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CADERNO DE EDUCAÇÃO Nº 13 Edição Especial Dossiê MST Escola Documentos e Estudos 1990 – 2001 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Reforma Agrária: com Escola, Terra e Dignidade! dossie.pmd 5/9/2007, 15:28 1

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CADERNO DE EDUCAÇÃO Nº 13

Edição Especial

Dossiê

MST EscolaDocumentos e Estudos 1990 – 2001

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem TerraReforma Agrária: com Escola, Terra e Dignidade!

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Expediente

Produção: Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária – ITERRA

Organização dos textos: Setor de Educação do MST

Foto de Capa: Sebastião Salgado

Impressão e acabamento:

1a edição: Agosto de 2005

ITERRARua Princesa Isabel, 373Cx. Postal 134CEP 95330-000 - Veranópolis-RSFone/fax: (54) [email protected]

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Sumário

Apresentação ........................................................................................................................ 5Memória cronológica dos textos que integram este Dossiê ................................................... 7Nossa luta é nossa escola: a educação das crianças nos acampamentos e assentamentos ....... 11Educação no Documento Básico do MST ........................................................................... 29O que queremos com as escolas dos assentamentos ............................................................. 31Como deve ser uma escola de assentamento ........................................................................ 39Como fazer a escola que queremos....................................................................................... 51A importância da prática na aprendizagem das crianças ....................................................... 83Escola, trabalho e cooperação .............................................................................................. 89Como fazer a escola que queremos: o planejamento ............................................................ 105Ensino de 5ª a 8ª série em áreas de assentamento: ensaiando uma proposta ........................ 137Princípios da Educação no MST ......................................................................................... 159Pedagogia da Cooperação .................................................................................................... 181Escola Itinerante em acampamentos do MST...................................................................... 185Como Fazemos a Escola de Educação Fundamental ............................................................ 199Nossa concepção de educação e de escola ............................................................................ 233Pedagogia do Movimento Sem Terra: acompanhamento às escolas ...................................... 235

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Apresentação

Esta é uma edição especial do Caderno de Edu-cação que traz o “Dossiê MST Escola”. A palavra“dossiê” quer dizer uma coleção de documentos re-ferentes a determinado assunto, pessoa ou proces-so, geralmente organizado quando se pretende fa-zer uma análise ou um balanço de uma trajetória.

Em nosso caso, o assunto é a ESCOLA e osdocumentos e estudos dizem respeito ao processode construção de uma concepção e uma práticade escola pública de educação fundamental desti-nada a educar crianças, adolescentes e jovens dasáreas de acampamentos e assentamentos de Re-forma Agrária conquistadas pelo MST em seus21 anos de história. As pessoas envolvidas nestedossiê são todas aquelas que têm participado des-te processo de construção; e somos todos nós quenos comprometemos com a sua continuidade.

Os textos desta coletânea foram produzidos epublicados no período de 1990 a 2001. A escolhanão foi aleatória. Foi este o período em que o MSTse dedicou a uma produção teórica específica so-bre a escola de educação fundamental e foram es-tes os principais estudos e documentos quereferenciaram o trabalho do Setor de Educaçãoaté aqui. Antes de 1990, tivemos diversas práticase alguns registros que permitiram iniciar este pro-cesso de sistematização que continua até hoje;depois de 2001 nossas produções e publicaçõesnacionais estiveram mais voltadas para outras fren-tes de atuação do Setor, como a Educação de Jo-vens e Adultos e a Educação Infantil.

A idéia deste dossiê surgiu durante estudos rea-lizados em nossos cursos de formação de educa-

dores, pela constatação de que poucas das pessoasque trabalham atualmente nas escolas das áreasde reforma agrária, e mesmo em outras atividadesdo setor de educação e do conjunto do Movimen-to, conhecem o conjunto de materiais e a trajetó-ria da reflexão do MST sobre a escola. Comomuitos destes materiais, dos quais extraímos ostextos que compõem este Caderno, já estão comedição esgotada e sua reedição dependeria de al-gumas atualizações necessárias ao avanço do con-junto de debates do Movimento, acabamos pri-vando os educadores e as educadoras do acesso aeles e da possibilidade de um diálogo crítico entresuas práticas e esta construção pedagógica já fei-ta.

Um dos objetivos principais da edição desteCaderno é, pois, resgatar a memória de nossa re-flexão sobre a escola, disponibilizando-a de for-ma organizada para estudo de nossos educadorese nossas educadoras. Ao chamar a atenção paraesta dimensão de trajetória e de processo de cons-trução, queremos instigar a análise crítica dos ma-teriais produzidos, como forma de provocar tam-bém a reflexão sobre como podemos avançar emnossa produção teórica e em nossa prática con-creta nas escolas públicas vinculadas ao Movimen-to.

É momento de voltar a discutir com toda nossabase “o que queremos com as escolas dos assenta-mentos e acampamentos do MST”, quais as tare-fas pedagógicas específicas da escola na formaçãodos Sem Terra e como organizar sua práticaeducativa para que contribua na construção do pro-

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jeto de sociedade socialista que defendemos e naemancipação social e humana dos seus sujeitos.

E hoje, temos que fazer esta discussão olhandonossa experiência em uma dupla perspectiva. Aperspectiva de cultivo da identidade política e pe-dagógica de uma escola pública vinculada a ummovimento social como o MST, e também a pers-pectiva de fortalecimento da mobilização “poruma Educação do Campo”, que consideramosuma das nossas ferramentas de ampliação da lutapela universalização do direito à educação e à es-cola (o que ainda não conquistamos em nossopaís), e de construção de um projeto de educação

vinculado às lutas de resistência do conjunto doscamponeses e pela transformação social.

Os textos foram mantidos na sua forma de edi-ção original. Não foram feitos nem ajustes nematualizações de informações ou linguagem. Na se-qüência vamos situar cada um deles em uma cro-nologia de elaboração, de modo a permitir umaleitura em perspectiva histórica. Estamos convi-dados a pensar sobre a atualidade e as possibilida-des de superação prática e teórica destas idéias.

Coletivo Nacional de Educação do MSTJulho de 2005.

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O objetivo aqui é situar brevemente, cada tex-to no tempo e no contexto de elaboração do con-junto de materiais produzidos pelo MST sobreeducação. Para uma análise histórica mais rigoro-sa a leitura deste Dossiê deve ser combinada coma de outros textos que tratam da trajetória da edu-cação e da história do MST no contexto da soci-edade brasileira.1

Abrimos o Dossiê com o texto “Nossa luta énossa escola” porque ele foi um dos primeiros tex-tos produzidos a partir dos registros de práticaspedagógicas em escolas de assentamentos do MST.Foi escrito no início de 1990, e traz depoimentosdas educadoras de escola, que na época tambémconstituíam o recém criado setor de educação doMST no Rio Grande do Sul. O debate principalera como passar do desejo do “diferente” à cons-trução de uma proposta alternativa de escola,centrada na relação entre educação e produção eno desafio da participação da escola na constru-ção dos assentamentos que começavam a ser con-quistados pelas lutas do MST.

O segundo texto é o capítulo que foi destina-do à educação no Documento Básico do MST,que é o documento principal de orientação da vidaorgânica e do trabalho dos diferentes setores doMovimento. Foi escrito ao longo de 1990, sendopublicado após discussão no 6º Encontro Nacio-nal do MST em fevereiro de 1991. Este Encontrofixou metas nacionais para cada setor a partir de

linhas políticas gerais elaboradas para o períodode 1989-1993. Foi incluído aqui porque indica areflexão coletiva e o compromisso assumido pelasinstâncias da organização com a educação nesteperíodo, e também porque trata especialmente dasescolas de educação fundamental das áreas de as-sentamento.

O terceiro texto é “O que queremos com asescolas dos assentamentos” e foi editado como Ca-derno de Formação do MST. Trata-se da primei-ra produção político-pedagógica sobre a escolafeita pela organização. Sua elaboração iniciou emoutubro de 1990, e teve diferentes formas até che-gar ao formato do Caderno publicado em 1991.As idéias nele apresentadas foram fruto dainterlocução entre os coletivos de educação e deformação do Movimento, a partir de pelo menosdez anos de práticas de educadores, educandos,pais e lideranças dos assentamentos e acampamen-tos que constituíram o MST.

Vale à pena destacar o raciocínio básico for-mulado na época de elaboração deste Cadernoporque ele continua orientando o trabalho do se-tor de educação até hoje: uma das tarefas da esco-la é a de ajudar a preparar os futuros militantes doMST e para a causa da transformação social. Estapreparação implica em capacitar as crianças paratransformar a realidade, construir o novo, a partirde aprender a enfrentar os problemas concretosque existem no assentamento (ou no acampamen-

Memória cronológica dos textosque integram este Dossiê

1 Sugerimos especialmente a leitura de: “Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil”, de João Pedro Stedile e BernardoMançano Fernandes (Perseu Abramo, 1999); “A formação do MST no Brasil”, de Bernardo Mançano Fernandes (Vozes, 2000); “Pedagogiado Movimento Sem Terra”, de Roseli Salete Caldart (Vozes 2000 e Expressão Popular, 2004); “A história da luta pela terra e o MST”, deMitsue Morissawa (Expressão Popular, 2001).

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to), mas cultivando uma perspectiva social maisampla. E a escola consegue fazer isso, se garante oconhecimento da realidade, prepara para o traba-lho, educa desde e para novos valores, desenvolvea consciência organizativa, educa para a partici-pação coletiva democrática e estimula a partici-pação nas lutas sociais concretas.

O quarto texto que compõe este Dossiê é“Como deve ser uma escola de assentamento”.Ele inaugurou a Coleção “Boletim da Educação”,criada com o objetivo de apoio direto ao traba-lho de educadores e educadoras das escolas deassentamentos e acampamentos vinculados aoMST. O texto, publicado em 1992, continua aelaboração iniciada no Caderno de Formaçãon.18, chamando a atenção para as característicasque a escola deve ter para atingir os objetivosdiscutidos no texto anterior. Embora não estejadito, fica claro de que se trata da escola de edu-cação fundamental, e para as crianças.

O quinto texto, “Como fazer a escola que que-remos”, também de 1992, desdobra os anterio-res e abre a coleção “Caderno de Educação” doMST, criada para socialização das nossas con-cepções e reflexões pedagógicas, e também comoapoio ao trabalho não apenas dos educadores edas educadoras de escola, mas do conjunto damilitância dedicada à tarefa de educação noMovimento. O foco deste Caderno é o currícu-lo escolar, e a preocupação principal é com umaorientação metodológica para implementação denossa proposta de escola, especialmente nos as-sentamentos.

O sexto texto é “A importância da prática naaprendizagem das crianças”, escrito em fevereirode 1993, e que não chegou a ser publicado nascoleções do Movimento. Foi incluído neste dossiêporque representa um momento específico de re-flexão pedagógica sobre a escola, produzida a par-tir das primeiras experiências do MST com oscursos formais alternativos de educação técnico-profissional de nível médio, iniciados em conjuntocom outros Movimentos Sociais do Campo na

Escola “Uma Terra de Educar”, do Departamen-to de Educação Rural da Fundação de Desenvol-vimento, Educação e Pesquisa da Região Celeiro– FUNDEP, e continuados depois com o “Insti-tuto de Educação Josué de Castro” do InstitutoTécnico de Capacitação e Pesquisa da ReformaAgrária – ITERRA, ambos com sede no Rio Gran-de do Sul, mas com atuação nacional.

A reflexão de que se trata é sobre a necessidadede construir uma metodologia de aprendizagem-ensino cuja ênfase esteja na aprendizagem-capacitação e no trabalho com “objetos geradores”,visando a educação (especialmente habilidades eposturas) de sujeitos capazes de intervir na realida-de concreta, e construir na prática este novo proje-to de campo e de sociedade discutido e defendidopelo Movimento.

O sétimo texto, “Escola, trabalho e cooperação”,da coleção “Boletim da Educação” e escrito em1994, faz parte do mesmo contexto de reflexão ede práticas e enfatiza a relação educação e trabalhocomo um dos pilares fundamentais da concepçãode educação do MST, detalhando o que seria a cons-trução de uma escola baseada na dimensãoeducativa do trabalho e da cooperação. É já umareflexão das práticas inspiradas pelo Caderno deFormação n.18 e se projeta como leitura para oconjunto da militância do MST e como orienta-ção, também para os cursos de formação e deescolarização de jovens e adultos.

Neste Boletim há uma especial preocupaçãocom a fundamentação teórica da proposta de edu-cação defendida pelo MST. E as referências teóri-cas e políticas vão aos poucos firmando comoorientação uma analogia entre a defesa de “umaescola que ajuda a construir o assentamento” e“uma escola que ajuda a construir o socialismo”,ou traços concretos de socialismo em uma socie-dade ainda capitalista. É importante lembrar queeste foi também o período da elaboração do “Pro-grama de Reforma Agrária” do MST, publicadono mês de julho do ano seguinte, 1995, atravésdo Caderno de Formação n. 23.

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O oitavo texto deste Dossiê é “Como fazer aescola que queremos: o planejamento”, já o nú-mero seis da coleção “Caderno de Educação”. Foiescrito no final de 1994 e publicado no início de1995, mesmo ano da criação do ITERRA e, sex-to ano das experiências de cursos de magistérioespecíficos para formação de educadores para asescolas de assentamentos e acampamentos doMST. O objetivo central desse texto é o de res-ponder a uma questão bem concreta de educado-res e educadoras das escolas: como fazer um pla-nejamento escolar capaz de garantir o processo deimplementação de nossa proposta de escola. Seufoco é a escola de 1a a 4a série, mas já aponta ele-mentos para pensar o conjunto da educação fun-damental. Hoje há outras reflexões e iniciativasde como fazer o planejamento da prática pedagó-gica escolar, mas que ainda não foram objeto desistematização pelo setor de educação.

O nono texto também é de 1995, “Ensino de 5a

a 8a série em áreas de assentamentos: ensaiando umaproposta”, que não chegou a entrar desta formanas coleções de materiais de educação do MST, masque foi a elaboração que serviu de base para a pro-dução, anos mais tarde, do Caderno sobre Educa-ção Fundamental, também incluído neste Dossiê.Este texto é o primeiro do MST preocupado espe-cificamente com os anos finais da educação funda-mental: garantir acesso nos próprios assentamen-tos (o que continua um problema sério até hoje), ediscutir um currículo adequado aos nossos objeti-vos e às necessidades de formação dos adolescentese jovens assentados. A elaboração foi iniciada emjaneiro de 1994, dentro de uma das oficinas decapacitação pedagógica e produção de materiaisdesenvolvidas em um curso de formação do Cole-tivo Nacional de Educação. A redação foi concluí-da depois por uma equipe indicada lá.

O décimo texto abre, talvez, um novo ciclo denossa reflexão pedagógica e amplia os destinatáriosdos materiais produzidos. “Princípios da Educa-ção no MST”, que é o n. 8 da coleção “Cadernode Educação”, foi escrito e publicado em 1996,

período em que começam a se multiplicar as fren-tes de atuação do setor de educação e que, ficamais forte o desafio de interlocução com o con-junto da sociedade, motivado pelas linhas políti-cas tiradas pelo MST em seu 3º Congresso, reali-zado em 1995, e sintetizadas na chamada“Reforma Agrária: uma luta de todos!” Este textodos princípios é então uma retomada, em novoformato, novas dimensões e nova linguagem, da“filosofia de educação” do MST, enfatizando ovínculo das práticas educativas com seu projetopolítico e afirmando um conceito mais amplo deeducação: educação é mais do que escola e escolaé mais do que 1a a 4a série, e não inclui apenas otrabalho com as crianças. Foi um texto escrito parao conjunto da militância do MST e acabou sen-do também objeto de interlocuções com outrasorganizações e grupos da sociedade.

O décimo primeiro texto deste Dossiê, “Peda-gogia da Cooperação”, do final de 1997, é outradas nossas produções avulsas, mas que marcamdetalhes de nossa trajetória de reflexões e preocu-pações. Ele foi escrito por motivação e indicaçãode debates de um dos Grupos de Trabalho do IEncontro Nacional de Educadoras e Educadoresda Reforma Agrária – I ENERA, realizado emjulho deste mesmo ano. Seu objetivo foi o de pro-vocar a reflexão sobre uma das ênfases pedagógi-cas necessárias à escola de educação fundamentaldos assentamentos vinculados ao MST, especial-mente para as escolas de 5a a 8a série, ou que in-cluem os anos finais do ensino fundamental.

O décimo segundo texto “Escola Itinerante emAcampamentos do MST”, de 1998, abriu a cole-ção “Fazendo Escola”, destinada à socialização deregistros e à sistematização de práticas de educa-ção no MST. É um texto que marca o retorno auma das preocupações de origem do setor de edu-cação e que não estava mais sendo tratada de for-ma específica em nossa reflexão pedagógica. A edu-cação nos acampamentos tomou nova forma eexigiu uma elaboração própria, a partir das lutasdo MST pela criação das chamadas “Escolas

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Itinerantes”, primeiro no Rio Grande do Sul, ex-periência que motivou este texto, mas agora já pre-sente em vários estados e com diferentes formatosde organização do trabalho pedagógico.

O décimo terceiro texto é “Como fazemos aEscola de Educação Fundamental”, o número 9da coleção “Caderno de Educação”. Foi publica-do no final de 1999, mas sua elaboração, comomencionamos antes, foi iniciada ainda em 1994,sendo escrito e reescrito muitas vezes, a partir dasdiscussões feitas em diferentes espaços do Movi-mento. Ele substituiu os outros cadernos comtemáticas específicas do cotidiano da escola comelaboração indicada no Caderno n. 06, assumin-do um novo e mais alargado entendimento sobrea totalidade pedagógica da escola. A inspiraçãoteórica veio dos estudos sobre a “Pedagogia doMovimento Sem Terra”, e a inspiração prática veiode algumas experiências de escola (de 5a a 8a sériee mesmo de educação média), desenvolvidas emdiferentes lugares do país.

Na reflexão sobre a escola este texto marca umainversão da lógica de pensar ou de planejar o pro-cesso pedagógico: a sala de aula não é o único(talvez nem mesmo o principal) espaço educativoda escola e não é apenas para o tempo das aulasque se deve voltar nosso planejamento escolar enossa intencionalidade pedagógica. Se as relaçõessociais constituem o centro, a base da formaçãodo ser humano, é especialmente sobre elas (nosdiferentes tempos e espaços onde acontecem), quedevemos incidir nossa atuação pedagógica funda-mental. Esta lógica foi sendo construída desde asnossas primeiras reflexões. Mas a diferença é quenos outros textos, o movimento descrito era dasala de aula para fora e, neste Caderno, se explicitao movimento contrário, a partir da ênfase dada àorganização dos processos de gestão e do trabalhoescolar.

O décimo quarto texto, “Nossa concepção deeducação e de escola”, elaborado para a edição de“Construindo o Caminho” de 2001, 2 é uma sín-tese das linhas políticas e da concepção de educa-ção e de escola no MST, feita a partir das refle-xões presentes também nos outros textos quecompõem este Dossiê. O livro reúne documen-tos, análises e avaliações recentes do MST sobrediversos temas e sobre as linhas políticas de atua-ção de seus diferentes setores. Foi organizado parautilização nos processos de formação da militânciado Movimento e indica a preocupação da organi-zação com o trabalho de educação e com a práticapedagógica das escolas a ela vinculadas.

Nosso Dossiê se encerra com um conjunto detextos que foram publicados também no ano de2001, na coleção “Boletim da Educação”, com o tí-tulo geral de “Pedagogia do Movimento Sem Terra:acompanhamento às escolas”. São textos produzi-dos no período de 1999 a 2001, e que trazem comofoco da reflexão a Pedagogia do Movimento e aspossibilidades de sua implementação nas práticaseducativas escolares, desembocando nos desafios deconstrução de um método de acompanhamentopedagógico às escolas públicas vinculadas ao MST.

Estes textos refletem um pouco da trajetóriado MST de pensar a prática e formular concep-ções, a partir dos embates cotidianos em queestamos envolvidos. É importante registrar que oseu processo de produção tem uma marca especial,que é a marca da produção coletiva. Mesmo que,em determinados momentos, algumas pessoasrecebam a tarefa de organizar a escrita, ou de fi-nalizar a redação dos textos, todos eles são pro-duto de muitas cabeças e muitas mãos e se carac-terizam como sistematização de experiênciascoletivas: valorização da prática e de seus sujeitos,e diálogo com teorias produzidas desde a mesmaperspectiva de classe e de ser humano.

2 Há uma edição anterior feita pelo MST, com outra organização de textos, mas com mesmo título, publicada em junho de 1986.

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Há uma história dentro da história da luta pelaterra em nosso país que ainda não foi contada. Em-bora fazendo parte do próprio dia-a-dia dos acam-pamentos e assentamentos, esta história durante mui-to tempo não chegou a merecer nossa atenção, tãopreocupados que sempre estamos com as discussõeseconômicas e políticas mais gerais, que envolvem aproblemática da Reforma Agrária em nosso país.

Estamos falando de uma história de educação.A história da organização e luta de pais e profes-sores dos acampamentos e assentamentos para as-segurar o direito de crianças à escolaridade, o quepela situação irregular das várias etapas da lutapela terra ficou sempre complicado; e mais, direi-to a uma escola de boa qualidade, capaz de darrespostas adequadas aos desafios do novo tipo devida nas terras conquistadas.

Vamos contar aqui os detalhes desta históriaespecífica dentro do Movimento dos Trabalhado-res Rurais Sem-Terra do RS, tomando os últimosdez anos da trajetória da luta pela terra em nossoEstado e procurando identificar as principais ques-tões que envolvem fatos e personagens muitasvezes tidos como integrantes de uma história pa-ralela. Por que, afinal de contas, a escola pode tera ver com a Reforma Agrária?

A trajetória a ser descrita vai da briga pela criaçãode escolas oficiais nos Assentamentos até a briga peladireção política e pedagógica do processo educativoa ser desenvolvido nestas escolas, passando pelosmeandros da questão educacional dentro de um

movimento reivindicatório como é o dos Sem-Ter-ra. Queremos mostrar que existe uma relação diretaentre esta trajetória e a própria dinâmica evolutivada luta pela terra como um todo: à medida quemudam as concepções e estratégias gerais do MST,muda também o tipo de discussão e de reivindica-ção que se faz em relação à educação e à escola.

Quando a organização dos ST cria em sua es-trutura um setor de educação, deixa para trás aconcepção ingênua de que a luta pela terra é ape-nas pela conquista de um pedaço de chão paraproduzir. Fica claro que está em jogo a questãomais ampla da cidadania do trabalhador rural semterra, que entre tantas coisas inclui também o di-reito à educação e à escola.

É preciso chamar a atenção para o seguinte: osignificado desta história de educação, que vamoscontar aqui, vai bem além do contexto dos assen-tamentos ou do próprio MST. Se pensarmos bem,estamos diante de um capítulo especial da histó-ria da educação popular em nosso país. Pais, pro-fessores e alunos estão construindo nestes locaisuma escola “diferente”, uma escola orgânica à suaorganização e aos processos de desenvolvimentorural propostos e implementados pela luta.

Isto é novo. Isto é, de fato, uma autêntica re-volução educacional. Trata-se da revisão das for-mas tradicionais de fazer, de pensar e de dizer aeducação do povo, demonstrando na prática quempode e deve ser o sujeito das mudanças funda-mentais para a nossa educação.

Nossa luta é nossa escola: a educação dascrianças nos acampamentos e assentamentosCartilha FUNDEP/DER/MST RS – Publicada em Junho de 1990 3

3 Elaboração: Roseli Salete Caldart – DER/FUNDEP e Bernadete Schwaab – Setor de Educação MST RS.

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Antes de passarmos a palavra a alguns dos per-sonagens principais dessa nossa história, um es-clarecimento de ordem metodológica.

Embora fazendo parte de uma mesma trajetó-ria geral de luta, cada Assentamento ou Acampa-mento tem uma história própria, com singulari-dades que dizem respeito a momentos ecircunstâncias conjunturais e às próprias diversi-dades das características de cada grupo e de cadalocal. A discussão sobre a escola necessariamente,assume esta singularidade. Neste texto, não tere-mos condições de explorar os detalhes de cada umadestas histórias. O que pretendemos é identificarsuas linhas gerais e suas questões mais importan-tes. Por isso, optamos pelo detalhamento de ape-nas algumas das experiências, de modo a balizarcom exemplos o movimento histórico geral dosassentamentos do Estado.

1. CRIANÇAS ACAMPADAS,O QUE FAZER COM ELAS?

1979 – ocupação das fazendas Macali e Bri-lhante em Ronda Alta. 1981 – os colonos gaú-chos acampam em Encruzilhada Natalino e inau-guram uma “nova” fase de luta pela terra em nossopaís. Ocupar e acampar são as formas encontra-das pelos ST para pressionar o governo a resolvero problema agrário, a cada dia mais profundo.São famílias inteiras que passam a morar debaixode lonas pretas e a conviver unidas pelo laço damiséria e da esperança de acabar com ela.

Nesta época, o MST ainda não estava estru-turado e, por isso, cada passo era um ensaio, commuitas dificuldades e muitos erros. Sem tempodeterminado para sair dali, sem saber ao certo oque fazer, com quem contar, as famílias acampa-das vão construindo, pouco a pouco, sua organi-zação, seu Movimento.

Há crianças ali e são muitas; mais de duzentas.E estão desorientadas. O que estaria acontecendoem suas vidas? O que pretendem seus pais agita-dos, e por que fazem tantas reuniões e assembléias?Por que tantas caminhadas, tanta fome, tanta con-

fusão? Por que uma cruz tão grande e tão esquisi-ta no meio dos barracos escuros? O que fazer alipara passar o tempo?

Mesmo com tantas outras preocupações, algunsadultos percebem a ansiedade dessas crianças e co-meçam a pensar no que fazer com elas. São for-mados grupos de mães, que passam a orientar asbrincadeiras do grupo de crianças e a explicar, pelomenos um pouco, o que está acontecendo em suasvidas, integrando-as nas várias atividades do Acam-pamento.

Por acaso, ou por destino histórico, entre osacampados havia uma professora. Era Maria SaleteCampigotto, professora estadual em Ronda Alta,desde 1978, que casada com um colono sem ter-ra, integra o grupo. Salete virá a ser, depois, a pri-meira professora de Assentamento do País.

No acampamento, Salete passou a coordenaras atividades com as crianças. Na EncruzilhadaNatalino ainda não se pensava em escola. A preo-cupação era como cuidar das crianças, evitar quese expusessem demasiadamente aos perigos demorar na beira de uma estrada e discutir com elassobre a luta da qual forçosamente estavam parti-cipando. E a resposta veio imediatamente. “Quan-do o Cel. Curió visitava o acampamento, geral-mente trazia balas para as crianças. Não demoroumuito e elas começaram a perceber as más inten-ções desses presentes. Logo passaram a recusá-lose a responder em coro: ‘Não queremos balas, que-remos terra!’” (Salete).

Em março de 1982, 165 famílias que estavamem Natalino, acampam em Passo da Entrada, nolocal previsto para seu futuro Assentamento. OAcampamento chamado “Nova Ronda Alta Rumoà Terra Prometida” deu origem depois a quatroassentamentos: Nova Ronda Alta, Conquistado-ra, Vitória da União e Salto do Jacuí.

Neste acampamento eram 180 crianças em ida-de escolar, sendo 112 delas para ingresso na 1ª

série, ou seja, prontas para serem alfabetizadas.Isto começou a preocupar seriamente os pais. Foientão que Salete, ajudada agora por uma outra

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professora, Lúcia Webber, ligada à Paróquia deRonda Alta, passou a articular entre os Acampa-dos a luta pela criação de uma escola estadual de1ª à 4ª séries, no acampamento, uma vez que Saletejá era professora estadual, e isso então facilitariaas coisas.

Depois de muitas conversas e audiências, a Se-cretaria de Educação autorizou a construção daescola, o que aconteceu, ainda em maio de 82.Imediatamente, as duas professoras começaram atrabalhar com as crianças, mas a situação da esco-la só veio a ser completamente legalizada bem maistarde, em abril de 1984, já no Assentamento deNova Ronda Alta, que surgiu em outubro de 1983.

Salete e Lúcia estavam, na época, fazendo ocurso de Pedagogia, e já tinham participado dealguns encontros sobre educação popular com aEquipe de Paulo Freire. Inspiradas por estasidéias, exigidas pela realidade do acampamentoe depois de assentamento, e promovendoreuniões sistemáticas com os pais, iniciaram umaexperiência, ainda que solitária, de escola “dife-rente” para as crianças ST. Uma escola que deve-ria valorizar a história de luta destas famílias, en-sinando a ler e a escrever através de experiênciasque também desenvolveram o amor à terra e aotrabalho.

Enquanto esperava a sua transferência oficialpara a escola do assentamento, Salete viveu umaexperiência a mais para ajudá-la a entender o queera esta escola diferente, que estavam tentandoconstruir. Para atender seus compromissos com oEstado, ela lecionava de manhã numa escola ofi-cial de Ronda Alta e à tarde trabalhava na escolade Nova Ronda Alta (NRA). A vivência simultâ-nea de duas realidades diferentes de escola firma-ram em Salete aquilo que hoje é uma convicçãosua: “A mudança na educação vem pela comuni-dade e não pela escola. É a comunidade a únicacapaz de exigir uma transformação real do jeitode ensinar do professor. Num acampamento ouassentamento, todos os conflitos envolvidos naquestão da luta pela terra precisam ser trabalha-

dos pela escola. Não tem como o professor fugirdisso...”

Hoje, Maria Salete, além de continuar comoprofessora no seu assentamento, é vereadora e tra-balha na Secretaria de Educação de Ronda Alta,tentando levar para além do MST a discussão dasexperiências de escolas nascidas dentro do movi-mento.

Mas vamos puxar outra ponta desta história:1985 – Fazenda Anonni. Sarandi. Os Sem-Ter-

ra estão organizados no MST. Na Anonni, o maiorAcampamento já realizado: 1.500 famílias, maisde 1000 crianças. Lições anteriores aprendidas, aorganização interna é exemplar.

Todo o acampamento é organizado em Equi-pes de Trabalho. Entre elas a Equipe de Educa-ção, formada por um grupo de pessoas interessa-das em trabalhar com as crianças. No começo,também aqui não se pensava em escola e nem sesabia discutir com elas o que estava se passandoali. Tal como no Natalino, o desafio era explicarpara esta gente miúda o porquê de estarem acam-padas, organizá-las em grupos, cantar, correr, vi-ver com elas, enfim...

Quando, porém, os meses foram se passandosem uma solução para os acampados, a Equipe deEducação da Anonni começou a discutir sobre anecessidade da escola. Nesse momento, o grupoficou dividido. Havia aqueles que não concorda-vam com a instalação de uma escola dentro doAcampamento porque julgavam que ela iriaatrapalhar a luta maior; iria amarrar ainda mais asfamílias, dificultando sua mobilidade e participa-ção ativa no MST. Muitas lideranças tinham essaidéia, e algumas delas mantêm sua posição atéhoje. Ou seja, a posição de que a educação escolarnão chega a fazer diferença no desdobrar de umaluta social como a dos ST.

Por outro lado, foi forte o argumento da Equi-pe de Educação de que sendo tão grande o núme-ro de crianças em idade escolar e prevendo-se umademora ainda maior na solução, muitos pais po-deriam pensar em deixar o Acampamento. E ha-

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via mais um detalhe: a Anonni poderia ser umfuturo assentamento, e então a escola não seriatão provisória assim.

Bernadete Schwaab, professora estadual, vin-da do município de Braga, e que também acam-pou na Anonni, conta que foi bastante difícil aprópria negociação interna para apoio à briga pelaescola oficial no Acampamento.

Primeiro foi feito um levantamento, que acu-sou a presença de 650 crianças entre 7 e 14 anos.O número surpreendeu a própria direção daAnonni e este dado também foi jogado na discus-são com o Estado: além de não se estar resolven-do a questão da terra, havia ainda o agravante donúmero de crianças privadas do direito constitu-cional de freqüentar uma escola.

Logo depois, foi feito um mapeamento dos pro-fessores existentes no acampamento. Bernadete,uma das principais articuladoras da Equipe deEducação da Anonni, nos narra alguns detalhes:“Um dia aproveitamos a aparelhagem de som ins-talada, para convocar todos os professores que es-tivessem no acampamento, para uma reunião...Quando a gente chegou eram uns 15, já com ex-periência de escola. Depois, vieram outros queainda não tinham o 1ºgrau completo, masqueriam ajudar na articulação da escola...”

Foi nesse tempo, isso era início de 1986, que aequipe se pôs a estudar sobre educação popular eentrou em contato com o trabalho de NRA. Naverdade, muitas pessoas deste assentamento vi-nham trocar idéias e experiências com os acam-pados da Anonni. Maria Salete também veio efalou de sua experiência como professora.

Começa então, agora na Anonni, a briga pelaescola oficial...

2. A CONQUISTA DA ESCOLA“Tiramos uma comissão de pais e professores e

começamos pela prefeitura (Sarandi). O prefeitoficou entusiasmado com a idéia e disse que iriaconstruir um ‘brizolão’ (ele era do PDT), naAnonni... A gente saiu animado. Dali a duas se-

manas voltamos lá, mas a conversa já era outra.Segundo ele seria muito difícil conseguir o apoiodo governo, uma vez que se tratava de um Acam-pamento, ou seja, uma área de conflito, não lega-lizada. Nessa época, veio nos visitar uma profes-sora chamada Julieta Balestro. Era de Porto Alegree conhecia bem o secretário de Educação, conse-guindo marcar uma audiência nossa com ele. Oprefeito de Sarandi também participou da con-versa. Colocamos para o secretário a realidade donúmero de crianças sem escola. Ele se apavoroucom os dados e, imediatamente, prometeu a ver-ba para a construção da escola. Estávamos emnovembro de 1986. O tempo passou, chegoumarço do ano seguinte e nada da escola. Nos reu-nimos de novo, fomos até à prefeitura e lá conse-guimos vários pedaços de lona plástica para mon-tar um grande barracão, e ali começamos, dequalquer maneira, as aulas. Veio então a notíciada aprovação da criação da escola pelo Estado. Oprédio seria construído em seguida...” (Bernadete).

É debaixo de uma lona preta, pois, que come-ça a funcionar a primeira escola oficial de umAcampamento do MST no ESTADO. As aulasaconteciam todas no mesmo barracão, num siste-ma de três turnos. Eram 23 professores para 600alunos, de 13 à 43 séries. No final do ano, as au-las passaram para o prédio novo.

Meses depois, quando a Anonni foi divididaem 16 áreas e as famílias passaram a ocupar a fa-zenda inteira, não era mais possível dar aulas paratodas as crianças nesta mesma escola. A fazendatem 9.000 hectares. Reiniciou-se então a briga pormais escolas, e o resultado foi a conquista de seteescolas estaduais para o Acampamento; seis delasfuncionam até hoje e uma foi transferida, no se-gundo semestre de 1989, para o AssentamentoNova Ramada, em Júlio de Castilhos.

Como podemos ver, as lições foram importan-tes também neste campo. Como explicar aoficialização de uma instituição formal como é aescola, num contexto de suposta ilegalidade e deconflito social aberto, como é um acampamento?

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Em Nova Ronda Alta o reconhecimento legal daescola só veio depois de um ano de assentamento.Em acampamentos posteriores ao da Anonni,como por exemplo o do Rincão do Ivaí, em Saltodo Jacuí, jamais se conseguiu uma escola oficial,mesmo havendo, de fato, um trabalho organiza-do de ensino com as crianças.

Este fato traz à tona a complexidade políticada questão dos Sem Terra que trafegam perma-nentemente, nos escorregadios limites entre o le-gal e o legítimo, e entre as contradições e tendên-cias de cada conjuntura.

De qualquer modo, esta conquista da Anonniconfirmou a força de organização e chamou a aten-ção para a questão escola entre todos os gruposdo MST no Estado. Cada leva de colonos que sai,hoje, da Anonni para algum assentamento carre-ga consigo a preocupação e os primeiros passospara o começo da briga pela escola. Em algunscasos, até consegue articular a presença de algumprofessor no grupo para liderar a discussão.

Mas em cada novo assentamento a briga serepete e com toda a intensidade. Briga internada Equipe de Educação, para que o assunto sejaprioritário desde as primeiras reuniões do gru-po. Briga externa para acelerar a negociação como Estado, que pode demorar meses, ou anos,obrigando aos assentados iniciar as aulas geral-mente bem antes do reconhecimento oficial. E ébom lembrar que, no caso dos assentamentos, oEstado tem a responsabilidade legal de criar es-colas e dar-lhes todas as condições de funciona-mento.

3. PROFESSORES DE FORA XPROFESSORES DE DENTRO

Voltemos à Anonni. Logo que as aulas foram ini-ciadas em 1987, na escola estadual localizada na área10 da fazenda, aconteceram episódios marcantes naluta do acampamento. Foi nessa época que aconte-ceu o grande cerco policial à fazenda, obrigando oscolonos a sair para Cruz Alta. Muitas manifestaçõesfortes foram organizadas em todo o Estado.

As professoras discutiram com as crianças e seuspais e resolveram participar, com elas, de todos osacontecimentos. Uma das professoras, MariaOneiva Haack, acompanhou a famosa peregrina-ção de 30 crianças, que saíram da Anonni e atra-vessaram o Estado pedindo apoio à luta pela Re-forma Agrária. Isto foi em agosto de 1987.

Essa mistura entre o que ocorria no acampa-mento como um todo e o que ocorria na sala deaula, aos poucos fez surgir entre pais, professorese crianças, um novo entendimento do processoeducativo. Bernadete relembra: “Foi aí que abri-mos nossa cabeça pra lutar por uma educação di-ferente, voltada à nossa realidade de acampados.A gente quer que as crianças compreendam tudoo que está acontecendo ao seu redor e participemdesse processo de mudança...”

Mas esta ligação entre a escola e o Acampa-mento estava sendo possível porque nessa épocaas professoras da Anonni eram todas acampadas.Elas foram contratadas pelo município, através doprograma de repasse de verbas do Estado paracontratações emergenciais de professores, por tem-po determinado. Como a titulação destas profes-soras era deficiente, não havia como prestar con-curso público no próprio Estado.

No inicio de 1988, porém, com a implantaçãopela Secretaria de Educação do chamado “Qua-dro de Pessoal por Escola” (QPE), houve umremanejamento geral dos professores estaduais, eas professoras da Anonni não tiveram seus con-tratos renovados. Em seu lugar veio uma leva deprofessores estaduais de fora e que, em sua maio-ria, nem sabiam exatamente o que acontecia nafazenda. O que sabiam estes professores é que es-tavam sendo mandados para um lugar de dificíli-mo acesso, em precárias condições de trabalho,com um pessoal esquisito e se dizendo Sem-Terrae, além do mais, por um salário de fome...

A experiência foi desastrosa e a revolta dosacampados foi geral. Mesmo a boa vontade de al-gumas das professoras não foi suficiente para re-solver o problema. Quando chovia, por exemplo,

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não vinha o ônibus, nada de aula. Quando haviaaula, ficava difícil convencer as crianças de queaquilo, que estavam aprendendo agora, tão dife-rente do que estudavam antes, podia ter impor-tância e algum atrativo.

– Profe, por que a gente não canta mais o nos-so hino? – Por que existe gente sem terra, hem?

– Profe, nós vamos ficar ainda muito temponesses barracos?

A partir desse episódio, ficou claro mais umfoco de luta: titular professores dos próprios acam-pamentos e assentamentos para facilitar a negocia-ção dos contratos com o Estado. Esta seria umagarantia de que as escolas não ficariam isoladas daluta geral do MST.

Aos poucos, também foi ficando claro que estaoposição entre “de dentro” e “de fora” não pode-ria ser absoluta. Não se tratava de excluir qual-quer professor que não fosse acampado, mas sim,de exigir que cada professor – viesse de onde vies-se passasse a ter um comprometimento real comas crianças e com a comunidade.

Na prática, isto sempre fica mais fácil quandoo professor participou do processo de luta, desdeo início, mas também não são poucos os exem-plos de “conversão”. É isso que se percebe no de-poimento de Neiva da Silva, que entrou para serprofessora no Assentamento do Rincão do Ivaí eacabou casando com um dos assentados: “Meuprimeiro contato com MST foi através de outrasinstâncias: setor de formação, de mulheres... Co-mecei a me questionar sobre até que ponto a es-cola estava colaborando para que este assentamen-to avançasse... Vi que eu não estava colaborandoem nada como professora. Daí senti necessidadede ouvir experiências de alguém que me ajudassea fazer alguma coisa isolada, já que os professoreseram de fora, inclusive eu... Soube então que ha-via uma organização dos professores de assenta-mento do Estado, e procurei participar...”

Hoje, Neiva está fazendo um curso de Magis-tério especial para professores de Assentamento, eé uma participante ativa do Setor de Educação do

MST. Mas esse é já um outro capítulo dessa nossahistória....

4. DAS EQUIPES DE EDUCAÇÃO AOSETOR DE EDUCAÇÃO DO MST/RSO Setor de Educação foi criado em 1988, numa

reestruturação interna que dividiu o MST em se-tores de atividades.

A inclusão de um setor específico de educaçãoé resultado da organização de professores e paisque passam a assumir a questão educacional dascrianças e dos jovens como prioridade para o Mo-vimento.

A origem do setor já encontramos lá na Anonni,naquela primeira equipe, que em 1986, resolveubancar a luta pela conquista de uma escola paraas crianças acampadas. Esta equipe continuou sereunindo depois para discutir temas ligados à edu-cação em geral e às dificuldades que estavam sen-do enfrentadas no dia-a-dia da sala de aula. Comonarra Bernadete, o que o grupo queria mesmo eraclarear a relação que poderia haver entre a escola eo movimento, até porque era preciso conseguir oapoio político dentro do MST, para depois poderter a força de pressão suficiente, junto ao Estado,e à própria opinião pública. Muitas vezes, a or-dem acabou sendo a inversa, ou seja, algumas dasconquistas da Equipe de Educação acabaram au-mentando seu poder político no próprio Movi-mento. A tal ponto, que hoje um representantedo Setor de Educação faz parte da Executiva geraldo MST no Estado.

Progressivamente essa primeira equipe foi seampliando e passou a articular professores dos as-sentamentos da região, como o de Novo Sarandi,Passo Real e principalmente Nova Ronda Alta,cujo contato através da sua professora já se tinhainiciado bem antes.

A partir daí, Bernadete, da Anonni, e Salete,de NRA, passaram a articular uma Equipe Esta-dual de Educação, chamando também professo-res de outras regiões do Estado. O começo foi comos assentamentos da região de Porto Alegre, que

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logo organizaram uma Equipe Regional de Edu-cação.

Estas equipes, geralmente compostas pelos pro-fessores e por representantes dos pais do assenta-mento, tenham eles ou não filhos na escola, têmfuncionado corno um canal básico de comunica-ção e de articulação entre as escolas, o assentamen-to. e o Estado. Principalmente na sua instância re-gional, elas conseguem, onde bem organizadas, sereste canal entre pais e professores. Corno dizTerezinha Vivian, professora do Assentamento daEtel Guaíba, na região de Porto Alegre:

“A gente começou a ler muito: livros que ti-nham propostas de educação. E a gente foi vendoque queria era uma proposta de educação que nãotrouxesse as coisas prontas para a criança, e simque ela construísse a sua própria educação; e quefosse participativa para a escola e para os pais.Porque não adianta a criança ir para a escola eaprender alguma coisa e os pais não saberem oque está acontecendo... A gente faz muitas reu-niões. Não decidimos nada sem fazer reuniões. AEquipe se encontra, de 15 em 15 dias ou, de mêsem mês. Depende da época. Fazemos um plane-jamento comum entre os assentamentos. Não éplanejar conteúdos especificamente, mas sim umplano que englobe tudo, uma linha comum...”

A exemplo da regional de Porto Alegre e AltoUruguai, as duas primeiras a se organizarem no es-tado, outras regiões vão criando suas Equipes deEducação e progressivamente integrando a organi-zação estadual. Atualmente, início de 1990, são cin-co as regionais organizadas: Porto Alegre, Alto Uru-guai, Cruz Alta, Bagé e Santa Maria, envolvendocerca de 30 assentamentos e mais os acampamen-tos que vão surgindo. Destas regionais é que saemos representantes para a Equipe Estadual, hoje Se-tor de Educação, que vêm se reunindo desde 1980,para encaminhar coletivamente as lutas referentesà construção de novas escolas, à contratação dosprofessores, à busca de alternativas para a forma-ção e titulação dos professores etc.

Mas sem dúvida, o grande desafio do setor é a

progressiva definição da proposta geral de educa-ção para as escolas de assentamentos, no que temcontribuído a articulação já nacional da equipe eo intercâmbio com assessores que trazem para den-tro do movimento as discussões mais avançadassobre educação popular, fora e dentro da escolaformal.

5. UMA ESCOLA DIFERENTEPensemos: em 1985, na Anonni, a escola che-

gou a ser vista pelos assentados como um atrasopara a luta. Em 1990, a escola está sendo quasesempre uma das primeiras reivindicações dos no-vos Assentamentos. O que mudou em tão poucotempo? Mudou a luta, ou mudou a escola?

No começo do Movimento, analisa a profes-sora Noeli Candatem da Anonni, “ o pessoal via aluta pela terra como tão difícil que quase achouque tinha que largar os outros setores. Era pri-meiro conseguir a terra pra depois lutar por ou-tras coisas”. Mas aos poucos, completa Bernadete,“veio uma visão maior da luta, da organização, doque se quer como movimento. Não é só terra. Émudar toda a produção, a comercialização, a ad-ministração da terra... É projetar um outro tipode organização da sociedade...”

Ou seja, no fundo, o que entra em jogo nadiscussão sobre a escola são diferentes concepçõesda luta pela terra. Quando se forma a consciênciada amplitude do processo social que está sendodesencadeado pelo movimento, abre-se o espaçopara discutir mais profundamente a questão daeducação, e ela passa a ser considerada como umadimensão fundamental da luta. Mas, ao mesmotempo, surge outra divergência: porque lutar poreducação não é necessariamente lutar por escolasformais. Existem outras formas de educação queparecem ser bem mais eficientes e concretas.

A brecha para que entre na roda a questão deeducação escolar é a ausência de discussão sobre aformação da criança, que necessariamente terá queincluir a aquisição do instrumental básico de lei-tura e escrita, função atribuída à escolarização for-

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mal. Este tipo de preocupação, por sua vez, per-mite que aos poucos se aprofundem e seredimensionem as necessidades principais dos as-sentados no campo da educação.

Outro dado importante: a resistência de mui-tos Sem-Terra à escola, antes de ser uma desvalo-rização da educação, sempre foi uma reação aotipo de escola que conheciam e que realmente nãotem nada a ver com a dinâmica da luta em queestão inseridos.

É por isso, então, que quando os acampadoscomeçam a discutir a questão da escola, uma daspalavras mais pronunciadas nas reuniões de pais eprofessores é “diferente”. A escola tem que ser di-ferente, o professor tem que ser diferente, os alu-nos têm que ser diferentes, tudo diferente.

6. MAS, DIFERENTE EM QUÊ?A diferença começa nos objetivos da escola.

Desde o início, os pais têm clareza de que a es-cola deve ajudar no avanço da luta. Ou seja, nãopode haver separação entre o que está aconte-cendo no Assentamento e o que é trabalhado nasala de aula. A escola deve ser essencialmenteprática, fornecendo conhecimentos capazes deinfluenciar no trabalho e na organização da novavida. Ser um instrumento de continuidade daluta através das crianças, ensinando a elas “a rea-lidade, o jeito deste mundão que tá aí”. Exata-mente o contrário da experiência que eles pró-prios tiveram: “... só as coisas impostas na nossacabeça, e era àquilo que a gente aprendia... Narealidade, a gente não aprendia era nada, nemler e escrever direito...” (Oneide Zatti, Assenta-mento Itapuí, em Canoas).Mas como, na prática, fazer uma escola a serviço

do assentamento? A primeira providência foi sentar para discu-

tir: pais e professores tomam juntos a decisão so-bre o que ensinar.

“Para começar o ano a gente tirou uma Equipede Educação, que foi formada com pessoas dacomunidade. A gente discutia os conteúdos do

mês; os pais davam idéias sobre o que a criançaprecisava aprender...” (Oneide).

Já aparece uma diferença fundamental: “Lá foraa gente recebia aquele planinho de aula pronto daSecretaria, e ia só despejando conteúdos para osalunos...” (Maria Oneiva – Anonni). Ou seja,quando o professor vai trabalhar numa comuni-dade desorganizada, ele é simplesmente mais umindivíduo e, como tal, pode fazer o que bem en-tender, desde que não fira, é claro, a “ordem”estabelecida. Na maioria das vezes, o que faz éacomodar-se a um programa oficial, rígido e frio.Como a comunidade não sabe o que quer, nãotem parâmetros para avaliar o seu trabalho. Nemele próprio tem condições de fazê-lo.

Num Assentamento, quando organizado, oprofessor é um elemento do coletivo, e sua práti-ca deverá se submeter aos propósitos maiores dogrupo. Se o professor é do próprio local, a relaçãofica facilitada, porque estes propósitos são tam-bém seus. Já, se vem de fora, é preciso começarquebrando a concepção tradicional que vê no pro-fessor, especialmente o das pequenas comunida-des rurais, a autoridade máxima, o detentor abso-luto do saber escolar.

De qualquer forma, discussões e sugestões fei-tas, cabe ao professor organizar e desenvolver otal ensino diferente. E neste momento, principal-mente para aqueles que estão tendo sua primeiraexperiência numa sala de aula, vem a ansiedade, aangústia, o desafio.

Conta a professora Rosângela Brigo, do Assen-tamento Santo Isidoro, de Erval Seco, que, quan-do ela assumiu a escola, foram noites e noites quepassou sem dormir, estudando e pensando no queiria fazer com as crianças. No caso deste assenta-mento, a escola tinha ficado já alguns anos comprofessores do município, até que os pais, insatis-feitos com o seu trabalho, resolveram mudar. Éentão que, Rosângela, antes mais uma “mãe preo-cupada com a educação melhor para seus filhos”,é indicada pela comunidade e assume como pro-fessora.

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“Toda a luta que a gente tinha vivido ali tinhaparado... Nós avaliamos: o que nós, pais, apren-demos agora de velhos, os nossos filhos vão seguiro mesmo caminho. Porque, em vez de continuara luta que já viviam no Acampamento, a escolaestava deixando ela morrer...” (Rosângela).

A primeira conclusão sobre o que ensinar paraas crianças dos Assentamentos fala, pois, em “rea-lidade”.

“Ensinar para a criança porque a gente acam-pou, qual foi a finalidade disso... Ensinar coisasconcretas: desde preparar as leituras, tratando decoisas que a criança conhece... Começando pelanossa realidade, mas também não deixando de en-sinar outras coisas que a criança não conhece, por-que ela não pode ficar apenas na nossa vida doMST. É preciso preparar a criança para a vida dela,ensinar o porquê de o nosso país estar vivendonuma miséria...” (Oneide).

“Quando vou alfabetizar a criança e ensino, porexemplo, a palavra ‘terra’, porque não falar dosproblemas do Assentamento”?

“Trabalhar o conteúdo, que é mesmo necessá-rio trabalhar, mas partindo da realidade das crian-ças... para que elas saibam situar-se no contextomaior que é o mundo...” (Neiva).

E partir da realidade das crianças – aqui nãofoi entendido de maneira abstrata e individual,mas sim histórica e coletiva.

“Desde o início, eu comecei buscando a histó-ria do acampamento: de onde saímos, por queacampar, os objetivos de conquistar terra, as datasmais importantes que passamos... Eu pesquiseimuito pra minhas crianças aprenderem a relacio-nar tudo o que nós temos com a nossa luta. Porexemplo, as leis que nós temos no Movimento eas leis que temos no Estado, e por que temos... aNova Constituição etc.” (Rosângela).

“Pra nós aprendermos as coisas mais impor-tantes que existem, precisamos partir da base...”Esta base é a luta do assentamento. “...partindoda nova luta, dá para trabalhar o ano inteiro, en-caixando o Português, a Matemática etc.; botan-

do o que nós sabemos dentro dessas matérias enão dando só o conteúdo que vem pronto da Se-cretaria, deixando assim a nossa história delado...”(Rosângela).

Nestas primeiras experiências, já há consciên-cia da dificuldade: “encaixar a nossa luta nas ma-térias é muito complicado, mas é gostoso fazeruma coisa que a gente sabe que a criança vai apro-veitar...” (idem).

Mas além do que ensinar, é preciso discutir nasequipes, nos cursos, com os assessores, tambémsobre o jeito de ensinar, a questão dos métodos eda própria relação professor-aluno.

A questão fundamental, no começo, foi a deaprofundar e aperfeiçoar aquelas experiênciaseducativas improvisadas nos acampamentos que,mais por circunstância do que por princípio, per-mitiam a naturalidade do ato de aprender, mistu-rar-se com a vida cotidiana dos pais, professores ecrianças.

Por outro lado, e especialmente para os profes-sores que já tinham experiência anterior de ma-gistério, foi preciso romper com o jeito tradicio-nal de trabalhar:

“A gente tava acostumada a dar aquela educa-ção tradicional; chegar em sala de aula e só falar,despejar matéria em cima dos alunos, não permi-tindo que eles contassem a vida deles, não questio-nando nada. Agora no acampamento, a gente sen-tiu que tinha que mudar mesmo. Ali a gentecomeçou a questionar os alunos e a gente mesma,ver o porquê daquilo que está sendo dado, fazen-do o aluno se tornar mais crítico...” (MariaOneiva).

“Num acampamento a coisa é diferente. Ascrianças questionam a gente, elas estão mais aber-tas, têm mais facilidade de perguntar para o pro-fessor... mesmo porque a gente mudou essa edu-cação... Lá fora a gente parecia mais um policialdo que um professor. Aqui a gente procura darmais liberdade às crianças, tenta fazer aquilo quea criança gosta; achar a maneira de como a crian-ça gosta mais de aprender...” (Noeli).

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Já para as professoras, que começam sua pro-fissão nestas escolas, é natural passar a utilizar emsala de aula práticas comuns a outras instânciasdo Assentamento:

“A gente na sala de aula senta em círculo. Sen-tados em círculo, todos somos iguais. E é senta-dos assim que a gente discute e acha solução paraas dificuldades do Assentamento. Então não é por-que agora eu sou a professora que vou colocar acarteira lá na frente...” (Rosângela).

É assim, então, de círculo em círculo, ou de prá-tica em prática, que a professora deixa de ser a se-nhora que manda, para se tomar, ou continuar sen-do, a companheira de luta, que sabe e ensina, masque também ouve e aprende.. E as crianças, sensí-veis que são às experiências novas que observam ouvivenciam, junto à trajetória de luta de seus pais,são as grandes mestras desta escola “diferente”.

“Eu vejo meus alunos com muita liberdade,eles não se sentem crianças reprimidas. Sentem-se livres para perguntar qualquer coisa. Eles que-rem é saber...”(Oneide).

E parece que também já sabem o que querem,pondo em prática o aprendizado da organização:

“Um dia, as crianças resolveram fazer uma as-sembléia com todos os alunos da escola. A gentefoi lá só pra assistir: Elas escolheram quem ia diri-gir a assembléia, montaram a pauta, tudo direiti-nho. Esse fato acabou chamando a atenção de todomundo porque as crianças estavam se sentindotambém responsáveis pelas coisas... Nessa assem-bléia decidiram sobre a merenda... É que não ti-nha merenda pra elas, naquela época, e o prefeitotinha prometido dar essa merenda. Daí elas deci-diram que iriam ao município falar com o prefei-to e exigir dele: ou a merenda ou parar de fazerpromessa...” (Noeli/ Anonni).

Nos Assentamentos que optam pela organiza-ção coletiva do trabalho, geralmente as criançasse sentem motivadas a criar sua própria organiza-ção. Em Nova Ronda Alta, por exemplo, as crian-ças realizam uma assembléia semanal, só delas,para discutir os seus problemas cotidianos e tam-

bém para distribuir as tarefas que lhes cabem noAssentamento.

Este tipo de vivência infantil acaba repercu-tindo na sala de aula, quer pelo amadurecimen-to das questões levantadas para o professor, querpela tentativa de reprodução na escola destas si-tuações vividas. É comum encontrar na escola aorganização mirim das Equipes de Trabalho exis-tentes nos Acampamentos: Equipe de Higiene,Segurança, Água, Auxílio à Secretaria etc. Cabeao professor aproveitar todo o potencialeducativo destas experiências, vinculando-as comos temas de ensino.

7. DO DIFERENTE AO ALTERNATIVOMas a prática não tem sido fácil para estes pro-

fessores. São muitas as dúvidas e poucas as respos-tas claras, existindo mesmo divergências entre asposturas assumidas por um assentamento e outro.

“Meu maior medo é de simplesmente estarchegando na sala de aula para falar da realidade enão para viver a realidade com a criança. Porqueesse é o risco que a gente corre: chegar e repetiruma série de coisas e não levar a criança a se sentircomo alguém que está fazendo a realidade”(Neiva).

De um lado, é a sua experiência passada de es-cola tradicional que precisam superar, e é a suaexperiência atual de MST que devem conseguirtransformar numa pedagogia. E isto é complica-do e já vale até uma autocrítica:

“Acho que a gente está muito ligado ao tipo deformação que teve na escola; tem muito ainda aavançar na questão de como ensinar, na visão desala de aula, que leve mesmo à mudança. Porquea gente sempre freqüentou uma escola repressiva,e aquilo está incutido na gente...” (CláudiaManham – Assentamento Pe. Josimo, emEldorado do Sul).

De outro lado, também aparecem os proble-mas de aprendizagem das crianças, as insatisfa-ções dos pais com alguns desdobramentos do tra-balho da escola tradicional, o que fazer então?

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Aos poucos os professores começam a perce-ber que o “diferente” precisa ser aprofundado, eque o grande desafio é a construção de uma novaestratégia educativa e de uma nova concepção deensino e de aprendizagem, coerente com os obje-tivos da escola num Assentamento.

“A criança precisa aprender a conhecer a reali-dade, saber por que é assim, se ela pode ou nãomodificar isso; se ela tem ou não direito de agirsobre isso... É então muito mais do que ensinar ohino do ST, hastear a bandeira do Movimento naescola... Isto é até necessário, mas não é suficien-te. É preciso mostrar para a criança que a realida-de é algo que pode ser mudado; mostrar, discutirna escola como é que se pode fazer para o Assen-tamento dar certo...” (Neiva).

A progressiva consciência da complexidade damudança educacional de que estão sendo sujei-tos, traz à tona o significado fundamental da es-cola “diferente”, que desde o início os ST preten-dem implantar nos seus Assentamentos. E estesignificado é duplo: a escola é diferente, tem queser diferente porque o contexto onde ela se insta-la é diferente. O assentamento é um tipo de orga-nização coletiva, até certo ponto original, no ce-nário social brasileiro, tão pródigo em “livresiniciativas” individuais.

Uma escola metida na organização de um gru-po social específico e com homogeneidade de inte-resses, só poderia assumir características singularese dar respostas às questões próprias deste grupo.

Mas daí vem o outro significado desta diferença:quando os assentados querem uma escola voltadapara a sua realidade, eles estão, antes de tudo, fazen-do uma crítica ao modelo de escola que conhecem eque é o tradicional em nossa educação. Então, quan-do tentam resolver os seus problemas educacionais,na prática passam a participar da construção de al-ternativas para as escolas brasileiras em geral, em es-pecial àquelas localizadas no meio rural.

Ou será que um ensino que ajude a entender ea transformar a realidade, que vincule teoria e prá-tica, que prepare para um trabalho concreto e para

uma cidadania plena, não são bandeiras comunsa todos os movimentos de transformação da edu-cação que conhecemos?

O que acontece é que a relação escola-co-munidade, possível num Assentamento, estápermitindo a este grupo avançar mais rapida-mente na definição concreta de uma escola al-ternativa.

Talvez seja por isso que cada vez mais entida-des de educação e de pesquisa estão chamando ouvisitando os professores de assentamentos, paraconhecer e discutir suas experiências...

8. UMA NOVA FORMAÇÃOPARA UM PROFESSOR NOVO

“A principal luta hoje é para que os professo-res tenham maior conhecimento e consigammudar a educação nos assentamentos. Desde aorganização da escola até o modo de ensinar...”(Bernadete).

Mas não é fácil mudar. E também não são to-dos os professores de Assentamento que já conse-guiram fazer esta trajetória da escola tradicional àescola “diferente”, e muito menos os que já che-garam à consciência de uma proposta alternativade educação. Por isso, uma das maiores bandeirasde luta no Setor de Educação é hoje, a da forma-ção do professor, ou seja, sua capacitação técnicae política para a construção prática desta propos-ta.

Na realidade, esta formação se deu e se dá nodia-a-dia da sala de aula, bem como da sua orga-nização como setor específico do MST e da suaparticipação na organização geral do Assentamen-to ou Acampamento, a cada discussão e a cadatentativa de buscar soluções para os novos pro-blemas surgidos. Porém, ocorre que na medidaem que as Equipes de Educação vão se dando con-ta da complexidade das questões educacionais quea sua prática começa a levantar, passam a sentirnecessidade de uma capacitação mais científica,de uma formação teórica que lhes permita enten-der melhor a prática.

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“A gente tem muita prática de luta e de muitacoisa; mas quanto à teoria, a gente tem muito queaprender... E eu acho que o professor tem que teruma teoria e uma prática...” (Terezinha).

Desde o início da organização das Equipes, hou-ve esta preocupação com a formação. No começoforam as reuniões de estudo. “A gente se reunia, de15 em 15 dias, pra estudar um tema que os profes-sores tivessem dificuldade...” (Bernadete).

Depois foram os intercâmbios da Equipe Es-tadual com Universidades e outras entidades edu-cacionais para realização de cursos e semináriosque envolvessem os professores dos Assentamen-tos de todo o Estado, propiciando um confrontode experiências e um aprofundamento teórico es-pecífico, principalmente em questões referentes àmetodologia do ensino.

Mas, a partir do final de 1988, com a criação doSetor de Educação, com a explicitação da necessi-dade de titulação dos professores e mais a cons-ciência da complexidade das mudanças pretendi-das nos assentamentos, há um aprofundamento dadiscussão sobre esta questão da formação, e o Setoracaba se envolvendo num projeto audacioso. Passaa lutar por espaço num curso de Magistério quepermita resolver os dois problemas dos professoresdos Assentamentos: uma formação adequada aosdesafios assumidos e. a obtenção do título que lhespermita negociar com o Estado a indicação dos pro-fessores de dentro do Movimento.

Não foi nada fácil. Segundo Bernadete, forammuitas as tentativas de articulação com colégiosde 2° grau das várias Regiões do Estado, com Fa-culdades de Educação, e sempre surgia algum im-pedimento, ou de ordem legal ou de ordem polí-tica. De modo geral, as instituições formais deEducação não estão preparadas para assumir pro-postas das camadas populares.

Sempre houve a possibilidade, e em muitos ca-sos ela foi aproveitada, de os professores dos Assen-tamentos ingressarem em cursos oficiais de Magis-tério, regulares ou supletivos, existentes em cadaregião. No início, esta possibilidade não foi muito

utilizada devido às condições dos Assentamentos:difícil acesso, poucas condições financeiras etc. Aospoucos, estas dificuldades se tornaram posição:

“Eu poderia ter feito o Normal lá mesmo emGuaíba, mas não é o que eu quero. Eu quero umcurso que seja nosso...” (Terezinha).

Ou seja, se a proposta de escola dos Assenta-mentos tem que ser diferente, então um curso deformação de professores para atuar nestas escolastambém tem que ser “diferente”. Tem que estarcomprometido com a discussão das experiênciaspedagógicas que já estão sendo realizadas nos vá-rios assentamentos do Estado.

É então que o Setor de Educação fica sabendodo projeto de uma nova instituição educacionalque está surgindo na Região Noroeste do Estado,e começa a ver ali um espaço para a realização docurso que pretende.

Trata-se da FUNDEP (Fundação de Desen-volvimento, Educação e Pesquisa na Região Ce-leiro), que é criada em 1989, no município deTrês Passos, pela articulação dos movimentos po-pulares da Região com alguns setores da Igreja ecom um grupo de educadores dispostos a dar àluz a uma proposta realmente nova de educação.Proposta que seja organicamente vinculada àsnecessidades e demandas da formação de umapopulação regional organizada, tanto na área doensino formal como da educação não formal.

Na estrutura da FUNDEP, são criados váriosDepartamentos, dentre os quais o DER (Depar-tamento de Educação Rural), voltado especifica-mente para a problemática dos pequenos produ-tores rurais e o desafio de implementação de umprojeto de desenvolvimento rural que lhes garan-ta melhores condições de vida e maior participa-ção social nos destinos do País.

Ao saber disso, e à medida que o MST passa aser chamado para as primeiras discussões sobreo projeto de implantação da FUNDEP e doDER, o Setor de Educação propõe a realização,nesse Departamento, do curso supletivo de Ma-gistério para professores de Assentamento de

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todo o Estado. Isto acontece no primeiro semes-tre de 1989.

Quando, em agosto, a Fundação é oficializada,este curso já está eleito como o primeiro curso a serrealizado pelo DER, sendo planejado em conjuntocom o Setor de Educação, desde os objetivos, osconteúdos, os professores a serem convidados, ametodologia de trabalho e de avaliação etc.

Em janeiro de 1990, inicia a primeira etapa docurso, sendo oferecido também, para os professo-res municipais em exercício na Região de Braga,município próximo de Três Passos, onde fica a sededo DER. A avaliação foi a de que a problemáticada escola rural regional, confrontada com a pro-blemática específica das escolas de assentamento,seria de grande riqueza para a formação dos pro-fessores de ambas

O curso está atendendo 42 professores dos as-sentamentos pertencentes às Regionais de PortoAlegre, Cruz Alta, Santa Maria, Bagé e Alto Uru-guai, e 40 professores dos municípios de Braga,Redentora, Miraguaí, Santo Augusto, Chiapeta,Palmitinho e Marau.

A organização está seguindo uma modalidadede co-gestão entre os alunos, professores, DER,Setor de Educação do MST e representantes dosÓrgãos Municipais de Educação da região envol-vida.

O fato de se tratar de professores inseridos di-retamente numa prática educacional está confi-gurando o curso como um espaço privilegiado deanálise crítica da proposta pedagógica que, desdeo início dessa história, as Equipes de Educaçãotentaram e estão conseguindo implementar. As-sim se manifestam seus educandos:

“Existe muita relação entre o curso e a nossaprática. A gente tá tendo uma clareza; dá pra di-zer, até, que está encontrando uma solução para oque era problemático... Aprendemos métodosnovos de como viver com as crianças. Isto já de-veria ter acontecido há muito tempo atrás...”(Noeli).

“Este curso é nosso...” (Terezinha).

“A gente já tinha pensando muitas vezes so-bre como fazer a mudança na escola. A gentequeria fazer alguma coisa diferente, mas não sa-bia bem o quê, nem como. E este curso está aju-dando a responder a vários “comos”... Está sen-do uma das melhores experiências que eu já tivedesde que comecei a trabalhar como professo-ra...” (Neive).

O tipo de discussão, que vem sendo travadadurante o curso, passa a configurar melhor as prin-cipais questões a serem enfrentadas pelo MST nocampo da formulação de sua proposta pedagógi-ca alternativa, identificando os focos centrais damudança pretendida.

Estes focos dizem respeito, de um lado, à ques-tão específica do processo ensino-aprendizagem:“Na Matemática, por exemplo, dávamos proble-mas usando a realidade do Assentamento. Só quenão se analisava o raciocínio anterior ao próprioproblema... se esse tipo de problema ajudava aentender, a questionar esta realidade” (Cláudia).Ou seja, o que está em jogo, afinal de contas, é oprocesso de conhecimento a ser desenvolvido naescola e que precisa estar a serviço do assentamen-to.

De outro lado, o foco da mudança está na for-mação de consciência organizativa do professor,que além de saber ensinar deve saber comoviabilizar, na sua comunidade este ensino, a seuserviço. Isto quer dizer, ser um articulador da suaEquipe, do Setor de Educação e do Assentamen-to como um todo. De entrave aos processos ge-rais de mudança, passar a ser um agente destasmudanças.

Aos poucos também vai ficando claro para es-tes professores que o grande desafio passa a se vin-cular a discussão metodológica da educação e doprocesso de conhecimento que está em sua base,às questões gerais da organização ao coletivo doAssentamento, a começar pela questão da produ-ção. As novas formas de trabalho e de proprieda-de da terra são o fundamento da experiência devida dos assentados e, portanto, devem ser tam-

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bém a base de qualquer projeto pedagógico quepretenda ser – lhes orgânico.

9. ESCOLA E COOPERAÇÃO AGRÍCOLANão há dúvida hoje, dentro do Setor de Edu-

cação do MST, de que a base da escola alternativapara os Assentamentos está na relação entre a es-cola e a produção.

Embora, sem toda a clareza sobre o tema e semobjetivos bem definidos, desde as primeiras expe-riências e discussões entre pais e professores apa-receu a preocupação com o vínculo necessárioentre ensino e trabalho. Quando os pais falam cominsistência numa escola prática, é principalmenteem conhecimentos sobre o trabalho na terra queestão pensando. É por isso que, em muitas esco-las de Assentamento se desenvolvem experiênciasde trabalho prático com as crianças, se convidamos pais para dar algumas aulas sobre agricultura epecuária, pondo-se em discussão com os alunosas questões de produção no Assentamento, ques-tão do trabalho coletivo, da tecnologia etc.

Mas é o próprio amadurecimento da discussãoe da prática produtiva nos Assentamentos que per-mite e, mesmo hoje, exige uma definição maisconcreta dos objetivos da escola neste campo.

Ao que tudo indica, este início de década estáconfigurando, como o grande desafio para aviabilização econômica e política das terras con-quistadas, a consolidação, difusão e aprofunda-mento das experiências de Cooperação Agrícola.Ou seja, romper com o modelo tradicional dapequena propriedade individual e criar uma or-ganização coletiva do trabalho nos Assentamen-tos, transformando-os em grandes empresas coo-perativas, parece ser a única alternativa contra aestratégia capitalista de extermínio dos pequenosprodutores e inviabilização da Reforma Agráriaem nosso país.

Se é assim, a escola assume um desafio corres-pondente: como se integrar e participar com efi-cácia no trabalho cooperativo? Qual pode ser seupapel específico numa Cooperativa de Produção?

Isto quer dizer que está havendo uma concre-tização maior dos objetivos da escola. Sempre sedisse que a escola deveria ajudar no avanço geraldo Assentamento. Se hoje, se coloca que a alter-nativa para este avanço é a cooperação agrícola,então a escola não pode deixar de participar dis-so.

Segundo Bernadete, esta é a principal meta doSetor de Educação hoje: que a escola acompanhetoda essa discussão sobre a cooperação, e que es-tas experiências entrem na escola, clareando devez a relação entre a escola e a produção nos As-sentamentos.

É na prática cotidiana destas experiências queprogressivamente vão sendo levantados os elemen-tos fundamentais desse desafio que está posto àescola. E já são muitas e diversificadas as iniciati-vas de trabalho cooperativo no Estado: Nova Ron-da Alta, Novo Sarandi (Holandês), Nova Rama-da, Associação dos Assentamentos de Bagé,Anonni, só que nem em todas elas a questão daeducação e da escola aparece diretamente traba-lhada.

Através do depoimento da professora Delmade Bortoli, do Assentamento Nova Ramada, emJúlio de Castilhos, que nos conta a história da suarecém implantada cooperativa de produção, po-demos ter uma noção inicial das questões que logodeverão ser enfrentadas por todas as experiênciassemelhantes, no que se refere à educação das crian-ças dos Assentamentos...

Nova Ramada é um Assentamento novo. Sur-giu em março de 1989, como parte da soluçãopara os acampados da Fazenda Anonni. Por isso,sua organização já absorveu muitas lições da tra-jetória de outros grupos mais antigos. Na própriaquestão da educação, o grupo conseguiu levar jun-to uma professora que já trabalhava numa das es-colas estaduais da Anonni, a professora JussaraReolon. Aliás, a própria escola foi junto, prédio ehistória.

Em setembro de 1989, o MST realizou, emNova Ramada, mais um dos seus laboratórios de

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campo, o que resultou na criação da COOPANOR(Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Ra-mada Ltda.), com o objetivo de sustentar e melho-rar as condições de vida de um grupo de 72 famíliasque optou pela forma coletiva de trabalho.

Delma esclareceu que esse grupo já vinha ama-durecendo a idéia da Cooperação Agrícola desdeo tempo do Acampamento. O laboratório, queconsistiu numa série de discussões e cursos sobreo que é, por que e como se organiza uma Coope-rativa de Pequenos Produtores, permitiu ao gru-po pôr em prática a idéia, já com um grau bemrazoável de conhecimentos técnicos necessários.

Mas como é que a escola entrou nessa história?Na verdade, a experiência da Nova Ramada foi

um pouco diferente das ocorridas anteriormenteem outros Assentamentos. Geralmente, quandoacontecem laboratórios de campo, as escolas per-manecem isoladas da discussão. Elas são fecha-das, as aulas são suspensas e os professores, quan-do participam dos cursos, não o fazem comoprofessores, mas sim como elementos gerais docoletivo.

Em Nova Ramada, foi deliberado pelo grupo,que os professores deveriam participar da Coope-rativa enquanto profissionais específicos, ou seja,enquanto professores mesmo. Por isso, no mo-mento de realização dos cursos preparatórios à im-plantação da COOPANOR, foram planejadas ati-vidades de interesse específico da escola, tais comoestudos sobre Educação Popular e AdministraçãoEscolar, além da participação dos professores noscursos sobre as questões gerais de produção e daorganização do trabalho cooperativo.

Por outro lado, o que fazer com as crianças nes-te processo? Atentas a tudo o que estava aconte-cendo no Assentamento, desde o início elas mani-festaram vontade de participar das atividades juntocom seus pais e professores. Logo, esta questão teveque ser avaliada pelo grupo. Como não havia con-dições operacionais de misturar crianças e adultosnum mesmo tipo de curso, especialmente que en-volvessem conhecimentos técnicos especializados,

optou-se pela realização de atividades específicaspara as crianças. Assessores montaram oficinas demúsica, teatro, artes manuais etc.

Foi a partir destas experiências que a escola pas-sou a ser exigida no processo. Conta Delma: “Aprópria representação do que estava acontecendono Assentamento passava pelas nossas mãos: tra-balhar com as crianças a questão da cooperaçãoagrícola. As crianças chegavam em casa e os paisestavam discutindo com os vizinhos sobre as van-tagens da organização de uma Cooperativa. Reu-niões todas as noites pra decidir quem entra equem não entra na Cooperativa... Então as crian-ças estavam vivenciando isso tudo e queriam sa-ber o que era aquilo e como poderiam ajudar. Elastambém queriam fazer parte da tal Cooperativa...”

Surge pois, a primeira grande questão nestecampo da educação infantil: como envolver ascrianças na Cooperação Agrícola?

Na verdade, não existe ainda uma discussão es-pecífica feita no MST, ou mesmo em experiênciaspróximas, sobre o trabalho infantil numa organi-zação deste tipo. Levantada a questão pelas pró-prias crianças, o Assentamento incumbiu a equi-pe de começar a pensar sobre ela.

Ou seja, na prática já começou a ficar definidoo papel deste Setor na Cooperativa: responsabili-zar-se por todas as questões referentes à educação(dentro ou fora da escola), das crianças e dos ado-lescentes do assentamento, sendo que a questãodo trabalho infantil é considerada a questão edu-cacional por excelência.

“Vamos discutir com os pais e com a coorde-nação do assentamento, mas temos autonomiapara tomar as decisões sobre o que fazer quanto aesta questão...”

Esta Equipe de Educação é formada pelas pro-fessoras e por algumas mães. Nas suas primeirasdiscussões sobre o trabalho das crianças, já fica-ram claros pelo menos dois pontos: 1) não há con-dições de as crianças participarem diretamente dotrabalho dos adultos. Isto não seria viável e nemmesmo educativo porque simplesmente seriam

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ajudantes em tarefas secundárias; 2) as criançasdevem aprender para que serve a cooperação agrí-cola, recebendo uma formação voltada para osprincípios e valores do trabalho coletivo.

Mas como fazer isso? “No início, as criançascomeçaram a fazer reuniões, elas mesmas, para vero que queriam fazer. Daí decidiram que iriamcuidar do pátio da Cooperativa e da horta da Es-cola. E assim foi. De manhã, tinham aula, e detarde, todos trabalhavam, todos, não importandoa idade. Havia sempre um grupo para coordenaro trabalho, providenciar material etc.”

Mais adiante, e é a discussão atual em NovaRamada, surgiu a idéia de uma marcenaria, ondetodo o trabalho estaria sob a responsabilidade dascrianças. “Crianças da escola e mesmo aquelas quenão estão mais na escola, mas são menores de 16anos... A idéia é que as crianças façam brinque-dos de madeira e depois bancos para serem utili-zados nas reuniões da Cooperativa... Elas produ-ziriam o primeiro brinquedo para elas mesmas edepois, para as crianças menores que ainda nãopodem trabalhar nisso. No caso de não ter mate-rial, se passaria a cobrar um preço simbólico porcada brinquedo, dos pais das crianças que não tra-balharem. Isso até pra valorizar o trabalho dascrianças. Também existe uma proposta de vendamaior dos brinquedos quando a produção puderaumentar...”

Esta é a maneira que o grupo de Nova Ramadaestá encontrando para, ao mesmo tempo, ocuparas crianças, “porque muitas delas estavam passan-do tempo demais em brincadeiras inconseqüen-tes e até prejudiciais à formação”, valorizar o seutrabalho, reconhecendo que elas são capazes deassumir responsabilidades e não apenas ajudar emtarefas secundárias dos adultos, e também lhes pro-porcionar uma experiência educativa preparató-ria ao seu envolvimento efetivo no tipo de orga-nização e de vida que está sendo proposto para oAssentamento.

Há clareza dos professores que, para trabalhara questão da Cooperação Agrícola na sala de aula,

as crianças precisam ter uma vivência prática detrabalho cooperativo. E são esses próprios profes-sores que vão acompanhar as atividades das crian-ças na marcenaria ou em outras que forem defini-das. A idéia é que cada professor trabalhe um turnona escola e outro neste acompanhamento, sendoesta a sua cota de participação em trabalho na Co-operativa (prestação de serviço).

Se assim for, está posto um grande desafio acada professor, à escola, à Equipe de Educação eao Assentamento como um todo: conseguir esta-belecer um vínculo real entre aquilo que será es-tudado na sala de aula (o processo de conheci-mento) e o trabalho de cooperação das criançasno assentamento (o processo de produção).

Novamente entra em questão a necessidade daformação dos professores, para que sejam capazesde transformar a própria atividade de ensino numtrabalho cooperativo, quer no envolvimento dosalunos na tomada de decisões sobre as atividadesa serem realizadas, quer na natureza destas ativi-dades, quer no relacionamento do grupo de pro-fessores, numa experiência igualmente cooperati-va de planejamento do ensino e de discussão eavaliação permanente do processo.

