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EDIÇÃO E COORDENAÇÃO EDITORIALInstituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de CoimbraEmail : [email protected]: www.ij . fd.uc.ptMorada: Pátio da Universidade | 3004-545 Coimbra

EXECUÇÃO GRÁFICAImagem da capa: Pormenor de painel azulejar pombalino da Sala de Mestrados

(Ala de S. Pedro). Autoria de Salvador de Sousa Carvalho. Coimbra, cc. de 1774Infografia: Jorge Ribeiro | [email protected]

ISBN 978-989-98886-6-1

DEPÓSITO LEGAL 380123/14

© JUNHO 2014

INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA

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Dissertação de Mestrado

Miguel João Costa

DEDERE AUT JUDICARE?A DECISÃO DE EXTRADITAR OU JULGARÀ LUZ DO DIREITO PORTUGUÊS, EUROPEUE INTERNACIONAL

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para o meu filho José

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est enim disjunctiva obligatioHugonis Grotii

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NOTA E AGRADECIMENTOS

O estudo que agora se publica constitui uma versão desenvolvida e amadurecida da dissertação de mestrado em Ciências Jurídico-Criminais, de título idêntico, submetida à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no ano lectivo de 2009/2010, e avaliada em provas públicas no dia 6 de Abril de 2011 por um júri constituído pelos Senhores Professores Doutores José Francisco de Faria Costa (arguente) e António Pedro Nunes Caeiro e pela Mestre Cristina Maria da Costa Pinheiro Líbano Monteiro.

No momento de publicar um estudo que me permitiu concluir uma etapa académica, começo por agradecer aos meus pais e à minha avó por terem sempre incentivado a minha formação. A gratidão estende-se ao meu avô, a quem já não posso agradecer.

O processo conducente a esta publicação, da intensiva escrita do ori-ginal à sua descontínua revisão, terminada quase quatro anos mais tarde, teve como constantes mais absolutas a presença e o apoio da Cris, a minha namorada, que, porém, experienciou aquilo a que chamou “o outro lado da tese”.

O estudo contou com o contributo de vários amigos, ora na forma de troca de ideias importantes, ora na de detecção de simples gralhas. Na im-possibilidade de referi-los todos, agradeço, pelo particular relevo dos seus contributos, à Catarina e ao António.

No plano institucional, agradeço à Universidade de Coimbra e à Fun-dação Rangel de Sampaio, respectivamente, a bolsa de mérito e a bolsa de estudo que me atribuíram no ano lectivo em que realizei este trabalho.

Agradeço, por fim – mas apenas porque isso já só é uma forma dife-rente de agradecer com prioridade –, ao Doutor Pedro Caeiro, meu incon-dicional orientador de mestrado e, mesmo sem essa qualidade formal, de todo o trabalho subsequente.

Maastricht, 21 de Março de 2014

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Deder e aut Judicar e?

ABREVIATURAS

AAFDL – Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa

Ac. / Acs. – Acórdão / AcórdãosADPyCP – Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales

art. / arts. – artigo / artigosBFDUC – Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

BMJ – Boletim do Ministério da JustiçaBOA – Boletim da Ordem dos Advogados

CC – Código Civil (Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro)CCCP – Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial

CDFUE – Carta de Direitos Fundamentais da União EuropeiaCEBDI – Cursos Euromediterráneos Bancaja de Derecho InternacionalCEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CEExtr. – Convenção Europeia de Extradição, de 13 de Dezembro de 1957 (Paris)

CEJ – Centro de Estudos JudiciáriosCExtr.UE – Convenção relativa à extradição entre os Estados-Membros

da União Europeia, de 27 de Setembro de 1996 (Dublin)CJM – Código de Justiça MilitarCLP – Current Legal Problems

coord. – coordenador(a), coordenaçãocoords. – coordenadores(as)

CP – Código Penal (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março)CPA – Código do Procedimento Administrativo (Decreto-Lei n.º

442/91, de 15 de Novembro)CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

CPP – Código de Processo Penal (Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro)

CPTA – Código de Processo nos Tribunais Administrativos (Lei n.º 15/ /2002, de 22 de Fevereiro)

CRP – Constituição da República Portuguesa (Decreto de 10 de Abril de 1976)

CWILJ – California Western International Law JournalCWRJIL – Case Western Reserve Journal of International Law

dir. – direcção, sob a direcção deDJ – Direito e Justiça

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Tese de Mestrado

DQ – Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Ju-nho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos procedimentos de entrega entre Estados-Membros

Ed. / Eds. – Editor, Editora, Edição / Editores(as)EJCCLCJ – European Journal of Crime, Criminal Law and Criminal Justice

EJIL – European Journal of International LawETAF – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei n.º 13/

/2002, de 19 de Fevereiro)ERTPI – Estatuto do Tribunal Penal Internacional, adoptado a 17 de

Julho de 1998 (Roma)FDUC – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

FYIL – The Finnish Yearbook of International LawGDDC – Gabinete de Documentação e Direito Comparado

HILJ – Harvard International Law JournalICLQ – International & Comparative Law Quarterly

IHLADI – Instituto Hispano-Luso-Americano de Derecho InternacionalII&CLR – Indiana International & Comparative Law Review

ILR – Israel Law ReviewISISC – Istituto Superiore Internazionale di Scienze CriminaliIYHR – Israel Yearbook on Human Rights

JCL&C – Journal of Criminal Law & CriminologyJICJ – Journal of International Criminal Justice

KritV – Kritische Vierteljahresschrift für Gesetzgebung und RechtswissenschaftL&CP – Law & Contemporary Problems

LCJ – Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto)

LJIL – Leiden Journal of International LawLMDE – Lei que aprova o regime jurídico do mandado de detenção

europeu (Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto)LS – Legal Studies

MDE – Mandado de Detenção EuropeuMJIL – Michigan Journal of International Law

NELR – New England Law ReviewNEP – Nouvelles Études Pénales

org. / orgs. – organização, organizador(a) / organizadoresPGR – Procuradoria Geral da República

RCADI – Recueil de Cours de l’Académie de Droit International

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Deder e aut Judicar e?

RCEJ – Revista do CEJRDES – Revista de Direito e de Estudos SociaisRDIPP – Rivista di Diritto Internazionale Privato e Processualereimp. – reimpressãoRIDP – Revue Internationale de Droit Pénale

RISCPSI – Revista do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança InternaRLJ – Revista de Legislação e Jurisprudência

RMP – Revista do Ministério PúblicoRMS – Resource Material Series

RPCC – Revista Portuguesa de Ciência CriminalSci. Iur. – Scientia Iuridica

Stud. Iur. – Studia IuridicaSTA – Supremo Tribunal AdministrativoSTJ – Supremo Tribunal de JustiçaTIJ – Tribunal Internacional de Justiça

TJCE – Tribunal de Justiça das Comunidades EuropeiasTPI – Tribunal Penal Internacional

TPIAJ – Tribunal Penal Internacional ad hoc para a Antiga JugosláviaTPIR – Tribunal Penal Internacional ad hoc para o Ruandatrad. – tradutor

VJIL – Virginia Journal of International LawYIHL – Yearbook of International Humanitarian LawYJIL – Yale Journal of International Law

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INTRODUÇÃOA pergunta que figura no título do presente estudo, com a intencio-

nalidade que lhe é dada, tem três sentidos.Primeiramente, ela questiona se vigora no ordenamento jurídico-

-penal português o princípio, usualmente atribuído a Hugo Grócio sob a fórmula “aut dedere aut punire”, segundo o qual, perante um pedido de extradição, não pode deixar de fazer-se uma de duas coisas: ou extradi-tar a pessoa, ou reprimir penalmente os factos que lhe são imputados.

Concluindo-se pela vigência do princípio, a pergunta assume um segundo sentido, que indaga se as alternativas que o integram se encon-tram em situação de paridade, proporcionando ao decisor uma autêntica opção (sc., uma decisão de resultado não predeterminado pela lei) entre “dedere” e “judicare”, ou se, pelo contrário, uma delas tem primazia sobre a outra.

Identificando-se uma margem de opção, mesmo que curta, com aquelas características, a pergunta requer, por fim, que se determinem os critérios que devem presidir ao seu exercício.

A análise incide de modo primacial sobre a lei portuguesa que disci-plina a extradição: a lei de cooperação judiciária internacional em ma-téria penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).

A absoluta primazia que lhe é concedida contrasta abertamente com a sua subsidiariedade em relação às normas dos tratados, convenções e acordos internacionais a que o Estado português está vinculado, bem como às emanadas das instituições da União Europeia e dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal é parte.

No entanto, isso não vota a lei interna à residualidade, pois ela, além de regular de modo exclusivo a cooperação de Portugal com inúme-ros Estados, não se aplica apenas na total ausência de disposições de outros ordenamentos normativos, mas também na sua insuficiência, o que significa que, num mesmo caso, podem ser simultaneamente apli-cáveis normas da lei interna e de outros diplomas.

A principal razão para atribuirmos aquela primazia à lei interna é, contudo, ainda uma outra: as leis internas de cooperação, e a portugue-

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sa não é excepção, constituem o receptáculo, ou um compêndio da tra-dição jurídica do respectivo ordenamento jurídico na matéria. De facto, elas configuram instrumentos normativos criados por uma dada juris-dição de modo unilateral e com independência da vontade de qualquer outra jurisdição, ao contrário do que acontece, v.g., com uma conven-ção internacional, que é precisamente uma concertação de vontades. Isso atribui àqueles instrumentos normativos um carácter paradigmático.

No entanto, a fim de oferecer um retrato mais completo do princí-pio aut dedere aut judicare no ordenamento jurídico português, o estudo inclui um tratamento, ainda que breve, dos ordenamentos jurídicos in-ternacional (incluindo as normas gerais e convencionais de extradição, bem como as relativas à entrega ao Tribunal Penal Internacional) e europeu (sc., as normas relativas à execução de mandado de detenção europeu).

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PARTE ILei de Cooperação Judiciária Internacional

em Matéria Penal

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§ 1. A decisão de extraditar ou não extraditar (dedere aut non dedere)

1. Breve descrição do processo de extradição

1.1. Natureza mista: fase(s) executiva(s) e fase judicial

O processo português de extradição passiva tem carácter urgente e compreende duas fases diferentes e sucessivas (cf. arts. 46.º s. LCJ):

Uma primeira, executiva, destina-se à apreciação do pedido de extra-dição pelo Ministro da Justiça com base em referentes de ordem polí-tica ou de oportunidade ou conveniência e culmina numa decisão que pode ser de indeferimento liminar ou de prosseguimento do processo1. No primeiro caso, o processo é arquivado sem possibilidade de recurso2. No segundo, avança para outra fase, judicial, da competência do Tribu-nal da Relação (Secção Criminal), que aqui intervém como tribunal de primeira instância.

Embora, literalmente, seja este o desenho adjectivo traçado na LCJ, a doutrina há muito que considera admissível, em certas situações (ma-xime, de alteração superveniente de circunstâncias), a ocorrência de uma segunda intervenção executiva, posterior à decisão judicial de con-

1 Por os referentes da decisão que nela tem lugar serem de índole político-administrati-va (e não estritamente administrativa) e por a entidade competente para essa decisão ser o titular de um órgão superior do Estado, consideramos que designar esta fase de “executiva” é preferível a designá-la – como é mais usual e, aliás, como faz a própria lei – de “adminis-trativa”; mas v. infra, o ponto 3.

2 O indeferimento pode ser parcial, negando a extradição em relação a certo(s) crime(s), com as consequências descritas, e declarando-a viável em relação a outro(s) – cf., e.g., o Ac. STJ de 07-01-2009, processo n.º 08P4144, em <www.dgsi.pt>.

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cessão da extradição e susceptível de sobrepor-se-lhe3 – entendimento que se encontra, hoje, atestado por jurisprudência constitucional4.

Em face desta disciplina processual, em que coexistem fases de natureza executiva e judicial, o processo de extradição passiva pode caracterizar-se como um processo de natureza mista5, embora com a ressalva de que uma daquelas fases (a judicial) é meramente eventual.

1.2. Reserva de juiz: o princípio constitucional de que a extradição só pode ser determinada por autoridade judicial

O art. 33.º, n.º 7 CRP – um preceito determinante para a caracteri-zação do regime jurídico português de extradição passiva – estabelece que “[a] extradição só pode ser determinada por autoridade judicial”.

A LCJ cumpre essa reserva de juiz6. É certo que a (primeira) inter-3 Cf. Pedro Caeiro, «O procedimento de entrega previsto no Estatuto de Roma e a sua

incorporação no Direito Português», 2004, p. 124 s.; Mário Mendes Serrano, «Extradição. Regime e praxis», 2000, p. 75 s.; Carlos FernandeS, A extradição e o respectivo sistema português, 1996, p. 54 s. Associamo-nos a esta doutrina – que cremos resultar de uma interpretação extensiva, teleologicamente fundada, dos preceitos da LCJ que regulam a (primeira) in-tervenção executiva –, registando a conveniência de que a mesma fosse plasmada na LCJ, com especificação, ainda que aberta, dos casos de admissibilidade de segunda intervenção executiva.

Essa doutrina poderia levar a defender, de iure condendo, que o Executivo interviesse so-mente após a decisão judicial (e quando esta fosse de concessão). Neste sentido, alegando que a solução apresentaria as vantagens de libertar o Executivo para uma “verdadeira de-cisão política” e de garantir uma melhor “tutela das expectativas, de segurança das decisões e de relacionamento externo”, João Vasco Barata, «Extradição passiva: sistemas e análise da sua natureza», 2011/2012, p. 16 e 19. Consideramos, porém, que, além de a decisão executiva já se basear em referentes político-administrativos, ela não é (nem seria desejável que fosse) estritamente política (cf. infra, o ponto 3.2.2) e, por fim, que a tutela de expecta-tivas também ficaria assegurada se a segunda intervenção executiva fosse consagrada na lei de modo expresso. De todo o modo, a solução afigura-se-nos indesejável por três outras razões essenciais: de um ponto de vista pragmático, não faz sentido encarregar os tribunais de realizarem a minuciosa intervenção que lhes compete sem o Executivo ter previamente expressado a viabilidade do pedido; de um ponto de vista estratégico, parece-nos menos comprometedor para a actuação do Estado em matéria de relações interna-cionais que o seu Executivo indefira um pedido logo num momento inicial do que após os seus tribunais terem declarado que a concessão até seria juridicamente possível; por fim, de um (muito relevante) ponto de vista garantístico, é menos oneroso para o extraditando – o qual, em regra, aguarda detido a decisão (cf. arts. 38.º s. LCJ) – que o pedido seja indeferido logo do que apenas após a (mais morosa: cf. art. 48.º, n.os 1 e 2 LCJ) intervenção judicial.

4 V. Ac. TC n.º 360/2012, de 05/07/2012, ponto II.7 (em <www.tribunalconstitucio-nal.pt>).

5 Já assim, e.g., Manuel Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, 1982, p. 154; Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 77.

6 Cf. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª ed., 2001, p. 658 e 662, traçando a distinção entre “reserva de juiz” e “reserva de tribunal” e reconduzindo ao primeiro conceito a reserva consagrada no art. 33.º, n.º 7 CRP. No mesmo sentido, inequivocamente, o Ac. TC n.º 360/2012, cit., ponto II.7.

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venção executiva pode excluir a intervenção judicial, ou, no caso de ser uma segunda intervenção, sobrepor-se-lhe, mas isso não fere de in-constitucionalidade a LCJ, pois a CRP só reserva ao juiz a competência para conceder a extradição7.

Além de que – e como decorrência necessária não apenas daquele comando constitucional mas ainda do da independência dos tribunais (art. 203.º CRP)8 – as decisões executivas de prosseguimento, obvia-mente, não vinculam o juiz a conceder a extradição (art. 24.º, n.º 1 LCJ).

2. As concepções fundamentais subjacentes ao processo de extradição passiva

2.1. O breve exame que precedeu bastou para que uma tensão concep-tual que o instituto da extradição encerra ficasse exposta: uma tensão entre a concepção clássica ou tradicional – que encara a extradição como prerrogativa de soberania do Estado e, logo, como objecto de uma decisão a tomar pelo Executivo com base em referentes político-ad-ministrativos – e uma concepção moderna 9 – que veio instar a primeira a reconhecer e proteger a posição jurídica da pessoa visada (o extradi-tando) em face de um processo que, embora não envolva directamente a aplicação ou a execução de uma sanção penal, a tanto visa adjuvar e que, para tanto, envolve a prática de um acto oneroso (a transferência física da pessoa de um Estado para outro) e coercível10. Um processo

7 Poderia questionar-se se o preceito não imporá que tanto a concessão como a recusa estejam reservadas a juiz. Mas todos os elementos apontam no sentido sustentado: a sua letra (“determinar a extradição”) remete francamente para decisões de conteúdo positivo; bem assim a sua história e teleologia de ruptura com o paradigma da natureza inteiramente executiva da extradição, sendo que o Decreto-Lei n.º 437/75, de 16 de Agosto – o pionei-ro instrumento, entre nós, dessa ruptura – já previa, não obstante esse seu desígnio, uma fase executiva susceptível de pôr termo ao processo com uma decisão de indeferimento; por fim, o seu enquadramento sistemático no capítulo dos direitos, liberdades e garantias, sendo que as decisões de recusa não têm, em princípio, impacto negativo na esfera pessoal do extraditando. No mesmo sentido da conclusão, cf. Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 76. De resto, nunca a constitucionalidade da fase executiva foi contestada e, pelo contrário, foi já implicitamente confirmada (e.g., no Ac. TC n.º 360/2012, cit., ponto II.7).

8 Na vertente de independência externa – sc., “dos juízes em relação aos órgãos ou entidades estranhos ao poder judicial”: José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 658.

9 Cf. M. Cherif BaSSiouni, «Extradition: The United States Model», RIDP 62 (1991), p. 471, referindo-se-lhe como uma “modern view” sobre o direito da extradição.

10 Esta mudança de paradigma é sintetizada do seguinte modo por Albin eSer, «Basic Issues Concerning Transnational Cooperation in Criminal Cases: A Problem in Outline», 1994, p. 14-15: “Traditionally, the suspect was ignored or, at most, regarded as merely an object of bilateral proceedings between states. Recently, however, the question has been raised (…) as to whether the suspect to be extradited should not be given the status of a

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Tese de Mestrado

que, assim observado, não poderia dispensar uma intervenção judicial

baseada em referentes normativos11.

2.2. No nosso direito interno, esta concepção afirmou-se com o Decreto-Lei n.º 437/75, de 16 de Agosto12. O modelo de extradição então instituído e até hoje mantido – com uma fase executiva que ga-rante ao Governo o poder de recusar a extradição e uma fase judicial que reserva ao juiz o poder de a conceder – é, pois, não só do ponto de vista adjectivo como também, inerentemente, de um ponto de vista conceptual, um modelo misto.

subject possessing rights of his own, with the consequence that the extradition relation-ship may be viewed as a three-way relationship – viz., between the two states involved and the person to be extradited”; mais sinteticamente, ibidem, p. 6: “the accused [h]as shifted from being a procedural object to being a legal subject”. Para um tratamento alargado da questão dos direitos individuais no contexto da extradição, v. Albin eSer / Otto lagodny / Christopher L. BlakeSley, eds., The Individual as Subject of International Cooperation in Crimi-nal Matters: A Comparative Study, 2002. Para uma análise da marcante decisão do TEDH (Soering v. Reino Unido) em que se afirmou a importância dos direitos humanos em matéria de extradição, v. Stephan BreitenmoSer / Gunter E. WilmS, «Human Rights v. Extradition: The Soering Case», MJIL 11 (1990), p. 45 s.

11 No plano das entidades decisórias, a mudança de paradigma produziu uma jurisdi-cionalização – v. Jacques lemontey, Du Rôle de l’Autorité Judiciaire dans la Procédure d’Extra-dition Passive, 1966, p. 2: “la conséquence pour l’extradition semble devoir être le passage d’une procédure administrative à une procédure judiciaire”. Já assim, entre nós, embora apenas em face da existência de convenção internacional (pois até 1975 não existia lei interna de extradição: v. a n. seguinte), v., por todos, naquele que terá sido, entre nós, o primeiro sólido exame do instituto, José Caeiro da matta, Direito Criminal Português II, 1911, p. 97 s.: “o instituto da extradição, tornado predominantemente jurisdiccional, dá origem a direitos individuaes”; v. também José Magalhães godinho, «O asilo político e o direito de extradição», ROA 33 (1973), p. 427 s., pugnando “decididamente” pelo “sistema da via judiciária”. Porém, curiosa e algo paradoxalmente, existem hoje esferas de cooperação (e.g., a do MDE) em que a intervenção executiva foi suprimida com o propósito de limitar as possibilidades de recusa – em desfavor, portanto, do extraditando.

12 Em cujo preâmbulo se lia a seguinte assertiva passagem: “O processo de extradição (…) tem obedecido a simples prática administrativa, meramente discricionária, que não garante à pessoa reclamada o exercício de quaisquer direitos, designadamente o de con-trariar o pedido ou, sequer, o de interferir no processo; por outras palavras, não existe a mais elementar garantia do direito de defesa do extraditando. Basta esta circunstância para condenar o sistema e impor a sua abolição”. Para uma análise deste Decreto-Lei, v. Filo-mena delgado, «A extradição», BMJ 367 (1987), p. 62 s.; José António BarreiroS, Manual de Processo Penal, 1989, p. 267 s. Sobre o direito português da extradição anterior a 1975, v., José Caeiro da matta, op. cit., 99 s.; José Magalhães godinho, op. cit., p. 403 s.; António Ber-nardo Colaço, «O procedimento extradicional na óptica do operador judiciário», RPCC 7 (1997), p. 642 s. Para um “enquadramento jurídico-constitucional”, da versão originária da Constituicão à versão vigente, e um “enquadramento infra-constitucional”, do Decreto-Lei n.º 437/75 à LCJ, v. Maria José Rangel de meSquita / Cristina Sousa maChado, Extradic ão e mandado de detenc ão europeu enquanto formas de cooperac ao internacional em materia penal e fiscalizacão da constitucionalidade, 2012, p. 4-13.

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3. Intervenção executiva

3.1. A natureza jurídica da decisão executiva: acto político ou exercí-cio da função administrativa?

A questão colocada justifica com certeza um exame mais profundo e específico do que aquele que cabe fazer neste estudo, pois a resposta comporta consequências relevantes13, mas defenderemos que a decisão executiva que tem lugar no processo de extradição se reconduz ao exer-cício da função administrativa, pelas seguintes razões14.

Como ensina Afonso Queiró, actos políticos e actos administrativos apresentam várias afinidades, entre as quais a de se “refer[irem] a uma si-tuação concreta e momentânea e em regra a indivíduos determinados”15. Do lado das diferenças, e descendo já à nossa questão, impõe-se salien-tar que a decisão executiva é da competência de um “órgão superior do Estado” e que envolve as “relações externas do País”, características em regra associadas à função política16. Porém – partindo da perene distinção traçada por aquele A. –, as circunstâncias de a competência para a sua prática não ser directamente conferida pela CRP e de o seu conteúdo se encontrar em certa medida demarcado por lei ordinária (e.g., pelo art. 46.º, n.º 2 LCJ) impedem terminantemente a sua classifi-cação como acto político17.

Na LCJ encontram-se vários sinais da natureza administrativa des-ta decisão, com destaque para o de a fase em que a mesma se insere surgir assertivamente designada de “fase administrativa” (art. 46.º n.os 1 e 2) e o respectivo processo decisório de “processo administrativo” (art. 48.º). Depois, o art. 24.º, n.º 2 estabelece que a decisão de inde-ferimento deve ser fundamentada, um dever que tende a acompanhar as decisões administrativas (constituindo, aliás, condição da sua vali-

13 A principal delas prender-se-á com as possibilidades de recurso aos tribunais adminis-trativos que eventualmente assistirão ao extraditando caso se impute natureza administrativa à decisão executiva, mas não já caso se lhe impute natureza política (cf. infra, ponto 3.2.b)).

14 Eduardo Correia, Direito Criminal I, 1963, p. 183, refere – embora não perante um contexto normativo concreto, mas de um modo abstracto – que nos sistemas administrati-vos a extradição se configura como “puro acto administrativo do Governo”.

15 Afonso queiró, «A função administrativa», RDES 24 (1977), p. 47.16 Cf. ibidem, p. 46-47.17 Cf. ibidem, p. 47: “O que distingue os actos políticos dos actos administrativos é

representarem o exercício de faculdades directamente conferidas pela Constituição, sem sujeição à lei ordinária, fora, portanto, de qualquer propósito de traduzir, no que respeita ao seu conteúdo, uma actuação concreta, uma volição prévia do legislador ordinário. O con-teúdo dos actos políticos não é fixado ou demarcado por norma de legislação ordinária.”

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dade18), mas não as políticas. Ainda, o art. 46.º, n.º 2 estabelece que os referentes da decisão executiva são “razões de ordem política e de oportunidade ou conveniência”, quando o legislador, se tivesse partido do pressuposto de que ela constitui um acto político, provavelmente não teria sentido a necessidade de atribuir expressamente à entidade competente para a tomar o poder discricionário que se encontra verti-do naquela fórmula19. Por fim, o art. 24.º, n.º 2 LCJ exclui expressamen-te a recorribilidade da decisão de indeferimento, o que também abona a favor da tese da natureza administrativa, pois se o legislador encarasse aquela decisão como política não teria sentido necessidade de explicitar a sua irrecorribilidade: os actos políticos são, inerentemente, insindicáveis (cf. o art. 4.º, n.º 2, al. a) ETAF20).

No caso do indeferimento, a decisão parece mesmo configurar um autêntico acto administrativo – ainda que irrecorrível21 –, na medida

18 Sobre o dever de fundamentação (imposto pelo art. 268.º, n.º 3 CRP, regulado nos arts. 124.º s. CPA e, hoje, também previsto no art. 41.º, n.º 2 CDFUE), a sua particular relevância no contexto do exercício de poderes discricionários – como sucede na decisão executiva (v. infra, o ponto 3.2) – e as consequências da sua inobservância, v. José Carlos Vieira de andrade, O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 1991, pro-pugnando pela anulabilidade; defendendo a nulidade, Mário Esteves de oliveira / Pedro Costa gonçalveS / João Pacheco de amorim, Código do Procedimento Administrativo Comen-tado, 1997, p. 588 s.

19 A existência de poder discricionário pressupõe sempre uma concessão legislativa – cf. Rogério Ehrhardt SoareS, Direito Administrativo I (Lições sem data, dactilografadas para apoio dos alunos do 2.º ano jurídico da Universidade Católica – Centro Regional do Porto), p. 66 e 84-85, afirmando mesmo que “a discricionaridade só tem sentido se for pensada como uma po-sição deliberadamente assumida pelo legislador”. Ora, é isso que acontece com o art. 46.º, n.º 2 LCJ, na parte em que incumbe o Executivo de decidir com base naqueles referentes. De facto, deparamos aí, segundo vemos, com um conceito impreciso tipo: um conceito não apenas indeterminado, mas indeterminável, carecido por natureza de uma conformação discricionária e usado pelo legislador com o exacto propósito de atribuir o poder de a rea-lizar – cf. Rogério Ehrhardt SoareS, Direito Administrativo I..., op. cit., p. 73 s., passim. Sobre as implicações desta indeterminação conceitual, v. ainda infra, neste estudo, o ponto 5.1.2.

20 Cf. José Carlos Vieira de andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 11.ª ed., 2011, p. 52. Mas note-se que há uma margem de justiciabilidade subsistente, pois, nos termos do art. 18.º, n.º 1 CRP, os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias – como é o caso do art 33.º, relativo à extradição – vinculam todas as entidades públicas: cf. José Joaquim Gomes Canotilho / Vital moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada I, 4.ª ed., 2007, p. 379 s. (em especial, as p. 383-384).

21 O facto de a lei estabelecer a irrecorribilidade da decisão de indeferimento desvia-se da regra, que é a da sindicabilidade dos actos administrativos (cf. o art. 268.º, n.º 4 CRP) – cf. José Carlos Vieira de andrade, A Justiça Administrativa..., op. cit., p. 42. O desvio poderá explicar-se pelo intento de evitar que o processo de extradição seja palco de contendas in-terestaduais. De facto, tendencialmente, de um ponto de vista objectivo, o sujeito afectado por uma decisão de indeferimento é um Estado, diversamente do que sucede nas decisões de prosseguimento, em que o sujeito afectado é um indivíduo (mas v., sobre a sindicabi-lidade destas decisões, em seguida no texto). Nesta linha, será pertinente observar que o

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em que, só por si, é apta a produzir os efeitos jurídicos externos para que tende, definindo estavelmente a situação individual e concreta em apreço. Quanto à decisão de prosseguimento (cuja recorribilidade a LCJ não exclui), o STA pronunciou-se já no sentido de que “não é acto administrativo definitivo e executório, susceptível de impugnação contenciosa”22, o que também sugere ter sido entendimento do tribunal que a decisão executiva tem natureza administrativa, devendo-se a sua inimpugnabilidade, simplesmente, à circunstância de não lhe assistirem as tradicionais características da definitividade e da executoriedade23-24.

3.2. Os referentes (político-administrativos) da decisão executiva

3.2.1. É já axiomático que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade. O poder discricionário é, ainda, um poder jurídico, e daí que, além de pressupor uma concessão feita pelo legislador25, se en-contre “sempre teleologicamente ordenado (por uma norma jurídica, também) à prossecução de um certo e determinado interesse”, o qual constitui um seu limite jurídico interno26.

Os interesses a prosseguir variam consoante o domínio jurídico

Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43/91 associava esta irrecorribilidade ao facto de o Gover-no intervir no processo de extradição na veste de “sujeito de relações internacionais”. Em consonância está também a limitada possibilidade de intervenção do Estado requerente nas fases judicial e de recurso do processo de extradição – v. o art. 47.º LCJ; na jurispru-dência, v., relativos ao processo n.º 130/11.3YFLSB, os despachos do STJ de 21-10-2011 e de 13-12-2011, em <www.pgdlisboa.pt>, e, com a maior relevância, o Ac. TC n.º 360/12, de 05-07-2012, em <www.tribunalconstitucional.pt>.

22 Ac. STA de 04-12-1986, processo n.º 023092 (em <www.dgsi.pt>).23 Cf. Rogério Ehrhardt SoareS, «O Acto Administrativo», Sci. Iur. 39 (1990), p. 25 s.24 E, de facto, a decisão de prosseguimento não determina por si só a questão principal

a resolver, ou seja, a de conceder ou não a extradição. Note-se, contudo, que não deixa de ser um pressuposto fundamental desta, e que a decisão judicial que tem lugar após uma decisão administrativa de prosseguimento não versa sobre esta. Com efeito, nunca se trata de o tribunal sindicar o juízo executivo, mas apenas de aplicar o Direito. É certo que muitas das condições normativamente definidas são passíveis de avaliação executiva, mas a sobre-posição de juízos é aparente, pois o judicial cinge-se ao alcance jurídico daquelas condições e o executivo ao seu alcance político-administrativo. Assim, quando, e.g., considere não estarem reunidas as condições para que a extradição seja concedida e, em consequência, a recusar, o tribunal estará apenas a aplicar o Direito, opondo a vinculatividade jurídica dessa recusa à viabilidade político-administrativa da concessão. Daqui resulta também nítida, por outro lado, a diferença entre os poderes de cognição do tribunal judicial no processo de extradição e aqueles que assistiriam a um tribunal administrativo que aí interviesse para sindicância (ainda que limitada) da decisão administrativa.

25 Cf. supra.26 Mário Esteves de oliveira / Rodrigo Esteves de oliveira, Código de Processo nos Tri-

bunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados I, 2004, p. 122. V. Rogério Ehrhardt SoareS, Direito Administrativo I..., op. cit., p. 86, passim.

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em causa e nunca são conceitos puramente abstractos, sendo sempre possível discernir emanações suas nos princípios e normas próprios de cada um desses domínios. Discernidos, desse modo, os interesses a prosseguir, a actividade discricionária estará juridicamente delimitada e, assim, subtraída ao arbítrio.

3.2.2. Os interesses a prosseguir pelo Estado português no domínio da cooperação judiciária internacional em matéria penal estão expres-samente identificados na lei: de acordo com o art. 2.º, n.º 1 LCJ, a cooperação “subordina-se à protecção dos interesses da soberania, da segurança, da ordem pública e de outros interesses da República Portu-guesa, constitucionalmente definidos”.

Embora se trate de conceitos latos e de complexa delimitação, aqueles interesses recebem concretização em vários momentos da LCJ. Particularmente, nas normas que estabelecem causas de recusa da cooperação e da extradição. De facto, admitindo que existe um interesse em cooperar internacionalmente – como é de admitir, se não por melhor razão, porque os Estados necessitam de cooperar para garantirem a realização dos seus próprios interesses em matéria penal, em via reflexa, através do pressuposto da reciprocidade –, o estabelecimento de causas de recusa não pode ser visto senão como um afloramento de outros interesses que o Estado considerou que seriam afectados caso cooperasse. Neste sentido, pode afirmar-se que essas causas de recusa concretizam os interesses a prosseguir pelo Estado em matéria de extradição e a observar pelo Executivo no exercício de poder discricionário que aí realiza. Esta conclusão, de resto, encontra- -se em plena consonância com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, que declarava a possibilidade de o Governo apreciar a generalidade das causas de recusa aí previstas27.

3.2.3. A conclusão parece esbarrar na insindicabilidade da decisão executiva (vimos que as decisões de indeferimento são irrecorríveis por imposição da lei e que as decisões de prosseguimento são insindicá-veis por falta de definitividade e executoriedade): como se pode, neste contexto, apurar se a decisão executiva observou os limites jurídicos internos que a condicionavam?

O facto de a decisão executiva ter natureza administrativa, articula-

27 Determinar se existe algum caso em que essa apreciação esteja vedada é uma questão que acompanhará o § 3, infra.

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do com o facto de ser admissível a ocorrência de uma segunda inter-venção executiva, permite mitigar essa aparente incompatibilidade, nos seguintes termos. Se uma segunda intervenção ocorrer e se traduzir numa decisão de indeferimento, é indiscutível que a mesma é, também, irrecorrível, em razão do art. 24.º, n.º 2 LCJ28. Mas sempre que o Exe-cutivo não intervier uma segunda vez de modo espontâneo, o extradi-tando poderá requerer-lhe que o faça no sentido de indeferir o pedido. Se o Executivo rejeitar o requerimento do extraditando, este poderá recorrer aos tribunais administrativos29.

3.2.4. Por fim, sublinhe-se que não é só com base em interesses concretizados em causas de recusa que o Executivo pode tomar decisões de indeferimento. Na verdade, ele pode fazê-lo com base em quaisquer circunstâncias político-administrativas contendentes com os interesses gerais acima referidos – e.g., a de o Estado requerente se encontrar a participar numa guerra ilegítima, ou, independentemente disso, contra o Estado português ou aliados seus; ou mesmo com base em circunstâncias de índole económica30. Deste modo, o Executivo pode indeferir, virtualmente, qualquer pedido de extradição que seja dirigido ao Estado português31.

4. Intervenção judicial

4.1. Os referentes (normativos) da decisão judicial

O art. 46.º, n.º 3 LCJ dispõe que a fase judicial se destina a decidir “sobre a concessão da extradição por procedência das suas condições de forma e de fundo”. Ou seja, a fase judicial destina-se a apurar as condições normativas que é necessário verificarem-se para que a extra-dição seja concedida. Dizendo do modo contrário, ela destina-se a ve-rificar a inexistência de obstáculos normativos à extradição. Esse apu-ramento é feito pelo tribunal em estrita vinculação ao direito, de modo

28 Cuja teleologia (v. supra) se aplica inteiramente a segundas intervenções do Executivo.29 Cf. arts. 37.º s. e 46.º s. CPTA.30 Neste sentido, explicitamente, Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves mar-

tinS, Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal. Comentários, 1992, p. 24.31 Mas v. Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 24, enfa-

tizando a função restritiva cumprida pela exigência de que os interesses em causa tenham assento constitucional (art. 2.º, n.º 1 LCJ) e considerando que a mesma “concorre para limitar, apesar de tudo, eventuais tendências para uma interpretação demasiado lata e não razoável do preceito”.

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“concreto-judicativo”32, sem intercessão de juízos de oportunidade33.Refira-se que, entre nós, não se admite qualquer prova – sequer

sumária – dos factos imputados ao extraditando (art. 46.º, n.º 3, in fine, LCJ)34. O que não significa, obviamente, que não seja admissível prova

32 Nessa mesma acepção oferecida e dilucidada por António Castanheira neveS, Meto-dologia Jurídica, 1993, p. 155 s.; idem, «Entre o «legislador», a «sociedade» e o «juiz» ou entre «sistema», «função» e «problema» – Os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do direito», BFDUC 74 (1998), p. 40, passim.

33 A título de exemplo, v. os Acs. TRL de 14-12-1993, processo n.º JTRL00011862, de 21-05-1996, processo n.º JTRL0007519, e de 06-09-1999, processo n.º JTRL00025542, em <www.dgsi.pt>, afirmando que, quando não houver dúvidas sobre a identidade do requeri-do e se verificarem os requisitos materiais e formais previstos na lei, “a extradição deve ser decretada” – mesmo no caso de alargamento do âmbito da extradição para satisfação do princípio da especialidade (assim, o Ac. TRL de 29-03-1993, processo n.º JTRL00011222, idem.

34 No plano comparado, o Reino Unido, quase isoladamente, exige que o Estado re-querente prove um “prima facie case” – sobre este sistema, v. Geoff gilBert, Transnational Fugitive Offenders in International Law. Extradition and Other Mechanisms, 1998, p. 119 s.; Bruce ZagariS, «Procedural Safeguards and Evidentiary Requirements», RIDP 62 (1991), p. 75 s.; David J. Bentley, «Procedural Safeguards and Evidentiary Requirements: The Common Law Approach», RIDP 62 (1991), p. 349 s. Diversamente, nos Estados Unidos da América vigora uma “rule of non-enquiry” semelhante à vertida na citada norma da LCJ, mas que vincula apenas o tribunal, podendo o Executivo recusar a extradição com base em manifes-ta insuficiência probatória (embora isso não conste ser prática habitual) – assim, M. Cherif BaSSiouni, «Extradition. The United States Model», op. cit., p. 469 s.

Tendo em conta que o art. 46.º, n.º 3 LCJ respeita apenas à fase judicial, cremos que – em termos idênticos aos que se verificam nos EUA – assiste ao nosso Executivo um poder-dever de recusar a extradição quando, ao abrigo da discricionariedade de que dispõe (cf. supra, ponto 3.2), considerar a dita insuficiência probatória manifesta ao ponto de a concessão da extradição se revelar, nesse caso, ofensiva da ordem pública internacional do Estado português. Vai mais longe – e cremos que com razão – Jorge de Figueiredo diaS, «Algumas questões em tema de extradição e de sede do crime [anotação]», RLJ 118 (1985), p. 15 s., ao sustentar que, em certos casos, a recusa se impõe ao próprio tribunal, o que ilustra com a seguinte hipótese: “Suponhamos, por um momento, que em um certo domingo, perante os olhares de dezenas de milhares de espectadores (ou de milhões de tele-espectadores), um conhecido futebolista faz uma portentosa exibição num estádio lisboeta. E que, tempos depois, um órgão de perseguição da pátria do executante dirige às autoridades portuguesas um pedido de extradição, invocando que, no dia e hora em que a performance daquele futebolista se realizava, ele havia cometido um crime de furto ou de homicídio na sua pátria. Pode admitir-se que um tal pedido viesse a ser deferido por um tri-bunal português, num processo judicial, com a alegação do dispositivo contido na parte final do artigo 24.º do Decreto-lei n.º 437/75, de 16 de Agosto? A resposta não poderá deixar de ser – e aqui sim, obviamente – negativa”. O A. conclui pela existência de “um limiar mínimo abaixo do qual não se poderia falar nem em fase judicial, nem, no fim de contas, em tribunal, no sentido que a esta expressão é conferido pelo artigo 205.º da Constituição”.

Refira-se que há quem defenda que a apreciação da base probatória do pedido de extradição, ainda que sumária, deveria ser encarada como um direito fundamental do ex-traditando – sobre a questão, v. Nicholas kaSirer, «Defenses, Exceptions and Exemptions to Extradition», RIDP (62) 1991, p. 97 s.; Steven luBet, «The Political Offence Exception», RIDP (62) 1991, p. 103 s.; Bert SWart, op. cit., p. 239 s. Entre nós, v., sem prejuízo das ob-servações já referidas, Jorge de Figueiredo diaS, «Algumas questões em tema de extradição

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tendente a determinar se os pressupostos de que depende a extradi-ção se encontram ou não reunidos – e.g., se o facto foi ou não, total ou parcialmente, cometido em território nacional35. Só não é admitida, sublinhe-se, a prova dos factos imputados, proibindo-se desse modo uma espécie de julgamento sumário antecipado do extraditando36 – uma proibição que faz do nosso sistema de extradição aquilo que, com Edu-ardo Correia, poderemos designar de “sistema judiciário formal”37.

4.2. Tramitação comum e tramitação simplificada: a indispensabili-dade da verificação judicial dos pressupostos da extradição

A intervenção judicial segue trâmites diferentes consoante o extra-ditando, na audição que lhe é feita num momento inicial pela autori-dade judicial, consinta na sua extradição ou se lhe oponha (art. 54.º LCJ)38: se nela consentir, a tramitação será simplificada; se se lhe opuser, o juiz aprecia os fundamentos dessa oposição e o processo segue uma tramitação comum.39

Porém, em qualquer dos casos, incontornavelmente, o tribunal procede a uma verificação dos pressupostos da extradição:

- Na tramitação comum (arts. 55.º s. LCJ), o processo é facultado ao defensor do extraditando para que indique meios de prova e deduza

e de sede do crime [anotação]», RLJ 118 (1985), p. 17, considerando que o intento de evitar a transformação do processo de extradição num pré-julgamento – “tanto mais inconve-niente quanto, nesta fase, se tem que ver com indícios probatórios, não com a prova que pode justificar uma condenação penal” – justifica a proibição de sindicância da base probatória do pedido. A esta razão, que pode considerar-se interna, acresce, segundo cremos, a de que, quando os factos não apresentam qualquer conexão com o ordenamento do Estado requerido, tal sindicância é difícil de compaginar com os princípios de não ingerência e respeito mútuo que regem no direito internacional.

35 Categoricamente, Jorge de Figueiredo diaS, «Algumas questões em tema de extradi-ção e de sede do crime [anotação]», RLJ 117 (1985), p. 340-349 e RLJ 118 (1985), p. 14-19, em anotação ao Ac. STJ de 21-12-1983.

36 No mesmo sentido, Jorge de Figueiredo diaS, «Algumas questões em tema de extra-dição e de sede do crime [anotação]», RLJ 118 (1985), p. 16.

37 Eduardo Correia, op. cit., p. 187, distinguindo-o do “sistema judiciário material”, em que se exige uma prova, ainda que sumária, dos factos imputados.

38 Sobre a questão do consentimento, v. António Miguel veiga, «Da relevância da vontade do visado na extradição passiva e na execução do mandado de detenção europeu: a solução portuguesa», RPCC 22 (2012), p. 597 s.

39 Merece referência a possibilidade de existir um procedimento pré-extradicional – sobre ele, v. Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 62; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, 4.ª ed., 2008, p. 383 s. Em geral, v. Mario PiSani, «Extradition et Détention Provisoire Injustifiée», RIDP 62 (1991), p. 49 s. Com interesse, v. também Eduardo Ema-noel Dall’Agnol de SouZa / Rafael Serra oliveira, «Sobre a detenção e as medidas de coa-ção no processo de extradição e no mandado de detenção europeu», em vias de publicação.

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por escrito oposição ao pedido (a qual só pode basear-se em o detido não ser a pessoa reclamada ou, precisamente, “em não se verificarem os pressupostos da extradição”), após o que o tribunal faz uma verificação transversal dos pressupostos da extradição (não apenas dos contesta-dos pelo defensor, mas de todos eles, oficiosamente);

- Na tramitação simplificada (art. 40.º LCJ), o juiz tem igualmente de “verifica[r] se estão preenchidas as condições para que a extradição possa ser concedida”. Assim – e tendo em conta que o consentimento do extraditando não logra afastar as (várias) causas de recusa que, pelo menos parcialmente, visam proteger interesses públicos40 –, constata-se que esta tramitação não resulta tão mais “simplificada” assim do que a comum: as condições que o consentimento do extraditando é inidóneo a afastar terão sempre de ser objecto de uma análise detida por parte do tribunal41.

4.3. Pressupostos formais

Os pressupostos formais da extradição são no essencial os constan-tes dos arts. 23.º e 44.º LCJ (cumulativamente), relativos ao conteúdo e instrução dos pedidos.

Embora estes pressupostos sejam judicialmente sindicáveis, a pri-meira apreciação de que são objecto tem lugar num momento proces-sual bem anterior: logo após o recebimento do pedido, pela Procura-doria-Geral da República (PGR), que está incumbida de verificar a sua “regularidade formal” antes de o submeter a apreciação do Ministro

40 Há causas de recusa que visam mais directamente acautelar interesses do Estado e outras interesses do extraditando. Porém, esta distinção não pode ser vista de modo estan-que. Na verdade – e, diremos, em consequência da mudança de paradigma que em tempos recentes se verificou no direito da extradição (cf. supra, ponto 2) –, independentemente de visarem proteger em primeira linha uns ou outros interesses, a generalidade das causas de recusa protege-os em simultâneo: cf. Christine van den Wyngaert, «The Political Offen-se Exception to Extradition: How to Plug the ‘Terrorist’s Loophole’ Without Departing from Fundamental Human Rights», RIDP 62 (1991), p. 291 s.; Bert SWart, «Human Rights and the Abolition of Traditional Principles», 1996, p. 257. Na jurisprudência, expressando este entendimento a partir do princípio da especialidade, v. o Ac. STJ de 13-12-2007 (em <www.dgsi.pt>).

41 Assim, Pedro Caeiro, Lições (não publicadas) da cadeira de Direito Processual Pe-nal, 2.º Ciclo de Estudos em Direito da FDUC, 2008/2009. V. porém António Miguel veiga, op. cit., p. 601, que, acentuando aspectos de índole adjectiva – sc., os de que “a válida expressão do consentimento é irrevogável e tem a óbvia consequência procedimental de ‘obliterar’ a fase de oposição ao pedido de extradição e a inerente faculdade de requeri-mento de diligências probatórias a impulso do extraditando, com o dispêndio de esforços e tempo a tal fase sempre conatural” –, conclui que “tal simplificaçao acaba por ser efectiva e não meramente aparente”.

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da Justiça (art. 48.º, n.º 1 LCJ). Assim, os pedidos que cheguem à fase judicial estarão em princípio isentos de vícios de forma.

De todo o modo, quando o pedido estiver incompleto ou não vier acompanhado dos elementos suficientes para sobre ele se decidir, a “autoridade competente [sc., a PGR ou o tribunal, consoante a fase] pode exigir que o pedido seja modificado ou completado” (arts. 23.º, n.º 3 e 45.º, n.º 1 LCJ). Se tal exigência não for satisfeita, o processo pode ser arquivado, mas, ainda aí, mantém-se a possibilidade de pros-seguir, bastando, para isso, que a dita modificação ou completação seja feita (art. 45.º, n.º 2 LCJ). Portanto, a irregularidade formal do pedido nunca pode impedir, senão diferir, a concessão da extradição. Os vícios formais do pedido de extradição constituem, pois – poderá dizer-se, recorrendo ao léxico civilístico –, excepções dilatórias.

4.4. Pressupostos substanciais

Os pressupostos substanciais da extradição são constituídos, a con-trario, pelo conjunto de circunstâncias definidas na LCJ cuja verificação constitui os tribunais num dever ou faculdade de a rejeitar de modo peremptório. Essas circunstâncias designam-se usualmente de causas de recusa da extradição ou de obstáculos à extradição.

Por serem em simultâneo objecto das intervenções executiva e ju-dicial (tendencialmente), trataremos dessas causas de recusa no ponto autónomo que segue, onde, a seu propósito, faremos mais algumas ob-servações acerca daquelas intervenções.

5. O universo de causas de recusa da extradição

Os arts. 6.º s. LCJ definem um conjunto de causas de recusa que obstam quer à extradição quer às demais formas de cooperação regula-das na LCJ42 e que, por isso, se designam de causas gerais de recusa. Por seu turno, os arts. 31.º s. LCJ estabelecem um conjunto de causas de recusa que obstam apenas à extradição e que, por isso, se dizem causas específicas de recusa. Posto que a única forma de cooperação de que nos ocupamos neste estudo é a extradição, analisaremos indistintamente as causas de recusa dos dois conjuntos.

Dentro do universo de causas de recusa, impõe-se distinguir entre

42 Sc., transmissão de processos penais, execução de sentenças penais, transferência de pessoas condenadas a penas ou medidas de segurança privativas da liberdade, vigilância de pessoas condenadas ou libertadas condicionalmente e auxílio judiciário mútuo em matéria penal (art. 1.º).

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aquelas cuja verificação determina ipso iure a recusa de cooperação e que, por isso, se dizem causas de recusa obrigatória, e aquelas cuja veri-ficação não determina a recusa, fazendo apenas emergir uma opção de recusar, e que, por isso, se dizem causas de recusa facultativa.

5.1. Causas de recusa obrigatória

5.1.1. Apreciação judicial

As causas de recusa obrigatória são objecto de decisão judicial43 e a verificação de uma dessas causas constitui o tribunal no dever de recu-sar. Assim, a inexistência de causas obrigatórias de recusa é condição necessária para que a extradição seja concedida.

5.1.2. Apreciação político-administrativa

Como vimos, na medida em que contendam com interesses pú-blicos a prosseguir em sede de extradição passiva, as circunstâncias constitutivas de causas de recusa obrigatória são igualmente passíveis de

apreciação político-administrativa.A questão a colocar é, pois, a de saber se o Executivo também está

vinculado a recusar a extradição quando, sob o prisma político-admi-nistrativo a partir do qual avalia o pedido, considerar verificada uma determinada causa de recusa obrigatória (ou, nos termos vistos, qual-quer outra circunstância que ponha em causa os interesses públicos a salvaguardar no processo de extradição passiva).

A resposta deve ser afirmativa. A letra da lei aponta nesse sentido quando estabelece que a fase executiva se destina a apreciar se o pedido “deve ser liminarmente indeferido”: art. 46.º, n.º 2 LCJ. Depois, e so-bretudo, o legislador utilizou como técnica de concessão de poder dis-cricionário a inclusão de um conceito indeterminado tipo (“razões de ordem política ou de oportunidade ou conveniência”) na hipótese da norma de concessão, o que significa que a discricionariedade atribuída se cinge à determinação do conteúdo dessa hipótese: o que entender por existência de razões daquela ordem44. Já no que respeita à estatui-ção (sc., o indeferimento liminar do pedido), não há discricionariedade, mas vinculação. Ou seja: se o Executivo considerar discricionariamente existirem razões daquela ordem, está vinculado a recusar a extradição.

43 A única excepção é constituída pela causa de recusa “ausência de reciprocidade”, que é exclusivamente objecto de decisão executiva: cf. infra, § 3., ponto 2.5.

44 Cf. Rogério Ehrhardt SoareS, Direito Administrativo I..., op. cit., p. 73 s., passim.

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Por fim, esta interpretação parece ser a que melhor se coaduna com a circunstância, há muito salientada pela doutrina administrativista, de que a discricionariedade não pode conceber-se como uma escolha livre de uma entre várias alternativas – decisão discricionária legítima é uma só: aquela que melhor realizar os interesses públicos em vista de cuja prossecução a discricionariedade foi atribuída45. Deste modo, sempre que “existirem razões de ordem política ou de oportunidade ou con-veniência” que justifiquem a recusa da extradição (e.g., a ausência de reciprocidade), o Executivo tem o dever de a recusar a extradição.

Concluindo, a intervenção executiva configura um poder-dever, cujo exercício, quando se traduza numa decisão de prosseguimento, poderá ser sindicado perante os tribunais administrativos, nos termos expostos anteriormente46.

5.2. Causas de recusa facultativa: intervenção judicial e intervenção executiva?

Ao contrário do que sucede nas causas de recusa obrigatória, nas causas de recusa facultativa a verificação da respectiva circunstância constitutiva – e.g. a de existir um processo pendente ou uma possibili-dade ou dever de instaurar um processo pelos factos que fundamentam o pedido (art. 18.º, n.º 1 LCJ) – não impõe a recusa do pedido, fazendo apenas emergir uma faculdade de recusar. Nisto se cifra a natureza facultativa destas causas de recusa: verificando-se a sua circunstância constitutiva, o pedido tanto pode ser recusado (com base nessa verifi-cação) como aceite (apesar dessa verificação). Estas causas de recusa são, assim, objecto de uma apreciação diferente da que tem lugar quan-to às causas de recusa obrigatória, integrando, para além do juízo sobre se a respectiva circunstância constitutiva se verifica, uma específica de-cisão entre basear nela a recusa do pedido ou não47.

Esta específica decisão levanta duas questões essenciais – saber em que critérios se baseia e quem tem competência para tomá-la – que se in-terligam: só é concebível que uma faculdade de recusa seja exercida por um tribunal se a lei oferecer critérios cuja aplicação possa conduzir

45 Ibidem, p. 70 s. e 86.46 Supra, no ponto 3.2.2.47 Por outro lado, Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 73,

instam a ter presente que “o diferente grau de injunção [entre causas de recusa obrigatória e facultativa] se refere ao motivo que fundamenta a recusa e não ao próprio acto de con-ceder ou negar a extradição, o qual (...) tem sempre carácter facultativo (cf. art. 2.º, n.º 3)” (interpolação nossa).

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Tese de Mestrado

à recusa; e só é concebível que seja exercida pelo Executivo se a res-pectiva circunstância constitutiva for passível de apreciação político--administrativa (por se reconduzir a um interesse público a prosseguir em matéria de extradição passiva). Assim, para além de se interligarem, estas questões só podem ser respondidas em relação a cada causa de recusa facultativa concreta, o que pressupõe a sua análise.

5.3. Pressuposto comum: verificação da circunstância constitutiva

5.3.1. O título que antecede mostrou já que tanto no caso de causas de recusa obrigatória como nas de recusa facultativa a recusa só poderá ser legitimamente determinada se a hipótese da norma que estabelece a causa de recusa (i.e., a sua circunstância constitutiva) estiver, de facto, preenchida.

Para um exemplo de causa de recusa obrigatória: o Estado só pode recusar a extradição com base na extinção do procedimento penal (art. 8.º, n.º 1, al. c) LCJ) se este efectivamente se encontrar extinto.

Para um exemplo de causa de recusa facultativa: o Estado só pode recusar a extradição com base em os factos constantes do pedido se-rem, ou poderem ou deverem ser, objecto de processo penal (art. 18.º, n.º1 LCJ) se estes efectivamente o forem, ou puderem ou deverem ser.

E isto é válido tanto em relação à decisão judicial (obviamente, pois esta baseia-se em referentes normativos) como em relação à do Execu-tivo, pois uma decisão baseada numa norma jurídica pressupõe sempre (mesmo no domínio da discricionariedade) que a respectiva hipótese esteja preenchida (cf. o ponto seguinte)48.

Porém, no caso de a recusa ser decidida pelo Executivo, esbarra--se – aqui, sim, insuperavelmente – na sua irrecorribilidade: ainda que a recusa seja ilegítima naqueles termos, não é possível que o Estado re-querente reaja contra ela. Aflora aqui uma dimensão política que impõe a classificação da decisão executiva como acto administrativo sui generis.

5.3.2. Por outro lado, impõe-se abordar a hipótese de a circunstância constitutiva da causa de recusa configurar uma “questão de direito”. Esta abordagem visará, primacialmente, firmar a compatibilidade do juízo do Executivo com essa hipótese. Uma vez firmada, essa conclu-são reforçará ainda, sem que seja necessária ulterior explicitação, duas

48 Recorde-se que é possível saber o fundamento de direito em que se baseou a inter-venção executiva a partir da respectiva fundamentação (cf. os arts. 24.º, n.º 2 LCJ e 124.º e 125.º, n.º 1 CPA).

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ideias já apresentadas: a de que nunca há uma sobreposição de juízos entre o executivo e o tribunal e a de que a intervenção do Executivo pode efectivamente versar sobre a generalidade das causas de recusa.

Pretende-se essencialmente evitar o equívoco de que somente deci-sões jurisdicionais podem versar sobre “questões de direito”. De facto, como ensina Rogério Ehrhardt Soares, para além de a Administração estar, em geral, “obrigada a resolver uma questão de sentido da norma, no que está colocada a par do juiz”49, no domínio (que é o da intervenção do Executivo no processo de extradição) do poder discricionário, está ainda obrigada a resolver uma “questão de alcance”50. O A. explana então, com distinta clareza, que: “No primeiro momento, descobre o fim da norma, que está implícita ou explicitamente proposto, mas é sempre um dado heterónomo ao agente; no segundo extrai, com uma autono-mia que é querida, o conteúdo do seu acto, preenchendo o comando legal, na consideração das circunstâncias únicas daquela situação da vida. Não se lhe pede um trabalho de subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado; exige-se-lhe uma tensão criadora do direito do caso concreto”51.

Já de uma perspectiva de confronto entre as funções administra-tiva e judicial, expõe Afonso Queiró que a caracterização de um acto como jurisdicional pressupõe, mas não se basta com a circunstância de o mesmo versar sobre uma “questão de direito”: “[O] quid specificum do acto jurisdicional reside em que ele não apenas pressupõe mas é necessariamente praticado para resolver uma «questão de direito». Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de uma situação-de-facto traduzi-da numa «questão de direito» (na violação do direito objectivo ou na ofensa de um direito subjectivo), se actua, por força da lei, para se conseguir a produção de um resultado prático diferente da paz jurídica decorrente da resolução dessa «questão de direito», então não estare-mos perante um acto jurisdicional; estaremos, sim, perante um acto administrativo”52. E ainda: “As «questões de direito», neste caso [sc., de actos administrativos] (...), desempenham o papel de uma qualquer ou-tra circunstância ou situação concreta, entre as que, segundo a lei, justi-ficam a iniciativa da Administração e dão oportunidade à sua acção”53.

49 Rogério Ehrhardt SoareS, Direito Administrativo I..., op. cit., p. 86.50 Ibidem.51 Ibidem.52 Afonso queiró, op. cit., p. 31.53 Ibidem, p. 30-31 (interpolação nossa).

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Tese de Mestrado

Aplicando estes ensinamentos ao objecto do nosso estudo, verifica--se que a intervenção do Executivo, mesmo quando depara com uma “questão de direito” – como sucede com várias causas de recusa (na-tureza da infracção, ausência de dupla incriminação, etc.54) –, não visa a sua resolução. Apenas a assume como situação-de-facto cuja verificação dá oportunidade à sua acção – à semelhança do que sucede com qualquer outra circunstância –, sendo que o resultado prático que esta acção visa conseguir é a salvaguarda dos interesses públicos relevantes em matéria de extradição (soberania, segurança, ordem pública, etc.).

Já a intervenção judicial, para além de igualmente dever resolver cada questão de facto e de direito com que depare – o que faz por refe-rência às condições normativas, de forma e de fundo, prescritas –, visa necessariamente resolver a “questão jurídica” que é a concessão ou não da extradição (cf. o art. 46.º, n.º 3 LCJ). É para resolver essa “questão de direito”, e não para, a seu pretexto, conseguir produzir algum resul-tado prático, que existe a intervenção judicial.

6. Conclusão: decisão de dedere aut non dedereA aferição das várias condições – formais e substanciais, jurídicas e

político-administrativas – a que é necessário proceder quando se rece-be um pedido de extradição é uma operação complexa, que supõe uma detalhada análise de cada pedido decidendo55.

Continuaremos a dissecar essas condições ao longo deste estudo, mas podemos já afirmar que elas constituem um todo. São elementos que convergem num processo ordenado para uma decisão final una, que só pode ter como desfecho a concessão ou a recusa da extradição e que, por isso, pode ser designada de decisão de dedere aut non dedere.

54 Na verdade, as circunstâncias constitutivas da generalidade das causas de recusa envolvem o apuramento de uma questão jurídica, o que significa que uma interpretação diversa da defendida negaria ao Executivo a possibilidade de recusar a extradição com base na generalidade das causas de recusa previstas da LCJ, ao contrário do que proclamara o Decreto-Lei 43/91.

