Edição 431 - de 2 a 8 de junho de 2011Uma visão popular do Brasil e do mundo

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www.brasildefato.com.br Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional R$ 2,80 São Paulo, de 2 a 8 de junho de 2011 Ano 9 • Número 431 ISSN 1978-5134 Marcelo Camargo/Folhapress Um Estado democrático para judeus e palestinos Pág. 11 O vertiginoso aumento patrimonial do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, explicita, mais do que suspeitas morais, questionamentos ao sistema político brasileiro, que favorece a promiscuidade entre as esferas pública e privada. O prejuízo político não demorou a chegar para o governo Dilma, que teve que ceder nas questões do Código Florestal e do kit anti-homofobia. Págs. 4 e 5 Parceria Público-Privada Agora, até a Embrapa produz transgênicos Pág. 7 Beto Almeida A volta de Zelaya O retorno do presidente deposto simboliza o fracasso do golpe que ceifou muitas vidas de valorosos lutadores sociais. Em sua primeira fala, Zelaya cobrou a apuração das atrocidades. Pág. 3 Silvio Mieli Militarização do cotidiano Enquanto nos preocupamos com os minutos de fama de Bolsonaro, em performances patéticas tão ao gosto da grande mídia, está em marcha um processo de militarização do nosso próprio cotidiano. Pág. 3 Miguel Urbano Rodrigues A fachada democrática Os nomes dos maiores partidos de Portugal e Espanha mascaram a realidade. Os partidos socialistas são neoliberais e o PP espanhol é um partido da direita com matizes neofascistas. Pág. 3 Honduras O retorno de Manuel Zelaya Pág. 9 Felipe Canova

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A fachada democrática Uma visão popular do Brasil e do mundo A volta de Zelaya Militarização do cotidiano Miguel Urbano Rodrigues Beto Almeida Pág. 9 Silvio Mieli www.brasildefato.com.br Os nomes dos maiores partidos de Portugal e Espanha mascaram a realidade. Os partidos socialistas são neoliberais e o PP espanhol é um partido da direita com matizes neofascistas. Pág. 3 São Paulo, de 2 a 8 de junho de Marcelo Camargo/Folhapress Felipe Canova ISSN 1978-5134

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www.brasildefato.com.br

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional R$ 2,80

São Paulo, de 2 a 8 de junho de 2011Ano 9 • Número 431

ISSN 1978-5134

Marcelo Camargo/Folhapress

Um Estado democráticopara judeus e palestinos Pág. 11

O vertiginoso aumento patrimonial do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, explicita, mais do que suspeitas morais, questionamentos ao sistema político brasileiro, que favorece a promiscuidade entre as esferas pública e privada. O prejuízo político não

demorou a chegar para o governo Dilma, que teve que ceder nas questões do Código Florestal e do kit anti-homofobia. Págs. 4 e 5

Parceria Público-Privada

Agora, até a Embrapaproduz transgênicos Pág. 7

Beto Almeida

A volta de ZelayaO retorno do presidente deposto simboliza o fracasso do golpe que ceifou muitas vidas de valorosos lutadores sociais. Em sua primeira fala, Zelaya cobrou a apuração das atrocidades. Pág. 3

Silvio Mieli

Militarização do cotidianoEnquanto nos preocupamos com os minutos de fama de Bolsonaro, em performances patéticas tão ao gosto da grande mídia, está em marcha um processo de militarização do nosso próprio cotidiano. Pág. 3

Miguel Urbano Rodrigues

A fachada democráticaOs nomes dos maiores partidos de Portugal e Espanha mascaram a realidade. Os partidos socialistas são neoliberais e o PP espanhol é um partido da direita com matizes neofascistas. Pág. 3

Honduras

O retorno de Manuel Zelaya Pág. 9

Felipe Canova

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Partidos eleitorais de direita fragilizados

UMA COMISSÃO de atingidos pela barragem da Hidrelétrica de Can-donga, Usina Hidrelétrica Risole-ta Neves, localizada nos municí-pios de Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce — Zona da Mata de Mi-na Gerais, sobretudo da comunida-de de São Sebastião do Soberbo irá a Brasília para denunciar o descaso e o absurdo que vêm ocorrendo na comunidade. A população inteira do distrito de São Sebastião do So-berbo, município de Santa Cruz, te-ve que ser removida para dar lugar ao projeto da usina.

Depois de sete anos gerando energia, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais cassou a Licença de Operação da Usina, em uma ação civil pública impetrada pelo Nú-cleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB). Veja trecho do acórdão: “Diante da ausência de implementação das condições exigidas para a conces-são da Licença de Operação, im-põe-se sua anulação, sob pena de ofensa ao texto constitucional e le-gal”. Processo -1.0521.04.032157-7/006(1); Numeração Única: 0321577-74.2004.8.13.0521. Publi-cação: 22/02/2011.

Parecia ser uma vitória. Mas a usina continua gerando energia, agora contra a lei, de forma clan-destina. E o pior é que a comunida-de inteira vem sendo insultada por pessoas ligadas ao consórcio que se dizem “acima da lei”.

Nenhuma das pendências rela-cionadas (condicionantes) foram sanadas. A comunidade fi cou no prejuízo, conforme documentos atestados pelo Conselho Estadual de Assistência Social de Minas Ge-rais (CEAS) que cassou o Plano de Assistência Social (PAS) do empre-endimento – 157ª Plenária Ordi-nária, de 18/03/2011.

Várias pessoas foram processa-das durante a execução do proje-to. Um trabalhador rural, morador do local, o Sr. João Caetano da Sil-va, desapareceu dentro do canteiro

de obras e até hoje ninguém mais o viu. Ele morava sozinho. Conforme boletim de ocorrência, ele saiu a 1 hora da madrugada, enrolado em um cobertor dizendo que ia pescar. Os parentes da vítima afi rmam que ele não tinha hábito de sair à noite e que era muito tranquilo.

Era o último resistente dentro do canteiro de obras. Para entrar e sair de sua pequena propriedade, ele tinha que passar pela cancela e pela segurança da construtora. A casa onde morava fi cou isolada, no topo, devido à escavação no entor-no da mesma.

É por esta razão que eles querem ir a Brasília, e contam com a pre-sença do deputado federal Padre João (PT-MG) nestes espaços do Poder Federal. “É lamentável que só depois de sete anos, que o Esta-do perceba que há algo errado. O que é mais grave é que o consórcio não cumpre nem a decisão da pró-pria Justiça. Para os moradores, a solução seria abrir as comportas ou desligar as turbinas. Ou seja, acatar a decisão judicial”, ressaltou o par-lamentar. “Isto é uma afronta, um atentado contra os direitos huma-nos e contra o próprio estado”, en-fatizou o deputado Padre João.

A usina é de propriedade da No-velis do Brasil e da Vale, conforme termo aditivo do Contrato de Con-cessão Nº42/2000 da Agência Na-cional de Energia Elétrica – Aneel.

AudiênciasTrês audiências públicas foram

realizadas na Assembleia Legisla-tiva mineira, a pedido do então de-

putado estadual Padre João, para tratar dos problemas causados pe-la instalação da Usina de Candon-ga. Em 2003, ativistas do movi-mento de atingidos por barragens, com reforço de eclesiásticos, técni-cos ambientais, militantes da Co-missão Pastoral da Terra e profes-sores universitários, denunciaram episódios de prepotência na nego-ciação entre a Cia. Vale do Rio Do-ce (CVRD), a indústria de alumí-nio Alcan e as famílias de agriculto-res desalojadas pela construção da Usina de Candonga.

Em 2010, outra audiência foi marcada pela reclamação de inde-nizações pagas inadequadamente, do não cumprimento do plano de reativação econômica dos atingidos pela barragem e também da conta-minação da água consumida pela população.

Em Minas Gerais, infelizmen-te estão fi cando cada vez mais co-muns episódios como estes. Recen-temente no município de Laranjal, também na Zona da Mata Minei-ra, moradores fi caram no prejuízo e sofrem perseguição e vários pro-cessos na justiça. As comportas fo-ram fechadas às pressas e água pe-gou todo mundo de surpresa. Des-de 2009, a usina opera em con-dições idênticas às de Candonga. Nem mesmo a limpeza do lago foi feita. Ali, o projeto é do grupo Ca-nadense Brookfi eld Energia Reno-vável.

Violência física, psicológica, pre-juízos, processos judiciais, erro nos cálculos, difi culdades econômicas e pobreza têm sido os problemas en-frentados pelos atingidos pelas bar-ragens em Minas Gerais. A cidade de Itueta, no Vale do Rio Doce, foi inteiramente removida e a popula-ção ainda amarga com os prejuízos da Usina de Aimorés. E por aí vai. Fica a pergunta: até quando?

Dilson Alves de Paiva é fi lósofo, teólogo e militantes dos

movimentos sociais .

Dilson Alves de Paiva

Usina opera sem licença em MG

crônica Luiz Ricardo Leitão

A ATUAL CONJUNTURA política brasileira nos tem exigido um enor-me esforço para entender a sua com-plexidade. Um dos desafi os é identi-fi car o comportamento dos partidos eleitorais de direita.

Sabemos que a leitura da luta de classes e seus polos em disputa – numa sociedade de massas e de total hegemonia dos meios de comunica-ção da burguesia – gera muita con-fusão. E isso pode induzir a simplifi -cações nas análises e nos conduzir a derrotas. A começar pela identifi ca-ção das forças em confl ito, seus mé-todos, pautas, meios, instrumentos etc. Ou seja, suas táticas.

A atual situação dos partidos elei-torais de direita é contraditória, e cabe a nós compreendermos isso e não deixar as aparências desviarem nossas atenções. Por exemplo, as eli-tes – representadas em seus parti-dos eleitorais – aparentam camba-lear, mas não cairão tropeçando nos próprios pés. Os passos trôpegos, es-cancarados em recentes compor-tamentos dos partidos tradicionais dão apenas sinais de fraqueza, mas não de derrota. Basta analisar a si-tuação do PSDB, sem discurso, sem linha clara de oposição, perdendo quadros e recebendo as polêmicas orientações de FHC.

Do mesmo modo, e não menos cambaleante, está o DEM, que mal

se recauchutou a partir do fi ndo PFL e já padece de uma crise com a saída de importantes quadros, deixando o partido ainda mais em frangalhos. Desponta o ressuscitar do velho PSD com Kassab e Kátia Abreu no co-mando, ainda sem muito delinear a que se propõe. Mas já deixou claro o que não quer: se opor a Dilma.

O fato é que os partidos eleitorais de direita carregam no ventre a rear-ticulação das elites conservadoras e não seu enfraquecimento. Eis a dife-rença entre os fenômenos aparentes – crise – e o que está por trás deles – reorganização.

Esse mesmo cambalear ante os olhos de todos também demons-tra que os quadros institucionais de direita jogam em diversos times e não estão restritos a essas três siglas mencionadas. Bastaria verifi car o jo-go duro, e unifi cado, no episódio re-cente do Código Florestal. A direita – representada por seus partidos – é ousada e sem pudores. Pautou um tema que reúne grande consenso da sociedade brasileira e mundial – a proteção ambiental – e combinou com as velhas propostas de moder-nização que conhecemos bem, como expansão da chamada fronteira agrí-cola e maior liberdade para o capi-tal atuar no campo. Ou seja, propôs, pautou, sustentou e levou. Fomos derrotados! É certo, dirão alguns,

que se trata de uma vitória pontual. Mas não esconde o fato: consegui-ram ganhar essa batalha.

Aludir que essa direita vive em crise não deixa de ser real. Mas o exemplo nos é pedagógico: mesmo dividida em siglas, joga junto e não perde de vista sua pauta. A postura chega ao ponto de ser ousada no jo-go de cena, como fi zeram no caso da votação do salário mínimo. Todos estão fartos de saber que esses seto-res são contrários a qualquer polí-

tica de distribuição de renda e valo-rização do salário mínimo, mas pa-ra usar os meios de comunicação e tentar enganar o povo se fi zeram de defensores dos anseios populares e bradaram ao vento um salário mí-nimo mais alto do que fora aprova-do. Não temos dúvida da discrepân-cia entre o salário mínimo brasileiro e o que realmente deveria ser um sa-lário digno para o trabalhador, mas sabemos que foi apenas jogo de cena desses setores e o velho proselitismo conservador e patronal.

Outro momento que nos reme-te à cara de pau desses representan-tes dos partidos de direita é a recen-te reaparição do ex-presidente FHC, conhecido por grande capacidade de conduzir as privatizações no país, entregando todo o patrimônio pú-blico à iniciativa privada. Em qual-quer país esse senhor que se orgu-lha de ter vendido praticamente to-das as nossas estatais a preço de ba-nana seria alvo de investigação cri-minal e consequentemente preso, juntamente com seus comparsas. Por muito menos, vários ex-presi-dentes dessa mesma “safra” que atu-aram em nossa América Latina, co-mo Alberto Fujimori (Peru), Lucio Gutiérrez (Equador), Gonzalo Sán-chez de Lozada e Carlos Mesa (Bolí-via), De la Rúa (Argentina) e tantos outros foram e seguem como alvo

de investigação do Estado – inclusi-ve, alguns desses vivem foragidos ou em prisões.

Esse deveria ser o destino de FHC. Mas, ao contrário, ele segue atuan-do, chamou a atenção da sua tru-pe pessedebista e faz propaganda de seus atos passados como positivos. Mas, como disse o jurista e professor Fábio Konder Comparato ao anali-sar o governo FHC: “Se nós viermos a ter um governo de reconstrução nacional, é indispensável que todos esses homens, se ainda estiverem em vida, sejam processados perante um tribunal popular e condenados à indignidade nacional. Se eles já ti-verem morrido, os atos deles serão julgados e as memórias deles devem ser marcadas com essa condenação de indignidade nacional”.

Portanto, frente a esse cenário, cabe aos setores populares não per-derem de vista como esses partidos de direita se reorganizam. Mas, fun-damentalmente, é preciso compre-ender que, mesmo cambaleante, es-sa direita é forte, pois age com uni-dade e não perde de vista suas pau-tas estratégicas. Nesse sentido, pre-cisamos mobilizar o povo, clare-ar esse cenário confuso e lutar com unidade para derrotá-los nas di-versas batalhas que teremos pela frente, sem cair em armadilhas que nos dividam.

de 2 a 8 de junho de 20112editorial

Helena Leão

Os “guardiões da língua”O MÊS DE MAIO foi pródigo para os cronistas de Bruzundanga. São tan-tos desatinos a cargo dos próceres da República, que muitos não saberiam nem por onde começar. Poderíamos, por exemplo, tratar da cruzada em prol da moral, da família e dos “bons costumes”, que o fanfarrão Bolsonaro e a tal bancada “evangélica” do Congresso defl agraram contra a cartilha an-ti-homofobia do MEC. Ou, ainda nas lides parlamentares, analisar a apro-vação pela Câmara do novo Código Florestal, fruto de um insólito acor-do entre um deputado comunista (?) e seus pares do latifúndio, que ganha-rão carta branca para o desmatamento da Amazônia. Quem sabe relembrar as estrepolias do abastado (e abestado) ministro Palocci, prato cheio para a mídia, o tucanato & Cia. Isso sem falar em Blatter, Havelange & Teixeira, os reis do “jogo sujo” na FIFA, cujas maracutaias os ingleses prometeram investigar com rigor...

Este dublê de cronista e professor de Letras não se furtará, porém, a abordar o recente “protesto” que alguns órgãos da grande mídia incentiva-ram contra a posição do MEC de avalizar uma obra didática que reconhe-cia o uso da expressão “os livro”. Sem nenhuma formação mais profun-da na área, jornalistas e oportunistas de plantão chegaram a classifi car de “crime linguístico” a atitude do órgão, um exagero só explicável, talvez, pe-la forma belicosa e artifi cialmente ideologizada mediante a qual são trata-dos temas do mais relevante interesse público em nosso país.

Em tempo: a obra não propõe, em nenhum instante, que tal constru-ção seja utilizada no registro formal da língua escrita (na redação de um ofício ou na resolução de uma prova discursiva de concurso público, por exemplo). Somente reconhece que seu uso é comum e válido para comu-nicações de outro grau (como uma conversa entre jovens, em uma mesa de bar). Os autores não prescrevem, apenas descrevem um fato comum em países de precário investimento na Educação e profunda desigual-dade social, como é o caso do Brasil, onde se estabeleceu um verdadeiro abismo entre a língua oral e a escrita, com refl exos profundos na história e na cultura nacionais.