Estas questões, envolvendo educação e produ-ção, que foram levantadas a partir da história es-pecífica do Assentamento Nova Ramada, certa-mente estão aparecendo, com peculiaridadesdiferentes, em cada experiência maior ou menorde trabalho associativo. Trata-se do grande desa-fio a ser assumido coletivamente pelo MST e portodas as entidades que têm algum vínculo orgâ-nico com os movimentos sociais do meio rural.

AMARRANDO ALGUMAS QUESTÕES“A fusão do homem do dizer como homem-do-fazer é a chaverevolucionária da educação.” (Mario Manacorda – Pedagogo italiano)

A História da Educação, geralmente é contadaa partir dos discursos teóricos dominantes em cadaépoca, excluindo dela os sujeitos que fazem essa

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história mas não a possuem, ou seja, não tomamconsciência da sua ação, não a teorizam, não aregistram. Neste texto procuramos romper comeste jeito tradicional de contar a história, dando apalavra aos sujeitos reais de uma prática educativaconcreta, justamente para que ao dizê-la, eles pos-sam além de registrar, analisar mais profundamen-te o que estão fazendo.

Sobre o que ficou registrado aqui, gostaríamosde chamar a atenção para alguns pontos, que semdúvida merecem uma reflexão posterior e certa-mente justificarão novos textos.

Através da trajetória específica da educação es-colar nos Acampamentos e Assentamentos, naverdade podemos percorrer o processo educativopelo qual o MST vem construindo sua identida-de histórica e que vem culminar, exatamente, nanecessidade de um projeto consciente e organiza-do de educação das novas gerações, tendo em vis-ta tornar possível um salto histórico capaz de in-corporar todas as lições da luta que vem sendotravada.

As formas de organização e de trabalho dos STestão parindo uma nova pedagogia, ou seja, umnovo modo de fazer e pensar a educação, que in-clusive se coloca como possibilidade histórica detransformação educacional da sociedade como umtodo.

Esta novidade não se situa num modelo ideali-zado de educação, mas sim, no conjunto contradi-tório das exigências que o contexto da luta pelaterra vem fazendo aos seus sujeitos em termos deformação. O novo, pois, não está na originalidadeda proposta ou, na invenção de uma nova teoriapedagógica, mas sim, na prática concreta que estáconseguindo talvez recuperar a essência do atoeducativo: não é original dizer que a educação éimportante nos processos de transformação social,mas é nova a valorização prática da educação naslutas populares, especialmente as do meio rural.

Também não é original dizer que a escola pre-cisa ser democratizada, mas é nova a organizaçãocoletiva de pais e professores para que milhares de

crianças tenham acesso à escola, e ainda a umaescola que lhes ensine a ser um trabalhador daterra, consciente e militante pelas causas sociais.Igualmente não é original dizer que a vida e, maisconcretamente, o trabalho e outras práticas sociaissão os educadores por excelência, mas é nova acircunstância que exige da escola um vínculo di-reto com as demais experiências educativas dosalunos e de seus pais e que põe os professores apensar como melhor conjugar o trabalho da esco-la com o trabalho das crianças no Assentamento ecom os problemas gerais da produção agropecuáriae da cooperação agrícola.

Ou seja, o novo, ou o “diferente” como dizem,está em encontrarmos nas suas experiências coti-dianas, às vezes apenas intuitivas, eivadas de am-bigüidades, os grandes princípios das propostasjá estudadas e reestudadas da educação popular.

A novidade pedagógica, de que estamos falan-do, tem raiz no momento educativo fundamen-tal da formação do MST, ou seja, no processo peloqual os trabalhadores rurais despossuídos, isola-dos entre si e marginalizados, tanto pela direitaquanto por muitos segmentos da esquerda, pas-saram a construir uma identidade que é a sua,mas que é nova, a identidade de trabalhadoresrurais Sem Terra, organizados num coletivo comcapacidade de luta, com força política e, progres-sivamente, com um projeto social. Identidade quese constrói desde a organização das estratégias daluta até a preocupação com a formação de crian-ças e adolescentes que façam avançar as conquis-tas do seu Movimento.

Esta trajetória, por outro lado, esbarra numacontradição fundamental: as novas relações sociaisde trabalho, ensaiadas nos vários Assentamentos,são emperradas por uma herança pedagógica pro-fundamente enraizadas nas velhas formas deprodução e de propriedade. O desafio passa a serentão, romper com esse círculo vicioso, instau-rando ao mesmo tempo novas formas de educa-ção e de trabalho. E a escola, especialmente resis-tente às mudanças, é exigida como uma das

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principais articuladoras deste processo de reedu-cação coletiva.

Enfim, são os “homens da ação” assumindo ocontrole do seu processo educativo e passandotambém à condição de “homens da palavra”. Nãoseria esta a verdadeira democracia?

Vale apontar, finalmente, que o futuro destahistória depende da lucidez, da racionalidade edo rigor da ação organizada de seus protagonis-tas, não se deixando levar pela ilusão da “geraçãoespontânea” do novo e pelo endeusamento ou amistificação de experiências isoladas. Muitas ve-zes esta mistificação pode ser provocada pelo “en-

contro” com intelectuais falsamente comprome-tidos com as lutas populares.

A compreensão do surgimento desta nova peda-gogia apenas revela a grandeza e a complexidade dotrabalho a realizar. Do brotar até o dar frutos há umlongo caminho a ser percorrido. Fazer crescer a or-ganização do Setor de Educação, qualificar as for-mas de enfrentamento das barreiras oficiais, estudarmuito, discutir sempre, auto-avaliar-se permanen-temente. Estas são as tarefas que, além do mais, po-dem permitir um diálogo fecundo com todos os gru-pos identificados com esta luta, num autênticoprocesso de reeducação da sociedade como um todo.

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I – Linhas políticas– Transformar as escolas de 1o grau dos assen-

tamentos em instrumentos de transformação so-cial e de formação de militantes do MST e deoutros movimentos sociais com o mesmo projetopolítico.

– Desenvolver uma proposta de educação queproporcione às crianças, conhecimento e experiên-cias concretas de transformação da realidade, a partirdos desafios do assentamento ou acampamento,preparando-se crítica e criativamente para partici-par dos processos de mudança da sociedade.

– A prática de educação nas escolas de assenta-mento/acampamento deve seguir os seguintesprincípios:a) ter o trabalho e a organização coletiva como

valores educativos fundamentais;b) integrar a escola na organização do assentamen-

to;c) formação integral e sadia da personalidade da

criança;d) a prática da democracia como parte essencial

do processo educativo;e) o professor deve ser sujeito integrado na or-

ganização e interesses do assentamento;f ) a escola e a educação devem construir um pro-

jeto alternativo de vida social;g) uma metodologia baseada na concepção

dialética do conhecimento;– Produzir coletivamente a base de conheci-

mentos científicos mínimos necessários para o

avanço da produção e da organização nos assen-tamentos.

– Ampliar e fortalecer a relação entre a escola eo assentamento. E entre a escola e o MST.

II – Orientações– Aprofundar a discussão das linhas políticas nos

estados, em todos os níveis, a partir do documento“Linhas básicas da proposta de educação do MST”.

– Constituir e/ou fortalecer o setor de educa-ção em cada estado. E articular todos os professo-res das escolas.

– Ativar os fóruns regionais (sul e nordeste)para agilizar a articulação nacional do setor de edu-cação.

– Pôr em prática os princípios pedagógicos doMST em todas as escolas de assentamentos e acam-pamentos, conquistadas no país.

– Fazer um diagnóstico completo da situaçãodas escolas em cada estado: número de alunos,professores, condições dos prédios, escolas e pro-fessores necessários, problemas e saídas.

– Garantir junto ao Estado (governo estaduale municipal):a) criação de escolas oficiais de 1o grau em to-

dos os assentamentos, com todas condiçõesnecessárias.

b) acesso de todas as crianças assentadas ou acam-padas ao ensino de 1o grau.

c) legalização das atividades escolares desenvol-vidas nos assentamentos e acampamentos.

Educação no Documento Básico do MSTPublicado em fevereiro de 19914

4 Extraído do Documento aprovado no 6º Encontro Nacional do MST realizado em Piracicaba, SP em fevereiro de 1991.

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d) contratação e nomeação prioritária de profes-sores do MST para as escolas.

e) respeito aos princípios pedagógicos do MST.f ) autonomia dos assentamentos nas decisões so-

bre organização, funcionamento e processopedagógico das escolas.

g) inclusão nos calendários escolares, de tempopara os professores poderem realizar cursos deatualização pedagógica.

– Viabilizar a capacitação e titulação de pro-fessores, de acordo com os princípios pedagógi-cos do MST.

– Estabelecer relações com entidades e insti-tuições educacionais próximas ao projeto políticoe pedagógico do MST, no sentido de viabilizarprogramas de capacitação dos professores e tam-bém, realizar intercâmbio para melhoramento crí-tico de nossa proposta.

– Desenvolver programas de alfabetização deadultos e jovens que não tiveram acesso à escola

em idade própria, garantindo também, progra-mas pedagógicos adequados aos nossos princí-pios.

– Elaborar uma orientação nacional para acomposição do Currículo Mínimo, para as sériesiniciais do 1o grau nas escolas de assentamen-tos.

– Elaborar um “Manual Nacional de Educa-ção”, em que conste a proposta de Currículo Mí-nimo e a proposta básica de educação do MST.

– Organizar fóruns e seminários de discussão esistematização das experiências pedagógicas alter-nativas que vêm sendo realizadas em escolas deassentamentos de todo o país.

– Realizar em todas as instâncias do MST, umestudo e discussão da proposta pedagógica do Mo-vimento para as escolas dos assentamentos.

– As direções devem assumir junto com o Se-tor, a implementação da educação nas escolas deassentamentos.

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Ninguém educa ninguém; ninguém se educasozinho; as pessoas se educam entre si, através desua organização coletiva.

A história da educação no Movimento SemTerra é uma caminhada feita com teimosia e luta.Pela educação básica das crianças assentadas/acampadas, pais, professores, jovens e alunosmuito têm batalhado. Às vezes juntos, às vezescada um do seu jeito e com as condições de cadamomento.

Nesse caminhar da educação dentro do MSTmuitas experiências novas estão sendo desenvolvi-das. Enfrentando as dificuldades com criatividadee disposição, estamos construindo um novo jeitode educar e um novo tipo de escola. Uma escolaonde se educa partindo da realidade; uma escolaonde professor e aluno são companheiros e traba-lham juntos – aprendendo e ensinando; uma esco-la que se organiza criando oportunidades para queas crianças se desenvolvam em todos os sentidos;uma escola que incentiva e fortalece os valores dotrabalho, da solidariedade, do companheirismo, daresponsabilidade e do amor à causa do povo. Umaescola que tem como objetivo um novo homem euma nova mulher, para uma nova sociedade e umnovo mundo.

O caminho se faz caminhando. Se aprende ca-pinar, capinando. Em nosso trabalho de educa-ção estamos aprendendo muitas lições.

O que queremos com as Escolas dos Assenta-mentos é fruto da prática e da reflexão feita porprofessores, pais, lideranças e alunos ao longo dosúltimos dez anos. É a atual proposta do MST paraas escolas de assentamentos.

Uma coisa é verdadeira quando pode ser com-provada na prática. E é para esse trabalho que con-vocamos todos (professores, assentados e alunos)para provar lá na prática, do dia-a-dia da escola,no assentamento, que é possível fazer uma educa-ção voltada aos interesses dos trabalhadores.

E só trabalho de sala de aula não basta. É pre-ciso estruturar o Setor de Educação, promover en-contros e cursos com os professores, realizar as-sembléias com os assentados para aprofundar aprática e a teoria dessa educação que queremos.

A educação é um processo longo. Exige perse-verança, criatividade e ousadia. Pegando firmejuntos, conseguiremos romper com as cercas demais este latifúndio: o latifúndio do analfabetis-mo e da educação burguesa, fazendo a ReformaAgrária também do saber e da cultura.

I – NOSSOS OBJETIVOSAs Escolas dos Assentamentos do MST devem

ser um lugar que:a) Prepare as futuras lideranças e os futuros mi-

litantes do MST, dos Sindicatos, das Associações,das Cooperativas de Produção de Bens e Serviçose de outros Movimentos Populares.

O que queremos com as escolas dosassentamentosCaderno de Formação n. 18 – publicado em Julho de 19915

5 Elaboração: equipe constituída pelos Setores de Educação e de Formação do MST.

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Todos já sabemos que A LUTA NÃO PODEPARAR. Sabemos também que os nossos filhos efilhas devem continuar a nossa luta, e com maisgarra do que nós.

b) Mostre a realidade do POVO TRABA-LHADOR, da roça e da cidade. Mostre o porquêde toda exploração, o sofrimento e a miséria damaioria. Mostre o porquê do enriquecimento dealguns. Mostre o caminho de como transformar asociedade.

Além de ESTUDAR tudo isso, os professorese alunos devem PARTICIPAR das lutas dos Mo-vimentos Populares e Sindicais.

c) Pense como deve funcionar a nova socieda-de que os trabalhadores estão construindo. Com-pare isto com os nossos Assentamentos. O NOVOjá deve começar AGORA.

PARA CONVERSAR:1– A escola do nosso Assentamento prepara as

crianças para a luta?Por quê?2 – A escola está participando da luta dos as-

sentados?3 – A escola está preparando as crianças para a

vida?Só teremos uma Escola assim, se as Escolas nos

Assentamentos tiverem os seguintes OBJETI-VOS:

1°. Ensinar as crianças a ler, escrever e fazer con-tas. Não apenas no papel. Elas devem aprender aler, escrever e calcular a REALIDADE do Assen-tamento e de toda a sociedade.

Isto só será possível se os professores e os alu-nos trabalharem juntos, COLETIVAMENTE. Osprofessores sabem. Os alunos também sabem. Sóque são saberes diferentes. É no coletivo da Esco-la que estes saberes são trocados. O resultado éum saber melhor para todos.

Não precisamos mais inventar a roda. Isto jáfoi feito. Precisamos CONHECER todas as fer-ramentas, as máquinas e as melhores técnicas para

tornar as condições de vida do Assentamento, cadavez mais favoráveis para todos. Aumentando a pro-dução e melhorando a nossa ORGANIZAÇÃO.

RESUMINDO:A escola deve ensinar a ler, escrever e calcular a

realidade.

PARA CONVERSAR:1 – A nossa Escola está ensinando a ler, escre-

ver e calcular a realidade?2 – O que precisa ser melhorado em nossa Es-

cola?

2°. A gente aprende capinar, capinando. Só ex-plicar não chega. É preciso FAZER. Só assim sabe-remos que sabemos fazer. Por isso a Escola deve apro-veitar os acontecimentos, as situações, os problemasdo Assentamento e da sociedade como ponto departida. A Escola também deve criar situações con-cretas para ajudar o aprendizado. É enfrentando pro-blemas e desafios que a gente se capacita para en-frentar novos problemas e novos desafios.

Só conselho não adianta. Precisamos CAPACI-TAR as crianças para enfrentar a vida, assumir oAssentamento e a luta de todo o MST.

Seria bom se toda Escola, algum dia, funcionassecomo uma COOPERATIVA, onde as crianças de-cidissem o que fazer dentro e fora da sala de aula: oque produzir na roça da Escola, que animais criar,como vender a produção, o que fazer com o dinhei-ro, como se organizar para o estudo... Os alunos es-tariam divididos em setores (ensino, produção vege-tal, produção animal, alimentação, limpeza,administração, saúde, comunicação, brincadeiras...),fariam suas Assembléias, planos de trabalho, avalia-ção... Desta forma as crianças estariam experimen-tando como funciona de fato uma cooperativa con-trolada pelos TRABALHADORES.

RESUMINDO:A escola deve ensinar fazendo, isto é,

Pela prática.

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PARA CONVERSAR:1 – A professora ensina a partir do livro ou da

realidade dos alunos?Explique.

2 – A Escola comemora as datas importantes daclasse trabalhadora?

(8 de março, 10 de maio, 25 de julho, 20 denovembro, aniversário da ocupação e do Assenta-mento...).

3– O que as crianças fazem na Escola? Sobre oque decidem?

3º. A Escola deve ajudar a construir a novaMULHER e o novo HOMEM. Isto só é possí-vel se ajudar a superar os hábitos negativos, comoo individualismo, o autoritarismo, a acomoda-ção, a corrupção, o personalismo e todos os ou-tros ismos, que atrapalham o avanço da organi-zação e da luta. A Escola deve ser o lugar davivência e desenvolvimento de NOVOS VALO-RES, como o companheirismo, a solidariedade,a responsabilidade, o trabalho coletivo, a dispo-sição de aprender sempre, o saber fazer bem fei-to, a indignação contra as injustiças, a discipli-na, a ternura... Chegando a uma CONSCIÊN-CIA ORGANIZATIVA.

RESUMINDO:A escola deve construir o novo.

PARA CONVERSAR:1 – O que a Escola já está fazendo para superar

esses hábitos negativos?2 – Como a Escola pode ajudar a desenvolver

os novos valores?4°. Pegar na enxada vale tanto como pegar na

caneta. É falso achar que o trabalho intelectualvale mais do que o trabalho manual.

CONCLUINDO:A escola deve preparar igualmente para o trabalho

manual e intelectual

5° Não podemos nos contentar em conhecer ecompreender só as coisas, as relações, a história, ofuncionamento do nosso Assentamento, o que estáà nossa volta. Precisamos conhecer também àquiloque não vemos todo dia e que a humanidade jádescobriu.

CONCLUINDO:A escola deve ensinar a realidade local e geral

PARA CONVERSAR:1 – Como ligar o estudo da nossa realidade

com a realidade geral?

6.° A Escola deve gerar pessoas que sejam su-jeitos, com capacidade e consciência organizativa.Pessoas capazes de decidir a sua vida e os rumosda caminhada coletiva do Assentamento e da classetrabalhadora. Pessoas capazes de construírem umanova forma de CONVIVER, de TRABALHAR,de FESTEJAR as pequenas e grandes vitórias dostrabalhadores.

CONCLUINDO:A escola deve gerar sujeitos da história

PARA CONVERSAR:1 – De que forma a Escola pode comemorar

junto com o Assentamento as datas importantesda classe trabalhadora?

2 – A Escola no Assentamento está ensinandoas crianças a obedecer ou a participar e decidir?Cite fatos.

7°. A criança tem sentimentos, tem corpo, temcultura. E ela deve poder desenvolver todas estasdimensões. A Escola deve estimular o cuidado coma saúde, a livre expressão de idéias e sentimentos.A firmeza na luta e a ternura no relacionamentocom as outras pessoas. A Escola deve cultivar, en-fim, a alegria coletiva de revolucionar a vida porinteiro.

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RESUMINDO:A escola deve se preocupar com a pessoa integralPARA CONVERSAR:1 – A Escola no Assentamento tem se preocu-

pado em fazer atividades ligadas à saúde e à edu-cação física?

2 – As crianças têm oportunidade de brincar ede desenvolver sua criatividade e suas habilidadesartísticas? Como?

RELEMBRANDOOs objetivos das escolas dos assentamentos são:

1 – ensinar a ler, escrever e calcular a realidade2 – ensinar fazendo, isto é, pela prática

3 – construir o novo4 – preparar igualmente para o trabalho manual e

intelectual5 – ensinar a realiade local e geral

6 – gerar sujeitos da história7 – preocupar-se com a pessoa integral

II – NOSSOS PRINCÍPIOSPEDAGÓGICOS

Para que as Escolas do MST realizem os obje-tivos que querem é preciso que todo o Assenta-mento se envolva. Devemos discutir e ajudar apôr em prática os seguintes princípios, as seguin-tes orientações:

1 – TODOS AO TRABALHOA Escola é um lugar de ESTUDO. A Escola

também é um lugar de TRABALHO. Além dasaulas, as crianças devem ter um trabalho. É traba-lhando que se aprende a trabalhar. É trabalhandoque se pega amor e gosto pelo trabalho.

Este trabalho pode começar com a limpeza e aarrumação da sala de aula. As crianças podem aju-dar na preparação da merenda que é feita na Es-cola, ou na partilha da merenda que é trazida decasa. Podem cuidar do jardim e até arrumar al-guns objetos que estejam estragados. A criançaprecisa aprender de tudo.

Aos poucos as crianças podem assumir outros

trabalhos. Podem organizar a farmácia da Escola,organizar a Biblioteca. Podem ajudar na secreta-ria. Podem organizar jogos, festas, campanhas.Podem até fazer um jornalzinho com as notíciasda Escola e do Assentamento.

Mas isto não chega. As crianças devem tam-bém ter um trabalho ligado à terra. Pode ser umahorta. Pode ser um pomar. Pode ser uma peque-na lavoura. Pode ser a criação de pequenos ani-mais. Pode ser tudo isso junto.

As crianças, além de aprender fazendo, vãoaprender a importância social do trabalho que re-alizam. A importância do trabalho na Escola e aimportância do trabalho em casa ou na Associa-ção. A importância do trabalho na COOPERA-TIVA DE PRODUÇÃO. O estudo deve refletirsobre o trabalho. Sobre como tudo está sendo fei-to. Sobre o resultado do trabalho. Sobre sua im-portância. Assim, o trabalho e o estudo ficam li-gados um no outro.

2 – TODOS SE ORGANIZANDOA Escola é um lugar de estudo e de trabalho. É

também o lugar para APRENDER A SE ORGA-NIZAR. Nossas crianças podem aprender na Es-cola aquilo que começamos a aprender no Acam-pamento e, no início do Assentamento.

As crianças devem ser participantes ativas daorganização e funcionamento da Escola. Elas co-meçam a aprender a se organizar quando come-çam a decidir quais as tarefas que vão fazer. Deci-dem também como vão fazer. Quando vão fazer.Com que recursos vão fazer. Onde vão fazer.Quem vai coordenar. Aos professores cabe a tare-fa de ajudar esta organização. Devem dar as in-formações certas nas horas certas. Devem lançaros desafios.

Aos poucos as crianças vão assumindo formasde organização mais complexas. Vão assumindo aresponsabilidade de suas decisões e de seus atos.Vão cobrando os erros e oportunismos das outrascrianças. Cabe ao professor, também, dar condi-ções para que os alunos tomem decisões cada vez

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mais acertadas e coerentes com a vida do Assenta-mento e com os princípios do MST.

As crianças vão aprendendo a planejar e a ava-liar cada passo que vão dar no estudo e no traba-lho. Vão aprender a buscar recursos. Onde bus-car. Como buscar. No final elas devem estarorganizadas do seu jeito próprio. No mínimo elasdevem aprender:

1 – A se organizar para trabalhar em grupos;2 – A tomar decisões por conta própria e a as-

sumir as conseqüências de suas decisões;3 – A planejar e avaliar as ações no coletivo dos

alunos e dos professores;4 – A controlar o trabalho e a produtividade;5 – A superar os desvios e oportunismos dos

colegas.

3 – TODOS PARTICIPANDOA Escola é um lugar de estudo, trabalho e or-

ganização. É também um lugar para aprender DE-MOCRACIA. Este aprendizado não se faz estu-dando sobre o que é democracia. A democracia seaprende através do relacionamento diário dos alu-nos com os alunos, dos alunos com os professo-res, dos professores com os professores, da Escolacom o Assentamento.

Aprender a DECIDIR. Aprender a RESPEI-TAR O OUTRO. Aprender a respeitar as DECI-SÕES DO COLETIVO. EXECUTAR o que foidecidido em conjunto. Isto é PARTICIPAÇÃO.Isso é DEMOCRACIA.

4 – TODO O ASSENTAMENTO NAESCOLA E TODA A ESCOLA NO

ASSENTAMENTOÉ importante que o trabalho e a organização

das crianças na Escola tenham uma ligação com avida do Assentamento.

Tudo pode começar com um mutirão para oAssentamento ajeitar a Escola. Ou com os alunospromovendo uma campanha para eliminar os lu-gares onde se criam os mosquitos na Escola e emtodo o Assentamento. O jornalzinho da Escola e

do Assentamento pode ajudar. O Assentamentopode descobrir como aproveitar a mão-de-obradas crianças no Assentamento. Como vão remu-nerar esta mão-de-obra. Como os adultos vãoacompanhar o trabalho das crianças para que oTRABALHO SEJA EDUCATIVO.

Ao mesmo tempo o Assentamento todo, e nãosó os pais dos alunos, devem discutir sempre sobreos rumos da Escola. Devem acompanhar os pro-fessores para ajudá-Ios e para ver se eles estão sendofiéis às orientações do Assentamento e do MST.Devem conferir o que as crianças estão aprenden-do. Devem se organizar junto com a Escola parabrigar por melhorias. Escola e Assentamento de-vem estar ligados igual aos namorados: são dois,mas tão agarradinhos que até parecem um só!

5 – TODO O ENSINO PARTINDODA PRÁTICA

Não adianta ficar repassando conteúdo do ca-derno do professor para o caderno do aluno. Acriança não sabe pra que serve. Gasta-se cadernoem vão.

A Escola do MST não parte do conteúdo. Par-te da experiência vivida pelas crianças. Experiên-cia de TRABALHO. Experiência de ORGANI-ZAÇÃO. Experiência de RELACIONAMENTOcom os outros. As perguntas que surgem. As no-vas descobertas. Os problemas enfrentados. Estessão o ponto de partida para o nosso ENSINODIFERENTE. E como fazer este ensino?

A) PRÁTICA-TEORIA-PRÁTICA. O ensinodeve partir sempre da realidade vivida pela criançana Escola, no Assentamento, no mundo afora. Ateoria, os conteúdos já elaborados servem para aju-dar a refletir sobre esta realidade. O resultado dareflexão deve ajudar a TRANSFORMAR a reali-dade e a nossa vida. Para melhor, é claro! Deve le-var a uma PRÁTICA CONCRETA.

B) TEMAS GERADORES. A realidade vivi-da pela criança na Escola, no Assentamento, nomundo, deve ser estudada a partir de TEMAS.Os temas ajudam a integração das disciplinas.

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Ajudam a integração entre as séries. Ajudam a es-tudar a realidade mais de perto.

C) DO PERTO AO LONGE. A realidade vi-vida pelo coletivo da Escola não é tudo. Existemoutras realidades maiores. É preciso ligar a histó-ria do Assentamento com a luta pela terra em todoo Brasil. É preciso ligar a morte do Juquinha, defome, no Acampamento, com a situação de ex-ploração de todos os trabalhadores. É preciso li-gar o que acontece perto com o saber acumuladode todo o mundo.

D) DA OBSERVAÇÃO À CIÊNCIA. Pelaobservação de nossos avós sabemos que se deve plan-tar cenoura na lua minguante e alface na lua cres-cente ou cheia. Foi a observação de anos a fio quelhes ensinou isso. Mas pra nós é pouco saber isso.Precisamos saber o porquê de fazer isso. O que alua tem a ver com as plantas? A Escola deve ajudara responder esta e outras perguntas, levando a cri-ança a se interessar também pelo saber científico.

E) AVALIAÇÃO PRÁTICA E COLETIVA.Só prova não chega. É preciso avaliar a partici-pação dos alunos na organização e no trabalho.É preciso avaliar a convivência dos alunos comos outros alunos e dos professores com os alu-nos. Os alunos devem avaliar-se a si mesmos,aos colegas e aos professores. Os professores de-vem avaliar-se e avaliar os alunos. O Assenta-mento deve avaliar a Escola. A Escola deve aju-dar a avaliar o conjunto do Assentamento. Sóassim haverá um avanço coletivo e pessoal detodos e de cada um.

6 – TODO PROFESSOR É UMMILITANTE

Nas Escolas do MST não pode ter um profes-sor qualquer. O professor deve ser alguém que en-tenda dos conteúdos: matemática, história, por-tuguês... Alguém que saiba o jeito de ensinar bemàs crianças. Também deve acompanhar as crian-ças no trabalho. Ajudar as crianças a se organiza-rem. Não deve decidir as coisas sozinho. Deve le-var as crianças a tomarem decisões.

Mas isto ainda é pouco. O professor deve par-ticipar da vida do Assentamento. Só dar aula nãochega. Deve participar das discussões e ações prin-cipais do Assentamento como um todo.

O professor só será professor de verdade quan-do assumir de corpo, mente e coração estes prin-cípios pedagógicos e os princípios do MST. Quan-do fizer sua a luta pela terra, pela produção, comoa luta pela educação. Quando participar das lutasdo Assentamento e dos trabalhadores em geral.

O professor do MST deve ter preparo políticoe técnico. Deve ter clareza da proposta políticados trabalhadores sem terra e trabalhadores emgeral. Deve estar CAPACITADO para coordenara caminhada coletiva das crianças. Deve buscarsempre um preparo melhor através de leitura, cur-sos e conversas com outros professores.

É importante que o professor do MST partici-pe do SINDICATO dos professores e do SETORDE EDUCAÇÃO do MST.

7. TODOS SE EDUCANDOPARA O NOVO

A nossa Escola não deve apenas formar a cabe-ça das crianças. O trabalho não é tudo. A organi-zação coletiva é importante também para garan-tir que cada pessoa se desenvolva como um todo.

As nossas crianças necessitam aprender a cui-dar do corpo e da saúde, a cultivar e a expressarseus afetos em cada gesto, a descobrir o sentidopleno da VIDA em todas as suas manifestações.

As nossas crianças necessitam de valores queformem o seu caráter de um jeito diferente da-quele que a televisão forma, daquele que as famí-lias capitalistas formam. As crianças precisamaprender a lutar e a ser firmes na luta. A não per-der a sensibilidade e a ternura de quem descobriue compreendeu o outro. Mas também aprender ase indignar profundamente com qualquer injus-tiça cometida contra qualquer pessoa em qual-quer parte do mundo.

A nossa ESCOLA deve ser SÉRIA. Mas tam-bém deve ser ALEGRE. Deve educar SUJEITOS,

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CIDADÃOS, MILITANTES, criadores doNOVO que teimosamente, sempre surge...

RELEMBRANDO, ENTÃO:NOSSOS PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS

1 – TODOS AO TRABALHO2 – TODOS SE ORGANIZANDO

3 – TODOS PARTICIPANDO4 – TODO O ASSENTAMENTO NA ESCOLAE TODA A ESCOLA NO ASSENTAMENTO

5 – TODO O ENSINO PARTINDODA PRÁTICA

6 – TODO PROFESSOR É UM MILITANTE7 – TODOS SE EDUCANDO PARA O NOVO

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Nossa proposta de educação está sendoconstruída por meio da cooperação. Crianças,professores, lideranças, o conjunto dos assenta-dos e acampados que começam a discutir e a fa-zer uma escola diferente. Uma escola do nossojeito, que nos ajude a enfrentar os problemas dodia-a-dia.

Um dos grandes desafios do setor de educa-ção vem sendo produzir materiais que ajudem aclarear e a construir na prática esta nova educa-ção.

Neste momento estamos lançando o BOLE-TIM DA EDUCAÇÃO. Pretendemos que sejauma publicação ágil e dinâmica, e que consiga seespalhar nos vários cantos de nosso país onde oMST está organizado.

Os objetivos do boletim:1 – Contribuir na discussão da proposta de edu-

cação.2 – Subsidiar diretamente o trabalho dos pro-

fessores em cada escola de acampamento e assen-tamento.

A idéia é que este boletim circule a cada doisou três meses, trazendo em cada número temaspara a reflexão e sugestões concretas de comofazer, no dia-a-dia, esta nova escola que quere-mos.

O boletim da educação nº1 traz o temaCOMO DEVE SER UMA ESCOLA DE AS-SENTAMENTO. Trata-se de um resumo da pro-posta de educação do MST. São dez pontos pra

que a gente possa comparar as que temos com asque realmente queremos.

Sugerimos que este material seja divulgado ediscutido nos assentamentos e acampamentos,nos núcleos, nas direções, nos setores, nas esco-las, no conjunto da militância do MST. O apoiode cada companheiro e de cada companheira éfundamental para garantirmos que esta propos-ta se torne realidade e mais uma de nossas ban-deiras de luta.

Ocupar, resistir e produzir: também na educa-ção!

COMO DEVE SER UMA ESCOLA DEASSENTAMENTO:

1. A escola de assentamento deve preparar ascrianças para o trabalho no meio rural;

2. A escola deve capacitar para a cooperação;3. A direção da escola deve ser coletiva e demo-

crática;4. A escola deve refletir e qualificar as experiên-

cias de trabalho produtivo das crianças no as-sentamento;

5. A escola deve ajudar no desenvolvimento cul-tural dos assentados;

6. O ensino deve partir da prática e levar ao co-nhecimento científico da realidade;

7. O coletivo da escola deve se preocupar com odesenvolvimento pessoal de cada aluno;

8. O professor tem que ser militante;9. A escola deve ajudar a formar militantes e exer-

citar a mística da luta popular;

Como deve ser uma escola de assentamentoBoletim da Educação n.º 01 – Publicado em Agosto de 1992 6

6 Elaboração: Setor de Educação MST.

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10. A escola também é lugar de viver e refletirsobre uma nova ética.

1 – A ESCOLA DE ASSENTAMENTODEVE PREPARAR AS CRIANÇAS PARA OTRABALHO NO MEIO RURAL.

A escola não pode ter uma finalidade em si mes-ma. Ela sempre reflete seu tempo e por isso devese colocar a serviço das necessidades concretas dogrupo social que a está usando e fazendo. Deveinstrumentalizar para a ação imediata e preparara construção do futuro.

Na perspectiva ideológica da classe trabalha-dora hoje, a escola tem como objetivo educar su-jeitos para a transformação da realidade atual. Mas,trazendo essas reflexões para as escolas de assenta-mentos, é preciso traduzir mais concretamente esteobjetivo. A pergunta é: – na conjuntura atual docampo e da luta pela reforma agrária em nossopaís, o que significa educar sujeitos para a trans-formação social?

A resposta parece clara:A escola deve ajudar a consolidar e a avançar

este modelo de desenvolvimento rural que estánascendo nos assentamentos e que visa dar con-dições aos camponeses para que permaneçam, pro-duzam e tenham uma vida digna no campo.

Mais concretamente ainda: a escola deve aju-dar no desafio de fazer o assentamento dar certo.Nos aspectos econômicos, políticos e de relacio-namento social.

E como a escola pode ajudar nisso? Principal-mente criando condições para que as crianças par-ticipem deste desafio e também queiram e pos-sam permanecer no campo.

A primeira condição é a própria continuidadeda luta pela reforma agrária. Por isso a escola devese preocupar com a formação de militantes.

A condição é a capacitação técnica e científicapara enfrentar as exigências de um modelo de pro-dução mais empresarial e competitivo.

Para isso os três pilares fundamentais da escolados assentamentos devem ser: o trabalho

agropecuário, o conhecimento científico e o amorpela luta.

Ou seja, em nossas escolas é preciso garantir:• Que os conteúdos de ensino tratem das ques-

tões do assentamento, especialmente dos co-nhecimentos sobre tecnologia de produção eorganização da produção agropecuária;

• Que os conteúdos de ensino também possamsituar os alunos na realidade atual do campo,da relação campo/cidade, do país, do mun-do; que lhes prepare para tomar decisões emfunção do conhecimento científico da reali-dade mais ampla.

• Que as crianças tenham experiências práticasde trabalho agropecuário e que essas experiên-cias tenham relação com a produção real doassentamento;

• Que tudo que as crianças aprendam e vivamna escola, alimente o seu desejo e sua razão decontinuar na luta pela reforma agrária e pelasociedade dos trabalhadores.

2 – A ESCOLA DEVE CAPACITAR PARA ACOOPERAÇÃO.

Uma das principais lições que nossa luta vemtrazendo é que somente por meio da coopera-ção é que conseguiremos resolver nossos pro-blemas.

Por mais conscientes, corajosos, inteligentes,nós nunca conseguiremos enfrentar o inimigosozinho. Ninguém se educa sozinho. Ninguém vaitransformar a sociedade sozinho, mas, podemosfazer tudo isso se aprendermos a nos organizar eagir coletivamente.

Nos assentamentos o trabalho coletivo tem sidoo grande desafio, planejar coletivamente a produ-ção, trabalhar dividindo tarefas e responsabilida-des, pensar no avanço do conjunto e não só nafamília de cada um, lutar juntos por escola, saú-de, estrada, superar divergências, etc. Tudo issonão é fácil, mas hoje, cada vez mais os assenta-mentos estão convencidos de que este é o melhorjeito de resistir na terra, de melhorar as condições

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de vida das famílias e também ajudar no avançoda luta como um todo.

E por que não é fácil trabalhar assim?Parece que quando tivemos que nos juntar em

um acampamento não foi tão difícil, talvez por-que sabíamos que não havia outra alternativa etalvez porque sabíamos que era uma situação pro-visória.

Mas na hora do assentamento, da vida está-vel, temos a tendência de esquecer as lições daluta. Vem a tona em nós uma educação que tive-mos e toda uma experiência de trabalho indivi-dual que nos faz ter dificuldades em aceitar ou-tra forma de vida. No fundo ainda trazemos emnós os princípios da burguesia que dizem que ocoletivo é perigoso, que toda organização é sub-versiva e só faz confusão. Por isso é que precisa-mos nos reeducar. Precisamos aprender a viverno coletivo, precisamos nos capacitar para a co-operação.

E a nossa escola, que é fruto da luta do coleti-vo, como poderá enfrentar este desafio?

O grande papel da escola nesta história toda éjustamente ajudar no processo de educação do co-letivo. E uma das principais formas de ajudar écriando as condições objetivas para que as crian-ças, desde pequenas se capacitem para a organiza-ção coletiva, para a cooperação.

Capacitar-se significa saber fazer na prática.Portanto, não é só falar, ler ou escrever sobre coo-peração. É fazer na prática. É também estudarsobre o trabalho coletivo, mas a partir da prática.Ou seja, o princípio é que as crianças devem apren-der a viver no coletivo experimentando na pró-pria Escola o que é cooperação.

Devem ser desafiadas a se organizar, assumirresponsabilidades, a resolver em conjunto os pro-blemas que vão acontecendo no dia a dia da Es-cola.

Devem aprender a trabalhar e estudar em equi-pes, a se avaliar, a fazer suas próprias assembléias ereuniões, a tomar decisões e assumir os resultadosdestas decisões.

Nos Assentamentos aonde o trabalho é indivi-dual. A Escola assim organizada vai permitir umareflexão sobre esse jeito de trabalhar. E uma refle-xão que será puxada pelas próprias crianças, futu-ros líderes dos Assentamentos.

Nos Assentamentos, que já trabalham no cole-tivo, a Escola poderá também assumir o compro-misso de acompanhar (ajudar a refletir, planejar,avaliar) a participação das crianças na organiza-ção coletiva do Assentamento, a começar pela par-ticipação sua na produção.

3 – A DIREÇÃO DA ESCOLA TEM QUESER COLETIVA.

Ou seja: as decisões sobre a estruturação e ofuncionamento da Escola não cabem a uma ouduas pessoas, mas devem ser tomadas por um co-letivo que represente o Assentamento como umtodo.

Diretores nomeados de fora podem ter poderlegal, mas não têm poder legítimo dentro de umacomunidade organizada.

E impossível fazer uma educação cooperativanuma Escola dirigida de forma autoritária e sema participação real dos assentados.

Participação real não significa ser chamado paraalguma reunião do dito Círculo de Pais e Mes-tres, tratando de questões secundárias ou de com-portamento dos alunos.

Participação real dos assentados na escola sig-nifica a criação de conselhos escolares: espaços co-letivos de decisão sobre quem serão os professo-res, quem vai coordenar o dia a dia da Escola,qual será a relação da Escola com a organizaçãodo Assentamento, quais são as melhorias necessá-rias na infra-estrutura e como conquistá-las, comoimplementar os princípios pedagógicos de queestamos falando aqui, e o que priorizar nos estu-dos de cada ano ou semestre, letivo, etc,

E não devemos confundir direção coletiva comdemocratismo ou anarquia: chamar todo o As-sentamento para decidir cada coisa que vai acon-tecer na Escola. Isto seria um péssimo exemplo

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de organização coletiva. A democracia somentese constrói na organização racional dos espaçosde gestão. Assim por exemplo, se o Assentamentotem um Setor de Educação é este Setor quer par-ticipar mais diretamente das discussões sobre aEscola, garantindo através das de mais instânciasda organização que todo o Assentamento partici-pe das decisões.

Os professores, por sua vez, têm o seu espaçode direção: a eles cabe traduzir no planejamentocurricular e nas decisões do dia a dia, as orienta-ções gerais aprovadas pelo coletivo da Escola. Domesmo modo, as crianças devem ter seu espaçode direção sobre como fazer suas atividades deestudo e trabalho. O que vai garantir a unidade éa clareza e o compromisso de todo o coletivo comos objetivos e os princípios desta nossa propostade educação e da organização do MST como umtodo.

4 – A ESCOLA DEVE REFLETIR EQUALIFICAR AS EXPERIÊNCIAS DETRABALHO PRODUTIVO DASCRIANÇAS NO ASSENTAMENTO

Desde pequenas as crianças devem começar aparticipar do processo produtivo. Nada lhes edu-cará melhor a personalidade do que a vivência con-creta do desafio de viabilizar a produção coletivado Assentamento. E nada lhes despertará mais cu-riosidade de aprender que a responsabilidade realpor uma determinada parte de sustentação eco-nômica do Assentamento.

Na prática a maioria das crianças assentadastrabalha. Mas geralmente, não é um trabalho pla-nejado, organizado e onde elas possam se sentirresponsáveis pelo resultado do processo. Costu-mam ser meras cumpridoras de tarefas que os adul-tos lhes determinam e elas nem sabem direito doque se trata.

Este tipo de trabalho pode ser até útil em mo-mentos emergenciais de fazer avançar a produçãono Assentamento. Mas não chega a ser educativopara as crianças. Por isso estamos colocando a Es-

cola no meio do trabalho. Para que a Escola possaajudar a tornar mais educativas e produtivas asexperiências de trabalho das crianças.

Esta ajuda quer dizer o seguinte:1) Nos Assentamentos onde existe uma orga-

nização coletiva da produção a Escola pode parti-cipar do planejamento e do acompanhamento dotrabalho das crianças, garantindo principalmenteque:

– as tarefas sejam assumidas por um coletivode crianças e não por cada criança individualmen-te;

– o coletivo das crianças tenha gestão sobre oseu orientado por adultos;

– as responsabilidades assumidas pelas crian-ças estejam de acordo com a idade e não lhes im-peçam de dedicar tempo ao estudo e às brinca-deiras próprias da infância;

– as crianças saibam e participem concretamen-te do destino social dos produtos de seu trabalho.

2) Nos Assentamentos onde a organização daprodução não permita a participação coletiva dascrianças, a Escola pode ela mesma propiciar estasexperiências de trabalho produtivo.

A organização cooperativa dos serviços da Es-cola já é um pouco isso.

Mas a idéia é se envolver diretamente comum tipo de trabalho que tenha repercussão dire-ta e imediata na vida do Assentamento. Pode serum trabalho com horta, com viveiro de mudas,co m criação de pequenos animais. Mas tambémpode ser o trabalho de montar a Biblioteca doAssentamento ou de construir uma farmácia deervas ou ainda de fazer o jornalzinho do Assen-tamento.

O fundamental em qualquer um dos casos éque não seja uma experiência artificial de traba-lho. Ou seja, o trabalho deve ser realmente pro-dutivo, deve ajudar a melhorar a vida do conjun-to do Assentamento. Não é, por exemplo, fazeruma horta de verduras na escola, quando o As-sentamento está cheio de hortas ou tem uma hor-ta coletiva que produz excedentes.

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Este faz-de-conta não vai conseguir nem mes-mo atrair o interesse das crianças. O desafio é criaralternativas de produção desde a Escola.

3) Em qualquer uma das situações anteriores,a Escola deve aproveitar as experiências de traba-lho como ponto de partida para o estudo teóricoem sala de aula. Tanto das questões técnicas comodas questões organizativas.

As crianças devem ter oportunidade de apren-der os fundamentos científicos e tecnológicos dotipo de trabalho que estão desenvolvendo e que es-tão envolvidas. E devem também aprender, refletire avaliar sobre cada decisão que vão tomando so-bre os resultados concretos do que estão fazendo.

Mais um detalhe: o tempo de trabalho das crian-ças não deve diminuir o tempo de aulas ou de estu-do. Quando pensamos numa experiência desse tipoestamos prevendo outro turno para o trabalho.

5 – A ESCOLA DEVE AJUDAR NODESENVOLVIMENTO CULTURAL DOSASSENTADOS.

A construção desse novo modelo de desenvolvi-mento rural baseado na cooperação e no avanço dastecnologias social e ecologicamente sustentáveis, exigeuma verdadeira revolução cultural no campo.

Não se trata de matar a cultura camponesa eintroduzir a cultura da sociedade capitalistaurbanizada. Muito pelo contrário, Se trata, de pro-mover o desenvolvimento cultural nos Assenta-mentos através da construção da cultura campo-nesa. Isto quer dizer, rever as tradições, recuperaro saber sobre o próprio trabalho, mas tambémincorporar no jeito de viver as lições da luta e oselementos de um conhecimento cada vez maisamplo da sociedade e do mundo como um todo.

Na conjuntura atual dos Assentamentos, sãocondições básicas para o desenvolvimento cultu-ral:

1) A ALFABETIZAÇAO de crianças, jovens eadultos. O acesso à linguagem escrita é fundamen-tal para lidar com os novos desafios do trabalho edo relacionamento com o conjunto da sociedade.

2) O ACESSO A INFORMAÇAO sobre o queacontece nos Assentamentos, no MST, no país eno mundo. Que tem muito a ver com o hábito daleitura do jornal, dos materiais produzidos pelaorganização, de livros, revistas. Que tem a ver tam-bém com a participação em eventos fora do As-sentamento. E ainda, com boas rodas de conver-sas com quem tem boas informações sobreassuntos que interessam.

3) A REFLEXAO E A DISCUSSAO SOBREA PRATICA. As tarefas não podem ser mecâni-cas. As pessoas não podem se contentar com aquiloque já sabem. Cada um deve sentir-se desafiado aconhecer cada vez mais sobre aquilo que faz ou éresponsável no Assentamento.

4) O ESTÍMULO E A VALORIZAÇAO CO-LETIVA DAS EXPRESSOES CULTURAISDOS ASSENTADOS: poemas, canções, artesa-natos, festas, talentos ou habilidades pessoais quedevem ser desenvolvidas em todas as idades comoformas de expressar a história e o conhecimentoacumulado pelo grupo; de ajudar no relaciona-mento entre as pessoas e de alimentar o sentidopleno da vida.

A cultura junta os povos. A cultura cimentaprojetos políticos e econômicos. A Escola deveajudar neste processo, em primeiro lugar traba-lhando estas dimensões com as crianças. Mas tam-bém indo além de suas paredes e participando dosdesafios já citados.

A própria organização das crianças pode puxarcertas iniciativas como, por exemplo, o incentivoà leitura através da montagem da Biblioteca doAssentamento, a participação em brigadas de al-fabetização de adultos, a organização da festa deaniversário do Assentamento, etc.

6 – O ENSINO DEVE PARTIR DAPRATICA E LEVAR AOCONHECIMENTO CIENTÍFICODA REALIDADE.

O Ensino corresponde ao momento de repas-se dos conteúdos ou da TEORIA. É por meio do

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ensino que os alunos entram em contato com oconhecimento já acumulado peIa humanidade nosvários campos da vida humana. São, teorias queoutras pessoas formularam a partir da prática de-las. Conhecendo estas teorias podemos entendere melhorar a nossa prática, sem ter que inventar aroda novamente.

Através de boas aulas as crianças vão se desper-tando para a importância do conhecimento dahistória, das ciências. Vão entendendo que o mun-do é bem maior do que aquilo que enxergam noAssentamento.

Podem ser aulas expositivas do professor, po-dem ser leituras, podem ser pesquisas com pesso-as, podem ser debates. O importante é que o en-sino gere aprendizagem, ou seja, que as criançasconsigam se apropriar e recriar cada conteúdo parapoder usá-lo em sua vida. Não se trata, portanto,de um repasse mecânico de conteúdos: o profes-sor fala, a criança decora, escreve numa prova edepois esquece. Esse é o tal de “ensino bancário”que não leva a uma aprendizagem real e por issonão ajuda e m nada. É perda de tempo. Estamosfalando de um tipo de ensino que leve àCONSTRUÇAO DO CONHECIMENTO.

E como é que se constrói conhecimento?Segundo os maiores estudiosos do assunto pa-

rece que o processo é mais ou menos o seguinte:l) A gente tem uma necessidade concreta de

aprender/conhecer alguma coisa. Ex.: Nunca mexicom um computador e me colocam diante de umpara que eu comece a trabalhar com ele. Ou seja,é minha necessidade concreta saber como ele fun-ciona e como devo lidar com ele.

2) A gente passa a buscar informações e explica-ções sobre a coisa. Se tiver um professor de compu-tação à mão, peço que me ensine. Se não, buscoum manual que me dê, pelo menos, as primeirasinstruções. Através delas começo a mexer com o“bichinho”. Estou na fase da ASSIMILAÇAO doconhecimento, ou seja, começo a entrar em conta-to com a teoria da computação, mas ainda nos seusrudimentos e com muita insegurança.

3) A gente vai agindo e dominando a coisa,testando as primeiras informações, errando e acer-tando, descobrindo mais um e depois mais outrolivro sobre computadores, perguntando aqui eacolá, mas, principalmente, é no “quebrar a cara”na prática, que aos poucos vou dominando estaciência. Esta é a fase de APROPRIAÇÃO do co-nhecimento, onde já circulo com segurança sobreo assunto, onde já consigo formular questões cer-tas para continuar avançando.

4) A gente passa a recriar a coisa – Já dominotanto o uso do computador que começo a inventarnovos programas, novas linguagens, percebo falhasna própria teoria, chego a ser um mestre na arte dacomputação. Aí estou na fase da CONSTRUÇAOpropriamente do conhecimento.

Então vejamos: a prática é o ponto de partidae o ponto de chegada do conhecimento. Por queé na prática que aparece mais as necessidades ouos problemas concretos para o conhecimento. E étambém através da prática que vou testando, do-minando e refazendo a teoria. Só que a práticasozinha, sem teoria, também não avança nada. Senão recebo as informações já existentes sobre umobjeto e se não vou estudando e pesquisando so-bre um objeto, não vou conseguir avançar na prá-tica, ou pelo menos, vou demorar bem mais paradescobrir as coisas.

É o caso da agricultura. Não precisamos in-ventar tecnologias novas a partir somente da nos-sa cabeça. Podemos nos apropriar de toda a pes-quisa científica que já existe, por exemplo, sobreas alternativas da agricultura agroecológica, erecriá-la a partir das necessidades e característicasconcretas dos nossos Assentamentos.

Nas nossas Escolas, então, quando dizemos queo ensino deve partir da prática, isso quer dizerconcretamente o seguinte:

a) Que os conteúdos de Matemática, Ciências,Português, etc, devem ser ensinados a partir dasquestões concretas do Assentamento e, melhorainda, das questões concretas que as práticas re-ais ou o trabalho das crianças vão colocando. Ex.:

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as crianças estão participando do planejamentoda produção da lavoura do Assentamento e apa-rece a questão do uso ou não dos agrotóxicos nocombate aos insetos. Pois é a hora certa do pro-fessor tratar na sala de aula de conteúdos queajudem as crianças a entender e até participar dadiscussão.

Conteúdos de Ciências que tratem da questãoecológica do uso de venenos e conteúdos de ma-temática que ensinem a calcular os custos econô-micos deste uso. E pode entrar o Português, quevai auxiliar no registro escrito e correto de toda adiscussão. Este processo vai garantir que as crian-ças realmente cheguem à CONSTRUÇAO DOCONHECIMENTO, já que elas têm a práticapara fazer a relação.

b) Que o professor deve ter a preocupação per-manente de ajudar as crianças para que relacio-nem a realidade próxima com a realidade maisdistante. Se estou estudando o clima do Assenta-mento para analisar o que é melhor plantar nahorta da Escola, não devo ficar só no clima doAssentamento. É o momento de estudar os dife-rentes climas da Região, no Estado, no País e comointerferem na vida do homem. E qual a relaçãoentre a preservação do meio ambiente e variaçãodo clima, etc;

c) Que o professor deve selecionar os conteú-dos e os materiais didáticos que realmente tenhama ver com a nossa realidade e que sejam científi-cos e críticos. Falsas teorias podem atrasar o pro-cesso de conhecimento que as crianças e nossosAssentamentos estão necessitando.

Fica claro também, neste princípio, o papel fun-damental do professor e de como é importanteele conseguir se reunir com outros professores paraplanejar adequadamente toda a lógica deste pro-cesso.

7 – O COLETIVO DA ESCOLA DEVE SEPREOCUPAR COM ODESENVOLVIMENTO PESSOAL DECADA ALUNO.

Um coletivo não é e nem pode ser tratado comouma massa uniforme. No coletivo estão as PES-SOAS, cada uma com suas potencialidades e difi-culdades próprias. O coletivo educa as pessoas.As pessoas se educam vivendo num coletivo. Masisto não quer dizer que todos se eduquem domesmo jeito e assumam as mesmas característi-cas. Cada pessoa tem um jeito de aprender. E cadapessoa vai processando de um modo diferenteaquilo que vai ouvindo, vendo, fazendo, vivendono coletivo, por isso que a gente diz que não temnenhuma pessoa exatamente igual a outra. E épor isso também que num coletivo cada pessoatem um valor e uma contribuição específica.

O verdadeiro COLETIVO é aquele que con-segue trabalhar as diferenças pessoais na perspec-tiva dos objetivos do conjunto. Que estimula edesafia o conhecimento e a auto – superação decada pessoa para que ajude ainda mais o avançodo coletivo.

Quando um grupo tenta padronizar ou impe-dir o crescimento das pessoas, este grupo deixa deser um coletivo para ser massa que qualquer obs-táculo faz se quebrar.

A Escola que também é responsável pela for-mação da personalidade das crianças precisa pres-tar atenção especial ao jeito de aprender e de seeducar de cada uma delas, trabalhando no coleti-vo as diferenças.

E nesta questão o papel do professor éinsubstituível. A ele cabe especialmente:

- Acompanhar o desenvolvimento de cadaaluno nos vários tipos de atividades, identifican-do suas maiores potencialidades e dificuldades eacionando o coletivo para que trabalhe sobre elas:ex.: se uma criança tem enormes dificuldades emparticipar de esportes, mas gosta muito de ativi-dades artísticas; ela não pode ser massacrada pornão saber jogar; pode até continuar sendo desafia-da a participar dos jogos mas também deve serincentivada na arte de que gosta e tem talento; domesmo modo as crianças que vão demonstrandohabilidades especiais de trabalho ou na própria

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atividade de estudar, de pesquisar, de escrever,devem receber estímulos e condições para aper-feiçoar-se cada vez mais; assim como é precisoidentificar as causas das dificuldades de cada crian-ça e ajudá-la, sem paternalismo, mas com cari-nho e aconchego.

- Analisar regularmente o registro que ascrianças vão fazendo no seu caderno, no seu diá-rio para identificar os níveis de aprendizagem edesafiar cada criança a se superar dia-a-dia.

- Dar ênfase aos hábitos pessoais de leitura,de estudo, de higiene, de organização dos própriosmateriais, etc.

- Prestar atenção no jeito que as crianças tra-balham em grupos; refletir co m elas sobre os pro-blemas que vão aparecendo tais como “um faz eos outros olham”; ou “eu sei e vocês não sabem “;ou ainda “ cada um faz o que quer “.

- Garantir um sistema de avaliação pessoale coletiva, que seja rigoroso sem ser intimidador.

8 – O PROFESSOR TEM QUE SERMILITANTE.

É papel do professor assumir a coordenação pe-dagógica da implementação desta proposta deeducação nos Assentamentos. E para cumprir ta-refa tão importante não pode ser qualquer pro-fessor. Canudo não basta. Discurso também nãobasta. É preciso MILITÂNCIA.

Os professores de nossas escolas devem ser MI-LITANTES do MST. E o que significa ser mili-tante?

Alguns elementos essenciais que constituem amilitância são os seguintes:1) PERTENÇA IDEÓLOGICA: identificação,

com os interesses e os objetivos da luta doMST. Não importa se o professor é “de den-tro” ou “de fora” do Assentamento. Pertençaideológica é uma opção que se constrói na luta.

2) CLAREZA POLÍTICA: sabe onde quer che-gar com o seu trabalho e porquê consegue si-tuar cada ação cotidiana num a estratégiamaior. Cada aula é um passo na construção

da proposta de educação. E a proposta de edu-cação, por sua vez, é um dos instrumentos daluta do MST, que também faz parte da lutamaior da classe trabalhadora.

3) CONSCIÊNCIA DE CLASSE: um profes-sor que não se identifique como trabalhador,tampouco se identificará com a luta de ummovimento de trabalhadores.

4) AMOR PELA CAUSA DO POVO ECRENÇA PROFUNDA NO SEU TRABA-LHO: um professor que acredita no que estáfazendo é capaz de superar os obstáculos dodia a dia, é capaz de animar os companheirosnos momentos difíceis e celebrar com elespequenas vitórias.

5) DISCIPLINA PESSOAL: ser capaz de con-jugar objetivos pessoais com os princípios daORGANIZAÇÃO e a partir daí cumprir suastarefas com o máximo de empenho e dedica-ção pessoal. Ninguém milita sozinho. Nin-guém milita fora de uma organização. E oprofessor geralmente acostumado a um tra-balho mais isolado, precisa romper com o iso-lamento e engajar-se na organização maioratravés do setor que lhe é mais específico queé o Setor de Educação.

Concretamente nos nossos Assentamentos, osprofessores demonstram a militância quando:- Participam da organização do Assentamento,

ajudando a resolver os problemas do conjunto;- Integram um núcleo do MST;- Participam dos momentos de festa e de con-

vivência informal dos Assentados;- Participam de algum tipo de ação pública do

MST ou do Assentamento (brigadas, cami-nhadas, etc.);

– Ajudam a organizar a Equipe de Educação doAssentamento;

– Participam do Setor de Educação a nível esta-dual;

– Buscam sempre trabalhar em conjunto comoutros professores, especialmente no planeja-mento das aulas;

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– Participam dos cursos de Formação e capa-citação chamados pela organização;

– Conseguem defender com clareza de argu-mentos e competência prática a proposta deEducação do MST onde isso, é necessário: pe-rante os próprios assentados, perante os ór-gãos oficiais de ensino, etc;

– Empenham – se no estudo e na prática decada um dos princípios pedagógicos desta pro-posta, buscando permanente capacitação;

– Aceitam e promovam avaliações periódicas so-bre o seu trabalho no Assentamento;

- São exemplos de disciplina, dedicação e en-tusiasmo para as crianças.

9 – A ESCOLA DEVE AJUDAR A FORMARMILITANTES E EXERCITAR A MISTICADA LUTA POPULAR.

Um dos grandes objetivos de uma Escola or-ganicamente ligada a um movimento social é aformação de militantes. É isso que garante a con-tinuidade e o avanço da luta popular.

Todos os princípios que sustentam nossa pro-posta de educação devem desembocar num alu-no militante. E não se trata de preparar exclusiva-mente militantes para o MST. A luta tem umhorizonte do tamanho do mundo e há muitas fren-tes de militância pela classe trabalhadora. Só quenosso ponto de partida não pode ser outro senãoalimentar a militância dos alunos no Movimentoque lhes é neste momento referência.

Quanto mais cedo as crianças começam a seengajar na construção do novo projeto mais amorpegam e mais cedo teremos os quadros de quenecessitamos. Na prática as crianças estão natu-ralmente engajadas! Têm participado de ocupa-ções, de caminhadas, de manifestações e atravésdisso, queiram ou não, estão educando sua perso-nalidade.

O trabalho da Escola é participar deste proces-so. Refletir com as crianças. Ex.: explicar o por-quê das ações. Trabalhar com elas os sentimentosde medo, de revolta, mas, também de conquista,

de entusiasmo e de aventura que vivem. E, prin-cipalmente nos Assentamentos, onde a vida ficamais estável, não deixar que morram estas liçõesda luta.

EXERCITAR A MÍSTICA DA LUTA. Este éum dos desafios importantes que a Escola podeenfrentar na intenção de formar militantes. Nãopodemos ignorar que mesmo para os adultos amilitância não é um processo somente racional ede consciência intelectual. Também uma crençaprofunda em valores e princípios que se tradu-zem naquilo que hoje chamamos de mística.

A Mística é a MOTIVAÇÃO para seguir emfrente. Nasce do coração e nem sempre atravessao cérebro. Mas sempre se traduz em ações ou ex-pressões concretas.

Os conteúdos da mística são os valores da jus-tiça, igualdade, da liberdade; é o companhei-rismo, a solidariedade, a resistência. O sonho deuma vida digna. O sonho de uma nova socieda-de, de uma nova educação, de um novo homeme de uma nova mulher. É a paixão que vai sendoconstruída pela causa do povo. A expressão ou aforma da mística pode ser um gesto, um símbo-lo, um grito, um canto, uma camiseta, uma reza,uma caminhada, um sacrifício. Mistura compro-misso com alegria. Luta com festa. Tem maisforça quando envolve a participação ativa de todoo grupo.

Ter mística significa ser capaz de estremecer deemoção diante da bandeira do MST ou diante demais uma terra conquistada. Sentir como sua ador de um companheiro preso ou a alegria de sualibertação. A Escola que não trabalhe esta dimen-são da educação estará sem um dos seus pilares, epor isso sua estrutura será frágil.

Quando as crianças conseguem juntar o co-nhecimento da realidade à capacidade de se orga-nizar e o exercício desta mística, estão aprenden-do a transformar suas aventuras em causa ocompanheirismo, a firmeza e a ternura em valo-res; a disciplina em princípio. Estão e m condi-ções de se tornarem verdadeiros militantes.

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Algumas formas concretas de exercitar a MÍS-TICA do militante no dia a dia da Escola:

– Cantar o Hino e hastear a bandeira do MSTna Escola;

– Comemorar os dias importantes da históriade nossa luta;

– Participar das ações em conjunto com os As-sentados;

– Festejar pequenas vitórias do coletivo da Es-cola: uma colheita bem sucedida; uma reivindi-cação atendida; um trabalho concluído;

– Estimular a emulação entre as crianças demodo que se esforcem ao máximo, no trabalho eno estudo;

– Manter os alunos informados sobre o queacontece nos outros assentamentos e no MSTcomo um todo.

10 – A ESCOLA TAMBÉM ÉLUGAR DE VIVER E DEREFLETIR SOBRE UMANOVA ÉTICA.

Ética quer dizer: um conjunto de valores e prin-cípios que se definem no coletivo e são assumidospessoalmente por cada um dos membros deste co-letivo.

Nos processos de transformação em queestamos envolvidos, um dos grandes desafiostem sido romper com os valores da velha socie-dade e construir valores pessoais coerentes comos processos de luta coletiva. Nossa tendência érepetir os vícios que calcaram nossa personali-dade até agora, tais como o individualismo, oautoritarismo, a auto-suficiência ou a obediên-cia cega, o machismo, o racismo, etc.

A Escola pode trabalhar e ajudar neste desafio, àmedida que lida com crianças, ou seja, com pesso-as que estão em processo de formação da sua per-sonalidade. É o momento de exercitar e discutirsobre como deve ser o comportamento das pessoasquando estão num coletivo que visa a cooperação.Certamente elas terão bem menos dificuldades doque nós adultos estamos tendo neste campo.

Alguns valores que a Escola pode priorizar:

1) Disciplina pessoal firme vinculada à organi-zação coletiva:

A disciplina implica no cumprimento rápido,eficiente e dedicado das tarefas para as quais se édesignado; implica no respeito aos outros atravésdo respeito às decisões coletivas e no empenhoincondicional para que os objetivos do grupo se-jam atingidos da melhor forma possível.

Através da sua organização as crianças vãoaprender que num coletivo, se cada pessoa resol-ve fazer os trabalhos de acordo com o que vai pelasua cabeça individual, a coisa não funciona. Umavez tomada a decisão pelo grupo o empenho decada um deve seguir o mesmo rumo, com a fir-meza de quem sabe porque e para que está reali-zando qualquer atividade.

2) Perseverança no esforço:A falta deste valor prejudica muito o coletivo.

As pessoas que esfriam o entusiasmo diante dequalquer dificuldade, geralmente são aquelas quedeixam tarefas pela metade, lutas pela metade.Jamais vão ser vencedores. Porque qualquer vitó-ria exige esforço continuado.

Nossas crianças precisam aprender a ser perse-verantes, a RESISTIR, para poder produzir. E estaaprendizagem começa nas pequenas atividades doseu dia a dia; suas irresponsabilidades não podemser aceitas com tolerância paternalista, mas simtrabalhadas com firmeza. Perante a perseverançaé o ENTUSIASMO E A ESPERANÇA no futu-ro, para os quais professores e pais também de-vem ser exemplos vivos.

3) Amor ao trabalho e ao estudo. E espírito desacrifício:

O trabalho e o estudo não podem ser vistoscomo cargas pesadas que só se carrega por obriga-ção. E para que isto não aconteça é preciso garan-tir às crianças vários tipos de experiências de estu-do e trabalho, onde elas possam vivenciar ao

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mesmo tempo a sua dimensão criativa e prazerosae a sua dimensão de sacrifício; que também podeser carregado de sentido, se entendido na sua pers-pectiva da prestação de serviços ao coletivo.

Não preciso gostar de limpar o chão, mas estatarefa deixa de ser penosa se eu entendo que estoulimpando o chão da nossa Escola, onde todos va-mos nos sentir melhor se estiver bem limpo. Damesma forma um texto difícil, que dá dor de ca-beça para conseguir ler, pode me apaixonar se neleeu encontro informações importantes para a mi-nha vida.

4) Crítica séria e fraternal:É preciso ser capaz de fazer e aceitar críticas. E

ao fazê-lo, é preciso apontar com firmeza os errosou os desvios pessoais e coletivos. Encobrir errosdos companheiros é deixar de ser companheiros eretardar o avanço do coletivo.

Por outro lado, a crítica não deve visar a des-truição do companheiro, mas sim a sua auto-crí-tica e superação dos problemas. A crítica fraternaé aquela que estende a mão e aponta o caminhopara a superação dos equívocos e desvios.

5) Organização pessoal:Só a organização e planejamento do coletivo

não bastam. É preciso que cada criança encontreo jeito de organizar o seu próprio estudo. Sabercontrolar o seu tempo, os seus materiais, as suasanotações no caderno.

E ser organizado também significa saber dis-tribui as tarefas adequadamente, com os compa-nheiros: nem concentrar todas as tarefas para si enem deixar que os outros façam tudo. Quantomais organizada a criança vai aprendendo a ser,mais disponível poderá tornar-se para o coletivo.

6) Honestidade:Mentiras, enganos, má fé, nunca se justificam.

Desde pequenas, as crianças, precisam aprender aimportância da verdade no relacionamento pes-soal e no avanço de um processo de transforma-ção. Desonestidade e corrupção andam juntas esão inimigas de qualquer organização; tanto maisda nossa que tem como bandeira construir umnovo jeito viver e m sociedade.

7) Capacidade de encontrar a felicidade nomeio da luta:

Sem isso fica difícil pensar em multiplicar mi-litantes. As crianças por vezes vêem no rosto dospais apenas mágoa e sofrimento. Se entenderemque estar na luta significa ser amargurado e infe-liz, logo que tiverem condições de optar, deixarãoa organização. E ser feliz também é uma aprendi-zagem. Saber identificar nas situações mais diver-sas, as razões de ir em frente; saber aproveitar osmomentos de vitória, da ternura para fazer umaRESERVA de felicidade.

Uma Escola alegre e séria deve ser nossa metapara este exercício de ser feliz.

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COMO FAZER A ESCOLA QUE QUERE-MOS da continuidade ao material que editamosem julho de 1991 no Caderno de Formação nº18: “O que queremos com as escolas dos Assenta-mentos”. Nele constam os objetivos e princípiosda escola que estamos tentando construir a partirda nossa realidade.

Sabemos que existem diferenças entre um es-tado e outro, entre uma região e outra. Contudonossos objetivos e desafios são os mesmos. Preci-samos RESISTIR e PRODUZIR na terra, queduramente conquistamos. Precisamos construiruma VIDA NOVA. E a escola que queremos deveajudar neste processo.

COMO FAZER A ESCOLA QUE QUERE-MOS apresenta um conjunto de orientações e su-gestões sobre como montar o currículo de nossasescolas. Tentamos por no papel o resultado de umacaminhada de prática e reflexão que vem aconte-cendo pelo Brasil afora há mais de dez anos.

Este texto circulou em forma de apostila porvários estados do País; em 1991 foram realizadosencontros para discussões no Sul e no Nordeste.O texto recebeu críticas, complementações e su-gestões. Nesta edição procuramos incorporar todoo processo de discussão feito e apresentamos ummaterial mais explicativo e com mais exemplospráticos.

O desafio agora é a prática e a reflexão coletivasobre ela. Não é cada professor sozinho que vaiconseguir levar adiante esta proposta. Ela é auda-

ciosa e vai exigir muito de todo o Assentamento.É necessário criar grupos que discutam e plane-jem juntos o trabalho da escola. Professores, pais,crianças, todos envolvidos nessa nova prática.

DE QUE ESCOLA ESTAMOS FALANDO?UMA ESCOLA QUE NOS AJUDE A

CONHECER A NOSSA REALIDADEUm dos princípios fundamentais da proposta

pedagógica do MST é o de que nas escolas dosassentamentos toda a aprendizagem e todo o en-sino devem PARTIR DA REALIDADE.

Mas o que entendemos por REALIDADE?Realidade é o meio em que vivemos. É tudo

aquilo que fazemos, pensamos, dizemos e senti-mos da nossa vida prática. É o nosso trabalho. É anossa organização. É a natureza que nos cerca. Sãoas pessoas e o que acontece com elas. São os nos-sos problemas do dia-a-dia e também os proble-mas da sociedade que se relacionam com nossavida pessoal e coletiva.

Dizermos então que a educação deve partir darealidade quer dizer o seguinte:

– Tudo o que as crianças estudam precisa estarligado com a sua vida prática e com suas necessi-dades concretas: suas, de seus pais, de sua comu-nidade.

– Todos os conhecimentos que as crianças vãoproduzindo na escola devem servir para que elasentendam melhor o mundo em que vivem; omundo da sua escola, da sua família, do assenta-

Como fazer a escola que queremosCaderno de Educação n. 01 – Publicado em 1992 7

7 Elaboração: Setor de Educação do MST e Departamento de Educação Rural da FUNDEP.

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mento, do município, do MST, do país; e paraque participem da solução dos problemas que es-tes mundos vão apresentando.

Mas como por em prática este princípio no dia-a-dia das nossas escolas?

UM NOVO CURRÍCULO PARANOSSAS ESCOLAS

Uma forma de por em prática este princípiode partir da realidade é mudando o jeito de orga-nizar o currículo de nossas escolas.

O que é um CURRÍCULO?Muita gente pensa que o currículo é uma lista

de conteúdos que o professor recebe pronto e quedeve seguir à risca. O currículo tem conteúdo. Masnão é só isso. O currículo é um conjunto de prá-ticas que são desenvolvidas de forma planejadapelo coletivo da escola.

Na nossa proposta, queremos romper com aeducação tradicional que organiza o currículo emtorno de conteúdos retirados dos livros. Conteú-dos que são despejados na cabeça das crianças,sem preocupação com alguma relação entre estesconteúdos e a realidade.

O nosso currículo deve ser desenvolvido a par-tir da realidade próxima das crianças e através dasexperiências práticas. O aluno precisa perceber cla-ramente que aquilo que está aprendendo tem sen-tido prático na sua vida no assentamento. Somenteassim ele conseguirá avançar no conhecimento darealidade mais distante: do MST como um todo,do estado, do País, do mundo.

E como se organiza um currículo desse jeito?Onde ficam os conteúdos de ciências, estudos

sociais, matemática, português?

UM CURRÍCULO CENTRADO NAPRÁTICA

A primeira coisa que precisamos entender é quea criança não aprende apenas quando está na salade aula estudando. A criança aprende tambémquando está fazendo um trabalho prático, quandoestá planejando e fazendo brincadeiras, quando tem

que resolver seus próprios problemas. E se a genteobservar bem, quanto mais experiência prática acriança tem, mais fácil ela consegue aprender aqui-lo que estuda nos livros ou o que a professora ex-plica.

Se é assim, a nossa escola não pode se preocuparapenas com o que acontece nas aulas. Temos quepensar em todas as experiências que a criança deveter dentro e fora da sala de aula e de como a gentepode ligar uma coisa com a outra: como o profes-sor pode aproveitar nas suas aulas aquela horta queas crianças estão fazendo pra ter mais verduras namerenda da escola? Como transformar uma festado dia da criança numa aprendizagem de organi-zação e cultura?

O currículo de uma escola realmente diferentetem que garantir:

– que as crianças tenham várias experiênciasde trabalho prático e com utilidade real: pode serna arrumação da escola, na horta, numa pequenalavoura, numa farmácia caseira, numa mini-in-dústria, num mini-mercado, seja o que for... Estetrabalho deve fazer parte do planejamento geralda escola e ser acompanhado pelos professores epais;

– que elas tenham oportunidade de aprender ase organizar, a trabalhar em grupo, dividindo ta-refas, tomando decisões, resolvendo problemasque a prática vai apresentando. Pais e professoresdevem orientar o trabalho, os jogos, as brincadei-ras, o estudo, mas quem deve planejar, executar eavaliar é o coletivo dos alunos;

– que estudem na sala de aula assuntos e con-teúdos que ajudem a compreender estas atividadesque fazem fora da sala de aula, seja na escola, sejano dia-a-dia do assentamento. E que consigam en-tender também a realidade distante, da cidade, dopaís, do mundo. Quando as crianças estão estu-dando os alimentos que a sua horta produz, po-dem estudar todo o problema da produção no as-sentamento; podem estudar como se alimentam aspessoas de uma outra região; podem estudar o pro-blema da fome no Brasil e no mundo.

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Dá pra ver que esse nosso currículo tem pelomenos duas diferenças importantes em relação aoscurrículos tradicionais:

1) Tiramos o centro do processo de aprendi-zagem e ensino da sala de aula: aprendemos e en-sinamos a partir da prática, onde quer que elaaconteça. Pode ser na sala de aula, mas tambémpode ser na biblioteca, na cozinha, na horta,...

2) Tiramos o foco dos conteúdos. Os conteú-dos de matemática, português, ciências, passam aser escolhidos em função de necessidades que a prá-tica vai criando ou em função de temas que se rela-cionam com as necessidades coletivas do assenta-mento. Ex: se as crianças estão fazendo o plantiodas sementes na sua horta, este é o momento deestudar cientificamente todo o processo de germi-nação e desenvolvimento das plantas; se as criançasestão estudando as características do assentamen-to, pode ser a hora do professor escolher na geogra-fia o conteúdo clima, para que ela entenda como éo clima do assentamento, mas também para saberporque o clima varia de uma região para outra.

Isso não quer dizer que a escola não tenha lis-ta mínima dos conteúdos de cada matéria, ouem cada área. Pode ter. Deve ter. Só que o maisimportante não é conseguir a qualquer custo se-guir toda a lista. O mais importante é fazer avan-çar o conhecimento das crianças sobre a realida-de próxima e distante.

Nessa proposta de currículo também é preci-so que a escola planeje adequadamente a distri-buição do tempo. As crianças devem ter um tem-po determinado para o trabalho, para os jogos,para as brincadeiras, para o estudo. Não é maispassar o dia inteiro sentadas na sala de aula, mastambém não é passar o dia na horta; é precisoequilibrar o tempo. Ler, escrever e contar conti-nuam sendo muito importantes.

O ASSENTAMENTO NA ESCOLA E AESCOLA NO ASSENTAMENTO

Não dá nem para imaginar que este novo cur-rículo e esta nova proposta de escola vão ser or-

ganizados e planejados pelo professor sozinho.Isto é impossível. Este tipo de escola só vai acon-tecer se o assentamento todo participar dela.

O professor precisa conhecer profundamentea realidade do assentamento: os problemas da pro-dução, da organização, da formação; o tipo de edu-cação que as crianças têm em casa, no grupo. Esteconhecimento o professor só vai ter se ele partici-par ativamente do trabalho, das reuniões, das fes-tas do assentamento. Não tem outro jeito.

Por outro lado os assentamentos devem ajudara planejar esse currículo. Saber o que acontece naescola, estar lá de vez em quando para acompa-nhar algumas atividades práticas das crianças; ava-liar se a escola está ajudando de alguma forma.

E as crianças precisam ter a oportunidade deespalhar e multiplicar os conhecimentos que vãoproduzindo na escola para o conjunto do assenta-mento, sempre ligando a teoria com a prática...

O TEXTO QUE SEGUEO texto que segue tenta desenvolver e deta-

lhar melhor essa forma de organizar e trabalharo currículo nas nossas escolas.

Está dividido em duas partes. Na primeira par-te desenvolve, através de exemplos, todo um pla-nejamento da escola de acordo com essa propos-ta. Vai descrevendo passo a passo qual aMETODOLOGIA a seguir para fazer a escolaque queremos.

A segunda parte traz um conjunto de suges-tões de temas, de questões e de conteúdos porárea, de modo a facilitar o trabalho de planeja-mento das escolas.

A segunda parte é onde os professores podempesquisar para fazer o que diz na primeira. Mas, ébom lembrar que não se trata de um modelo oureceita mágica. É uma proposta que deve servirpara reflexão de cada professor, de cada escola, decada assentamento. No mais, é muita criatividade,ousadia e espírito de pesquisa para conseguir, queno dia a dia, esta nova proposta vá sendoconstruída, avaliada, revisada, vivida, enfim...

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PRIMEIRA PARTE:COMO PLANEJAR NOSSO TRABALHODE ACORDO COM ESSE CURRÍCULO

QUE PARTE DA PRÁTICA

Dissemos que o currículo desta escola diferen-te que queremos deve incluir trabalho, jogo, fes-ta, organização, estudo, e que tudo deve estar re-lacionado, misturando o tempo todo a prática coma teoria.

Falando até que parece fácil. Mas na hora depor em prática a gente se dá conta que essa pro-posta não acontece só pela vontade. Não é só pelaintenção, pelo querer, que vamos ter alunos orga-nizados, democráticos, trabalhadores, disciplina-dos e interessados pelo estudo. Precisamos antesser assim, nós mesmos, e organizar a escola de taljeito que as crianças tenham condições reais deaprender tudo isso.

Um dos grandes segredos do nosso trabalho éo PLANEJAMENTO.

Planejar é refletir antes de agir. Um professorque vai para a escola sem antes ter pensado sobreo que, porque e como vai trabalhar com seus alu-nos, nunca vai conseguir fazer um trabalho novo,criativo. Quando a gente não planeja, por maisque queira fazer um ensino diferente, na práticaacaba repetindo o velho, o tradicional.