55 Nas trabalhadas palavras do STJ, em Ac. de 31-03-2011, processo n.º 22/11.6YRE-VR.S1, em <www.dgsi.pt>, uma “cuidada equação das circunstâncias do caso vertente”.

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§ 2. A decisão de extraditar ou julgar (dedere aut judicare) – Corte horizontal: as relações entre a extradição e a jurisdição sancionatória e de execução das reacções criminais

1. A teleologia da extradição

A efectivação da responsabilidade penal de uma pessoa por parte de um Estado desdobra-se em duas vertentes essenciais: a realização de um processo penal (que, por sua vez, inclui quer a instauração de um processo quer a continuação de um processo já instaurado) e a execu-ção de uma sentença penal56.

Essa efectivação, em qualquer daquelas vertentes, depende, em regra, da presença da pessoa no território do Estado57. Para suprir a eventual ausência da pessoa, os Estados dispõem do instituto da extradição58, que não constitui um fim em si mesmo, mas um meio dirigido teleolo-gicamente àquela efectivação59-60.

56 Cf., e.g., José Caeiro da matta, op. cit., p. 98; Eduardo Correia, op. cit., p. 183; António Manuel Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 65; Christopher L. BlakeSley, «The Autumn of the Patriarch: The Pinochet Extradition Debacle and Beyond- Human Rights Clauses Compared to Traditional Derivative Protections Such as Double Crimina-lity», JCL&C 91 (2000), p. 15.

57 Há duas excepções. Uma, quanto à vertente da realização de processo: o julgamento in absentia – mas, nesta hipótese, se houver condenação, sobrará, em regra, por realizar a vertente da execução da sanção aplicada. Outra, quanto a esta vertente: os casos em que a pena aplicada não pressupõe a presença da pessoa no Estado da execução (maxime, uma pena de multa) – mas, nesta hipótese, normalmente, a extradição não pode ter lugar, dada a reduzida relevância da sanção (cf. o art. 31.º, n.º 4, LCJ; v. infra, no § 3., o ponto 2.8).

58 A extradição não é a única forma de cooperação que pressupõe a transferência física de uma pessoa, mas é a única em que esse acto visa a efectivação da sua responsabilidade penal. De facto, a transferência de pessoas condenadas também envolve aquele acto, mas não visa esta efectivação. A extradição visa realizar interesses punitivos dos Estados – daí ser coercível. Já a transferência, em que esses interesses estão já, total ou parcialmente, realizados (pois a pessoa já foi julgada e a pena está já em execução ou em condições de ser executada), visa favorecer a ressocialização da pessoa – daí depender do seu consentimento e poder ser desencadeada a seu pedido (arts. 114.º e 115.º, n.º 3 LCJ).

Por outro lado, a extradição também não é a única forma de cooperação que visa a efectivação da responsabilidade penal – esse é igualmente o desígnio da transmissão de processos penais (arts. 79.º s. LCJ) e da execução de sentenças penais (arts. 95.º s. LCJ) –, mas é a única que, para tanto, pressupõe a transferência física de uma pessoa, que aquelas, em regra, não envolvem.

59 Reconduzindo a cooperação internacional em matéria penal ao conceito de “jurisdi-ção adjuvante”, v. Pedro Caeiro, Fundamento, Conteúdo e Limites da Jurisdição Penal do Estado. O Caso Português, 2010, p. 43.

60 Esta efectivação, embora constitua já um fim em si mesmo, não constitui ainda o fim último: fim último será aquele que a aplicação de sanções penais deva prosseguir: retribui-ção, prevenção, etc. – v. Edward M. WiSe, «Extradition: The Hypothesis of a Civitas Ma-xima and the Maxim Aut Dedere Aut Judicare», RIDP 62 (1991), p. 109. Porém, a finalidade

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Do facto de a extradição visar a efectivação da responsabilidade penal de uma pessoa por parte de um Estado deduz-se que só deve-rá haver extradição se esse Estado reunir as demais condições neces-sárias para que a mesma tenha lugar. Desde logo, a de ter “jurisdição sancionatória” ou “jurisdição de execução das reacções criminais”61, consoante o pedido de extradição vise, respectivamente, a primeira ou a segunda vertentes referidas62. Neste sentido, pode afirmar-se que há um princípio de dependência da extradição relativamente à existência de jurisdição63.

das penas é uma questão incindível de “toda a intervenção penal estadual” – Jorge de Fi-gueiredo diaS, Direito Penal I, 2.ª ed., 2007, p. 44. Daí que se nos afigure válido afirmar que a efectivação da responsabilidade penal (que é expressão dessa intervenção) constitui já, em si mesma, um fim, conceitualização que se justifica ainda pelo facto de, na extradição, o desencontro entre os ordenamentos jurídico-penais dos Estados requerente e requeri-do quanto aos fins das penas nunca se traduzir de modo directo na recusa. V., todavia, o Ac. TRL de 17-11-2011, processo n.º 759/11.0YRLSB-3, em <www.dgsi.pt>, afirmando que: “São razões de prevenção geral de integração que justificam a aplicação das penas e não finalidades de retribuição e expiação. Na situação dos autos, alcançada que está a paz jurídica, a necessidade de cumprimento da pena por parte do Extraditando não se justifica a não ser por critérios de mera expiação que não tem agasalho na lei substantiva penal por-tuguesa (cf. art. 40.º, n.º1 do CP)”. Contudo, em si mesma, esta consideração não serviu, como não poderia, de fundamento à recusa, mas apenas para enfatizar a verificação da causa de recusa “ausência de garantias processuais no Estado requerente”.

Para uma reflexão sobre “[the] close linkage between extradition and criminal law policy”, v. Daniel H. derBy, «Comparative Extradition Systems», RIDP 62 (1991), p. 54.

61 Estas designações e os conceitos que expressam pertencem a Pedro Caeiro, Fun-damento…, op. cit., p. 17 s., p. 41 s., passim. A bem da clareza desta parte do nosso estudo, apresentamos uma breve síntese da conceitualização, a que aderimos. O A. começa por definir jurisdição penal como o “poder legítimo [perante o direito internacional] de deter-minar (em abstracto e em concreto) as condutas criminalmente relevantes” e desdobra-a em duas concretizações: a jurisdição prescritiva (“o poder do Estado, ou de outra entidade legitimada para tanto, de decidir sobre as normas que ameaçam certas condutas com san-ções penais e de definir o seu âmbito de aplicabilidade”); e a jurisdição judicativa (“o poder de definir juridicamente determinada situação concreta através da efectiva aplicação das normas pertinentes pelos órgãos legitimados para tanto”). O último conceito, por sua vez, inclui: a jurisdição sancionatória (“o poder de conhecer da violação das normas penais subs-tantivas titulado pelo Ministério Público e pelos tribunais, com vista à eventual aplicação das reacções ali previstas ao agente”); a jurisdição adjuvante (“o poder-dever de prestar auxílio judiciário em matéria penal a outros Estados ou entidades internacionais)”, na qual se in-clui a extradição; a jurisdição de execução das reacções criminais (“o poder-dever de tomar certas decisões relativamente à situação de um condenado”); e, por fim, a jurisdição de protecção (“categoria residual que consiste no poder-dever de tomar decisões em matéria penal não incluídas nas anteriores, legalmente reservado aos tribunais para uma melhor protecção dos direitos individuais”).

62 V. Eduardo Correia, op. cit., p. 184, referindo que “[a] extradição pode ser pedida por todo o Estado que, segundo as leis da competência internacional, deve punir determinado facto”.

63 V. José de Faria CoSta, Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta iuris poenalis), 2007, p. 105, afirmando que “o Estado que requer a extradição (…) necessariamente terá

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2. Extradição activa (breve exame)

2.1. Do lado da extradição activa, aquele princípio de dependência determina a impossibilidade de um Estado requerer a extradição se não tiver jurisdição sobre os factos: como é natural, se um Estado não de-tém o poder necessário para efectivar a responsabilidade penal de uma pessoa, não há fundamento para que requeira a sua extradição.

Decerto abraçando esse entendimento, o legislador da LCJ, numa das parcas disposições que dedica à extradição activa, estabelece que ao Estado português (concretamente, ao Ministro da Justiça) compete “formular pedido de extradição de pessoa contra a qual exista processo pendente em tribunal português ao Estado estrangeiro em cujo territó-rio ela se encontra” (art. 69.º, n.º 1). O preceito não diz explicitamente que só nesse caso pode ser feito um pedido de extradição, mas é desse modo que deve ler-se, pois para além da teleologia já vista, um suple-mentar elemento hermenêutico votaria ao absurdo interpretação diver-sa: o art. 33.º CPP estabelece que “[s]e para conhecer de um crime não forem competentes os tribunais portugueses, o processo é arquivado”, o que significa que, se a leitura correcta não fosse a que apontámos, se-ria possível o Estado pedir a extradição de uma pessoa e, acto contínuo, ter o dever de arquivar o processo.

2.2. No entanto, a norma da LCJ citada suscita algumas questões.

2.2.1. Uma delas, menor, prende-se com o facto de a norma estar construída por referência ao agente e não, como deveria, aos factos. Na verdade, porém, o pedido não pode referir-se a outros factos que não os que são objecto do processo, sob pena de dissonância com a con-cepção do nosso direito penal como um direito “do facto”64, por um lado, e com o princípio da especialidade (cf. o art. 16.º LCJ ), por outro.

2.2.2. Outra constelação de dúvidas, a nosso ver mais relevantes, prende-se com o significado a atribuir ao inciso “processo pendente” – em especial, com a questão de saber se nele se incluem tanto a jurisdição de execução das reacções criminais como a sancionatória (e ainda se se

de ter competência para punir de acordo com a sua lei nacional”; v. também Henri Don-nedieu de vaBreS, Supplément au Traité élémentaire de droit criminel et de législation pénale comparée: 2e édition… Le Droit pénal du Gouvernement provisoire de la République française, 1946, p. 878. Na jurisprudência, esta visão parece ser tacitamente perfilhada pelo Ac. TC n.º 360/2012, cit., ponto II.7.

64 Cf. Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal I, op. cit., p. 221.

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incluem as duas dimensões desta última).Vimos que a extradição visa a efectivação da responsabilidade penal

de uma pessoa. Porém, ao utilizar o inciso “processo pendente” para delimitar o âmbito da extradição activa, a LCJ negligencia dois casos incluídos nesse escopo: a execução de sentença aplicada num processo já findo (jurisdição de execução das reacções criminais) e a instauração de processo penal (uma das vertentes da jurisdição sancionatória).

a) A primeira situação impõe uma interpretação extensiva do art. 69.º, n.º 1 LCJ, de modo a que nele se considere abrangida a execução de decisão penal65. De facto, para além da teleologia da extradição, acima identificada – e que, parece-nos, já bastaria para sustentar esta interpre-tação –, um suplementar argumento de coerência torna-a indiscutível: o art. 31.º, n.º 1 LCJ, relativo à extradição passiva, estabelece que a mesma “pode ter lugar para efeitos de procedimento penal ou para cumprimen-to de pena”. Ora, se o Estado português se atribuiu a possibilidade de conceder a extradição para ambos os efeitos, por identidade de razão terá pretendido reservar-se a de pedi-la também para ambos.

b) O Estado, quando adquire a notícia de um crime, salvos os des-vios decorrentes da existência de crimes particulares, e desde que tenha jurisdição sobre os factos66, tem o dever de (através do Ministério Pú-blico) instaurar um processo penal: art. 262.º, n.º 2 CPP. Isso significa que, quando se coloca a questão de o Estado (através do Ministro da Justiça) requerer a extradição, em regra haverá já um processo pen-dente67. De todo o modo, na prática, bastaria que o Estado instaurasse um processo e então pedisse a extradição. Por fim, e não com menor importância, a letra do art. 69.º, n.º 1 LCJ é clara ao exigir um processo já pendente68.

65 Já assim, Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 70, dando a conclusão por líquida. Tam-bém, em estudo específico da extradição activa, José Miguel Neves Figueiredo, «Extradi-ção Activa na Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal», em vias de publicação.

66 V. infra.67 Mesmo do ponto de vista orgânico é difícil conceber um desfasamento, já que, ape-

sar de ser o Ministro da Justiça quem formula o pedido – isto, em termos programáticos, pois na prática esta competência foi delegada no Procurador-Geral da República, ao abrigo da faculdade prevista no art. 165.º LCJ e concretizada no Despacho n.º 26048/2006, de 22 de Dezembro, o que torna o desfasamento ainda mais implausível –, essa formulação parte de um requerimento do Ministério Público, o mesmo órgão que tinha o dever de instaurar um inquérito quando recebeu a notícia do crime que agora o faz desencadear um pedido de extradição: art. 69.º, n.º 3 LCJ.

68 No mesmo sentido da conclusão, Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 70; José Miguel

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Mas não basta existir um processo pendente. Nos termos do art. 69.º, n.º 1 LCJ, é ainda necessário que o processo penda perante um “tribu-nal português”69. Esta exigência – que contrasta com o art. 18.º, n.º 1 LCJ, relativo à extradição passiva, o qual permite a recusa em casos de pendência perante mera “autoridade judiciária portuguesa” –, ao impedir o Estado português de pedir a extradição de pessoas de cuja responsabilidade penal ainda nem tem indícios suficientes, poderá jus-tificar-se por motivos de proporcionalidade.

2.2.3. Uma última questão que colocamos é a de saber se, quando a hipótese do art. 69.º, n.º 1 LCJ estiver preenchida, o Estado tem uma simples possibilidade, ou um dever de pedir a extradição.

A LCJ não dá resposta a esta questão. Sem a aprofundarmos, res-ponder-lhe-emos, ainda assim, com a segunda solução, que parece ser imposta pelo princípio da legalidade processual: se, adquirida a notícia de um crime e reunidas as demais condições, e sem prejuízo da existên-cia de crimes particulares, o Estado tem o dever de promover a acção penal, então, sempre que a extradição for necessária para esse efeito, o Estado tem o dever de a requerer.

Justificado desse modo, o dever comporta excepções conaturais: sempre que a presença do agente em território português não for pro-cessualmente necessária (e.g., por ser legítima a realização de julgamen-to in absentia70), o Estado não terá o dever, mas apenas a faculdade, que pode exercer ou não, de pedir a extradição.

2.3. Cumpre, por fim, identificar os títulos jurisdicionais com base nos quais o Estado pode realizar um pedido de extradição.

a) Jurisdição sancionatória

O conteúdo desta jurisdição é-nos dado essencialmente pelo con-

Neves Figueiredo, op. cit.69 Mas v., diverso, José Miguel Neves Figueiredo, op. cit.70 Cf. os arts. 332.º s. CPP. Em linha com o que se expendeu, embora a respeito da

emissão de um MDE, v. o Ac. TRP de 20-10-2010, processo n.º 321/06.9PBVLG-A.P1 (em <www.dgsi.pt>), onde se considerou que “[s]e o arguido faltou à audiência de julga-mento e se encontra ausente no estrangeiro, não se justifica a emissão de MDE, a fim de assegurar a sua presença na audiência, se está sujeito apenas a termo de identidade e resi-dência e não se pretende impor-lhe medida de coacção mais gravosa”; já assim o Ac. TRC de 21-11-2007, processo n.º 210/00.0TBTNV-A.C1 (idem), afirmando que na emissão de pedidos de entrega devem observar-se os princípios “da excepcionalidade, da subsidiarie-dade e da proporcionalidade lato sensu”.

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Tese de Mestrado

junto de bases ou títulos de jurisdição consagrados no Código Penal71, que se decalca sobre as “regras de aplicabilidade da lei penal”72 (territo-rialidade, defesa dos interesses nacionais, nacionalidade [activa, passiva e dupla] e universalidade), às quais acresce a administração supletiva da justiça penal.

As regras de aplicabilidade – não assim a administração supletiva, que não é uma regra de aplicabilidade, embora constitua “um poder incluído na jurisdição judicativa do Estado”73 – assentam em circuns-tâncias (e.g., o facto ter sido cometido em território português, o agente ser português, etc.) que exprimem contactos ou conexões relevantes do facto com o ordenamento jurídico-penal português (“conexões de aplicabilidade”74).

Para além dessas conexões, a jurisdição judicativa integra ainda certos pressupostos. Analisando as várias bases de jurisdição (sancio-natória), verifica-se que muitas estão sujeitas ao de que o agente seja encontrado em Portugal75. É o que sucede com a nacionalidade (activa, passiva e dupla), a universalidade e a administração supletiva da justiça

71 No plano interno, além das do CP, há normas penais extravagantes que atribuem ao Estado português jurisdição sobre certos conjuntos de factos (e.g., o art. 49.º do Decreto--Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o principal instrumento normativo de combate à droga). Por outro lado, o direito internacional também pode ser fonte de jurisdição (cf. os arts. 5.º, n.º 2 CP e 8.º, n.os 1 e 2 CRP). No entanto, por motivos pragmáticos que esperamos serem compreensíveis, a análise feita neste estudo cingir-se-á às normas do CP.

72 Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 331 s.73 Ibidem, p. 238-239.74 Ibidem, p. 236, definindo-as como “circunstâncias que se verificam no momento da

prática do ilícito-típico e que tornam razoavelmente cognoscível, de um ponto de vista ob-jectivo, a aplicabilidade de certa lei penal”. O A. expõe ainda que as regras de aplicabilidade pressupõem a existência de uma conexão dessa natureza e que a administração supletiva da justiça penal, em que isso não acontece, não constitui, por isso, uma regra de aplicabilidade: “não contém qualquer conexão do ilícito-típico com a lei portuguesa, que consequentemente não pôde valer como regra de comportamento no momento da prática do facto” – ibidem.

75 Sobre a (muito debatida) natureza jurídica deste pressuposto – concretamente, sobre se ele exige que a presença seja voluntária ou se se basta com uma presença objectiva (e.g., um avião que aterra em Portugal de modo imprevisto), v. Levy Maria Jordão, Commentario ao Codigo Penal Portuguez I, 1853, p. 110; F. A. F. da Silva Ferrão, Theoria do Direito Penal. Vol. I, 1856, p. 293-298; José Caeiro da matta, op. cit., p. 90-91; Eduardo Correia, op. cit., p. 175; Jorge de Figueiredo diaS, «Compétence des Juridictions Pénales Portugaises pour les Infractions Commises a L’Étranger», BFDUC 41 (1965), p. 123-124 e, em sentido opos-41 (1965), p. 123-124 e, em sentido opos-to, idem, «Sobre o estado actual da doutrina do crime», RPCC 2 (1992), p. 33. Se, hoje, a doutrina dominante é a de que a presença deve ser voluntária, não se afigura, todavia, razo-ável que um acaso possa legitimar a permanência indefinida em território português. Nes-tes termos, poderá equacionar-se a aplicação analógica, às regras de jurisdição que exigem a presença do agente, dos arts. 16.º, n.º 4, al. a) LCJ, relativo à regra da especialidade, ou 34.º, n.º 2, al. b) LCJ, relativo à reextradição, de modo a fazer a protecção cessar se a pessoa, tendo a possibilidade de abandonar o território português, o não fizer dentro de 45 dias.

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penal. Assim, nestas regras, o Estado não pode pedir a extradição do agente para instaurar um processo penal76.

Simplesmente, como vimos, a extradição só pode ser pedida se já houver um processo pendente. E, como o Estado não pode ter ins-taurado um processo penal com base naquelas regras de jurisdição se o agente não tiver sido encontrado em Portugal, a questão da possi-bilidade de pedir a sua extradição nunca se coloca naqueles termos. Os termos em que se coloca são os seguintes: pode o Estado pedir a extradição de um agente se, depois de ter instaurado um processo, ele se tiver evadido de Portugal? A resposta é positiva, pois a instauração de um processo estabiliza77, “fixa”78, cristaliza a jurisdição sancionatória do Estado.

Em suma, o Estado não pode pedir a extradição com base nas regras de jurisdição condicionadas pelo pressuposto da presença do agente em território português para o efeito de instaurar o processo penal, porque, em rigor, nunca pode pedir a extradição de um agente para o efeito de instaurar um processo penal. Mas se o Estado tiver instaurado um processo penal com o agente presente em seu território e este, posteriormente, se tiver evadido, o Estado pode pedir a sua ex-tradição – qualquer que seja a base de jurisdição em causa.

b) Jurisdição de execução das reacções criminais

Se o Estado pode pedir a extradição no contexto da pendência de um processo perante os seus tribunais, por maioria de razão poderá fazê-lo, independentemente do título jurisdicional que lhe assista, para o efeito de dar execução a uma pena aplicada por uma decisão transi-tada em julgado79. Aliás, neste caso, o pedido de extradição tende a ser processualmente necessário, porque obviamente uma pena de prisão não pode ser executada in absentia80.

76 Cf. Inês Ferreira leite, O Conflito de Leis Penais. Natureza e Funçao do Direito Penal Internacional, 2008, p. 382; Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 338.

77 José Miguel Neves Figueiredo, op. cit.78 Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 338.79 No mesmo sentido, José Miguel Neves Figueiredo, op. cit.80 A alternativa é a formulação de um pedido de execução da sentença portuguesa por

um tribunal estangeiro, ao abrigo do art. 107.º, n.º 1 LCJ, mas isso pressupõe, inter alia, que não seja possível ou não se julgue aconselhável obter a extradição para cumprimento da sentença (art. 104.º, n.º 1, al. c) LCJ), o que confere a este expediente uma intensa primazia sobre o primeiro.

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3. Extradição passiva81

Olhemos agora pelo prisma da extradição passiva – a vertente que directamente importa ao nosso estudo –, em que o Estado português se encontra na posição de requerido, exercendo uma jurisdição adju-vante relativamente ao exercício, por parte de outro Estado, da sua jurisdição sancionatória.

3.1. A existência de jurisdição do Estado requerente como condição necessária para conceder a extradição

3.1.1. Naturalmente, o princípio da dependência da extradição re-lativamente à jurisdição, anteriormente enunciado quanto à extradição activa, rege também em matéria de extradição passiva, surgindo plas-mado no art. 31.º, n.º 1 LCJ, que integra a inexistência de jurisdição do Estado requerente como causa de recusa.

3.1.2. A jurisdição do Estado requerente é determinada, salvos os limites decorrentes do direito internacional, pelo seu ordenamento ju-rídico. A LCJ não recorreu, neste contexto, a uma fórmula como a que empregou na regulamentação da extradição para terceiros Estados (art. 33.º), segundo a qual a extradição poderia ser concedida (apenas) quando a lei portuguesa desse competência à jurisdição do Estado re-querente em identidade de circunstâncias.

Em consequência, a extradição pode ter lugar perante pretensões fundadas em conexões não acolhidas pelo ordenamento jurídico-penal português (e.g., a residência do agente82), ou sujeitas, aqui, a pressupos-tos mais exigentes (e.g., a nacionalidade do agente, desprovida do pres-

81 Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, 2001, p. 308 reporta-se à pos-sibilidade de o Estado português autorizar o trânsito pelo seu território ou espaço aéreo de uma pessoa extraditada de um Estado estrangeiro para outro, prevista no art. 43.º LCJ, como uma terceira modalidade de extradição, que nomeia de “extradição de trânsito”. A hi-pótese é também prevista no contexto do MDE, sendo regulada no art. 38.º LMDE, que transpõe o art. 25.º DQ.

82 A residência não está entre os princípios clássicos (soft) codificados na Harvard Research in International Law, Draft Convention on Jurisdiction with Respect to Crime, 1935: territorialidade, defesa dos interesses nacionais, nacionalidade, activa e passiva, e universa-lidade. Ela é prevista em vários ordenamentos jurídicos (cf. Geoff gilBert, op. cit., p. 179), mas, em regra, limitada a crimes ou situações específicos – e.g., crimes de guerra cometidos durante a II Guerra Mundial (Reino Unido), crimes de genocídio (Brasil), agentes apátridas (Itália e Rússia) (cf. Antonio CaSSeSe, International Criminal Law, 2008, p. 282) – e, em qual-quer caso, dependente de a extradição ser impossível (cf. Julian J. E. SChutte, «O Direito Internacional Público e a Competência Extraterritorial em Matéria Penal», RPCC 3 (1993), p. 22), o que, naturalmente, não habilita a pedi-la.

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suposto da sua presença no território do Estado respectivo).

3.2. As causas de recusa da extradição cujas circunstâncias constitu-tivas são simultaneamente conexões de aplicabilidade

Que dizer, porém, do facto de a LCJ (art. 32.º, n.º 1) estabelecer como causas de recusa obrigatória da extradição duas circunstâncias (a territorialidade do facto e a nacionalidade portuguesa do agente83) que constituem o cerne de duas regras de aplicabilidade consagradas no CP (arts. 4.º e 5.º, n.º 1, al. e))? Justificar-se-á esse facto por razões atinentes ao exercício, por parte do Estado português, da sua jurisdição (sc., por o legislador ter considerado essas conexões tão intensas que quis assegu-rar que, quando as mesmas se verificarem, o Estado português exerce obrigatoriamente o seu ius puniendi), ou por razões especificamente ati-nentes ao instituto da extradição? Vejamos em pormenor.

3.2.1. A prática do facto em território português

a) A regra de aplicabilidade

A territorialidade é o princípio-base da jurisdição do Estado por-tuguês84, surgindo consagrada no art. 4.º CP sob a inequívoca epígrafe “princípio geral”.

A preponderância da territorialidade justifica-se essencialmente com base no facto de ser o locus delicti o local onde se fazem sentir com maior intensidade as necessidades da punição85: “por um lado, são os crimes territoriais que suscitam exigências de prevenção mais intensas, por outro, todos os crimes territoriais geram essas exigências”86. A essa

83 A primeira, de modo absoluto (art. 32.º, n.º 1 LCJ); a segunda, com as excepções previstas no art. 32.º, n.º 2 LCJ.

84 Desde a sua primeira codificação autónoma: o CP de 1852 – assim, Jorge de Figuei-redo diaS, «Compétence…», op. cit., p. 118. Sobre a evolução e a polissemia da “territoria-lidade”, v. Inês Ferreira leite, op. cit., p. 21 s. e 78 s.

85 A asserção afigura-se válida no confronto com distintas concepções do fundamento material da jurisdição penal do Estado – v., e.g., Marc henZelin, Le principe de l’universalité en droit pénal international – Droit et obligation pour les états de poursuivre et juger selon le principe de l’université, 2001, p. 123 s., associando-o à ideia de soberania, e, em contraste, Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 203 s., ligando-o a uma responsabilidade do Estado pela manuten-ção da paz e da segurança geral da comunidade.

86 Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 321, acrescentando que, “[t]omada neste sentido, a territorialidade da lei penal funda-se mais em factores antropológicos do que em certas compreensões jurídico-políticas da soberania ou da autoridade do Estado. Por outro lado, parece indiscutível que as normas penais emanadas pelo soberano se devem estender, em princípio, a todos os factos praticados no território. Neste sentido, a unidade entre soberania, território, e eficácia da lei penal corresponde a um esquema adequado para

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razão, juntar-se-á ainda a razão processual de o local do crime ser o foro mais ajustado para o investigar (“forum conveniens”87) e, pois, aquele onde as expectativas de alcançar uma decisão justa são mais fundadas88.

É também usual apontar-se, como razão jurídico-internacionalmen-te relevante, a circunstância de a aceitação generalizada da territoriali-dade como princípio-base de jurisdição oferecer o “melhor caminho para que não se gerem conflitos internacionais – positivos ou negati-vos – de competência interestadual”89-90. Não nos parece, contudo, que este facto concorra para justificar a primazia da territorialidade: é uma consequência de o território constituir a conexão de aplicabilidade mais adequada aos Estados modernos e de, por isso, ter sido eleito pela ge-neralidade deles como princípio-base91. Na verdade, no mesmo plano jurídico-internacional, o desígnio da harmonia não rege só, constituin-do também objectivo fundamental, inter alia, “o desenvolvimento da cooperação internacional”92.

satisfazer as aludidas exigências de prevenção”. V. ainda, invocando uma precedência da noção antropológica de espaço relativamente à sua determinação jurídico-política em um território, José de Faria CoSta, «A globalização e o direito penal (ou o tributo da consonân-cia ao elogio da incompletude)», 2010, p. 182 s.

87 Antonio CaSSeSe, op. cit., p. 278.88 Cf. Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal I, op. cit., p. 210.89 Ibidem, p. 209.90 Sobre a delimitação de competências entre os Estados como função e objectivo do

direito internacional público, v. Gerald FitZmauriCe, «The General Principles of Interna-tional Law Considered from the Standpoint of the Rule of Law», RCADI 92 (1957), p. 48, afirmando que: “International Law, in the exercise of its supremacy, delimits the sphere of competence of States between one another”.

91 Além disso, o legislador penal português, à semelhança de outros, não se inibiu de prever “extensões” da territorialidade (v., e.g., o art. 4.º, al. b) CP), um conceito de locus delicti muito amplo (v. o art. 7.º CP) e várias bases de jurisdição extraterritorial (v., e.g., o art. 5.º CP) não totalmente subsidiárias da extradição (que é, em regra, requerida pelo foro territorial) – todas elas circunstâncias potenciadoras de conflitos positivos de jurisdição, o que se afasta tanto mais de uma concepção clássica de territorialidade quanto se tiver em conta que, na sua pureza, ela integraria uma vertente negativa consistente em rejeitar toda e qualquer eficácia da lei penal estrangeira sobre factos praticados em território nacional e da lei penal nacional sobre factos praticados em território estrangeiro – cf. Inês Ferreira leite, op. cit., p. 29.

92 Julian J. E. SChutte, «O Direito Internacional Público...», op. cit., p. 13. V. Jorge miranda / Miguel Pedrosa maChado, «Processo de extradição e recurso para o Tribunal Constitucional: admissibilidade e tema do recurso – Parecer», DJ 9 (1995), p. 229, pronun-ciando-se pela “necessidade de cooperação judiciária internacional em material penal”, escorada no art. 7.º CRP; já assim, José Magalhães godinho, op. cit., p. 329-331 e 414 s., passim. V. também Manuel António Lopes roCha, «Aplicação da lei criminal no tempo e no espaço», 1983, p. 118 s.; Christine van den Wyngaert, «Rethinking the Law of Inter-national Criminal Cooperation: The restrictive Function of International Human Rights through individual-oriented bars», 1992, p. 489; Vitaly E. kvaShiS, «Extradition: Factors of Strengthening International Cooperation in Crime Control», RIDP (62) 1991, p. 629 s.;

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b) A causa de recusa

No contexto da extradição passiva, o estabelecimento da territoria-lidade do facto como causa de recusa obrigatória, se não promove, pelo menos não colide com o objectivo da harmonia internacional. Com efeito, se na generalidade dos Estados a territorialidade é o princípio--base de jurisdição, o facto de um Estado se vedar a possibilidade de extraditar um agente por um crime praticado em seu território pode ser vista com normalidade93.

Mas não como uma obrigação, pois a primazia da territorialidade – em Portugal como na generalidade dos Estados – não vai ao ponto de excluir a aplicabilidade da lei penal estrangeira a factos praticados em território nacional. Por isso, a causa de recusa “territorialidade dos fac-tos” não pode ser vista como um corolário necessário do princípio da territorialidade94, mas sim como uma pura opção do legislador da LCJ95.

Por outro lado, admitindo que o objectivo do legislador da LCJ ti-vesse sido o de garantir que o Estado não ficaria impedido de exercer a sua jurisdição territorial quando recebesse um pedido de extradição, não teria sido necessário estabelecer esta causa de recusa (obrigatória), pois esse desígnio sempre estaria acautelado por outra causa de recusa (facultativa) segundo a qual o Estado pode recusar a extradição quando os factos forem objecto de processo pendente ou deverem ou puderem dar lugar à instauração de processo (art. 18.º, n.º 1).

Ora, se o Estado português admite que a pretensão punitiva de ou-tros Estados sobre factos praticados em território português pode ser

David J. Bederman, The Spirit of International Law, 2002, p. 19 e 92, passim; Robert Cryer / Håkan Friman / Darryl roBinSon / Elizabeth WilmShurSt, An Introduction to International Criminal Law and Procedure, 2nd ed., 2010, p. 85 s.

Para uma reflexão sobre o conceito de soberania na actualidade, v. Charles-Albert morand, «La souveraineté, un concept dépassé à l’heure de la mondialisation?», 2001, p. 153 s. Sobre globalização e direito penal, v. José de Faria CoSta, «A globalização…», op. cit.; Anabela Miranda rodrigueS, «Globalização, Democracia e Crime», 2006, p. 275 s.; idem, «A Globalização do Direito Penal – Da Pirâmide à Rede ou entre a Unificação e a Harmonização», 2009, p. 81 s; Gerhard O. W. mueller, «The Globalization of Life on Earth, of Crime, and of Crime Prevention: An Essay on how to Deal with the Major Cri-minals who Threaten the Continued Existence of Humankind», 1992, p. 351 s.

93 V. José Caeiro da matta, op. cit., p. 98-99, afirmando que todo o instituto da extradi-ção se “inspir[a] no principio da territorialidade da lei penal e da preferencia de jurisdicção do logar em que o delicto foi commettido”.

94 Mas v. Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 50, n. 86, considerando-a um corolário, se não necessário, pelo menos directo do princípio da territorialidade.

95 E já do do Decreto-Lei n.º 437/75 (cf. o seu art. 3.º, n.º 1 al. a)) e do do Decreto-Lei n.º 43/91 (cf. o seu art. 31.º, n.º 1, al. a)).

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legítima, mas opta por negar obrigatoriamente a extradição, isso parece significar que assumiu deter, nesses casos, a pretensão punitiva mais intensa.

Atentemos, porém, em dois regimes particulares em que a LCJ pri-vilegia o princípio da territorialidade de um modo, por assim dizer, desinteressado, no sentido de que nas hipóteses aí pressupostas o Estado português não é o Estado territorial.

aa) Extradição para Estado diverso do do locus delicti

O art. 33.º LCJ, sob a epígrafe “crimes cometidos em terceiro Esta-do”, prevê que: “No caso de crimes cometidos em território de outro Estado que não o requerente, pode ser concedida a extradição quando a lei portuguesa der competência à sua jurisdição em identidade de circunstâncias ou quando o Estado requerente comprovar que aquele Estado não reclama o agente”.

O artigo integra duas hipóteses. A primeira – “competência em iden-tidade de circunstâncias” – parece impor ao Estado requerente o modelo português de jurisdição extraterritorial, pois usa-o como critério para a possibilidade de extraditar. Porém, esse critério não é incontornável, bas-tando ao Estado requerente, para se furtar a esse crivo e obter a extradi-ção, comprovar que o Estado territorial não reclama o agente96. Trata-se de uma alternativa, e o denominador comum aos dois elementos que a compõem é a circunstância de protegerem a territorialidade: o segundo, de modo directo, pois requer prova de que o Estado territorial não re-clama o agente; o primeiro, de modo indirecto, pois na ausência dessa prova dificulta a extradição.

Quanto ao critério escolhido para a limitação, poderá perguntar-se por que motivo o legislador português acolheu o seu próprio arquétipo jurisdicional; qual seria, porém, a alternativa? O do Estado requerente está excluído, pois é já um pressuposto da extradição que a sua lei in-terna lhe confira jurisdição sobre os factos em causa (art. 31.º, n.º 1, in fine, LCJ) e, portanto, esse critério nada alteraria. Também o modelo do Estado do locus delicti não se justificaria, pois proteger o princípio da territorialidade não implica proteger o concreto modelo de jurisdição do Estado onde certos factos concretos foram praticados, sendo possí-vel, inclusivamente, que esse Estado adopte como princípio primordial

96 Esta reclamação tem de visar a efectivação da responsabilidade penal do extraditan-do – cf. infra, no § 3, o ponto 2.12.

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de jurisdição uma conexão diversa da territorialidade (e.g., a nacionali-dade activa) – o que em nada diminui a protecção que lhe é conferida pelo regime em análise.

Em conclusão, o regime da extradição para terceiro Estado, vertido no art. 33.º LCJ, protege o princípio da territorialidade como forma de administração da justiça penal, desligada de uma concreta pretensão penal do Estado português97.

bb) Concurso de pedidos de extradição98

O art. 37.º, n.º 1 LCJ, sob a epígrafe “pedidos de extradição con-correntes”, dispõe que, “[n]o caso de diversos pedidos de extradição da mesma pessoa, a decisão sobre o pedido a que deva ser dada preferên-cia tem em conta: a) Se os pedidos respeitarem aos mesmos factos, o local onde a infracção se consumou ou onde foi praticado o facto prin-cipal; b) Se os pedidos respeitarem a factos diferentes, a gravidade da infracção, segundo a lei portuguesa, a data do pedido, a nacionalidade ou residência do extraditando, bem como outras circunstâncias concre-tas, designadamente a existência de um tratado ou a possibilidade de reextradição entre os Estados requerentes.”

Quando os pedidos respeitam aos mesmos factos, a primazia con-cedida à territorialidade é nítida: o agente deve ser extraditado para o Estado onde o crime foi praticado ou, se mais de um dos Estados em concurso tiver jurisdição territorial, para aquele onde foi praticado o facto principal99.

Quando os pedidos respeitam a factos diferentes, o favorecimento

97 No sentido da conclusão, já Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 228.98 Esta disposição aplica-se apenas a concursos de pedidos entre Estados, cedendo

perante a regra da prevalência da jurisdição de entidades judiciárias internacionais estabele-cidas no âmbito de tratados ou convenções que vinculem o Estado português (e.g., o TPI): cf os arts. 1.º, n.º 2 e 15.º, n.º 2, al. a), LCJ.

99 Note-se que o artigo não prevê a hipótese de nenhum dos Estados concorrentes ter jurisdição territorial pelo mesmo facto, o que constituirá uma hipótese decerto rara, mas possível: imagine-se que certo Estado pede a extradição de uma pessoa pelo crime de contrafacção de moeda com base na defesa dos interesses nacionais, que certo outro a pede com base na nacionalidade activa, e que o Estado territorial não a pede (e.g., porque a mo-eda não é a mesma e, no caso, isso significa a atipicidade da conduta perante o seu direito penal). Não se trata, contudo, de uma lacuna, pois a hipótese cai na regra geral prevista no art. 15.º LCJ, em relação à qual o art. 37.º LCJ constitui norma especial, que determina que o concurso seja decidido “em favor do Estado que, tendo em conta as circunstâncias do caso, assegure melhor os interesses da realização da justiça e da reinserção social do suspei-to, do arguido ou do condenado”. Esta hipótese apresenta ainda, note-se, a particularidade de activar, quanto a todos os pedidos concorrentes, o regime da extradição para terceiros Estados (art. 33.º LCJ), já examinado.

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do foro territorial não é tão evidente (os critérios da al. b) não respei-tam à jurisdição dos Estados concorrentes), mas persiste, pois a terri-torialidade está subjacente aos vários pedidos. De facto, dentro da hi-pótese de diferentes Estados pedirem a extradição por factos diversos, a situação absolutamente dominante será a de cada qual ter jurisdição territorial sobre os respectivos factos, o que permite razoavelmente supor que aqueles critérios se destinam a operar como “critérios de desempate” entre Estados territoriais100-101-101.

Breve excurso – A reextradição

O art. 34.º LCJ permite, verificadas certas condições, a reextradição, que pode desempenhar um importante papel na conciliação das várias pretensões concorrentes102.

c) Dessintonia

A análise dos dois regimes particulares acabada de realizar mostra que a LCJ não cuidou estritamente de proteger a jurisdição territorial

100 Sublinhe-se, contudo, que é possível que apenas um dos Estados tenha jurisdição territorial, o que suscita a questão de saber se essa circunstância, não estando expres-samente prevista na alínea em análise, pode ser levada em conta, favoravelmente a esse Estado, na decisão sobre o concurso. A resposta é, a nosso ver, positiva. Normativamente, ela sustenta-se no facto de o elenco da al. b) ser exemplificativo (“designadamente”), ad-mitindo a ponderação de “outras circunstâncias concretas”. No plano teleológico, avulta decisivamente a consideração de que, se o propósito do art. 37.º LCJ é proteger a territo-rialidade per se – como pode já dar-se por assente em face da sua al. a) –, estranho seria que o facto de um Estado ter uma pretensão territorial – e embora o concurso seja, neste caso, estritamente relativo ao sujeito – não pudesse ser tido em conta nos casos da al. b). De todo o modo, no âmbito da al. b), não pode, obviamente, imputar-se a essa variável a absoluta primazia que lhe é expressamente reconhecida na al. a), relativa a concursos pelos mesmos factos: terá apenas a relevância de que gozam as restantes variáveis, previstas expressa-mente na norma ou (também) nela acolhidas por via da referida claúsula exemplificativa.

É ainda possível que nenhum dos Estados em concurso tenha jurisdição territorial. Nesse caso – como no seu oposto, que constitui a hipótese-regra (sc., todos os Estados terem jurisdição territorial relativamente aos factos respectivos) –, a territorialidade não tem valor diferencial, sendo insusceptível de desempatar o concurso. Assim, se a hipótese, que é remota, se colocar, bastará recorrer aos critérios da al. b) e aos do art. 15.º, n.º 1 LCJ. Com a particularidade de que se aplicará também, a todos os pedidos, o regime da extradição para terceiros Estados (art. 33.º LCJ).

101 Sobre o concurso de pedidos de extradição, v. Eduardo Correia, op. cit., p. 185.102 O preceito proíbe o Estado requerente de reextraditar para outro Estado pessoa que

lhe seja entregue, excepto nos casos em que: (1) For solicitada e prestada autorização pelo Estado português, ouvido previamente o extraditado; (2) O extraditado, podendo abando-nar o território do Estado requerente, não o fizer dentro de 45 dias ou, tendo-o abandona-do, aí regressar voluntariamente; ou 3) Por tratado, convenção ou acordo internacional de que Portugal seja parte, não for necessário o consentimento do Estado requerido. Sobre este preceito, v. Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 78-79.

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do Estado português, mas sim a territorialidade em geral.Porém, essa análise revela uma dessintonia: em casos em que o Es-

tado português não tem jurisdição territorial, a LCJ, ciente da possibili-dade de existir mais do que um Estado territorialmente competente em relação aos mesmos factos, apresenta critérios de desempate em favor do Estado onde foi praticado o facto principal; mas nos casos em que o Estado português tem jurisdição territorial, a LCJ não atribui qualquer relevo a essa possibilidade103 – que, sublinhe-se, não é de todo remota104 –, proibindo a extradição mesmo nos casos em que o Estado requerente detenha aquilo que, à luz do próprio princípio da territorialidade, deve considerar-se uma pretensão punitiva mais intensa105.

d) Crítica e proposta

Se o próprio princípio da territorialidade depõe contra o estabe-lecimento da territorialidade do facto como causa de recusa absoluta (sc., insusceptível de excepções) e obrigatória (não facultativa), a solu-ção torna-se criticável106. A configuração desta causa de recusa nesses termos irredutíveis pode até, no limite, obstar à efectivação da res-ponsabilidade do agente, se o Estado português, mesmo recorrendo ao auxílio judiciário, não conseguir reunir os elementos probatórios necessários. Além disso, esta causa de recusa não protege, sequer re-flexamente, interesses do extraditando – caso em que a opção do le-gislador da LCJ poderia compreender-se melhor107 –, mas puramente

103 Assim, de modo categórico – mas, aparentemente, sem se opor à solução legal –, Jorge de Figueiredo diaS, «Algumas questões em tema de extradição e de sede do crime [anotação]», RLJ 117 (1985), p. 348-349, e RLJ 118 (1985), p. 17-19.

104 Tendo em conta a latitude que a lei penal imputa à territorialidade e a ubiquidade que verteu no regime da determinação do locus delicti – aspectos que já identificámos como propícios à concorrência de jurisdição territorial.

105 Imagine-se, por exemplo, que o facto principal foi praticado no território de um Estado estrangeiro e que o Estado português tem competência territorial em virtude da mera actuação de um cúmplice (e.g., de uma simples chamada telefónica) no seu território.

106 Cf. Robert Zimmermann, La Coopération Judiciaire Internationale en Matière Pénale, 2e éd., 2004, p. 383, afirmando que, “dans toute la mesure possible, l’extradition doit per-mettre d’exercer la poursuite pénale au lieu où se trouve le centre de l’activité délictuelle du fugitif ”. Note-se que a lei de cooperação da Confederação Helvética, diversamente da portuguesa, estabelece a territorialidade como causa de recusa meramente facultativa (art. 66.º).

107 Em registo mais genérico, mas em sentido idêntico, v. Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 51, notando que a vastidão de causas de recusa consagradas na LCJ é “algo con-traditória com a filosofia geral do sistema, que é a do incremento e aprofundamento da cooperação”, e que isso só pode “justifica[r]-se por uma ideia de protecção dos direitos fundamentais das pessoas” visadas.

No caso em análise, uma pura protecção do extraditando imporia tomar uma direcção

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Tese de Mestrado

interesses estatais108.Por fim, note-se que, mesmo para prosseguir o objectivo de proteger

a jurisdição territorial portuguesa – que não a jurisdição territorial em geral –, a configuração desta causa de recusa como irredutível revela-se dispensável. De facto, outras soluções permitiriam alcançar o mesmo objectivo com menor sacrifício para os desígnios de incrementar a co-operação internacional e de administrar bem a justiça penal. Uma delas, bastante próxima da constituída, seria a de manter a causa de recusa em análise como obrigatória no que respeita a pedidos de extradição baseados em pretensões extraterritoriais, convertendo-a em facultativa para conflitos positivos de jurisdição territorial. Outra, mais distante da vigente, seria a de transformá-la, por completo, em causa de recusa facultativa – para o que bastaria suprimi-la (cf. art. 18.º, n.º 1 LCJ) –, como sucede em várias convenções internacionais de que Portugal é parte, bem como no MDE. Em ambas as propostas, o exercício da fa-culdade poderia ser totalmente confiado às entidades com competência decisória no processo de extradição ou, alternativamente, ser balizado pelo legislador mediante hierarquização dos critérios de determinação do locus delicti e entre a territorialidade tradicional e as suas extensões109.

Porém, de iure dato, o carácter absoluto e obrigatório desta causa de recusa é incontornável, pois o legislador não podia ignorar o alcance dessa configuração110.

oposta à que se encontra vertida na LCJ, que permitisse ao foro territorial, inclusivamente, extraditar para foros extraterritoriais se os interesses do extraditando assim o aconse-lhassem (solução que ainda favoreceria o desígnio de incrementar a cooperação). Com interesse, v. Robert Zimmermann, op. cit., p. 390, descrevendo a “exception liée au meilleur reclassement social” consagrada na lei de cooperação judiciária helvética (art. 36.º, n.º 1). Idêntica previsão não existe entre nós para a extradição, embora exista para a delegação de processo penal em tribunal estrangeiro (cf. art. 90.º, n.º 1, al. d) LCJ).

108 Caberá aqui citar a frase de Albin eSer, «Basic Issues…», op. cit., p. 4, sobre a per-sistência de alguma reserva dos Estados em cooperarem: “[i]f we look for reasons, we cer-tainly find not only force of habit and strength of red tape, but also evidence of national egoism”.

109 Sobre modelos hierárquicos desse tipo, v. José Caeiro da matta, op. cit., p. 77 s.; José Beleza dos SantoS, Direito Penal, 1920, p. 133 s.; Inês Ferreira leite, op. cit., p. 404 s.

110 Para além de o conflito positivo de jurisdição territorial ser uma possibilidade con-sabida – entre nós, já em 1794 reflectia sobre o assunto Paschoal José de Mello Freire, Institutiones Iuris Criminalis Lusitani (1794), BMJ 156 (1966), p. 76-77 –, o legislador da LCJ demonstra estar plenamente ciente dela, inter alia, quando regula o concurso de pedidos (cf. art. 37.º, n.º 1, al. a)).

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3.2.2. A nacionalidade portuguesa do indivíduo

a) A regra de aplicabilidade

O art 5.º, n.º 1, al. e) CP estabelece que a lei portuguesa é aplicável a factos cometidos por portugueses quando: “i) Os agentes forem en-contrados em Portugal; ii) Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo; e iii) Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumen-to de cooperação internacional que vincule o Estado Português”.

Há duas formas essenciais de fundamentar a regra da nacionalidade activa.

Uma primeira, mais comum, alega que o fundamento é compensar a regra clássica da não extradição de cidadãos nacionais – é permitir ao Estado manter essa regra sem que isso envolva uma transigência com a impunidade da pessoa111. No entanto, este entendimento não nos pa-rece de sufragar em face da nossa lei, pois o Estado sempre poderia actuar com base na administração supletiva da justiça penal112.

A concepção normativamente fundada é, pois, uma outra, que re-conhece à nacionalidade activa uma razão de ser autónoma enquanto regra de jurisdição: permitir que o Estado garanta a paz e a segurança geral da sua comunidade113-114.

111 Neste sentido – e, portanto, vendo esta regra como um afloramento do princípio aut dedere aut judicare –, Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal I, op. cit., p. 216, idem, «Com-pétence…», op. cit., p. 125; Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 75; Teresa Alves martinS / Mónica Quintas roma, «Cooperação internacional no processo penal», RPCC 5 (1995), p. 463; Germano Marques da Silva, Direito Penal, op. cit., p. 299 e 313 s.; na jurisprudência, v. o Ac. TRP de 14-02-1990, processo n.º 0123625, em <www.dgsi.pt>.

112 É certo que a administração supletiva da justiça penal só foi introduzida em 1998. Porém, se o fundamento da nacionalidade activa residisse apenas numa compensação da não extradição de nacionais, a introdução da primeira regra deveria ter determinado a supressão desta.

113 Pedro Caeiro, Fundamento… op. cit., p. 203 s. Especificamente quanto à nacionalida-de, ibidem, p. 238: “[o Estado é] responsável pela prevenção e repressão das condutas (…) praticadas por nacionais seus no estrangeiro, porque também elas geram importantes exi-gências de prevenção na comunidade nacional”. Em sentido idêntico, v. Julian J. E. SChut-te, «O Direito Internacional Público...», op. cit., p. 19, considerando que a nacionalidade activa se justifica pela “importância da protecção de interesses fundamentais [do Estado] contra ofensas cometidas no estrangeiro pelos próprios nacionais”. Interpolação nossas.

114 Há ainda quem arrole, conjuntamente, elementos próprios das duas linhas de argumenta-ção – cf. Manuel António Lopes roCha, op. cit., p. 121-122 –, mas elas parecem-nos inconciliáveis.

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b) A causa de recusa

Em concretização do art. 33.º, n.º 3 CRP, o art. 32.º, n.º 1, al. b) LCJ estabelece que, em regra, não se pode extraditar cidadãos portu-gueses115.

A não extradição de cidadãos nacionais é, excepção feita aos países de tradição anglo-americana116, uma prática remota que se mantém ha-bitual, havendo quem sustente que constitui costume internacional117.

Há também duas formas essenciais de fundamentar esta causa de recusa.

Uma concebe-a como consequência de um interesse dos Estados em

reprimirem os factos cometidos pelos seus nacionais no estrangeiro – uma concepção simétrica daquela que considera que o fundamento da regra de aplicabilidade da nacionalidade activa é a não extradição de nacionais. Nesta linha, invoca-se que a relação “umbilical”118 que liga o Estado e os seus nacionais não se quebra com a actuação destes para além das suas fronteiras, que essa relação envolve um dever de lealdade destes em relação àquele, dispondo o mesmo como que de um “direito

de vigilância”119. Em suma, uma visão segundo a qual os Estados conside-ram a nacionalidade activa uma base de jurisdição tão intensa que qui-seram garantir o seu exercício. Em face da nossa lei, este entendimento não é aceitável, pois se o intento do Estado português fosse estrita-mente o de julgar os seus cidadãos, não faria sentido ter condicionado a nacionalidade activa aos pressupostos de a extradição não poder ser concedida e de o agente ter sido encontrado em Portugal120.

De outra banda, e cuidamos que com maior justeza, alega-se que existe um dever121 ou, ao menos, um direito122 dos Estados de protege-rem os seus cidadãos, inclusive contra sistemas sancionatórios de ou-

115 Sobre as excepções, v. infra, no § 3, o ponto 2.14.116 Todavia – provavelmente, por razões de reciprocidade –, nas convenções de extradi-

ção de que participam, estes Estados costumam assegurar a faculdade de recusar cidadãos nacionais: cf. Christopher L. BlakeSley, «The Law of International Extradition: A Com-parative Study», 1996, p. 180.

117 V. Geoff gilBert, op. cit., p. 176.118 Marc henZelin, op. cit., p. 133. Na mesma linha, v. Eduardo Correia, op. cit., p. 166.119 Julian J. E. SChutte, «O Direito Internacional Público...», op. cit., p. 19.120 Mas v., defendendo a supressão deste pressuposto, Pedro Caeiro, Fundamento… op.

cit., p. 339.121 Cf. Geoff gilBert, op. cit., p. 176.122 Cf. Marc henZelin, op. cit., p. 133, considerando tratar-se de um direito “histórico”,

com raiz no “sistema de clãs”.

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tros Estados123. Esta ideia assume também a existência de uma relação umbilical entre o Estado e os cidadãos, mas acaba destacando o oposto da concepção anterior, ou seja, que essa relação produz uma solida-riedade do Estado em relação aos seus nacionais124. Esta concepção é a única capaz de explicar que a causa de recusa “nacionalidade do extraditando” tenha assento no catálogo constitucional dos direitos, liberdades e garantias pessoais e, por outro lado, que conheça as excep-ções que hoje conhece (e.g., no domínio do MDE)125. É ela, também, a única capaz de explicar que a nacionalidade relevante para o preenchi-mento da regra da nacionalidade activa se refira ao momento da prática do facto, mas que a nacionalidade relevante para o preenchimento da causa de recusa “nacionalidade do extraditando” se refira ao momento da decisão sobre o pedido de extradição126.

123 Este fundamento “protector” parte de um receio dos Estados de que os seus nacio-nais, por serem estrangeiros em relação ao Estado requerente, fossem prejudicados num julgamento que aí tivesse lugar. Criticando essa visão, v. Henri Donnedieu de vaBreS, op. cit., p. 875: “Avec le progrès de la communauté internationale, un tel sentiment doit céder à la saine perception de l’intérêt commun, et à la juste application des règles qui dominent le conflit des compétences.” Dando conta de que é ainda hoje entendimento comum que extraditar nacionais significa expô-los à “à sanha penalizante de outras ordens jurídicas”, e também criticando-o, v. José Vera Jardim, «Por fim, podemos extraditar portugueses! – Explicações de um Ministro», 2002, p. 97. Para um contraste, v. José Caeiro da matta, op. cit., p. 103-104: “se toda a nação tem uma delinquencia especifica, porisso que o crime é o resultado de factores anthropologicos, physicos e sociaes, natural é que tenha tambem um systema penal proprio, considerado o mais adequado á neutralisação das energias crimino-sas latentes ou manifestadas em cada delinquente (…). O que parece mais logico é que o juiz da patria do accusado seja o competente para proceder ao seu julgamento”.

Por outro lado, por um elementar imperativo de igualdade (art. 13.º CRP), relevam para efeito desta causa de recusa, não somente a nacionalidade originária e singular, mas tam-bém a derivada, a dupla e a múltipla. Com interesse, v. o Ac. TRL de 17-11-2011, processo n.º 759/11.0YRLSB-3.

124 Cf. Julian J. E. SChutte, «O Direito Internacional Público...», op. cit., p. 18. Parece ser esta concepção que perpassa pelos Preâmbulos da Convenção de Dublin de 1996 e da Decisão-Quadro que instituiu o MDE, quando afirmam que as derrogações aí introduzi-das a alguns obstáculos tradicionais (entre os quais, o da nacionalidade do extraditando) se justificam pelo elevado grau de confiança existente entre os Estados-membros; nas palavras do primeiro (Considerando 6), pela “confiança na estrutura e no funcionamento dos seus sistemas judiciários e na capacidade de todos eles para assegurarem julgamentos imparciais”. Ou seja, parte-se aí do princípio de que essa regra visa permitir aos Estados protegerem os seus cidadãos de outros sistemas repressivos. Daí que se conclua que quan-do essa protecção é desnecessária o obstáculo perde a sua razão de ser.

125 De facto, só o desígnio de proteger extraditandos portugueses explica que a regra possa ser afastada em casos em que a confiança no Estado requerente está salvaguardada ou pressuposta (v. a n. anterior).

126 Assim, se uma pessoa adquirir a nacionalidade portuguesa após a prática do crime pelo qual a sua extradição é requerida, o Estado português terá de recusar o pedido em virtude da sua nacionalidade e, contudo, não terá jurisdição com base na regra da nacionali-

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c) A nacionalidade “dupla”

O art. 5.º, n.º 1, al. b) estabelece a jurisdição do Estado português sobre factos praticados “[c]ontra portugueses, por portugueses que vi-verem habitualmente em Portugal ao tempo da sua prática e aqui forem encontrados”. Tendo em conta que também aqui o agente do crime é um cidadão português, as considerações da al. b), precedente, bem como as considerações suplementares que faremos acerca da causa de recusa “nacionalidade do extraditando”127, aplicam-se mutatis mutandis.

3.3. Administração supletiva da justiça penal – aut dedere aut judicare

O art. 5.º, n.º 1, al. f) CP estabelece que a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional “[p]or estran-geiros que forem encontrados em Portugal e cuja extradição haja sido requerida, quando constituírem crimes que admitam a extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português”.

Esta norma foi introduzida no CP pela Lei n.º 65/98, de 2 de Se-tembro128 e é geralmente designada de “administração supletiva da jus-tiça penal”129.

3.3.1. Residualidade

A administração supletiva tem carácter residual em relação às de-mais regras de jurisdição (regras de aplicabilidade).

a) Essa residualidade começa por constatar-se a partir de dois dos pressupostos explicitamente consagrados na norma. Ela apenas abrange factos: a) cometidos em território estrangeiro; e b) por agentes estrangei-ros. Se não constassem da norma, estes pressupostos poderiam deduzir--se, pois de outro modo os factos em causa estariam cobertos, respecti-vamente, pelas regras da territorialidade e da nacionalidade activa.

dade activa – apenas, eventualmente, com base na administração supletiva da justiça penal.127 V. infra, no § 3, o ponto 2.14.128 Ao tempo, na al. e) do n.º 1 do art. 5.º CP.129 A designação tem paralelo na germânica “stellvertretende Strafrechtspflege”

(cf. Claudia PaPPaS, Stellvertretende Strafrechtspflege: Zugleich ein Beitrag zur Ausdehnung Deutscher Strafgewalt Nach § 7 Abs. 2 Nr. 2 StGB, 1996) e nas anglófonas “vicarious administration of penal justice” (cf. Jurgen meyer, «The Vicarious Administration of Justice: An Over-looked Basis of Jurisdiction», HILJ 31 (1990), p. 108 s.) e “proxy administration of crimi-nal law” (cf. Minna kimPimäki, «Finland», RIDP 79 (2008), p. 193 s.).

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Além disso, conclui-se – aqui, exclusivamente por dedução – que os factos em causa são ainda factos: c) cometidos contra vítimas es-trangeiras (de contrário, cairiam no âmbito da norma que consagra o princípio da nacionalidade passiva); d) lesivos de bens jurídicos não nacionais130 (de contrário, cairiam no âmbito da norma que consagra o princípio da defesa dos interesses nacionais); e e) lesivos de bens jurídicos não universais (de contrário, cairiam no âmbito da norma que consagra o princípio da universalidade).

b) A administração supletiva é residual ainda num outro sentido: o seu âmbito restringe-se a factos que constituam “crimes que admitam a extradição”.

Este pressuposto exclui do âmbito da regra, nomeadamente, as in-fracções políticas, conexas a políticas e estritamente militares131, que se encontram cobertas, no plano da extradição, pelas causas de recusa da natureza política e militar da infracção132.

3.3.2. Supletividade

Ao contrário do que acontece nas demais regras de jurisdição, os factos pressupostos pela administração supletiva da justiça penal não apresentam qualquer contacto ou conexão com a lei penal portugue-sa133. Por isso, ela não constitui uma regra de aplicabilidade. De fac-to, estas regras – que definem o âmbito de eficácia do ordenamento jurídico-penal – supõem a existência “de uma ‘conexão relevante’ do ilícito-típico com o ordenamento aplicável, de maneira a propiciar a sua cognoscibilidade e a força motivadora das normas materiais”134. Logo aí a administração supletiva da justiça penal difere da universalidade135, que envolve uma conexão, ainda que não exclusivamente fáctica, com

130 Sc., “segundo a sua específica natureza”, já que “é a substância – não necessariamente a titularidade – do bem jurídico que o torna em interesse nacional”: Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal I, op. cit., p. 212.

