ampla defesa, direito a provas, juiz natural, decisões fundamentadas etc. que se encerre com uma decisão equilibrada e proporcional (BRAGA, Paula Sarno. Op. cit., p. 213).

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fundamentada, pela maioria absoluta dos presentes à assembleia geral, cabendo recurso para esta mesma assembleia, em caso de exclusão do associado.

Extrai-se do dispositivo legal que não havia qualquer previsão acerca do devido processo legal, ampla defesa ou contraditório, embora houvesse disposição legal acerca da necessidade de motivação no ato de expulsão do associado. Mesmo assim, tanto a doutrina

55 quanto a jurisprudência

56 já

entendiam que a cláusula do devido processo legal deveria ser observada para a aplicação da pena capital na entidade privada.

Embora as decisões advindas do Poder Judiciário obrigassem a aplicação do devido processo legal para a exclusão dos associados, não havia um enfrentamento direto acerca da eficácia dos Direitos Fundamentais nas relações privadas, tendo o Supremo Tribunal Federal, através do julgamento do Recurso Extraordinário n. 201.819, finalmente, apontado o caminho a ser percorrido.

Na referida decisão, a Corte Suprema, ponderando a colisão firmada entre o princípio da autonomia privada versus o princípio do devido processo legal, decidiu que as relações privadas não são impermeáveis aos Direitos Fundamentais, devendo, ao revés, serem estes observados nas relações travadas entre particulares, sobretudo quando o ato for de aplicação de penalidade, onde se observará a motivação da decisão, assim como as garantias do contraditório e da ampla defesa

57.

55

Referindo-se ao art. 57, disse Venosa: “essa dispositivo disse menos do que devia; qualquer que seja a dimensão da sociedade ou a gravidade da conduta do associado, deve ser-lhe concedido amplo direito de defesa. Nenhuma decisão de exclusão de associado, ainda que o estatuto permita e ainda que decidida em assembleia geral convocada para tal fim, pode prescindir de procedimento que permita ao indigitado sócio produzir sua defesa e suas provas. O princípio, que poderia estar enfatizado nesse artigo do Código, decorre de princípios individuais e garantias constitucionais em prol do amplo direito de defesa (art. 5º, LV da Constituição). Processo sumário ou defeituoso para exclusão de sócio não resistirá certamente ao exame pelo Poder Judiciário. Isso é verdadeiro não somente para a pena de exclusão do quadro social, que é a mais grave; mas também para as demais penalidades que podem ser impostas, como advertência, repreensão, multa ou suspensão” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 3. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 288).

56 “É nulo o procedimento de exclusão de associado dos quadros de associação, quando não se observa o devido processo legal

nem as garantias dele decorrentes, tais como o contraditório e a ampla defesa, além de serem infringidas outras normas legais e estatutárias. – Os danos morais são presumidos no caso de violação à honra, pois se trata de direito personalíssimo, razão pela qual a negligência na instauração e no desenvolvimento de procedimento de exclusão irregular enseja o direito à indenização de cunho compensatório”. (MINAS GERAIS. Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais. Constitucional. Apelação Cível Nº 2.0000.00.480020-4/000(1), da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais. Relator: Desembargador Elpídio Donizetti. Belo Horizonte, 16 de março de 2005. Disponível em: hhttp://www. tjmg.gov.br. Acesso em 30/01/2014.

“Ação ordinária de Reintegração em sociedade recreativa. Direito de defesa não assegurado. Nulidade do ato. Independentemente da legitimidade ou não dos motivos que ensejaram a exclusão dos autores do quadro social, percebe-se, com clareza, que estes não tiveram assegurado o direito à ampla defesa, com previsão tanto na Constituição Federal, como no estatuto da entidade demandada. Por outro lado, ainda que pudesse superar o obstáculo formal, a versão apresentada pela ré para a punição aplicada não é consentânea com a realidade, pois, inexistiu cedência exclusiva da área comunitária, em seu favor, por parte da prefeitura e de particular, de modo que não poderia impedir que as pessoas se organizassem fora de suas regras, para a prática de futebol”. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Constitucional. Apelação Cível Nº 70002714095, da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relator: Desembargador Luiz Ary Vessini de Lima. Porto Alegre, 31/10/2002. Disponível em: hhttp://www. tj.rs.gov.br. Acesso em 30/01/2014.

57EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM

GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-

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Colhe-se, ainda, da aludida decisão, que o caráter público da atividade desenvolvida pela União Brasileira de Compositores e a dependência do vínculo associativo para o livre exercício profissional de seus sócios justificam a aplicação direta dos Direitos Fundamentais, máxime o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, demonstrando a Suprema Corte que quanto maior o poder privado, maior deve se a aplicação das normas jusfundamentais na relação particular.

O debate acerca da ausência de um processo devido com possibilidade de contraditório e ampla defesa acirrou-se e o art. 57 do Código Civil foi alterado pela Lei n. 11.127/2005, passando o dispositivo a prever expressamente que o associado em risco de exclusão tem direito a tais garantias processuais, nos termos do estatuto, consagrando a Lei o que já vinha sendo feito para jurisprudência e ratificado pela doutrina.

Ou seja, hoje há ordem expressamente dirigida às entidades associativas, para que estas, no exercício de sua autonomia privada, prevejam o modo como o Direito Fundamental ao devido processo legal será observado na aplicação da penalidade de expulsão, não havendo margem para a não previsão da garantia nos estatutos.

É interessante perceber que há um silêncio na Lei Civil em relação à aplicação de outras sanções, como a suspensão ou advertência, embora doutrina

58 e jurisprudência não estejam fazendo distinção

entre a aplicação da penalidade de expulsão ou outras mais leves, como dá conta a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO C/C DANOS MORAIS. CLUBE RECREATIVO. SUSPENSÃO DO SÓCIO DE FREQUENTAR O CLUBE POR TRINTA DIAS. INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO

constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucional. Recurso Ordinário n. 201819,da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Brasília, 11 de outubro de 2005. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: 30/01/2014.

58 Eis a lição de Paula S. Braga (op. cit., p. 218): “conclui-se, assim, com base nessa doutrina, que o dispositivo em questão [CC,

art. 57] deve ser alvo de uma interpretação bem abrangente, para entender-se que assegurou não só a ampla defesa, mas, sim, um autêntico processo prévio orientado por todas as garantias inerentes ao devido processo legal – dentre elas, o direito a provas, a publicidade, a um julgador natural, a decisões fundamentadas e razoáveis. E mais, esse processo é exigível não só para a exclusão do associado, como também para infligir qualquer outro tipo de sanção (ex.: multa, suspensão de direitos etc.)”.

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CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO

59.

Em relação às sociedades, o Código Civil silenciou relativamente, tendo-se que apenas o artigo 44, § 2º prevê que “as disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades”. É dizer, todas as previsões contidas no art. 57, devem ser observadas nas relações travadas entre sociedade e sócio, sobretudo quando se tratar de risco de expulsão deste, ou aplicação de outras penalidades, sendo obrigatório o cumprimento do devido processo legal.

Nada obstante, o artigo 1.085 o Código Civil estabelece o procedimento para exclusão de sócio minoritário das sociedades limitadas, dispondo expressamente que somente poderá se dar a pena capital por ato de “inegável gravidade”, devidamente apurado em assembleia convocada com tal fim, desde que o estatuto respectivo haja previsto a exclusão por justa causa, sendo, em todo caso, necessária a prévia ciência do acusado em tempo hábil, para que este possa comparecer à assembleia e apresentar defesa.

Advoga Braga, que o princípio-garantia do devido processo legal foi explicitamente previsto no indigitado dispositivo, quando da exclusão do sócio minoritário da sociedade limitada e que a regra deve ser aplicada por analogia em todas as formas societárias

60.

Em relação às sociedades cooperativas, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (RE n. 158.215-RS) já possui julgado paradigmático, cuja relatoria coube ao Ministro Marco Aurélio de Melo, decisão esta sempre apontada quando se fala em aplicação dos Direitos Fundamentais nas relações privadas, como sendo a pioneira nesse sentido. Veja-se:

DEFESA – DEVIDO PROCESSO LEGAL – INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS – EXAME – LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito – o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA – EXCLUSÃO DE ASSOCIADO – CARÁTER PUNITIVO – DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembleia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa”

61.

A controvérsia havida em torno da aplicação do devido processo legal e as garantias que lhe são decorrentes, quando se trata de aplicação de penalidades nas relações societárias ou associativas, hoje, diante das decisões da Corte Maior, não encontra mais tanta divergência.