Foi assim que nos educaram. Era assim quetrabalhávamos até agora. Encher a cabeça das cri-anças de conteúdos é muito mais fácil. Mudar estejeito de ensinar exige uma reflexão constante.Antes, durante e depois da prática. Antes é o PLA-NEJAMENTO. Durante e depois é a AVALIA-ÇÃO do que foi planejado.

Como então planejar este nosso currículo?Quais os passos principais?

1. Ter bem claro os objetivos da escolaNosso trabalho precisa ter objetivos a curto, a

médio e a longo prazos. Se não sabemos o quequeremos não temos como fazer um trabalho quetraga bons resultados.

Para entendermos melhor esta questão dos ob-jetivos, uma sugestão é reler o Caderno de For-mação nº 18, “O que queremos com as escolasdos assentamentos”. Depois é pensar na realidadedo nosso assentamento e discutir com a comuni-dade para ver o que realmente queremos atingiratravés da nossa escola. Alguns objetivos estão nacara, como o de que todas as crianças devem apren-der a ler, a escrever, a fazer cálculos. Mas outrosobjetivos dependem da realidade específica. Porexemplo: em alguns assentamentos a escola podeter o objetivo de preparar as crianças para traba-lhar numa cooperativa de produção. Em outraspode ajudar a resolver os problemas de saúde dacomunidade. Os objetivos não são os mesmos parasempre. Eles podem e devem ir mudando de acor-do com as mudanças que vai passando o conjun-to do assentamento e a sociedade. O importanteé que não seja o professor sozinho a definir osobjetivos. É a comunidade que deve assumir estepapel.

2. Transformar a realidade em temas geradoresTendo claro quais são os objetivos da escola,

precisamos responder a seguinte pergunta: O queos nossos alunos devem fazer na escola para queestes objetivos sejam atingidos?

Geralmente quando a gente faz esta perguntaaos assentados a resposta costuma ser mais ou me-nos a seguinte:

As crianças têm que estudar:- A história do assentamento e do MST;- Os problemas da produção dos assentamen-

tos;- O trabalho individual e coletivo;- Cooperação agrícola;- A vida na cidade;- Preservação da natureza;- Seca do nordeste;- Sindicatos e partidos políticos que têm rela-

ção com o assentamento;- Técnicas agrícolas...

Como podemos notar, as respostas não indi-

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cam que as crianças devem estudar matemática,geografia ou história. A resposta fala da necessi-dade de estudar a realidade, começando pela pró-xima, do assentamento, e indo mais distante.

Esse “o que estudar” vamos chamar de TEMASGERADORES. Ou seja, temas geradores são as-suntos, questões ou problemas tirados da realida-de das crianças e da sua comunidade. Eles permi-tem direcionar toda a aprendizagem para aconstrução de um conhecimento concreto e comsentido real, tanto para as crianças como para acomunidade. São estes temas que vão determinara escolha dos conteúdos, a metodologia de traba-lho em sala de aula, o tipo de avaliação, tudo isso.

Mas qual é afinal a diferença entre aprender eensinar através de TEMAS e através de CON-TEÚDOS?

Quando falamos de conteúdos estamos nosreferindo àquelas listas de matemática, ciências,linguagem,... Por exemplo, quando a professorachega na sala de aula e diz para as crianças: “Hojevamos estudar medidas de perímetro e área”, elaestá partindo de um conteúdo, de matemáticano caso. Por mais que ela se esforce para explicara importância deste conteúdo para os alunos efaça dezenas de exercícios no quadro, dificilmentevão conseguir entender para que serve o tal perí-metro. É uma coisa abstrata. Completamente di-ferente seria se a professora estivesse estudandocom as crianças as características da área de as-sentamento e as crianças se interessassem em sa-ber sobre como foram feitas as medidas de áreade cada lote. Daí a professora ensinaria o con-teúdo: cálculo de área para que as crianças con-seguissem entender uma das dimensões do temaque estamos estudando: as características do as-sentamento. Também aproveitaria para explicarem que outras situações este cálculo poderia serusado. Neste caso aquelas dezenas de exercíciosno quadro não teriam por objetivo somente queas crianças aprendessem a calcular a área e perí-metro dos lotes do assentamento. Esta é a dife-rença básica entre partir de temas e partir de con-

teúdos. Partindo de conteúdos nem sempre con-seguimos levar a criança a compreender a reali-dade. Partindo dos temas a criança está estudan-do a realidade diretamente.

Quando e como escolher os temas geradores:No início do ano escolar, os professores e alu-

nos podem fazer um levantamento dos possíveistemas a serem estudados durante o primeiro se-mestre, ou mesmo durante o ano todo. Não setrata de uma camisa de força. O planejamento éflexível e novos temas podem surgir da própriarealidade que está sempre em transformação. Aidéia deste levantamento é permitir que a escolase programe e os professores possam se preparar efazer um ensino de melhor qualidade.

Para escolher os temas é preciso responder àsseguintes perguntas:

1) Quais são atualmente os maiores problemasdo nosso assentamento? É a questão da produ-ção? É a saúde? É o relacionamento entre as famí-lias? É a falta de entendimento sobre o trabalhocoletivo? É a falta de participação das mulheres edas crianças no trabalho e na organização?

2) Quais destes problemas podem/devem serincluídos como temas geradores no currículo daescola, de modo que os alunos e professores pos-sam ajudar a encontrar soluções? Por exemplo: seno assentamento a plantação não está produzindocomo deveria, a terra parece fraca e não há dinhei-ro para comprar adubos. A pergunta é: que contri-buição a escola poderia dar para a solução desteproblema estudando sobre ele? Neste caso a res-posta parece simples: as crianças poderiam apren-der através da escola a fazer um estudo científicosobre a composição do solo do assentamento epesquisar sobre alternativas baratas de adubaçãoorgânica da terra. Poderiam até experimentar estasalternativas na horta da escola. Poderiam partici-par do trabalho na plantação junto com os adul-tos. E através deste tema e desta prática poderiamestudar vários conteúdos de ciências e de estudossociais relacionados com técnicas agrícolas, como

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por exemplo: controle natural das pragas, desen-volvimento dos vários tipos de lavoura, influênciado clima sobre o solo e as plantas...

3) Qual será o ponto de partida do nosso tra-balho neste ano? Qual a maior necessidade? Oque traria resultados mais significativos para a co-munidade? O que causaria maior interesse e en-tusiasmo nas crianças?

Certa vez acompanhamos uma discussão so-bre isso que pode aqui servir de exemplo: profes-sores e assentados reunidos e tendo também a par-ticipação de alguns estudantes da quarta série,chegaram a uma polêmica sobre qual deveria sero primeiro tema do semestre. Todos constataramque um dos grandes problemas do assentamentoera a saúde precária, que estava aumentando dia-riamente a mortalidade infantil e piorando as con-dições de vida de toda a comunidade. Alguns di-ziam então que o primeiro tema deveria ser: asprincipais doenças que temos no assentamento,como tratá-las e como evitá-las. Outros afirma-vam que o tema inicial deveria ser: como é e comodeve ser a nossa alimentação e higiene, porquesegundo eles, ali estavam duas das principais cau-sas do problema da saúde no assentamento: máalimentação e falta de higiene. Logo surgiu umterceiro grupo que se deu conta de que por trásdos problemas da alimentação e da higiene, esta-va o problema da produção. O assentamento nãoproduzia alimentação suficiente para garantir osustento saudável dos assentados e isto tinha a vercom o fato de que a maioria trabalhava individuale não coletivo.

Daí o grupo defendia que o primeiro tema aser estudado deveria ser o da produção coletiva.Discussão vai, discussão vem, chegaram a algu-mas conclusões no seu planejamento: – iriam co-meçar mesmo com a questão das doenças por-que isso permitiria às crianças o envolvimentodireto na fabricação de remédios caseiros, emcampanha de prevenção, o que as entusiasmariabastante e seria imediatamente útil à comunida-de; – começando com as doenças logo chegari-

am ao estudo da alimentação e da higiene, por-que estas fazem parte da prevenção de doenças ebem poderiam engatar no estudo da produçãodestes alimentos. Ou seja, um tema puxa o ou-tro, principalmente se for desenvolvido atravésde atividades práticas.

4) Quais destes temas já foram de alguma for-ma estudados pelas crianças? Quais as característi-cas das séries com as quais vamos trabalhar? Queinteresses e necessidades específicas têm as criançasna faixa de idade em que se encontram nossos alu-nos? Se vamos trabalhar com 1a e 2a séries, por exem-plo, quais destes temas ajudam também no objeti-vo específico de alfabetizar rapidamente estascrianças? Ou seja, devemos lembrar que não preci-samos tratar de todos os problemas do assentamentono mesmo ano e com todas as crianças. Não setrata de pensar, por exemplo, que com as criançaspequenas não podemos tratar de certos temas, comoos ligados à produção ou à política. Mas de repenteposso deixar para aprofundar mais estas questõescom os alunos da 4º série e garantir que os alunosmenores conheçam com detalhes a história do as-sentamento, as características da terra, das plantas,do clima do assentamento, e como influenciam avida, a saúde das pessoas...

Quanto tempo trabalhar com cada tema?A escola pode escolher trabalhar com grandes

temas. Por exemplo: o trabalho em nosso assenta-mento. Ou, nossa saúde aqui no assentamento.Temas que, para serem estudados, terão que serrepartidos em questões ou sub-temas menores. As-sim, no tema: “Nossa saúde”, podemos tratar daquestão das condições de higiene do assentamen-to, da questão da alimentação, da farmácia quepoderia ser construída na escola, do posto de saú-de que não tem, ...

Isto quer dizer que, em torno do tema grandeque é a saúde do assentamento, a escola poderiatrabalhar de diferentes formas, com muitos con-teúdos, durante dois, três, ou até quatro meses,dependendo do interesse das crianças e dos obje-tivos que se tem com o estudo do tema.

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Também é possível trabalhar com temas me-nores e em menos tempo. Exemplo: o problemada seca em nossa região, que afeta nossa vida noassentamento. Este tema poderia ser tratado emalgumas semanas, dependendo da abrangência queo professor pensa em desenvolvê-lo. Se for um as-sentamento do nordeste, este é um problema quepode merecer um estudo mais aprofundado, quevai desde a questão do clima até as questões polí-ticas que impedem uma solução real do proble-ma da seca nesta região...

O importante mesmo é garantir que os temassejam abordados e que se engatem um ao outro.É assim que vai acontecer o CONHECIMEN-TO DA REALIDADE, e a ligação entre teoria eprática.

3. Definir os objetivos específicos para cadaunidade temática

O que estamos fazendo aqui é um exercício dePLANEJAMENTO. Já temos claro quais são osobjetivos da nossa escola, já discutimos com a co-munidade quais os temas que vamos estudar du-rante o ano com as crianças, já escolhemos comque temas vamos iniciar. Vamos dizer que o temaescolhido foi “NOSSA SAÚDE AQUI NO AS-SENTAMENTO” e o trabalho será realizado comcrianças entre sete e doze anos; alunos de primei-ra à quarta série.

Muito bem! Qual o próximo passo?A hora agora é de fazer todo o planejamento em

torno deste tema, ou, como estamos chamandoaqui, em torno desta UNIDADE TEMÁTICA.

Enquanto não pensamos tudo o que é possívelfazer e estudar em torno do tema Nossa Saúde,não sabemos exatamente quanto tempo preten-demos trabalhar com ele; se dias, semanas oumeses.

Precisamos primeiro estabelecer os nossos OB-JETIVOS em relação ao tema. Ou seja, precisa-mos responder à pergunta:

PARA QUE ESTUDAR SOBRE A QUES-TÃO DA SAÚDE NO ASSENTAMENTO?

Vamos estudar este tema porque em nosso assen-tamento há problemas sérios no campo da saúde.Muitas crianças morrendo, surto de piolhos, higie-ne e alimentação precárias, água não tratada, falta deassistência médica; não temos posto de saúde,...

Para definir o para que, precisamos levar emconta três coisas básicas: 1) que tipo de contribui-ção prática queremos e podemos dar para solucio-nar alguns destes problemas referentes à saúde?Exemplo: pode ser nosso objetivo despertar nascrianças o interesse em conhecer melhor as doen-ças que têm aparecido no assentamento e comoevitá-las. Mas também pode ser objetivo, atravésdeste estudo, organizar uma campanha para fazerfossas no assentamento, ou ainda, para fazer umlevantamento dos dados sobre a saúde no assen-tamento, para reivindicar junto à prefeitura a ins-talação de um posto de saúde. Precisamos ter cui-dado para não estabelecer com as criançasobjetivos que são impossíveis de atingir. Por exem-plo, neste tema, ter como objetivo “acabar com asdoenças no assentamento.” É claro que isso é oque todos queremos, mas este não é um objetivoa ser atingido apenas através do trabalho da esco-la. Este pode ser um objetivo do assentamentocomo um todo, mas não é realizável apenas nestecurto espaço de tempo de estudo do tema.

2) Quais as questões principais que vamos tra-tar deste tema neste momento? O tema saúde ébastante grande e talvez não seja o caso de tratartodos os problemas de saúde do assentamento deuma vez só. Porque isso demoraria muito tempo(meses) e as crianças, principalmente as menores,poderiam enjoar. É preciso então focalizar o tra-balho nos problemas que são mais sérios. Exem-plo: principais doenças e o tipo de medicina paratratá-las. Prevenção das doenças através da higie-ne e da alimentação. Atendimento médico no as-sentamento.

3) Quais são os objetivos específicos das sériescom as quais estamos trabalhando? Não podemosesquecer que, seja qual for o tema que estivermosestudando, se estamos com séries iniciais, nosso ob-

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jetivo tem que mencionar a questão da ALFABETI-ZAÇÃO. Ou seja, em primeiro lugar as crianças vêmpara a escola para aprender a ler, escrever, contar, seexpressar. O estudo a partir de temas deve tornarmais fácil esta aprendizagem e jamais deixá-la de lado.E, de fato, os temas ajudam. Para uma criança queestá aprendendo as primeiras letras, por exemplo, émuito mais fácil ela escrever sobre o piolho que temna cabeça das crianças, do que sobre pipas que apa-recem desenhadas nas cartilhas.

Além disso, se vamos trabalhar com o mesmotema com crianças de séries diferentes, precisa-mos ter cuidado de verificar quais objetivos po-dem ser comuns para todos, mesmo que atingi-dos em graus diferentes, e quais são próprios paracada série. Exemplo: Se temos como objetivo aoestudar o tema “Nossa Saúde”, proporcionar umaexperiência de organização coletiva do trabalho(as crianças terão que organizar uma pesquisa so-bre saúde, terão que se organizar para fazer umafarmácia na escola, .), este objetivo é válido paratodas as séries, mesmo a gente tendo claro que ascrianças maiores poderão ter uma experiência maisrefletida e discutida. Já outro objetivo, o de apren-der a fazer uma pesquisa científica, com levanta-mento de dados, com estatísticas, com desenhode gráficos, pode ser próprio para a quarta série enão para as outras. E isto não quer dizer que ascrianças das outras séries não ajudem a fazer apesquisa. É só que não têm o mesmo objetivo.

De qualquer forma vale o registro sobre a im-portância de se trabalhar com o mesmo tema emvárias séries. Não só é possível como bastante re-comendável. É o melhor jeito de resolver o pro-blema que costuma ser o trabalho com as classesmultiseriadas. Permite a ajuda entre as crianças, ainteração entre o planejamento das várias séries,atividades comuns,...

4. Planejar a relação entre o estudo e o trabalhodas crianças

Desde a introdução deste texto estamos afir-mando que o TRABALHO DAS CRIANÇAS

deve fazer parte e é central no novo currículo queestamos construindo nas nossas escolas.

Mas afinal, onde está a novidade de nossascrianças trabalharem?

Por acaso não é comum na maioria das escolasrurais as crianças ajudarem a cuidar da horta ouda limpeza da sala de aula? E, além disso, as crian-ças já não trabalham o suficiente em casa, aju-dando seus pais?

O que ocorre é que, na maioria das vezes otrabalho infantil é aceito por necessidade, e nãoporque se acredite que possa ser educativo.

Ou seja, as crianças ajudam no trabalho fami-liar ou no trabalho da escola porque são mão-de-obra barata e necessária para garantir a sobrevi-vência, especialmente da família. De modo geral,as crianças são as ajudantes e não as responsáveispelas tarefas. Isto quer dizer que sua experiênciade trabalho é mecânica e muito poucas vezes podedispor de um acompanhamento pedagógico.

Nas escolas, geralmente não há nada a ver en-tre o trabalho que as crianças realizam e o queestudam na sala de aula.

A diferença do que estamos propondo é a se-guinte: na nossa escola as crianças devem ter aoportunidade de ESTUDAR através do TRABA-LHO. Ou seja, é preciso fazer uma horta na esco-la para ter melhores alimentos na hora da meren-da. Certo. Vamos então aproveitar este trabalho(que é um trabalho produtivo real e útil para acomunidade) para que as crianças:- Peguem amor pelo trabalho na terra e queiram

permanecer trabalhando no assentamento;- Aprendam técnicas alternativas de cultivo que

já vão lhe preparando para ajudar no conjun-to do assentamento a produzir mais e commenos gastos. E se a horta da escola dá certo,ela pode passar a produzir mais do que para amerenda, sendo o excedente de verduras dis-tribuído entre as famílias ou vendido nas fei-ras da cidade. Por que não?

- Aprendam a se organizar e trabalhar em con-junto e de modo cooperativo, ou seja, apren-

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dam a tomar decisões no coletivo, a dividirtarefas e responsabilidades, a planejar e avaliaro trabalho de cada um.

- Desenvolvam na prática os valores da solida-riedade, do companheirismo, da disciplina...Já pensaram se o grupo da rega deixa de mo-lhar os canteiros recém semeados porque pre-fere jogar bola?

- Tenham uma experiência concreta de relacio-nar prática com teoria, facilitando sua apren-dizagem sobre os temas e conteúdos estuda-dos em aula. Assim, enquanto as crianças vãocultivando a horta, podem ir aprendendo todaa ciência do desenvolvimento das plantas, dotipo de sementes, de solo, de clima que per-mite plantar algumas verduras e outras não.Pode ir aprendendo também como é que semede um canteiro, em que direção do solo edo vento a horta deve ser feita, por que nesteverão deu uma seca que quase acabou com ahorta toda,... Ou seja, de uma maneira bemmais fácil e atraente, a criança vai produzin-do conhecimento que tem para ela uma utili-dade prática, imediata e que também ela vaipoder utilizar em cada situação de vida quefor aparecendo...

Mas vamos voltar ao nosso planejamento.Se acreditarmos nisso tudo que foi dito sobre a

importância educativa do trabalho das crianças,já quando definimos nossos objetivos em tornodo tema que vai ser estudado, devemos mencio-nar algumas experiências de trabalho.

Em nosso exercício, estávamos planejando aunidade sobre “Nossa saúde aqui no assentamen-to”. E entre nossos objetivos chegamos a menci-onar: “fazer uma campanha para a construçãode fossas em nosso assentamento”, “reivindica-ção de um posto de saúde”,... Então é isso: pre-cisamos prever com as crianças que tipo de tra-balho pode ser realizado por elas durante odesenvolvimento do tema e verificar de que co-nhecimentos vão precisar para realizá-lo. Noexemplo das fossas, as crianças precisarão apren-

der vários conteúdos: o que é, para que serve e oque acontece com os detritos numa fossa, comodeve ser feita, com que profundidade, em quedireção, como calcular os custos de construçãode uma fossa. Poderão estudar, a propósito dasfossas, toda a problemática de saneamento nomunicípio, no estado, no país, ...

Também dentro deste tema deveria ser possí-vel que as crianças se envolvessem na construçãode uma farmácia de ervas medicinais, ou mesmochegassem a fazer uma horta para cultivar estasplantas. E assim muitas outras coisas. O impor-tante é que não sejam situações artificiais ou for-çadas de trabalho, mas sim que surjam pela pró-pria necessidade da escola ou da comunidade.

Falta ainda chamar atenção para o seguinte:Em algumas situações se parte do estudo do

tema e se chega até o trabalho prático. Outras ve-zes é possível fazer o contrário, partir do trabalhoprático, ou seja, da prática, e depois chegar ao es-tudo.

Alguns exemplos para clarear esta diferença:No caso do tema “Nossa saúde”, podemos co-

meçar estudando sobre a realidade da saúde noassentamento, a pesquisar nos livros as causas doaparecimento do piolho, e a partir deste estudodesencadearmos atividades práticas de campanha,da fabricação de remédios caseiros, .

Mas vamos imaginar que o nosso segundo temaescolhido seja o TRABALHO ou a PRODUÇÃOnos assentamentos, e o nosso objetivo principalseja que as crianças consigam entender a diferen-ça entre o trabalho individual e o trabalho coleti-vo. E vamos supor também, que as crianças estãoem pleno vapor com sua horta e sua “farmáciaviva” (de ervas)... Bom, neste caso, muito melhorque ir longe estudar o que é trabalho coletivo, aescola pode aproveitar esta experiência concretaque as crianças estão fazendo de trabalho em con-junto para estudar com elas o que isto significa,que problemas estão encontrando,... Não que sedeva ficar só nisso. Mas a idéia é partir desta ex-periência próxima e viva para as crianças e depois

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estudar o trabalho todo do assentamento, de ou-tros assentamentos, conhecer uma cooperativa .

De qualquer modo, o que precisa ficar claro éque quanto mais experiências práticas a criançativer, mais sólida e significativa será sua aprendi-zagem e mais crítica ela se torna. Uma criançaque só aprende (ou decora) informações de livros,ou que ouve da professora, não tem condições depor em dúvida, confrontar ou criticar o que rece-be; acaba submissa e obediente ao saber que lhedizem ser verdadeiro. Somente a prática permiteverificar a verdade do que se ouve ou vê. Foi as-sim, por exemplo, que certa vez um grupo decrianças assentadas começou a criar coelhos se-guindo a orientação de um livro de ciências quetinham recebido de presente. Ficaram surpresas ezangadas porque sua experiência de criação mos-trou que o livro contava muita mentira sobre comovivem e se reproduzem os coelhos. E quanta gen-te foi que teve a oportunidade que tiveram estascrianças?

5. Escolher os conteúdos a serem desenvolvidosa partir do trabalho ou tema

Vamos relembrar a diferença entre trabalho,tema, conteúdo:

TRABALHO: as crianças estão construindouma farmácia na escola.

TEMA: os principais problemas de saúde donosso assentamento.

CONTEÚDOS: cuidados com a água. Medi-das de comprimento. Tipos de alimentos e suaimportância. Produção de textos.

Ou seja, o TRABALHO é a prática; o TEMAé um assunto ligado diretamente à realidade: équando fazemos perguntas para esta realidade;“quais os principais problemas de saúde de nossoassentamento?” ou “como são os rios do nossomunicípio?”. E o CONTEÚDO é o conhecimen-to científico que nos ajuda a realizar o trabalhoou a responder as nossas perguntas sobre a nossarealidade: estou montando uma estante com pra-teleiras para minha farmácia, daí preciso saber, por

exemplo, que tipo de material é melhor para fazeruma estante de remédios, também preciso sabermedir para que todas as prateleiras tenham o mes-mo tamanho,...

Quero discutir sobre uma melhor alimentaçãopara nossa comunidade: preciso estudar que ti-pos de alimentos existem, como deve ser a com-posição destes nas refeições das crianças, dos adul-tos, o que é uma vitamina, porque é importantecomer verduras,...

Na escola tradicional, o que vem primeiro é alista de conteúdos que, obrigatoriamente, o pro-fessor deve desenvolver em cada série. Há casosde escolas rurais, inclusive algumas de assentamen-tos, onde as secretarias de educação entregam acada mês os planos de aula prontos para os pro-fessores das várias escolas de seu município. Tudoigual. É só despejar na cabeça das crianças. Nestesplanos o que consta é a lista de conteúdos porárea (Ciências, Matemática, Estudos Sociais eComunicação e Expressão) e o modelo de prova aser aplicado no fim do mês para ver se as criançasconseguiram decorar tudo o que foi “ensinado”.O que querem e precisam os alunos, isso não im-porta. A realidade de cada comunidade? Importamenos ainda...

É exatamente contra este tipo de escola e cur-rículo imposto que estamos lutando em nossosassentamentos. Porque esta escola e este currículonão nos ajudam a enfrentar os desafios de nossodia a dia. Não nos dizem nada como RESISTIRE PRODUZIR nesta terra que conquistamos comtanta luta.

Por isso nossa proposta quer mudar o jogo evirar a escola tradicional de ponta cabeça!

A nossa escola coloca no centro das preocupa-ções a REALIDADE de nossas comunidades. Seusdesafios, suas necessidades, seus problemas, suasconquistas.

Transforma essa realidade em TEMAS GERA-DORES e coloca as crianças dentro das experiên-cias reais de TRABALHO, de prática produtiva eeducativa. Ali elas passam a aprender coisas que

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não precisam ser decoradas para escrever na pro-va, mas sim que são importantes para a sua vida,para a vida de sua família, do assentamento, doMST, dos trabalhadores em geral.

Não estamos de forma nenhuma ignorando oudesprezando os conteúdos, a teoria, a ciência.Muito pelo contrário, estamos é colocando osconteúdos no seu verdadeiro lugar como instru-mentos para a construção do conhecimento darealidade e não como fins em si mesmos. O queme adianta saber de cor a tabuada e não saberusá-la para calcular quantos canteiros pode ternossa horta? Para que estudar os pontos cardeaisse não for para evitar que me perca quando entrolá naquela picada do assentamento ou então parasaber que devo construir a minha casa voltada parao Norte para que o sol a ilumine melhor? O fato éque as crianças (também os adultos) aprendemmuito mais fácil aquilo que necessitam concreta-mente aprender: é preciso medir a horta e sabemque ninguém vai medir por elas, certamente vãoaprender medidas. Custe o que custar!

No planejamento das aulas, então, o professordeve ter o cuidado de ir escolhendo os conteúdosque vão ajudando as crianças a enfrentar melhoro assunto que estão estudando ou o trabalho queestão fazendo. Pode, e até é recomendável que aescola tenha uma lista de conteúdos mínimos emcada área e para cada série. Só que ao invés desimplesmente seguir a lista, o professor vai bus-cando nela os conteúdos que melhor servem paraos objetivos do estudo e da prática que os alunosestão realizando.

Vejamos como isso funciona no exercício com-pleto de planejamento que estamos fazendo atra-vés do texto.

Vamos pensar juntos; estamos estudando otema “Nossa saúde aqui no assentamento” e ascrianças começam a fazer a sua horta de ervasmedicinais. Querem ter ervas para fazer remédiose para montar uma “Farmácia Viva” na escola.Nossos alunos são da 1a a 4a série e todos estãoenvolvidos nisso.

A pergunta é: que conteúdos podemos preverque são necessários enquanto as crianças estive-rem trabalhando com a horta?

Para responder a esta pergunta vamos anteslembrar quais são os passos principais para fazeruma horta:- Precisamos escolher o local e decidir sobre o

tamanho.- Preparar a terra.- Cercar o terreno da horta.- Fazer os canteiros.- Fazer uma sementeira.- Plantar e transplantar mudas.- Cultivar a horta...

Voltemos aos conteúdos. Vamos pensar emcada área. Comecemos com Ciências, que parecea mais próxima do nosso assunto e da nossa hor-ta. Precisamos estudar, por exemplo:- composição e tipo de solo, para decidir sobre

o lugar da horta;- adubação: importância e que tipos existem,

quais as vantagens e desvantagens da aduba-ção química e da adubação orgânica, paradecidirmos como vamos preparar a terra.Depois vem o desenvolvimento das plantas,para sabermos como deve ser o cultivo danossa horta. E daí a gente vai engatando con-teúdos próximos e também importantes: ti-pos de plantas e seu uso pelo homem, plantase saúde do corpo humano,...

E na lista de matemática, dá para buscar al-gum conteúdo?

As crianças de 1a série podem, por exemplo,aprender a noção de tamanho da horta, dos can-teiros; podem aprender os números pela conta-gem das sementes, das mudas...

As da 2a já podem ajudar a calcular os custosque vamos ter em cada fase da horta e também otempo que leva para fazer um canteiro, para ger-minar cada tipo de semente; as da 3a e 4a talvezpossam ficar responsáveis pelos canteiros e pelacerca. Daí necessariamente terão que aprender amedir tanto os canteiros como a área da horta pra

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saber de quanta tela ou outro material precisampara cercar toda ela.

Estudos sociais: as crianças precisam sabercomo melhor localizar a horta e a posição dos can-teiros em relação ao vento e ao sol. Não seria ahora dos tais pontos cardeais? Também deveriamestudar o clima da região para saber que tipo deervas podem e não podem plantar, se devem pre-ver muita ou pouca rega, ... Daí já podem com-parar o clima desta região com o daquela de ondeveio sua família, antes de ser assentada. E de re-pente até já entramos na história das famílias e decomo trabalhavam a terra antes. Se tinham horta,o que plantavam, porque agora é diferente...

Comunicação e Expressão: será que pode teralguma coisa a ver entre horta e português? Nãosó pode como tem que ter. Não podemos esque-cer que um dos grandes objetivos da escola é queas crianças aprendam a se comunicar: falando eescrevendo. Então, tudo o que acontece lá na hortadeve passar para o caderno. A criança deve fazerredações, relatórios sobre o que vai acontecendocom as plantas, deve desenhar, fazer teatro, pre-parar exposições para os pais, tudo o que ajude amelhorar sua expressão. Mesmo as crianças daprimeira série devem registrar no caderno o que aturma está fazendo. No começo serão pequenasfrases: “A gente fez um canteiro bonito.” E as ve-zes pode ser a própria professora a escrever no ca-derno da criança. O importante é que ela se fami-liarize com a língua escrita, goste dela, queiraaprender logo a ler e escrever tudo.

Só com estes poucos exemplos fica fácil de per-ceber quantos conteúdos é possível estudar a par-tir de um trabalho real das crianças. As criançasacabam estudando muito mais do que tem na lis-ta. Porque uma coisa puxa a outra. A realidade édinâmica e desperta o gosto pelo conhecimento.

Às vezes os alunos chegam a deixar o professorem apuros: numa escola, certa vez, as crianças dasegunda série estavam com sua horta de verdurasproduzindo muito bem e então resolveram reven-der uma parte na feira da cidade. Daí pediram à

professora que explicasse quanto por cento elaspoderiam vender mais barato que os outros fei-rantes para poder comprar livros para a bibliotecada escola. A professora nem imaginava ter que ex-plicar noções de porcentagem, lucro e prejuízopara crianças tão pequenas. Mas, teve que dar umjeito...

Isto também nos mostra que a questão das sé-ries é muito relativa. Não podemos estabelecer querigidamente alguns conteúdos sejam para uma sé-rie e não para a outra. Depende muito do desen-volvimento das crianças e do tipo de experiênciasque elas vivem.

No exemplo acima não tinha como negar esteconhecimento àquelas crianças. Elas estavam pre-cisando e exigindo. Diferente seria, no caso danossa horta, que a professora insistisse que as crian-ças de primeira série aprendessem a calcular a áreado terreno se nem sabem bem ainda os números.É uma questão de bom senso, mais do que umareceita mágica...

6. Pensar em como podem ser desenvolvidos osconteúdos na sala de aula

Muito bem. As crianças estão fazendo a horta.O professor planejou os conteúdos que poderádesenvolver através do trabalho das crianças. Eagora?

Não podemos imaginar que estes conteúdosserão aprendidos de forma mágica: as crianças pre-cisam aprender a medir a área da horta, vão até lá,a professora dá algumas explicações lá na hortamesmo, e pronto! Já saem as crianças medindotudo e de cabeça! Se fosse assim tão fácil, talveznem precisasse existir escola, mas não é assim...

O momento da sala de aula é aquele onde oprofessor vai explicar os conteúdos e os alunos vãoestudá-los, fazer exercícios, escrever, perguntar, er-rar, acertar. E isso é tão importante quanto o mo-mento da prática lá na horta. Se não for assim nãovai haver aprendizagem real. Não vai haver produ-ção do conhecimento a partir da prática, que é oque todos esperamos que aconteça na nossa escola.

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É por isso que precisamos ter em nosso plane-jamento uma preocupação especial em relação aocomo fazer esta passagem entre o trabalho dascrianças (na horta, na farmácia, na escola, no mini-mercado) e o estudo dos conteúdos na sala de aula.

Costumamos dizer que o momento da sala deaula é o momento da reflexão do conhecimento.Ou seja, foi dentro de uma realidade concreta quesurgiu a necessidade de estudar este ou aquele con-teúdo. Na sala de aula a gente trabalha o conteú-do em várias situações para poder entendê-lo emtoda a sua complexidade. Faz exercícios relacio-nados com outras coisas para que as criançasaprendam e fixem esta aprendizagem. Depois,necessariamente deve haver uma volta ao concre-to para que as crianças situem na sua prática aqueleconteúdo, que agora já é conhecimento.

Alguns elementos importantes para observarenquanto estamos planejando o desenvolvimen-to dos conteúdos:

1) A diversificação das atividades é necessá-ria. Não é porque estamos fazendo uma horta queé só na horta que a criança vai aprender os con-teúdos que estão sendo estudados. É fundamen-tal que a criança tenha atividades variadas estu-dando o mesmo conteúdo. Isto facilita atransferência do conhecimento produzido atravésde uma prática para outras situações. Ex.: A criançaestá aprendendo medidas de comprimento parafazer os canteiros da horta. Bom, isso não querdizer que ela só meça canteiros. Ela pode medir asala de aula, pode medir a sua casa, pode-se fazerbrincadeiras, gincanas, jogos onde ela tenha queexercitar sua agilidade em medir e fazer cálculos.O trabalho é a fonte do conhecimento, mas não éo único instrumento de aprendizagem.

2) Nem todos os conteúdos trabalhados têmque ter relação com o trabalho prático das crian-ças. É por isso que antes falamos nos TEMAS GE-RADORES. Em determinados momentos ascrianças podem estar estudando temas que nãotêm uma relação direta com seu trabalho prático.Na época do aniversário do assentamento, podem

e devem estudar a história da luta pra conquistareste assentamento. Em outro momento podemestar estudando sobre os símbolos da luta do MST.Cantar suas canções. Fazer poemas e canções. Oupodem estudar sobre a situação dos indígenas noBrasil. Ou discutir sobre as próximas eleições, ...E nem por isso a horta deixou de ser cultivada oua farmácia deixou de prestar seu atendimento àescola.

O que não pode acontecer é aquilo que acon-teceu outro dia numa escola de assentamento: ascrianças estavam construindo um mini-mercadopara comercializar o excedente de produção desua horta e a professora estava partindo deste tra-balho para desenvolver outros conteúdos em salade aula. Um trabalho muito bonito. Aconteceuque durante este mês que estava trabalhando osSem Terra fizeram uma grande manifestação deprotesto: uma grande caminhada até a capital doestado. Foi um fato histórico que chamou a aten-ção de todo o país, aparecendo em jornais, televi-são, ... Inclusive alguns companheiros do assenta-mento onde estava acontecendo esta experiênciade escola também foram para a caminhada.

E o que aconteceu na escola? Simplesmente oassunto da caminhada não foi tratado porque aprofessora entendeu que não tinha relação com otrabalho que as crianças estavam fazendo e porisso ia distrair a sua atenção. Ou seja, em nomedo “método”, houve alienação da realidade.

Esta rigidez não pode fazer parte da nossa pro-posta. A escola precisa ser ágil e dinâmica, pro-porcionando múltiplas atividades e experiênciasao mesmo tempo. No exemplo que trouxemos,não era o caso de parar com o mini-mercado paratratar da caminhada, mas encontrar um espaçono planejamento também para este assunto.

Foi o que fez um outro professor que aprovei-tou a caminhada dos Sem Terra para explicar todaa geografia do trajeto. Estudou com as criançasno mapa por onde a caminhada ia passar, quais ascidades, como era o relevo, se teriam que descerou subir morros, se encontrariam vegetação onde

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descansar,... E estas crianças estavam fazendo umahorta. Nos dias anteriores tinham saído a cami-nhar pelo assentamento para estudar os tipos desolo. Na caminhada ficaram curiosos em enten-der porque havia barrancos. O professor não tevedúvidas: começou a estudar o relevo do assenta-mento com as crianças. E depois, engatou umacaminhada na outra...

Este é o segredo: criatividade, e antenas ligadascoma realidade!

7. Prever os recursos e materiais necessáriosFaz parte do nosso planejamento prever que

recursos serão necessários para desenvolver o tra-balho. Desde o material até pessoas que pensa-mos em convidar para participar de algumas au-las ou de alguns momentos práticos do trabalhocom as crianças.

Muitas coisas vão acontecer na hora e vão de-pender da agilidade da escola em incluí-las na suaprogramação. Exemplo: o professor está desenvol-vendo com as crianças uma pesquisa sobre o usode ervas medicinais no assentamento e lá pelastantas um grupo de alunos descobre um assenta-mento que sabe tudo sobre remédios à base deervas e propõe à turma que ela venha para a esco-la para ensinar e fazer alguns destes remédios. Oprofessor já havia pensado em trazer um agentede saúde para falar sobre o tema, daí resolve trazeros dois no mesmo dia para aproveitar as duas ex-periências.

Assim também quando acontece alguma visitano assentamento e que a escola não tinha previs-to, mas não pode deixar de aproveitar para porem contato com as crianças.

De qualquer modo, é muito importante a es-cola, o professor, as crianças, aprenderem a se pla-nejar. E um deve ser exemplo para os outros.

No planejamento que estamos fazendo aqui so-bre o tema “Nossa saúde...”, precisamos prever:- Os materiais necessários para o tipo de ativi-

dade que pretendemos desenvolver: na horta(as sementes, as enxadas, os regadores,...), na

sala de aula (os livros para pesquisa, letras decantos, cartazes, calculadoras, ...).

- As pessoas que poderíamos trazer para ajudarno aprofundamento do estudo, consultandoagendas e verificando antes a possibilidadedelas realmente virem: o agrônomo que pres-ta assessoria técnica aos assentados, não po-deria dar assessoria à horta das crianças expli-cando um pouco mais sobre a ciência dodesenvolvimento de plantas saudáveis? Omédico que vem de vez em quando, não po-deria ser convidado para falar às crianças (oua toda comunidade) sobre prevenção de do-enças? Alguns assentados não poderiam aju-dar a explicar para as crianças como se faz umcanteiro na horta, como fazem para medir aárea da horta, a tela?

- O custo que vamos ter para conseguir estes ma-teriais e trazer estas pessoas; o que temos quecomprar e o que poderá ser emprestado, tam-bém o que será doado. Aqui é fundamental en-volver as próprias crianças. É uma excelente opor-tunidade de aprender a calcular os custos, coisacom a qual não estamos muito habituados.

- As fontes de recursos: se estamos prevendogastos, onde vamos conseguir dinheiro? Comoconseguir que nos doem as sementes para ahorta? Quem fala com quem?

Esta parte do planejamento ajuda o professore as crianças a se organizarem para não ter quedeixar de realizar as atividades por falta de recur-sos. É a hora de exercitar a criatividade e a capaci-dade de ir à luta, tanto do professor quanto dosalunos. Senão acontece como aquele professor quesuspendeu a horta que ia fazer com as criançasporque o assentamento não tinha o dinheiro paracomprar a tela da cerca da horta. Se fossem vocês,quais as alternativas que encontrariam para resol-ver esta situação?

8. Pensar como poderá ser feita a avaliaçãoTudo o que a gente faz precisa ser avaliado. Ava-

liar é ir refletindo sobre o trabalho que fazemos:

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estamos conseguindo atingir os nossos objetivos?Que imprevistos aconteceram até agora e que es-tão prejudicando o andamento do trabalho? Quefatos aconteceram para ajudar o nosso trabalho?Quem de nós não está agindo de maneirasatisfatória e por quê?

Ou seja, a avaliação é a garantia do avanço denossa proposta. Através dela é que vamos conse-guir superar as falhas e inventar alternativas pararesolver cada problema que surge.

Retomando o nosso exercício de planejamen-to coletivo vamos relembrar os passos que já fo-ram dados:1) Clareamos com a comunidade os objetivos de

nossa escola...2) Escolhemos temas para estudarmos com as

crianças e definimos um que seria o primeiroe foi o objeto de nosso plano...

3) Pensamos sobre os objetivos em estudarmoseste tema...

4) Definimos o trabalho das crianças como fon-te para o desenvolvimento de nosso tema epara estudo de conteúdos importantes paraas séries em que estão nossos alunos...

5) Escolhemos alguns conteúdos chave para cadaárea...

6) Planejamos como desenvolver estes conteú-dos na sala de aula partindo da experiência detrabalho das crianças...

7) Fizemos uma previsão de recursos que vamosutilizar no desenvolvimento desse plano...

8) É o momento em que chegamos agora: pen-sar como será feita a avaliação de todo estetrabalho...

Na escola tradicional, o momento de avaliaçãoé muito simples: o professor aplica uma prova paraos alunos, registra a nota no caderno, e está pron-ta a avaliação.

Em muitas escolas que se pretendem progres-sistas, encontrou-se um caminho também bastantesimples para romper com a avaliação da escolatradicional: deixar de fazer provas. Cada aluno sedá uma nota ou o professor inventa uma nota para

cada um, alegando que a nota não é o mais im-portante.

O que acontece tanto num caso como no ou-tro, é que não se faz de fato uma avaliação; con-funde-se avaliação com nota, que é apenas umregistro no papel do resultado e que é a últimacoisa que deve acontece num processo de avalia-ção.

Nem é preciso explicar que este tipo de simpli-ficação da avaliação não combina com a propostade educação e escola que estamos desenvolvendoaté aqui. Precisamos encontrar um jeito de avaliarque nos mostre se nosso trabalho está ou não va-lendo à pena, e o que podemos fazer para que opróximo plano seja melhor que este.

Muito bem! E quais são os passos para nós pen-sarmos juntos sobre a avaliação que vamos pro-por aos nossos alunos?

As perguntas chave que precisamos responderaqui são as seguintes:

1) O que consideramos importante avaliar?2) Quando deve ser feita a avaliação?3) Como podemos fazer esta avaliação?4) Quem deve avaliar?Vamos refletir sobre cada uma delas:

O que avaliar?Uma coisa já é certa: a avaliação não pode se

voltar só para os conteúdos. Nós somos um todoe se nossa educação parte da prática é tambémna prática que devemos avaliar nossa aprendiza-gem. Ou seja, não adianta saber fazer contas nocaderno e não conseguir usar estas contas paracalcular os gastos para adubar a nossa horta...Não adiantaria escrever na prova sobre o que ébom para acabar com os piolhos e ter a cabeçapovoada deles... Não adianta saber discursar oque é democracia e na prática da escola não dei-xar ninguém participar impondo sempre as suasidéias.

Para decidirmos sobre o que é importante ava-liar é necessário ter presente o que as crianças fa-zem na escola e porque fazem:

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1) A escola é o local de trabalho, então este tra-balho tem que ser avaliado em função dos seusobjetivos. Exemplo: Se através do trabalho dahorta das crianças estamos querendo que elasaprendam técnicas de plantio e colheita ade-quadas, aprendam a trabalhar cooperativa-mente, tomando decisões coletivas, dividin-do tarefas, ... tudo isso deve ser observado naavaliação. Precisamos saber até que ponto es-tes objetivos estão sendo atingidos.

2) A escola é local de produção de conhecimen-to. Começando com a aprendizagem do ler,escrever e calcular, a avaliação deve dar contada quantidade do conhecimento sobre a rea-lidade que as crianças estão conseguindo seapropriar e produzir. Achamos importante,por exemplo, que as crianças de 3a e 4a sériesaprendam medidas de terra. Precisamos veri-ficar se elas realmente conseguiram aprender.Precisamos verificar até que ponto nós conse-guimos passar as informações necessárias paraeste aprendizado.

3) A escola é o local de desenvolvimento integraldas pessoas. É o trabalho, é o estudo; mas tam-bém é o relacionamento entre companheiros,a solidariedade, a disciplina, o entrosamento ealegria nos jovens, nas festas como se tratammeninos e meninas, como é a relação entreprofessores e alunos,... Estes comportamentosgeralmente não aparecem ditos ou escritos. Elesprecisam ser observados e merecem ser avalia-dos.

4) A escola é local de preparação de militantes.A disponibilidade em trabalhar pela comuni-dade, o interesse em conhecer a história e osfatos da luta, o cultivo dos símbolos e da mís-tica do MST. Isto também deve ser objeto deavaliação.

Quando avaliar?Existem pelo menos dois momentos onde a

avaliação de um trabalho é imprescindível: du-rante e depois. Durante, quer dizer que nós deve-

mos encontrar momentos a cada dia, a cada se-mana, para verificar e refletir sobre o andamentodo trabalho. Identificar problemas e falhas paraencontrar saídas imediatas. O que adianta umacriança ter problemas de relacionamento com oscolegas e só ser dito isso a ela no final do ano?

E se o professor constatar só lá no fim do se-mestre que não são todas as crianças que estãoconseguindo entender os conteúdos que ele tantose esforça por explicar? A avaliação depois é aque-la que faz uma revisão completa sobre tudo o queaconteceu durante um determinado período detempo e prepara o trabalho seguinte para que sejamelhor. Assim, no final da unidade temática “Nos-sa saúde...” é importante organizar formas paraavaliar, registrar, e divulgar todas as dimensões dotrabalho realizado a partir deste tema e das práti-cas realizadas pelas crianças: campanhas, horta,farmácia, ...

Como avaliar?Alguém já disse que o bom aluno não é aquele

que faz tudo o que o professor determina, massim aquele que pensa sobre o que estuda e o quefaz. E o processo de avaliação deve ser um mo-mento privilegiado de parar para pensar. Tantopara o professor como para os alunos e a comuni-dade.

Pensemos então no planejamento que estamosfazendo aqui, que instrumentos poderíamos uti-lizar para a avaliação desta unidade temática?

Um ótimo instrumento de avaliação é a FI-CHA DE OBSERVAÇÃO que o professor podeter de cada aluno. Uma folha de papel ou um ca-derno onde vai anotar tudo o que acontece comcada criança: nas aulas, se uma tem dificuldadena leitura, outra no cálculo, outra não aprendeucerto conteúdo; no trabalho, como estão apren-dendo, como se comportam, se sabem trabalharcoletivamente; nos jogos, nas brincadeiras, nasfestas, se têm problemas de relacionamento, emque tipo de atividade se destaca e assim por dian-te. Através desta ficha o professor vai acompanhar

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o desenvolvimento coletivo e pessoal da turma.Pode discutir os problemas com as próprias ou,conforme o caso, com os pais. As fichas podemser anotadas até diariamente.

Outro instrumento poderia ser o diário dascrianças. Um caderno onde as crianças vão es-crevendo diariamente, ao final da aula, o queestão sentindo em relação à escola e a tudo quefazem nela. Se estão contentes com o trabalho,se estão conseguindo compreender os conteú-dos, se estão achando o professor muito chatoou se gostam dele, quais atividades lhe chamammais atenção... Seria interessante que cada crian-ça tivesse um diário como um caderno espe-cial, como um espaço onde pode escrever o quequiser. Além de ser um ótimo estimulador daescrita da criança, fornece ao professor e aospais excelentes elementos para identificar pro-blemas que o trabalho esteja apresentando. Oprofessor deve ler o diário das crianças todos osdias. Comentar com elas no dia seguinte, apro-veitar as sugestões para melhorar o seu traba-lho.

Os relatórios dos trabalhos realizados pelascrianças também são um jeito de avaliar: pesqui-sas, visitas, trabalhos práticos, todos podem terum momento de relatório, oral ou escrito, queseja de acesso não só do professor, mas de toda aturma e também da comunidade. Por que nãoaproveitar uma reunião com a comunidade paraque as crianças relatem sobre os trabalhos que es-tão fazendo na horta, na farmácia e na sala de aula?Não seria um modo concreto de verificar o quan-to estão aprendendo?

E as provas, fazer ou não fazer? Existe toda umapolêmica sobre isso. Há quem afirme que a provaé uma característica da escola tradicional, repre-sentando a cobrança fria e burocrática dos con-teúdos despejados na cabeça das crianças. Emmuitas escolas é isso mesmo.

Só que o sentido da prova depende do contex-to e dos objetivos para que se realiza. Numa socie-dade marcada por testes (provas de seleção, con-

cursos, testes de motoristas, ...), aprender a fazerprovas pode não ser assim tão negativo.

O que precisamos é desmistificar nossa idéiade prova ou de teste.

Um teste nada mais é do que um momentopré-fixado e planejado onde as crianças têm queprovar de alguma maneira o que estão aprenden-do. E o resultado desta prova aparece através deum valor que pode ser um número, uma letra ouum símbolo qualquer.

No caso de nossa unidade temática: “Nossa saú-de...”, vejamos alguns aspectos e situações de pro-vas que poderiam acontecer:• Todos na horta: as crianças fazem perguntas

entre elas sobre as ervas plantadas e o grupoavalia se as respostas estão corretas.

• As crianças recebem tabelas com tempos de-terminados: medir a área da sala de aula, cal-cular o prejuízo da horta em função da últi-ma seca; localizar no mapa do município eidentificar o que está ao Norte, Sul, Leste,Oeste. Tudo isso valendo dez pontos.

• Gincanas culturais que estimulem as criançasa retomar tudo o que aprenderam e tambéma fazer pesquisas: vamos ver qual o grupo queconsegue trazer o maior número de ervasmedicinais e consegue explicar para que ser-vem.

• Responder perguntas orais e escritas sobre otema estudado, ...

Ou seja, nesta nossa proposta, as provas ou ostestes perdem o caráter de ameaça ou punição. Oseu caráter é de comprovação de conhecimentos ede estímulo ao crescimento de cada um e do gru-po inteiro. A própria competição que aparece en-tre as crianças pode ser saudável, desde que não secultive como disputa individualista, mas sim comoimpulso para que cada pessoa queira ser cada vezmelhor. Com isso o coletivo se enriquece e o pro-cesso educativo avança.

Outro instrumento de avaliação que não podedeixar de ser usado é a RODA DE DISCUSSÃOLIVRE sobre os problemas da escola. Pode ser roda

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só de alunos; pode ser o professor junto; pode seruma roda que junte alunos, professores e pais. Oimportante é que seja um espaço aberto onde to-dos possam expressar o que estão sentindo, o queestão pensando, o que estão esperando da escola.A horta deu certo ou não deu certo? Todos estãose envolvendo como deveriam? Por que não con-seguimos trazer mais pessoas da comunidade paranos explicar sobre o trabalho? Por que a professo-ra não permitiu ao Joãozinho que chegasse maistarde na aula para poder participar de uma reu-nião do assentamento? Por que a Beti só puxa oscabelos da Chica? Como podemos conseguir maislivros para a nossa biblioteca? Como fazer comque os assentados freqüentem mais a nossa biblio-teca?

Quem deve avaliar?Aqui está um dos pontos chave do processo de

avaliação. Na maioria das escolas o poder de ava-liar está somente com o professor. Ele avalia a to-dos os alunos, mas os alunos não podem jamaisavaliá-lo.

Nesta proposta todo o processo educativo acon-tece de modo coletivo. A avaliação não pode serdiferente. Ou seja, é o coletivo da escola que devefazer a avaliação. Cada um com sua responsabili-dade e capacidade.

Assim:– Cada aluno precisa ter a oportunidade de ava-

liar a si mesmo, nas várias dimensões: no traba-lho, no estudo, no relacionamento;

– Os alunos devem avaliar-se entre si e tam-bém avaliar o professor;

– O professor precisa se auto-avaliar e avaliarcada aluno e o conjunto de todos os alunos;

– A comunidade deve avaliar e ser avaliada nassuas relações com a escola.

9. Prever o tempo de duração deste planoApós planejarmos tudo o que pretendemos

realizar, o como e o porquê das atividades, é pre-ciso prever quanto tempo será necessário para

isso. Em função dos objetivos, das característi-cas das crianças, das séries, do interesse pelo tema.Um plano como este que estivemos exercitandoaqui, poderia ser desenvolvido em um, dois outrês meses. Tudo depende do processo de traba-lho a ser desencadeado e a capacidade de plane-jamento e ao mesmo tempo, de flexibilidade decada escola.

Às vezes acontece que um tema que pensáva-mos trabalhar num mês desperta tanto interessedas crianças ou da comunidade, que o prolonga-mos por dias ou meses.

Mas o importante é que a escola tenha sempreuma previsão de tempo, ainda que provisória eflexível.

Pronto! Temos nosso plano. Agora é só se pre-ocupar com as possíveis mudanças. Um plano agente faz para orientar nossa ação. Depois de fei-to é o contrário, a ação vai orientando a execuçãodo plano e vai tornando o trabalho cada vez maisvivo, dinâmico e participativo...

Mas antes de irmos ver na prática se este tipode metodologia funciona mesmo, vamos prestaratenção a mais alguns detalhes que são fundamen-tais.

O QUE NÃO PODEMOS ESQUECERDURANTE O DESENVOLVIMENTO

DESTE CURRÍCULO

1 – Que o tipo de organização e deadministração da escola como um todo sejapara as crianças a principal experiência práticade trabalho cooperativo e de aprendizagemconcreta da democracia.

Ou seja: a escola pode se organizar como umaespécie de cooperativa onde as crianças, junto comos professores e os assentados, participem de todoo seu funcionamento. Podem ajudar na secreta-ria, podem se responsabilizar pela limpeza, po-dem comandar a biblioteca, podem participar dasreuniões de planejamento, podem ir reivindicarmelhorias para a escola junto à prefeitura, ...

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Daí os outros trabalhos que vão aparecendo,como a horta, a farmácia ou o mini-mercado, pas-sam a integrar a organização da escola através desetores, de funções, de responsabilidade de tare-fas divididas entre as crianças, e principalmentedecididas junto com elas ou até por elas sozinhas,conforme vão ficando mais maduras.

Assim, temos a garantia que a horta não acabaquando acabar a unidade que está estudando so-bre ela, e que as crianças terão uma experiênciapermanente de trabalho e de organização. E comcerteza: crianças que vivam a experiência concre-ta de construir uma escola democrática vão terbem mais facilidade de participar do coletivo doseu assentamento, da organização do MST, do sin-dicato de seu município... da luta pela democra-tização de toda a sociedade.

2 – Que a escola seja uma grande estimuladorada prática do hábito da leitura, não só entre ascrianças, mas também entre todos osassentados.

Todas as experiências de trabalho, toda a orga-nização de aprendizagem prática, só tem sentidose forem refletidas e atravessadas pelo estudo e pelateoria. E a leitura é uma das grandes fontes deinformação e formação, de alargamento de nos-sos horizontes. E o hábito de ler a gente adquirelendo. E quanto mais cedo começamos, mais rá-pido aprendemos e passamos a gostar.

Jornais, revistas, textos, livros. De tudo é pre-ciso ler.

Em muitos assentamentos se alega que não selê por falta de material ou porque não se sabe ler.Há de fato muita carência de textos e há aindamuitos analfabetos entre os assentados de todasas idades. Mas então: por que a escola não puxa afrente e toma a iniciativa de montar a bibliotecado assentamento? As crianças se encarregariam decuidar dela: arquivariam os jornais do MST eoutros materiais que o assentamento recebe; or-ganizariam campanhas de arrecadação de outrosjornais e revistas do município; reuniriam livros

que cada companheiro tem em casa e nunca lênem empresta; fariam campanhas de uso da bi-blioteca pelos assentados.

Poderiam até promover rodas de leitura ondese faria a leitura em grupo e em voz alta para queos analfabetos também pudessem participar... Equem duvida que desta experiência pudesse sur-gir uma grande campanha de alfabetização de jo-vens e adultos? Onde as próprias crianças pudes-sem ser as alfabetizadoras?

Com esse contato todo com a leitura, as crian-ças certamente vão pegar o gosto de ler e quererser exemplo para seus pais e companheiros. Ouseja, estamos como se diz, “pegando dois coelhosde uma só vez”. Certo?

3 – Que a escola trabalhe permanentemente asexpressões culturais dos assentamentos e daluta pela terra como um todo.

Cultura quer dizer: jeito de viver. Num assenta-mento se juntam grupos com diferentes origens,deferentes costumes, religiões, gostos diversos so-bre música, comida, divertimentos, e até com jei-tos diferentes de trabalhar e de encarar o trabalho.

Aos poucos estes jeitos diferentes vão se mistu-rando e incorporando também as formas de cul-tura que foram produzidas durante a luta por estaterra. São as canções da luta, os símbolos, o jeitode viver em coletivo, as rezas com conteúdo deprotesto, a poesia que junta o povo, as vivênciasque tivemos com o jeito de ser da polícia ou comos enganos do governo... Tudo isso.

A escola não pode ignorar este mundo. As crian-ças precisam aprender a entender e valorizar suacultura. E a distinguir os costumes e o jeito queprecisam superar e quais os que devem cultivar nestanova proposta de vida coletiva que é o assentamen-to. Pesquisar a história dos seus pais antes e depoisdo assentamento. Estudar por que as pessoas têmjeitos diferentes de viver. Aprender os cantos da luta,fazer poesias, promover festas para comemorar asdatas significativas para os assentados, hastear abandeira do Movimento Sem Terra. Participar de

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atos de manifestação de assentados e acampados.Estas são algumas coisas que a escola pode fazer, aomesmo tempo, para valorizar a cultura existenteno assentamento e promover a nova cultura quealimenta e é exigida pela luta maior do MST. Tra-ta-se da cultura da COOPERAÇÃO; da culturada RESISTÊNCIA; da cultura que se traduz numaMÍSTICA da militância: quando canto um hino,hasteio a bandeira, inauguro uma biblioteca, façouma colheita, sinto renovar em mim aquela PAI-XÃO por continuar lutando, continuar resistindonesta terra e ajudar nas lutas dos demais compa-nheiros SEM TERRA e trabalhadores em geral. Senossas crianças não se educarem nesta paixão, nos-sa escola não atingiu seus objetivos.

4 – Que a escola seja também um espaço deexercício prático dos valores que caracterizam onovo homem, a nova mulher, a nova sociedade.

Democracia. Organização. Trabalho coopera-tivo. Nova cultura. Militância. Tudo isso requeralém do esforço coletivo uma mudança pessoal,uma disposição de cada um para viver segundouma nova ética de comportamento e de relacio-namento com as pessoas.

Trocar o individualismo pelo espírito de sacri-fício, pelo avanço do coletivo.

Trocar o autoritarismo pelo diálogo e pelo res-peito às decisões do grupo, mesmo quando elasnão me favorecem como eu desejaria. Abandonaro machismo e estabelecer o respeito e a solidarie-dade entre os sexos. Rever certos valores moraissem cair na imoralidade, ser companheiro, serverdadeiro, transparente, honesto.

Ser disciplinado. Aceitar avaliações. Estar abertoa mudanças.

Fazer críticas como companheiro: com a forçaque o avanço do coletivo requer e com a ternura ea compreensão de quem não quer perder ninguémpara a luta.

Trabalhar contra os vícios da bebida, do jogo,da corrupção.

Tudo isso e muito mais precisa começar a ser

desenvolvido nas crianças desde cedo. E nos adul-tos, desde que seja possível.

Na escola é preciso criar mecanismos de obser-vação e de avaliação entre as próprias crianças paraque os conhecimentos viciados sejam punidos e anova ética seja estimulada dentro de seu própriocoletivo.

E os professores não podem esquecer que o seuexemplo pessoal vale muito mais do que todos os“sermões” ou discursos que possa fazer...

CHAMADA FINALDepois de todo o trabalho que realizamos atra-

vés deste texto ficam alguns desafios que aindamerecem nossa atenção:

– Precisamos conseguir rechear toda esta pro-posta com nossa criatividade, ousadia, capacida-de de luta. Muitas dificuldades podem surgir. Masse acreditamos na força dos nossos propósitoscomo na força da terra que conquistamos, encon-traremos o melhor jeito de fazer esta propostaacontecer na prática.

– Precisamos criar nosso coletivo de planeja-mento: com outros professores, assentamentos ealunos. Este mesmo roteiro que utilizamos aquipode ser usado para fazer os planos de aula decada semana. Outras unidades temáticas vão sur-gir, outras experiências de trabalho das criançaspodem ser criadas e trocadas inclusive de uma es-cola para outra, de um assentamento para outro.Por isso a importância do professor não trabalharsozinho.

– Precisamos compreender e viver tão intensa-mente esta proposta que possamos trazer juntooutros companheiros, inclusive de fora dos assen-tamentos, para trabalhar e discutir este novo jeitode aprender e ensinar. Devemos ter argumentossuficientes para explicar tudo isso para outros pro-fessores, para os diretores de nossas escolas, paraas secretarias de educação,... E é sempre bom lem-brar que o maior argumento é a prática e a refle-xão permanente sobre ela.

– Precisamos organizar cursos de capacitação

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para aprofundarmos e discutirmos esta proposta.O novo não nasce espontaneamente. Temos quenos preparar, nos educar para construí-lo. Os en-contros podem ser por região, estado, assentamen-to. O importante é multiplicar os espaços de cir-culação, divulgação, estudo e discussão destematerial e de nossa prática.

– Precisamos trabalhar pelo fortalecimento danossa organização enquanto Setor de Educação,enquanto assentados, enquanto MST. É na orga-nização que nos alimentaremos para levar adianteesta proposta.

SEGUNDA PARTE:MATERIAL PARA SUA CONSULTA

1 – SUGESTÕES DE TEMAS (Que podemse tornar Temas Geradores)

Uma sugestão da seqüência de TEMAS quepodem ser tratados nas escolas de assentamento éo seguinte:

– Nosso assentamento– Nossa luta pela terra– Nossa cultura e nossa história de luta– Nosso trabalho no assentamento– Nós, nosso trabalho e a natureza– Nossa saúde– Nós e a política.Vejamos porque trabalhar com estes temas e o

que poderíamos estudar em cada um deles:

1. NOSSO ASSENTAMENTOCom esse tema daríamos início ao estudo da

realidade do assentamento (ou acampamento),chamando a atenção das crianças para tudo o queexiste ao seu redor, tanto na natureza como nojeito que está organizado o assentamento. A preo-cupação aqui seria ajudar a criança a se socializarno espaço do assentamento e a localizar o assen-tamento no espaço maior do município, da re-gião. Aqui também se pode levantar as caracterís-ticas principais do povo que ali mora, como vive,de onde veio, como trabalha. Também é o mo-

mento de explicar os principais problemas epotencialidades do assentamento, muitos dosquais serão aprofundados nos temas próximos.

2. NOSSA LUTA PELA TERRAUm povo que não tem memória não é capaz

de fazer a sua história. Queremos que a escola crieoportunidades para as crianças irem conhecendo,reconhecendo e registrando a sua história, a his-tória da luta de seus pais, a história de luta deoutros trabalhadores. As crianças participam daluta pela terra. É preciso que elas entendam o porque desta luta. Que comecem a conhecer desdepequenas o MST como um todo e os principaisfatos e dados que rodeiam a sua realidade especí-fica. A escola deve ajudar a criar militantes, cana-lizando desde cedo a energia e a capacidade in-fantil para atividades que ajudem o coletivo, suaorganização e luta.

3. NOSSA CULTURA E NOSSA HISTÓRIADE LUTA

Dissemos que é importante recuperar a me-mória da luta. Através deste tema queremosenfatizar que esta memória é cultural, é artística,é musical, poética, mística. Quanto da produçãocultural de nossos assentamentos que não passanem perto de nossas escolas? Queremos transfor-mar a escola num lugar onde circule, se registre ese reproduza a MEMÓRIA CULTURAL DALUTA PELA TERRA.

Que as crianças tenham a oportunidade de co-nhecer e refletir sobre os símbolos, as canções, ashistórias do MST. Que possam sentir e pensartambém sobre o lado poético e belo da luta deque participam; que alimentem seu potencial cria-dor; que aprendam a se expressar cada vez melhore que valorizem sua própria cultura: que se preo-cupem em entender o jeito de viver e de pensarde seus pais e que seus companheiros sejam esti-mulados a inventar novos jeitos. Que a escola es-timule a vivência da fé e a discussão sobre a di-mensão religiosa da vida e sobre a relação entre

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religião e luta. Que estimule também a festejar asdatas comemorativas para os trabalhadores, culti-vando novos valores que a luta vem propondo.Trata-se no fundo de fazer da escola um instru-mento de construção e divulgação de uma novaideologia; a ideologia de uma classe trabalhadoraque deseja construir o novo homem, a nova mu-lher, a nova sociedade.

4. NOSSO TRABALHO NOASSENTAMENTO

O que queremos é que a escola trate com ascrianças as questões ligadas à vida do Assentamen-to, em especial as ligadas ao trabalho produtivo.Que as crianças possam entender e participar dasnovas formas de trabalho que estão sendo pro-postas pelo MST. Nos assentamentos com traba-lho coletivo, que a escola ajude as crianças a seenvolver, a entender o que significa a cooperação.Naqueles onde predomina o trabalho individual,que a escola seja o lugar onde as crianças ouçamfalar e, se possível, experimentem o trabalho cole-tivo e a importância da divisão social do processoprodutivo. Também queremos que a escola ajudeas crianças a entender como funciona o mundodo trabalho. Que consigam comparar o trabalhode seus pais e companheiros com o trabalho deoutros trabalhadores do campo e da cidade. Queconheçam o funcionamento de uma granja, deuma fábrica, de um mercado, que saibam da com-plexidade do processo produtivo, até onde suacapacidade infantil permitir. Que entendam aimportância do trabalho na sociedade tendo umaexperiência concreta de trabalho útil na escola eno próprio assentamento.

5. NÓS, NOSSO TRABALHO E ANATUREZA

A preocupação aqui é que as crianças come-cem a construir um conhecimento científico danatureza e suas relações com nosso trabalho e avida como um todo. Especialmente queremos quea escola trabalhe algumas noções básicas de agri-

cultura e de pecuária, partindo da própria reali-dade do assentamento; comece a desenvolver tam-bém a valorização e a preservação da natureza,semeando os princípios de uma agriculturaagroecológica e economicamente viável. Que ascrianças possam participar da discussão e do tra-balho dos pais, por vezes levando inclusive desafiosnovos lançados pela escola. Que a escola eduquetambém militantes pela causa da VIDA e daNATUREZA, em todas as suas manifestações. Eque as crianças também se sintam responsáveispelo desafio de fazer o assentamento dar certo,assegurando a melhoria das condições de vida detodo o grupo. Que continuem e qualifiquem naescola o aprendizado sobre a natureza e o traba-lho que já iniciaram no seu dia a dia na família ena terra do assentamento.

6. NOSSA SAÚDEA escola precisa ter utilidade prática. Quere-

mos através deste tema que as crianças aprendama conhecer o próprio corpo, seus sinais de alarmequando adoece, o que fazer para manter-se sau-dável dentro das condições de vida possíveis emcada assentamento.

Queremos desenvolver uma concepção de saú-de que vá bem além de ausência de doenças: saú-de como bem-estar físico, mental, afetivo, social.A luta pela terra é também luta pela saúde dostrabalhadores da terra. As crianças precisam saberdos problemas do assentamento nessa área e aju-dar a encontrar alternativas e soluções; ter noçõesde primeiros socorros até como se mobiliza umgrupo de pessoas para conseguir um posto de saú-de para o assentamento. Aqui, especialmente épossível o conhecimento científico do corpo hu-mano e da natureza, ao mesmo tempo em que sefaz atividades bem práticas como, por exemplo,montar uma farmácia caseira à base de ervas me-dicinais. Queremos também que a escola ajude ascrianças a se expressarem através do corpo efortalecê-lo através de exercícios físicos e do culti-vo de hábitos saudáveis.7. NÓS E A POLÍTICA

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Queremos que a escola eduque os cidadãos quedesde cedo compreendam qual é o sentido de vi-ver em sociedade e que especialmente a democra-cia como prática de organização do coletivo. Atra-vés deste tema podemos iniciar as crianças noentendimento de como funciona uma organiza-ção. A começar pela escola, pelo assentamento, eaté chegar ao estudo do município e do estado.Que a criança comece a entender aquilo que elasó ouve falar. Por exemplo, que na época de elei-ções a escola seja capaz de ajudar as crianças aentender o que é uma eleição, o que são os parti-dos. Que consiga estabelecer relações com situa-ções que vive no assentamento. Queremos tam-bém que a escola encontre um jeito de trabalharcom as crianças, os princípios e os objetivos doMST, além dos princípios das forças opositoras,como a UDR, por exemplo. A idéia, pois, não éfalar de política com as crianças, mas sim propor-cionar a elas o conhecimento da política que estáem seu dia a dia.

2 – QUESTÕES OU PROBLEMASLIGADOS AOS TEMAS

Cada um destes TEMAS pode ser trabalhadoatravés de questões. Em torno delas é que serãoplanejadas as atividades e escolhidos os conteú-dos das várias áreas de estudo e que são própriaspara estudos de 1a a 4a séries.

Algumas questões importantes para estudo etrabalho nos vários podem ser os seguintes:

TEMA: NOSSO ASSENTAMENTOQuestões: O que existe no nosso assentamen-

to? (na terra, no ar, ao redor, ...) O assentamentoé um lugar onde a gente se sente bem? Por que? Oque você gostaria de conhecer na área do assenta-mento que ainda não reconhece? Existem rios noassentamento? Como são? E árvores, de que tipo?Que tipos de animais são encontrados por aqui?Qual o tamanho da área do nosso assentamento?Quantos lotes fazem parte do assentamento?Como estão sendo organizados estes lotes? Qual

o módulo mínimo de terra nesta região? Qual erao dono desta terra antes de chegarmos aqui?Quantas famílias moram no nosso assentamen-to? De onde vieram estas famílias? Quantas cri-anças vivem no assentamento? Todas vão para aescola? Por quê? Temos luz e água encanada noassentamento? Temos posto de saúde? Farmácia?O que mais produzimos aqui? A escola em queestudamos fica perto de que? E a nossa casa? Mo-ramos perto ou longe da escola? E da estrada? Edo rio? A que município pertence o nosso assen-tamento? Há outros assentamentos nesse muni-cípio? E na região? Em que lugar do municípiofica nosso assentamento? Quais os maiores pro-blemas que temos em nosso assentamento? Doque mais gostamos em nosso assentamento?

TEMA: NOSSA LUTA PELA TERRAQuestões:Quais os fatos mais importantes da

história de nossa vida? E da história de nossa fa-mília? Como chegamos até esta terra? Nossos paisjá tiveram terra antes? Por quê? Por que tivemosque acampar para conseguir terra? Quando acon-teceu nosso acampamento/ocupação, quem nosajudou? Quem foi contra nós? Por quê? E nasoutras ocupações que já aconteceram, como foi:quem ajudou/ quem ficou contra? O que é oMST? O que quer dizer Reforma Agrária? O queé UDR? Por que a UDR é contra os Sem Terra?Existem Sem Terra em nosso município? O queeles estão fazendo? Existem Sem Terra em nossoestado? Quantos? E no país inteiro, quantos têm?Quantos assentamentos existem em nosso esta-do? E no país? Quantos acampamentos existem?O que podemos fazer para ajudar nossos compa-nheiros acampados? O que fizeram as mulheres eas crianças quando houve nossa luta para conquis-tar esta terra? E hoje, o que fazemos no assenta-mento? Existem pessoas que participam da luta enão estão mais com a gente? Onde estão estas pes-soas hoje, o que estão fazendo? Quando começoua luta pela terra no Brasil? Quem foram os pri-meiros habitantes do Brasil? Onde estão agora? E

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nós, vamos conseguir permanecer nesta terra?

TEMA: NOSSA CULTURA E NOSSAHISTÓRIA DE LUTA

Questões: Você conhece a bandeira e o hino doMST? O que significam? Você conhece os outrossímbolos do MST? Quais? Quais os gritos de or-dem que você conhece? Qual deles você mais gos-ta? Por quê? No nosso assentamento tem gente quefaz música e versos? Quem? E outro tipo de arte?Quais os cantos e poesias do MST que já conhece-mos? Como podemos conhecer outros? Quem denós aqui na escola pode fazer canto e poesia? Orádio e a TV divulgam as nossas músicas? Por quê?Tem diferença entre as canções que ouvimos norádio e as canções que ouvimos no assentamento?Qual? Qual a canção que você mais gosta? Por que?E a que você menos gosta, por quê? Qual a dataem que comemoramos a conquista de nosso assen-tamento? Como comemoramos esta data? Quaisas maiores festas que acontecem em nosso assenta-mento? Por quê? Qual a descendência de nossasfamílias (alemã, italiana, negra, índia,...)? Como éa cultura dessas gentes? Qual é a religião que pre-domina entre nossas famílias? Como é cultivada areligião em nosso assentamento? O que nossos paisgostam de fazer quando não estão trabalhando?Qual o principal lazer dos homens, das mulheres,dos jovens e das crianças em nosso assentamento?Qual o lazer que não tem no nosso assentamento eque gostaríamos que tivesse? A vida aqui é diferen-te do lugar de onde viemos? Em quê? Por quê?

TEMA: NOSSO TRABALHO NOASSENTAMENTO

Questões: Em que trabalhamos aqui no assen-tamento? O que é produzido em nossa terra? Quaisos instrumentos usados no trabalho da terra? (usa-mos trator, máquinas, ...). E no trabalho com osanimais? Tem alguma diferença entre o trabalhodos homens e das mulheres me nosso assentamen-to? Qual? E as crianças, também trabalham? Noquê? Todos os jovens do assentamento trabalham?

Quantos trabalham fora do assentamento? Por quê?O que mais gostamos de fazer quando estamos tra-balhando? Como era o nosso trabalho e o trabalhode nossos pais antes de chegarmos nesta terra/Como é o trabalho no nosso assentamento: indivi-dual ou coletivo? E em outros assentamentos, comoé? O que quer dizer no coletivo? O que sabemossobre cooperação agrícola? Como podemos orga-nizar o nosso trabalho aqui na escola? Poderíamosfazer uma horta coletiva aqui na escola? Como fa-ríamos? Por que precisamos trabalhar? Quem deci-de sobre o que plantar no nosso assentamento? Oque vendemos e o que compramos no nosso assen-tamento? Poderíamos produzir algumas das coisasque compramos? Como? Para quem vendemosnossos produtos? Como e quem faz este negóciode nossos produtos? Podemos comprar tudo o queprecisamos com o dinheiro da venda de nossos pro-dutos? Por quê? Para onde vai o que produzimosno assentamento? Temos alguma indústria aqui?Poderíamos ter? Para quê? Como deveria funcio-nar? Como funciona uma fábrica lá na cidade?Como é a vida de um trabalhador da cidade?Quantas horas trabalha por dia? Qual o seu salá-rio? Tam casa para morar? Tem atendimento mé-dico? Tem escola para os filhos? Sua vida é muitodiferente da nossa? Conhecemos alguém que viviana roça e que foi para a cidade trabalhar? Comoestá vivendo esta pessoa? Será que as lutas dos tra-balhadores da cidade tem a ver com as nossas lutasno assentamento? Com quantos anos se aposentaum trabalhador rural? E um trabalhador da cida-de? Com quantos anos nossos pais começam a tra-balhar? Existem muitos desempregados em nossomunicípio? Por que? Que tipo de professores exis-tem em nosso município? As pessoas estão conten-tes com seu trabalho?

TEMA: O NOSSO TRABALHO E ANATUREZA

Questões: Que tipo de atividades produtivastemos no nosso assentamento? Por que foram es-colhidas estas? Quem decidiu? Que tipo de la-

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voura temos em nosso assentamento? Como sedesenvolve uma lavoura/ Qual o tempo de plan-tio? Qual o tempo de colheita? O que se plantamais nesta região? Por quê? Sempre foi assim?Nossa terra é fértil? Precisamos usar adubos? Usa-mos adubos químicos ou orgânicos? Por que? Qualo gasto que temos com adubos em nosso assenta-mento? As sementes que plantamos vêm de onde?Como são controladas as pragas de nossas lavou-ras? Existem outras maneiras de fazer este contro-le? O que sabemos sobre o controle biológico daspragas? Quais os problemas de usar veneno nasplantações? Por que tem gente que destrói a natu-reza? Isso acontece me nosso assentamento? Emnosso município? Como? De onde vem nossaágua? Como estão os nossos rios? Existe polui-ção? Quem os polui? Como podemos ajudar napreservação da natureza? Como é o clima de nos-so assentamento? E em nossa região? Sempre foiassim? Que mudanças ocorreram? Por quê? Queplantas nativas existem no assentamento? Existereflorestamento? Com que tipo de árvores? Nossaescola pode ajudar a reflorestar o assentamento?Existe alguma reserva florestal em nosso assenta-mento? No nosso município? Na região? Para queservem as reservas florestais? Produzimos frutasem nosso assentamento? Quais? Que cuidados sãonecessários para o cultivo de árvores frutíferas? Épossível aumentar a produção aqui no nosso as-sentamento sem prejudicar a natureza? Como?

TEMA: NOSSA SAÚDEQuestões: Que tipo de alimento mais usamos

em nosso assentamento? Por que? Que tipo dealimentos deveríamos consumir para termos umaboa saúde? Que faz o nosso corpo com os alimen-tos que ingerimos? O que acontece com o nossocorpo quando nós o alimentamos mal? Comofunciona o nosso corpo? O que significa ter saú-de? O que precisamos em nossa vida para ter saú-de? Por que precisamos cuidar de nossos dentes?Quais as doenças mais comuns em nosso assenta-mento? Como tratá-las? Como evitá-las? Quan-

do temos verminose, tomamos remédio de far-mácia ou remédio caseiro? Por que existem tantosremédios à venda nas farmácias? Quem faz estesremédios? Para que servem? Temos atendimentomédico em nosso assentamento? Por quê? Temosfarmácia? Como funciona? Temos hospital próxi-mo? Como funciona? Depois que viemos para oassentamento, nossa saúde melhorou ou piorou?Por quê? Existem plantas medicinais em nosso as-sentamento? Para que servem? Quais os nossoscompanheiros que entendem de chá e de fazerremédios caseiros? Existem agentes de saúde emnosso assentamento? O que fazem? Poderíamosfazer uma horta medicinal aqui em nossa escola?Como são as casas em que moramos? Temos ba-nheiros no assentamento? Que cuidados devemoster com as fossas? Como era a nossa moradia noacampamento? Por quê? Como são as casas dostrabalhadores da cidade? Como deve ser a nossacasa para que a gente se sinta bem dentro dela?Como podemos ajudar a melhorar as condiçõesde higiene do nosso assentamento? Existe proble-ma de alcoolismo em nosso assentamento? O quese pode fazer sobre isso? Quantas pessoas fumamem nosso assentamento? Se o fumo faz mal à saú-de, como podemos ajudar os nossos companhei-ros a deixar de fumar? Como é tratada a questãoda saúde em outros assentamentos? E no nossomunicípio? Estado? País?

