Edição e distribuição - Livros...

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Denise CorrÊa de MacedoInspirado pelo espírito EugênIo Pax

Capivari‑SP– 2013 –

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Ficha catalográfica elaborada na editora

Macedo, Denise Corrêa de (1967) O fantasma da condessa de Vallon / psicografado por Denise Corrêa de Macedo; inspirado pelo espírito Eugênio Pax – 1ª ed. ago. 2013 – Capivari, SP : Editora EME. 280 p. ISBN 978‑85‑66805‑05‑5

1. Romance mediúnico. 2. Comunicação de espíritos. 3. Mediu‑nidade. Sonambulismo. 4. Sociedade Espírita de Paris. I. Título.

CDD 133.9

© 2013 Denise Corrêa de Macedo

Os direitos autorais desta obra foram cedidos pela autora para o Centro Espírita de Valença‑RJ.

A Editora EME mantém o Centro Espírita “Mensagem de Esperança”, colabora na manutenção da Comunidade Psicossomática Nova Consciência (clínica masculina para tratamento da dependência química), e patrocina, junto com outras empresas, a Central de Educação e Atendimento da Criança (Casa da Criança), em Capivari‑SP.

Ca p a | André StenicoD i a g r a m a ç ã o | Editora EMEpr e p a r a ç ã o d o t e x t o | Matheus Rodrigues de CamargoRe v i s ã o | Maria Izabel Braghero de Camargo

1ª edição – agosto/2013 – 5.000 exemplares

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939. Uma vez que os espíritos simpáticos são levados a unir‑‑se, como se explica que, entre os espíritos encarnados, muitas vezes a afeição exista apenas de um dos lados, e que o amor mais sincero seja recebido com indiferença e até mesmo repulsa? Como, além disso, a afeição mais fervorosa entre dois seres pode transformar‑se em antipatia e mesmo em ódio?

– Então tu não compreendes que se trata de uma punição, embora passageira. Além disso, quantos são os que acreditam amar perdidamente porque julgam apenas as aparências e, quando são obrigados a viver com as pessoas, não demoram a reconhecer que era apenas um interesse material! Não basta estar apaixonado por uma pessoa que vos agrada e na qual acreditais haver belas qualidades. Só vivendo realmente com ela podereis avaliar. E aliás, quantas uniões que a princípio parecem inviá‑veis e que, quando ambos se conhecem melhor e se analisam, se transforma num amor terno e durável, porque está assentado na estima! Não se deve esquecer que é o espírito que ama, e não o corpo, e que, quando a ilusão material se dissipa, o espírito vê a realidade.

Há dois tipos de afeição: a do corpo e a da alma, e mui‑tas vezes costuma‑se tomar uma pela outra. A afeição da alma, quando pura e simpática, é durável; a do corpo é perecível. Eis por que, muitas vezes, os que acreditavam amar‑se com amor eterno acabam se odiando, quando a ilusão se desfaz.

(o Livro dos Espíritos, edição EME)

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Sumário

1 Flores .................................................................................................. 92 Revelações e descobertas................................................................ 273 O primo Julien ................................................................................ 414 O inesperado .................................................................................... 535 Ações no Bem ................................................................................... 656 Visão noturna ................................................................................... 737 Língua ferina .................................................................................... 818 Ajuda e providências ...................................................................... 919 Provas.............................................................................................. 10910 O visitante ...................................................................................... 12711 Renovação ...................................................................................... 14112 O retorno ........................................................................................ 15313 A fuga .............................................................................................. 16714 O duelo ........................................................................................... 18315 A justiça .......................................................................................... 19716 Nelly ................................................................................................ 20717 O casamento ................................................................................... 21718 Espiritismo ...................................................................................... 229

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19 Castelo assombrado ....................................................................... 23920 Obsessão .......................................................................................... 25121 Morte e vida .................................................................................... 265

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1. Flores

Flores e dores combinam desproporcionalmente em virtude do contraste que estabelecem, como preto e branco. As flores são suaves, harmônicas, perfumadas, transmitem paz, e as dores são profundas, tristes, desconcertantes. Quando vemos flores em um enterro, por exemplo, ou em um jardim bem cuidado, sentimos que de alguma forma um consolo nos chega, vindo da calma que transcende delas. São lembranças de sensações boas – perfume e cor – para aplacar a dor, a tristeza e o desânimo. Em meio ao choro, sorrimos conti‑damente, talvez por dentro, só por saber o mundo tão lindo e feito especialmente para nossas experiências de aprendizado.

