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Rosyane Rodrigues N o próximo dia 11 de dezembro, os paraenses estão convidados a decidir se querem dividir o Estado em três. O novo Pará teria 17% do território de 1.247.689 quilômetros quadrados, Carajás, ao sul do Estado, ficaria com 35%, e Tapa- jós, localizado a oeste, com 58%. Os debates estão ocorrendo desde agosto e devem se intensificar com o início da propaganda eleitoral gratuita. Alguns especialistas dizem que não há viabi- lidade econômica ou social para a criação dos dois novos Estados. Para discutir o assunto, o Jornal Beira do Rio entrevistou o professor Roberto Cor- rêa, da Faculdade de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA. De acordo com o professor, o movimento separatista mistura casuísmo político com um sentimento "divisionista". 12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011 Quem vai pagar a conta dos novos Estados? De acordo com Roberto Corrêa, o contribuinte será o mais penalizado Entrevista Água da chuva abastece ilhas ISSN 1982-5994 JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXVI • N. 99 • NOVEmbRO, 2011 UFPA está comemorando 25 anos de interiorização O Projeto "UFPA uma Universidade Multicampi", coordenado pela profes- sora Edilza Fontes, está registrando as histórias e memórias que envolvem o processo de implantação dos campi nos municípios paraenses. Pág. 9 Educação Breves Pesquisa Cidade O professor Roberto Corrêa analisa as consequências da divisão do Pará. Pág. 12 Manoel Alves da Silva discute viabilidade da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Pág. 2 O pró-reitor Erick Pedreira apresenta as perspectivas do novo PDI da UFPA. Pág. 2 Opinião Entrevista Coluna da Reitoria Multicampi ICED promove circuito de leitura O Projeto está estimulando o prazer pela literatura entre estudantes de escolas públicas da Região Metropolitana de Belém. Pág. 10 Integração entre jovens e idosos Faculdade de Serviço Social promove atividades de valorização da pessoa idosa e aproxima gerações. Pág. 5 Universidade quer atrair novos doutores Entre as estratégias da UFPA, estão os programas de apoio aos que decidem se estabelecer na Amazônia. Pág. 3 O sistema de captação pro- posto pelo grupo de pes- quisa liderado pelo profes- sor Ronaldo Mendes, do Núcleo de Meio Ambiente (Numa), está baseado em quatro princípios da sustentabilidade: acesso facilitado, preço de acordo com as condições do usuário, quantidade e qualidade adequadas ao consumo. Hoje, fa- mílias na Ilha Grande e na Ilha do Murutucu estão sendo atendidas a um custo máximo de R$120,00 por usuário. O modelo recebe a água da chuva que cai do telhado, canalizando-a para o reservatório de autolimpeza. Descartadas as impurezas, a água vai para o re- servatório elevado onde "espera" para ser filtrada e, então, enviada para o reservatório final, pronta para o consumo. Págs. 6 e 7 Comunidades da Ilha Grande e da Ilha do Murutucu já estão sendo beneficiadas com sistema de captação de água Depoimentos de dirigentes, professores e servidores estão sendo reunidos Radares monitoram ruas da RMB KAROL KHALED ALEXANDRE MORAES ALEXANDRE MORAES Modelo prevê pontos de alagamento Pág. 4 Beira do Rio – De vez em quando, nós somos surpreendidos por uma onda de movimentos se- paratistas. Neste momento, eles estão novamente rondando a cena política do País. Isso se deve a quê? Roberto Corrêa Na especulação que eu faço, em alguns casos, existem pressupostos de legitimação. Em outros, são delírios federativos, que em vez de buscar em o aperfeiçoamento da administração pública, buscam tirar mais vantagens de inspiração casuísticas. Então, se nós tomarmos, como me- táfora, a designação de "terremotos federativos" e chegarmos ao absurdo de querer criar mais 23 unidades federativas, do Rio Grande do Sul até Amazônia, estaremos criando espaços artificiais de poder. Logicamente que isso tem um custo e nós já respondemos por uma das administrações públicas mais caras do mundo segundo a Trans- parência Internacional e o Banco Mundial. Em termos absolutos, talvez percamos para os Estados Unidos, mas em termos reativos, como proporção do PIB, acho que estamos à frente de todos, por causa dessa maneira de encarar o público como se fosse privado. Beira do Rio – No caso do Pará, o senhor conside- ra esse movimento genuinamente popular ou ele está sendo orquestrado por aqueles que podemos chamar de "caciques da política local"? Roberto Corrêa Um pouco das duas coisas. Ninguém inventa uma mobilização como essa se não houver, no plano territorial, variáveis e parâ- metros, ou mesmo sentimentos "divisionistas". No Tapajós, esse sentimento vem da época do Império, da Colônia, depois atravessa a República, mas era um pleito muito amortecido. Vejo o Tapajós como uma extensão da cultura paraense. Talvez não seja exagero dizer que Belém tornou-se uma cidade cosmopolita, enquanto Santarém continua sendo aquilo que nós chamaríamos de capital espiritual do Pará. No Tapajós, nós falamos a mesma língua, as pessoas dançam as mesmas músicas, fazem as mesmas comidas, têm os mesmos nomes de família. Se verificarmos o número de telefonemas e corres- pondências, eles são direcionados para Belém. Em Carajás, é diferente, eles remetem para Goiás, Mi- nas Gerais, São Paulo e para a Região Nordeste. Isso mostra que há uma territorialização diferenciada, que cria espaço para o casuísmo político. No final das contas, o casuísmo é do político, mas o cidadão mais desinformado, principalmente aquele de baixa renda, vai acreditar que esta é a solução, quando não é. Estudos feitos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a partir da econome- tria, mostram que a separação vai penalizar os três novos Estados, tanto o Pará remanescente quanto o Carajás e o Tapajós, que já nascem deficitários. O custeio da máquina pública e de toda a infraestrutura que precisa ser criada vai penalizar o contribuinte. Esse tipo de acontecimento poderá ser a sirene de atração de novas ondas migratórias, com danos ao meio ambiente, entre outros problemas. Beira do Rio – Nós estaremos distribuindo a ri- queza, como diz o discurso político de campanha ou, na verdade, estaremos dividindo a miséria? Roberto Corrêa É uma divisão da miséria. E para o Pará remanescente, as perdas serão brutais, pois ele ficará com cerca de 70% da população e perderá uma boa parte do seu PIB. Estudos detalhados feitos pelo IPEA e pelo Instituto de Desenvolvimento Econô- mico, Social e Ambiental do Pará (Idesp) mostram o que pode ocorrer. Beira do Rio – Quer dizer, você permanece com quase a mesma população e perde aquilo que gera renda.... Roberto Corrêa A renda per capita, que é um indicador de relatividade de riqueza, vai cair e au- mentará a ferocidade tributária, pois quem vai arcar com o custo? O contribuinte, sobretudo, aqueles que podem pagar. Não se pode comparar com o que aconteceu com o Tocantins, porque, naquela época, foram criadas fontes de financiamento para cobrir o déficit do Estado recém-criado. Hoje, a conta será distribuída entre nós, que pagamos os impostos, entre os funcionários públicos, que irão receber salários atrasados e ficarão sujeitos à exoneração, dada por adaptação de receita ao novo custo administrativo. Esse é um aspecto que não está sendo evidenciado e poderá causar surpresa, principalmente, para o pobre, alvo das propagandas falaciosas. Beira do Rio – Há algum ponto positivo nessa ideia da separação? Roberto Corrêa O marco positivo disso é o cenário previsto para o dia seguinte ao plebiscito. Nós temos que nos fortalecer a partir da eficácia da administração pública. A única maneira de nós nos tornarmos mais eficazes é reduzindo custos admi- nistrativos, efetivando políticas publicas compatí- veis com as demandas de educação, saúde e meio ambiente, alcançando os objetivos do ponto de vista qualitativo. Nós não queremos apenas ter número de crianças alfabetizadas, queremos ter crianças eficaz- mente alfabetizadas. O day after levará o governador a chamar os representantes e a sociedade civil para discutir a melhor forma de dar um choque de gestão, no qual as demandas regionais sejam contempladas pela ação do Estado. Beira do Rio – Um dos argumentos dos sepa- ratistas é o aumento da representatividade no Congresso Nacional. Isso é uma falácia? Roberto Corrêa Aumentaria o número de repre- sentantes, mas as divisões provocadas pelo proces- so apodreceriam as bases. Essa unidade pode ser muito maior se tivermos uma economia forte, com melhores indicadores sociais. Isso não se melhora gastando o dinheiro público nem aumentando o número de deputados e senadores. Se fosse assim, o Nordeste não teria problemas. Precisamos é de uma análise criteriosa dos custos e benefícios dessa "armadilha ingênua", como tem dito o deputado Arnaldo Jordy. FOTOS ALEXANDRE MORAES

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Beira do Rio edição 99

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Rosyane Rodrigues

No próximo dia 11 de dezembro, os paraenses estão convidados a decidir se querem dividir o Estado em três. O novo Pará teria 17%

do território de 1.247.689 quilômetros quadrados, Carajás, ao sul do Estado, ficaria com 35%, e Tapa-jós, localizado a oeste, com 58%. Os debates estão ocorrendo desde agosto e devem se intensificar com o início da propaganda eleitoral gratuita.

Alguns especialistas dizem que não há viabi-lidade econômica ou social para a criação dos dois novos Estados. Para discutir o assunto, o Jornal Beira do Rio entrevistou o professor Roberto Cor-rêa, da Faculdade de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA. De acordo com o professor, o movimento separatista mistura casuísmo político com um sentimento "divisionista".