131 Assim, Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal I, op. cit., p. 213.132 Desenvolvidamente, sobre essas infracções, v. infra, no § 3, os pontos 2.8 e 2.9;

v. ainda, em geral, o percurso analítico pelo universo de causas de recusa realizado ao longo desse §.

133 Cf. Pedro Caeiro, Fundamento… op. cit., p. 238; Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal I, op. cit., p. 213; Frank höPFel / Claudia angermaier, «Adjudicating International Crimes», 2005, p. 318.

134 Pedro Caeiro, Fundamento… op. cit., p. 236.135 Embora a primeira surja frequentemente tratada como subespécie da segunda – cf.,

desde logo, Harvard Research in International Law, cit., Article 10.º (Universality).

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o ordenamento jurídico do Estado136.Não obstante a ausência de “conexão relevante”, a administração

supletiva constitui – já o vimos –, a par das regras de aplicabilidade, um poder incluído na jurisdição judicativa do Estado137. Esse poder cifra--se numa actuação do Estado português “em nome”138, “em vez ou em lugar”139 de um Estado com cujo ordenamento os factos apresentam um contacto. Daí esse poder jurisdicional poder designar-se de “suple-tivo”, “derivado”140 ou “de representação”141.

Em concreto, essa supletividade exprime-se num pressuposto que

não se encontra em nenhuma regra de aplicabilidade (a existência de um pedido de extradição), além de conferir um alcance diferente a um pressuposto que se encontra também em algumas regras de aplicabili-dade (a impossibilidade de se conceder a extradição)142.

3.3.3. Fundamento: repelir criminosos ou cooperar internacio-nalmente?

O fundamento que mais frequentemente se invoca para explicar o acolhimento da administração supletiva da justiça penal é o intento de evitar que uma jurisdição se ofereça como lugar de refúgio para criminosos – na ex-pressiva formulação de Figueiredo Dias, que se torne um “valhacouto de criminosos estrangeiros”143.

Porém, como sustenta Pedro Caeiro, essa fundamentação não se afigura adequada: os factos sobre que a regra incide não violaram o

136 Assim, Pedro Caeiro, Fundamento… op. cit., p. 239 s. O entendimento não é pacífico, mas, em todo o caso, rejeitar que a universalidade envolva uma conexão não implicaria equipará-la à administração supletiva da justiça penal, pois têm intencionalidades diversas, como observa Cedric ryngaert, Jurisdiction in International Law – United States and European Perspectives, 2007, p. 131, 543 et passim: “The main difference between universal jurisdiction and representational jurisdiction is that States, when exercising representational jurisdic-tion, protect the interests of the territorial State, whereas, when exercising universal juris-diction, they (supposedly) protect the interests of the international community”.

137 Pedro Caeiro, Fundamento… op. cit., p. 238, indicando que isso constitui um alarga-mento do âmbito da jurisdição judicativa do Estado português relativamente ao âmbito de eficácia do seu ordenamento jurídico-penal.

138 Pedro Caeiro, Fundamento… op. cit., p. 384.139 Jorge de Figueiredo diaS, Direito penal I, op. cit., p. 229.140 Claudia PaPPaS, op. cit., p. 99; Frank höPFel / Claudia angermaier, op. cit., p. 318.141 Cedric ryngaert, op. cit., p. 131, passim; Germano Marques da Silva, Direito Penal,

op. cit., p. 299, embora referindo-se-lhe noutro momento (ibidem, p. 308), como “princípio residual resultante da proibição constitucional de extradição (princípio de humanidade)”.

142 Desenvolvidamente, v. infra, no § 4, o ponto 2.2.2.143 Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal I, op. cit., p. 215; idem, «Compétence...», op.

cit., p. 131.

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ordenamento jurídico-penal do Estado requerido, os seus agentes não foram aí condenados por sentença transitada em julgado e, ainda que o tenham sido noutro Estado (maxime, no requerente), essa sentença todavia não foi revista e confirmada pelo requerido e, portanto, não é aí executável – tudo o que torna aquela fundamentação difícil de compatibilizar com um direito penal do facto144. Além disso, ela não logra explicar por que razão a administração supletiva da justiça penal depende do recebimento de um pedido de extradição: de facto, se o seu objectivo fosse evitar a fixação de “criminosos” no território nacional, que sentido teria fazê-la depender da “manifestação concreta de uma pretensão punitiva alheia”145?

A regra encontraria, então, o seu fundamento no desígnio de cola-borar com outros Estados na repressão de crimes, relevando da cooperação judiciária internacional em matéria penal146.

Porém, a nosso ver, tal concepção não é compatível com a confi-guração actual desta base de jurisdição. Na verdade, a conjugação da administração supletiva da justiça penal com o princípio da legalidade processual faz com que a rejeição de um pedido de extradição desenca-deie uma actuação repressiva por parte do Estado requerido, obrigando-o a intervir, sem consideração pela vontade do Estado em cujo nome supostamente o faz147, e mesmo que este manifeste desinteresse nisso (o que é perfeitamente concebível, e.g., por este considerar que as fina-lidades do seu sistema punitivo só seriam satisfeitas se os factos fossem investigados e julgados aí)148.

144 Pedro Caeiro, Fundamento… op. cit., p. 333 s. e p. 342, n. 869.145 Ibidem, p. 342, n. 869. Com interesse, v. também Christopher L. BlakeSley / Otto

lagodny, «Competing National Laws: Network or Jungle?», 1992, p. 99, referindo que a administração supletiva da justiça penal “has to be restricted to cases in which the state wherein the crime has been committed really wants the fugitive to be extradited (as indi-cated by a request for his extradition)”.

146 Pedro Caeiro, Fundamento… op. cit., p. 341-342.147 V. Frank höPFel / Claudia angermaier, op. cit., p. 336, articulando a administração

supletiva da justiça penal e o princípio da legalidade processual e concluindo também que, “[i]n this sense, there is (…) an obligation to prosecute if a person cannot be extradited”. Em contraste, os sistemas onde a promoção processual assenta num princípio de oportu-nidade permitem optar pela não instauração de processo e, assim, contornar a incompati-bilidade referida (mas v. ainda infra, em rodapé).

148 Esta noção, com o exemplo dado, foi-me sugerida por Miguel Ângelo Lemos, em conversa informal. Um outro exemplo, porventura de ocorrência mais provável, será o de a jurisdição requerente pretender evitar que os factos fiquem cobertos pela regra ne bis in idem, deixando-a para sempre impedida de julgá-los. A propósito, Julian J. E. SChutte, «Enforcement Measures in International Criminal Law», RIDP 52 (1981), p. 441 s., adverte que a disseminação da administração supletiva da justiça penal torna premente a aceitação

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Tese de Mestrado

Deste modo, a fundamentação da administração supletiva da justiça penal na cooperação internacional, que se afigura de acolher, deveria ser levada até às suas últimas consequências. E aquilo que ela pare-ce impor é uma jurisdição, mais do que supletiva, delegada, em que o exercício da jurisdição sancionatória por parte da entidade a quem a extradição é requerida dependa de um pedido nesse sentido por parte da entidade requerente. Pedido esse que até pode configurar-se como tácito149, sendo “ficcionado” a partir de um pedido de extradição (como acontece na administração supletiva da justiça penal)150, desde que con-tenha uma intenção delegante – o que implica que seja susceptível, pelo menos até certo momento, de revogação.

Excurso – Assimetrias entre a administração supletiva da justiça penal e as formas de cooperação “transmissão de processos penais” e “execução de sentenças penais estrangeiras”

Na verdade, um título de jurisdição com as características descritas e defendidas no final do ponto anterior já existia ao tempo da intro-dução da administração supletiva da justiça penal, pois decorria das formas de cooperação transmissão ou delegação de processos penais (arts. 79.º s. LCJ) e execução de sentenças penais (arts. 95.º s. LCJ)151. De facto, estes procedimentos permitem cooperar com outros Estados na repressão de crimes, encerrando um poder em tudo idêntico àquele que a admi-nistração supletiva da justiça penal envolve: a transmissão de processos atribui a um Estado o poder de conhecer de factos que podem não ter violado o seu ordenamento jurídico-penal152; a execução de sentenças o poder de executar sanções relativas a factos que podem não ter violado

ampla do princípio ne bis in idem em relação às decisões proferidas por outras jurisdições na sequência de processos baseados nessa regra, pois se as jurisdições (em particular, as que a não acolhem, pois serão essas as que terão mais reservas a opor-lhe) não aceitarem a força de caso julgado daquelas decisões, será expectável que ocorram segundos julgamentos injustos.

149 Cf. Marc henZelin, op. cit., p. 244, dando como pressuposto que a natureza tácita do pedido não impede que haja delegação: “Nous parlerons de délégation de compétence judiciaire à un autre Etat lorsque l’Etat délégant demande expressément ou tacitement à l’Etat déléga-taire d’exercer à sa place ses propres pouvoirs judiciaires”.

150 Richard van elSt / Harmen van der Wilt, «Netherlands», RIDP 79 (2008), p. 353: “a fiction (‘fictie’) which in the end ‘translates’ a request to extradite into a request to take over criminal proceedings”.

151 Assim, e no que segue, Miguel João CoSta, «Extradição e administração supletiva da justiça penal», Boletim da Faculdade de Direito de Macau, em vias de publicação.

152 V. Inês Ferreira leite, op. cit., p. 384; Pedro Caeiro, Fundamento… op. cit., p. 341.

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o seu ordenamento jurídico-penal153. Assim, pode recorrer-se à primei-ra nos casos em que o pedido de extradição recusado visava a instaura-ção ou continuação de um processo penal não concluído e à segunda naqueles em que o pedido de extradição recusado visava a execução de uma sentença já proferida. Ora, este facto, além de tornar a intro-dução da administração supletiva da justiça penal difícil de entender, cria uma diferenciação injustificável: os pressupostos da transmissão de processos e da execução de sentenças são diferentes (ainda que apenas ligeiramente) dos da administração supletiva da justiça penal, com a agravante de serem tendencialmente mais exigentes nas primeiras, em que a jurisdição estrangeira pede expressamente a cooperação e em que, por isso, a sua vontade não corre o risco de ser contrariada.

Numa análise sistemática, verificamos que a administração supletiva da justiça penal introduziu ainda uma outra assimetria injustificável. Como acabámos de verificar, o Estado português pode executar sentenças relativas a factos que não violaram o seu ordenamento por dois meios distintos: a) através de uma actuação penal supletiva (na sequência de um pedido de extradição que tenha rejeitado); b) através da execução de uma sentença penal estrangeira (na sequência de um pedido ex-presso nesse sentido)154. Ora, no primeiro caso, pode suceder que a jurisdição violada tivesse já julgado e condenado a pessoa, pretendendo obter a sua extradição para execução da pena. Contudo, em virtude da administração supletiva da justiça penal, articulada com o princípio da legalidade processual, o Estado português parece estar onerado com o dever de realizar todo um novo processo penal, pois não há uma norma que o habilite, em tal caso, a promover ex officio a execução da

153 Há ainda a transferência de pessoa condenada (arts. 114.º s. LCJ), mas que, entre outras especificidades, pressupõe que a pessoa não se encontre em Portugal: esta forma de cooperação mais não é do que uma execução de sentença estrangeira que implica a transfe-rência física da pessoa visada. Portanto, ela não se aplica aos casos de que o nosso estudo se ocupa, nos quais a pessoa se encontra em Portugal.

154 Ressalvado, naturalmente, o princípio ne bis in idem. Para uma análise do art. 6.º, n.º 1 CP, v. Manuel António Lopes roCha, op. cit., p. 125 s. Ainda na vigência do CP de 1886, v. António Furtado dos SantoS, «Direito internacional penal e direito penal internacional. Aplicação da lei penal estrangeira pelo juiz nacional», BMJ 92 (1960), p. 159 s.; bem assim, mas tomando como referente de análise o Projecto de Parte Geral do Prof. Eduardo Cor-reia de 1963, v. Jorge de Figueiredo diaS, «Compétence…», op. cit., p. 132 s.

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sentença penal estrangeira155-156. Daqui resulta a anunciada assimetria: o Estado português, após recusar a extradição por factos que já de-ram origem a uma condenação no Estado requerente, deve instaurar um novo processo, pelos mesmos factos, com base na administração supletiva da justiça penal; porém, não pode, a menos que isso lhe seja expressamente pedido, executar a sentença já proferida, o que seria não só mais satisfatório para esse Estado (que veria ser executada, ainda que em termos revistos, a sua decisão), como bastante menos oneroso para Portugal157.

155 O art. 96.º, n.º 3 LCJ estabelece que “[a] execução de sentença estrangeira que impõe reacção criminal privativa de liberdade é também admissível, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas g) e j) do n.º 1, quando, em caso de evasão para Portugal ou noutra situação em que a pessoa aí se encontre, tiver sido negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença”. Porém, este preceito não habilita o Estado a promover oficiosamente a execução da sentença estrangeira – induzindo, a partir de um pedido de extradição, um pedido de execução de sentença estrangeira –, pois isso conflituaria com o princípio geral de cooperação judiciária segundo o qual os Estados não cooperam ofi-ciosamente (sc., por sua iniciativa), mas apenas na sequência de um pedido (cf. arts. 20.º s. LCJ e, inequívocos, o Ac. STJ de 02-02-2011, processo n.º 301/09.2TRPRT.S1 e o Ac. TRC de 09-06-2010, processo n.º 80/10.0YRCBR, em <www.dgsi.pt>). Portanto, aquela disposição apenas visou ampliar a possibilidade de o Estado português aceitar pedidos de execução de sentença penal estrangeira nos casos em que tenha já recebido e recusado um pedido de extradição pelos mesmos factos, dispensando tais pedidos dos requisitos cons-tantes das als. g) e j) do mesmo artigo (sc., a execução da sentença em Portugal justificar-se pelo interesse da melhor reinserção social do condenado ou da reparação do dano causa-do pelo crime e a duração da sanção imposta na sentença não ser inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante não ser inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual).

156 Talvez por isso seja algo incomum a execução de sentenças estrangeiras surgir tra-tada no contexto da administração supletiva da justiça penal e do princípio aut dedere aut judicare. Porém, Christopher L. BlakeSley / Otto lagodny, op. cit., p. 71 e m. Cherif BaSSiouni, «The Philosophy and Policy of International Criminal Justice», 2003, p. 95, tangenciam essa abordagem, quando afirmam que uma implementação completa daquele princípio pressuporia o reconhecimento de julgamentos penais estrangeiros. No mesmo sentido, de um modo mais assertivo, v. Michał Płachta, Transfer of Prisoners under Interna-tional Instruments and Domestic Legislation: A Comparative Study, 1993, p. 191 s.; idem, «Contem-porary Problems of Extradition: Human Rights, Grounds for Refusal and the Principle Aut Dedere Aut Judicare», RMS 57 (2001), p. 85, instando a que se reconheça nesse princípio uma dimensão de “pœnam persequi”: “The ‘judicare’ option should be interpreted in func-tional and not strictly legal (‘legalistic’) terms. Consequently, the meaning of this alternative should not be limited to two stages of the criminal process, i.e. prosecution and trial. The requested state should be allowed to fulfill its obligation under the rule aut dedere aut judicare by undertaking to enforce the final sentence imposed on the offender whose extradition was requested”.

157 Segundo o Ac. STJ de 23/06/2010, processo n.º 2113/09.4YRLSB.S1, em <www.dgsi.pt>, o processo de execução de sentença penal estrangeira é menos oneroso ainda do que o processo de extradição passiva: “Este processo [de execução de sentença penal estrangeira] é diferente e bem mais simples do que o da extradição ou do processo especial de MDE, os quais demandam fixação de matéria de facto e a possibilidade da sua sindi-

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A situação pode não ter sido desejada pelo legislador: independen-temente das razões que o tenham levado a introduzir a administração supletiva da justiça penal no ordenamento jurídico português, é invero-símil que tenha pretendido onerar o Estado português com o dever de realizar um processo penal em representação de um Estado cuja pre-tensão punitiva seria mais bem satisfeita através de uma muito menos onerosa execução de sentença estrangeira. A ser assim, deverá interpretar-se o art. 5.º, n.º 1, al. f) CP no sentido de que, conjugado com o princípio da legalidade processual, faz emergir um dever de promover oficiosamen-te, nestes casos, a execução da sentença estrangeira.

As condições da execução são as estabelecidas no CPP para a revi-são e confirmação de sentença penal estrangeira (arts. 234.º s.) e na LCJ para a cooperação em geral (arts. 4.º s.) e para a execução de sentença penal estrangeira em particular (arts. 95.º s.)158. Se as condições da exe-cução da sentença estrangeira não estiverem reunidas, mas for possível instaurar um processo penal com base na administração supletiva da justiça penal, o dever de o fazer, naturalmente, subsiste.

3.3.4. A necessidade de uma pretensão punitiva alheia

Vimos nas linhas precedentes que a administração supletiva da jus-tiça penal se encontra condicionada pelo pressuposto de que o Estado português tenha recebido um pedido de extradição e deixámos implí-cita a ideia de que esse pressuposto equivale a exigir a manifestação de uma pretensão punitiva alheia. Desse modo, porém, imputou-se à norma um sentido que está para além da sua letra e que, por isso, é necessário justificar.

De facto, literalmente, a norma que estabelece a administração su-pletiva limita-se a exigir o recebimento de um pedido de extradição; não a manifestação de uma pretensão punitiva alheia. E a verdade é que esta manifestação não é uma inerência necessária daquele recebimento. Por outras palavras: um pedido de extradição não exprime necessariamente uma pretensão punitiva. Ao longo do percurso feito, deparámos já com mais de um tipo de situações em que isso ocorre: e.g., aquelas em que o

cância, o que aqui não ocorre, pois de acordo com art. 100.º, n.º 2, al. a), da Lei 144/99, quando se pronunciar pela revisão e confirmação, o tribunal está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira”.

158 Sendo que terá sempre aplicação o n.º 3 do art. 96.º LCJ, que flexibiliza as condições da execução, dispensando-a de um par de requisitos, “quando, em caso de evasão para Portugal ou noutra situação em que a pessoa aí se encontre, tiver sido negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença”.

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Estado requerente não pretende efectivar a responsabilidade penal do extraditando, ou não tem jurisdição sobre os factos, ou os factos não constituem crime segundo a sua própria lei penal. E outras há, como veremos, em que, de acordo com o direito internacional159 ou com o seu próprio direito interno, o Estado que requer a extradição não tem legitimidade para reprimir os factos. Nesses casos, o Estado requerente não tem uma pretensão punitiva legítima. O que significa, tendo em conta a teleologia do instituto, que não deveria sequer ter requerido a extradição. No entanto, se o tiver feito, o pressuposto do art. 5.º, n.º 1, al. f) tem-se formalmente por preenchido.

Simultaneamente, é denominador comum daqueles casos a circuns-tância de constituírem o Estado português no dever de recusar a extra-dição. De facto, embora a ausência de pretensão punitiva do Estado re-querente não se encontre plasmada de modo indiviso em uma causa de recusa, ela encontra-se coberta, fragmentadamente, por diversas causas de recusa que nos dão as diversas vertentes dessa ausência: ausência de incriminação, ausência de intenção de efectivar a responsabilidade penal do indivíduo, ausência de jurisdição sobre os factos, etc. Assim, sempre que um Estado pedir a extradição de uma pessoa sem que de-tenha uma pretensão punitiva legítima sobre os factos, colocar-se-á a questão de saber se o Estado português pode actuar penalmente sobre os mesmos, e é o alcance a imputar ao pressuposto de que a extradição haja sido requerida que nos dará a resposta a essa questão.

Ponderemos então estes casos à luz do fundamento acima impu-tado à administração supletiva: fará sentido considerar esta regra pre-enchida em face de um pedido de extradição que não traduza uma pretensão punitiva legítima? A nosso ver, não. Pois se o intento que primacialmente justifica que o Estado português reprima factos que não violaram o seu ordenamento jurídico-penal é cooperar com Esta-dos cujos ordenamentos foram violados, então, quando esta violação inexista ou não seja legítimo reprimi-la, o fundamento para uma inter-venção supletiva por parte do Estado português inexiste igualmente e, em consequência, aquele pressuposto não se dá materialmente como preenchido.

Concluindo, a norma que estabelece a administração supletiva da 159 Sobre as “prohibitiones puniendi” decorrentes do direito internacional, v. Pedro Caei-

ro, Fundamento… op. cit., p. 341 s. Sobre as restrições introduzidas por instrumentos regio-nais e universais de direitos humanos, v. Stefan treChSel, Human rights in criminal proceedings (with the assistance of Sarah J. Summers), 2005.

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justiça penal não se dá por preenchida perante o mero recebimento de um pedido de extradição, sendo necessário que tal pedido traduza uma pretensão punitiva – pelo menos, legítima.

3.3.5. O princípio aut dedere aut judicare

A administração supletiva da justiça penal representa um acolhimen-to pelo direito penal português do princípio aut dedere aut judicare.

a) Breve escorço histórico

A expressão “aut dedere aut judicare” é uma adaptação recente160 do brocardo “aut dedere aut punire”, modo abreviado de expor o pensamen-to desenvolvido por Hugo Grócio na obra De Jure Belli ac Pacis (1625)161, posteriormente elevado a princípio.

É incontestável ser esse o “primeiro tratamento jurídico consistente”162 desta ideia163, mas a mesma terá, em tempos mais lon-gínquos, cruzado o pensamento do jurista italiano Baldo degli Ubaldi (1327-1400)164 e do arcebispo castelhano Diego de Covarrubias y Leyva (1512-1577)165.

160 Cf. M. Cherif BaSSiouni / Edward M. WiSe, Aut Dedere Aut Judicare: The Duty to Extradite or Prosecute in International Law, 1995, p. 4.

161 Hugonis grotii, De Jure Belli ac Pacis, 1913, p. 365-383.162 Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 18; cf. M. Cherif BaSSiounii, «An appraisal of

the growth and developing trends of international criminal law», RIDP 45 (1974), p. 405 s.163 O A. considera que, do mesmo modo que quem participa na realização do mal,

ainda que de modo acessório – ordenando-a, autorizando-a, etc. –, é responsável pelo resultado, também uma comunidade e os seus governantes são responsáveis pelo auxílio (maxime, pelo refúgio) prestado a indivíduos que tenham cometido actos daquela natureza noutra comunidade (Hugonis grotii, op. cit., p. 366-367). O A. afirma que, em regra, os crimes dos indivíduos são assunto da respectiva civitas, à qual assiste o direito de os punir ou tolerar a seu critério, mas que não pode conceber-se que tal direito abranja todos os crimes: ele não abrangeria, desde logo, os crimes de algum modo pertencentes à sociedade humana (“delictis quæ ad societatem humanam aliquo modo pertinent”), que poderiam ser reprimi-dos por outras civitæ, e, “multoque minus”, os crimes particularmente lesivos de outra civitas (“delictis quibus alia civitas aut ejus rector peculiariter læsus est”), a quem, por razões de dignidade ou segurança, assistiria o direito de exigir punição do criminoso (ibidem, p. 367-368). Visto, porém – prossegue o A. –, não ser costume permitir-se a invasão das fronteiras por forças armadas a fim de infligirem punições, a civitas onde o culpado se encontre deve, ela própria, puni-lo, ou então deixá-lo ao arbítrio da parte que o reclama: “aut ut ipsa interpellata pro merito puniat nocentem, aut ut eum permittat arbitrio interpellantis: hoc enim illud est dedere” (ibidem, p. 368).

164 Segundo informa, também antes da obra de Grócio, Jean Bodin (The Six Bookes of a Commonweale), apud m. Cherif BaSSiouni, International Criminal Law II… op. cit., p. 38: “All lawyers with almost one consent say: sovereign princes not be bound to restore strangers flying unto them, unto their own princes demanding them. (…) Only Baldus addeth this condition thereunto, not to restore him to be right, so that the prince unto whom the con-demned or guilty person is so fled, do upon him justice.”

165 Diego de CovarruBiaS y leyva, Quæstionum practicarum,1573, p. 14, referido, no con-

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b) Justificação da fórmula usada

“Dedere” significa “entregar”. Não existia, em latim, o verbo “extra- dere”166. A palavra “extradition” terá surgido em França em 1791167. A extradição, todavia, envolve, por definição, um acto material de entre-ga de uma pessoa, pelo que a palavra “dedere” não perdeu a aptidão para expressar o instituto. Por outro lado, embora em certas esferas de cooperação judiciária internacional em matéria penal (e.g., na co-operação entre Estados-Membros da UE e entre Estados e tribunais penais internacionais) se tenha afirmado uma significativa redução das condições necessárias para que a cooperação se realize – a qual traduz uma preponderância da jurisdição requerente relativamente à requerida –, conducente à autonomização do termo “entrega”, isso não retirou à extradição a sua pertinência ao conceito de “entrega”, concebido este num sentido amplo. Apenas a demarcou daquele outro conceito, que já por isso passa a designar-se de “entrega em sentido estrito”168. Ora, o princípio aut dedere aut judicare faz-se igualmente sentir, embora com naturais especificidades, na esfera da “entrega em sentido estrito”, o que significa que a expressão “extradere” deixaria de fora uma realidade que o princípio actualmente abrange.

Quanto ao segundo elemento da fórmula, preferimos a expressão “judicare” à tradicional “punire” – aderindo à adaptação recente, promo-vida por M. Cherif Bassiouni desde a obra “International Extradition and World Public Order” (1974), com inspiração no Documento Fi-nal de Conclusões e Recomendações da Conferência de Siracusa sobre Terrorismo e Crimes Políticos (1973), que terá sido o primeiro instru-

texto do TIJ, pela «Joint Declaration of Judges Evensen, Tarassov, Guillaume and Agui-lar Mawdsley» (caso Lockerbie), 14/04/1992, p. 26 (em <http://www.icj-cij.org/docket/files/89/7221.pdf>) e pela «Separate Opinion of President Guilhaume» (caso Yerodia), 14/02/2002, p. 35 (em <http://www.icj-cij.org/docket/files/121/8128.pdf>).

166 Usavam-se os seguintes substantivos e os correspondentes verbos: “deditio”, “remis-sio” e “intercum” – assim, Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 19.

167 No Décret-Loi de 19 de Fevereiro de 1791 – assim, Christopher L. BlakeSley, op. cit., p. 147. Segundo m. Cherif BaSSiouni / Edward M. WiSe, op. cit., p. 4, nota 7, o substantivo “extradition” surgiu antes do verbo correspondente (“extrader”), “[which] suggests reflec-tion on an activity which was in process of becoming an institution”. Entre nós – segundo informa José Magalhães godinho, op. cit., p. 404 –, o mais antigo instrumento normativo onde se usa o termo “extradição” é a Convenção com Espanha, de 25 de Junho de 1867.

168 Assim, e para um tratamento esgotante dos termos “entrega”, “extradição” e “transferência” e respectivos conceitos, v. Pedro Caeiro, «O procedimento…», op. cit., p. 72 s. V. também Antonio CaSSeSe, «The Statute of the International Criminal Court: Some Preliminary Reflections», EJIL 10 (1999), p. 164 s.

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mento jurídico internacional a empregar a palavra “judicare”169 –, pois no momento em que o princípio intervém a pessoa visada pode não ter sido condenada e, portanto, presume-se inocente170-171. Alguns AA. pre-ferem ainda “prosequi” a “judicare”, alegando que, em rigor, o princípio apenas impõe ao Estado o dever de encetar um processo penal, o qual pode terminar sem que haja julgamento172-173. Porém, o termo “judicare” abrange também as fases processuais preliminares – que são, geral-mente, fases judiciais174 –, além de que se o processo de facto chegar a julgamento estaremos ainda dentro do âmbito do termo “judicare” mas já algo para além do do termo “prosequi”. Por fim, esta expressão peca por restrita ao não abranger a execução de sentença e a execução de sentença penal estrangeira (que, por outro lado, também não pode ser designada sob a expressão “punire”, pois depende de uma intervenção judicativa de revisão e confirmação175)176.

c) O princípio no direito internacional

O facto de antes de 1998 não existir no direito penal português a administração supletiva da justiça penal não significa que o princípio aut dedere aut judicare, na dimensão em análise, não tivesse, já então, entre nós, uma certa forma de vigência. Na verdade, havia dois conjuntos de crimes que já então estavam sujeitos àquela disjuntiva.

169 Assim, m. Cherif BaSSiouni / Edward M. WiSe, op. cit., p. 4, n. 8.170 Cf., entre nós, o art. 32.º, n.º 2 CRP e, na jurisprudência, o Ac. STJ de 07-01-2009,

processo 08P4144, em <www.dgsi.pt>. No mesmo sentido, v. United Nations, «Report of the International Law Commission, Sixty-fifth session(6 May–7 June and 8 July–9 August 2013), General Assembly Official Records, Sixty-eighth session Supplement No. 10 (A/68/10)», em <www.legal.un.org>, p. 126.

171 Mesmo neste aspecto, contudo, deve honrar-se, com m. Cherif BaSSiouni / Edward M. WiSe, op. cit., p. 39, o avançado pensamento de Grócio, que, embora muitas vezes se refira ao indivíduo como alguém coberto de culpa (“qui culpæ est compertus”), não exclui que, depois de entregue, ele não seja punido, pois muitos crimes tanto admitem que o seja como que o não seja (“(…) aut non puniri, ut multa sunt delicta in quibus utrumvis fieri potest”), além de salientar que a entrega deve ser precedida de investigação judicial (“deditionem enim præcedere debet causæ cognitio”) – cf. Hugonis grotii, op. cit., p. 368-369.

172 Cf., entre nós, os arts. 276.º s. e 306.º s. CPP.173 Cf. Guillaume gilBert, «Terrorisme et droit international», RCADI 215, n.º 3

(1989), p. 371; Marc henZelin, op. cit., p. 239, passim.174 Entre nós, cf. os arts. 219.º n.os 1 e 2 CRP e 1.º, al. b), 263.º e 288.º CPP.175 Cf. os arts. 234.º s. e 468.º, al. c) CPP; na jurisprudência, e.g., o Ac. STJ de 02-02-

2011, processo n.º 301/09.2TRPRT.S1, em <www.dgsi.pt>. Daí considerarmos preferível, para designar esta subespécie, a expressão de Michał Płachta, ult. loc. cit.: “pœnam persequi”.

176 Discutindo também a terminologia preferível, v. Raphäel van SteenBerghe, «The Obligation to Extradite or Prosecute: Clarifying its Nature», JICJ 9 (2011), p. 1089 s.

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Tese de Mestrado

aa) Crimina juris gentium

Admitindo que, quanto a este crimes177, o princípio aut dedere aut judicare tem desde há algum tempo o estatuto de costume internacio-nal, isso significa que – em virtude do art. 8.º, n.º 1 CRP – o mesmo vigorava já, quanto a tais crimes, no ordenamento jurídico português178.

bb) Crimes internacionais convencionais

Do mesmo modo, o princípio vigorava no ordenamento jurídico português – em virtude, agora, do art. 8.º, n.º 2 CRP – quanto aos crimes previstos em convenções internacionais de que Portugal fosse parte e através das quais se houvesse vinculado, relativamente a tais crimes, a uma obrigação de extraditar ou julgar179.

É certo que alguns desses factos – de ambos os conjuntos – eram abrangidos simultaneamente pela regra da universalidade, pelo que sempre estariam sujeitos à jurisdição sancionatória do Estado portu-guês180. No entanto, os factos abrangidos por essa regra não coincidiam (como continuam a não coincidir) com os factos abrangidos por este dever, constituindo os últimos um conjunto mais amplo. De todo o modo, e em conclusão, foi sobre os factos não abrangidos por aquela regra nem por este dever que a administração supletiva da justiça penal veio, originariamente, incidir.

177 Sobre este conceito, cf. Antonio CaSSeSe, International..., op. cit., p. 11 s. e 81 s. A expressão “delicta juris gentium” foi impulsionada pelo tribunal israelita que condenou Adolf Eichmann com base no princípio da universalidade, o qual declarou que “[t]he abhorrent crimes defined in this Law are crimes not under Israeli law alone. These crimes which of-These crimes which of-fended the whole of mankind and shocked the conscience of nations are grave offences against the law of nations itself (‘delicta juris gentium’)” – apud Bartram S. BroWn, «The Evolving Concept of Universal Jurisdiction», NELR 35 (2001), p. 383-384.

178 Sobre o direito internacional geral, v. infra, na Parte II, o § 1.179 Sobre o direito internacional convencional, v. infra, na Parte II, o § 2.180 Quanto a estes factos, uma relevante questão que se coloca, embora não nos com-

pita aqui analisá-la, é a de saber se se aplicam as normas penais materiais internas, ou antes se deve empreender-se uma aplicação directa do direito penal internacional geral – v. Pedro Caeiro, Fundamento… op. cit., p. 386 s. A jusante dela, deparamos com o problema da aplicação directa do direito penal internacional por tribunais nacionais – v. Ward N. Fer-dinanduSSe, Direct Application of International Criminal Law in National Courts, 2006, ou, mais abreviadamente, «The Prosecution of Grave Breaches in National Courts», JICJ 7 (2009), p. 723 s.; Kai amBoS, «Prosecuting International Crimes at the National and International Level: Between Justice and Realpolitik», 2006, p. 55 s.

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d) A decisão de dedere aut judicare – Critério de delimitação: sub-tracção dos casos “nec dedere nec judicare”

Como vimos, a administração supletiva da justiça penal atribui ao Estado português, em abstracto, jurisdição sobre os factos pelos quais recusa a extradição. Por seu turno, como vimos igualmente, o princípio da legalidade processual impõe-lhe que persiga penalmente a generali-dade dos factos sobre que tem jurisdição (ressalvados os crimes parti-culares em sentido amplo). Em silogismo, pode, então, afirmar-se que o Estado tem, em abstracto, o dever de agir penalmente sobre os factos pelos quais recusa a extradição.

Olhando pelo prisma da extradição, isso significa que quando o Es-tado recebe um pedido só pode acontecer uma de duas coisas: ou o Estado extradita (dedere); ou não extradita (non dedere) e, em consequên-cia, age penalmente (judicare). Nestes termos, a decisão sobre o proce-dimento de extradição (que anteriormente deixámos qualificada como uma decisão de dedere aut non dedere) vê-se convertida, em abstracto, numa decisão de extraditar ou julgar, a qual, portanto, poderemos designar de decisão de dedere aut judicare.

Contudo, como pudemos verificar, se os factos não admitirem a extradição, o Estado, por esse mesmo motivo, não pode nem extraditar (como é óbvio) nem julgar (pois é necessário que os factos admitam extradição para que se preencham os pressupostos da administração supletiva da justiça penal). Além disso, há outras circunstâncias cuja ve-rificação, para além de obstar à extradição (por preencher certas causas de recusa), impede concomitantemente o preenchimento material do pressuposto “recebimento de um pedido de extradição”181, pelo que, de modo idêntico, o Estado não pode nem extraditar nem julgar. Po-demos então designar estes casos como casos de nec dedere nec judicare182.

Por outro lado, há causas de recusa cujas hipóteses também pressu-põem a impossibilidade de exercício de ius puniendi por parte do Estado português, mas por razões – e.g., a intervenção do princípio da lega-lidade criminal – exógenas em relação à questão, que a recusa de um pedido de extradição faz emergir, de saber se se encontram reunidos ou

181 Cf. infra, no § 3, v.g., o ponto 2.11.c).182 A expressão tem ainda respaldo na obra de Grócio, que, ao relatar que certa civitas

declarou guerra a outra porque esta não lhe entregou nem puniu os culpados que lhe tinham causado graves danos, emprega a expressão “nec animadverterent nec reos dederent” – Hugonis grotii, op. cit., p. 368.

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não os pressupostos da sua jurisdição sancionatória supletiva183. Trata--se também, portanto, de casos “nec dedere nec judicare”, embora num sentido que, por aquela razão, pode considerar-se impróprio.

Assim, sem prejuízo de uma identificação de todos os casos de nec dedere nec judicare – exercício que só é possível percorrendo transversal-mente o universo de causas de recusa previsto na LCJ e apurando se a circunstância constitutiva de cada uma delas é compatível ou não com uma subsequente repressão penal dos factos pelo Estado português –, o critério para demarcar a (mais estreita) decisão de dedere aut judicare da (mais alargada) decisão de dedere aut non dedere fica desde já traçado, podendo sintetizar-se do seguinte modo: quando recebe um pedido de extradição, o Estado português tem de tomar uma decisão de dedere aut non dedere; se não se verificar nenhum caso de nec dedere nec judicare, essa decisão converte-se numa decisão de dedere aut judicare.

§ 3. A decisão de extraditar ou julgar (dedere aut judicare) – Corte vertical: o universo de causas de recusa e as situações “nec dedere nec judicare”

1. Razão de ordem

1.1. No § 2 verificámos que, em virtude da administração supletiva da justiça penal, conjugada com o princípio da legalidade criminal, a decisão sobre o procedimento de extradição (dedere aut non dedere) se converte, em abstracto, numa decisão de extraditar ou julgar (dedere aut judicare) e traçámos o critério para determinar o conjunto de casos em que, em concreto, isso acontece: identificar e subtrair à decisão de dedere aut non dedere os casos em que o Estado não pode extraditar nem actuar penalmente (nec dedere nec judicare).

A propósito destes casos, faça-se apenas a seguinte observação su-plementar, talvez óbvia: embora a verificação de uma causa de recusa baste para que a extradição seja recusada, é possível que um mesmo pedido de extradição active mais do que uma causa de recusa, situação que poderemos designar de “concurso de causas de recusa”; ora, quan-do isso suceder, bastará que uma das causas de recusa concorrentes constitua um caso de nec dedere nec judicare para que o Estado português

183 Assim, por exemplo, o Estado português não pode reprimir factos que sejam atí-picos perante o seu ordenamento jurídico-penal – mesmo quando essa atipicidade não impeça a cooperação.

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fique impossibilitado de actuar penalmente. A verificação de um só desses casos tem uma espécie de “efeito de bloqueio”. Por exemplo: se o pedido respeitar a factos que não constituem crime segundo a lei penal portuguesa, um caso paradigmático de nec dedere nec judicare184, e, em simultâneo, o processo no Estado requerente não assegurar os direitos fundamentais do indivíduo, causa de recusa que, por si só, não impediria o exercício de ius puniendi185, o Estado português não poderá, todavia, fazê-lo, dada a intercessão da circunstância que integra a pri-meira causa de recusa.

Como também dissemos no § 2, a identificação dos casos de nec dedere nec judicare implica a realização de uma análise das várias causas de recusa previstas na LCJ, tendente a apurar se as respectivas circuns-tâncias constitutivas impedem o Estado português de exercer o seu ius puniendi. Registe-se que essa análise incidirá primacialmente sobre a eventualidade de o Estado agir supletivamente, e não tanto sobre a hipótese de lhe assistir jurisdição fundada num contacto dos factos com o ordenamento nacional através do preenchimento de uma regra de aplicabilidade (territorialidade, nacionalidade, etc.). Isto, por dois motivos. Primeiro, porque o exercício da jurisdição fundado nestas re-gras não depende de um pedido de extradição, o que significa que, aí, a questão da actuação penal do Estado é prévia, no plano sistemático, constituindo, não uma manifestação do princípio aut dedere aut judicare, mas uma decorrência da violação do ordenamento jurídico-penal: sic et simpliciter judicare. Segundo, porque se, ainda assim, houver um pe-dido de extradição, a circunstância de o Estado ter jurisdição fundada numa regra de aplicabilidade pode já, em si mesma, eventualmente, fundamentar uma recusa186, o que significa que as respectivas causas de recusa constituem a sede adequada para tratar a questão e praticamente esgotar as suas implicações.

1.2. No § 1 comprometemo-nos ainda a apurar se as várias causas de recusa da extradição são susceptíveis de apreciação tanto judicial como político-administrativa e diferimos essa tarefa para o momento em que analisássemos em pormenor aquele universo. É chegado esse momento.

184 Cf. infra, o ponto 2.6.185 Cf. infra, o ponto 2.1.186 Cf. os arts. 18.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, al. a) e 32.º, n.º 1, al. b) LCJ e, respectivamente,

infra, § 4, § 3, ponto 2.13 e § 3, ponto 2.14.

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1.3. Ao longo do presente § 3 manteremos a sistematização adopta-da no § 1, pelos motivos aí apontados, tratando indistintamente causas gerais e causas específicas de recusa, e separadamente causas de recusa

obrigatória e causas de recusa facultativa.

2. Causas de recusa obrigatória

2.1. Ausência ou insuficiência de garantias processuais

a) Considerações gerais

Nos termos do art. 6.º, n.º 1, al. a) LCJ, a extradição será recusada se o processo no Estado requerente não satisfizer ou não respeitar as exi-gências de relevantes instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados por Portugal, como a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais187-188.

Esta causa de recusa garante uma “protecção colateral”189 daquelas exigências: além de vinculado a respeitá-las nos seus processos penais, o Estado português comprometeu-se desta forma a não cooperar com Estados que as não respeitem.

b) Decisão judicial e administrativa

Trata-se de uma causa de recusa que é simultaneamente objecto de apreciação judicial e política.

O tribunal recusará a extradição se o processo penal do Estado re-querente não satisfizer aquelas exigências – e.g., se admitir a tortura como meio de obtenção de prova – ou se, ainda que formalmente as satisfaça, houver dados concretos relativos ao caso em apreço (como declarações feitas publicamente pelo titular de um órgão público do

187 V. sobretudo as exigências de natureza processual penal constantes do seu art. 6.º. Sobre elas, v. Christine van den Wyngaert, «Applying the European Convention on Hu-man Rights to Extradition: Opening Pandora’s Box?», ICLQ 39 (1990), p. 757 s.; Stephanos StavroS, The Guarantees for Accused Persons Under Article 6 of the European Convention on Human Rights, 1993; David harriS / Michael o’Boyle / Edward BateS / Carla BuCkley, Harris, O’Boyle & Warbrick: Law of the European Convention on Human Rights, 2nd ed., 2009; Antonio rovira, Extradición y derechos fundamentales (comentarios al artículo 13.3 de la Constitución), 2005, p. 100 s. Jacques hartmann, «The European Convention on Human Rights and Extradi-tion», 2009, p. 25 s.; Na doutrina portuguesa, v. Paulo Manuel Abreu da Silva CoSta, «A protecção dos estrangeiros pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem perante processos de asilo, expulsão e extradição», ROA 60 (2000), p. 499 s.

188 Também a CDFUE proíbe a extradição quando se “corra sério risco de ser sujeito a (...) tortura ou a outros tratos (...) desumanos ou degradantes” (art. 19.º, n.º 2).

189 Pedro Caeiro, Lições (não publicadas), cit.

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Estado requerente) que indiciem que as ditas exigências, na prática, não serão respeitadas.

O Executivo recusará a extradição com base numa apreciação políti-co-administrativa das mesmas circunstâncias190, sendo que a margem de que dispõe para recusar com base nesta probabilidade é, por definição (sc., atento o facto de a sua decisão ser discricionária), mais alargada do que a margem de que o tribunal dispõe para recusar com base nos ele-mentos concretos referidos no final do parágrafo anterior.

c) Aut dedere aut judicare

O desrespeito pelos direitos humanos no processo penal do Esta-do requerente de modo algum significa que o extraditando não tenha cometido um crime e nenhuma circunstância há que impeça o Esta-do de o reprimir supletivamente. O Estado português, após recusar a

extradição, deverá, pois, agir penalmente sobre os factos com base na administração supletiva da justiça penal, de acordo com o princípio aut dedere aut judicare.

2.2. Perseguição e repressão discriminatórias

2.2.1. Perseguição discriminatória

a) Considerações gerais

Nos termos do art. 6.º, n.º 1, al. b) LCJ, a cooperação será recusada quando houver fundadas razões para crer que foi solicitada com o fim de perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, na-cionalidade, língua, convicções políticas ou ideológicas ou pertença a um grupo social determinado. Para além de o inciso “pertença a um grupo social determinado” ser já bastante amplo, permitindo acomodar na letra da norma um extenso conjunto de factores que frequentemente consti-tuem móbil de perseguições penais, o elenco citado deve considerar-se exemplificativo, susceptível de integrar factores materialmente idênticos aos que dele constam191 (e.g., características genéticas, cor, nascimento, riqueza, doença, deficiência, idade, orientação sexual192).

Através desta causa de recusa, o Estado português nega-se a cola-190 Cf. o Ac. STJ de 07-01-2009, processo n.º 08P4144, ponto IX, em <www.dgsi.pt>,

em que o Tribunal parece encarar com naturalidade a recusa do Executivo baseada neste fundamento.

191 Neste sentido, Pedro Caeiro, Lições (não publicadas), cit.192 Vários destes factores constam da proibição de discriminação consagrada na

CDFUE (cf. o seu art. 21.º, n.º 1).

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borar na satisfação de pretensões baseadas (pelo menos, parcialmente) em factores discriminatórios e não apenas em factores contendentes com a prática de um crime.

b) Decisão judicial e administrativa

Também esta causa de recusa reclama uma apreciação judicial e ad-ministrativa.

O tribunal recusa a extradição se a lei do Estado requerente conti-ver disposições segundo as quais certas pessoas devam ser perseguidas discriminatoriamente, bem como se – em termos análogos aos expostos

quanto à causa de recusa precedente –, houver elementos concretos que permitam supor que, no caso decidendo, é de uma perseguição dessa natureza que na verdade se trata193.

Quanto ao Executivo, a exigência legal de que haja “fundadas ra-zões” para crer que a perseguição é fundada em motivos discrimina-tórios é eminentemente susceptível de apreciação política, pelo que, quando considerar que tais razões existem, deve recusar a extradição.

A exigência de que haja “fundadas razões” impõe uma análise do caso concreto, não sendo suficiente que esse tipo de discriminação constitua prática habitual do Estado requerente – se bem que tal facto não deixa de constituir um indício relevante a considerar pelo Estado português na apreciação concreta que deve fazer194.

c) Aut dedere aut judicare

Tal como na causa de recusa “desrespeito pelos direitos humanos”, o facto de uma pessoa ser alvo de perseguição discriminatória não sig-nifica que não tenha de facto praticado um crime, e nada há de particu-lar, na hipótese, que impeça o Estado português actuar supletivamente.

2.2.2. Repressão discriminatória

Em complemento da alínea que a antecede, a al. c) do n.º 1 do art. 6.º LCJ estabelece como obstáculo a existência de risco de agrava-

193 Para um paradigmático exemplo de quanto acabou de ser dito, v. o Ac. TRL de 09-04-2008, processo n.º 4076/2005-3, em <www.dgsi.pt>, em que o tribunal recusou a extra-dição por considerar que a mesma expressava uma perseguição por motivos políticos. Será curioso referir – a título ilustrativo da apreciação judicial que esta causa de recusa envolve – que o tribunal considerou um relevante indício da perseguição política o facto do Estado requerente almejar julgar a extraditanda num tribunal especial (que não “de excepção”, e por isso não subsumível na causa de recusa da al. d) do art. 6.º LCJ: cf. infra, ponto 2.3).

194 Assim, Pedro Caeiro, Lições (não publicadas), cit.

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mento da situação processual da pessoa visada pelo procedimento em virtude de qualquer das razões discriminatórias abrangidas pela alínea b), já analisada.

Trata-se de uma causa de recusa autónoma, mas à qual aproveita tudo quanto se expendeu a respeito da perseguição discriminatória.

2.3. Natureza do tribunal

a) Considerações gerais

O art. 6.º, n.º 1, al. d), LCJ impõe a recusa da cooperação quando esta puder conduzir a julgamento por um tribunal de excepção ou res-peitar a execução de sentença proferida por um tribunal dessa natureza.

Este obstáculo expressa um repúdio do Estado português pelos tribunais de excepção. Estes tribunais constituem uma memória acre do Estado-Novo195, mas o dito repúdio funda-se, juridicamente, na circunstância de os mesmos constituírem, frequentemente, instâncias criadas após a prática dos factos que se destinam a julgar e desvios ao princípio do juiz natural196, para além de muitas vezes terem o poder de fixar medidas concretas de pena superiores aos limites máximos abstractamente estabelecidos na lei penal, em violação do princípio da legalidade criminal197.

É importante notar que não integram o conceito de tribunal de excepção os tribunais especiais, constitucional ou legalmente investi-dos de competência para conhecer certas infracções específicas e / ou cometidas por agentes dotados de certas qualidades específicas – e.g., militares, ou funcionários198.

195 Na expressão usada pelo TRL no Ac. de 09-04-2008, processo n.º 4076/2005-3, em <www.dgsi.pt>, estes tribunais “não são de boa memória, no passado recente, entre nós”. No mesmo sentido, v. Vital moreira, «O Tribunal Penal Internacional e a Constituição», 2004, p. 22, n. 11.

196 Pedro Caeiro, Lições (não publicadas), cit. 197 Robert Zimmermann, op. cit., p. 485.198 Entre nós, a CRP admite a existência de tribunais militares durante a vigência do

estado de guerra (art. 213.º), mas proíbe a existência de quaisquer outros tribunais com competência exclusiva para certas categorias de crimes (art. 209.º, n.º 4). Isso, porém, não impede o Estado português de extraditar para Estados que pretendam julgar os factos em tribunais especiais de outra natureza que não militar. Tribunais especiais não são o mesmo que tribunais de excepção e as razões pelas quais o Estado se recusa a extraditar no caso destes não se verificam necessariamente quanto àqueles. Como refere Vital moreira, op. cit., p. 22, “o sentido constitucional da proibição de tribunais penais especiais tem menos que ver com a existência de tribunais especializados para julgar certos crimes do que com a proibição de tribunais com estatuto especial, em termos de menor independência e menos garantias de defesa dos arguidos”. Exemplos do referido são as decisões do Tribunal Fede-

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b) Decisão judicial e administrativa

Também esta causa de recusa constitui objecto de decisão judicial e administrativa.

Sem embargo, verificam-se a este nível diferenças entre as duas sub--hipóteses da norma (julgamento por tribunal de excepção e execução de sentença proferida por tribunal dessa natureza), que justificam uma análise separada.

aa) Julgamento por tribunal de excepção

A análise desta sub-hipótese deve desdobrar-se em duas situações diferentes: a de o tribunal de excepção estar já criado ao tempo do pe-dido de extradição, e a de o não estar.

α. Podendo os tribunais de excepção ser criados após a prática dos factos, é possível que sejam criados posteriormente ao próprio pedido de extradição (sobretudo se o Estado requerente souber da existência desta causa de recusa na jurisdição onde a pessoa perseguida se acha). Cumpre por conseguinte apurar se, neste caso, é possível recusar o pedido com base em meros indícios: a resposta é positiva e a letra da norma acomoda esse entendimento quando dispõe que o pedido é recusado quando “[p]uder conduzir a (…)”. A expressão “puder con-duzir” deve, pois, ser entendida em termos idênticos ao inciso “houver fundadas razões”, estabelecido para a causa de recusa da perseguição discriminatória199.

β. Se ao tempo do pedido de extradição o Estado requerente tiver já constituído um tribunal de excepção destinado a julgar certos factos e / ou factos cometidos por certos tipos de pessoas e neles se enquadrar o facto e / ou a pessoa do extraditando, então é ainda mais óbvio que tanto o Executivo como o tribunal podem e devem recusar a extradi-ção.

bb) Execução de sentença proferida por tribunal de excepção

Nesta sub-hipótese não há lugar a prognósticos: ou a sentença para cuja execução a extradição é pedida foi proferida por um tribunal de

ral helvético nos casos “Losembe” e “Sener” ao abrigo da Loi fédérale sur l’entraide judiciaire en matière pénale, de 20 de Março de 1981 – referida no Preâmbulo do nosso antigo Decreto--Lei 43/91 como fonte de inspiração (e, com efeito, em tudo idêntica à nossa lei quanto a esta causa de recusa dos tribunais de excepção).

199 V. supra.

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excepção ou não o foi. No primeiro caso, o pedido deve ser recusado. Pelo Executivo, logo na fase administrativa; pelo tribunal, se porventu-ra se chegar à fase judicial.

c) Aut dedere aut judicare

À semelhança do que sucede com as causas de recusa já analisadas, esta causa de recusa não comporta, sob qualquer perspectiva, uma im-possibilidade de o Estado português, após recusar a extradição, actuar supletivamente sobre os factos, dando expressão prática ao princípio aut dedere aut judicare.

2.4. Natureza da sanção aplicável

a) Considerações gerais

Em concretização da CRP (art. 33.º, n.os 6 e 4), a LCJ (art. 6.º, n.º 1, als. e) e f)) fixa como causas de recusa as circunstâncias de a sanção aplicável no Estado requerente: ser a pena de morte ou susceptível de causar lesão irreversível da integridade da pessoa; ou ter natureza per-pétua ou de duração indefinida200.

Trata-se de duas causas de recusa autónomas, mas, para além da ób-via afinidade de respeitarem à aplicabilidade de sanções proibidas pelo direito penal português, apresentam outras intercepções que justificam uma análise unitária.

Nos termos do art. 6.º, n.º 1, al. e) LCJ a cooperação é recusada quando o facto a que respeita for punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa, salvo se o Estado requerente, por acto irrevogável e vinculativo para os seus tribunais ou outras entidades competentes para a execução da pena, tiver previamente comutado essas penas (art. 6.º, n.º 2, al. a) LCJ), ou aceitar a sua conversão por um tribunal português segundo as disposi-ções da lei portuguesa aplicáveis ao crime que motivou a condenação (art. 6.º, n.º 2, al. c) LCJ)201.

200 Note-se que os preceitos da CRP em causa respeitam exclusivamente à extradição, ao passo que os correspondentes preceitos da LCJ se aplicam a todas as formas de coope-ração. Sobre estas causas de recusa, v. Pedro Caeiro, «Proibições Constitucionais de Ex-traditar em Função da Pena Aplicável», RPCC 8 (1998), p. 7 s.; com visões diversas, Carlos FernandeS, op. cit., p. 56 s.; José Joaquim Gomes Canotilho, «Caso Varizo – Extradição no caso de prisão perpétua», RLJ 128 (1995), p. 250 s.; posterior à LCJ, Paulo Saragoça da matta, «O sistema português de extradição após a publicação da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto», 2004, p. 248 s.

201 Este obstáculo concretiza a proibição constitucional estabelecida no art. 33.º, n.º 6,

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A cooperação é também rejeitada, nos termos do art. 6.º, n.º 1, al. f) LCJ quando o facto respeitar a infracção a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida, salvo se o Estado requerente, por acto irrevogável e vin-culativo para os seus tribunais ou outras entidades competentes para a execução da pena, tiver retirado o carácter perpétuo ou a duração indefinida à pena ou medida de segurança (art. 6.º, n.º 2, al. a) LCJ), oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada (art. 6.º, n.º 2, al. b) LCJ), ou aceitar a conversão das mesmas por um tribunal português segundo as disposições da lei portuguesa aplicáveis ao crime que motivou a condenação (art. 6.º, n.º 2, al. c) LCJ)202.

b) Decisão judicial e administrativa

Estas causas de recusa são objecto de decisão judicial e administrati-va. Cumpre apenas fazer uma ténue diferenciação: no caso da aplicabi-lidade de pena de morte ou causadora de lesão irreversível, a extradição só é possível se se verificar uma das situações previstas nas als. a) e c) do n.º 2 do art. 6.º LCJ; no caso da aplicabilidade de pena ou medida de segurança perpétua ou de duração indefinida, para além daquelas, há ainda uma terceira possibilidade: a constante da al. b) do mesmo preceito – sendo que na apreciação desta condição o Estado português deve ter em conta a legislação e a prática do Estado requerente (cf. art. 6.º, n.º 3, LCJ).

De todo modo – reitera-se –, ambas as causas de recusa e a aprecia-

com a particularidade de impor expressamente a recusa quando a pena puder causar lesão irreversível da “integridade da pessoa”, e não apenas da sua “integridade física”, como se lê na CRP. Contudo, a CRP terá de novo dito menos do que pretendeu, devendo considerar--se que protege igualmente a dimensão moral ou psicológica da integridade da pessoa (contra lesões como, e.g., exposição pública com desnudamento, perda definitiva de todos os direitos civis e políticos, etc.) – assim, Pedro Caeiro, «Proibições Constitucionais...», op. cit., p. 22.

Refira-se que também a CDFUE proíbe a extradição quando se “corra sério risco de ser sujeito a pena de morte (...) ou a outr[a] penas desuman[a]s ou degradantes” (art. 19.º, n.º 2).

202 Esta proibição concretiza também uma proibição constitucional: art. 33.º, n.º 4. Todavia, advirta-se que este preceito, embora preveja a possibilidade de conceder a ex-tradição, sujeita-a a uma condição que não consta da letra do art. 6.º, n.º 2 LCJ: a de “que o Estado requisitante [seja] parte de convenção internacional a que o Portugal esteja vinculado”. Por conseguinte, o preceito da LCJ tem de ser interpretado no sentido exigir implicitamente aquela condição, sob pena de inconstitucionalidade. Por outro lado, refira--se que o texto resultante da revisão da CRP de 1997 exigia “condições de reciprocidade”, o que constituía manifesto lapso, já que Portugal não aplica penas de prisão perpétua nem de duração indefinida. Esse lapso foi eliminado pela revisão de 2004.

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ção das condições de cuja não verificação depende a recusa do pedido podem ser objecto tanto de decisão administrativa como judicial, ainda que, em termos análogos aos já expostos anteriormente, o Executivo disponha de uma maior margem para recusar a extradição, dada a dis-cricionariedade inerente à sua intervenção.

c) Aut dedere aut judicare

Paradigmaticamente, é a recusa fundada nestas causas que dá lugar a uma actuação penal supletiva por parte do Estado português. Aliás, a doutrina segundo a qual a administração supletiva da justiça penal teria sido introduzida no ordenamento jurídico português como forma de evitar a fixação de “criminosos” serve-se com frequência destas causas de recusa para afirmar que seria intolerável aquiescer na permanência em Portugal dos agentes destes factos, que, pela severidade das penas com que são ameaçados no Estado requerente, em regra apresentam elevada gravidade203. Em suma, estas causas de recusa não impedem o Estado de aplicar o princípio aut dedere aut judicare.

2.5. Ausência de reciprocidade

a) Considerações gerais

O art. 6.º, n.º 4 LCJ impõe a recusa da extradição quando não es-tiver garantida a reciprocidade. Esta causa de recusa é um corolário do princípio da reciprocidade, plasmado no art. 4.º, n.º 1 LCJ como alicer-ce de toda a cooperação aí regulada204 e escora-se na ideia de igualdade soberana entre Estados, sendo a única que protege exclusivamente in-teresses estatais205.

O princípio da reciprocidade funciona de modo diverso consoante haja ou não convenção internacional a ligar os Estados requerente e requerido: se houver, a reciprocidade está, inerentemente, garantida; se não houver, o modo de assegurar a reciprocidade passa por condi-cionar a cooperação (baseada no direito interno) à prestação casuística de garantias por parte do Estado requerente – como faz o art. 4.º, n.º

203 Assim, Germano Marques da Silva, Direito Penal, op. cit., p. 308, parecendo até su-gerir que a administração supletiva da justiça penal se aplica somente nos casos em que a extradição, “em razão da pena aplicável no país requisitante, não pode ser concedida por Portugal”. V. também, e.g., Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 51.

204 Trata-se de um princípio segundo o qual o Estado requerido só acederá a cooperar com o Estado requerente se este lhe oferecer garantias de que, de futuro, encontrando-se na qualidade de requerido e em identidade de circunstâncias, fará o mesmo.

205 Christopher L. BlakeSley / Otto lagodny, op. cit., p. 77.

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Tese de Mestrado

2 LCJ, ao dispor que “[o] Ministério da Justiça solicita uma garantia de reciprocidade se as circunstâncias o exigirem e pode prestá-la a outros

Estados”206.Em todo o caso, a ausência de reciprocidade não impede a coope-

ração se esta (art. 4.º, n.º 3 LCJ): a) Se mostrar aconselhável em razão da natureza do facto ou da necessidade de lutar contra certas formas graves de criminalidade; b) Puder contribuir para melhorar a situação do arguido ou para a sua reinserção social; ou c) Servir para esclarecer factos imputados a um cidadão português207.

b) Decisão estritamente administrativa

A atribuição ao Ministério da Justiça da possibilidade de exigir e prestar garantias de reciprocidade de modo casuístico evidencia o ca-rácter político do princípio da reciprocidade. Já o Preâmbulo do Decre-to-Lei n.º 43/91 afirmava que a reciprocidade “é concebida como um acto político unilateral do Governo”. Também a jurisprudência exclui inequivocamente a reciprocidade do âmbito da intervenção judicial208. Por fim, também na doutrina a questão parece reunir consenso209.