A vida é um alternar de sensações – ora boas, ora ruins. Mui‑tas vezes a dor nos transforma em pessoas melhores, outras vezes nos ensina a sermos resignados com o que nos acontece. Só Deus sabe o que nos é reservado ou o que nos esconde o futuro. Às vezes temos força para nos superarmos e transformarmos nossos momen‑tos ruins em um futuro melhor. Quando pensamos que algo que tínhamos nos foi tirado, podemos receber de presente algo melhor.

Àquela época do ano na Bélgica, mais precisamente na região da Valônia, o frio começava a mostrar sua força, mas na estufa par‑ticular do castelo de Vallon ainda se viam as flores cultivadas pela condessa. Flores que, sem o cuidado dela, morreriam.

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Naquela tarde fria, mas de céu azulado, o conde de Vallon, ou simplesmente o conde doutor, como era chamado pelos conhecidos, acabava de enterrar sua esposa Nicole. Ele trazia no peito uma dor intensa e aguda que era aplacada apenas pela beleza das pequenas flores que encontrara na estufa de seu enorme castelo e pelo cari‑nho daqueles a quem toda a sua vida tinha ajudado como médico que era.

Contido, recebeu os sentimentos das pessoas que compareceram ao enterro, e depois retirou‑se para a imensa casa, novamente vazia. O conde não tinha filhos. Apenas alguns vizinhos, criados e conhe‑cidos da região tinham vindo ao enterro para prestar a última home‑nagem a Nicole, e ficaram consternados ao ver o conde aproximar‑‑se do corpo da esposa e depositar respeitoso beijo em suas mãos já frias, abafando assim as lágrimas e os soluços que insistiam em dominar‑lhe o peito.

Ele era casado havia apenas dois anos. Viajara para Paris pela primeira vez depois do casamento, pois tencionava estudar num se‑minário que levaria uma semana. Assim que se ausentara, terrível acidente arrebatara a vida da jovem esposa. Em uma cavalgada pela propriedade do casal, o cavalo que ela montava tinha disparado pelo meio de árvores baixas e a condessa Nicole batera a cabeça num galho, caindo desacordada. Foi encontrada por criados, que procu‑ravam por ela. Imediatamente fizeram avisar o senhor.

Olhando o rostinho pálido e envolto em flores, o conde teve uma estranha sensação de contraste. Aquelas flores cheirosas e coloridas podiam, de certa forma, compensar a palidez, acolhendo a cabeça daquela que um dia dormira ao seu lado e afagara seus cabelos.

Os olhos dela agora estavam fechados, e a expressão, serena. Pa‑recia dormir. Pequeno hematoma na testa destoava da serenidade. O resto eram flores macias e perfumadas como um dia houvera sido Nicole.

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O conde revivia mentalmente cenas do romance em que fora feliz. Flores também estiveram presentes em momentos felizes e en‑chiam de alegria os olhinhos emocionados dela. Eram passeios, lei‑turas, presentes... momentos do passado que agora reviviam diante da morta. Duraram muito pouco aqueles momentos. Ele, que espe‑rava viver o resto da vida ao lado dela...

Estranho fato era a morte, pensava o doutor. Arrebatava os seres mais queridos sem aviso prévio. Enquanto tantos outros lhe passa‑vam pelas mãos durante todos os dias e ele ajudava a salvar. Para ela, sua própria esposa, não pudera fazer nada. Alguma lógica es‑tranha envolvia a dinâmica da vida. Alguma coisa a mais havia sob aquele véu dos olhos cerrados para sempre. Haveria de descobrir o que fosse. O que acontecia após a morte? Onde estaria Nicole?

As pessoas iam se retirando como se estivessem dando adeus lentamente e sumindo na poeira da estrada. Ele também buscou o abrigo do lar conforme tinha previsto, agora sem o encanto feminino.

Sacudiu a cabeça para espantar os pensamentos e voltou a ob‑servar a sala vazia, outrora cheia de vida, preenchida pelo soar do piano, pelo barulho suave de uma tímida risada, pela leitura com‑partilhada de um livro. Sem saber da realidade do plano espiritual, o doutor atraía com seu amor e suas lágrimas as vibrações da morta.

Um vulto irrompeu pelo salão mal iluminado. Era Magdalena, a governanta do palácio, que acompanhava a trajetória do doutor havia muito tempo, desde antes do casamento. Preocupada com o abatimento do patrão, ela queria saber se podia ser útil e se ofere‑ceu para fazer uma sopa. Diante da negativa dele, ela ainda insis‑tiu, puxando assunto para que o silêncio da casa não doesse tanto àquela hora.