TEMA: NÓS E A POLÍTICAQuestões: Quem toma as decisões em nossa

família? Por quê? As famílias que moram aqui sereúnem para discutir os problemas do assentamen-to? O que mais é discutido? As crianças tambémparticipam? Quem decide em nosso assentamen-to sobre o que plantar, o que comprar? O quevender? Todos trabalham? Por quê? Como são re-partidos os produtos entre as famílias? Todos re-cebem pelo seu trabalho? O nosso assentamentotem leis? Quais são? Quem as fez? Todos respei-tam? E a nossa escola, tem leis? Quais? Quem asfez? Todos respeitamos? Poderíamos organizar

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nossa escola de um jeito diferente? Como? Alguémde nosso assentamento faz parte de alguma coor-denação do MST? O que faz? O que é o MST?Para que existe? Como está organizado o MSTpara nós crianças? O MST tem leis? Quais são? Oque querem dizer os gritos de ordem: “Ocupar,resistir e produzir?”, “Reforma Agrária: esta luta énossa?”, “Terra não se ganha: se conquista?” Oque é a UDR? O que faz? Quem apóia a UDRem nossos municípios? Por quê? O que dizem osMCS sobre a luta pela terra? Que programas derádio nós mais ouvimos? Que tipo de mensagenssão transmitidas? Como funciona a rádio de nos-so município? Quem é o dono? Quem patrocina?Como se faz um programa de rádio? Você conhe-ce o jornal do MST? Que parte você gosta de ler?O nosso município tem leis? Quem as faz? Como?Quando? Como funciona a prefeitura de nossomunicípio? Quem é o prefeito? Ele foi eleito?Quando? Tem apoiado nosso assentamento? Porquê? De que partido é o nosso prefeito? E os nos-sos vereadores? Que outros partidos políticos exis-tem em nosso município? O que defendem?Quem é o governador do nosso estado? O presi-dente da república? O que são eleições? Temoseleições também em nossa assentamento? E emnossa escola? No nosso município existe um sin-dicato dos trabalhadores rurais? Como funciona?Nosso assentamento tem relações com esse sindi-cato? Existem outros sindicatos em nosso muni-cípio? Quais? Nossos professores fazem parte dosindicato dos professores? Por quê? O que nossopai pensa e fala sobre política? O que nós pensa-mos?

3 – O QUE QUEREMOS COM CADAÁREA DE ESTUDO

É importante responder a esta pergunta para quea gente possa fazer uma seleção adequada dos con-teúdos. Além de levar em conta quais são os conteú-dos que ajudam a resolver questões levantadas emcada tema gerador, precisamos fazer uma dosagemequilibrada entre os conteúdos de Comunicação e

Expressão, Matemática, Ciências e Estudos Sociais.Uma criança não pode, por exemplo, ficar um mêsinteiro só estudando Estudos Sociais porque o temaque está sendo tratado diz mais respeito a esta área.Durante o trabalho em cada tema é preciso desen-volver conhecimentos variados, estejam ou não liga-dos diretamente ao tema. Para podermos fazer essaescolha temos que clarear quais são os objetivos dasvárias áreas no estudo de 1a a 4a série. A perguntaafinal de contas é a seguinte: por que e para queaprender Estudos Sociais? Ciências? Matemática?....

ÁREA DE ESTUDOS SOCIAISO que queremos através dos conteúdos desta

área é ajudar as crianças dos assentamentos a:– Situar-se no tempo e no espaço, primeiro na

sua realidade próxima e aos poucos no mundocomo um todo.

– Resgatar a memória histórica do povo traba-lhador a que representa, principalmente aqueleselementos culturais que ajudem no avanço da luta.

– Ter uma experiência concreta de Divisão So-cial do Processo Produtivo na própria escola.

– Situar-se no processo de trabalho produtivo,entendendo as diferenças práticas entre as formasde trabalho;

ÁREA DE CIÊNCIAS:Através das Ciências queremos que as crianças

comecem a:– Entender tudo o que está relacionado à vida

e à natureza, especialmente o que se refere à pro-dução agrícola e pecuária.

– Perceber o seu lugar na natureza, na socieda-de, no mundo, como sujeito de equilíbrio, mastambém de conflito e transformação.

– Desenvolver a curiosidade científica e a ca-pacidade de investigação sobre a realidade atravésda: observação – experimentação – análise dastransformações (da natureza e da sociedade) e dasrelações entre as coisas do mundo vegetal, ani-mal, mineral e social.ÁREA DE MATEMÁTICA:

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Com o estudo da Matemática, o que quere-mos é que as crianças consigam:

– Resolver os problemas matemáticos da suarealidade no assentamento, ou seja, os cálculos ne-cessários no dia a dia, em casa e no trabalho, ouso do dinheiro, a medição da terra,...

– Ajudar os pais e outros companheiros a sedarem conta dos conhecimentos matemáticos quejá possuem na prática e de como podemaperfeiçoá-los;

– Dar-se conta da matemática presente na vidae na natureza e como é possível estudá-la.

ÁREA DE COMUNICAÇÃO EEXPRESSÃO:

Queremos que as crianças dos assentamentosaprendam a:

– Expressar-se oralmente, por escrito, por ges-tos... e a dominar o necessário da linguagem ofi-cial.

– Usar os mais variados instrumentos de co-municação existentes e inventar novos.

– Ouvir os outros com atenção, paciência e res-peito.

– Interpretar textos e realidade: entender o queestá dito ou escrito e também o que tem por trásdas palavras, das ações dos gestos...

– Valorizar e desenvolver expressões culturaisligadas a sua história de luta.

– Desenvolver o hábito da leitura.

4 – SUGESTÕES DE LISTAGEM MÍNIMADE CONTEÚDOS A SEREM TRATADOS

DE PRIMEIRA A QUARTA SÉRIE NASESCOLAS DE ASSENTAMENTO

ÁREA DE ESTUDOS SOCIAISFOCO: Noção de tempo e espaço na perspec-

tiva de entender o ser humano como sujeito detransformação da natureza e da sociedade.1. Noção de espaço e de organização do espaço

físico e social a partir do assentamento: – acriança em relação a objetos próprios e dis-

tantes a pessoas, a lugares: localização dacriança na sala de aula, no pátio da escola;os lugares em relação ao conjunto do espaçodo assentamento; noções de direita, esquer-da, dentro, fora, na frente... – construção demaquetes e mapas para representação espe-cial do assentamento; leitura de mapas che-gando a localização do assentamento no mu-nicípio, do município no estado, outrosassentamentos no estado, o estado no país –limites do município, área geográfica do as-sentamento e do município.

2. Características físicas do assentamento, domunicípio, da região: relevo, solo, clima, ve-getação. A utilização do meio natural comorecurso para a produção no assentamento.

3. O trabalho e a organização social do tempoe do espaço: tipos de organização do traba-lho: individual, familiar e coletivo. O que éuma cooperativa de produção e de comercia-lização?

4. Como se caracteriza o trabalho na agricultu-ra, na indústria, no comércio. A trajetória dosprodutos do nosso assentamento: Para ondevão? Quem industrializa? Quem comercializa?Como retornam a nós? Como surgiu a agri-cultura, como surgiram a indústria e o comér-cio? No assentamento, no município, na re-gião. O que é desemprego. Por que muitagente sai do campo e vai para a cidade? Otrabalho das mulheres e crianças no assenta-mento?

5. Trabalho e meios de transporte. Condiçõesdas estradas (assentamento, município, re-gião).

6. Meios de comunicação no campo e na cida-de.

7. Saneamento básico.8. Noção de tempo histórico através da linha de

tempo: reconstrução da história da vida dascrianças dentro das histórias de suas famílias,por sua vez dentro da história da conquistado assentamento associado com a história da

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luta pela terra e com episódios da história domunicípio, do estado e do Brasil.

9. Situação agrária (distribuição de terra) nomunicípio, na região e no estado. Conflitos eviolência na luta pela terra. Migrações e for-mação das populações do município, região,nos assentamentos.

10. Os três poderes no município: Legislativo,Judiciário e Executivo. O que são e como fun-cionam, bem como para que servem. Fazer arelação com assentamento, com o estado epaís.

11. Funcionamento de Instituições como: ban-cos, hospital, INAMPS, posto de saúde, cor-reios e telégrafos,... Sempre fazendo relaçõescom a realidade mais próxima.

12. Sindicatos e partidos políticos (começandopelos do município), o que são, como funci-onam, para que servem.

13. Trabalho em torno de datas significativas paraa classe trabalhadora (começando pela festado assentamento e chegando a fatos históri-cos da luta da classe trabalhadora no Brasil).

ÁREA DE CIÊNCIASFOCO: o homem e sua relação com os outros

seres vivos na natureza, na sociedade.O HOMEM: ser vivo, animal e humano. Se-

gundo o próprio corpo e suas expressões. Locali-zação do corpo humano no espaço... Funções cor-porais básicas e suas relações com as partes docorpo humano: sustentação – respiração – circu-lação – digestão – excreção – reprodução. Os sen-tidos humanos e suas funções. O corpo humano:consumo e produção de energia. Saúde do corpohumano. Estudo dos alimentos: tipos e formas decombinar. Noção de higiene corporal, dos alimen-tos, da habitação,... Doenças que podem afetar ocorpo humano: características, cuidados preven-tivos e tratamento mais adequado. Primeiros so-corros e medicina alternativa. Problemas causa-dos pelo uso de remédios químicos. Vacinas esoros. Sexualidade: relação homem-mulher (tra-

tar a partir do interesse e das necessidades do gru-po de alunos). Problemas do alcoolismo e fumo:como superá-los.

OS ANIMAIS como seres vivos, suas relaçõescom o homem, com as plantas, com a terra, o ar,a água. A diversidade animal e suas característi-cas. Domesticação e uso dos animais pelo homem.Os animais como fonte de alimentação e de ener-gia (trabalho) para o homem. Funções vitais nosanimais comparados com o homem. Principaistratos e cuidados com os animais.

AS PLANTAS: como seres vivos. Suas relaçõescom o homem, com os animais, com a terra, o are a água. A diversidade vegetal e suas característi-cas. Uso das plantas pelo homem: alimentação,energia, ornamentação, medicina. Partes da plan-ta. Funções vitais das plantas comparando comos animais e o homem. Desenvolvimento de umaplantação; acompanhar e explicar desde o prepa-ro da terra até a colheita. Condições de saúde dasplantas: tratos e cuidados.

O AR: evidências da existência e das proprie-dades do ar. Importância do ar para as plantas, osanimais e o homem. Noção de ar atmosférico esuas camadas. Os diferentes gases e suas funçõesno ambiente. Influência do ar nas alterações cli-máticas e implicações sobre os seres vivos. Em-pregos do ar nos processos de produção. O arcomo fonte de energia. Poluição do ar. Tipos deventos.

O SOLO: importância do solo na vida dasplantas, dos animais e dos homens. Composiçãodo solo. Diversidade de solo e suas implicaçõesno plantio. O uso do solo na produção vegetal eanimal. A transformação do solo pelo homem.Adubação orgânica, folhear (verde) e química.

ÁGUA: características da água. Importância daágua na vida das plantas, dos animais e do ho-mem. Estado físico da água. O uso da água notrabalho do homem. A água como fonte de ener-gia. Localização da água. Diferentes tipos de po-ços e fontes. Cuidados com a higiene da água.Fenômenos da natureza que envolvem a água e

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suas implicações sobre o desenvolvimento dasplantações. Chuva, formação de nuvens, orvalho,geadas, neve, granizo.

O CALOR: o sol como fonte natural de calor.Sua influência sobre os seres vivos. Outras formasde obter calor. O que são combustíveis.

A lua e suas fases. A influência da lua sobre asplantas, os animais e o homem.

Energia produção e consumo: noções de ele-tricidade.

ÁREA DE MATEMÁTICAFOCO: Problemas matemáticos da vida prática.

1) Noções de número. Escrita e leitura dos alga-rismos.

2) Composição e decomposição dos números.3) Leitura e escrita dos números (através do preen-

chimento de cheques).4) Adição, subtração, multiplicação e divisão no

conjunto dos números naturais. (problemasda realidade).

5) Uso do dinheiro.6) Leitura e escrita das horas. Problemas reais

envolvendo tempo (horas e minutos).7) Noções de fração e sua utilização em situa-

ções da realidade (meia, terça, quarta, ...).8) Leitura e escrita de números decimais até cen-

tésimos. (aplicação ao uso do dinheiro – cen-tavos).

9) Primeiras noções de juros e porcentagens (en-tender a idéia a não apenas a fórmula do cál-culo).

10) Organização de dados em tabelas e gráficos.11) Cálculo mental e aproximação.12) Figuras geométricas. Perímetro e área e suas

relações na medição de terras. (figuras demesmo perímetro com ares diferentes, perí-metros diferentes, com áreas iguais, ...).

13) Volume de sólidos na cubação ou cubagemde madeira.

14) Primeiras noções de escala em mapas.15) Noção de capacidade e massa. Medidas usa-

das na região e medidas-padrão: litro e quilo.

ÁREA DE COMUNICAÇÃO EEXPRESSÃO:

FOCO: Expressão oral, leitura, escrita ou pro-dução de textos.

EXPRESSÃO ORAL: relato de experiênciaspessoais, históricas, familiares, história da luta,acontecimentos, trabalho realizado, programas as-sistidos, entrevistas, ... Debates sobre assuntos li-dos ou ouvidos, ou ainda sobre situações polêmi-cas do assentamento ou da escola, da família, ...Criação de histórias, adivinhações, poemas, . Can-tos e dramatizações.

PRINCÍPIO: Respeitar e valorizar o jeito dese expressar das crianças, mas introduzir e esti-mular também o domínio da linguagem oficial,especialmente no que se refere à concordânciaverbal, pronúncia e acentuação. No conteúdoobservar a clareza, o nível dos argumentos, a coe-rência, entre outras idéias.

LEITURA: prática de leitura de textos: infor-mativos e narrativos, curtos e longos. Leitura dotexto com estilo, finalidades e linguagem diferen-tes tratando do mesmo tema. Aproveitar todos osescritos que aparecem no dia a dia: placas, rótulos,bulas de remédio, cartazes,... Domínio da mecâni-ca da leitura; fluência, entonação e ritmo. Com-preensão e análise do texto. Leitura de outras lín-guas: gestos, mímica, dança, coros, esculturas...

ESCRITA: produção de textos, principalmentenarrativos, sobre a realidade atual, a história e acultura do grupo, a partir de uma prática anteriorde expressão oral. Observar a clareza, a seqüêncialógica das idéias, a capacidade de argumentação, acorreção ortográfica, a pontuação e a acentuação(mas não super valorizar isso). Valorizar mais a ri-queza de idéias e palavras. Uso e passagem do dis-curso direto para o indireto e vice versa. Elabora-ção de notícias e de correspondências diversas:cartas, bilhetes, cartões, ofícios,... Análise de textosdiversos: jornal, histórias, literatura infantil, rela-tórios de experiências, documentos do MST quecirculam nos assentamentos,... Produção de peque-nas peças de teatro, de poemas e canções.

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- Jogos, cantigas e brincadeiras infantis (res-gate de jogos e cantigas bem como brincadeiraspopulares da região).

EXPRESSÃO CORPORAL: teatro, dança,exercícios físicos... Música (fabricar instrumentosmusicais caseiros). Jogos.

SUGESTÕES ESPECÍFICAS PARA APRÁTICA DA ALFABETIZAÇÃO

O ENCONTRO DAS CRIANÇAS COM AESCRITA:

iniciar a construção da história da criança par-tindo do seu NOME. – Iniciar o contato com omundo através da escrita, envolvendo as criançasnas mais diversas formas de escrita: manusear li-vros, panfletos, faixas, rótulos de produtos, ... Jo-gos, dramatizações, brincadeiras onde as regrassejam elaboradas e registradas por escrito no qua-dro ou em cartazes. Visualizar várias formas e tra-çados das letras: TERRA – terra. Recortar pala-vras, letras, frases, textos, ... montando painéis;modelagem das formas das letras com massa demodelar, argila, ... – Desenho e escrita da sua his-tória, do jeito que a criança conseguir fazer, massempre fazendo mais perguntas para que ela váavançando na sua linguagem. – Estimular que acriança viva a sua fantasia, através de relatos defatos, receitas, cantos, histórias onde o professorvai fazendo o registro no caderno da criança ouno quadro. Passeios, visitas, entrevistas, observa-ções. Fazendo experimentos, fazendo anotaçõescom as crianças sobre planejamento e avaliação.Exposição do alfabeto maiúsculo e minúsculo etambém em função de jogos com o alfabeto paraa formação de palavras e frases. Jogos com letras:pular corda, amarelinha, cinco marias, variandoas regras e formas. – Trabalhar tudo isso com PAI-XÃO, FANTASIA e REALIDADE. As criançasprecisam aprender a amar o mundo da escrita eda leitura. – Estimular sempre que as crianças seexpressem livremente sobre tudo o que vêem, ou-vem, pensam, vivem, trabalham. Estimular que

escrevam o máximo possível, mesmo que pareçaque elas ainda não sabem. Precisamos entender ojeito de escrever das crianças e ir apresentandoexemplos de escrita correta. – Desenvolver mui-tas destas atividades em grupos. As crianças se aju-dam. Uma aprende com a outra. – Continuar fa-zendo estas atividades durante todo o ano.

A ALFABETIZAÇÃO ATRAVÉS DOS TE-MAS GERADORES: – Dentro dos temas gera-dores as crianças têm um mundo maior para de-senvolver as escrita. – O trabalho fica facilitadonas classes multisseriadas. O tema é comum paratodas as séries e as crianças que já sabem ler e es-crever estimulam e ajudam as que ainda não sa-bem. – Um exemplo: no tema “NOSSO ASSEN-TAMENTO” a classe vai fazer entrevista com osprimeiros ocupantes da terra para saber de ondevieram, como eram suas vidas antes,... Esta entre-vista vai ser planejada em sala de aula. A 1º sérieparticipa deste planejamento como as outras. In-dividualmente ou em grupos, as crianças regis-tram as perguntas que vão ser feitas. No início, oprofessor pode registrar ele mesmo no cadernodas crianças que ainda não escrevem. Elas vão sefamiliarizar com as palavras, frases, com os tex-tos. As crianças lêem o que escrevem ou o queoutras crianças escreveram. – A alfabetização vaiacontecendo a partir da produção e leitura de pe-quenos textos e não através de palavras soltas. Oprofessor pode trabalhar com palavras, sílabas esons das letras. Mas o primeiro encontro das crian-ças é com o texto todo. Depois trabalha as pala-vras. E os textos principais são os que eles mes-mos vão produzindo, primeiro oralmente e depoispor escrito. Isso acelera a capacidade de leitura eescrita das crianças. – É preciso retomar sempre otrabalho com as letras e a pesquisa em vários ma-teriais escritos. – É bom estimular que tanto apesquisa de palavras e frases nos materiais escritoscomo a produção de textos, sejam feitas em gru-pos. Isso acelera o crescimento das crianças e de-senvolve o valor do companheirismo e da solida-riedade. Como podemos notar nessa listagem não

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aparece uma divisão por série. A lista é geral aoconjunto das quatro primeiras séries do primeirograu. Foi feito assim por dois motivos principais:a) Consideramos que, principalmente nas escolasmultisseriadas, é possível trabalhar com a maioriadestes conteúdos em todas as séries, adequando asatividades e o jeito de trabalhar do professor às ca-racterísticas e capacidades das crianças de cada sé-

rie ou de cada idade. b) No caso de conteúdos queprecisem de conhecimentos anteriores e que porisso não podem ser trabalhados em todas as séries,(juros e porcentagens na matemática, por exem-plo) caberá ao professor o devido bom senso, deve-rá escolher os melhores conteúdos para responderas questões dos temas geradores, mas respeitandoas fases de desenvolvimento das crianças.

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Desde que começamos a fazer e a pensar a edu-cação nos acampamentos e assentamentos do MST,nos preocupamos com a questão da prática. Nos-sas escolas tinham que responder às questões daprática. Tinham que enfrentar os desafios que a lutaia pondo no dia a dia de todos nós, inclusive dascrianças. Queríamos que as escolas ajudassem a pre-parar nossas crianças para agir, para refletir, pararesolver problemas, para transformar a realidade.

No caderno de formação nº18. “O QUE QUE-REMOS COM AS ESCOLAS DOS ASSENTA-MENTOS”, Afirmamos que de nossos objetivosde nossa proposta de educação é preparar MILI-TANTES. Militantes para o conjunto dos movi-mentos populares.

Mas para ser militante só discurso não basta.Só ativismo político também não é suficiente. Sermilitante é ser um SUJEITO DE PRÁXIS, ouseja, ter clareza de objetivos, consciênciaorganizativa, conhecimento teórico e ter compe-tência prática. E é esse o futuro que pretendemospara nossas crianças...

A experiência está nos mostrando que educareste sujeito não é tarefa nada fácil. Não aconteceespontaneamente só por termos como objetivo.Também aqui a prática é fator decisivo.

Precisamos desenvolver uma METODOLO-GIA, ou uma estratégia pedagógica adequada paraconseguirmos atingir nossos objetivos. Criar umnovo jeito de educar. Um novo jeito de aprendere ensinar.

No Caderno de Educação n.1, “COMO FA-ZER A ESCOLA QUE QUEREMOS” (1992),chamamos a atenção sobre algumas característi-cas desta metodologia. Falamos da necessidade deum “currículo centrado da prática”, ou seja, queenfatize e que se desenvolva através da prática. Seo objetivo é preparar para prática, nada melhordo que organizar a escola em torno de práticas efazer delas o ponto de partida do ensino e da apren-dizagem...

Neste texto, queremos retomar esta reflexão so-bre a metodologia do partir da prática, desenvol-vendo alguns elementos a mais sobre seus princí-pios pedagógicos e sobre seu jeito de fazer. Sempresem perder de vista nosso objetivo: preparar ascrianças para que participem, organizada e cons-cientemente, da história que já estão ajudando aconduzir...

1. O QUE É PARTIR DA PRÁTICAPartir da prática é começar identificando os

principais desafios e as necessidades da comuni-dade de que faz parte a escola. E fazer deles amatéria-prima básica para organizar as atividadespedagógicas de ensino e aprendizagem.

Trazendo a vida para dentro da escola, as crian-ças se educam para entender e sentir melhor estavida, participando da busca de soluções para osseus mais diversos tipos de problemas.

Às vezes, partir da prática, pode ser ajudar ascrianças de um acampamento a se preparar para

A importância da prática na aprendizagemdas criançasTexto de fevereiro de 1993 8

8 Elaboração: Roseli Salete Caldart – Setor de Educação do MST e DER/FUNDEP.

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uma ação de despejo. Outras vezes pode ser orga-nizar com elas uma grande festa para comemoraro aniversário do assentamento. Ou ainda, ensiná-las a como trabalhar na terra respeitando os prin-cípios da agroecologia.

O desafio é atender às necessidades e atravésdesse processo ir produzindo os conhecimentossobre a realidade e ampliando a visão de mundodas crianças e sua capacidade de transformar, deagir sobre a realidade; a mais próxima e a maisdistante...

2. PORQUE PARTIR DA PRÁTICAPor dois motivos básicos:1) porque quando a escola trabalha a partir das

necessidades concretas, ela se torna muito maissignificativa e útil para as crianças e para a comu-nidade como um todo;

2) porque a necessidade real é o motor da apren-dizagem. As crianças aprendem muito mais facil-mente os conteúdos que têm a ver com sua vidaprática. Aprender uma conta de matemática ape-nas porque a professora está dizendo que isso éimportante, é muito diferente do que aprenderesta mesma conta para resolver um problema davida real. As crianças (assim como os adultos) sóaprendem de verdade aquilo de que necessitampara viver melhor...

3. DOIS JEITOS DE PARTIR DA PRÁTICA.Existem dois jeitos diferentes de a escola partir

da prática. E cada jeito vai resultar num tipo tam-bém diferente de aprendizagem.

1º Jeito: Acontece quando as crianças falam, es-tudam ou pesquisam sobre práticas, mas não as rea-lizam dentro da escola. Podem ser práticas das pró-prias crianças (elas encenam como participaram daocupação do latifúndio junto com seus pais), oude outras pessoas (as crianças pesquisando as for-mas de cooperação agrícola que existem nos assen-tamentos de sua região). Podem ser práticas queestão acontecendo (estudar como é a organizaçãodo assentamento), ou podem ser práticas que acon-

teceram há mais tempo (aprender sobre as formasde participação das crianças no movimento de Ca-nudos que iniciou em 1893, na Bahia...). Ou ain-da, podem ser práticas futuras (as crianças plane-jam como vão ajudar seu pai e sua mãe a trabalharna cooperativa). Em qualquer destas situações, opartir da prática significa partir de uma teoria so-bre a prática e não de uma prática real. Pode seruma teoria mais elaborada, que encontramos noslivros, nos textos em geral, ou pode ser umateorização mais simples, de alguém que conta umaexperiência, conversa sobre fatos, ou imagina comopoderá fazer alguma coisa...

2º Jeito: Acontece quando as crianças estudamsobre PRÁTICAS REAIS, ou seja, as que estãosendo feitas através da Escola ou acompanhadasdiretamente por ela, no momento mesmo da açãoeducativa. Têm que ser, então, práticas das pró-prias crianças, acontecendo durante o processoeducativo que se desenvolve na escola. Podem serpráticas ligadas ao dia a dia da escola (as criançasse organizam para plantar ervas medicinais e mon-tar uma farmácia caseira na escola), ou podem seratividades do assentamento (as crianças são as res-ponsáveis pela horta do assentamento e a escolavai acompanhar o seu trabalho).

Quais as diferenças fundamentais entre estesdois jeitos de partir da prática?

1º) Em ambos os jeitos temos a relação PRÁ-TICA-TEORIA-PRÁTICA. Só que no 1º, a es-cola é o momento apenas da teoria. A prática acon-tece antes, depois, mas não durante. No 2º jeito,é toda a relação P-T-P que acontece dentro doprocesso educativo, dentro da escola.

2º) No primeiro jeito, as práticas se transfor-mam em TEMAS GERADORES, ou seja, assun-tos/problemas da realidade que ao serem estuda-dos geram conhecimento, saber sobre a realidade,e que poderão também gerar novas práticas, masem momentos posteriores.

Trata-se de um jeito de organizar o ensino quefacilita a aprendizagem dos conteúdos das váriasdisciplinas, já que eles passam a ser selecionados e

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desenvolvidos de modo integrado, a partir da suarelação com o tema.

Em torno do tema gerador “a saúde em nossacomunidade”, por exemplo, podemos envolver to-das as séries e desenvolver com cada uma conteú-dos de Ciências, Estudos Sociais, Matemática, Lin-guagem... ligados ao tema.

No segundo jeito, as práticas transformam-seem OBJETOS GERADORES, ou seja, as açõesdas crianças sobre um determinado objeto da rea-lidade e as respostas deste objeto diante de cadapasso da ação, vão conduzindo o processo deaprendizagem das crianças.

Exemplo: a escola necessita de material esco-lar, as crianças se organizam e decidem conseguiro seu próprio material. Vão até a prefeitura rei-vindicar os seus direitos. Ao chegar lá o prefeitolhes pede a lista dos materiais que a escola precisae com o custo de cada um. As crianças se dãoconta que não lembraram de fazer esta lista porescrito. Pedem um tempo para prepará-la. O pre-feito lhes dá dois dias. Elas precisam se organizarrapidamente para ver o que falta. Solicitam a pro-fessora que lhes ensine como calcular o custo decada material... Ou seja, o objeto, ou as exigên-cias da prática real, estão levando as crianças aaprender como se faz uma reivindicação, como seelabora um documento com a lista dos materiaisreivindicados, como se calcula o custo de mate-riais...

3º) Pelos exemplos anteriores fica nítida a di-ferença fundamental: os dois jeitos levam a doistipos diferentes de aprendizagem: o 1º jeito levaao SABER ou a um tipo de aprendizagem quepodemos chamar de FORMAÇÃO. O 2º leva àaprendizagem do FAZER, que também podemoschamar de CAPACITAÇÃO.

4. COMO ESCOLHER ENTRE UM JEITOE OUTRO

Os dois jeitos de partir da prática são válidos enecessários. Podem e devem ser usados ao mesmotempo pela escola.

A questão central é não misturar os objetivos deum com o método do outro. Ter presente em cadasituação pedagógica o que se quer e qual é o jeitomais adequado e possível naquele momento.

Alguns exemplos:1º) Temos por objetivo que as crianças apren-

dam a trabalhar no coletivo, desenvolvendo pou-co a pouco uma mentalidade propícia à coopera-ção agrícola. Neste caso, não será apenasestudando e discutindo sobre o tema CooperaçãoAgrícola, que vamos atingir nosso objetivo.Pesquisar e estudar sobre experiências de trabalhocoletivo no campo pode ajudar as crianças a en-tender, a saber teoricamente o que é CooperaçãoAgrícola. Mas não lhes vai ensinar a trabalhar nocoletivo ou a fazer a Cooperação Agrícola. Se oque queremos é a capacitação para a cooperação,precisamos oportunizar às crianças uma práticareal, refletida, teorizada, de trabalho coletivo.

A própria escola pode ser organizada segundoos princípios da cooperação e as crianças vãoteorizando a sua própria prática. A organizaçãocoletiva das crianças para fazer funcionar a escolaserá, neste caso, o OBJETO GERADOR daaprendizagem-capacitação em Cooperação Agrí-cola.

Mas ao mesmo tempo em que vivem a expe-riência do trabalho coletivo na escola, as criançaspodem estar envolvidas numa pesquisa sobre for-mas de Cooperação Agrícola, visando entendermelhor as discussões que começam a se realizarno Assentamento sobre isso. Uma aprendizagemestará completando a outra. Nenhum problema!

2º) O objetivo é que as crianças se conscientizemsobre a importância das verduras na alimentação,para poderem influenciar nos hábitos alimentaresdas famílias da comunidade. Neste caso, a escola podetrabalhar com um tema gerador mais amplo, “saú-de”, por exemplo; ou mais restrito, “como nos ali-mentamos”, e fazer um estudo científico sobre a com-posição e a combinação adequada dos alimentos nasprincipais refeições... Esta pode até ser uma excelen-te oportunidade para fazer aparecer a necessidade de

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uma horta na escola. Só que aqui o trabalho das crian-ças na horta não é necessário para atingir o objetivode conscientizar sobre o valor das verduras. Pode serelacionar sim é com o objetivo anterior, de apren-der a fazer um trabalho em cooperação.

5. QUANDO TRABALHAR COMOBJETOS GERADORES

Como vimos, o trabalho com objetos gerado-res não se opõe ao trabalho com temas. Ele aten-de a necessidades diferentes de aprendizagem.

Neste sentido, ele deve ser utilizado sempre que:– existirem necessidades reais (de preferência

sociais) que justifiquem uma prática das crianças;– existirem condições objetivas para a realiza-

ção desta prática;– o objetivo for a aprendizagem-capacitação.Exemplo: para que as crianças decidam se en-

volver com um trabalho de horta na escola, é pre-ciso que haja uma necessidade real daquilo quenela for produzido, que haja condições de espaçoe de terreno para fazer esta horta na escola, e quea comunidade esteja entendendo que é importantee necessário que as crianças aprendam a mexercom a horta.

Ou seja, não se trata de qualquer necessidade aser contemplada pela prática. Mas sim de necessi-dades que tenham um caráter social e ao mesmotempo sejam sentidas como necessidades pelascrianças. Porque as crianças são/devem ser os su-jeitos principais da prática. Nem os professores,nem os seus pais, mas elas próprias. Com diferen-tes idades, diferentes características pessoais e àsvezes diferentes interesses.

A prática terá que juntar tudo isso...

6. COMO SURGE UM OBJETOGERADOR

Dizer que o OBJETO surge de uma necessi-dade real da comunidade e das crianças não bas-ta. É preciso explicar melhor o processo pelo qualas crianças chegam a desenvolver práticas reaisdentro da escola.

Em primeiro lugar, a escola deve fazer juntocom a comunidade (que inclui as crianças) umaleitura/análise das principais necessidades ou pro-blemas sociais que afetam o assentamento. Dis-cutir sobre as prioridades do envolvimento da es-cola, levando em conta: as condições objetivas daescola, as características e objetivos das crianças, eos objetivos da comunidade em relação à prepa-ração/capacitação das crianças.

Em segundo lugar, as crianças precisam sentircomo suas as necessidades levantadas e serem de-safiadas a agir. Se elas participarem de alguma for-ma das discussões anteriores, isto não será muitodifícil. Mas a questão chave é a seguinte: não adian-ta todos os adultos considerarem necessário ascrianças aprenderem a fazer um jornal para o as-sentamento, se elas próprias não sentem isso. Umobjeto nasce da realidade, mas ele somente se cons-titui como objeto gerador quando as crianças de-cidem que determinada prática deve acontecer. Aescola deve ser criativa o bastante para transfor-mar as necessidades do coletivo em necessidadede cada criança. E às vezes, começar a agir podeser o melhor jeito de descobrir os motivos paraação.

E em terceiro lugar, tenhamos presente que aprática por si só não gera aprendizagem, não ca-pacita. É preciso um acompanhamento pedagó-gico que consiste em fornecer os elementos teóri-cos que as crianças precisam para tomar asmelhores decisões sobre a sua prática, para ir en-tendendo as perguntas e as reações do objeto, parapensar e entender o que estão fazendo e para com-parar uma experiência com a outra... Se, por exem-plo, as crianças são desafiadas a se organizar cole-tivamente para dar conta dos serviços diários daescola, certamente elas precisarão de informações,de explicações sobre como fazer isso de forma maiscorreta, adequada; a cada problema que a práticafor lhes colocando, as crianças devem poder con-tar com o apoio dos professores, do conjunto daescola. Apoio que não consiste em resolver pro-blemas por elas, mas sim em lhes dar condições

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para que descubram, por si mesmas, as melhoressoluções.

7. COMO ORGANIZAR O ENSINO EMSALA DE AULA QUANDO SE TRABALHA

COM OBJETOS GERADORESAlguns elementos básicos a destacar:1º) É preciso garantir espaços e formas varia-

das para o que podemos chamar de “entregas teó-ricas”, ou entrega de conteúdos para a capacitação.E isto não precisa acontecer na sala de aula oudurante o tempo aula. Vejamos um exemplo: ascrianças estão fazendo a horta da escola. A cadapasso vão precisando de informações, explicações.A professora pode articular a presença de um téc-nico que venha num dos turnos livres para darexplicações solicitadas pelas crianças; pode apro-veitar também a presença de alguns pais paraacompanhar o trabalho, pode fornecer alguns tex-tos para as crianças que tratem de horticultura...e se for necessário pode aproveitar uma aula deCiências para responder a algumas perguntas dascrianças...

2º) O momento da aula não precisa ter relaçãodireta com os objetos geradores ou com as práticasdas crianças. A escolha dos conteúdos do ensinonão segue a lógica do objeto. Até porque a prática ébastante dinâmica e tornaria o ensino fragmenta-do e superficial. Os conteúdos devem ser organiza-

dos e selecionados em função dos temas geradores,que são teóricos, mas também ligados às necessi-dades das crianças e do conjunto do assentamento.Quando for possível um parentesco entre tema eobjeto, ótimo. No caso do objeto ser a prática dascrianças na horta e o tema ser a saúde no assenta-mento, por exemplo, haverá conteúdos relaciona-dos quando na sala de aula se estiver estudandosobre as verduras na alimentação.

Mas em outras ocasiões o objeto horta podeacontecer junto com o estudo do tema “A Histó-ria de Nosso Assentamento” e os conteúdos desala de aula não vão ter relação com o cultivo dahorta.

O importante é se dar se dar conta de que sãodois processos de aprendizagem diferentes e comotal eles devem ser trabalhados.

3º) É necessário organizar também formaspróprias de avaliação. No trabalho com objetos,o critério da verdade é a prática. As crianças pre-cisam ser avaliadas pela qualidade do seu desem-penho prático, independente de intenções, dis-cussões ou esforços. Estes elementos entrarão noconjunto da avaliação do processo educativo, masnão na avaliação especifica da aprendizagem-capacitação. E na verdade, mais do que a profes-sora, é o próprio objeto que vai dizendo à crian-ça como ela está e a desafia permanentemente àauto-superação...

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Todos ao trabalhoTodos se organizandoTodos participandoTodos se educando para o novo.(Caderno de Formação nº 18 – O que Quere-mos com as Escolas dos Assentamentos)

É preciso juntar o estudo com o trabalho. É preci-so preparar as crianças e os jovens

para a cooperação. Educá-los dentro do mundoda produção.

Assim diz a proposta de educação do MST, desdeos seus primeiros documentos até os princípiosorganizativos de cada um dos seus cursos, passandotambém pelas canções que estão de boca em bocapelo país afora.

Conhecer a caneta e a enxadaAfinando estudo e trabalhoAprendendo teoria e práticaNova forma de aprendizado.(Zé Pinto)

E a nossa prática nas escolas, nos cursos, nosassentamentos e acampamentos, o que diz?

Diz que há muitas escolas onde as questões daprodução e do trabalho ainda nem entraram, e osalunos continuam estudando conteúdos fora darealidade.

Diz que ainda têm muitos pais e professoreseducando para a submissão e para a falta de inicia-tiva.

Diz que têm crianças, jovens e adultos nos as-sentamentos que ainda trabalham sem saber porquê. Que ainda não sentiram a responsabilidadee a alegria da participação e do coletivo.

Diz também que é preciso ocupar, resistir e pro-duzir no chão da educação e das escolas para quea Reforma Agrária seja uma conquista mais ple-na.

Mas, como já disse o poeta, “construir é bemmais do que querer”. Para fazer o novo é precisodisposição para aprender, muito preparo e muitaajuda mútua. E, principalmente, é preciso ter bemclaro o que é este novo que buscamos.

O texto a seguir trata do tema escola, trabalhoe cooperação. O objetivo é aprofundar nossa com-preensão sobre o conceito que defendemos da re-lação entre educação e trabalho, e da construçãode uma escola baseada na dimensão educativa dotrabalho e da cooperação. Os nós da nossa práticaapontam a necessidade de irmos mais a fundo nes-ta reflexão. Não se trata apenas de um detalhe daproposta de educação do MST, mas sim de umdos seus pilares fundamentais.

Escola do trabalho quer dizer escola do traba-lhador, da classe trabalhadora. E esta é uma mar-ca que faz diferença no conjunto das lutas do MST.Nossas crianças, nossos jovens, nós mesmos pre-cisamos ser educados como trabalhadores, parasermos trabalhadores que vão transformar o con-junto da sociedade. Se não for assim, a luta vaipela metade.

Escola, trabalho e cooperaçãoBoletim da Educação n. 04 – Publicado em Maio de 1994 9

9 Texto final: Roseli Salete Caldart – Setor de Educação MST.

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Esse Boletim faz parte do conjunto de mate-riais que o Setor de Educação vem produzindocomo apoio ao trabalho dos professores e das equi-pes de educação dos assentamentos e acampamen-tos. Mas é importante que ele seja discutido tam-bém com outras pessoas, outros setores. Noconjunto da organização se coloca o desafio daeducação, do trabalho e da cooperação. E, se ocompromisso é coletivo a discussão também temde ser, para que a prática possa realmente ser trans-formada.

Educando-se para a sociedade, que implanta-remos ao amanhecer!

PARTE I: O TRABALHO EDUCA

1. O que é educarPara entendermos o que é a relação escola e

trabalho e qual sua importância educativa, preci-samos ter claro o que é educar e o que tem a ver otrabalho com a educação das pessoas, dos grupossociais.

Segundo a pedagoga russa Krupskaya10, “edu-car é preparar pessoas integralmente desenvolvi-das, com instintos sociais conscientes e organiza-dos, possuidores de uma visão de mundo refletidae íntegra, que tenham clara compreensão de tudoque ocorre ao seu redor, na natureza e na vidasocial; pessoas preparadas na teoria e na práticapara todo tipo de trabalho, tanto manual comointelectual, que saibam construir uma vida socialracional, plena, bonita e alegre. Estas são as pes-soas para construir a nova sociedade, socialista”.

Mas como se educam as pessoas para atingirtão alta expectativa?

Tem gente que acha que as pessoas se educamatravés das palavras: ouvindo bons conselhos, len-do livros, assistindo às aulas ou palestras de bonsmestres. São os chamados defensores da “pedago-

gia da palavra”. Diga-se de passagem, a maioriadas escolas segue (mesmo sem saber disso), estafilosofia, à medida que considera que os alunos sóestão se educando, quando ouvem atentos às pa-lavras do professor ou dos livros didáticos.

Nós nos identificamos com uma outra corren-te da pedagogia, segundo a qual, o que mais edu-ca as pessoas é a sua ação, a sua prática do dia-a-dia. Fazer é mais educativo do que ouvir sobre oque já está feito. Nada contra livros, palestras ouaulas expositivas de um professor. Pelo contrário,isso também é muito importante. Só que isso nãobasta para educar o tipo de pessoas que queremose de que precisamos para a transformação da so-ciedade.

A teoria é fundamental, desde que sejaconstruída a partir de uma prática e visandoretornar a ela. É a relação prática-teoria-prática,ou “pedagogia da práxis”, como muitos a chamam.

E de que práticas estamos falando? Que práti-cas educam?

Toda a relação prática do ser humano com anatureza ou com a vida social é educativa. Masexistem práticas que conseguem atingir a pessoamais integralmente, em mais dimensões. Estamosfalando das práticas ligadas ao mundo do traba-lho.

O trabalho envolve um conjunto de processose de ações que transformam a natureza, constroeme reconstroem a vida em sociedade. Através dotrabalho, as pessoas, coletivamente (ninguém tra-balha sozinho, sempre se relaciona com alguém),garantem a vida e as condições objetivas de seudesenvolvimento, num determinado tempo e es-paço social.

O trabalho é o que define a diferença básicaentre os seres humanos e os animais. As pessoassão o que são, principalmente em função do tipode trabalho que fazem e do jeito que se organi-zam para executar este trabalho.

10 Nadezhda Konstantinovna Krupskaya: pedagoga revolucionária, esposa e companheira de luta de Lênin, participou ativamente da primeiraRevolução Socialista, na Rússia. A citação foi tirada da sua obra: “La educación laboral y la enseñanza”, pag. 52.

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Por isso, nós costumamos dizer que “o traba-lho é princípio educativo”. E isto vale para qual-quer idade, em qualquer sociedade.

2. Porque o trabalho educaO trabalho educa porque mexe com várias di-

mensões importantes da formação humana. Ve-jamos algumas que são fundamentais:

a) O trabalho educa formando a consciência daspessoas.

Por consciência entendemos a visão de mundodas pessoas e seu jeito de se posicionar diante darealidade. Seu modo de pensar, suas crenças, seusgostos, seus valores éticos e culturais.

Sabemos que é a existência social que deter-mina a consciência social de cada um de nós11.Ou seja, nossa visão de mundo depende das con-dições objetivas em que vivemos. E entre estascondições objetivas, a forma como garantimos anossa sobrevivência material é a mais determi-nante. O jeito de um dono de banco ver o mun-do é diferente do jeito do agricultor que vai até obanco para pedir crédito para sua pequena roça.Assim como é diferente a forma de pensar e deagir deste pequeno agricultor e de um operário defábrica. Ou como é diferente a consciência de umescritor de romances e de um contabilista de em-presa. Ou ainda, como é muito diferente a cons-ciência de quem está dentro de um processo pro-dutivo e de quem não está. O trabalho é umadimensão tão forte para a vida das pessoas quemolda a sua personalidade, o seu jeito de ser. Épor isso, por exemplo, que é tão difícil para quemsempre trabalhou sozinho, entrar numa experiên-cia de cooperação agrícola.

b) O trabalho educa produzindo conhecimentose criando habilidades.

Grande parte do conhecimento científico pro-

duzido pela humanidade nasceu a partir do traba-lho e das necessidades de tornar a relação com anatureza mais facilitada e enriquecedora para o serhumano.

Através do trabalho, as pessoas incorporam pe-las ações e comportamentos o acúmulo dos conhe-cimentos produzidos e produzem novos, à medidaque passam a dominar a técnica do que fazem.

Este domínio da técnica ou da tecnologia (jei-to de fazer), constitui-se numa série de habilida-des ou destrezas que são adquiridas pela repetiçãoconstante das mesmas ações.

c) O trabalho educa provocando necessidadeshumanas superiores.12

As pessoas trabalham para atender suas necessi-dades básicas, ou naturais: comer, vestir-se, morar,reproduzir-se. À medida que trabalham passam aaumentar o círculo de objetos e de pessoas com asquais se relacionam. E quanto mais aumenta estecírculo, mais se enriquecem e aumentam as neces-sidades. Em vez da simples necessidade de comer,aparece a necessidade de comer bons alimentos.Assim como aparecem as necessidades de carátermais cultural: ler, conhecer lugares, freqüentar fes-tas, aprender cada vez mais sobre o que nos cerca,sobre o mundo em geral.

Quanto maior o número e mais complexas asnecessidades, maiores também são os motivos paraprosseguir e se qualificar no trabalho. E este pareceser o ciclo fundamental para o ser humano tornar-se cada vez mais humano, cada vez mais pleno.

3. O trabalho que educaQue trabalho educa para o que buscamos? Ou

seja, que trabalho ajuda a preparar os sujeitos ca-pazes de dar continuidade à luta de seus pais, cons-truir uma nova vida social, gerar necessidades su-periores, construir sua própria felicidade?

11 Esta é uma das teses da concepção materialista dialética desenvolvida por Karl Marx e outros filósofos da práxis.12 Segundo os estudiosos da Psicologia Social, existem as necessidades superiores, de caráter social e que diferenciam os seres humanos dos

animais. Elas aparecem e se multiplicam a partir da vida social. Ex.: o cultivo da beleza, a necessidade de se relacionar com as pessoas, de teramigos, de ler bons livros.

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Aqui é preciso clarear algumas idéias impor-tantes:

a) Todo trabalho é educativo.Explicando: Não existe trabalho que seja com-

pletamente deseducativo. Todo trabalho educa osujeito, pelo menos, em alguma dimensão. O queacontece é que muitas vezes o trabalho é ao mes-mo tempo educativo e deseducativo, quer dizer,educa num lado e deseduca no outro.

Vejamos melhor isso através de alguns exem-plos:

1) Operários de uma fábrica capitalista tradicio-nal. Muita gente considera este o exemplo típicodo trabalho deseducativo porque os operários têmque cumprir as ordens sem discutir, porque são ex-plorados e se alienam do próprio trabalho. Isso éverdade, mas não é toda verdade. Do ponto de vis-ta de aprender a ser sujeito, consciente, democráti-co podemos dizer que essa forma de trabalhodeseduca. Mas, se observarmos outras dimensões,veremos que o trabalho desses operários é tambémeducativo. E isso em pelo menos três aspectos: – aoexperimentarem a lógica do processo produtivosocialmente dividido (que é o jeito da fábrica orga-nizar o trabalho), os operários estão se educandopara a cooperação; – ao conviverem com um gran-de número de pessoas que estão em situação socialidêntica, têm condições de perceber sua identida-de de classe trabalhadora explorada; – ao terem queexecutar com eficiência suas tarefas, estão se edu-cando no sentido de apropriação de habilidadestécnicas e de informações tecnológicas.

2) Crianças de um assentamento que trabalhamcomo ajudantes dos adultos nos setores. Se os adul-tos se comportarem como patrões das crianças, seelas não tiverem direito a dar opinião, se forem dis-criminadas na remuneração, essas relações de tra-balho serão deseducativas porque as crianças esta-rão aprendendo a ser submissas e exploradas e nãoparticipantes, de fato, da vida do assentamento.

Mas este mesmo trabalho deseducativo pode es-tar sendo educativo em outras dimensões: na valo-

rização do trabalho socialmente útil, na apropria-ção do saber sobre o trabalho, na aprendizagem daresponsabilidade e da disciplina pessoal e coletiva,no despertar da curiosidade para aprender sobrecoisas do mundo da produção e do trabalho.

A nossa meta deve ser a de tornar o trabalhocada vez mais educativo e cada vez menosdeseducativo. E isso vale para as escolas, para osassentamentos e para o conjunto da sociedade.

b) Não é o tipo de trabalho que o torna maiseducativo

Tem gente que pensa que há tipos de trabalhoque educam mais do que os outros. Têm os quefazem distinção entre o trabalho manual e inte-lectual, dizendo que quem trabalha com a cabeçase educa mais do que quem trabalha com as mãos(como se fosse realmente possível fazer essa sepa-ração tão mecanicamente!). Têm outros que dis-tinguem o trabalho produtivo do trabalho impro-dutivo. Dizem que o trabalho produtivo é aqueleque gera mercadorias, riquezas. E o trabalho im-produtivo é aquele que não produz riquezas, ouseja, são os serviços (de administração, de educa-ção, de cozinha, de secretaria, etc.) E alguns ten-dem a pensar que, se o que gera riquezas é o tra-balho produtivo, então este é o trabalho maiseducativo, porque mais valorizado.

Podemos dizer que os dois raciocínios são equi-vocados: 1) não existe trabalho que seja só manualou só intelectual, e é somente juntando cabeça emãos que podemos educar o ser humano inte-gral; 2) numa visão de sociedade igualitária, te-mos que considerar produtivo todo trabalho queseja necessário para garantir a qualidade da vidasocial.

Não é o tipo de trabalho que o torna mais oumenos educativo. A diferença é que existem tra-balhos que exigem mais habilidades ou mais tem-po de preparo técnico do que outros. Mas issonão é condição necessária para torná-lo maiseducativo. São as relações que as pessoas estabele-cem com o trabalho e entre si, para realizá-lo, os

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elementos determinantes do seu caráter maiseducativo ou mais deseducativo.

c) O trabalho pode ser mais plenamente educativo.O trabalho se torna mais plenamente educativo,

na perspectiva do tipo de sociedade que quere-mos construir, quando ele consegue mexer comum maior número de dimensões do ser humano,todas no sentido de gerar SUJEITOS SOCIAIS.

Assim, no exemplo dos operários da fábrica, seeles forem também os donos da fábrica, e mesmocontinuando a executar apenas uma parte do tra-balho, tiverem que decidir coletivamente sobre oconjunto do processo produtivo, e sobre o quefazer com sobras ou prejuízos, este trabalho serápara eles mais plenamente educativo.

Da mesma forma, no exemplo das crianças,quando elas podem se organizar num coletivo detrabalhadores infantis, discutindo sobre como po-dem melhorar a produção, refletindo sobre o queestão fazendo, participando das decisões do con-junto do assentamento, podendo se apropriar doproduto de seu trabalho, as dimensões educativasdo seu trabalho aumentam bastante.

Isto quer dizer, em resumo, que têm alguns ele-mentos importantes para tornar o trabalho maisplenamente educativo:

– apropriação dos resultados do trabalho;– gestão democrática dos processos de traba-

lho;– o dar-se conta do que se está fazendo, para

quê e para quem.

PARTE 2: A ESCOLA PODE EDUCARPELO TRABALHO

1. Porque o trabalho na escolaSe o trabalho é essencialmente educativo, por

que é preciso trazê-lo para dentro da escola ou sepreocupar com ele?

Não seria o caso da escola se preocupar apenascom o estudo, deixando o mundo do trabalho se-

guir sua própria lógica, enquanto seus alunos vãoprogressivamente, e desde cedo, se integrandonele?

Duas razões básicas justificam a proposta deque a escola se junte com o trabalho:

a) Pela potencialidade pedagógica do traba-lho. Se nada há de mais educativo do que o tra-balho, por que a escola (que é uma instituiçãode educação), não se valer deste poderoso ins-trumento?

b) Porque a escola pode ajudar a tornar otrabalho dos alunos mais plenamente educativo.Ou seja, é o local próprio para unir teoria e prá-tica; para provocar o estudo e a reflexão sobreas questões do mundo do trabalho; para plane-jar situações pedagógicas onde os alunosvivenciem certos tipos de relações de trabalho,que em sua família talvez não chegassem avivenciar; para ajudar as crianças a se daremconta dos trabalhos que fazem na família, noassentamento... Por que fazem, como fazem epara quê fazem.

2. Como a escola educa pelo trabalhoTem muita gente pensando que educar através

do trabalho é fazer uma horta no quintal da esco-la para as crianças trabalharem. Ou, então, pedirque os alunos ajudem na limpeza da escola. Istoaté pode ser feito. Mas educar pelo trabalho é bemmais do que isso.

Para implementar a relação entre escola e tra-balho ou uma pedagogia do trabalho é precisolevar em conta principalmente o seguinte:

a) Que a escola tem uma função social que lheé específica e que diz respeito à socialização e àprodução de conhecimentos científicos necessá-rios à vida pessoal e à vida social. Isto quer dizerque se a escola não pode ser lugar só de teoria,também não pode ser lugar só de prática. A esco-la é por natureza um lugar de teorias. Mas o quedefendemos é que sejam teorizações sobre práti-cas sociais concretas em que os alunos estejamenvolvidos.

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b) Que a escola deve buscar no mundo do tra-balho e da produção uma das matérias-primas prin-cipais para o estudo de conteúdos de temas gera-dores pelo sentido socialmente útil deste tipo deaprendizagem e pela motivação para o estudo quegeralmente provocam.

c) Que a escola deve proporcionar ou acompa-nhar experiências de trabalho produtivo real de seusalunos desde a pré-escola, como forma de incorpo-rar o valor social do trabalho e vivenciar a lógica oudimensão econômica da vida, podendo refletir ediscutir sobre ela.13

d) Que trabalho produtivo real não acontecesó fora da escola, na lavoura, na horta ou numapequena fábrica. Que se o objetivo é a experiên-cia de uma determinada forma de trabalho, o tra-balho socialmente dividido, o espaço da escola éo primeiro que pode estar, como instrumento pe-dagógico, na mão dos alunos. Ou seja, organizar,administrar e manter a escola é um processo quedeve envolver o coletivo de alunos, desde peque-nos, através de um progressivo aumento de res-ponsabilidade. Os alunos podem começar dandoconta de organizar a limpeza da escola. E podem,passo a passo, chegar a administrar as finançasescolares, a secretaria e a biblioteca da escola. Estetrabalho também deve fornecer matéria-primapara o estudo em sala de aula.

e) Que a relação escola e trabalho será tantomais educativa se for misturada com cooperaçãoe com democracia. Não se trata dos alunos seremmeros cumpridores de tarefas, para diminuir otrabalho dos professores. Trata-se de experimen-tar a divisão social do trabalho e participar da ges-tão da escola; de vivenciar a relação da escola coma comunidade; de enxergar o trabalho coletivoentre os professores com a equipe de educação.

f ) Que o trabalho não pode ser um momento

específico, uma espécie de parênteses dentro daescola. Ou seja, o trabalho deve atravessar o con-junto das atividades. O momento da aula ou doestudo também precisa ser um momento de ação.Produção coletiva de conhecimento, com plane-jamento, divisão de tarefas, muita ação e avalia-ção. Aprender a fazer fazendo, é uma regra quevale tanto para uma horta quanto para aprender aler e escrever.

g) Que se a escola conseguir proporcionar aosalunos uma experiência real de trabalho produtivosocialmente dividido14 ela estará alterando ou edu-cando a verdadeira consciência ou mentalidadecoletiva, onde a lógica que comanda é a do interes-se coletivo e da partilha. Onde se aprende que nadase faz sozinho e que fazer junto requer unidade,disciplina e solidariedade de cada um com todos.

PARTE 3: O MST E A ESCOLA DOTRABALHO

1. Para quê uma escola do trabalhoO MST defende em sua proposta de educação,

que todas as escolas de acampamentos e assenta-mentos sejam escola do trabalho, onde o princípioeducativo fundamental esteja no trabalho.

Além das razões gerais que apontamos antes paraexplicar isso, têm também objetivos bem concre-tos. O MST, enquanto organização de trabalhado-res que lutam pela Reforma Agrária, precisa ter naescola um instrumento a serviço dos desafios queesta luta coloca para todos nós. A escola tambémprecisa ajudar para que o assentamento dê certo. Etambém precisa ajudar para que a organização avan-ce ou para que uma ocupação dê resultado.

Através da relação entre escola e trabalho, oMST quer, principalmente:

13 A lógica econômica é aquela que mais facilmente nos faz entender os limites e as potencialidades de cada uma das nossas ações. Educa-nospara uma visão mais objetiva e menos idealista da realidade; nos ajuda a perceber as relações entre as coisas e a aprender atitudes e iniciativasque implicam em ganhos ou perdas que realmente fazem diferença em nossa vida.

14 PPSD: é aquele em que cada produtor só intervém numa parte do processo produtivo para produzir determinado produto. Ex.: o assalariadorural que só faz capina, enquanto outro só ara, outro só faz desbastes...

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a) Chamar a atenção e dar ênfase para o senti-do social da escola num acampamento ou assen-tamento. Ou seja, a escola não pode ser um lugarsó de estudo, desligado do conjunto da vida e dosseus problemas reais. A escola deve participar dasolução destes problemas, tanto através de um en-sino voltado à realidade, quanto através de açõesconcretas (trabalho) no assentamento.

Quando provocados pela escola e organizadosatravés dela, os alunos passam a entender e a bus-car soluções para os problemas de seu acampamentoou assentamento, escola e trabalho se juntaram.

b) Educar para a cooperação agrícola.15 A escolanão pode ficar fora deste desafio que é de todo oMST: avançar nas diversas formas de cooperação paraviabilizar a produção nos assentamentos e preparar aspessoas para a cultura, ou para o jeito de viver socia-lista. Isto quer dizer que não se trata da escola de qual-quer trabalho. A Escola do Trabalho que queremos éa do trabalho coletivo. Aprendido na prática, refleti-do a partir da prática e através do estudo das expe-riências de cooperação no campo e na cidade.

c) Preparar para o trabalho. Através da escolaproporcionar aos alunos uma iniciação técnica aosdiversos tipos de trabalho manual e intelectual, es-pecialmente aqueles necessários para o avanço daprodução no meio rural. Isto significa, hoje, desdetécnicas agrícolas até contabilidade, administração,técnicas de saúde, comunicação. Esta iniciação téc-nica deve ser prática e teórica e começar desde asprimeiras séries. A partir da 5ª série deverá ter maisênfase, já com a preocupação de canalizar habilida-des e conhecimentos para futuras áreas de especia-lização que os alunos queiram ou necessitem seaprofundar.

d) Desenvolver o amor pelo trabalho e pelo tra-balho no meio rural. Precisamos formar trabalha-

dores que valorizam o que fazem. Que queiramcontribuir e se aperfeiçoar cada vez mais para oaumento da produção coletiva de riqueza e conse-qüente melhoria das condições de vida para todosos trabalhadores, mesmo que isso exija muito es-forço, até sacrifícios. E precisamos que os nossosfilhos queiram permanecer no campo e que sai-bam lutar para que esta permanência seja com dig-nidade e com muita alegria de viver.

Tradicionalmente a escola vem sendo estimula-dora do êxodo rural, seja pela supervalorização dacultura urbana seja pela sua omissão em relaçãoaos problemas da realidade rural.

Nossa escola tem a obrigação de ser diferente. Equanto mais os alunos tiverem experiências de tra-balho real, socialmente útil, mais será possível cul-tivar o valor do trabalho.

e) Provocar a necessidade de aprender e de criar.As pesquisas mostram, as experiências demonstram:a gente só aprende quando tem necessidade deaprender, quando enxerga o sentido daquilo queestá sendo ensinado para nossa vida. E para perce-ber e mesmo criar necessidades novas de aprendi-zagem, é preciso pôr os alunos em ação, em ativi-dades concretas, com sentido real. Queremos umaescola em movimento, em ação. Onde todos este-jam envolvidos em algum tipo de trabalho, crian-do, inovando, conhecendo e pesquisando. Onde acada dia os alunos tenham mais pressa de voltar, decontinuar aprendendo. E onde os professores tam-bém façam do seu trabalho um permanente apren-der e reaprender. É assim a nossa escola do traba-lho. O MST precisa de sujeitos sabidos, criativos,ágeis...

f ) Preparar as novas gerações para as mudan-ças sociais. Para lutar pela sociedade sem explora-dos nem exploradores. E para viver esta nova socie-dade.

15 Sobre o que é Cooperação Agrícola, sua história e suas formas no MST, ver Caderno de Formação nº 20: A Cooperação Agrícola nosAssentamentos, 1993.

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2. Como fazer a escola do trabalhoQue ninguém espere receitas. É em cada assen-

tamento e acampamento, com sua realidade espe-cífica, que deve ser encontrado o melhor jeito defazer esta escola. Combinando os objetivos maisamplos com metas concretas e com as condiçõesobjetivas de cada local. E aqui vale o mesmo prin-cípio: a gente só vai aprender, realmente, o que é aEscola do Trabalho, fazendo-a na prática e daí ava-liando e estudando permanentemente sobre o queestá sendo feito e o que ainda está por fazer.

O que queremos trazer ainda aqui neste texto,são alguns elementos práticos a serem considera-dos para implementação da nossa escola do traba-lho, a partir das nossas e de outras experiências nestecampo.16

1º) Que tipo de trabalho pode ser feito pelosalunos na escola. Já vimos anteriormente que tra-balho produtivo real dos alunos não quer dizer hor-ta. Existem muitas outras demandas de trabalho aserem assumidas pelos alunos, dependendo da ida-de, das capacidades que queremos desenvolver, dosobjetivos que a escola tem em determinado perío-do e das condições objetivas da escola e do assenta-mento.

Concretamente, vamos identificar algumas pos-síveis frentes de trabalho:

– Trabalhos domésticos, ligados à limpeza, aopreparo da alimentação, à busca de água onde ain-da não existe encanamento. É muito importanteque os alunos, desde os bem pequenos, se envol-vam nestas tarefas, por que através delas (se bemorientados) vão adquirindo hábitos de higiene,noções de estética, disciplina, responsabilidade etambém vão desenvolvendo o valor do trabalho decada um, seja menino ou menina, no bem estar docoletivo. Mas aqui, devemos ter o cuidado de nãosobrecarregar e não cansar demais os alunos, fazen-do-os assumir tarefas além de suas capacidades físi-

cas. Também não se trata da atitude simplista denão querer funcionários na escola só porque o tra-balho doméstico pode ser educativo às crianças.Brigar para que o Estado coloque funcionários naescola, ou discutir com a comunidade a participa-ção de pessoas para ajudar na merenda, pode seraté mais educativo para os alunos do que só fazer astarefas. O importante é que os alunos não se desli-guem completamente deste tipo de trabalho paraque aprendam a valorizá-lo e superar preconceitos.

– Trabalhos ligados à administração da escola,tais como a organização da secretaria, da bibliote-ca, das finanças. Ou fazer a farmácia, o mural, ojornalzinho ou, organizar e embelezar os espaçosinternos e externos da escola, ajeitar, pintar, culti-var flores, adornar os vários espaços do assentamen-to, etc. É importante que os alunos se envolvamem trabalhos que vão exigindo cada vez mais habi-lidades, responsabilidade e criatividade. Podemcomeçar como ajudantes e, pouco a pouco, ir assu-mindo o comando de determinados setores. Oimportante é garantir um padrão de qualidade ede eficiência no trabalho para que a aprendizagemtambém seja eficiente e de qualidade;

– Trabalhos ligados à produção agropecuária,como uma horta, uma lavoura ou uma criação deanimais. Aqui depende das condições objetivas edo que realmente se quer com este tipo de traba-lho. Como os demais, o fundamental é que estetrabalho atenda a uma necessidade real e não sejauma brincadeira só para ocupar os alunos. Issodeseduca. Assim, por exemplo, dois objetivos po-deriam justificar a realização de uma horta: a) pro-duzir alimentos para a escola ou para as famílias;b) servir para o aprendizado de algumas técnicasalternativas de cultivo, visando a sua capacitaçãoem horticultura. Dependendo do objetivo mudao jeito de organizar e de tratar este trabalho. Édiferente uma horta de experimentação e umahorta para resultado econômico. E os alunos pre-

16 Uma sugestão muito importante de leitura para iluminar nossa prática é o livro “ Fundamentos da Escola do Trabalho” de Pistrak, especialmenteo capítulo 3: “O trabalho na escola”.

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cisam entender isso e saber por quê e para quêestão trabalhando;

– Trabalhos diversos ligados a outras áreas daprodução. Sempre que possível, a escola deve pro-porcionar experiências de trabalho ligadas à fabrica-ção de algum tipo de produto. Especialmente a par-tir da 5ª série, os alunos poderiam ser desafiados a secapacitar em diversos setores, bem como para orga-nizar alguns destes trabalhos ao nível de mercado,primeiro interno ao assentamento e talvez, progres-sivamente, visando ao mercado externo. Podemospensar em trabalhos ligados à agroindústria, à ele-trônica, à marcenaria, à tecelagem.

– Trabalhos ligados à cultura e a arte. É muitoimportante que a escola estimule a organização degrupos musicais, de teatro ou de dança, que pos-sam fazer apresentações também nas comunidadesvizinhas. Atividades que sejam desenvolvidas, defato, como trabalho, no sentido da disciplina dosensaios, da busca permanente da perfeição, do com-promisso com o público, da especialização. Tam-bém aqui podemos citar a importância doenvolvimento dos alunos na organização das festasdo assentamento: datas históricas da luta, festa daprodução, festas populares na região, etc.

2º) Tempo de trabalho e tempo de estudo. Asexperiências de trabalho real dos alunos não po-dem diminuir o tempo do estudo dos conteúdosde ensino. O ensino é importante até para qualifi-car a aprendizagem obtida pelo trabalho. Isto querdizer que a Escola do Trabalho precisa aumentar otempo de permanência dos alunos na escola. E tam-bém, que os professores precisam se dispor (formalou informalmente), a acompanhar este tempo detrabalho. Ou, então, que o acompanhamento dasexperiências de trabalho possa ser feito pela pró-pria comunidade, através da Equipe de Educaçãodo assentamento, ou de pessoas delegadas para talfunção. De qualquer modo, os professores não po-dem ficar fora disso, porque é necessária a ligaçãoentre o trabalho dos alunos e a sala de aula.

3º) Ensino ligado ao trabalho, mas não só isso.Se o período que os alunos estão trabalhando e operíodo que os alunos estão estudando não tive-rem vinculação direta, não podemos falar em Es-cola do Trabalho. A prática concreta vai levantarmuitas questões a serem aprofundadas e tratadascientificamente, e o professor precisa prestar aten-ção e incluí-las na sua lista de conteúdos.

Não se trata apenas de permitir que os alunosfalem sobre o seu trabalho na sala de aula. Aliás,esta conversa bem pode acontecer nos espaços in-formais, não precisando esperar pela hora da aula.O que os professores precisam fazer é construirTemas Geradores e Conteúdos que tratem dasquestões ligadas à produção, à organização do tra-balho não só da escola, mas do conjunto do assen-tamento e da própria sociedade. Por exemplo, co-nhecer como se dá o processo produtivo numafábrica e qual a rede que percorre um produto atéchegar ao consumidor. Além de um conhecimen-to geral importante para todos os alunos, vai per-mitir para aqueles que estão montando sua mini-fábrica de brinquedos, entender melhor algumasquestões que estão aparecendo na sua prática.

Chamamos a atenção para o seguinte: numaEscola do Trabalho não se estuda só sobre traba-lho. E muito menos só sobre o trabalho rural. Afunção social da escola é socializar conhecimentosem geral e ampliar a visão de mundo de cada alunoe do conjunto da comunidade. Questões ligadas apolítica, cultura, arte, história, ao mundo em ge-ral, também devem integrar nossos programas deensino.

4º) Trabalho adequado a cada idade e com au-mento gradativo de responsabilidades. Não se tratade fixar tarefas para cada idade porque isso é muitorelativo e depende do contexto de vida de cada alu-no. Mas é preciso o bom senso para saber, por exem-plo, que crianças de 6 ou 7 anos não vão conseguir,sozinhas, dar conta de uma roça; ou, então, que alu-nos ainda não bem alfabetizados não têm como or-ganizar a secretaria da escola. O importante é que a

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delegação de tarefas e de responsabilidades seja real enão de faz-de-conta. O trabalho educa porque res-ponsabiliza; mas só responsabiliza quando há cobran-ça real desta responsabilidade. Por isso, é preciso ade-quar o trabalho às capacidades, incluindo sempreum desafio a mais para estimular o avanço, e sendorigoroso na cobrança da qualidade de cada tarefa. Eé bom lembrar que nada responsabiliza mais do quea gestão econômica do processo produtivo. A metaé, pois, que os alunos cheguem a assumir esta gestãona escola. Em cada caso deverá se analisar quais ospassos a serem dados até alcançá-la.

5º) Trabalho e jogo. O trabalho dos alunosnão deve tirar o seu tempo para jogos e brincadei-ras. Eles também educam e desenvolvem uma sé-rie de habilidades e destrezas, quando bem esco-lhidos. Nossa escola estimula os jogos educativos,mas não pensa que o melhor seja misturá-los como trabalho, como defendem algumas pedagogiasmodernas. É importante que os alunos, desdepequenos, possam distinguir quando uma ativi-dade é “ brincadeira”, e quando é “séria”. O quenão quer dizer que a realização das atividades detrabalho não possam ter a mesma alegria e diver-timento de uma grande brincadeira.

Em nossa escola, os jogos podem ser utilizadoscomo um complemento pedagógico, embora nãodevam ser o centro do processo e nem o ponto departida mais significativo para a aprendizagem dosalunos.

6º) Trabalho na escola e Trabalho no assenta-mento. Na maioria dos nossos assentamentos ascrianças e os jovens participam de algum tipo detrabalho produtivo. As experiências variam muito,em função do próprio modo de organização do tra-balho e da produção em cada assentamento. Na re-lação entre escola e trabalho é preciso garantir umasintonia entre o que a escola propõe e o que o assen-tamento necessita e está fazendo, e vice-versa. Ouseja, um trabalho não pode prejudicar mas sim aju-dar o outro. Se a escola propõe experiências de tra-

balho ligado à produção agropecuária, por exemplo,é preciso analisar com a comunidade se o melhor étrabalhar na área da escola, ou se é a escola acompa-nhar um trabalho que seja organizado com os alu-nos, pelo assentamento. O que não pode aconteceré uma sobreposição de trabalhos, que gere desgastese falta de interesse. Ex: As crianças estão encarrega-das da horta do assentamento e a escola decide fazeruma horta para que as crianças trabalhem nela. Poroutro lado, também é preciso evitar que a utilizaçãoda mão-de-obra das crianças pelas famílias as impe-ça de participar do trabalho na escola, porque exigi-rá mais tempo de sua permanência nela. Tudo issodeverá ser discutido coletivamente e tendo clarezados objetivos maiores da nossa proposta de educa-ção.

7º) O trabalho dos professores e outros traba-lhadores da Escola. A organização do trabalho pro-posta para a Escola do Trabalho não diz respeito sóaos alunos. Precisa envolver todos os integrantes daescola, deixando claro qual é a função e quais são astarefas de cada um. E os alunos não podem convivercom o exemplo do professor que trabalha sozinho.Quando a escola só tem um professor, ele precisa sejuntar com a Equipe de Educação para realizar suastarefas de preparação das aulas, avaliação e outras. Etambém estar em algum setor junto com os alunos,por exemplo, o que estiver responsável pela secreta-ria da escola. OU seja, além de orientar e apoiar oconjunto dos trabalhos, os professores devem estarenvolvidos em tarefas específicas. Quando houvermais professores, o melhor é construir um coletivode professores, com tarefas próprias e com organiza-ção interna que possa servir de exemplo aos alunos.

PARTE 4: A ESCOLA DO TRABALHO:COOPERAÇÃO E DEMOCRACIA

1– Gestão Democrática da EscolaComo já vimos nas outras partes deste texto,

de nossa Escola do Trabalho não é escola de qual-

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quer trabalho. É escola do trabalho mais plena-mente educativo, ou seja, aquele que mistura co-operação com democracia.17 Em outras palavras,estamos querendo que nossas crianças e nossosjovens se eduquem através do Trabalho SocialNecessário para a Gestão Democrática da escola.

Para nosso tipo de escola, a gestão democráticaprecisa juntar os seguintes ingredientes ou elemen-tos:

a) Participação da comunidade (assentados,acampados) na direção da escola.

b) Organização de um coletivo que seja res-ponsável pelo planejamento, execução e avaliaçãodas atividades da escola.

c) Espaço específico de auto-organização dos alu-nos, para exercitarem a gestão do seu coletivo e par-ticiparem do coletivo maior de gestão da escola.

Mas como mexer com estes ingredientes paraque a “receita” da escola que queremos dê certo?Como fazer funcionar a escola, através da partici-pação democrática?

De novo, aqui a “receita” não é receita. Masapenas chamada de atenção para alguns detalhesque as nossas práticas vêm mostrando:

1º) Planejamento coletivo. Participar é, sobre-tudo, ajudar a tomar decisões. E o momento prin-cipal de tomar decisões é no planejamento. De-vem ser planejadas desde as grandes até aspequenas ações do dia-a-dia da escola. Onde nãohá planejamento não tem cooperação. Onde o pla-nejamento está concentrando em poucas cabeças(acontece “de cima para baixo”), não há demo-cracia. A gestão democrática implica em planeja-mento coletivo. E na escola isso envolve a elabo-ração da proposta pedagógica e do regimento daescola; o plano anual de atividades; os planos detrabalho que vão detalhando a execução das ativi-dades da escola; o planejamento de ensino em seus

vários níveis: plano de curso, plano de unidade,planos de aula semanais e diários.

2º) É preciso organizar a participação coletivano planejamento. Combinar e ter claro quemdeve, e em que nível, participar do planejamento.Democracia não quer dizer todos participando detudo ao mesmo tempo. E quem participa do pla-nejamento também tem que se envolver na suaexecução e permanente avaliação. Assim, quandofalamos da participação da comunidade na dire-ção da escola, por exemplo, certamente nãoestamos pensando que os assentados devam dedi-car seu tempo a fazer planos de aula junto com osprofessores. Da mesma forma, não é esta a parti-cipação principal que se espera dos alunos. Plane-jar o dia-a-dia das aulas é tarefa do coletivo dosprofessores. Só que estes, quando planejam, de-vem estar pondo em prática decisões que ajuda-ram a tomar num outro momento do planeja-mento: quando lá no início do ano, junto com acomunidade (incluindo as crianças e jovens), fo-ram decididos quais os conteúdos e habilidadesque deverão ser reforçados; foi discutida a relaçãoentre as atividades da escola e o conjunto do pla-nejamento dos assentados; que atividades cultu-rais serão promovidas pela escola; que tipo de tra-balho produtivo será de responsabilidade dosalunos; quais serão os critérios de avaliação a se-rem adotados pela escola, etc.

Do mesmo modo, quando os alunos, auto-or-ganizados, forem elaborar seu plano de trabalhonos setores sob sua responsabilidade, vão decidirsobre suas atividades específicas, tomando por baseas decisões ou linhas de ação tiradas noutro cole-tivo, do qual também participam.

A isto podemos chamar de Instâncias de par-ticipação democrática, que é o jeito de fazer fun-cionar, de fato, a democracia.

17 “A forma de trabalho de muitos que, no mesmo lugar e em equipe, trabalham planificadamente no mesmo processo de produção ou emprocessos de produção desconexos, se chama COOPERAÇÃO...” (Marx. O Capital). Democracia: forma de organização da vida socialbaseada na participação de todos nos processos de decisão, execução, avaliação e apropriação dos resultados dos empreendimentos sociais.Supõe divisão igualitária de direitos e de responsabilidade. E é respeito às idéias da maioria, do coletivo.

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3º) Participação da comunidade é participa-ção de quem? Pense você: qual a imagem que lhevem à cabeça quando se fala em participação dacomunidade? Uma grande assembléia, com todosos assentados ou acampados, discutindo as ques-tões da escola? Um encontro da Comissão ou equi-pe de educação para resolver os problemas da salade aula? Uma reunião de professores com dois outrês pais, mais alguns alunos, ajudando a direçãoda escola a tomar decisões sobre o que fazer como telhado que está quase caindo?

Cada uma destas imagens pode indicar parti-cipação, desde que combinadas em diferentes mo-mentos e para diferentes objetivos.

Depende também das formas de organizaçãoda própria comunidade. Quando se trata de umassentamento organizado, apenas através do tra-balho individual (familiar) e sem instâncias de re-presentação falar em participação da comunida-de supõe a participação do maior número possívelde assentados, já que não há como alguns repre-sentarem as necessidades ou as posições de todos.A menos que se reúnam e discutam as questõespreviamente, o que geralmente não acontece.

Mas, quando já existem na própria organiza-ção do assentamento instâncias coletivas e pessoasencarregadas das questões de educação, é um des-respeito a esta organização a escola chamar paracada decisão uma assembléia com todos os assen-tados.

De qualquer forma, é preciso definir coletiva-mente também esta questão: quais são as decisõesa serem tomadas em assembléia, quais são os mo-mentos para a comissão de educação, quais os mo-mentos para a criação de comissões específicas.

Mas uma lição já tiramos destes anos de expe-riência: não dá para pensar em gestão democráti-ca da escola sem a criação da equipe ou comissãode educação do assentamento/acampamento. Éna hora do trabalho miúdo, do dia-a-dia, que segarante o processo. E onde não há esta equipedisposta, inclusive, a ajudar no planejamento doensino, na avaliação, no acompanhamento do tra-

balho prático dos alunos, geralmente fica o mauexemplo do professor trabalhando sozinho, dei-xando cooperação e democracia no papel ou nosonho. Ou nem isso...

4º) A participação tem que ser verdadeira. Fal-sa democracia deseduca e desacredita o processodemocrático. As pessoas precisam saber até ondevai seu poder de decisão e porque vai até aí. Eprecisam ter informações suficientes para toma-rem decisões dentro da realidade. É falsa a demo-cracia do professor ou da escola que permite aosalunos decidir sobre tudo (até se querem ou nãoter aula!) e que depois se dá o direito de aceitar ounão a decisão deles. Democracia tutelada não édemocracia. O exercício democrático supõe atransparência das relações de poder. O coletivode alunos precisa ter um espaço de autonomia queseja real e pleno. Mas tem que saber que este nãoé todo o espaço da escola. E que há decisões ondenão participa diretamente; que há espaços ondesua posição representa apenas um voto e que istotambém é democracia.

Da mesma forma, é falsa a democracia das as-sembléias de assentamentos onde se põem paradecidir questões sobre as quais a maioria não teminformação. Nestes casos geralmente vale a pro-posta de quem está chamando a assembléia. E issoé autoritarismo consentido. Assim também quan-do os professores chamam os pais para opinaremsobre atividades da escola, tomando depois as de-cisões sem eles. Esta participação também é falsa.

Participação verdadeira se conquista comdescentralização de informações, organização dosespaços de gestão (quem decide sobre o quê eonde), transparência nas relações e persistência naprática coletiva de participar.

2. A auto-organização dos alunosPela importância pedagógica que tem a parti-

cipação ativa dos alunos no processo democráticoda escola, vamos tratar especialmente sobre comoe para que garanti-la.

Auto-organização dos alunos: o que é isso?

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A expressão, estamos tomando emprestada dePistrak,18 para identificar o processo de constitui-ção do coletivo dos alunos na escola. Processo querequer que as crianças e os jovens tenham um es-paço de liberdade e de iniciativa suficientes paraorganizar sua vida neste coletivo com o apoio, massem a interferência dos adultos.