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011

Quem vai pagar a conta dos novos Estados?De acordo com Roberto Corrêa, o contribuinte será o mais penalizado

Entrevista

Água da chuva abastece ilhas

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JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXVI • N. 99 • NOVEmbRO, 2011

UFPA está comemorando25 anos de interiorização

O Projeto "UFPA uma Universidade Multicampi", coordenado pela profes-sora Edilza Fontes, está registrando as

histórias e memórias que envolvem o processo de implantação dos campi nos municípios paraenses. Pág. 9

Educação

Breves

Pesquisa

Cidade

O professor Roberto Corrêa analisa as consequências da divisão do Pará. Pág. 12

Manoel Alves da Silva discute viabilidade da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Pág. 2

O pró-reitor Erick Pedreira apresenta as perspectivas do novo PDI da UFPA.Pág. 2

Opinião Entrevista Coluna da Reitoria

Multicampi

ICED promove circuito de leitura O Projeto está estimulando o prazer pela literatura entre estudantes de escolas públicas da Região Metropolitana de Belém. Pág. 10 Integração

entre jovens e idosos Faculdade de Serviço Social promove atividades de valorização da pessoa idosa e aproxima gerações. Pág. 5

Universidade quer atrair novos doutores Entre as estratégias da UFPA, estão os programas de apoio aos que decidem se estabelecer na Amazônia. Pág. 3

O sistema de captação pro-posto pelo grupo de pes-quisa liderado pelo profes-

sor Ronaldo Mendes, do Núcleo de Meio Ambiente (Numa), está baseado em quatro princípios da sustentabilidade: acesso facilitado, preço de acordo com as condições do usuário, quantidade e qualidade adequadas ao consumo. Hoje, fa-mílias na Ilha Grande e na Ilha do Murutucu estão sendo atendidas a um custo máximo de R$120,00 por usuário. O modelo recebe a água da chuva que cai do telhado, canalizando-a para o reservatório de autolimpeza. Descartadas as impurezas, a água vai para o re-servatório elevado onde "espera" para ser filtrada e, então, enviada para o reservatório final, pronta para o consumo. Págs. 6 e 7

Comunidades da Ilha Grande e da Ilha do Murutucu já estão sendo beneficiadas com sistema de captação de água

Depoimentos de dirigentes, professores e servidores estão sendo reunidos

Radares monitoram ruas da RMB

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Modelo prevê pontos de alagamento

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Beira do Rio – De vez em quando, nós somos surpreendidos por uma onda de movimentos se-paratistas. Neste momento, eles estão novamente rondando a cena política do País. Isso se deve a quê? Roberto Corrêa – Na especulação que eu faço, em alguns casos, existem pressupostos de legitimação. Em outros, são delírios federativos, que em vez de buscar em o aperfeiçoamento da administração pública, buscam tirar mais vantagens de inspiração casuísticas. Então, se nós tomarmos, como me-táfora, a designação de "terremotos federativos" e chegarmos ao absurdo de querer criar mais 23 unidades federativas, do Rio Grande do Sul até Amazônia, estaremos criando espaços artificiais de poder. Logicamente que isso tem um custo e nós já respondemos por uma das administrações públicas mais caras do mundo segundo a Trans-parência Internacional e o Banco Mundial. Em termos absolutos, talvez percamos para os Estados Unidos, mas em termos reativos, como proporção do PIB, acho que estamos à frente de todos, por causa dessa maneira de encarar o público como se fosse privado.

Beira do Rio – No caso do Pará, o senhor conside-ra esse movimento genuinamente popular ou ele está sendo orquestrado por aqueles que podemos

chamar de "caciques da política local"?Roberto Corrêa – Um pouco das duas coisas. Ninguém inventa uma mobilização como essa se não houver, no plano territorial, variáveis e parâ-metros, ou mesmo sentimentos "divisionistas". No Tapajós, esse sentimento vem da época do Império, da Colônia, depois atravessa a República, mas era um pleito muito amortecido. Vejo o Tapajós como uma extensão da cultura paraense. Talvez não seja exagero dizer que Belém tornou-se uma cidade cosmopolita, enquanto Santarém continua sendo aquilo que nós chamaríamos de capital espiritual do Pará. No Tapajós, nós falamos a mesma língua, as pessoas dançam as mesmas músicas, fazem as mesmas comidas, têm os mesmos nomes de família. Se verificarmos o número de telefonemas e corres-pondências, eles são direcionados para Belém. Em Carajás, é diferente, eles remetem para Goiás, Mi-nas Gerais, São Paulo e para a Região Nordeste. Isso mostra que há uma territorialização diferenciada, que cria espaço para o casuísmo político. No final das contas, o casuísmo é do político, mas o cidadão mais desinformado, principalmente aquele de baixa renda, vai acreditar que esta é a solução, quando não é. Estudos feitos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a partir da econome-tria, mostram que a separação vai penalizar os três novos Estados, tanto o Pará remanescente quanto o Carajás e o Tapajós, que já nascem deficitários. O custeio da máquina pública e de toda a infraestrutura que precisa ser criada vai penalizar o contribuinte. Esse tipo de acontecimento poderá ser a sirene de atração de novas ondas migratórias, com danos ao meio ambiente, entre outros problemas.

Beira do Rio – Nós estaremos distribuindo a ri-queza, como diz o discurso político de campanha ou, na verdade, estaremos dividindo a miséria?Roberto Corrêa – É uma divisão da miséria. E para o Pará remanescente, as perdas serão brutais, pois ele ficará com cerca de 70% da população e perderá uma boa parte do seu PIB. Estudos detalhados feitos pelo IPEA e pelo Instituto de Desenvolvimento Econô-mico, Social e Ambiental do Pará (Idesp) mostram o que pode ocorrer.

Beira do Rio – Quer dizer, você permanece com quase a mesma população e perde aquilo que gera renda....

Roberto Corrêa – A renda per capita, que é um indicador de relatividade de riqueza, vai cair e au-mentará a ferocidade tributária, pois quem vai arcar com o custo? O contribuinte, sobretudo, aqueles que podem pagar. Não se pode comparar com o que aconteceu com o Tocantins, porque, naquela época, foram criadas fontes de financiamento para cobrir o déficit do Estado recém-criado. Hoje, a conta será distribuída entre nós, que pagamos os impostos, entre os funcionários públicos, que irão receber salários atrasados e ficarão sujeitos à exoneração, dada por adaptação de receita ao novo custo administrativo. Esse é um aspecto que não está sendo evidenciado e poderá causar surpresa, principalmente, para o pobre, alvo das propagandas falaciosas.

Beira do Rio – Há algum ponto positivo nessa ideia da separação?Roberto Corrêa – O marco positivo disso é o cenário previsto para o dia seguinte ao plebiscito. Nós temos que nos fortalecer a partir da eficácia da administração pública. A única maneira de nós nos tornarmos mais eficazes é reduzindo custos admi-nistrativos, efetivando políticas publicas compatí-veis com as demandas de educação, saúde e meio ambiente, alcançando os objetivos do ponto de vista qualitativo. Nós não queremos apenas ter número de crianças alfabetizadas, queremos ter crianças eficaz-mente alfabetizadas. O day after levará o governador a chamar os representantes e a sociedade civil para discutir a melhor forma de dar um choque de gestão, no qual as demandas regionais sejam contempladas pela ação do Estado.

Beira do Rio – Um dos argumentos dos sepa-ratistas é o aumento da representatividade no Congresso Nacional. Isso é uma falácia?Roberto Corrêa – Aumentaria o número de repre-sentantes, mas as divisões provocadas pelo proces-so apodreceriam as bases. Essa unidade pode ser muito maior se tivermos uma economia forte, com melhores indicadores sociais. Isso não se melhora gastando o dinheiro público nem aumentando o número de deputados e senadores. Se fosse assim, o Nordeste não teria problemas. Precisamos é de uma análise criteriosa dos custos e benefícios dessa "armadilha ingênua", como tem dito o deputado Arnaldo Jordy.

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Manoel Alves da Silva [email protected]ÃO

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011 – 11

Pesquisa gera pedido de patenteGrupos do ICEN e ITEC criam fotodiodo orgânico nanoestruturado

O processo de construção e con-solidação de uma universidade democrática, autônoma e com-

prometida com os valores de justiça social e cidadania, fomentando o espírito crítico dos seus atores, não pode perder de vista o importante papel da gestão acadêmica, contribuindo para a melho-ria dos objetivos fins institucionais e a constante busca dos valores de eficiência e eficácia, tão importantes na rotina do serviço público.

Assentada em um modelo com-prometido com a meritocracia e com o ensino superior público de qualidade, a UFPA é, hoje, a maior e mais importante instituição de ensino e pesquisa do trópi-co úmido, respondendo por grande parte do saber produzido na Amazônia.

Para ampliar as conquistas ins-titucionais, é preciso materializar a cultura do planejamento na Academia, percebendo sua necessidade como peça chave na tomada de decisões ins-titucionais. O oposto seria a cultura do imediatismo, por vezes tão nefasta aos rumos e progressos da Universidade. Urge fortalecermos os mecanismos de informação e avaliação institucionais

tão importantes na implementação do planejamento estratégico, seja em nível da administração superior, seja nas uni-dades e subunidades acadêmicas, seja nos diversos campi da UFPA.

Concebido a partir de um proces-so de construção coletiva, apresentamos à comunidade acadêmica e à sociedade o novo Plano de Desenvolvimento Ins-titucional da UFPA 2011-2015, baseado na aplicação da metodologia BSC (Ba-lanced Scorecard), de forma inovadora no ensino superior público, desenhada por Robert Kaplan e David Norton, dois pesquisadores norte-americanos. Por essa metodologia, é possível obter um Painel de Desempenho Balanceado de grande importância na estruturação dos processos de gestão estratégica. A partir da mobilização de suas lideranças, o que se pretende é que a UFPA seja ca-paz de implantar seu mapa estratégico - com indicadores, metas e iniciativas claramente apontadas -, planos de comunicação e um abrangente sistema de informação em rede. Deseja-se, ainda, com o emprego do BSC, alinhar claramente a gestão estratégica com os processos internos, como orçamento

institucional, recursos humanos e tec-nologia da informação.

O desafio de otimizar a alocação de recursos, ampliar a transparência, reduzir despesas, aumentar a cobertu-ra de atendimento para os segmentos menos favorecidos de nossa sociedade vem demandando um crescente es-forço de profissionalização na gestão propiciando, desta forma, garantia da sustentabilidade institucional.

A partir de um conjunto de ini-ciativas colegiadas, vários questionários foram respondidos por 49 lideranças acadêmicas, seguindo-se encontros que propiciaram a consolidação das infor-mações, sendo definidos 20 objetivos estratégicos e três direcionadores estraté-gicos a serem aplicados na Universidade Federal do Pará.

Os objetivos estratégicos são os fins a serem perseguidos pela Universi-dade para o cumprimento de sua missão institucional e o alcance de sua visão de futuro. Constituem o elo entre as dire-trizes institucionais e o seu referencial estratégico. Traduzem, consideradas as demandas e as expectativas de suas partes interessadas, os desafios a serem

enfrentados para os próximos cinco anos. Nestes, certamente, podem ser contempladas questões relacionadas à implementação de uma política de avaliação institucional, visão interdis-ciplinar de organização da Universida-de, intensificação de parcerias com a sociedade, aperfeiçoamento do sistema de gestão acadêmica, fortalecimento da graduação e consolidação da pós-graduação, alargamento da mobilida-de interinstitucional com avanços na internacionalização acadêmica, entre outros.