– Ainda ontem estava conversando com Alette, sabe, doutor, a criada dos Chevaliers? Ela disse que seu patrão está procurando um instrutor para a filha. Ele quer que ela tenha boas maneiras para

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casar‑se bem. Por que o senhor não ensina alguma coisa para a me‑nina? Seria uma boa companhia para esses dias. Quem sabe a moça não faz o seu agrado?

– Não sou professor, Magdalena. Não saberia por onde começar. Além do mais, não pretendo me casar mais. Nicole é... foi... como um pássaro suave que passou pela minha vida e pelo meu coração.

– Doutor, ninguém por aqui tem maior conhecimento que o se‑nhor. Esta biblioteca enorme!... Não poderia estar repleta de crian‑ças? Eu não me importaria de fazer bolo para o lanche. São tantas crianças no castelo Chevalier...

Ela sorriu uma risada quase ingênua, pois sabia do recolhimento do patrão e tinha a convicção de que poderia animá‑lo de alguma forma se enchesse a casa de gente. Já que não era dado a festas, pelo menos poderia permitir a entrada de gente pequena que qui‑sesse estudar.

O doutor atravessou a sala para espiar pela janela, enquanto a noite entrava pela vidraça em forma de luar. Magdalena continuava tagarelando atrás dele como se suas ideias fossem de alguma maneira persuadi‑lo. Ele voltou a lhe dar atenção depois que seu olhar percor‑reu o horizonte escuro e prateado pelo luar. Alguma coisa chamou a atenção do doutor quando nos apelos de Magdalena ele identificou palavras mais significativas. Seria alguém com dores?

– ... é sim, doutor, ela se queixa de dor na perna todos os dias. Pediu se o senhor poderia passar lá para dar uma olhada. É claro que não nesta semana.

– Por que não nesta semana? Não vou ficar aqui neste castelo enorme chorando sozinho. Vou para a cidade amanhã, tenho doen‑tes a visitar em Namur. Vou trabalhar. Passo pelo castelo dos Cheva‑liers, que fica no caminho. Não se preocupe que cuidarei das dores da baronesa.

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– Não é a baronesa Melina, não, senhor conde. É a filha dela, Amélie, que tropeçou numa mesinha durante a noite. A mesma menina para quem estão procurando professor, a coitadinha! Não olhou direito o caminho e torceu o pé. O senhor não estava ouvindo quando falei isso há pouco...

Ela resolveu calar‑se porque sabia que aquele não seria o mo‑mento para cobrar atenção. Mesmo sem ele ter dito que queria, ela insistiu em fazer algum tipo de sopa e deixou o prato para ele na sala. O prato ficou intacto até o dia seguinte, quando ela voltou para recolhê‑lo e reparou que o patrão tinha sumido dali.

Pensando que ele tivesse seguido o curso de suas ideias da noite anterior, e ido trabalhar na cidade, ela se acalmou. Logo depois vol‑tou a ficar aflita ao vê‑lo no laboratório estudando elementos quími‑cos, como de costume.

Foram dias dificílimos para o doutor. Ele se tornou mais retraído e taciturno à medida que os dias passavam após a morte da esposa. Naquela semana não foi para a cidade como havia pensado. Não tinha forças morais para seguir com sua vida solitária. Não foi à casa de nenhum de seus pacientes. Ficou vagando pelo castelo entre o laboratório e o salão de estudos, enquanto discutia consigo mesmo fórmulas e teorias. Em sua mente ainda descontrolada emocional‑mente, ele queria por meio da Ciência estudar a morte, verificar se havia possibilidade de sobrevida da alma. Já pensara várias vezes em experimentar a morte em laboratório em seres mais simples.

Magdalena espantou‑se quando passou uma semana e o rosto do doutor continuava cansado, os olhos fundos, a barba por fazer... Matara cobaias e cultivara vida em tubos de ensaio, mas nada de novo descobrira.

Ele recusava a maior parte da comida e nem definia o cardápio mais. Magdalena sempre estivera acostumada a vê‑lo bem disposto

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e corado em plena manhã. Definia o que queria comer e saía para ver os pacientes. Ia de casa em casa, retornava para o almoço na companhia da esposa, depois ia até a cidade, onde trabalhava em pesquisas em Namur.

Sem conseguir mais ver o patrão naquela situação, entregue e sem cuidados, Magdalena surgiu diante dele no laboratório, o que era extremamente proibido a qualquer criado, como medida de segu‑rança, pois havia lá muitos remédios e produtos químicos perigosos.

– Doutor, boa tarde! Está sumido lá da cozinha!– Magdalena, minha boa Magdalena. Estou a ponto de conse‑

guir uma grande descoberta. Estive pesquisando alguns elementos e... olhe...