Quatro séculos de casa-grande e senzala e 500 anos de mentalidade co-lonial fomentaram nas elites a perversa tendência a estigmatizar a lingua-gem das classes populares, assim como a deliberada recusa em admitir que os usos linguísticos compreendem distintos graus de realização, desde as formas mais populares e informais até aquelas mais cultas e formais. Aliás, a elite sabe que a língua é plural, mas só aceita as formas que ela elege: do Vossa Mercê colonial, saiu o você coloquial e o suncê dos pretos velhos – qual o valor de cada expressão no “mercado” das formas simbólicas?

Esse moralismo dos “guardiões da língua”, contudo, tem pernas bem curtas. Que o diga o cínico Alexandre Garcia (ex-porta-voz da ditadura e serviçal feroz da corporação Globo): ao expressar sua ácida crítica ao MEC na TV, ele usou “tava” (bem coloquial e oral) em lugar de “estava”, sem perder a pose de falante culto e letrado. Como se vê, no meio “jornalístico”, pimenta neves no texto dos outros é refresco... Aliás, o que dizer dos mo-derninhos da mídia, que não conseguem enunciar uma frase sem usar al-gum termo em inglês? Haja paciência para tanto bullying, burnout, com-modities e outros menos cotados.

Mas não pense que tudo está perdido, caro leitor. No país dos bilhões su-perfaturados da Copa e Olimpíadas, já há claros sinais de revolta e indig-nação contra o descaso com a Educação. Em Audiência Pública na Assem-bleia Legislativa potiguar, a Profª Amanda Gurgel lascou sua réplica lapi-dar aos nobres e cultos deputados, mestres na arte de citar cifras, indagan-do-lhes se os “três algarismos” do seu contracheque (R$ 930,00) seriam sufi cientes para sustentar o padrão de vida dos membros daquela ilustre casa de Noca ou, ao menos, a “indumentária” que eles exibem no plenário. Alguém respondeu??

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa

– Poeta da Vila, Cronista do Brasil e da Gramática Crítica: Teoria & Prática.

Portanto, frente a esse cenário, cabe aos setores populares não perderem de vista como esses partidos de direita se reorganizam

No país dos bilhões superfaturados da Copa e Olimpíadas, já há claros sinais de revolta e indignação contra o descaso com a Educação

Um trabalhador rural, morador do local, o Sr. João Caetano da Silva, desapareceu dentro do canteiro de obras e até hoje ninguém mais o viu

opinião

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda • Subeditores: Aldo Gama, Renato Godoy de Toledo • Repórteres: Aline Scarso, Eduardo Sales de Lima, Joana Tavares, Patricia Benvenuti • Correspondentes nacionais: Leandro Uchoas (Rio de Janeiro – RJ), Vinicius Mansur (Brasília – DF), Pedro Carrano (Curitiba – PR), Charles

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Obra de construção da Barragem de Candonga

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de 2 a 8 de junho de 2011

episódios que se sucederam, alguns pais e alunos cla-maram por mais segurança e a resposta veio pela via da sociedade do controle. Além da guarda universitá-ria, que já vinha permanecendo no Instituto, e da proi-bição de que o aluno assistisse às aulas, foi decidido que o mesmo seria acompanhado por um segurança sempre que circulasse pelo Instituto.

O impacto da solução encontrada, no âmbito de um centro de pesquisas que deveria esgotar à exaustão to-dos os recursos de cuidado em relação aos sofrimentos psíquicos alheios, representa a metáfora mais bem aca-bada do processo de privatização e militarização dos es-paços institucionais públicos.

Nesse sentido, a fala providencial da juíza Kenarik Boujikian vale tanto para as manifestações pela liber-dade de expressão na Paulista, como para o caso do aluno da Psicologia da USP. “Não é o código penal que deve estar à mão, quando se decide sobre estes direi-tos, pois este tem como ápice a repressão, a criminali-zação. O paradigma deve ser o constitucional, sempre, pois o norte é o nível de proteção que os direitos fun-damentais exigem e que devem ser priorizados”, afi r-mou a juíza.

Mas o que fazer se estamos metidos num estado de ex-ceção generalizado, quando os direitos existem mas não têm força para serem colocados em prática? E, além dis-so, como agir quando o nosso cotidiano parece militari-zado por práticas que já estão introjetadas no comporta-mento do cidadão comum e na lógica institucional? Será que a retomada das praças públicas pode ter algo a ver com a desmilitarização do nosso comportamento?

Militarização do cotidianoENQUANTO NOS preocupamos com os minutos de fa-ma do Capitão Bolsonaro, em performances patéticas tão ao gosto da grande mídia, está em marcha (muitas vezes silenciosa) um processo bem mais complexo de militarização do nosso próprio cotidiano.

Existem as evoluções mais ruidosas e visíveis, exem-plifi cadas pelos ataques selvagens da Polícia Militar à primeira Manifestação pela Liberdade de Expressão na Avenida Paulista. Ou, antes disso, os intensos debates em torno da entrada da polícia no Campus da Universi-dade de São Paulo, depois do assassinato brutal de um jovem aluno da Faculdade de Economia e Administra-ção (FEA-USP).

E, por falar na USP, às vésperas da semana de Lu-ta Antimanicomial, cujo dia de comemoração é o 18 de maio, eis que nos deparamos com o caso de um aluno que deveria ter sido cuidado com os recursos da psico-logia e da psicanálise, num lugar de profi ciência nesse sentido; mas foi encarado como um caso de polícia no âmbito do próprio Instituto de Psicologia (IP) da USP, uma das maiores universidades da América Latina.

Diante das manifestações sucessivas de comporta-mento agressivo do aluno do quarto ano de Psicologia, que chegou ao ponto de ameaçar colegas e professores com uma faca, a polícia foi chamada. Houve uma in-tervenção de alguns professores pelo encaminhamen-to a um serviço especializado, mas mesmo assim a di-reção do Instituto não hesitou em registrar um boletim de ocorrência, e posteriormente uma sindicância para apurar a responsabilidades dos professores envolvidos e que defendiam um tratamento adequado ao caso. Nos

Gama

instantâneo

Silvio Mieli

zadíssima, representou a impossibilidade de fi nancia-mentos externos. A tática também explorou a necessi-dade do governo de José Santos, da Colômbia - sobre-tudo da composição de forças que o apoiam - de buscar normalizar suas relações com a Venezuela numa linha política diferenciada da aplicada por Uribe. O ex-pre-sidente Uribe apostava na hostilidade com o governo de Chávez para assim explorar um tensionamento em favor das estratégias militares dos EUA na região. Esta política de tensionar para justifi car intervencionismo não conta com o apoio do Brasil. Haja vista mensagem de Dilma reconhecendo ofi cialmente e aplaudindo os acordos Chávez-Santos-Lobo-Zelaya. Uma derrota pa-ra a direita hondurenha, para o intervencionismo esta-dunidense e para terrorismo paramilitar uribista.

Para a Venezuela, o Acordo de Cartagena pode re-presentar melhores condições para enfrentar, com no-vos prazos e ritmos, os desafi os da consolidação da Re-volução Bolivariana. Mas também não deixa de ser uma recomendação para uma maior unifi cação de agendas políticas e táticas a todos os movimentos po-líticos que atuam na América Latina, entre elas para a consolidação da Unasur, seu fortalecimento, o mesmo em relação à Alba.

A volta de Zelaya a Honduras A TELESUR EXIBIU no dia 28, ao vivo, por satélite, para toda a América Latina, para os latinos que vivem nos EUA e para parte da Europa, o retorno do ex-pre-sidente Manuel Zelaya a sua pátria. O ex-presidente retorna ao país depois de ter sido deposto por um gol-pe de Estado articulado por alas do governo estaduni-dense e a oligarquia interna hondurenha que não ad-mitiam a aproximação política de seu governo com a Venezuela, Cuba e a sua integração à Alba. Esse retor-no simboliza o fracasso deste golpe que ceifou muitas vidas de valorosos lutadores sociais. Em sua primeira fala em território hondurenho, Zelaya cobrou a apu-ração das atrocidades e a punição dos responsáveis. Também pediu a instalação de uma Assembleia Cons-tituinte, que pretendia realizar há quase dois anos, quando foi deposto.

A tática aplicada para o seu retorno, sobretudo pe-la participação do presidente Hugo Chávez, surpreen-deu até mesmo setores do movimento de Resistência Democrática de Honduras. Mas, agora, revela-se toda a audácia e a inteligência desta tática que consistiu em explorar a debilidade do governo de Porfi rio Lobo. Honduras, após o golpe, foi excluída da OEA e isolada internacionalmente, o que, para uma economia fragili-

Beto Almeida

FLORES – O senador Eduardo Suplicy chega à casa da presidenta eleita, Dilma Rousseff, levando um vaso de orquídeas para presenteá-la, mas não foi atendido

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Casamento realEu moro há mais de 20 anos em Londres (In-glaterra) e não compartilho da visão chan-tilly royal expressada pela sra. Camila Mat-toso Violani (comentário publicado na edi-ção 429). Pra começar, não existe “uma mo-narquia socializada” porque a casa de Wind-sor é derivada da casa alemã de Hapsburg, e vem se mantendo como centro de um sistema político de monarquia constitucional desde o pacto entre os aristocratas – com a rainha Vic-toria à frente – e os industrialistas, banquei-ros e fi nancistas durante o último quarto do século 19. Naquele período, as reivindicações da massa trabalhadora explorada e sem direi-tos teve um auge com o movimento chartista, levando a agitações de massa e greves em mi-nas e indústrias, e até ameaças à aristocracia. O partido Conservador, que atualmente lidera um governo de direita, antissocial e pró-cortes

em educação e saúde, são os herdeiros diretos do Partido Tory criado naquele mesmo perío-do, e que sempre representou a burguesia do comércio, fi nanças, e indústria. No Reino Uni-do, o chefe de Estado (rainhas/reis) e os Lor-des não são eleitos, e representam direitos ad-quiridos por nascimento. A distância entre os estilos de vida da aristocracia e do populacho é imensa, e apenas leitores de mídia ultrabur-guesa e realista podem afi rmar que “os prín-cipes são colegas de classe de alunos de renda baixíssima”. Que grande diferença com o nos-so Brasil, que tem isso sim, um povo feliz e es-perançoso, e que está forjando uma democra-cia real para todos, sem príncipes, privilégios de nascença ou tiaras e curtsies.

Francesca Viceconti, por correio eletrônico

IsraelPreocupa-me a grande parcialidade deste jor-nal progressista contra o Estado de Israel. O

direito de o povo palestino árabe ter seu Es-tado, de fato, é sagrado, mas reconhecendo a existência e soberania do vizinho, decidi-da pelas Nações Unidas no já distante ano de 1947, com o apoio do Brasil. Desde então, Is-rael foi atacado e obteve vitória militar, sobre-tudo, em 1967. Há, de fato, setores israelen-ses radicais e expansionistas, mas a paz, para ser possível, exige fronteiras seguras para am-bos e a desistência do chamado “direito de re-torno”. Sou cristão, de ascendência libanesa, mas defendo com fi rmeza a solução dos “dois Estados”na Terra Santa; a única democrática e razoável.

Luiz Felipe Haddad, de Niterói (RJ), por correio eletrônico

Jair BolsonaroO que o deputado Jair Bolsonaro põe para fo-ra de modo transtornado, neurótico e até ca-ricato é o que está no fundo de muitos pensa-mentos que se apresentam como “refl etidos”,

“ponderados” e “respeitáveis” de boa parte de nossa sociedade. É excelente a crônica “Sobre o ‘dito e o não dito’” (de Ana Carolina Gebrim, publicada na edição 430). Traduziu em pala-vras o desconforto que tive diante do aparen-te atalho (calar o Bolsonaro) que se nos apre-sentou para superarmos os tabus da socieda-de brasileira, caminho esse que, em verdade,nos leva a contornar o problema (pelo recal-que), ao invés de enfrentá-lo (pela política).

Thiago Barison, por correio eletrônico

ErramosNa página 2, da edição 430, a obra Metaes-quema, de Helio Oiticica, foi créditada erro-neamente.

A redação

Cartas devem ser enviadas para o endereço da redação ou através do correio eletrônico [email protected]

NA ESPANHA, o Partido Popular infligiu uma derrota es-magadora aos socialistas do PSOE nas eleições regionais.

Em Portugal, no dia 5 de junho, o povo decidirá em elei-ções legislativas se o primeiro-ministro do próximo gover-no será o líder do Partido Social-democrata ou José Sócra-tes, do Partido Socialista.

Os nomes desses partidos em ambos os países mascaram a realidade. Os partidos socialistas são neoliberais, o so-cial-democrata também, o PP espanhol é um partido da di-reita com matizes neofascistas.

Na estridência das campanhas eleitorais, realizadas no contexto das graves crises que a Espanha e Portugal en-frentam, os candidatos usaram e abusaram da palavra de-mocracia.

No discurso de Zapatero, Rajoy, Passos Coelho e Sócra-tes houve um denominador comum: a mentira conscien-te. Em fl oridos exercícios de retórica e demagogia, os diri-gentes dos partidos da burguesia apresentaram programas e promessas que nunca pensaram cumprir e esconderam a evidencia: qualquer que seja o futuro governo em Madrid e Lisboa a participação do povo será nula.

Lamentavelmente, apenas uma ínfi ma percentagem dos 62 milhões de portugueses e espanhóis têm consciência da realidade: o regime que lhes é imposto é, na prática, uma ditadura de classe que exibe uma fachada democrática, ne-le colada pela burguesia e o grande capital.

Na Península Ibérica, como em toda a Europa dos 27, as eleições são hoje farsas montadas pela engrenagem de um sistema de poder que utiliza a mídia por ele hegemonica-mente controlada para anestesiar a consciência dos povos.

A rebelião dos moços do M-15 na Espanha insere-sena crise global de civilização que a humanidade enfren-ta. Os “indignados” que desafi am o poder na Puerta delSol em Madrid, na Plaza da Catalunha em Barcelona, eem dezenas de outras cidades da Espanha não são revo-lucionários. Alguns nem se quer rejeitam a monarquia.Esses jovens, apoiados por adultos, sabem o que nãoquerem, mas não têm ideias minimamente claras sobreo que pretendem.

Inspirados nas rebeliões da Tunísia e do Egito não reivin-dicam como ali o fi m de ditaduras tradicionais, e regimes parlamentares similares aos da União Europeia. A “demo-cracia real já” reivindicada pelos “acampados” arranca dia-leticamente da recusa do modelo burguês de “democracia representativa” exigido pelos norte-africanos.

O imperialismo rapidamente controlou os protestos da Tunísia e do Cairo (Egito), estimulando a instalação ali de governos de políticos tradicionais.

Pelo contrário, o sistema de poder dos EUA e da UniãoEuropeia encara com apreensão o protesto dos “indig-nados”.

A brutal carga da Polícia de Barcelona empreendida pa-ra desalojar os moços acampados refl ete esse temor. Mas produziu resultados opostos aos visados. Eles voltaram em força para permanecer na Plaza da Catalunha e receberam a solidariedade dos companheiros da Puerta del Sol e de milhares de compatriotas.

O protesto evolui para desafi o ao poder. Na Europa, al-guns partidos progressistas ignoraram a rebelião do M-15, alegando que se trata de um movimento efêmero, sem or-ganização, anarquizante. É um fato que os acampados não têm consciência da complexidade do seu desafi o ao siste-ma e carecem de um rumo.

Mas é de registar que prestigiados intelectuais marxis-tas como os espanhóis Santiago Alba Rico e Carlos Tai-bo, o italiano Carlos Frabetti, os argentinos Atilio Bo-ron e Carlos Aznarez e o Uruguaio Eduardo Galeano te-nham expressado a sua solidariedade calorosa aos “in-dignados” da Espanha.

A revolucionária espanhola Angeles Maestro, da Corrien-te Roja, lembra que muitos processos de origem esponta-neísta abrem caminho quando, organizando-se, “criam raí-zes nas lutas operárias e populares, acumulando forças”.

Para já, é positiva a consciência de que na Espanha não existe democracia autêntica e que o regime é uma farsa de democracia pela total ausência de participação do povo.