Dentro de uma diretriz proposta pelo MEC, o Plano de Desenvolvimento Institucional da UFPA pretende ir além, desenhando uma avaliação crítica não somente das políticas de ensino, pesqui-sa e extensão, como também propician-do a oportunidade de um conhecimento sistêmico das rotinas institucionais em relação a seus indicadores, à estrutura física, à interação com a sociedade e a responsabilidade socioambiental, pro-pondo novos desafios. É um documento que aponta caminhos e perspectivas para a UFPA em relação aos cenários local, regional, nacional e internacional.

O novo PDI da UFPA: desafios e perspectivas

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011

Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/[email protected] - www.ufpa.br

Tel. (91) 3201-7577

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Qual o modelo de desenvolvi-mento para a Amazônia? Esta é a principal questão envolvendo

a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Programada para ser im-plantada em dez anos, sendo que, nos cinco primeiros, serão edificadas as estruturas da Hidrelétrica: barragens, canais, casas de força. Os outros cincos anos serão destinados à montagem das máquinas, e o início da produção de energia, para 2015.

A comunidade internacional, com a participação do Brasil, posicio-nou-se sob o auspício da Organização das Nações Unidas propondo: a sus-tentabilidade, o equilíbrio e a equidade como elementos matriciais do desen-volvimento: “aquele capaz de satisfazer as necessidades do presente sem com-prometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades” (CMMDA, 1987).

Superada a fase do debate pola-rizado pelo antagonismo das posições favoráveis e das contrárias à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, sejam as abordagens focadas na viabi-lidade econômica do empreendimen-

to (custo e benefício), nos impactos ecológicos, sobretudo os relacionados aos recursos hídricos, ao patrimônio faunístico e florístico da região; antro-pológicos, pautados em assegurar os direitos aos indígenas e às populações tradicionais; e os relacionados à logís-tica social e urbanística.

A crise ambiental expõe à pauta internacional os limites do crescimen-to, sendo expressão emblemática da crise do modelo civilizatório ocidental (Becker, Santos, Leff, Sachs). A pro-posta de um desenvolvimento em base sustentável é apresentada em resposta à crise ambiental que emerge a partir da década de 1960, por meio do relatório do Clube de Roma, contudo a proposta do desenvolvimento sustentável não é homogênea, nem poderia ser, uma vez que está em disputa. Diferentes estratégias de sustentabilidade são apre-sentadas e, em alguns casos, possuem visões e interesses diferentes levando a situações de conflitos.

A população local e a sociedade paraense estão vivendo, em relação à Belo Monte, a fase do “sonho”. Propagandeia-se que a Hidrelétrica será

uma ação indutora de desenvolvimento local para os municípios e regional, para a Transamazônica. Trata-se de uma possibilidade, nada mais do que isso. A obra em si não possui este poder mágico de desenvolver a região - da Transamazônica e do Xingu - em bases sustentáveis, sobretudo sem a partici-pação “real” da sociedade local.

O governo federal emitiu au-torização para o início do projeto, secundarizando a obrigatoriedade do atendimento preliminar das 40 condi-cionantes. A Hidrelétrica, que será a quarta maior do mundo, tem, em sua área de influência, 11 municípios, com uma população estimada em 317 mil pessoas. Provocará um processo mi-gratório intensivo.

Num curto prazo de tempo, entre 2011 e 2012, espera-se que 100 mil pessoas migrem para a região, moti-vadas por oportunidades de emprego, no entanto a ampla maioria não tem a formação profissional exigida pelas empresas, é o que demonstram as expe-riências dos grandes projetos. Segundo o Ministério Público Federal, nenhum município tem capacidade para atender,

com políticas públicas, as pessoas que chegarão à região.

Os impactos sociais de grandes obras, sejam as localizadas em grandes centros urbanos, sejam as localizadas nas cidades amazônicas, em pleno século XXI, ainda são subestimados ou negligenciados pelos Relatórios de Impactos Ambientais. Alguns dos impactos não diagnosticados nem mensurados: aumento expressivo de prostituição, consumo e tráfico de dro-gas, brigas, isolamentos de bairros sem infrainstrutura mínimas resultando no aumento das periferias.

Atualmente, o prognóstico so-cial é sombrio, em Altamira, com a construção de Belo Monte. Podemos dizer que a previsão de um caos social é premente, pois não existem empregos nem logística social: escolas, hospitais, saneamento, segurança pública, trans-porte público, ou seja, não há serviços públicos instalados para atender as pessoas que migrarão para a região. E agora?

Manoel Alves da Silva é sociólogo, doutor pelo NAEA/UFPA.

Belo Monte: Desenvolvimento Sustentável ou Caos Social?

kkkNanotecnologia

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Cam-pus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Luiz Cezar S. dos Santos; Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Dilermando Gadelha/ Ericka Pinto (1.266-DRT/PA)/ Flávio Meireles/Glauce Monteiro (1.869-DRT/PA)/Igor de Souza/Jéssica Souza(1.807-DRT/PA)/Paulo Henrique Gadelha/ Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE); Fotografia: Alexandre Moraes/Karol Khaled; Secretaria: Silvana Vilhena/Débora Menezes; Beira On-Line: Leandro Machado/Diogo Adriel; Revisão: Júlia Lopes/Cintia Magalhães; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA; Tiragem: 4 mil exemplares.

O fotodiodo nanoestruturado, criado na UFPA, possui espessura nanométrica, ou seja, do tamanho de um metro dividido por um bilhão, é cerca de 70 mil vezes mais fino que a espessura de um fio de cabelo huma-no. O dispositivo possui composição orgânica com polímeros conjugados em sua estrutura, propriedades fotos-sensíveis, baixo consumo de energia, tecnologia de produção de baixo cus-to e tempo de manufatura reduzido em relação à tecnologia atualmente

empregada. "Este trabalho encontra-se em desenvolvimento. Porém, hoje, já conseguimos intensidades de fotocorrentes mensuráveis sem a necessidade de amplificação, o que representa uma simplificação em sua aplicação em escala industrial", comenta Jordan Del Nero.

"A tecnologia atual, nesta área, está baseada no Silício e requer processos de fabricação muito mais caros comparado com a tecnologia em desenvolvimento. Além disso,

o tempo de manufatura é reduzido em função da síntese química do composto orgânico. O fotodiodo é fabricado por meio de técnicas controláveis de caracterização e formação de filmes finos, como centrifugação e deposição química de vapor, garantindo qualidade, agilidade e simplificação na obten-ção destes dispositivos", explica o pesquisador.

Comparado aos fotodiodos disponíveis no mercado, outra van-

tagem do invento é que ele apresen-ta consumo de energia cem vezes menor. "Os fotodiodos comerciais têm potência máxima em miliwatts (mW), enquanto o nosso apresentou uma potência total de 72 µW", conta Marcos Reis. Este e outros quatro pedidos de patente deste grupo de pesquisa, incluindo uma patente internacional sobre nanotubos de carbono, estão sendo acompanhados pelo Setor de Propriedade Intelectual da Agência de Inovação da UFPA.

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Glauce Monteiro

Imagine uma rede de encanamen-tos tão pequena que um único fio de cabelo poderia conter

70 mil desses canos. Essas são as dimensões do mundo "anão" da na-notecnologia, uma área de pesquisa que reúne descobertas e investiga-ções de Medicina, Farmácia, Física, Química, Engenharias Elétrica e de Materiais.

Na Universidade Federal do Pará, pesquisadores investigam fenômenos elétricos e ópticos que acontecem em dispositivos tão pe-quenos quanto um chip de compu-tador, ou até menores. Esta rede de fios, pelos quais passam correntes e impulsos elétricos, funcionam como um nano sistema de encanamentos. A diferença é que, neste caso, os "canos" podem ser do mesmo tama-nho que as moléculas de "água", ou seja, os dispositivos elétricos têm dimensão cada vez mais próxima dos elétrons que formam a corrente elétrica.

Percebemos o mundo a nossa volta com a ajuda da visão, sentido humano que identifica cor e forma de objetos graças à luz refletida por eles. A luz é uma radiação eletromagnéti-ca com algumas características que o olho humano é capaz de perceber parcialmente, como intensidade, cor e brilho. Ela é, ao mesmo tempo, uma onda e uma partícula, por ser constituída de pequenos pacotes de energia conhecidos como fótons.

Pesquisadores do Grupo de Física de Materiais da Amazônia do Instituto de Ciências Exatas e Naturais (ICEN) e do Instituto de Tecnologia (ITEC) da Universidade Federal do Pará (UFPA) criaram

um dispositivo chamado "Foto-diodo Orgânico Nanoestruturado" que converte a energia luminosa dos fótons em corrente elétrica. Os fotodiodos são dispositivos eletrô-nicos semicondutores que utilizam

a luz como fator determinante no controle da corrente para executar tarefas específicas, como sistemas de segurança, abertura automática de portas ou regulação automática de contraste e brilho na TV.

Próximo de nós: uma das aplicações do dispositivo é na abertura automática de portas

Versatilidade de � design e layout ampliam aplicaçãoQuando incidimos luz sobre

um fotodiodo, ele pode converter energia luminosa em energia elétri-ca e permitir ou não a passagem de corrente elétrica para acionar um dis-positivo. "Fotodiodos orgânicos fun-cionam a partir do mesmo princípio, porém, com uso de nanotecnologia embarcada, conseguimos fazer com que moléculas orgânicas dispostas em materiais de espessura extremamente pequena, utilizados em semiconduto-res de eletricidade, conhecidos como filmes finos, desempenhassem o mes-mo papel seletivo", explica Jordan Del Nero, coordenador do Projeto.

"Quando um fóton incide no filme fino orgânico do dispositivo, ele

é convertido em éxcitons, isto é, um par de elétron-buraco que, ao ser dis-sociado pelo campo elétrico, gera uma corrente elétrica. A este fenômeno chamamos de fotocorrente", explica Marcos Allan Leite dos Reis, profes-sor do Campus de Abaetetuba.