Mostrou a ela uma colônia de micro‑organismos dentro de um frasco. Magdalena desviou o olhar sem entender direito o que era aquilo.

– O senhor precisa se alimentar. Vamos até o castelo dos Cheva‑liers logo mais? Pretendo fazer uma visita a minha amiga Alette. O senhor poderia dar uma olhada no pé torcido da jovem Amélie.

– Ah! A menina... Passo lá amanhã, como disse a você.– Amanhã? Já tem uma semana esse amanhã. Fui lá, na semana

passada, dois dias depois do acidente...Lentamente as ideias foram ficando mais claras na mente do

doutor. Os últimos acontecimentos retornaram como se estives‑sem adormecidos em seu coração. Ele se tornou lívido por um mo‑mento e olhou para si mesmo. Talvez estivesse no laboratório por tempo demais. Estava cansado e parecia estar acordando de um longo pesadelo.

Pôs de lado o frasco com os experimentos e aceitou os conselhos da boa empregada. Precisava sair dali, precisava acordar daquela semana. Não seria ali no laboratório que encontraria as respostas

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para as perguntas que vinham enchendo seu pensamento: o que acontecia após a morte? Haveria mesmo uma alma ou espírito que sobreviveria à morte? Onde estaria Nicole naquele momento?

As perguntas ficaram cismando em seus pensamentos. Não podia ser verdade que a morte arrebatara todo o manancial de inte‑ligência e de sensibilidade que existia em Nicole. Para onde fora? Ele não encontrava no laboratório essas respostas.

Olhou para o cantinho onde Nicole costumava ficar observando suas pesquisas, bem quietinha. Parecia que ela chegaria a qualquer momento para se sentar ali. Parecia que ela ainda estava pela casa. Em sua imaginação, ela surgia detrás de uma estante e sorria com serenidade característica. Sugeria a ele que estava bem, de alguma forma... Passeava pela sala, jogava‑lhe beijos e, sem dizer uma pala‑vra, sumia pela porta. Aquilo tudo era apenas uma estranha impres‑são que deixava suas dúvidas mais acirradas. O doutor tinha consci‑ência de que como ela deixara tudo pra trás, inclusive ele – seu amor –, e deveria de alguma forma estar preocupada, se ainda vivesse de alguma forma.

Apesar de conviver com casos de morte quase todos os dias em sua profissão, nunca tinha pensado daquela maneira. Talvez o amor que sentia pela esposa pudesse ter feito seu pensamento disparar: onde estaria Nicole? Estaria viva de alguma forma em outro lugar que simplesmente nossos sentidos físicos não pudessem alcançar?

Apressou‑se em sair dali, ultimou algumas providências que Magdalena, aliviada, foi correndo adiantar e preparou‑se para se‑gui‑la até o castelo vizinho. Tomou banho e comeu uma refeição decente, o que fez muito bem ao seu corpo cansado. Mesmo assim, olhando no espelho vira que estava abatido. Com certeza não se de‑moraria, pois precisava dormir.

Os dois castelos eram vizinhos, pois suas terras eram limítro‑fes. No encontro entre as duas propriedades, onde havia o melhor

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acesso à estrada que conduzia a Namur, eles haviam construído pórticos de entrada. Apenas um bosque bem cuidado os separava. Os muros cheios de hera surgiram diante do olhar entristecido do doutor. Nada mudara no mundo exterior, apenas dentro dele aquela inquietação parecia tremular...

Magdalena não o importunou mais com sua conversa fácil, e o trajeto se passou rapidamente. Ela se adiantou ao doutor para pre‑venir à amiga Alette que teriam visita.

Depois de anunciado, o conde doutor entrou pelo salão do cas‑telo dos Chevaliers. As moças, filhas do barão, e a baronesa se reu‑niam na sala, deslumbradas com um mercador que exibia peças de seda e musselina diante delas. Uma companhia de teatro formada por ciganos costumava acampar nas terras do barão, quando apre‑sentava números de circo, acrobacias e faziam momices. Como via‑javam muito, também vendiam tecidos de diversos países para os nobres que viviam afastados. Angus Lagrène, o cigano que estava na sala, apressou‑se em tirar sua mercadoria e deixar espaço para o doutor. Margot, irmã de Amélie, estava encantada por Angus, pois o achava lindo e moreno, com um ar de mistério e aventura que ca‑lhavam bem com o seu olhar adolescente sobre o amor.

As moças, ao verem o conde, recompuseram‑se dos gritinhos e risos que davam a cada nova peça mostrada pelo cigano, por sabe‑rem de seu luto. Findos os cumprimentos habituais, o conde pôde reparar que uma das moças estava sentada num divã ao canto da sala, com as pernas enroladas em uma manta.