59

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Constitucional. Apelação Cível Nº 216167, Relator: Desembargador Carlos Adilson Silva. Porto Alegre, 27/08/2009. Disponível em: hhttp://www. tj.rs.gov.br. Acesso em 30/01/2014.

60 BRAGA, Paula Sarno. Op. cit., p. 219.

61 DJ de 07/06/1996. Disponível em: www.stf.gov.br, acessado em 22/07/2017.

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10.2 RELAÇÕES CONDOMINIAIS

Embora o condomínio não seja legalmente considerado pessoa física ou jurídica, o Código Civil lhe dedicou atenção especial, dispondo, inclusive, sobre as sanções pecuniárias que poderão ser aplicadas aos condôminos faltosos.

O art. 1.336, I do Código Civil elaborou um sistema de aplicação de penalidade de forma graduada, sendo certo que se o condômino, praticante dos atos previstos como faltas na convenção condominial, pode ser punido, de acordo com a forma posta no ferido dispositivo legal, penalidade a ser aplicada, logicamente, pelo próprio condomínio.

A Lei Civil não traz qualquer previsão acerca da possibilidade de outras sanções que não as pecuniárias já legalmente previstas, como a restrição de áreas comuns, ou até a expulsão do condômino.

No entanto, tanto a doutrina62

quanto a jurisprudência63

têm se inclinado sobre a necessidade de aplicação do devido processo legal – principalmente a necessidade de se apresentar uma justificativa para o ato – quando o condomínio desejar aplicar penalidades não pecuniárias, devidamente previstas na norma convencional.O Enunciado n. 92 do Conselho da Justiça Federal enfaticamente estabelece: “as sanções do CC 1.337 não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo”.

10.3 O DEVER DE MOTIVAÇÃO NA AÇÃO DE DESPEJO

O direito à habitação proveniente de contrato de locação é protegido pela Lei n. 8.245 de 1991, estabelecendo esta em seu artigo 59 que tal direito somente pode ser suprimido mediante ação de despejo, devidamente fundada nos exclusivos motivos presentes nos nove incisos do indigitado dispositivo legal.

É dizer, necessariamente o direito de o proprietário reaver seu imóvel locado a inquilino faltoso, por qualquer outro motivo expressamente previsto em lei, somente pode se dar mediante ação própria e desde que haja uma razão, devidamente comprovada processualmente, a não ser, é lógico, que as partes livremente contemplem cláusula em contrário.

Nunca é demais lembrar que o direito ao trabalho, tal qual o direito à moradia, é um direito fundamental social e ambos possuem sindicabilidade extraída da própria Constituição.

62

Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direitos Reais. 3. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 299-307.

63 É o que se extrai da decisão emanada do TJSP: “Medida cautelar - Direito de uso do salão de festas do condomínio obstado

ao condômino inadimplente -Inadmissibilidade - Imposição injustificada de restrição ao uso das áreas comuns em decorrência da inadimplência - Violação ao direito de propriedade - Discussão da dívida em regular ação de cobrança e em consignatória, ambas em trâmite - Sentença mantida - Improvida a irresignação recursal (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível Nº 0150356-03.2006.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Privado. Relator: Luiz Ambra. São Paulo, 04/07/2011. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19978391/apelacao-apl-1503560320068260000-sp-0150356-0320068260000-tjsp. Acesso em ).

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11. A NECESSIDADE DA MOTIVAÇÃO DA DESPEDIDA COMO CONSEQUÊNCIA DO DEVIDO

PROCESSO LEGAL APLICÁVEL À RELAÇÃO DE EMPREGO

Ao longo do tópico anterior observou-se que as normas civis, que possuem como um dos principais pilares a igualdade entre as partes, não dissentem quando o assunto é aplicação do dever de motivação dos atos punitivos nas entidades privadas, assim como também não ignoram o fato de que tal dever motivacional decorre do princípio do devido processo legal, paradigma legal acolhido tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, inclusive através de decisões do Supremo Tribunal Federal.

Viu-se, também, que todas as normas cíveis analisadas dispõem sobre o due process of Law, bem assim as garantias que lhe são decorrentes nas relações privadas e que isso somente é possível diante da percepção de que todos os Direitos Fundamentais invadem os entes particulares de forma objetiva e irradiante, limitando a autonomia privada, sobretudo quando tais entidades são dotadas do que se convencionou chamar de poder privado.