Portanto, podemos concluir com segurança que o juízo acerca da causa de recusa “ausência de reciprocidade” pertence exclusivamente ao Executivo – deixando assim firmada a excepção à regra de que as causas de recusa obrigatórias são passíveis de apreciação judicial210.

206 Cf. Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 37, n. 67; Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 29.

207 Refira-se que, se estiver em causa a extradição de cidadãos nacionais, estas excep-ções não têm aplicação e que, além disso, as garantias de reciprocidade necessárias para a concessão não podem ser casuísticas, sendo necessário que emirjam de convenção inter-nacional de que o Estado português e o Estado requerente sejam parte (cf. art. 33.º, n.º 3 CRP e 32.º, n.º 2 LCJ).

208 E.g., o Ac. TRL 04-02-2004, processo n.º 3880/2003-3, em <www.dgsi.pt>, quan-do, no contexto de um pedido de extradição relativo a factos terroristas, afirma: “como flui do n.º 3 do art. 4.º LCJ a exigência de reciprocidade pode ser dispensada pelo Ministro da Justiça nas situações enunciadas nas três alíneas desse mesmo preceito (…) nomeadamente quando o poder político entenda que existe a necessidade de lutar contra determinadas formas de criminalidade” (itálico nosso, devendo sublinhar-se que o inciso não consta expressamente do preceito, sendo extraído pelo tribunal a partir do n.º 2 do mesmo artigo).

209 Francisco Bueno aruS, «El Principio de Reciprocidad en la Extradición y la Legis-lacion Española», ADPyCP 37, n.º 1 (1984), p. 72; Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 29; Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 38, n. 68, citando Soler: “é um juízo político, reservado ao poder executivo e subtraído pela sua própria natureza à decisão do poder judicial”.

210 Cf. supra, § 1., ponto 5.1.

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c) Aut dedere aut judicare

A possibilidade de o Estado agir penalmente após rejeitar a extradi-ção é, também aqui, manifesta. Se é certo que esta causa de recusa visa exclusivamente proteger interesses estatais, não o é menos que a sua verificação de modo algum afecta a premência, que subsiste, de res-ponsabilizar penalmente o autor dos factos, embora isso não deixe de envolver uma “cooperação” com o Estado que requerera a extradição, como vimos a propósito do fundamento da administração supletiva da justiça penal.

2.6. Ausência de dupla incriminação

a) Considerações gerais

A dupla incriminação211 é uma regra histórica212, porventura a mais importante em matéria de extradição213, que, segundo alguma doutri-na, terá mesmo adquirido o estatuto de costume internacional214 e que pode definir-se como regra segundo a qual a extradição entre dois Es-tados só é possível por factos que constituam crime segundo as leis penais de ambos215. É assim que a regra surge modelada na LCJ, cujo art. 31.º, n.º 1 condiciona a admissibilidade da extradição a factos puníveis “pela lei portuguesa e pela lei do Estado requerente”.

O fundamento da recusa no caso de ausência de incriminação no

211 Para uma análise desenvolvida desta causa de recusa, v. Miguel João CoSta, «O prin-cípio da dupla incriminação na extradição», em vias de publicação.

212 Cf. Richard A. martin, «Dual Criminality in Organized Crime Cases», RIDP 62 (1991), p. 176; Michael E. tigar, «The Extradition Requirement of Double Criminality in Complex Cases: Illustrating the Rationale of Extradition», RIDP 62 (1991), p. 164; «Re-62 (1991), p. 164; «Re-, p. 164; «Re-vised Manuals on the Model Treaty on Extradition and on the Model Treaty on Mutual Assistance in Criminal Matters», em <www.unodc.org>, p. 10.

213 Bert SWart, op. cit., p. 250.214 Cf. m. Cherif BaSSiouni, «Extradition: Law and Practice of the United States»,

2008, p. 230. No mesmo sentido, Bert SWart, op. cit., p. 250, sublinhando, contudo, que a mesma não constitui jus cogens. Que a regra não tem natureza cogente é hoje nítido em face de instrumentos como o MDE, em que o seu âmbito surge significativamente compri-mido, impondo mesmo, a nosso ver, que se questione o seu próprio estatuto costumeiro: poderá estar-se perante um caso de “costume em retrogressão” (sobre o conceito, com referência ulterior, v. Jónatas E. M. maChado, Direito Internacional, 2003, p. 89).

215 Cf. e.g., Gregory B. riChardSon, «Double Criminality and Complex Crimes», RIDP (62) 1991, p. 79, afirmando que a dupla incriminação exige que se apure “whether the same offence exists in both the requested and requesting States” (itálico nosso). A maioria da doutrina, porém, tende a cingi-la à exigência de que os factos constituam crime segundo a lei do Estado requerido, como que dando por pressuposta a circunstância de o consti-tuírem segundo a lei do Estado requerente: cf. e.g., Michael E. tigar, op. cit., p. 163; Jean Pradel / Geert CortenS, Droit Pénal Européen, 2002, p. 120.

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Estado requerido difere daquele que justifica a recusa por ausência de incriminação no Estado requerente: no primeiro caso, trata-se de evitar que a ordem pública internacional do Estado requerido se veja lesada pela colaboração na repressão de factos que não censura penalmente216; no segundo, avulta como fundamento da recusa a ausência do pressu-posto teleológico básico de todo o instituto da extradição – a existência de uma responsabilidade penal por efectivar.217

Um dos maiores problemas que esta regra coloca é o de saber em que termos deve ser aferida. É hoje consensual a irrelevância da iden-tidade de nomen iuris218, o que é compreensível, pois não teria sentido, sobretudo no presente panorama de incremento da cooperação inter-nacional, que uma questão meramente formal pudesse constituir um obstáculo. O problema coloca-se com maior dificuldade quando com “dupla incriminação abstracta” se pretende significar os elementos es-senciais do facto socialmente danoso e injustificado (ilicitude típica) e com “dupla incriminação concreta” se designam todos os requisitos de que depende a efectiva aplicação de uma pena (o facto ilícito-típico, a culpa, as condições adicionais de punibilidade, a ausência de pressu-postos negativos e a verificação dos pressupostos positivos da punição e, ainda, a existência de jurisdição). A lei portuguesa não adscreve um alcance exacto à regra, limitando-se a exigir, de modo vago, que o facto seja “punível”. Porém, uma interpretação sistemática e teleológica – que acentue as circunstâncias de que a extradição não envolve uma repressão penal, mas uma mera ajuda a essa repressão, e, consequen-temente, que ela não constitui um julgamento antecipado do extradi-tando – conduz-nos à conclusão de que basta tratar-se de um facto

216 Mas v., com perspectivas diferentes, Paul gully-hart, «Extradition – The Eu-ropean Approach», 2008, p. 343 s. e Bert SWart, op. cit., p. 251, afirmando que a regra decorre da ideia de reciprocidade; Christine van den Wyngaert, «Rethinking…», op. cit., p. 493, iBidem, «Double Criminality as a Requirement to Jurisdiction», 1996, p. 141-142 e Christopher L. BlakeSley, op. cit., p. 156, parecendo considerar que a regra decorre do princípio da legalidade criminal; finalmente, Theo vogler, «The Rule of Speciality in Ex-tradition Law», RIDP 62 (1991), p. 233, referindo que a regra se impõe por uma razão de proporcionalidade na restrição dos direitos humanos. Em análise crítica destas perspectivas e concluindo pela que se apresentou no texto, v. Miguel João CoSta, «O princípio da dupla inciminação…», op. cit.

217 O fundamento imputado à regra da dupla incriminação projecta-se na interpreta-ção e integração de vários aspectos do seu regime – nomeadamente, a determinação do momento a que ela deve reportar-se (se o da prática dos factos, se o da decisão sobre a extradição) –, que tratamos também em «O princípio da dupla inciminação…», op. cit.

218 Cf. Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 47, n. 82; Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 66.

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ilícito-típico, ainda que tentado ou preparatório e cometido sob qual-quer forma de comparticipação, não cabendo apurar, nomeadamente, a existência de culpa219.

b) Decisão judicial e administrativa

Apurar se determinada conduta é incriminada pelo direito penal português é operação passível de assentar em “estritos critérios de lega-lidade”, como é próprio da intervenção judicial220. Contudo, o Execu-tivo pode também rejeitar pedidos de extradição com base nesta causa de recusa – particularmente, quando a ausência de incriminação seja manifesta, como nos casos de adultério, incesto consentido, inadim-plência ou posse de minúsculas quantidades de estupefacientes.

Em termos idênticos, apurar se uma dada conduta é incriminada no Estado requerente é uma operação caracteristicamente judicial, mas também passível de apreciação pelo Executivo. A particularidade, no segundo caso, é que, estando aqui em causa um ordenamento jurídico--penal estrangeiro – possível e, mesmo, tipicamente estranho para as autoridades portuguesas –, a decisão administrativa no sentido do in-deferimento tenderá a ser rodeada de maiores cautelas, em razão tanto da dificuldade técnica da operação como da sensibilidade política que pode assumir uma recusa nessas condições.

c) Nec dedere nec judicare

A consequência da recusa fundada nas hipóteses de ausência de incriminação no Estado português e de ausência de incriminação no Estado requerente é a mesma. Porém, como decorre da assinalada di-ferença de fundamento entre elas, é-o em virtude de razões distintas:

aa) Se os factos não constituírem crime segundo a lei portuguesa, o Estado português não pode empreender a sua repressão penal, sob pena de violação do princípio da legalidade criminal (nullum crimen sine lege)221-222.

219 Desenvolvidamente, v. Miguel João CoSta, «O princípio da dupla incriminação...», op. cit.

220 Caracterizando desse modo a decisão judicial no processo de extradição, v. o Ac. STJ de 25-06-1987, processo n.º 039114, em <www.dgsi.pt>.

221 Arts. 29.º, n.º1 CRP e 1.º, n.º 1 CP.222 Mas v. novamente Miguel João CoSta, «O princípio da dupla incriminação...», op. cit.,

problematizando a questão à luz das hipóteses de, entre o momento da prática do facto e o da decisão sobre o pedido de extradição, ter ocorrido uma criminalização ou uma descri-minalização, ou ter vigorado uma lei intermédia descriminalizante.

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bb) Se os factos constituírem crime segundo a lei portuguesa, mas não segundo a lei da jurisdição requerente, o princípio da legalidade criminal não veda uma actuação repressiva por parte do Estado por-tuguês, pela óbvia razão de que os factos constituem crime segundo a sua lei. Porém, essa actuação só será possível se a jurisdição portugue-sa se fundar numa regra de aplicabilidade (territorialidade, defesa dos interesses nacionais, nacionalidade ou universalidade) – circunstância que, de resto, e independentemente da ausência de incriminação na jurisdição requerente, já deveria ou poderia, consoante os casos, dar lugar à recusa do pedido de extradição223. Pelo contrário, a perseguição não pode assentar na administração supletiva da justiça penal, a base de jurisdição que aqui mais nos importa, pois o seu pressuposto fun-damental – o de que a extradição haja sido requerida – não pode dar--se materialmente por preenchido perante factos que não constituam crime segundo a lei da jurisdição requerente, visto que nesse caso esta não detém a pretensão punitiva necessária para activar uma actuação do Estado português em seu nome224.

Concluindo, estamos aqui perante uma daquelas situações em que o Estado não pode nem extraditar nem julgar: nec dedere nec judicare.

2.7. Ausência de garantias de respeito pela regra da especialidade

a) Considerações gerais

A regra da dupla incriminação é protegida “de flanco”225 pelo princí-pio da especialidade226. Este princípio, também clássico e “virtualmente universal”227, cujo desrespeito gera responsabilidade internacional228, consiste, em traços gerais, na proibição de perseguir, deter, julgar ou sujeitar uma pessoa a qualquer outra restrição da liberdade por facto ou condenação anteriores à sua saída do território do Estado requerido diversos daqueles pelos quais a sua extradição foi concedida229.

223 Cf. arts. 18.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 LCJ.224 V. por todos supra, no § 2, o ponto 3.3.4.225 Pedro Caeiro, Lições (não publicadas), cit.226 Nas palavras do Ac. STJ de 11-01-2012, processo n.º 111/11.7YFLSB, em <www.

dgsi.pt>: “O princípio da especialidade pretende afastar os chamados «pedidos fraudulen-tos», em que se invoca um facto para fundamento da extradição e se acaba por julgar o extraditado por outro que se não invoca.”

227 Christopher L. BlakeSley, op. cit., p. 156.228 Cf. o Ac. STJ de 11-01-2012, cit.229 Sobre o princípio, em geral, v. Christopher L. BlakeSley, «The Autumn of the

Patriarch …», op. cit., p. 51 s.; Anna Zaïri, Le Principe de la Specialité de l’Extradition au Regard des Droits de l’Homme, 1993; Dominique PonCet / Paul gully-hart, «Le Principe de la

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Entre nós, ele surge consagrado no artigo 16.º LCJ, cujo n.º 3 es-tabelece que, antes de o Estado português autorizar a transferência de uma pessoa (conceito que é aí usado de modo abrangente, integrando a extradição), “o Estado que formula o pedido deve prestar as garantias necessárias ao cumprimento da regra da especialidade”. Embora usu-almente não seja tratada como tal pela doutrina, esta norma constitui uma causa de recusa230.

b) Decisão judicial e administrativa

Como outras regras clássicas da extradição, a regra da especialidade emergiu com a função de proteger interesses estatais mas acabou por acumular uma acentuada vertente de protecção individual231 – só assim se explicando, de resto, que seja passível de renúncia por parte do seu beneficiário232.

specialité en Matiere d’Extradition», RIDP (62) 1991, p. 199 s.; Theo vogler, «The Rule of Speciality…», op. cit., p. 231 s., Gregory B. riChardSon, «The Principle of Speciality in Extradition», RIDP (62) 1991, p. 85 s.; entre nós, Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 48; Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 40 s. Na jurisprudência, v. e.g., o Ac. TRP de 27-09-2000, processo n.º 0040543, o Ac. TRL de 14-09-2011, processo n.º 3880/03-3, e os Acs. STJ de 13-12-2007, processo n.º 07P3487, e de 11-01-2012, cit., em <www.dgsi.pt>.

230 Não está aqui em causa a questão de determinar se, como e quem pode reagir contra uma consumada violação da regra da especialidade – sobre esta questão v., apro-fundadamente, o Ac. STJ de 11-01-2012, cit. Trata-se de afirmar que a ausência das ditas “garantias necessárias” ao cumprimento desta regra pode fundamentar a recusa de pedidos de extradição.

231 Como se descreve no Ac. STJ de 11-01-2012, cit.: “O facto de se ir para além daquilo que o Estado requisitado houvera autorizado e concedido, significava, por parte do Estado requisitante, o desprezo pelas condições impostas pelo Estado solicitado, e, nessa medida, por este mesmo. Daí que tal desrespeito pudesse ser tido como ofensa à própria soberania do Estado solicitado. O interesse na protecção da soberania foi depois combinado, ou até completamente substituído, pela protecção dos interesses do próprio extraditado. A ponto de o princípio da especialidade ser situado no âmbito dos direitos do homem. (…) Houve até quem radicasse o princípio na al. a) do nº 3 do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. (…) E não é nada de estranhar que o respeito pelo princípio da especialidade tenha sido arvorado em direito fundamental do extraditado, muito ligado ao princípio do acusatório, porque o extraditando, aquando da discussão da possibilidade da sua extradição, tem que ter acesso a um contraditório amplo. Tem que ter a possibilidade de se defender, face à factualidade que fundamenta o pedido, sem poder ser apanhado completamente de surpresa, já depois, quanto a procedimentos crime por factos ausentes do pedido de extradição.”

232 Cf. o art. 17.º, n.º 2 LCJ. Por outro lado, o art. 16.º, n.º 4, al. b) LCJ dispõe que a pro-Por outro lado, o art. 16.º, n.º 4, al. b) LCJ dispõe que a pro-tecção conferida pela regra da especialidade cessa se o Estado que autoriza a transferência, ouvido previamente o suspeito, o arguido ou o condenado, consentir na sua derrogação, e o n.º 5 do mesmo artigo dispõe que a regra da especialidade não exclui a possibilidade de solicitar a extensão da cooperação a factos diferentes dos que fundamentaram o pedido de extradição inicial, mediante novo pedido.

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Do ecletismo do princípio da especialidade no plano do seu funda-mento decorre inequivocamente que tanto o tribunal como o Execu-tivo possam sindicar as garantias necessárias ao seu cumprimento233.

c) Aut dedere aut judicare

À semelhança da maioria das causas de recusa já analisadas, esta causa de recusa não envolve a impossibilidade de o Estado português, caso recuse a extradição, actuar supletivamente sobre os factos.

2.8. Reduzida relevância da infracção ou do tempo remanescente de execução da sanção

a) Considerações gerais

Consagrando um “princípio de relevância” escorado no (mais lato e dotado de dignidade constitucional) princípio da proporcionalidade234 (art. 18.º, n.º 2 CRP), o art. 10.º LCJ dispõe que “[a] cooperação pode ser recusada se a reduzida importância da infracção não a justificar”. O legislador absteve-se, aí, de concretizar o conceito de reduzida impor-tância, tendo confiado ao decisor a realização casuística dessa tarefa, em função de circunstâncias concretas como a forma de cooperação em causa235.

Já em sede de extradição, o conceito foi objectivado (art. 32.º, n.os 2 e 4 LCJ): a infracção deve ser punível com sanção privativa da liberda-de236 de duração máxima não inferior a 1 ano. Além disso, no caso de o pedido visar o cumprimento de uma sanção já aplicada, é necessário que

233 De acordo com o Ac. STJ de 11-01-2012, cit., no caso de um Estado ter violado a regra da especialidade na cooperação com o Estado português, este “poderá sempre invo-car o desrespeito que tenha tido lugar, em futuros pedidos de extradição formulados pelo mesmo país, dificultando ou mesmo recusando novas extradições”. Contudo, em linha com um entendimento já expressado a propósito de outras causas de recusa, estamos em crer que o preceito em questão tem em vista a análise concreta de cada caso, não sendo suficiente que esse tipo de violação tenha antecedentes (mesmo que no confronto com o Estado português) na prática do Estado requerente – se bem que tal facto não deixe de constituir um indício relevante a ter em conta.

234 Cf. Christopher L. BlakeSley / Otto lagdony, op. cit., p. 78; Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 72; Robert Zimmermann, op. cit., p. 459.

235 Assim, por exemplo, será expectável que a importância necessária para aceitar um pedido de auxílio judiciário mútuo (e.g., para simples notificação de uma testemunha) seja mais reduzida do que a necessária para aceitar um pedido de outra forma de cooperação mais onerosa para a pessoa visada.

236 No caso da pena de prisão, deve a mesma considerar-se sempre enquanto pena prin-cipal, e nunca como subsidiária da não execução de pena de multa – assim, Pedro Caeiro, Lições (não publicadas), cit.

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o tempo por cumprir não seja inferior a 4 meses237-238.Esta causa de recusa não ocorre com frequência, pois os Estados

tendem a abster-se de requerer a cooperação – sobretudo, a extradição – por factos deste tipo ou perante sanções com esta duração remanes-cente239.

b) Decisão judicial e administrativa

Atento o seu carácter marcadamente técnico, esta causa de recu-sa afigura-se mais vocacionada para ser objecto de apreciação judicial, mas a possibilidade de recusa pelo Executivo não está precludida.

c) Nec dedere nec judicare

É no fundamento desta causa de recusa que se encontram as razões para rejeitar que o Estado possa punir supletivamente casos “irrelevan-tes”: a (mesma) noção de proporcionalidade que impede o Estado de extraditar a pessoa veda-lhe, por manifesta maioria de razão, a possibi-lidade de reprimir penalmente os factos que lhe são imputados.

No plano sistemático, a interpretação sai corroborada pelo facto de que também a delegação de procedimento penal nas autoridades portuguesas e a execução de sentença penal estrangeira – duas formas de cooperação que igualmente envolvem uma actuação repressiva do Estado português em nome de outro Estado – requerem uma medida mínima de relevância (arts. 80.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, al. a) e 96.º, n.º 1,

237 Se a sanção for de duração indeterminada, deve considerar-se, para este efeito, como superior aos limites estabelecidos – assim, Pedro Caeiro, Lições (não publicadas), cit.

Por outro lado, e como já tivemos a oportunidade de defender – Miguel João CoSta, «O princípio da dupla incriminação...», op. cit. –, nos casos de alteração da moldura penal aplicável aos factos entre o momento da prática dos factos e o da decisão sobre a ex-tradição, a moldura a ter em conta para efeitos desta regra é aquela que vigorar no segundo momento; na mesma linha de raciocínio, no caso de factos tentados, a moldura penal a ter em conta é da conduta tentada (sc., aquela que cabe ao crime consumado, especialmente atenuada: arts. 23.º, n.º 2 e 73.º CP), solução que vale para outras circunstâncias modifica-tivas relevantes.

238 Atente-se ainda no art. 32.º, n.º 3 LCJ, que, consagrando aquilo que pode consi-derar-se uma “cláusula de economia” (Geoff gilBert, op. cit., p. 103), dispõe que: “Se a extradição tiver por fundamento vários factos distintos, cada um deles punível pela lei do Estado requerente e pela lei portuguesa com uma pena privativa de liberdade e se algum ou alguns deles não preencherem a condição referida no número anterior, pode também conceder-se a extradição por estes últimos”.

239 Assim, Robert Zimmermann, op. cit., p. 459.

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al. i)240 LCJ)241.Normativamente, a desproporcionalidade traduz-se em o crime em

causa não poder considerar-se, para efeitos da administração supleti-va da justiça penal242, um crime que admita extradição243. No caso da sanção remanescente, o crime pode ser de elevada gravidade; simples-mente, a pena a que deu lugar foi já cumprida praticamente na íntegra – imagine-se um homicídio qualificado sancionado com uma pena de prisão de 20 anos, dos quais 19 anos e 9 meses tenham já sido cumpri-dos. Isso significa que a hipótese não pode ser tratada no contexto do referido pressuposto, que diz respeito ao “crime”, e não à sanção. Po-rém, como aquele exemplo, por si próprio, ilustrará, estes casos expri-mem uma desproporcionalidade ainda mais acentuada244 – e tanto mais assim quanto mais longa tiver sido a pena de prisão aplicada –, pelo que o impedimento de exercer o ius puniendi a título supletivo deverá aqui impor-se através da aplicação analógica da norma anterior.

Trata-se, assim, sem reservas, de novo caso “nec dedere nec judicare”.

240 No caso da execução de sentença penal estrangeira, a condição “pode ser dispensa-da em casos especiais, designadamente se o estado de saúde do condenado ou razões de or-dem familiar ou profissional assim aconselharem” (art. 96.º, n.º 5 LCJ). Porém, esta é uma possibilidade talhada para evitar que seja necessário recorrer à extradição. Trata-se de uma derrogação em favor do próprio sujeito visado (em nome de razões humanitárias). Daí que, por outro lado, a transferência de pessoa condenada (arts. 114.º s. LCJ) – que, como já vimos, não é mais do que uma execução de sentença estrangeira que implica a transfe-rência física da pessoa –, podendo somente ter lugar a pedido dessa pessoa ou mediante o seu consentimento (pois esta forma de cooperação existe primordialmente para protecção de interesses individuais, e não estatais), não pressuponha qualquer limite de relevância: a alternativa é que o indivíduo cumpra (ou continue a cumprir) a pena na outra jurisdição.

241 Prevê-se em ambas as formas de cooperação uma medida mínima de relevância para a hipótese de a sanção ser de natureza pecuniária. Porém, isso deve-se apenas ao facto de a execução destas penas não pressupor a transferência física da pessoa.

242 Cf. supra, no § 2, o ponto 3.3.1.b).243 No mesmo sentido, acerca do ordenamento jurídico alemão, Christopher L. BlakeS-

ley / Otto lagodny, op. cit., p. 69, afirmando que o requisito de que os factos admitam a extradição, para além de excluir as infracções de natureza política, “means that the offense must be grave enough and incur sufficient punishment in each state”; também na p. 66, ao definirem a administração supletiva da justiça penal, os AA. destacam essa característica: “the notion of vicarious administration of justice (...) provides that, when a nation refuses to extradite an individual, that nation shall prosecute him, as long as the conduct involved serious (...) behaviour” (itálicos nossos).

244 Para já não falar da implausibilidade – tanto maior, também, quanto mais longa tiver sido a pena de prisão já cumprida – de uma evasão nestas situações.

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2.9. Natureza da infracção

2.9.1. Infracção política ou infracção conexa a infracção política

a) Considerações gerais

Há muito que a prática de infracções políticas constitui um nódulo problemático das relações entre Estados, mas foi já no séc. XIX que a natureza política da infracção se generalizou como causa de recusa da extradição, de modo a garantir asilo aos revolucionários liberais245. Ac-tualmente – segundo Christine van den Wyngaert –, esta causa funda-se em três vectores essenciais: um, político, escorado no princípio da não--ingerência, segundo o qual os Estados devem abster-se de interferir nos conflitos políticos de outros Estados; outro, moral, que, partindo da relatividade dos regimes políticos, considera que os crimes políticos podem ser justificados com base na resistência legítima à opressão po-lítica; e um terceiro, humanitário, que procura proteger as pessoas do risco de sofrerem um julgamento injusto em razão da sua infidelidade a um determinado regime político246.

No entanto, a “infracção de natureza política” revela-se um con-ceito muito difícil de delimitar, o que ocasionou que, ao longo dos tempos, a protecção conferida por esta causa de recusa tenha sido in-vocada em relação a factos – maxime, terroristas – que não visou, ori-ginalmente, abranger247. Por isso, desde há muito, e crescentemente248, os Estados procuram esvaziar aquela categoria, excluindo dela factos como os referidos. Um dos métodos mais populares para se operar essa delimitação, quase tão antigo como a própria causa de recusa, é o da enumeração de um conjunto de infracções a que, expressamente, se nega a natureza política249.

Entre nós, a LCJ impõe a recusa da extradição “quando o processo respeitar a facto que constituir (…) infracção de natureza política ou infracção conexa a infracção política segundo as concepções do direito português” (art. 7.º, n.º 1, al. a)) e aplica o método referido, estabele-cendo não terem natureza política (art. 7.º, n.º 2): a) O genocídio, os

245 Cf. Eduardo Correia, op. cit., p. 186; Geoff gilBert, op. cit., p. 208 s.246 Christine van den Wyngaert, «The Political Offense Exception…», op. cit., p. 192.247 Ibidem, p. 191 s.248 Em particular, entre Estados com regimes políticos comuns, em que este obstáculo

tende a comprimir-se e mesmo a desaparecer (como se verifica no MDE, e já assim na CExt.UE: art. 5.º). Sobre a tendência, em geral, v. Robert Zimmermann, op. cit., p. 435.

249 Cf. Geoff gilBert, op. cit., p. 268 s., com referência a outros métodos.

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crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; b) As infracções referidas no artigo 1.º da Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo, aberta para assinatura a 27 de Janeiro de 1977; c) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia das Nações Unidas em 17 de Dezembro de 1984; e d) Quaisquer outros crimes a que seja retirada natureza política por tratado, convenção ou acordo internacional de que Portugal seja parte.

Todavia, excluídas estas infracções, cumpre ainda determinar, pela positiva, que infracções devem considerar-se políticas. Para tanto, po-dem seguir-se essencialmente três critérios: segundo um critério ob-jectivo, serão políticas as infracções que ofenderem (exclusiva ou pre-ponderantemente250) a organização política do Estado251; segundo um critério subjectivo, são políticas as infracções que têm uma finalidade política; por fim, segundo um critério misto, são políticas as infracções que preencherem ambos os critérios precedentes252. É este último o critério que vem sendo acolhido pela nossa jurisprudência253.

Por sua vez, as infracções conexas a infracções políticas são con-dutas puramente de natureza penal comum, mas que beneficiam da mesma causa de recusa em virtude de terem sido praticadas paralela-mente a uma infracção política254 – “em regra, para a preparar, facilitar,

250 A doutrina distingue entre infracções políticas absolutas (aquelas que lesam exclu-sivamente a organização política do Estado: a sua existência, independência, integridade, etc.) e relativas (aquelas que lesam preponderantemente essa organização, mas que em simultâneo consumam um crime comum) – cf. roBert Zimmermann, op. cit., p. 429.

251 Por outro lado, como se afirma no Ac. STJ de 20-01-1982, em <www.gde.mj.pt>, “[e]mbora o CP separe os crimes contra a segurança exterior do Estado dos crimes contra a segurança interior do Estado, nada impede que todos eles sejam considerados objectivamente políticos” (itálicos nossos). Sobre os conceitos, v. Conceição Ferreira da Cunha, «Comen-tário ao Artigo 308.º (Traição à Pátria)», 2001, p. 7 s.; v. também Pedro Caeiro, «Nótula antes do art. 325.º», 2001, p. 185.

252 Cf. o Ac. STJ de 11-02-1981, processo n.º 036129, em <www.dgsi.pt>.253 Cf. o Ac. STJ de 09-06-1982, em <www.gde.mj.pt>, corroborado, mais recente-

mente, pelo Ac. TRL de 09-04-2008, processo n.º 4076/2005-3, em <www.dgsi.pt>. Na doutrina, já José Magalhães godinho, op. cit., p. 423.

254 Atente-se ainda no art. 9.º LCJ, que, sob a epígrafe “Concurso de casos de admis-sibilidade e de inadmissibilidade da cooperação”, regula no seu n.º 2 casos em que o facto que motiva o pedido produz um concurso aparente – e.g., preenchendo em simultâneo um crime comum e um crime político ou militar – e impõe a recusa “quando o pedido não pos-sa ser satisfeito em virtude de uma disposição legal que o abranja na sua totalidade e que constitua motivo de recusa da cooperação” (que é o que sucede nos exemplos dados, em virtude do art. 7.º LCJ). Para uma anotação do preceito, v. Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 38-39.

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assegurar ou mascarar a sua prática, ou mesmo com vista a assegurar a ulterior impunidade”255.

b) Decisão judicial e administrativa

A qualificação de uma infracção como política (absoluta ou relativa) ou como conexa a infracção política constitui uma “questão de direito” e, como tal, perfila-se marcadamente como uma operação jurisdicional.

Porém, tendo em conta o vector político que concorre para a funda-mentação desta causa de recusa, a possibilidade de o Executivo indefe-rir a extradição com base nela é seguramente de admitir. O que muitas vezes poderá suceder, atenta a complexidade que a qualificação de uma infracção como política (sobretudo quando relativa) ou como conexa a política pode revestir, é os factos não apresentarem essa natureza aos seus olhos, mas já sim aos do tribunal, que, então, deverá recusar onde o Executivo deixara prosseguir.

c) Nec dedere nec judicare

Como antecipámos a título ilustrativo no § 2, ponto 3.3.1., as infrac-ções políticas e as infracções conexas a infracções políticas não cons-tituem, para efeitos da administração supletiva da justiça penal, crimes que admitam a extradição. Assim, não podem fundar uma actuação supletiva por parte do Estado português. Deparamos aqui, portanto, com um novo caso de nec dedere nec judicare.

d) Apreciação crítica – justifica-se que seja um caso de nec dedere nec judicare?

Se é difícil negar que o direito constituído impede tanto a extradição como o exercício de ius puniendi em relação a estas infracções, essa não se afigura, todavia, uma solução de mérito inquestionável, como tenta-remos mostrar de seguida.

aa) Infracções políticas absolutas

A propósito da delimitação da teoria da ubiquidade, a doutrina ale-mã debateu profusamente o problema da nacionalidade do bem jurídi-co tutelado e a corrente que pode considerar-se maioritária defende a impossibilidade de um Estado julgar crimes que atentem em exclusivo

255 Robert Zimmermann, op. cit., p. 431. Mas refira-se que a jurisprudência de vários Estados tem vindo a restringir a categoria de infracções conexas para efeitos desta causa de recusa – ibidem, p. 435, com exemplos.

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contra bens jurídicos de outro Estado256. Estão aí em causa normas de âmbito de aplicação limitado257, de que constituem exemplo, entre nós, a maioria dos crimes contemplados pela regra da defesa dos interesses nacionais, cujas factualidades típicas se preenchem em face de ataques a bens jurídicos portugueses, independentemente do locus delicti e da na-cionalidade do agente, mas não em face de ataques a bens jurídicos es-trangeiros, ainda que praticados em território português e / ou por ci-dadãos portugueses258. Assim, por exemplo, os crimes contra o Estado previstos nos arts. 308.º s. CP protegem apenas o Estado português259.

Do mesmo modo, há, naturalmente, nos ordenamentos jurídico--penais estrangeiros incriminações que apenas protegem bens jurídicos próprios deles, pelo que os factos que as integram são atípicos relati-vamente às normas homólogas previstas nas outras ordens jurídicas.

Assim, mesmo que a administração supletiva da justiça penal não pressupusesse que os factos constituam crime passível de extradição, o Estado português não poderia reprimir infracções políticas absolutas, sob pena, desde logo, de violação do princípio da legalidade criminal260.

A situação poderá ser pouco satisfatória de um ponto de vista polí-tico-criminal261, mas afigura-se incontornável. A solução encontrada na

256 Cf. Inês Ferreira leite, op. cit., p. 27, n. 20 e 440 s., com bastas referências.257 Para a distinção entre a limitação do âmbito de aplicação (ou conteúdo) das normas

materiais e do seu âmbito de aplicabilidade (eficácia), v. Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 265 s.; v. também Inês Ferreira leite, op. cit., p. 442.

258 Cf. Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 265, asseverando que “a aplicabilidade extraterritorial incondicionada desses crimes não significa que o seu âmbito de aplicação contemple, por essa razão, interesses estrangeiros: assim, a título de exemplo, a conduta prevista no art. 325.º, se dirigida contra um Estado estrangeiro, não preenche aquele tipo de crime, sendo irrelevante o lugar onde é praticada (em Portugal ou no estrangeiro) e a nacionalidade do agente”; no mesmo sentido, Inês Ferreira leite, op. cit., p. 445; Christine van den Wyngaert, «Double Criminality...», op. cit., p. 135.

259 Cf. Pedro Caeiro, «Nótula...», op. cit., p. 185 s.260 Em sentido idêntico, v. Inês Ferreira leite, op. cit., p. 458, n. 1348, embora, ao que

parece, cingindo-a aos crimes contra a segurança do Estado; Christine van den Wyngaert, «Double Criminality...», op. cit., p. 135. V. ainda Bert SWart, op. cit., p. 259, notando que a possibilidade de o Estado requerido reprimir infracções políticas lesivas de interesses específicos do Estado requerente depende de as mesmas constarem de convenções in-ternacionais aplicáveis e de aí estarem expressamente subordinadas ao princípio aut dedere aut judicare; Francisco Bueno aruS, «L’Infraction Politique et L’Extradition dans la Lé-gislation Espagnole», RIDP 62 (1991), p. 322, em sentido próximo, mas subordinando aquela possibilidade à integração das infracções (no plano interno) no âmbito da regra da universalidade.

261 Se tivermos em conta que, como refere Pedro Caeiro, «Nótula…», op. cit., p. 185, “a sedimentação das democracias e da ideia de Estado de Direito, ao substancializar o Estado enquanto objecto de tutela penal, levou a uma crescente intolerância em relação aos crimes políticos”.

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Alemanha – segundo informa Inês Ferreira Leite – “passou pela cria-ção de tipos especiais que tutelam apenas alguns interesses soberanos estrangeiros (…), mas restringe-se a punição destes crimes aos casos em que aqueles se dirijam contra um Estado com o qual a Alemanha tenha relações diplomáticas e em que esteja garantida a reciprocidade, no momento da prática do facto”262.

bb) Infracções políticas relativas e infracções conexas

Não fora a administração supletiva da justiça penal exigir que os factos admitam a extradição, a situação das infracções políticas relativas e conexas a infracções políticas perante esta questão seria bem diversa.

Como vimos, estas infracções envolvem – de modo concomitante ou exclusivo, respectivamente – a prática de crimes comuns, pelo que a proibição de extraditar, aí, parece colher o seu fundamento unica-mente no propósito de evitar que o extraditando sofra um julgamento injusto no Estado requerente (vector moral). Assim, a teleologia desta recusa identifica-se com a da recusa por “perseguição discriminatória” (na vertente de motivação política): em jeito figurado, poderá afirmar--se que a proibição de extraditar, aí, assenta numa presunção inilidível de que a perseguição é politicamente motivada. Neste contexto, pode questionar-se se tais infracções não deveriam ser desentranhadas da causa de recusa “natureza da infracção”, confiando-as, no fundo, à tu-tela proporcionada pela causa de recusa “perseguição discriminatória”, e, em qualquer caso, se o Estado português não deveria poder reprimir estes factos a título supletivo: aut dedere aut judicare.

2.9.2. Crimes estritamente militares

a) Considerações gerais

A natureza militar do crime constitui também uma tradicional causa de recusa263.

O art. 7.º, n.º 1, al. b) LCJ estabelece que a cooperação será recusada quando o processo respeitar a factos que constituam crimes militares não simultaneamente previstos na lei penal comum264 – ou seja, cri-

262 Inês Ferreira leite, op. cit., p. 453, n. 1332. Para uma reflexão sobre outras soluções, v. Otto lagodny, «The Abolition and Replacement of the Political Offence Exception: Prohibited by International or Domestic Law?», IYHR 19 (1989), p. 317 s.; Bert SWart, op. cit., p. 258 s.

263 Cf. Bert SWart, op. cit. p. 256; Eduardo Correia, op. cit., p. 186.264 Recorde-se que a circunstância de o Estado requerente pretender julgar o extradi-

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mes estritamentes militares. Por sua vez, o Código de Justiça Militar (CJM)265 estabelece que constituem crimes estritamente militares os factos lesivos dos interesses militares da defesa nacional e dos demais que a Constituição comete às Forças Armadas e qualificados como tal pela lei, sendo que a grande maioria desses crimes se encontra prevista na Parte Especial do mesmo Código.

No entanto, o art. 32.º, n.º 7 LCJ abre uma relevante excepção à regra geral do art. 7.º, n.º 1, al. b), permitindo que o Estado português conceda a extradição se, não obstante a natureza militar do crime, acor-dos especiais no âmbito de alianças militares ou de outra natureza (v.g., Status of Forces Agreements) o admitirem266.

Esta causa de recusa surge por vezes associada a um direito indivi-dual à liberdade de pensamento em matéria militar267. Contudo, actu-almente, além de, em muitos Estados (como no português), o serviço militar não ser obrigatório, levando a que o crime de deserção surja configurado como uma situação de ausência ou abandono indevido de um posto ou local por parte de pessoas que voluntariamente desempe-nham funções militares (cf. arts. 72.º s. CJM), aquele fundamento deve-ria conduzir à limitação desta causa de recusa aos crimes estritamente militares susceptíveis de coarctarem aquela liberdade. O fundamento desta causa de recusa parece encontrar-se, antes, na circunstância de aqueles crimes representarem o rompimento, por parte do indivíduo, de um dever que apenas o ligava a um Estado específico – por ser seu cidadão, por aí residir no momento da prática do facto, ou por qualquer outra circunstância capaz de, em si mesma, “aí se perfila[r] junto do (ou mesmo como) o bem jurídico protegido”268 – e / ou, em qualquer caso, na circunstância de lesarem bens jurídicos exclusivamente titulados por

tando num tribunal militar não constitui causa de recusa da extradição: por um lado, como já vimos, estes tribunais não configuram necessariamente tribunais de excepção (cf. supra, ponto 2.5); por outro, os tribunais militares podem conhecer crimes comuns praticados por militares (e mesmo, em certos casos, por civis – e.g., um furto praticado num local sob administração militar).

265 Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro.266 Segundo Geoff gilBert, op. cit., p. 184, é esse o caso do Tratado do Atlântico Norte,

assinado em Washington D.C. em 4 de Abril de 1949, de que o Estado português é parte.267 Cf. o Documento da Conferência de Copenhaga sobre a Dimensão Humana da

Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE); na mesma linha, Geoff gilBert, op. cit., p. 184; Robert Zimmermann, op. cit., p. 440. Para uma reflexão mais ampla sobre a questão, v. Matthew liPPman, «The Recognition of Conscientious Objection to Military Service as an International Human Right», CWILJ 21 (1990), p. 31 s.

268 Pedro Caeiro, Fundamento..., op. cit., p. 271.

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esse Estado269. Só assim se explica, de resto, que entre Estados-partes de uma mesma organização militar seja possível extraditar por certos crimes militares: aí, o dever de fidelidade a um Estado-parte específico e / ou a lesão de um bem jurídico especificamente titulado por esse Estado comunica-se a toda a organização.

b) Decisão judicial e administrativa

Em termos análogos aos expostos quanto às infracções políticas e conexas a infracções políticas, a natureza militar da infracção pode ser objecto de apreciação judicial e administrativa, com a particularida-de de que aqui, estando em causa crimes muito menos complexos de identificar, os casos em que o pedido passa o crivo da intervenção do Executivo serão, provavelmente, muito menos frequentes.

c) Nec dedere nec judicare

Tal como as infracções políticas (absolutas e relativas) e conexas a infracções políticas, os crimes estritamente militares não constituem crimes que admitam extradição e, por conseguinte, os pressupostos da administração supletiva da justiça penal não se têm como preenchidos perante factos dessa natureza.

Independentemente disso, à semelhança do que sucede com as in-fracções políticas absolutas, os crimes militares encontram-se tipifica-dos em normas de âmbito de aplicação limitado: de facto, para além dos limites “pessoais” a que alguns deles se encontram sujeitos (crimes específicos), todos se encontram sujeitos a limites “materiais”, pois os ilícitos-típicos em causa visam a protecção de bens jurídico-penais es-pecificamente nacionais270. Esta circunstância é mais notória no caso dos bens jurídicos “independência e integridade nacionais” (tutelados pelos arts. 25.º s. CJM), mas persiste no caso dos “direitos das pessoas” (tutelados pelos arts. 38.º s. CJM), pois a protecção pessoal aí conferida é uma “protecção específica num quadro circunstancial específico – o

269 Contudo, no caso de não existir um especial dever de fidelidade – como parece ser o caso, e.g., do art. 28.º CJM (Inteligências com o estrangeiro para provocar guerra) –, a cir-cunstância de o bem jurídico lesado ser exclusivamente titulado por um Estado estrangeiro não parece capaz de fundamentar por si só a recusa da cooperação. Aí, a recusa terá de escorar-se noutros factores (e.g., na proibição de ingerência em assuntos militares de outros Estados); nesta linha, cf., e.g., Bert SWart, op. cit., p. 256.

270 A categorização “limites pessoais” / “limites materiais” é importada de Liebelt, apud Inês Ferreira leite, op. cit., p. 446, n. 1311. O A. identifica ainda “limites espaciais propriamente ditos”, que consistem em a prática do facto em território nacional constituir um elemento típico.

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perigo de guerra, ou um ‘estado de guerra declarada’ entre Portugal e um país estrangeiro, ou situação equiparada”271.

Por conseguinte, em moldes semelhantes aos traçados quanto às infracções políticas absolutas, os factos de natureza estritamente mili-tar e exclusivamente lesivos de bens jurídicos estrangeiros não preen-chem os equivalentes ilícitos-típicos previstos na lei penal portuguesa (mesmo que praticados em território ou por cidadão português), com a consequência de que uma actuação penal do Estado português so-bre esses factos consumaria uma violação do princípio da legalidade criminal (nullum crimen sine lege). Também por esta razão se estaria aqui sempre, pois, perante um caso de nec dedere nec judicare.

Isso significa que a impossibilidade de reprimir estes crimes se es-tende aos casos cobertos pela excepção do art. 32.º, n.º 7 LCJ: se a extradição por crimes militares for permitida pelos acordos especiais ali referidos, mas, no caso, não puder ser concedida em virtude da ocor-rência de outra causa de recusa, o Estado português não pode reprimir os factos, pois aqueles acordos não permitem, obviamente, afastar o princípio da legalidade criminal272. O mesmo sucede – note-se – com todos e quaisquer factos previstos em normas materiais estrangeiras de âmbito de aplicação limitado, como certas infracções de natureza fiscal273: ainda que não produzam, por si sós, a recusa da extradição, são incompatíveis com uma actuação supletiva.

Excurso – Crimes não estritamente militares

Se os factos integrarem, simultaneamente, crimes comuns, pode haver extradição, visto que a causa de recusa se cinge aos crimes es-tritamente militares, e, pelo mesmo motivo, o Estado português – se

271 Pedro Caeiro, Fundamento..., op. cit., p. 270, sublinhando que o próprio CJM assume expressamente no seu art. 1.º, n.º 2 a subordinação desses direitos aos interesses da defesa nacional e demais que a Constituição comete às Forças Armadas, e concluindo que, “[a]ssim, a tutela propiciada pelo CJM distancia-se da protecção dos bens jurídicos individuais, enquanto tais, contida no CP, e simultaneamente, da punição dos crimes de guerra contra o direito internacional humanitário prevista na Lei 31/2004, de 20 de Julho, que, aliás, se considera de aplicação subsidiária relativamente ao CJM”.

272 Sobre o assunto, v. supra, no § 2, o ponto 3.3.5.d).273 A natureza fiscal da infracção constituía uma tradicional causa de recusa da extradi-

ção, mas tem vindo a ser abolida, em virtude de factores como o enorme aumento do fluxo internacional de capitais (v. Bert SWart, op. cit., p. 256 s., assumindo-se favorável à tendên-cia) e do fenómeno do branqueamento de capitais, corrupção e infiltração de capitais de origem criminosa nas economias nacionais (v. «Revised Manuals…», cit., p. 11). V. também Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 35-36.

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a extradição todavia for recusada – pode reprimir os factos enquan-to ilícitos-típicos comuns, pois eles constituem factos que admitem a extradição. Mas como, precisamente, esses factos não se encontram abrangidos pela causa de recusa em análise, deixá-la-emos qualificada, sem reservas, como caso “nec dedere nec judicare”.

2.10. Extinção da responsabilidade penal

a) Considerações gerais

À semelhança do que acontece na maioria dos Estados274, a lei in-terna de cooperação portuguesa prevê como fundamento de recusa a extinção da responsabilidade penal. Com efeito, o art. 8.º LCJ de-termina a inadmissibilidade da cooperação quando, “em Portugal ou noutro Estado em que tenha sido instaurado procedimento pelo mes-mo facto275: a) O processo tiver terminado com sentença absolutória transitada em julgado ou com decisão de arquivamento; b) A sentença condenatória se encontrar cumprida ou não puder ser cumprida se-gundo o direito do Estado em que foi proferida; c) O procedimento se encontrar extinto por qualquer outro motivo, salvo se este se encontrar previsto, em convenção internacional, como não obstando à coopera-ção por parte do Estado requerido”. Os n.os 2 e 3 do mesmo preceito estabelecem excepções àquela regra: o disposto nas als. a) e b) não se aplica se a autoridade estrangeira que formula o pedido o justificar para fins de revisão da sentença e os fundamentos desta forem idênticos aos admitidos no direito português, e o disposto na al. a) não obsta à cooperação com fundamento na reabertura de processo arquivado previsto na lei.

Esta causa de recusa – que se “refer[e] a vários aspectos do princí-pio ne bis in idem impeditivos da cooperação”276, mas não só – suscita

274 Cf. Peter WilkitSki, «Defences, Exceptions and Exemption in the Extradition Law and Practice and the Criminal Policy of the Federal Republic of Germany (Excuding the ‘Political Offence’ Defence», RIDP 62 (1991), p. 283.

275 Há quem veja a possibilidade de recusar a extradição com base em prescrição (“lap-se of time”) ocorrida no Estado requerido – e, poderá supor-se, em qualquer outro Estado que não o requerente – como “inappropriate to modern conditions”: Peter WilkitSki, op. cit., p. 283.

276 Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 37. Sobre o princí-pio e o seu alcance em sede de cooperação judiciária internacional em matéria penal, ibidem, p. 53 s.; Jorge de Figueiredo diaS, «Extradição e non bis in idem [parecer]», DJ 9 (1995), p. 215 s.; desenvolvidamente, Nidianino Romerito Santana de Brito, O conteúdo do ne bis in idem no direito português, 2010, p. 118 s. Na jurisprudência, v. o Ac. STJ de 07-07-1994, pro-cesso n.º 000025, em <www.dgsi.pt>.

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questões específicas277, que decerto justificariam uma análise minucio-sa278, a qual, todavia, não caberia neste contexto.

Importa, todavia, salientar que, apesar de a epígrafe da norma se referir à extinção do “procedimento” penal, ela abrange outras causas de extinção da responsabilidade penal. De facto, a al. b), além da hipó-tese “execução de sentença condenatória” – que, em rigor, não con-figura uma causa de extinção do procedimento –, contempla ainda a impossibilidade de execução de sentença condenatória. Desse modo, ela atrai para o âmbito da norma não apenas os casos em que a sanção prescreveu, mas ainda aqueles em que intercede outra causa de extin-ção da responsabilidade penal, como a amnistia, o perdão, o indulto e a prescrição do procedimento sem que haja sentença condenatória transitada em julgado279. Por sua vez, a al. c) abrange os casos em que o procedimento se extinguiu por qualquer outro motivo280, abrangendo

277 Sobretudo, quando articulada com o art. 12.º LCJ, segundo o qual: “1. Produzem efeitos em Portugal: a) Os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado que formula o pedido; b) A queixa apresentada em tempo útil a uma autoridade estrangeira, quando for igualmente exigida pelo direito português. 2. Se apenas o direito português exigir queixa, nenhuma reacção criminal pode ser imposta ou execu-tada em Portugal no caso de oposição do respectivo titular”. Sobre o alcance do preceito, v. Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 42 s.; na jurisprudência, v., e.g., o Ac. STJ de 30-05-2012, processo n.º 290/11.3YRCBR1.S1, em <www.dgsi.pt>.

278 E.g., a fim de apurar o que deve entender-se para esse efeito por “decisão de arquiva-mento” – segundo Pedro Caeiro, Lições (não publicadas), cit., o inciso apenas contempla decisões que envolvam uma extinção definitiva da responsabilidade criminal; não já aquelas que produzam mero caso julgado formal, como as decisões do MP de arquivamento por insuficiência da prova e as decisões dos tribunais de arquivamento por falta de jurisdição.

279 Deve advertir-se que, embora essa impossibilidade deva ser aferida estritamente “segundo o direito do Estado em que foi proferida” (al. b), in fine), existe jurisprudência segundo a qual o decurso de grandes lapsos de tempo – maxime, no contexto de casos de imprescritibilidade – pode conduzir à recusa da cooperação com base na CRP e na CEDH – v. por todos o Ac. TRL de 17-11-2011, processo n.º 759/11.0YRLSB-3, em <www.dgsi.pt>, referindo que: “À luz da CRP a exigência de um processo equitativo implica o termo do cumprimento da pena num prazo razoável, pois a imprescritibilidade ofende a paz jurídica inerente ao decurso do tempo e as garantias de defesa (art. 32.º n.º 2 da CRP), constitucionalmente consagradas. No caso dos autos, mesmo recusando protecção cons-titucional conferida à prescrição, avulta a relevância do decurso de um grande lapso de tempo entre o facto e o cumprimento da pena [no caso o reclamado permaneceu evadido – entre 22-08-1970 e a data da sua detenção, em 26-09-2011, por força da formulação do pedido de extradição, ou seja, mais de 41 anos –, sem que o Estado requerente aparente-mente o tivesse localizado e reclamado a sua entrega]. No caso dos autos, em que face à lei penal substantiva portuguesa, se dobrou o prazo máximo de prescrição das penas e em que o Extraditando vem mantendo comportamento social isento de reparos, tem de se concluir que se mostra ultrapassado o prazo razoável para o cumprimento do remanescente da pena de prisão e que, consequentemente, esse cumprimento, neste momento, ofende os princípios da CEDH.”

280 “Salvo se este se encontrar previsto, em convenção internacional, como não obs-

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os casos em que a prescrição ocorre antes de haver qualquer sentença condenatória (transitada em julgado ou não), bem como a extinção do direito de queixa ou de acusação particular, quando o seu exercício fosse necessário281.

b) Decisão judicial e administrativa

O apuramento da extinção da responsabilidade criminal é uma ope-ração complexa e marcadamente judicial.

Contudo, a intervenção do Executivo não está, nos termos gerais apresentados, excluída. De facto, casos haverá em que a impossibilida-de de efectivação da responsabilidade penal é tão manifesta – e.g., por-que o lapso de tempo decorrido desde a prática do facto ou da prolação da sentença condenatória foi notoriamente ultrapassado, ou porque houve um perdão genérico bem documentado – que se projecta com nitidez no plano dos interesses, como a ordem pública internacional, que ao Executivo compete preservar282.

c) Nec dedere nec judicare

A verificação da causa de recusa em análise é sempre acompanhada da impossibilidade de reprimir os factos a título supletivo, em virtude da intervenção do princípio ne bis in idem (no caso de recusas fundadas nas als. a) e b), primeira parte)283, da não verificação de pressupostos positivos da punição (no caso, coberto pela al. c), de extinção ou re-núncia ao exercício do direito de queixa e acusação particular)284 e da verificação de pressupostos negativos da punição (nos demais casos)285.

No caso invulgar de a extinção ter ocorrido no próprio Estado re-

tando à cooperação por parte do Estado requerido” (al. c), in fine). Este inciso, introduzido pela LCJ, terá tido particularmente em vista salvaguardar o art. 8.º, n.º 1 CExtr.UE – assim, em estudo específico sobre a prescrição em sede de extradição, Henrique Guerra Tavares gomeS, «A prescrição do procedimento criminal na extradição e no mandado de detenção europeu em Portugal», 2011/2012, p. 17. Sobre o referido preceito da CExtr.UE, v. Antó-nio Pinto Pereira, op. cit., p. 83 s.

281 Neste sentido, Henrique Guerra Tavares gomeS, cit., p. 13 – embora deva notar-se que não se trata, em rigor, de causas de extinção do procedimento criminal (cf. Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal II, 2005 (reimp.), p. 662 s.).

282 Cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2009, processo n.º 08P4144, em <www.dgsi.pt>, sobre um pedido de extradição que o Ministro da Justiça indeferiu na parte relativa a um crime de falsificação de documento por prescrição do respectivo proce-dimento, o que o Tribunal parece ter encarado com naturalidade.

283 Arts. 29.º, n.º 5 CRP e 6.º, n.º 1 CP.284 Arts. 219.º, n.º 1 CRP e 113.º s. CP.285 Arts. 32.º, n.º 2 CRP e 118.º s. CP.

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Tese de Mestrado

querente286, o Estado português estaria impedido de reprimir os fac-tos ainda em virtude da insubsistência da administração supletiva da justiça penal: o recebimento de um pedido de extradição – recorde-se –, é condição necessária, mas insuficiente para que aquela regra se dê como preenchida, sendo indispensável que o Estado requerente tenha legitimidade – desde logo, perante o seu próprio ordenamento jurídico – para reprimir os factos287.

2.11. Ausência de jurisdição atendível

a) Considerações gerais

O art. 31.º, n.º 1), in fine LCJ exige que os tribunais do Estado re-querente tenham competência para julgar o crime. O requisito parecerá redundante, pois decorria já da teleologia da extradição – manifestada na primeira parte do mesmo preceito –, que visa, como sabemos, a realização de um processo penal ou a execução de uma sentença penal.

A verdade, todavia, é que é possível um Estado pretender realizar essas finalidades sem que, por lapso ou abuso288, tenha a necessária ju-risdição. A atenção do legislador a essa hipótese está ainda patente no art. 44.º, n.º 1, al. a) LCJ, relativo ao conteúdo do pedido de extradição, que exige do Estado requerente a “demonstração de que, no caso con-creto, a pessoa a extraditar está sujeita à [sua] jurisdição penal”.

Ao estabelecer esta causa de recusa, a LCJ atribuiu ao Estado por-tuguês o poder-dever de sindicar a existência de jurisdição do Estado requerente sobre os factos que motivam o seu pedido289. Os contornos que essa sindicância deve assumir dependem, em parte, da questão da titularidade da “competência da jurisdição” estatal, que consiste em determinar “se as regras de aplicabilidade da lei estatal se devem cingir a um quadro fornecido pelo direito internacional, ou se a sua deter-minação cabe, em princípio, aos Estados (com respeito pelo direito internacional)”290. Em qualquer caso, não basta verificar se a pretensão

286 Decerto não será usual que um Estado requeira a cooperação a outro por factos cuja repressão lhe está vedada pelo o seu próprio direito, mas não é impossível nem implausível que isso aconteça – e.g., em virtude de um erro na contagem de um prazo prescricional.

287 V. supra, no § 2, o ponto 3.3.4.288 Cf. Pedro Caeiro, Fundamento..., op. cit., p. 228, n. 615.289 Assim, Pedro Caeiro, Lições..., cit.290 Ibidem, p. 228, n. 615 e 294 s. As alternativas correspondem à dicotomia entre as

teorias “estatalista” e “internacionalista”: ambas “partem da ideia de que o exercício da jurisdição estatal sobre factos territoriais é a regra, justificada pela soberania e pelo direito internacional, e a jurisdição sobre factos extra-territoriais a excepção, carecida de uma ‘não-

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do Estado requerente tem respaldo no seu direito interno, impondo--se apurar, no mínimo, se ela respeita os limites impostos pelo direito internacional, cuja intervenção a própria perspectiva “estatalista” não recusa. Estão aí em causa situações como o exercício de jurisdição ter-ritorial sobre factos praticados num território que, à luz do direito in-ternacional, se encontra sob a soberania de outro Estado, o exercício de uma conexão fundada na raça, ou o exercício de jurisdição universal in absentia291.

Por outro lado, o art. 33.º LCJ, já analisado292, cinge as possibilidades de extradição para Estado sem competência territorial aos casos em que a lei portuguesa lhe atribua jurisdição em identidade de circunstân-cias ou em que o Estado requerente comprove que o Estado do locus delicti não reclama o indivíduo. Esta regra constitui uma causa de recusa autónoma em relação à da ausência de jurisdição propriamente dita293, dotada de uma razão de ser própria, já identificada294, sendo tratada conjuntamente com a segunda por razões estritamente pragmáticas.

b) Decisão judicial e administrativa

Tratando-se de vincadas “questões de direito”, as hipóteses que aqui estão em causa serão, tipicamente, objecto de apreciação judicial.

No entanto, o indeferimento administrativo não está afastado de hipótese, sendo particularmente verosímil naqueles casos em que ilegi-timidade da pretensão do Estado requerente perante o direito interna-cional é manifesta.

-desaprovação’ ou de uma permissão (e só aqui se encontra a divergência) do direito inter-nacional” (p. 320). Assim, para a tese estatalista, “a jurisdição prescritiva de um Estado não se confina ‘naturalmente’ aos factos praticados no seu território, antes é tendencialmente irrestrita, encontrando os seus limites negativos em proibições impostas pelo direito in-ternacional”, enquanto para a tese internacionalista “a jurisdição extraterritorial (...) é uma ‘extensão’, um ‘complemento’ da jurisdição territorial, com carácter ‘excepcional’ e, por isso mesmo, por transcender o seu âmbito natural, carece de uma autorização específica do direito internacional” (p. 355-356). Sobre o assunto, v. também Marc henZelin, op. cit., p. 216; Robert Zimmermann, op. cit., p. 378.

291 Assim, Pedro Caeiro, Fundamento..., op. cit., p. 228, n. 615 e p. 366; v. também Manuel António Lopes roCha, op. cit., p. 122-123, definindo o princípio da universalidade como aquele que “exprime a ideia de que o tribunal onde se encontra o delinquente é o competente para conhecer da infracção” (itálico nosso).

292 V. supra, no § 2, o ponto 3.2.1.a).293 A LMDE, aliás, prevê uma situação idêntica no preceito dedicado às causas de recu-

sa facultativa de execução do MDE: cf. o art. 12.º, n.º 1, al. h), sub-al. i).294 V. supra, no § 2, o ponto 3.2.1.a).

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Tese de Mestrado

c) Nec dedere nec judicare

Se o Estado requerente não tiver jurisdição (legítima) sobre o facto, o seu pedido de extradição não é apto a impulsionar uma actuação repressiva do Estado português em sua representação, pois não pre-enche, materialmente, os pressupostos da administração supletiva da justiça penal, nos termos gerais vistos295.