A baronesa esclareceu ao doutor as mesmas notícias que Magda‑lena já havia esboçado: tratava‑se de uma moça sonâmbula. Levan‑tava no meio da noite e saía da cama para acordar na sala de estar, no quarto dos pais, ou mesmo no quintal... Ela tinha esse problema desde pequena, e nos últimos meses ele estava mais intenso.

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O doutor pediu privacidade. A baronesa encaminhou o cigano, as criadas e as outras meninas para a sala de costura, onde poderiam examinar com calma as lindas peças de tecido. Amélie era a filha mais velha, tinha dezessete anos. Suas irmãs formavam uma escadi‑nha de quinze, treze, doze e nove anos, e um irmãozinho caçula, de cinco anos, fechava a família.

– Anime‑se, Amélie, o conde doutor veio vê‑la. Talvez ele possa curá‑la.

A mocinha enrubesceu e desviou o olhar para a janela. Tinha imensa vergonha de seu sonambulismo. Parecia‑lhe coisa muito in‑fantil acordar no meio da noite no quarto dos pais. E ela, que já se achava uma mulher, pensava que não deveria revelar esses detalhes, ainda que fosse a um médico.

Ao ver a moça, imediatamente o conde se lembrou de sua mu‑lher Nicole. Ela era parecida com a morta, não fosse pela cor dos cabelos, na menina mais claros e abundantes, e pela diferença de idade. Nicole já era adulta, porém também jovem. Os mesmos olhos azuis, a mesma pele clara, o olhar meio tímido e assustado.

Ele se inclinou para examinar o tornozelo aparentemente torcido e ainda inchado, enquanto a mãe se afastava para pedir à criada uma toalha, água quente e alguns panos que pudessem ser trocados na atadura, pois aqueles se encontravam encharcados de unguento, feito com ervas naturais, como era costume da época tratar entorses.

O doutor retirou os curativos e examinou a moça. A pele branca, brilhante de óleo que ele enxugava, parecia uma seda. Ele mexeu o tornozelo para a esquerda e para a direita, observando as reações dela, e disse que não estava quebrado.

A moça estremeceu ao toque. Doía seu pé machucado, e com dor ela permanecia evasiva e distante, sentindo as mãos precisas do médico. Ela estranhou sua destreza e tranquilidade. Ele parecia fa‑

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miliarizado com a dor, sem temer tocar. As mãos hábeis seguiam fazendo testes, com ele exclamando, ao mesmo tempo, que não era nada demais.

Sentindo‑se alvo da atenção do doutor, Amélie se ruborizou e virou o rosto para o lado. Quando finalmente lhe voltou o olhar, sen‑tiu como se conseguisse ver através dele, compreendendo sua dor pela perda de Nicole. Amélie estava de olhos vidrados. O coração e a respiração se aceleraram a ponto de assustar o doutor, que previa algum problema. Parecia que ela teria uma síncope. O médico ava‑liava se poderia ser pela dor, ou se ela estaria muito nervosa com sua presença, coisa comum para uma moça na idade dela. Neste ín‑terim, em que o médico acudia a paciente em crise, inopinadamente ela falou:

– Está intrigado com a morte? ainda dói a sua perda, não é mesmo? a dor pode ser amiga se convertida em aprendizado. as suas perguntas têm respostas que se farão claras com o tempo. adianto uma delas: nicole vive em espírito!

Depois que disse isso, a moça desfaleceu e a mãe, que entrava pela sala naquele momento, trazendo a criada com a bacia de água, correu até a filha, justificando ao doutor:

– Oh, doutor, aconteceu de novo? Ela fala algumas coisas sem sentido depois desmaia. Coitadinha, assim nunca vamos casá‑la! O que faremos?

O doutor socorreu prontamente a moça amparando‑a em seus braços como se quisesse com isso tirar dela outras respostas. Vendo que ela realmente desmaiara, o dever chamou‑o e, esfregando os braços da doente e chamando seu nome, fez com que se lhe voltas‑sem as cores à face.