A luz, na verdade, é composta por sete cores do espectro solar que são as tonalidades identificadas em um arco-íris e todas as suas varia-ções. O dispositivo inventado pelos pesquisadores possui características singulares, porque gera uma fotocor-rente a partir de fótons, sensível a uma ampla variedade de cores do espectro luminoso, incluindo absorção de luz ultravioleta, o que abre a possibilida-

de de ele ser utilizado como sensor deste tipo de radiação.

"Ele pode ser utilizado em grande escala na indústria, seja para a automação, seja para o controle de processos numa linha de montagem, seja, por exemplo, para ser aplicado em células fotovoltaicas de painéis de energia solar, o que pode representar um avanço significativo na utiliza-ção de energias renováveis", revela Marcos Reis. "A aplicação de filmes finos orgânicos no setor de células fotovoltaicas não somente reduz o custo de produção desta tecnologia, ampliando sua aplicação nesta área, como também representa versatilida-de de design e layout, porque pode se

ajustar em qualquer superfície de uma edificação", completa.

Marcos Reis foi aluno de dou-torado da Universidade e desenvolveu sua tese intitulada Desenvolvimento de dispositivos eletrônicos orgânicos nano e microestruturados: Memória Volátil, Sensores e Fotocélulas, sob orientação dos professores Joran Del Nero, da UFPA; Lucimara Stolz Roman, da Universidade Federal do Paraná (UFPR); e Manuel Vieira, da Faculdade de Engenharia da Univer-sidade do Porto (FEUP). Parte da pes-quisa foi realizada na Universidade do Porto, em Portugal, por meio do Programa de Mobilidade Acadêmica Erasmus Mundus.

Dispositivo é mais barato e consome menos energia �

Erick Pedreira - Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento [email protected] da REITORIAM

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10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011 – 3

UFPA quer atrair novos doutoresBolsas e investimento em infraestrutura estão entre as estratégias

Uma ciranda de histórias e personagensCircuito estimula hábito da leitura entre alunos do ensino fundamental

PesquisaEducação

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Cerca de 1.800 doutores tra-balham em universidades paraen-ses. A UFPA possui, em seu quadro, 1.100 professores com doutorado, o que corresponde a um pouco menos da metade dos docentes da Instituição.

Para incentivar a atração de doutores e a formação de no-vos grupos de pesquisa, a UFPA desenvolveu ações estratégicas, como a mudança na Resolução para contratação de docentes. Todos os concursos públicos são abertos, inicialmente, para doutor e, em al-guns casos, se não houver inscritos, o concurso reabre para candidatos com título de mestre.

A Univers idade também mantém o Programa de Apoio ao Recém-Doutor e criou o Programa de Apoio ao Doutor Recém-Con-tratado como forma de estimular a vinda de doutores para desenvolver suas atividades de pesquisa aqui. Esse Programa foi formulado em

cooperação com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa) e com apoio da Capes.

Outros programas da Pro-pesp/UFPA também oferecem benefícios, como o custeio de despesas com a publicação de artigos científicos em revistas estrangeiras e o financiamento de reuniões técnicas de pesquisadores da Instituição com pesquisadores estrangeiros para o estabelecimento de novas cooperações.

Apesar dos incentivos, ainda é difícil fixar doutores na região. "É difícil uma universidade na Amazônia competir com centros de pesquisas de outras regiões. As condições de trabalho nos outros centros acabam sendo mais favorá-veis, por isso é preciso ter políticas adicionais que tornem a vinda e a permanência dos pesquisadores mais atraentes", pontuou Jean Mi-chel Lafon.

Laboratório de Geologia Isotópica é exemplo de consolidação da pesquisa

Ericka Pinto

As pesquisas científicas no Brasil vivem a promessa de ganhar novo fôlego com

os incentivos do governo federal anunciados no início deste ano. São novos programas de bolsas, inves-timentos em infraestrutura e menos burocracia. De olho na definição de políticas que deverão conduzir o país para um novo patamar de desenvolvimento científico e tecno-lógico ao longo da próxima década, as Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa do Norte (IES/IP-N) começaram a discutir e a propor aos órgãos de fomento ações de inclusão da região nos projetos nacionais de desenvolvimento da pesquisa científica e da pós-graduação bra-sileiras.

As diferenças regionais em relação ao desenvolvimento científi-co e tecnológico refletem as dificul-dades para a fixação de pesquisado-res no Norte do País. Essa situação se confirma com a distribuição de

Atualmente, formação e fixação são principais desafios �Segundo o pró-reitor, é im-

portante reconhecer os avanços dos últimos anos com a criação de novas universidades, a abertura de cursos de pós-graduação e a incorporação de algumas centenas de doutores às instituições da região. Porém a necessidade de maior investimento na formação e fixação de novos doutores na Amazônia permanece entre os principais desafios aponta-dos pelos pró-reitores de Pesquisa e Pós-Graduação das IES da Região Norte.

O assunto fez parte das discus-sões do Fórum Regional de Pró-Rei-tores de Pesquisa e Pós-Graduação

das IES Brasileiras, realizado no primeiro semestre de 2011, em Boa Vista, Roraima. "A preocupação é com a definição de políticas de de-senvolvimento científico e tecnoló-gico na Amazônia para os próximos dez anos. Nesse contexto, o papel de lideranças na região é fundamental para que isso aconteça na direção desejada", enfatiza Emmanuel Tou-rinho. "Isso nos impõe a tarefa de pensar políticas novas, permitindo que, no prazo máximo de uma dé-cada, se alcancem respostas mais efetivas para essas necessidades", acrescenta.

Durante o Fórum Regional,

os pró-reitores elaboraram a Carta de Boa Vista, na qual constam infor-mações sobre as diferenças regionais em relação ao desenvolvimento da ciência e da pós-graduação e propostas para superá-las, como a qualificação dos docentes das insti-tuições de ensino superior que estão na Amazônia. Outra proposta é criar atrativos para que doutores titulados em outras regiões venham para cá formar novos grupos de pesquisa. Um terceiro conjunto de ações está voltado à expansão do sistema de pós-graduação na Região Norte, com a abertura de cursos de mestrado e doutorado.

Esse documento foi encami-nhado para as agências de fomento à pesquisa e à pós-graduação, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o CNPq, os Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, as funda-ções estaduais de apoio à pesquisa, os secretários estaduais da região, as sociedades científicas nacionais e as lideranças políticas. "Queremos sensibilizar esse conjunto de agentes para a necessidade de uma ação mais consistente e articulada, voltada ao desenvolvimento científico e tecno-lógico na região", afirmou Emma-nuel Tourinho.

De montpellier para a UFPA �O convite para produzir ci-

ência na Amazônia surgiu como um desafio para o pesquisador Jean Michel Lafon. Ele nasceu na cidade de Bagnols sur Cèze, Gard, no sul da França, e lá se formou em Geologia, na Universidade de Montpellier, onde também fez o doutorado.

Em 1986, foi convidado pela direção do Centro de Geociências da UFPA para consolidar a equipe de pesquisadores do Laboratório em Geocronologia. "O Laboratório tinha sido criado há dois anos e pre-cisava de especialistas na área para compor a equipe. Pareceu-me um desafio interessante e estimulante a oportunidade de aplicar meus conhecimentos técnico-científicos em um lugar tão 'exótico' como a Amazônia", afirma o pesquisador, que, na época, era recém-doutor.

Atualmente, ele integra o qua-dro docente da Faculdade de Geolo-gia e o Programa de Pós-Graduação

em Geologia e Geoquímica, ambos no Instituto de Geociências, além de compor um Grupo de Pesquisa em Geocronologia e Geoquímica Iso-tópica. Jean Michel Lafon também participa de um Grupo de Pesquisa em Geoquímica Ambiental.

Mesmo com as limitações de recursos, Jean Michel Lafon diz que o esforço dos pesquisadores que optaram por vir para cá ou que são da região e permaneceram aqui resultou em grandes conquistas. "Juntos, conseguimos criar um grupo de pesquisa, que, hoje, está consolidado, e construir uma in-fraestrutura laboratorial de grande porte. Conseguimos destaque inter-nacional. Estamos interagindo com pesquisadores em todas as regiões do Brasil. Além disso, o Programa de Pós-Graduação ao qual perten-ço tem reconhecimento nacional, sendo o único do Norte a integrar o Programa de Excelência da Capes", comemora.

Parceria apresenta resultados �

recursos para a produção científica e com o número de doutores presentes nas universidades da região.

Embora o número de cursos de pós-graduação tenha dobrado na últi-ma década – atualmente, são ofertados

4.722 em todo o país, entre cursos de mestrado e doutorado –, o percentual ainda é pequeno nos Estados da Re-gião Norte, a qual possui 203 cursos de pós-graduação stricto sensu, o que corresponde a 4,26% dos cursos

no País. Considerados apenas os de doutorado, esse percentual cai para 3,16%. O Sudeste concentra o maior número de cursos, com 2.396; em se-guida, está a Região Sul, com 956; o Nordeste detém 830 e o Centro Oeste, 337 cursos.

Os recursos de fomento e as bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) destinados às instituições de ensino superior do Norte também são reduzidos e não chegam a 5%. "Vivemos, na Ama-zônia, um momento de necessidade de criação de um novo modelo de desenvolvimento, baseado na susten-tabilidade de nossos recursos naturais e isso exige conhecimento científico de ponta. Precisamos dominar, pelo conhecimento, essa riqueza natural e, para isso, precisamos de recursos hu-manos (pesquisadores doutores) que possam fazer as pesquisas necessárias e formar novos doutores", observa Emmanuel Tourinho, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Uni-versidade Federal do Pará.

O Projeto conta, como principal parceiro, com o Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a Universidade e as comunidades populares, iniciativa do governo federal que surgiu em 2005 e que tem o objetivo fundamental de auxiliar a trajetória acadêmica de jovens de comunidades populares e vulnerá-veis socioeconomicamente.

"Nós sempre nos deparamos com meninos e meninas que nem vislumbram a possibilidade de um dia fazerem um curso de graduação. En-tão, na medida do possível, nós vamos trabalhando com eles o conceito de

universidade e falamos sobre a UFPA", explica a professora.

Reconhecimento – Em 2010, o Projeto recebeu o Prêmio Jovem Extensionista, premiação conferida pela Proex, o qual busca estimular a participação de dis-centes da UFPA em ações de extensão universitária. Até o momento, quatro bolsistas que integram o Circuito de lei-tura obtiveram este reconhecimento.