Reafi rmo: no âmbito da atual crise de civilização, o capi-talismo, em fase senil, cola o rótulo de democracia repre-sentativa a ditaduras burguesas de fachada democrática.

Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e escritor português– Escreve uma vez por mês neste espaço.

Miguel Urbano Rodrigues

Fachada democrática

O imperialismo rapidamente controlou os protestos da Tunísia e do Cairo (Egito), estimulando a instalação ali de governos de políticos tradicionais

comentários do leitor

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brasilde 2 a 8 de junho de 20114

Vinicius Mansurde Brasília (DF)

A VOTAÇÃO do Código Florestal mar-cou a primeira derrota do atual gover-no na Câmara dos deputados. Além de perder a votação da emenda 164, a apro-vação do texto principal que reforma o Código Florestal – o substitutivo global 186 - também teve gosto amargo, apesar de ter passado com a anuência do Palá-cio do Planalto. O próprio líder de go-verno, Cândido Vaccarezza (PT-SP), ao orientar o voto favorável ao substituti-vo, afi rmou que a Presidência da Repú-blica trabalharia para alterá-lo no Se-nado ou vetaria alguns pontos antes de sancioná-lo.

Em reiteradas entrevistas pós-apro-vação, o relator da matéria, Aldo Rebe-lo (PCdoB-SP), destacou que a reforma do Código deve ser analisada como re-sultado de uma mediação de interesses diversos da Câmara. Divergências à par-te sobre o conteúdo do texto, o que fi -cou evidente foi a fragilidade da maioria parlamentar que o governo disse ter ob-tido nas eleições e consolidado na apro-vação do salário mínimo.

Base aliada?A difi culdade em manter uma teóri-

ca maioria alinhada como base aliada não é novidade em “um sistema políti-co muito problemático”, como defi ne o cientista político da FGV de São Paulo, Francisco Fonseca: “Nós vivemos num sistema produtor de crises”. O governo Lula, por exemplo, buscou no primeiro mandato fazer alianças “no varejo” com partidos menores, como PTB, PP e PL, o que demonstrou-se muito instável, culminando com o mensalão. Mudou de tática, sobretudo nos últimos anos de segundo mandato, fazendo acordo “no atacado” com o PMDB e reduzindo um pouco a instabilidade da base alia-da. Apostando no aprofundamento da tática de Lula para tranquilizar sua re-lação com o Congresso, o governo Dil-ma ampliou este acordo com o PMDB e pôs Michel Temer como seu vice. Nas eleições, o PT ainda compôs chapa com 10 partidos, negociou candidaturas aos governos estaduais em troca da eleição de parlamentares e conseguiu, em tese, 52 dos 81 senadores e 402 dos 513 de-putados - a maior bancada desde a re-democratização do Brasil. Porém, a equação política segue produzindo no-vas incógnitas:

“A Dilma tem uma maioria mais con-solidada num certo sentido que o ex-presidente Lula, uma oposição mais en-fraquecida, ao mesmo tempo que tem um PMDB que não estava de manei-ra tão vigorosa como está agora. Isto é

Aliados quando? Aliados de quem?CONGRESSO Especialistas analisam a atual base de sustentação ao governo Dilma após sua primeira derrota no Congresso, na votação do Código Florestal

curiosamente bom e ruim, porque por vezes se tem número mas não se tem vo-to”, explica Fonseca.

Para o jornalista Gilberto Maringoni, a composição de uma base tão hetero-gênea traz a contradição para dentro do governo. “Com aliados deste tipo, quem precisa de oposição?”, analisa. Contem-plando em sua base parcelas do movi-mento sindical, dos movimentos popu-lares, setores do agronegócio, do capi-tal monopolista e do capital fi nanceiro, Maringoni afi rma que o governo só con-seguirá unifi car seus aliados em temas muito específi cos.

“Se for pra manter superavit primário alto, taxa de juros alta, ela tem base de apoio grande. Quando for colocar em vo-tação temas mais pertinentes da direita, dos setores liberais, ela tem esse apoio. Difícil é ela conseguir base ampla para a PEC do Trabalho Escravo, não sei nem se ela consegue maioria”, exemplifi ca.

O preço da aliançaO principal problema de um arco de

alianças dessa envergadura, para o jor-nalista, é a tendência conservadora que tende a puxar o governo Dilma para mu-dar algumas conquistas do governo Lu-la, mesmo em relação a políticas que não dependem diretamente de aprovação do Congresso. Ele aponta retrocessos na política externa, na relação com o movi-mento social, na questão da cultura, no aumento da taxa de juros e nos cortes no orçamento. “Recuaram além do que eu acho que seria necessário e esse recuo é pouco para a base aliada”, analisa.

Um fato da maior importância pouco comentado, na opinião de Maringoni, foi o anúncio de que, no fi nal de abril, se atin-giu a meta de metade do superavit primá-rio previsto para todo o ano. “O que deve-ria ser atingido em junho, o sexto mês do ano, foi atingido no quarto! O governo faz um aperto fi scal brutal, diz que depende-mos da educação para sermos desenvolvi-dos, mas e no concreto?”, indaga.

As denúncias contra o ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, só debi-litam o governo frente ao interesse con-servador. “A manutenção do Palocci vai fi car cada vez mais caras às votações por-que a chantagem para não convocá-lo é muito grande, haja visto o recuo abrupto nas cartilhas contra a homofobia. Achei incrível o deputado Garotinho de dedo em riste ameaçando o governo. E o cargo do ministro [do Trabalho] Lupi sequer foi colocado em questão, como foi na vo-tação do salário mínimo. O que mostra o governo fragilizado”, analisa.

Coalizão necessária?Dentro deste contexto, Maringoni rela-

tiviza a necessidade da aliança tal qual constrói o atual governo:

“O problema não é a aliança, mas o programa que a embala. Todo gover-no luta para ter uma base ampla e isso não se recusa por princípio. Agora, que-ro uma aliança ampla pra cumprir deter-

de Brasília (DF)

Para o líder do PT na Câmara dos De-putados, Paulo Teixeira, após a primeira derrota, o governo deveria reorganizar a base, “recuperando uma relação com os partidos mais ideológicos, reequilibran-do com os partidos fora deste eixo e re-pactuando com o PMDB”. Para o depu-tado, essa reorganização não passa pe-la incorporação destes partidos ao exe-cutivo:

“Eles já estão no executivo. O PP tem o Ministério das Cidades, mas não acom-panhou o governo. Então, não é esse o critério, o critério é construir núcleos que tenham alto compromisso com o gover-no, não pode ser coisa de ocasião.”

Paulo Teixeira afi rmou que PMDB e o PCdoB deveriam ser cobrados pelo governo por terem patrocinado sua primeira derrota

Mudanças à vistaGoverno deve reformular relação com Câmara, podendo mudar até o líder de governo

O deputado, também sem especifi car como, afi rmou que PMDB e o PCdoB de-veriam ser cobrados pelo governo por te-rem patrocinado sua primeira derrota na Câmara.

Cenário propício a mudançasPara o cientista político Francisco

Fonseca, a derrota mandou alguns re-cados de negociação política para o go-verno. Ele acredita que pelo menos três medidas devem ser tomadas pelo Palá-cio do Planalto, sendo a primeira relati-va à coordenação política, ainda em for-mação no governo Dilma:

“É preciso defi nir as responsabilida-des. Quanto ela assumirá para si? Quan-to irá delegar ao Palocci, que está clara-mente fragilizado, quanto ao Luiz Sérgio [secretário de relações institucionais da Presidência], etc. E a fi gura do Vaccare-zza é bastante contestada.”

Cândido Vaccarezza, líder do gover-no na Câmara, está sob forte questiona-mento por setores diversos da base alia-da – desde os conservadores aos mais combativos - pela má condução da re-

forma do Código Florestal. Ele expôs o governo quando desfez, de maneira ata-balhoada e da tribuna do plenário, um acordo para a votação do relatório de Al-do Rebelo e quando disse que a presi-denta Dilma considerava uma vergonha a emenda 164, atiçando a ira de parte da base governista.

A segunda atitude enumerada por Fonseca é a defi nição do segundo e ter-ceiro escalões do governo, ainda em processo. “Essa demora, com um grupo tão heterogêneo na base, coloca o go-verno sob pressão. Isso também signi-fi ca distribuir o poder para aqueles que

governam juntos. Ninguém apoia semgovernar e sem ter responsabilidade”,constata.

A terceira é o velho tema da libera-ção de emendas, que muito contingen-ciadas, produzem também todo tipo de barganha.

Senado e vetosPara o jornalista Gilberto Maringoni,

a prova de fogo para a relação do gover-no com a base aliada virá com o prosse-guimento da tramitação da reforma do Código Florestal, que passará pelo Se-nado, podendo retornar à Câmara e, emseguida, caminhar para a sanção da pre-sidenta. “No Senado tende a se manter oque foi feito na Câmara. Aí a presidenta promete vetar, especialmente a emenda164, que quase terceiriza o poder de fi s-calização da questão ambiental. Aí sima gente vai ter uma batalha real e maisprofunda. É preciso ver se ela consegui-rá manter esse veto sem que haja umadebandada da base aliada, até mesmo na própria composição do primeiro es-calão”, disse. (VM)

minadas metas. Você pode fazer a alian-ça mais ampla que for em determina-dos pontos. Uma base que pode ser só-lida pra votar um salário mínimo da ma-neira como foi votado, mas que não re-solve outras questões adianta em termos. Na votação do Código a base mostrou ser de fumaça, movediça.” O problema não é ter uma base ampla, mas o programa, para que serve essa base.

Já Francisco Fonseca considera que,sem uma reforma política e sem umapressão vigorosa da sociedade organi-zada, estas alianças são importantes:“Ninguém governa sozinho ou com dois partidos. O exemplo maior foi a prefeita Luiza Erundina que quase foi cassada. Quem governa sozinho perde tudo, so-fre impeachment e ainda tem as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas. Essa é a lógica do sistema político brasileiro, gostemos ou não”.

O cientista político destaca que uma reforma política que trouxesse a fi deli-dade partidária, a proibição de coligação nas proporcionais, novas regras para mí-dia e propaganda e, sobretudo, fi nancia-mento público de campanha poderiam reduzir o número de partidos e permitir a chegada ao poder com alianças meno-res. “A reforma política ainda não seria a panaceia e, mesmos assim, só será leva-da adiante se a sociedade fi zer pressão”, concluiu. (Colaborou Aline Scarso)

“Nós vivemos num sistema produtor de crises. É um sistema político muito problemático”

“A Dilma tem uma maioria mais consolidada, uma oposição mais

enfraquecida e, ao mesmo tempo, tem um PMDB mais forte do que antes”

“Se for pra manter superavit primário alto, taxa de juros alta, ela tem base de apoio grande. Para temas como a PEC do Trabalho Escravo, não”

“O problema não é a aliança, mas o programa que a embala. Todo governo luta para ter uma base ampla e isso não se recusa por princípio”

O deputado federal Aldo Rebelo comemora aprovação do novo Código Florestal

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

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de 2 a 8 de junho de 2011 5brasil

Eduardo Sales de Lima da Redação

O PATRIMÔNIO do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, passou de R$ 375 mil para cerca de R$ 7,5 milhões, entre 2006 e 2010. Seus dividendos pro-vêm da Projeto, empresa do ministro, criada em 2006 como consultoria econô-mica e fi nanceira, e transformada em ad-ministradora de imóveis em 2010.

O vertiginoso aumento patrimonial de Palocci está rodeado de suspeitas de ile-galidades. Empresas de diversos ramos teriam se aproximado da Projeto, sobre-tudo, pela presença de Palocci. A cons-trutora WTorre, empresa que mantém negócios com a Petrobras e com o fundo de pensão Previ, do Banco do Brasil, foi a primeira cliente do agora ministro-chefe da Casa Civil que informou publicamen-te a contratação da Projeto, no dia 20 de maio, sem mais detalhes.

Em 2010, a empresa doou R$ 2 mi-lhões para a campanha da presidenta Dilma Rousseff (PT) e R$ 300 mil para a do tucano José Serra. Há quem diga, principalmente entre a oposição, mais que um suposto tráfi co de infl uência, Pa-locci encabeçaria sobretudo um esquema de captação de recursos externo à conta-bilidade ofi cial da campanha.

Para se defender, Palocci cita atuação de tucanos. A Casa Civil enviou um cor-reio eletrônico aos senadores em que se compara a ex-integrantes de governo passados. “No mercado de capitais e em outros setores, a passagem por Ministé-rio da Fazenda, BNDES ou Banco Cen-tral proporciona uma experiência única que dá enorme valor a esses profi ssionais do mercado. Não por outra razão muitos se tornaram, em poucos anos, banquei-ros como (…) Pérsio Arida e André Lara Rezende (…), ou Maílson da Nóbrega”.

O ministro não disse, porém, que os nomes citados não retornaram ao go-verno. O deputado federal André Vargas (PT/PR), em nome do partido, tem o ar-gumento na ponta da língua: “O Palocci não sabia que iria voltar”.

Limites tênues“Se ele teve algum acesso de informa-

ção por sua então função parlamentar [Palocci exerceu mandato de deputado federal entre 2007 e 2010], e ele não es-tava usando esses dados para sua ação parlamentar e sim para tráfi co de infl u-ência, é algo seriíssimo”, pondera José Antônio Moroni, integrante do colegiado de gestão do Inesc (Instituto de Estudos Econômicos).

Segundo ele, o Caso Palocci é mais um, dentre tantos fatos, que exemplifi ca a condição “má resolvida” no sistema po-lítico brasileiro em relação à questão da inter-relação público-privado.

Em um contexto progressista, na linha do que defende a Plataforma dos Movi-mentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, mesmo que Palocci na condição de integrante do governo federal não ti-vesse se preocupado em informar publi-camente seus ganhos privados, seria le-gítimo o acesso de qualquer cidadão à evolução patrimonial do político. Con-tudo, de acordo com José Antônio Mo-roni, que integra a Plataforma, esse mes-mo cidadão teria que arcar com todas as responsabilidades legais pelo uso da in-formação. “Isso garante o direito à infor-mação, a privacidade do ente público e ao não-uso instrumental dessa informa-ção”, afi rma Moroni.

De volta à realidade atual, o sociólogo Rudá Ricci considera o livre trânsito de Antônio Palocci entre as esferas públi-ca e privada, e seus consequentes bene-fícios individuais, como um distancia-mento cada vez maior da sociedade re-

Política para ganhar dinheiroPÚBLICO X PRIVADO Suspeita sobre ministro da Fazenda Antonio Palocci fragiliza governo Dilma

al. “[O livre trânsito de Palocci entre pú-blico e privado] é uma característica da junção da dimensão política com a eco-nômica e o divórcio das duas com a di-mensão cultural e de valores sociais”, analisa.

RefémCláudio Weber Abramo, da Ong Trans-

parência Brasil, entretanto, não enxerga um futuro menos polêmico. Para ele, so-bretudo em regimes republicanos e libe-rais, casos de tráfi co de infl uência são ris-cos permanentes. “Pessoas que ocupam cargos públicos tomam decisões que têm consequências econômicas. Daí a neces-sidade de monitoramento, de controle. Isso no latu sensus, como imprensa, on-gs e etc”, defende Abramo.

Não é assim que pensa José Antônio Moroni. Para ele não é papel da impren-sa defi nir a pauta sobre os direitos de si-gilo patrimonial de uma pessoa públi-ca. Isso porque, de acordo com Moroni, a ação da imprensa sempre ganha um aspecto instrumental com foco a deter-minados grupos políticos. “Houve todo um debate no ano passado, no processo eleitoral sobre a tentativa de quebra de sigilo da fi lha do Serra (Mônica Serra). O tratamento dado foi totalmente dife-rente em relação ao Palocci. Pouco se fa-la em quem quebrou o sigilo dele”, pon-tua o membro do Inesc.

Fato é que Palocci e o próprio governo Dilma deram, mais uma vez, combustível para que setores conservadores, partidá-rios ou não, impeçam a governabilidade de uma administração petista. De acor-do com o deputado federal Ivan Valente (Psol/SP), o ministro chefe da Casa Civil é um ponto “absolutamente vulnerável” do governo.