Ora, se até as normas civis, que têm como paradigma a plena igualdade das partes, consagram o dever de motivação nas entidades privadas quando estas desejam aplicar penalidades aos seus componentes, com muito mais razão tal dever se impõe na relação de emprego, quando o empregador deseja a dispensa do empregado

64.

Isso ocorre porque a relação de emprego é eivada de forte poder social, sendo essa peculiaridade o principal motivo da observância dos assim denominados direitos laborais inespecíficos, como o devido processo legal e seus corolários, o dever de informação e o dever de motivação das decisões.

Quanto ao tema, é importante relembrar a lição de José João Abrantes, quando se refere à relação de emprego, pontificando que esta é eivada de grande desigualdade, sendo “precisamente aí, no caráter desigual dessas relações, que radica a necessidade de assegurar um efectivo exercício das liberdades”

65.

É certo, porém, que o artigo 7º, I do Texto Constitucional consagrou como direito laboral específico – afirmando que o ordenamento jurídico brasileiro já defere a proteção contra a despedida arbitrária – a proteção à relação de emprego em face da despedida arbitrária e o dever de motivação já está inserido em tal assertiva, sendo certo que a aplicação da cláusula do devido processo legal, como direito laboral inespecífico, serve para fornecer mais um supedâneo jusfundamental desenvolvido ao longo de séculos como proibição mater ao arbítrio. O cidadão-trabalhador, pelo simples fato de se vincular a uma relação onde é dependente

66 não se despe da condição maior que é justamente a de ser humano,

detentor de todos os Direitos e Garantias Fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988, sendo a motivação do ato de dispensa, um direito laboral inespecífico antes mesmo, até, de ser específico.

64

Em sentido exatamente idêntico e em outras palavras, já se manifestou Vecchi (op. cit.), assegurando que o STF já pôs fim à discussão acerca da aplicabilidade do princípio do devido processo legal às relações privadas, e tal garantia deve ser amplamente observada na relação de emprego, pois “se mesmo em relações marcadas por um maior patamar de igualdade entre as partes houve a aplicação do devido processo legal, no campo do poder disciplinar do empregador, por ser a relação assimétrica, essa aplicação se torna ainda mais cogente”.

65 Op. cit. p. 23.

66 Esse é o termo técnico utilizado pela CLT e ora empregado para que se evitem futuras discussões acerca da subordinação

clássica, objetiva, estrutural, reticular etc.

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O artigo 165 da CLT dispõe que será considerada como despedida arbitrária a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro

67. É dizer, se a Constituição contém proteção

diretamente dirigida ao particular-empregador para que este não pratique despedida arbitrária, significa afirmar que não se pode despedir empregados sem que haja um dos motivos apontados no referido artigo da norma laborista, demonstrando o raciocínio que não pode o empregador despedir de forma vazia, pois, assim procedendo, estará praticando ato arbitrário

68.

Em obra que precisou com maestria a questão em análise, Valdete Souto Severo ressaltou que “arbitrário é sinônimo de destituído de motivos lícitos, e a motivação é, necessariamente, dever de quem tem a obrigação de motivar”

69.

Relembre-se, ainda assim, que o Código Civil de 2002, em seu artigo 122, parece dialogar com a tese ora defendida, dispondo que entre as condições defesas por lei se incluem as que sujeitarem o negócio jurídico ao puro arbítrio de uma das partes.

Transplantando o regramento civilista para a contratação de emprego, é fácil perceber que o empregador não pode concentrar em suas mãos o arbítrio de dissolução do negócio jurídico, ou seja, não pode ele próprio decidir, por puro talante e sem qualquer motivação, o fim da relação de emprego, pois, assim procedendo, praticará ato defeso por Lei.

Pensar o contrário é permitir que as relações cíveis possuam regramento protetivo maior que o regramento constitucional trabalhista que, segundo os mais ortodoxos, permite a denúncia contratual vazia, sem qualquer motivação.

O raciocínio do arbítrio, concentrado na suposta possibilidade de o empregador despedir de forma vazia não se justifica em um Estado que, antes de ser de Direito, é Democrático, e põe toda a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano, que não pode ser, de modo algum, ignorado pela livre iniciativa (CRFB/88, art. 170, caput).

O entendimento em voga, constituído em torno do direito potestativo da despedida, além de ser ato antijurídico, contrário à Constituição de ao próprio Código Civil, atenta, inclusive, contra o modelo estabelecido para a proteção dos Direitos Sociais.