Desde 2009, 1080 crianças, ado-lescentes e jovens, entre 10 e 19 anos, já participaram das atividades. Para a coordenadora, as ações são satisfató-

rias e os resultados deverão aparecer futuramente. "Essas atividades serão muito importantes para a vida dessas pessoas. Certamente, alguns bons leito-res irão surgir e esse saldo já é positivo. Algumas crianças foram melhorando o seu desempenho, lendo melhor, obtendo melhores notas escolares e estabelecendo uma boa relação com os colegas de classe, os professores, a família e a comunidade", avalia Maria do Rosário.

A proposta é promover, em 2012, o quarto Circuito na Escola Con-suelo Coelho e Souza; e o segundo, na

Escola Celso Malcher. Para isso, será necessário aprová-lo novamente por meio de edital.

Serviço

Projeto de Extensão Circuito de Leitu-ra: lendo para ser feliz, do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará (ICED/UFPA)Coordenadora: professora Maria José Aviz do Rosário.Telefone: 3255-0232/8109-3924E-mail: [email protected] ou [email protected]

Paulo Henrique Gadelha

O hábito da leitura proporciona inúmeros benefícios, como aquisição de conhecimento,

ampliação do vocabulário e estímulo à reflexão. Assim, um país que investe de forma substancial em educação e na formação de leitores tem maiores chances de consolidar o seu desenvol-vimento. Contudo, no Brasil, a leitura não faz parte da rotina de uma parcela considerável da população.

Para atenuar esse panorama, entra em cena o Projeto de Extensão Circuito de Leitura: lendo para ser

feliz, do Instituto de Ciências da Edu-cação da Universidade Federal do Pará (ICED/UFPA), coordenado pela professora Maria José Aviz do Rosário. A iniciativa visa "estimular o gosto e o prazer pela leitura em estudantes de escolas públicas da periferia da Região Metropolitana de Belém", diz a coor-denadora Maria do Rosário.

O Projeto foi aprovado institu-cionalmente em 2009, no ICED e na Pró-Reitoria de Extensão (Proex) da UFPA. Atualmente, encontra-se em execução a terceira edição do Circuito de leitura na Escola Estadual de En-sino Fundamental e Médio (EEEFM)

Consuelo Coelho e Souza, localizada no bairro 40 horas, no município de Ananindeua, e a primeira na EEEFM Celso Malcher, no bairro Terra Firme, na capital paraense.

De acordo com a coordenado-ra, aos estudantes que demonstram interesse são distribuídos livros, obe-decendo à série e à faixa etária deles. Posteriormente, cada um dos alunos escolhe um tutor – entre a profes-sora e os bolsistas do Projeto – para orientá-lo. A partir desse momento, "a proposta é que o estudante leia o livro em sua residência e, depois, converse com o tutor sobre o que entendeu da

obra até aquele momento e sobre as dificuldades encontradas", explica a docente.

Na Escola Consuelo Coelho e Souza, que recebe a terceira edição do Projeto, são assistidos estudantes da quinta, sexta e sétima séries do ensino fundamental, e na Escola Celso Malcher, na qual a iniciativa é realizada pela primeira vez, apenas alunos da quinta série participam. Nas duas instituições de ensino, o encontro dos estudantes com os tutores para avaliação do andamento das leituras acontece nos horários vagos entre as aulas, duas vezes por semana.

Além da leitura de obras da literatura universal, também são realizadas outras atividades, como pintura e exibição de vídeos

Universitários atuam como tutores nas escolas públicas �Cada tutor é responsável

por um ou mais aluno. A própria coordenadora tem sob sua res-ponsabilidade 12 estudantes. O Circuito de leitura conta com 43 bolsistas de várias graduações da UFPA, caracterizando-se como uma iniciativa multidisciplinar. Há, por exemplo, estudantes de Pedagogia, Letras, Ciências Sociais, Matemá-tica e Odontologia. Há, também, a colaboração do professor Marcos Leão, da Faculdade de Matemática do Campus de Breves, o qual atua como subcoordenador e tutor.

Paralelamente ao Circuito, ou-tras ações são realizadas, como ativi-dades de pintura, exibição e discus-

são de vídeos temáticos. "Contamos com bolsistas de várias graduações, então, eles podem auxiliar os alunos que apresentam dificuldades em alguma disciplina específica, como Matemática, embora a aula de refor-ço não seja o nosso objetivo central", pondera Maria do Rosário.

O Circuito de leitura, pro-priamente dito, acontece como uma culminância das atividades realiza-das, no qual cada adolescente apre-senta a obra que trabalhou com o seu tutor. Os conteúdos dos livros são de literatura universal. Atualmente, nas duas Escolas, estão sendo lidos O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry; Iracema, de José de

Alencar; O Código da Vinci e Anjos e Demônios, de Dan Brown.

Apresentação – Segundo Maria do Rosário, na exposição, o aluno vai falar o que a obra representou para ele, o assunto abordado e o aprendizado obtido com aquela leitura. Esta apresentação pode ser feita oralmente ou artisticamente, por meio de peça teatral. "A forma de apresentação é livre, o estudante não é obrigado a participar deste momento de culminância", escla-rece a coordenadora.

As apresentações compõem uma ampla programação, normal-mente, realizada em espaços fora da

escola, como centros comunitários e salões paroquiais. Dessa maneira, o evento envolve a comunidade e os pais dos alunos, os quais dão depoimentos. No dia do evento, são servidos lanches. Uma atração musical é responsável pela progra-mação cultural.

É um momento ímpar, segun-do Maria do Rosário. "Essas crian-ças, esses adolescentes e jovens não têm muitas oportunidades para desenvolverem essas atividades. O Projeto é a chance de eles se apai-xonarem pela leitura. Nós dizemos para os estudantes embarcarem nos personagens e imaginarem como eles seriam", afirma.

Projeto tem apoio do Programa Conexão de Saberes �

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4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011

Modelo prevê alagamentos e inundações Informações poderão prevenir acidentes em áreas de risco

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011 – 9

Memórias e histórias da interiorizaçãoProjeto apresenta primeiros resultados em dezembro

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Em Belém, o canal localizado na Travessa 14 de Março está sendo monitorado

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Para que possam ocorrer me-didas preventivas, é preciso que haja parcerias com a Defesa Civil e com outros órgãos afins. "Não basta rea-lizar obras de elevação das margens dos canais. Isso pode até solucionar o problema de quem mora no entorno, mas, com certeza, o problema estará sendo transportado a outro local", afir-ma Flávio Altieri. Isso mostra que as soluções não deveriam ser realizadas apenas nos pontos críticos, mas, ao contrário, em toda a cidade.

O pesquisador explica que Belém tem uma altitude muito baixa

em relação ao nível médio do mar. Na época das chuvas, principalmente en-tre janeiro, fevereiro e março, as marés costumam ser bastante altas, o que se agrava com a quantidade de chuvas, de modo que os canais não possuem vazão suficiente para escoar a água do continente para dentro do rio. Consequentemente, essa água acaba sendo retida em algum outro local, o que implica alagamentos e inundações que se repetem anualmente.

Segundo Altieri, os sistemas de vazão, drenagem e escoamento de Belém foram pensados para a

década de 1940. Naquela época, a população sofria com a malária, devido às grandes áreas inundadas em decorrência das cheias da maré. Para tentar conter a entrada da água na cidade, criou-se um dick que vem desde a Estrada Nova até o Ver-o-Peso. Os canais que fazem ligação com o rio - da Quintino, da Estrada Nova, da Tamandaré, da Doca, entre outros - também foram construídos justamente nesse período.

Esses canais tinham a função de escoar as águas das chuvas de volta aos rios e eram acoplados a comportas

com a finalidade de impedir que a água do rio adentrasse o continente quando a maré estivesse alta. "O sistema foi até eficaz para a época, no entanto, atualmente, a maior parte dessas comportas está inativa", reve-la o pesquisador. As soluções para aquele tempo não são mais adequa-das. "Hoje, grande parte da cidade está impermeabilizada por asfalto ou concreto. As soluções atuais são caras e demandam tempo, como a criação de piscinões ou túneis para conter, provisoriamente, a água e, depois, devolvê-la aos rios", analisa.

Jéssica souza

Chuva intensa, trânsito conges-tionado, ruas alagadas e canais transbordando. Essa cena lhe

parece familiar? Sim, é Belém durante o inverno amazônida. Por estar próxi-ma à linha do Equador, a Amazônia tem dois momentos climáticos principais: o período de pouca chuva e o período de muita chuva. Este último começa em meados de novembro e intensifica-se nos meses de janeiro, fevereiro, mar-ço e abril. Uma pesquisa realizada na Universidade Federal do Pará (UFPA) propõe um modelo experimental de monitoramento de alagamentos e enchentes para Belém, com base na previsão da intensidade da chuva que irá atingir a cidade e do modelo digital de elevação do terreno.

Alagamentos e inundações em áreas urbanas: modelo experimental de avaliação de risco é a dissertação defendida em 2010 por Flávio Altie-ri dos Santos, analista gerencial do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam). O trabalho foi apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais do Instituto de Geociências da UFPA, sob orientação do professor Edson Rocha. Hoje, o modelo desenvolvido está sendo utilizado pelo próprio Sipam para a identificação e o monitoramento de potenciais pontos de alagamentos e

inundações, tendo a capital paraense como município teste.

A atenção recai principalmente sobre as bacias da cidade, onde estão localizadas as áreas que mais sofrem com as chuvas intensas. A bacia é o

conjunto de terras que faz a drenagem da água das chuvas para um determina-do curso de água e seus afluentes. Ela tem um delimitador físico em função da topografia que a faz parecer uma grande panela. Toda a água que ali cai

tende a escorrer para um ponto central em comum, tendo, também, apenas um único ponto de saída. Esse ponto, mui-tas vezes, tem um estrangulamento que não permite uma grande quantidade de água ser escoada ao mesmo tempo.

Radar captura informações �O modelo desenvolvido por

Flávio Altieri baseou-se, inicialmente, na bacia que tem como canal principal o da Travessa Quintino Bocaiúva, a qual alberga, também, os canais da Travessa 14 de Março, da Rua dos Mundurucus e da Avenida Genera-líssimo Deodoro. Por intermédio de uma análise de dados meteorológicos gerados por um radar com antece-dência de até duas horas, o sistema modelo desenvolvido pelo pesqui-sador identifica as áreas que teriam problemas de alagamento e inunda-ção, como também as residências que seriam atingidas pela intensidade da chuva prevista.