Quanto ao art. 33.º, se o legislador português rejeitou que as pre-tensões punitivas fundadas em determinadas conexões justificassem a extradição na ausência de prova do desinteresse do Estado territorial, por maioria de razão terá rejeitado que elas justifiquem o exercício do ius puniendi pelo Estado português. Seria totalmente incoerente o Es-tado não retirar, para si próprio, consequências da protecção que pro-curou conferir ao foro territorial através daquele regime. Neste caso, o não preenchimento material da administração supletiva da justiça penal assume uma feição, não exactamente de ilegitimidade, mas de insufici-ência perante valores conflituantes superiores.

2.12. Ausência de intenção de efectivar a responsabilidade penal do extraditando

a) Considerações gerais

Como decorre da teleologia da extradição, o pedido deverá ser recu-sado se não tiver em vista a realização de um processo penal ou o cum-primento de uma sanção privativa da liberdade (art. 31.º, n.º 1 LCJ)296.

Este fundamento de recusa contrapõe-se, de certo modo, aos de ausência de incriminação e de ausência de jurisdição do Estado reque-rente, no sentido de que nestes está tipicamente em causa uma intenção abusiva do Estado requerente de punir o extraditando, ao passo que naquele a intenção é protegê-lo297.

b) Decisão judicial e administrativa

Dado envolver um juízo delicado do ponto de vista das relações interestaduais, esta causa de recusa será caracteristicamente objecto da intervenção do Executivo.

Porém, o tribunal tem também o poder-dever de recusar a extradi-

295 V. supra, no § 2, o ponto 3.3.4.296 Já assim, Pedro Caeiro, Lições (não publicadas), cit.297 A situação será invulgar, mas não impossível: no “caso Pinochet”, por exemplo,

tudo indica que o Chile pedia a sua extradição a fim de substraí-lo à justiça penal espanhola.

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ção quando tiver elementos que lhe permitam concluir que a causa de recusa se verifica.

c) Nec dedere nec judicare

A ausência de intenção do Estado requerente de realizar qualquer das finalidades da extradição impede, naturalmente, o preenchimento material dos pressupostos da administração supletiva da justiça penal, pois o pedido não encerra, de todo, uma pretensão punitiva.

2.13. Territorialidade do facto

a) Considerações gerais

Vale aqui quanto se expendeu supra, § 2, ponto 3.2.1.

b) Decisão judicial e administrativa

É indiscutível que tanto o tribunal como o Executivo podem recu-sar com base nesta causa de recusa.

c) Sic et simpliciter judicare

Obviamente, o Estado português tem o poder-dever (originário) de reprimir penalmente os factos territoriais.

2.14. Nacionalidade portuguesa do extraditando

a) Considerações gerais

Complementando o que se aduziu no § 2, ponto 3.2.2, cumpre ex-plicitar o exacto recorte da presente causa de recusa, tendo em conta a excepção que o princípio da não extradição de nacionais hoje conhe-ce. Com efeito, embora mantenha elevada importância, este princípio encontra-se hoje parcialmente derrogado.

Essa possibilidade foi aberta pela Revisão Constitucional de 1997, a partir da qual a CRP passou a admitir a extradição de cidadãos por-tugueses “em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e criminalidade internacional or-ganizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo” (art. 33.º, n.º 3).

Em concretização da CRP, e praticamente reproduzindo o preceito citado, o art. 32.º, n.º 2 LCJ admite a extradição de portugueses desde que: “a) A extradição de nacionais esteja estabelecida em tratado, con-venção ou acordo de que Portugal seja parte; b) Os factos configurem

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casos de terrorismo ou criminalidade internacional organizada; e c) A ordem jurídica do Estado requerente consagre garantias de um pro-cesso justo e equitativo298”. Porém, o n.º 3 do preceito estabelece uma condição suplementar: a extradição apenas poderá ter lugar “para fins de procedimento penal e desde que o Estado requerente garanta a de-volução da pessoa extraditada a Portugal, para cumprimento da pena ou medida que lhe venha a ser aplicada, após revisão e confirmação nos termos do direito português, salvo se essa pessoa se opuser à devolução por declaração expressa”.

b) Decisão judicial e administrativa

Também aqui é manifesto que tanto o tribunal como o Executivo podem recusar com base nesta causa de recusa.

c) Sic et simpliciter judicare / aut dedere aut judicare

aa) Em regra, à recusa da extradição de um nacional segue- -se, quando isso ainda não tenha acontecido, a instauração de um processo penal com base nas regras da nacionalidade activa ou da nacionalidade “dupla”: sic et simpliciter judicare.

bb) Todavia, é possível que o agente não fosse nacional português no momento da prática dos factos (o que significa que a sua conduta não preenche aquelas regras de aplicabilidade), mas que tenha adquiri-do essa qualidade posteriormente e a ostente no momento da decisão sobre a extradição (o que releva para efeitos da causa de recusa “nacio-nalidade portuguesa do extraditando”). Nesses casos – decerto inco-muns, mas não impossíveis299 –, o Estado português deverá igualmente

298 O n.º 4 do art. 32.º LCJ procurou concretizar esta al. c), estabelecendo que, para efeitos de apreciação das garantias a que a mesma se refere, “ter-se-á em conta o respeito das exigências da CEDH e de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria ratificados por Portugal, bem como as condições de protecção contra as situações a que se referem as als. b) e c) do n.º 1 do artigo 6.º”. Ora, esta concretização limita-se a repetir, ora por extenso ora por remissão, as causas de recusa já previstas nas als. a), b) e c) do art. 6.º LCJ para todos e quaisquer extraditandos. Ou seja, o legislador não estabeleceu um padrão de exigência superior para cidadãos portugueses em matéria de garantias processuais a ob-servar pelo Estado requerente, pelo que a própria al. c) do n.º 2 do art. 32.º LCJ constitui uma redundância em face das als. a), b) e c) do art. 6.º LCJ. E se a introdução da al. c) do n.º 2 do art. 32.º LCJ se pode explicar por provavelmente ter sido decalcada do texto cons-titucional, a sua “concretização” não parece ter explicação. Aliás, em termos literais (estri-tamente), a protecção geral conferida pelo art. 6.º, al. a) LCJ até parece mais ampla, pois refere-se, não a “ordem jurídica”, mas o “processo”, que aí tem o sentido de abranger não só a ordem jurídica como a concreta prática do Estado requerente (cf. supra, ponto 2.1.).

299 V., e.g., o Ac. TRL de 17-11-2011, cit.

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Deder e aut Judicar e?

reprimir os factos, não com base nas regras de aplicabilidade referidas, mas sim através da administração supletiva da justiça penal (e, portanto, apenas se tiver recebido um pedido de extradição), dando desse modo expressão prática ao princípio aut dedere aut judicare.

2.15. Imunidades internacionais

a) Considerações gerais

O direito internacional inculca o respeito por certas imunidades internacionais, donde decorrem limitações para o ius puniendi dos Es-tados: não apenas no plano da jurisdição judicativa, mas também, no caso das imunidades funcionais, no da jurisdição prescritiva300. Além disso, é hoje consensual que essas imunidades ainda limitam a jurisdi-ção adjuvante, constituindo obstáculos à cooperação301.

Pelas diferenças que apresentam perante a questão da eventualidade de actuação penal do Estado português302, impõe-se transmitir aqui a distinção entre imunidades funcionais e imunidades pessoais, o que fa-remos seguindo de perto a explanação de Pedro Caeiro a esse respeito.

As imunidades funcionais (ou ratione materiae) “eximem os funcionários de um Estado de responsabilidade criminal, perante tribunais estran-geiros, por factos praticados no exercício das suas funções, na medida em que se considera que, nestes casos, é o Estado, e não o funcionário, quem age. Deste modo, os factos que provocariam a responsabilidade criminal do funcionário (perante a lei estrangeira) dão apenas lugar, eventualmente, à responsabilidade internacional do Estado em cujo nome ele actua (embora continuem sujeitos à lei penal desse mesmo Estado)”303. Ou seja, os sujeitos cobertos por estas imunidades gozam

300 Pedro Caeiro, Fundamento..., op. cit., p. 361 s. Sobre o assunto, v. também Hazel Fox, «Jurisdiction and immunities», 1996, p. 210 s.; Torsten Stein, «Limits of International Law Immunities for Senior State Officials in Criminal Procedure», 2006, p. 249 s.

301 Cf., e.g., com inúmeras referências, Marc henZelin, op. cit., p. 179 s.; v. ainda Steffen Wirth, «Immunity for core crimes? The ICJ’s Judgment in the Congo v. Belgium case», EJIL 13 (2002), p. 877 s.; David turnS, «Pinochet’s fallout: jurisdiction and immunity for criminal violations of international law», LS 20 (2000), p. 566 s.; Carlota Pizarro de al-meida, «Um exemplo de jurisprudência penal internacional: o caso Pinochet», 2004, p. 289 s. Na jurisprudência, v. sobretudo as decisões dos casos Yerodia (Cour de Cassation, Arrêt du 14 février, Affaire relative au mandat d’arrêt du 11 Avril 2000, République Démocratique du Congo c. Belgique, em <www.icj-cij.org>) e Pinochet (House of Lords, Judgment, Regina v. Bartle and the Commissioner of Police for the Metropolis and Others Ex Parte Pinochet, on 24 March 1999, em <www.parliament.uk>).

302 V. infra, a al. c).303 Pedro Caeiro, Fundamento..., op. cit., p. 363.

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de uma verdadeira garantia substantiva, que consiste em não serem destinatários das normas penais estrangeiras, e que, como tal, se man-tém para além do desempenho das funções que a fundamentam304. No entanto, estas imunidades cedem perante a prática de crimes interna-cionais, pois estes não podem nunca constituir actos de Estado305.

As imunidades pessoais (ou ratione personae) já “não se prendem com o dever de não-ingerência, mas sim com a garantia de que certas pessoas com funções de representação do Estado no exterior podem desem-penhá-las livremente, sem que a sua eventual responsabilidade crimi-nal perante a lei de outro país (e, portanto, a sua sujeição ao respecti-vo poder judicial) prejudique o normal desenvolvimento das relações internacionais”306. Por isso, elas apenas aproveitam ao Chefe de Esta-do, ao Primeiro-Ministro, ao corpo diplomático, e, como o Tribunal Internacional de Justiça confirmou no caso Yerodia, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros; também por isso, elas cobrem quaisquer actos praticados pela pessoa, incluindo os que não tenham sido praticados no exercício de funções (e.g., os factos praticados antes do início do cargo, ou durante o mesmo mas em “veste privada”) e os que integrem crimes contra o direito internacional; também por isso, contudo, elas não afectam o âmbito de eficácia da lei estrangeira, provocando apenas uma paralisação da jurisdição judicativa dos outros Estados, que cessa com o fim da titularidade do cargo307.

b) Decisão administrativa e judicial

Os tribunais têm o poder-dever de recusar a extradição com base nesta causa de recusa, em aplicação directa do direito internacional.

Tendo em conta a sensibilidade política que tende a caracterizar estes casos, é inequívoco não só que o Executivo tem o poder-dever de recusar a extradição com base em inerentes motivos de inoportunida-de, como que a verificação desta causa de recusa conduz tipicamente a indeferimentos administrativos308.

304 Ibidem. A prática dos Estados, no entanto, tende a excluir do âmbito desta imunidade os factos praticados no território de Estado estrangeiro, como aconteceu no caso Rainbow Warrior. A propósito dele, v. Antonio CaSSeSe, op. cit., p. 206; Michael Pugh, «Legal Aspects of the Rainbow Warrior Affair», ICLQ 36 (1987), p. 655 s.

305 Pedro Caeiro, Fundamento..., op. cit., p. 364.306 Ibidem, p. 364.307 Ibidem, p. 364-365.308 Cf. Christopher L. BlakeSley, «The Autumn of the Patriarch…», op. cit., p. 16.

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Deder e aut Judicar e?

c) Sic et simpliciter judicare / nec dedere nec judicare

aa) Se os indivíduos protegidos pela imunidade forem funcionários do próprio Estado português, nada senão a sua própria lei interna pode impe-di-lo de reprimir penalmente os factos309, já que, como vimos, nem as imunidades funcionais nem as imunidades pessoais, pelas suas (apesar de diferentes) razões de ser, resguardam aqueles indivíduos da justiça penal do próprio Estado em cujo nome agiram ou que representam no exterior, respectivamente. Sic et simpliciter judicare.310

bb) Já tratando-se de funcionários de um Estado terceiro relativamente ao processo de extradição, a imunidade funcional que impede a extradição também exclui a aplicabilidade da lei portuguesa, impedindo o Estado português de reprimir penalmente os factos, sob pena de violação do direito internacional, tal como a imunidade pessoal, que, pelos motivos vistos, acaba por ter, enquanto persiste, consequências práticas idênti-cas. Assim, embora por motivos diferentes e em condições temporais diferentes, ambas produzem uma situação nec dedere nec judicare.

Breve excurso

Se os indivíduos forem funcionários do Estado requerente – o que, em si, como vimos, não impediria a extradição – mas esta não tiver sido possível por outro motivo (e.g., aplicabilidade de pena de morte), as limitações ao exercício do ius puniendi pelo Estado português referidas no parágrafo anterior não se verificam necessariamente.

De facto, se considerarmos que as imunidades de direito interna-cional – ainda que de modo diverso, consoante sejam funcionais ou pessoais – não constituem garantias individuais, mas sim prerrogativas dos Estados, que têm a particularidade de se projectarem na esfera jurí-dica de indivíduos que são seus representantes, poderemos considerar que a realização de um pedido de extradição nessas circunstâncias é susceptível de conter uma renúncia do Estado requerente à imunidade. Nesta linha, concluiremos que o Estado português tem, na hipótese em análise, o poder-dever de reprimir os factos a título supletivo: aut dedere

309 Entre nós, v. os arts. 117.º e 157.º CRP e a Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (Crimes da responsabilidade de titulares de cargos politicos ou de altos cargos públicos).

310 Refira-se, de passagem, que, na maioria das vezes – e, no caso de certos cargos políticos e de certas categorias de funcionários, necessariamente (cf. desde logo os arts. 122.º, 150.º e 275.º, n.º 2 CRP) –, o extraditando é cidadão português, pelo que, em regra, tam-bém estará protegido pela causa de recusa da nacionalidade.

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Tese de Mestrado

aut judicare311.A excepção será a hipótese de o Estado requerente pretender que

nenhum outro Estado julgue os factos, pois essa vontade determina a persistência da imunidade, produzindo uma situação “nec dedere nec judicare”312.

2.16. “Cláusula humanitária”

a) Considerações gerais

O art. 18.º, n.º 2 LCJ, estabelecendo o que costuma designar-se de “cláusula humanitária”, permite ao Estado português recusar a coo-peração “quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o defe-rimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal”.

Há quem procure fundamentar esta causa de recusa a partir da ideia de que é injustificado reprimir penalmente uma pessoa que per-deu a capacidade de compreender o alcance dessa punição313. Porém, essa argumentação não encontra entre nós sustentação normativa ou dogmática. A noção que a mesma inculca, de “incompetência para se ser julgado”, é em absoluto estranha ao ordenamento jurídico-penal

311 Se estiverem em causa crimes internacionais, é ainda possível que Portugal tivesse, já, jurisdição fundada na regra da universalidade ou numa regra prevista em convenção internacional aplicável, o que faz destes casos candidatos positivos à causa de recusa facul-tativa prevista no art. 18.º, n.º 1 LCJ (sobre ela, v. infra, todo o § 4).

312 Sublinhe-se apenas que a impossibilidade de exercício do ius puniendi pelo Estado português, nestes casos, decorre da persistência da imunidade, e não do não preenchimen-to da administração supletiva da justiça penal – que, como vimos (supra, § 2, ponto 3.3.3), não pressupõe o assentimento do Estado requerente.

313 Neste sentido, v. Christopher L. BlakeSley, «The Autumn of the Patriarch…», op. cit., p. 15: “One important human rights value, which is also a basic criminal law principle, is that a person who does not have the mental capacity or competence to grasp the purpose of his punishment, to understand the proceedings against him, or to assist his counsel should not be prosecuted. All legal systems that honor human rights must have a mecha-nism for protecting those whom are not competent to stand trial. No doubt, sometimes even those people who have done the most evil things become incompetent. (…) It is ironic, of course, that a person charged with having violated the most basic human rights of so many may be the beneficiary of those human rights protections he mocked in a most heinous way. Nevertheless, we must remain worthy of our human rights principles.” Este modo de fundamentação detecta-se ainda no caso Pinochet, cujo desfecho foi a recusa executiva do pedido de extradição (da responsabilidade de Jack Straw, então Home Secretary do Reino Unido), com base numa cláusula idêntica à portuguesa (cf. Carlota Pizarro de almeida, «Um exemplo…», op. cit., p. 301), pela consideração de que o extraditando se en-contrava “unfit to stand trial” (cf. Frank Sullivan, Jr., «A Separation of Powers perspective on Pinochet», II&CLR 14 (2004), p. 438).

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português – pelo menos, no quadro das competências das entidades decisórias em matéria de extradição. Além disso, ela não conduz neces-sariamente à existência de uma causa de recusa como a que se analisa, pois a avaliação de tal “incompetência” sempre poderia – e, na ver-dade, deveria – pertencer ao Estado que pretende julgar a pessoa, e não àquele a quem é pedida a sua extradição314. Tanto mais quanto se verifica que vários outros aspectos de índole pessoal considerados pelo legislador como carentes de tutela específica em sede de extradição são já autonomamente consagrados em causas de recusa destinadas (mesmo que não exclusivamente) a proteger o extraditando perante o Estado requerente: perseguição e repressão discriminatórias, ausência de garantias processuais básicas, aplicabilidade de pena de morte, etc.

Francamente mais ajustada e consonante com a letra da norma315 será uma linha de argumentação que coloque a ênfase – a jusante do que faz a anterior – nas “consequências” que a própria extradição pode produzir na esfera pessoal do extraditando316.

314 Como, na verdade, não deixa de reconhecer mesmo quem defende essa abordagem – v. Christopher L. BlakeSley, «The Autumn of the Patriarch…», op. cit., p. 16, conce-dendo que “it could be debated that the decision on competency to stand trial rests with the requesting state, not the requested state”.

315 Apesar da surpreendente prescrição de que na apreciação desta causa de recusa devem ter-se em conta as circunstâncias do “facto” – o que remete para um acontecimento passado e irrelevante para as condições previstas na norma (idade, estado de saúde e outros motivos de carácter pessoal) –, e não do “caso”. Mas v. o Ac. STJ de 30-10-2013, proces-so n.º 86/13.8YREVR.S1, em <www.dgsi.pt>, afirmando que o inciso “faz depender a denegação (…) da extradição, não só das consequências que a mesma possa implicar para a pessoa visada (em função da idade, estado de saúde ou outros motivos de carácter pes-soal), mas também de um juízo de ponderação de interesses entre o facto criminoso e aquelas consequências. (…) Ponderação em que assume particular relevância o confronto entre a gravidade do facto e a gravidade das consequências da extradição para o visado”. No mes-mo sentido, já o Ac. STJ de 06-02-08, processo n.º 369/06, em <www.dgsi.pt>.

316 É nesta linha que se posicionam Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 50 s., quando afirmam que esta causa de recusa “[b]aseia-se no risco de consequências graves que podem decorrer do deferimento do pedido” (itálico nosso). Os AA. elaboram sobre o (amplo) alcance do conceito “consequências graves”, considerando-o compatível não só com a ponderação de questões fácticas como a idade ou a saúde, mas também de questões jurídicas como “a sujeição a pena ou regime mais severos” (p. 51) – interpretação que, todavia, suscita reservas, pois a natureza e a medida da pena aplicável aos factos no Estado requerente é já objecto de tutela específica e autónoma em corres-pondentes causas de recusa. Por outro lado, os AA. consideram que a inimputabilidade em razão da idade integra a norma, por via da referência que aí é feita a “idade”, e especificam que a tutela da saúde do extraditando por si proporcionada abrange situações como “es-tados terminais de doença incurável, riscos de agravamento de enfermidades ou mesmo de perecimento, potenciados por deslocações de um país para outro, fundadas dúvidas quanto à existência ou à qualidade de tratamento médico-hospitalar no país que solicita a cooperação, etc.” (p. 53). Por fim, os AA. destacam a “latitude” que o conceito “outros mo-

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Em todo o caso, o principal problema que esta causa de recusa colo-ca é um outro, e relaciona-se com a sua natureza (prima facie) facultativa. A epígrafe do art. 18.º LCJ (“denegação facultativa da cooperação in-ternacional”) e a letra do seu n.º 2 (“pode (...) ser recusada a coopera-ção”) não parecem deixar margem para dúvidas quanto à dita natureza, e, por isso, a questão tende a não suscitar desconfiança317.

Porém, a nosso ver, ela não pode dar-se por resolvida somente a partir daqueles elementos, antes exigindo que se averigúe se a circuns-tância constitutiva desta causa de recusa – sc., o risco de a extradição implicar consequências graves para o visado – é compatível, na sua

tivos de carácter pessoal” confere à norma (p. 53). A esse respeito, deve observar-se que, porém – ou talvez por isso mesmo – a jurisprudência parece aplicar esta causa de recusa de modo cauteloso, tendo já negado a relevância, para seu efeito, a um largo conjunto de circunstâncias: cf. o Ac. STJ de 30-10-2013, processo 86/13.8YREVR.S1, em www.dgsi.pt, afirmando que “não se poderão considerar consequências graves resultantes de outros motivos de carácter pessoal aquelas consequências que são a regra para quem tem família e vai ter de cumprir uma pena de prisão”; no mesmo sentido já o Tribunal se pronunciara, e.g., no Ac. de 29-04-2003, processo n.º 03P1646, em www.dgsi.pt, onde se entendeu que “o respeito pela vida privada e familiar não é, naturalmente, um direito absoluto. Pois se é certo que qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência, a ingerência da autoridade pública no exercício desse direito é legítima ‘quando constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da ordem moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros’, tal como reza o artigo 8º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”; o Tribunal nota ainda que, de resto, a não ser assim, “seria difícil ou mesmo impossível alguém ser extraditado” (ibidem); ou mesmo preso (cf. o Ac. STJ de 05-05-2011, processo n.º 22/11.6YREVR.S1, em <www.dgsi.pt>, em que a extraditanda alegava em sua defesa a mera circunstância de ter um filho menor idade de nacionalidade portuguesa); v. ainda o Ac. STJ de 07-01-2009, processo n.º 08P4144, em <www.dgsi.pt>, sublinhando a natureza eminentemente pessoal desta causa de recusa, ao afirmar que “a circunstância de a mulher do requerido não ter, por si só, capacidade para satisfazer as prestações do empréstimo do apartamento onde vive, tratando-se de facto atinente a terceiro, de natureza patrimonial, não pessoal do recorrente, não tem virtualidade impeditiva ou condicionante da extradição”; também o citado Ac. STJ de 05-05-2011 salienta que “a lei manda atender (…) exclusivamente à pessoa visada pela extradição e não às consequências que da execu-ção desta medida possam resultar para terceiros, nomeadamente para um qualquer filho menor do extraditando”; v., por fim, mais remotos, o Ac. STJ de 30-09-1999, processo n.º 99P885, em <www.dgsi.pt>, declarando que, “[v]ivendo o extraditando – de nacio-nalidade alemã – em Portugal há dez anos sem interrupção, onde constituiu família e trabalhando em Portugal, tal circunstancialismo mostra-se insuficiente para legitimar a conclusão de que o deferimento do pedido de extradição seria susceptível de implicar as ‘consequências graves’ que a lei exige para que se aceite como ajustada a decisão de negar a cooperação”, e o Ac. STJ de 23-09-1986, processo n.º 038680, em <www.dgsi.pt>, indi-cando que a recusa da extradição com base nesta norma pressupõe uma certa persistência dos motivos pessoais aí referidos: “[a] doença do extraditando não obsta à concessão da extradição, sendo apenas causa de adiamento da entrega do extraditando”.

317 Cf. e.g. Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 49 s.

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essência, com uma decisão de natureza facultativa. E, na verdade, não nos parece que o seja, pois se o princípio da igualdade impõe que casos materialmente idênticos sejam tratados de modo idêntico, não pode reconhecer-se às entidades decisórias em matéria de extradição uma faculdade de, perante casos idênticos, produzir decisões de sentidos opostos – ora recusando, ora aceitando pedidos de extradição relati-vos a indivíduos em situações “pessoais” idênticas. Por exemplo: se a extradição implicar um comprovado risco de morte do extraditando, aquelas entidades não dispõem de uma opção entre recusar (por causa desse risco) e extraditar (apesar dele) – a decisão é, em ambos os casos, obrigatória no sentido da recusa. A intervenção que esta causa de recu-sa requer daquelas entidades cinge-se à determinação do alcance da sua hipótese e à verificação do seu preenchimento. É inegável que se trata de uma operação complexa, particularmente em face da latitude que a referência a “outros motivos pessoais” confere à norma e do carácter probabilístico do juízo que esta pode implicar318, mas dificuldade na interpretação da norma não implica de modo algum faculdade na deci-são. De resto, a jurisprudência portuguesa parece aceitar implicitamen-te essa ideia: várias decisões, embora atribuam expressamente carácter facultativo a esta causa de recusa, acabam por se traduzir numa mera interpretação da sua hipótese319.

Em suma, sob pena de violação do princípio da igualdade consa-grado no art. 13.º CRP, a causa de recusa prevista no art. 18.º, n.º 2 LCJ deve ser interpretada, não como um puro poder, mas como um poder-dever e, consequentemente, não como facultativa, mas como obrigatória, impondo que a extradição seja denegada sempre que possa implicar consequências graves para o extraditando.

b) Decisão administrativa e judicial

Esta causa de recusa – que, de modo algo singular, se destina estrita-mente a proteger interesses do extraditando –, pode inequivocamente ser objecto da intervenção judicial, como, de resto, já aconteceu várias vezes320.

318 Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 51 assinalam também este facto, afirmando que, “[c]omo quer que seja, as entidades competentes para a decisão não podem fugir a um juízo de probabilidade sobre a gravidade das consequências que podem resultar do deferimento do pedido”.

319 Cf., e.g., os Acs. STJ de 30-10-2013, processo n.º 86/13.8YREVR.S1, de 05-05-2011, processo n.º 22/11.6YREVR.S1, de 13-03-2003, processo n.º 03P1646, de 30-09-1999, processo n.º 99P885, em <www.dgsi.pt>.

320 V., e.g., recentes, os Acs. STJ de 30-05-2012, processo n.º 290/11.3YRCBR1.S1, e

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Ela também é susceptível de ser objecto de um juízo pelo poder executivo, como paradigmaticamente ilustra, na jurisprudência estran-geira, o caso Pinochet321.

c) Aut dedere aut judicare

Se o fundamento da causa de recusa é proteger o extraditando con-tra riscos emergentes da extradição (a deslocação do extraditando, a mudança de país em si mesma, etc.), ela nada apresenta de intrínseco que obste a uma subsequente actuação penal supletiva por parte do Estado português, já que as implicações disto são totalmente diferen-tes. Ou seja, o princípio aut dedere aut judicare tem, aqui, plena aplicação.

3. Causas de recusa facultativa

Ponto único: Pendência de processo ou dever ou possibilidade de instaurar processo – Remissão: § 4, infra.

4. Inventário de casos “aut dedere aut judicare”, “sic et simpli-citer judicare” e “nec dedere nec judicare”

a) Aut dedere aut judicare1- Ausência ou insuficiência de garantias processuais (ponto 2.1);2- Perseguição e repressão discriminatórias (ponto 2.2);3- Natureza do tribunal (ponto 2.3);4- Natureza da sanção aplicável (ponto 2.4);5- Ausência de reciprocidade (ponto 2.5);6- Ausência de garantias de respeito pela regra da especialidade

(ponto 2.7);7- Nacionalidade portuguesa do extraditando, no caso excepcional

em que o agente não era nacional português no momento da prática dos factos mas tem essa qualidade no momento da decisão sobre a extradição (ponto 2.14.c)bb));

8- “Cláusula humanitária” (ponto 2.16);

b) Sic et simpliciter judicare1- Territorialidade do facto (ponto 2.13);2- Nacionalidade portuguesa do extraditando, em regra (ponto 2.14);3- Imunidade internacional de funcionário do Estado português

TRL de 17-11-2011, processo n.º 759/11.0YRLSB-3, em <www.dgsi.pt>. 321 V. supra, em rodapé.

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(ponto 2.15.c)aa)).

c) Nec dedere nec judicare1- Ausência de dupla incriminação (ponto 2.6);2- Reduzida relevância da infracção ou do tempo remanescente

de execução da sanção (ponto 2.8);3- Natureza da infracção, incluindo infracções políticas, conexas

a infracções políticas e estritamente militares (ponto 2.9);4- Extinção da responsabilidade penal (ponto 2.10);5- Ausência de jurisdição (atendível) (ponto 2.11);6- Ausência de intenção de efectivar a responsabilidade penal do

extraditando (ponto 2.12);7- Imunidade internacional de funcionário de Estado terceiro

relativamente ao processo de extradição (ponto 2.15.c)bb)).

5. O dever de solicitação dos elementos necessários para ins-taurar um processo penal, previsto no art. 32.º, n.º 5 LCJ

Os arts. 6.º, n.º 5 e 32.º, n.º 5 LCJ suscitam várias questões que interferem com o objecto deste estudo. Em particular, os preceitos podem conduzir a equívocos sobre os casos em que o Estado não pode extraditar nem julgar (nec dedere nec judicare), circunstância que devemos prevenir.

a) O art. 6.º, n.º 5 estabelece que “[q]uando for negada a extradição com base nas alíneas d), e) e f) do n.º 1, aplica-se o mecanismo de co- operação previsto no n.º 5 do artigo 32.º”.

As alíneas correspondem às causas de recusa “tribunal de excep-ção” e “natureza da sanção aplicável”322.

b) Por sua vez, o art. 32.º, n.º 5 prevê que “[q]uando for negada a extradição com fundamento nas alíneas do n.º 1 do presente artigo ou nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º, é instaurado procedimento penal pelos factos que fundamentam o pedido, sendo solicitados ao Estado requerente os elementos necessários”323.

As alíneas do n.º 1 do art. 32.º respeitam às causas de recusa obrigatória

322 No caso das alíneas e) e f), a remissão só será operativa se não se verificarem as ressalvas previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do mesmo art. 6.º.

323 A parte final do preceito contém ainda um inciso que não releva para a questão em análise: “O juiz pode impor as medidas cautelares que se afigurem adequadas”.

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“territorialidade do facto” e “nacionalidade portuguesa do extraditando”324.

5.1. O “mecanismo de cooperação” referido no art. 6.º, n.º 5

A primeira perplexidade que os arts. 6.º, n.º 5 e 32.º, n.º 5 suscitam consiste no facto de o primeiro remeter para “o mecanismo de co- operação” previsto no segundo, quando aquilo que este parece estatuir, numa leitura imediata, é a instauração de um processo penal (quando negada a extradição, é instaurado procedimento penal), que não consti-tui qualquer mecanismo de cooperação, mas simplesmente o exercício do ius puniendi.

Somente a título mediato (sendo solicitados) se prevê um procedi-mento que, supondo uma actuação cooperante entre dois Estados com vista à realização de uma finalidade penal325, poderá já considerar-se um mecanismo de cooperação: a solicitação dos elementos necessários para a instauração de processo penal.

Assim, pode concluir-se que é para este “mecanismo de coopera-ção” que o art. 6.º, n.º 5 LCJ remete326.

5.2. O dever de solicitação criado pelo art. 32.º, n.º 5

Apesar de poder considerar-se um “mecanismo de cooperação”, não se trata, em rigor, de uma “forma de cooperação” a acrescer às que são elencadas no art. 1.º, n.º 1 LCJ, pois este elenco é taxativo327. Assim, quando dever aplicar esse mecanismo, o Estado português deverá re-correr a uma destas formas – sc., ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal, regulado nos arts. 145.º s.328.

324 Esta, com as ressalvas estabelecidas nos n.os 2 e 3 do mesmo art. 32.º LCJ.325 Sc., entre os mesmos dois Estados que haviam intervindo no processo de extradição

(culminado com uma decisão de recusa) e que, aqui, invertem os papéis: o Estado portu-guês, que ali ocupava a condição de requerido, é aqui o requerente (ou “solicitante”); o Estado estrangeiro, que requerera a extradição, é aqui o requerido (ou “solicitado”).

326 Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 52, afirma que esta norma consagra o “mecanis-mo da denúncia internacional”, figura que, porém, não define e sobre a qual não encon-trámos outra referência.

327 Embora não seja propriamente rígido, já que uma das formas de cooperação previs-tas – o auxílio judiciário mútuo em matéria penal – “define-se através de uma fórmula aberta, susceptível de evoluir de acordo com as circunstâncias de tempo e lugar, decorrentes do grau de desenvolvimento das relações bilaterais entre os Estado implicados, das possibili-dades de cooperação reconhecidas pela legislação interna de cada Estado e, de modo signi-ficativo, da evolução das necessidades da cooperação internacional, em função da evolução do próprio fenómeno da criminalidade” – Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 199 (itálico nosso).

328 O auxílio judiciário mútuo é uma forma de cooperação que um Estado requer “no quadro de um processo penal”, com vista à “prática de actos de investigação ou de

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Isso significa, do mesmo passo, que, antes e independentemente de a LCJ prever aquele mecanismo, o Estado português já tinha a pos-sibilidade de solicitar elementos a Estados estrangeiros através desta forma de cooperação. Além disso, as hipóteses não coincidem: o auxílio judiciário pode ser usado no contexto de qualquer processo penal329; a solicitação cinge-se a casos em que a extradição tenha sido previamen-te pedida e, dentro disso, apenas àqueles em que tenha sido recusada com base num dos fundamentos de recusa especificados no art. 32.º, n.º 5. Estas circunstâncias parecem determinar a redundância do dito “mecanismo”.

Porém, ele apresenta valor diferencial: sem ele, a solicitação de ele-mentos (ao abrigo do auxílio judiciário) seria, tão-somente, uma faculda-de, já que nenhuma outra norma impõe ao Estado português que faça tal solicitação. Ao impor que, em certos casos, essa solicitação seja feita, o art. 32.º, n.º 5 institui um dever que, de outro modo, não existiria – o que nos permite falar aqui de um verdadeiro “dever de solicitação”. Resumindo: em geral, o Estado português pode solicitar a Estados es-trangeiros elementos relevantes para instaurar ou continuar um proces-so penal; nas situações previstas no art. 32.º, n.º 5, é obrigado a fazê-lo.

Este dever poderá ser justificado a partir de uma ideia de racio-nalização do sistema – faz sentido que o Estado, quando deva agir penalmente após a recusa da extradição, peça à jurisdição que a houver requerido os elementos que possam ser úteis para tanto –, embora isso não explique por que razão ele é selectivo, integrando apenas a recusa fundada em certos obstáculos.

5.3. A instauração de processo penal referida no art. 32.º, n.º 5

5.3.1. Porém, a grande questão a tratar parte do facto de o art. 32.º, n.º 5 parecer estatuir um dever de instaurar ou continuar um processo penal após a recusa da extradição (quando negada a extradição, é ins-taurado processo penal), quando isso já resultava das regras de jurisdi-ção consagradas no CP, conjugadas com o princípio da legalidade pro-

instrução no território do Estado requerido” (Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 198). Pelo seu carácter aberto, ele proporciona um amplo rol de expedientes, como a notificação de testemunhas ou o carreamento para o processo de informações e elementos de prova relevantes (ibidem), sendo também, pois, a forma de cooperação adequada para se transmitirem os elementos necessários para a instauração de um processo penal.

329 Cf. Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 198.

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cessual – como uma interpretação historicamente informada revela330:

a) O Decreto-Lei 437/75 dispunha, no art. 4.º, n.º 2: “Quando ne-gada a extradição com fundamento em alguns dos casos referidos no número anterior, são solicitados ao Estado requerente os elementos necessários para obrigatoriamente se instaurar procedimento criminal contra a pessoa reclamada pelos factos que fundamentaram o pedido”.

Logo no plano literal, verifica-se que a norma estatuía imediatamente um dever, não de instaurar um processo penal, mas de solicitar certos elementos (quando negada a extradição, são solicitados). O exercício de acção penal era mencionado a título incidental (tais elementos são solicitados para se agir penalmente), sendo que a alusão à sua obriga-toriedade se justifica com base no princípio da legalidade processual.

Por isso – e tendo em conta que, ao tempo, não tinha ainda sido acolhida no CP a administração supletiva da justiça penal – o dever de solicitação estatuído pela dita norma da LCJ se cingia aos casos “referidos no número anterior”, sc., os de recusa fundada na territo-rialidade do facto e na nacionalidade portuguesa do extraditando: é que eram essas as únicas causas de recusa obrigatória que supunham (em princípio) a existência de jurisdição do Estado português sobre os factos e, portanto, a possibilidade de agir penalmente. Por conseguinte, se o propósito da norma tivesse sido estabelecer um dever de exercer o ius puniendi, ela seria totalmente redundante, pois isso resultava já das correspondentes regras de jurisdição previstas no CP (territorialidade e nacionalidade activa ou dupla), conjugadas com o princípio da lega-lidade processual.

b) O Decreto-Lei 43/91 manteve a norma, no seu art. 31.º, n.º 2: “Quando negada a extradição com fundamento em algum dos casos refe-ridos no número anterior, são solicitados ao Estado requerente os elemen-tos necessários para se instaurar ou continuar procedimento penal contra a pessoa reclamada pelos factos que fundamentam o pedido”.

As únicas alterações relativamente à versão anterior foram a su-pressão da referência à obrigatoriedade de agir penalmente – que terá visado esclarecer que, mesmo estando reunidas todas as condições ne-cessárias para esse efeito, o recurso a outras formas de cooperação (e.g.,

330 Sobre este específico problema, mais desenvolvidamente, v. Miguel João CoSta, «Extradição e administração supletiva da justiça penal», op. cit.

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à transmissão de processos penais) não está precludido331 – e a introdu-ção da referência à possibilidade de continuar processo – que terá visado aclarar que, se já estiver instaurado um processo ao tempo do pedido de

extradição, o Estado obviamente não tem de reinstaurá-lo, mas simples-mente de continuá-lo.

De resto, as considerações feitas acerca da lei precedente mantêm plena validade.332

c) Em 1998, foi introduzida no CP (não no Decreto-Lei 43/91), pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, a base de jurisdição da adminis-tração supletiva da justiça penal, com o conteúdo conhecido e que se manteve, até hoje, intocado. É este o marco a que, de modo praticamente

unânime, se liga a introdução dessa base de jurisdição, então aclamada como colmatação de uma grave lacuna333.

d) No ano seguinte, a LCJ veio substituir o Decreto-Lei 43/91 e alterar uma vez mais a redacção da regra em análise, que passou a figurar no art. 32.º, n.º 5, também já conhecido, e, como vimos, a sugerir a estatuição de um dever de agir penalmente.

Contudo, o sentido que lhe imputámos manteve-se intacto, como o alargamento do seu âmbito de aplicação confirma. A nova redacção, para além de manter a referência à recusa fundada na territorialidade e na nacionalidade, que sempre constou da norma, passou a abranger a que se funda na natureza do tribunal (tribunais de excepção), na apli-cabilidade de pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade da pessoa e na aplicabilidade de pena ou medida de segurança perpétua ou de duração indefinida. E fê-lo porque a admi-nistração supletiva da justiça penal tinha já vindo atribuir ao Estado

331 Neste sentido, Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 75.332 De um modo que nos parece equívoco, Manuel António Lopes roCha / Teresa Al-

ves martinS, op. cit., p. 74 s., depois de asseverarem que a norma “exprime o reconhecimen-to, pelo nosso país, do princípio aut dedere aut judicare, que o art. 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 437/75 já consagrava”, referem que a mesma abrange, “para além dos casos de recusa fundados na prática do facto em território português ou na nacionalidade portuguesa do agente”, pelo menos, também os de “recusa com fundamento nas als. a) e b) e na al. e) do art. 6.º (crime punível com pena de morte ou prisão perpétua no Estado requerente)”. Ora, para além da repetição que ali se contém (as als. a) e b) [do art. 31.º, n.º 1] respeitam à territorialidade e à nacionalidade do extraditando), não vemos como podem reconduzir-se ao âmbito de aplicação da norma outras causas de recusa, quando a própria norma (mesmo admitindo que estatuísse um dever de agir penalmente) o cinge às da territorialidade e da nacionalidade portuguesa do extraditando.

333 Cf. e.g. Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal I, op. cit., p. 215; Germano Marques da Silva, Direito Penal, op. cit., p. 308.

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jurisdição sobre esses casos – na verdade, e como é próprio dessa re-gra, em abstracto, sobre a generalidade dos casos em que a extradição é recusada. Mas o inverso não é verdade, pois a administração supletiva da justiça penal tem um âmbito significativamente mais amplo do que as situações elencadas na norma da LCJ, abarcando também, como re-sulta da análise efectuada334, os casos de recusa fundada em ausência ou insuficiência de garantias processuais, perseguição ou repressão discri-minatórias, ausência de reciprocidade, ausência de garantias de respeito pela regra da especialidade e razões humanitárias335. Este desfasamento confirma que o art. 32.º, n.º 5 LCJ não estatui um dever de exercer o ius puniendi, pois embora nada impedisse a LCJ – que não só possui a mesma dignidade normativa que o CP, como constitui lei posterior em relação a ele – de ter criado uma regra de jurisdição (de onde esse dever emergisse), decerto que ela não teria visado reduzir o âmbito de jurisdição já estabelecido no CP.

5.3.2. Naturalmente, existe um nexo de subordinação entre o dever de solicitação de elementos e o dever de instauração ou continuação de um processo penal – sc., só é possível o Estado ter um dever de solicitar os ele-mentos necessários quando tiver o dever de perseguir penalmente a pessoa –, e isso confere ao art. 32.º, n.º 5 LCJ alguma relevância hermenêutica em relação aos casos “nec dedere nec judicare”, no sentido de que, sob pena de erro técnico, o preceito não poderia estabelecer o dever de solicitação para casos em que o Estado não pode perseguir penalmente os factos336.

334 A identificação dos casos nec dedere nec judicare requer uma análise pormenorizada de cada uma das causas de recusa existentes, pois só ela permite determinar se são ou não compatíveis com o exercício da jurisdição baseado na administração supletiva da justiça penal. De facto, a equivocidade do art. 32.º, n.º 5 LCJ pode induzir no erro de que os casos em que tal actuação penal é possível são apenas aqueles que nele são elencados. Exemplo disto parece encontrar-se em Inês Ferreira leite, op. cit., p. 383, n. 1147, quando – a títu-lo incidental, diga-se – depara com essa norma: a A. parte das premissas, em si mesmas correctas, de que “nem todos os motivos de recusa da extradição permitem o exercício da competência penal internacional” (os casos que designámos “nec dedere nec judicare”) e de que “[o CP] estabelece uma remissão implícita para a LCJ”; contudo, acaba por restringir a resposta ao disposto no art. 32.º, n.º 5 desse diploma, quando a mesma só pode encontrar--se no exame, caso a caso, das causas de recusa por ele dispersas. Já Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 75, apesar do equívoco referido supra, em rodapé, acabam por concluir, correctamente, que aquela norma da LCJ não é susceptível de oferecer o elenco definitivo de casos em que o Estado português deve agir penalmente após recusar um pedido de extradição, outros existindo em “que a razão que fundamenta a recusa de extraditar não obsta, no entanto, a que se mantenha o interesse no efectivo apuramento dos factos e na punição dos seus autores”.

335 Cf. o inventário feito no ponto 4, supra.336 E, com efeito, nenhuma das causas de recusa previstas no art. 32.º, n.º 5 LCJ consti-

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Porém, a relevância esgota-se aí, já que a existência desse nexo, por si só, não permite concluir – na direcção oposta – que os casos não contemplados pelo art. 32.º, n.º 5 LCJ constituem, todos eles, casos “nec dedere nec judicare”.

5.4. Proposta

Colocadas entre parênteses as questões de saber se o dever de soli-citação se justifica e, admitindo que sim, se ele não deveria incluir todos os casos em que o Estado português não esteja impedido de perseguir penalmente os factos após recusar a extradição, a redacção do art. 32.º, n.º 5 LCJ, pela sua equivocidade, deveria ser alterada, de modo a trans-mitir com clareza que o dever de solicitação constitui a sua única esta-tuição. Para tanto, bastaria, no essencial, repristinar a formulação usada nos instrumentos normativos precedentes.

§ 4. A decisão de extraditar ou julgar em sentido estrito (de-dere aut judicare stricto sensu): a existência de processo pen-dente ou de dever ou possibilidade de instaurar processo no momento de decidir (art. 18.º, n.º 1 LCJ)

No § 2 deste estudo verificámos que, em virtude da administra-ção supletiva da justiça penal, conjugada com o princípio da legalidade criminal, a decisão sobre o procedimento de extradição (dedere aut non dedere) se converte numa decisão de extraditar ou julgar (aut dedere aut judicare), excepto se intervier uma circunstância que simultaneamen-te impeça o Estado português de extraditar e de actuar penalmente a título supletivo (nec dedere nec judicare). Ao longo do § 3 identificámos essas circunstâncias, deixando recortado, desse modo, o âmbito da ad-ministração supletiva da justiça penal no ordenamento jurídico-penal português.

O problema que agora se impõe resolver, para que fiquemos em condições de abordar, a final, a derradeira dimensão da pergunta que intitula a presente tese, é o de saber se, para efeitos do princípio aut dedere aut judicare a possibilidade de “julgar” constitui sempre uma mera consequência de uma recusa de extraditar ou, antes, se a alternativa entre “dedere” e “judicare” pode envolver – e, se sim, quando – uma au-têntica opção para as entidades com competência decisória na matéria.

tui um caso que tenhamos reconduzido à categoria “nec dedere nec judicare” – o que não deixa de confortar as nossas conclusões a esse respeito.

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Isso obriga a analisar o art. 18.º, n.º 1 LCJ, um preceito que estabelece uma causa de recusa facultativa única no contexto da decisão sobre a extradição passiva e nevrálgica para o objecto do nosso estudo.

1. Considerações gerais

O art. 18.º, n.º 1 LCJ estabelece que “[p]ode ser negada a coopera-ção quando o facto que a motiva for objecto de processo pendente ou quando esse facto deva ou possa ser também objecto de procedimento da competência de uma autoridade judiciária portuguesa”.

Como se constata, o preceito integra duas hipóteses: pendência de processo e dever ou possibilidade de instaurar processo. Essas duas hipóteses são distintas – e, por isso, serão dissecadas separadamente –, mas têm em comum algo de extrema importância: embora pareçam desencon-tradas cronologicamente (a primeira parece referir-se ao presente e a segunda ao futuro), baseiam-se numa mesma circunstância constitutiva “matriz” – a existência de uma pretensão punitiva do Estado português sobre os factos no momento de decidir sobre a extradição337. A diferença é, pois, so-mente de carácter processual: na primeira hipótese, aquela pretensão materializou-se num processo penal; na segunda, isso não aconteceu, mas as condições necessárias para o efeito estão já reunidas.

1.1. A primeira hipótese da norma: pendência de processo

A pendência de um processo penal pelos factos que motivam a ex-tradição é um fundamento de recusa habitual338. Tradicionalmente um obstáculo obrigatório, ele terá passado, de um modo geral, e sobretudo por impulso da Convenção Europeia de Extradição de 1957339, a ser

337 Circunstância que, na verdade, se refere a um momento passado: aquele em que a pretensão punitiva emergiu (tipicamente, o da prática dos factos).

338 Cf. Robert Zimmermann, op. cit., p. 460; Bert SWart, op. cit., p. 209.339 Concluída em Paris em 13 de Dezembro de 1957 e assinada por Portugal em

27/04/1977 – aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 22/89 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/89). O seu art. 8.º, sob a epígrafe “pro-cedimento pendente pelos mesmos factos”, estabelece que “[a] Parte requerida poderá recusar a extradição de uma pessoa reclamada se contra ela tiver instaurado procedimento pelo facto ou factos que fundamentam o pedido de extradição”. O Relatório Explicativo da Convenção esclarece que esta causa de recusa visa sobretudo crimes praticados fora do território do Estado requerido (v. <http://conventions.coe.int/Treaty/en/Reports/Html/024.htm>). Sobre a convenção, v. Antonio Bernardo Colaço, «Extradição: alguns aspectos críticos na Convenção Europeia e na lei interna portuguesa», RMP 11 (1990), p. 65 s.; Margarida FriaS, «Portugal e a Convenção Europeia sobre extradição de 13 de Dezembro de 1957», RMP 11 (1990), p. 97 s.

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concebido pelos Estados como facultativo340. Com efeito, o primeiro diploma legislativo português sobre extradição – o já referido Decreto--Lei n.º 437/75 – previa a pendência de processo como causa de re-cusa obrigatória (art. 3.º, n.º 1, al. b)), ao passo que o seu sucessor – o Decreto-Lei n.º 43/91 – passou já a concebê-la como facultativa (art. 17.º, n.º 1), solução que a LCJ manteve no art. 18.º, n.º 1.

A hipótese “pendência de processo” suscita duas questões de índole processual penal.

a) A primeira é a de saber se um processo, para se considerar “pen-dente”, deve encontrar-se numa fase judicial em sentido estrito – ins-trução, julgamento ou recurso –, ou se basta que se encontre em fase de inquérito. A questão não tem a virtualidade de excluir do âmbito desta causa de recusa, globalmente considerada, os casos em fase de inquérito, mas é relevante para determinar se eles se reconduzem à sua primeira ou à sua segunda hipótese, o que, como a breve trecho vere-mos, não é despiciendo.

Respondendo à questão, deve começar por referir-se que o art. 18.º, n.º 1 LCJ exige que o processo seja da competência de uma “autorida-de judiciária”. A LCJ não define esse conceito, mas o seu art. 3.º, n.º 3 atribui aplicabilidade subsidiária ao CPP, e este, logo no art. 1.º, al. b), integra nesse conceito “o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua com-petência”. Portanto, um processo em fase de inquérito constitui já um “processo pendente” para o efeito em debate341.

b) A segunda questão situa-se processualmente a jusante da primei-ra, residindo em saber se o conceito “processo pendente” se estende a decisões condenatórias transitadas em julgado.

Em rigor, nesses casos, não se está perante um processo pendente, mas perante uma decisão exequível ou em execução342. Contudo, se o Estado se reservou expressamente a faculdade de recusar a extradição em virtude da pendência de um processo penal perante as suas autori-dades, por maioria de razão terá pretendido reservar-se essa faculdade para o efeito de garantir a execução, total ou parcial, de decisões finais

340 Cf. Davor kraPaC, op. cit., p. 262.341 Daí que não tenhamos designado a primeira hipótese do art. 18.º, n.º 1 LCJ como

“litispendência”, a qual consiste na “pendência da causa perante um tribunal” – Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal III, 2000, p. 44 (itálico nosso).

342 Cf. o art. 467.º, n.º 1 CPP.

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proferidas pelos seus tribunais343, o que impõe interpretar extensiva-mente a norma em análise344.

1.2. A segunda hipótese da norma: dever ou possibilidade de instau-rar processo

1.2.1. Mais incomum é encontrar – tanto em leis internas, como em convenções internacionais sobre extradição – uma causa de recusa baseada num dever ou possibilidade de, no futuro, instaurar um processo penal.

São ilustrativas disso, respectivamente, a já referida Convenção Eu-ropeia de Extradição e a lei de cooperação judiciária da Confederação Helvética (cf. o seu art. 66.º), que apenas prevêem como obstáculo a pendência de um processo. Era este, também, o caso do nosso Decre-to-Lei n.º 437/75 (cf. o seu art. 3.º, n.º 1, al. b)).

No caso da Convenção, o respectivo Relatório Explicativo secunda em absoluto a letra do seu art. 8.º, sublinhando que a faculdade de recusa ali prevista se cinge à pendência de processo. Contudo, alguma doutrina veio propugnar – e cremos que pertinentemente – por uma interpretação segundo a qual o preceito admitiria que o Estado reque-rido pudesse ainda, tendo jurisdição para tanto, instaurar um processo penal após receber o pedido de extradição (o qual, então, já poderia ser recusado com base em pendência de processo)345. Independentemente da sua validade, esta perspectiva mostra que excluir aqueles casos do âmbito da norma constituiria uma lacuna injustificada no quadro dos poderes de recusa dos Estados, pois tanto esses casos como aqueles em que já há um processo pendente, apesar das diferenças, radicam – como vimos – na mesma circunstância constitutiva matriz. Por isso, cremos ter sido sensato da parte do legislador português prever esta hipótese de modo explícito346.

1.2.2. A maior dificuldade que a segunda hipótese do art. 18.º, n.º 1 LCJ coloca prende-se com o sentido a atribuir ao inciso “deva ou possa”: por que

343 Recorde-se que o art. 8.º, n.º 1, al. b) LCJ apenas impede a cooperação quando a decisão “se encontrar cumprida ou não puder ser cumprida segundo o direito do Estado em que foi proferida”.

344 Aparentemente neste sentido, na vigência do Decreto-Lei n.º 43/91, v. o Ac. TRP de 18-10-1995, processo n.º 9540682, em <www.dgsi.pt>, sobre um pedido de extradição relativo a infracções diversas das que fundamentavam a pena em execução e que, assim, activava a hipótese de extradição diferida, actualmente prevista no art. 35.º LCJ.

345 Assim, e.g., Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 49.346 Já desde o Decreto-Lei 43/91 (art. 17.º, n.º 1).

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factos, constantes de um pedido de extradição, deve ou pode ser instaura-do um processo penal em Portugal?

Antes de mais, só pode tratar-se de factos que não constituam se-quer objecto de um inquérito, pois de contrário estariam já cobertos pela primeira hipótese da norma.

Dentro disso, há dois conjuntos de factos: aqueles de que o Minis-tério Público adquiriu notícia (e que, assim, já têm uma certa existência processual) e aqueles de que este não adquiriu notícia (um conjunto indeterminado de factos que não têm expressão processual). Na pre-sente hipótese, só podem estar em causa factos do primeiro conjunto, pois o Ministério Público adquiriu necessariamente notícia deles com o recebimento do pedido de extradição, se é que isso não acontecera já por outra via.

Ora, de acordo com o princípio da legalidade processual, o Minis-tério Público tem o dever de abrir um inquérito sempre que adquirir a notícia de um crime347. Perante isto, parece que só teria sentido o art. 18.º, n.º 1 LCJ referir um “dever”, e não já uma “possibilidade” de instaurar um processo penal. No entanto, há duas razões, de índole diversa, sus-ceptíveis de justificar a segunda referência.

a) A primeira será um intento de abranger os crimes particulares em sentido amplo relativamente aos quais o direito de queixa não tenha sido exercido mas ainda seja possível. De facto, como é sabido, o princípio da legalidade pro-cessual conhece desvios resultantes da existência de crimes cuja perse-guição depende de queixa, pelo que, na ausência dela, nesses casos, não pode falar-se de um dever de instaurar um processo348.

No plano dogmático, recorde-se, o não exercício tempestivo do di-reito de queixa ou a renúncia a esse exercício não contendem com a punibilidade do facto, mas apenas com a “punição enquanto tal”, de que constituem “pressuposto positivo”349, o que significa que enquanto esse exercício for possível o Estado português titula uma possibilidade jurídica de instaurar um processo penal, fundada numa (preexistente) pretensão punitiva.

A concluir, recorde-se apenas que as queixas apresentadas tempes-tivamente a autoridades estrangeiras, quando igualmente exigidas pelo

347 Cf. o art. 262.º, n.º 2 CPP.348 Cf. os arts. 113.º s. CP e 49.º s. e 262.º, n.º 2 CPP.349 Cf. Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal II, op. cit., p. 661 s.

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direito português, produzem efeitos em Portugal350.

b) A segunda razão será um intento de abranger os casos em que a pretensão punitiva do Estado português se funda numa regra de jurisdição subsidiária.

Perante um pedido de extradição, certas bases de jurisdição só po-dem estar preenchidas se e quando este for recusado. Antes desse mo-mento, também não pode, como na situação anterior, falar-se de um dever de instaurar um processo penal, mas apenas, eventualmente, de uma possibilidade de o fazer.

Apurar se essa possibilidade efectivamente existe requer uma aná-lise autónoma e mais desenvolvida – que realizaremos no ponto se-guinte, para onde remetemos351 –, mas, no plano sistemático, o que se impõe desde já observar é que uma resposta negativa significaria o esvaziamento quase total da segunda hipótese do art. 18.º, n.º 1 LCJ, pois nesse caso ela incluiria somente a regra da nacionalidade “dupla” (e apenas excepcionalmente, dada a regra da não extradição de nacio-nais) e a regra da defesa dos interesses nacionais (que, por sua vez, se refere a factos pelos quais, usualmente, a extradição nem sequer pode ser pedida a Portugal, dada a natureza especificamente portuguesa dos bens jurídicos protegidos pelos crimes que ela contempla).

2. Delimitação positiva: as regras de jurisdição compatíveis com a norma

Começaremos por apurar se todas as regras que integram a jurisdi-ção penal do Estado português são compatíveis com as duas hipóteses do art. 18.º, n.º 1 LCJ.

2.1. Pendência de processo

Como observámos no contexto da extradição activa, a pendência de um processo em Portugal pode resultar do exercício, por parte do Estado português, de jurisdição sancionatória fundada em qualquer dos seus pressupostos (quer numa regra de aplicabilidade, quer na ad-ministração supletiva da justiça penal), dado que a instauração de um processo cristaliza a jurisdição352.

É certo que a administração supletiva da justiça penal depende em absoluto do recebimento de um pedido de extradição, pelo que, nesse

350 Cf. o art. 12.º, n.º 1, al. b) LCJ.351 Cf., em particular, o ponto 2.2.2.352 Cf. supra, no § 2, o ponto 2.3.a).

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momento, como melhor veremos, não pode em princípio haver um processo penal pendente pelos mesmos factos. Todavia, mesmo aí, é possível, embora incomum, isso acontecer: bastará que o Estado tenha recusado um pedido de extradição, instaurando, na sequência disso, um processo com base na administração supletiva da justiça penal, e que, num terceiro momento, venha a receber um novo pedido de extradição pelos mesmos factos – em princípio, mas não necessariamente353, feito por um outro Estado.

2.2. Dever ou possibilidade de instaurar processo

2.2.1. Regras prioritárias (territorialidade, defesa dos interesses nacionais e nacionalidade “dupla”)

As regras de aplicabilidade “territorialidade”, “defesa dos interesses nacionais” e “nacionalidade dupla” não se encontram condicionadas pelo pressuposto de que a extradição não possa ser concedida. Por isso, no momento de decidir sobre um pedido de extradição, estão, sem dú-vida, plenamente preenchidas. Como tal, candidatam-se positivamente à segunda hipótese do art. 18.º, n.º 1 LCJ.

2.2.2. Regras subsidiárias

As demais bases de jurisdição, porém, encontram-se condicionadas por aquele pressuposto: a nacionalidade activa, a nacionalidade passiva e a universalidade exigem que “o agente (…) não possa ser extradita-do”; a administração supletiva da justiça penal exige que “a extradição (…) não possa ser concedida”. A subtil diferença entre as duas expres-sões é irrelevante, tratando-se de duas formas de dizer o mesmo, pelo que, doravante, designaremos este pressuposto, de modo uno, como “impossibilidade de extradição”, ou expressão idêntica.

Esse pressuposto tem como relevante consequência o facto de o exercício de jurisdição sancionatória baseada nas regras em que se en-contra previsto revestir carácter subsidiário relativamente à concessão da extradição. Aparentemente, não se trata apenas de o Estado portu-guês dever dar preferência à extradição em detrimento do exercício de jurisdição (primum dedere, secundo judicare), mas sim de este exercício só ser possível se a extradição o não for.

353 De facto, não é de excluir que o pedido seja feito pelo mesmo Estado – e.g., porque, crendo que certa causa de recusa que determinara a rejeição do seu primeiro pedido deixou de se verificar, tenta novamente obter a extradição da pessoa.