Coletivo dos alunos não quer dizer “turma”:pessoas que estão juntas no mesmo lugar apenasporque compartilham a mesma série ou o mesmodever de estudar. Coletivo quer dizer a união depessoas em torno de interesses e objetivos comuns,dos quais têm consciência e para os quais se orga-nizam, dividem tarefas, responsabilidades, resul-tados.

A escola deve estimular o desenvolvimento docoletivo infantil para que através dele os alunosparticipem da gestão democrática da escola.

Isto quer dizer que os alunos precisam deixarde ver a escola como um local onde vão apenasestudar e onde tudo está pronto ou tem alguémque vai aprontar. Precisam passar a enxergar a es-cola como um lugar que é seu e cujo destino é desua responsabilidade também. Desde garantir quea sala de aula esteja limpa e agradável, até fazer aprodução da roça dobrar nesta safra...

Mas isto só vai acontecer se realmente a escoladelegar não só tarefas, mas responsabilidades con-cretas para os alunos, permitindo que por contaprópria eles se organizem e trabalhem para darconta delas. Ou seja, nunca teremos alunos res-ponsáveis e organizados se forem sempre os pro-fessores a organizar o trabalho deles: “hojeJoãozinho varre a sala, Pedrinho rega as flores eMaria limpa a vidraça...! “O máximo que vão

aprender é a cumprir ordens, pelas quais não têmnenhum compromisso.

Não se trata de logo nos primeiros dias de aula,entregar todo o trabalho na mão das crianças edeixá-las por sua conta. Isso pode ser desastroso epouco educativo. É preciso ir, aos poucos, dele-gando responsabilidades de acordo com a idade,a capacidade, as experiências anteriores dos alu-nos. Sobretudo, é preciso acompanhar e refletircom eles o seu processo organizativo. E combinarcoletivamente os mecanismos de cobrança das res-ponsabilidades delegadas. Sem cobrança não hácrescimento dos coletivos. Sem avaliação perma-nente, não há avanços pedagógicos.

Através do seu coletivo, os alunos podem cons-tituir os setores de trabalho da escola (serviços,biblioteca, comunicação, secretaria, horta e jar-dim, finanças, etc.); podem integrar o ConselhoEscolar; coordenar atividades que estejam no pla-nejamento da escola, constituir o grêmio estudan-til e se relacionar com estudantes de outras esco-las, do estado e do país.

A forma que vai assumir o coletivo de alunos:se é uma espécie de cooperativa escolar ou umaassociação de estudantes, depende das condiçõesobjetivas de cada realidade e dos objetivos especí-ficos das próprias crianças e jovens. Em algunslugares já se criaram cooperativas escolares até comestrutura jurídica. Os grêmios estudantis são umarealidade antiga, embora geralmente não se te-nham vinculado às questões do trabalho produti-vo real, na escola ou através dela. Mas a formanão é o mais importante. O fundamental é o prin-cípio da auto-organização, no contexto da coope-ração e da democracia.

18 Na sua obra já citada, ver especialmente o capítulo: “A auto-organização dos alunos”. Mas já no início do livro há sobre este tema idéias quevalem a pena registrar aqui: Para Pistrak a construção da nova sociedade, revolucionária, exige o desenvolvimento de três qualidades: 1-Aptidãopara trabalhar coletivamente e para encontrar espaço num trabalho coletivo; 2-Aptidão para analisar cada problema novo como um organizador;3-Aptidão para criar as formas eficazes de organização. Para desenvolver isso nas crianças é preciso admitir a auto-organização sem reservas. “Epreciso reconhecer de uma vez por todas que a criança e, sobretudo, o adolescente, não se preparam apenas para viver, mas já vivem umaverdadeira vida. Devem conseqüentemente organizar esta vida. A auto-organização deve ser para eles um trabalho sério, compreendendoobrigações e sérias responsabilidades. Se quisermos que as crianças conservem o interesse pela escola, considerando-a como seu centro vital,como sua organização, é preciso nunca perder de vista que as crianças não se preparam para se tornar membros da sociedade, mas já o são, tendojá seus problemas, interesses, objetivos, ideais, já estando ligados à vida dos adultos e do conjunto da sociedade” (p. 41-42).

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Sem a auto-organização dos alunos, certamen-te nossa Escola do Trabalho estará sem um dosseus pilares. E precisará de muito equilíbrio parase manter em pé...

3. Nossa meta: Escolas plenamente coletivasTemos muitos sonhos. Sonhamos com a Refor-

ma Agrária. Sonhamos com a terra em benefíciode todos. Sonhamos com Cooperativas de Produ-ção plenamente coletivas e os nossos assentamen-tos dando respostas econômicas e políticas para aclasse trabalhadora.19 Sonhamos com uma socie-dade diferente onde todos tenham os mesmos di-reitos e deveres. Igualitária e justa. Por isso, deve-mos sonhar também com uma nova educação. Umaeducação libertadora, uma escola transformada.Uma escola democrática, formadora de pessoashumanas novas. Uma escola plenamente coletiva,laboratório de uma nova sociedade.

No Caderno de Formação nº 18 já dizíamos:“Seria bom se toda escola, algum dia, funcionassecomo uma cooperativa...” Uma grande coopera-tiva de aprendizagem, diríamos hoje. Depois daslições da prática, agora entendemos melhor o queisso quer dizer.

Mais do que uma nova estrutura escolar, que-remos uma escola onde as decisões sejam toma-das coletivamente. Onde as crianças e os jovensestejam organizados em setores de trabalho e queneles possam chegar a experimentar a lógica deum processo cooperativo. Conscientes do que es-tão fazendo e para quê estão fazendo.

Onde haja também um coletivo de professorestrabalhando junto, planejando formas de ensinocada vez mais atraentes e eficazes. Onde a comu-nidade tenha a escola como sua20 e lhe dê a dire-ção necessária para o avanço do assentamento eda luta maior do MST. Onde diretores sejam es-colhidos por eleição direta, onde professores se-

jam escolhidos pela comunidade. Onde trabalho,cooperação e democracia sejam a base de todo oprocesso educativo. E onde todos gostem de es-tar, para aprender e ensinar, para conviver, paracriar. Escola de construção do futuro. Escola dascausas humanas. Escola da alegria. Escola de vidaem plenitude!...

CONCLUSÃONinguém sabe bem o que não descobriu atra-

vés de sua prática. Isto quer dizer que para com-preendermos mesmo o que é escola do trabalho,precisamos começar a fazê-la. E então ir refletin-do sobre esse fazer. Não sozinhos, mas numa equi-pe, num coletivo.

Este texto quis fixar algumas balizas para orien-tação da nossa prática. Para analisar o que jáestamos fazendo e o que ainda precisamos come-çar a fazer. Ele não trouxe receitas porque confiana capacidade de criar, de inventar, de buscar dosnossos educadores militantes. O desafio está lan-çado.

Mas nestas palavras finais queremos chamar aatenção para outra questão, falando para o con-junto da nossa militância dos assentamentos e deoutras comunidades rurais.

Neste Boletim tratamos da questão do traba-lho, da cooperação e do seu sentido educativo, doponto de vista das crianças e da escola. Só queesta não é uma questão que diz respeito apenas àscrianças e à escola. Ela pode ser pensada do pontode vista do conjunto das atividades de formaçãodo MST; como também do dia-a-dia de nossasfamílias, de nossas cooperativas de produção, denossos assentamentos, de nossos setores, de nos-sas secretarias.

Como está acontecendo a relação entre estudoe trabalho nos nossos cursos de militantes? Nosnossos cursos de base? Nos cursos alternativos de

19 Ver Caderno de Formação nº 20, especialmente: “Ensaiando o futuro: a CPA plenamente coletiva”.20 “Escola e Assentamento devem estar ligados igual namorados: são dois, mas tão agarradinhos que até parecem um só!” (Caderno de Formação

nº 18, p. 16)

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1º e 2º graus que estamos conquistando pelo paísafora?

Como se dá a relação entre educação e traba-lho nos acampamentos e assentamentos? Os sóciosde nossas cooperativas conseguem perceber a di-mensão educativa do seu trabalho? Cooperação edemocracia acontecem na prática? E como enxer-gamos o trabalho das crianças em nossa família,em nossa cooperativa, em nossa comunidade? Nãoestamos por vezes imitando o capitalismo na suatruculenta exploração do trabalho infantil?

Gostaríamos que através deste texto, algumasdessas questões viessem à tona e fossem refletidaspelo conjunto da organização.

BIBLIOGRAFIA DE APOIO1. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido.

Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974.2. KRUPSKAYA, Nadezhda. La Educación

Laboral y la Enseñanza. Progresso, Moscou, 1986.3. LEONTIEV, Alexis. O Desenvolvimento do

Psiquismo. Horizonte, Lisboa, 1978.

4. MANACORDA, Mário A. Marx y la Peda-gogia Moderna. Libros Tau, Barcelona, 1979.

5. MAKARENKO, Anton S. Poema Pedagó-gico. 2 ed. Brasiliense, São Paulo, 1987, 3 vol.

6. MARX, Karl. El Capital. Tomo 1. EditorialPueblo y Educación, Habana, 1983.

7. MORAIS, Clodomir Santos de. Elementossobre teoria da organização no campo. São Paulo,MST, 1986.

8. MST. O que queremos com as escolas dosassentamentos. Caderno de Formação nº 18, SãoPaulo, 1991.

9. MST. A Cooperação Agrícola nos assenta-mentos. Caderno de Formação nº 20, São Paulo,1993.

10. MST. Como fazer a escola que queremos.Caderno de Educação nº 01, São Paulo, 1992.

11. MST. Como deve ser uma escola de assen-tamento. Boletim da Educação nº 01, São Paulo,1992.

12. PISTRAK. Fundamentos da Escola do Tra-balho. Brasiliense, São Paulo, 1981.

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Este texto faz parte do processo de revisão eaprofundamento do Caderno de Educação nº1:“Como fazer a escola que queremos”, editado peloMST em 1992. Naquele caderno tratamos daquestão do planejamento escolar junto com ou-tras questões sobre como fazer a nossa escola dife-rente, adequada aos desafios dos assentamentos,e do conjunto da luta pela Reforma Agrária.

Aos poucos, conforme vão avançando as expe-riências, e vamos aprofundando a reflexão sobre anossa prática, estamos retomando cada uma dasquestões levantadas naquele primeiro texto. Issopara discutir melhor e detalhar mais o como fazerna prática cada uma delas.

Assim, o Boletim da Educação nº4, “Escola,Trabalho e Cooperação”, editado em maio de 94,aprofundou e detalhou a questão específica decomo fazer a relação entre escola e trabalho. Jáeste Caderno vai tratar da questão do planeja-mento coletivo na escola. E a idéia é que umpróximo texto aborde especificamente a questãoda metodologia de ensino, indo mais fundo naproposta do trabalho com Temas Geradores, etambém tratando da questão de como trabalhara dimensão da capacitação na escola. Um outrotexto ainda, deverá enfrentar a polêmica ques-tão da avaliação. Deste jeito pensamos poder iravançando no entendimento da nossa prática,bem como, ir socializando as experiências quevêm dando certo. Precisamos demonstrar que o

nosso sonho de uma escola diferente é possívelde realizar na prática. Num processo coletivo ecom permanente estudo e reflexão sobre o queestamos fazendo e sobre o que ainda pretende-mos chegar a fazer...

Desatar o nó do planejamento na escola: este éo objetivo central deste texto. Porque segundo aslições da nossa prática, o planejamento é uma dasquestões centrais no como fazer a escola que que-remos. Ele tem a ver com um pensar mais estraté-gico a questão da educação. O que planejar, como,quando, com quem... Como garantir de verdadea participação coletiva na escola através do plane-jamento. Como planejar as aulas para garantir queelas sejam coerentes com os princípios pedagógi-cos que defendemos. É por aí que vamos desen-volver este texto.

Nesta reflexão sobre o planejamento escolarpartimos mais diretamente da realidade das esco-las de 1a a 4a séries. Porque são a maioria com asquais o Setor de Educação atualmente trabalha.Mas gostaríamos de ressaltar que esta propostatambém é válida para as escolas de 5a a 8a sériesdos assentamentos, talvez apenas necessitando dealgumas adaptações no que se refere ao planeja-mento das aulas. Que os companheiros e as com-panheiras possam nos ajudar, prosseguindo nestedesafio de recriação...

Ocupar, resistir e produzir também na educa-ção!

Como fazer a escola que queremos:o planejamentoCaderno de Educação n. 06 – Publicado em Janeiro de 1995 21

21 Texto final: Roseli Salete Caldart – Setor de Educação MST.

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PARTE 1O QUE É PLANEJAMENTO E QUAL SUA

IMPORTÂNCIA

Planejar é pensar antes de fazer. É antecipar nopensamento (e no papel) os passos de uma ação. Eé ir refletindo sobre cada passo e preparando o se-guinte.

Pensar sobre o fazer é, basicamente, tomar deci-sões sobre este fazer. O planejamento é, então, umprocesso (também de ação) de tomada de decisõessobre determinada ação.

O planejamento é uma atividade essencialmen-te humana. Somente os seres humanos são capazesde antever uma ação antes de realizá-la.22 O objeti-vo de planejar é garantir que os resultados da açãosejam os esperados. E que o processo seja de máxi-ma qualidade.

Em qualquer tipo de atividade humana o pla-nejamento é importante. Às vezes o processo deplanejamento é informal, rápido e nem chega a irpara o papel: quando planejamos como vamos fa-zer a limpeza da nossa casa, por ex.; ou quandoestabelecemos alguns passos a dar para conquistarum namorado ou namorada... Neste caso, o “pla-no de ação” fica só na cabeça, ajudando a organizara ação. Em outras dimensões o processo de plane-jamento pode ser mais complexo, envolvendo pes-quisa, cálculos, registros e muita discussão. É o caso,por exemplo, do planejamento econômico de umaempresa, o planejamento da próxima safra agrícolanum assentamento e também, do. planejamentode atividades de uma escola.

QUAL A DIFERENÇA ENTREPLANEJAMENTO E PLANO?

Este é apenas um detalhe. Mas ele pode ter al-gumas implicações importantes no desenvolvi-mento do nosso trabalho. Por isso é bom clarear adiferença.

– Chamamos de PLANEJAMENTO o pro-cesso da tomada de decisões sobre a ação. Proces-so que num planejamento coletivo (que é a nossameta), envolve busca de informações, elaboraçãode propostas, encontros de discussão, reuniões dedecisão, avaliação permanente...

– Chamamos de PLANO o documento ondese registra por escrito, segundo um determinadoroteiro, as decisões tomadas no processo de pla-nejamento. É feito para ajudar a memória do pro-cesso. Passa a ser o papel que consulta durante arealização da ação.

IMPORTANTE: Nem sempre o roteiro quese usa para elaborar um PLANO é o mesmo quese utiliza para desenvolver a discussão. O registrocostuma ser posterior e geralmente é tarefa de umaequipe ou pessoa.

Seja de que tipo for a ação, de modo geral po-demos dizer que o planejamento envolve os se-guintes elementos (ou decisões):• O porquê fazer: a justificativa da ação;• O para que fazer: o que se espera ou, os obje-

tivos da ação;• O que fazer: os conteúdos da ação;• O como fazer: a metodologia• O com que fazer: os recursos e onde obtê-los;• O jeito de verificar se o fazer está dando cer-

to: a avaliação.Mas tem gente que não gosta de fazer plane-

jamento. E muito menos pôr decisões no pa-pel.

Estas pessoas ou são do tipo auto-suficiente, oudo tipo comodista. A pessoa auto-suficiente é aquelaque pensa que sabe tudo, que não precisa se prepa-rar para nada porque na hora “H” sempre vai sabero que fazer. Mesmo sem se dar conta, o auto-sufi-ciente se torna um autoritário. Porque se planejar étomar decisões, quem planeja sempre se expõe acríticas, a opiniões, que podem levar a pessoa até

22 Como diz Marx: Entre o trabalho de uma abelha que constrói sua colméia de forma perfeita, e o trabalho de um engenheiro humano, pormais medíocre que este seja, há sempre uma diferença fundamental favorável ao homem: só ele consegue imaginar/projetar a casa que vaiconstruir, antes mesmo de começar a fincar seu primeiro alicerce.

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mesmo a alterar o rumo previsto para a ação. Quemnão planeja também decide; mas decide sozinho ena hora em que está agindo. Isto quer dizer quenão há condições de outros participarem; prevale-ce a idéia ou o impulso apenas de quem está nocomando da ação.

A pessoa comodista (ou preguiçosa mesmo!) éaquela que busca trabalhar o menos possível. A leique mais respeita é a “lei do menor esforço”. Nãogosta do planejamento porque ele torna claro o quetem pra fazer. E pra quem quer ficar” atrás da moi-ta”, não ter claro o que fazer é o jeito de continuarsem fazer nada.

Imagine-se doente num hospital, sob os cuida-dos de um médico auto-suficiente ou comodista...Que tal?!

Pois saiba que o risco é tão grande quanto o pro-vocado por um professor ou uma professora queentra em sala de aula sem ter planejado o seu traba-lho: faz os alunos de “cobaias”, metendo os pés pe-las mãos. Um caos!

Você não é uma pessoa deste tipo, é?Por outro lado, quando a gente se acostuma a

planejar as ações, por menores que sejam, não seconsegue mais viver sem planejamento. Passa a seruma atitude de vida. Significa ter humildade. Sig-nifica pôr racionalidade e criatividade nas coisasque se faz.

Ao contrário do que os auto-suficientes dizem,a criatividade e o sentimento não estão no impro-viso, no agir sem pensar. Quanto mais planejadafor uma ação, maiores as condições de se inventarcoisas novas; e maior facilidade de alterar a ação,tornando o próprio plano flexível e adequado àsinformações que o processo permanente de avalia-ção vai fornecendo.

Porque este também é um detalhe importante:o planejamento não pode ser uma “camisa-de-for-ça”. Ele é uma referência para a nossa ação. Podeser modificado sempre que a realidade apresentardados novos e exigir nossa adequação. É isto quequeremos dizer com planos flexíveis...

É por isso tudo que tem quem diga que num

bom planejamento está a garantia de 50% da ação.Desde que ele não fique apenas no papel, é claro!

PENSE E RESPONDA: Será que nossas crian-ças continuariam vindo à escola, se soubessem queseu professor ou sua professora ainda é do tipo queconsidera que planejar as aulas é besteira?

DEFINIÇÕES DE PLANEJAMENTO:• Trabalho de preparação para qualquer em-

preendimento, segundo roteiro e métodos de-terminados. (Dicionário Aurélio)

• Planejar é implantar um processo de interven-ção na realidade. (ELAP)

• Planejar é agir racionalmente. (Gandhi)• Planejamento é o contrário da improvisação.

Uma ação planejada é uma ação não improvi-sada. Uma ação improvisada é uma ação nãoplanejada. De acordo? (Whitaker Ferreira)

• Planejamento é um método de trabalho apli-cável por quem quiser. (idem)

• Fazer planos é coisa provavelmente conhecidado homem desde que ele se descobriu com ca-pacidade de pensar antes de agir. (idem)

• Planejar é pensar antes qual é o melhor cami-nho para chegar. (Brichenti)

• Planejamento é um processo de tomada de de-cisões. Plano é o registro das decisões. Ação é oato de intervir na realidade, que pode ser pla-nejado ou não. (idem)

• Todo plano precisa estar aberto à emergência eao imprevisível; pois não existe planejamentototal. (idem)

• O homem conseguiu evoluir cada vez mais, ese distanciar da sua condição de animal, quan-to maior foi sua capacidade de desenvolverações intencionais e planejadas sobre a nature-za. (Engels)

PARTE 2NA ESCOLA, O QUE PLANEJAR?

Planejar é tomar decisões sobre o fazer. Entãoa pergunta aqui é: quais são as decisões necessári-as para garantir o fazer (trabalho) da escola?

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O planejamento escolar não tem só a ver compreparação de aulas, como às vezes é entendido.Ele tem a ver com o conjunto das atividades de-senvolvidas pela escola. E mais, com a estratégiade intervenção na realidade que a escola vai ado-tar.

Podemos dizer que o planejamento da escolaenvolve as seguintes dimensões:• O PLANEJAMENTO GLOBAL MAIS

PERMANENTE, ou seja, a tomada de deci-sões sobre as linhas pedagógicas e administra-tivas que devem nortear o funcionamento daescola: desde os objetivos da escola, como vaifuncionar, quais são as instâncias de partici-pação, o que decidem, quando se reúnem...;organização da escola; até as definições maisgerais sobre métodos de ensino, critérios paraescolha de temas e conteúdos, sistema de ava-liação... Uma vez tomadas estas decisões elasvalem até o momento em que se considerarque precisam ser revistas ou alteradas. Isto é,não têm um período pré-determinado de vi-gência. São definições que precisam ser to-madas quando se começa o trabalho da esco-la.

• O PLANEJAMENTO ANUAL DAS ATI-VIDADES da escola, ou a programação daescola. É a tradução do planejamento globalpara um plano de ação limitado a um perío-do determinado de tempo, geralmente umano. Envolve a previsão de todas as. ativida-des pedagógicas e administrativas da escola, aelaboração do orçamento, a previsão da bus-ca de recursos, a distribuição de tarefas, o pro-cesso de avaliação. Também a previsão dos diasletivos (nº de dias de aulas), o cronogramadas aulas, previsão de quando e como se faráo planejamento das aulas, os planos de traba-lho por setor. . .

• O PLANEJAMENTO DAS AULAS, ou seja,a tomada de decisões referente ao específicode sala de aula: temas, conteúdos,metodologia, recursos didáticos, avaliação.

Este planejamento vai desde o mais geral: umplano de curso para o ano ou semestre; até oplano por unidades (temáticas ou outras), oplano por semana e o planejamento de cadadia.

Na seqüência deste texto vamos tratar de cadauma destas dimensões com detalhes, identifican-do o que, quem, como e quando se desenvolvecada uma delas.

A organização da participação é chave para aprática da democracia. E a participação organiza-da de todos os envolvidos com a escola, no seuprocesso de PLANEJAMENTO é essencial naconstrução de uma DIREÇÃO COLETIVA dasações educativas que acontecem dentro dela ouatravés dela.

PARTE 3PLANEJAMENTO COLETIVO: QUEM

DECIDE SOBRE O QUÊ?Se planejar é tomar decisões, então este é um

momento fundamental da participação coletiva naescola. Ou seja, como já dizíamos no Boletim daEducação nº4: participar é, sobretudo, ajudar a to-mar decisões. E o momento principal de tomardecisões é no planejamento. Devem ser planejadascoletivamente desde as grandes até as pequenasações do dia a dia na escola. Onde não há planeja-mento não tem cooperação. Onde o planejamentoestá concentrado em poucas cabeças (acontece “decima para baixo”), não há democracia. A gestãodemocrática implica em planejamento coletivo...(pág. 14). E para nós, a democracia não é apenasum detalhe, uma palavra. Ela é um dos pilares bá-sicos da nossa proposta pedagógica e do nosso pro-jeto de transformação social.

Mas o que é mesmo PLANEJAMENTO CO-LETIVO?

O planejamento coletivo é um processo quecombina PARTICIPAÇÃO com DIVISÃO DETAREFAS. Quer dizer, não significa reunir todomundo para planejar tudo, desde os objetivos daescola até a aula do dia seguinte. Significa, em

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outras palavras, organizar as instâncias de tomadade decisões.

Como ORGANIZAR o PLANEJAMENTOCOLETIVO na escola?

O primeiro passo é definir quais são as instân-cias de decisão. Embora elas possam ser um pou-co diferenciadas em função da realidade específi-ca de cada Assentamento ou comunidade,podemos identificar as seguintes instâncias numprocesso democrático de planejamento escolar:• A assembléia geral do Assentamento.• A Equipe ou Comissão de Educação do As-

sentamento, que deve incluir um representa-tivo de assentados, professores e alunos, e teruma constituição viável para encontros maisfreqüentes, podendo ser ampliado para deter-minados tipos de discussão e decisão.

• O coletivo de professores (quando tiver maisdo que um).

• O coletivo de outros trabalhadores da escola(onde houver).

• O coletivo de alunos.• Cada professor, no seu trabalho específico.

E ainda, é preciso considerar as instâncias dopróprio MST, que participam indiretamente (ouem alguns casos acompanham diretamente) o pro-cesso. Ou seja, é preciso garantir que o Assenta-mento, através da sua Equipe de Educação, parti-cipe do SETOR DE EDUCAÇÃO, a nívelregional e de estado, para que as decisões toma-das nesta escola em particular, estejam em sintoniacom as linhas políticas e a proposta pedagógicaque vem sendo construída pelo MST, a nível na-cional.

O segundo passo é termos claro quem decidesobre o que neste processo, levando em conta asdimensões do planejamento escolar que identifi-camos no item anterior.

Neste momento precisamos, além de levar emconta nossos princípios democráticos, ser REA-

LISTAS.23 A participação no processo de planeja-mento é educativa por si só : quanto mais gentetiver que “esquentar a cabeça” para definir os ru-mos da escola, maior o número de pessoas com-prometidas com a prática de uma nova educaçãoem nossas áreas de reforma agrária. Mas, é bomlembrar que a educação e a escola são apenas umadas muitas questões que precisam de participaçãoe de solução nos assentamentos. Por isso é precisoracionalizar o tempo de encontros, reuniões, dis-cussões, de modo a tornar visível o envolvimentoda comunidade no planejamento da escola.

Vejamos então alguns exemplos de decisões quecaberiam a cada uma das instâncias. Depois va-mos discutir como realizar o processo de planeja-mento para chegar nelas.• A uma ASSEMBLÉIA GERAL do Assenta-

mento ou,de uma Cooperativa cabe discutire aprovar o plano global da escola, bem comoalterações que forem propostas no desenrolarde sua prática, sempre que elas mexerem coma proposta pedagógica da escola. Ex. : O as-sentamento decide que os alunos devem par-ticipar das instâncias de direção da escola.Nem a escola, nem a Equipe de Educaçãopodem mudar esta decisão sem discutir issonuma assembléia.

Também caberia ao conjunto dos assentadosdecidir sobre a expulsão de algum professor, oupela briga para a contratação de professores, ousobre ações maiores de reivindicações junto aoEstado... Para poder tomar decisões sobre o planoglobal da escola, certamente a comunidade teráque ser chamada pela Equipe de Educação paraalguns encontros onde seja discutida e estudada aproposta de educação do MST.

Também é importante garantir que pelo me-nos uma vez por ano a comunidade se reúna es-pecificamente para avaliar o andamento da escolae tirar as linhas para o planejamento das ativida-

23 Já disse que nós, educadores, precisamos juntar a mais linda utopia com o mais firme realismo. D contrário não haverá trabalho educativo.

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des do ano seguinte. Este plano geral, depois deelaborado poderia passar pelas instâncias que jáexistam no assentamento (sejam grupos de famí-lia, núcleos, setores de trabalho...) e, se for o caso,ser aprovado numa assembléia geral do Assenta-mento que não seja chamada só para isso, masque possa incluir esta questão como um dos pon-tos de pauta.

Cabem à EQUIPE DE EDUCAÇÃO e/ou aoCONSELHO ESCOLAR (onde ele existir) todasas decisões que correspondam ao detalhamento doplano global e à elaboração do plano geral de ativi-dades e dos detalhes de sua execução. E em assen-tamentos onde a organização ainda não permitaque o plano anual tenha a participação efetiva dacomunidade, a Equipe de Educação passa a ser ofórum, não só da elaboração mas também, da apro-vação deste plano. É bom lembrar que pela Equipede Educação deveria passar a discussão e, algumasvezes a própria elaboração, das propostas a seremdiscutidas num encontro ou assembléia dos assen-tados. A princípio não caberia à Equipe de Educa-ção um envolvimento mais direto com o planeja-mento das aulas. A responsabilidade deste tipo dedecisão caberia ao coletivo interno à escola. Masna prática, como existem muitas escolas que têmapenas um professor e ele ou ela não teriam comquem se juntar para planejar, a Equipe de Educa-ção acaba participando pelo menos do planejamen-to mais geral das aulas: plano de curso e planos deunidade. Se isso for necessário, é preciso ter pre-sente na composição da Equipe, pessoas com umadisponibilidade de tempo um pouco maior para sededicar a esta atividade. Pode inclusive não ser todaa Equipe a participar destes momentos específicos.O princípio é que o professor não tenha que pla-nejar o seu trabalho sempre sozinho.

Cabem aos professores e aos outros trabalha-dores da escola (juntos em seus coletivos específi-cos, dependendo do número de pessoas), as deci-sões sobre o desenvolvimento das aulas e das outrasatividades que estejam na programação da escola.Trata-se de um nível fundamental, porque são jus-

tamente as decisões tomadas, no dia a dia (queconteúdos vamos trabalhar nesta semana, comovamos avaliar os alunos, como será organizado otrabalho na área produtiva da escola...), que ga-rantem ou não a execução das decisões tomadaspelo conjunto do assentamento e, mesmo, peloMST como um todo.

Lembrando também que, de modo geral, osprofessores costumam participar todos (a menosque o número seja muito grande) da Equipe deEducação, compartilhando pois, com os níveis dedecisão daquela instância.

Cabe ao coletivo de ALUNOS, o conjunto dedecisões sobre as atividades que lhe atribui o planogeral da escola, bem como sobre questões que seuprocesso de auto-organização for colocando e quenão afetem a outras instâncias. O nosso estímulodeve ser para que o coletivo de alunos chegue aelaborar propostas e levantar reivindicações para asdemais instâncias de decisão. Exemplos: se é tarefados alunos organizar e cuidar da farmácia da esco-la, cabe a eles planejar como vão fazer isso. Aosprofessores cabe no máximo dar sugestões, e du-rante o processo ajudar na avaliação de como o aten-dimento da saúde está acontecendo, de como podemelhorar... Também o coletivo dos alunos pode sereunir para avaliar o andamento das aulas e apre-sentar sugestões aos professores sobre como torná-Ias mais agradáveis. Estas sugestões deverão ser dis-cutidas no coletivo dos professores, quandoestiverem em atividade de planejamento...

Esclarecendo:EQUIPE DE EDUCAÇÃO = grupo ou comis-

são de pessoas escolhidas pelo assentamento paratratar das condições de educação e representar acomunidade na direção (real mas não necessaria-mente legal) da escola. Sua composição tem varia-do de um local para outro, mas de modo geral in-clui alguns assentados (2 ou 3), representantes dosalunos (1 ou 2, conforme os critérios de escolha) eos professores da escola. Uma variação que costu-ma existir: se a escola é “nossa”, ou seja, professores

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e diretor ou diretora são do próprio assentamento,ou pelo menos, são bem identificados com a reali-dade e com a luta dos assentados, todos eles fazemparte da Equipe. Se não é esse o caso, os professo-res (sendo mais de um) terão seus representantesna Equipe, mas não estarão todos nela.

CONSELHO ESCOLAR = se constitui noslocais onde passa a ser legalmente possível a dire-ção coletiva da escola com a participação dos alu-nos e da comunidade. Ou seja, o Conselho é umcolegiado de composição semelhante a da Equipede Educação, só que com função legal de dirigir aescola. Sua composição obedece a regras que variamum pouco de Estado para Estado. De modo geral,o nº de representantes de cada segmento é propor-cional ao nº de pessoas que envolve. Assim, porex., quanto maior o nº de alunos numa escola,maior o nº de seus representantes no Conselho.

O Conselho Escolar não é a mesma coisa que osCírculos de Pais e Mestres, as Associações de Pais eProfessores ou diretoria da escola. Ele vem para subs-tituí-los, numa concepção mais democrática departicipação da comunidade. Em muitos casos,Conselho Escolar e Equipe de Educação podemser o mesmo grupo. Mas é preciso lembrar que asquestões da educação vão bem além da escola: cre-ches, educação familiar, alfabetização de adultos...

A representação dos alunos deverá estar tam-bém na Equipe de Educação. Cada assentamentodeverá definir o número e os critérios: se é idade,série, livre escolha pelo conjunto dos alunos...

PARTE 4PLANEJAMENTO GLOBAL DA ESCOLA:

QUAIS OS PASSOS?

Relembrando: este é o nível de planejamentoque corresponde às grandes decisões sobre a orga-nização, funcionamento e proposta pedagógica da

escola. É o que mais requer a participação do con-junto da comunidade. E deve ser puxado pelaEquipe de Educação. Ou, no caso de ainda nãoter, por alguma liderança que tenha mais clarezasobre a importância de o assentamento assumirjunto a direção da escola. Às vezes é o próprioprofessor ou professora esta liderança. Seja quemfor, este pode ser um momento oportuno paracriar ou fortalecer a própria Equipe de Educação,onde ela ainda não existe ou é frágil.

Este planejamento deveria ser feito durante oprimeiro ano de implantação da escola. Se nãofoi, sempre é tempo de retomar a caminhada paramelhor seguir em frente. Para situar ainda mais,estas são as decisões que costumam ir para o Re-gimento Interno da escola, quando ela tem auto-nomia para elaborar o seu.24

Uma sugestão de método para desenvolver esteplanejamento consiste no seguinte:

1º PASSO: Conhecer a realidadeA escola, junto com a Equipe de Educação do

Assentamento, deve fazer um levantamento de in-formações sobre a realidade do Assentamento e desuas relações com o conjunto do MST e suas lutas.Informações as mais completas possíveis, desde ahistória, passando pela composição das famílias, or-ganização do trabalho, produção, características cul-turais... até quais as maiores discussões que se fazemno conjunto do Assentamento e com o MST.

O objetivo é saber o que discutir e, de ondecomeçar a discussão sobre a escola com os assen-tados. Este momento é ainda mais importantenuma escola onde os professores e outros traba-lhadores não sejam do próprio Assentamento.

Para fazer este levantamento será necessário de-finir na Equipe:

a) Qual o roteiro a ser seguido:25 quais as in-formações a serem buscadas;

24 Este já é um direito assegurado em Lei, mas em muitos lugares ainda há o sistema de Regimento Outorgado, ou seja, um documento padrãoimposto para todas as escolas públicas vinculadas àquele órgão oficial de ensino...

25 Ver um exemplo de roteiro para este levantamento de informações no Anexo I deste texto.

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b) Quem busca? Aqui é muito educativo en-volver também os alunos na investigação;

c) Como e onde buscar as informações. O quevai depender das condições e do envolvimento quea escola já tem com a comunidade;

d) Quem junta as informações, e registra porescrito uma síntese delas. Esta tarefa é muito im-portante para que o processo continue depois;

e) O tempo máximo para concluir esta etapado planejamento.

Uma observação importante: Não podemospartir do princípio de que se o professor é do pró-prio Assentamento ele não precisa fazer este tra-balho, porque já conhece a realidade. Já diz o ditopopular, que “quem menos conhece água é o pei-xe” ou seja, não basta estar num meio paraconhecê-lo. É preciso assumir uma atitudeinvestigativa, fazer perguntas à realidade paraconhecê-la mesmo. É isto que está proposto nestafase do planejamento...

2° PASSO: Discutir com a comunidadeÉ momento da Equipe de Educação chamar

os assentados para discutir sobre a escola e conhe-cer a proposta de educação do MST.

O ponto de partida depende de cada caso. Se aescola já funciona há tempo, o primeiro encontropode ser para uma avaliação geral do seu anda-mento: se a comunidade está satisfeita com o tra-balho, o que poderia modificar... Os próximosencontros podem refletir sobre que escola preci-samos a partir dos desafios da nossa realidade,aproveitando os elementos levantados no 1º pas-so e estudando sobre a proposta de educação doMST para as escolas de Assentamento.

É bom lembrar que neste momento os mate-riais do Setor de Educação que melhor podemsubsidiar este trabalho são: O Caderno de For-mação nº18: O que queremos com as escolas deAssentamento; o álbum seriado que traz tambémuma cartilha com nossos principais princípios pe-dagógicos; o Boletim da Educação nº1: Comodeve ser uma escola de Assentamento; e, confor-

me vai avançando o processo, o Boletim da Edu-cação nº4: Escola, trabalho e cooperação.. .

A Equipe de Educação deverá planejar o me-lhor jeito para utilizar estes materiais, de acordocom as características do grupo. Mais importantedo que conhecerem todos os materiais de umavez, é garantir que a comunidade participe ativa-mente da discussão, colocando suas opiniões so-bre como deve ser a escola deste Assentamento equais dos princípios pedagógicos já é possívelimplementar e de que jeito.

O número de encontros necessários nesta fasedepende do tipo de organização da comunidadee das informações que já tem sobre a questão daeducação. Em alguns locais um encontro ou doisjá são suficientes para passar ao próximo passo.

Estas discussões com a comunidade tambémdevem ser registradas no papel por alguém daEquipe que fique responsável por isso.

3° PASSO: Elaborar propostasUm bom planejamento coletivo depende de

boas informações e de boas propostas. E estas pro-postas não surgem espontaneamente durante asreuniões, com todo mundo junto. É preciso quetenha pessoas que se dediquem a formular pro-postas e a levantar questões prioritárias para a dis-cussão e a tomada de decisões em conjunto. Nocaso do planejamento escolar pode ser a Equipede Educação, que fica responsável por isso, po-dendo dentro dela também haver uma divisão detarefas sobre quem formula propostas sobre o quê.

Então, partindo da realidade e das primeirasdiscussões feitas com a comunidade; levando emconta as exigências legais que existem em relaçãoà escola; e tendo como referência a proposta pe-dagógica do MST, esta Equipe deverá levantarpropostas ou questões especialmente sobre:

a) Os objetivos da escola.b) As instâncias de direção da escola: quais são,

funções, quando se reúnem, quem convoca (vaiter Conselho Escolar? Quem o compõe?).

c) A organização e o funcionamento da escola:

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quem faz o que, se vai ter setores de trabalho, seos alunos vão participar do trabalho e da gestãoda escola e em que exatamente, se vai ser reuniõesinternas, de quando em quando e para que, qualserá a proposta de calendário escolar: se há neces-sidade de adequar aos tempos da produção agrí-cola ou não, que tipo de atividades a escola deve-rá desenvolver além das aulas com as crianças:alfabetização de adultos, programações culturais,educação infantil...

d) Em que tipo de ações a escolas deverá atuarjunto com o Assentamento.

e) Se haverá uma área de produção agropecuáriaprópria para o trabalho da escola/alunos...

f ) O sistema de avaliação que será adotado (oque pode aprovar e reprovar um aluno, por exem-plo), o jeito de divulgar os resultados. Se haverá no-tas: o que será considerado na avaliação dos alunos;se só as aulas ou também as outras atividades...

g)Que tipo de conteúdos dar mais ênfase nasaulas, em função dos objetivos da escola e a reali-dade do Assentamento;

h) Que tipo de metodologia de ensino utili-zar linhas gerais não entrando aqui em detalhesde didáticas – no sentido de criar sujeitosparticipativos, com capacidade de argumentação,sem medo de expor posições, questionador...;

i) Se existirão regras de como se comportardentro e fora da escola. Quem vai decidir sobreelas. Se haverá algum sistema de punição na esco-la: para que seria, quem seriam os responsáveis...

4° PASSO: Discutir as propostas no conjunto daescola e da comunidade

É o momento de voltar à comunidade para dis-cutir as propostas elaboradas. O jeito pode variar.Em alguns locais é possível aproveitar espaços deencontros ou reuniões já existentes. Em outros aspropostas podem ser passadas por escrito para dis-cussão nos grupos de família ou nos núcleos deprodução ou nos setores de trabalho. O impor-tante é aproveitar a própria estrutura organizativajá existente. E nos Assentamentos onde não for

costume as pessoas se reunirem, esta pode ser umaboa oportunidade para motivar encontros, quedepois podem passar a incluir outras questões doAssentamento.

Sempre que possível a Equipe de Educação de-veria acompanhar as discussões e ir registrando asquestões mais polêmicas, as dúvidas, as novas pro-postas.

5° PASSO: Decidir em assembléiaA menos que a própria comunidade delegue à

Equipe de Educação ou a um Conselho Escolaresta tarefa, é importante que o conjunto das pro-postas possa ser discutido e decidido numa as-sembléia do assentamento. Isso compromete maiso coletivo com a implementação das ações na prá-tica. Também para esta assembléia será precisouma preparação especial, que vai desde a místicade abertura até a divulgação da pauta, colocandocom clareza quais são as questões de discussão eque decisões terão que ser tomadas.

E não podemos esquecer que um momento comoesse é sempre um motivo a mais para cultivarmos ossímbolos, as canções e demais expressões culturaisque trazem a força e o amor pela nossa organização epelo conjunto da classe trabalhadora. E a responsa-bilidade de puxar isso é de quem já sabe que isso éimportante. Não tem outro jeito!

6° PASSO: Passar as decisões para o papelÉ muito importante que todo este processo cul-

mine na elaboração de um documento escrito comtodas as decisões tomadas.

Isso ajuda na memória não só dos que partici-param do processo, mas daqueles que vão entran-do no decorrer da execução dos planos. E tam-bém é parte da chamada “memória subversiva dopovo”, ou seja, do registro de um outro lado dahistória da educação brasileira que nós, como seussujeitos, temos obrigação de também escrever epreservar.. . O registro pode ser no próprio Regi-mento Escolar, que geralmente tem um roteirodeterminado pelos órgãos oficiais. Ou pode ser

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num documento específico, com um roteiro quesugeriremos a seguir...

7° PASSO: Socializar as decisões tomadasMesmo quem, por algum motivo, não tenha

participado do processo de, planejamento precisaficar sabendo do que foi decidido. Isso vale tantopara o conjunto da escola, como para o Assenta-mento e o Setor de Educação do estado.

A escola deve encontrar o melhor jeito parafazer circular as informações do plano. Seja divul-gando o documento escrito, seja fazendo carta-zes, aproveitando um programa de rádio ou ojornalzinho do Assentamento. Se a comunidadeainda não tem estes instrumentos de comunica-ção é hora de incluir a sua criação no próprio pla-nejamento das atividades da escola. Ou esse não éum campo privilegiado para a escola contribuircom o conjunto do Assentamento?!

E quanto tempo leva para desenvolver este con-junto de passos? Isso depende do próprio estágiode discussão em que se encontra a escola e a co-munidade. Se a Equipe de Educação e os profes-sores tiverem domínio da proposta de educaçãodo MST e tiverem participado de algum processoou, de algum curso que lhes tenha dado um certotraquejo nesta metodologia de planejamento co-letivo, certamente o processo será mais acelerado.Mas não há maiores problemas deste processochegar a durar até um ano, em vista da discussãoser realmente coletiva e as decisões, além de cole-tivas, serem bem amadurecidas. Quanto mais pro-fundo e abrangente for este nível de planejamen-to, mais fácil será o desenrolar dos níveis seguintes.

Um possível roteiro para registrar este proces-so de planejamento:

PLANO GLOBAL DA ESCOLA1. Dados de identificação da escola(Ver quais são os geralmente solicitados pelos

órgãos oficiais)2. Base teórica(Organizar uma síntese das discussões feitas so-

bre a proposta pedagógica do MST e o que o As-sentamento quer concretamente com esta escola)

3. Descrição da realidadeResumo das informações levantadas sobre:a) O Assentamentob) O MST da regiãoc) O município em que se situa o Assentamento4. Os objetivos da escola(Os grandes e mais permanentes)5. Normas de organização e funcionamento da

escola5.1. Instâncias e funções5.2. Organização do trabalho5.3. Regras de comportamento6. Sistema de avaliação6.1. O que avaliar6.2. Quem avalia o quê6.3. Quando avaliar6.4. Como avaliar6.5. Registro e divulgação das avaliações7. Orientações pedagógicas gerais(Sobre conteúdos, métodos, relação professor-

aluno... enfim, os elementos que apareceram nasdiscussões. De preferência em itens e de formaresumida. Ex: os professores devem estimular aparticipação ativa dos alunos em aula).

PARTE 5PLANEJAMENTO ANUAL DA ESCOLA:

EM QUE CONSISTE?

Consiste em elaborar a ESTRATÉGIA DEAÇÃO para o prazo de um ano (um pouco maisou um pouco menos, conforme a realidade espe-cífica de cada escola). Tomar as decisões sobre oque, para que, como e com que se vai fazer/traba-lhar na escola durante este período, levando emconta as linhas tiradas no plano global.

Geralmente é feito no início do ano letivo, sepossível antes de iniciarem as aulas. Se o grupotiver as informações necessárias e algum tipo deexperiência anterior de planejamento, poderá serfeito no prazo de uma semana intensiva. Mas tam-

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bém, há escolas que preferem ir desenvolvendo oprocesso através de uma série de encontros quevão acontecendo durante o primeiro mês de ati-vidades do ano, já com as aulas em andamento.Cada escola precisa encontrar o jeito que melhorse adegue à sua realidade.

Como dissemos antes este planejamento é res-ponsabilidade primeira da Equipe de Educaçãoou do Conselho Escolar, onde ele já estiver im-plantado. A comunidade como um todo poderá/deverá participar da discussão e da aprovação daspropostas mas não precisa estar nos encontros detrabalho. Este é o princípio da divisão de traba-lho e de planejamento coletivo. A semana inten-siva de planejamento que mencionamos acima,teria como participantes a Equipe de Educação/Conselho Escolar mais todos os professores e ou-tros funcionários da escola, se houver.

LEMBRETE IMPORTANTE: A seqüência daelaboração dos planos não é necessariamente cro-nológica, ou seja, um depois do outro. Não é pre-ciso ter pronto o plano global para fazer o planoanual ou para ir planejando as aulas. Claro que alógica deste processo de planejamento pede coe-rência entre o plano maior ou mais abrangente eos planos menores. Mas a lógica da realidade ésempre a que tem o apelo mais forte. Ou seja: seas aulas na nossa escola vão começar na próximasemana e não existe ainda um plano global, va-mos ter que primeiro planejar o imediato e de-pois ir para o estratégico. Certo?!

Vamos aos passos deste planejamento:

1) RETOMADA DO PLANO GLOBALÉ o momento de rever as decisões e linhas tira-

das sobre a proposta global da nossa escola. Issoserve para reavivar a memória (para o caso de játer um certo tempo), informar os novos mem-bros do grupo e também para avaliar o andamen-to daquele plano. Ou seja, a prática pode estarmostrando que algumas decisões têm que ser re-vistas ou aperfeiçoadas. É o espaço, então, de pro-

por estas alterações. No caso de a escola ainda nãoter o seu plano global, é preciso reservar este mo-mento para estudar a proposta de educação doMST e refletir sobre como é possível implementá-Ia nesta escola concreta. E depois, na hora de es-tabelecer metas, prever quando e como poderá serdesencadeado o processo de planejamento global.

2) DIAGNÓSTICO DA REALIDADENo planejamento global falamos em levanta-

mento de informações sobre a realidade. Agoradizemos diagnóstico, e que pode se servir daque-las informações levantadas.

Mas o que é DIAGNÓSTICO?Segundo os estudiosos do assunto, um diag-

nóstico é composto de pelo menos 3 elementosessenciais:

a) Levantamento dos principais problemas deuma determinada realidade.

b) Descrição e análise das causas e das implica-ções destes problemas.

c) Um juízo de valor sobre a realidade, identi-ficando quais os pontos prioritários sobre os quaisse deveria agir para resolver os problemas.

Utilizando um exemplo da medicina podemosdeixar mais claro o que significam estes elementos:

a) Um problema: o paciente diz ao médico:“estou com dor de ouvido” .

b) Análise: o médico examina o ouvido e nãoconstata nada. Faz uma radiografia da cabeça everifica que o paciente tem uma infecção numdente.

c) Juízo: O médico diz ao paciente: “Sua dorde ouvido é provocada por uma infecção na raizde um dos seus dentes. Será preciso tratar destainfecção para que não se alastre e para que cesse ador.” Feito o diagnóstico certamente o médicoprescreveria um tratamento: um antibiótico paratratar a infecção e a ida ao dentista.

Voltando ao nosso planejamento escolar: pre-cisamos fazer um diagnóstico da realidade em queestamos trabalhando para decidir sobre quais asações que devem ser priorizadas na programação

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deste ano. E qual a realidade a ser diagnosticada?Sugerimos que o diagnóstico trabalhe pelo me-nos duas dimensões:

– A realidade do conjunto do Assentamento:principais problemas ligados à produção, à saúde,à comunicação, ao relacionamento entre as famí-lias..., fazendo a ligação com a situação do con-junto do MST e da luta pela Reforma Agrária.

– A realidade da educação e da escola: tem anal-fabetismo, problemas de relação entre pais e fi-lhos, homem, mulher?... e na escola, quais os prin-cipais nós?... Também aqui fazendo a ligação comos desafios da educação no MST a nível nacionalou buscando informações sobre isso.

Lembrando então que o diagnóstico não é ape-nas levantamento de problemas, é análise e iden-tificação de prioridades de ação. No caso, é preci-so identificar concretamente em relação a quaisproblemas a escola pode prestar algum tipo deajuda. Seja estimulando a pesquisa e o estudo so-bre questões relacionadas: ex.: os alunos estuda-rem sobre os efeitos da erosão na produtividadedo solo do Assentamento; seja desenvolvendo ati-vidades concretas a serviço da comunidade: ex.:escola vai puxar a organização de uma Equipe daSaúde no assentamento. São estas ações que vãoaparecer depois na programação de atividades enas metas.

Para a realização deste diagnóstico são necessá-rias boas informações. Se a Equipe não dispõe dosdados sobre a realidade tem duas saídas: ou vaiem busca (o que quer dizer que o diagnóstico nãoficará pronto no 1º dia do planejamento); ouamplia a participação da comunidade, trazendoas lideranças que têm uma visão de conjunto doassentamento, para ajudar nesta discussão.

3) METAS PARA O ANOConfrontando o diagnóstico da realidade com

a proposta pedagógica da escola, e analisando o “fô-lego” de trabalho da Equipe, é possível então defi-nir as metas para o período. Ou seja, traduzir osdesafios da realidade em plano ou estratégia de ação.

É importante diferenciar meta de objetivo. Am-bos apontam aquilo que se quer alcançar. Mas ameta se caracteriza por ser mais concreta, maisdireta e, portanto, mais fácil de identificar se foiatingida ou não.

Assim, por exemplo, podemos dizer que umdos OBJETIVOS da escola neste ano é melhorara sua relação com a comunidade. Já uma METAque tornaria este objetivo mais palpável poderiaser: Fazer um programa de atividades quinzenaisna escola que envolva a participação da comuni-dade.

Nesta sugestão de passos não estamos sugerin-do a elaboração de objetivos. Se a escola acharimportante poder incluí-Ia. É que a prática temnos mostrado que eles acabam sendo uma repeti-ção dos desafios que são identificados no momentodo diagnóstico.

As metas que devem constar no plano anualsão de diferentes tipos. Pode haver metas em rela-ção a um problema concreto do assentamento:desencadear o movimento de alfabetização deadultos neste assentamento; e metas em relaçãoao processo pedagógico da escola: desenvolver oplanejamento coletivo das aulas entre os profes-sores; ou ainda metas administrativas ou de fun-cionamento da escola: organizar a biblioteca; oudefinir uma linha de produção para ajudar noauto-sustento da escola... E assim por diante.

O importante é que as metas deixem bem cla-ro quais são as prioridades de ação e que sejamassumidas como compromisso coletivo: vamoscumpri-Ias! E também que estejam em sintoniacom a estratégia maior que temos em relação àescola e à educação nos assentamentos.

4) PROGRAMA DE ATIVIDADESÉ a hora de pôr os pés ainda mais firmes no

chão e planejar um conjunto de atividades que aescola vai realizar durante o ano. Das mais sim-ples às mais complexas. Sem medo de prever oóbvio, porque é exatamente este que às vezes to-dos esquecem.

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Duas dicas para facilitar o trabalho:a) Programar as atividades a partir de cada meta.b) Utilizar um quadro ou esquema que permi-

ta visualizar melhor o conjunto do programa.Por exemplo:

Não há necessidade aqui de detalhar as ativida-des. Isso é tarefa posterior do responsável que certa-mente vai reunir uma equipe e planejar passo a pas-so cada atividade que assumiu no plano anual...

Um lembrete importante: É neste momentode programação das atividades que precisamos sercriativos na operacionalização dos nossos princí-pios pedagógicos:

Em que atividades vai aparecer a relação escolae trabalho?

Quantas atividades culturais vamos programarcom a comunidade: teatros, sessões de vídeo, fes-tivais artísticos, festas, palestras?

Temos condições de oportunizar algumas ofi-cinas de capacitação técnica para nossos alunos ecomunidade em geral? Quais? Quando?

Quem vamos tentar trazer de fora para algumaassessoria?

Quantos passeios culturais ou visitas de estudopretendemos organizar?

Que atividades ficarão por conta dos alunos?Qual será a periodicidade das nossas reuniões?

Como vamos conseguir mais material de pesqui-sa para a escola?

Como vamos ajudar na jornada de lutas doMST neste ano?

E assim por diante... No planejamento é pre-ciso ousar, inventar, sonhar. E ao mesmo tempoprever como se vai fazer a imaginação e o sonhovirarem realidade.

5) ORÇAMENTO E POSSÍVEIS FONTESDE RECURSOS

Este é um detalhe que não pode faltar no nos-so planejamento: prever os recursos (especialmenteos econômicos), necessários para a execução do

nosso programa de atividades, e asformas de consegui-los.

Nossas escolas são públicas. Istoquer dizer que cabe ao Estado (atra-vés dos governos estaduais ou mu-nicipais) garantir os recursos paramantê-Ias. Mas na prática sabemosque não acontece bem assim. Por

isso, um orçamento preciso é instrumento impor-tante na briga por recursos. E também na buscade fontes alternativas para garantir nossa propos-ta pedagógica, mesmo enquanto não consegui-mos o apoio oficial...

É importante fazer o orçamento de cada ativi-dade. Se o grupo julgar mais prático, pode ser in-cluída uma coluna a mais no quadro da progra-mação para que já apareça ali o orçamento. Numitem à parte podem constar as fontes. E na pró-pria programação poderiam constar atividades li-gadas à busca de recursos.

Para não esquecer: O acesso ao orçamento e àsua memória de cálculos, pode se

transformar numa interessante aula de mate-mática com nossos alunos.

6) METODOLOGIA DE ENSINOA proposta de educação do MST tem dado ên-

fase a pelo menos três aspectos importantes nestaquestão da metodologia de ensino nas nossas es-colas de 1º grau:

a) O estudo a partir de TEMAS GERADO-RES. Como forma de tomar a realidade con-creta como ponto de partida do ensino, de su-perar uma abordagem estanque e desatualizadados conteúdos, de integrar as disciplinas emtorno de um eixo comum, e, portanto, de tor-nar o ensino mais atraente e significativo paraos alunos.

META ATIVIDADES PERÍODO RESPONSÁVEL CONTROLADOR

1. Iniciar

trabalho de

alfabetização

de adultos

1.1. Fazer o levantamen-

to do nºde analfabetos

1.2. Organizar campanha

no Assentamento

1.3. Capacitar monitores

Até Abril

Maio/Junho

Maio/Junho

Sr. João

Dona Maria

Profa. Rejane

Dona Maria

Profa. Rejane

Seu Mário

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b) A relação entre PRÁTICA-TEORIA-PRÁ-TICA. Garantindo duas dimensões: que os alu-nos sejam estimulados a perceber como se utili-zam na prática social os conhecimentos que vãoproduzindo na escola (objetivo que também osTemas Geradores ajudam a atingir); que haja umapreocupação específica em nossas escolas com adimensão da CAPACITAÇÃO, ou seja, com aaprendizagem de habilidades ou conhecimentospráticos, que somente atividades práticas podemproporcionar. Desde aprendizagens técnicas liga-das ao trabalho agropecuário, à administração daescola... até habilidades de oratória, de escrita, deexpressão artística... Em outras palavras, quere-mos um método que ensine não só a DIZER, mastambém a FAZER, nas várias dimensões da vidahumana. Domínio da ciência e da técnica da trans-formação.

c) Participação coletiva. Assegurando e provo-cando o direito dos alunos terem vez e voz na salade aula. Ou seja, os métodos de ensino ou a didá-tica a ser utilizada pelos professores devem ajudaros alunos a se assumirem como sujeitos: que têmopiniões, que têm posições, contestações, pergun-tas, dúvidas..., entre si e com os professores, pais,assessores de fora. A sala de aula deve ser o espaçoda concentração para o estudo (silêncio fecundo),mas também da fala, da discussão, da expressãode sentimentos. Vida. E a relação entre professo-res e alunos deve ter como base principal oCOMPANHElRISMO, no sentido mais profun-do e libertador desta palavra...

TEMAS GERADORESO método do ensino através de Temas Gera-

dores surgiu da preocupação de educadores pro-gressistas em criar alternativas para tornar o pro-cesso ensino-aprendizagem mais voltado àsnecessidades e aos interesses popular. Pistrak (rus-so) e Paulo Freire (brasileiro) são autores queaprofundaram bastante esta questão.

Em linhas gerais podemos dizer que TEMASGERADORES são assuntos ou questões extraí-

das da realidade, seja a mais próxima e atual, sejaa realidade de uma época, mais geral. Em tornodestas questões se passa a desenvolver os conteú-dos, as didáticas e até algumas práticas no con-junto da escola. SÃO GERADORES porque ge-ram/criam necessidades de novos conhecimento,novos conteúdos, outros temas, ações concretasde intervenção na realidade...

No próximo capítulo, veja exemplos de temasgeradores.

No momento do planejamento anual da esco-la é importante discutir mais a fundo estas ques-tões para:• Definir se vamos trabalhar com Temas Gera-

dores e aprofundar a compreensão do coleti-vo sobre como se faz isso;

• Se a opção for pelos TG, é o momento delevantar quais os possíveis temas a serem tra-balhados pelo conjunto da escola e para quê.Para este levantamento a nossa principal ma-téria-prima ou fonte, é o diagnóstico da reali-dade: transformar os problemas e desafios emquestões de estudo, de pesquisa e de ação con-creta nesta realidade.

• Decidir que tipo de práticas são necessárias equais temos condições de enfatizar com nos-sos alunos neste ano: é hora de reforçar a ora-tória, a música ou o teatro; é momento de sededicar mais a fundo à aprendizagem das téc-nicas agrícolas; já é hora dos alunos de 4ª sé-rie se tornarem craques no cálculo dos custosda produção do assentamento?

• Levantar alternativas para melhorar a partici-pação dos alunos na sala de aula, na escola.

• Revisar ou fazer (se ainda não foi feita) a listade conteúdos prioritários em cada área deensino, em cada série: a partir das metas, dosTemas Geradores, das práticas que serãoenfatizadas, das discussões que o Setor deEducação vem promovendo, que conteúdosdevem merecer maior destaque?

Ou seja, estamos pensando aqui o ensino emtermos mais estratégicos, preparando assim o ter-

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reno para o planejamento das aulas, que, sem dú-vida, ficará bem mais facilitado se estas decisõesjá tiverem sido tomadas.

7) PROPOSTA DE AVALIAÇÃOEste item poderia estar junto com o anterior,

porque também faz parte da metodologia de ensi-no. Mas preferimos colocar num ponto à parte paralhe dar mais ênfase e também para relacioná-Io como conjunto dos itens deste planejamento anual.

Na elaboração do plano global a escola definiuas normas gerais do seu sistema de avaliação (tam-bém certamente levando em conta às exigênciaslegais sobre esta questão). Aqui é o momento dedetalhar estas normas para execução neste período.

As decisões principais sobre isso dizem respei-to ao seguinte:

a) Avaliação dos alunos: definir critérios e ins-trumentos comuns a serem seguidos pelo conjuntodos professores; se foi decidido que haverá Con-selhos de Classe, como e quando vão acontecer;como tratar problemas que já apareceram no anoanterior com os alunos...

b) Avaliação dos professores e demais trabalha-dores da escola (se houver): como e quando have-rá este processo entre os professores, com a co-munidade, com os alunos...

c) Avaliação do desenvolvimento deste plano:quem fará e quando haverá momentos para avali-ar a execução das atividades planejadas, quem seráresponsável por organizar isso. Se o grupo consi-derar mais prático, poderá incluir esta dimensãoda avaliação no próprio programa de atividadesda escola. O importante é garantir que este pro-cesso também aconteça. Para que o próprio planopossa ir sendo flexibilizado e sofrendo as altera-ções que a prática e a análise contínua da realida-de, vão apontando.

d) Avaliação do funcionamento da Equipe deEducação: quem puxa, quando, como fazer...

Resumindo tudo isso num ROTEIRO para oregistro deste nível do planejamento podemos usaro seguinte:

PLANO ANUAL DA ESCOLAANO:.......1. Dados de identificação da escola“ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2. Diagnóstico da realidade2.1. Sobre o Assentamentoa) Principais problemasb) Análise dos problemasc) Desafios e prioridades de ação2.2. Sobre a escola(idem ao anterior)3. Metas4. Programação5. Orçamento e fontes de recursos6. Metodologia de ensino6.1. Sugestões de temas geradores e suas justi-

ficativas e objetivos centrais6.2. Práticas a serem enfatizadas6.3. Outras orientações7. Avaliaçãoa) Dos alunosb) Dos professores (e outros trabalhadores)c) Das atividadesAnexo 1: Lista de conteúdos prioritários por

área e por série.Anexo 2:...

PARTE 6PLANEJAMENTO DAS AULAS: COMO

FAZER?

Chegamos então ao momento da sala de aula.Seja entre quatro paredes, ou na biblioteca, ou lána horta ou debaixo de um barraco, o espaço daaula é o central numa escola. Afinal, foi para acon-tecerem aulas que foram criadas as escolas, certo?

Por isso, o planejamento das aulas deve ser trata-do com bastante rigor e carinho. Especialmente pe-los professores. É a ponta do planejamento que tocadiretamente na relação professor-aluno e que visaespecificamente a produção de conhecimento, jun-to com a educação da pessoa humana. Também aqui,

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o improviso e o espontaneismo podem ser fatais.Seria brincar de educação se, depois de participar detodo o processo de planejamento descrito até agora,os professores fossem para a sala de aula, sem ter sepreparado muito bem para esta tarefa específica.

O planejamento das aulas é tarefa dos professo-res. Mas, como dissemos antes, ele pode ter a par-ticipação de outras pessoas, especialmente se forpara evitar que um professor tenha que pensar tudosozinho. Um desafio também é encontrarmos for-mas para que cada vez mais os alunos possam par-ticipar deste processo, trazendo o seu ponto de vis-ta, já que afinal, são os principais interessados.

Mas este planejamento tem várias etapas, al-gumas delas acontecendo junto com os outrosníveis de planejamento que descrevemos atrás.Estas etapas são as seguintes:

1ª) O planejamento geral para o ano ou se-mestre. Alguns chamam isso de elaboração do pla-no de curso. Feito no início do ano junto com oplano anual da escola.

2ª) O planejamento por temas geradores ou ou-tro tipo de unidades. Feito de acordo com o tempode duração de cada tema. Pode ser quinze dias, ummês, dois meses... Depende da potencialidade ge-radora do tema.

3ª) O planejamento semanal das aulas.4ª) O planejamento diário.Vamos agora detalhar cada uma delas, trazendo

também sugestões de roteiros para o registro escrito.

1ª ETAPA: PLANEJAMENTO ANUAL OUSEMESTRAL DAS AULAS

Boa parte desta etapa já foi vencida junto como plano anual da escola:• O levantamento de Temas Geradores;• A discussão sobre as práticas a serem enfa-

tizadas;• A elaboração da lista de conteúdos prioritários;• O detalhamento das normas e procedimen-

tos da avaliação.A proposta agora é fazer um planejamento POR

TURMA (seja multiseriada ou de uma série só,

conforme a realidade específica de cada escola).Prestando atenção mais diretamente ao processode aprendizagem de cada grupo de alunos e quala estratégia para superar as dificuldades, promo-ver o crescimento de todos. Como adequar nossaproposta pedagógica às características própriasdestas crianças.

Passos que podem ser seguidos para fazer esteplanejamento:

a) DIAGNÓSTICO DA TURMA DEALUNOS

No capítulo anterior explicamos o que é fazerum diagnóstico. Vale a mesma orientação, só queaqui, a realidade a ser diagnosticada é a da sala deaula. Mais precisamente do grupo de alunos e suasrelações entre si, com os professores, com a esco-la, com o assentamento.

Precisamos conhecer a fundo quem são os prin-cipais destinatários de toda esta estratégia queestamos montando com tanto cuidado e passo porpasso.

Se estamos planejando para uma turma com aqual já trabalhamos e conhecemos, o diagnósticoconsta do seguinte:• Analisar as principais características da tur-

ma;• Identificar as principais dificuldades ou pro-

blemas do grupo como um todo e, se possí-vel, de cada aluno em particular. Dificulda-des de aprendizagem, de relacionamento, decomportamento, de desempenho no traba-lho...;

• Identificar se há problemas específicos por seruma classe multiseriada;

• Analisar os problemas, discutindo causas, re-lação com fatores internos e externos à esco-la;

• Discutir quais são os principais desafios emrelação à turma.

Se a turma é nova, o primeiro passo é buscar omaior número possível de informações sobre cadacriança, se possível visitar suas famílias, observar

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o grupo no trabalho, nas brincadeiras... Os ou-tros passos podem ir sendo cumpridos conformeos professores consigam conhecer melhor a reali-dade do grupo. Neste caso, este diagnóstico nãoprecisa estar pronto antes de iniciarem as aulas.Pode ir sendo feito ao longo dos primeiros mesesde trabalho.

b) OBJETIVOS E METAS EM RELAÇÃO ACADA TURMA

A partir do diagnóstico e da proposta pedagó-gica da escola (que aparece no plano global e noplano anual), o que pretendemos atingir neste ano(ou semestre) com esta turma? No caso das tur-mas multisseriadas, talvez seja importante fazeruma discussão sobre cada série, estabelecendo al-gumas metas específicas. E se a escola tiver maisde uma turma, ver que objetivos podem ser co-muns entre as turmas e quais são específicos paracada uma delas. Exemplos de objetivos e metas:• Objetivo comum para todas as turmas: apren-

der a trabalhar coletivamente.• Meta: desenvolver experiências de organização

coletiva do trabalho na escola e na sala de aula.• Objetivo específico de uma turma: superar di-

ficuldades de expressão oral.• Meta: organizar situações diversas onde to-

dos os alunos tenham que fazer exposiçõesorais.

• Objetivo específico para 4ª série: aprender afazer pesquisas científicas.

• Meta: desenvolver dois projetos de pesquisa(uma bibliográfica e outra de campo) a cadasemestre.

c) TEMAS GERADORESSe o levantamento de sugestões já foi feito, é o

momento de:• Analisar a potencialidade geradora de cada

tema e como poderiam, em grandes linhas,ser desenvolvidos;

• Definir que temas poderão ser trabalhadospelo conjunto das turmas e séries, e quais os

temas que deveriam ser trabalhados mais res-tritamente; e se um mesmo tema poderia terabordagens diferentes numa turma e noutra,numa série e noutra;

• Discutir sobre qual seria a melhor seqüênciaentre os temas e projetar o tempo necessáriopara cada um deles; ver quantos será possíveldesenvolver a cada semestre;

• Pensar com que práticas este estudo poderáse vincular.

É certo que estas projeções poderão ser altera-das, à medida que o processo for para a práticamesmo, e os alunos passarem a ser interlocutoresmais presentes.

Alguns exemplos de Temas Geradores:• A produção de carvão nos Assentamentos da

nossa região: alternativa viável?• O III Congresso Nacional do MST.• E a saúde do nosso povo, como vai?• Eleições no Brasil.• Como tornar. mais bonito o nosso Assenta-

mento.• Como melhorar nossos sistemas de comuni-

cação.• 1695 – 1995: 300 anos de Zumbi dos

Palmares...Lembrando: a melhor fonte para buscar estes te-

mas é o DIAGNÓSTICO DA REALIDADE. Amais próxima e a mais distante...

d. PRÁTICAS A SEREM ENFATIZADASDa mesma forma que o anterior, é o momento

de analisar as sugestões levantadas, adequando-asa cada turma e a cada série. Exemplo: Foi consi-derado importante fazer a horta da escola. E nes-ta escola tem 2 turmas: a turma A é de 1ª a 3ªséries; e a turma B é de 4ª e 5ª séries. Quem vaifazer a horta: a turma A ou a turma B? Seria bomque as duas se envolvessem, isso é certo. Mas podeacontecer um envolvimento diferente. Em rela-ção à turma B (4ª e 5ª séries), nossa meta pode sera capacitação em horticultura mesmo. Daí os alu-nos terão que, além de trabalhar na horta, estudar

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e pesquisar bastante sobre isso, e também receberinstruções sobre técnicas de plantio, cultivo... Podeser até que queiram fazer a horta virar um temagerador... Mas já a turma A (1ª, 2ª e 3ª séries),que vai ajudar no trabalho da horta (seguindo asorientações dos alunos da turma B, que tal?!), vaiter aula de ciências na horta, vai discutir sobre aimportância do trabalho na terra mas não terá nahorta sua prática central. Pode ser que estejam maisenvolvidos em fazer matérias para o jornalzinhoda escola... Ficou clara a diferença?

É este tipo de reflexão que cabe fazer nesta eta-pa do planejamento...

e) CONTEÚDOS PRIORITÁRIOSSe já temos uma lista mínima, basta refletir um

pouco mais sobre ela, relacionando-a com as ne-cessidades específicas de cada turma, de cada sé-rie, e com os temas, as práticas e as metas defini-das anteriormente.

Além disso, uma tarefa essencial neste mo-mento é pesquisar possíveis fontes para estudodestes conteúdos. Para os alunos e para os pro-fessores. É momento de verificar quais deles vãoexigir maior preparação dos professores: leitura,pesquisa, conversa com outras pessoas, coleta demateriais... E se for um grupo de professores(mesmo que não da mesma escola), será possíveldividir tarefas: cada um se encarrega de buscartextos ou outros materiais sobre determinadosconteúdos. Também combinar encontros espe-cíficos para estudar e socializar os materiais en-contrados.

Lembretes importantes:1) O mesmo procedimento pode ser utilizado

em relação aos Temas Geradores. Antes de iniciaro estudo com os alunos, os professores precisampesquisar, estudar e discutir entre si. Sem dúvida,a qualidade do trabalho será bem maior...

2) De nada servirá um bom planejamento deaulas se o professor ou a professora não tiver do-mínio de conteúdos; se não tiver o que de fatoensinar aos seus alunos... E ninguém nasce saben-

do não! É preciso ESTUDAR, ESTUDAR e ES-TUDAR, cada vez mais.

f ) MÉTODOS DE AVALIAÇÃOAs linhas já estão tiradas, o sistema proposto,

os métodos indicados. Aqui, se o grupo julgar queainda é necessário, pode fazer uma reflexão espe-cífica em relação a que aspectos dos métodos de-vem ser enfatizados, em vista das metas definidasem cada turma.

Sugestão de roteiro: PLANO DE CURSO1. Diagnóstico da turma (um resumo breve

da análise).2. Objetivos3. Metas4. Temas geradores5. Práticas6. Conteúdos prioritários7. Fontes de pesquisa: revistas, livros, pes-

soas...8. Organização do estudo entre os professoresa) Quem prepara o quêb) Quando se reunirc) ...9. Métodos de avaliação

Observações:a) Como alguns dos itens deste roteiro cons-

tam também no plano anual, o grupo deve deci-dir se o mais prático é registrar em documentosseparados ou juntar tudo num só.

b) Mesmo que este planejamento seja feito pe-los professores de diferentes turmas, a sugestão éque cada professor registre o plano da sua turma.

c) No caso de escolas que têm apenas um profes-sor, além de reunir uma equipe de pessoas da comu-nidade (ou a própria Equipe de Educação do assen-tamento) para ajudar neste planejamento, umasugestão é trabalhar com os professores das escolasdos assentamentos da região, porque isso enriquece-ria o trabalho e as próprias diferenças entre as reali-dades poderiam ser refletidas num coletivo maior.

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2ª ETAPA: PLANEJAMENTO POR TEMASEsta etapa será desenvolvida se a escola tiver

optado em trabalhar com os Temas Geradores. Aidéia é que antes do início de cada um, o grupoplaneje todo o seu possível desenvolvimento, numprocesso de detalhamento das grandes linhas ti-radas na elaboração do plano de curso.

Se a escola não estiver trabalhando com TemasGeradores, o grupo poderá optar por um outrotipo de unidade para fazer este planejamento. Podeser, por exemplo, uma unidade de tempo: plane-jamento mensal ou a cada dois meses. Ou ainda,o grupo pode preferir passar direto para a 3ª eta-pa, que é o planejamento semanal, especialmentese na própria escola existir uma equipe de profes-sores que possa se reunir com um bom tempo, acada semana.26

Os passos que vamos desenvolver agora têmem vista o planejamento por TEMAS. Podem seros seguintes:

a) COMPREENDER O TEMA E SUAABRANGÊNCIA

Ou seja, antes de iniciar o trabalho com deter-minado tema é preciso que os professores já o do-minem razoavelmente; tenham estudado e discu-tido bastante sobre ele para saber o que vão proporaos alunos, e qual a potencialidade do tema: Quetipo de estudo requer? Com que se relaciona? Po-derá gerar conhecimentos científicos sobre o quê?Quais as áreas que serão mais trabalhadas? Poderágerar também ações concretas?

No planejamento é a atitude de investigaçãosobre o tema: perguntar e pesquisar sobre ele. Atépara verificar se realmente ele tem a potencialidadenecessária para ser incluído no currículo desta es-cola, neste momento...27

b) CONVERSAR COM OS ALUNOSSOBRE O TEMA

Uma troca de idéias informal que pode acon-tecer no final de uma aula, caminhando com osalunos pela estrada, enquanto se fazem tarefas ma-nuais... Os objetivos desta conversa:

– Levantar informações sobre o que os alunosjá sabem e querem saber sobre o tema;

– Ir criando um clima de expectativa e de pre-paração que desperte ou aumente o interesse dosalunos pelo tema. Não podemos esquecer que otema precisa ser significativo e atraente para osalunos e não apenas para o professor, ou mesmopara os pais. Se a criançada não o agarrar, ele nãovai GERAR nada!

c) CLAREAR MUITO BEM OS OBJETIVOSSem saber onde queremos chegar não há como

escolher o caminho. Este é, pois um momentochave desta etapa do planejamento: definir o quepretendemos com este trabalho.

E aqui devemos nos preocupar com dois tiposde objetivos:

a) O que queremos alcançar em relação aotema. Ex.: Se o tema é a questão da saúde no As-sentamento, posso ter pelo menos dois objetivosdeste tipo:

– compreender cientificamente as causas e aprevenção das principais doenças que tem apare-cido no assentamento;

– mobilizar-se para a luta da comunidade pelaconstrução de um posto de saúde. Neste casoteríamos um objetivo mais ligado ao estudo (quedepois poderia ter implicações práticas de atitu-des em relação à higiene e à alimentação, porexemplo...), e outro diretamente ligado a umaação;

26 Nosso estímulo é par que as escolas experimentem o trabalho com Temas Geradores, pelas razões já mencionadas nas páginas anteriores.Mas é certo que este método precisa de preparo e bastante domínio de conteúdos e capacidade de análise da realidade por parte dosprofessores. Senão vira uma simples conversa e os alunos não aprendem nada de novo. Por isso, o grupo precisa decidir com responsabilidade,e assumir os desafios que esta decisão vai aplicar...

27 Um exemplo de Plano por Tema você tem desenvolvido no Anexo II deste texto. Uma sugestão é que o exemplo seja lido na seqüência daleitura destes passos.

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b) O que queremos alcançar junto com o tema.Ex.: no mesmo tema, ou a propósito dele podere-mos também ter como objetivos fundamentais:

– desenvolver habilidades de investigação, defazer entrevistas, de conversar com as pessoas parabuscar informações;

– estimular a organização do coletivo de alu-nos;

– desenvolver hábitos de higiene.

d) ESCOLHER OS CONTEÚDOS ASEREM ESTUDADOS

A pergunta central aqui é a seguinte: que con-teúdos são necessários para responder às questõesda realidade levantadas pelo Tema Gerador? Ouseja, não se trata de verificar, como às vezes se,faz, quais são os conteúdos que podem ser” encai-xados” neste tema. O ponto de vista tem que sero contrário: que conteúdos ou conhecimentos estetema exige. Se estamos estudando sobre porqueoptamos pela produção de milho em nossos As-sentamentos, que conhecimentos de matemática,geografia, ciências, são necessários para este estu-do ser o mais científico e útil possível?

Respondida esta pergunta, é importante anali-sar que áreas de estudo estão sendo privilegiadasneste tema e quais quase não têm relação. Se for ocaso, pode-se levantar alguns conteúdos a seremtrabalhados paralelamente ao tema, à medida quesejam importantes para atingir outros objetivosprevistos no planejamento anual.

e) PREVER COMO SERÁDESENVOLVIDO O TEMA

Não é momento dos detalhes. É hora de proje-tar as grandes ou as principais atividades que ca-racterizarão a abordagem do tema. Se vai envol-ver pesquisa de campo, como será feita, se iráincluir visitas ou se serão necessárias assessoriasespecializadas em algum conteúdo específico; seacontecerão ações concretas no Assentamento,como será isso; se vai ter experimentações, traba-lhos em equipe...

E o mais importante: prever como será o iní-cio, o desenvolvimento, e em que deverá culmi-nar o estudo deste tema. É preciso pensar em ati-vidades marcantes, que realmente envolvam oconjunto de alunos. Pode ser que aquilo que seplaneja neste momento se modifique totalmentecom o andar do tema; especialmente se os alunosassumirem também o comando do processo. Masé isso mesmo. O planejamento não é feito paraser imutável. Ao contrário, quanto mais clara es-tiver para o professor ou a professora, a estratégia(as grandes linhas de ação), maior flexibilidade eabertura ao novo será possível, sem perder o con-trole do processo.

f ) PREVER OS RECURSOS NECESSÁRIOSTanto os recursos materiais como os recursos

humanos (pessoas a convidar, a visitar...) específi-cos para a realização das atividades previstas. Seimplicar em gastos financeiros não previstos noorçamento da escola, é o momento de preverquem, como e até quando serão conseguidos. Eem relação às pessoas, é sempre bom garantir agen-das com uma boa antecedência.

g) PLANEJAR O PROCESSO DEAVALIAÇÃO

Não só decidir sobre os procedimentos especí-ficos de avaliação dos alunos para este período equando realizá-los, mas também prever como seráfeita e em que momento a avaliação sobre o de-senvolvimento do tema e em que medida os obje-tivos estão sendo atingidos e como podem serqualificados.

Além da avaliação que vai ocorrendo durante odesenvolvimento deste plano, é fundamental queantes de se começar um novo tema, a equipe de pro-fessores, junto com os alunos façam uma avaliaçãobem rigorosa de tudo que aconteceu de positivo ede negativo durante o processo. Isso é para que opróximo plano já incorpore as lições da prática e possaser ainda mais perfeito do que o último...h) PREVER O TEMPO DE DURAÇÃO DO

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TEMAOu seja, após a previsão de tudo que incluirá o

estudo deste tema, a pergunta é: Qual o temponecessário para desenvolver isso tudo que foi pla-nejado? Duas semanas, um mês, dois meses?