Valente argumenta que, ao mesmo tempo em que Palocci é o credor do mer-cado dentro do governo, tornou-se sua peça “mais condenável”, visto que seu super-enriquecimento ainda não expli-cado deu margem a todo tipo de chanta-gem do que chama de “uma base gover-nista extremamente reacionária”.“Está aí o Anthony Garotinho (PR/RJ), chan-tageando o governo por causa do kit an-ti-homofobia”, reforça.

Segundo o deputado federal, existe uma “relação simbiótica”, que segundo ele beira a corrupção, que é o uso de in-formação privilegiada para fazer fortu-nas, e para que grupos econômicos po-derosíssimos, bancos, setores do agro-negócio e montadoras de veículos obte-nham vantagens. “O PT entrou numa ló-

gica não só capitalista, mas de usar o Es-tado para enriquecer e cometeu o maior erro, quase um crime político, de des-mobilizar a força social de mudança. A questão do Código mostra isso. O Caso Palocci teve peso no desenlace fi nal da votação do Novo Código Florestal, so-bretudo na Emenda 164 (concede aos estados o poder de decidir sobre ativida-des agropecuárias em áreas de preserva-ção permanente), que apenas piora um texto que já é péssimo, do Aldo Rebelo”, lembra Valente. “Ficar dependente da base ruralista, está lascado”, reforça.

Empreendedor O deputado federal André Vargas (PT/

PR), em nome de seu partido, rebate. O rápido enriquecimento de Palocci por meio de uma consultoria fi nanceira não revela, segundo ele, tráfi co de infl uên-cia ou qualquer outro tipo de ilegalidade. “Qual a grande construtora ou incorpo-radora não tem relação com o Estado?”, questiona.

De acordo com o deputado, quem “fa-bricou” a crise foram os grandes jornais, também infl uenciados por interesses po-

“Os deputados deveriam se sentir impedidos de votar

projetos para os quais tiveram interesses e foram fi nanciados”

Raiz da corrupção?

da Redação

“O fi nanciamento privado de campa-nha é a raiz da corrupção em nosso país. Os deputados deveriam se sentir impedi-dos de votar projetos para os quais tive-ram interesses e foram fi nanciados”. O argumento é do deputado federal Ivan Valente (Psol/SP). Ele lembra que, so-mente na Comissão de Minas e Ener-gia, a maior parte dos deputados foram fi nanciados por mineradoras em suas campanhas eleitorais.

Segundo ele, é evidente que os que não querem o fi nanciamento público de cam-panha dirão que o chamado caixa dois continuará existindo. “Mas isso é um crime, e o crime precisa ser julgado pe-lo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e re-primido pelos órgãos policiais, tanto o doador quanto o receptor”, reforça.

José Carlos Moroni soma-se a Valen-te e pondera que, se vigorar uma reforma política que abarque a necessidade do fi -nanciamento público de campanha, isso fecharia uma das portas do tráfi co de in-fl uência. “Atualmente, a consequência negativa desse tipo de relação se dá em cima do político somente”, salienta.

Outro lado Mas há quem pense o contrário. “[O fi -

nanciamento público de campanha] difi -cultaria um pouco, mas não afastaria. Os

mecanismos [de infl uência econômica] são variados porque não há necessidade explícita de entrega de recursos em espé-cie”, contrapõe o sociólogo Rudá Ricci.

Como exemplo, ele pondera que é pos-sível que uma empresa de eventos apre-sente uma planilha de custos para apoiar um evento a baixíssimo custo e receber uma “bonifi cação” com a vitória do elei-to. “A corrupção no período eleitoral nem sempre é paga na campanha. É paga an-tes ou depois. Eu temo que uma reforma política tão reduzida e formalizada que é conduzida justamente por aqueles que os cidadãos querem controlar fi que na su-perfície dos problemas reais”, critica.

Na mesma linha, Cláudio Weber Abra-mo, da ONG Transparência Brasil, acre-dita que sempre haverá o interesse dos políticos em serem fi nanciados e o inte-resse das empresas em fi nanciar candi-datos para obter alguma espécie de van-tagem. “Então, o favorecimento não ha-veria se não houvesse o fi nanciamento privado de campanha? Se proibir o fi -nanciamento privado vão jogá-lo para o caixa dois”, destaca Abramo, que uti-liza o argumento já adiantado por Ivan Valente.

Fato é que, cedo ou tarde, a fatura se-rá cobrada. Como lembra em recente ar-tigo o historiador e integrante do dire-tório nacional do Psol, Juliano Medei-ros, a campanha de Dilma foi fi nanciada principalmente por empreiteiras e cons-trutoras, largamente benefi ciadas pelo Programa de Aceleração do Crescimen-to (PAC). Mais de 25% de suas doações vieram de empresas como Camargo Cor-rêa, OAS e Queiróz Galvão. Tais empre-sas obtiveram acesso a grandes fi nancia-mentos junto ao Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico e Social (BN-DES). “Nada mais natural que na elei-ção demonstrassem sua gratidão”, escre-ve. (ESL)

Financiamento privado de campanha força “favores”

líticos. “A direita, que não tem bandeira e sai num movimento pseudo-moralista. É um movimento tentando não permitir nossa inserção na classe média. É como se quem fosse de esquerda não pudes-se empreender”, critica Vargas ao Bra-sil de Fato.

Após toda essa confusão, existem dois caminhos para o empreendedor e o atual ministro-chefe Casa Civil, de acordo com o sociólogo Rudá Ricci. “Palocci avança-va sobre a área econômica. Já era atendi-do com distinção pela presidenta Dilma. Incomodava. Debelava a cada dia o mi-nistro Mantega. E é ministro da cota de Lula. Este jogo é típico daquela situação política em que não há empate: ou Paloc-ci cai ou volta com o poder de primeiro-ministro”.

“Pessoas que ocupam cargos públicos tomam decisões que têm consequências econômicas. Daí a necessidade de monitoramento”

Palocci e o próprio governo Dilma deram mais uma vez combustível para que setores conservadores impeçam a governabilidade

O enriquecimento de Palocci dá margem a todo tipo de chantagem de “uma base governista extremamente reacionária”

“O PT entrou numa lógica não só capitalista, mas de usar o Estado para enriquecer”

“Qual a grande construtora ou incorporadora não tem relação com o Estado?”

O ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci e a presidenta Dilma Rousseff

Lula Marques/Folhapress

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brasilde 2 a 8 de junho de 20116

Fritura ofi cial As cinco grandes transnacionais

da telefonia que operam no Brasil continuam atacando com voraci-dade o programa federal de Banda Larga: primeiro fi zeram o governo Dilma cortar recursos e recuar na implantação da Internet rápida pela Telebrás; agora estão “fritando”, com ajuda do Ministério das Comu-nicações, a própria diretoria da Te-lebrás. As empresas privadas estão de olho gordo nos fartos lucros da inclusão digital.

Corrosão salarialUtilizado para reajuste dos alu-

guéis, o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) fechou o mês de maio com aumento de 9,77% em relação aos últimos 12 meses. Esse aumento mais os efetivados nos ali-mentos e nos preços públicos (ener-gia, transportes, telefonia etc) re-presentam uma brutal corrosão nos salários dos trabalhadores. Quem não lutar por reajuste superior a 10% vai pagar a conta em 2011.

Tudo parado – 1O projeto de lei que institui a Co-

missão da Verdade, enviado pelo governo Lula ao Congresso Nacional no ano passado, continua dormindo em berço esplêndido – não avança pela vontade da bancada do PT e muito menos pela iniciativa da base aliada. Está claro que a apuração da verdade sobre os crimes praticados pelo Estado durante da Ditadura Militar (1964-1985) não está na agenda do atual governo. Morreu!

Tudo parado – 2 Depois de todo o esforço dos mo-

vimentos sociais nas conferências municipais, estaduais e a nacional de Comunicação Social, em 2009, que aprovou 672 propostas para democratizar o sistema vigente, o governo federal prometeu elaborar projetos de lei em consonância com as demandas da sociedade, mas, até o presente momento não avançou em nada concretamente. O Brasil continua sob o domínio do oligopó-lio midiático inconstitucional!

Algo maisA sequência de assassinatos no

campo, desde Chico Mendes, Irmã Dorothy e de tantos outros traba-lhadores, sindicalistas, religiosos, advogados, até as mortes recentes de Adelino Ramos, José Claudio e Maria da Silva, tem provocado co-moção pública e forte indignação em boa parte do povo, mas não o sufi ciente para conter a brutal vio-lência dos algozes. É preciso fazer algo que mude em defi nitivo o rumo dessa história.

De propósitoNo fi nal de maio, o Superior Tribu-

nal de Justiça fi nalmente notifi cou um desembargador e dois juízes do Mato Grosso que entre 2003 e 2005 teriam repassado milhões de reais dos cofres públicos para uma Loja Maçônica a que os três pertenciam. Esse processo – como tantos outros – caminha lentamente no Poder Ju-diciário, já que o objetivo da corpora-ção é mesmo não julgar e não punir os seus protegidos. Ponto fi nal!

CondenadosMilhares de desabrigados pelas

chuvas e removidos por causa das obras dos megaeventos esportivos, no Rio de Janeiro, continuam sem teto e sem a proteção do poder pú-blico. O governo estadual tem trans-ferido alguns para moradias do pro-grama federal Minha Casa Minha Vida localizadas até 70 quilômetros de onde moravam, em conjuntos já dominados por milícias e que apre-sentam rachaduras na construção. É o fi m da picada!

Dívida estatalAo denunciar os recentes crimes

praticados contra camponeses, o bispo emérito de São Felix do Ara-guaia (MT), Dom Pedro Casaldáliga criticou o papel do Estado brasileiro (Folha de S. Paulo em 31.05.2011): “O Estado continua omisso frente a três grandes dívidas: a reforma agrária, a política indigenista e a po-lítica doméstica e ecológica do con-sumo interno”. Todos são vítimas da ganância do agronegócio!

ConciliaçãoNo dia 26 de maio, em ato solene,

os presidentes da CUT, da Força Sindical e da poderosa FIESP di-vulgaram nota sob o título “Um acordo pela indústria brasileira”, na qual enaltecem o “grande momen-to econômico e social” vivido pelo Brasil, fazem juras em defesa de um genérico “desenvolvimento” e de uma “indústria forte” e anunciam a promoção conjunta do seminário “O Brasil do Diálogo, da Produção e do Emprego”. Sem comentários!

fatos em focoHamilton Octavio de Souza

Patrícia Benvenuti da Redação

QUATRO MORTES em cinco dias. Esse foi o saldo da violência na região amazô-nica brasileira no fi m de maio, que evi-dencia o acirramento da disputa entre os interesses de grupos econômicos e de co-munidades tradicionais na mira de gran-des empreendimentos.

O caso que mais chamou a atenção ocorreu no dia 24, quando os líderes ex-trativistas Cláudio Ribeiro da Silva, co-nhecido como Zé Castanha, e sua esposa Maria do Espírito Santo da Silva foram assassinados por pistoleiros em uma emboscada no município de Nova Ipi-xuna, no Pará.

O casal era líder dos assentados do Projeto Agroextrativista Praia Alta da Piranheira, onde cerca de 350 famílias vivem e produzem de forma sustentá-vel em um lote de aproximadamente 20 hectares. Eles também eram integrantes do Conselho Nacional de Populações Ex-trativistas (CNS), ONG fundada por Chi-co Mendes, e lutavam pela preservação das fl orestas na Amazônia.

O advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) José Batista Afonso relata que, desde a criação do projeto, em 1997, os assentados sofrem pressões de carvo-arias, madeireiras e grileiros de terras. “A criação do assentamento foi mui-to tensa, havia muitos interesses ali, de madeireiras a gente que queria expandir produção de gado”, conta.

Devido às constantes ameaças, Zé Cas-tanha e Maria denunciaram a órgãos na-cionais e internacionais que eram víti-mas de perseguição. Mesmo assim, não recebiam qualquer proteção do Estado. Em um vídeo gravado em novembro de 2010, Zé Castanha alertou sobre a inse-gurança que o rondava. “Sou castanhei-ro desde os sete anos de idade, vivo da fl oresta. Protejo ela de todo o jeito. Por isso, eu vivo com a bala na cabeça a qual-quer hora. Eu vou pra cima e denuncio os madeireiros, os carvoeiros, e por is-so eles acham que eu não posso existir”, afi rmou.

TestemunhaNo mesmo assentamento de Nova Ipi-

xuna, foi encontrado morto no dia 28 de maio o trabalhador rural Herenilton Pe-reira, de 25 anos. A vítima estava desa-parecida desde o dia 26, quando teria ido, segundo familiares, comprar peixe no Porto do Barroso, localizado à beira do lago da represa de Tucuruí.

Herenilton seria uma das testemunhas dos homicídios de Zé Castanha e Maria.

De acordo com a CPT, no dia do assas-sinato do casal, Herenilton e seu cunha-do trabalhavam às margens de uma es-trada a cerca de cinco quilômetros do lo-cal onde ocorreu o crime. Momentos de-pois, ambos presenciaram a passagem de dois homens em uma moto. As des-crições coincidem com o relato de teste-munhas que viram a entrada de dois pis-toleiros no assentamento naquele mes-mo dia.

Segundo Afonso, estão em andamento dois inquéritos que apuram as três mor-tes – um da Polícia Civil e outro da Polí-cia Federal –, mas até o fechamento des-ta edição (em 31 de maio) não haviam si-do divulgados resultados. “A gente não pode dizer que [os três assassinatos] es-tão relacionados, mas a hipótese não po-de ser descartada”, aponta.

O rumo das investigações, no entan-to, preocupa de antemão o advogado, que aponta a infl uência histórica do po-der econômico dentro do Poder Judiciá-rio no estado. “Nunca foi fácil identifi car e punir mandantes no Pará”, destaca.

RondôniaOutro assassinato ocorreu no dia 27,

dessa vez em Rondônia. O agricultor Adelino Ramos, conhecido como Dinho, foi alvejado por um motoqueiro no dis-trito de Vista Alegre do Abunã, na capital Porto Velho, enquanto vendia verduras. Ele era sobrevivente do Massacre de Co-

1.855nomes de pessoas ameaçadas

de morte nos últimos dez anos constam de lista enviada pela CPT

à ministra Maria do Rosário

Assassinatos expõem corrida pela AmazôniaVIOLÊNCIA NO CAMPO Economia extrativista e expansão do agronegócio na região podem estar ligadas às mortes de lideranças

rumbiara, ocorrido em agosto de 1995, que resultou em pelo menos 11 mortes de trabalhadores sem terra.

Líder do Movimento Camponês de Co-rumbiara, Dinho denunciava a ação ile-gal de madeireiros na fronteira entre os estados de Acre, Amazônia e Rondônia e, junto com outros trabalhadores, rei-vindicava uma área nessa região para a criação de um assentamento. Assim co-mo Zé Castanha e sua esposa, Dinho ha-via alertado para as ameaças que sofria, mas nunca recebeu proteção do Estado.

Na manhã do dia 31, o principal sus-peito do crime entregou-se à polícia. Segundo a Secretaria de Segurança de Rondônia, Ozeas Vicente trabalhava co-mo funcionário de madeireiras da região e estaria fazendo ameaças à vítima.

O assassinato, para padre Zezinho, da CPT de Rondônia, pode estar relaciona-do com o endurecimento das ações de fi scalização do Ibama nos últimos me-ses, a fi m de coibir o desmatamento. “O Ibama pressionou, e eles [madeireiros] deram uma resposta”, sugere.

Os confl itos são tão intensos na área, segundo o agente da CPT, que os pis-toleiros costumam circular livremente entre os moradores. “Todo mundo sa-be, mas ninguém fala nada, todo mun-do tem medo. A gente faz as denúncias e não acontece nada”, lamenta.

Padre Zezinho alerta ainda para a pos-sibilidade de novas mortes. Como exem-plo, ele cita o caso da agricultora familiar Nilcilene Miguel de Lima, que já sofreu inúmeras ameaças e hoje está foragida, como foi denunciado em artigo publica-no na edição 430 do Brasil de Fato.

DesenvolvimentismoO que há em comum entre os episó-

dios, na avaliação de José Batista Afon-so, é que todos refl etem a violência asso-ciada à expansão do capital e dos gran-des projetos na região amazônica.

“[As mortes] não são fatos isolados, e a violência é uma consequência des-se desenvolvimento ligado ao agrone-gócio, à exploração extrativista e à cor-rida desses setores em direção à Amazô-nia. Quem está contra esses interesses é vítima dessa ganância”, avalia.