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Num primeiro olhar, portanto, a presença deste pressuposto parece condenar estas regras a uma incompatibilidade com a hipótese “dever ou possibilidade de instaurar processo”. Contudo, uma interpretação teleologicamente comprometida revela intensidades diversas no pres-suposto em análise, no sentido de o seu âmbito ser bastante mais es-treito no contexto da administração supletiva da justiça penal do que nas restantes regras.

a) Nacionalidade activa, nacionalidade passiva e universalidade – subsidiariedade relativa

Nestas regras de aplicabilidade, a extradição deverá considerar-se impossível em duas situações:

aa) Desde logo, sempre que o Estado não receba qualquer pedido, já que, por um lado, estas regras não estão sujeitas ao pressuposto de que a extradição haja sido requerida, e, por outro, o Estado português não extradita oficiosamente (sc., por iniciativa própria). Ou seja, a ausência de pedido equivale, aqui, a impossibilidade de extradição, não impedin-do o preenchimento daquelas regras de aplicabilidade.

Excurso – Em que momento deve ou pode instaurar-se o processo penal?

A resposta a esta questão terá de partir, novamente, do princípio da legalidade processual: se o Estado português, através do Ministério Público, tem o dever de instaurar um processo penal logo que adquira notícia de um crime (salvos os desvios decorrentes da existência de crimes particulares em sentido amplo, cujas implicações, neste contex-to, damos por resolvidas354), e se as regras de aplicabilidade em análise estão plenamente preenchidas na ausência de um pedido de extradição, então, se adquirir notícia do crime antes de haver qualquer pedido de extradição, o Estado deve (ou pode355) instaurar um processo penal. Fazendo isso, cristaliza a sua jurisdição, o que implica que se, posterior-mente, receber um pedido de extradição pelos mesmos factos, poderá recusá-lo com base na primeira hipótese do art. 18.º, n.º 1 LCJ, nos termos expostos356.

bb) A extradição deverá ainda considerar-se impossível sempre que o Estado receba um pedido de extradição e decida não o aceitar, em razão

354 Cf. supra, o ponto 1.2.2.a).355 Idem.356 Cf. supra, o ponto 2.1.

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de qualquer causa de recusa – incluindo, pois, a causa de recusa facultati-va em análise, na sua segunda hipótese, pelas razões que procuraremos expor de seguida.

As regras de aplicabilidade assentam em conexões fácticas (no caso, a nacionalidade portuguesa do agente ou da vítima e o carácter univer-sal do bem jurídico-penal violado) que designam contactos relevantes do facto com o ordenamento jurídico-penal português. A prática de um facto previsto como crime numa norma penal substantiva portu-guesa, acompanhada da verificação de uma dessas conexões, representa já uma “violação perfeita da norma nacional, (...) nada mais [sendo] ne-cessário, em abstracto, para que se possa exercer o poder punitivo”357. O condicionamento das regras de aplicabilidade em análise ao pres-suposto “impossibilidade da extradição” foi, pois, “uma pura opção do legislador nacional”358, que se justificará pelo desígnio, patente em outras normas penais e extradicionais, de favorecer o foro territorial359: ter-se-á pretendido conferir primazia a pretensões territoriais estran-geiras sobre pretensões extraterritoriais portuguesas360. Porém, em face dessa teleologia, já não pode concluir-se que uma pretensão extrater-ritorial portuguesa deva, por força, ceder perante uma pretensão es-trangeira igualmente extraterritorial361. Em particular, quando esta seja mais fraca362-363, mas bem assim, a nosso ver, quando seja idêntica364

357 Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 337-338 (interpolação nossa). Em sentido idêntico, Inês Ferreira leite, op. cit., p. 380-383: na sua construção, a A. distingue entre “pressupostos de aquisição de competência internacional” e meros “requisitos de exercício dessa competência”, considerando que nas regras de aplicabilidade em análise a impos-sibilidade de extradição constitui um mero requisito do exercício da competência penal internacional.

358 Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 337.359 Cf. supra, no § 2, o ponto 3.2.1.a).360 Cf. Jorge de Figueiredo diaS, Direito Penal I, op. cit., p. 218, justificando este pressu-

posto exclusivamente pelo intento de favorecer o foro territorial.361 Embora não seja a situação mais comum, é possível, com efeito, que o Estado re-

querente não seja o do locus delicti e que este não requeira a extradição – e.g., porque aí vigora um princípio de oportunidade na promoção processual e o crime apresenta uma gravidade diminuta; ou porque não se exerce aí poder punitivo, ou esse Estado de algum modo apoia ou aquiesce na prática dos factos.

362 Já assim, Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 338. 363 Por exemplo: a vítima é portuguesa, tendo o Estado português jurisdição fundada

na regra da nacionalidade passiva, e o agente é residente do Estado requerente, que prevê a residência como conexão de aplicabilidade.

364 Por exemplo: a vítima é portuguesa (nacionalidade passiva) e o agente é cidadão nacional do Estado requerente (nacionalidade activa).

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ou mesmo ligeiramente mais forte365-366, pois aí adquirem relevo outras considerações, com destaque para as que derivam da ponderosa cir-cunstância fáctica de o agente se encontrar em território português.

De resto, se, como vimos, estas regras de aplicabilidade não depen-dem da manifestação de uma pretensão punitiva alheia, podendo pre-encher-se na sua ausência, por identidade de razão poderão considerar--se preenchidas quando uma tal pretensão seja manifestada mas não se revele sensivelmente mais forte que a do Estado português.

Concluindo, verifica-se aqui, como noutros momentos, uma dialéti-ca entre o CP e a LCJ: as regras de aplicabilidade em análise, previstas no CP, só estarão preenchidas se a extradição for impossível, mas a violação perfeita de uma norma nacional – sc., a prática de um facto previsto como crime na lei penal portuguesa e a concomitante verifica-ção de uma conexão de aplicabilidade – é suficiente para fazer emergir (embora limitadamente) a faculdade de recusa prevista na segunda hi-pótese do art. 18.º, n.º 1 LCJ.

Excurso – Em que momento deve ou pode instaurar-se o processo penal?

O recebimento de um pedido de extradição desencadeia um pro-cesso de extradição passiva (art. 21.º, n.º 2 LCJ). Por outro lado, como vimos, ele constitui simultaneamente notícia de um crime, o que de-veria, em princípio, levar o Estado português a instaurar um processo penal367, nos termos do princípio da legalidade processual.

Porém, uma forte razão de economia processual permite advogar que o dever de instauração de processo se suspenda até à decisão sobre o pedido de extradição: não faria sentido o Estado instaurar um pro-cesso penal contra uma pessoa que poderá vir a extraditar. Normativa-mente, a interpretação pode encontrar conforto no art. 32.º, n.º 5 LCJ, que parece supor que a eventual instauração de um processo penal só deve ocorrer se e quando a extradição for recusada368.

365 Por exemplo: Portugal tem jurisdição universal e o agente é cidadão nacional do Estado requerente (nacionalidade activa).

366 Sobre a questão da hierarquia de títulos jurisdicionais, v. infra, o ponto 6.2.1.367 Se o Estado tivesse adquirido a notícia do crime anteriormente, estaríamos já, em

princípio, perante um processo pendente e, portanto, no contexto da primeira hipótese do art 18.º, n.º1 LCJ, já tratada (v., em particular, o excurso da al. a).1, supra).

368 Se a norma citada abrange casos em que o Estado português tem jurisdição terri-torial (uma regra de aplicabilidade prioritária), por manifesta maioria de razão ela pode ser mobilizada para reflexão sobre as regras de aplicabilidade (subsidiárias) em análise. Mas v., para uma análise aprofundada desta norma e dos problemas que a mesma coloca, supra, no § 3, o ponto 5.

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Deder e aut Judicar e?

A interpretação aplicar-se-á a todos e quaisquer pedidos de extra-dição relativos a factos cuja perseguição o Estado português “deva ou possa” iniciar369, o que, no caso das regras prioritárias (e.g., a territoriali-dade) – já preenchidas ao tempo do pedido –, conduz a um verdadeiro desvio ao princípio da legalidade processual. O desvio pode traduzir-se na mera suspensão do poder-dever de instaurar processo previsto no art. 262.º, n.º 2 CPP, ou vir a resultar na sua própria extinção, consoante, respec-tivamente, a extradição venha a ser recusada ou concedida370.

No caso das regras subsidiárias, não se trata de um desvio, porque elas só podem ter-se como preenchidas no momento da decisão sobre o pedido de extradição, e só esse preenchimento pode activar aquele poder-dever.

b) Administração supletiva da justiça penal – subsidiariedade absoluta

A subsidiariedade da administração supletiva da justiça penal é mui-to mais intensa.

aa) Desde logo, porque o pressuposto de a extradição ter sido re-querida – que a condiciona, mas não às regras de aplicabilidade acima tratadas – se projecta sobre o pressuposto da impossibilidade de ex-tradição, limitando, logo à partida, o seu âmbito: se o Estado só pode instaurar um processo com base na administração supletiva da justiça penal caso receba um pedido de extradição, o não recebimento de um pedido não equivale a impossibilidade de extradição.

Isto permite começar por caracterizar a subsidiariedade inerente a esta regra como uma subsidiariedade reforçada.

bb) Mas as diferenças não se ficam por aí. Impõe-se apurar se, dentro da hipótese de o Estado português efectivamente receber um pedido de extradição, o pressuposto de que ela seja impossível tem um âmbito idêntico ao que tem no contexto daquelas regras de apli-cabilidade, fazendo emergir idênticos poderes de recusa. Colocado em

369 Cf. a n. anterior.370 No contexto europeu, será uma consideração idêntica a esta a que está na base do

Considerando 12 da Decisão-Quadro 2009/948/JAI do Conselho, de 30 de Novembro de 2009, relativa à prevencão e resoluc ão de conflitos de exercício de compete ncia em pro-cesso penal: “[o] princípio da legalidade da accão penal, que rege o direito processual em diversos Estados-Membros, deverá ser entendido e aplicado por forma a que se considere plenamente observado sempre que qualquer Estado-Membro garanta a instaurac ão de um processo relativamente a uma infracção penal concreta” (itálico nosso). De todo o modo, aí, o intuito é, provavelmente, salientar que um EM não pode negar-se a cooperar com outro por essa razão – o que já dávamos como líquido, em qualquer contexto.

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Tese de Mestrado

termos normativos, o problema é o de saber se o Estado pode exercer a faculdade de recusa prevista no art. 18.º, n.º 1 LCJ a fim de instaurar um processo penal com base no art. 5.º, n.º 1, al. f) CP.

Uma resposta que atenda ao fundamento da administração supleti-va da justiça penal só pode ser negativa. Se aquilo que justifica esta re-gra é um desígnio do Estado português de cooperar com outros Estados na repressão de factos que violaram os seus ordenamentos jurídico-pe-nais, seria um contra-senso que ela pudesse ser instrumentalizada para um intento oposto: fundamentar a recusa de um pedido de cooperação.

Além disso, sendo certo que, materialmente, a administração suple-tiva da justiça penal se aproxima, ela própria, de uma forma de coope-ração, o facto é que ela constitui sempre, para o Estado requerente, de um ponto de vista objectivo, um sucedâneo da extradição, pois esta ter-lhe-ia permitido satisfazer a sua pretensão punitiva directamente.

Depois, como já observámos, aquela teleologia está correlacionada com a ausência de uma conexão relevante dos factos com o ordena-mento jurídico-penal português. O que está em causa na administração supletiva da justiça penal são factos que não violaram o ordenamento jurídico-penal português e cuja prática, por isso, não gera para o Estado português uma pretensão punitiva. Essa pretensão apenas emerge se, e quando, em virtude da verificação de outras causas de recusa, a extradi-ção não puder ser concedida.

Conclui-se, portanto, que o Estado português deve aceitar todos os pedidos de extradição onde não se verifiquem causas de recusa e relativos a factos que não apresentam uma conexão de aplicabilidade com o seu ordenamento jurídico-penal, independentemente do título jurisdicional de que o Estado requerente se apresente munido371. Deste modo, a subsidiariedade inerente à administração supletiva da justiça penal deve ser vista, não apenas como reforçada, mas, verdadeiramen-te, como absoluta. O que equivale a dizer, pela perspectiva inversa, que a instauração de um processo penal com base nessa regra constitui uma extrema ratio.372

371 Ressalvadas, sempre, as regras relativas à extradição para Estado diverso do do locus delicti e, eventualmente, ao concurso de pedidos de extradição – sobre elas, v. supra, no § 2, o ponto 3.2.1.b)aa).

372 Parecendo tratar o pressuposto da impossibilidade de extradição indistintamente nas regras de aplicabilidade acima analisadas e na administração supletiva da justiça penal, v. porém Inês Ferreira leite, op. cit., p. 380-383. Da equiparação resulta uma de duas conse-quências que, à luz da interpretação teleológica que vimos expondo, se afiguram inexactas: ou em ambos os casos o Estado poderia recusar a extradição a fim de instaurar um proces-

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Deder e aut Judicar e?

2.3. Síntese

Estamos agora em condições de elencar os títulos de jurisdição abs-tractamente compatíveis com as hipóteses do art. 18.º, n.º 1 LCJ:

a) Primeira hipótese da norma: todos os títulos de jurisdição exis-tentes podem estar na base de um processo penal pendente no mo-mento de um pedido de extradição pelos mesmos factos.

b) Segunda hipótese da norma: todas as regras de aplicabilidade (sejam prioritárias, sejam subsidiárias) constituem o Estado num dever ou abrem a possibilidade de instaurar um processo penal pelos fac-tos constantes de um pedido de extradição, mas isso já não acontece com a administração supletiva da justiça penal, em que a instauração de processo, a acontecer, constitui uma estrita consequência da recusa daquele pedido.

3. Delimitação negativa: a verificação de outra(s) causa(s) de recusa

3.1. A delimitação precedente não chega, porém, para recortar em termos definitivos o âmbito da causa de recusa em análise.

Convém recordar que está em causa um obstáculo facultativo373, o que significa que a verificação da circunstância que integra a sua hipóte-se – sc., a existência de processo pendente ou de dever ou possibilidade de instaurar processo – não determina, ipso iure, a recusa, convocando apenas uma específica decisao, que não tem lugar nos obstáculos obriga-tórios, entre recusar o pedido com base nessa verificação ou aceitá-lo apesar dela374. Assim, esta faculdade de recusa, como qualquer outra que existisse, só pode ser concretamente exercida na ausência de obstáculos obrigatórios. De outro modo, a decisão específica que constitui a sua essência está vedada, pois não há margem para opção, mas uma obri-gatoriedade de recusa determinada heteronomamente.

3.2. Em especial, cumpre atentar nos obstáculos obrigatórios cujas circunstâncias constitutivas designam simultaneamente conexões de aplicabilidade: as regras da territorialidade, nacionalidade activa e na-cionalidade “dupla” candidatam-se positivamente à causa de recusa

so penal, ou em nenhum deles poderia fazê-lo.373 Segundo se defendeu, o único – cf. supra, no § 3, o ponto 2.16, excluindo a natureza

facultativa da chamada “cláusula humanitária”.374 Cf. supra, no § 1, o ponto 5.2.

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prevista no art. 18.º, n.º 1 LCJ, mas a territorialidade dos factos (sem-pre375) e a nacionalidade portuguesa do extraditando (em regra376) ex-cluem, em concreto, a aplicação daquela norma, pois impõem a recusa da extradição.

No seguimento da recusa, o Estado português continuará ou ins-taurará, consoante o caso, um processo penal pelos mesmos factos, não em consequência do exercício de qualquer faculdade, mas apenas por força de um obstáculo de natureza obrigatória, conjugado com a prévia titularidade de uma pretensão punitiva (sic et simpliciter judicare377).

4. Síntese

Está, finalmente, recortado o âmbito da causa de recusa facultativa prevista no art. 18.º, n.º 1 LCJ, que tentaremos, agora, sintetizar.

Começaremos por referir a delimitação negativa da causa de recusa, na sua globalidade (ponto 3), sobrepondo-lhe depois a delimitação po-sitiva de cada uma das suas hipóteses (ponto 2):

4.1. Delimitação negativa

Não integram qualquer das hipóteses da decisão os casos em que se verifique alguma causa de recusa obrigatória – o que exclui, desde logo, aqueles em que a pretensão punitiva do Estado português se funde na territorialidade dos factos e, em regra, na nacionalidade portuguesa do agente.

4.2. Delimitação positiva

a) São compatíveis com a sua primeira hipótese (pendência de pro-cesso) os casos em que o Estado português tem uma pretensão punitiva baseada numa das seguintes regras de jurisdição: (1) defesa dos interes-ses nacionais, nacionalidade passiva e universalidade; (2) nacionalidade activa e “dupla”, mas apenas no caso (excepcional) em que a extradição de cidadãos nacionais é admissível ou no caso (raro) de o extraditando

375 Cf. supra, no § 3, o ponto 2.13. Para uma crítica à natureza absoluta que o legislador conferiu a esta causa de recusa, v. supra, no § 2, o ponto 3.2.1 – em particular, as suas als. c) e d).

376 Como já vimos, actualmente, a extradição de cidadãos portugueses é permitida em condições excepcionais – cf. supra, no § 3, o ponto 2.14. Por outro lado, é possível que o extraditando fosse cidadão português no momento da prática dos factos mas tenha perdi-do essa qualidade e não a ostente no momento de decidir sobre a extradição, caso em que não beneficiará da protecção conferida pela causa de recusa “nacionalidade portuguesa do extraditando” – cf. supra, idem, com uma ulterior remissão.

377 Cf. supra, no § 3, os pontos 2.13.c) e 2.14.c).

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Deder e aut Judicar e?

ter perdido a nacionalidade portuguesa após a prática dos factos, não a possuindo no momento da decisão sobre a extradição; e (3) adminis-tração supletiva da justiça penal, mas apenas no caso (improvável) de o pedido respeitar a factos pelos quais o Estado português tivesse já rejeitado a extradição e, em consequência, iniciado um processo penal.

b) São compatíveis com a sua segunda hipótese (dever ou possibili-dade de instaurar processo) os casos elencados no parágrafo anterior, excepto: (1) as regras relativamente subsidiárias (nacionalidade activa, nacionalidade passiva e universalidade), quando o Estado requerente ti-ver jurisdição territorial; e (2) a administração supletiva da justiça penal, em qualquer caso, pois é absolutamente subsidiária.

5. A decisão dedere aut judicare em sentido estrito

5.1. Numa frase, o âmbito da causa de recusa facultativa acabada de delimitar é constituído pelas situações em que o Estado tanto pode extraditar a pessoa (porque não se verifica qualquer outro obstáculo) como reprimir os factos (porque tem uma pretensão punitiva sobre eles no momento de decidir)378.

Estas situações enquadram-se na decisão que designámos de “dedere aut judicare”379, pois só podem ter como desfecho a extradição da pessoa ou a repressão dos factos, mas diferem decisivamente das demais situa-ções que a integram, porque envolvem uma autêntica opção – a específica decisão própria das faculdades de recusa380 – entre os dois elementos da disjuntiva. Materialmente, não está já, aí, em causa uma decisão de formato binário (extraditar ou não extraditar), seguida de uma con-sequência (o exercício da repressão penal), mas uma decisão entre coisas qualitativamente diversas (extraditar ou reprimir penalmente os factos).

5.2. Não nos parece possível afirmar que uma das duas situações tenha maior ressonância do que a outra no pensamento de Hugo Gró-cio. É verdade que o A. parece pressupor a mera presença do agente em território de um dado Estado como bastante para que este possa

378 De certo modo, estamos aqui nos antípodas das situações “nec dedere nec judicare”.379 Resultante da dedução à (mais lata) decisão “dedere aut non dedere” dos casos “nec dedere

nec judicare” – v., por todos, supra, no § 1, o ponto 6, no § 2, o ponto 3.3.5.d) e todo o § 3 (sintetizado no seu ponto 4).

Já por isso, do ponto de vista da sistematização, o presente § resulta de uma remissão feita no final do § 3, com a qual pretendemos, desde logo, prevenir o equívoco de que o âmbito desta causa de recusa se situasse à margem desta decisão.

380 Cf. supra, no § 1, o ponto 5.2 e, no presente §, o ponto 4.1.

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Tese de Mestrado

puni-lo381, assumindo esse elemento fáctico, de certo modo, a natureza daquilo a que hoje poderia chamar-se, embora indevidamente, cone-xão de aplicabilidade. Noutro momento, porém, o A. relata que não é incomum atribuir-se a opção entre entregar e punir a quem procura a pessoa, a fim de que esse Estado possa obter “mais ampla satisfação”382 – uma consideração que deixa transparecer a ideia de que o Estado “lesado” pelo crime merece uma certa primazia383.

Neste cenário, ao invés de uma abordagem valorativa que remetesse para diferentes graus de conformidade com a concepção originária, designaremos objectivamente a situação em que não há opção entre extra-ditar e julgar como “decisão de dedere aut judicare em sentido amplo”, e como “decisão dedere aut judicare em sentido estrito” aquela, acabada de delimitar, em que essa opção existe.

5.3. O traço fundamental do conceito “aut dedere aut punire” é a as-piração de suprimir a impunidade384. Daí que a ênfase seja colocada na obrigatoriedade da disjuntiva capaz de realizar o propósito, e não na relação hierárquica entre os seus elementos – nas palavras simples de Hugo Grócio: “est enim disjunctiva obligatio”385.

É assim, segundo cremos, que o princípio deve continuar a ser entendido, até porque, como em seguida veremos, mesmo na sua ex-pressão mais estrita – e talvez, até, especialmente aí – ele assemelha-se muito menos a um obstáculo à extradição do que a um mecanismo de administração da justiça penal (interestadual).

6. Dedere aut judicare ?A pergunta enunciada – que não é unívoca, como sabemos desde o

início –, na sua presente significação, indaga então se o Estado portu-guês, quando tem essa opção, deve extraditar ou exercer o seu próprio ius puniendi.

Trata-se, naturalmente, de uma das principais questões do nosso estudo. A lei não oferece a resposta, mas uma interpretação teleologi-camente orientada permite encontrar as suas traves-mestras.

381 Cf. Hugonis grotii, op. cit., p. 368.382 Ibidem. 383 Cf. supra, no § 2, o ponto 3.3.5.a).384 V. supra, no § 2, o ponto 3.3.5.a), uma súmula do pensamento desenvolvido pelo A.

no Capítulo XXI do Livro II da obra De Jure Belli ac Pacis (1625).385 Hugonis grotii, op. cit., p. 368.

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Deder e aut Judicar e?

6.1. Decisão administrativa e judicial

A causa de recusa que proporciona esta decisão é passível de avalia-ção tanto executiva como judicial.

O Executivo exercerá a faculdade que dela emerge quando entender que razões de ordem político-administrativa tornam premente que a perseguição ou repressão penal dos factos seja realizada pelo Estado português – e.g., porque eles atentaram contra interesses seus386 e o exercício directo do poder sancionatório é considerado necessário para preservar a imagem internacional do país.

De resto, a decisão sobre se determinado facto deve ou pode ser objecto de um processo penal em Portugal em detrimento de dar lugar a extradição é uma questão sujeita a uma apreciação judicial baseada na lei, nos termos que procuraremos expor de seguida.

6.2. Título jurisdicional?

Entre os elementos a considerar nesta decisão – em qualquer das suas hipóteses (processo pendente e dever ou possibilidade de instau-rar processo) – perfila-se a relação hierárquica entre os títulos jurisdi-cionais detidos pelo Estado português e pelo Estado requerente, pois é o primeiro que funda o pedido de extradição e o segundo que está na base da faculdade de recusa em análise.

6.2.1. A ideia de uma hierarquia de títulos jurisdicionais será “sedutora”387, mas não decorre do direito internacional geral – o úni-co plano normativo que poderia oferecê-la com obrigatoriedade erga omnes388 –, onde não existe sequer uma regra a estabelecer a primazia da territorialidade (o título primordial na generalidade dos ordenamentos jurídico-penais) sobre a extraterritorialidade, até porque isso não se co-adunaria com a inexistência de um dever de extraditar na ausência de tratado389.

É certo que o direito internacional geral condiciona ou proíbe o exercício de ius puniendi fundado em certas conexões, mas isso releva apenas para a delimitação da faculdade em análise, pois os pedidos de extradição baseados em conexões que não cumpram tais limites são já,

386 Sobre os casos em que o Estado português tem jurisdição fundada na defesa dos interesses nacionais, v., todavia, infra, desenvolvidamente.

387 Christopher L. BlakeSley / Otto lagodny, op. cit., p. 94.388 Ibidem, p. 95-96.389 Facto que a LCJ ressalva expressamente no seu art. 2.º, n.º 2.

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Tese de Mestrado

obrigatoriamente, recusados com base no obstáculo previsto no art. 31.º, n.º 1, in fine, LCJ390. Daí que, por exemplo, possa excluir-se tendencial-mente de ponderação a hipótese de o Estado requerente apresentar jurisdição universal, se se aceitar que o direito internacional proíbe o exercício dessa base de jurisdição in absentia391.

Por outro lado, se o princípio no direito internacional é a indeter-minação das conexões legítimas392, e embora haja um conjunto algo estável de conexões habituais, qualquer hierarquia que se idealizasse seria por força lacunosa.

Por fim, dificilmente poderia prefigurar-se uma escala de regras de jurisdição escorada no que se suponha, em abstracto, serem os seus fundamentos393. Qualquer hierarquia, a ser possível, teria de assentar num confronto entre os pressupostos concretos que condicionam as várias regras, no sentido de estas se considerarem tanto mais priori-tárias quanto menos condicionadas forem. Porém, isso remeteria já, no essencial, para os ordenamentos jurídicos-penais nacionais e, aí, na ausência de previsão expressa (como é o caso), não pode pretender-se que certo modelo de jurisdição defina unilateralmente uma tal hierar-quia. Assim, o concreto âmbito da jurisdição penal portuguesa, ofere-cido sobretudo pelas normas do CP, delimita inerentemente a decisão

390 Sobre ela, v. supra, no § 3, o ponto 2.11 e infra, em seguida no texto.391 A exclusão é apenas tendencial porque é possível que a jurisdição universal tenha

sido legitimamente materializada num processo penal e o indivíduo, agora extraditando, se tenha evadido após esse momento, caso em que a pretensão do Estado requerente deve considerar-se atendível, em termos idênticos, e menos discutíveis até, do que aqueles que se defenderam para a própria administração supletiva da justiça penal, que nem sequer constitui uma regra de aplicabilidade (cf. supra, no § 2, o ponto 3.3.2). Por isso, sublinhe-se, nunca pode excluir-se de modo absoluto que a pretensão do Estado requerente se baseie na universalidade, ou, aliás, em qualquer outra regra de jurisdição que se encontre limitada, heteronomamente ou por opção do seu próprio legislador penal, pelo pressuposto de que o agente seja encontrado no seu território (como acontece com várias das regras de juris- (como acontece com várias das regras de juris-dição portuguesas).

392 Cf. Pedro Caeiro, Fundamento..., op. cit., p. 320 s.; e supra, no § 3, o ponto 2.11.a).393 Mas v., numa abordagem desta índole, e.g., S. Z. Feller, «Concurrent Criminal Ju-«Concurrent Criminal Ju-Concurrent Criminal Ju-

risdiction in the International Sphere», ILR 16 (1981), p. 68-70, assumindo que “[t]he main key to the solution of the problem of conflicting criminal jurisdictions is to be found in the hierarchy, from the point of view of values protected, of the principles of territorial and extra-territorial incidence of the domestic criminal laws, according to the specific im-portance of the state’s interest embodied in each of them”. Ainda assim, o A. não parece lograr mais do que uma separação entre jurisdição “principal” (integrada pelos princípios da territorialidade e da protecção dos interesses nacionais) e “subsidiária” (integrada pelos princípios da nacionalidade, activa e passiva, e da universalidade), separando ainda desta a administração supletiva da justiça penal, pela sua peculiaridade – que já conhecemos – no quadro da jurisdição penal dos Estados.

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Deder e aut Judicar e?

dedere aut judicare em sentido estrito, nos termos vistos394, mas não pode constituir um critério de comparação entre os títulos jurisdicionais do Estado português e do Estado requerente; de modo semelhante, o âm-bito da jurisdição penal do Estado requerente, como estabelecido pelo seu ordenamento jurídico-penal, esgota a sua relevância, em sede de extradição, no contexto da causa de recusa “ausência de jurisdição do Estado requerente” e no regime da extradição para Estado diverso do do locus delicti, não podendo constituir um parâmetro de comparação entre os títulos jurisdicionais.

6.2.2. O único princípio jurisdicional capaz de assumir relevância na decisão dedere aut judicare em sentido estrito é o da territorialidade, mas não por via de uma projecção da primazia que a respectiva regra conhece no quadro da jurisdição penal portuguesa (ou do Estado re-querente). Até porque, no plano do confronto de pressupostos das várias bases de jurisdição – o único que, de acordo com o que se ex-pôs, permitiria uma hierarquização –, e utilizando como referência o modelo de jurisdição português, a suposta primazia da territorialidade não é inquestionável, já que a defesa dos interesses nacionais é tão incondicionada quanto ela395. Claro que a primeira tende a aplicar-se à generalidade das normas penais materiais e a segunda a restringir-se a um conjunto limitado de crimes (e é isso, na verdade, que lhe confere a sua feição de protecção de interesses nacionais). Porém, no contexto da decisão em análise, essa diferença não tem implicações: num concreto conflito positivo de jurisdição, se os factos sobre que as duas regras incidem – que são os mesmos – integrarem incriminações equivalentes nos dois ordenamentos jurídico-penais, elas apresentam-se em perfeita igualdade de circunstâncias, uma vez que o tipo de jurisdição, neste caso, não influencia os termos da repressão penal396.

A razão pela qual defendemos que deve imputar-se relevância à ter-ritorialidade no âmbito da decisão dedere aut judicare em sentido estrito é simplesmente a de que favorecer o foro territorial per se e desinteres-sadamente (ou seja, mesmo que isso não aproveite de modo directo ao

394 De facto, neste momento do nosso estudo, sabemos já que títulos jurisdicionais o Estado português pode deter perante cada uma das hipóteses que integram a causa de recusa facultativa do art. 18.º, n.º 1 LCJ (cf. a síntese do ponto 4, supra) – conclusões que decor-rem, em grande medida, de uma análise do concreto âmbito da jurisdição penal portuguesa (cf. supra, os pontos 2 e 3).

395 Cf. os arts. 4.º e 5.º, n.º 1, al. a) CP.396 Cf. o art. 6.º, n.º 3 CP.

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Tese de Mestrado

Estado português397) constitui a solução acolhida pela LCJ para outras hipóteses – sc., o concurso de pedidos de extradição e a extradição para Estado diverso do locus delicti398 – em que igualmente podem ocorrer conflitos positivos de jurisdição399. Poderia até conjecturar-se a aplica-ção analógica do regime do concurso de pedidos, que atribui primazia vinculativa ao “local onde a infracção se consumou”400, não fosse a hipótese não ser rigorosamente análoga à da nossa decisão, dada a rele-vante diferença fáctica de que nenhum dos Estados concorrentes tem a custódia do extraditando.

Assim, em síntese, na decisão dedere aut judicare em sentido estrito, o Estado português, embora não seja obrigado a fazê-lo, deve propen-der para conceder a extradição ao Estado requerente quando este se apresente munido de jurisdição territorial401, inclusivamente, a nosso ver, nos casos em que a jurisdição portuguesa se baseie na defesa dos interesses nacionais. Em sentido contrário, pode alegar-se o carácter prioritário dessa regra – i.e., o facto de ela não pressupor que a extra-dição não possa ser concedida. Porém, a ausência desse pressuposto não implica que a regra tenha necessariamente de prevalecer sobre a

397 Como sempre será o caso da decisão em análise, em que a territorialidade só pode intervir a favor do Estado requerente, pois se o Estado português tiver jurisdição territorial isso é já motivo de recusa obrigatória da extradição e a decisão não chega a ter lugar: cf. art. 32.º, n.º 1, al. a) LCJ; e supra, no § 2., o ponto 3.2.1.b).

398 Já tratados supra, no § 2, o ponto 3.2.1.b).399 Afirmando – aparentemente, em tese geral – que “dans toute la mesure possible,

l’extradition doit permettre d’exercer la poursuite pénale au lieu où se trouve le centre de l’activité délictuelle du fugitif ”, v. Robert Zimmermann, op. cit., p. 383.

400 O art. 37.º, n.º 1, al. a) LCJ, em rigor, dita que o concurso seja decidido a favor do Estado do “local onde a infracção se consumou ou onde foi praticado o facto principal”. Porém, na decisão dedere aut judicare em sentido estrito (mutatis mutandis) não pode estar em causa a segunda situação, pois qualquer conduta penalmente relevante ocorrida em território português, ainda que insignificante no contexto global, activa a causa de recusa “territo-rialidade”, vedando em absoluto a extradição – em crítica a essa solução, v. supra, o ponto 3.2.1.b), em particular, as suas als. c) e d).

401 Convém recordar que certas regras de jurisdição portuguesas são subsidiárias rela-tivamente à jurisdição territorial (estrangeira), em virtude do pressuposto “impossibilidade da extradição”, mas que a instauração de um processo penal faz com que a subsidiarie-dade, mesmo quando absoluta, se desvaneça, pois a jurisdição encontra-se já cristalizada (cf. supra, no § 2, o ponto 2.3, et passim). Assim, no contexto da hipótese “pendência de processo”, o Estado português pode sempre opor o seu título jurisdicional, mesmo que subsidiário, àquele de que o Estado requerente se apresente munido, mesmo que territo-rial. Já no contexto da segunda hipótese da norma – “dever ou possibilidade de instaurar processo” –, a prevalência da territorialidade é vinculativa, em razão daquele mesmo pres-suposto, mas, por isso mesmo, não há aí uma autêntica opção entre extraditar e julgar e, assim, a situação nem sequer se enquadra na decisão de dedere aut judicare em sentido estrito (v. supra, no presente §).

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territorialidade; apenas que a territorialidade não tem necessariamente de prevalecer sobre si. A prová-lo está o facto de o legislador da LCJ ter sentido a necessidade de prever um obstáculo destinado a garantir o exercício do ius puniendi português sobre factos praticados em Portugal (art. 32.º, n.º 1, al. a))402: se o carácter prioritário da territorialidade, por si só, determinasse a prevalência dela sobre as demais bases de juris-dição, aquela causa de recusa seria inteiramente inútil. Por outro lado, a interpretação que vimos expondo afigura-se político-criminalmente justificada, em face da amplitude que o legislador conferiu à defesa dos interesses nacionais, visto que esta regra inclui incriminações que não protegem interesses estritamente portugueses403 e que, portanto, não justificam uma prevalência de princípio das pretensões portugue-sas fundadas nessa regra sobre as pretensões estrangeiras fundadas na territorialidade, ou, mesmo, numa base de jurisdição extraterritorial. Por fim, o facto – que também poderia invocar-se contra a nossa in-terpretação – de a defesa dos interesses nacionais não exigir que a con-duta seja incriminada no local onde foi praticada nem que o agente seja encontrado em Portugal tem uma justificação própria e de distinta ordem: visto que, apesar de tudo, o âmbito de aplicação404 da maioria das incriminações que integram esta regra de jurisdição protege interesses estritamente portugueses405 – com a consequência de as condutas que os lesem serem atípicas perante as normas correspondentes de outros ordenamentos jurídico-penais406 – aquelas exigências proporcionariam a injustificada impunidade destes factos407. Trata-se aí, por conseguinte, de precaver conflitos negativos de jurisdição, e não de assegurar a pre-

402 O que, note-se, não acontece com a defesa dos interesses nacionais, que não integra qualquer causa de recusa da extradição.

403 Sc., a burla informática e nas comunicações, um crime contra o património em geral previsto no art. 221.º CP, e os crimes de falsificação de moeda, título de crédito e valor selado, previstos nos arts. 262.º a 271.º CP.

404 V., supra, a n. 257 e texto correspondente.405 Sc., os arts. 308.º a 321.º (crimes contra a independência e a integridade nacionais) e

325.º a 345.º CP (crimes contra a realização do Estado de direito e crimes eleitorais).406 Embora seja possível, por um lado, que haja nesses ordenamentos incriminações

destinadas a proteger interesses estritamente estrangeiros – cf. Jorge de Figueiredo diaS / Pedro Caeiro, «Comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 2007, proc. C-303/05, Advocaten voor de Wereld VZW contra Leden van de Ministerraad», 2013, p. 24 s. – e, por outro, que os factos aí integrem outras (não correspondentes) incriminações (e.g., um atentado contra o Presidente da República português [art. 327.º CP], que no ordenamento jurídico-penal estrangeiro integre uma tentativa de homicídio).

407 Cf. Christopher L. BlakeSley / Otto lagodny, op. cit., p. 97; Christine van den Wyngaert, «Double Criminality…», op cit., p. 135; Inês Ferreira leite, op. cit., p. 445; Pedro Caeiro, Fundamento..., op. cit., p. 265.

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valência de pretensões portuguesas num cenário de conflito positivo de jurisdição.

6.2.3. Em suma, descontada a preponderância da territorialidade, e sem perder de vista que mesmo ela não é vinculativa, o confronto dos tí-tulos jurisdicionais dos Estados requerente e requerido não permite resolver a nossa questão. Assim, mesmo no caso de a extradição ser requerida pelo Estado onde os factos foram praticados, é necessário ponderar elementos de natureza diversa, nos termos que procuraremos ex-por de seguida.

6.3. Outros elementos

6.3.1. De facto, vários outros elementos se perfilam como relevantes perante a questão “dedere aut judicare (em sentido estrito)?” – ora porque (também) contendem com interesses puramente estatais, reforçando ou fragilizando uma das pretensões punitivas em conflito relativamen-te à outra, ora porque contendem com interesses do extraditando que devem ser ponderados nesta sede, sendo ainda possível, naturalmente, que certos elementos tenham implicações em ambos os núcleos de interesses, ainda que de modo reflexo ou indirecto quanto a um deles.

A noção de que a faculdade de recusa em análise, apesar de radicar numa circunstância primacialmente atinente a interesses estatais, não dispensa a ponderação de interesses individuais encontra-se em linha com a já mencionada mudança de paradigma que, relevando a one-rosidade da extradição para o indivíduo, instou a reconhecê-lo como titular de uma posição jurídica oponível aos Estados envolvidos408. Esta perspectiva está patente em vários aspectos da LCJ, como a relevância conferida ao seu consentimento (art. 40.º LCJ)409, a existência de uma causa de recusa de teor “humanitário” (art. 18.º, n.º 2 LCJ)410, a possi-bilidade atribuída, não apenas ao Estado requerente, mas também ao extraditando e ao seu defensor ou advogado de intervirem no processo de extradição (arts. 54.º, 55.º e 56.º, n.º 2 LCJ)411 e a relevância atribu-ída a factores de carácter parcialmente pessoal, como a nacionalidade e a residência do extraditando, na resolução do concurso de pedidos de extradição (art. 37.º, n.º 1, al. b) LCJ)412. Ela encontra-se, ainda, em

408 Cf. supra, no § 2, o ponto 2.1.409 Cf. supra, no § 2, o ponto 4.2.410 Cf. supra, no § 3, o ponto 2.16.411 Cf. supra, no § 2, o ponto 4.2, et passim.412 Cf. supra, no § 2, o ponto 3.2.1.b)bb).

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harmonia com recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça relativa a esta faculdade de recusa – a propósito, em rigor, da norma da LMDE correspondente ao art. 18.º, n.º 1 LCJ413, mas num regis-to amplo, apto a abranger também a extradição clássica –, segundo a qual aquela faculdade permite ao extraditando “demonstrar ao tribunal a existência de possíveis vantagens e / ou utilidade na concretização da recusa”, nos termos da “perspectiva [perfilhada pelo tribunal] que inscreve as causas de recusa facultativa numa equação entre uma afir-mação residual de soberania nacional e as exigências conjugadas da protecção dos direitos do requerido e funcionalidade da perseguição penal”414.

6.3.2. Não é possível, contudo, nomear taxativamente os elementos relevantes para a decisão dedere aut judicare em sentido estrito. Ao invés, a leitura mais consentânea com o silêncio da lei a esse respeito parece ser a de que rege aí um princípio de indeterminação, que mantém a decisão aberta à ponderação dos multíplices elementos que, na prática, possam manifestar-se.

Porém, essa indeterminação também não conduz a arbitrariedade. Como repetidamente vem afirmando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça415 – igualmente a propósito da norma da LMDE correspondente ao art. 18.º, n.º 1 LCJ, mas também em registo compa-tível com a extradição –, “[a] recusa facultativa não pode ser concebida como um acto gratuito ou arbitrário do tribunal. Há-de assentar em argumentos e elementos de facto adicionais aportados ao processo e susceptíveis de adequada ponderação, nomeadamente factos invocados pelos interessados, que, devidamente equacionados, levem a dar justifi-cada prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente”416. E ainda: “o que não pode nem deve é tratar-se de um acto arbitrário, caprichoso ou meramente voluntarista, capaz de pôr em causa os sãos princípios de cooperação internacional”417.

O que se nos pode impor é, pois, que reunamos um elenco repre-sentativo de elementos susceptíveis de influírem na decisão dedere aut

413 Sc., o art. 12.º, n.º 1, al. b), que será analisado infra, na Parte IV.414 Ac. STJ de 05-07-2012, processo n.º 48/12.2YREVR.S1, em <www.dgsi.pt> (inter-

polação e itálico nossos).415 Desde, pelo menos, o Ac. de 22-06-2006, processo n.º 06P2326, em <www.dgsi.

pt>.416 Ac. STJ de 05-07-2012, processo n.º 48/12.2YREVR.S1, em <www.dgsi.pt>, com

referências jurisprudenciais anteriores.417 Idem.

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judicare em sentido estrito, com o que poderemos dar por encerrada a presente questão e, com ela, a primeira parte deste estudo.

Segundo a sistematização que propomos, esses elementos podem ser agrupados em dois conjuntos fundamentais, correspondentes a dois interesses a que a LCJ expressamente atribui relevância em sede de concurso de pedidos de cooperação, hipótese que apresenta com a decisão dedere aut judicare em sentido estrito a importante semelhança de tipicamente envolver conflitos positivos de jurisdição: a realização da justiça e a reinserção social do indivíduo em caso de condenação418. Não se veja, porém, nesta sistematização uma relação estrita com a distinção entre interesses estatais e interesses individuais, já que, por um lado, a boa administração da justiça penal também integra direitos do indiví-duo, como o de ser julgado em prazo razoável (art. 20.º, n.º 4 CRP) e, por outro, a ressocialização de condenados também é um interesse do Estado, constituindo, como é sabido, um dos fins visados pelo ordena-mento jurídico-penal português com a aplicação de penas e medidas de segurança (art. 40.º, n.º 1 CP).

A essas acresce uma terceira constelação, composta por elementos susceptíveis de, no caso de as primeiras apontarem em sentidos opos-tos, conciliar os núcleos fundamentais dos interesses que cada uma delas prossegue.

Comecemos pela primeira.

a) A boa administração (interestadual) da justiça penal

Estes elementos – que, em consonância com o princípio de inde-terminação atrás assinalado, são eles próprios “rebeldes a uma enun-ciação casuística”419 – emergem de uma comparação entre as condições substantivas e processuais penais verificadas no Estado português e no Estado requerente.

418 O regime do concurso de pedidos de cooperação prescreve que “[s]e a cooperação for soli-citada por vários Estados, relativamente ao mesmo ou a diferentes factos, esta é concedida em favor do Estado que, tendo em conta as circunstâncias do caso, assegure melhor os interesses da realização da justiça e da reinserção social do suspeito, do arguido ou do con-denado” (art. 15.º LCJ); de modo idêntico, no âmbito da delegação de processo penal em Estado estrangeiro, exige-se, a título de condição especial, que a mesma “se justifi[que] pelo interesse da boa administração da justiça ou pela melhor reinserção social em caso de condenação” (art. 90.º, n.º 1, al. d) LCJ).

419 Para usar palavras de Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 46, a propósito do objectivo – previsto no regime legal do concurso de pedidos de cooperação já desde o Decreto-Lei n.º 43/91 (art. 15.º) – de “assegur[ar] melhor os inte-n.º 43/91 (art. 15.º) – de “assegur[ar] melhor os inte-/91 (art. 15.º) – de “assegur[ar] melhor os inte-resses da justiça”.

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aa) Desde logo, o grau de evolução do processo penal num e noutro Estados.

Não está já em causa – note-se – o (diferente) âmbito das duas hi-póteses do art. 18.º, n.º 1 LCJ, mas as próprias circunstâncias fácticas, com as respectivas inerências, de existir ou não um processo penal e, em caso afirmativo, de ele se encontrar mais ou menos evoluído. Essas variáveis exprimem diferenças, nomeadamente, no plano das expecta-tivas – comunitárias e individuais – de que a justiça sobre certo caso concreto seja realizada por certa jurisdição, o que permite sustentar que a propensão por parte do Estado português para o exercício de ius puniendi em detrimento da concessão da extradição seja tanto maior quanto mais avançado o processo aí se encontrar.

Em particular, e embora pudessem conceber-se sistematizações mais fraccionadas, dois momentos processuais se nos afiguram mar-cantes. Primeiro, o da dedução de acusação, pois constitui “a afirmação pública e solene de que a comunidade jurídica chama um seu membro à responsabilidade”420, sendo o primeiro momento em que necessaria-mente há constituição de arguido421. Depois, o do trânsito em julgado de sentença condenatória, que faz cessar a presunção da inocência, sen-do o momento em que a pretensão punitiva se cristaliza numa decisão exequível (e que, tendo em conta que a pessoa se encontra em Portu-gal, está em plenas condições de ser executada, senão mesmo já em execução)422.

Já o acto de instauração de processo – que, como sabemos, traça a fronteira entre as duas hipóteses do art. 18.º, n.º 1 LCJ – , por si só, não exprime uma diferença de princípio neste contexto: por um lado, porque essa instauração, no sistema processual penal português, é uma consequência necessária (salvos os consabidos desvios) da mera recep-ção da notícia de um crime; por outro, porque a não instauração de um processo pode dever-se a razões totalmente exógenas aos interesses que aqui estão em jogo, como o simples não exercício, quando neces-sário, dos direitos de queixa e / ou de acusação particular.

Nestes termos, será de encarar com naturalidade que o Estado por-tuguês recuse a extradição para, e.g., um Estado munido de um título jurisdicional mais intenso (maxime, territorial) mas onde ainda não te-

420 Jorge de Figueiredo diaS, Direito Processual Penal, 1974, p. 144.421 Cf. o art. 57.º, n.º 1 CPP.422 Cf. o art. 467.º CPP.

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nha sido instaurado um processo penal ou ele seja incipiente, se no Estado português estiver em execução uma decisão pelos mesmos fac-tos423. Como com naturalidade será de encarar a hipótese, inversa, de o Estado português preferir extraditar para um foro mais fraco mas onde o processo se encontre mais adiantado.

De resto, no âmbito da decisão dedere aut judicare em sentido estri-to, a relevância da proximidade de decisão final sobre o caso numa das jurisdições, provavelmente, decorre já, em certos casos, do direito constitucional a ser-se julgado em prazo razoável.

Por fim, numa abordagem pragmática, não podem desprezar-se os recursos envidados por cada um dos Estados na realização do processo penal, na medida em que tal variável exprima uma diferença no plano das respectivas expectativas comunitárias.

bb) Por outro lado, deve determinar-se qual a jurisdição concretamente mais bem colocada para descobrir a verdade material – uma das finalidades essenciais do processo penal424 –, em especial, atendendo à localização predominante da base probatória425.

É certo que, tendencialmente, a jurisdição mais apta a reprimir os factos é aquela onde eles foram praticados. Essa é, de resto, uma das razões que justificam a primazia da territorialidade no quadro da ju-risdição penal estatal e, reflexamente, que a territorialidade dos factos constitua com frequência um obstáculo à extradição426. Porém, é possí-vel que a correspondência não se materialize – por exemplo: um agente estrangeiro ofende gravemente a integridade física da sua cônjuge por-tuguesa no estrangeiro, facto que é testemunhado (apenas) pelos seus filhos; receando novos crimes, a mulher, acompanhada dos filhos, viaja prontamente para Portugal, a cujas autoridades dá notícia do crime e onde se sujeita a uma perícia médico-legal que se revela concludente; o agente viaja para Portugal no encalço dela e é aí detido; o Estado es-trangeiro adquire notícia do crime (e.g., por iniciativa do próprio detido, que preferiria ser julgado aí do que em Portugal) e pede a sua extradi-ção. Em situações como esta, caracterizadas por um desvio à regra de

423 Reconhecendo relevo à circunstância de a pena se encontrar já em execução em Portugal, v. o Ac. TRP de 18-10-1995, processo n.º 9540682, em <www.dgsi.pt>.

424 Cf. Jorge de Figueiredo diaS, Direito Processual Penal, op. cit., p. 40 s.425 Nas palavras de Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit.,

p. 46, a propósito da cláusula “interesses da justiça” prevista no regime legal do concurso de pedidos, a “maior ou menor possibilidade da recolha ou produção de provas”.

426 Cf. supra, no § 2, o ponto 3.2.1, e no § 3, o ponto 2.14.

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que o foro territorial é o mais apto a apurar a verdade dos factos, pode ser preferível o exercício de ius puniendi fundado numa base de jurisdi-ção extraterritorial.

cc) Outra variável susceptível de assumir relevância é a complexidade do processo penal num e noutro Estado – tipicamente, em situações que justificam uma conexão de processos.

No contexto da decisão dedere aut judicare em sentido estrito, esta condição pode ser relevada no sentido de se privilegiar o Estado que apresente melhores condições de reprimir, não apenas os factos que são objecto do conflito positivo de jurisdição, mas todo um quadro criminal em que os mesmos se insiram.

A subsidiariedade do CPP em relação à LCJ não leva à aplicabili-dade dos critérios previstos no primeiro diploma para determinar que tribunal deve assumir a competência por conexão427, pois trata-se de um regime pensado para conexões internas – que dá por resolvida a realização de todos os processos (seja em conexão, seja em separado) pela jurisdição portuguesa –, e não de carácter interestadual. No entan-to, nada impede que se lhes reconheça algum valor indicativo.

dd) Nos casos em que, no momento de decidir sobre a extradição, não pese sobre o extraditando uma decisão condenatória transitada em julgado, não é também de excluir liminarmente que sejam ponderadas, em nome do princípio da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2 CRP), certas circunstâncias capazes de exprir uma melhoria da sua situação en-quanto arguido (ou titular de estatuto equivalente no Estado requerente) – um desígnio que a LCJ prossegue em outro momento, no art. 4.º, n.º 3, al. b)428 –, como a de a extradição visar presumivelmente a sua absol-vição429.

ee) Ainda no domínio da boa administração da justiça, pode con-siderar-se a ponderação de factores atinentes aos interesses de outros sujeitos que não o extraditando – maxime, vítimas e testemunhas: e.g., a existência de programas para protecção da sua segurança.

ff) Por fim, devem ser sopesados elementos (substantivos) atinentes à protecção de bens jurídico-penais, que constitui a principal finalidade visada

427 Cf. os arts. 24.º s. CPP – em particular, o art. 28.º.428 Sobre o preceito, v. ainda infra.429 No direito comparado, esta hipótese é acolhida, e.g., na lei de cooperação judiciária

da Confederação Helvética: art. 66.º, n.º 2.

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pelo ordenamento jurídico-penal português com a aplicação de penas e de medidas de segurança (art. 40.º, n.º 1 CP).

Neste contexto, poderá assumir relevância, e.g., a qualificaçao jurídica dos factos num e noutro ordenamento.

É possível que os factos que estão em causa na decisão dedere aut ju-dicare em sentido estrito integrem incriminações diferentes nesses Esta-dos. Não apenas formas diferentes (qualificadas, simples, privilegiadas) do mesmo tipo fundamental, mas incriminações destinadas a proteger bens jurídico-penais diferentes. Bastará recordar – num cenário de con- – num cenário de con-flito positivo de jurisdição entre o Estado português munido da regra da defesa dos interesses nacionais e um Estado estrangeiro munido de jurisdição territorial – o exemplo do atentado contra o Presidente da República português (art. 327.º CP), que, no segundo Estado, pode constituir uma mera tentativa de homicídio430. Nessas situações, parece defensável a prevalência da pretensão do Estado cujo ordenamento jurídico-penal permite tutelar todos os bens jurídicos lesados – que, no exemplo dado, seria o português (ainda pela suplementar razão de que o bem jurídico insusceptível de tutela no Estado estrangeiro é integra-do por um dos principais interesses a cuja proteção a aplicação da LCJ se subordina: a segurança da República Portuguesa431).

Em qualquer caso – i.e., mesmo que os factos integrem incrimina-ções idênticas em ambos os ordenamentos –, o decisor pode sempre avaliar em qual deles os factos suscitam maiores exigências preventivo--gerais. É certo – novamente – que, em regra, esse ordenamento é o da jurisdição onde os factos foram praticados432, mas são possíveis, tam-bém aqui, desvios à regra433.

430 Diz-se “mera”, não porque uma situação seja necessariamente mais grave do que a outra, mas apenas porque em Portugal os factos também integram uma tentativa de homicí-dio. Simplesmente, esta encontra-se em concurso aparente com o crime de atentado contra o Presidente da República, e é possível que, em Portugal, a punição deva ter lugar a título de atentado contra o Presidente da República (basta que a pena concreta cabida à tentativa de homicídio não seja mais grave do que a cominada no art. 327.º, n.º 1 CP) – cf. Pedro Caeiro, «Comentário ao Artigo 327.º», CCCP III, 2001, p. 209-210.

431 Cf. os arts. 2.º, n.º 1 LCJ e 327.º CP, enquadrado, este, no título dos crimes contra o Estado, capítulo dos crimes contra a segurança do Estado, secção dos crimes contra a realização do Estado de direito.

432 Cf. supra, no § 2, o ponto 3.2.1.433 O exemplo apresentado supra, bb), poderá, eventualmente, constituir uma dessas

excepções.

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b) A reinserção social do extraditando em caso de condenação

A segunda constelação é composta por elementos primacialmente respeitantes ao extraditando e que, como se referiu, se agregam em torno do intento de promover a sua reinserção social em caso de con-denação434.

Este intento ombreia com os demais interesses em jogo na decisão dedere aut judicare em sentido estrito (maxime, os interesses punitivos dos Estados)435 e é, no mínimo, e independentemente do peso relativo que se lhe reconheça, susceptível de “desempatar” situações de sensível pa-ridade naquele plano, pois aí nada sobra por tutelar senão os interesses do indivíduo.

Prosseguindo, os elementos que aqui estão em causa poderão siste-matizar-se do seguinte modo:

aa) Existe um conjunto constituído pelos elementos objectivos com pos-sível influência para a ressocialização.

Estão aqui em causa, designadamente, circunstâncias adjacentes à hipótese da cláusula humanitária, que não implicam as “consequências graves” exigidas por essa causa de recusa mas consubstanciam o que, à luz da mesma, podem considerar-se “motivos de carácter pessoal”.

São exemplo, em qualquer caso, características e condições do ex-traditando como competências linguísticas436, situação familiar e social (e.g., localização predominante dos respectivos núcleos)437 ou raízes cul-turais, ponderadas à luz do contexto proporcionado por uma e outra das jurisdições com pretensão sobre os factos.

bb) De modo idêntico, podem sopesar-se intenções lícitas do extra-

434 Sobre a “exception liée au meilleur reclassement social” consagrada expressamente quanto à extradição na lei de cooperação judiciária helvética (art. 36.º, n.º 1), v. Robert Zimmermann, op. cit., p. 390. V. também Inês Ferreira leite, op. cit., p. 323, et passim, afir-mando, embora não a propósito da mesma questão, que “as preocupações do Direito Penal Internacional tão pouco terminam com a condenação”, e que “não [lhe] serão estranhas as considerações de reintegração e ressocialização”.

435 Em abono da possibilidade de sobreposição pode invocar-se, como argumento sis-temático, o facto de que uma das situações excepcionais em que a ausência de reciproci-dade – porventura a mais eminentemente estatal das causas de recusa (cf. supra, no § 3, o ponto 2.5) – não impede a extradição é a de esta poder “contribuir para melhorar a situação do arguido ou para a sua reinserção social” (art. 4.º, n.º 3, al. b) LCJ).

436 Em sentido idêntico, a propósito da cláusula “reinserção social” prevista no regime legal do concurso de pedidos, Manuel António Lopes roCha / Teresa Alves martinS, op. cit., p. 46.

437 Ibidem, falando de circunstâncias “relativas ao meio familiar e ao meio social”.

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ditando como as de exercer dada profissão438, obter determinada for-mação ou praticar certo desporto que, objectivamente, apenas uma das jurisdições possibilite durante a execução de uma pena de prisão – um elemento misto (parcialmente subjectivo, parcialmente objectivo).

cc) Por fim, pode questionar-se se a vontade pura e simples do ex-traditando – um elemento estritamente subjectivo – pode influenciar a deci-são em análise.

A reflexão tem de considerar o facto de que a vontade do extra-ditando não corresponde necessariamente ao seu interesse, podendo mesmo conduzir a resultados diametralmente opostos àqueles que a tutela deste aconselharia. Pense-se, por exemplo, no caso de o indiví-duo pretender optar pelo Estado onde se encontram, em liberdade e / ou encarceramento, várias pessoas anteriormente condenadas, em co--autoria consigo, por um crime de associação criminosa (art. 299.º CP).

Nestes moldes, e se, como se expôs previamente, a ressocialização constitui também um interesse do Estado (cf. o art. 40.º, n.º 1 CP), e não estritamente do indivíduo, dificilmente a vontade deste poderá sobrepor-se aos resultados da ponderação dos elementos (total ou par-cialmente) objectivos que exprimem o seu interesse e dos demais inte-resses que estão em jogo na decisão em análise, também já expostos439.

A excepção será o caso, praticamente académico, de essa ponde-ração global resultar numa perfeita igualdade entre as opções dedere e judicare.

c) O recurso subsequente a outras formas de cooperação

Por vezes, o recurso a outras formas de cooperação – maxime, à transferência de pessoas condenadas – em momento posterior ao da decisão dedere aut judicare em sentido estrito permite preservar o núcleo essencial dos interesses que nesta conflituem, conciliando-os. Por isso, a possibilidade jurídica e a plausibilidade de tais expedientes virem a ser utilizados assume-se como um elemento merecedor de ponderação no próprio contexto desta decisão.

Nestes termos, se, por exemplo, o interesse da boa administração da justiça aconselhasse a realização do processo no Estado requerente

438 Ibidem, referindo “as possibilidades de emprego” do condenado.439 Quer isto signifi car, por outro lado, que a presente causa de recusa é inteiramente in- isto significar, por outro lado, que a presente causa de recusa é inteiramente in-

derrogável pelo consentimento do extraditando. Sobre as possibilidades de consentimento e o regime (de tramitação simplificada) que este desencadeia (art. 40.º LCJ), v. supra, no § 1, o ponto 4.2, com ulterior referência.

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(e.g., porque se situa aí a quase totalidade da base probatória), mas a reinserção social do indivíduo fosse mais provável em Portugal (e.g., porque os seus núcleos familiar e social se situam aí), o facto de ser plausível que, na eventualidade de condenação, possa ser transferido a fim de aí cumprir a pena pode fazer com que a decisão dedere aut judicare em sentido estrito, a tomar no presente, penda para a primeira alternativa440.

440 As hipóteses têm semelhanças com as que, na LMDE, se encontram previstas com autonomia nos arts. 12.º, n.º 1, al. g) e 13.º, al. c), a que se prestará atenção na Parte IV.

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PARTE IIDireito Internacional da Extradição

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Deder e aut Judicar e?

A Parte II deste estudo incide sobre a extradição de pessoas ao abrigo do direito internacional.

A entrega de pessoas ao Tribunal Penal Internacional é também uma matéria jusinternacional e, portanto, poderia ser tratada aqui. Contudo, porque ela assenta num paradigma de cooperação inteiramente dife-rente do que ali impera, optámos por preterir esse que seria, no fundo, um critério meramente formal, o que dita que essa entrega seja consi-derada autonomamente (na Parte III).

Como se preveniu na introdução, esta secção – tal como as seguin-tes – será bastante mais concisa do que a primeira. O objectivo passa, aqui, essencialmente, por aplicar a estrutura analítica ensaiada a partir da lei interna de cooperação, tida como paradigmática, ao plano do direito internacional, considerando as suas particularidades mais salien-tes.