Tenha-se como exemplo a Lei n. 8.245 de 1991, que protege o direito de habitação (CRFB, art. 6º) do inquilino, somente permitindo que este deixe o imóvel contra a sua vontade, desde que haja um motivo relevante, expressamente apontado pela aludida Lei.

Se o direito de habitação (melhor dizendo, o direito social à moradia) é acobertado por norma de tal conotação, onde as partes são plenamente iguais, com mais razão ainda o mesmo raciocínio deve ser utilizado em relação ao direito ao trabalho, igualmente previsto na Constituição no rol dos Direitos Sociais.

67

Antônio Álvares da Silva (op. cit., p. 253) não concorda com esse ponto de vista, dizendo que “essa opinião não pode ser aceita”, pois o art. 165 da CLT define o que vem a ser a dispensa arbitrária e, a contrário sensu, “a dispensa que se baseia em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro não é protegida pela Constituição, ou seja, situa-se na área de permissibilidade jurídica.

68 Essa também é a conclusão do Ministro Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p.

1186), para quem o Direito do Trabalho brasileiro ainda não logrou incorporar, como regra geral, a necessidade de motivação e que se isso ocorresse, “levaria ao fim da dispensa meramente arbitrária no mercado laborativo do país, que se realiza por meio de simples ato potestativo empresarial”.

69 SEVERO, Valdete Souto. O dever de motivação da despedida na ordem jurídico-constitucional brasileira. Porto Alegre:

Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 135.

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Diante da análise das normas civilistas que pregam e asseguram a motivação quando as entidades privadas desejam aplicar penalidades, resta evidente que há uma grande aporia firmada em torno da ideia de faculdade de o empregador despedir empregados sem qualquer apresentação de motivos, justamente na relação de emprego, extremamente assimétrica e permeada de forte poder social, onde o dever de apresentação de motivos se faz ainda mais necessário.

A função de um Estado que se propõe comprometido com a realização dos Direitos Fundamentais é questionável diante da ausência da desejada Lei Complementar para regulamentar o artigo 7º, I do Texto Constitucional de 1988, em evidente desproteção para os trabalhadores. O que é mais curioso é que a insuficiente proteção estatal se dá exatamente na relação cujo paradigma principal é a proteção do ser humano trabalhador.

As soluções para a aporia apresentada são diversas, desde a mais simples, até as mais ousadas, segundo a qual tal dispositivo é direito de liberdade

70 e, como tal, deve ser interpretado tendo-se a sua

mais alta eficácia, passando pela eficácia plena da primeira parte do Texto Constitucional analisado, possuindo a segunda parte baixa eficácia normativa, até se chegar à eficácia do devido processo legal na relação de emprego, sendo o dever motivacional uma de suas peculiaridades.

12. NOTAS CONCLUSIVAS

O Estado-Legislador é objetivamente vinculado ao Texto Constitucional. Significa dizer que ao exercer o seu mister, o Poder Legislativo não é livre, não desempenha atividade originária, sendo, ao revés atrelado à Constituição Federal de 1988.

Ignorando essa premissa, o artigo 477-A da CLT permite a equivalência entre as despedidas individuais e coletivas, estatuindo em ambas a permissão da denúncia contratual vazia, em clara ofensa ao artigo 7º, I da Constituição Federal de 1988, bem assim ao princípio do devido processo legal, que vincula entidades estatais e particulares e, como direito laboral inespecífico, penetra na relação de emprego, impedindo a cessação contratual sem motivos socialmente justos.

13. REFERÊNCIAS

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BRAGA, Paula Sarno. Direitos fundamentais como limites à autonomia privada. Salvador: Editora Jus Podium, 2008.

70

Nesse trilhar, concordando que os Direitos Fundamentais Sociais não se encerram na sua função prestacional, Sarlet já asseverou que grande parte dos direitos dos trabalhadores, presentes nos arts. 7º a 11 da nossa Constituição, “são, na verdade, concretizações do direito de liberdade e do princípio da igualdade (ou da não-discriminação), ou mesmo posições jurídicas dirigidas a uma proteção contra ingerências por parte dos poderes públicos e entidades privadas”, deixando evidenciado que, no rol aludido assim como nos demais dispositivos que tratam de Direitos Sociais, há direitos prestacionais e direitos de defesa, sendo mais coerente tratar estes últimos como “liberdades sociais” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 10 ed. 2009, p. 174).

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