A integrante da coordenação estadual do MST no Pará, Maria Raimunda, reite-ra a relação entre a escalada da violência e os megaempreendimentos na região. Em protesto contra a morte do casal de extrativistas, estudantes, professores e militantes do movimento interditaram a ponte rodo-ferroviária Carajás sobre o rio Tocantins, em Marabá, no dia 28. O objetivo era paralisar as atividades da mineradora Vale que, na avaliação dos movimentos sociais, é uma das impul-sionadoras da violência na Amazônia.

“As carvoarias aqui da região existem para sustentar os projetos da Vale, por-que aqui está tudo vinculado: extração de minério, siderurgia, carvoaria e ma-deireiras. E para garantir a implementa-

ção dos projetos, eles passam por cima de qualquer pessoa”, afi rma.

E as perspectivas são ainda mais pre-ocupantes com a aprovação do novo Có-digo Florestal. Para padre Zezinho, as mortes já são consequência das dispu-tas que envolvem o texto do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB). “Isso não é uma casualidade, tem a ver com o Có-digo e com a pressão dos ruralistas. A Dilma [Rousseff] endureceu, e o pessoal [ruralistas] deu uma resposta”, ressalta.

“O novo Código vai abrir caminho pa-ra a expansão desse modelo econômi-co e vai fortalecer a ação do latifúndio e do agronegócio em direção à Amazônia, afetando as comunidades tradicionais”, avalia José Batista Afonso.

MedidasPara tentar conter a violência na re-

gião, o governo federal anunciou a cria-ção de um grupo de trabalho interminis-terial, coordenado pelo ministro da Se-cretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, no intuito de acompanhar a investigação dos assassinatos e acelerar ações de regularização fundiária.

Para a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Pre-sidência da República, a iniciativa mos-tra que o governo federal está empenha-do em coibir os crimes contra os traba-lhadores rurais. O sucesso das ações, no entanto, dependerá de uma ação conjun-ta com os estados. “Não poderemos agir sem que os governadores, as forças po-liciais dos estados, as ouvidorias, corre-gedorias e ministérios públicos nos esta-dos estejam agindo”, afi rmou em coleti-va de imprensa no dia 31.

Na ocasião, a CPT entregou à ministra uma lista com 1.855 pessoas que foram ameaçadas nos últimos dez anos. Des-sas, 207 receberam mais de uma amea-ça, 42 foram assassinados e 30 sofreram tentativa de assassinato.

O advogado José Batista Afonso, no entanto, pondera que, antes de ações repressivas, o governo precisa atacar as causas da violência. “É preciso que o go-verno priorize algumas ações que preci-sam ter mais agilidade, como a demar-cação de terras indígenas e a regulariza-ção das terras de remanescentes de qui-lombos, comunidades ribeirinhas e áre-as de proteção ambiental, além da fi sca-lização daquelas já existentes”, pontua. (Colaboraram Vinicius Mansur e Da-nilo Augusto)

da Redação

Além das mortes de agricultores, foi registrada, no dia 27, uma tentati-va de assassinato contra o sindicalis-ta Almirandi Pereira, de 41 anos, vice-presidente da Associação Quilombola do Charco, de São Vicente Ferrer, no Maranhão. Almirandi luta pela titulação do terri-tório quilombola do Charco, em dis-puta com o empresário Gentil Go-mes, pai de Manoel de Jesus Martins Gomes e Antônio Martins Gomes, re-centemente benefi ciados por um sal-vo-conduto concedido pelo Tribunal de Justiça do estado. Os dois estão denunciados pelo Ministério Públi-co Estadual sob a acusação de serem os mandantes do assassinato de Fla-viano Pinto Neto, líder do mesmo qui-lombo, no ano passado. (PB)

Tentativa de assassinato

“A gente não pode dizer que [os três assassinatos] estão relacionados, mas a hipótese não pode ser descartada”

Os confl itos são tão intensos na área, segundo o agente da CPT, que os pistoleiros costumam circular livremente entre os moradores

Para padre Zezinho, as mortes já são consequência das disputas que envolvem o texto do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB)

Velório do casal José Claudio e Maria do Espírito Santo assassinados por pistoleiros em Nova Ipixuna (PA)

Comunicação MST

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brasil de 2 a 8 de junho de 2011 7

Pedro Carranode Curitiba (PR)

A EMPRESA Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apresentou a primeira espécie transgênica do mun-do, elaborada sobre um grão presente na mesa dos povos no Brasil e na América Latina: o feijão. Em uma linha de tem-po recente, desde 2008, o número de va-riedades autorizadas de Organismos Ge-neticamente Modifi cados (OGM) alcan-çou 28 no país, a partir de três espécies – milho, soja e algodão. O detalhe é a atual proposta partir pela primeira vez de uma empresa estatal.

A Embrapa solicitou à Comissão Técni-ca Nacional de Biossegurança – CTNBio em dezembro do ano passado a liberação comercial deste cultivo e no último dia 17 de maio houve a realização de audiência pública sobre o tema, provocando outra reação crítica de entidades, devido à re-alização na própria sede da Embrapa, o que foi considerado uma forma de cons-trangimento, para atenuar as críticas.

Sobre a variedade modifi cada do fei-jão da Embrapa, que pode vir a ser apro-vada, existem diversos questionamentos levantados. A Embrapa não teria pes-quisado o impacto dessa variedade em todos os biomas brasileiros, como é exi-gido por lei, mas somente em dois deles. Uma outra interrogação se refere à fun-ção dessa tecnologia na produção de um cultivo abundante como o feijão. O obje-tivo é desenvolver um modo de resistên-cia ao vírus mosaico dourado transmiti-do pela mosca branca, evitando o uso de inseticidas.

Porém Ana Carolina Brolo de Almei-da , assessora jurídica da Terra de Direi-tos, ao lembrar a fala de representante do Consea, Werner Fuchs, naquela audiên-cia pública salientou que a própria Em-brapa desenvolvia maneiras de combater as pragas a partir do cultivo orgânico e do manejo. De acordo com ela, os proble-mas desse debate giram em torno da fal-ta de preocupação ambiental e da opção tecnológica que muitas vezes não respei-ta o princípio da precaução. Na dúvida, o cultivo não deveria ser liberado.

No dia seguinte, na reunião da plená-ria da CTNBio, essa Comissão, por exi-gência da Justiça, teve que discutir en-tre seus membros edição de norma que

Monopólio da semente agora é “política pública”TRANSGÊNICOS Experimentos de organismos geneticamente modifi cados partem agora do setor público, via Embrapa

garantisse o acesso aos processos de li-beração comercial que tramitam na Co-missão (à exceção de informações que contenham sigilo industrial), para que a sociedade civil tenha acesso ao inteiro teor dos documentos antes das audiên-cias públicas, até então inacessíveis. Po-rém um fato que viola a sentença contra a CNTBio foi verifi cado no processo que pretende a liberação comercial do feijão transgênico, “quando houve sigilo sobre informações importantes e que não são de interesse comercial, além do fato de que até mesmo membros daquela Co-missão tiveram acesso negado a infor-mações fundamentais para se avaliar a liberação ou não do feijão transgênico” , relata Ana Carolina.

Monopólio da sementeHoje, Monsanto, Syngenta, Bayer, Du-

pont, DowAgrosciens e Basf concentram a venda do chamado “pacote tecnológi-co”, incluindo sementes e agrotóxicos.

A concentração das sementes refl e-te-se na sua conversão em varieda-des transgênicas a serviço das corpora-ções transnacionais. No Brasil, o preço médio da semente aumentou em 246 %, de 1994 a 2006, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimen-to (Conab). “Não há soberania de se-

mentes e sementeiras, somos o quar-to maior importador do mundo”, ad-verte Larissa Packer, assessora jurídi-ca da Terra de Direitos. No plano mun-dial, dados apontam que as dez maio-res empresas de sementes do mundo controlam mais de um terço do comér-cio mundial e 90 % do mercado mun-dial de agroquímicos.

Uma das explicações para o contexto dos transgênicos hoje no Brasil aponta para as sementeiras que, de acordo com Larissa, são apropriadas pelos grupos transnacionais. Essa conjuntura retira a soberania do país sobre a alimentação, uma vez que os grupos corporativos con-trolam a propriedade intelectual, comer-cial e biológica sobre esses produtos ou mercadorias, como são transformadas

as sementes. “A semente torna-se uma mercadoria, uma propriedade privada, que vira valor como capital”, refl ete.

O Brasil, devido à concentração do mercado de sementes, é o segundo maior em plantio de transgênicos no mundo, plantando 17% dos cultivos. Esse fato se dá pela contaminação devido à mistu-ra das sementes de soja, e também pe-la polinização cruzada do milho transgê-nico com o convencional. No caso da so-ja, sementes tradicionais e transgênicas misturam-se nos silos das cooperativas e sementeiras, ao ponto de hoje termos uma quantidade de 85 % das sementes dessa espécie na condição de transgêni-cos. A principal proprietária é a transna-cional Monsanto, dona de 70 % do mer-cado brasileiro, e deixa apenas 15 % de sementes de soja convencionais no mer-cado. Essa quantidade mínima é justa-mente aquela que tem acesso a merca-dos europeus, por exemplo (veja maté-ria abaixo). O cultivo de soja transgêni-ca foi liberado em 1998 e, em pouco tem-po, misturou-se às sementes tradicionais no processo de produção. Os argumentos favoráveis a esta situação falam em direi-to de opção do produtor, quando a reali-dade aponta o contrário e a sujeição do agricultor a esse modelo. (Colaboraram Ednubia Ghisi e Laura Schuhli)

de Curitiba (PR),

Completam-se dez anos de resistência de organizações sociais e entidades, em contraposição à noção comum de que os transgênicos são inevitáveis. Informa-ção e divulgação de estudos são neces-sários em busca de alternativas

A PepsiCo/Elma Chips está substi-tuindo o milho convencional pelo ge-neticamente modifi cado na produção de salgadinhos no Brasil. Marcas como Cheetos , Fandangos, entre outras, estão sendo fabricadas com milho transgêni-co. A justifi cativa das empresas é o au-mento da proporção de milho transgê-nico na safra atual.

Os exemplos de produtos transgêni-cos são presentes na realidade do traba-lhador e do povo, embora haja pouca in-formação que provoque a pensar a fun-

Falta de informação sobre alternativaAviso sobre organismos transgênicos nas embalagens é vitória, mas ainda é insufi ciente para informar consumidor

do na questão. O alerta impresso nas embalagens é uma conquista, mas ainda insufi ciente. E, ainda por cima, há uma ofensiva para rotular estas formas de in-formação, de acordo com a assessora ju-rídica da Terra de Direitos, Ana Brollo.

Entrevista realizada pelo Brasil de Fato no terminal de ônibus da Fazen-dinha, periferia de Curitiba, dá um pe-queno sinal de como o tema repercute entre a população. Parte dos entrevista-dos não havia nunca ouvido falar do te-ma dos transgênicos. Outros não enxer-gavam elementos para evitar ou buscar uma alternativa. “Não há como evitar”, exclama o operador de máquinas Lucia-no Zaruvne. “Não teria problema, mas só se eu não passar mal”, pondera o es-tudante Luiz Guilherme Deya. Já a estu-dante de Medicina Veterinária, minoria entre os entrevistados, Elisa Hartmann, reclama da falta de pesquisas para in-formar a população. “Falta informação sufi ciente, não fi camos sabendo. Falta um estudo maior dizendo os efeitos a longo prazo, nesse caso a gente evitaria, sabendo que é transgênico”, coloca.

Escolha política“A opção, na realidade, é política. Ou-

tros países o fi zeram. À exceção da Es-panha, nenhum outro país da Euro-pa cultiva transgênicos, tarefa assumi-da hoje por Argentina, Brasil e Estados Unidos”, aponta Larissa Packer, da Ter-ra de Direitos.

A Alemanha, por exemplo, é importa-dor de soja brasileira, destinada para a alimentação animal e a produção de car-ne naquele país. Isso se refl ete no fato de que grandes produtores nacionais man-têm uma quantidade de cultivo tradicio-nal, de olho nas exigências desse mer-

Linha do tempo1994 – O Tratado da Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio, assinado pelo Bra-sil e outros países integrantes da Organização Mundial do Comércio (OMC), é uma das entra-das para a regulamentação da apropriação pri-vada de elementos da biodiversidade. Um dos artigos afi rma que todas as inovações com apli-cação industrial podem ser apropriadas de for-ma privada, incluindo os transgênicos.

1995 – Com a assinatura do Tratado, os paí-ses passam a movimentar todas as suas legis-lações para autorizar a propriedade privada so-bre as inovações, que foram trazidas para den-tro do comércio. No Brasil, a adequação da le-gislação para atender esse interesse se concreti-za quando é assinada a primeira Lei de Biosse-gurança. Já em 1996, a Lei de Propriedade In-dustrial prevê a proibição de apropriação priva-da sobre as formas de vida, exceto os alimentos transgênicos.

2003 – A entrada dos transgênicos no Brasil se deu ofi cialmente nesse ano, quando o vice-pre-sidente José Alencar assinou a primeira Medida Provisória liberando o plantio de transgenias, liberando o plantio de soja transgênica, que até então era proibida, apenas para aquela safra, sob o argumento do “fato consumado”.

2005 – O Governo Federal permitiu o plan-tio no Rio Grande do Sul no ano de 2003, me-dida que se repetiu nos dois anos seguintes até se tornar a Lei n.º 11.105 de biossegurança de 2005, regulamentando as ações anteriores, ain-da que contrárias à legislação brasileira. A ad-vogada Ana Carolina Brolo de Almeida comen-ta que, enquanto o governo brasileiro editou três medidas provisórias para autorizar o plan-tio ilegal de soja transgênica no país, o governo do Paraguai, ao se ver na mesma situação, op-tou por incinerar o milho transgênico encontra-do pelo governo.

2008 – O país tinha apenas duas variedades transgênicas liberadas, até que a partir des-se ano o número saltou para 28 variedades aprovadas.

cado. Ainda que venha diminuindo a ca-da safra, a previsão para 2011/2012 é que 13,7% da colheita no Sul sejam de não-GM. No Nordeste, esse número chega 47%. Normalmente, há um ônus grande para o produtor separar completamente os dois cultivos, explica Larissa, o que for-ça agricultores a seguirem essa tendência do mercado. A cooperativa/sementeira muitas vezes opta então pelos royalties recebidos pelos transgênicos. Entretan-to, por força do mercado estrangeiro, os royalties do cultivo tradicional ainda se mantêm em cotação elevada, de acordo com Larissa, o que segura o quadro atu-al de produção não-transgênica.

Mesmo rigorosos, ainda assim, os go-vernos dos países europeus não se dão conta de que não é feito o controle na saída dos portos brasileiros entre o ali-mento transgênico e o normal. Cabe ao país exportador o ônus de qualquer ris-co encontrado no alimento, de acordo com as convenções internacionais. Eis aí uma brecha para a crítica da socieda-de civil. “Há a possibilidade de que o Es-tado brasileiro aponte a Monsanto como a responsável. O Estado brasileiro pode levantar um marco de responsabilidade”, sugere Larissa. (PC)

Marcas como Cheetos , Fandangos, entre outras, estão sendo fabricadas com milho transgênico

“A opção, na realidade, é política. À exceção da Espanha, nenhum outro país da Europa cultiva transgênicos”

Sobre a variedade modifi cada do feijão da Embrapa, existem diversos questionamentos levantados O Brasil, devido à

concentração do mercado de sementes, é o segundo maior em plantio de transgênicos no mundo

Embrapa não pesquisou o impacto da variedade modifi cada do feijão em todos os biomas do país, como é exigido por lei

Reprodução

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brasilde 2 a 8 de junho de 20118

Leandro Uchoasdo Rio de Janeiro (RJ)

O QUE JÁ SE anunciara nos primeiros dias de governo está prestes, agora, a acontecer. O governo federal, através do Conselho Nacional de Política Energéti-ca, órgão vinculado ao Ministério das Mi-nas e Energia, deliberou a retomada dos leilões de petróleo. O anúncio tem reper-cutido como uma bomba, sobretudo no meio sindical. O cronograma do leilão foi divulgado logo em seguida. Será realiza-da, em setembro, a 11ª retomada de li-citações. Serão leiloados alguns campos do pós-sal, uma vez que, para o pré sal, o marco regulatório foi mudado no ano passado. Já no dia 4 de janeiro, ao to-mar posse, o ministro das Minas e Ener-gia, Edison Lobão (PMDB), anunciara o que agora se confi rma. Em torno da cam-panha “O Petróleo Tem Que Ser Nosso”, movimentos sociais e sindicatos reivindi-cam o fi m dos leilões e a reestatização da Petrobras.