– Você está bem, Amélie? Responda‑me.Ele correu à valise buscando um medicamento. Voltou a tomá‑la

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nos braços para melhor segurar o remédio, de modo que ela o chei‑rasse. Os cabelos em desalinho caíram por sobre os braços masculi‑nos que a amparavam. Um doce perfume de flores do campo vinha dela, irresistivelmente suave. Não pesava muito, pois era de consti‑tuição esbelta. Reparando no rostinho relaxado, ele via a perfeição dos traços delicados. Amélie abriu os olhos lentamente, piscando os cílios longos. O azul claro e vivo se destacou então no rosto dela. Ele perguntou:

– Está melhor?Ela se assustou ao ouvir a voz grave tão perto e respondeu:– Estou um pouco zonza, senhor. Deve ser o cheiro

de medicamento.O doutor voltou a deitar a moça sobre o divã, com pesar. Queria

tomá‑la nos braços, como se ela fosse Nicole... Enquanto pensava na suavidade dela, explicava que o cheiro

forte era justamente para despertá‑la.Voltando a prestar atenção à voz de Amélie, ele reparou que era

ligeiramente diferente da que falara havia pouco, a qual tinha um sotaque estrangeiro. Muitas ideias passaram por sua mente agitada. Ele mal podia crer no que acontecera. Por que ela teria sotaque se era nascida ali no castelo? Por que o sotaque havia desaparecido mo‑mentos depois do desmaio?

Impressionado com o ocorrido, o doutor deixou o castelo, as‑saltado por inúmeros pensamentos. Ele voltou ao laboratório para buscar alguns medicamentos e aproveitou a escuridão da noite para pensar melhor. O que estaria acontecendo àquela pobre moça? Seria alguma doença mental, algum poder extrassensorial? Será que ha‑viam comentado com ela algo sobre a morte de Nicole que a dei‑xara impressionada?

Rapidamente cortou a distância que separava os dois castelos e

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voltou para junto dela, para aplicar uma injeção que seria útil contra a luxação. Ainda com a mente em turbilhão, puxou assunto com a moça para analisar seu estado mental:

– Você também vai escolher alguns tecidos para fazer vestidos? Quais cores prefere? Agora que acabei de enfaixar o seu pé, pode chamar suas irmãs e o vendedor...

Amélie se ruborizou mais uma vez e respondeu:– Já escolhi antes que o senhor chegasse. Escolhi um azul tur‑

quesa. Gosto dos tons de azul, senhor, realçam meus olhos.– Seus olhos se destacam independente disso, são lindos! – ele

disse, um pouco deslumbrado, mas sem esquecer a esposa morta.A mãe interveio na conversa:– Amélie, não chame o conde doutor de senhor. Ele tem dois tí‑

tulos: é formado em medicina, se não bastasse seu título de nobreza.– Não se importem com títulos, podem me chamar de senhor,

não tem problema nenhum. Sou Jean‑Paul de batismo, se preferirem.Mãe e filha coraram. Nunca chamariam a um doutor pelo nome,

muito menos a um conde. Na época, chamar pelo primeiro nome era apenas para pessoas da família. Assim mesmo, respeitando a hierar‑quia familiar.

– Desculpe, doutor, a cerimônia, mas prefiro estreitar nossos laços de vizinhança convidando‑o para o jantar.

A baronesa tinha deixado claro o seu papel de anfitriã, mas o conde não se prendia às regras de etiqueta da sociedade, nem tam‑pouco tinha a intenção de sugerir alguma intimidade. Ele estava apenas sendo sincero. Para ele, não importavam os títulos.

– Desculpem, se é para manter a cerimônia, senhora e senhorita, já fiz minha refeição antes de sair de casa. Se não atrapalho seus horários, gostaria de conversar um pouco mais com Amélie sobre o que aconteceu hoje. Tenho interesse em pesquisar o assunto, se não

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se importa, senhora baronesa.– Ah, doutor, se o senhor puder, por favor, mas não temos espe‑

rança de curá‑la nesse aspecto. Ela é assim desde criança.Depois de olhar para a filha medicada e com cores nas faces –

sem saber que eram de timidez – a baronesa perguntou ao conde quanto devia pela consulta.

Enquanto os dois conversavam, o rosto de Amélie se tornava cada vez mais rosado. Só agora que a mãe mantinha conversação ela teve oportunidade de olhar detalhadamente para o doutor; antes não tivera coragem de encará‑lo além do necessário, mas agora ele olhava para a mãe dela.

Ele era alto e magro, tinha uma postura distinta. Era grande de‑mais para a poltrona em que estava sentado e suas pernas pareciam sem lugar para ficar pendendo. Trazia os olhos tristes e olheiras que davam a ideia de que ele não dormia havia dias. Talvez com uma boa noite de sono aparentasse ter entre vinte e cinco e trinta anos. As mãos eram delicadas e finas para um homem, o que provava que estivera estudando por tempo longo demais. Ele cruzou as pernas e guardou uma caixinha na maleta que trazia, ainda insistindo com a baronesa Melina que não cobraria nada além de uma conversa com a menina.