Há, portanto, uma diferença entre alagamento e inundação. O pesquisador explica: "a inundação é

o transbordamento, seja de um canal, seja de um rio, quando eles enchem além do seu nível máximo e invadem o continente, ocupando as áreas late-rais. O alagamento ocorre em função da deficiência da rede de drenagem pluvial, quando os tubos dessa rede não são capazes de dar vazão à água que está caindo sobre ela". Às vezes, a inundação influencia o alagamento de áreas distantes desses canais, pois, havendo inundação e estando a rede pluvial toda ocupada, a água não terá para onde escoar, o que torna o alaga-mento inevitável. "A pesquisa tem o objetivo de tornar o sistema modelo uma ferramenta operacional que pos-sa suprir os setores responsáveis com informações e, assim, ajudar quem vive nas áreas de risco" explica.

Unindo teoria e prática �Tomando o bairro Marco

como referência, Flávio Altieri dá alguns exemplos de pontos alagá-veis e de pontos inundáveis: "no cruzamento da Avenida João Paulo II com a Travessa Angustura, há um ponto de alagamento, pois é onde a água que vem da Avenida Almirante Barroso se encontra com a que vem dos dois lados da Avenida João Paulo II e, durante uma chuva forte, sobrecarrega o sistema de escoamento da rede de drenagem pluvial".

A bacia do Marco, assim, tem sido alvo de um trabalho de campo para que sejam analisadas suas condições de topografia, a limpeza e a manutenção dos seus canais. Os estudos sobre o bairro

Marco serão aplicados no modelo experimental já no próximo perí-odo de chuvas em Belém. O que acontece é que cada bacia requer um modelo diferente, adequado ao seu comportamento. A meta é elaborar um modelo para cada uma das mais de dez bacias existentes na cidade. Já para o futuro, a expecta-tiva é expandir as análises a outros municípios que tenham problemas similares.

Modelo semelhante, inclu-sive, já foi desenvolvido por outro pesquisador do Sipam, tendo como base o município de Marabá. "A Universidade permite unir teoria e prática em favor da melhoria de vida da população", sintetiza o pesquisador.

Soluções não devem atender apenas os pontos críticos �Para contar a história da

implantação dos campi da UFPA no interior do Estado, a equipe do Projeto vem trabalhando com regis-tros de memória e com documenta-ções oficiais. Já foram catalogadas as atas dos conselhos superiores desde 1986, no que diz respeito a todo o debate que se travou sobre a interiorização da Universidade, e as atas do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA. Está sendo concluído o levantamento de documentos oficiais do Instituto de Ciências da Educação da UFPA e do Centro de Processos Seletivos. A pesquisa documental envolve, também, os registros fotográficos da interiorização da UFPA.

No que diz respeito aos re-gistros de memórias, o objetivo é coletar 100 depoimentos a partir de entrevistas com professores, servidores e egressos que estiveram envolvidos no processo de implan-tação e consolidação dos campi do interior. Em outubro, foi finalizada a coleta dos primeiros depoimentos, os quais foram registrados em vídeo, com o auxílio técnico da produtora Academia Amazônia. "Nos 25 pri-meiros depoimentos, nós prioriza-mos os ex-reitores, os dirigentes e os coordenadores dos campi nestes 25 anos. Então, tratamos mais da memória da Instituição do ponto de vista das suas gestões", explica a professora Edilza Fontes.

Lançamento – Para o lançamento desse material, será realizada uma pro-gramação no dia 15 de dezembro deste ano, no Centro de Convenções da UFPA, com quatro mesas--redondas, as quais contarão com a presença de ex-reitores e atuais dirigentes da UFPA e dos seus campi. Entre os temas que serão debatidos, estão: "Implantação dos campi, o seu corpo docente, os cursos intervalares e a pesquisa: va-leu a experiência?" e "Reuni e Parfor como política de consolidação dos campi da UFPA".

As próximas atividades do Projeto serão disponibilizar os documentos coletados e os vídeos produzidos em um site na internet, com previsão de lançamento para

março de 2012, e, em julho do mesmo ano, lançar um livro, sob o selo da Editora da UFPA, com os resultados da pesquisa.

"Com o site, queremos que os servidores também contribuam com materiais pessoais que possam ajudar na construção da memória da Universidade, pois a memória, hoje, é uma possibilidade de releitura e de documentação para a escrita da história. Esperamos que, a partir dessa experiência, a UFPA busque estabelecer um centro de pesquisa e documentação para registrar a forma como a Universidade contribui para o desenvolvimento da ciência e tec-nologia no nosso Estado", finaliza a professora Edilza Fontes.

O reitor Carlos Maneschy gravou depoimento para o vídeo que será apresentado durante a programação comemorativa

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Para o historiador francês Ja-cques Le Goff, "A memória, onde cresce a história, que por

sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o fu-turo". Tal afirmação, presente em sua obra História e Memória (1988), já se insere em uma mudança de perspec-tiva na historiografia contemporânea, que passou a dar mais relevância à

história oral e à memória como fenô-menos e fontes históricas.

E foi, justamente, o uso desses métodos que nortearam o anseio da professora Edilza Joana Oliveira Fontes, da Faculdade de História da UFPA, por registrar e mostrar a memória da Universidade Federal do Pará (UFPA). Desse anseio, surgiram dois projetos de pesquisa coordena-dos pela docente. O primeiro deles foi o "UFPA 50 anos: Histórias e

Memórias", realizado entre os anos de 2005 e 2007, que culminou com a publicação de livro com o mesmo título do projeto para comemorar os 50 anos da Instituição.

O segundo, chamado "UFPA uma Universidade Multicampi: 25 anos de ensino superior regionalizado no Pará", foi elaborado como uma continuação do primeiro projeto e trata de um tema mais específico da história da UFPA: o processo de im-

plantação dos campi da Universidade, que, em 2011, completa 25 anos. "Queremos provocar a discussão sobre as histórias e memórias desse processo de interiorização do ensino superior público no Pará: Como sur-giu essa iniciativa? Como se deram as discussões pedagógicas em torno disso? Quais foram as etapas para construir o corpo docente? Estas, entre muitas outras questões", ressalta a coordenadora Edilza Fontes.

Processo de interiorização priorizou as licenciaturas �Iniciado no âmbito da gestão

do ex-reitor José Seixas Lourenço (gestão de 1985 a 1989), o processo de implantação dos campi da UFPA no interior do Estado focou, primei-ramente, os cursos de licenciatura, no chamado "I Projeto Norte de Inte-riorização", executado em 1986, em convênio com o governo do Estado e municípios. Somente na década de 1990, o processo de interiorização

foi assumido pelo Ministério da Educação (MEC) e recebeu verbas no orçamento da Universidade.

Com esse I Projeto, foram instalados os cursos de Letras, Ma-temática, História, Geografia e Peda-gogia em oito municípios escolhidos em cada mesorregião do Estado, no intuito de diminuir a carência de professores licenciados nas redes estaduais e municipais na época. "Foi

nessa ocasião que a UFPA consolidou a tradição dos cursos intervalares, quando, nos meses de julho, janeiro e fevereiro, os professores da Univer-sidade saíam da capital para o interior e, assim, garantiam o corpo docente dos cursos ofertados. Houve muita dificuldade no início, mas foi uma iniciativa que deu certo, tanto é que, dessa experiência, surgiram duas uni-versidades federais: a Universidade

Federal do Oeste do Pará e a futura Universidade do Sul e Sudeste do Pará", complementa Edilza Fontes.

Atualmente, a UFPA conta com 11 campi localizados nos municípios de Abaetetuba, Altamira, Bragança, Breves, Cametá, Castanhal, Marabá, Santarém, Soure, Capanema e Tucu-ruí, e os cursos ofertados nos campi priorizam vocações econômicas locais.

Documentos oficiais e depoimentos de antigos gestores �

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8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011 – 5

Rito, poder e socializaçãoLivro debate trabalho de assistente social com meninos de rua

Ver-o-Peso INo dia 20 de novembro, acontece mais uma atividade do Grupo de Pesquisa de Geografia do Turis-mo (GGEOTUR), vinculado à Faculdade de Geografia e Car-tografia da UFPA. Desta vez, o roteiro geo-turístico vai percorrer paisagens no centro histórico de Belém, indo do Ver-o-Peso ao Porto da cidade.

Ver-o-Peso IIA saída acontecerá no hall de entrada da Estação das Docas, próximo ao Portão da Avenida Boulevard Castilho França, às 8h30. As inscrições são gratuitas e devem ser feitas pelo e-mail [email protected]

Prêmio Jabuti O livro Os Animais da Tangu-ro esteve entre os finalistas na categoria Ciências Naturais do Prêmio Jabuti 2011. A obra foi organizada por Ana Cristina Men-des de Oliveira e Maria Cristina dos Santos Costa, zoólogas da Universidade Federal do Pará (UFPA), e por Joice Bispo Santos, jornalista do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). A obra traz informações coletadas nos inventários realizados na Fazenda Tanguro, na região de Querência, Mato Grosso.

Nature IO professor Afonso Nogueira, da Faculdade de Geologia do Ins-tituto de Geociências da UFPA, com pesquisadores da França e dos Estados Unidos, acaba de publicar artigo científico na Re-vista Nature.

Nature IINovos dados sedimentológicos e isotópicos põem em cheque a hipótese da Terra Bola de Neve, a qual assume que o planeta foi coberto por uma espessa camada de gelo há cerca de 630 milhões de anos, no final de um período denominado Criogeniano. O artigo reforça a ideia de que, no final do Criogeniano, a superfície terrestre não era tão fria quanto se imaginava.

Pós-GraduaçãoO Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Ama-zônia da UFPA abre seleção para a turma de 2012. As inscrições vão até o dia seis de dezembro e o processo seletivo inicia no dia nove do mesmo mês. São disponibilizadas quatro vagas para cada uma das duas linhas de pesquisa do Programa: Mídia e Cultura na Amazônia e Estraté-gias de Comunicação Midiática na Amazônia. O início das aulas está previsto para março de 2012. Mais informações no site www.propesp.ufpa.br.

Um encontro entre gerações Programa promove integração entre jovens e idosos

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Após sete meses de execução e seis encontros reunindo os dois grupos etários, os problemas ini-ciais já haviam desaparecido e os resultados, segundo a professora, já eram visíveis e satisfatórios. "O in-teressante é a percepção das crianças para a necessidade de envelhecer de maneira saudável, com cuidados com os dentes e os ossos", avalia Gicele Brito. Para ela, outra observação que merece destaque é a amizade criada entre idosos e crianças ao longo do Programa, "eles moravam na mesma rua, mas não se falavam. Agora, eles já se intitulam amigos".