Os leilões não ocorriam desde 2009. O diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Haroldo Lima, defen-deu publicamente que a área explorató-ria de petróleo no país estava sendo bas-tante reduzida. Por isso, celebrou a roda-da de leilões. Lideranças sindicais, po-rém, contestam essa posição. “É a pior coisa que pode acontecer”, resumiu Fer-nando Siqueira, presidente da Associa-ção dos Engenheiros da Petrobras (Ae-pet). Segundo o ministro Lobão, serão oferecidos 174 blocos, sendo 87 em terra e outros 87 em mar, em águas não rasas. A área total equivale a 123 mil quilôme-tros quadrados, nos territórios de Bahia, Ceará, Maranhão, Piauí, Espírito San-to, Pará, Amapá, Alagoas e Rio Grande do Norte. Cinco bacias estão localizadas na margem equatorial que vai do Amapá até o Rio Grande do Norte. Outras, ma-rítimas e terrestres, se estendem nas re-giões de Potiguar, Recôncavo, Sergipe e Espírito Santo.

ResistênciaA campanha “O Petróleo Tem Que Ser

Nosso” planeja construir um grande ato unifi cado contra a medida do governo. Já havia uma deliberação para a construção da manifestação, tirada no início de abril, de plenária nacional da campanha reali-zada em Minas Gerais. Agora, a iniciati-va ganha sustentação real. Segundo o mi-nistro Lobão, para a licitação prevista as assinaturas dos contratos de concessão

Governo confi rma leilões de petróleoSOBERANIA Através do Conselho Nacional de Política Energética, foi confi rmada para setembro a 11ª rodada de leilões do pós-sal

devem acontecer em dezembro. “O pré-edital está previsto para o dia 3 de junho. O edital e o contrato de concessão devem ser publicados no dia 9. E a apresentação das ofertas está prevista para 12 de se-tembro”, completou o ministro. Entida-des vinculadas à campanha estão corren-do contra o tempo para impedir a reali-zação dos leilões.

“Estamos no limiar do terceiro choque do petróleo. Até o FMI já disse isso, que nós defendemos há anos. Os países de-senvolvidos não têm mais reserva. Eles fi cam totalmente inseguros, e por isso invadem países como Iraque e Líbia. A produção mundial, que hoje é de 86 mi-

do Rio de Janeiro (RJ)

A Petrobras mudou os critérios que orientam sua forma de contabilizar o número de funcionários. A partir de 2010, passou a excluir das contas os em-pregados de empresas contratadas que atuam fora de suas unidades. Para en-tender a razão, voltemos a agosto últi-mo. À época, o Tribunal de Contas da União (TCU) havia pressionado a com-panhia a começar um processo de redu-ção do número de funcionários terceiri-zados. Ocorre que, ao investigar contra-tos da empresa, o TCU encontrara “in-dícios de burla à investigação”. É então que a Petrobras muda a forma de levan-tar o número de empregados. Com a no-va contabilização, de acordo com os da-dos entregues à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quase 20 mil fun-cionários sumiram das contas sem que houvesse uma única demissão.

De 2005 a 2010, o número de empre-gados terceirizados da Petrobras prati-camente dobrou. Foi de 156 mil a 310 mil. A quantidade se deve, em grande parte, ao próprio crescimento das ativi-dades da empresa. Em 2010, a relação entre terceirizados e concursados era de quatro para um, dado que chamou a atenção do TCU, levando-o a investi-gar a companhia. Como a Constituição de 1988 proíbe que terceirizados traba-lhem em funções de concursados, o tri-bunal advertiu a empresa, dando um prazo de cinco anos para que houves-se a substituição dos empregados tem-porários pelos defi nitivos, aprovados em concurso. Após a suposta “maquia-

do Rio de Janeiro (RJ)

Uma das ferramentas históricas das lutas de esquerda é o boicote. Quando as tarifas de ônibus estão caras demais, se vai a pé. Quando o preço de um ali-mento está por demais elevado, substi-tui-se-o. E se um estabelecimento qual-quer for palco de alguma ocorrência ra-cista ou homofóbica, evita-se-o. Quan-do grandes massas decidem utilizar a ferramenta para uma ação organizada, o impacto tende a ser muito maior. Al-gumas das maiores lideranças da histó-ria já recorreram ao boicote.

Entretanto, nem sempre a ferramenta é utilizada de forma inteligente. Não pe-la primeira vez, no último mês, quando o valor dos combustíveis ameaçou au-mentar, devido principalmente ao au-mento do preço internacional do petró-

leo, e à entressafra da cana-de-açúcar, circularam e-mails indignados. Os auto-res da mensagem pediam que as pesso-as não comprassem combustível da Pe-trobras, em repúdio ao aumento do ál-cool e da gasolina. Propunham que o consumidor abastecesse em outros pos-tos, boicotando a empresa.

Ocorre que a Petrobras era exatamen-te aquela que estava segurando a al-ta generalizada dos preços. Estimulada pelo governo federal, para conter a in-fl ação a empresa estava admitindo ta-xas menores de lucro para que o com-bustível não subisse excessivamente. O governo chegou a anunciar publicamen-te que todos os instrumentos possíveis para conter a infl ação seriam utilizados. A Petrobras deveria ser, portanto, a úl-tima empresa a merecer sofrer ação de boicote.

Se a medida requisitada pelos autores das mensagens se efetivou, os benefi cia-dos foram justamente aqueles que não medem esforços para que o preço da ga-solina suba: Esso, Shell, Chevron, e pa-res. É sabido que essas empresas não têm nenhum vínculo nacionalista. A quebra do monopólio estatal no setor, em 1997, foi o que permitiu as multina-cionais fi xarem o preço que bem enten-dessem. O que ainda não se sabe é quem seriam os autores de correntes como es-sa. Não seria de se estranhar se houves-se vínculos entre os autores e as multi-nacionais. (LU)

gem” nos dados, a Petrobras envia para a CVM um recuo no número de tercei-rizados. A empresa confi rmou, publica-mente, a mudança nos critérios.

Na Justiça, o Ministério Público do Trabalho (MPT) já movia ações contra a Petrobras reivindicando a substituição de terceirizados por contratados. O MPT também afi rma que o aumento no núme-ro de terceirizados, na companhia, envol-veu atividades estratégicas, como a fi sca-lização de plataformas em alto mar. Es-se tipo de função só poderia ser desem-penhada por concursados. Segundo o ór-gão, cerca de 80% dos empregados ter-ceirizados estariam em situação irregu-lar. Há, ainda, denúncias sérias contra a empresa. A Petrobras estaria, segundo a Procuradoria, promovendo mudanças nos crachás e na listagem na intranet. A medida estaria difi cultando as auditorias do TCU. Há informações de que certos dados, como nome, cargo e subordina-ção, estão sendo simplifi cados na intra-net, de maneira a difi cultar a auditoria.

Somente em 2010, a Petrobras assi-nou, com oito empresas apontadas na Justiça como fornecedoras de trabalho terceirizado, quase 70 contratos, soman-do R$ 1,4 bilhão. Entre as empresas es-tão a Hope Consultoria e a Personal Ser-vice. O problema não se restringe à Pe-trobras. Há informações de que o pro-cedimento se repete em empresas co-mo Banco do Brasil e Eletrobrás, segun-do dados entregues à CVM. Todas essas companhias têm sido pressionadas pe-lo TCU a reduzir o número de terceiriza-dos, de acordo com a legislação brasilei-ra, mas têm evitado como podem a ação do tribunal. (LU)

Maquiagem na PetrobrasCompanhia redefi ne forma de contabilizar trabalhadores terceirizados, para se adequar à legislação

Boicote às avessasApós aumento do preço dos combustíveis, corrente na internet propõe protesto mirando alvo errado

Os autores da mensagem pediam que as pessoas não comprassem combustível da Petrobras, em repúdio ao aumento do álcool e da gasolina

Se o boicote foi bem sucedido, os benefi ciados foram aqueles que não medem esforços para que o preço da gasolina suba, como Esso e Shell

lhões de barris, vai cair para 60 milhões em 2020, e 30 milhões em 2030. Percebe o tamanho da nossa riqueza? A gente não pode entregar assim. Precisamos avan-çar, urgentemente, para o monopólio es-tatal”, defende Siqueira, dando a enten-der, inclusive, que a presidenta Dilma Rousseff (PT) negociou a realização dos leilões com Barack Obama durante sua visita a Brasília, em março. A acusação é comum entre os críticos da medida.

Os leilões na camada do pós-sal obe-decem, ainda, à lei 9478 de 1997, apro-vada no segundo mandato do ex-presi-dente Fernando Henrique Cardoso. Se-gundo ela, as concessões têm duração de 30 anos. A lei determina que a con-cessionária que descobrir petróleo torna-se, naturalmente, dona de sua produção. A concessão a empresas estrangeiras ge-ra uma série de efeitos na economia bra-sileira: desenvolvimento tecnológico ra-refeito, baixa contratação de engenhei-ros brasileiros, grande transferência de lucro a outros países, baixa contribuição em recursos de impostos ao Estado, etc. Segundo o site Wikileaks, multinacionais do setor utilizam o Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) para fazer lobby no Con-

gresso Nacional pela aprovação de seus interesses. Acredita-se que o primeiro leilão de blocos no pré-sal, já no regime de partilha, só deverá acontecer em 2012. Isso ocorre porque, no Congresso Nacio-nal, ainda não foi apreciado o projeto que trata da partilha dos royalties do pré-sal. Também está pendente a criação da esta-tal que vai administrar a exploração das áreas do pré-sal antes da primeira licita-ção, sob o novo modelo de partilha.

Para este leilão agora anunciado, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) anunciou previsão de arrecadação de cerca de R$ 200 milhões. Pela previsão do governo, as assinaturas dos contratos de concessão devem acontecer em de-zembro deste ano.

“Estamos no limiar do terceiro choque do petróleo. Até o FMI já disse isso, que nós defendemos há anos”

Os leilões na camada do pós-sal obedecem, ainda, à lei 9478 de 1997, aprovada no segundo

mandato do ex-presidente FHC

Retomada dos leilões é combatida por movimentos sociais e sindicatos que também reivindicam a reestatização da Petrobras.

Renato Araújo/ABr

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de 2 a 8 de junho de 2011 9américa latina

Sílvia Alvarezde Tegucigalpa (Honduras)

CAIU UMA CHUVA torrencial, depois abriu um tremendo sol. Começou a cho-ver de novo, mas o avião venezuelano que trazia o ex-presidente Manuel Ze-laya de volta a Honduras não chegava.

No sábado, 28 de maio, milhares de pessoas se aglutinavam na pequena pra-ça Isis Obed, no aeroporto da capital Te-gucigalpa, ansiosas, impacientes e se-dentas. Muitas delas chegaram ali no dia anterior para conseguir um lugar privilegiado, em frente ao palco monta-do para a festa de “boas-vindas” ao ex-mandatário – a quem chamam carinho-samente de Mel.

Um membro da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) pega o mi-crofone e lembra que, na verdade, eles estão esperando pelo presidente não somente há algumas horas, mas sim há quase dois anos. “Paciência, com-panheiros, paciência”, diz ele à multi-dão. Uma mulher grudada na grade em frente ao palco diz que não havia dormi-do durante a noite, mas “com satisfação, com muita satisfação”.

Aterriza um avião na pista do aeropor-to. Começa a tocar, pela centésima vez, a música da campanha eleitoral de Ze-laya, que virou uma espécie de hino da resistência, cujo refrão anuncia: “Vie-ne Mel! Urge Mel!” (Lá vem o Mel! Pre-cisamos do Mel!). Alarme falso: era um avião comercial.

Na última vez que haviam visto Ze-laya, ele estava na embaixada do Bra-sil, onde permaneceu por 120 dias. Dali, partiu para o exílio na República Domi-nicana, mas seguiu, mesmo à distância, sendo o coordenador-geral da FNRP, organização que se formou em oposi-ção ao golpe de Estado de 28 de junho de 2009 que o depôs.

Após constante pressão popular, e diante da crise econômica que assola o país, o atual presidente Porfi rio Lo-bo Sosa propôs um acordo de “recon-ciliação”, assinado por ele e por Zelaya no início do mês, em Cartagena das Ín-dias, Colômbia, e mediado pelos presi-dentes venezuelano Hugo Chávez e co-lombiano Juan Manuel Santos. Entre os termos do acordo, está a volta de Zelaya e de todos os exilados, com a garantia de terem seus direitos assegurados.

Participação eleitoralPara Juan Barahona, subcoordenador

da FNRP, inicia-se uma nova etapa a partir do regresso do presidente depos-to. “Com a volta de Zelaya, vamos forta-lecer ainda mais a FNRP. Vamos conti-nuar lutando para que se cumpram os outros acordos da mediação e que se convoque a Assembleia Nacional Cons-tituinte. Mas também começamos uma nova etapa: vamos levantar assinaturas para buscar a legalização da FNRP co-mo instrumento político, que nos per-mita participar no próximo processo eleitoral, em 2013”, afi rmou o dirigente.

Em fevereiro deste ano, a FNRP rea-lizou sua assembleia nacional com mais de mil delegados. Ali, fi cou acordado que a organização não participaria de processos eleitorais até que tivessem condições adequadas. Porém a direção avalia que as condições estão contem-pladas no acordo de Cartagena, que ga-rante que a FNRP solicite sua inscrição frente ao Tribunal Superior Eleitoral e participe dos próximos pleitos; permi-te a convocação de uma consulta sobre uma nova Assembleia Nacional Consti-tuinte; e reconhece a criação da Secreta-ria de Justiça e Direitos Humanos como entidade que permita fortalecer a pro-moção e proteção dos direitos humanos em no país.

No entanto, o acordo de reconciliação também pressupõe o reconhecimento do governo de Honduras pela Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual foi suspenso, por unanimidade, após o golpe de Estado. “Pensamos que Hon-duras não deve ter o apoio para regres-sar à OEA enquanto não sejam cumpri-dos os outros pontos do acordo, produ-to da mediação. Esse regime é mentiro-so, pode ser que agora que o presidente Zelaya voltou os outros pontos não se-

jam cumpridos”, advertiu Juan Baraho-na. A OEA realizaria uma reunião extra-ordinária em 1º de junho (após o fecha-mento desta edição, em 31 de maio) pa-ra tratar desse tema.

O primeiro discursoPor volta das 14h30, com quase qua-

tro horas de atraso, pousou em territó-rio hondurenho o avião vindo da Nica-rágua que trazia Zelaya, vários exilados e uma comitiva composta por autorida-des, dentre elas o chanceler venezuela-no Nicolás Maduro e a ex-senadora co-lombiana Piedad Córdoba. Finalmen-te havia se concretizado a principal de-manda da resistência.

A população, cansada, mas eufórica, recebeu do homem alto, com seu cha-péu de vaqueiro característico, um agra-decimento. “Graças ao seu esforço, com-panheira, e ao seu esforço, companheiro, eu pude regressar à terra que me viu nas-cer”, disse, apontando para a multidão. Zelaya também agradeceu à comunidade internacional, principalmente aos gover-nos da Venezuela, República Dominica-na e Brasil pelo apoio desde o golpe.

Mais um agradecimento foi feito, des-sa vez não tão esperado: a Porfi rio Lo-bo Sosa, atual mandatário, que chegou ao poder por meio de eleições conside-radas fraudulentas, em novembro de 2009. Em tom reconciliatório, pediu o reconhecimento do governo de Hondu-ras à comunidade internacional. “É re-cíproco: se o governo e o presidente Lo-bo reconhecem os direitos democráticos que foram violados, a comunidade in-ternacional tem obrigação de reconhe-cer o governo do presidente”.