Desculpando‑se por ter de dar atenção ao cigano e às compras de tecido, a baronesa saiu da sala, deixando‑os sozinhos. Amélie não conseguia erguer o olhar para ele de novo. O silêncio era constran‑gedor. Ela trazia os olhos distantes, duplamente encabulada: pelo interesse dele em saber mais do “fenômeno” ocorrido com ela e por sua situação de sonâmbula que a mãe revelara.

Ele começou interessado, não querendo parecer um entrevistador de revista científica, mas sendo:

– Agora que sua mãe se foi, podemos ficar mais à vontade, não é mesmo, Amélie? Importa‑se se eu a chamar pelo seu nome enquanto

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estivermos sozinhos? É um nome tão bonito... Então, é sonâmbula desde pequena? Poderia me falar das suas experiências?

Ele tinha mil perguntas sobre os fenômenos que ocorriam com aquela moça linda e tímida que tinha roubado sua atenção e reavi‑vado algumas lembranças. Nicole se parecia tanto com ela, e ele sen‑tia que as palavras de Amélie antes do desmaio o tinham consolado, mas como ela poderia saber a respeito de seus sentimentos em re‑lação à esposa morta. Ela dissera que Nicole estava viva de alguma maneira, embora ele não soubesse o que significava “em espírito”, mas iria descobrir. Tinha de descobrir, e a chave do segredo estava bem diante dele, de olhos baixos sem saber como começar a explicar.

Naquele momento, olhando novamente para a moça e pensando melhor, ele se deu conta de que talvez nem ela soubesse o que se passava. Teria de gastar muito tempo e paciência para que ele enten‑desse o enigma que tinha diante de si.

Amélie começou limpando a garganta, porque sua voz desafi‑nara de nervosismo diante de um doutor:

– Não me lembro bem do que acontece, doutor. É sempre no meio da noite... Quando acordo, estou em outro lugar, minha mãe tranca o quarto e as janelas com medo de que eu possa cair ou me jogar in‑conscientemente. Ela disse que ninguém consegue me acordar.

O doutor aquiesceu suavemente, como quem toma nota de ca‑beça. Ele pensava que teria de observá‑la dormindo para compro‑var o fenômeno. Mas como? A mãe tinha deixado claro o limite da educação que tivera e como se prendia às etiquetas e convenções sociais. Ele tinha de arrumar um jeito de passar mais tempo com ela. Acordando‑o de seus pensamentos, Amélie continuou:

– Na semana passada, tive um pesadelo estranho em que caía, sempre caía até bater no chão. Quando acordei estava mesmo no chão, tinha tropeçado no banco do toucador do meu quarto en‑quanto andava dormindo.

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Sua voz foi sumindo no final como se tivesse confessado algo indigno. O doutor continuava atento como se as palavras fizessem sentido para ele.

– Só depois vi que tinha batido os joelhos no banco e, para não cair de frente, provavelmente virei o corpo, torcendo o tornozelo. Foi tão rápido e eu ainda estava acordando, talvez minha perna tenha se prendido. O que acha que pode ter acontecido, doutor?

Ela parou como que para tomar ar. Desviou o olhar do dele nova‑mente, procurando outras palavras que descrevessem sua vergonha de ser infantil aos dezessete anos, caindo sozinha no meio da noite.

Ele estava reparando que ela piscava muito quando se encabu‑lava. O rosto corado tinha uma suavidade indescritível, os cachos dourados emolduravam suas expressões e as mãozinhas delicadas não paravam de gesticular tentando imitar dimensões e direções do que descrevia.

– Acho que pode ter prendido de alguma forma debaixo do banco, mas é uma lesão leve. Deve se curar rápido, após o medicamento.

Ela somente balançou a cabeça, remexendo o corpinho para ficar mais de frente para ele.

O doutor voltou a indagar suavemente, aproveitando a pausa:– E quando você tem os desmaios? O que ocorre?Ela parou para pensar novamente, tentando usar palavras que

fizessem maior sentido para ele.– Sinto uma coisa boa. Uma emoção, como se eu estivesse vo‑

ando, ou sonhando um sonho bom, ou mesmo acabado de comer chocolate...

Ele riu e ela riu também, seus olhos se encontraram como se fa‑lassem mais do que as palavras e ela começou a se sentir aconche‑gada com o olhar dele, como se já o conhecesse há muito tempo, não apenas há algumas horas. Ela conseguiu sustentar o olhar dele

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por alguns segundos antes de desviar o seu, mas foi suficiente para notar que ele era bonito quando sorria, que passava muita confiança, era uma figura carismática.

– Vou trazer bombons para você. Não precisa desmaiar.Os dois riram abertamente da piada inesperada que ele criara.