De acordo com a professora, o contexto social justifica a necessida-de de darmos maior atenção aos ido-sos. Antes, a importância e o respeito dos idosos se pautavam, sobretudo, na transmissão oral do conhecimento e da experiência adquirida ao longo da vida. Hoje, o avanço da indústria, dos meios de comunicação e dos recursos tecnológicos tirou a possi-bilidade dos mais velhos servirem como fonte de sabedoria.

"Esse progresso colocou os idosos em um segundo plano nas re-lações sociais, sem possibilidades de produção e, portanto, foram transfor-

mados em fardos para a sociedade, em um ‘problema social’", explica a professora.

Nos últimos 50 anos, os países desenvolvidos iniciaram um proces-so de resgate da cidadania do idoso. No Brasil, as mudanças também estão acontecendo. "Cerca de 15% da população brasileira está acima de 55 anos. Diante desse dado de-mográfico, percebe-se a necessidade de preparar as novas gerações para um convívio saudável com aqueles que estarão nessa outra etapa do desenvolvimento humano", finaliza a professora.

Idosos declaram atitudes protetivas com mais jovens

Flávio Meireles

O crescente aumento da popu-lação idosa no País transfor-mou o que era um problema

familiar em um assunto de interesse público e social. Mas, como afirma um dos principais estudiosos da inter-geracionalidade, o pesquisador José Carlos Ferrigno, "se partirmos da premissa de que, historicamente, as gerações são continuamente constru-ídas, desconstruídas e reconstruídas, verificamos que a relação entre elas também está sendo sempre refeita".

Deste modo, é possível en-tender a importância do conceito de intergeracionalidade, ou seja, a rela-ção entre gerações mais velhas e mais novas a partir da troca de experiência entre elas, representando mudanças na forma de vivenciar a velhice e os processos que a envolvem.

A partir desse contexto, a Faculdade de Serviço Social do Campus de Breves da Universidade Federal do Pará (UFPA) elaborou o Programa Envelhecimento Humano e Intergeracionalidade (PEHI). O objetivo é promover a valorização do idoso, tornando-o mais ativo e pronto para demonstrar seus sentimentos e modificar em seu dia a dia. "Além disso, pretendemos transformar as concepções e atitudes dos mais jo-vens, diante do processo natural de

envelhecimento e prepará-los para a velhice", destaca a professora Gicele Brito, coordenadora do Programa.

Segundo a professora, pre-parar os jovens para envelhecer consiste em colaborar para que, no futuro, existam idosos menos preconceituosos, mais saudáveis, os quais consigam vivenciar o proces-so de envelhecimento com menos sofrimento.

Ao todo, participam do PEHI mais de 400 pessoas, sendo 200 idosos, 10 técnicos da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência

Social, 160 acadêmicos de graduação da Faculdade de Serviço Social e 50 crianças de escola pública mu-nicipal.

Para incitar as discussões, foram desenvolvidas diversas dinâ-micas, entre elas, oficinas, palestras, passeios e atividades em grupo. Foram utilizados recursos audiovi-suais, a exemplo de vídeos, músicas, poemas, contos, fotografias, recortes de revistas "e qualquer outro objeto que evoque conhecimento e lembran-ça significativa", acrescenta Gicele Brito.

Discussões geram produção de material didático �Toda a programação foi pensa-

da de modo a suprir as necessidades dos participantes em todas as faixas etárias. Apesar de previamente estruturadas, as escolhas de temas e técnicas são flexíveis, havendo a possibilidade de sugestões de outras temáticas. Neste semestre, assuntos como estatuto do idoso, violência, aposentadoria e controle social foram abordados. Os encontros são quinze-nais e acontecem durante o período letivo da Universidade para facilitar a participação dos discentes.

Essas atividades funcionam como instrumento de abordagem desses temas e sua implicação na vida de cada um dos participantes. As discussões subsidiam a produção

de materiais a respeito da interação entre idosos, jovens e crianças.

Mesmo antes do término do Programa, previsto para o final deste ano, já foram produzidos dois artigos para a 14ª Jornada de Extensão da UFPA, além de um material com-pleto para a Jornada Regional sobre Envelhecimento na Amazônia, a se realizar em Palmas, com o apoio da Universidade da Terceira Idade (Uni-terci/UFPA) e do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Envelhecimento Humano na Amazônia (Senectus). No período de vigência do Pro-grama, são contemplados somente participantes da região urbana de Breves. "No próximo ano, pensamos em trabalhar nos distritos rurais e

nas Áreas de Proteção Ambiental", anuncia a professora.

Para sua implementação, o Programa contou com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão. Por meio do PEHI, formou-se um grupo de estudos sobre o envelhecimento humano no Campus de Breves, do qual fazem parte professores e alunos da Universidade e profis-sionais do município com interesse no tema. Segundo Gicele Brito, no início das atividades, uma entrevista constatou um alto índice (63%) de rejeição de crianças e jovens em relação aos idosos. Por outro lado, 54% dos mais velhos afirmaram ter atitudes de proteção quando se trata de jovens.

15% da população brasileira está acima de 55 anos �De acordo com Carlos Maciel, o poder institucional em que o profis-sional está investido deve ser usado de maneira responsável, com o objetivo de colaborar adequadamente com a socialização das crianças de rua. "O que tentamos mostrar é que o poder existe e as pessoas devem usá-lo conscientemente. Enquanto existirem relações humanas, vai existir poder nas instituições, por isso o debate é importante.

A obra Rito, Poder e Sociali-zação: o trabalho com meninos de rua, publicada pela Paco Editorial, pode ser adquirida no site da editora, na livraria Saraiva e na secretaria da Especialização em Políticas Públicas e Serviço Social, no ICSA/UFPA.

Até o final do ano, o Centro de Convivência será reativado por meio de parceria entre os governos federal e estadual

Dilermando Gadelha

As ruas são de uma grande ci-dade com reminiscências da selva amazônica, arquitetura

colonial misturada a construções contemporâneas. Nesse cenário, me-ninos de rua procuram diariamente, maneiras de sobreviver.

É essa a realidade retratada no livro Rito, Poder e Socialização: o trabalho com meninos de rua, lan-çado este ano pelo professor Carlos Maciel, da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Pará (UFPA). O estudo tem como objeto de pesquisa a sociabilidade entre os meninos de rua - que vivem na Central de Abastecimento de Pro-dutos Hortifrutigranjeiros do Pará (Ceasa) - e o Centro de Convivência (Cecon), lá instalado pelo governo estadual para dar assistência a esses meninos.

De acordo com o professor, a pesquisa nasceu das experiências que teve no Centro de Convivência: "como assistente social, trabalhei em várias unidades de atendimento a crianças de rua de Belém. Sempre achei interessante fazer uma recupe-ração dos desafios e das dificuldades de trabalhar com esse público."A questão da sociabilidade é uma das dificuldades que acontece, principal-mente, por causa do desconhecimen-to de algumas dinâmicas que afetam a vida dessas crianças.

Rituais são comuns no dia a dia de meninos de rua �Quando escutamos a palavra

ritual, geralmente pensamos em mani-festações religiosas, como o batismo e o velório, mas, de acordo com o professor, os ritos vão além dessas manifestações e estão presentes em ações corriqueiras de nossas vidas. "Os ritos têm funções importantes no ritmo, na intensidade e na extensão dos processos de socialização que afe-tam os indivíduos em sociedade", ex-plica. De acordo com Carlos Maciel,

conhecer os ritos pelos quais passam estas crianças, tanto na rua quanto nos ambientes institucionais, permite des-vendar os processos de socialização presentes nesses espaços.

Um dos ritos mais comuns entre os meninos de rua são os de "batismo". Esses ritos, que marcam a passagem da pessoa de um lugar a ou-tro – no caso, a "entrada" para as ruas -, são uma maneira de legitimar um status e uma hierarquia entre os meni-

nos que estão, há algum tempo, na rua e aqueles que estão chegando.

Segundo Carlos Maciel, "quan-do o menino vai para a rua encontrar meios para sobreviver, pode-se ter a ideia equivocada de que ele estará em um espaço sem regras. De fato, escapa à pessoa comum que, naquele lugar, existem regras, dominação, disputa por poder e status. Uma criança na rua, para encontrar um lugar naquele espaço, vai ter que lutar para conquis-

tar um status."Em um dos exemplos citados

pelo professor, a presença e o fun-cionamento desse ritual ficam claros. Um menino de rua, que já estava frequentando o Centro de Convivên-cia da Ceasa há algum tempo, dava "boas-vindas" a um novo menino com agressões. Essa era a forma que conhecia para receber crianças novas, uma vez que ele também foi recebido dessa maneira.

Centro oferecia educação, lazer e sociabilidade �O Centro de Convivência da

Ceasa foi criado na década de 1990 como uma resposta do governo estadual para os problemas sociais pelos quais passavam crianças de rua e famílias na Ceasa. Elas viviam entre catar restos de frutas e legumes deixados pelos mercadores, pedir dinheiro, vender jornais e, algumas vezes, prostituir-se.

No Centro, as crianças re-cebiam alimento e tinham a opor-tunidade de praticar outras ações voltadas à educação, por meio do Projeto Escola Aberta, e ao lazer, como nas aulas de capoeira. O aten-dimento no Cecon pode ser dividido em duas etapas: a primeira, que durou do seu início, em 1986, até aproximadamente 1995, era voltada para a educação pelo trabalho. Ou

seja, as crianças iam para o Cecon e recebiam um atendimento a partir da chamada metodologia "educação pelo trabalho".

A partir de 1995, o Centro passa a ter uma atuação mais voltada para a educação, o lazer e a sociabi-lidade. "Inicialmente, acreditava-se que o trabalho permitiria elementos pedagógicos importantes no proces-so educativo e formativo da criança. Passado algum tempo, percebeu-se, claramente, que a criança que ocu-pa seu tempo com o trabalho tem subtraído o seu tempo para estudar e para desenvolver outras compe-tências que serão importantes para a sua vida adulta, até para encontrar uma oportunidade de trabalho mais adequada", afirma o professor.

Mesmo com a reformulação

do objetivo do Cecon, o qual passou a buscar uma educação mais plena, levando em conta não apenas os conteúdos formais da escola, mas também uma educação para as re-lações sociais, as dificuldades com relação à sociabilidade das crianças de rua persistiam.