É preciso também considerar algumas variá-veis: crianças pequenas não se prendem durantemuito tempo num mesmo assunto; um tema maisamplo pode ser traduzido em sub-temas, garan-tindo a novidade e o encadeamento do estudo.Por outro lado, não adianta escolher um tema combastante potencialidade e tentar esgotá-Io numasemana. Porque certamente, não se irá além dasuperfície das questões que ele contém.

De um modo geral, em se tratando de 1ª a 4ªsérie, o tempo de um mês parece ser recomendá-vel. Também pode acontecer que um mesmo temaseja encerrado para as primeiras séries e continuecom as séries que têm crianças mais velhas ou ondeo tema tenha despertado maior interesse ou cu-riosidade. Também aqui trata-se de uma projeçãode tempo e não de uma determinação obrigató-ria.

PLANO TEMÁTICODados de identificação Turma: ... Professor(a):

...2. Descrição do tema2.1 Título2.2 Origem e importância2.3 Questões que envolveSérie: ...N° de alunos: ...Objetivos3.1 Em relação ao tema3.2 Em relação à turma (a propósito do tema)3.3 Em relação a cada série (se houver diferen-

ciação significativa)Conteúdos4.1 Por área4.2 Por série (os que forem diferentes entre uma

série e outra)Metodologia

Descrever as grandes atividades que marcarãoo início, o desenvolvimento e a culminância (fi-nal) do estudo deste tema.

Recursos necessários6.1 Humanos6.2 Materiais6.3 Como obter os recursos7. Procedimentos de avaliação8. Bibliografia utilizada9. Tempo de execução previsto para este plano

3ª ETAPA: PLANEJAMENTO SEMANALÉ o momento de cada professor fazer o

detalhamento do plano temático, prevendo o queserá desenvolvido a cada semana. Também é omomento de refletir sobre o que aconteceu na se-mana anterior e o que precisa ser ajustado da es-tratégia geral para a semana que inicia. Analisar oprocesso de aprendizagem de cada aluno, preverformas de acompanhamento aos alunos commaior dificuldade. E ainda, dar conta da dinâmi-ca educativa geral da escola e do assentamento: oque precisa ser incluído nesta semana e que nãoestava previsto no plano temático, mas tem a vercom o plano anual da escola ou com fatos inusi-tados que estão acontecendo na realidade.

Dissemos que a tarefa é de cada professor. Noentanto, se na escola tiver mais de um professor, asugestão é que também nesta etapa ocorram mo-mentos de discussão em equipe. E é sempre im-portante incluir a participação dos alunos no pro-cesso, reservando algum tempo da última aula dasemana para levantar com a turma sugestões paraas aulas da próxima semana. Com o coletivo deprofessores, geralmente a escola escolhe o sábadopara esta atividade. Podendo ser reservado umtempo para discussão no coletivo (que tambémpode incluir, dentro do possível, alguns membrosda Equipe de Educação), e outro tempo para quecada professor faça o registro de seu plano sema-nal e prepare para a aula de segunda-feira. Porexemplo, no sábado de manhã ou à tarde: umahora para o planejamento em equipe, uma hora

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para estudo de algum conteúdo ou questão ligadaao tema em que se necessite de aprofundamentoe mais duas horas para registro e preparação pes-soal de cada professor. Não parece prático?

Sugestões de passos para este planejamento:

a) AVALIAÇÃO DA SEMANA ANTERIORÉ o momento de refletir sobre o trabalho de-

senvolvido na semana anterior: em que medidaos objetivos foram alcançados, como está sendo odesenvolvimento do tema, o aproveitamento daturma, de cada aluno; situações que merecem aná-lise e trabalho posterior na próxima semana...

Esta avaliação certamente terá mais qualidade secada professor ou professora for anotando as obser-vações e reflexões que faz sobre a aula diariamente(veja a próxima etapa do planejamento). Neste mo-mento será socializar, aprofundar a reflexão e definirprioridades de ação para seguir no caminho traçado.

b) DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS E METASPARA A SEMANA

Quer dizer, traduzir os objetivos que estão noplano temático em objetivos menores ou metasespecíficas que possam ser atingidos no períodode uma semana.

Além disso, podem ser incluídos novos objeti-vos que se definam em função da análise do de-sempenho da turma, ou em vista de desafios ex-tras que serão assumidos pelos alunos nestasemana.

Quanto mais concretos e detalhados forem es-tes objetivos, mais facilidade o grupo terá de ava-liar se o trabalho está dando certo ou se aindaprecisa de ajustes.

c) ESCOLHA DOS CONTEÚDOS DASEMANA

A partir da lista preparada no plano temático,é só verificar quais deverão ser trabalhados nestasemana. Em função dos objetivos, das atividadesligadas ao desenvolvimento do tema e do tempodisponível.

É importante no planejamento fazer uma sele-ção por áreas, para ajudar a manter um certo equi-líbrio na abordagem: não trabalhar durante a se-mana só com uma área ou duas. Se possível, ébom trabalhar conteúdos de todas as áreas, mes-mo que alguns, como vimos antes, não tenhamrelação direta com o tema. Mas durante esta sele-ção, os professores já podem ir levantando alter-nativas de como garantir que os conteúdos sejamtratados de forma relacionada, envolvendo váriasdisciplinas ao mesmo tempo.

Também aqui é necessária a previsão de con-teúdos para cada série, no caso de serem turmasmultiseriadas.

d) DETALHAMENTO DAS ATIVIDADESLIGADAS AO TEMA GERADOR

As grandes atividades previstas para o desen-volvimento do tema precisam agora de um pla-nejamento específico. Primeiro temos que deci-dir quais delas vão acontecer nesta semana. Edepois prever os passos e o tempo a ser destinadoa cada uma delas. Na escola e em casa.

Atenção especial deve ser dada ao desenvolvi-mento dos conteúdos: qual a didática que utiliza-remos para ensiná-Ios?

e) PREVISÃO E DETALHAMENTO DASATIVIDADES COMPLEMENTARES

Este é o momento de prever aquelas atividadesque não têm ligação com o tema, mas sim, com oplanejamento da escola. É nesta semana que va-mos começar a ensaiar a peça de teatro para apre-sentar à comunidade? Já está na hora de tirar umtempo para refletir com os alunos como está oandamento do trabalho que estão realizando nossetores da escola? E aquele dirigente do MST es-tadual que vai estar no assentamento nesta sema-na: não é o caso de trazê-lo para conversar sobre aluta com as crianças?

Também aqui pode ser incluído o planejamen-to dos estudos de conteúdos complementares, pre-vistos no item dos conteúdos: Como vamos fazer

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para reforçar a noção do espaço (geográfico) daturma, que tem dificuldades de localização?

f ) PREVISÃO E ORGANIZAÇÃO DERECURSOS NECESSÁRIOS

Dos recursos previstos no plano temático, ve-rificar quais serão necessários nesta semana, se jáforam obtidos ou contatados e o que ainda temospor fazer.

É o momento de checar se as pessoas convida-das confirmaram presença ou terão de ser substi-tuídas. E também é o momento de organizar omaior número possível dos materiais a serem uti-lizados durante a semana, evitando assim, as cor-rerias de última hora.

g) DETALHAMENTOS DOSPROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO

Prever critérios e elaborar pelo menos o esboçodos instrumentos de avaliação a serem utilizados.Em relação aos alunos, ao desempenho do profes-sor ou da professora, e ao desenvolvimento das ati-vidades.

Em relação aos alunos, se ainda não tem, é horade prever e organizar um Caderno de Registros,sobre o processo de aprendizagem de cada aluno.No mesmo Caderno é possível reservar várias fo-lhas para cada aluno e ir anotando, diariamente asobservações feitas sobre as suas dificuldades, desta-ques, comportamentos que merecem atenção.

Observação: Quanto mais detalhado for o pla-nejamento semanal, mais breve poderá ser o pla-nejamento diário. É importante que os professo-res levem isso em conta para melhor distribuíremo tempo de seu trabalho.

Sugestão de roteiro para registro escrito:

PLANO SEMANAL1. Tema Gerador2. Objetivos e metas3. Conteúdos – Por área – Por série4. Atividades ligadas ao tema5. Atividades complementares

6. Recursos7. Avaliação8. Bibliografia a ser utilizada com os alunos

4ª ETAPA: PLANEJAMENTO DIÁRIOTarefa individual de cada professor/professora.

Trata-se do momento diário em que reflete sobre aaula realizada e prepara a seguinte, fazendo os ajus-tes necessários ao plano semanal. É também o mo-mento de pensar no processo de cada aluno: regis-trar as observações no caderno, analisar os registrosdos dias anteriores e decidir o que fazer para acelerara aprendizagem de todos, e especialmente, como aju-dar os alunos com dificuldades.

No caso de um plano semanal ter sido bem deta-lhado, o planejamento diário será mais uma prepa-ração específica do professor/professora para a pró-xima aula: estudar detalhes do conteúdo, organizaros materiais, criar alguma novidade ou motivaçãopara o início da aula, prever a tarefa que será dadapara fazer em casa, ler os cadernos dos alunos.

Neste sentido não há passos específicos ou suges-tão de roteiro, porque não há necessidade de umplano diário. A não ser que o professor/professora sesinta mais seguro e queira elaborá-Io. Daí o roteiropode ser o mesmo do semanal, só adequando para otempo de um dia.

O documento que pode ficar sempre junto, paraconsulta durante a aula, é o próprio plano semanal.

O registro escrito que sugerimos para o planeja-mento diário é um Caderno de Reflexões, onde acada dia o professor/professora vai registrando suasreflexões sobre a prática: que lições o processo ensi-na; quais fatos mais marcantes do dia; em que oplanejamento furou e porquê; o que precisa quali-ficar em seu trabalho educativo... e assim por dian-te. Se preferir, este registro pode ficar junto com oCaderno ou Pasta onde se registra o plano sema-nal. O importante é não deixar de escrever. Porqueo ato de escrever sobre o que fazemos nos estimulaa refletir e vai organizando melhor nossas idéias.Pode experimentar para você verificar como isso éverdade mesmo!

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Lembrete:Além dos níveis e tipos de planejamento que

tratamos aqui, é preciso lembrar que qualquer ati-vidade a ser realizada requer um planejamento es-pecífico. Ou seja, o programa definido para a es-cola no plano anual, para ser cumprido necessitaque cada atividade seja planejada e executada pe-los responsáveis.

Os alunos, à medida que vão assumindo tarefasligadas ao funcionamento e gestão da escola, tambémprecisam ser estimulados a elaborarem seus PLANOSDE TRABALHO, onde constem as tarefas, os pra-zos, os responsáveis, as formas de controle...

Revendo a caminhadaNeste Caderno tratamos das principais questões

do chamado PLANEJAMENTO ESCOLAR. Tra-çamos táticas para nosso planejamento estratégico,coletivo. Ou seja, organizamos um método paraconstruir, passo a passo, a escola que queremos.

Abaixo o improviso e seu autoritarismo! Preci-samos ter coragem para definir e redefinir objeti-vos e ações. Nossa organização exige nosso com-promisso e seriedade. A educação faz parte de umprojeto maior. Todos somos convocados a partici-par do seu desenvolvimento.

Mas como já disse alguém: A MELHORMANEIRA DE TESTAR UMA TEORIA É APRÁTICA. Por isso, para quem ainda não tema experiência de trabalhar desta forma, planeja-damente, o desafio é começar a fazer isso. Daívoltamos a nos encontrar para refletir sobre anossa prática e, quem sabe, revisarmos todo esteplanejamento.

Boa prática!

BIBLIOGRAFIA DE APOIOBRIGUENTI, Agenor. Metodologia para um

processo de planejamento participativo. 2ª ed., SãoPaulo, Paulinas, 1988.

FERREIRA, Francisco Whitaker. Planejamen-to sim e não. 12ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra,1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Riode Janeiro, Paz e Terra, 1974.

FUNDEP. Coragem de educar. Uma propostade educação popular para o meio rural.

Petrópolis, Vozes, 1994.GANDIN, Danilo. Planejamento como prá-

tica educativa. 3ª ed., São Paulo, Loyola, 1986.MST. Como fazer a escola que queremos. Ca-

derno de Educação n° 1. São Paulo, 1992.MST. Escola, trabalho e cooperação. Boletim

da Educação n°4. São Paulo, 1994.PISTRAK. Fundamentos da escola do traba-

lho. São Paulo, Brasiliense, 1981.“Em última instância, o que diferencia o homem

dos animais, é a capacidade desenvolvida pelo ho-mem de realizar um trabalho planejado, para al-cançar determinados objetivos.” (Engels, 1876)

ANEXO I: DIAGNÓSTICO DAREALIDADE –

SUGESTÃO DE ROTEIRO

1 – LEVANTAMENTO DE INFORMAÇÕES

1.1 Dados de identificação1 – Nome do Assentamento ou Acampamen-

to2 – Data do início do Assentamento/ Acam-

pamento3 – Tamanho da área4 – Número de famílias existentes: nº de crian-

ças, nº de mulheres, nº de homens5 – Tamanho do lote de cada família6 – Município e Estado onde se localiza

1.2 Dados sobre a produção1.2.1– O Assentamento tem linhas de produ-

ção definidas? Quais são? Que critérios foram uti-lizados para definir estas linhas?

1.2.2– Quais são os produtos agrícolas do As-sentamento?

1.2.3– Há trabalho com animais? Quais?

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1.2.4– Faça o levantamento dos custos de pro-dução dos principais produtos agrícolas (e outros)do Assentamento.

1.2.5 – Que tipo de tecnologia é empregadano trabalho agropecuário?

1.2.6 – Há algum tipo de agroindústria no As-sentamento?

1.2.7 – Quem participa da produção no As-sentamento?

1.2.8 – O resultado total da produção do As-sentamento está voltada para:• Subsistência• Subsistência e mercado• Mercado

1.2.9 – Existe alguma atividade extrativista noAssentamento? Qual?

1.3 Dados sobre a organização doAssentamento

1.3.1 – Como está organizado o trabalho? In-dividual? Coletivo? Semicoletivo? (Coletivo emquê?)

1.3.2– Qual a forma de organização do Assen-tamento? Existem grupos coletivos? Associações?Cooperativa? Existe uma coordenação do Assen-tamento? Existem setores de atividades?

1.3.3 – Qual a instância máxima de poder noAssentamento?

1.3.4 – Em que se dá a participação das mu-lheres no conjunto do Assentamento?

1.3.5 – Em que se dá a participação dos jovense das crianças no Assentamento?

1.4 Dados sociais, culturais e políticos1.4.1– Como moram as famílias do Assen-

tamento? Nos lotes individuais ou numaagrovila?

1.4.2 – Como são as casas: de lona, de madei-ra, de alvenaria, de outro material?

1.4.3 – No Assentamento tem luz elétrica?1.4.4 – No Assentamento tem água encanada?1.4.5 – Como acontece o atendimento da saú-

de? Há posto de saúde? Há médicos que vêm no

Assentamento? A que distância fica o atendimen-to de emergência mais próximo? Há farmácia ca-seira no Assentamento?

6.6.6- Quais são os meios de comunicação queexistem no Assentamento?

6.6.7- Quais os meios de transporte utilizadospelos assentados? Quais as condições das estra-das?

6.6.8- Que religiões existem no Assentamen-to?

6.6.9- Qual origem dos assentados? Lugares eraças.

1.4.10– Quais as datas que costumam ser cele-bradas/comemoradas?

11.11.11- Que tipo de lazer existe?11.11.12- A que distância fica a sede do muni-

cípio mais próximo?1.4.13– Quantas pessoas são sócias de sindica-

tos? Quais os sindicatos?1.4.14– Quantas pessoas são filiadas a parti-

dos políticos? Quais partidos políticos que têmfiliados?

1.4.15– Que entidades costumam apoiar o As-sentamento?

1.4.16– O Assentamento costuma participardas lutas do MST?

1.4.17– O Assentamento tem pessoas libera-das para o MST? Quantas? O que estão fazendo?

1.4.18– Existe algum Núcleo de Militantes noAssentamento?

1.4.19– Existe Equipe de Educação no Assen-tamento?

1.5 Dados sobre o meio ambiente1.5.1 – Como é a qualidade de água no Assen-

tamento?1.5.2 – Descreva as condições do solo e do cli-

ma.1.5.3– Como é feita a conservação e correção

do solo? É feita adubação verde? Orgânica?Outrasformas?

1.5.4– Existe algum riacho, rio ou vertente deágua no Assentamento?

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1.5.5– Existe problema de erosão no Assenta-mento?

6.6.6- Existe alguma área de floresta?1.5.7– O que é feito com o lixo do Assenta-

mento?

1.6 Dados sobre educação1.6.1 – Quantos professores lecionam em cada

uma delas?1.6.2– Há outras pessoas que trabalham na(s)

escola(s)? Quantas? O que fazem?3.3.3- Como foi escolhida a direção da escola?3.3.4- Como são as condições físicas da escola?3.3.5- Quantas crianças há em cada escola? Na

1ª série, na 2ª, na 3ª, na 4ª, de 5ª a 8ª séries?1.6.6 – A escola realiza algum tipo de ativida-

de envolvendo a comunidade? Quais?1.6.7 – Existem analfabetos no Assentamen-

to? Quantos?1.6.8 – Existe algum trabalho de alfabetização

de jovens e adultos no Assentamento? Quantaspessoas estão envolvidas? A partir de quando co-meçou?

1.6.9– Existe creche e pré-escola? Quem faz otrabalho? Quantas crianças estão envolvidas?

1.6.10– Que outras atividades de educaçãoacontecem no Assentamento?

1.6.11– Quais os materiais produzidos peloSetor de Educação que já foram lidos ou estuda-dos pelos assentados ou acampados e pela Equipede Educação?

1.6.12– Existem círculos ou grupos de leitura?1.6.13– Qual é a instância do Assentamento

que decide sobre as questões de educação?

2. ANÁLISE DA REALIDADE

2.1 A partir das informações levantadas e dediscussão feita na comunidade, responda:

Quais são os principais problemas deste Assen-tamento/ Acampamento? E quais são as causasdestes problemas? (Se preferir pode analisar blocopor bloco das informações, ou seja, quais os prin-

cipais problemas na área da produção, da organi-zação, da educação, e assim por diante).

Observação: Este roteiro foi elaborado para autilização dos professores de Acampamentos e As-sentamentos que estão fazendo o curso Magisté-rio na escola do Departamento de Educação Ru-ral – DER/FUNDEP, em Braga/RS, em julho de1994.

ANEXO II:EXEMPLO DE PLANO DE AULA

PLANO TEMÁTICO

1. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO1.1– Escola Estadual Chico Mendes – Assen-

tamento 25 de Maio1.2 – Turma: A1.3 – Séries: 3ª e 4ª1.4 – N° de alunos: 223ª série: 14 alunos (8 F e 6 M)4ª série: 8 alunos (3 F e 5 M)1.5 – Professora responsável: Marisa da Silva

2. DESCRIÇÃO DO TEMA2.1 – Título: A produção e a comercialização de

carvão nos Assentamentos da região oeste de SC.2.2 – Origem e importância do tema:Através do diagnóstico da realidade do Assenta-

mento, percebemos que a questão do carvão é cen-tral por aqui. Os assentados começaram a produzircarvão como uma alternativa para o sustento, já quea roça não estava dando conta. A maioria das crian-ças deste Assentamento trabalha nos fornos de car-vão. Só que a situação não está nada boa, porquealém deste tipo de trabalho causar muitos proble-mas de saúde, tanto nos adultos como nas crianças,há dúvidas se o carvão é realmente uma alternativaviável de geração de renda. Até porque a comercia-lização é feita por atravessadores e os assentados nãose organizam para fazer frente à exploração que aca-bam sofrendo.

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Conversando por aí, ficamos sabendo que estarealidade não é só deste Assentamento, mas sim detoda a região. E também constatamos que a maio-ria dos

assentados, não sabe fazer o cálculo dos custos deprodução do carvão, para analisar a sua viabilidade.

Trazer esta discussão para dentro da sala de aulapode ser muito importante para provocar uma aná-lise e um debate no conjunto do Assentamento...

2.3 – Questões que envolve:a) Por que os Assentamento da região estão op-

tando pela produção do carvão? Qual a trajetóriada produção nestas áreas desde que foram criadas?

b) Como acontece a comercialização do carvão?Por que se diz que há exploração de alguns traba-lhadores sobre outros?

c)Por que neste Assentamento não há mais tra-balho coletivo? O que aconteceu?

d)Como se dá o trabalho das crianças nos for-nos?

e)Como acontece a produção de carvão?f)Qual o custo de produção do carvão? Qual a

média da região?g) Comparando com a produção de outros pro-

dutos, o que se constata?h) Quais os problemas de saúde causados pelo

trabalho com o carvão? Por que ocorrem?i) Afinal, vale à pena produzir carvão? E

comercializar, vale?j) ...

3. OBJETIVOS3.1 – Em relação ao tema:a) Despertar para a necessidade de fazer cálcu-

los de custo de produção e de comercialização docarvão.

b) Capacitar o aluno para fazer estes cálculos decusto de produção.

c) Entender como acontece o processo de pro-dução do carvão, e quem lucra com esta produçãona região.

d) Comparar a produção de carvão e de outrosprodutos nos Assentamentos da região.

e) Pesquisar e discutir sobre as conseqüênciasdo trabalho com carvão para a saúde das pessoas,buscando alternativas para superar os problemas.

f ) ...3.2 – A propósito do tema:a) Promover um intercâmbio entre os alunos

deste e de outros Assentamentos da região.b) Provocar no Assentamento uma reflexão so-

bre as condições do trabalho das crianças e suasconseqüências.

c) Desenvolver a capacidade de organização co-letiva das crianças.

d) Despertar o interesse pela pesquisa científi-ca, aprendendo os seus passos básicos.

e) Aproveitar o saber que os alunos trazendoseu mundo de trabalho.

f ) ...3.3 – Em relação a cada série:3ª série: maior ênfase no estudo sobre a saú-

de...4ª série: maior ênfase no estudo dos custos de

produção...

4. CONTEÚDOSPor área:Matemática: 4 operações; medidas de capaci-

dade, peso e comprimento; frações; porcentagem;juros; tabelas e gráficos, problemas envolvendo cál-culo de custos de produção.

Estudos Sociais: exploração do carvão na re-gião, no estado e no país; relevo e vegetação daregião; utilidade do carvão; etapas do processo pro-dutivo do carvão e comparação com outros pro-cessos; o que são custos de produção e como secalculam; história da produção agrícola na região;história dos Assentamentos da região; o que sãomeios de produção; o que é comercialização e quaisas formas; formas de organização do trabalho exis-tentes nos Assentamentos; reforço nas noções detempo e espaço.

Ciências: recursos naturais, reflorestamento;composição do carvão; adubação orgânica (par-tindo da utilização do carvão); poluição do ar: o

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que é, como surge, quais tipos e conseqüências; ofenômeno da combustão; corpo humano: apare-lhos respiratório e circulatório; principais doen-ças; hábitos de higiene; cuidados para quem tra-balha com o carvão.

Comunicação e Expressão: leitura e interpreta-ção de textos; produção de textos: entrevistas, rela-tórios, convites, ofícios..., prestando atenção na ca-pacidade de expressão, síntese, ortografia econcordância; expressão oral: entrevistas, articulações,exposições, cantos, declamação, dramatização...; téc-nicas de elaboração de cartazes...; técnicas de discus-são e debate; técnicas de elaboração de jornal...

5. METODOLOGIAAs grandes atividades previstas são as seguin-

tes:a) Pesquisas bibliográficas sobre o carvão e seu

processo de produção e sobre as implicações nasaúde. Busca de dados também com instituiçõestipo IBGE e outras, para estatísticas.

b) Pesquisa de campo sobre a produção de car-vão no Assentamento e sobre a comer-cialização.

c) Visitas dos alunos a pelo menos doisoutros Assentamentos da região para pes-quisa de campo e intercâmbio com as cri-anças e jovens.

d) Seminário com os assentados paraexposição e discussão dos resultados daspesquisas.

e) Elaboração de um painel com gráfi-cos e tabelas mostrando dados comparativos daprodução de carvão na região, incluindo custosde produção.

f ) Produção de um jornal para divulgação dosresultados do estudo e que poderá continuar sen-do produzido depois.

O estudo do tema poderá iniciar com a visitados alunos a um dos fornos de carvão e a entrevis-ta com alguns assentados sobre a produção. E aculminância poderá ser neste Seminário com osassentados, onde os alunos, através de suas equi-

pes, mostrarão os resultados dos seus estudos e sefará uma discussão. Um ponto alto deverá ser avisita a outros Assentamentos que deverá ser or-ganizada pelos próprios alunos. Na sala de aulavamos dar bastante ênfase à produção de textos eaos problemas envolvendo os custos de produção.

6. RECURSOS NECESSÁRIOS6.1 – Humanos:Participação de assentados nas aulas sobre o

processo de produção do carvão; podemos trazeragentes de saúde para explicar os efeitos do traba-lho nos fornos de carvão; e precisamos da assesso-ria de um técnico para os estudo sobre os custosde produção, já que não estamos com muita fir-meza nisso; o pessoal da Entidade X poderia virfazer uma oficina de elaboração de jornal...

6.2 – Materiais:Livros e revistas sobre o tema; papel para os

cartazes, para o jornal...; recursos econômicos paraa viagem, para a reprodução do jornal.

6.3 – Como obter os recursos:

7. PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO7.1 – Em relação aos alunos

• Um teste escrito individual a cada duas sema-nas, envolvendo os conteúdos estudados.

• Análise dos relatórios de pesquisa e outros pro-dutos escritos: feita pelos alunos (nas equi-pes) e pela professora.

• Análise das exposições orais e do desempe-nho nas entrevistas e nos seminários. Pelosalunos e professora.

TTTTTarara ra ra refasefasefasefasefas1. Contatar os assentados e acertar participação2. Contatar agente de saúde e acertar agenda3. Conversar com a liderança para indicar técnico4. Contatar técnico5. Buscar materiais na Prefeitura6. Retirar livros na biblioteca municipal7. Contatar com a Entidade X para a oficina semcobrança de honorários8.Contatar os assentamentos próximos paraverificar se é possível a visita e abrir caminhopara a articulação dos alunos9. Encaminhar com os alunos: orçamento dasviagens, do jornal e busca de recursos

RRRRResponsávesponsávesponsávesponsávesponsáveiseiseiseiseisMarisaRejaneRejaneRejaneMarisaMarisaJoão

Joaquim

Marisa

PPPPPrazrazrazrazrazoooooTrês diasUma semanaDois diasUma semanaUma semanaA cada semanaDuas semanas

Uma semana

1ª Semana deestudo do tema

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• Crítica e auto crítica em relação às tarefas assu-midas e envolvimento no estudo. Feita entre osalunos, com o acompanhamento da professora.

7.2 – Em relação à professora• Organizar um momento a cada duas sema-

nas para que os alunos, em equipes, avaliem onosso trabalho e apresentem sugestões.

7.3 – Em relação ao desenvolvimento do tema• Organizar um momento semanal com os alu-

nos para avaliar o desenvolvimento do plano.• Avaliar com a equipe do planejamento sema-

nal das aulas.• Após o término do estudo, aproveitar espaço

numa reunião ou encontro da comunidadepara avaliar os resultados do trabalho e a vali-dade do estudo deste tema.

8. BIBLIOGRAFIA8.1 – MST. Como fazer a escola que quere-

mos: o planejamento. Caderno de Educação n°6. Porto Alegre, 1995.

8.2 – CIÊNCIAS. Telecurso 1º grau. 33 00.Fund. Roberto Marinho/MEC/UnB. Rio de Ja-neiro, 1983.

8.3 – MST. A Cooperação Agrícola nos assen-tamentos. Caderno de Formação n° 20, São Paulo,1993.

8.4 – ...

9. TEMPO DE EXECUÇÃO DESTEPLANO

Estamos prevendo desenvolver em dois meses,no período de maio a junho.

Observação: Este plano foi elaborado a partir deum exercício de planejamento coletivo realizadonuma Oficina de Capacitação Pedagógica, no As-sentamento 2S de Maio em Abelardo Luz/SC, outu-bro de 1993.

ANEXO III: SUGESTÃO DE CONTEÚDOSBÁSICOS POR ÁREA A SEREM

TRABALHADOS DE 1A A 4A SÉRIES NASESCOLAS DE ASSENTAMENTO

ÁREA DE ESTUDOS SOCIAISFOCO: Noção de tempo e espaço na perspec-

tiva de entender o homem como sujeito de trans-formação da natureza e da sociedade.

1) Noção de espaço e de organização do espa-ço físico e social a partir do Assentamento – acriança em relação a objetos próximos e distantesa pessoas, a lugares: localização da criança na salade aula, no pátio da escola; os lugares em relaçãoao conjunto do espaço do Assentamento; noçõesde direita, esquerda, dentro, fora, na frente... –construção de maquetes e mapas para representa-ção especial do Assentamento; leitura de mapaschegando a localização do Assentamento no mu-nicípio, do município no Estado, outros Assenta-mentos no Estado, o Estado no país – limites domunicípios, área geográfica do Assentamento edo município.

2) Características físicas do Assentamento, domunicípio, da Região: relevo, solo, clima, vegeta-ção. A utilização do meio natural como recursopara a produção no Assentamento

3) O trabalho e a organização social do tempo edo espaço: tipos de organização do trabalho: indi-vidual, familiar e coletivo. O que é uma cooperati-va de produção e de comercialização? Como se ca-racteriza o trabalho na agricultura, na indústria, nocomércio. A trajetória dos produtos do nosso As-sentamento: para onde vão? Quem industrializa?Quem comercializa? Como retoma a nós? Comosurgiu a agricultura, como surgiu a indústria e ocomércio? No Assentamento, no município, na re-gião. O que é desemprego. Por que muita gente saido campo e vai para a cidade? O trabalho das mu-lheres e crianças no Assentamento.

4) Trabalho e meios de transporte. Condiçõesdas estradas (Assentamento/Município/Região).

5) Meios de comunicação no campo e na cidade.6) Saneamento básico.7) Noção de tempo histórico através da linha

de tempo: reconstrução da história da vida dascrianças dentro das história de suas famílias, porsua vez dentro da história da conquista do Assen-

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tamento associando com a história da luta pelaterra e com episódios da história do município,do Estado e do Brasil.

8) Situação agrária (distribuição de terra) nomunicípio, na região e Estado. Conflitos e vio-lência na luta pela terra. Migrações e formaçõesdas populações do município, Região, nos Assen-tamentos.

9) Os 3 Poderes no Município: Legislativo, Ju-diciário e Executivo. O que são e como funcio-nam bem como para que servem. Fazer a relaçãocom Assentamento, com o Estado e país.

10) Funcionamento de Instituições como: Ban-cos, Hospitais, INSS, Postos de Saúde, Correios etelégrafos, sempre fazendo relações com a realida-de mais próxima.

11) Sindicatos e Partidos Políticos (começan-do pelos do Município) o que são, como funcio-nam, para que servem.

12) Trabalho em torno de datas significativaspara a classe trabalhadora (começando pela festado Assentamento e chegando a fatos históricos daluta da classe trabalhadora no Brasil).

ÁREA DE CIÊNCIASFOCOS: O homem e sua relação com os ou-

tros seres vivos na natureza, na sociedade.

1) O HOMEM– O homem como ser vivo, animal e humano.– O corpo humano e suas expressões.– Localização do corpo humano no espaço.

• Funções corporais básicas e suas relações comas partes do corpo humano:

sustentação respiração – circulação – digestão-excreção

– reprodução.– Os sentidos humanos e suas funções.– O corpo humano: consumo e produção de

energia.– Saúde do corpo humano.

• Estudo dos alimentos: tipos e formas de combi-nar.

– Noções de higiene corporal, dos alimentos,da habitação, etc.• Doenças que podem afetar o corpo humano:

características, cuidados preventivos etratamento mais adequado.

• Primeiros socorros e medicina alternativa.• Problemas causados pelo uso excessivo de re-

médios químicos.• Vacinas e soros.• Sexualidade: relação homem-mulher (tratar a

partir do interesse e das necessidades do gru-po de alunos).

• Problemas do alcoolismo e fumo, comosuperá-Ios.

2) OS ANIMAIS• Os animais como seres vivos, suas relações

com o homem, com as plantas, com a terra, oar, a água.

• A diversidade animal e suas características.• Domesticação e uso dos animais pelo homem.• Os animais como fonte de alimentação e ener-

gia (trabalho) para o homem.• Funções vitais nos animais comparados com

o homem.• Principais tratos e cuidados com os animais.

3. AS PLANTAS• As plantas como seres vivos. Suas relações com

o homem, com os animais, com a terra, o ar ea água.

• A diversidade vegetal e suas características.• Uso das plantas pelo homem: alimentação,

energia, ornamentação, medicina.• Partes da planta.• Funções vitais das plantas comparando com

os animais e o homem.• Desenvolvimento de uma plantação; acom-

panhar e explicar desde o preparo da terraaté a colheita.

• Condições de saúde das plantas: tratos e cui-dados.

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4) O AR• Evidências da existência e propriedades do ar.• Importância do ar para as plantas, os animais

e o homem.• Os diferentes gases e suas funções no ambiente.• Influência do ar nas alterações climáticas e im-

plicações sobre os seres vivos.• Empregos do ar nos processos de produção.

O ar como fonte de energia. Poluiçãodo ar.

• Tipos de ventos.

5) O SOLO• Importância do solo na vida das plantas, dos

animais e dos homens.• Composição do solo.• Diversidade de solo e suas implicações no

plantio.• O uso do solo na produção vegetal e animal.• A transformação do solo pelo homem.• Adubação orgânica, folhear(verde) e química.

6) ÁGUA• Características da água.• Importância da água na vida das plantas, ani-

mais e do homem.• Estados físicos da água.• O uso da água no trabalho do homem.• A água como fonte de energia.• Localização da água.• Diferentes tipos de poços e fontes.• Cuidados com a higiene da água.• Fenômenos da natureza que envolvem a água

e suas implicações sobre o desenvolvimentosdas plantações.

• Chuva, formação de nuvens, orvalho, geadas,neve, granizo.

7) O CALOR• O sol como fonte natural de calor. Sua influ-

ência sobre os seres vivos.• Outras formas de obter calor. O que são com-

bustíveis.

8) A LUA E SUAS FASES• A influência da lua sobre as plantas, os ani-

mais e o homem.

9) ENERGIA, PRODUÇÃO E CONSUMO• Noções de eletricidade.

10) NOÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL• O que significa preservar o meio am-

biente,hábitos e valores ecológicos.• Cuidados com o lixo, reciclagem do lixo.• Combate às pragas sem fazer mal ao meio am-

biente.• Introdução a algumas tecnologias alternati-

vas na produção.

ÁREA DE MATEMÁTICAFOCO: Problemas matemáticos da vida prática.1) Noções de número. Escrita e leitura dos al-

garismos.2) Composição e decomposição dos números3) Leitura e escrita dos números (através do

preenchimento de cheques).4) Adição, subtração, multiplicação e divisão

no conjunto dos números naturais (problemas darealidade).

5) Uso do dinheiro.6) Leitura e escrita das horas. Problemas reais

envolvendo tempo (horas e minutos).7) Noções de fração e sua utilização em situa-

ções de realidade (meia, terça, quarta, etc...).8) Leitura e escrita de números decimais até

centésimos (aplicação do uso do dinheiro centa-vos).

9) Primeiras noções de juros e porcentagens (en-tender a idéia e não apenas a fórmula do cálculo).

10) Organização de dados em tabelas e gráfi-cos.

11) Cálculo mental e aproximação.12)Figuras geométricas. Perímetro e área e suas

relações nas medições de terras (figuras de mes-mo perímetro com áreas diferentes, perímetros di-ferentes com áreas iguais, etc).

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13) Volume de sólidos na cubação ou cubagemda madeira.

14) Primeiras noções de escala em mapas.15) Noções de capacidade e massa. Medidas

usadas na região e medidas-padrão: litro e quilo.

ÁREA DE COMUNICAÇÃOE EXPRESSÃO

FOCO: Expressão oral, leitura, escrita ou pro-dução de textos.

1. EXPRESSÃO ORAL– Relato das experiências pessoais, históricas,

familiares, história da luta, acontecimentos, tra-balho realizado, programas assistidos, entrevistas,etc...

– Debates sobre assuntos lidos ou ouvidos ouainda sobre situações polêmicas do Assentamen-to ou da Escola, da família, etc...

– Criação de histórias, adivinhações, poemas,etc...

– Cantos e dramatizações.PRINCÍPIO: Respeitar e valorizar o jeito de

se expressar das crianças mas introduzir e estimu-lar também o domínio da linguagem oficial, es-pecialmente no que se refere a concordância ver-bal e nominal, conjugação verbal, pronúncia eacentuação. No conteúdo observar a clareza, onível dos argumentos, a coerência entre as idéias.

2) LEITURA– Prática de leitura de textos: informativos e

narrativos, curtos e longos.– Leitura do texto com estilo, finalidades e lin-

guagem diferentes tratando do mesmo tema. Apro-veitar todos os escritos que aparecem no dia a dia:placas, rótulos, bulas de remédios, cartazes, etc...

– Domínio da mecânica da leitura: fluência,entonação e ritmo. Compreensão e análise do tex-to. . Leitura de outras linguagens: gestos, mími-ca, dança, cores, esculturas...

3) ESCRITA– Produção de textos principalmente narrati-

vos sobre a realidade atual, a história e a culturado grupo e a partir de uma prática anterior deexpressão oral. Observar a clareza, a seqüência ló-gica das idéias, a capacidade de argumentação, acorreção ortográfica, a pontuação e a acentuação(mas não supervalorizar isso). Valorizar mais a ri-queza de idéias e de palavras.

– Uso e passagem do discurso direto ao indire-to e vice versa.

– Elaboração de notícias e de corres-pondências diversas: cartas, bilhetes, cartões,ofícios, etc...

- Análise de textos diversos: jornal, histórias,literatura infantil, relatório de experiências, do-cumentos do MST que circulam nos Assentamen-tos, etc...

- Produção de pequenas peças de teatro, depoemas e canções.

- Jogos, cantigas e brincadeiras infantis (resga-te de jogos e cantigas bem como brincadeiras po-pulares da região).

4) EXPRESSÃO CORPORAL– Teatro, danças, exercícios físicos...– Música (fabricar instrumentos musicais ca-

seiros).– Jogos.

ÁREA DE EDUCAÇÃO RELIGIOSA1. Estudos bíblicos (buscar textos com lin-

guagem infantil) que ajudem a entender questõesda realidade, que tratem da questão da terra.

2. Análise de comportamentos/crenças dogrupo no dia a dia.

3. Participação dos alunos nas celebrações.4. Como as famílias cultivam a fé e a religio-

sidade.5. As diferentes religiões: o que são, diferen-

ças...

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A partir de meados de 1993, o Setor de Edu-cação do MST começou a discutir a nível nacio-nal esta questão do ensino de 5ª a 8ª série, nosassentamentos de Reforma Agrária. A necessida-de concreta que temos é a de conduzir a luta pelacontinuidade da escolarização de nossas criançase jovens, sobre que tipo de escola queremos de 5ªa 8ª série.

A discussão envolveu outros Setores do MST,especialmente o Sistema Cooperativista dos As-sentados – SCA e o Setor de Formação de algunsEstados, considerando uma relação bastante es-treita entre esta questão e a necessidade de qua-dros capacitados para os assentamentos e para asinstâncias do conjunto da nossa organização. Tam-bém participaram ativamente os professores dasescolas, de 5ª a 8ª série, que já existem nos assen-tamentos e que estão ligados ao trabalho do Setorde Educação.

Para o levantamento de sugestão sobre umapossível organização curricular, e para montagemde uma listagem mínima de conteúdos nas disci-plinas, contamos com a colaboração de compa-nheiros de Universidades e de outras escolas de1º grau, pelo que publicamente agradecemos.

Esta é uma proposta que está longe de ser defi-nitiva. Trata-se apenas de um início de reflexão,que precisará de crivo da prática e de sua sistema-tização, por parte dos educadores envolvidos. Alémdisso, especialmente na parte referente às disci-plinas e aos seus conteúdos prioritários, não che-

gamos a dar conta de todo o acúmulo dos avan-ços pedagógicos que já existem em cada área. Aprovisoriedade é, neste caso, ainda mais notória.

Se estamos optando em socializar a nível nacio-nal este material, neste momento, é porque con-tinuamos acreditando no processo coletivo de for-mação da proposta pedagógica para nossas escolas.Confiamos no espírito de busca e de re-constru-ção da prática pelos educadores, que acreditamna transformação da educação e da sociedade.

Deste esforço coletivo, temos certeza, logo sur-girão novos elementos e sugestão para re-comporo presente texto.

Boa prática, companheiros e companheiras quefarão o dia a dia da escola!

Ocupar, resistir e produzir: também na educa-ção!

1. LUTAR OU NÃO POR ENSINODE 5ª A 8ª SÉRIES DENTRO DOS

ASSENTAMENTOS?A análise da situação nacional nos mostra, que

nem em todos os Estados e, nem em todos os as-sentamentos, será viável lutar por uma escola até8ª séries. Em muitos lugares a prioridade conti-nuará sendo ainda, por muito tempo, a briga pelaescola de 1ª a 4ª séries. Em muitos assentamentosnem há número suficiente de alunos que justifi-que uma escola só para os assentados. Isto querdizer, que em cada local, em cada realidade espe-cífica, será preciso encontrar a melhor alternati-

Ensino de 5a a 8a série em áreas deassentamento: ensaiando uma propostaTexto de Janeiro de 1995 28

28 Elaboração: Equipe Setor de Educação MST.

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va. E uma opção, em muitos casos, certamente,será uma Escola Micro-Regional que reúna alu-nos de assentamentos próximos, ou mesmo juntejovens de outras comunidades de pequenos agri-cultores ou, outros trabalhadores do campo. Podeser uma ótima oportunidade para ampliarmosalianças em torno de uma luta por um direito so-cial comum, que é a educação, Isso tudo na pers-pectiva de fortalecimento de um projeto social po-pular.

De qualquer modo, mesmo levando em contaas diferentes realidades, precisamos ter claro o se-guinte:

a) não podemos nos conformar em ter que en-viar nossos filhos para cidade, como única ma-neira de poderem continuar estudando. Primei-ro, porque isso é injusto e discriminatório;segundo, porque estaremos preparando nossosjovens para deixar o campo. A ideologia transmi-tida na maioria destas escolas urbanas é a ideolo-gia capitalista que alimenta o êxodo rural, aco-moda os trabalhadores à sua situação de miséria;não ajudando em nada na construção de nossoprojeto de Reforma Agrária. Nesse sentido, preci-samos estar atentos aos riscos de certas ofertas detransporte escolar feita por algumas Prefeituras ougovernos de Estado, que são uma forma de pararcom a luta por escola no próprio meio rural.

b) já temos uma caminhada como MST naquestão de educação. Há quase dez anos estamoslutando para construir uma proposta pedagógicaalternativa, para nossas escolas de 1ª a 4ª séries.Temos objetivos, temos princípios, temos ummétodo que vem sendo progressivamente implan-tado. Lutar por ensino de 5ª a 8ª séries, nos as-sentamentos, é lutar pela continuidade destas pro-postas e pelo seu aperfeiçoamento. É ajudar agarantir uma nova geração de militantes, muitosdeles talvez, futuros professores de novas crian-ças, que terão bem mais facilidade de educar deum jeito diferente, porque já experimentaram estejeito como alunos. Ou seja, não podemos pensarsó no imediato. Precisamos pensar como estrate-

gistas desta operação de mudanças, a que a histó-ria nos convocou a ser sujeitos...

2. AS DIFERENTES FORMAS DE ENSINODE 5ª A 8ª SÉRIES.

Esta relação às experiências de 5ª a 8ª séries,nos assentamentos, temos pelo menos três tiposde realidade a nível nacional:

1º) É o caso das escolas, de 1ª a 4ª séries, quepela demanda de alunos, conseguiram autoriza-ção legal para funcionar também, de 5ª a 8ª séries;no mesmo prédio ou, em outro específico. Estasescolas seguem o currículo oficial (como as da ci-dade), e funcionam apenas em um turno. Ou seja,são 4 (quatro) ou 5 (cinco) períodos de aula numdia, sendo os professores remunerados para essetempo, tal como de 1ª a 4ª séries. A diferença éque o currículo é por disciplina, tendo vários pro-fessores para a mesma turma. Muitas vezes, as tur-mas continuam sendo multisseriadas e, nem sem-pre, há professores para cada disciplina, já que édifícil encontrar titulados em todas as áreas (a exi-gência legal e que os professores tenham cursosuperior, mas isso não é a realidade da maioriadas escolas). No currículo não há disciplinas es-pecíficas de preparação para o trabalho rural (em-bora a lei permita isso) e não estão previstas práti-cas agrícolas ou outras. Em algumas escolas issoacontece, mas é por iniciativa dos professores oudos assentados, implicando em trabalho ou, tem-po voluntário dos trabalhadores de educação en-volvidos. Esse é o tipo mais comum entre, as apro-ximadamente 15 escolas de 5ª a 8ª séries, quetemos espalhadas pelo Brasil, nos assentamentos.

2º) São as escolas criadas, especificamente paradesenvolver o ensino, de 5ª a 8ª séries, que conse-guiram oficializar um currículo alternativo, ade-quado ao meio rural. Há algumas disciplinas téc-nicas que orientam práticas agropecuáriasdesenvolvidas na Escola e o período letivo tam-bém é diferenciado. O exemplo que conhecemosé do Espírito Santo, onde as escolas funcionamem regime de alternância, sendo uma semana in-

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tensiva na escola e outra na família ou comunida-de. A carga horária é a mesma da escola regular,com a distribuição do tempo diferenciada. A re-ferência para aprovação legal, desse tipo de esco-la, foi a experiência já antiga neste e noutros esta-dos, das chamadas Escolas-Família Rurais, quenasceram como cursos não formais e que depoisconquistaram, junto ao estado, o caráter de ensi-no de 1º grau oficial. Neste tipo de Escola, embo-ra haja a abertura para as práticas agropecuárias oEstado não chega a assumir responsabilidade defornecer equipamentos e recursos específicos paraisso.

3º) São as chamadas Escolas Agrícolas, de 5ª a8ª séries, que oficialmente são destinadas a cum-prir um currículo que também prepare para o tra-balho do meio rural. São escolas com uma cargahorária maior, com professores específicos para ainiciação técnica (geralmente um técnico agrícolaou agrônomo), com uma área de terra para de-senvolver práticas agropecuárias e, (pelo menosteoricamente), com recursos específicos parainstrumentalizar estas práticas. Não costuma serfácil conquistar este tipo de escola. Embora a le-gislação varie de Estado para Estado, é um proje-to que exige maiores condições (inclusive um nú-mero determinado de alunos, com projeção paraos anos vindouros) e maiores recursos do Estado,o que dificulta muito a aprovação. Temos este casoem Santa Catarina, especialmente. Onde a arti-culação de várias entidades nos projetos, já per-mitiu a oficialização de duas Escolas Agrícolas emduas regiões diferentes. Há algum tempo atrás sur-giu a possibilidade do próprio MEC ajudar a cons-truir escolas semelhantes, através do projeto dosCAIC’s, mas que acabou resultando em nada, atéagora.

Poderíamos mencionar também, um 4º tipo.Só que ele não existe dentro dos assentamentos,mas em outros locais que atendem assentados ouacampados. Trata-se das chamadas escolas Alter-nativas, que realizam cursos supletivos de 1º grau,mas com proposta pedagógica voltada à realidadedo meio rural e de suas organizações, ligada àFUNDEP em Braga/RS e, é também, um proje-to que está sendo discutido para implantação noCeará. São cursos com características e objetivosdiferenciados. São intensivos, geralmente funcio-nando como internatos e atendendo uma cliente-la mais velha, de companheiros e companheirasque não conseguiram cursar o 1º grau em idaderegular. A duração fica em torno de 02 (dois) anos,o regime é de alternância, o currículo é especial, ehá uma preocupação específica com a capacitaçãotécnica e a formação política de lideranças. OMST participa diretamente da coordenação doscursos.

3. QUAL É A FORMA DE ESCOLA PELAQUAL LUTAMOS?

Em relação, aos tipos descritos anteriormente,o que temos claro é que a luta prioritária, nestemomento, é por garantir a escolaridade para nos-sas crianças e jovens. As formas são flexíveis àscondições objetivas de conquistas em cada local.29

Mas a nossa meta enquanto MST é ampliar omáximo possível o número de Escolas Agrícolas(com este ou outro nome), nos assentamentos.Isso porque elas possibilitam um respaldo legal eeconômico para desenvolvermos uma propostacurricular, que inclua a preparação para o traba-lho e, uma maior carga horária para a permanên-cia de alunos e professores na escola. E também,porque se estas escolas se expandirem e, com uma

29 Gostaríamos de chamar a atenção sobre o seguinte: Nos locais, onde for absolutamente necessário, que as crianças e jovens estudem fora,tendo inclusive que permanecer durante todo o dia ou toda a semana, na cidade ou noutra comunidade, aumenta ainda mais a responsabilidadeda equipe de educação do assentamento. É preciso prever atividades paralelas com estes alunos. Adequando horários, planejando encontrosatraentes que trabalhem uma formação política e cultural voltada ao assentamento, ao MST e à luta popular. Podem ser encontros dediscussão, confraternizações, palestras, vídeos, montagem de grupos de música ou teatro... E a equipe de educação também, deverá buscarformas de contato e influência nas escolas onde estes alunos estão estudando.

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proposta pedagógica afinada com os desafios daorganização, diminuirá a necessidade dos cursossupletivos e estes recursos poderão ser canaliza-dos para o 2º grau e para uma futura (e autêntica)Universidade dos Trabalhadores Rurais. Certo?!

Neste documento, por isso, vamos estabeleceralgumas diretrizes pedagógicas que visam especi-almente estas Escolas Agrícolas, embora possamser adequadas aos vários tipos de realidade quetemos. O desafio principal é o das escolas con-vencionais, de 5ª a 8ª série, que ainda predomi-nam nos assentamentos (bem como no conjuntodo meio rural), incorporarem progressivamenteos princípios da nossa proposta, enquanto levamadiante a briga legal por uma ampliação de cargahorária, por um currículo diferenciado e porcomplementação de recursos públicos paraequipagem técnica da escola...

4. NOSSA PROPOSTA PEDAGÓGICAPARA AS ESCOLAS DE 5ª A 8ª SÉRIES

NOS ASSENTAMENTOSVejamos alguns elementos fundamentais que

a nossa discussão atual já permitiu identificar.

4.1. O QUE QUEREMOS COM ESTASESCOLAS

Em linhas gerais, os objetivos são os mesmospropostos para as escolas, de 1ª a 4ª séries, e queestão expressos nos documentos produzidos peloSetor de Educação, em especial, o que está pro-posto no caderno de educação nº 18, “O que que-remos com as escolas de assentamento”. Ou seja,de 5ª a 8ª séries, queremos continuar a educarsujeitos estudiosos, trabalhadores com consciên-cia organizativa, militantes com clareza política eideológica, homens e mulheres com novos valo-res e comportamentos éticos, preparando lideran-ças para o conjunto das organizações populares.

Mas podemos traduzir esses objetivos gerais emobjetivos específicos, para uma Escola de 5ª a 8ªséries, voltada aos desafios concretos do nosso meiorural. São eles:

1. Capacitar para o trabalho rural, desenvolven-do uma iniciação técnica nas áreas de agricul-tura, pecuária, agroindústria (ou beneficia-mento), administração e contabilidade rurale outras que a realidade específica exigir.

2. Ajudar na implementação e sustentação daReforma Agrária, através de práticas, discus-sões e estudo científico dos principais proble-mas enfrentados pelos assentamentos.

3. Desenvolver uma formação política, ideoló-gica e ética coerente com os objetivos e prin-cípios do MST e que fortaleça a consciênciade classe trabalhadora e a indignação frenteàs injustiças que acontecem na sociedade, es-pecialmente na nossa grande pátria latino-americana.

4. Capacitar para a organização coletiva do tra-balho e aprofundar teoricamente as várias ex-periências de cooperação agrícola.

5. Disciplinar para o estudo de autoformação.6. Desenvolver uma formação geral de qualida-

de (própria do ensino escolar de 1º grau), quepermita a continuidade dos estudos a nívelde 2º grau.

7. Educar as várias dimensões da personalidade,ajudando na construção da identidade pes-soal dos jovens, processo próprio da faixaetária, geralmente predominante entre os alu-nos de 5ª a 8ª série.

4.2. OS PILARES BÁSICOS DE NOSSAFILOSOFIA DE EDUCAÇÃO E SUASIMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS.

a) Educação para a transformação socialNosso compromisso histórico é explícito: faze-

mos parte da classe trabalhadora e visamos chegarà transformação radical da sociedade, restaurandoa dignidade humana à maioria da população. Istoquer dizer, que nossa escola deve se colocar a servi-ço de um projeto político popular, garantindo noseu currículo:

1º) conteúdos críticos nas várias disciplinas,na perspectiva da conscientização política e for-

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mação ideológica dos jovens e da comunidadeescolar;

2º) métodos de ensino que permitam aos alu-nos expressar suas idéias, questões, posições, de-senvolvendo habilidades de expressão, de discus-são, de argumentação, educando sujeitos;

3º) atividades político-culturais diversas quetrabalhem o conjunto da comunidade, ajudandona construção da identidade cultural dos assenta-dos ou de outros trabalhadores rurais envolvidos;

4º) a presença sistemática de dirigentes do MSTe de outros Movimentos Populares, para partici-par de algumas aulas e atividades político-cultu-rais, socializando seus conhecimentos sobre a luta,a conjuntura nacional, internacional, a produção...

5º) o cultivo à arte em suas mais variadas for-mas de expressão, como elemento humanizador eestimulador da criatividade e da disciplina;

6º) o estímulo à participação e à criação de jo-gos esportivos, como forma de lazer, de desenvol-vimento físico e motor, de cultivo do espírito deiniciativa, de disciplina e de competição sadia.Prioridade aos jogos e esportes que exijam desem-penho coletivo e não apenas individual.

b) Escola e desenvolvimento ruralNo horizonte mais imediato da transformação

social está um projeto alternativo de desenvolvi-mento rural, que as organizações populares estãoconstruindo nas suas lutas e experiências. A lutapela terra e pela Reforma Agrária, os desafios dasnovas formas de organizar a produção e o traba-lho nos assentamentos, as tecnologias alternati-vas, a participação coletiva nas decisões sobre osrumos da comunidade: a escola não pode ficaralheia a tudo isso. E, de 5ª a 8ª série, pela faixaetária dos alunos que, de modo geral, já estão in-seridos nos processos produtivos do assentamen-to, é possível e necessário fazer uma ligação maisprofunda entre a escola e os problemas concretosda realidade rural. Seja pelo estudo e discussãodestes problemas ², seja pelo envolvimento diretodo conjunto da escola na solução de alguns deles.

Se um problema sério no assentamento é, porexemplo, a baixa fertilidade do solo, porque a es-cola não pode ser envolvida na pesquisa e experi-mentação de tecnologias alternativas, para a solu-ção destes problemas? E fazer custos de produçãonão pode ser tarefa dos alunos a partir das aulasde matemática?

c) Escola, trabalho e cooperaçãoO princípio educativo do trabalho coletivo é

um dos pilares básico da proposta de educação doMST. Seja nos cursos de formação política, sejanos cursos de capacitação técnica, seja na escola,do pré a Universidade ³. Em relação a escola, de5ª a 8ª séries, nosso objetivo é construí-la comouma ESCOLA DO TRABALHO. Concretamen-te isso implica no seguinte:

1º) Que o currículo inclua disciplinas e ativi-dades voltadas diretamente a uma iniciaçãotecnológica (para usar a expressão que está na novaLDB), para o trabalho agropecuário, na perspec-tiva de atender às necessidades dos assentados daregião.

2º) Que o currículo também inclua práticasde experimentação de tecnologias alternativas (es-pecialmente agropecuárias e agroindustriais), naárea da escola ou numa área cedida pelo assenta-mento, para que a aprendizagem não seja apenasteórica, mas inclua também, habilidades de ma-nejo técnico das tecnologias estudadas.

3º) Que os alunos participem do planejamen-to e dos trabalhos de administração e funciona-mento da escola e que a organização do trabalhopermita a aprendizagem da Divisão Social do Tra-balho (DST) e alguma experiência de um Proces-so Produtivo Socialmente Dividido (PPSD). Nemque seja só na lavação de louça!4

4º) Que onde for possível, os alunos possamparticipar inclusive da gestão econômica da esco-la e de processos produtivos, que visem geraçãode renda para a escola ou para o assentamento.Esta é uma experiência muito rica do ponto devista de os alunos começarem a entender o que é

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a economia e como lidar com ela. Desafio hoje,fundamental para os assentamentos.

5º) Que as experiências de trabalho, que os jo-vens realizam no assentamento ou em outros locais,possam ser refletidas e discutidas na sala de aula.

6º) Que a organização do calendário escolar leveem conta as características deste trabalho, em cadaRegião. A lei permite e até estimula que as escolasdo meio rural tenham um calendário que se adap-te à necessidade de atuação das crianças e dos jo-vens no trabalho agrícola, sem que isso prejudiquesua participação no estudo e no trabalho da escola.

d) Gestão democrática ou direção coletiva daescola

Este é outro pilar básico da nossa proposta. Semexperimentarmos, cada vez com mais intensida-de, o que é fazer democracia, não estaremos capa-citados a construir uma sociedade realmente so-cialista30. O que pode ser enfatizado sobre isso nasescolas de 5ª a 8ª série:

1º) O MST precisa participar da direção polí-tica da escola, através da presença do Setor de Edu-cação e do SCA nas decisões fundamentais sobrea organização e funcionamento da escola, garan-tindo as linhas tiradas a nível nacional.

2º) Os Assentamentos que têm alunos na es-cola, devem participar do Colegiado (geralmentechamado de Conselho Escolar), que administra aescola e que decide, por exemplo, sobre que tiposde práticas agropecuárias serão propiciadas aosalunos a cada ano...

3º) Os alunos também devem ter seus repre-sentantes no colegiado de administração da esco-la, escolhidos por eles mesmos. Mas também, de-vem ter uma organização autônoma para tomaremdecisões sobre as tarefas que estão sob sua respon-sabilidade, para discutirem suas questões especí-ficas, para avaliarem o trabalho dos professores...

4º) Da mesma forma os professores, outros tra-balhadores que a escola tenha, devem construirseu coletivo para planejamento, discussões, críti-ca e autocrítica...

5º) Se ainda não existe o direito de eleição dosdiretores, a escola como um todo deve participarda luta dos trabalhadores em educação para a con-quista desse seu direito.

e) Ensino que leve a aprendizagens significati-vas para os alunos e ao conhecimento científicoda realidade

Isto quer dizer, levar em conta alguns elemen-tos metodológicos importantes:

1º) As pessoas só aprendem quando têm ne-cessidade de aprender; o papel do professor é iden-tificar e provocar necessidades de aprendizagem,encontrando formas criativas de fazer isso (o tra-balho dos alunos pode ser uma delas...);

2º) O saber que os alunos já adquiriram, deve servalorizado e discutido em sala de aula, mesmo queseja para ser posto em cheque. Nenhum novo saberse constrói se não houver a crítica do saber antigo;

3º) Partir da realidade mais próxima do alunoé importante, para facilitar a construção do co-nhecimento; mas é fundamental que não se fiqueapenas na realidade próxima para atingir o co-nhecimento científico, que se baseia nas relaçõesentre os fenômenos, os fatos, as dimensões da re-alidade. A escola precisa levar ao conhecimentodo próprio assentamento, como também do paíse do mundo;

4º) O conteúdo de todas as disciplinas devemser o mais atualizados possíveis. Nesse sentido, pre-cisamos ter um cuidado especial com os livros di-dáticos a serem utilizados, já que a grande maio-ria dos que costumam estar à nossa disposição sãoultrapassados e trazem conhecimentos pouco cien-tíficos;

30 É importante que professores e alunos das escolas de 5ª a 8ª séries estudem os materiais já produzidos pelo MST tratando: Caderno deFormação nº 20: A Cooperação Agrícola nos Assentamentos; Caderno de Formação nº 21: Questões práticas sobre Cooperativas de Produção;Caderno de Cooperação Agrícola nº 01: Uma concepção de desenvolvimento rural.

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5º) A pesquisa é um bom instrumento para aprodução de conhecimento, deve ser estimuladanas várias áreas e em diferentes formas;

6º) Deve haver uma integração entre o traba-lho das diversas disciplinas; isso pode ser facilita-do através do planejamento coletivo e do ensinoa partir de TEMAS GERADORES, que são ques-tões extraídas da realidade e em torno das quais sedesenvolvem os conteúdos e as atividades de salade aula.

f ) Educação da postura e da éticaComportamentos, modos e valores que carac-

terizem a personalidade de quem é sujeito danova sociedade e das novas relações interpessoais,baseadas na igualdade, na solidariedade, na ho-nestidade, no rigor, na disciplina, na disposiçãoao trabalho, na ousadia, na fidelidade, na ternu-ra entre as pessoas, entre os coletivos, entre ospovos... Na escola, de 5ª a 8ª série, é importanteenfatizar:

1º) a prática da reflexão sobre os comporta-mentos pessoais e sobre que valores consideramoslibertadores;

2º) o exercício da crítica e autocrítica no cole-tivo;

3º) o cultivo de relações igualitárias e saudá-veis entre homens e mulheres, alunos e professo-res, lideranças e base, pais e filhos...;

4º) os hábitos de higiene, vestimenta e posturapessoal próprios de um militante;

5º) o cultivo e o entendimento da sexualidadedentro dos valores éticos e morais do coletivo;

6º) a superação de preconceitos e discrimina-ção radicais, culturais, sexuais, religiosas;

7º) a combinação e autocobrança coletiva dasregras de conduta pessoal e do grupo como umtodo;

8º) o combate aos vícios do fumo, do álcool ede outras drogas;

9º) o espírito de pertença ao coletivo, à orga-nização, superando comportamentos mesquinhosde inveja, ciúme, disputas pessoais...

g) O cultivo da mística da luta popularAlimentar a utopia da nova sociedade e a sim-

bólica da libertação popular, Conhecendo e in-corporando, na escola, os símbolos do MST e deoutros Movimentos Populares. Cultivando as can-ções, a poesia, a história de luta. Criando novasformas de expressão do amor à organização e aopovo; participando das jornadas de luta; fazendomanifestações de solidariedade a grupos ou povosque estejam vitimados por injustiças; estudandoa história de grandes líderes populares, comemo-rando datas importantes no calendário dos traba-lhadores...

h) Professor(a) MilitanteNão é qualquer professor(a) que consegue as-

sumir o desafio da prática desta proposta. É pre-ciso ser militante, ou ser, uma pessoa comprome-tida com a luta popular e disposta a trabalhar, nãoapenas por um salário, mas também por um pro-jeto educativo e político.

Nesse sentido, é fundamental garantirmos emnossas escolas, educadores que tenham, antes demais nada, uma solidariedade de classe com seusalunos, comungando identidades e sonhos.

4.3 SOBRE O CURRÍCULO E OFUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS DE 5ªA 8ª SÉRIES.

CURRÍCULO é o conjunto de atividadeseducativas realizadas na escola. Vai desde a listade disciplinas e conteúdos a serem desenvolvidos,até atividades culturais ou de lazer, proporciona-das pela organização.

Para o caso das escolas, que estão montando oseu currículo ou, têm condições de fazer algumasadequações no que já existe, estamos apresentan-do sugestões em algumas das dimensões que inte-gram a organização curricular:

a) DISCIPLINASExistem as obrigatórias por lei, em qualquer

escola de 1º grau. São elas: Português, Litera-

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tura., Matemática, Geografia, História, Ciên-cias Física e Biológicas, Química, Educação Ar-tística, Educação Física e uma Língua Estran-geira (no nosso caso que seja Espanhol). Alémdos chamados Programas de Saúde e EnsinoReligioso. Na chamada parte diversificada docurrículo (que pode variar de escola para esco-la, a partir de aprovação pelo Conselho Esta-dual de Educação), nossa sugestão é que se ana-lise a possibilidade de incluir as seguintesdisciplinas:• Filosofia;• Sociologia;• Psicologia;• Técnicas agropecuárias (considerando as ne-

cessidades da região e as idades dos alunos);• Cooperativismo;• Agroindústria;• Administração Rural;• Contabilidade;• Metodologia de Trabalho de Base;• Noções de Economia;• Educação Ambiental;

Não se trata de incluir, necessariamente to-das essas, mas sim, optar a partir da realidadeespecífica de cada região, distribuindo-as entrediversas séries e dando maior carga horária àque-las consideradas mais úteis e significativas nes-te contexto. Também pode-se pensar na junçãoentre algumas delas, evitando um número mui-to grande de disciplinas com carga horária re-duzida. Por exemplo: Noções de economia eadministração rural. Ou administração e con-tabilidade rural.

b) EIXOS TEMÁTICOSPara ajudar no trabalho interdisciplinar e na

construção de Temas Geradores, para serem de-senvolvidos por série ou pelo conjunto da es-cola, estamos levantando algumas propostas deeixos temáticos, que poderiam ser trabalhadospelo conjunto das escolas de 5ª a 8ª série.

Antes das propostas um esclarecimento so-

bre o que estamos entendendo por EIXOSTEMÁTICOS: são grandes temas ou assuntos,que dizem respeito à realidade que é comum aoconjunto das escolas que se relacionam com oMST; e que se forem estudados e discutidos portodas elas, poderão contribuir para a nossa uni-dade e identidade nacional. Chamamos de ei-xos temáticos e não de conteúdos, porque nãose encaixam numa só disciplina mas sim reque-rem uma abordagem interdisciplinar, ou seja,rompe com aquela separação estanque que cos-tuma haver entre as disciplinas.

Sugestões de eixos temáticos, então:

O MST E A LUTA PELA REFORMAAGRÁRIA

Neste eixo poderão ser estudados: a históriada luta pela terra no Brasil e na América Latina;o que é e qual a história do MST; como estáorganizado em todo o país; quais os desafios decada conjuntura; as formas de luta; os objetivos;os princípios e normas; os símbolos, as canções,os materiais de vários setores; o que é ReformaAgrária; quem é contra e quem é a favor; a rela-ção campo-cidade; a relação do MST com ou-tras organizações; análise da jornada de lutas queestejam acontecendo; a questão da violência nocampo; as leis relacionadas à questão agrária...

QUESTÃO DA PRODUÇÃO NOSASSENTAMENTOS

Aqui, a proposta é de que a escola se volte àsquestões que mais preocupam os assentamen-tos, relacionadas aos desafios da produção e dasustentação econômica do assentamento. Sejaestudando sobre as principais atividades pro-dutivas desenvolvidas no assentamento e por-que optou por elas; seja pesquisando ou expe-rimentando tecnologias alternativas; sejadiscutindo as questões da comercialização ou,fazendo custos de produção; seja encontrandoalternativas de geração de renda para assenta-mento...

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QUESTÕES DA ORGANIZAÇÃO DOTRABALHO E DA VIDA SOCIAL NOSASSENTAMENTOS

Neste eixo cabem: o estudo das formas de or-ganização do trabalho: da individual à plenamen-te coletiva; a discussão sobre problemas que apa-recem nos coletivos, sobre a participação damulher, dos jovens e das crianças na organizaçãodo assentamento; sobre a relação do assentamen-to com o MST; com outras entidades, com o mu-nicípio; questões de moradia, saúde, educação,lazer; estrutura familiar; questões das relações depoder; estudo comparativo entre assentamentos,regiões, estados, estudos sobre os tipos de proces-sos produtivos (Processo Produtivo Único – PPUe Processo Produtivo Socialmente Dividido)...

COMO OS ASSENTAMENTOSCONSTRÓEM SUA NOVA IDENTIDADECULTURAL

É o espaço para pesquisar sobre a origem geo-gráfica, étnica e cultural dos assentados envolvi-dos com a escola, seja de um ou de mais assenta-mentos; discutir sobre o problema dos choquesde culturas; conhecer manifestações culturais di-versas; pesquisar sobre as diferentes religiões queexistem nos assentamentos e em que diferem; há-bitos alimentares, costumes, festas populares; dis-cutir sobre as mudanças que a luta e a conquistada terra trouxe para as famílias...

Estas são apenas algumas sugestões. Precisamosaprofundar a discussão a partir das tentativas deimplementação e as questões que ela trouxer. So-bre isso gostaríamos de fazer ainda algumas ob-servações:

1º) Os eixos temáticos não esgotam os conteú-dos a serem trabalhados. Longe disso, eles apenaschamam a atenção para algumas dimensões quenão deveriam ficar de fora. Na segunda parte, destedocumento, vamos apresentar uma proposta deconteúdos básicos para cada disciplina sugerida.

2º) Os eixos se relacionam com a realidade maispróxima dos alunos. Lembrando do princípio

metodológico que tratamos antes, na abordagemde cada eixo deve ser garantido o estudo das rela-ções com a realidade global, nacional e mundial.

3º) Eixos temáticos não são a mesma coisa quetemas geradores. Um eixo temático pode ser trans-formado em temas geradores, a partir da análisedas questões específicas da realidade de cada as-sentamento, de cada escola. Assim por exemplo,o eixo das questões da produção: uma determina-da escola pode desenvolvê-lo através de uma ques-tão bem específica: Como podemos diversificar aprodução do nosso assentamento? Esse poderá serum tema gerador, que implicará em conhecimen-tos de diversas áreas: geografia, matemática, eco-nomia, técnicas agropecuárias...

c) TEMPOS OU TIPOS DE ATIVIDADESQUE PODERIAM COMPOR OCURRÍCULO DE 5ªA 8ª SÉRIE

Certamente isso deverá estar adequado às con-dições objetivas de cada escola e, também, à cargahorária em que os alunos ficarão envolvidos coma escola. Esta é uma das discussões fundamentaisa serem feitas com a comunidade, levando em con-ta, tanto as necessidades do assentamento de con-tar com o trabalho das crianças e jovens, como aimportância educativa de ampliar o tempo de per-manência na escola.

A sugestão é que, na medida do possível, a es-cola trabalhe com os seguintes tempos:

AULAÉ o tempo reservado ao desenvolvimento das

disciplinas. A carga horária depende do projetolegal do curso. A sugestão é que se garanta pelomenos 05 horas diárias.

PRÁTICAS AGROPECUÁRIAS E/OUAGROINDUSTRIAIS

É o tempo reservado ao trabalho prático liga-do às disciplinas técnicas do curso e/ou às neces-sidades de produção da escola, se for o caso. Rea-lizado na área da escola ou numa área negociada

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com o assentamento. A quantidade de tempo va-ria conforme o tipo de prática, mas a sugestão éque, enquanto componente obrigatório do currí-culo, elas aconteçam pelo menos duas vezes porsemana, no turno oposto ao da aula.

TRABALHO NA ESCOLAÉ o tempo para a realização, pelos alunos, das

tarefas que lhes cabem na administração e funcio-namento da Escola. Seja a tarefa de limpeza, deauxílio na cozinha, de secretaria, de finanças, defazer o mural, cuidar da biblioteca... É importan-te que os alunos estejam organizados em setoresou equipes para fazer essas tarefas e que, eles mes-mos administrem este trabalho. A quantidade detempo aqui também é variável, porque dependedas demandas de trabalho que existem na escola.Pode ser uma hora, duas horas, ou podem bastartrinta minutos por dia. O importante é assegurarque este tempo não tire carga horária das aulas oudas práticas agropecuárias. E numa escola, queainda não conseguiu legalmente a ampliação dacarga horária, este tempo poderia ser proposto noplanejamento como tempo-extra.

AUTO-ORGANIZAÇÃOSe os alunos assumirem a responsabilidade por

algumas tarefas e, se puderem participar da toma-da de decisões sobre a escola, é preciso garantir umtempo específico para que se encontrem, discutam,tomem decisões. Com o decorrer do processo, ospróprios alunos encontram e conquistam esse tem-po, talvez até em horário extra. Mas no início, éimportante que a própria escola proponha este tem-po, para poder criar o hábito da reunião e da toma-da coletiva de decisões. Podem ser apenas algunsminutos (de 15 a 30 min.), por dia, ou um poucomais, a cada dois dias ou, a cada semana. Dependede como for o processo e em que nível os alunosvão ajudar a administrar a escola.

LEITURAPara criar o hábito é importante dedicar um

tempo diário, seja individualmente ou em grupo,para leitura, especialmente de livros de literatura(cuja campanha para arrecadação de livros podeser organizada pelos próprios alunos). Que essetempo seja de pelo menos 30 minutos diários.

COMPLEMENTAÇÃO DE ESTUDOSTempo reservado ao “tema de casa”, que no

caso de um curso com carga horária maior, podeser feito na própria escola, estimulando-se a cria-ção de grupos de estudo. É o espaço também dealgumas aulas de reforço, para alunos com difi-culdades de alguma disciplina. Ou, para realiza-ção de atividades de pesquisa, bibliográfica ou decampo, orientadas pelos professores. Poderia serum tempo diário de uma hora.

ATIVIDADES POLÍTICO-CULTURAISPelo menos uma vez por semana, a escola po-

deria proporcionar alguma atividade nesta dimen-são, envolvendo também a comunidade. Pode serum vídeo, uma palestra, um teatro, uma apresen-tação musical, uma comemoração... É também oespaço para garantir a presença de dirigentes doMST ou outros Movimentos Populares, para fa-zer uma análise de conjuntura, trazer informessobre o andamento das lutas... O tempo e o horá-rio devem levar em conta especialmente a dispo-nibilidade da comunidade.

OFICINAS DE CAPACITAÇÃOEspaço para realização de cursos extras, com

caráter prático e de capacitação técnica, ou seja,treinamento de algumas habilidades úteis para osalunos. Ex: datilografia, violão, oratória, jogo dexadrez, pintura, teatro, contabilidade, costura,marcenaria, escultura em madeira... Essas ofici-nas podem levar os alunos a descobrirem talentose também, alternativas para geração de renda noassentamento. A sugestão é que as oficinas sejamopcionais para os alunos, mas obrigatória para aescola, ou seja, que a escola faça um levantamen-to de interesses e necessidades, proporcione alter-

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nativas e os alunos possam escolher o que fazer,adequando seu tempo livre para isso. E algumasdessas oficinas poderiam ser abertas para o con-junto do assentamento. Quanto aos instrutores, épreciso verificar quais existem à disposição no pró-prio assentamento; que oficinas poderiam ser as-sessoradas pelos professores da escola; ou ainda,quais poderiam ser negociadas com entidades deassistência técnica ou outros apoios...

Uma observação em relação ao cronograma dasaulas: As experiências têm mostrado os limites dosperíodos de 45 minutos, especialmente para asdisciplinas que acabam ficando com apenas umperíodo por dia. Fica difícil desenvolver uma auladiferente, ou mesmo um tipo de método de ensi-no mais participativo, em tão pouco tempo.

A sugestão é que nas escolas, onde for possívelalterar este tipo de cronograma, se opte por de-senvolver duas disciplinas por dia, o que daria pelomenos 90 minutos, para cada disciplina, ou atéduas horas, dependendo do número de períodosque a carga horária legal preveja por dia.

D) SISTEMA DE AVALIAÇÃOAlguns elementos a considerar para montar

uma proposta de avaliação para nossas escolas:• Qualquer avaliação deve ser feita na perspec-

tiva de superar problemas e atingir os objeti-vos com mais qualidade. Envolve um juízode valor, uma crítica e sugestões de mudan-ças.

• A avaliação deve acontecer em vários momen-tos do processo. Nem só no começo, nem sóno meio, nem só no fim. Ela não deve serpara “ralar” as pessoas mas sim, para ajudá-lasa superar seus próprios limites.

• Todas as atividades realizadas na escola de-vem ser consideradas na avaliação. Numa pro-posta pedagógica como essa, não pode contarpara avaliação apenas as notas das disciplinas,ou seja, o que acontece na sala de aula. O de-sempenho no trabalho precisa ser avaliado; ocomportamento de cada aluno no coletivo; a

participação nas atividades culturais e nas ofi-cinas... É preciso decidir, qual o peso de cadaum dos tempos na nota final do aluno e tam-bém, como serão registradas estas avaliaçõesno Boletim. O ideal é que se consiga, no pró-prio regimento da escola, garantir que a ava-liação seja das várias dimensões e não só dasdisciplinas. Caso isso não seja permitido le-galmente, é preciso definir um jeito para quea nota de cada disciplina, incorpore as notasdas outras dimensões.

• A avaliação deve ser um processo coletivo edemocrático. Todos os integrantes da escoladevem poder avaliar e serem avaliados. Mas épreciso combinar, coletivamente, quais serãoas instâncias de participação e que avaliaçãocabe a cada uma delas. Ou seja, processo de-mocrático não quer dizer todos juntos avali-ando sobre tudo. É preciso definir o que cabeao coletivo de alunos avaliar, a cada professor,ao coletivo de professores, levando em contaas condições objetivas que cada instância temde fazer uma avaliação séria, rigorosa e justa.E também, é preciso definir qual o peso daavaliação de cada instância. Assim por exem-plo: o desempenho no trabalho dos alunospode ser avaliado pelos próprios setores dosalunos e pelos professores; mas qual o peso danota de um e de outro? Qual vale mais? Sãodecisões a serem tomadas pelo colegiado dedireção da escola.

• A avaliação deve ser sistemática e planejada:cada dimensão deve ter critérios e instrumen-tos previamente definidos e combinados co-letivamente. Também, devem ser planejadasa forma de registro e de divulgação dos resul-tados, o que deve acontecer de modo trans-parente a cada processo realizado.

• Critérios são os elementos que devemos le-var em conta ao fazer a avaliação. Assim, porexemplo, na avaliação das aulas um critério,necessariamente, será o domínio de conteú-dos das disciplinas pelos alunos. Já em rela-

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ção aos comportamentos no coletivo, o ní-vel de companheirismo pode ser um critérioa ser destacado, e assim por diante. Em cadadimensão, a equipe de educação do assenta-mento deve listar quais são os critérios, dis-cutindo-os também com os alunos.