Além disso, Zelaya lembrou que, além da OEA, também é importante que o país regresse à Alternativa Bolivariana das Américas (Alba). “Só se fala da rein-tegração de Honduras à OEA, mas as portas estão abertas para que Honduras regresse à Alba, à terra de [José] Mar-tí, em Cuba; à terra de [Augusto César] Sandino, na Nicarágua; à terra de [Si-món] Bolívar, na Venezuela e à terra de [Francisco] Morazán, em Honduras”.

O clima de reconciliação não agradou parte da resistência. Para Berta Cárce-res, do Conselho Cívico de Organiza-ções Populares e Indígenas de Hondu-ras (Copinh), “esse governo é continua-dor do golpe de Estado. Tivemos mui-tos mártires e a população segue sofren-do violações de direitos humanos. Além disso, é um governo saqueador de bens naturais, privatizador do nosso patri-mônio. O reconhecimento dele e a rein-corporação à OEA seriam uma vitória do golpe”, afi rmou.

Partido Liberal ou resistência?Na festa de boas-vindas, dois tipos de

bandeira disputavam a atenção de Ze-laya e dos meios de comunicação: as que tinham as cores vermelha e pre-ta – da FNRP – e as vermelha e branca – do Partido Liberal Hondurenho, pe-lo qual Zelaya foi eleito presidente em 2005. Diplomático, Zelaya agitou as du-as bandeiras quando chegou, assim co-mo agradeceu ambas as organizações, deixando a dúvida sobre onde se dará sua luta política daqui para frente.

No dia seguinte, em coletiva de im-prensa, ponderou sobre o tema: “formo parte do Partido Liberal, mas estou di-

de Tegucigalpa (Honduras)

Na madrugada de 28 de junho de 2009, Manuel Zelaya acordou com ba-rulho de tiros. Foi até a sacada do quar-to e viu seu segurança pessoal rendido por policiais militares na frente do por-tão. Teve sua casa invadida e foi levado, de pijama, à base militar de Palmerola, de onde partiu para a Costa Rica. Aca-bara de sofrer um golpe civil-militar, em pleno século 21.

Nesse mesmo dia, Zelaya consulta-ria a população sobre a inclusão de uma quarta urna nas eleições de novembro, que perguntaria sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituin-te. O Congresso Nacional, liderado por Roberto Micheletti – do mesmo partido que Zelaya, o Liberal – desautorizou a consulta e, numa aliança com a oligar-quia e com o exército, executou o golpe.

Origem empresarialFilho de uma poderosa família de fa-

zendeiros da região de Olancho, o ex-presidente fez fortuna com gado e extra-ção de madeira antes de ser eleito para o Congresso em 1985. Destacou-se co-mo funcionário público, ao administrar o Fundo de Investimentos de Honduras (FIHS) durante o governo do ex-pre-sidente Carlos Flores (1998-2002), na época em que o país foi devastado pe-

lo furacão Mitch. Nesse período, o FIHSiniciou uma importante obra social, re-construindo estradas, prédios, aquedu-tos e outras obras públicas.

Foi eleito presidente de Honduras em2005 pelo Partido Liberal de Hondu-ras, considerado de centro-direita. Po-rém, durante seu governo, adotou me-didas consideradas progressistas, prin-cipalmente ao aliar-se ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e aderir à Al-ba, em 2008. Além disso, aumentou em 65% o salário mínimo hondurenho, que passou de 189 para 289 dólares. Zelaya foi o primeiro chefe de Estado hondure-nho a visitar Cuba desde 1959.

No dia seguinte do seu regresso a Honduras, o ex-presidente deu umaentrevista à Globo TV, uma das pou-cas emissoras que o apoiaram durante o golpe. Ali, defi niu-se como empresário, liberal e pró-socialista. (SA)

Filho de uma poderosa família de fazendeiros da região de Olancho, o ex-presidente fez fortuna com gado e extração de madeira

Quem é Manuel Zelaya?

Nova etapa de resistênciaHONDURAS De volta a seu país, ex-presidente Manuel Zelaya quer criar bloco político amplo e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte

Na última vez que haviam visto Zelaya, ele estava na embaixada do Brasil, onde permaneceu por 120 dias

“Esse regime é mentiroso, pode ser que agora que o presidente Zelaya voltou os outros pontos não sejam cumpridos”

A população, cansada, mas eufórica, recebeu do homem alto, com seu chapéu de vaqueiro característico, um agradecimento

rigindo a organização mais importante desde a independência, que é a Frente Nacional de Resistência. Venho somar-me à Frente, sem perder minha identida-de como liberal”.

A FNRP, continuou, “é formada pordocentes, operários, camponeses, or-ganizações sociais, indígenas e parti-dos políticos. Se dividirmos a esquer-da, a direita continuará ganhando”,concluiu.

De acordo com Zelaya, a FNRP deve se transformar em um bloco político similar ao que governa o Uruguai e sua primeira demanda será o plebiscito para a convo-catória de uma Constituinte.

Milhares de hondurenhos se reuniram na praça Isis Obed, no aeroporto da capital Tegucigalpa, para a festejar volta de Zelaya

Considerado de centro-direita, Zelaya adotou medidas progressistas, como aliar-se a Chávez

Felipe Canova

Felipe Canova

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américa latinade 2 a 8 de junho de 201110

Julia Nassif de Souza eIgnacio Lemus

de Lima (Peru)

A POUCOS DIAS da eleição do novo pre-sidente do Peru, em 5 de junho, a liber-dade de imprensa e os direitos humanos se converteram em temas fundamentais de uma disputa que envolve dois candi-datos vistos com desconfi ança pela po-pulação peruana.

De um lado, Ollanta Humala, o candi-dato das esquerdas, faz promessas públi-cas buscando convencer a população de que terá um governo democrático e civil, caso seja eleito. Do outro, Keiko Fujimo-ri, a fi lha do ex-presidente Alberto Fuji-mori (1990-2000), pede desculpas pe-los “excessos e erros” de seu pai, preso por violações aos direitos humanos co-metidas durante sua gestão, entre outras acusações.

Enquanto as últimas pesquisas reve-lam empate técnico entre os candida-tos, a orientação econômica dos planos de governo perdeu terreno frente às de-monstrações de preocupação com os di-reitos humanos e da liberdade de im-prensa e expressão, na tentativa de con-quistar os 6% de indecisos que podem defi nir a eleição.

Desconfi anças e incertezasNo caso de Ollanta Humala, a su-

posta falta de credibilidade correspon-de a uma série de incertezas que a mí-dia repetiu intensamente durante o úl-timo mês com relação a sua origem mi-litar e às acusações, recusadas pela jus-tiça peruana, de coautoria na invasão de uma delegacia em 2004, ação que resul-tou na morte de seis pessoas.

A invasão foi dirigida por Antauro Humala – ex-militar e irmão de Ollan-ta, que exigia a renúncia do então pre-sidente Alejandro Toledo. Entretanto, o Poder Judiciário não encontrou provas e terminou excluindo Ollanta Humala da responsabilidade dos fatos.

Anteriormente, o candidato já ha-via sido implicado em uma série de de-saparecimentos na base militar Madre Mía, onde servia ao exército peruano. Porém, a justiça também o absolveu.

Peru, entre desculpas e promessasELEIÇÕES Temas como direitos humanos e liberdade de imprensa ganham destaque em disputa entre um militar e a fi lha de ex-presidente que cumpre pena por crimes de lesa-humanidade

Em 2000, liderou uma série de ocupa-ções em Locumba, no sul do Peru, pa-ra exigir o fi m do governo fujimorista. Foi preso, mas posteriormente recebeu a anistia do Congresso, por sua condi-ção de “patriota”.

Para garantir a confi ança dos meios e eleitores, Humala assegurou que exigi-rá que os ministros da Defesa e do Inte-rior sejam civis. Declarou também que não permitirá infl uências políticas nas investigações sobre violações de direi-tos humanos em curso, em um contex-to em que um ex-presidente e diversos militares condenados por crimes de le-sa-humanidade aguardam seu indulto atrás das grades.

Vínculos de HumalaOutro fator de desconfi ança surgiu do

vínculo que Ollanta Humala demons-trou ter com o presidente venezuela-no Hugo Chávez em sua primeira can-didatura para a presidência peruana em 2006. Tal proximidade tem sido enca-rada como um perigo para a democra-cia do Peru, segundo o imaginário di-vulgado pela grande mídia, manifesta-mente vinculada aos interesses do se-tor fi nanceiro-mineiro peruano, justa-mente o que conta com o “privilégio em-presarial” estabelecido pela mudança na Constituição levada a cabo pelo gover-no fujimorista, que deixou inalteráveis os contratos e condições da exploração mineira sob a justifi cativa de impulso ao investimento estrangeiro.

Assim, para cavar espaço nos meios, Humala teve que fazer um juramento “a deus, à história e a seu povo”, em que promete não extrapolar os cinco anos de mandato e não realizar mudanças na Constituição para se permitir uma ree-leição. Além disso, o candidato afi rmou que a liberdade de expressão e impren-sa seria defendida, incentivada e garan-tida.

Ao mesmo tempo em que o candida-to apresenta intragáveis vínculos para a mídia, também oferece outros tantos

que terminam diluídos nas notícias. En-quanto existe uma obsessão da impren-sa por Hugo Chávez, anunciado muitas vezes como “o fi nanciador” da campa-nha de Gana Perú, o partido de Humala, esta mesma imprensa se encarregou de revelar que dois dos assessores da cam-panha do partido são os petistas Luis Favre e Vladimir Garreta, aqueles que participaram da “suavização” do ex-pre-sidente Lula nas eleições de 2002.

Ainda que a mídia não tenha objeções sobre essa relação – pelo contrário, vê Lula como um exemplo a seguir –, mos-tra desconfi ança em relação às mudan-ças de imagem do candidato, às sucessi-vas alterações no plano de governo e às concessões que o aproximaram de um terreno até agora pouco explorado nes-sa eleição: a centro-esquerda.

Desconfi ança e certezasDiferentemente de Ollanta Humala,

o défi cit de credibilidade da fi lha do ex-presidente – atualmente preso – tem re-lação com diversas certezas. Keiko arras-ta consigo um passado inevitavelmente vinculado aos crimes de lesa-humanida-de levados a cabo pelo fujimorismo, regi-me em que foi primeira-dama [depois do divórcio dos pais] durante seis anos.

Hoje, ela defende publicamente não somente a libertação de seu pai, mas também seu governo, considerado por muitos uma ditadura: estou “orgulho-sa de ser a fi lha do melhor presidente do Peru, Alberto Fujimori”, declarou na apresentação de sua candidatura. No en-tanto, chegou a pedir desculpas públicas

de Lima (Peru)

Como nos tempos de Alberto Fujimo-ri, grande parcela da mídia peruana ado-tou um perfi l editorial claramente parti-dário, dignos de campanha política paga e, muitas vezes, deturpando a realidade dos fatos apresentados.

Em alguns casos, quem não acompa-nha esse perfi l é perseguido ou dispen-sado, como aconteceu com a jornalista Patricia Montero, que depois de 12 anos exercendo a função de produtora no Ca-nal N, pertencente ao grupo El Comercio, foi dispensada de sua função.

“Formalmente, não recebi uma úni-ca declaração que dissesse que eu esta-va defendendo Humala ou Keiko. Hou-ve sinais internos do manejo editorial do grupo que nos davam esse indicati-vo, mas formalmente era porque entra-va um novo diretor com sua nova equi-pe. Só que tudo isso aconteceu depois do primeiro turno eleitoral”, confi rma ao Brasil de Fato Patricia Montero, que diz sempre ter atuado com liberdade dentro do veículo em que trabalhava.

E ela não foi a única. José Jara, tam-bém produtor do Canal N, foi outro dos

Meios de comunicação, as armas fundamentaisMídia peruana assume abertamente a candidatura Fujimori e pune jornalistas que contrariam tal direcionamento

que pagaram por tentar manter a im-parcialidade na emissora que nasceu durante o governo Fujimori mas que te-ve um importante papel na sua queda, fazendo com que nos últimos anos fosse referência de credibilidade e pluralida-de, relembra Patricia.

Além disso, nas últimas semanas membros da diretoria do jornal La Pri-mera, que claramente apoiam Ollan-ta Humala, receberam mórbidos arran-jos fl orais com seus nomes, atitude tí-pica do Grupo Colina, ex-esquadrão da morte estatal de Fujimori, que ameaça-va jornalistas e donos de meios.

Campanha explícitaA credibilidade de Keiko Fujimori fi -

cou ainda mais fragilizada depois de ter

sido declarada membro da diretoria do grupo El Comercio, responsável pelo Canal N e por outros meios de grande importância no Peru.

O que fi ca claro é que a campanha fu-jimorista nos meios de comunicação é fruto de pressão política, compra de apoios e troca de favores, dado que a maioria dos discursos, não somente na televisão, mas principalmente nos jor-nais, passaram a apoiar uma candida-tura, modifi caram suas equipes e su-as linhas editorias e a realidade dos fa-tos. É o que analisa Rocío Silva Santis-teban, secretária-executiva da Coorde-nadoria Nacional de Direitos Huma-nos do Peru.

“Os grandes meios no Peru estão apoiando muito abertamente a candi-data Keiko Fujimori. Existem outros jornais que apoiam Ollanta Humala, mas com um número mínimo de lei-tores; os canais de televisão aberta es-tão em uma campanha muito agressiva contra Humala. Então, existe uma per-cepção do público de que os meios fa-zem campanha, são partidários e têm interesses econômicos escondidos vin-culados com seus laços empresariais em outros segmentos”.

Santisteban declara ainda que vê di-fícil o futuro da defesa dos direitos hu-manos e a liberdade de imprensa noPeru, com um ou com outro candida-to eleito.

Segundo ela, os processos políticosno país terminaram gerando uma “au-tocensura”, tão transparente nos diasatuais, causada pelo medo dos proprie-tários dos meios, e, sobretudo, dos pró-prios jornalistas. “Alguns jornalistasnão conseguem entender que são seusprestígios os que se perdem com essasautocensuras e que se afi liar à causado meio em que trabalham de maneiraservil é atentar contra o próprio jorna-lismo e contra si mesmos”. (JNS e IL)

Membros da diretoria do jornal La Primera, que claramente apoiam

Ollanta Humala, receberam mórbidos arranjos fl orais com seus nomes

Santisteban declara ainda que vê difícil o futuro da defesa dos direitos humanos e a liberdade de imprensa no Peru

pelos “excessos e erros” cometidos no go-verno de seu pai, aclarando não ter sido responsável por tais fatos, que não foram especifi cados pela candidata.

A eventual vitória de Keiko poderiaresultar no indulto aos crimes cometi-dos por Alberto Fujimori, acredita Ro-cío Santisteban, secretária-executivada Coordenadoria Nacional de DireitosHumanos.

Ela adverte também que, caso Keiko seja vitoriosa, o Peru corre o risco de vol-tar ao que o antropólogo peruano recen-temente falecido Carlos Iván Degregori chamou de “década da antipolítica”, em que foram aplicadas estratégias de assis-tencialismo e criminalização dos protes-tos sociais por meio de decretos legislati-vos e normativas que buscavam censurar e reprimir as reivindicações trabalhistas e/ou ambientais.

Equipe comprometedoraUm dos maiores questionamentos a

sua candidatura é em relação à equi-pe que a acompanha, formada por fi -guras que contribuíram de alguma for-ma no governo de seu pai, o que estimu-la o medo de que novamente os direitoshumanos sejam esquecidos em nome da“ordem e segurança” defendida feroz-mente pela candidata, que já promete endurecimentos das penas e a modifi ca-ção da Constituição a fi m de restituir a pena de morte.

O candidato a primeiro vice-presiden-te [no Peru, são dois vice-presidentes] é Rafael Rey, membro da Opus Dei que durante o regime fujimorista apoiou sua Lei de Anistia. Exerceu o cargo de minis-tro de Defesa no governo de Alan Gar-cía, mas foi afastado em 2009 após haver apresentado um decreto que estabelecia o arquivamento de processos contra mi-litares e policiais acusados e condenados por violações de direitos humanos.

Recentemente, o candidato à vice-presidência declarou em um progra-ma televisivo peruano que “não tem ne-nhum problema em reconhecer que efe-tivamente o senhor Alberto Fujimori foi ditador, mas entre 5 de abril de 1992[data do chamado ‘autogolpe’] e 31 de dezembro de 1993 [quando entrou emvigência a nova Constituição]”, afi rma-ção com a qual Keiko Fujimori disse nãoconcordar.