§ 1. Direito internacional geral

1. As feridas da II Guerra Mundial impulsionaram o direito interna-cional penal. Dos julgamentos de Nuremberga e de Tóquio à criação do TPI, passando pelas experiências do TPIAJ e do TPIR441, este ramo do direito alcançou existência442, ainda que marcada, no que toca o di-

441 Sobre esta evolução, v. a obra Philippe SandS (ed.), From Nuremberg to the Hague: The Future of International Criminal Justice, 2003; em especial, Gerhard O. W. mueller, «Enfor-cing International Criminal Justice», p. 139 s.; v. também Jónatas E. M. maChado, op. cit., p. 299 s.

442 Escrevendo no rescaldo da II Guerra Mundial, Georg SChWarZenBerger, «The Problem of an International Criminal Law», CLP 3 (1950), p. 295, declarava que “in the present state of world society, international criminal law in any true sense does not exist”.

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Tese de Mestrado

reito internacional geral, pela “rarefacção”443.

2. Ainda assim, a maioria da doutrina nega que o direito interna-cional imponha aos Estados um dever geral de reprimir penalmente os factos que integrem crimes internacionais (sic et simpliciter judicare), excepto, porventura, certos crimina juris gentium444.

Que, porém, o direito internacional impõe aos Estados, quanto a estes últimos crimes, um dever geral, de origem costumeira445, de, al-ternativamente, extraditarem ou perseguirem os seus autores (aut dedere aut judicare) é uma ideia que colhe, e não desde há pouco tempo, algum consenso446. Para um número crescente de AA., este dever terá mesmo natureza cogente (jus cogens)447-448.

443 V. Kai amBoS, La Parte General del Derecho Penal Internacional – Bases para una Elabora-ción Dogmática, Konrad-Adenauer-Stiftung E. V., 2005, idem, «Remarks on the General Part of International Criminal Law», JICJ 4 (2006), p. 660 s.; diverso, Pedro Caeiro, Fundamen-to…, op. cit., p. 353.

444 V. Ángel SanCheZ legido, Jurisdicción Universal Penal y Derecho Internacional, 2004, p. 254 s., Antonio CaSSeSe, International Criminal Law, op. cit., p. 301 s., Pedro Caeiro, Fun-damento…, op. cit., p. 381, todos com ulteriores referências.

445 Sobre o costume internacional, v. Jónatas E. M. maChado, op. cit., p. 110 s.; Malcolm N. ShaW, International Law, 6th ed., 2008, p. 72 s. e 275.

446 Cf. M. Cherif BaSSiouni, «The Penal Characteristics of Conventional International Criminal Law», CWRJIL 15 (1983), p. 27 s.; Luigi Condorelli, «Le Tribunal pénal inter-«Le Tribunal pénal inter-Le Tribunal pénal inter-national pour l’ex-Yougoslavie et sa jurisprudence», CEBDI 1 (1997), p. 251 s.; Geoff gilBert, op. cit., p. 322; Antonio CaSSeSe, op. cit., p. 302 s.; Ángel SanCheZ legido, op. cit., p. 262 s.; Claire mitChell, Aut Dedere, aut Judicare: The Extradite or Prosecute Clause in Inter-national Law, 2009, §§66-74. Cf. também a «Dissenting Opinion of Judge Weeramantry», 14/04/1992, no contexto do Caso Lockerbie, perante o Tribunal Internacional de Justiça (disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/files/88/7101.pdf>, p. 51 e 69). Contra, de modo assertivo, Michał Płachta, «Contemporary Problems…», op. cit., p. 73, alegando que o máximo que se pode dizer do princípio é que constitui um princípio geral de direito internacional.

447 Sobre o jus cogens, v. Jónatas E. M. maChado, op. cit., p. 98 s.; Malcolm N. ShaW, op. cit., p. 23 s., 807-808 e 944.

448 M. Cherif BaSSiouni, International Extradition: United States Law and Practice, 1987, p. 22: “The widespread use of the formula ‘prosecute or extradite’ either specifically stated, explicitly stated in a duty to extradite, or implicit in the duty to prosecute or criminalize, and the number of signatories to these numerous conventions, attests to the existing ge- neral jus cogens principle.” Mais recentemente, Olivia SWaak-goldman, «Recent Develop-ments in International Criminal Law: Trying to Stay Afloat Between Scylla and Charybdis», ICLQ 54 (2005), p. 698; Robert Cryer, «Sudan, Resolution 1593, and International Crimi-nal Justice», LJIL 19 (2006), p. 219. Para uma análise específica do assunto, v. M. Cherif BaSSiouni / Edward M. WiSe, op. cit. (1995), p. 51 s., sendo que os dois AA. “are not enti-rely agreed between themselves” (p. 68): de facto, se o segundo parece céptico em relação à própria natureza costumeira do princípio (já desde Edward M. WiSe, «The Obligation to Extradite or Prosecute», ILR 27 (1993), p. 280 s.), o primeiro reafirmaria a sua percepção de que o princípio constitui jus cogens em M. Cherif BaSSiouni, «International Crimes: jus cogens and obligatio erga omnes», L&CP 59 (1996), p. 65 s. Para uma reflexão mais recente, v. Claire mitChell, op. cit., §§75-85, negando que o princípio constitua jus cogens por via de

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Deder e aut Judicar e?

3. Admitindo que, de facto, em relação aos crimina juris gentium, o princípio aut dedere aut judicare tem (pelo menos) o estatuto de costume internacional, isso significa que, em virtude do art. 8.º, n.º 1 CRP, o mesmo vigora no ordenamento jurídico português quanto a esses cri-mes e, por conseguinte, que, em relação a eles, o Estado português tem, não só o poder, mas o dever de extraditar ou julgar.

Quanto ao concreto exercício desse dever, deverá ter-se em conta o seguinte:

a) Quanto ao primeiro elemento da disjuntiva – dedere

Dada a superioridade paramétrica do direito constitucional relativa-mente ao direito internacional449, a possibilidade de extraditar encontra--se limitada pelos obstáculos constantes do art. 33.º CRP.

Já a aplicabilidade das causas de recusa previstas na lei não é segura, pois não é indiscutível que o direito internacional tenha valor supra--legal450. Se admitirmos que o não tem, a dúvida adensa-se ainda mais, pois então terá de se apurar qual constitui lei posterior451 – se as causas legais de recusa, se a norma internacional que estabelece o dever aut dedere aut judicare –, e, se as primeiras são fáceis de situar no tempo, situar no tempo a segunda é impossível, dada a assinalada rarefacção do direito internacional geral. Se, pelo contrário, e como parece mais consensual452, admitirmos que o tem, então teremos de concluir que a possibilidade de extraditar não se encontra limitada pelos obstáculos legais; apenas pelos constitucionais.

uma desconstrução do pressuposto – sobre que assenta a opinio juris de M. Cherif Bassiouni (e.g., em Introduction au Droit Pénal International, 2002, p. 81 s.) e, parece-nos, de todos os que defendem a “tese” do jus cogens – de que, “because of the peremptory nature of jus cogens, a violation of such a norm [sc., of an international crime having a jus cogens character: crimes against humanity, genocide, war crimes and torture] gives rise to a corresponding obliga-tion erga omnes on all States to, amongst other things, extradite or prosecute any alleged offender on their territory” (interpolação nossa, com palavras da própria A).

Para uma reflexão em geral sobre jus cogens e obrigações erga omnes, v., por todos, Christian tomuSChat, «Reconceptualizing the Debate on Jus Cogens and Obligations Erga Omnes: Concluding Observations», 2006, p. 21 s.; v. ainda, na mesma obra colectiva, Stefan kadelBaCh, «Jus Cogens, Obligations Erga Omnes and other Rules: The Identification of Fundamental Norms», p. 426 s.

449 Cf. José Joaquim Gomes Canotilho / Vital moreira, op. cit., p. 258-259.450 Ibidem, p. 259-263, afirmando que, inevitavelmente, a dúvida subsistirá até que a

própria CRP a desfaça de modo expresso.451 Ibidem, p. 259.452 Cf. José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 813-814, com ulteriores referências,

e p. 909 s.

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Tese de Mestrado

b) Quanto ao segundo elemento da disjuntiva – judicare

O problema do valor paramétrico relativo do direito internacional e do direito interno ordinário coloca-se também, e em moldes idênticos, em relação a este elemento. Está agora em causa saber se os pressupos-tos de jurisdição judicativa definidos no CP se aplicam ou não.

Porém, atente-se no seguinte. De um modo geral, os crimina juris gen-tium estão cobertos pela regra da universalidade. Esta, já o vimos, está sujeita a dois pressupostos: que o agente seja encontrado em Portugal e que a extradição seja impossível. Ora, tendo em conta que, nos casos de que este estudo se ocupa – sc., de extradição passiva –, o primeiro está por definição preenchido (o agente encontra-se em Portugal)453, e que o segundo pode preencher-se em virtude de uma opção do Estado pelo exercício do seu ius puniendi (a impossibilidade da extradição não tem de resultar da verificação de causas de recusa exógenas à disjunti-va em análise)454, o princípio aut dedere aut judicare parece funcionar de modo idêntico nos planos interno e internacional. Significa isto que as dúvidas sobre o valor paramétrico relativo do direito internacional não têm, aqui, quaisquer implicações práticas.

Já na hipótese – que, em teoria, deve colocar-se – de determinado crimen juris gentium não se encontrar contemplado pela regra da uni-versalidade, a questão parece recair sobre a administração supletiva da justiça penal e seus pressupostos. Quanto ao pressuposto de que o agente seja encontrado em Portugal, ele está, também, por definição, nos mesmos termos, preenchido. Sobram os de que o Estado haja rece-bido um pedido de extradição e que esta seja impossível, requisito este que tem um alcance diferente no contexto da administração supletiva da justiça penal455. Porém, como expõe Pedro Caeiro, nos crimina juris gentium, visto estar em causa a lesão de bens jurídicos internacionais, a opção pelo exercício do ius puniendi nunca depende do recebimento de um pedido de extradição: “porque a concreta repressão dos crimina juris gentium extraterritoriais não pode ser encarada como uma sub-espécie da administração supletiva da justiça penal (em nome de outro Estado), antes corresponde à administração da justiça penal internacional onde

453 Além de que, provavelmente, este pressuposto também é exigido pelo direito inter-nacional para o exercício de jurisdição universal – cf. Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 385 s. –, o que significa que não há qualquer diferença neste aspecto.

454 Cf. supra, o § 4.455 Cf. supra, no § 2, o ponto 3.3.2, e, no presente §, o ponto 2.2.2.

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cada Estado é chamado a participar constitutivamente (como membro da comunidade internacional), não faz sentido condicionar o dever de julgar e punir os agentes presentes no território do foro à existência de um concreto pedido de extradição insatisfeito. A actualização do dever de punir dá-se com a presença do agente no território, podendo toda-via o Estado da custódia optar por extraditá-lo ou entregá-lo a outra entidade (um Estado ou um tribunal internacional) que o solicite, nos termos do direito (internacional e interno) aplicável”456.

Em suma, as condições jusinternacionais da repressão de (todos e quaisquer) crimina juris gentium identificam-se com as que resultariam da intervenção da regra da universalidade como concebida pelo CP português, mesmo quando eles não se encontrem cobertos por esta.

§ 2. Direito internacional convencional

1. O direito da extradição encontra-se, em grande parte, na regulamentação constante de convenções internacionais457.

As convenções internacionais pressupõem a incorporação das obriga-ções aí previstas nos direitos internos dos Estados, e a regra, reiterada na jurisprudência dos tribunais internacionais, é a de que estes têm a liberdade de a realizarem do modo que entenderem mais adequado458. Esta liberdade é mais ampla no caso de Estados que efectuam a incor-poração “transformando” as normas internacionais em direito interno, e bastante mais restrita no caso de Estados, como o português, que adoptam um modelo de recepção automática459-460.

Contudo, mesmo nos primeiros, a liberdade de modelação conhece fortíssimas limitações derivadas do direito internacional – maxime, dos princípios pacta sunt servanda e da boa fé (prevalecentes sobre ela em caso de conflito), do princípio da interpretação consistente (segundo o qual os tribunais nacionais devem interpretar a lei nacional o mais conso-nantemente possível com o direito internacional)461 e, naturalmente, do

456 Pedro Caeiro, Fundamento…, op. cit., p. 383-384, em linha com Ángel SanCheZ le-gido, op. cit., p. 262 s.

457 Cf. M. Cherif BaSSiouni, «An appraisal…», op. cit., p. 93.458 Ward N. FerdinanduSSe, op. cit., p. 133.459 Ibidem.460 O art. 8.º, n.º 2 CRP consagra uma “recepção automática”, embora “condicionada”

pelas exigências de regular aprovação ou ratificação e de publicação – José Joaquim Gomes Canotilho / Vital moreira, op. cit., p. 254.

461 Ward N. FerdinanduSSe, op. cit., p. 134, com indicação das disposições da Con-venção de Viena sobre o Direito dos Tratados que consagram esses princípios – que,

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bloco de normas internacionais inderrogáveis (sc., as de carácter huma-nitário e as que constituem jus cogens)462. Portanto, é lícito concluir com generalidade que o conteúdo das convenções internacionais coincide elevadamente com aquela que é a concreta regulamentação da matéria.

Pela sua profusão, as convenções internacionais sobre extradição a que Portugal se encontra vinculado463 nunca poderiam ser analisadas com minúcia no contexto deste estudo. De todo o modo, isso não seria necessário para retratar satisfatoriamente o problema “dedere aut judica-re?” nesta esfera de cooperação, pois a estrutura analítica usada com a LCJ aplica-se-lhe na perfeição: prevêem-se, na generalidade das con-venções, causas de recusa que vedam a extradição e são acompanhadas da impossibilidade de exercício do ius puniendi (nec dedere nec judicare), ou-tras que apenas impedem a extradição, ocasionando uma subsequente repressão penal (dedere aut judicare em sentido amplo) e causas de recusa que atribuem ao Estado requerido a possibilidade de optar entre ex-traditar e reprimir os factos (dedere aut judicare em sentido estrito). De resto, o âmbito da jurisdição judicativa do Estado requerido mantém-se inalterado, ou, quando muito, ampliado pela própria convenção inter-nacional464.

2. Apesar disso, obviamente, há diferenças entre convenções inter-nacionais e a lei interna de cooperação. Por isso, a aplicabilidade de uma convenção – em exclusivo ou com a intervenção subsidiária da lei interna465 – a um dado pedido de extradição não dispensa uma análise específica da mesma.

em qualquer caso, provavelmente, constituíam já costume internacional antes de serem “codificados”.

462 Ibidem.463 Muitas dessas convenções podem ser consultadas no portal do GDDC: <http://

www.gddc.pt/cooperacao/cooperacao.html>.Para um compêndio de relevantes instrumentos internacionais e europeus sobre a ma-

téria, v. Christine van den Wyngaert (ed.) / Steven deWulF (assistant ed.), International Criminal Law: A Collection of International and European Instruments, 4th ed., 2011.

Para uma análise de várias convenções multilaterais em que o princípio aut dedere aut judicare surge consagrado (e.g., a Convenção Internacional para a Supressão da Moeda Falsa de 1929, as Convenções de Genebra de 1949 e a convenção de Haia de 1970 relativa à Captura Ilícita de Aeronaves), v. m. Cherif BaSSiouni / Edward M. WiSe, op. cit., p. 11 s. e, em estudo mais recente: Claire mitChell, op. cit., §§ 2-10.

464 A hipótese é mais plausível no caso de convenções multilaterais.465 Cf. o art. 3.º, n.º 1 LCJ. Para um exemplo de aplicabilidade subsidiária da LCJ a um

pedido de extradição fundado noutro instrumento normativo (sc., a Convenção Interna-cional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba), v. o Ac. TRL 04-02-2004, processo n.º 3880/2003-3, em <www.dgsi.pt>.

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Deder e aut Judicar e?

Entre as diferenças avulta, desde logo, a de que as convenções inter-nacionais assentam na reciprocidade, que, no âmbito da LCJ, tem de ser apreciada em cada caso concreto. Por esse motivo, em regra, elas não contêm reservas expressas de soberania como a que se encontra verti-da no art. 2.º, n.º 2 LCJ, que preclude o direito de se exigir do Estado português, ao abrigo desse diploma, qualquer forma de cooperação internacional em matéria penal. Pelo contrário, elas criam uma obrigação de extraditar – que costuma até surgir declarada nas suas disposições iniciais466 –, o que significa que um Estado-parte que recuse um pedido de extradição a despeito de estarem reunidas todas as condições neces-sárias para o deferimento incorre em responsabilidade internacional467.

Depois, e como é da maior importância para o nosso estudo, há naturalmente diferenças no plano das causas de recusa: tipicamente, o universo de causas de recusa previsto na lei interna de cooperação não coincide com o que é previsto em dada convenção internacional (di-ferindo ainda de convenção para convenção), e, ainda que assim não fosse, é virtualmente impossível o recorte das várias causas de recusa que o integram ser exactamente igual ao da lei interna.

3. A propósito do âmbito das causas de recusa previstas, observe-se ape-nas que se, em primeira abordagem, a celebração de uma convenção internacional exprime uma concepção reforçada de cooperação, nos termos expostos, o que, de um modo geral, se verifica – sobretudo, em convenções bilaterais – é que aquele âmbito tende a não diferir muito do âmbito típico das leis internas de cooperação, sendo até, por vezes, em certos aspectos, mais exigente. Constituem exemplo disso as convenções internacionais que, tendo sido celebradas depois de a CRP ter passado a permitir a extradição de nacionais – permissão de que a LCJ optou por fazer uso –, estabelecem a nacionalidade do extraditan-do como causa de recusa obrigatória e absoluta (sc., insusceptível de excepções)468.

466 Cf., e.g., o art. 1.º da Convenção de Extradição de 1908 entre Portugal e os Estados Unidos da América (em <http://www.gddc.pt/cooperacao/instrumentos-bilaterais/con--ext-dg-19-91908.PDF>), ou o art. 1.º da Convenção de Extradição de 2007 entre Portugal e a China (em: <http://dre.pt/pdf1sdip/2009/04/08400/0248602495.pdf>).

467 Sobre a responsabilidade internacional dos Estados, v. Jónatas E. M. maChado, op. cit., p. 411 s. (em particular, as p. 415 s.); Malcolm N. ShaW, op. cit., p. 778 s.

468 Cf., e.g., o art. 3.º, n.º 1, al. d) da Convenção de Extradição entre Portugal e a China (cit.), ou o art. 3.º, n.º 1, al. a) da Convenção de Extradição entre Portugal e Marrocos (cit.). Prevendo a nacionalidade como causa de recusa meramente facultativa, v. porém o art. 4.º, n.º 1, al. a) da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP (uma opção

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Tese de Mestrado

De modo semelhante, no plano processual, sobressai a circunstân-cia de que a generalidade das convenções não exclui intervenções do Governo susceptíveis de produzir indeferimentos liminares, o que, na prática, debilita bastante a obrigação de extraditar que delas emerge.

Estas são consequências de tanto convenções internacionais como leis internas de extradição serem tributárias do mesmo paradigma de cooperação (o paradigma clássico)469.

4. As diferenças no plano das causas de recusa traduzem-se em di-ferenças no âmbito da decisão dedere aut judicare em sentido estrito470, que, consequentemente, também varia de convenção para convenção e des-tas para a lei interna.

Como é evidente, a variação decorre, antes de mais, do recorte que em cada instrumento jurídico seja conferido à própria causa de recusa que faculta a decisão dedere aut judicare em sentido estrito. Assim, por exemplo, no contexto de uma convenção internacional que (apenas) permita a recusa da extradição em caso de pendência de processo pelos mesmos factos na jurisdição requerida, o âmbito da decisão dedere aut judicare em sentido estrito é – pelo menos, nessa variável –, em prin-cípio471, mais compacto do que na LCJ472, cuja norma correspondente permite a recusa não só nessa hipótese como ainda na de a jurisdição

que, em qualquer caso, se afigura incompatível com o princípio da igualdade, em termos idênticos aos que se expenderam a propósito da “cláusula humanitária”, supra, no § 3, o ponto 2.16).

469 Em termos históricos, as convenções internacionais sobre extradição começam a proliferar sensivelmente na mesma altura em que começam a surgir as leis internas de ex-tradição, a primeira das quais terá surgido na Bélgica, em 1833: cf. Mário Mendes Serrano, op. cit., p. 20. Sobre o paradigma clássico de extradição, v. supra, a Parte I.

470 Sobre o conceito, v. supra, na Parte I, o § 4 – em particular, os seus pontos 4 e 5.471 Se a convenção admitir que o forum deprehensionis instaure um processo penal depois

de receber o pedido de extradição e em seguida recuse o pedido de extradição com base nesse processo pendente, aquela contracção será apenas formal, não material.

472 Parece ser o caso, e. g., dos arts. 5.º, n.º 1, al. b) da Convenção de Extradição entre Portugal e Marrocos (cit.), 4.º, n.º 2, al. c) da Convenção de Extradição entre Portugal e a Índia (cit.), 6.º, n.º 1 da Convenção de Extradição entre Portugal e o México (cit.) e 5.º, n.º 1, al. b) da Convenção de Extradição de 1998 entre Portugal e a Tunísia (em <http://www.gddc.pt/siii/docs/rar24-2000.pdf>).

Caso peculiar parece ser o da Convenção de Extradição de 2007 entre Portugal e a Argélia (em <http://dre.pt/pdf1sdip/2008/10/19900/0734307352.PDF>), que erige em causa de recusa obrigatória a circunstância de “[a] pessoa reclamada [se]r objecto de procedimento criminal, por infracções cometidas no território da Parte requerida, as quais fundamentam o pedido de extradição” (art. 4.º, al. b)), mas que é totalmente silenciosa, não apenas quanto à existência de dever ou possibilidade de se instaurar processo, mas ainda quanto à pendência de processo por factos extraterritoriais.

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requerida ter o dever ou a possibilidade de instaurar um processo penal pelos factos (art. 18.º, n.º 1).

De modo similar, mas para um exemplo decorrente de outra causa de recusa, e de sentido oposto ao anterior – ou seja, de comparativa ampliação do âmbito da decisão dedere aut judicare em sentido estrito: se uma convenção internacional previr a territorialidade dos factos como causa de recusa facultativa473, o âmbito dessa decisão é – pelo menos, nessa variável – mais alargado aí do que na LCJ, onde a mesma circuns-tância integra uma causa de recusa obrigatória e absoluta que impede a jurisdição requerida de extraditar por todos e quaisquer factos pratica-dos em seu território (art. 32.º, n.º 1, al. a)).

5. Por fim, os critérios da decisão dedere aut judicare em sentido estrito serão, em princípio – no caso de o Estado português ser o requerido –, idênticos aos que valem no contexto da LCJ, dado esta aplicar-se na “falta ou insuficiência” de normas de convenções internacionais (art. 3.º n.º 1) e estas serem usualmente silenciosas a esse respeito. Recorde-se que a LCJ também não oferece explicitamente esses critérios, mas per-mite identificá-los. Em qualquer caso, se leis internas de extradição e convenções internacionais se inscrevem no mesmo paradigma de coo-peração, dificilmente os termos daquela decisão serão muito diferentes numas e noutras.

Isso não dispensa, todavia, a ponderação dos elementos hermenêu-ticos próprios da concreta convenção internacional em questão.

473 O que acontece com frequência: v., e.g., os arts. 4.º, n.º 2, als. b) e c) da Convenção de Extradição de 1987 entre Portugal e a Austrália (em <http://www.gddc.pt/siii/docs/rar13-1988.pdf>), 4.º, al. c) da Convenção de Extradição de 2008 entre os Estados Mem-bros da CPLP (em <http://www.apav.pt/portal/pdf/extradicao_CPLP.pdf>), 4.º, als. b) e c) da Convenção de Extradição de 2007 entre Portugal e a Índia (em <http://dre.pt/pdf1s/2008/10/19900/0735207363.pdf>) e 7.º, n.º 1 CEExtr. (em <http://www.gddc.pt/siii/im.asp?id=958>).

Idênticos à LCJ, v. todavia, e.g., os arts. 4.º, n.º 1, al. b) da Convenção de Extradição de 2007 entre Portugal e Marrocos (em <http://dre.pt/pdf1s/2009/02/04000/0131001323.pdf>) e 4.º, n.º 1, al. a) da Convenção de Extradição de 1998 entre Portugal e o México (em <http://www.gddc.pt/siii/docs/rar63-1999.pdf>).

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PARTE IIIEntrega ao Tribunal Penal Internacional

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Deder e aut Judicar e?

A Parte III deste estudo incide sobre a entrega de pessoas ao Tribu-nal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma474.

Ela não se detém sobre a entrega a qualquer outra instância juris-dicional internacional – maxime, aos tribunais penais internacionais ad hoc para a Antiga Jugoslávia e para o Ruanda475, que não têm carácter permanente nem vocação geral476, vendo a sua competência cingida às “violações graves do direito humanitário internacional cometidas no território da ex-Jugoslávia e no território do Ruanda e Estados vizi-

474 O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional foi adoptado em Roma a 17 de Julho de 1998 pela Conferência Diplomática reunida de 15 de Junho a 17 de Julho de 1998, foi aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 3/2002 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 2/2002, ambos publicados no Diário da República I-A, n.º 15, de 18.01.2002, tendo entrado em vigor na ordem jurídica portuguesa também em 1 de Julho de 2002. Como informa, a propósito, o GDDC: “Em Abril de 2001, a Assembleia da República assumiu poderes de revisão extraordinária da Constituição, através da aprovação da Resolução da Assembleia da República n.º 27/2001, de 4 de Abril , publicada no Diário da República, I Série-A, n.º 80/2001 e justificada pela “necessidade de, com carácter urgente, arredar os obstáculos que a Constituição da Repú-blica Portuguesa na sua versão em vigor, opõe à aprovação, pela Assembleia da República, do Tratado de Roma que institui o Tribunal Penal Internacional. Complementarmente, no reconhecimento da jurisdição desse Tribunal, instrumento de combate a nível supranacio-nal dos crimes mais graves que afectam a Humanidade, num quadro de reforço da tutela internacional dos Direitos do Homem” (preâmbulo do projecto de resolução, n.º 130/VIII). O Decreto Constitucional n.º 1/VIII (Quinta revisão constitucional) foi aprovado no Parlamento a 4 de Outubro de 2001, tendo a Lei Constitucional sido publicada a 12 de Dezembro de 2001 (Lei Constitucional n.º 1/2001)”, em <www.gddc.pt>.

475 Estabelecidos pelas Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas R 827 (1993) e R 955 (1994), respectivamente. No plano interno, a cooperação entre o Es-tado português e estes tribunais é regulada pela Lei n.º 102/2001, de 25 de Agosto, em <www.dre.pt>.

476 V. Jónatas E. M. maChado, op. cit., p. 304, referindo a “precaridade institucional” destas instâncias.

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nhos” (art. 1.º da Lei n.º 102/2001), e cuja criação, de resto, “não teve por fim principal a administração da justiça internacional penal”477. Não deixará, todavia, de se aludir a estas instâncias pontualmente e com um intuito comparativo, o que se crê beneficiar a compreensão do nosso problema no contexto da entrega ao TPI.

§ Único

1. A entrega de pessoas ao TPI inscreve-se num paradigma de coopera-ção totalmente diverso do clássico, com que temos vindo a lidar até aqui. Daí que seja diferenciada da extradição logo em termos nominais478.

Este paradigma – que pode dizer-se “de cooperação plena”, na esteira do art. 86.º ERTPI – caracteriza-se, comparativamente com o tradicional, por uma quase total contracção do universo de obstáculos aplicáveis e consequente expansão, inversamente proporcional, da cooperação. Isso faz com que, nesta esfera, e em contraste com o que sucede na tradicional, o sujeito requerente (sc., o Tribunal) se apresente como “verdadeiro dominus de um procedimento onde o requerido tem uma função meramente ancilar”479.

Normativamente, o paradigma de cooperação plena encontra os seus expoentes máximos no referido art. 86.º – que, sob a epígrafe “obrigação geral de cooperar”, estabelece que os Estados Partes de-verão “cooperar plenamente com o Tribunal no inquérito e no pro-cedimento contra crimes da competência deste” – e no art. 89.º, n.º 1 ERTPI – onde se estatui que os Estados Partes “darão satisfação aos pedidos de detenção e de entrega”.

Materialmente, ele radica, em certos aspectos, numa incompatibilidade entre a natureza dos crimes em questão – caracterizados no Estatuto como “os crimes de maior gravidade com alcance internacional” (art. 1.º ERTPI) –

477 Pedro Caeiro, «Claros e escuros de um auto-retrato: breve anotação à jurisprudên-cia dos tribunais penais internacionais para a Antiga Jugoslávia e para o Ruanda sobre a própria legitimação», RPCC 12 (2002), p. 574, justificando que, ao estabelecer esses Tri-bunais ad hoc, “o Conselho de Segurança actuou ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que, em caso de ‘ameaça para a paz, violação da paz ou acto de agressão’, lhe permite adoptar as medidas necessárias para manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais”, tendo tal estabelecimento constituído “uma das medidas não especifica-das de que o Conselho de Segurança dispõe, perante situações concretas de conflito, para prosseguir os interesses de segurança referidos”.

478 Sobre esta questão terminológica, v. supra, na Parte I, § 2, o ponto 3.3.5.b), com ulteriores referências.

479 Pedro Caeiro, «O procedimento...», op. cit., p. 78, que seguiremos de perto neste primeiro ponto.

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e a manutenção de alguns dos obstáculos tradicionais à extradição480, como a nacionalidade da pessoa a entregar, a natureza política da in-fracção ou a prática dos factos em território do Estado requerido481, bem como a ausência de reciprocidade. Outros obstáculos, como a au-sência de garantias processuais penais no Tribunal e a aplicabilidade de pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade da pessoa, simplesmente, assentam em hipóteses cuja verificação está, em abstracto, excluída.

Na verdade, em rigor, como nota Pedro Caeiro, “o Estatuto não prevê qualquer motivo de recusa legítima de executar um pedido de entrega”482. Em consequência, expõe o A.483, “o Estado só não se en-contrará vinculado à execução imediata quando o pedido enfermar de vícios formais (v.g., não incluir a narração dos factos ou a qualificação jurídica do crime484), ou procedimentais (v.g., não ter sido transmitido pela forma adequada485), ou quando o dever cesse por força do direito internacional (onde se incluem as disposições do próprio Estatuto)” – sc., em virtude do princípio ne bis in idem (cf. os arts. 20.º e 89.º, n.º 2 ERTPI), cuja relevância, nesta sede, constitui uma aproximação, ainda que tímida, ao paradigma de cooperação clássico, bem como da con-corrência do pedido de entrega com um pedido de extradição formulado por outro Estado e do conflito do pedido de entrega com as imunidades e outras obrigações in-ternacionais que vinculem o Estado requerido, circunstâncias a que o Estatuto, subordinado pela sua natureza convencional ao princípio pacta tertiis non nocent, teve de conferir uma relevância de que não gozam no contexto da entrega aos Tribunais ad hoc486. De todo o modo, prossegue o A.487, “mesmo nestes casos, a obrigação de cooperação plena impede que o Estado se limite a recusar a execução, impondo-lhe o início de consul-

480 Sobre o assunto, v. ibidem, p. 75, passim; Kai amBoS, «The International Criminal Court and the traditional principles of international cooperation in criminal matters», FYIL 9 (1998), p. 413 s.

481 V. Pedro Caeiro, «O procedimento...», op. cit., p. 81 e 135 s. Sobre a aplicabilidade de pena de prisão perpétua, v., do mesmo A., «“Ut puras servaret manus” – Alegações contra a assunção, pelo Estado português, da obrigação de entrega ao Tribunal Penal Internacional de um cidadão que possa ter de cumprir uma pena de prisão perpétua», RPCC 11 (2001), p. 39 s.

482 Pedro Caeiro, «O procedimento...», op. cit., p. 82.483 Ibidem.484 Cf. o art. 58.º, n.º 3, als. b) e c) ERTPI.485 Sc., a “diplomática, excepto se o Estado tiver escolhido outra via no momento da

ratificação” – Pedro Caeiro, «O procedimento...», op. cit., p. 80.486 Desenvolvidamente, v. ibidem, p. 82-115.487 Ibidem, p. 82.

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tas com o Tribunal para solucionar o problema” (cf. o art. 97.º ERTPI), pelo que os obstáculos, além de parcos, não têm carácter terminante.

Além disso, no plano interno, eles são acrescidos unicamente da – para mais, implausível – hipótese de o pedido de entrega ser politicamente motivado, em que a recusa se impõe constitucionalmente (art. 33.º, n.º 6)488. De facto, os obstáculos previstos na LCJ – aplicável, “com as devidas adaptações”, e subsidiariamente ao Estatuto, à entrega ao TPI489 – são incompatíveis com a lógica de cooperação plena que o atravessa e, por isso, devem considerar-se inaplicáveis490. No plano da competência decisória, deve todavia assinalar-se a subsistência, a par da judicial, da intervenção do Executivo, embora, também aqui, a nota saliente seja a compressão da margem para recusa491.

2. No contexto da entrega ao TPI, a resposta à questão do nosso estudo passa pelo conhecido princípio de complementaridade do Tribunal em relação às jurisdições penais nacionais492.

O princípio é referido no Preâmbulo do Estatuto de Roma e na sua disposição inaugural, o que denuncia a sua importância, sendo-lhe as suas feições concretas conferidas, no essencial, pelo art. 17.º, cuja al. a) do n.º 1 – a mais relevante para a nossa questão – estabelece que “o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso” se ele “for objecto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou não tenha capacidade efectiva para o fazer”493. O confinamento da intervenção do Tribunal a situações residuais distancia novamente o regime da entrega ao TPI daquele que disciplina a entrega aos Tribunais ad hoc, que lhes permite avocar o processo a todo o tempo, a qualquer propósito494.

488 Ibidem, p. 115 s. V. também, com interesse, Vital moreira, op. cit., p. 24 s.489 Cf. os arts. 1.º, n.º 2 e 3.º, n.º 1 LCJ e art. 89.º, n.º 1, in fine, ERTPI. Todavia, a

necessidade de um instrumento jurídico interno destinado a regular especificamente a co-operação com o TPI é uma noção que colhe grande consenso – cf., e.g., Vital moreira, op. cit., p. 41, Pedro Caeiro, «O procedimento...», op. cit., p. 121-123. Sobre a necessidade de conformação da lei penal e processual penal portuguesa com “o direito de Roma”, v. Leonor aSSunção, «TPI e lei penal e processual penal portuguesa», 2004, p. 55 s.

490 Pedro Caeiro, «O procedimento...», op. cit., p. 121 s.491 Ibidem, p. 123 s.492 Sobre o princípio, v. André kliP, «Complementarity and concurrent jurisdiction»,

NEP 19 (2004), p. 173 s.; v. também William A. SChaBaS, An Introduction to the International Criminal Court, 3rd ed., 2007, p. 174 s., com várias referências ulteriores.

493 Sobre os conceitos, v. ainda infra.494 Cf. o art. 2.º da Lei n.º 102/2001, relativo a “competências concorrentes”, cujo n.º 1

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Quanto à jurisdição do Estado português, não se regista aqui va-riação relevante em relação às esferas de regulamentação tratadas em momentos anteriores do estudo.

Da breve descrição que precede transparecerá que a resposta à questão “dedere aut judicare?”, colocada neste contexto, é: “primum judica-re, secundo dedere”. Somente quando o exercício do ius puniendi estatal for impossível, na acepção vista, pode a hipótese da entrega ao Tribunal sequer colocar-se495 – sem prejuízo de que, devendo ocorrer a entrega, as condições para a sua efectivação são extremamente flexíveis, nos ter-mos também já observados, fazendo dela, nesse sentido e em aparente contraste496, a opção primacial.

A primazia que o princípio da complementaridade outorga à in-tervenção penal estatal ocasionou a realização, por parte do Estado português, de uma declaração interpretativa na qual este – para o que aqui interessa – “manifesta a sua intenção de exercer o poder de jurisdição sobre pessoas encontradas em território nacional indiciadas pelos cri-mes previstos no n.º 1 do artigo 5º do Estatuto”. A declaração nada acrescenta ao Estatuto, perfilando-se com uma simples declaração (po-lítica) de intenções497, mas não deixa de intensificar, desse prisma, e no contexto português, aquela primazia.

estatui secamente que “o Tribunal Internacional pode solicitar às autoridades judiciárias portuguesas que renunciem, a seu favor, em qualquer fase do processo, à competência para investigação ou julgamento de um caso concreto”. Os únicos desvios à regra, previstos no n.º 5 do mesmo preceito, são os casos – que nem sequer integram um concurso de compe-tências – de o pedido dizer respeito a factos que não são objecto do processo pendente no tribunal português ou a factos que não cabem na competência territorial ou temporal do Tribunal, como definida no respectivo estatuto. Sobre o assunto, com interesse, v. Bartram S. BroWn, «Primacy or Complementarity: Reconciling the Jurisdiction of National Courts and International Criminal Tribunals», YJIL 23 (1998), p. 383 s.

495 Em sentido próximo, v. Maria Fernanda Palma, «Tribunal penal internacional e constituição penal», 2004, p. 281, reportando-se à possibilidade de entrega ao TPI como “juridicamente minimizável (dado o princípio da complementaridade)”.

496 De facto, o modelo de complementaridade na repressão dos crimes previstos no Esta-tuto, em que a prioridade é conferida aos Estados, parece contrastar com o modelo vertical acolhido em matéria de cooperação, em que a primazia é oferecida ao Tribunal. Porém, se considerarmos – com Ana Luísa riquito, «O Direito Internacional Penal entre o risco de Cila e o de Caríbdes (A Complementaridade do Tribunal Penal Internacional)», 2004, p. 185 – que, provavelmente, a opção pela complementaridade não resulta de “uma ul-trapassada deferência para com a concepção tradicional da ordem internacional, como um mundo de soberanias contrapostas”, mas “[d]o reconhecimento das vantagens desse modelo e [d]a constatação de que, no momento presente, os Estados dispõem já dos me-canismos necessários para se ocuparem de tais julgamentos”, veremos que esse contraste não atinge a antinomia.

497 Cf. Vital moreira, op. cit., p. 35 s.

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Uma outra particularidade que a nossa questão assume nesta esfera é a de que os seus eixos não assentam sobre o exercício de uma facul-dade de recusa, ou de uma causa de recusa tout court. A intervenção do princípio da complementaridade é prévia ao pedido de entrega e independente dele, e a competência para decidir sobre a admissibilida-de de um caso perante o Tribunal (incluindo em face do princípio da complementaridade) nem sequer pertence ao Estado da custódia, mas ao próprio Tribunal498. Perante um pedido de entrega, o único efeito possível da alegação, por parte do Estado requerido (a quem é reco-nhecida legitimidade para impugnar a admissibilidade do caso499), de que tem vontade e capacidade de exercer o seu poder punitivo sobre os respectivos factos é o desencadeamento de um processo decisório do Tribunal500, baseado no Estatuto – em particular, nos n.os 2 e 3 do seu art. 17.º, que densificam as noções de ausência de vontade e de efectiva incapacidade estatais para o exercício de poder punitivo501.

3. Uma última nota, em jeito de síntese, mas com uma explicitação que nos parece conveniente.

O princípio da complementaridade oferece-nos os traços da reso-lução de conflitos de jurisdição entre Estado e Tribunal (“concurso vertical”502), e a sua conjugação com as regras relativas à concorrência

498 Cf. o art. 19.º ERTPI.499 Cf. o art. 19.º, n.º 2, al. b) ERTPI.500 Sobre este “processo dentro do processo”, v. Pedro Caeiro, «Concorrência e Con-

flito de Jurisdições entre o Tribunal Penal Internacional e os Estados (Tópicos de Introdu-ção ao Problema)», 2006, p. 223 s.

501 O n.º 2 estabelece que: “A fim de determinar se há ou não vontade de agir num de-terminado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguin-tes circunstâncias: a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5.º; b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mos-tra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça; c) O processo não ter sido ou não estar a ser conduzido de maneira independente ou im-parcial, e ter estado ou estar a ser conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça.” O n.º 3 lê: “A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso, o Tri-bunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o arguido, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo.”

Sobre estas normas e os critérios aí acolhidos, v. Ana Luísa riquito, op. cit., p. 170 s.; André kliP, «Complementarity…», op. cit., p. 179 s.

502 André kliP, «Complementarity…», op. cit., p. 174, et passim.

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de pedidos de entrega do Tribunal com pedidos de extradição feitos por outro Estado (cf. o art. 90.º503) oferece-nos a base para a resolução da hipótese que poderemos, naquela linha, designar de concurso triangular.

Todavia, o Estatuto não disciplina o “concurso horizontal”504 – sc., aquele em que intervêm apenas Estados, não estando em possibilidade uma intervenção complementar por parte do Tribunal505. Assim, esses ca-sos seguem a disciplina – interna, europeia, internacional – aplicável às relações de cooperação entre os Estados envolvidos.

503 O preceito deve ser objecto de uma interpretação actualista, que abranja as formas de cooperação – e.g., o MDE – idênticas à extradição na finalidade e no facto de envol-verem a transferência física da pessoa, mas diferenciadas dela no regime e no nome, e posteriores ao Estatuto.

504 André kliP, «Complementarity …» op. cit., p. 174, et passim.505 O que já suscitou críticas veementes: ibidem, p. 174 s., 196 s., com mais referências.

O A. indica, como exemplo de regulação de conflitos positivos de jurisdição através de instrumentos igualmente de carácter pactício, o art. VII, n.º 3, al. c) da Convenc ão entre os Estados Partes do Tratado do Atlantico Norte sobre o Estatuto das Suas Forcas, assinada em Londres em 19 de Junho de 1951.

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PARTE IVEntrega em Execução de Mandado de

Detenção Europeu

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A última parte deste estudo é dedicada à entrega de pessoas entre Estados-Membros da União Europeia.

Como anunciado, a análise será mais sintética do que na Parte I, dedicada à extradição ao abrigo da LCJ. Será, porém, mais concreta que na Parte II, § 2, sobre a extradição ao abrigo de convenções inter-nacionais, em virtude de a sua base normativa ser muito mais reduzida.

§ Único

1. Principais características

1.1. Nas palavras da própria Decisão-Quadro que o instituiu506, o MDE “é uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade”507, é “ba-seado no elevado grau de confiança entre os Estados-Membros”508 e “constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualifi-cou de ‘pedra angular’ da cooperação judiciária”509-510.

506 Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos procedimentos de entrega entre Estados-Membros.

507 Art. 1.º.508 Considerando 10.509 Considerando 6.510 Sobre a evolução da cooperação judiciária em matéria penal na União Europeia,

v. Anabela Miranda rodrigueS, O Direito Penal Europeu Emergente, 2008; Pedro Caeiro, «Co-operação Judiciária na União Europeia», 2006, p. 439 s.; Francisco BorgeS, «Criminalidade organizada e cooperac ão judiciária em matéria penal na União Europeia: tracos gerais»,

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Tese de Mestrado

A DQ substituiu outros instrumentos adoptados no âmbito euro-peu, como a Convenção Europeia de Extradição de 13 de Dezembro 1957 (Paris)511. Porém, deve referir-se que, não tendo o Estado portu-guês lançado mão da faculdade prevista no art. 32.º DQ512, seguirão o regime do MDE todos os pedidos recebidos após 1 de Janeiro de 2004, ainda que respeitantes a factos anteriores513, excepto se emitidos por Estados-Membros que ainda não tenham transposto aquela DQ, caso em que se aplica o regime normal da extradição514.

1.2. Como igualmente se lê na DQ, “o objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias”515. Este sistema de entrega traduz-se numa acentuada flexibilizaçao das condições necessárias para que a cooperação seja concretizada516, de que pode des-tacar-se:

a) A plena judiciarização do processo de entrega517.Na síntese de Anabela Miranda Rodrigues, “com o novo mecanis-

mo, estabelece-se o contacto directo entre a autoridade judiciária compe-tente para emitir um mandado de detenção e a autoridade judiciária competente do outro Estado, com vista à execução do mandado. No plano da decisão da entrega, está-se perante uma completa alteração da natureza do processo. Deixa de intervir o Executivo, como acontece

2012, p. 132 s. Sobre as implicações constitucionais dessa evolução, v. Nuno Piçarra, «As Revisões Constitucionais em Matéria de Extradição e a Influência da União Europeia», The-mis 7 (2006), p. 217 s. Mais especificamente sobre o reconhecimento mútuo, v. ainda André kliP, European Criminal Law. An Integrative Approach, 2nd ed., 2012, p. 362 s.; Valsamis mit-SilegaS, EU Criminal Law, 2009, p. 115 s.; Ricardo Jorge Bragança de matoS, «O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu», RPCC 14 (2004), p. 325 s.

511 Cf. o art. 31.º DQ.512 O preceito estabelece que “qualquer Estado-Membro pode, no momento da apro-

vação da presente DQ, fazer uma declaração indicando que, enquanto Estado-Membro de execução, continuará a tratar de acordo com o sistema de extradição aplicável antes de 1 de Janeiro de 2004 os pedidos relacionados com factos praticados antes de uma data que especificará. A data em questão não pode ser posterior a 7 de Agosto de 2002”.

513 Cf. o art. 40.º LMDE.514 Com interesse, v. os Acs. TRE de 22-02-2005, processo n.º 2914/04-1, e de 10-08-

-2004, processo n.º 1601/04-1, em <www.dgsi.pt>.515 Considerando 5.516 Sobre a questão, incluindo as suas implicações terminológicas, v. supra, na Parte

I, § 2, o ponto 3.3.5.b), e, na Parte III, o ponto 1, com ulteriores referências, a que pode acrescentar-se, neste contexto, Otto lagodny, «“Extradition” without a Granting Proce-dure: The concept of “Surrender”», 2005, p. 39 s.

517 Cf. os arts. 9.º e 10.º DQMDE.

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Deder e aut Judicar e?

na extradição, e o recurso à autoridade central é puramente facultativo, situando-se a sua intervenção ao nível administrativo, e não decisional (cf. arts. 7.º, n.º 1 e n.º 2 DQ). Em sede de decisão, a palavra é da auto-ridade judiciária competente”518.

Na jurisprudência, encontra-se também perfeitamente assente que “o regime do MDE consagrou o relacionamento directo entre as au-toridades judiciárias e relegou o papel das autoridades centrais para um plano simplesmente administrativo de apoio; não há resquícios de consagração da fase administrativa própria do processo de extradição, prévia ao processo judicial, em que as autoridades centrais, devidamen-te indicadas na lei, têm papel decisivo. Também, visou atribuir a decisão sobre a execução do mandado a uma autoridade judiciária do Estado--Membro onde a pessoa procurada for encontrada”519. Que a judiciari-zação se estende à vertente activa do MDE520 – sc., à competência para a sua emissão – é também incontroverso521.

b) A compressão do universo de motivos de não execução522, comparativa-mente com o universo de causas de recusa típico dos instrumentos normativos que disciplinam a extradição clássica, como a LCJ.

Neste contexto, costumam destacar-se a mitigação da regra da du-pla incriminação (cf. o art. 2.º, n.º 2 DQ)523 e o alargamento da margem

518 Anabela Miranda rodrigueS, «O Mandado de Detenção Europeu – Na Via da Construção de um Sistema Penal Europeu: Um Passo ou um Salto?», RPCC 13 (2003), p. 36-37.

519 Ac. TRP de 16-09-2009, processo n.º 394/09.2YRPRT.P1, em <www.dgsi.pt>.520 Sobre ela, v. Joana Gomes Ferreira, Manual de Procedimentos relativos à emissão do

Mandado de Detenção Europeu, Revisto e actualizado em 16-07-2007; v. também, do Conselho da UE, o (não vinculativo) Manual Europeu para a emissão do Mandado de Detenção Europeu, 17195/1/10, REV 1, Bruxelas, 17 de Dezembro de 2010, em <http://register.consilium.europa.eu/doc/srv?l=PT&t=PDF&gc=true&sc=false&f=ST%2017195%202010%20REV%201>.

521 V. o Ac. TRC de 17-12-2008, processo n.º 10/06.4TXCBR.C1, em <www.dgsi.pt>, afirmando ainda que “a resposta à questão (…) [de] saber a que tribunal cabe a emissão de mandados de detenção europeu será a mesma da conferida à determinação da competência para ordenar a detenção em geral”.

522 “Motivos de não execução” é a expressão utilizada na versão portuguesa da DQ (“grounds for non-execution”, na inglesa). Todavia, na transposição, a LMDE reaproxi-mou-a da terminologia própria da extradição, falando de “causas de recusa de execução”.

523 A despeito do seu elevado simbolismo, há quem entenda que a derrogação par-cial do controlo da dupla incriminação tem um reduzido impacto prático. Neste sentido, v. André kliP, European Criminal Law, op. cit., p. 367: “The practical infl uence of the aboli-367: “The practical infl uence of the aboli- “The practical infl uence of the aboli-“The practical influence of the aboli-tion of the double criminality requirement is, at this stage, minimal, since the vast majority of offences on the list are in any event criminal offences in all Member States. This is because there is an obligation for the Member States, on the basis of a separate legal in-strument (Convention, Framework Decision, Directive) to criminalize these offences (...).

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para extraditar cidadãos nacionais (cf. os arts. 4.º, n.º 6 e 5.º, n.º 3 DQ), mas a tendência está ainda patente, e.g., na inexistência de causas de recusa como as fundadas na ausência de reciprocidade (mesmo estan-do em jogo a entrega de nacionais524), na natureza discriminatória da perseguição ou repressão penais, na ausência de garantias processuais no Estado de emissão, em razões humanitárias525, na natureza do tribu-nal, na ausência de garantias de respeito do princípio da especialidade por parte do Estado de emissão e na natureza política ou militar da infracção.

2. Os obstáculos à execução

2.1. A Decisão-Quadro prevê vários “motivos de não execução” (“grounds for non-execution”, na sua versão inglesa), que podem ser sistematizados do seguinte modo.

a) Segundo o seu art. 3.º, constituem “motivos de não execução obri-gatória” (“grounds for mandatory non-execution”) as circunstâncias de:

aa) Os factos estarem cobertos por amnistia no Estado de execução (tendo este competência para o respectivo procedimento penal nos ter-mos da sua legislação penal);

bb) A pessoa procurada ter sido definitivamente julgada pelos mesmos fac-tos por um Estado-Membro (na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja em cumprimento, ou já não possa ser cumprida segundo a lei do Estado-Membro de condenação) – ne bis in idem relativamente a decisões de Estados-Membros; e

cc) A pessoa visada ser inimputável em razão da idade, segundo o direi-to do Estado-Membro de execução.

A more cynical viewpoint would be that the list does not eliminate the double criminality requirement. What the list does do is establish a number of offences for which, by defini-tion, this condition is met”. V. também João Pedro Lopes CoSta, «A dupla incriminação no mandado de detenção europeu», em vias de publicação.

524 V. o Ac. STJ de 13-01-2005, processo n.º 04P4738, em <www.dgsi.pt>.525 V., e.g., o Ac. TRG de 21-12-2010, processo n.º 11/10.8YRGMR, em <www.dgsi.

pt>: “Os motivos humanitários decorrentes da situação pessoal da pessoa procurada, no-meadamente da sua situação familiar, profissional ou do seu estado de saúde, não cons-tituem fundamento de recusa do cumprimento do mandado. Quer a Decisão Quadro 2002/584/JAI do Conselho Europeu, de 13 de Junho de 2002, relativa ao Mandado de Detenção Europeu, quer a Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, que a implementou na ordem jurídica nacional, apenas conferem relevância àquelas razões humanitárias para suspender o procedimento de entrega”.

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b) Nos termos do seu art. 4.º, com a epígrafe “motivos de não exe-cução facultativa” (“grounds for optional non-execution”), declara que “[a] autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um mandado” com fundamento numa das seguintes circunstâncias:

aa) Ausência de incriminação no Estado de execução (limitada às in-fracções não abrangidas pelo n.º 2 do art. 2.º DQ, que são isentadas do controlo da dupla incriminação do facto);

bb) Ser movido contra a pessoa procedimento penal no Estado-Membro de execução pelo mesmo facto que determina o mandado de detenção europeu;

cc) O Estado-Membro de execução ter decidido não instaurar processo penal, ou pôr termo a processo já instaurado pelos mesmos factos, ou a pes-soa visada ter sido definitivamente julgada pelos mesmos factos num Estado-Membro (o que obsta ao ulterior exercício da acção penal);

dd) O processo penal ou a pena terem prescrito nos termos da legisla-ção do Estado-Membro de execução (sendo os factos da competência desse Estado-Membro nos termos da sua legislação penal);

ee) A pessoa procurada ter sido definitivamente julgada pelos mesmos fac-tos por um país terceiro (na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja em cumprimento, ou já não possa ser cumprida segundo a lei do país de condenação) – ne bis in idem rela-tivamente a decisões de terceiros Estados;

ff) Tratando-se de mandado para cumprimento de pena, a pessoa visada encontrar-se no Estado de execução, ser sua nacional ou residente e este comprometer-se a executar essa pena;

gg) A infracção, segundo o direito do Estado-Membro de execução, ter sido cometida, no todo ou em parte, no seu território ou em local considerado como tal – territorialidade; e

hh) Tendo o crime sido praticado fora do território do Estado de emissão, o direito do Estado de execução não autorizar o procedimen-to penal por uma infracção idêntica praticada fora do seu território – ausência de jurisdição extraterritorial em identidade de circunstâncias.

c) A DQ prevê ainda outros casos em que a execução pode ser con-dicionada e / ou impedida, como os seguintes:

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aa) Se o mandado se destinar ao cumprimento de sanção imposta por decisão proferida na ausência do arguido e este não tiver sido notificado pessoalmente ou de outro modo informado da data e local da audiência que determinou essa decisão, a ausência de garantias suficientes, por parte do Estado de emissão, de que assegurará à pessoa a possibilidade de interpor um recurso ou de requerer um novo julgamento e de estar presente no julgamento impede a execução do mandado (art. 5.º, n.º 1 DQ)526. O preceito foi alterado pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009527, que, perante a “permanente não execução de mandados por parte dos Estados de execução quando estavam em causa decisões proferidas in absentia”528, veio “precisar”529 o alcance deste obstáculo (e, no fundo, comprimi-lo530).

bb) De modo idêntico, no caso de a infracção ser punível com sanção privativa da liberdade com carácter perpétuo, a execução “pode ficar sujeita à condição de que o Estado-Membro de emissão preveja no seu sistema jurídico uma revisão da pena proferida – a pedido ou, o mais tardar, no prazo de 20 anos – ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado--Membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada” (art. 5.º, n.º 2 DQ).

cc) Tratando-se de mandado para efeitos de procedimento penal, e se a pessoa visada for nacional ou residente do Estado de execução, “a entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa, após ter sido ou-vida, seja devolvida ao Estado-Membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado-Membro de emissão” (art. 5.º, n.º 3 DQ).531

526 Sobre o tema, v. António Luís dos Santos alveS, «Mandado de detenção europeu: julgamento na ausência e garantia de um novo julgamento», RMP 26 103 (2005), p. 65 s.; António Vaz de CaStro, O julgamento in absentia como concordância prática de valores conflituantes: O seu declínio enquanto motivo de recusa de extradição entre os Estados-Membros da União Europeia, 2010, p. 81 s.

527 Que altera as Decisões-Quadro 2002/584/JAI, 2005/214/JAI, 2006/783/JAI, 2008/909/JAI e 2008/947/JAI, reforc a os direitos processuais das pessoas e promove a aplicacão do princípio do reconhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausencia do arguido.

528 António Vaz de CaStro, op. cit., p. 91.529 V. o Considerando 4.530 Como o próprio diploma parece assumir, quando informa, na mesma passagem, que

a finalidade da clarificação do âmbito do obstáculo é “permi tir à autoridade de execucão executar a decisão não obs tante a não compare ncia da pessoa no julgamento” (itálico nosso).

531 Com interesse sobre o tema, v. Nuno Piçarra, «A proibição constitucional de extra-«A proibição constitucional de extra-

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dd) Sob a epígrafe “obrigações internacionais concorrentes”, o art. 21.º DQ, estabelece que a DQ “não prejudica as obrigações do Estado--Membro de execução sempre que a pessoa procurada tenha sido ex-traditada para esse Estado-Membro a partir de um Estado terceiro e esteja protegida por disposições em matéria de especialidade do acordo ao abrigo do qual foi extraditada”, embora o Estado de execução deva “tomar todas as medidas necessárias para solicitar imediatamente o consentimento do Estado de onde a pessoa procurada foi extraditada, por forma a que esta possa ser entregue ao Estado-Membro de emissão”.

ee) Por outro lado, o art. 2.º, n.º 1 DQ estabelece que o mandado “pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado-Membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver sido decre-tada uma pena ou aplicada uma medida de segurança, por sanções de duração não inferior a quatro meses”532, o que significa o acolhimento de um princípio de relevância idêntico ao que está presente na extradição clássica.

ff) Por fim, a DQ conhece limites decorrentes do direito interna-cional e das Constituições dos Estados-Membros. É isso que explica, por exemplo, o regime constante do seu art. 20.º (privilégios e imuni-dades), que não estabelece obstáculos à entrega, mas pressupõe a sua existência.

2.2. A Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, que procedeu à transposição da DQ é, de um modo geral, adequada, mas, em certos aspectos, cria sérios problemas de interpretação, além de conter verdadeiros desvios à DQ533.

ditar nacionais em face da União Europeia», RCEJ 7 (2007), p. 243 s.532 Relativamente ao preceito da LMDE que transpôs este obstáculo, o TRE, em Ac.

de 31-01-2012, processo n.º 179/11.6YREVR, <www.dgsi.pt>, já considerou que “o segmento «sanção aplicada não inferior a 4 meses» deve interpretar-se no sentido de (...) pena aplicada no processo e ainda não cumprida, ou seja, pena cujo cumprimento efectivo se pretende com a utilização do mandado de detenção europeu, e não no sentido de pena proferida no processo, independentemente do tempo que dela restar cumprir”, o que, no caso, levou o tribunal a “recusa[r] o cumprimento de mandado de detenção europeu para cumprimento de 72 dias de prisão remanescente de uma pena de 3 anos e 1 dia de prisão”. Esta interpretação é a mais coerente com o fundamento de proporcionalidade imputado à regra em análise e identifica plenamente, neste aspecto, a LMDE com a LCJ – cf. supra, na Parte I, § 3, o ponto 2.8.

533 Pedro Caeiro / Sónia Fidalgo, «The Portuguese experience of mutual recognition in criminal matters: five years of European Arrest Warrant», 2009, p. 447 s.

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As deformidades vão do mero lapsus calami (cf. o art. 12.º, n.º 1, al. f) LMDE com o art. 4.º, n.º 5 DQ) à atribuição de natureza facultativa à recusa fundada em circunstâncias que, independentemente do âmbito que se lhes conferisse, apenas poderiam ser concebidas como obstácu-los de natureza obrigatória, como a regra da dupla incriminação (nos casos em que subsiste)534.

Por outro lado, o diploma interno incorpora os obstáculos constitu-cionais não derrogados pela cláusula europeia prevista no n.º 5 do art. 33.º CRP, e que não conheciam norma equivalente na DQ, vedando a entrega por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, se-gundo o direito do Estado de emissão, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade da pessoa535.