Instrumentos são as formas de chegar aos re-sultados de uma avaliação, se vai ser um testeteórico ou um teste prático; se haverá um traba-lho em grupo ou individual para atribuição denotas; se vai ser adotada uma ficha de cada alu-no para anotação de comportamentos; se haverámomentos de avaliação coletiva...• Os processos de avaliação devem levar ao há-

bito de fazer crítica e auto-crítica entre aspessoas, nas instâncias determinadas pelo co-letivo. E o desafio é construir o verdadeiroCOMPANHEIRISMO, que é a atitude dequem sabe fazer a crítica certa, no momentocerto e local adequado, conseguindo não olevantar os problemas, mas também suges-tões que ajudem a pessoa avançar...*

5. ALGUMAS SUGESTÕES DECONTEÚDOS PARA AS

DISCIPLINAS PROPOSTASAntes de apresentarmos as sugestões quere-

mos registrar algumas observações importantes:a) Não conseguimos formular uma proposta

completa de conteúdos prioritários no conjuntodas disciplinas, que deveriam compor o currícu-lo de uma Escola Agrícola, de 5ª a 8ª séries. Fal-tou uma equipe mais ampla de estudo e elabora-ção. Não chegamos ter acesso a todos os avançosque existem no conjunto da sociedade, sobre arenovação curricular das escolas, especialmentede 5ª a 8ª séries. Optamos em socializar o queconseguimos até aqui, em vista de atender dealguma maneira as demandas que vêm sendocolocadas pelos professores. Mas frisamos a ne-

cessidade de continuarmos coletivamente,pesquisando e revisando esta lista de conteúdos.

b) Em relação às disciplinas do Núcleo Co-mum (aquelas obrigatórias, em qualquer escolade 5ª a 8ª séries), nossa sugestão é que os profes-sores busquem conhecer a proposta curricular daSecretaria de Educação do seu Estado e tambémde outros. Podemos constatar, que em algunscasos, há distribuições interessantes, especialmen-te naquelas em que recentemente houve um pro-cesso de revisão curricular. É o caso, por ex., daproposta do Estado de São Paulo.

c) No caso das disciplinas mais técnicas é im-portante ter acesso às propostas curriculares deoutras Escolas Agrícolas, de 1º e 2º graus, paraconfrontar conteúdos e aproveitar experiênciasbem sucedidas.

d) Será fundamental criar equipes de estudoentre professores, de 5ª a 8ª séries, para aprofundare complementar esta proposta. Seja para pesquisare discutir sobre currículos de outras escolas. Sejapara refletir sobre a prática pedagógica nas nossasescolas. Somente assim, estas poucas sugestões quelevantamos agora, poderão se tornar uma propostamais completa e coerente com o que pretende-mos.

e) Nas disciplinas que não aparecem suges-tões, o motivo é não termos conseguido contri-buições significativas e condizentes com a pro-posta pedagógica geral da escola. Nessas,especialmente, fica o desafio da pesquisa e daousadia de criar.

f ) Não podemos estabelecer uma separaçãoestanque entre conteúdos e metodologia. Mui-tas vezes, não é o conteúdo diferente que marcaa nossa proposta e sim, o jeito alternativo detrabalhá-lo. Em algumas disciplinas faremos ob-servações específicas neste sentido.

g) Não estabelecemos a divisão de conteúdospor séries. Deixamos esta tarefa para as escolas, a

* Recomendamos aos educadores a leitura do texto de Ranulfo Pelozzo: “A força que anima os militantes”, editado pelo MST. Dezembro de1994. Também é útil recorrer ao “Calendário Histórico dos Trabalhadores. 1994. Caderno de Formação nº 19. MST. 1993.

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partir das características dos alunos e sua reali-dade específica.

Vejamos então as sugestões que conseguimoslevantar nas seguintes disciplinas:

1. PORTUGUÊSO grande objetivo aqui é o domínio da expres-

são oral e escrita. Nesta perspectiva são elementosfundamentais:

a) Em relação à expressão oral: técnicas de ex-posição e oratória, debates, entrevistas, declama-ção, jograis, apresentações artísticas em geral, rá-dio, relatos de pesquisas ou estudos feitosindividualmente ou em grupo...

b) Em relação à leitura: fluência, entonação eritmo na leitura oral; compreensão, interpretaçãoe análise de textos diversos.

c) Em relação à escrita: elaboração e produçãotextual: textos informativos, narrativos, disserta-tivos, correspondências pessoais, oficinas e comer-ciais. Atas, jornais, boletins informativos e mural.Na produção de textos trabalhar também: orto-grafia, concordância verbal e nominal, constru-ção das frases segundo a forma padrão, princípiosbásicos de comunicação escrita, elementos de fo-nética...

2. LITERATURAOs objetivos: desenvolver o hábito de leitura;

conhecer e analisar as principais correntes de li-teratura brasileira e latino-americana. Os alunosdevem ter a oportunidade de ler, expor e discu-tir obras clássicas e também, da literatura popu-lar, incluindo as produções do MST. Uma ativi-dade complementar pode ser assistir filmesbaseados em clássicos de literatura. E também, aintegração com atividades de Educação Artísti-cas.

3. EDUCAÇÃO ARTÍSTICAEsta é uma disciplina que complementa o de-

senvolvimento das habilidades de expressão, alémde despertar os talentos artísticos, educar a

criatividade e desenvolver os valores estéticos e,também, da disciplina e do companheirismo.

Nossa sugestão é que no conjunto das séries, seconsiga focalizar as várias dimensões da arte,enfatizando aquelas que despertarem maior inte-resse nos alunos e no conjunto da comunidade:teatro, música, dança, desenho, pintura, escultu-ra, fabricação de artesanatos, serigrafias, produ-ção de poesias, canções, literatura...

Esta disciplina deve estimular e propiciar a cria-ção de grupos artísticos (grupos de tetro, corais,grupos de dança), a realização de festivais, de apre-sentações na comunidade...

4. EDUCAÇÃO FÍSICAO que pretendemos é formar corpos e mentes

saudáveis, com preparo físico, resistência e disposi-ção para a luta, o trabalho e o lazer. Neste sentido,a recomendação é o que os momentos de Educa-ção Física sejam dedicados predominantementepara: ginástica (montar uma seqüência fixa de exer-cícios que trabalhem todas as partes do corpo), ca-minhadas longas e cadenciadas, corridas, saltos emaltura e distância, corda, bastão, lançamentos, exer-cícios de relaxamento corporal e mental. Em rela-ção aos jogos, pode-se aproveitar o espaço da disci-plina para ensinar as regras e técnicas dos principaisjogos recreativos e esportivos. Quanto à prática dosjogos, o melhor e que fique no espaço de lazer co-letivo a ser organizado pelos próprios alunos.

5. ENSINO RELIGIOSOO objetivo aqui é a educação religiosa ou cris-

tã. Não se trata de catequese e não pode serconfessional (seguir a doutrina de uma única reli-gião ou igreja). Alguns conteúdos importantes:• Trabalhar o sentido das principais datas reli-

giosas (Páscoa, Natal, São João...)• Valores humanos e cristãos: solidariedade,

partilha, igualdade, democracia, valorizaçãodo outro, honestidade, responsabilidade,companheirismo. Refletir a partir de situaçõesdo dia a dia.

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• Manuseio e interpretação de alguns textos bí-blicos, relacionando-os com a sociedade atual.

• As principais religiões, suas convergências esuas diferenças.

• Diferença entre fé e religião.• Religiosidade popular: como o povo se relacio-

na com o sagrado. Partir da investigação dasmanifestações religiosas que existem na comu-nidade.

• A relação entre fé e política. Os princípios dadoutrina social da igreja.

A partir da disciplina podem ser estimuladasas celebrações religiosas e ecumênicas em tornode datas e conquistas do assentamento, do MSTe da luta popular como um todo.

6. CIÊNCIAS FÍSICAS E BIOLÓGICASO que pretendemos é desenvolver a atitude ci-

entífica diante da realidade e a busca de conheci-mentos úteis, para entender os fenômenos que noscercam no dia a dia. Neste sentido, não se tratade repassar mecanicamente os conteúdos sugeri-dos a seguir, mas sim desenvolvê-los através depesquisas, experimentações que tenham os alu-nos como sujeitos principais. Alguns conteúdos:• Noções de higiene e saúde: estudo das princi-

pais doenças e sua prevenção; cuidados com aágua, o solo, as plantas e os animais em rela-ção à higiene e o combate a poluição.

• Estudo do corpo humano: partes, funções,necessidades básicas, relação com o meio am-biente, alimentação adequada.

• Sexualidade humana: orientações básicas doponto de vista biológico.

• Introdução à metodologia da experimentaçãoe da pesquisa científica: como se faz um pro-jeto e os passos para execução e avaliação.

• Estudo das plantas: processo de germinação ecrescimento. Os diferentes tipos e seus cuida-dos.

• Estudos dos animais: classificações usuais,principais cuidados com as diferentes espé-cies.

• Noções sobre ecossistema: o que é, quais asimplicações nas nossas relações como meioambiente.

7. QUÍMICAEm muitos currículos não aparece a distinção

da química, em relação às outras ciências. Por isso,as sugestões que se seguem também podem serentendidas como conteúdos do conjunto da áreade ciências. Ou seja, o nome da disciplina não é omais importante. O fundamental é que em al-gum espaço os alunos tenham acesso a esses co-nhecimentos.• A atmosfera: nossa dependência em relação a

ela. Os gases da atmosfera e suas proprieda-des, o ozônio, a poluição do ar, proteção con-tra gases tóxicos ou que causam irritação, osodores e os perfumes.

• A água: como dependemos dela. Fontes deágua, água potável e de irrigação, água indus-trial, água pura e água salobra, propriedadesda água, forças; química da água: intermolecu-lares, solubilidade, soluções, sabões e deter-gentes, o equilíbrio químico PH, ácidos e ba-ses.

• O solo: nossa dependência em relação a ele,formação e composição do solo, classificaçãodo solo, como se faz coleta para análise, o queé uma análise de solos.

• O fenômeno da erosão: causas, conseqüênciase como evitar. Técnicas de manejo e conser-vação de solo, adubação: diferença entre a adu-bação química e orgânica.

• A energia: as diferentes formas de energia,combustíveis fósseis a combustão, a químicanos motores de automóveis, química nuclear:o que é fissão e fusão atômica, combustíveisalternativos, alimentos como combustíveis, aenergia na industria.

• Os metais: os metais na crosta terrestre, pro-priedade dos metais, reações dos metais maiscomuns, o que é a corrosão, pilhas e eletrólise,estrutura elementar, sistema periódico.

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8. GEOGRAFIAO grande objetivo dessa disciplina é que o alu-

no compreenda o processo de produção do espa-ço e que se localize neste processo. O eixo básicodessa produção é o TRABALHO. Através dele, asociedade se apropria da natureza e, nas mais di-versas formas de relações, transforma o espaço grá-fico. Na proposta de conteúdos, que segue já houveuma preocupação com o ordenamento nas séries.Assim, por exemplo, na 5ª série os conteúdos de-veriam ser os que possibilitem o entendimentodo processo de produção do espaço geográfico,partindo do assentamento. Na 6ª série, o proces-so de produção do espaço brasileiro. Na 7ª série,do espaço latino-americano. E, por fim, na 8ª sé-rie, a produção do espaço mundial.

Vejamos então algum detalhamento de con-teúdos a partir destes temas gerais:

a) O processo de produção do espaço geográ-fico:• Revisão das noções de localização no espaço,

orientações, leituras e construção de mapas:da escola, do assentamento, do município, doEstado

• As diferentes formas de apropriação da nature-za pela sociedade na utilização de recursos noprocesso produtivo. O trabalho como elemen-to fundamental. A transformação da natureza.

• A interação sociedade X natureza. A litosfera:formação geológica, formas de relevo, tiposde solo. A hidrosfera: redes fluviais, baciashidrográficas. A atmosfera: as massas de ar eas frentes; análise das previsões meteorológicas.A biosfera: a ocupação do território pela po-pulação, trajetória da população assentadanesta região.

• Climas: tipos e dinâmica.• Diferenças e semelhanças dos processos de

produção do espaço geográfico no campo ena cidade.

• O processo de produção na sociedade capita-lista.

• Os processos de produção no assentamento.As agroindústrias e as indústrias na região:quais, porque surgiram, como funcionam, re-lações com o comércio.

b) O processo de produção do espaço geográ-fico brasileiro:• As diferentes formas de organização do tra-

balho e da produção na sociedade capitalistabrasileira: a propriedade familiar e o trabalhoindividual ou familiar; a propriedade capita-lista e o trabalho assalariado; a propriedadecoletiva e o trabalho cooperado: a experiênciados assentamentos.

• Os recursos naturais e tecnológicos: tecnologiasconvencionais e alternativas na produçãoagropecuária.

• As relações sócio-econômicas: agricultura eindústria, produção, circulação e consumo: atrajetória das mercadorias e das pessoas. Con-centração das riquezas.

• Movimentos migratórios, crescimentopopulacional urbano e luta pela terra.

• A configuração das regiões brasileiras: processode formação, desigualdades e integração dasregiões. Estudo envolvendo as característicaseconômicas, geográficas, históricas, culturais...

• O desenvolvimento industrial brasileiro e suadependência externa. O Brasil no contexto daeconomia capitalista mundial. Empresas na-cionais e multinacionais.

c) O processo de produção do espaço geográfi-co latino-americano• A história da configuração deste espaço. Ori-

gem das divisões regionais.• O desenvolvimento desigual e combinado

entre os países. As transformações na divisãointernacional do trabalho e a regionalizaçãomundial.

• Exploração dos recursos e problemas sócio-ambientais. A Amazônia pode ser um estudoespecífico.

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• O desenvolvimento tecnológico e o processode substituição das importações.

• A América Latina e a formação dos novosmercados regionais: Mercosul, Nafta...

• A experiência socialista de Cuba.

d) As transformações do mundo contempo-râneo• O conceito de geopolítica.• A expansão do capitalismo no final do século

XIX.• As guerras mundiais e suas implicações na

produção de espaço geográfico.• A produção de espaço nos países capitalistas:

industrialização e urbanização. Estudo de al-guns exemplos na Europa, nos EUA, na Ásia.

• Os problemas agrários nos países subdesen-volvidos e a Reforma Agrária. Análise de ex-periências.

• A produção do espaço em países socialistas:formação, expansão e crises.

• O espaço da mídia no mundo moderno. Opoder político da TV; a indústria da culturade massa. Meios de comunicação e culturapopular.

• Os problemas ambientais do final do séculoXX. Os movimentos ecológicos e a luta pelapreservação ambiental do planeta.

9. HISTÓRIAO objetivo principal é que os alunos se situem no

tempo histórico, compreendam as transformaçõesdas sociedades e ampliem o seu horizonte de conhe-cimentos gerais em relação ao seu mundo próximo,mas também em relação ao país e ao mundo, Juntocom geografia. Esta disciplina é espaço privilegiadode formação político-ideológica, de caráter científi-co e voltado à compreensão da própria realidade.

As sugestões que seguem, pressupõem um tra-balho integrado com a geografia, exatamente por-que as noções de tempo histórico e espaço geo-gráfico se interligam na compreensão dosprocessos sociais.

a) Revisão dos conteúdos trabalhados, de 1ªa4ª séries, com aprofundamento: história da famí-lia, do assentamento, do município, do Estado.

b) Organização das comunidades indígenas naAmérica pré-colombiana:

O perfil das diversas culturas indígenas.c) A conquista européia da América. Destrui-

ção das comunidades indígenas. Reorganizaçãodos modos de propriedade, de trabalho e de pro-dução. O “descobrimento” do Brasil.

d) A organização econômica das colônias ame-ricanas. Mecanismos de dominação e resistênciapresentes na exploração colonial. As principais lu-tas de independência.

e) O processo de expansão do capitalismo. Es-tudo das duas grandes guerras mundiais. A guer-ra fria e a expansão do socialismo.

f ) Estudo das revoluções socialistas: Rússia,China, Cuba...

g) A construção da cidadania e da participaçãoem diferentes tempos históricos:• Na Grécia antiga;• No período da Revolução Francesa;• Nas lutas dos trabalhadores no processo de

industrialização ( estudar sobre a primeira gre-ve, o significado do 1º de maio...);

• Na luta pela terra. Estudar as lutas principaisno Brasil e América Latina;

• Nos Movimentos Populares: fazer estudo dosprincipais Movimentos Populares atuanteshoje.

h) Estudo sobre o Estado brasileiro. Evolução,constituição, como funciona a máquina do Esta-do capitalista. Análise dos governos republicanos,chegando até ao atual. A dinâmica das eleiçõesem nossa sociedade. Os três poderes, suas rela-ções, suas crises.

i) Símbolos Nacionais: história e significados.Símbolos da luta popular. Estudo sobre os sím-bolos do MST e como utilizá-los.

j) Partidos Políticos no Brasil: história e análisedos programas e atuação dos principais partidosque existem hoje. A trajetória dos trabalhadores

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em busca de um partido que represente seus inte-resses.

k) Sindicatos: como se organizam. Quais osmais expressivos. Conhecer o funcionamento dealguns através de visitas de estudo.

10. LÍNGUA ESTRANGEIRA: ESPANHOLObjetivo: construir as noções básicas para a

compreensão da língua espanhola (falada e es-crita) e fazer pequenas conversações. Para isso: apartir da leitura, audição e compreensão de tex-tos (que também podem ser canções, poemas,literatura), trabalhar elementos da fonética, gra-mática e ortografia. Desenvolver também a con-versação, enfocando principalmente: o apresen-tar-se e apresentar outras pessoas; cumprimentose despedidas; elemento da família, dia da sema-

na, meses e estações do ano, cores, ambientes,alimentos, animais, números, adjetivos mais co-muns, utensílios, roupas... A partir da conversa-ção tentar a produção de pequenos textos. Tra-balhar também, a leitura em voz alta compronúncia adequada à comunicação. Para queesta aprendizagem avance, mais rapidamente, omelhor será colocar os alunos em contato fre-qüente com a língua: seja promovendo audiçãode canções latino-americanas, seja trazendo visi-tantes de língua espanhola, seja localizando al-guma rádio dos países vizinhos...

11. MATEMÁTICAO estudo destes conteúdos deve estar contex-

tualizado em problemas do cotidiano produtivoe social dos assentamentos, devendo ser estimula-

CONTEXTCONTEXTCONTEXTCONTEXTCONTEXTO DOS PRO DOS PRO DOS PRO DOS PRO DOS PROBLEMASOBLEMASOBLEMASOBLEMASOBLEMAS1º Preenchimento de cheques2º Empacotamento e armazenamentos de produtos

3º Controles de estoques, produção semanal de leite4º Variação de temperaturas, dívidas, saldos bancários5º Aumento ou redução de receitas, divisão em partes proporcionais,cálculo de preço mais vantajoso, estimativa de produção, desenho deplantas6º Cálculos de preços e construção de silos7º Cálculos de preços e construção de silos

8º Cálculos de aumento e descontos nos preços, porcentagem deaumento ou perda produção9º Pagamentos com atraso, aplicações financeiras, compras à vista ou àprazo, financiamentos10º Divulgação e interpretação de dados numéricos da produção, análisede solos11º Medição de terras, cálculo de material para construções

12º Construção de casas, galinheiros, portões, poços13º Cubagem de madeira, cálculo da capacidade de poços e caixasd'água, volume de silos

14º Cálculos de produção total em sacos, quilos ou toneladas, venda deprodutos, cálculo de preços

15º Cálculos de orçamentos e confecção de cartazes

CONTEÚDO MACONTEÚDO MACONTEÚDO MACONTEÚDO MACONTEÚDO MATEMÁTICOSTEMÁTICOSTEMÁTICOSTEMÁTICOSTEMÁTICOSLeitura e escrita de númerosMúltiplos e divisores de um númerosMédia aritméticaMédia aritméticaNúmeros negativos (quantidades menores que zero)Proporcionalidade – escalas de mapas e plantas

Soma, subtração, multiplicação e divisão no conjunto dos números reaisEquação de 1º grauEquação de 2º grauPorcentagem – soma e multiplicação de porcentagens

Juros simples e composto

Organização de dados em tabelas e gráficos

Medidas de comprimento – Medidas utilizadas na região. Unidade pa-drão: MetroMétodos de medição de terras utilizados na regiãoMedição de terras através da Fórmula de HeronMedidas de superfície – Medidas utilizadas na região. Medidas agráriasmais usada: o hectare. Unidade padrão: metro quadrado.Áreas de figuras retangulares e triangulares.Relação entre perímetro e áreaRadiação e potenciação no conjunto dos números reais.Estudos dos retângulos, triângulos, círculos e suas propriedadesMétodos de cubagem de madeira utilizados na regiãoVolume de sólidos em forma de prismas e cilindrosRelação entre volume e capacidade – Unidades padrão: o litro e metrocúbicoMedidas de massaMedidas utilizadas na regiãoMedidas de tempoLeitura e escrita das horas

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do o cálculo mental, o cálculo aproximado e usode calculadoras.

12. SOCIOLOGIAEsta disciplina, caso seja incluída no currículo,

deverá ser trabalhada em sintonia com a História,a Geografia e as Noções de Economia. Poderiaser o espaço para precisar alguns conceitos taiscomo: modos de produção, classes sociais, ideo-logia. Também para estudar com mais detalhes,como acontecem os processos de exploração edominação no capitalismo. Podem ser organiza-dos grandes debates envolvendo as questões decapitalismo X socialismo, tendências de esquer-da. O que é social democracia no Brasil e em ou-tros países. Também pode ser o espaço para estu-dar questões ligadas ao eixo temático dasmanifestações culturais, começando pelo assen-tamento. Investigar os choques culturais e quaissuas influências nos processos econômicos e polí-ticos das comunidades. Quais os traços da cultu-ra camponesa que devem ser preservados e quaisprecisam ser superados para garantir o avanço dosprocessos de produção no contexto da ReformaAgrária.

O mais aconselhável é que esta disciplina entreno currículo a partir da 7ª série, ou conforme afaixa etária dos alunos, no momento em que este-jam mais predispostos às discussões que exijammaior nível de abstração. Também, nesta discipli-na, pode ocorrer um estudo mais aprofundadoda estrutura e da organicidade do MST, incluin-do os principais desafios que temos nos vários se-tores.

13. FILOSOFIAO grande objetivo aqui é ensinar a pensar de

modo dialético. Ou seja, pensar estabelecendo re-lações entre os fatos, os fenômenos, as idéias. Saberanalisar a realidade, percebendo as diversas variá-veis que estão envolvidas numa mesma situação.Nesse sentido, tão importante quanto os conteú-dos será o jeito de trabalhar, a metodologia de ensi-

no. A sugestão é que sejam usadas, bastante, a téc-nica de seminários, onde se exige posicionamentoe discussão em torno dos assuntos estudados. Veja-mos alguns temas e conteúdos que podem ser apro-veitados nesta disciplina:• Frases históricas e ditados populares: interpre-

tá-los a partir do seu contexto e do contextoatual.

• Temas polêmicos da atualidade. Ex.: Pena demorte, aborto, homossexualidade...

• Análise de atitudes de personagens de livros,filmes, peças de teatro.

• Estudo do pensamento de alguns filósofos li-gados à luta popular e, também, alguns már-tires. Estudar o pensamento de Che Guevara,de Zumbi dos Palmares, de Mariguella. Fazerentrevistas com lideranças do MST e discutirsobre suas idéias.

• Valores. Confrontar os valores predominan-tes na sociedade capitalista e aqueles que que-remos construir através da transformação so-cial. Trazer à tona as convicções, as crenças,os heróis de cada aluno e oportunizar refle-xões sobre isso.

14. PSICOLOGIAEspaço para estudar e refletir sobre questões

da pessoa humana em suas diferentes fases. A ori-entação é que todos os conteúdos sejam aborda-dos na perspectiva do coletivo se conhecer me-lhor, trabalhar seus conflitos e construir relaçõeshumanas saudáveis e coerentes com as posiçõespolíticas que defendemos. Alguns temas e con-teúdos que poderiam ser estudados:• Sexualidade e afetividade. O que é relação a

dois. Os sentimentos e como se cultivam.• Questões das drogas, do alcoolismo e do ta-

bagismo: quais as implicações; porque mui-tos jovens apelam para esses artifícios.

• Análise de comportamentos pessoais que es-tão perturbando o grupo.

• Estudo sobre a personalidade humana: carac-terísticas, tipos, o Id, o Ego e o Superego. Qual

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a atuação do nosso inconsciente nas nossasações. Como ter consciência de quem somose o que queremos ser.

• Questões de gênero no relacionamento social.O machismo e o feminismo. O que seriam asrelações igualitárias entre sexos. Como se edu-cam meninos e meninas nas nossas famílias.

• Trabalhar com dinâmicas de grupo que per-mitam o conhecimento da identidade do co-letivo e melhor relacionamento interpessoal.

15. METODOLOGIA DO TRABALHO DEBASE

Podendo incluir no currículo esta disciplina, oumesmo trabalhando-a em espaços não formais, aproposta é incluir alguns elementos básicos sobre:• Comunicação de massa: técnicas de discurso,

oratória em geral, propaganda de idéias e pro-dutos. Estudar como funciona a manipula-ção da massa no capitalismo e, como pode-mos nos contrapor a isso, sem deixar de sereficiente na comunicação com as pessoas.Analisar os problemas desse campo no assen-tamento, no MST, nos outros MovimentosPopulares.

• Elementos da teoria da organização coletiva:tipos de reunião e seus passos principais. Paraque, e como se faz uma Assembléia. O quesignifica direção coletiva; o que são instânciasde participação numa organização democrá-tica; como participar de uma cooperativa deprodução; o processo da crítica e autocríticanum coletivo: o que é, como se faz, exercíciosconcretos com a turma.

• Liderança: Tipos. Características de um líder.O que significa ser militante e dirigente deum Movimento Popular. Análise das relaçõesentre as lideranças e a base, no assentamento,fazer sociogramas entre os alunos e analisaros resultados.

• Mística. Qual é força que anima nossamilitância. O que é e como se expressa a mís-tica do MST. Como cultivar a mística na es-

cola, no assentamento. Como organizar umafesta de comemoração das conquistas do nos-so povo.

16. EDUCAÇÃO AMBIENTALDois objetivos principais: sensibilizar para as

questões de preservação do meio ambiente e co-nhecer alguns fundamentos e práticas da ecologiae da agroecologia. Conteúdos básicos:• Fundamentos de ecologia: ecossistemas, ca-

deias alimentares, fluxo de energia, relaçõesecológicas entre os seres vivos e o planeta.Diferentes concepções de ecologia, com ên-fase na ecologia social, que relaciona a con-servação do meio ambiente com as questõesde justiça social, Reforma Agrária...

• Conservação da natureza. Definição de con-servação e preservação dos recursos naturais.Manejo dos recursos naturais renováveis e nãorenováveis, valores e comportamentos ecológi-cos que devem ser desenvolvidos nos nossosassentamentos. Florestamento e reflorestamen-to. Coleta seletiva e reciclagem do lixo: o que ée como se faz. Como evitar a poluição da água.

• Fontes alternativas de energia e preservação domeio ambiente.

• Agricultura alternativa. Histórico, principaisconceitos, correntes e princípios. A agroecolo-gia: estudo de técnicas alternativas e sua viabi-lidade na agricultura e na pecuária. Alimenta-ção alternativa.

17. TÉCNICAS AGROPECUÁRIASEsta disciplina tem o caráter instrumental, ou

seja, visa fornecer elementos técnicos de prepara-ção para o trabalho agropecuário. Por isso deveser desenvolvida em sintonia direta com as práti-cas a serem desenvolvidas, pelos alunos, na áreada escola ou do assentamento. Nesse sentido, osconteúdos poderão sofrer uma variação, em fun-ção das demandas de capacitação técnica especí-fica de cada local. Mas, de modo geral, podemosidentificar como conteúdos básicos:

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a) Estudo das principais culturas agrícolas daregião: espécies; técnicas de plantio e cultivo;controle de pragas e doenças; armazenagem;produção de sementes. O que é rotação deculturas.

b) Técnicas de manejo, conservação e fertiliza-ção do solo. Os vários tipos de adubação or-gânica. O preparo do solo na agricultura con-vencional e na agricultura alternativa e suasimplicações.

c) Plantas medicinais: uso e cultivo.d) Produção animal. Estudo das noções técnicas

básicas de manejo das principais criações daregião. O que é inseminação artificial e quaisas implicações. Como se faz a integração en-tre a agricultura e a pecuária.

e) Noções básicas de metodologia da pesquisaagropecuária.

18. NOÇÕES DE ECONOMIAAlguns elementos já aparecem na proposta de

conteúdos de história e geografia. Para o caso daescola optar em ter esta disciplina específica, assugestões são as seguintes:a) Partir das palavras-chave de economia, que os

alunos vão conhecendo através dos noticiá-rios, do dia a dia do assentamento, e ir cons-truindo noções ou conceitos mais científicos.Ex: inflação; indicadores econômicos;indexação da economia; dolarização; planoreal; capital; preços mínimos; lucros; tipos deinvestimentos...

b) Agentes econômicos do município. A partirde visitas e entrevistas conhecer o funciona-mento de um banco, da maior empresa dacidade, de uma micro-empresa, de uma gran-de loja, de um pequeno mercado, de umacooperativa de produção, de uma cooperati-va de serviços. entender a lógica econômicade cada um desses empreendimentos, fazen-do comparações e análises.

c) Conceitos de: modo de produção, meios deprodução, forças produtivas, relações sociais de

produção, valor de uso e valor de troca, merca-doria, trabalho concreto e trabalho abstrato,propriedade social e propriedade privada. De-senvolver os conceitos sempre relacionando-oscom situações concretas do assentamentos ouda sociedade mais ampla. Poderia ser um desa-fio aos alunos montar, no final do curso, umdicionário popular de economia.

19. ADMINISTRAÇÃO RURALO objetivo principal é fornecer elementos teó-

ricos úteis na vida do assentamento. Considera-mos conteúdos básicos:a) Noções de planejamento de produção. Numa

pequena propriedade familiar e numa empresaassociativa.

b) Controles auxiliares da administração.c) Cálculos de custos de produção.d) Noções sobre comercialização e mercado, en-

tender a lógica do mercado e como se faz pes-quisa e análise de mercado.

e) Administração de materiais: como racionali-zar o uso de equipamentos e maquinários.Dicas sobre como guardar os materiais demodo a ter acesso a eles mais rapidamente.

f ) Técnicas de arquivo dos vários tipos de docu-mentos.

g) Dicas de como melhorar a eficiência e produ-tividade do trabalho.

h) Como melhorar o fluxo de informações numcoletivo. Organograma e fluxograma numaempresa associativa de produção agropecuária.Estudo de casos.

i) Créditos na agricultura. Tipos e como funcio-nam.

20. CONTABILIDADEPoderia ser trabalhada junto com a disciplina

anterior, sem maiores inconvenientes. O objetivovai na mesma linha. Os conteúdos específicos des-sa disciplina são os seguintes:a) Documentos básicos na contabilidade: saber

o que são e como preenchê-los: cheques, reci-

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bos, notas... Exercícios práticos de preenchi-mento.

b) Controles auxiliares de contabilidade: livrocaixa, livro conta corrente, controle das con-tas a pagar e a receber. Modelos, como utili-zar, exercício prático de preenchimento.

c) Conceito de patrimônio e noções básicas decomo faz inventário.;

d) Familiarização com operações bancárias: comose abre e se opera com contas bancárias; che-ques; cartões magnéticos; cartões de crédito;extratos bancários: interpretação. Entender alógica dos investimentos mais simples comocaderneta de poupança, por exemplo.

e) Prestação de contas de projetos simples.

21. AGROINDÚSTRIATambém aqui, o objetivo é apropriar-se de co-

nhecimentos técnicos, de utilidade a curto ou mé-dio prazo, no assentamento ou no conjunto doMST. Os conteúdos possíveis:a) Beneficiamento de produtos: Técnicas de pre-

paração de conservas de frutas e legumes, de-rivados do leite, doces, sabão, embutidos decarne e outros. Aproveitar, especialmente, oque for produzido pelos alunos nas práticasagropecuárias.

b) Funcionamento de uma agroindústria: Tiposde agroindústria, condições técnicas e sanitáriasnecessárias, controles. Formas de trabalho e degestão. Relação com mercado, custos de pro-dução. Aqui, será muito importante viabilizaralgumas visitas de estudo a agroindústrias daregião, dentro e fora dos assentamentos. Tam-bém, analisar a agroindústria que os alunosconseguirem montar através da escola.

22. COOPERATIVISMOO importante aqui é propiciar o estudo da his-

tória e da doutrina cooperativista, relacionando-acom as experiências atuais da prática da coopera-ção agrícola em nossos assentamentos.

Conteúdos propostos:

a) O surgimento da cooperação como uma for-ma de organização do trabalho no capitalis-mo.

b) História do cooperativismo no mundo. Con-cepção e princípios do cooperativismo desdeseu aparecimento.

c) Formas de cooperação na agricultura.d) A cooperação agrícola nos assentamentos.

História, princípios e objetivos.e) As formas de cooperação que existe nos as-

sentamentos: do grupo coletivo à CPA. Quaissão as diferenças do ponto de vista jurídico,político e dos processos produtivos envolvi-dos.

f ) Estudo comparativo entre Cooperativa deProdução Agropecuária – CPA e uma Coo-perativa tradicional de prestação de serviçosaos agricultores.

g) Estudo dos documentos produzidos peloMST sobre as dificuldade e os desafios dasexperiências de cooperação agrícola nos assen-tamentos.

h) Principais leis cooperativistas.

6 – ALGUMAS FONTESBIBLIOGRÁFICAS PARA A PESQUISA

DOS CONTEÚDOS SUGERIDOSEste é o item final que, ainda mais que anterior,

temos de deixar em aberto, desafiando o espíritode busca do coletivo de professores, de 5ª a 8ªséries, de cada escola. Não conseguimos montarlista significativa de sugestões para cada discipli-na, como era nossa intenção. Esperamos poderfazê-lo, na próxima edição deste texto, a partirdas contribuições que com certeza vamos receber,tanto dos professores como da nossa rede de apoiopedagógico.

Queremos aqui abrir a lista, com algumas su-gestões que temos em mãos:

1. TELECURSO 1º grau, Fundação RobertoMarinho/MEC. Ver especialmente os volumescorrespondentes às áreas de MATEMÁTICA eCIÊNCIAS.

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2. Construindo o conhecimento – uma abor-dagem para o ensino de ciências. Roque Moraes eMaurivan Ramos. Porto Alegre, Ed. Sagra, 1988.

3. A educação no ensino da Química. AtticoChassot. Ijuí, Ed. da UNIJUÍ, 1990.

4. As ciências lingüísticas e o ensino de lín-guas. M.A.K> Halliday. Petrópolis, Ed. Vozes,1974.

5. Da necessidade de uma gramática padrãoda língua portuguesa. A.B. Hauy. São Paulo, Ed.Ática, 1983.

6. Linguagem e escola. Magda Beatriz Soares.São Paulo, Ed. Ática, 1986.

7. Para uma nova gramática do Português. M.Perini. São Paulo, Ed. Ática, 1985.

8. História da riqueza do homem. LeoHuberman. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 1973.

9. As veias abertas da América Latina. Eduar-do Galeano. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1978.

10. Espaço e Indústria. Ana Fani Carlos. SãoPaulo, Ed. Contexto, 1988.

11. O Estado e as políticas territoriais no Bra-sil. Wanderley Costa. São Paulo, Ed. Contexto,1988.

12. Geografia crítica. A valorização do espaço.Wanderley Costa e Antônio Carlos Moraes. SãoPaulo, Ed. Hucitec, 1984.

13. Ditadura e agricultura. Octávio Ianni. Riode Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1979.

14. A luta pela terra. Octávio Ianni. Petrópolis,Vozes, 1979.

15. A geografia: Isso serve em primeiro lugarpara fazer a guerra. Yves Lacoste. Campinas, Ed.Papirus, 1988.

16. O que é geografia. Ruy Moreira. São Pau-lo, Ed. Brasiliense, 1982, Coleção Primeiros Pas-sos nº 48.

17. A geografia das lutas no campo. AriovaldoUmbelino de Oliveira. São Paulo, Contexto, 1988.

18. A questão indígena na sala de aula. Subsí-dios para professores de 1º e 2º graus. Aracy Lopesda Silva. São Paulo, Brasiliense, 1987.

19. Expansão cafeeira e origem da indústria noBrasil. Sérgio Silva. São Paulo, Ed. Alfa – Omega,1978.

20. Curso de introdução à economia política.Paul Singer. Rio de Janeiro, Ed. Forense Univer-sitária,1978.

21. O que é socialismo hoje. Paul Singer,Petrópolis, Vozes, 1986.

22. Capitalismo e urbanização. Maria E. B.Sposito. São Paulo, Contexto, 1988.

23. Imperialismo e geopolítica global. José W.Vesentini. Campinas, Papirus,1987.

24. História Geral. Francisco Assis da Silva. SãoPaulo, Ed. Moderna.

25. Paisagem e território. Demétrio Magnoli.São Paulo, Ed. Moderna.

26. Capitalismo para principiantes. CarlosEduardo Novaes e Vilmar Rodrigues, 21a ed. SãoPaulo, Ática, 1994.

27. A luta pela terra no Brasil. João PedroStédile e Frei Sérgio. São Paulo, ed, Scritta, 1993.

28. Êxodo Rural e Urbanização. FernandoPortela e José W. Vesentini. São Urbanização.Fernando Portela e José W. Vesentini. São Paulo,Ed. Ática, 1994.

29. Etnomatemática. Ubiratan D’Ambrosio.ed. Ática, 1990.

30. Para compreender a sociedade. MartaHarnecker. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1990.

31. O nascimento das fábricas. Edgar DeDecca. Coleção Tudo é História, Ed. Brasiliense.

32. A revolução russa. Daniel A. Reis Filho.Coleção Tudo é História, Ed. Brasiliense. ... E que este texto se conclua na prática de cada

um de nós. Bom trabalho!

“Não há saber sem busca inquieta, sem a aven-tura do risco de criar.”(Raul Leis)

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A idéia deste texto surgiu da necessidade deuma nova edição do Boletim da Educação nº 1,“Como deve ser uma escola de assentamento”,escrito em agosto de 1992 e com a edição esgota-da. Num levantamento que fizemos junto ao Co-letivo Nacional do Setor de Educação, no final de1995, este Boletim foi citado como um dos ma-teriais mais usados para o estudo e divulgação,interna e externa, da proposta de educação doMST nos Estados, e que por isso deveria serreeditado. A indicação foi a de aproveitar o ensejopara fazer uma revisão e atualização do texto ori-ginal.

Refletindo melhor sobre esta demanda, e par-tindo do princípio de que um texto não se revisa,mas se reescreve, decidimos que seria o momentoadequado para a realização desta outra tarefa: es-crever um novo texto sobre os princípios da edu-cação no MST, incorporando as reflexões, as re-criações, os novos entendimentos que foramconstruídos através de nossas práticas pedagógi-cas durante os quatro anos que já se passaram de-pois da redação daquele Boletim nº 1. Não querdizer que aquilo que está escrito lá, não valha mais.Vale e muito! É marco histórico da nossa elabora-ção teórica sobre educação. Só que hoje já temosum pouco mais de estrada, de experiências, en-quanto MST como um todo, e enquanto setor deeducação especificamente. Por isso, podemos afir-mar aquelas mesmas idéias de um jeito um pouco

diferente; e também podemos produzir novasidéias, sistematizar alguns novos princípios. Isto épossível também porque temos nos preocupadoem conhecer outras práticas e em estudar teoriasque ajudam a entender e a fundamentar o queestamos fazendo e pensando sobre educação. Apenúltima parte deste Caderno vai chamar a aten-ção para alguns dos interlocutores teóricos de nossapedagogia.

Este novo texto passou a ser um Caderno deEducação, visando, melhor adequá-lo enquantodocumento de estudo sobre a nossa concepção pe-dagógica. Que ele possa ter ainda maior sentido euso social do que o anterior, como guia para nos-sas ações educativas. Como todos os materiais quejá produzimos até aqui, este também carrega emsi a provisoriedade do tempo histórico em queestá surgindo. É mais um momento de sistemati-zação das nossas experiências. Pretendemos queseja instigador de reflexões e de práticas que ga-rantam que seja reescrito.

A organização de que fazemos parte está cadavez maior e mais complexa. A luta dos trabalha-dores cresce em necessidade e força. Por isso, osdesafios também aumentam e ficam mais com-plexos. A educação precisa assumir as tarefas quelhe cabem neste processo de fortalecimento danossa organicidade, de clareza do projeto políticodos trabalhadores e de construção prática e coti-diana da sociedade da justiça social e da dignida-

Princípios da Educação no MSTCaderno de Educação n. 08 – Publicado em Julho de 199631

31 Texto final: Roseli Salete Caldart.

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de humana, em nosso país, em nosso continente,no mundo todo.

Reforma Agrária uma luta de todos!Educação de qualidade para todos, uma das

lutas do MST!Porto Alegre, julho de 1996.

Coletivo Nacional do Setor de Educação

1. ALGUMAS DEFINIÇÕESIMPORTANTES

Vamos nos entender sobre o sentido de algu-mas palavras importantes em torno das quais estetexto está sendo escrito:

PrincípiosO dicionário traz dois sentidos para a palavra

princípio. Um deles é a idéia de começo, “mo-mento ou local em que algo tem origem”; e o se-gundo é a idéia de “fonte da ação”, ou seja, osprincípios são as propostas ou afirmações que es-tão na base ou que dirigem uma ação.

No nosso caso, e usando uma mistura destes doissentidos, estamos entendendo por princípios, al-gumas idéias/convicções/formulações que são asbalizas (estacas, marcos, referências) para nosso tra-balho de educação no MST. Neste sentido, eles sãoo começo, o ponto de partida das ações. Mas nãosurgiram primeiro, antes das práticas. Ao contrá-rio, eles já são o resultado de práticas realizadas,das experiências que estamos acumulando nestesanos de trabalho. Podemos comparar isso com aabertura de uma picada no meio de um matagal:as primeiras pessoas vão abrindo o caminho, deva-gar, experimentando, quebrando galhos, desvian-do banhados; se estas pessoas deixam estacas, mar-cos, referências, isso se tornará guia para os próximoscaminhantes, que por sua vez também poderãodeixar novos marcos, abrir atalhos, refazendo a es-trada e o próprio jeito de andar nela.

Foi assim que o MST formulou os seus princí-pios, o seu Programa de Reforma Agrária. Foi as-sim que a educação dentro do MST foi/está ela-borando suas diretrizes de ação. Quanto mais nos

esforçarmos para pensar sobre as nossas práticas epara estudar sobre outras práticas, mais consegui-remos avançar na formulação de nossos princípi-os. E quanto mais avançarmos na formulação dosprincípios, mais avançaremos na coerência denossas práticas, construindo um sentido estraté-gico (com objetivos de longo prazo, com articu-lação entre as ações) para nosso trabalho e para oconjunto da nossa organização.

No texto tratamos de princípios filosóficos ede princípios pedagógicos. Na verdade eles estãobastante ligados; a distinção é para entendermosas questões específicas que estão envolvidas nonosso trabalho de educação. É a exigência de umareflexão mais rigorosa sobre uma prática que semultiplica em novas questões e em novos deta-lhes políticos e pedagógicos.

Os princípios filosóficos dizem respeito a nos-sa visão de mundo, nossas concepções mais geraisem relação à pessoa humana, à sociedade, e aoque entendemos que seja educação. Remetem aosobjetivos mais estratégicos do trabalho educativono MST.

Os princípios pedagógicos se referem ao jeitode fazer e de pensar a educação, para concretizar ospróprios princípios filosóficos. Dizem dos elemen-tos que são essenciais e gerais na nossa proposta deeducação, incluindo especialmente a reflexãometodológica dos processos educativos, chaman-do a atenção de que podem haver práticas diferen-ciadas a partir dos mesmos princípios pedagógicose filosóficos. Ou seja, é diferente a prática pedagó-gica que acontece numa escola infantil de assenta-mento da que acontece num curso de segundo graucomo o Técnico em Administração de Cooperati-vas (TAC), por exemplo. Mas os princípios filosó-ficos e pedagógicos são (devem ser) os mesmos.

EducaçãoEsta é uma palavra que todo mundo usa e por

isso mesmo, tem muitos sentidos. Em sentido am-plo, podemos dizer que a educação é um dos pro-cessos de formação da pessoa humana. Processo

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através do qual as pessoas se inserem numa deter-minada sociedade, transformando-se e transfor-mando esta sociedade. Por isso ela está sempreligada com um determinado projeto político ecom uma concepção de mundo.

Em geral, e também no caso do MST, sempreassociamos muito educação com escola. Talvezporque vivemos num momento da história dassociedades onde uma significativa parte da socia-lização (principalmente das crianças) é atribuídaà escola. Quando surgiu o Setor de Educação, foipara tratar da questão das escolas de assentamen-to. Aos poucos este conceito vem sendo amplia-do, porque na prática, o Setor de Educação já atuaem bem mais frentes do que esta para a qual elefoi originalmente criado. E também as práticasde educação vão bem além do Setor de Educação.Resumindo, então, podemos dizer que atualmentefalar da educação no MST inclui pelo menos oseguinte: escolas de 1º grau dos assentamentos;escolas (legais ou não) dos acampamentos; alfa-betização e pós-alfabetização de jovens e adultosdos acampamentos e assentamentos; educaçãoinfantil (0 a 6 anos) nas famílias, nas creches, naspré-escolas; escolarização da militância em cursossupletivos ou em cursos alternativos de 1º, 2º e3º graus; cursos de formação de professores, demonitores, de educadores infantis, de outros for-madores. Ou seja, de certo modo o eixo continuasendo a escola, mas num sentido bem maisabrangente do que no início. Daí porque a com-plexidade do nosso trabalho vem aumentando, oque, de um lado, traz algumas dificuldades a maise, de outro, vem nos permitindo avançar mais rá-pido na própria reflexão teórica sobre a nossa pro-posta de educação.

Ao tratarmos aqui dos princípios da educaçãono MST, estamos pensando especialmente nestaspráticas citadas, embora também possam ser rela-cionados, de algum modo, com as demais práti-cas de formação do conjunto do MST. Conside-ramos a educação uma das dimensões daformação, entendida tanto no sentido amplo da

formação humana, como no sentido mais restritode formação de quadros para a nossa organizaçãoe para o conjunto das lutas dos trabalhadores.

2. PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS1º) Educação para a transformação socialEste é o horizonte que define o caráter da edu-

cação no MST: um processo pedagógico que seassume como político, ou seja, que se vincula or-ganicamente com os processos sociais que visama transformação da sociedade atual, e a constru-ção, desde já, de uma nova ordem social, cujospilares principais sejam, a justiça social, aradicalidade democrática, e os valores humanistase socialistas.

Deste horizonte vêm algumas características es-senciais da nossa proposta de educação:

a) Educação de classe. Quer dizer uma educa-ção que se organiza, que seleciona conteúdos, quecria métodos na perspectiva de construir ahegemonia do projeto político das classes traba-lhadoras, visando através de cada prática, em últi-ma instância, o fortalecimento do poder populare a formação de militantes para as organizaçõesde trabalhadores, a começar pelo próprio MST.Trata-se de uma educação que não esconde o seucompromisso em desenvolver a consciência declasse e a consciência revolucionária, tanto noseducandos como nos educadores.

b) Educação massiva. Ou seja, defendemoscomo fundamental o direito de todos à educação,em suas diversas formas, com especial ênfase paraa escolarização. Nesta nossa breve trajetória his-tórica, já aprendemos que os saberes que podemser apropriados e produzidos através da escola fa-zem muita diferença na formação integral que pre-tendemos para os trabalhadores e as trabalhado-ras, em todas as idades. Daí a importância da nossamobilização em torno de bandeiras de luta comoestas: “Toda criança na escola ... aprendendo!”“Todos os jovens ao estudo!” “Nenhum assenta-do que não saiba ler, escrever e fazer conta!” Eassim por diante...

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c) Educação organicamente vinculada ao Mo-vimento Social. Significa que para nós é funda-mental todo este esforço que fazemos em cadaacampamento, em cada assentamento, em cadauma de nossas escolas, de construir uma propostade educação do MST, isto é, que se desenvolvaligada às lutas, aos objetivos, à organicidade doMST. Porque acreditamos que é a educação domovimento (mais do que uma educação para omovimento), que pode melhor dar conta das suasdemandas de formação, adequando-se à dinâmi-ca de suas necessidades e, portanto, participandomais efetivamente dos processos de mudança.

d) Educação aberta para o mundo. Ou seja, in-sistirmos numa proposta de educação do MST nãoquer dizer nos fecharmos nos limites da nossa reali-dade imediata ou das nossas lutas específicas. Istonão nos levaria aos objetivos maiores de mudança.Por isso é também característica essencial de nossaeducação a preocupação com a abertura de horizon-tes de nossos/nossas estudantes, de modo que prati-quem aquele velho princípio, também filosófico, deque “nada do que é humano me pode ser estranho”.Algumas pessoas chamam este processo de aumentoda “densidade cultural”, que é um outro jeito de di-zer que a nossa vista tem que enxergar além do quenossos olhos alcançam; além do nosso “lote”. E, alémdisso, já percebemos que quem fica fechado no seupequeno mundo, costuma cultivar amarguras e sóenxergar problemas, perdendo a capacidade de pro-jetar o futuro. Nossa educação precisa nos ajudar acontinuar rompendo cercas...

e) Educação para a ação. Isto é, queremos pre-parar sujeitos capazes de intervenção e de trans-formação prática (material) da realidade. Não po-demos nos contentar com o desenvolvimentoapenas da chamada “consciência crítica”, que éaquela onde as pessoas conseguem denunciar/dis-cutir sobre os problemas e suas causas, mas nãoconseguem ir além disso e até se iludem que porestarem falando sobre um determinado proble-ma, já o estão solucionando. Se o que pretende-mos é participar dos processos de transformação

social, então precisamos dar um passo adiante.Nossa educação deve alimentar o desenvolvimentoda chamada “consciência organizativa”, que éaquela onde as pessoas conseguem passar da críti-ca à ação organizada de intervenção concreta narealidade. Para isso os processos pedagógicos pre-cisam ser organizados de modo a privilegiar estaperspectiva da ação. O que não pode ser confun-dido com uma visão “pragmatista” do conheci-mento que desvaloriza todo saber que não podeser colocado, imediatamente, em prática. Isto éum desvio e também não leva às transformaçõesdesejadas. Às vezes é preciso estudar teorias bemabstratas e difíceis para melhor entender e prepa-rar uma ação. A questão é ter sempre presente asfinalidades práticas destes estudos. Ao mesmo tem-po, é preciso considerar que a própria ação temuma dimensão educativa que nenhum estudo te-órico pode substituir.

f ) Educação aberta para o novo. Quer dizer,aberta para entender e para ajudar a construir asnovas relações sociais e interpessoais que vão sur-gindo dos processos políticos e econômicos maisamplos em que o MST está inserido; aberta tam-bém para trabalhar pedagogicamente as contradi-ções e os conflitos que aparecem nestes processos.Já aprendemos que a transformação social é umprocesso complexo, que não se resume a uma to-mada de poder político ou econômico. Ela implicaum processo de outras tantas mudanças que serãocapazes de construir um novo tipo de poder, nãomais opressor e repressor como este que temos sen-tido tanto em nossa pele! E isso tem a ver com no-vos valores, novas relações entre as pessoas, homense mulheres, adultos e crianças, dirigentes e base,novos posicionamentos diante das várias questõesda vida. O espaço social de transformação tem quechegar ao mundo, sem deixar de ser, ao mesmotempo, o assentamento, a instância, a família, a vidapessoal de cada um de nós.

2º) Educação para o trabalho e a cooperaçãoNestes doze anos de organização e de lutas, o

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MST vem ajudando a construir um novo proje-to/modelo de desenvolvimento rural, em sintoniacom as necessidades e os interesses sociais dos tra-balhadores do campo e da cidade. Os principaiselementos deste projeto aparecem sistematizadosno nosso Programa de Reforma Agrária.

O que defendemos através deste princípio é arelação necessária que a educação e a escola devemter com os desafios do seu tempo histórico. No casodas práticas educacionais que acontecem no meiorural esta relação não pode, hoje, desconsiderar aquestão da luta pela Reforma Agrária e os desafiosque coloca para a implementação de novas rela-ções de produção no campo e na cidade.

Para o MST, nesta perspectiva, uma educaçãovoltada para a realidade do meio rural é aquelaque ajuda a solucionar os problemas que vão apa-recendo no dia a dia dos assentamentos e dosacampa-mentos, que forma os trabalhadores e astrabalhadoras para o trabalho no meio rural, aju-dando a construir reais alternativas de permanên-cia no campo e de melhor qualidade de vida paraesta população.

Neste contexto destacamos a formação para acooperação, como elemento estratégico para estaeducação que vise a construção de novas relaçõessociais. O aprendizado de organização e de lutapela terra precisa se transformar numa nova men-talidade em relação às possibilidades de organizara vida no meio rural, superando a própria oposi-ção, que tradicionalmente se tem estabelecidoentre o mundo rural e o mundo urbano. Por quecada família ter que sofrer para resolver sozinhaos problemas que uma comunidade junta poderesolver com mais facilidade e em menos tempo?Trabalho, comercialização, acesso às novastecnologias, moradia, conquista de escolas, pos-tos de saúde, construção de uma agroindústria,de uma área de lazer. São estas novas questões dodia a dia dos assentamentos que vêm criando asdiversas formas de cooperação que defendemos.Só que muitas vezes elas esbarram na herança cul-tural do individualismo, do isolamento e do

conservadorismo que ainda carregamos. Por issoa necessidade de uma formação intencionalmen-te voltada para a cultura da cooperação e para aincorporação criativa das lições da história da or-ganização coletiva do trabalho.

Nossas práticas de educação precisam estar sin-tonizadas com esta nova mentalidade, encontran-do as melhores formas, os melhores métodos deajudar a construi-la. E aqui vale lembrar daqueledito: “Se sei e não faço, é porque de verdade ain-da não sei...” Então, de novo, não podemos noscontentar com belos discursos sobre a coopera-ção; precisamos avançar para os saberes, valores eafetos capazes de implementá-la, a partir das con-dições de cada realidade.

3º) Educação voltada para as várias dimensõesda pessoa humana

O que poderíamos dizer usando uma expres-são mais curta: educação onilateral. A palavraonilateral vem de Marx, que usava a expressão “de-senvolvimento onilateral do ser humano”, parachamar a atenção de que uma práxis educativarevolucionária deveria dar conta de reintegrar asdiversas esferas da vida humana que o modo deprodução capitalista prima por separar. Ou seja,uma educação onilateral se opõe a uma educaçãounilateral, que se preocupa só com um lado oudimensão da pessoa, ou só com um lado de cadavez; só o intelecto, ou só as habilidades manuais,ou só os aspectos morais, ou só os políticos. Oque acontece quando a educação é unilateral éque geralmente ficam dimensões sem trabalhar; etambém a pessoa fica um poço de incoerências,ou seja, como trabalhador ou trabalhadora é deum jeito, como militante é de outro, como pai oumãe de família é de outro jeito ainda.

Estamos defendendo então que a educação noMST assuma este caráter de onilateralidade, tra-balhando em cada uma de suas práticas, as váriasdimensões da pessoa humana e de um modo uni-tário ou associativo, em que cada dimensão tenhasintonia com a outra, tendo por base a realidade

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social em que a ação humana vai acontecer. Algu-mas dimensões principais que queremos deixarem destaque aqui:• a formação político-ideológica;• a formação organizativa;• a formação técnico-profissional;• a formação do caráter ou moral (valores, com-

portamentos com as outras pessoas);• a formação cultural e estética;• a formação afetiva;• a formação religiosa...

4º) Educação com/para valores humanistas esocialistas

A educação no MST quer ajudar na constru-ção do novo homem e da nova mulher. Para issoé fundamental uma formação que rompa comos valores dominantes na sociedade atual,centrada no lucro e no individualismo desenfre-ados. Precisamos nos contrapor a isso cultivan-do, intencionalmente, com nossos educandos/nossas educandas novos valores; pelo menosaqueles que já conseguimos vislumbrar comonecessários a uma nova ordem social. O próprioprocesso se encarregará de nos mostrar que ou-tros valores, que outras dimensões também de-verão ser aos poucos incorporadas.

Estamos chamando de valores humanistas e so-cialistas aqueles valores, então, que colocam nocentro dos processos de transformação a pessoahumana e sua liberdade, mas não como indiví-duo isolado e sim como ser de relações sociais quevisem a produção e a apropriação coletiva dos bensmateriais e espirituais da humanidade, a justiçana distribuição destes bens e a igualdade na parti-cipação de todos nestes processos. Alguns destesvalores que acreditamos deveriam ser enfatizadosnas nossas práticas educativas:• O sentimento de indignação diante de injus-

tiças e de perda da dignidade humana;• o companheirismo e a solidariedade nas rela-

ções entre as pessoas e os coletivos;• a busca da igualdade combinada com o res-

peito às diferenças culturais, de raça, de gêne-ro, de estilos pessoais;

• a direção coletiva e a divisão de tarefas;• o planejamento;• o respeito à autoridade que se constitui atra-

vés de relações democráticas e de coerênciaética;

• a disciplina no trabalho, no estudo e namilitância;

• a força/dureza necessária à militância políticamesclada com a ternura e o respeito nas rela-ções interpessoais;

• a construção do ser coletivo combinada coma possibilidade da livre emergência das ques-tões da subjetividade de cada pessoa;

• a sensibilidade ecológica e o respeito ao meioambiente;

• o exercício permanente da crítica e daautocrítica;

• a busca de formação em todas as dimensões ede superação dos próprios limites;

• o espírito de sacrifício diante das tarefas ne-cessárias à causa da transformação e do bem-estar do coletivo;

• a criatividade e o espírito de iniciativa diantedos problemas;

• o cultivo do amor pelas causas do povo, e osentido internacionalista das lutas sociais;

• o cultivo do afeto entre as pessoas;• a capacidade permanente de sonhar e de par-

tilhar o sonho e as ações de realizá-lo.

5º) Educação como um processo permanentede formação e transformação humana

Em primeiro lugar queremos destacar comoprincípio fundamental a nossa profunda crençano ser humano e na sua capacidade de transfor-mação, o que é a condição básica para acontecerum processo de educação/formação. Ou seja, aspessoas mudam, educam-se e são educadas, numprocesso que só termina com a morte. Quem nãoacreditar nisso não pode ser educador/educado-ra, porque estará realizando uma tarefa em que

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não acredita verdadeiramente e que, portanto, serávã.

Mas no trabalho de educação é preciso consi-derar também que:

1º) as pessoas não se educam da mesma manei-ra em todas as fases de sua vida e todas da mesmamaneira; daí porque a discussão metodológica decomo educar, de como ensinar, de como aprendernão é detalhe, mas sim elemento essencial para atin-girmos nossos objetivos pedagógicos e políticos;

2º) a existência social de cada pessoa é o funda-mento (base sobre a qual se funda), de sua educa-ção. O que educa/transforma a pessoa não é ape-nas o discurso, a palavra, a teoria, por melhor quesejam. É sim a vivência concreta do novo. Se o quepretendemos é transformar ou construir compor-tamentos, atitudes, valores (consciência) em nos-sos educandos/nossas educandas, é preciso organi-zar as condições objetivas para que vivam duranteo processo pedagógico estas mudanças. Será a par-tir desta vivência e de tomar consciência dela, queirão acontecer mudanças reais nas pessoas, e pode-remos dizer que realmente estão se educando;

3º) há toda uma carga social, ideológica que“educou” nosso povo para a inércia, a não mudan-ça; por isso, a educação que pretendemos é cadavez menos um processo espontâneo e mais um pro-cesso intencionalmente planejado e provocado.

4º) a educação não é obra apenas da inteligên-cia, do pensamento; é também da afetividade, dosentimento. E é esta combinação que precisa estartanto no ato de educar, como no de ser educado.

3. PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS1º) Relação entre prática e teoriaSe queremos educar os sujeitos de um novo

projeto de desenvolvimento social para o campo,educar para a ação transformadora, isto quer di-zer que precisamos de pessoas capazes de articu-lar, com cada vez mais competência, teoria e prá-tica, prática e teoria. Quem não sabe ligar umacoisa com outra, um problema com outro, quemnão sabe juntar o que estuda na escola ou num

curso, com a sua vida do dia a dia, com as ques-tões que aparecem no trabalho, na militância, nasrelações com as outras pessoas, não pode ser cha-mado de “bem educado” e não consegue dar con-ta dos grandes desafios que temos no contextosocial de hoje, como cidadãos e como integrantesdo MST.

Neste sentido defendemos como um dos prin-cípios fundamentais de nossa proposta de educa-ção a relação entre prática e teoria dentro de cadaprocesso pedagógico, justamente para que se pos-sa desenvolver esta capacidade de relação em to-das as demais situações de vida. Ou seja, conside-ramos superada historicamente aquela visão de quea escola é apenas lugar de conhecimentos teóricosque depois, fora dela, é que serão aplicados naprática. Não é esta a lógica da educação que pre-tendemos. Queremos que a prática social dos/dasestudantes seja a base do seu processo formativo,seja a matéria-prima e o destino da educação quefazemos. Queremos também que o próprio cursoseja lugar privilegiado de práticas, e que o estudoe a elaboração teórica sejam considerados práti-cas, ou seja, que impliquem a ação do educando/da educanda e não na sua audiência passiva a au-las ou textos. Em outras palavras, também estamosafirmando o primado da prática sobre a teoria,ou seja, de que as verdadeiras teorias são aquelasque são frutos de práticas sociais e que, por suavez, instrumentalizam práticas sociais.

Relacionar prática e teoria nos processos peda-gógicos, na escola, significa organizar o currículoem torno de situações que exijam respostas práti-cas dos/das estudantes, respostas que só saberãodar se estudarem muito e se pensarem bastantepara relacionar o que encontram nos livros, como que a professora está dizendo, com coisas queos pais já disseram, com o que já observaram emoutras situações parecidas, com o que estão dis-cutindo entre eles. Ou seja, o grande desafiometodológico que este princípio nos traz é o decomo aprender a articular o maior número de sa-beres diante de situações da realidade. Aprendiza-

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gem que é a garantia, não só para atingirmos osobjetivos da nossa educação, como também paradeixar este processo com muito mais sabor, maisprazer, mais sentido.

Em alguns dos princípios seguintes aparecemoutros elementos que se combinam com este de-safio metodológico.

2º) Combinação metodológica entre proces-sos de ensino e de capacitação

Esta é uma distinção que descobrimos estudan-do e refletindo sobre as metodologias de educa-ção/formação que o MST vem experimentandonos seus cursos formais, especialmente no campoda educação de adultos.

A descoberta é que nem tudo se aprende da mes-ma maneira, e nem todas as dimensões da educaçãopodem ser trabalhadas do mesmo jeito, ou com amesma metodologia. Ou seja, os processos deaprender envolvidos, por exemplo, no conhecimen-to ou domínio de teorias sobre determinada questão(ligada ou não à realidade concreta), não são osmesmos daqueles que envolvem a construção dedeterminadas habilidades, ou de determinadas ati-tudes, mesmo que elas sejam sobre o mesmo tema.Assim, saber qual é a proposta de cooperação agríco-la que o MST defende, não é a mesma coisa quesaber implementar uma experiência de cooperação.Esta distinção passa a ser fundamental justamentepara adequarmos a metodologia ao objetivo real quetemos com cada processo educativo. Porque, então,se vamos montar um curso sobre Cooperação Agrí-cola, para ficar no mesmo exemplo, precisamos sa-ber qual dos saberes acima é o que prioritariamentequeremos garantir. Mesmo que talvez pretendamoschegar aos dois, a nossa opção metodológica será,necessariamente, em função do objetivo prioritário.

Nossa reflexão sobre esta distinção começou como princípio geral que defendemos: partir da práti-ca. Percebemos que existem maneiras diferentes departir da prática num processo educativo, e queestas diferenças levam a atingir objetivos pedagógi-cos também diferentes. Num curso de formação

de professores, por exemplo, partir da prática podeser partir das experiências que os participantes tra-zem, através de seu relato e daí fazer toda uma aná-lise, um estudo sobre a educação que queremos, eassim por diante. Mas tem um jeito bem diferentede partir da prática neste caso: é organizar uma prá-tica pedagógica/docente real, ali mesmo, duranteo curso, e a partir dela, passar a refletir e estudarsobre como se educa. A opção por um jeito ou outroimplicará resultados diferenciados no saber ou naaprendizagem que cada um vai levar deste cursoonde, afinal, o tema é o mesmo.

Através desta reflexão fomos avançando no en-tendimento de que existem processos de produçãodo saber que obedecem a lógicas distintas, e atémesmo contraditórias. Na falta de melhores pala-vras (já que a discussão é nova e por isso ainda nãoestão criados os termos que a traduzam mais ade-quadamente), introduzimos a distinção entre pro-cessos de ensino e processos de capacitação, parapodermos indicar mais facilmente esta diferençade lógica. Vejamos então:

a) No ensino, a principal característica é que omomento do conhecimento (teoria) vem antes daação. Na capacitação é o contrário: a ação antece-de o conhecimento sobre ela.

b) Quem ensina é o EDUCADOR (seja umaprofessora, a escritora de um texto, os pais...);quem capacita é uma atividade objetivada, ouseja, um tipo de situação objetiva que provoca apessoa a aprender para reagir diante de um pro-blema concreto que lhe cria. Não que desapare-ça o papel do educador/da educadora; apenasmuda substancialmente. Na lógica da capaci-tação, o que lhe cabe é colocar o educando/aeducanda em relação com a atividade objetivada,ou até inventá-la, se ela não existe na realidadeatual. Isto quer dizer, provocar necessidades deaprendizagem.

c) O ENSINO resulta em saberes teóricos ou,poderíamos dizer simplesmente em saber. ACAPACITAÇÃO resulta em saberes práticos ou,como temos preferido chamar, em saber-fazer (ha-

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bilidades, capacidades) e em saber-ser (comporta-mentos, atitudes, posicionamentos).

Retornando ao princípio: a afirmação é, então,que na educação que fazemos sejam combinadosos processos de ensino com os de capacitação. Ouseja, ambos são importantes, porque dão conta dedimensões diferenciadas. A questão é de priorizarora um ora outro, dependendo dos objetivosformativos que estão em jogo.

Não podemos esquecer que a escola é, tradicio-nalmente, um espaço de ensino. Muitas vezes nemchegando no ensino que vise à relação prática-teoria-prática. Por isso é uma verdadeira revolu-ção pedagógica introduzirmos nela a lógica dacapacitação. No entanto, esta é a maneira que te-mos de fazer das escolas verdadeiras “oficinas dealternativas”, onde os educandos/as educandasaprendam a conduzir as transformações sociais quedesejamos. E podemos fazer isso sem descuidardo ensino. Voltando mais uma vez ao exemplo dacooperação agrícola: sem dúvida há muitos con-teúdos teóricos a serem aprendidos pelas nossascrianças e jovens, muita pesquisa de campo a serfeita nos assentamentos para entender os desafiosque estão colocados a partir da prática que temos;mas nada melhor do que combinar este ensinocom a vivência concreta dos/das estudantes na suaprópria experiência de organizar a escola em for-ma de cooperativa, para que este objeto concretolhes capacite em cooperação, mas também emnovos comportamentos, novas atitudes pessoaisem relação ao coletivo, etc. É também a idéia daeducação onilateral, de que tratamos lá nos prin-cípios filosóficos.

Uma implicação prática importante deste prin-cípio: em nossas escolas ou em nossos cursos pode-mos/devemos estabelecer, não só a lista de conteú-dos a serem dominados pelos/pelas estudantes, mastambém as metas de capacitação, ou seja, as habi-lidades ou competências a serem desenvolvidasnuma determinada disciplina, ou numa etapa, ounuma série... Isto também implicará, certamente,toda uma reformulação dos métodos tradicionais

de avaliação, que costumam estar voltados só paraa apreensão de conteúdos...

3º) A realidade como base da produção do co-nhecimento

Conhecido mais pela expressão “partir da reali-dade”, este é, talvez, um dos princípios mais popu-lares nas nossas escolas, mas que vem sendo enten-dido de maneiras muito diferentes e, às vezes,equivocadas. Tem aluno que anda dizendo por aí:“Chega de estudar a realidade! Quero ver coisasnovas!” Isto nos indica que, em algumas práticastemos simplificado demais o entendimento do queseja esta tal de realidade.

Partir da realidade. Talvez esta não seja mesmoa melhor expressão, porque podemos entender quepartir significa não voltar mais. Precisaríamos en-tão acrescentar que além de ponto de partida é tam-bém ponto de chegada porque, afinal, qual o desti-no dos conhecimentos que queremos produzir? Jánão dissemos que é a transformação da realidade?Então estamos mudando um pouco o jeito de di-zer este princípio para ver se conseguimos nos en-tender melhor.

A produção do conhecimento é uma das dimen-sões do processo educativo. Então, através desteprincípio estamos dizendo que precisamos nos preo-cupar em como garantir que nossos educandos/nossas educandas produzam conhecimento. Co-nhecimento sobre o quê? Sobre a realidade. Masquando falamos em realidade não estamos nos re-ferindo apenas à realidade que nos cerca, a que vi-vemos ou enxergamos. A realidade é o mundo! Étudo aquilo que existe e que merece ser conhecido,apreciado, transformado e que pode estar a milha-res e milhares de quilômetros do nosso assentamen-to. Só que não tem sentido conhecermos todo omundo sem conhecermos o nosso assentamento.Porque, afinal, é nele que nós vivemos e é paramelhorar as condições de vida nele que estamosestudando.

Então, podemos dizer que neste enunciado sim-ples de ter a realidade como base, estão contidos

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alguns princípios metodológicos importantes, quepodem nos ajudar a melhor organizar, especial-mente, os processos de ensino. São eles:

a) As questões da realidade são as que levam àconstrução do conhecimento, porque são elas quegeram a necessidade de aprender. Um ensinolivresco, centrado em conteúdos estanques e queninguém sabe para que servem, nunca vai levarao conhecimento. Leva à decoreba e ao tédio emsala de aula. Foi desta reflexão, aliás, que surgiu ochamado “método de ensino através de temas ge-radores”, que são justamente questões extraídasda realidade, seja a mais próxima ou atual, seja amais distante no tempo e no espaço, em tornodas quais se passa a desenvolver uma determina-da unidade de estudos, integrando conteúdos,didáticas e práticas concretas dos educandos.

b) Partir da realidade mais próxima e já umpouco conhecida pelos educandos, tem se mos-trado um facilitador da aprendizagem. Por exem-plo, entender a situação da agricultura no paíshoje, fica mais fácil se começarmos discutindocomo está a situação da produção do nosso assen-tamento. Porque se consegue partir dos conheci-mentos que os/as estudantes já têm e ir ligandocom novas informações, estudos e discussões que,chegando à realidade nacional e até internacio-nal, vão acabar ajudando a entender melhor a pró-pria situação do assentamento. Ou seja, se conhe-ce transitando constantemente do particular aogeral e do geral ao particular. Quer dizer entãoque partir da realidade próxima é um jeito ou ummétodo pedagógico para chegar ao conhecimen-to da realidade mais ampla, o que por sua vez de-verá se reverter na capacidade de análise e de in-tervenção nas situações-problema que vãoaparecendo na realidade que foi o ponto de parti-da do processo de conhecimento. De novo estamosno âmbito da relação prática-teoria-prática, de quefalamos antes.

Detalhe importante: educadoras/educadoresque não conhecem a realidade (seja a próxima,

seja a distante), não têm como desenvolver umensino que a tenha como base!

Detalhe importante 2: quem vive num assen-tamento não necessariamente conhece a sua rea-lidade!

4º) Conteúdos formativos socialmente úteis oAlguns dos princípios anteriores chamaram a

atenção sobre como, em nossa proposta de edu-cação, não acreditamos numa pedagogia centradanos conteúdos, ou seja, naquela que considera queos conteúdos são a parte mais importante do pro-cesso educativo, sendo o seu domínio teórico ademonstração de que a pessoa está sendo bemeducada. Não acreditamos nisso! Partilhamos daconvicção pedagógica de que os conteúdos são ins-trumentos para atingir nossos objetivos, tanto osligados ao ensino quanto à capacitação. Só queisto não quer dizer que qualquer conteúdo serve.Pelo contrário, se são instrumentos, precisam serescolhidos adequadamente.

De modo geral podemos dizer que conteúdossão sínteses de conhecimentos. Na educação es-colar costumam aparecer divididos em discipli-nas, em áreas de estudo, ou dentro de eixostemáticos. Assim dizemos conteúdos de Matemá-tica, conteúdos de Estudos Sociais, ou conteúdosligados ao tema saúde, etc. Se falamos de escolhaou de seleção de conteúdos é porque a quantida-de de conhecimentos que a humanidade já pro-duziu em cada área, é muito grande. Não temoscondições de ensinar e nem de aprender tudo, nemdurante uma vida inteira. Então, sempre quemontamos o chamado currículo da escola ou oprograma de um curso, mesmo que não pense-mos sobre isso, estamos sempre fazendo uma se-leção de conteúdos. Às vezes não somos nós quefazemos esta escolha; outros a fazem. É assimquando a Secretaria da Educação fornece à escolaa chamada “lista mínima de conteúdos” a seremtrabalhados em cada série, por exemplo. Ou ago-ra, quando o Governo Federal está estabelecendoos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a

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serem seguidos por todas as escolas do país. Dequalquer modo, sempre há ainda uma margemde escolha, à medida que podemos, enquantoeducadoras/educadores, no conjunto da nossaprática pedagógica, priorizar alguns conteúdosmais do que outros.

É neste sentido que precisamos ter bem claro,que esta escolha não é neutra. Ela tem a ver comnossos objetivos educacionais e sociais mais am-plos. Se dizemos: conteúdos formativos socialmen-te úteis, é porque no nosso entendimento, nemtodos os conteúdos são igualmente formativos enem todos são socialmente úteis.

Não podemos esquecer que os conhecimentos(que aparecem sistematizados nos chamados con-teúdos de ensino) são produzidos socialmente. Porisso eles têm incorporados interesses sociais, posi-ções políticas. É diferente estudar a História doBrasil, por exemplo, do ponto de vista dos gruposdominantes ou dos grupos dominados. Da mes-ma forma, há questões mais importantes e menosimportantes a serem incluídas num currículo vol-tado aos interesses dos trabalhadores, levando emconta um determinado tempo e um determinadoespaço social onde este estudo vai acontecer.

No fundo podemos afirmar que se trata de uti-lizar também nesta dimensão específica, o princí-pio da justiça social, ou seja, selecionar aqueles con-teúdos que, de um lado, estejam na perspectiva dedistribuição igualitária dos conhecimentos produ-zidos pela humanidade; e de outro lado, que te-nham a potencialidade pedagógica necessária paraeducar os cidadãos/as cidadãs da transformaçãosocial. Em outras palavras, devemos analisar cadaconteúdo a ser ensinado, perguntando-nos até queponto contribui para a concretização dos demaisprincípios de que tratamos neste Caderno.

Novamente aquele detalhe importante: umeducador/uma educadora que é pobre de conteú-dos, que tem pouco acúmulo de conhecimentos,não será capaz de fazer uma seleção de conteúdosde ensino, nesta perspectiva. Por isso, melhorar eampliar a nossa formação, e desenvolver proces-

sos mais coletivos de decisão sobre estas escolhassão desafios fundamentais para implementaçãodestes princípios!

5º) Educação para o trabalho e pelo trabalhoNa proposta de educação do MST, o trabalho

tem um valor fundamental. É o trabalho que geraa riqueza; que nos identifica como classe; e que écapaz de construir novas relações sociais e tam-bém novas consciências, tanto coletivas como pes-soais. Quando dizemos que a nossa educação pre-tende criar sujeitos de ação, temos presente queestes sujeitos são, principalmente, TRABALHA-DORES.

Trabalhadores/trabalhadoras militantes, porta-dores de uma cultura da mudança e de um proje-to de transformação.

Para nós, vincular a educação com o trabalho éuma condição para realizarmos nossos objetivospolíticos e pedagógicos. Esta vinculação pode serentendida em duas dimensões básicas e comple-mentares:

a) Educação ligada ao mundo do trabalho. Istoquer dizer que nossos processos pedagógicos (e es-pecialmente as escolas), não podem ficar alheios àsexigências cada vez mais complexas dos processosprodutivos, seja os da sociedade em geral, seja osdos assentamentos, em particular. A escola não temcomo único objetivo a formação para o trabalho;mas é um local privilegiado para também dar con-ta dela. E pode fazer isso tanto selecionando con-teúdos vinculados ao mundo do trabalho e da pro-dução, como também proporcionando e/ouacompanhando experiências de trabalho educativocom seus estudantes.

Fazem parte desta dimensão os seguintes obje-tivos pedagógicos:• desenvolver o amor pelo trabalho e, especial-

mente pelo trabalho no meio rural;• entender o valor do trabalho como produtor

de riquezas e saber sobre a diferença entre re-lações de exploração e relações igualitárias deconstrução social pelo trabalho;

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• superar a discriminação entre o valor do tra-balho manual e do trabalho intelectual, edu-cando para ambos;

• tornar mais educativo o trabalho que nossosestudantes já exercem nos acampamentos, nosassentamentos ou em outras instâncias da or-ganização, do ponto de vista técnico, mas tam-bém do ponto de vista da superação das rela-ções de exploração e de dominação;

• vincular mais diretamente as escolas com abusca de soluções para os problemas enfren-tados nos acampamentos e assentamentos;

• desenvolver habilidades, comportamentos,hábitos e posturas necessários aos postos detrabalho que estão sendo criados através dosprocessos de luta e de conquista das áreas deReforma Agrária.

b) O trabalho como método pedagógico. Querdizer, a combinação entre estudo e trabalho comoum instrumento fundamental para desenvolver-mos várias das dimensões da nossa proposta deeducação. Vamos identificar as principais:• o trabalho como prática privilegiada capaz de

provocar necessidades de aprendizagem, o quetem a ver com o princípio da relação entreprática e teoria, com a construção de objetosde capacitação, e com a idéia de produzir co-nhecimento sobre a realidade;

• o trabalho como construtor de relações soci-ais e, portanto, espaço também privilegiadode exercício da cooperação e da democracia;

• estas mesmas relações sociais como lugar dedesenvolvimento de novas relações entre aspessoas, de cultivo de valores, de construçãode novos comportamentos pessoais e coleti-vos em comum, de cultivo também da místi-ca da participação nas lutas dos trabalhado-res, e da formação da consciência de classe.

6º) Vínculo orgânico entre processos educativose processos políticos

Entendemos por processos políticos aquelesque se referem ao modo de governar/dirigir a

vida social, pública. Envolvem as relações depoder que se estabelecem na sociedade em vis-ta de conservar ou de transformar o jeito emque está organizada. Neste sentido é que se podedizer que tudo o que fazemos é político, por-que acaba tendo alguma coisa a ver com o jogode forças sociais que disputam o poder no con-junto da sociedade.

A educação é sempre uma prática política, àmedida que se insere dentro de um projeto detransformação ou de conservação social. Mas du-rante muito tempo se tentou acreditar que edu-cação e política não deveriam se misturar. Quepolítica era coisa de político e que não deveria“contaminar” as mentes e os corações de nossascrianças e jovens. Trata-se aqui, na verdade, deuma intencional e perversa tentativa de alienaçãodas pessoas, para que nem pensem que algo podeser diferente na sociedade em que vivem. No casodos/das estudantes do MST, quando a escola negasua relação com a política, está dizendo a eles/elasque reprova a sua participação no Movimento, naluta pela Reforma Agrária, e que militância nadatem a ver com educação. Combatemos com vee-mência esta posição!