Além disso, um dos assessores de Kei-ko, Jorge Trelles, foi afastado da campa-nha há alguns dias ao fazer tal afi rmação em um programa televisivo: “Nós mata-mos menos que os dois governos que nos antecederam”.

Para garantir a confi ança dos meios e eleitores, Humala assegurou que exigirá que os ministros da Defesa e do Interior sejam civis

Outro fator de desconfi ança surgiu do vínculo que Ollanta Humala demonstrou ter com o presidente venezuelano Hugo Chávez

Diferentemente de Ollanta Humala, o défi cit de credibilidade da fi lha do ex-presidente tem relação com diversas certezas

[Keiko Fujimori] já prometeendurecimentos das penas e a

modifi cação da Constituição a fi mde restituir a pena de morte

Os candidatos Keiko Fujimori e Ollanta Humala posam para a imprensa em debate televisivo

Transparência Perú

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internacional de 2 a 8 de junho de 2011 11

Baby Siqueira Abrãode Bil’in (Palestina)

OS PALESTINOS envolvidos na resis-tência popular contra a ocupação sionis-ta não se incomodaram nem um pouco com os discursos do presidente estaduni-dense Barack Obama e do primeiro-mi-nistro israelense Benjamin Netanyahu. Ao contrário, até já formularam mais de uma proposta para a construção de seu Estado: a primeira, no pouco que restou da antiga pátria; a segunda, englobando toda a Palestina histórica.

A Autoridade Nacional Palestina (ANP) levará à Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, o pe-dido de reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras de 1967, an-tes da Guerra dos Seis Dias, em que Israel tomou a Faixa Gaza, a margem direita do rio Jordão (Cisjordânia), a parte oriental de Jerusalém, as colinas de Golã (Síria) e a península do Sinai, de-pois devolvida ao Egito.

Embora não faça mais do que exi-gir o cumprimento da resolução 242 da ONU, que em novembro de 1967 esta-beleceu a retirada das Forças Armadas sionistas dos territórios ocupados – re-solução não cumprida por Israel, a ANP sabe que vai enfrentar o veto dos Esta-dos Unidos, cujos congressistas, postos-chave no governo e política externa es-tão nas mãos do lobby sionista.

Território fragmentadoE o governo de Israel, apoiado pelos

EUA, não tem a menor intenção de de-volver os territórios ocupados. Ao con-trário, a cada dia confi sca mais terras palestinas, construindo nelas colônias judaicas e fragmentando o que deveria ser o Estado árabe.

A Cisjordânia é hoje composta por vi-las e cidades cercadas pelo “muro do apartheid”, cercas eletrifi cadas, colô-nias e “áreas de segurança” criadas por Israel nas áreas confi scadas. Na práti-ca, os sionistas inviabilizaram a forma-ção do Estado palestino, que teria de se contentar com um território sem conti-guidade, formado por bolsões cercados de soldados israelenses por todos os la-dos e ocupando bem menos do que os 22% estabelecidos no Acordo de Oslo, de 1993.

Sem contar que seus cidadãos, para sair do próprio país e para entrar nele, seriam obrigados, como já são hoje, a passar por checkpoints controlados pe-lo exército sionista.

Campanha relançadaMesmo assim, a solução de dois Es-

tados ganhou força entre os palestinos. A ida à ONU, a disposição de declarar unilateralmente seu país, o acordo entre partidos políticos rivais (Hamas e Fa-tah) em nome da unidade nacional con-tra a ocupação, a perspectiva de contar com apoio internacional para fazer Isra-el sair dos territórios ocupados em 1967 pareciam a única saída.

Até um grupo de pacifi stas e intelectu-ais palestinos e israelenses relançarem, há alguns dias, a campanha ODS – One Democratic State (Um Estado Demo-crático), lançada mundialmente há al-guns anos. A ideia é a construção de um Estado democrático para palestinos e is-raelenses, com igualdade de direitos, li-berdade religiosa e cidadania plena para todos. Exatamente o contrário do “Esta-do judeu” proposto pelo sionismo para formalizar o apartheid e a opressão aos palestinos.

A campanha, lançada na internet (ht-tp://www.palestinejn.org/component/content/article/47-ongoing/124-join-the-one-state-initiative) com o apoio do portal Palestine Chronicle e endos-sada por nomes de peso na região, como Mazin Qumsiyeh, Ali Abunimah, Neta Golan Omar Barghouti, Ramzy Baroud e Ilan Pappé, reuniu, em poucos dias, mais de 400 apoiadores.

Um ou dois Estados?PALESTINA Cresce o apoio à proposta que defende o estabelecimento de apenas um Estado para palestinos e israelenses

Isso não surpreendeu Mazin, profes-sor da Universidade de Belém, facilita-dor da iniciativa, ativista de direitos hu-manos e autor de vários livros (o mais recente, Popular Resistance in Palesti-ne: A History of Hope and Empower-ment [Resistência popular na Palestina: uma história de esperança e de empode-ramento], vem sendo bastante comen-tado): “O que me surpreendeu foi o en-tusiasmo dessas pessoas. A maioria não só endossou a iniciativa como já come-ça a trabalhar por ela”, disse ele ao Bra-sil de Fato.

Movimentos de resistênciaA base do trabalho são os movimen-

tos de resistência popular, constituídos em grande parte das vilas e cidades pa-lestinas, mas não apenas nelas. Conecta-dos na Palestina e no mundo árabe, eles estão presentes no mundo inteiro, defen-dendo um modelo econômico e político baseado nas reais necessidades humanas e não nos interesses do grande capital.

São esses movimentos, segundo Ma-zin, os responsáveis por concretizar a

ideia do Estado único democrático e in-tegrado (e não binacional, como alguns chegaram a sugerir).

“O apoio internacional popular à Pa-lestina aumenta a cada dia, e uma prova disso é o crescimento rápido do BDS”, afi rma ele, referindo-se à campanha da sociedade civil mundial Boicote, Desin-vestimento e Sanções, que boicota os produtos fabricados em Israel, além de trabalhar para que empresas e fundos de investimentos não coloquem seu di-nheiro no país e de exigir dos governos a imposição de sanções ao Estado sionis-ta, pelas violações aos direitos humanos e ao direito internacional.

Em outras palavras, não haveria mo-mento mais propício para retomar a campanha do Estado único – que, histo-ricamente, tem mais de 140 anos.

EmpurrãoNo século 19, durante o domíniootomano, os palestinos já lutavam

por liberdade e independência. As primeiras demonstrações

contra o projeto sionista da-tam de 1880, quando a pri-meira colônia foi instalada

em território palestino. Por isso, afi rma Mazin, “não

estamos exigindo nada novo.Queremos apenas nos organizar, nes-te estágio, para que as coisas aconte-çam de maneira mais efetiva”, comple-ta, lembrando que na África do Sul asondas de interesse apareceram e desa-pareceram por mais de 130 anos até oempurrão fi nal. “Esperamos que nos-sa iniciativa funcione como um empur-rão fi nal”.

A onda do Estado único parece levar junto até mesmo quem não apoiava aideia. Abdullah Abu Rhamah, coordena-dor do comitê de resistência popular de Bil’in e defensor da solução de dois Es-tados – um para a Palestina, um para Is-rael – não se opõe ao ODS.

“Podemos caminhar para isso, porque não? O importante é ter nossos di-reitos respeitados e poder projetar umbom futuro para nossos fi lhos, com li-berdade e dignidade. Se vamos obteressas conquistas com um Estado oudois, não importa”, disse ele ao Bra-sil de Fato.

TarefaSerá que não? A solução de dois Esta-

dos não reforçaria o sionismo, o grande inimigo da paz na região? Abdallah re-conhece que sim, embora considere esse apenas o primeiro passo na direção de uma nação integrada.

“O que queremos da ONU é o compro-metimento da comunidade internacio-nal com a justiça. Queremos que os go-vernos, e não somente a opinião públi-ca, mobilizem-se para fazer Israel sairdas nossas terras, tirar os muros, os che-ckpoints, os soldados, as câmeras, as ar-mas. Queremos ter uma vida normal, e sozinhos não conseguiremos”, constata.

“Nossa opção é a não violência, e elasó funcionará contra um país militari-zado como Israel se outras nações cola-borarem, também usando métodos pa-cífi cos, como as sanções econômicas epolíticas”.

Aconteça ou não o reconhecimentopela ONU, Abdallah sabe o tamanhoda tarefa que os palestinos têm pelafrente para construir seu Estado, únicoou não. Nisso, ele e Mazin concordam.Mas, enquanto Abdallah conta tambémcom o governo de unidade nacional,Mazin não se incomoda nem um pou-co com isso.

“O que os políticos fazem, sejam eleslíderes do Hamas, do Fatah, da FrentePopular de Libertação da Palestina, do Kadima, do Likud, diz respeito a eles.Nós, que acreditamos na coexistência e na paz baseada na justiça, temos nossa própria agenda. E ela não é ditada pe-lo modo como os outros reagem ou dei-xam de reagir. Só a população de umpaís tem legitimidade para determinaro próprio futuro”.

A Autoridade Nacional Palestina (ANP) levará à ONU, em setembro, o pedido de reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras de 1967

E o governo de Israel, apoiado pelos EUA, não tem a menor intenção de devolver os territórios ocupados

“O que me surpreendeu foi o entusiasmo dessas pessoas. A maioria não só endossou a iniciativa como já começa a trabalhar por ela”

São esses movimentos, segundo Mazin, os responsáveis por concretizar a ideia do Estado único democrático e integrado

“Podemos caminhar para isso, por que não? O importante é ter nossos direitos respeitados e poder projetar um bom futuro para nossos fi lhos (...)”

Aconteça ou não o reconhecimento pela ONU, Abdallah sabe o tamanho da tarefa que os palestinos têm pela frente para construir seu Estado

Palestinos esperam contar com apoio internacional para fazer Israel sair dos territórios ocupados

Marcelo Buzetto

Page 12: Edição 431 - de 2 a 8 de junho de 2011Uma visão popular do Brasil e do mundo

Culturade 2 a 8 de junho de 201112

Deni Ireneu Alfaro Rubbo

Dos proletários unidos à globaliza-ção da esperança, livro da socióloga carioca Flávia Vieira Braga, que aca-ba de ser lançado pela editora Alame-da, é decididamente uma obra inovado-ra não apenas pelo objeto de estudo – a Via Campesina – em meio aos pouquís-simos trabalhos no Brasil sobre o tema, mas pela maneira como a autora abor-da o assunto.

Uma das propostas do livro consis-te em captar os traços gerais do capi-talismo internacional e da ação inter-nacional dos trabalhadores, através de um engenhoso recurso que sublinha as permanências e as rupturas da literatu-ra recente e antiga sobre os temas ci-tados. Trata-se de apontar fundamen-talmente que um tema desse porte não pode estar circunscrito unicamente ao ponto de vista da contemporaneida-de, como fazem as recorrentes análises que atribuem o fenômeno da globaliza-ção a uma inequívoca novidade: “essa tem sido, na maioria dos casos, a prin-cipal lacuna para pensar teoricamente a questão, isto é, a ausência de um res-gate das várias teorias que se debruça-ram ao longo do século 20 sobre as ca-racterísticas do sistema global”. Con-trariando essa tendência, a autora faz um esforço bem sucedido examinando as principais correntes teóricas que se consagraram em entender os mecanis-mos do capitalismo internacional – im-perialismo, a teoria da dependência e o sistema-mundo - o que acabou criando uma “literatura mundial”.

Paralelamente às ações do movimen-to “antiglobalização”, por seu turno, sob o qual a autora baseia-se no arcabouço teórico da assim chamada sociedade ci-vil global, além de pautar-se em três ti-pos de ação – as iniciativas de massa, as campanhas e as conferências – tem co-mo objetivo principal criar uma estru-tura de oportunidades políticas que en-gendre uma dinâmica e uma sustenta-ção nas redes de articulações. Trata-se de uma ampla troca de informação e de cooperação em eventos e campanhas que, vale dizer, realça o caráter comuni-cativo dos movimentos, além de estimu-lar a construção de pautas políticas atra-vés de elementos culturais. No entanto, aponta a pesquisadora, ao lado dessas características novas, prevalecem ca-racterísticas velhas, mas que são ignora-das pelos estudos contemporâneos cita-dos sobre ação coletiva global. Não é pa-

Em busca de um internacionalismo para as lutas camponesasSOCIOLOGIA Autora discute constituição da Via Campesina a partir da perspectiva dos movimentos internacionais do século 20

ra menos que há uma ausência comple-ta de uma perspectiva histórica sobre as articulações internacionais: “não há re-ferência às inúmeras formas de articu-lação dos movimentos socialista e anar-quista que se iniciaram em meados do século 19 e se desenvolveram ao longo do século 20”.

O velho e o novoFlávia Vieira registra claramente que

as chamadas redes transnacionais nas sociedades contemporâneas defi nitiva-mente não são um fenômeno absoluta-mente novo e tampouco, quando rara-mente assinalam uma perspectiva histó-rica, podem fi car reduzidas a uma tradi-ção internacionalista de caráter confes-samente liberal. Daí então a necessida-de teórica – e metodológica – de proble-matizar o “enorme silêncio” acerca da tradição internacionalista da esquerda: existe – sustenta a autora – “uma gran-de lacuna teórica que precisa ser preen-chida de forma a poder-se identifi car o que há de novidade e o que há de per-manência na situação contemporânea de articulações internacionais”. É com velho que se faz o novo.

Finalmente, o processo de formação da Via Campesina ocorre paralelamen-te à crescente mercantilização e inter-nacionalização do capital na agricultu-ra. O ponto de partida para sua efetiva-ção concreta dar-se-á no quadro latino-americano através da campanha “500 anos de resistência Indígena, Negra e Popular”, desenvolvida entres os anos 1989 e 1992.

A autora faz uma competente descri-ção das conferências – órgão máximo de decisão política da Via Campesina – as-sinalando o desenvolvimento interno, o número cada vez maior de organizações fi liadas, a construção de identidades, a incorporação da questão de gênero e o desenvolvimento do conceito de sobera-

nia. Neste último quesito está o compo-nente central do projeto de contra-hege-monia da Via Campesina que, como as-severa a autora, “representa a ressignifi -cação do tema da reforma agrária”. Comefeito, a soberania alimentar transcen-de a ideia de segurança alimentar, es-tendendo-se desde as escolhas de pro-dução, passando por como é produzida e em que escala, ao controle democráti-co dos recursos e do patrimônio genéti-co. O que está em jogo é o resgate de tra-dições e de saberes da cultura campone-sa, isto é, a valorização do modo de vi-da camponês no que diz respeito à sua relação com a natureza e os alimentos,o que não signifi ca que por parte da Via Campesina exista uma rejeição da mo-dernidade, mas no mínimo, uma crítica da modernidade e seus efeitos desastro-sos no mundo agrário.

Assim, o livro é também uma ins-tigante provocação, pelo menos paraaqueles (muitos) que em nome da lo-comotiva do progresso histórico, anun-ciaram, em diversas circunstâncias his-tóricas, a morte do campesinato, e que por conta disso baseavam-se na pressu-posição de que tal sujeito social do cam-po era irredutivelmente estranho à po-lítica. Pois bem: na contramão do bon-de da história e das previsões dos apo-logistas do progresso, os camponesesna periferia do sistema capitalista sãonumericamente expressivos e portado-res de uma organização internacionalis-ta a qual não se pode ignorar, o que tor-na o fato um dos maiores desafi os para o pensamento social crítico.

Deni Ireneu Alfaro Rubbo é mestrando em sociologia e bolsista Capes.

Serviço:Autora: Flávia Braga Vieira.

Título: Dos proletários unidos à globalização da esperança: um estudo sobre internacionalis-mos e a Via Campesina

Editora: Alameda

A autora faz um esforço bem sucedido examinando as correntes teóricas que se consagraram em entender os mecanismos do capitalismo internacional

O processo de formação da Via Campesina ocorre paralelamente à crescente mercantilização e internacionalização do capital na agricultura

A soberania alimentar transcende a ideia de segurança alimentar, estendendo-se às escolhas de produção e ao controle democrático dos recursos

Formação da Via Campesina teria ocorrido paralelamente à crescente mercantilização e internacionalização do capital na agricultura

Douglas Mansur

Reprodução

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