3. Dedere aut judicare?3.1. À semelhança do que acontece no direito internacional con-

vencional, o modelo de análise usado com a LCJ é aplicável à LMDE: prevêem-se aí causas de recusa que vedam a execução do mandado e são acompanhadas da impossibilidade de exercício de ius puniendi (nec dedere nec judicare), outras que apenas impedem extradição, ocasionando uma subsequente actuação penal supletiva (dedere aut judicare em sentido amplo) e uma faculdade de exercer o ius puniendi sobre os factos em detrimento de executar o mandado (dedere aut judicare em sentido estri-

534 Cf. Luís Silva Pereira, «Alguns Aspectos da Implementação do Regime relativo ao Mandado de Detenção Europeu», RMP 24 (2003), p. 59 s., e idem, «Contributo para uma interpretação dos artigos 12.º, n.º 1. al. g) e 13.º, al. c) da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto», RCEJ 7 (2007), p. 265 s.; Pedro Caeiro / Sónia Fidalgo, op. cit., p. 448 s., expondo que do art. 4.º DQ (grounds for optional non-execution) decorre para os Estados-Membros a possibili-Estados-Membros a possibili-dade de decidirem “whether or not, and under which circumstances, those grounds should lead to non-execution” e “whether such non-execution should be imposed by the law, binding for the courts, or left to judicial discretion” (p. 453), mas já não um dever de, no caso de optarem pela incorporação de obstáculos, conferirem natureza facultativa à recusa neles fundada. No mesmo sentido, v. Rob Blekxtoon, «Commentary on an Article By Article Basis», 2005, p. 234, afirmando que “there is no reason in the text to uphold such point of view, and moreover is far better that the legislators should make the choice rather than the judicial authorities in individual cases because it prevents the personal views of magistrates from playing a role in such important matters”. De facto, foi essa a abordagem da maioria dos legisladores nacionais, como o holandês, que concebeu como obrigatórios todos os motivos de não execução facultativa (optional) que transpôs – o oposto do que fez o legislador português (entre outros, como o espanhol), que previu como facultativos todos os motivos de não execução facultativa (optional) transpostos. Aparentemente, em sentido diverso, v., porém, Inês godinho, «O mandado de detenção europeu e a “Nova Criminalidade”: a definição da definição ou o pleonasmo do sentido», Politeia 2 (2005), p. 137, afirmando que “os motivos facultativos não podem ser transformados em obrigató-rios” e que essa “opção po[de] não ser admitida pela DQ”. Com interesse sobre a questão, v. também João Pedro Lopes CoSta, op. cit.

535 Cf. os arts. 33.º, n.º 6 CRP e 11.º, als. d) e e) LMDE.

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to). Quanto ao âmbito da jurisdição judicativa do Estado requerido, ele mantém-se, também neste contexto, inalterado.

3.2. Não obstante, há entre a LCJ e a LMDE várias diferenças rele-vantes para a nossa questão, pelo que a determinação do exacto recorte das decisões dedere aut judicare no âmbito da LMDE nunca dispensará uma análise específica de cada uma das causas de recusa aí previstas. O registo sintético aqui adoptado não permite fazê-lo, mas podem firmar--se algumas ideias essenciais.

a) A primeira, já assinalada e exemplificada a partir da DQ536, é que a regra é a compressão da margem de recusa proporcionada pela LMDE, compa-rativamente com a proporcionada pela LCJ.

Além de outros factores já mencionados, contribuem para a com-pressão as causas de recusa “territorialidade dos factos” e “naciona-lidade do extraditando”, que são comuns à LCJ, mas bastante mais flexíveis no arranjo da LMDE – desde logo, porque têm aí carácter facultativo537-538.

536 V. supra, o ponto 1.2.537 Independentemente das diferenças inerentes às duas esferas de cooperação, a con-

figuração – na LMDE – da territorialidade dos factos como causa de recusa facultativa (art. 12.º, n.º 1, al. h), sub-al. i)) é uma solução largamente preferível à acolhida na LCJ, pois, como então vimos, é possível que o Estado requerente também seja territorialmente com-petente, caso em que a obrigatoriedade da recusa pode frustrar o próprio princípio da ter-ritorialidade – cf. supra, na Parte I, § 2, o ponto 3.2.1. Exemplos da margem de ponderação de que o decisor dispõe no contexto da primeira estão patentes na jurisprudência portu-guesa relativa ao MDE. Assim, o Ac. STJ de 30-09-2010, processo n.º 75/10.4YRLSB.S1, em <www.dgsi.pt>, decidiu executar um mandado relativo a factos parcialmente praticados em Portugal, por considerar que: “Se o núcleo essencial dos factos foi praticado em Espa-nha, correndo lá o processo respectivo, onde foi interceptado o requerido pelas autori-dades policiais espanholas, onde foi apreendida a mercadoria transportada na furgonete, como explosivos e armas e material para chapas de matrícula, a qual era conduzida pelo re-querido, sendo em Espanha que se encontra sedeada a organização terrorista a que alegad-amente pertencerá o procurado, sendo o território espanhol o eleito para as suas alegadas actividades terroristas, onde terão sido feitas as falsificações, convirá proceder a instrução e julgamento conjunto, onde se pondere a actividade imputada em toda a sua amplitude, de forma a ter uma panorâmica geral da conduta desenvolvida pelo requerido, a permitir um julgamento que tenha em consideração o pleno de todas essas condutas, a imagem global do facto, evitando-se procedimentos penais múltiplos e sobrepostos com todos os inconvenientes que daí normalmente advêm.” De modo idêntico, o Ac. STJ de 15-09-2011, processo n.º 92/11.7YRPRT.S1, em <www.dgsi.pt>, considerou que: “Estando o crime a ser investigado em França, este é o país que se posiciona em melhores condições para con-hecer de toda a actividade criminosa e para proceder ao julgamento do conjunto dos factos, independentemente do lugar em que tenho tido lugar cada uma das parcelas da actividade criminosa ou em que tenha actuado cada um dos respectivos agentes. Mesmo havendo possibilidade de o lugar da prática do facto poder ser também em Portugal, a circunstância de a França se posicionar igualmente como lugar da prática do facto, não justifica o uso da recusa facultativa com fundamento no disposto na al. h), segmento i), do n.º 1 do art. 12.°”.

538 Para alguns AA., a derrogação da regra tradicional da não extradição de nacionais “que-

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Tese de Mestrado

Trata-se dos obstáculos que mais influem no recorte da decisão dedere aut judicare em sentido estrito (excluindo, naturalmente, aquele que estabelece a própria faculdade de recusa que tal decisão pressu-põe539), pois também designam conexões de aplicabilidade (sic et simpli-citer judicare)540. No caso da territorialidade, a influência tem ainda uma acentuada dimensão prática, pois trata-se, como é sabido, da regra de aplicabilidade que gera mais pedidos de entrega.

Esta compressão tem como consequência o alargamento relativo do âmbito da decisão dedere aut judicare em sentido estrito541.

b) A segunda ideia é que, em desvio à regra anterior, a LMDE con-tém obstáculos que são desconhecidos da LCJ.

Referimo-nos às seguintes circunstâncias:

aa) À inimputabilidade em razão da idade (segundo a lei portuguesa), prevista como causa de recusa obrigatória na al. c) do art. 11.º542, e que produz um caso nec dedere nec judicare, em sentido técnico, embora não impeça a realização de um processo tutelar educativo543.

bb) À residência da pessoa em Portugal, que pode obstar à execução do mandado nas condições fixadas nos arts. 12.º, n.º 1, al. g) e 13.º, al. c), mas que admite uma actuação penal supletiva do Estado português sobre os factos na sequência da recusa, em concretização do princípio aut dedere aut judicare.

cc) À ausência de garantias suficientes, por parte do Estado de emis-são, de que assegurará à pessoa a possibilidade de interpor um recurso ou de requerer um novo julgamento e de estar presente no julgamento,

bra” ou “pelo menos enfraquece (...) um laço entre Portugal e os seus nacionais” – Carlota Pizarro de almeida, «A Cooperação Judiciária Internacional», 2004, p. 405. Já antes do MDE Portugal se vinculara a convenções internacionais – sobretudo, no contexto europeu – que permitiam extraditar nacionais. A possibilidade fora introduzida no art. 33.º, n.º 3 CRP, nas condições aí previstas, que, todavia, não se aplicam à execução de um MDE, dada a cláusula europeia prevista no n.º 5 do mesmo preceito. Isso significa que o regime do MDE acentuou significativamente aquela derrogação.

539 E que é, no caso, essencialmente, o previsto no art. 12.º, n.º 1, al. b) LMDE. Mas v. melhor infra, o ponto 3.3.

540 Embora possam ocorrer desfasamentos, pois a conexão de aplicabilidade refere-se ao momento da prática dos factos, e as causas de recusa ao da decisão sobre a entrega – mais desenvolvidamente, v. supra, na Parte I, o ponto 3.2.2.b) do § 2 e o ponto 2.14 do § 3.

541 Cf. respectivamente, os arts. 12.º, n.º 1, al. h), sub-al. i) e art. 12.º, n.º 1, al. g).542 Mas v. supra, na Parte I, § 3, o ponto 2.16.543 Mas v. o art. 5.º Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro (Lei Tutelar Educativa), esta-Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro (Lei Tutelar Educativa), esta-, esta-

belecendo que a execução de medidas tutelares cessa obrigatoriamente quando o jovem completa 21 anos.

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nos casos em que o mandado se destinar ao cumprimento de sanção imposta por decisão proferida na ausência do arguido e este não tiver sido notificado pessoalmente ou de outro modo informado da data e local da audiência que determinou essa decisão (art. 13.º, al. a)).

Refira-se que, embora a aludida Decisão-Quadro 2009/299/JAI544 não tenha sido transposta para o ordenamento jurídico português545, o que deveria ter acontecido até 28 de Março de 2011546, o STJ já alertou que ela entrou em vigor nessa data, e que, “mesmo inexistindo norma interna, há uma obrigação do tribunal nacional de interpretação à luz do teor e finalidade da decisão quadro, tendo como limite o respeito pelos princípios gerais de direito do Estado Membro em causa”547.

Em todo o caso, o que importa aqui salientar é que, nas situações que aqui estão em causa, não se perfila qualquer entrave a uma ac-tuação repressiva do Estado português subsequente à recusa, pois a circunstância de uma pessoa ter sido julgada in absentia não justifica a sua impunidade.

c) A terceira e última ideia é a de que, de um modo geral, os obs-táculos “comuns” (ainda que com configurações diferentes) à LCJ e à LMDE não apresentam, na segunda, peculiaridades de relevo no que respeita às decisões dedere aut judicare.

Assim, por exemplo, a ausência de dupla incriminação, nos casos em que obsta à execução do mandado548, é acompanhada da impossi-bilidade de exercício ulterior de ius puniendi sobre os factos, o mesmo podendo dizer-se das causas de recusa relacionadas com a extinção da responsabilidade penal e o princípio ne bis in idem549, ou da ausência de jurisdição extraterritorial em identidade de circunstâncias550.

De modo idêntico – e também a título de exemplo –, a perseguição por motivos políticos e a aplicabilidade de pena de morte ou outra de

544 Cf. supra, o ponto 2.1.c)aa).545 Cf. <http://www.ejnforum.eu/status_table.php?instrument=1370>, consultado

pela última vez em 01-03-2014.546 Cf. o seu art. 8.º, n.º 1.547 Ac. STJ de 10-11-2011, processo n.º 763/11.8YRLSB.S1, em <www.dgsi.pt>.548 Cf. os arts. 2.º e 12.º, n.º 1, al. a).549 Cf. os arts. 11.º, als. a) e b) e 12.º, als. c), d), e) e f). Sobre o tema, v. Luís Silva Pe-

reira / Teresa Alves martinS, «O princípio ne bis in idem e os conflitos internacionais de jurisdição», RCEJ 7 (2007), p. 313 s.; Vânia Costa ramoS, Ne bis in idem e União Europeia, 2009; idem, «Ne bis in idem e Mandado de Detenção Europeu. Comentário ao Caso Ga-etano Mantello (Acórdão do Tribunal de Justiça, de 16.11.2010, Processo n.º C261/09)», RMP 127 (2011) p. 271 s.

550 Cf. o art. 12.º, al. h), sub-al.ii).

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que resulte lesão irreversível da integridade da pessoa, que obstam à execução do mandado, admitem uma actuação penal supletiva no se-guimento da recusa.

3.3. As causas de recusa de execução que fazem emergir, no contex-to da LMDE, a decisão dedere aut judicare em sentido são a da territoriali-dade, já referida – que atrai a esta decisão os casos em que Portugal tem jurisdição territorial –, e a que consta do art. 12.º, n.º 1, al. b)551, segun-do o qual pode ser recusada a execução quando “[e]stiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu”552. Comecemos pela segunda.

Um confronto com a letra do preceito correspondente da LCJ (o art. 18.º, n.º 1) parece expor uma diferença: a limitação da faculdade de recusa aos casos de pendência de processo e sua exclusão nos de mera

551 Mas v. ainda infra, o ponto 3.4.b)cc), onde se imputa ao art. 12.º, n.º 1, al. g) LMDE (relativo, inter alia, à nacionalidade), num dado conjunto de situações, um carácter co-cons-titutivo dessa decisão.

552 Sobre a questão da “mesmidade dos factos”, tem grande interesse o Ac. STJ de 28-05-2009, processo n.º 1009/09.4YRLSB.S1, de que transcrevemos parte, apud António Pires Henriques da graça, A Jurisprudencia do Supremo Tribunal de Justica na execucão do regime relativo ao Mandado de Detencão Europeu, acedido pela última vez em 18-02-2014): “Dedu-: “Dedu-Dedu-zindo oposição, o recorrente invoca (…) a al. b) do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/2003, de 23-08, a qual admite que se recuse facultativamente a execução do mandado se ‘Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que mo-tiva a emissão de mandado de detenção europeu’. Cumpre ver, se ‘o facto’ em investigação no processo dos Serviços do MP dessa comarca (Proc. de Inquérito n.º...), ‘é o mesmo’ que foi invocado como fundamento do MDE. Isto, obviamente, para efeitos daquele normati-vo. Antes do mais, poder-se-ia pensar que o conceito de ‘facto’ a eleger aqui, teria que ser equivalente ao que se utiliza, numa dimensão processual, para efeitos de configuração do objecto do processo, e, sobretudo, numa perspectiva dinâmica, para se apurar da alteração desse objecto num mesmo processo. Importa, porém, ter em conta, que esta última proble-mática obedece a interesses que, em matéria de cooperação penal internacional, por via de MDE, estão ausentes ou se não perfilam do mesmo modo. Ali respeita-se uma incidência do acusatório pensando nos interesses da defesa. Aqui, atende-se em primeiro lugar à pro-moção da cooperação, mas conjugada com a manutenção de, pelo menos, o núcleo duro da soberania dos Estados ao nível do ius puniendi, com a eleição do Estado melhor colocado para proceder à reconstituição dos factos, e em certos casos, do julgamento, com vantagens em matéria de economia de meios, e tendo sobretudo em conta o respeito pelo princípio do non bis in idem. Ora, ‘o facto’ fundamento do MDE não é o mesmo do do processo pendente entre nós: estão ali em causa crimes de burla e apropriação indevida cometidos em Espanha e, aqui, investiga-se, numa fase ainda incipiente, a ponto de se não justificar a aplicação de qualquer medida de coacção, um crime de falsificação. Para que o acórdão recorrido pudesse recusar (facultativamente) a execução do MDE, teria que justificar tal recusa com a mesmeidade de factos. Ora isso não é possível, porque não se coligiu (nem o recorrente aduziu), qualquer elemento que o inculcasse”.

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possibilidade ou dever de instaurar processo553. Além disso, a jurispru-dência portuguesa vem reiterando que as normas da LMDE devem ser interpretadas tendo em conta as obrigações decorrentes do reconheci-mento mútuo554, o que parece vedar a possibilidade (que se debatia no contexto da Convenção de Europeia de Extradição de 1957) de se ins-taurar o processo após a recepção do pedido a fim de o recusar, então, com base em pendência – uma conduta dificilmente compatível com o “elevado grau de confiança entre os Estados-Membros” propalado no Considerando 10 da DQ. Ainda em abono da ideia, pode alegar-se que a limitação da faculdade de recusa aos casos de pendência de proces-so favorece o princípio da territorialidade (pois em regra o Estado da emissão é o do locus delicti) e que isso teria sido uma orientação legítima do legislador europeu, para além de que somente nesse caso parece ser tocado o princípio ne bis in idem555.

Simplesmente, a exclusão dos casos de possibilidade ou dever de instaurar de processo proporcionaria situações absurdas quando o Estado de emissão (também) ostentasse um título extraterritorial: o Estado português teria de executar o mandado apenas, no fundo, por ter sido menos lesto a instaurar o processo, quando é possível que a sua pretensão punitiva seja idêntica à do Estado de execução, ou até mais intensa do que ela, e / ou que todos os restantes factores de ponderação aconselhassem o exercício do ius puniendi em detrimento da entrega. Com efeito, nestes casos, o dever ou a possibilidade de ins-taurar processo reconduzem-se materialmente à reserva de soberania cuja persistência não deixa de ser reconhecida pela mesma jurisprudência que destaca as implicações do reconhecimento mútuo556. Nesta linha, repare-se no Acórdão do STJ de 27-04-2006557, que, depois de afirmar que as causas de recusa facultativa constantes do art. 12.º, n.º 1 LMDE “têm, quase todas, um fundamento ainda ligado, mais ou menos inten-

553 Note-se que a al. c) do art. 12.º, n.º 1 LMDE prevê como obstáculo, inter alia, a circunstância de, sendo os factos do conhecimento do MP, não ter sido instaurado o respectivo processo, mas a hipótese não pretende abranger os factos relativamente aos quais exista possibilidade ou dever de instaurar processo (na acepção que eles têm naquela norma da LCJ), mas sim factos insusceptíveis de conduzirem à abertura de um inquérito, como se retira de modo mais directo da letra do art. 4.º, n.º 3 da DQ: “Quando as autorida-des judiciárias do Estado-Membro de execução tiverem decidido não instaurar procedimento criminal (...)”.

554 Cf. Pedro Caeiro / Sónia Fidalgo, op. cit., p. 457, com referências jurisprudenciais.555 Cf. o Ac. STJ de 28-05-2009, cit. 3 n. atrás.556 Ibidem.557 Processo n.º 06P1429, em <www.dgsi.pt>.

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samente, à soberania penal” – de que o exercício do ius puniendi cons-titui vertente fundamental –, usa como exemplo a prevista na al. b), referindo-se-lhe como “competência material do Estado Português para procedimento pelos factos que estejam em causa”558. A expressão evi-dencia a circunstância – já nossa conhecida, e, desta perspectiva, muito relevante – de que tanto a pendência de processo como o dever ou a possibilidade de instaurar processo radicam numa pretensão punitiva já existente no momento de decidir sobre a execução do mandado559. Na mesma linha, destaque-se ainda o Acórdão do STJ de 15-03-2006560, tratando de modo indiferenciado as hipóteses pendência de processo (al. b)) e territorialidade dos factos (al. h), sub-al. i)) no que respeita ao seu funda-mento material, ao afirmar que tanto uma como outra permitem que o Estado recuse a entrega “movido por razões que entroncam na afir-mação do primado do seu sistema de justiça penal”. E todavia, segun-do a interpretação literal que contestamos, somente a segunda poderia considerar-se preenchida na ausência de materialização da pretensão punitiva num processo penal.

Por conseguinte, a al. b) do n.º 1 do art. 12.º LMDE deve ser inter-pretada extensivamente, de modo a incluir o dever ou a possibilidade de instauração de processo, no caso de pedidos fundados numa preten-são extraterritorial, solução que parece ser a mais conforme com a DQ561, que prevê que pode haver recusa quando contra a pessoa sobre quem recai o mandado “for movido” procedimento penal no Estado-Mem-bro de execução562. Além disso, ela não conflitua com os objectivos fundamentais do “espaço de liberdade, de segurança e de justiça”, pois a recusa, neste caso, não abre qualquer lacuna de punibilidade – bem pelo contrário, já que a sua razão de ser é um intuito punitivo. Avulta aqui a circunstância – já assinalada no contexto da LCJ – de a decisão dedere aut judicare em sentido estrito, materialmente, se aproximar mui-to mais de um mecanismo de administração da justiça penal do que propriamente de um obstáculo. Em consequência, não se verificam di-ferenças significativas entre a LCJ e a LMDE no que respeita à causa de recusa que faz emergir a opção dedere aut judicare em sentido estrito.

558 Itálico nosso.559 V. supra, na Parte I, § 4, o ponto 1, et passim.560 Processo n.º 06P782, em <www.dgsi.pt>.561 Sobre o princípio da interpretação conforme, v. o Ac. TJCE (Grande Secção) de

16-06-2005, no processo C-105/03 (“caso Pupino”), em <www.curia.europa.eu>.562 Também a versão inglesa – “is being prosecuted” – admite o tempo futuro.

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A interpretação defendida parece fazer com que a norma absorva a causa de recusa “territorialidade dos factos”, prevista na al. h), sub--al. i)563. Porém, a previsão da territorialidade como obstáculo, tanto na DQ como na LMDE, pode explicar-se pela força da tradição, além de que a primeira não impunha à segunda ambos os obstáculos (que eram, como vimos, de transposição opcional), o que quer dizer que a sobre-posição, no plano interno, não era necessária. De todo o modo, não é inevitável que a norma fique esvaziada, se considerarmos que ela visou intensificar, comparativamente com o que ocorre na al. b), a margem para recusa. Nestes termos, quando a pretensão punitiva do Estado português for extraterritorial, a recusa só será possível se o Estado de emissão não for o do locus delicti – situação que é, de resto, a única a que se defendeu dever estender-se a hipótese da al. b). Já quando os factos tiverem sido cometidos, no todo ou em parte, em território português, a execução pode ser sempre recusada – sc., mesmo que o Estado de emissão também tenha jurisdição territorial.

3.4. Resta abordar a temática dos critérios da decisão dedere aut judica-re em sentido estrito no âmbito do mandado de detenção europeu.

a) O princípio da interpretação conforme, já aqui tangenciado, tem sido frequentemente invocado pela mais elevada jurisprudência portugue-sa em relação às normas da LMDE e, em particular, às que prevêem causas de recusa facultativa de execução. É o que acontece, no fundo, quando o STJ afirma, por exemplo, que: “O mandado de detenção europeu constitui, com a sua regulamentação jurídica, o instrumento ope-rativo que, em aplicação do princípio do reconhecimento mútuo em matéria penal, substitui nas relações entre os Estados membros «todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição». É, pois, no círculo de delimitaçao material das finalidades do novo e específico instrumento de cooperação no espaço da União que há-de ser interpretado o respectivo regime e cada uma das particularidades que apresente. (...) É neste en-quadramento que têm de ser interpretadas as disposições sobre causas de não execução, e especificamente as causas de recusa facultativa de execução”564.

Contudo, como vimos565, a mesma jurisprudência reconhece a exis-

563 Note-se que uma parte da sobreposição – sc., a hipótese de processo pendente por factos territoriais – não se deve à nossa interpretação.

564 Ac. STJ de 27-04-2006, processo n.º 06P1429, cit.565 Supra, no ponto 3.3.

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tência de um “binómio”, em que os interesses do “espaço único” se conjugam com a “soberania estadual”566, de cuja persistência são, de-cididamente, consideradas exemplo as causas de recusa previstas nas als. b) e h), sub-al. i), do n.º 1 do art. 12.º LMDE567. Por outro lado, um olhar mais distanciado das implicações do reconhecimento mútuo – que constitui, meramente, um meio –, evidencia que a recusa da exe-cução de um MDE a fim de exercer o ius puniendi próprio sobre os mes-mos factos não colide com o “objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça”568, antes constitui uma forma possível de o promover569.

Assim, nesta causa de recusa, e ao contrário do que porventura acontece com outras, o carácter “europeu” deste instrumento jurídico não pressupõe que a interpretação propenda para a entrega. Noutros termos: se estão em causa factos que também violaram o ordenamento jurídico-penal do Estado de execução e este pretende e tem condições para os reprimir penalmente, nada justifica que o Estado de emissão se apresente aqui na posição dominante que tende a admitir-se noutros aspectos deste instituto.

Neste sentido, os eixos, ou os termos fundamentais da decisão dedere aut judicare em sentido estrito que tem lugar no quadro da LMDE são idênticos aos daquela que tem lugar no da LCJ.

b) Quanto aos seus critérios, propriamente ditos, as diferenças em relação à LCJ também não abundam, mas existem.

Tal como a LCJ, a LMDE é omissa sobre esta matéria. Como se refere no Acórdão do STJ de 10-09-2009570, com muito interesse para a situação, e num registo geral que seria aplicável, com adaptações, à própria LCJ: “A decisão de recusa da execução constitui faculdade do Estado da execução; o estabelecimento de critérios não releva da na-tureza dos compromissos, mas do espaço de livre decisão interna em função da reserva de soberania implicada na referida causa de recusa facultativa de execução. Fixando a lei causa de recusa deixada à facul-

566 Ac. STJ de 27-04-2006, processo n.º 06P1429, cit.567 Cf. o Ac. STJ de 15-03-2006, processo n.º 06P782, cit.568 Ac. STJ de 27-04-2006, processo n.º 06P1429, cit.569 A ideia também já foi salientada supra, no ponto 3.3.570 Processo n.º 134/09.6YREVR, em <www.dgsi.pt>. A explanação é feita no contex-

to da causa de recusa prevista na al. g) do n.º 1 do art. 12.º, mas é aplicável à decisão dedere aut judicare em sentido estrito, que decorre igualmente de uma causa de recusa facultativa, e de uma causa de recusa para cujo exercício também não se prevêem critérios. Sobre a al. g), em todo o caso, v. ainda infra, no texto.

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dade do Estado de execução, o plano da lei só se completará com o estabelecimento de critérios que permitam integrar a função da norma, com base em princípios que se não remetam a discricionariedade ou oportunidade simples sem suporte. Não estando fixados tais critérios, manifesta-se uma incompletude contrária a um plano que se traduz numa lacuna, que o juiz deve integrar segundo os critérios injuntivos para a integração de lacunas definidos no art. 10.º CC, seja por recurso a casos análogos, seja por apelo a princípios operativos compreendi-dos na unidade do sistema. Haverá que integrar a lacuna resultante da omissão legislativa, enunciando os fundamentos, motivos e critérios que, na perspectiva das valorações inerentes imponham ou justifiquem a execução ou, diversamente, a recusa de execução, seja por motivos de política criminal, de eficácia projectiva sobre o melhor exercício, de ponderação com outros valores, ou da realização de direitos ou de inte-resses relevantes que ao Estado da execução cumpra garantir”.

aa) A LMDE, também à semelhança da LCJ, contém um preceito destinado a regular a hipótese de concurso de pedidos – o art. 23.º –, ao qual pode aqui recorrer-se em termos idênticos aos ali usados571.

Porém, ele é bastante menos pródigo do que o seu correspondente572. Dos quatro critérios que oferece, dois não se aplicam: a gravidade

relativa das infracções (n.º 1, al. a)), pois na nossa hipótese os factos são os mesmos573; e as datas dos mandados (n.º 1, al. c)), pois na nossa hipótese só há um mandado (o Estado que concorre com o da emissão é o que tem a custódia do agente).

Dos outros dois: um – o lugar da prática dos factos (n.º 1, al. b)) –, decorria já de outros referentes interpretativos, embora tenha a vanta-gem de mostrar a relevância do título jurisdicional em cenários de conflito de jurisdição; o outro – a circunstância de o mandado ter sido emitido para efeitos de processo ou de cumprimento de sanção (n.º 1, al. d)) – peca por vaguidade, mas, por isso mesmo, acaba por ter o mérito de tocar os outros dois polos de interesses referidos: a boa administração da justiça (no sentido de que apela decerto a elementos como o grau de evolução do processo numa e noutra jurisdições) e, porventura, a rein-

571 Parte I, § 4, ponto 6.3.2.572 Refira-se, contudo, que ele tem um carácter aberto (permitindo a ponderação de

“todas as circunstâncias”), à semelhança do que acontece com o preceito da LCJ.573 Embora seja possível, em termos idênticos aos da LCJ, que a qualificação jurídica

dos factos num e noutro ordenamentos jurídico-penais tenham algum relevo: v., na Parte I, § 4, o ponto 6.3.2.a)ee).

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tegração do indivíduo (se se considerar que a referência a “cumprimento de sanção” permite sopesar a aptidão de uma e outra jurisdições para promoverem a ressocialização do indivíduo574).

Por outro lado, o art. 23.º LMDE, que transpõe o art. 16.º DQ, pre-vê no seu n.º 2 a faculdade de os EM solicitarem parecer à Eurojust para efeitos da tomada da decisão sobre o concurso de pedidos de entrega. A disposição aplica-se analogicamente à hipótese dedere aut judicare em sentido estrito, já que esta também pressupõe um conflito de jurisdição entre EM575, com a simples particularidade – que, para o efeito, é irrele-vante – de que um dos Estados tem a custódia do indivíduo. A solução é a que melhor se compagina com a Decisão do Conselho que criou a Eurojust576, cujo art. 3.º, n.º 1, al. a) insta a “te[r] em conta todo e qual-“te[r] em conta todo e qual-quer pedido proveniente de uma autoridade competente de um EM”. A Eurojust, aliás, tem competência para pedir a um Estado-Membro que abdique do procedimento penal em favor de outro que considere estar em melhor posição para instaurar o respectivo procedimento pe-nal577 e, de resto, já se manifestou “disponível para dar o seu parecer” sobre conflitos de jurisdição entre Estados-Membros578. Em qualquer caso, a intervenção da Eurojust não parece revestir carácter vinculativo para as autoridades nacionais: o art. 85.º, n.º 1, al. c) TFUE prevê que as funções da Eurojust “podem incluir (...) a resolucão de conflitos de

574 Mas v. infra, no texto, considerações mais definitivas sobre a questão da relevância da ressocialização como critério da decisão dedere aut judicare em sentido estrito.

575 Situação que é vista, em qualquer caso, como indesejável: cf. o Considerando 3, et passim, da Decisão-Quadro 2009/948/JAI do Conselho, de 30 de Novembro de 2009, rela-tiva à prevencão e resoluc ão de conflitos de exercício de compete ncia em processo penal. Sobre este diploma, v. mais infra, em rodapé.

576 Decisão do Conselho (2002/187/JAI), de 28 de Fevereiro de 2002. Cf. ainda a Lei n.º 36/2003, de 22 de Agosto, que estabelece normas de execução desta decisão e regula o estatuto e as competências do membro português da Eurojust.

577 Cf. os seus arts. 6.º, al. a), sub-al. ii) e 7.º, al. a), sub-al. ii).578 Nas «Orientações para a tomada de decisão sobre “como decidir em que jurisdição

deve ser exercida a acção penal?”» (v. em seguida no texto), p. 62. Com efeito, declara-se aí que: “A Eurojust espera que casos desta natureza, particularmente os casos em que os re-presentantes das respectivas jurisdições não consigam chegar a acordo quanto à jurisdição com competencia para instaurar o procedimento penal, lhe sejam comunicados de modo a poder prestar assistência. A Eurojust está disponível para dar o seu parecer e para facilitar tais reuniões. Se solicitados, os membros nacionais competentes da Eurojust terão todo o gosto em participar nestes debates. A Eurojust encoraja vivamente todas as autoridades competentes a levarem em consideração o facto de poderem comunicar este tipo de casos de molde a que lhes possa ser prestada assistência”.

Sobre os conflitos de jurisdição no espaço da UE, v. Pedro Caeiro, “Jurisdiction in criminal matters in the EU: negative and positive conflicts, and beyond”, KritV 93 (2010), p. 366 s.

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jurisdicão”; no entanto, da Decisão que cria a Eurojust resulta que a in-tervenção deste órgão nestas matérias reveste a forma de apresentação de “pedido fundamentado” às autoridades competentes dos Estados--Membros em causa (cf. os arts. 6.º, n.º 1, al. a), subal. ii) e 7.º, n.º 1, al. a), subal. ii)). A leitura segundo a qual aquela intervenção tem carác-ter meramente indicativo é também a mais consentânea com o facto de a sua solicitação por parte dos EM ser facultativa (cf. o art. 16.º, n.º 2 DQ). Deste modo, e em conclusão, nunca há uma transferência da competência para tomar a decisão dedere aut judicare em sentido es-trito; ela permanece sempre com as autoridades nacionais, ainda que o conteúdo desta decisão seja influenciado por uma intervenção da Eurojust.579

bb) Independentemente disso, podem sempre constituir uma refe-rência para o juiz nacional as «Orientações para a tomada de decisão sobre “como decidir em que jurisdição deve ser exercida a acção pe-nal?”» (adiante, Orientações), elaboradas pela Eurojust e publicadas em anexo ao seu Relatório Anual de 2003580, numa altura em que terminava o prazo para transposição da DQ pelos Estados-Membros581.

579 Por outro lado, em concretização do Programa de Haia, a Decisão-Quadro 2009/948/JAI do Conselho, de 30 de Novembro de 2009, relativa à prevenção e resolu-ção de conflitos de exercício de compete ncia em processo penal, introduz, inter alia, uma “obrigação de estabelecer contacto” com outros EM sempre que se tenha razões fundadas para crer que aí corre um processo penal paralelo (arts. 5.º s.) e, sempre que a situação de facto se verificar, uma “obrigação de efectuar consultas directas” (arts. 10.º s.) com vista a “atingir um consenso” (art. 11.º). O diploma “completa e não prejudica a Decisão Euro-just” (art. 12.º, n.º 1), pelo que, “[c]aso não tenha sido possível chegar a um consenso em conformidade com o artigo 10.º, o caso é submetido, se necessário, à Eurojust por qual-quer das autoridades competentes dos Estados-Membros em causa, desde que a Eurojust tenha com petência para o efeito nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Decisão Eurojust”.

A Decisão-Quadro não foi transposta para o ordenamento jurídico português (cf. <http://www.ejnforum.eu/status_table.php?instrument=1370>, acedido pela última vez em 01-03-2014). Em qualquer caso, os resultados dos expedientes aí preconizados não vinculam as autoridades nacionais quanto ao conteúdo da decisão a tomar. Neste sentido, v. André kliP, European Criminal Law..., op. cit., p. 407, afirmando que a Decisão-Quadro “does not require anything more than consultation. Member States remain free to continue criminal proceedings for any criminal offence that falls under their jurisdiction”, e, talvez nesse sentido, caracterizando-a como “a first but hesitant attempt towards a more general approach”. Deste modo, os eixos da decisão de dedere aut judicare em sentido estrito perma-necem inalterados.

580 Em: <http://eurojust.europa.eu/doclibrary/corporate/eurojust%20Annual%20Reports/Annual%20Report%202003/Annual-Report-2003-PT.pdf>, p. 60 s.

581 As Orientações parecem arrogar-se carácter vinculativo para as instâncias nacionais, quando declaram que estas “deverão aplicar os seguintes critérios orientadores no mo-mento da tomada das suas respectivas decisões”. Porém – e mais ainda do que na situação descrita acima, no texto –, não se encontra base normativa que permita reconhecer essa

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Analisamo-las na alínea que segue.

c) As Orientações começam por afirmar que “[c]ada caso é um caso e, por conseguinte, qualquer decisão tomada sobre qual jurisdição está em melhor posição para instaurar o procedimento penal deve funda-mentar-se nos factos e nos méritos de cada caso. Todos os factores que forem tidos como relevantes devem ser tomados em consideração”. Isto reitera a vigência, (também) neste domínio, de um princípio de inde-terminação dos critérios relevantes.

A generalidade dos factores então arrolados – exemplificativamente – reconduz-se a dois dos conjuntos identificados no contexto da LCJ e já aqui referidos.

aa) Desde logo, à pretensão punitiva: atribui-se primazia à jurisdição em que ocorreu “a maior parte da actividade criminosa” ou em que foi produzida “a maior parte dos danos”582.

Note-se que, apesar da subsidiariedade do CPP em relação à LMDE, não têm aplicação na resolução de conflitos territoriais os critérios re-lativos à competência territorial previstos nos arts. 19.º s. do primeiro diploma, vocacionados para solucionar conflitos, não entre jurisdições diferentes, mas entre diferentes comarcas de uma mesma jurisdição. No entanto, nada impede que sejam usados indicativamente583.

bb) Depois, a boa administração da justiça penal: referem-se factores como a disponibilidade de meios de prova (e.g., a possibilidade de com-parência ou de realização de depoimento à distância por parte das tes-temunhas), ou os prazos previsíveis para a conclusão do processo, bem como inusitadas referências à “probabilidade de efectiva condenação”, ao “potencial resultado de cada caso” e à “existência de crimes e penas adequados”, que reflectem a vocação estratégica da Eurojust.

Fala-se ainda da “questão” da “responsabilidade de alegados argui-dos”, o que pode ler-se como uma referência ao número de arguidos

força ao conjunto de directrizes inserido num Relatório Anual do órgão.582 Orientações, p. 62. Para a hipótese de conflito de jurisdição territorial, preconiza-se

que “deverá ser realizada uma reunião entre procuradores das categorias mais elevadas, nomeados para o efeito e representando cada uma das jurisdições envolvidas, com vista à discussão e à decisão de qual das jurisdições deverá instaurar o procedimento penal”, em que cada um dos procuradores “deverá ter plenos poderes para discutir as questões e para tomar decisões em nome das autoridades competentes para o exercício da acção penal na jurisdição que representam” – idem. Também a estas orientações, porém, se afigura impos-sível reconhecer carácter vinculativo.

583 A situação é idêntica à da conexão de processos, referida supra, na Parte I, § 4, ponto 6.3.2.a)cc).

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envolvidos e à sua localização.

cc) São também referidos factores relativos a interesses de testemunhas (e.g., a existência ou não de programa de protecção de testemunhas) e vítimas (sc., a eventualidade de serem prejudicadas se o processo for instaurado numa jurisdição em detrimento de outra, nomeadamente na obtenção da reparação pelos danos sofridos).

Trata-se de interesses que, no âmbito da LCJ, reconduzimos ao con-ceito de boa administração da justiça penal, mas nas Orientações pare-ce atribuir-se-lhes uma certa autonomia. No entanto, a autonomização desses interesses – que, provavelmente, levaria a reconhecer-lhes maior peso relativo na decisão – afigura-se difícil de compatibilizar com uma compreensão da entrega (em sentido amplo) como instituto triangu-lar, cujos três vértices fundamentais são o Estado requerido, o Estado requerente e o indivíduo visado, cada qual com o polo de interesses respectivo.

dd) O que nos conduz, por outro lado, a uma notória ausência exi-bida pelas Orientações: a de elementos do último vértice – maxime, o da reintegração social do indivíduo.

Essa ausência não parece ser fortuita, mas imposta, indirectamente, pela norma constante do art. 4.º, n.º 6 DQ e, entre nós, no art. 12.º, n.º 1, al. g) LMDE. Está em causa – tomando por referência a norma portuguesa –, a circunstância de “[a] pessoa procurada se encontrar em território nacional, t[er] nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Portu-guês se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa”. Como se observa, a norma não visa garantir a Portugal o exercício do ius puniendi sobre factos cometidos por nacionais seus, pois – para além de tal possibilidade ser já permiti-da pela al. b) do mesmo preceito, pelo menos parcialmente –, se o seu objectivo fosse esse, ela não se cingiria aos casos em que o pedido se destina à execução de uma sanção, e não contemplaria, desde logo, a residência, que nem sequer constitui uma conexão relevante dos factos com o ordenamento jurídico-penal português.

A percepção sai reforçada pelo art. 13.º, al. c) LMDE (5.º, n.º 3 DQ), segundo o qual “[q]uando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de

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execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segu-rança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão”.

A nacionalidade e a residência perfilam-se, pois, nesses preceitos, como indícios de que o respectivo foro – que é, para mais, aquele onde a pessoa se encontra – é, também, o mais conveniente para assegurar a sua reintegração social584. No primeiro caso, isso manifesta-se numa faculdade de recusar a entrega, porque está imediatamente em definição o assunto da ressocialização do indivíduo, que está confrontado com uma sentença exequível585. No segundo, reveste a forma de faculdade de condicionar a entrega, de modo a não fechar a possibilidade de o pro-cesso penal ser realizado num foro (maxime, o do locus delicti) considera-do mais conveniente segundo outras variáveis, como a potencialidade de apuramento da verdade material e a eficácia preventivo-geral ineren-te à realização do processo num determinado foro. Deste modo, estes dois preceitos constituem o que poderá considerar-se uma “cláusula de ressocialização”, cujos candidatos positivos são (apenas) pessoas que têm uma certa ligação – nacionalidade, residência – com o Estado de execução586.

584 Neste sentido, v., e.g., o Ac. STJ de 10-09-2009, processo n.º 134/09.6YREVR, citado no texto, que concluiria do seguinte modo sobre a al. g) do n.º 1 do art. 12.º: “Não estando directamente fixados, tais critérios internos hão-de ser encontrados na unidade do sistema nacional, perante os princípios de política criminal que comandem a aplicação das penas, e sobretudo as finalidades da execução da pena. Uma primeira projecção sistemática poderá encontrar-se no art. 40.º, n.º 1, do CP e na afirmação da reintegração do agente na sociedade como uma das finalidades das penas. Nesta perspectiva, pode haver maior eficá-cia das finalidades das penas se forem executadas no país da nacionalidade ou da residência; a ligação do nacional ao seu país, a residência e as condições da sua vida inteiramente ads-tritas à sociedade nacional serão índices de que é esta a sociedade em que deve (e pode) ser reintegrado, aconselhando o cumprimento da pena em instituições nacionais”.

585 Sobre a questão, que esta recusa coloca, de saber se a sentença estrangeira deve ser reconhecida ou, antes, passar pelo crivo da revisão e confirmação, v. Luís Silva Pereira, «Contributo...», op. cit., p. 272 s. e Pedro Caeiro / Sónia Fidalgo, op. cit., p. 462 s.

586 Neste sentido, pode afirmar-se que, no MDE, o princípio da não extradição de na-cionais foi inteiramente derrogado. A possibilidade de recusar a entrega de nacionais persiste, mas com uma teleologia totalmente autónoma e diversa da que preside àquele princípio (cf. supra, na Parte I, § 2, o ponto 3.2.2.b)), como se comprova, desde logo, novamente, pelo facto de a mera residência – àquela luz, irrelevante – merecer exactamente o mesmo tratamento. A única diferença é que, no caso de o facto ter sido praticado por um cidadão português, a regra da nacionalidade activa permite ao Estado português recusar a entrega por via da al. b) do n.º 1 do art. 12.º. Trata-se, contudo, de uma diferença incidental, resul-tante da aplicabilidade simultânea de normas (v. infra, no texto), que, já por isso, só pode

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Mas não só: ao identificar-se a reintegração da pessoa com esse con-junto taxativo de factores, está a excluir-se a relevância, a esse título, de quaisquer outros, sob pena de redundância, pois a nacionalidade e a residência teriam sempre de se considerar contidas numa ponderação mais lata daquele interesse que devesse ter lugar ao abrigo de outras causas de recusa – maxime, das previstas nas als. b) e h), sub-al. i) do n.º 1 do art. 12.º, que compõem a decisão dedere aut judicare em sentido estrito na LMDE587.

Nestes termos, se a pessoa procurada não for nacional ou residente do Estado de execução, o interesse na sua reintegração social não po-derá ser invocado para fundamentar uma recusa no âmbito da decisão dedere aut judicare em sentido estrito: somos levados a concluir pela exis-tência, aqui, de uma concessão à lógica de verticalidade que caracteriza o regime do MDE. Já se o for, e aquela decisão dever ter lugar, tudo acaba por se passar, nos aspectos em análise, como na decisão de dedere aut judicare em sentido estrito que tem lugar ao abrigo da LCJ.

De facto, neste caso, os preceitos que formam a “cláusula de res-socialização” são, verdadeiramente, co-constitutivos da decisão dedere aut judicare em sentido estrito: uma vez que a ressocialização de condena-dos constitui uma das finalidades visadas com o exercício do ius puniendi – estando, logo por essa via, intrinsecamente ligada àquela disjuntiva –, não seria razoável exercer as faculdades conferidas por aquelas normas de um modo separado e estanque que, ao perder o sentido da globali-dade dos factores que relevam para uma mesma questão, pudesse con-duzir a resultados diferentes, para pior, daqueles que uma ponderação conjugada permitiria.

No primeiro, eles consumam uma peculiar expressão do princípio aut dedere aut judicare. Peculiar, porque as suas próprias hipóteses pres-supõem que o Estado português possa, naquelas situações, assegurar a repressão penal, em contraste com o que acontece com todos os ou-tros obstáculos que vimos até aqui (à excepção, naturalmente, dos que fazem emergir a decisão dedere aut judicare em sentido estrito), em que há uma clara descontinuidade entre a questão de entregar ou não entregar

ocorrer se a qualidade de nacional se verificar em ambos os momentos (sc., prática dos factos e decisão sobre a entrega).

587 De modo idêntico, esta cláusula de ressocialização esgota a ponderação, no contexto da decisão dedere aut judicare em sentido estrito, do subsequente recurso a outras formas de cooperação capazes de conciliar interesses que aí estão em crise – sobre essa ponderação no contexto da LCJ, v. supra, na Parte I, § 4, o ponto 6.3.2.c).

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a pessoa (dedere aut non dedere) e a questão – que, nesses casos, de resto, é meramente eventual – de saber se, sendo proferida decisão de recusa, é possível, subsequentemente, reprimir os factos (aut dedere aut judica-re). A diferença em relação aos obstáculos que fazem emergir aquela decisão, por outro lado, é que a referida possibilidade de assegurar a repressão penal não pressupõe a existência de uma pretensão punitiva no momento de decidir sobre a entrega, pois os factos cometidos por residentes e pessoas que tenham adquirido a nacionalidade portuguesa após a prática dos factos só podem ser reprimidos com base na admi-nistração supletiva da justiça penal, ou numa das formas de cooperação que permite atingir as mesmas finalidades – sc., a delegação de processo penal e a execução de sentença penal estrangeira.

Excurso – Outras particularidades das Orientações incluem:

α. A ponderação da possibilidade de divisão do procedimento penal por casos em duas ou mais jurisdições588.

β. A identificação de um conjunto de “não-critérios” – ou seja, de cir-cunstâncias cuja relevância é excluída ou limitada.

Assim, não deve optar-se por uma jurisdição em detrimento de ou-tra: (i) para evitar a observância de formalidades legais vigentes numa e não na outra; (ii) por aí se aplicarem as penas mais graves; ou (iii) para al-cançar uma recuperaçao mais eficaz dos produtos do crime.

Além disso, (iv) o custo do procedimento penal relativamente a um deter-minado caso, incluindo o seu impacto sobre os recursos dos servicos encarregues de proceder penalmente, só deverá pesar na decisão se a ponderação de outros factores tiver conduzido a uma situação de igual-dade. De modo idêntico, (v) não deve recusar-se um caso para proce-dimento penal só porque ele não desperta interesse ou não constitui

588 Com efeito, lê-se na p. 63 das Orientações que: “A investigacão e o procedimento penal de casos complexos de criminalidade transfronteiric a conduzirão, frequentemente, à possibilidade de existirem vários procedimentos penais em diferentes jurisdicões. Nos casos em que a actividade criminosa se repartiu por diversas jurisdic ões, sempre que tal se mostre viável, os procuradores deverão considerar a hipótese de todos os procedimentos penais serem tratados numa só jurisdic ão. Nesses casos, os procuradores deverão ter em consideracão o efeito que o procedimento penal, contra certos arguidos numa jurisdic ão, terá sobre qualquer procedimento penal numa segunda ou terceira jurisdicão. Deverão efectuar-se todos os esforcos no sentido de evitar que um procedimento penal possa pre-judicar outro. Se vários criminosos estiverem alegadamente envolvidos em condutas cri-minosas interligadas, embora frequentemente tal não seja praticável, e se for possível e eficaz proceder desse modo, os procuradores deverão considerar a hipótese de proceder penalmente contra todos os arguidos numa única jurisdicão.”

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prioridade (uma orientação que não tem como destinatários Estados, como o português, onde a promoção processual se baseia no princípio da legalidade).

γ. A referência à ideia de se criar uma “matriz”, numa “abordagem mais estruturada com vista à resolução de conflitos de jurisdição”, que teria como utilidade permitir “uma comparação directa e a avaliação dos factores relevantes que serão aplicáveis pelas diferentes jurisdições possíveis”589.

Contudo, como o próprio texto reconhece, a abordagem poderia revelar-se “demasiado restritiva”, sendo mesmo paradoxal em relação às linhas mestras das Orientações, segundo as quais“[c]ada caso é um caso”, onde se reconhece um princípio de indeterminação dos factores relevantes590 e que a própria “prioridade e o peso a atribuir a cada factor variam conforme os casos”591.

589 Orientações, p. 66.590 Cf. supra, no texto.591 Orientações, p. 60 e 66.

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ABSTRACT

In the context of this study, the interrogation “dedere aut judicare?” holds three significances.

Firstly, it enquires whether the Portuguese penal system embraces the principle – usually attributed to Hugo Grotius under the formula “aut dedere aut punire” – according to which a request for extradition should mandatorily lead either to the actual extradition of the individu-al sought or to the undertaking of penal proceedings against him/her for the acts that caused the request. The author concludes that this prin-ciple is in force in the Portuguese legal system, since it stems – among other sources – from the basis of jurisdiction commonly known as “vicarious administration of penal justice”, provided for in the Portu-guese Penal Code.

In the abstract, this rule ascribes the power (and in fact the duty, because Portuguese penal procedure abides by the legality principle) to exert the ius puniendi over any facts regarding which the request for extradition has been denied; however, this is not always possible. In-deed, some circumstances embedded in certain grounds for refusal of extradition presuppose the impossibility of exerting that power. That is the case, for instance, of the dual criminality rule: if the facts do not constitute an offence under Portuguese law, not only extradition must be denied, but also the State is prevented, by virtue of the principle of legality (nullum crimen sine lege), from assessing the criminal liability of the person sought. Since they preclude both elements of the Grotian disjunctive obligation, those circumstances are given the designation “nec dedere nec judicare”. All the existing grounds for refusal of extradi-tion are assessed and all nec dedere nec judicare situations are identified, thereby providing a clean-cut picture of the actual scope of jurisdic-tion based on the vicarious administration of penal justice.

Secondly, the question “dedere aut judicare?” intends to open the dis-cussion on whether the “judicare” is a mere consequence of, and subsi-diary to, the refusal to extradite, or, at least in some instances, an actual alternative, placed in the same footing of the “dedere”, thus affording

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the judiciary a real option between them (sc., a decision the outcome of which is not predetermined and hence imposed by the law). The author concludes that the vicarious administration of penal justice does not entail such an option. Given that this basis of jurisdiction presupposes the absence of a relevant connection between the facts and Portuguese penal law, and that its rationale lies, exclusively, in the “compensation” of the unsatisfied requesting State – whose interests have been actually jeopardised by the offence – for not obtaining the extradition of the individual, it would be a paradox that the request could be refused with the sole purpose of trying the person sought.

Nevertheless, a true option between “dedere” and “judicare” stems from the norms establishing that extradition may be refused for facts that are, or that shall or can be the object of criminal proceedings in Portugal. This regime is applicable in the cases where Portuguese penal law has been breached (given the presence of a relevant connection linking it with the facts) and refusal of extradition is not compulsory (since no grounds for mandatory refusal are met in the case). The de-cision required by the said norms is labelled as “dedere aut judicare stricto sensu”, so as to distinguish it from other expressions of the principle aut dedere aut judicare.

Finally, the question “dedere aut judicare?” points to the need for iden-tifying criteria that might be mobilised while deciding for either course of action in situations of “dedere aut judicare stricto sensu”. Those criteria do not result explicitly from the law, and the author concludes that there is a principle of indeterminacy of the relevant factors. Such prin-ciple is considered to be desirable, as it keeps the decision permeable to any important element that might arise on a case-by-case basis. In any event, two main sets of criteria are put forward: the first relates prima-rily to the notion of “good (interstate) administration of penal justice”, encompassing factors such as the predominant location of the eviden-ce and the deterrent effectiveness of undertaking the proceedings in a given forum; the second is oriented to the interest in the rehabilitation of the individual in case of conviction, and takes into account aspects like the predominant location of his/her family and social circles, as well as the possibility of conducting certain activities while imprisoned.

The core normative basis of the study is the Portuguese act go-verning extradition: Law no. 144/99, of 31 August, on international judicial cooperation in criminal matters. The primacy attributed to this

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legal instrument contrasts bluntly with the fact that it is subsidiary to the provisions of international treaties, conventions and agreements binding on the Portuguese state, as well as to the provisions emana-ted from the institutions of the European Union and the organs of international organisations to which Portugal is a part. However, the said Law constitutes the embodiment of Portuguese legal culture on extradition. In fact, while, e.g., an international convention involves, by definition, the conciliation of different viewpoints on the same subject matter, a national statute is unilateral in a sense, bestowing it with a paradigmatic character. Besides, at a pragmatic level, it regulates issues on which the international legal instruments (typically, much less detailed) are silent, and it governs in an exclusive manner the cooperation of Portugal with numerous states.

In any event, in order to provide a broader picture of the decision dedere aut judicare in the Portuguese legal system, the study assesses, if only briefly, international law (including the general and conventional rules on extradition, as well as those on the surrender of individuals to the International Criminal Court) and, more thoroughly, the law of the European Union (sc., the rules applicable to the execution of European arrest warrants).

Keywords: aut dedere aut judicare; extradition; surrender; jurisdiction in criminal matters; international criminal law; European arrest war-rant; International Criminal Court

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Deder e aut Judicar e?

ÍNDICE

Nota e Agradecimentos ....................................................................................9Abreviaturas .....................................................................................................11Introdução ........................................................................................................15

Parte I – Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal

§ 1. A decisão de extraditar ou não extraditar (dedere aut non dedere) .........19

1. Breve descrição do processo de extradição .........................................191.1. Natureza mista: fase(s) executiva(s) e fase judicial ......................191.2. Reserva de juiz: o princípio constitucional de que a extradição só pode ser determinada por autoridade judicial ................................20

2. As concepções fundamentais subjacentes ao processo de extra-dição passiva .................................................................................................213. Intervenção executiva .............................................................................23

3.1. A natureza jurídica da decisão executiva: acto político ou exercício da função administrativa? .......................................................233.2. Os referentes (político-administrativos) da decisão executiva......25

4. Intervenção judicial .................................................................................274.1. Os referentes (normativos) da decisão judicial ............................274.2. Tramitação comum e tramitação simplificada: a indispensabili-dade da verificação judicial dos pressupostos da extradição .............294.3. Pressupostos formais .......................................................................304.4. Pressupostos substanciais ...............................................................31

5. O universo de causas de recusa da extradição.....................................315.1. Causas de recusa obrigatória ...........................................................32

5.1.1. Apreciação judicial ....................................................................325.1.2. Apreciação político-administrativa .........................................32

5.2. Causas de recusa facultativa: intervenção judicial e interven-ção executiva? ...........................................................................................33

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Tese de Mestrado

5.3. Pressuposto comum: verificação da circunstância constitutiva ...346. Conclusão: decisão de dedere aut non dedere ............................................36

§ 2. A decisão de extraditar ou julgar (dedere aut judicare) – Corte hori-zontal: as relações entre a extradição e a jurisdição sancionatória e deexecução das reacções criminais ....................................................................37

1. A teleologia da extradição ......................................................................372. Extradição activa (breve exame) ............................................................393. Extradição passiva ...................................................................................44

3.1. A existência de jurisdição do Estado requerente como condição necessária para conceder a extradição .................................443.2. As causas de recusa da extradição cujas circunstâncias constitutivas são simultaneamente conexões de aplicabilidade ........45

3.2.1. A prática do facto em território português ...........................45a) A regra de aplicabilidade ............................................................45b) A causa de recusa ........................................................................47

aa) Extradição para Estado diverso do do locus delicti ............48bb) Concurso de pedidos de extradição ..................................49

c) Dessintonia ..................................................................................50d) Crítica e proposta ........................................................................51

3.2.2. A nacionalidade portuguesa do indivíduo .............................53a) A regra de aplicabilidade ............................................................53b) A causa de recusa ........................................................................54c) A nacionalidade “dupla” ............................................................56

3.3. Administração supletiva da justiça penal – aut dedere aut judicare .....563.3.1. Residualidade .............................................................................563.3.2. Supletividade ..............................................................................573.3.3. Fundamento: repelir criminosos ou cooperarinternacionalmente? ............................................................................583.3.4. A necessidade de uma pretensão punitiva alheia ..................633.3.5. O princípio aut dedere aut judicare .............................................65

a) Breve escorço histórico ..............................................................65b) Justificação da fórmula usada ...................................................66c) O princípio no direito internacional ........................................67

aa) Crimina juris gentium ................................................................68bb) Crimes internacionais convencionais ................................68

d) A decisão de dedere aut judicare – Critério de delimitação: subtracção dos casos “nec dedere nec judicare” ................................69

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Deder e aut Judicar e?

§ 3. A decisão de extraditar ou julgar (dedere aut judicare) – Corte vertical: o universo de causas de recusa e as situações “nec dedere nec judicare” ...........70

1. Razão de ordem .......................................................................................702. Causas de recusa obrigatória ..................................................................72

2.1. Ausência ou insuficiência de garantias processuais .....................722.2. Perseguição e repressão discriminatórias ......................................732.3. Natureza do tribunal ........................................................................752.4. Natureza da sanção aplicável ..........................................................772.5. Ausência de reciprocidade...............................................................792.6. Ausência de dupla incriminação .....................................................812.7. Ausência de garantias de respeito pela regra da especialidade ....842.8. Reduzida relevância da infracção ou do tempo remanescente de execução da sanção ............................................................................862.9. Natureza da infracção ......................................................................89

2.9.1. Infracção política ou infracção conexa a infracção política ..... 892.9.2. Crimes estritamente militares ..................................................93

2.10. Extinção da responsabilidade penal ............................................972.11. Ausência de jurisdição atendível ............................................... 1002.12. Ausência de intenção de efectivar a responsabilidade penal do extraditando ..................................................................................... 1022.13. Territorialidade do facto ............................................................. 1032.14. Nacionalidade portuguesa do extraditando ............................. 1032.15. Imunidades internacionais ......................................................... 1052.16. “Cláusula humanitária” ............................................................... 108

3. Causas de recusa facultativa ................................................................ 1124. Inventário de casos “aut dedere aut judicare”, “sic et simpliciter judicare” e “nec dedere nec judicare” ............................................................................. 1125. O dever de solicitação dos elementos necessários para instaurar um processo penal, previsto no art. 32.º, n.º 5 LCJ ............................. 113

5.1. O “mecanismo de cooperação” referido no art. 6.º, n.º 5 ...... 1145.2. O dever de solicitação criado pelo art. 32.º, n.º 5 ..................... 1145.3. A instauração de processo penal referida no art. 32.º, n.º 5 ... 1155.4. Proposta .......................................................................................... 119

§ 4. A decisão de extraditar ou julgar em sentido estrito (dedere aut judi-care stricto sensu): a existência de processo pendente ou de dever ou pos-sibilidade de instaurar processo no momento de decidir (art. 18.º, n.º 1 LCJ) ........................................................................................................ 119

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Tese de Mestrado

1. Considerações gerais ............................................................................ 1201.1. A primeira hipótese da norma: pendência de processo .......... 1201.2. A segunda hipótese da norma: dever ou possibilidade de instaurar processo ................................................................................. 122

2. Delimitação positiva: as regras de jurisdição compatíveis com a norma .............................................................................................. 124

2.1. Pendência de processo .................................................................. 1242.2. Dever ou possibilidade de instaurar processo........................... 125

2.2.1. Regras prioritárias (territorialidade, defesa dos interessesnacionais e nacionalidade “dupla”) ................................................ 1252.2.2. Regras subsidiárias ................................................................. 125

a) Nacionalidade activa, nacionalidade passiva e universali-dade – subsidiariedade relativa ................................................... 126b) Administração supletiva da justiça penal – subsidiarie-dade absoluta ................................................................................. 129

2.3. Síntese ............................................................................................. 1313. Delimitação negativa: a verificação de outra(s) causa(s) de recusa ... 1314. Síntese ..................................................................................................... 132

4.1. Delimitação negativa ..................................................................... 1324.2. Delimitação positiva ...................................................................... 132

5. A decisão dedere aut judicare em sentido estrito .................................. 1336. Dedere aut judicare? .................................................................................. 134

6.1. Decisão administrativa e judicial ................................................. 1356.2. Título jurisdicional? ....................................................................... 1356.3. Outros elementos .......................................................................... 140

a) A boa administração (interestadual) da justiça penal .............. 142b) A reinserção social do extraditando em caso de condenação .... 147c) O recurso subsequente a outras formas de cooperação ........ 148

Parte II – Direito Internacional da Extradição

§ 1. Direito internacional geral .................................................................... 153§ 2. Direito internacional convencional ..................................................... 157

Parte III – Entrega ao Tribunal Penal Internacional

§ Único ............................................................................................................ 166

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Deder e aut Judicar e?

Parte IV – Entrega em Execução de Mandado de Detenção Europeu

§ Único ............................................................................................................ 1751. Principais características ..................................................................... 1752. Os obstáculos à execução .................................................................... 1783. Dedere aut judicare? .................................................................................. 182

Abstract ............................................................................................................ 201Bibliografia ..................................................................................................... 205Índice .............................................................................................................. 223