"As instituições, às vezes, partem do pressuposto de que todo mundo que vai fazer parte dela já sabe como ela funciona. Então, o processo de transição entre a rua e a instituição pode ter muitos ruídos, porque gera uma mudança não só de lugar físico, mas também de regras, de comportamentos. Às vezes, o profissional não percebe esse jogo e, então, pune os meninos e as meninas em vez de entender as dificuldades da transição", explica o professor.

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6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Novembro, 2011 – 7

Etapas do sistema de aproveitamento • A água da chuva cai no telhado e escorre pela calha;• Em seguida, a água é canalizada para as tubulações de descarte, chamadas de Reservatórios de Autolimpeza (RAL);• Após descartar as possíveis impurezas vindas do telhado das moradias, a água que resta é canalizada para o Reservatório Elevado e daí para o filtro;• Após o processo de filtração, a água da chuva chega ao reservatório final, enquanto o reservatório apoiado guarda certa quantidade de água captada para o processo de filtração contínuo.

Grupo de Pesquisa cria sistema para abastecer ribeirinhos com água da chuvaComunidades rurais da Ilha Grande e da Ilha do Murutucu são as primeiras beneficiadas

Meio ambiente

Durante a instalação nas ilhas, foram necessários alguns ajustes no modelo projetado, prin-cipalmente na estrutura do siste-ma. A novidade é a criação de um segundo reservatório de captação, posicionado um pouco abaixo do nível da calha, apoiado por uma es-trutura em madeira, chamado "Re-servatório Elevado". Este segundo reservatório, localizado entre os Reservatórios de Autolimpeza e o filtro, adquire a função de ser uma estrutura de "espera", ou seja, um reservatório que fica captando constantemente a água da chuva, a qual terá tempo suficiente para ser filtrada, sem limitar o volume de uso da população atendida.

O segundo reservatório sur-giu em função do processo chama-do de filtro lento, o qual consegue filtrar 17 litros d'água por dia. Para famílias maiores, os sistemas recebem mais filtros e, assim, aumentam proporcionalmente o fornecimento de água. Com esta alteração, após 30 dias de implan-tação, o sistema pode ser usado constantemente, sem interrupção.

Como o funcionamento do

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Fase rural: comunidades foram escolhidas por possuírem experiência anterior com a captação da água da chuva

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Se listarem as principais pala-vras que caracterizam a região amazônica, "chuva" ocupará

uma posição eminente. Com um clima do tipo equatorial, quente e com muita umidade devido à grande disponibilidade de água, a Amazônia possui uma boa distribuição de chu-vas ao longo do ano, sendo o período mais chuvoso nos meses de janeiro, fevereiro, março e abril. As vantagens que perpassam essa característica são muitas e podem ajudar a resolver um dos problemas mais frequentes no nosso país: a deficiência nos serviços

de abastecimento de água.Foi a partir dessa perspectiva,

aliada à preocupação com o meio ambiente, que surgiu o Grupo de Pesquisa "Aproveitamento de água da chuva na Amazônia", liderado pelo professor Ronaldo Mendes, do Nú-cleo de Meio Ambiente (Numa). As atividades do Grupo buscam desen-volver projetos para captação de água da chuva a baixo custo e adequada ao consumo humano. O Grupo conta, ainda, com a colaboração dos pro-fessores Tony Carlos Dias da Costa e Dênio Ramam Carvalho de Oliveira, ambos do Instituto de Tecnologia da UFPA (ITEC).

Com duas fontes de finan-ciamento, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa), o Grupo possui duas frentes de atuação: uma urbana e outra rural, mais precisamente nas ilhas no entorno da capital do Estado, abrangendo as comunidades rurais da Ilha Grande e da Ilha do Murutucu. Em ambas as frentes, foram instalados protótipos de sistemas de captação de água da chuva para fins potáveis, desenvolvidos no âmbito do Projeto.

A escolha pelas ilhas se jus-tifica pela prévia experiência delas

na captação da água da chuva e pela dificuldade de abastecimento de água potável. "É comum que os ribeirinhos tomem a água do rio, a qual quase sempre, não é adequada para o con-sumo. As alternativas encontradas por eles são buscar água em outras comunidades, o que envolve deslo-camento, ou, então, comprar a água oriunda da capital do Estado, o que já revela um mercado da água por trás dessa dificuldade. A água subter-rânea, que seria a alternativa óbvia, já foi empregada sem sucesso na Ilha Grande. A qualidade é comprometida pelo excesso de ferro", pondera o pesquisador Ronaldo Mendes.

Diagnóstico indicou aceitação de 78% das famílias �Os estudos iniciaram com um

diagnóstico feito a partir de entrevis-tas com 40 famílias residentes na Ilha Grande, onde se constatou que 78% têm uma aceitação positiva para o aproveitamento da água da chuva nas atividades do cotidiano. Isto talvez se deva à existência, na Ilha, de uma experiência de captação da água da chuva desde 2004, antes mesmo das atividades do Grupo de Pesquisa. A experiência foi promovida por ações da entidade de promoção e atuação social Cáritas Brasileira, que desenvolveu um sistema que segue o modelo nordestino, região com

má distribuição física e temporal da precipitação pluviométrica e um alto índice de evaporação.

"O sistema da Cáritas foi muito importante às nossas pesquisas e bem-vindo à Ilha, diante da carência de abastecimento. Mas vislumbramos algumas necessidades de adequação à realidade local. Por exemplo, a Ilha é uma área de várzea, quando o nível da água sobe, a base da cisterna fica alagada e, como a torneira de saída se localiza perto do solo, a água externa acaba entrando em contato com a água mantida na cisterna, prejudi-cando a sua qualidade. O volume

da cisterna (cerca de 16 mil litros) não precisaria ser tão grande, pois o volume de chuvas da nossa região garante a renovação constante da água, muito diferente daquele do Nordeste. Assim, percebemos que, para ser usado em áreas de várzea, o sistema precisaria ser suspenso, o que o encareceria, caso a cisterna fosse construída em concreto armado", ex-plica o professor Ronaldo Mendes.

Foi buscando a qualidade da água que o Grupo elaborou um sis-tema de captação da água da chuva baseado em quatro princípios básicos da sustentabilidade do abastecimen-

to. São eles: acesso facilitado, preço de acordo com a condição do usuário, quantidade e qualidade adequadas ao consumo. Dois sistemas piloto foram construídos, para fins de teste, nos bairros Curió-Utinga e Canudos. Os posicionamentos de tais protótipos deram-se por razões técnicas no que diz respeito às dimensões e aos materiais dos telhados das casas. Outro aspecto foi a proximidade ao Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), localizado no Curió-Utinga, o que favoreceu a medida de pluviosidade disponibilizada por este órgão.

33 pessoas atendidas ao custo de R$120,00 por usuário �

Moradores passaram por capacitação para entender o funcionamento dos protótipos e seu sistema de limpeza

O primeiro sistema criado é simples e barato, pois utiliza tubos e um reservatório, neste caso, uma caixa d'água convencional. No per-curso da água para o reservatório, foram instaladas tubulações de descarte da primeira água que toca o telhado. No início da chuva, a água tende a lavá-lo, ou seja, retira grande parte da sujeira que lá se en-contra, e essa água não pode chegar até o reservatório. Tais tubulações são chamadas de Reservatórios de Autolimpeza (RAL), e a sua quan-tidade depende do número de usuá-rios a ser atendido pelo sistema.

Assim, a função dos RAL é descartar a primeira água que cai sobre o telhado e permitir, pos-

teriormente, a passagem da água mais limpa até o reservatório. An-tes de chegar ao seu destino final, a água da chuva passa por um filtro feito de areia e seixo. "Esse protó-tipo surgiu a partir dos estudos do Grupo de Pesquisa. A manutenção é muito simples, tal como lavar o te-lhado e o reservatório. Além disso, o protótipo não consome energia, pois a água é liberada por uma torneira no próprio reservatório suspenso 70 cm acima do nível do chão", acrescenta o pesquisador.

Amostras da água da chuva foram coletadas em vários pontos do sistema e analisadas pelo Labo-ratório de Química Analítica e Am-biental da UFPA (LAQUANAM),

coordenado pela professora Simone Pereira, do Instituto de Ciências Exatas e Naturais (ICEN).

Em agosto deste ano, foi a vez da frente rural receber os sistemas, agora, em caráter defini-tivo. A instalação foi feita em duas residências, uma na Ilha Grande e outra na Ilha do Murutucu. "Na Ilha Grande, residências fazem uso do sistema, perfazendo 19 pessoas. Na Ilha do Murutucu, 14 pessoas. Ao todo, são 33 pessoas atendidas ao custo máximo de R$120,00 por usuário. Este valor deve diminuir pelo menos 10% após alguns ajustes que pretendemos realizar", afirma o pesquisador Ronaldo Mendes.

Água própria para o consumo 45 dias após a instalação �

filtro lento está associado ao de-senvolvimento prévio de uma co-lônia de bactérias nele mesmo, são necessários, aproximadamente, 45 dias após a instalação do sistema para que a água esteja própria ao consumo. "Vamos continuar moni-torando a qualidade da água para, então, liberar o seu consumo. Ainda

assim, o acréscimo de hipoclorito na água deve ser mantido, como já é tradicionalmente recomendado pela Secretaria Municipal de Saúde de Belém", afirma o pesquisador.

Capacitação – Após a instalação nas ilhas, as famílias que receberam os protótipos participaram de uma

Reservatório abaixo da calha capta a água que será filtrada

capacitação sobre o funcionamento do sistema e sobre a limpeza dos reservatórios. Na segunda quinze-na de setembro, foram realizadas atividades de educação ambiental, com a participação da educadora ambiental Maria Ludetana Araújo, docente do Instituto de Ciências da Educação (ICED), a qual ressaltou a importância da água para o ho-mem e os cuidados que devemos ter com ela no cotidiano.

O Grupo de Pesquisa está iniciando o processo para patentear o sistema e, em seguida, buscará parcerias com órgãos governamen-tais ou mesmo com as associações de moradores das ilhas de Belém. O governo federal possui programas que têm fornecido moradias aos ribeirinhos, logo, a intenção é a inserção do sistema nas plantas ar-quitetônicas das moradias. Assim, elas já viriam com o sistema de abastecimento baseado no aprovei-tamento da água da chuva de forma potável, para fins, prioritariamente, de ingestão e preparação de alimen-tos, o que diminuiria drasticamente o risco de doenças de veiculação hídrica.