Amélie não mais sentia a distância de estar conversando com um doutor; começava a ficar mais à vontade ao lado dele e a se soltar.

Ele observou que o rosto dela fazia duas covinhas quando sor‑ria, exatamente como o rosto de Nicole, só que, olhando de perto, Amélie era ainda mais bonita, mais suave e mais intrigante para ele. Talvez por ele achar fascinante conversar sobre o desconhecido, querendo descobrir o que se passava.

– Você desmaia porque se sente bem? Não faz sentido. É a pri‑meira pessoa de quem ouço isso. Geralmente os desmaios vêm de‑pois de um mal‑estar, tontura, vista escura...

Ele parecia falar para si mesmo, como se estivesse conjecturando, mas Amélie gelou. Parecia que ele a estava repreendendo com muita educação, mas que estava. Ela retraiu o corpo, voltando a repousar a perna enfaixada no chão.

Imediatamente ele venceu a distância que separava as poltronas da sala e pegou a perna enfaixada para colocá‑la novamente sobre o sofá.

O movimento, meio abrupto, fez o coração de Amélie disparar. Será que tinha feito algo errado? Antes ela o via como médico, agora ele tinha se tornado seu interlocutor – ele sabia de suas desastradas aventuras. Era diferente... Nunca antes ela tinha conversado com um homem que não fosse de sua família.

Ele notou a estranha palidez dela e se desculpou pela impetuosi‑dade com que havia se mexido para abordá‑la.

– Desculpe se a assustei com meus gestos. É que você precisa

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deixar o sangue circular para não inchar mais. Se colocar o pé pra baixo, pode piorar.

Ela aquiesceu, ainda pálida. Vendo que a jovem estava um tanto constrangida com o toque ou a intromissão dele, o conde doutor co‑meçou a explicar como o sangue fluiria melhor se ela estivesse com a perna para cima. Empregou termos médicos e científicos para deta‑lhar a pressão sanguínea. Longe de se entediar, ela ficou interessada e ele se viu pacientemente explicando enquanto os olhinhos azuis acompanhavam seus movimentos didáticos e ilustrativos.

– Se tivesse um travesseiro ou almofada para apoiar o pé, seria ainda melhor.

Quando ele concluiu, a baronesa Melina, que assistia também à explicação observando da porta da sala, falou:

– Doutor, descobri seu talento. Acho que o senhor leva jeito pra explicar. Estávamos mesmo procurando um instrutor para Amélie. Não quer tentar?

– Senhora baronesa, fico muito lisonjeado com o convite, mas tenho que atender às pessoas que me chamam nas redondezas, não poderia ter horários fixos, e as aulas teriam de ser interrompidas de uma hora para outra.

O que estava dizendo?, pensava o conde. Esta era exatamente a desculpa que precisava para ficar mais perto da menina, para es‑tudá‑la, para descobrir o que de fato acontecia.

A baronesa retrucou:– Acho que Amélie não se importaria com isso. O piano e o

bordado podem mudar também de horário... Afinal, estamos aqui o dia todo, e com a facilidade de morarmos ao lado.

Amélie sentiu o sangue fluir todo para suas faces, entendendo de imediato que isso significaria vê‑lo frequentemente...

– Se me permite dizer com sinceridade, eu ficaria muito feliz

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em poder estudar o caso de Amélie. Gostaria mesmo de vê‑la de novo. Posso pensar em ensinar ciências ou medicina, se não se opu‑ser, senhora.

– Ensine o que achar conveniente e necessário. Qualquer conhe‑cimento lhe será útil, já que pelo jeito ela não vai se casar, doente assim. O antigo noivo, nosso primo, aquele sem‑palavra, desistiu do casamento no mês passado.

Mais uma vez Amélie corou, seu rosto parecendo o tecido ver‑melho que o cigano havia mostrado minutos antes de o doutor che‑gar. Para que sua mãe tinha que dar tantos detalhes? Não poderia simplesmente dizer que o casamento fora cancelado?

O doutor se interessou mais pelo assunto. Sendo educado, per‑guntou quem era o noivo.

– O primo Julien, barão de Blandoir. Ele alegou que não queria ver sua noiva andando dormindo...

Amélie queria se esconder ou sair dali. Definitivamente não era assunto para discutir com o doutor. Por que sua mãe não parava com aquela tortura?

Como se atendesse aos apelos mentais da filha, a baronesa se calou, após mostrar‑se muito magoada com as palavras de Julien.

O doutor se despediu, chamando Magdalena para voltar com ele ao castelo. Não tinha reparado como já era tarde. Prometeu estudar o problema de Amélie e ajudar no que fosse preciso para descobrir a razão dos estranhos desmaios.