Vínculo orgânico entre educação e política sig-nifica fazer a política entrar/atravessar os proces-sos pedagógicos que acontecem nas escolas, noscursos de formação. É bem mais, então, do queconversar sobre questões políticas. É conseguirtrabalhar pelo menos algumas das dimensões se-guintes:

a) alimentar a indignação ética diante das situa-ções de injustiça e de indignidade humanas. Ouseja, não podemos perder a sensibilidade frente àlógica da violência, da exclusão, da impunidadeque está sendo imposta pelo modelo de sociedadeatual. Só que é preciso intencionalmente, cultivaresta sensibilidade porque os espaços e os meios decomunicação social dominantes estão fazendo exa-tamente o contrário. Além disso, é preciso canali-zar este sentimento de indignação para o desper-tar da necessidade de mudanças, tanto na

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sociedade como em cada pessoa ou em cada umde nós;

b) desenvolver atividades e estudar conteúdosintencionalmente voltados à formação político-ideológica dos/das estudantes. Entre outras coi-sas isto quer dizer dar ênfase ao estudo da históriae da economia política, fazer uma abordagem crí-tica e problematizadora da realidade, trabalhar amística da organização e do conjunto das lutasdos trabalhadores, estimular e proporcionar a par-ticipação dos/das estudantes em atos e manifesta-ções dos trabalhadores em geral, e do MST emparticular, vincular a escola com a construção daorganicidade do assentamento, do Movimento;

c) estimular e participar junto de lutas sociaisconcretas dos trabalhadores de outras categori-as, como forma de educar para a solidariedadede classe;

d) incentivar os/as estudantes para que se or-ganizem e aprendam também a lutar pelos seusdireitos: de crianças, de jovens, de estudantes, dealunos/alunas, de mulheres, de homens, de tra-balhadores/trabalhadoras, de participantes da or-ganização, de cidadãos/cidadãs...;

e) desenvolver processos de crítica e autocríticacoletiva e pessoal, visando avançar na coerênciaentre o discurso político e a prática política, naescola, na família, no assentamento, no MST, nopartido, na sociedade;

f ) chegar a ser militante! Esta é a meta; porquenada mais efetivo no aprendizado político do quepertencer a uma organização. Pertencer a uma or-ganização é assumir seu caráter, seus princípios,seus objetivos, e estar disposto a realizar as tarefasque lhe são confiadas. É como estar ligado numanova família, maior, e por isso mais cheia de con-flitos, de desafios, mas também de conquistas, dealegrias, de vitórias, de afetos. Esta é, sem dúvida,uma dimensão fundamental de uma educação quese pretenda comprometida com a transformaçãosocial. E será tanto mais pedagogicamente eficaz,se for compartilhada por educadores/educadorase educandos/educandas.

7º) Vínculo orgânico entre processos educativose processos econômicos

Os processos econômicos são aqueles que di-zem respeito à produção, à distribuição e ao con-sumo de bens e de serviços necessários ao desen-volvimento da vida humana em sociedade. Ahistória da humanidade nos demonstra (e Marxnos explica), que são as relações econômicas (aque-las que as pessoas estabelecem entre si nos proces-sos de produção, distribuição e consumo) as quemovem as sociedades, transformam as pessoas.

Durante muito tempo se pensou que a educa-ção não tinha e não deveria ter nada a ver com aeconomia. Até porque geralmente se pensa na eco-nomia como sendo a economia capitalista. En-tão, se a educação se mistura com a economia,está reproduzindo a exploração, a dominação e aexclusão, que são as características básicas domodelo econômico de mercado capitalista. Só queisto é uma ilusão! Se o que queremos, afinal, é atransformação deste modelo, não é fugindo dasrelações econômicas que vamos conseguir isso. Aocontrário, é experimentando outros tipos de rela-ções que até podemos descobrir como, de fato,toda a sociedade pode ser diferente.

A partir das práticas pedagógicas que o MSTvem desenvolvendo, em especial nos cursos TAC(Técnico em Administração de Cooperativas) eMagistério, começamos a entender melhor apotencialidade formativa de vincular o processode educação com a inserção concreta (real) dos/das estudantes em algum tipo de processo econô-mico, que acontece dentro do próprio curso ouda escola. Ou seja, se a educação tem a ver com aformação/transformação de consciências, é preci-so trazer para dentro do processo educativo aque-las relações que, na sociedade, são a base destaformação/transformação.

Vincular organicamente a educação com a eco-nomia quer dizer concretamente o seguinte:• aproximar os/as estudantes do funcionamento

do mercado e dos processos produtivos. Porprocessos produtivos estamos entendendo to-

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dos os processos de trabalho que são necessáriospara garantir a qualidade da vida das pessoas edo conjunto da sociedade. Envolve a produ-ção de bens e de serviços, materiais ou não.Assim, a agricultura é um processo produtivo,a educação é um processo produtivo, a criaçãode uma obra de arte, a contabilidade de umaempresa... Então, a aproximação de que fala-mos vai desde fazer levantamento de preços deprodutos até conhecer de perto unidades deprodução, sejam industriais ou agroindustriais,adequando os objetivos e as atividades às dife-rentes idades e aos diferentes cursos;

• relacionar os/as estudantes com o mercado,no sentido de que tenham que produzir al-gum tipo de bem ou de serviço que será utili-zado (não necessariamente comprado) poroutras pessoas, que não eles próprios. Só quemjá fez alguma experiência deste tipo para con-seguir entender melhor de que potencialidadepedagógica é que estamos falando! De comoter que apresentar uma peça de teatro para acomunidade, por exemplo, pode alterar o jei-to das crianças se interessarem pela leitura, pelaredação, pela aula de educação artística quevai confeccionar o cenário...;

• desenvolver experiências de trabalho com ge-ração de renda, o que quer dizer, ainda mais,entender as regras de funcionamento do mer-cado, à medida que se trata da comercializaçãodos bens ou serviços produzidos. Aqui vale omesmo comentário anterior...

Acreditamos que estes vínculos devem ser ex-perimentados, com a adequação necessária, emtodas as idades, em todos as séries, em todos oscursos. Mas eles são fundamentais, ou seja, não sepode abrir mão deles, especialmente naqueles pro-cessos pedagógicos que visem prioritariamente acapacitação em organização.

Detalhe importante: juntando a prática desteprincípio com os demais, mas especialmente coma do princípio anterior, estaremos em melhorescondições de também não entrarmos no desvio

que seria fortalecermos em nossos/nossas estudan-tes uma mentalidade economicista, que é aquelaque coloca a economia como a única dimensãoimportante na vida humana, com a qual nossoprojeto de nova sociedade não compartilha.

8º) Vínculo orgânico entre educação e culturaEntendemos por cultura tudo aquilo que as pes-

soas, os grupos e as sociedades produzem para re-presentar ou expressar o seu jeito de viver, de en-tender e de sonhar o mundo. É a cultura quepermite a comunicação humana e, portanto, per-mite a própria educação. São expressões culturais:a linguagem, os costumes, as tradições, a arte, osrituais, a religiosidade, os comportamentos, as nor-mas, os saberes, o jeito de se relacionar com asoutras pessoas no cotidiano, os valores éticos...

A educação pode ser considerada ao mesmotempo um processo de produção e de socializaçãoda cultura; pode ser ainda um processo de trans-formação cultural das pessoas, dos grupos. Nestesentido, em outros princípios de nossa propostade educação já aparecem elementos desta relaçãonecessária entre educação e cultura. O destaqueaqui é para enfatizar especificamente o papel quecabe à educação no processo de construção/recons-trução da identidade cultural dos trabalhadores,e no nosso caso, dos trabalhadores que perten-cem ao MST.

Aprendemos com a história, que as lutas cul-turais são parte importante dos processos de trans-formação social. Alguém já disse até que repre-sentam o cimento que liga as lutas econômicas epolíticas. Então não podemos considerar menosimportante esta dimensão quando pensamos naeducação das pessoas. Coisas do tipo: que can-ções são entoadas pelos nossos jovens, que heróispovoam os sonhos de nossas crianças, que tipo derelações se cultivam entre homens e mulheres,entre pais e filhos, que tipo de religiosidade sepratica em nossos acampamentos e assentamen-tos, que festas nos congregam...não são apenasquestões do cotidiano sobre as quais não é neces-

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sário pensar ou influir. Por estes e outros detalhespodem passar a nossa resistência ou afirmação dosvalores e da ideologia da sociedade capitalista; etambém nestes detalhes pode aumentar ou dimi-nuir a nossa pertença à organização, nosso pró-prio amor e gosto por participar e continuar par-ticipando desta luta coletiva.

Nossas escolas, nossos cursos de formação, pre-cisam ser espaços privilegiados para a vivência e aprodução de cultura. Seja através da comunica-ção, da arte, do estudo da própria história do gru-po, da festa, do convívio comunitário como antí-doto ao individualismo que é valor absoluto nocapitalismo; seja também pelo acesso às manifes-tações culturais que compõem o patrimônio cul-tural da humanidade, seja pelo enfrentamento dosconflitos culturais que aparecem no dia a dia donosso movimento. O que não podemos perderde vista é o objetivo maior de tudo isso, e que dizrespeito não a um simples resgate da chamadacultura popular, mas principalmente, ao produ-zir uma nova cultura; uma cultura da mudança,que tem o passado como referência, o presentecomo a vivência que ao mesmo tempo em quepode ser plena em si mesma, é também antecipa-ção do futuro, nosso projeto utópico, nosso hori-zonte.

9º) Gestão democráticaConsiderar a democracia um princípio peda-

gógico significa dizer que, segundo nossa propos-ta de educação, não basta os educandos estuda-rem ou discutirem sobre ela; precisam também, eprincipalmente, vivenciar um espaço de partici-pação democrática, educando-se pela e para a de-mocracia social. Queremos aqui chamar a aten-ção para duas dimensões fundamentais da gestãodemocrática na/da educação:

a) A direção coletiva de cada processo pedagó-gico, que vai além dos seus participantes mais di-retos, ou seja, educadores/educadoras e educan-dos/educandas. Isto quer dizer, no caso das escolasde acampamentos e assentamentos, a participa-

ção efetiva da comunidade na gestão da escola,bem como a relação desta escola com o conjuntode escolas ligadas ao MST, e a sua subordinação(crítica e ativa) aos seus princípios filosóficos epedagógicos.

b) A participação de todos os envolvidos noprocesso de gestão. Todos devem aprender a to-mar decisões, a respeitar as decisões tomadas noconjunto, a executar o que foi decidido, a avaliaro que está sendo feito, e a repartir os resultados(positivos ou negativos) de cada ação coletiva. Istoé democracia! E só acontece se o coletivo organi-zar instâncias de participação, desde a direçãopolítica ou o planejamento mais geral da ativida-de de educação, até a esfera específica do apren-der e ensinar ou da relação entre quem educa equem é educado.

10º)Auto-organização dos/das estudantesA expressão “auto-organização” estamos toman-

do do pedagogo russo Pistrak, para especificar oprocesso de criação do coletivo de alunos/alunasnuma escola. Auto-organizar-se significa ter umtempo e um espaço autônomos para que se en-contrem, discutam suas questões próprias, tomemdecisões, incluindo aquelas necessárias para suaparticipação verdadeira no coletivo maior de ges-tão da escola.

E por que estamos colocando este como umprincípio separado da gestão democrática? Exata-mente para chamar mais atenção sobre ele. Na ver-dade, a auto-organização dos educandos eeducandas pode ser considerada uma das dimen-sões da gestão democrática, inclusive o que a tornamais verdadeira, do ponto de vista da sua partici-pação real (e não de faz-de-conta) no processo. Mas,além disso, queremos destacar o conteúdo especi-ficamente pedagógico desta auto-organização, o quenos têm levado a instituir em alguns cursos, espe-cialmente os de 2º grau, ou os que acontecem jácom jovens e adultos, o princípio da autogestãopedagógica, como forma de acelerar o desenvolvi-mento da consciência organizativa dos/das estudan-

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tes. Nestes cursos, o coletivo de estudantes assume,autonomamente, a direção de parte significativa doseu processo de formação, ao mesmo tempo emque coopera na gestão coletiva do conjunto da pro-posta pedagógica do curso.

Os aprendizados que estão em jogo nesta prá-tica:• a capacidade de agir por iniciativa própria, ao

mesmo tempo em que respeitando as deci-sões tomadas pelo seu coletivo ou por outro aque este seja subordinado;

• a busca de soluções para os problemas semesperar salvação de fora;

• o exercício da crítica e da autocrítica;• a capacidade de mandar e de obedecer ao mes-

mo tempo, ou seja, de assumir ora posiçõesde comando, ora posições de comandado;

• a atitude de humildade, mas também deautoconfiança e de ousadia;

• o compromisso pessoal com os resultados decada ação coletiva e o compromisso coletivocom a ação de cada pessoa e a solidariedadeem vista de objetivos comuns;

• a capacidade de trabalhar os conflitos que sem-pre aparecem nos processos coletivos,...

Ou seja, estamos no âmbito do aprender a serou, se preferirmos, da formação do caráter de nos-sos/nossas estudantes que, dizíamos antes, tem queser onilateral. E a prática tem nos mostrado a gran-de potencialidade da auto-organização (ou maisradicalmente, da autogestão pedagógica), para tra-balhar as várias dimensões da pessoa, ao mesmotempo, num mesmo processo e com um nívelsatisfatório de coerência. Se a educadora manda eo educando obedece, não há como saber o quevai, afinal pela cabeça e pelo coração deste edu-cando; se, por outro lado, os estudantes fazem oque querem sem nenhum tipo de intervençãopedagógica, não podemos falar de educação; masse os educandos/as educandas, entre si e sob de-terminadas condições e orientações, precisam seautocomandar, há nesta relação uma matéria-pri-ma imensa para atuação pedagógica dos educa-

dores/das educadoras, desde que tenham forma-ção adequada para isso.

A forma que vai assumir a auto-organização doseducandos/das educandas depende muito de quetipo de prática de educação se trate, dos objetivosprincipais que ela tenha, da idade e das experiênciasanteriores dos/das estudantes, do preparo dos edu-cadores/das educadoras, das condições objetivas detempo e de espaço que se tenha. Não se poderiapensar, por exemplo, na autogestão pedagógicacomo forma de organizar as nossas escolas, de 1ª a4ª séries, nos assentamentos; mas talvez até se pos-sa pensar algo semelhante para as de 5ª a 8ª, desdeque na fase anterior se exercitem as práticas de auto-organização mais simples. O fundamental é queem cada realidade se reflita sobre isto e se encontrea forma mais adequada de garantir este espaço pró-prio para os/as estudantes.

11º) Criação de coletivos pedagógicos e for-mação permanente dos educadores/das educado-ras.

Sem uma coletividade de educadores não háverdadeiro processo educativo. “Nenhum educa-dor tem o direito de atuar individualmente, por suaconta e sob sua responsabilidade.” (Makarenko).Parece uma afirmação muito forte? Mas ela é umalição também da nossa prática. Um professor ouuma professora que trabalhe só, não consegue pôrem ação estes princípios pedagógicos que aquiestamos defendendo. Eles nasceram de um esfor-ço coletivo e é pela cooperação que se realizam.

Quando dizemos coletivos pedagógicosestamos pensando em várias situações diferencia-das: Uma delas é a da criação da Equipe ou Nú-cleo de Educação, como grupo de pessoas que sereúnem sistematicamente, para discutir sobre aspráticas de educação do acampamento ou do as-sentamento, visando torná-las cada vez mais or-gânicas e de qualidade. Outra é a do coletivo deprofessores e professoras da escola que se reúnempara estudo, planejamento e avaliação das aulas;pode ser da mesma escola ou de escolas próximas,

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no caso de ser apenas uma professora. Outra situa-ção ainda é a da Equipe que se constitui para fa-zer a coordenação pedagógica de algum curso ououtro evento formativo. E se lembramos do desa-fio posto pelo princípio anterior, ou seja, de acom-panhar pedagogicamente a auto-organização dos/das estudantes, mais ainda é possível concluir so-bre a importância do trabalho coletivo entre oseducadores/as educadoras.

O princípio do trabalho de educação atravésde coletivos pedagógicos está ligado a outro prin-cípio que é igualmente importante: quem educatambém precisa se educar continuamente. Oscoletivos pedagógicos podem ser o espaço privile-giado de autoformação permanente, através dareflexão sobre a prática, do estudo, das discussõese da própria preparação para outras atividades deformação promovidas pelo MST, pelos órgãospúblicos, por outras entidades. Além de qualifi-car o trabalho, o coletivo tem ainda outra dimen-são formativa: ele mais facilmente alimenta o nossodireito de sonhar, de criar, de ousar fazer coisasnovas. Um direito que, no nosso caso, é tambémum dever!

12º) Atitude e habilidades de pesquisaJá se disse: “Sem investigação não há direito à

palavra.” Embora possa parecer uma afirmação umtanto rígida, não podemos negar que nossa práti-ca também nos traz algumas lições neste sentido.Ou seja, quantos discursos, quantos textos,quantas propostas que quando são feitas sem basenum conhecimento mais profundo da realidade,nos levam ao erro, ao recuo ou, pelo menos, àperda de tempo?

Não estamos nos referindo aqui àquelas pes-quisas que costumam ser realizadas pela acade-mia. Pesquisa neste princípio é igual à investiga-ção sobre uma realidade, quer dizer, um esforçosistemático e rigoroso que se faz para entendermais a fundo (cientificamente), aquilo que é paranós um problema. Pesquisar é construir a soluçãode um problema a partir do conhecimento da sua

situação atual e da sua história anterior, ou seja,de onde ele veio, se sempre foi assim ou, quandoe como já foi diferente, com que outros proble-mas se relaciona, no que precisamos mexer parasuperá-lo... Em outras palavras, pesquisa tem aver com análise da realidade. Talvez se possa dizerque é um método de analisar a realidade parapoder fazer proposições mais adequadas a uma in-tervenção nela.

A investigação, neste sentido, qualifica a açãodos sujeitos na realidade. Mas não nascemos ounaturalmente nos tornamos pesquisadores. A pes-quisa ou a investigação implica em uma atitudediante do mundo, diante do conhecimento, e im-plicam habilidades, ou competências que preci-sam ser formadas nas pessoas, aprendidas por elas.A curiosidade diante daquilo que ainda não se co-nhece, a busca de respostas que não se contentamcom a aparência das coisas, a capacidade de rela-cionar uma idéia com outra, um problema comoutro, o gosto pelo estudo histórico da realidade,a habilidade de fazer perguntas, de construir hi-póteses, de registrar por escrito as coisas que ouve,pensa, faz, de refletir e discutir em grupo, de ela-borar propostas...Tudo isso precisa ser paciente-mente aprendido, e ensinado. E não é algo que seaprenda de um dia para o outro, de um curso parao outro. É um processo demorado e que por issoprecisa ser planejado, acompanhado, como todoo processo educativo.

Em nossas escolas, a prática da pesquisa estárelacionada com o próprio princípio de relacio-nar teoria e prática e precisa ser constituído comouma metodologia de educação, adequando-se àsdiferentes idades, aos diferentes interesses, e àsexigências específicas do contexto onde acontececada processo pedagógico.

E, só para também exercitarmos o princípioda relação entre uma coisa e outra, lembramosque aqui se trata de um processo de CAPACITA-ÇÃO, ou seja, o saber pesquisar está no âmbitodo saber-fazer e do saber-ser, com tudo que issoimplica...

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13º) Combinação entre processos pedagógicoscoletivos e individuais.

Uma das críticas que algumas pessoas costu-mam fazer à nossa proposta de educação é a deque, ao enfatizarmos a dimensão do coletivo, aca-bamos deixando de lado a dimensão individualou pessoal do processo educativo. Talvez seja umlapso de comunicação, mais do que uma dife-rença de entendimento. Porque num contextosocial que privilegia, ou mesmo absolutiza o in-divíduo, isolado, a-histórico, egoísta, parece jus-tificável que, pretendendo mudar este contexto,nossa ênfase seja outra. Porém isso não significadeixar de lado a pessoa; muito pelo contrário,todos os princípios pedagógicos de que tratamosaté aqui, têm como centro a pessoa, só que nãoisolada, individual, mas sim como sujeito de re-lações, com outras pessoas, com coletivos, e comum determinado contexto histórico, social.

A partir de nossas práticas pedagógicas já pu-demos verificar a verdade do princípio que diz:ninguém aprende por ninguém, ninguém se edu-ca por alguém; mas também ninguém se educasozinho. Ou seja, o processo educativo é um pro-cesso que acontece em cada pessoa, mas só acon-tece (no sentido onilateral de que já falamos), seesta pessoa estiver com outras pessoas, e de pre-ferência, seus iguais. Quer dizer não é só a rela-ção professora-estudante que educa; também arelação entre estudantes e entre educadores/edu-cadoras, acaba se transformando em relação edu-cador / educando. Todos aprendendo e ensinan-do entre si. É isso que também quer dizer aqueleoutro princípio que todos conhecemos: o cole-tivo educa o coletivo.

No âmbito da reflexão metodológica, esteprincípio quer nos chamar a atenção tambémpara a importância do acompanhamento peda-gógico personalizado, ou seja, ao mesmo tempoem que o educador/a educadora atua no coleti-vo, precisa conhecer cada estudante, analisandosuas características peculiares, seus destaques,seus limites, as metas de capacitação que vai atin-

gindo, de que modo, como pode avançar mais...Só assim poderá ajudar efetivamente no avançodo processo pedagógico do coletivo como umtodo. E isso tem muito a ver com a avaliação,que é sempre uma questão difícil neste processo.O desafio é exatamente conseguirmos criar for-mas de avaliação que expressem esta dupla atua-ção, pessoal e coletiva.

Por outro lado, não é demais lembrarmos quequando nossa intervenção pedagógica aconteceno coletivo, temos mais condições de lutar con-tra um dos desvios mais comuns nos educado-res/nas educadoras, que é o PATERNALISMO.Ser paternalista é querer resolver os problemasdo outro pelo outro; às vezes até mesmo antesde que ele perceba que está com problemas. Istoé tudo o que não se pode fazer em educação.Alguém já disse que saber/aprender é um atodifícil, exigente; às vezes até doloroso. Mas é porisso mesmo que é um processo bonito; um sacri-fício que traz compensação porque também podeser gostoso. O educador/a educadora não tem odireito de matar este processo; nem sendo auto-ritário e repressor, nem sendo paternalista, nemse omitindo de fazer a sua parte.

Por isso, quando a relação pedagógica se esta-belece apenas entre duas pessoas, é mais fácil des-tes desvios aparecerem sem ser notados, confun-didos com os sentimentos que alimentamos emrelação à outra pessoa. No coletivo o processo setorna mais conflitivo, mais transparente, compossibilidade maior de crítica e autocrítica.

Através deste princípio, pois, chamamos aatenção sobre a importância da relação pedagó-gica que se estabelece entre educadores/educa-doras e educandos/educandas, e que é a base so-bre a qual todos estes princípios serão ou nãoconcretizados.

Mas atenção!Há um ingrediente, ao mesmo tempo tão sin-

gelo e tão decisivo que, sem ele, não é possívelrealizar estes princípios, esta educação:

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É o amor!Amor pelas pessoas; amor pelo ato de educar; amorpelo MST; amor pelas causas do povo.Quem não ama os seus educandos e as suaseducandas não consegue educá-las.Quem não ama as suas educadoras e os seus educa-dores não se deixa educar por eles.Quem não ama o MST, não consegue atuar nele,não consegue se educar e educar outras pessoasatravés dele.Quem não ama a justiça social e a dignidadehumana não se apaixona pelo MST.Quem não ama a vida não ensina a viver.Quem não ama educar não educa.Quem não ama a classe trabalhadora, não assumeo seu destino; não respeita a sua caminhada; nãoajuda a construir seu projeto de futuro.Quem não ama a Pátria, não faz revoluçõesencarnadas na história do seu povo.Quem não ama não se encanta, não se apaixona,não se educa, não luta, não vive...E amar é acreditar, confiar, ser fiel;é sacrificar, exigir, cumprir exigências, tolerar;é ouvir, falar, calar, dialogar, criticar, aceitarcríticas;é sentir dor, ter prazer, fecundar, criar;é fazer diferença na vida do outro;é comungar, partilhar, festejar...E assim seja!

4. ALGUMAS SUGESTÕES DE LEITURASPARA APROFUNDAR NOSSO

ENTENDIMENTO TEÓRICO SOBREESTES PRINCÍPIOS

Documentos do MST1. Programa de Reforma Agrária. Caderno de

Formação nº 23. São Paulo, julho de 1995.2. Vamos Organizar a Base do MST. Cartilha

nº 2. São Paulo, março de 1995.3. Documento Básico do MST. Em revisão.

São Paulo, julho de 1994.4. A Cooperação Agrícola nos Assentamentos.

Caderno de Formação nº 20. São Paulo, 1993.5. Perspectivas da Cooperação Agrícola nos As-

sentamentos. Caderno de Cooperação Agrícola nº4. São Paulo, dezembro de 1995.

6. O que queremos com as Escolas dos Assen-tamentos. Caderno de Formação nº 18. São Pau-lo, 1ª edição: 1991, 2ª edição: novembro de 1993.

7. Como deve ser uma Escola de Assentamen-to. Boletim da Educação nº 01. São Paulo, 1992.

8. Escola Trabalho e Cooperação. Boletim daEducação nº 04. São Paulo, 1ª edição: 1994, 2ªedição: novembro de 1995.

9. O Trabalho e a Coletividade na Educação.Anton Makarenko. Boletim da Educação nº 05.São Paulo, junho de 1995.

10.OFOC: Um Método de CapacitaçãoMassiva em Organização. Caderno de EducaçãoCooperativista nº 02. ITERRA, Veranópolis, ju-nho de 1996.

2. Obras de alguns autores clássicos que têmsido nossos interlocutores:

1. MARX, Karl. O Capital. Vol. 1 e 2. Há vá-rias edições.

2. MANACORDA, Mario A. Marx y laPedagogía Moderna. Libros Tau, Barcelona, 1979.

3. MANACORDA, Mario A. O PrincípioEducativo em Gramsci. Artes Médicas, Porto Ale-gre, 1990.

4. KRUPSKAYA, Nadezhda. La EducaciónLaboral y la Enseñanza. Progresso, Moscou, 1986.

5.MAKARENKO, Anton. Poema Pedagógico.3 vol. Há várias edições.

6. MAKARENKO, Anton. Problemas da Edu-cação Escolar Soviética. Seara Nova, Lisboa, 1978.

7. LEONTIEV, Alexis. O Desenvolvimento doPsiquismo. Horizonte, Lisboa, 1978.

8. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido.Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974.

9. PISTRAK. Fundamentos da Escola do Tra-balho. Brasiliense, São Paulo, 1981.

10. MARTÍ, José. Ideário Pedagógico. Impren-sa Nacional de Cuba, Havana, 1961.

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11. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia daPraxis. 3ª ed., Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1986.

12. LÊNIN, W. Sobre a Educação. SearaNova, Lisboa, 1977. 2 vol.

13. TANGUY, Lucien. Racionalização Peda-gógica e Legitimidade Política. Artigo traduzidodo livro: Savoir et compétences. Harmattau, Pa-ris,1994.

5. Algumas sugestões para a leitura desteCaderno

Este texto é uma sistematização das atuais re-flexões do MST sobre educação, especialmentesobre uma nova proposta pedagógica para as es-colas ligadas às áreas de Reforma Agrária em nos-so país. Não se trata, pois, de uma discussão quejá esteja disseminada em toda a nossa base social.O grande desafio que temos, enquanto Setor deEducação, é exatamente encontrar as formas maisadequadas de ir socializando estas reflexões e suaspráticas correspondentes.

Temos que entender estes princípios como onosso horizonte, o lugar onde queremos chegarenquanto transformação da educação. A suaimplementação certamente será diferenciada emcada realidade específica, dependendo do mo-mento histórico, da correlação de forças políti-cas, das pessoas com quem trabalharmos, dasalianças e parcerias que conseguirmos estabele-cer com o conjunto da sociedade.

Por isso, nossa leitura deste Caderno não podeconsiderar que a proposta de educação do MSTsomente estará acontecendo se encontrarmos emcada prática todos estes princípios juntos. Não éesta a lógica da realidade que é movimento,incompletude...

Nossa proposta de educação está sendo postaem prática toda vez que nos organizamos paralutar por uma nova escola; toda vez que reuni-mos o assentamento para tratar sobre a educa-ção que interessa desenvolver para nossos filhose filhas; toda vez que um assentado ou uma as-sentada aprendem a ler e escrever; toda vez que

mais um jovem descobre o valor de continuarestudando; toda vez que aumentamos o númerode sem terra que se formam na perspectiva decontinuar a luta... toda vez que tentamos con-cretizar estes princípios.

Escrevemos este Boletim, especialmente paraestudo e discussão nos nossos coletivos de educa-ção: Coletivo Nacional, Coletivos Estaduais e Re-gionais, Núcleos de Educação, cursos de forma-ção de educadores/educadoras, ColetivosIntersetoriais, Escolas de Formação do MST, Equi-pes ou Empresas de Assessoria Pedagógica doscursos alternativos de 1º e 2º graus, e tambémpara partilhar com os assessores orgânicos do MST.

Como se trata de um texto teórico, não sepode dizer que seja uma leitura muito fácil, enem que deva ser a primeira leitura das nossasequipes de base. O Caderno de Formação nº 18,continua sendo a leitura básica para o início dediscussão sobre educação num acampamento ouassentamento. O texto também não precisa serlido todo de uma vez, mas à medida que cadaprincípio sugere uma reflexão específica e umexercício de análise da realidade da educação quejá fazemos.

Sugerimos aos coletivos ou equipes, que acom-panham diretamente alguma das nossas frentesde trabalho, que façam o estudo dos princípiostentando analisar como está sendo e como po-deríamos fazer avançar a prática de cada um des-tes princípios:• nas escolas dos acampamentos; nas escolas

de 1ª a 4ª e nas de 5ª a 8ª séries dos assenta-mentos;

• nos cursos alternativos ou supletivos de 1ºgrau (sejam os nossos sejam aqueles em quetemos alunos e podemos acompanhar);

• nas turmas do TAC;• nos cursos de Magistério;• nas experiências de educação infantil dos as-

sentamentos;• nos programas de alfabetização de jovens e

adultos;

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• nos diversos cursos de formação que estamosdesenvolvendo;

• na proposta do nosso curso superior...A todos nós que acreditamos na justiça e na

beleza desta proposta, cabe ajudar na análise danossa realidade e na proposição de ações concre-

tas para o avanço de sua implementação; respei-tando a diversidade que nos caracteriza comoorganização nacional, mas trabalhando pela uni-dade de projeto e pelo sonho de futuro que nosidentificam e fortalecem.

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No I Encontro Nacional das Educadoras e dosEducadores da Reforma Agrária (ENERA), realiza-do de 28 a 31 de julho de 1997, na Universidade deBrasília, surgiu como resultado do debate sobre asexperiências apresentadas no Grupo de Trabalho(GT) da 5ª a 8ª série, a necessidade de “ir produzin-do uma pedagogia da cooperação” nas escolas do MST.Nas tarefas das educadoras e dos educadores comomilitantes do MST aprovou-se, no item oito, “De-senvolver atividades de cooperação na e como práticaeducativa”.

Jamais podemos nos esquecer de que esta refle-xão tem por base uma “... Escola no meio rural, volta-da ao meio rural, conforme o interesse dos trabalhado-res”, especialmente os do meio rural. A prática temdemonstrado de que para realizar esta Escola, com oprocesso pedagógico pretendido, se faz necessário iralém da legalidade: o avanço da Escola depende daorganicidade do MST e as educadoras e os educa-dores podem/devem contribuir na construção destaorganicidade, além de fazerem formação política comas educandas e os educandos, na comunidade assen-tada/acampada e no coletivos das educadoras e doseducadores.

O QUE ESTAMOS ENTENDENDOATUALMENTE

Estou cada vez mais convencido de que: aalternância não é uma pedagogia: ela é apenas umdetalhe da organização do curso e da escola; e, ostemas geradores são um engano metodológico quan-

do inventados: tendem a ser fruto do idealismo enão aprendizagem-ensino sobre o real.

A Pedagogia da Cooperação não pode ser:• entendida como uma “pedagogia nova” pois já

houve educadores que já a utilizaram de manei-ra própria, como Freinet e, inclusive, Makarenko.

• compreendida como uma “nova pedagogia” ouuma nova orientação do MST, pois ela visa con-cretizar os nossos princípios políticos e nossaslinhas estratégicas e os princípios da educaçãono MST (filosóficos e pedagógicos).

Ela deve ser uma:• pedagogia “experimental” por nos desafiar a co-

locar em prática alguns princípios da educaçãopropostos pelo MST e por exigir que reinvente-mos as técnicas pedagógicas (didáticas), que jáconhecemos ou inventemos novas;

• pedagogia “da produção”, não apenas por en-volver os educandos e educadores em um pro-cesso de produção cooperado, mas principal-mente por gerar um conhecimento a partir daexperiência ao permitir/exigir que os educandose os educadores se lancem no desafio da práticacooperada, isto é, ela exige um continuo avaliare refazer-se.

• pedagogia “do/em movimento” por ser de umMovimento Popular e por estar voltada para oavanço de uma sociedade em transformação ouser uma escola voltada para contribuir com atransformação social.

Pedagogia da Cooperação é permitir que a ajuda

Pedagogia da CooperaçãoTexto de Novembro de 199732

32 Elaboração: Paulo Ricardo Cerioli, osfs para o Setor de Educação MST.

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mútua e a ação cooperada perpassem as atividadesda Escola (precisamos ir desenvolvendo umametodologia da cooperação que vá rompendo comas práticas pedagógicas opressivas). Ela é, apenas, o“tempero” do que já estamos fazendo. Portanto, nãoexiste uma forma única de aplicá-la, mas o que deveexistir é o registro/sistematização em vista da trocade experiências sobre as técnicas pedagógicas desen-volvidas a partir de situações concretas.

Enfim, é dar-se conta de que o sujeito da açãocoletiva e da educação não é o indivíduo, mas o con-junto de pessoas que participam do processo, umavez que os problemas da vida e da prática social sãodiscutidos e avaliados coletivamente, com a finali-dade de reorganizar a ação cooperada.

Portanto, se faz necessário um coletivo depedagogos suficientemente sensíveis para acompa-nhar/contribuir a produção do conhecimento peloseducandos (parceiros e orientadores), dispostos acontinuamente repensar o processo e sistematizar (aquestão metodológica é de exclusiva responsabilida-de do educador), por terem a postura daqueles quepossuem conhecimentos, mas sabem que os mes-mos são relativos, pois há diversas possibilidades aseguir.

A SUA ABRANGÊNCIAApesar de estarmos refletindo sobre as Escolas,

de 5ª a 8ª série, urge perceber que esta pedagogiadeve estar presente em todos os níveis: desde a edu-cação infantil até a Universidade, perpassando portodos os níveis intermediários, inclusive a Educaçãode Jovens e Adultos.

Mas, na chamada educação fundamental, pareceque esta é a idade onde é possível implementar me-lhor esta proposta.

Pilares para desenvolver esta pedagogiaEstes pilares estão alicerçados sobre o princípio

do trabalho cooperado entendido como: valor de clas-

se; eixo de aprendizagem-ensino e eixo de auto-or-ganização das relações educativas. Trabalhar por tra-balhar ou pela necessidade de sobreviver é a negaçãodeste princípio.

A cooperação deve ser compreendida como for-ma de produção social do conhecimento e comoforma de reeducação das relações interpessoais.

A reflexão abaixo está voltada para os estudantesde 5ª a 8ª série:

Auto-organização dos educandos e dos educa-dores

Entendida como co-gestão entre educandos e edu-cadores e não como plena gestão democrática doseducandos. Os educandos podem/devem se auto-or-ganizar, a partir de critérios definidos em conjuntopor educandos e educadores, para contribuir na ges-tão do processo educativo em todas as suas frentes(por exemplo: ajardinamento, embelezamento da es-cola, faxina, merenda, horta, cuidado de pequenosanimais,...) e em vista de executar as deliberações as-sumidas. Evitar organizar as “brigadas” por turmas/séries, mas incentivar a participação conjunta dos me-nores com os maiores. É necessário fazer reuniões en-tre os coordenadores das brigadas e os educadores res-ponsáveis para acompanhar o processo organizativo,com a finalidade de avaliar e encaminhar as ativida-des necessárias. O comando seria semelhante aos cur-sos do MST. Zelar para que haja transparência de in-formações, o processo decisório seja participativo ehaja o cumprimento do planejamento aprovado. Oseducadores também devem se auto-organizar em “co-letivos pedagógicos” para analisar/aprofundar o pro-cesso e registrar/sistematizar as suas constatações e con-siderações....

Interação educandos-educadores (professores efuncionários)-comunidade33

Organizar o conselho escolar e o conselho de classe(se julgam necessário), com a participação de todas

33 Comunidade não entendida como pais/mães de educandos, mas como assentamento/acampamento. São os dirigentes que devem acompanharo processo educativo e não apenas os pais/mães.

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as partes interessadas, inclusive dos educandos. Pro-mover espaços de avaliação conjunta do processo de-senvolvido, bem como de proposição de melhoriasou correções. Envolver os técnicos34, do LUMIARou outros, no aprendizado- ensino e no acompa-nhamento da produção desenvolvida na Escola, bemcomo na sua unidade produtiva (lote). Envolver acomunidade em atividades pontuais na Escola (con-sertar uma cerca, por exemplo) e em atividades per-manentes (arar a terra, anualmente, por exemplo).Envolver alguns alunos para atuar na educação dejovens e adultos (EJA)....

Interação Escola-ComunidadeA Escola desenvolver um serviço para a comuni-

dade, por exemplo:• organizar, com a colaboração dos educandos, o

sistema de correio por causa do isolamento doassentamento que pode envolver o recolhimen-to e distribuição das cartas, o ler e escrever cartaspara quem tem maior dificuldade, ter uma cai-xa postal, ...

• produzir plantas medicinais na horta da escola,colher, e processar (secar, classificar, embalar, ro-tular) em vista de abastecer a farmácia comuni-tária do assentamento e para a ajuda solidária dafarmácia de algum acampamento;

• a Escola promover eventos para a comunidade(e não para os pais/mães dos educandos) e par-ticipar ativamente dos eventos da comunidade,por exemplo: dia do assentamento, dia de tra-balho voluntário, dias de luta da classe trabalha-dora,...

Desenvolvimento permanente de exercícios reaisde cooperação

Ter na escola material didático cooperado (lá-pis de cor, lápis de cera, canetinhas, apontador,régua, esquadro, compasso, tesoura, cola, fita ade-siva,...) pelo menos entre cada uma das turmasou séries. Ter uma biblioteca cooperada: livros,

revistas, jornais,... inclusive com a possibilidadede emprestar para os moradores do assentamen-to. Incentivar a entre ajuda nas atividades de apren-dizagem-ensino, através de monitorias e de exer-cícios específicos para este fim. Utilizar exercíciosde aprendizagem cooperados com funçãoautocorretiva (trocar o exercício para que oseducandos corrijam com a orientação do educa-dor). Desenvolver exercícios de trabalho manualcooperado (no mínimo, mutirão), através de bri-gadas de trabalho. Desenvolver, se possível, exer-cício de trabalho cooperado/coletivo, tais como:tecelagem, costura, cozinha, ferraria, carpintaria,criação de pequenos animais, horta, ...

A documentação-sistematização do processo e acomunicação

O processo de produção do conhecimento preci-sa ser registrado-refletido-avaliado-aprofundado,portanto se faz necessário: cadernos de reflexão paraos educandos, diários de campo para os educadorese livro de crônicas para as Escolas. Necessidade docoletivo de educadores. Necessidade da troca de in-formações/experiências entre as Escolas.

A interação afetivaTrabalhar o autoconhecimento (características e

limites) e a ligação entre as pessoas e o objeto doconhecimento. Trabalhar as relações no coletivo e aresponsabilidade de cada um. Promover exercíciosde crítica e autocrítica em vista da educação para osvalores humanistas e socialistas....

A mística como elã ou, garra e horizonte novoPromover datas cívicas/de luta, com formatura, naEscola. Organizar momentos de mística, com a co-laboração dos educandos, em atividades do assen-tamento/acampamento. Aprofundar com oseducandos/educadores os valores humanistas e so-cialistas, tais como: trabalho voluntário, responsa-bilidade,...

34 A mesma orientação sobre a produção que eles dariam para os assentados nos Núcleos de Base, dariam também na Escola.

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Desde que a Escola Itinerante no Rio Grandedo Sul foi legalmente aprovada pelo Conselho Es-tadual de Educação, em 19 de novembro de 1996,como uma experiência por dois anos, esta escolatem sido alvo de comentários, críticas, dúvidas,elogios, questionamentos e inquietudes. Por ou-tro lado, tem trazido motivos e razões para pen-sarmos mais seriamente sobre o papel da educa-ção e da escola no MST, neste momento histórico.Ao mesmo tempo, tem nos feito refletir e celebraro ganho e o avanço político-pedagógico na histó-ria da educação no MST.

Sobre a Escola Itinerante já existe alguma coi-sa escrita: foi feita uma Dissertação de Mestradona Universidade Federal de Santa Maria, um ar-tigo publicado nas Coletâneas do Pós-Graduaçãoem Educação da Universidade Federal do RioGrande do Sul, outro texto que circulou mais in-ternamente, escrito pela ocasião de um vendavalque levou o barraco amarelo da escola, mas não aesperança e o sonho dos que nela acreditam, eum relatório das atividades apresentado à Secre-taria de Educação, com o objetivo de justificar aaprovação da continuidade da experiência. Masainda faltava, segundo nosso ponto de vista, umtexto que fosse produzido pelos próprios sujeitosdiretos desta experiência.

Preocupados em responder algumas das per-guntas que vêm sendo levantadas em relação àEscola Itinerante, desde sua criação legal, condi-

ções de funcionalidade, local de trabalho, comosão trabalhadas as questões pedagógicas, a reali-dade dos professores e a participação das criançasacampadas nas ações de luta pela terra, é que to-mamos a decisão de escrever esta cartilha.

Socializar a experiência pensando e escreven-do sobre ela; sensibilizar outras pessoas para quese juntem nesta luta pelo direito a uma educaçãode qualidade social para todos, são os principaisobjetivos deste texto.

Talvez um dos principais aprendizados da Es-cola Itinerante esteja sendo o de que é possíveltrocar saberes, ensinar e aprender coisas impor-tantes, mesmo sem todas as condições de infra-estrutura, mesmo numa escola sem sala, como di-zem as crianças. Debaixo das árvores, num quartode alojamento, em quadras de futebol, no meioda estrada, nos pavilhões dos parques de exposi-ções as aulas acontecem; aulas de cidadania, derealidade, que produzem conhecimentos sobre avida e como torná-la mais bonita, mais justa, maishumana.

No desespero, no medo, na insegurança, depoisde ter levado uma chuva no lombo, de estar com frioe fome, as crianças representavam um sinal de resis-tência e esperança na caminhada. “Voltar para trás,jamais. Ser sem terra, não! diziam elas (Antoninho,dirigente estadual do MST).

Por ocasião da Marcha do MST/RS por Re-forma Agrária, Emprego e Justiça, em março e

Escola Itinerante em acampamentos do MSTFazendo Escola n. 01 – Publicado em Junho de 199835

Pensar na Reforma Agrária sem educação, no mínimo é pensá-la de maneira pouco séria.(Nina – dirigente estadual do MST)

35 Elaboração: Isabela Camini – Setor de Educação e equipe de educadores e educadoras da Escola Itinerante do MST RS: Carlota de OliveiraAmado, Janete Onuczak, Maria Madalena Luiz, Edson Hofmann, Dirceu do Nascimento e Adão Kupinski.

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abril deste ano de 1998, os três acampamentosatualmente existentes no estado, Piratini, SantoAntônio das Missões e Jóia, estiveram em certomomento acampados em frente ao INCRA e aoParque da Harmonia em Porto Alegre. Foi nestaocasião que nos reunimos, professores da EscolaItinerante e pessoas ligadas ao Setor de Educaçãodo MST, para discutir e avaliar a idéia de produ-zir este material. Com simpatia e disposição paraenfrentar o desafio de refletir sobre sua prática,organizar as idéias e juntá-las no papel, foi quecada um do grupo tornou-se sujeito-escritor dotexto que segue.

Na memória do grupo ainda está tudo muitovivo. Passado e presente estão bastante próximos.Lembram que a Escola Itinerante começou numacampamento, no município de Julio deCastilhos, de forma provisória, sendo as primei-ras aulas dadas no meio do mato e no tempo, nodizer do seu Adão, um dos professores da Esco-la. Que as crianças fizeram uma assembléia e de-cidiram vir ao Conselho Estadual de Educação,em Porto Alegre, reivindicar a aprovação legalda Escola; que quando lhes faltou material esco-lar nas frentes de trabalho, negociaram com opatrão de seus pais uma limpeza no pátio da fir-ma em troca de lápis e cadernos. Em frente aoINCRA, as aulas dadas ao ar livre, debaixo dasárvores, são uma forma de pressionar o governoe mostrar para a sociedade, que nós não temosescola para estudar dentro da sala, como diz o alu-no Tiago. Dizem que os pais se emocionam aoassistir uma aula, em que as crianças estão estu-dando sobre Reforma Agrária.

O texto está assim constituído: primeiramenteuma reflexão sobre as crianças acampadas e o di-reito à educação, tendo presente que a luta pelaescolarização dos sem-terra, sejam crianças, jovensou adultos, é uma das lutas históricas do MST.

Num segundo momento, aparece como foi or-ganizada e como funciona a Escola Itinerante, aligação com a chamada escola-base, a proposta pe-dagógica, a organização e critérios em cada etapa

de aprendizagem, e as oficinas de formação de pro-fessores.

Num terceiro momento há o relato das condi-ções de trabalho pedagógico, quando as criançasacompanhavam seus pais nas frentes de trabalho.

Em seguida vem a participação da EscolaItinerante na marcha a Porto Alegre, decisão to-mada em assembléia pelas próprias crianças. Aliaparece o contato com a sociedade, com as outrasescolas; o planejamento escolar, a cada dia e a cadanova conjuntura, os diferentes lugares de salas deaulas, os impactos causados em cada local, e oscomentários das crianças sem-terra.

Logo depois há uma reflexão sobre o que se en-sina e o que se aprende nesta escola diferente,itinerante. A caminho da capital ou no acampa-mento provisório, sempre encontram novas formasde aprendizado. Ansiosas para chegar à grande ci-dade, ao ver um riozinho poluído, perguntam: “issoé um esgoto ou uma sanga, professora?”

E por fim, vêm os limites e desafios desta esco-la, que por ser Itinerante, estar num acampamen-to, ser conquista do MST, assumida pela comu-nidade acampada e trabalhar a realidade, levantae explicita seus limites e sem dúvidas, muitos de-safios, que queiramos ou não, deverão ser enfren-tados.

Esperamos com isto poder contribuir para oconhecimento desta nova experiência, que quersentir o apoio de todos, para que não haja maiscrianças acampadas, sem terra, sem escola, semdireitos...

“Os pais respeitam as crianças porque elas per-tencem a uma organização dentro do acampamento– a Escola Itinerante. Na marcha, elas cumpriramum papel animador. Nos momentos mais inusita-dos, mais difíceis, de incertezas, elas faziam pergun-tas, como: quando vai chegar a polícia? onde estãoos jagunços? Quem são os que querem nos intimi-dar? Quem deu os tiros na madrugada? Elas sempreestavam bem informadas porque perguntavam... eperguntando, descontraíam os adultos. Por conta, seorganizavam em grupos, e saiam caminhando e can-

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tando entre os barracos. Os pais olhavam aquilo enão conseguiam entender. Uns choravam, outrosriam, e com isso iam encontrando razões para nãovoltar atrás.” (Nina)

1 – AS CRIANÇAS SEM-TERRA E ODIREITO À EDUCAÇÃO

A escola é uma luta antiga. No meu acampa-mento em 1989, em Cruz Alta, a gente escrevia naareia. Hoje a coisa evoluiu, já tem materiais didáti-cos, lonas, cadernos. Hoje já tem lona pra fazer obarraco e pra fazer a escola. E ainda, a escola é lega-lizada (Nina).

1.1 – Os passos da lutaA luta pela terra vai além da conquista de um

pedaço de chão; atinge outras dimensões da cida-dania, entre elas, o direito à educação e à escola.

Na história do MST/RS várias foram as lutas econquistas relacionadas à Educação. Desde 1979quando ainda estava sendo gestado o Movimen-to, desde 1985, com a grande ocupação da Fa-zenda Anonni, até os dias de hoje.

Além das crianças, também os adultos dosacampamentos sentiam a necessidade da educa-ção. Quando tinham que assinar documentos,muitos não sabiam escrever o próprio nome. Comisto viram, que além de serem excluídos da terra,também eram excluídos de alguns saberes, tam-bém importantes.

Em setembro de 1995, durante a preparaçãodas crianças e adolescentes para o II CongressoInfanto-juvenil do MST/RS, após conhecerem eestudarem o ECA– Estatuto da Criança e Adoles-cente, surgiu uma nova consciência: a de que ascrianças nos acampamentos também têm direitoà escola. Então por que ficariam esperando parater esse direito só depois de assentados?

Durante a programação do II CongressoInfanto-juvenil, em 11 e 12 de outubro de 1995,foi realizada uma manifestação e uma audiênciana Secretaria de Educação do Estado, onde ascrianças sem-terra apresentaram suas reivindica-

ções de escola e pediram providências por partedo Governo.

Segundo o relato do professor Adão Kupinski:Nas fotos e nas conversas, até parece um pi-

quenique, ou parece até romântico trabalhar comas crianças à sombra das árvores, na beira do ria-cho. Apesar dos locais serem bem limpos e o chãovarrido o desconforto era grande, pois os alunostinham que sentar no chão ou em bancos trazi-dos de casa.

De casa não professor, do barraco! contesta umaluno.

Havia também o perigo das picadas e queima-duras de animais e insetos. Lembro-me da aluna da1ª série, filha do Mendonça, que sentada no chão,colocou a palma da mão aberta sobre uma taturanapeluda. A taturana queimou a mão da aluna quepor uns 20 dias, não pôde pegar o lápis na mão.Havia tantas taturanas da cor das árvores que asequipes de saúde e a equipe de higiene fizeram umarrastão de caça às taturanas. Juntaram em latas egalões, centenas delas e as queimaram em um fortefogo perto do lixão do acampamento (Adão).

As crianças, estudando nestas condições pre-cárias, escrevem uma carta para a Secretaria deEducação esclarecendo a situação que se encon-tram e pedindo condições melhores para conti-nuar estudando.

1.2. Encontro com o Conselho Estadual deEducação

No dia 08 de outubro de 1996, aconteceu umareunião entre o Setor de Educação MST, Secre-taria do Estado da Educação – SE e o ConselhoEstadual de Educação – CEE para esclarecimentosobre o funcionamento da escola que o MSTqueria, que era a Escola Itinerante, aquela que jáestava em funcionamento no acampamento, masque ainda não era legalizada. O processo estavaem tramitação na SE e CEE, mas a burocraciaimpedia a sua aprovação. O acampamento esta-va sempre atento. Soube que, em 19 de novem-bro de 1996, aconteceria a apreciação da pro-

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posta da Escola Itinerante pelo CEE. Oitentacrianças e alguns pais e professores do acampa-mento “Palmeirão” de Júlio de Castilhos viaja-ram a Porto Alegre, na madrugada do dia 19 denovembro para pressionar a aprovação da suaescola. Ao chegarem no Prédio, onde funciona oCEE, foram barrados pelos guardas.

Não se preocupe, essas crianças não vão ocupareste prédio, e nem querem a escola aqui, elas que-rem a escola lá no acampamento, disse uma pro-fessora. Vieram apenas buscar a aprovação de umdireito seu, de poder estudar, continuou. O guar-da, muito preocupado, respondeu: Não se preo-cupe, eu também tenho filhos, mas se tivéssemossido avisados, poderíamos ter preparado um lan-che para eles, devem estar com fome.

Liberados, subiram rapidamente os elevado-res até o 7º andar, carregando bandeiras, faixas,cartazes. Sentados no chão, sob o olhar curiosoe atento dos presentes, ouviram atentamente orelato da experiência a ser votada e, para sua ale-gria, a aprovação por unanimidade do funcio-namento da escola, em caráter de experiência pordois anos. Sorridentes, felizes, carregando seuspertences, retornaram aos ônibus para um pas-seio na capital e, posteriormente voltaram aoacampamento. A notícia circulou na imprensa,no acampamento, no conjunto do MST. Umaconquista política, um desafio pedagógico.

As discussões dentro do acampamento pros-seguiram, agora com empenho redobrado. Aprimeira Oficina Pedagógica de formação ecapacitação de professores aconteceu, de 05 a08 de março de 1997. Só no dia 3 de abril de1997, se dá o início oficial das aulas no acam-pamento Palmeirão em Júlio de Castilho. Ain-da tendo como salas de aula a sombra das árvo-res e os bancos improvisados.

No dia 02 de Junho de 1997, acontece a Ce-rimônia Oficial de abertura da Escola Itineranteno então novo acampamento de Santo Antôniodas Missões. No dia 9 de junho de 1997, se deuo início oficial das aulas neste acampamento.

Considerando que a luta pela terra continua,a cada novo acampamento vai sendo organizadauma nova Escola Itinerante. A mais recente, or-ganizada em maio deste ano está num acampa-mento que fica no município de Viamão, próxi-mo a Porto Alegre.

2 – COMO SE ORGANIZOU E COMOFUNCIONA A ESCOLA ITINERANTEA escola Itinerante nasceu das necessidades e

da luta dos acampados, especialmente das crian-ças. Iniciou sua organização a partir da elabora-ção de uma proposta pedagógica para atendimen-to às crianças, aos adolescentes e aos jovens dosacampamentos dos Sem-Terra, pelo Departa-mento Pedagógico da Secretaria de Educação/Divisão de Ensino Fundamental, juntamentecom o Setor de Educação do Movimento dosTrabalhadores Sem Terra do Rio Grande do Sul.Após ter sido aprovada pelo Conselho Estadualde Educação, com o nome de Experiência Peda-gógica – Escola Itinerante, tendo como Escola-Base a Escola Estadual de 1º grau Nova Socieda-de, do assentamento Itapuí, no município deNova Santa Rita, que passou a dar o suporteorganizativo e institucional à Escola Itinerante,houve então o reconhecimento oficial.

São responsáveis pela execução da PropostaPedagógica:• O MST, através da Direção Estadual, Dire-

ções dos Acampamentos, Equipe de Educa-ção dos Acampamentos e Setor de Educa-ção.

• A Secretaria Estadual de Educação, atravésda Divisão do Ensino Fundamental, Depar-tamento Pedagógico, assessorada pela Comis-são Interinstitucional de Educação nosAcampamentos e Assentamentos.

2.l. Como está organizadaA Escola Itinerante nos acampamentos é orga-

nizada em etapas que correspondem ao ensinofundamental de 1ª a 5ª séries, com objetivos e

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conteúdos próprios a cada etapa. Estes conteúdossão construídos no decorrer do processo pedagó-gico, considerando e respeitando os conhecimen-tos produzidos historicamente pela humanidade,contextualizando-os e dando prioridade aos con-teúdos considerados socialmente úteis e com sen-tido concreto para suas vidas, desde já.

As etapas previstas na Proposta Pedagógica daEscola Itinerante caracterizam-se pela flexibilizaçãoe pela integração. A organização curricular previstaa cada etapa, possibilita a apreensão e a sistemati-zação de conhecimentos conforme o processo decada aluno, aluna. No momento em que a criançaconstruir as referências correspondentes a cada eta-pa, ela passará para a etapa seguinte, ficando claroque o ingresso ou a passagem das etapas poderáacontecer em qualquer época do ano letivo, a par-tir de avaliação realizada pelos professores.

Sendo esta uma Proposta Pedagógica específi-ca e diferenciada, não segue as determinações dosdias letivos previstos na LDB, que prevê 200 diasletivos. No entanto, respeita o tempo de cada alu-no na construção do seu conhecimento. A fre-qüência e o horário são fixados a partir do com-promisso assumido entre professores, alunos,comunidade do acampamento, secretaria de edu-cação e MST.

O processo educativo é construído e avaliadopelo colegiado de direção dos acampamentos, pelaassembléia dos pais, alunos e professores e pelaequipe de educação do acampamento, com a Es-cola-Base, a Delegacia de Educação de Canoas ecom o acompanhamento do Conselho Estadualde Educação.

A Escola-Base tem como função acompanhare dar suporte legal à vida escolar dos alunos e àvida funcional dos professores, como também in-cluí-los no seu corpo administrativo-financeiro,administrando a verba da autonomia financeiraem benefício da Escola Itinerante.

Quanto aos recursos humanos, inicialmente aescola contou com oito professores formados nocurso de Magistério do MST e outros em forma-

ção, desempenhando funções de monitoria. Osprofessores e Monitores são indicados pelo Setorde Educação do MST, por terem condições peda-gógicas para atuar na escola do acampamento.

A Escola Itinerante possui uma estrutura deacompanhamento pedagógico e assessoramentolegal através da Direção, Secretaria, Supervisão eOrientação da Escola-Base. A princípio funcio-nava debaixo das árvores, depois passou para bar-racões de lona preta. As crianças sentavam no chãoou em pequenos bancos de madeira, confeccio-nados pelos pais, apoiando os cadernos no pró-prio colo, o que dificultava os registros escolares.Mais tarde foram fabricados pela comunidade doacampamento bancos e mesas rudimentares parafacilitar o trabalho pedagógico. Algumas turmaspossuíam pedaços de quadro-verde, enquanto emoutras o professor e a professora usavam papel emforma de papelógrafo para visualizar a escrita, efacilitar assim a compreensão dos seus alunos.

Passaram-se meses até que a estrutura da esco-la, projetada com quatro barracas de lonas amare-las, desmontáveis, com capacidade para abrigar35 alunos em cada sala e um mobiliário dobrávelconstituído de mesas, cadeiras e quadro-verde, re-passados pela Secretaria de Estado da Educaçãochegasse ao acampamento. Tanta espera não che-gou a ser compensada porque nem um mês de-pois da construção, um vendaval levou os barra-cos da escola. Diga-se de passagem, foram osprimeiros barracos do acampamento a serem le-vados pelo vento, demonstrando que a tecnologiaprópria da montagem dos barracos de lona pretaainda não foi parar nos currículos dos cursos dearquitetura ou de engenharia (!). Posteriormente,dada a demora de uma solução pela Secretaria, aprópria comunidade mobilizou-se e reconstruiuos barracos da escola. Tiveram que voltar a ser delona preta, e com tecnologia própria.

Enquanto aguardavam a vinda dos equipamen-tos e mobiliários, foram organizadas as turmas deacordo com a proposta, em etapas, correspondenteao ensino de 1ª a 5ª séries. Os alunos que possuíam

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a documentação escolar adequada, ingressavam naetapa condizente com o nível de escolaridade, paraseguir os estudos. Aqueles que ainda não tinhama documentação necessária, passavam por avalia-ções e entrevistas a fim de constatar o seu grau deconhecimento, correspondente à etapa que iriamingressar.

A Escola Itinerante foi pensada em tempo in-tegral, onde os alunos têm aula em um turno e nooutro participam de oficinas pedagógicas com oobjetivo de ampliar os tempos formativos, desen-volvendo habilidades e expressões culturais diver-sas. As oficinas são dinamizadas e assumidas pe-los monitores, pais e pessoas da comunidade.Ainda estão em fase inicial de implementação sen-do um grande desafio pedagógico para as equipesque nelas trabalham.

A discussão e organização curricular aconte-ceu desde o início, quando os professores fo-ram estudando, discutindo, selecionando con-teúdos, planejando, fazendo encaminhamentos,experienciando, refletindo seus avanços, desem-penhos e angústias, acontecendo assim comoum dos momentos importantes do processo pe-dagógico.

Este processo de organização e formação peda-gógica estava previsto desde o início. Estava claroque para conceber e implementar uma propostapedagógica específica, contando com um coleti-vo de pais, professores, Setor de Educação, dire-ção do acampamento, havia necessidade de umacompanhamento pedagógico sistemático e mili-tante. Seu primeiro papel seria conhecer as neces-sidades, ansiedades, preocupações e aspirações dacomunidade. Ao mesmo tempo, buscar entendera concepção de educação, e os princípios pedagó-gicos do MST.

Sem dúvida, foi e continuará sendo preciso es-tudar muito, e refletir sobre cada passo do pro-cesso de implementação desta proposta pedagó-gica. Os princípios não se realizam por si mesmos.É preciso construir sua prática, a cada momento,em cada situação. E, sobretudo, é preciso admitir

que, educadores e educandos, comunidade, MSTe Secretaria, todos somos aprendizes neste pro-cesso. Daí o que temos a fazer é refletir juntos,não temendo o conflito e tendo humildade e ou-sadia.

Para mim, depois de 25 anos de magistério, acom-panhar a Escola Itinerante é um desafio constante.Então a gente vê que como professora está sempreaprendendo. (Madalena – responsável pelo acom-panhamento pedagógico da Escola Itinerante)

Neste processo está sendo muito importante oacompanhamento específico de uma professoraexperiente, indicada pelo MST e pela Secretariade Educação, que está ajudando, desde o início arefletir e a avançar o quefazer pedagógico.

A partir do primeiro mês de experiência, con-cluiu-se que haveria necessidade de planejar as au-las conforme a metodologia dos temas geradores.Com esta constatação, o processo pedagógico foiredimensionado, tendo uma nova visão da im-portância de certos conteúdos a serem trabalha-dos, surgidos dos temas geradores, sem deixar deconsiderar os conteúdos indicados como básicosem cada etapa.

2.2. A avaliaçãoA avaliação, na Escola Itinerante, ocorre de for-

ma global, participativa e contínua, acompanhan-do o processo de construção do conhecimento dosalunos. Diariamente o aluno é observado, avalia-do e acompanhado em seu desenvolvimento, con-forme critérios estabelecidos pelos professores emcada etapa.

Importa dizer que na concepção dialética daproposta de avaliação desta escola, avaliar signifi-ca considerar e valorizar todos os momentos pe-dagógicos, isto é, a metodologia, o conteúdo, osprofessores e a comunidade, dentro das responsa-bilidades, em vista do crescimento coletivo.

De acordo com este processo avaliativo, garan-te-se ao aluno um comprovante de escolaridadeem qualquer momento, para fins de transferênciaou ingresso na escola regular.

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3 – A ESCOLA ITINERANTE NASFRENTES DE TRABALHO

Nossos alunos não têm como freqüentar as aulasdas escolas oficiais que tem nos arredores, pois teriamque cumprir duzentos dias letivos e os trabalhadoressão contratados de 30 a 60 dias. A escola Itinerantedo MST garante às crianças o direito à educaçãoonde quer que elas se encontrem (Edson – professorna Escola Itinerante).

Escola Itinerante, como já diz o nome, é a es-cola que acompanha, que vai junto. Com as saí-das constantes dos pais para as frentes de traba-lho, a escola vai junto. A frente de trabalhocomplementa a insuficiente cesta básica que asfamílias cadastradas recebem do governo e rea-bastecem a farmácia do acampamento e dão as-sistência às pessoas doentes. A outra parte do queé recebido nas frentes de trabalho é para o traba-lhador acampado suprir suas necessidades básicase de sua família.

A sala de aula, na frente de trabalho, funcio-na debaixo das árvores, nas calçadas ou numquarto do alojamento. Conta o professor EdsonHoffmann:

O quarto que nos servia de sala de aula era bemapertado, eles nem se importavam com o espaço, elesse importavam com o que o professor escrevia e ex-plicava. Nos primeiros dias de aula eram dadas naparte da manhã, das 8h às 11h30, mas as criançasque ainda não estudavam, queriam ficar com seusirmãos na sala de aula, ou choravam e ficavam ba-tendo na porta da sala. Em discussão com os alunosmudou-se o horário, pois acharam que iria melho-rar, mas o ambiente continuou o mesmo.

Na creche organizada pelos trabalhadores, duasmulheres cuidavam das crianças pequenas, mascomo tinham 12 bebês de colo, não tinha comoelas ficarem de olho nos maiorzinhos.

Em reunião com os pais, decidiu-se que as au-las iriam ser dadas a noite, pois assim os pais esta-riam no alojamento e cuidariam dos pequenos.O horário definido ficou das 6h30 às 9h30.

Durante o dia, as crianças não tinham espaçopara brincar e ficavam fazendo bagunça. Foi en-tão que buscaram ocupar um espaço. Havia umpátio grande, mas estava muito sujo e o mato cres-cia alto. Em conversa com as crianças, a decisãofoi conseguir materiais para limpar o pátio. Ascrianças negociaram com o gerente da firma econseguiram enxadas, foices e vassouras. Em trêsdias, na base de duas horas por dia de trabalho,todo o pátio ficou limpo.

Na manhã seguinte, ao término do trabalhoem mutirão, o gerente mandou chamar o profes-sor dizendo que os materiais estavam lá e que erapara organizar as crianças para buscá-los.

Eu sem saber de que materiais se tratava, per-guntei a ele: Que materiais? Foi então que o ge-rente explicou sobre a negociação feita entre ele eos alunos. Também quis saber se não tinha sido oprofessor que havia organizado as crianças parafazer este pedido. Eu sem saber do caso, disse quenão (Edson).

Era uma surpresa que a criançada havia prepa-rado para o professor.

4 – A ESCOLA ITINERANTEEM MARCHA

Ao chegarmos em algumas cidades, o povo se fe-chava para a gente. Nós então, não tínhamos o quefazer! Foi duro ver e sentir este fechamento! As crian-ças não. Elas se reuniam e começavam a estudar...aos poucos o povo vinha nos ver, e ficavam encanta-dos com as crianças tendo aula naquelas condições.Assim o povo viu que a gente não é violento. Ao sairda cidade, as pessoas davam o que tinham na mão.(Nina)

Na luta por terra, Reforma Agrária e uma socie-dade justa, os acampamentos de Santo Antônio dasMissões, Jóia e Piratini fizeram ocupações em gran-des latifúndios. A escola Itinerante acompanhouos acampamentos e durante as ocupações realizoutrabalhos de mística, recreação e animação.

Em resposta ao pedido de terra, o governo,mandou um grande aparato policial para fazer a

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desocupação. Mesmo depois de muitas negocia-ções entre a direção do MST e o comando daBrigada Militar, aconteceu o despejo. Se os acam-pados não saíssem, haveria mais um massacre.Diz uma professora da Escola Itinerante de San-to Antônio das Missões:

Não podíamos ocupar as beiras das estradas nemos grandes latifúndios. Resolvemos então, seguir emcaminhada até Porto Alegre. Conversaríamos comas comunidades por onde passássemos e faríamospressão ao governo: Afinal, qual o lugar que eletem para os acampados? (Carlota)

A Escola Itinerante do acampamento de San-to Antônio se organizou então para caminhar.Fizemos os preparativos, selecionamos os mate-riais que julgamos necessários para o funciona-mento da Escola Itinerante em Marcha.

Sabíamos que deste momento em diante nãoseria nada fácil. Teríamos que nos adaptar à rea-lidade de cada local. O que mais dava ânimo eraa vontade que as crianças demonstravam em es-tudar, pois quando chegávamos em uma cidadenos perguntam logo: professora, vamos ter aulahoje?

Homens, mulheres e crianças seguiram rumoa Porto Alegre. A luta é de todos! Por isso a Es-cola Itinerante tinha que ir junto!

4.1 – As Salas de aula na MarchaAs aulas aconteceram nos mais diversos locais

durante a Marcha. Nossas salas de aula forambem diferentes: o meio da rua, os locais para aestante de vendas de mercadoria que estavam de-socupadas, as quadras de futebol ao ar livre, ospavilhões dos parques de exposição, os colchõesque eram nossas camas; também aconteceramaulas debaixo das árvores, entre as arquibanca-das dos campos de futebol, nos salões das paró-quias, nos pátios de escola, no estacionamentodo pavilhão da Feira Nacional do Vinho; na cal-çada em frente ao Ministério da Fazenda, emfrente ao INCRA, no estacionamento, nos pavi-lhões e nas áreas cobertas do Parque da Harmo-

nia em Porto Alegre... Nossas salas de aula tam-bém foram em outras salas de aula de escolasestaduais, municipais e particulares, onde con-tamos nossa experiência de escola de acampamentosem-terra.

Nossas mesas e cadeiras foram o chão duro efrio. Com os cadernos no chão, mas com umavontade imensa de aprender, as crianças olha-vam fixas para o papel que servia de quadro, presonas paredes, nas grades, nas árvores e até mesmona mão da professora. No papel estava escrito onome da Escola Itinerante, a data e a cidade ondeestávamos passando naquele dia. Ao lado, o de-senho de uma estrada que ainda tínhamos quepercorrer. Ali era colocado o nome da cidade, adata em que chegávamos, e também os desenhosdo que tinham visto na caminhada.

4.2 – Prática, Teoria, PráticaAprendemos vendo, vivendo e fazendo. Cal-

culamos quilômetros, metros, centímetros da es-trada que tínhamos que percorrer; os dias para achegada à capital de nosso estado; quantos ôni-bus precisávamos para nos deslocar, quantas pes-soas são, no acampamento: homens, mulheres ecrianças. O que se produz nesta cidade; qual aeconomia básica? o relevo do RS e a localizaçãoda marcha.

Marcha começa com “M” de Mara, de Ma-ria, de Movimento...dá para formar duas pala-vras Mar e chá. Qual a parte do corpo humanoque mais estamos usando na Marcha? O pé di-reito e o pé esquerdo, professora. Por que estamoscaminhando? o que gostamos nesta ou naquelacidade? Quais as dificuldades que estamos en-frentando? Desenhando, escrevendo, cantandoe discutindo; estudando e caminhando. Assimfoi o nosso dia a dia durante a Marcha. Numaocasião fizemos uma carta ao governador: con-versamos sobre o tema, escrevemos. Cada umdando uma idéia. Depois a carta foi lida e apro-vada pelo coletivo da Escola.

Andamos de ônibus. Nossas coisas iam nos

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caminhões. Vimos carros, cavalos, carroça, trem,avião, helicóptero, barco, navio. Estudamos osmeios de transporte. Cantamos para até duas milpessoas. Vivemos momentos de mística, pois,como diz Frei Betto:

Entendemos que são as grandes motivações eideais que mobilizam a pessoa, comunidade, paraa ação. A mística é a força motriz, a fonte quearranca a pessoa do egoísmo e a entrega a umamilitância. A mística é constituída por um gran-de ideal e inspiração que neutraliza os ídolos doegoísmo.

Falamos para os outros alunos e professoresdo que passamos. Trocamos experiências, desen-volvemos aí a oralidade, a expressão musical ecorporal.

Sentimos o acolhimento das pessoas nas co-munidades. Aprendemos e ensinamos novos va-lores. Conhecemos várias pessoas e comunida-des. Relacionamo-nos com eles. Praticamos asocialização.

Na conversa do que vimos pelo caminho, foientrando a geografia, a história, a matemática, oportuguês, as ciências...

_ O ônibus está cheio, tinha lugar para 42pessoas, vinham 56 pessoas apertadinho assim,oh!

_ A cruz das Missões..., a cruz dos mortos naestrada...

_ Ônibus, caminhão, cavalo, avião, trem, na-vio...

_ Nunca tinha visto trem! Como é grande!_ Tu viu que morro enorme?_ Não é morro, é uma Serra._ Ijuí tem acento?_ Não tem._ Tem sim, eu vi na placa..._ Estamos chegando na capital de nosso esta-

do._ É Porto Alegre._ Quantos quilômetros andamos até aqui?_ De Santo Antônio até São Luiz são 40 Km,

de São Luiz até Santo Ângelo...

_ Que rio poluído!_ Professora, isso é sanga ou é esgoto?_ Olha, o ônibus está indo devagar, até aque-

le caminhão já nos ultrapassou!...Em alguns momentos as crianças também de-

ram lições aos adultos. Num dos dias da Mar-cha, após uma longa caminhada sob a chuva etendo como única alimentação do dia, bolinhosfritos, a Equipe de Educação do Acampamentode Jóia reúne as crianças:

Reunimos todas as crianças mesmo em condi-ções precárias e começamos a brincar de roda e aconversar sobre qual a cidade que estávamos... comotínhamos sido recebidos pela comunidade... (Janete– professora na Escola Itinerante).

As crianças, brincando e dialogando com en-tusiasmo, chamavam a atenção das pessoas queestavam esperando suas mochilas serem descarre-gadas dos ônibus, e também de alguns represen-tantes de entidades que ali estavam. Como po-diam estar tão animadas depois de um dia tãosofrido? Os adultos sorriam, acanhados de mos-trar menos força que as crianças... No dia se-guinte, após a separação por turmas, estudamose conversamos sobre mística. Estudamos nossossímbolos e o que significam para nós a bandeira,o hino, nossos outros cantos, gritos de ordem eencenações. O principal desta lição, certamenteestas crianças já sabiam...

Certamente há limites em se manter funcio-nando a escola numa Marcha. Faltam materiais,falta ambiente, sobra cansaço, aparece o desâ-nimo. Não é fácil para os professores mante-rem o ritmo do processo e acompanhar o apren-dizado de cada criança. Mas também há avançossignificativos, especialmente no aprender a fa-zer uma análise crítica da própria realidade queobriga todo este povo a caminhar, a se mobili-zar, a ocupar espaço. Estas crianças sabem por-que estão caminhando. Sabem porque não saiReforma Agrária em nosso país. E cada ativida-de em que se envolvem mais diretamente é pla-nejada e avaliada por elas próprias. Tornam-se

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sujeitos ativos da luta em que entraram atravésde seus pais.

4.3 – Troca de ExperiênciasQuando chegávamos em uma cidade as pes-

soas da comunidade vinham dar seu apoio e co-nhecer o acampamento. Conheciam também anossa escola que passou a ser a atração da cami-nhada. Os professores das escolas oficiais trazi-am seus alunos para conhecerem esta escola di-ferente, itinerante. Entrevistavam alunos eprofessores.

Estamos caminhando porque queremos terra paraplantar e ter uma vida melhor, dizem as criançaspara os visitantes. Surge então uma bonita trocade saberes. Nossos alunos vão às escolas formais.Alunos e professores da Escola Itinerante contama sua experiência da escola de acampamento SemTerra. Como aprendem e como funciona a edu-cação no MST; quais os objetivos da Marcha ecomo ali acontecem também as aulas. Falam paraalunos desde a pré-escola até a universidade. Hátambém os questionamentos por parte destes alu-nos que nos desafiam a nos expressar diante deaté 500 pessoas. A insegurança e o nervosismo detantas estréias é aliviado diante de uma mão quese levanta e pergunta: Vocês podem me dar um au-tógrafo? Numa destas apresentações em escola, ascrianças fizeram fila diante dos pequenos sem-terrae conseguiram seus autógrafos.

Em alguns lugares, quando se fala de Movi-mento Sem Terra, as pessoas ainda têm um certopreconceito. Não nos conhecem e apenas sabemo que a mídia diz. Nas cidades onde a Marchapassou, a organização do Movimento marcoumuito. O que parece ter mais chamado a atençãofoi a organização, a força de vontade e a certezados objetivos das crianças da Escola Itinerante.Seus gritos de ordem: Com a luta infantil/ muda-remos o Brasil! Suas músicas: Eu sou criança e seipensar, tenho direitos e vou cobrar... Seus cadernosno chão e olhar atento aos professores, a desen-voltura com que falavam da marcha, da Escola

Itinerante, do que aprendem e do que querem paraas suas vidas.

Que bom que nossa luta ainda consegue fazera sociedade parar e pensar... até mesmo sonharcom um mundo melhor e mais justo. Mas seaprendem bem com as crianças, aprendem quenão basta só sonhar, é preciso organizar-se e lutar!

4.4 – A Páscoa em MarchaA Páscoa deste ano (1998), passamos em cami-

nhada, lutando por um pedaço de terra, uma vidamelhor. Por saúde, educação e alimentação. Não émuito bom porque a gente sofre, passa dificuldades,mas é para que na Páscoa do ano que vem a gentepossa estar em cima de nossa terra, colhendo alimen-tos, fazendo um churrasco junto com toda a família,aí então podemos dizer Feliz Páscoa! (as crianças).

Em plena manhã de sexta-feira santa a EscolaItinerante do acampamento de Santo Antônio sereúne para ter aula. Num dos raros momentosdurante a marcha havia espaço abundante paratrabalharmos. No sábado já levantaríamos acam-pamento. Portanto, embora fosse feriado, apro-veitamos o dia. A maior expectativa das criançasera a chegada da Páscoa. Como toda a criança,havia a espera por um chocolate ou um doce, aomenos.

Em muitos locais por onde passamos, as pes-soas nos comparavam com o povo de Deus embusca da Terra Prometida. Nossas crianças nos per-guntavam sobre isto.

No sábado de aleluia o acampamento de SantoAntônio saiu de Bento Gonçalves. Antes de dei-xar a cidade fez uma marcha pelas ruas e, no final,um ato público. A mística do ato foi apresentadapelas crianças da escola. Mostraram seus traba-lhos sobre a Páscoa e contaram como era passar aPáscoa lutando por um pedaço de terra. Falaramde seus desejos, de suas esperanças de um mundomelhor.

O povo de Deus no deserto recebia o manah,o alimento enviado por Deus. No domingo dePáscoa, nossas crianças receberam várias doações

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das comunidades onde estavam e de municípiosvizinhos e eram tantas balas, bombons, bolachas...que muitas crianças afirmaram ter sido sua páscoamais doce...

5 – O QUE SE ENSINA E OQUE SE APRENDE

Na escola Itinerante se ensina a partir da reali-dade em que vivemos, mas vamos além desta, poisnada adianta discutirmos problemas do acampamen-to e da escola e fecharmos os olhos para os problemasdo país (Madalena).

Assim afirma a Proposta Pedagógica da EscolaItinerante:

Proporcionar ao aluno oportunidades paraconstruir-se, como ser capaz de compreender einterpretar o processo histórico, comparando, ana-lisando, interpretando e transformando a realida-de, sendo a escola um espaço de aprendizagem eexercício de cidadania.

Para que isso ocorra, é preciso desenvolver açõespedagógicas diversificadas e prazerosas, a partir dosinteresses, necessidades e níveis de conhecimento dascrianças, dos adolescentes e jovens. Dar continuida-de ao processo de socialização, respeitando a liberda-de de opinião, vivenciando o diálogo e incentivandoa participação de cada pessoa inserida no processo,como agente transformador da realidade. (Relató-rio, 1997)

Nosso jeito de ensinar e de aprender na EscolaItinerante se dá através da realidade que vivemose de nossas práticas. Nosso fazer, nosso saber. Tam-bém no processo de construção do conhecimen-to e na valorização do ser de cada pessoa, sujeitode direitos, cidadã. Uma pergunta geralmente feitaà Equipe diz respeito aos conteúdos que são ensi-nados na Escola Itinerante.

Os conteúdos têm que ser formativos e socialmen-te úteis, são instrumentos para atingir os objetivosligados ao ensino e à capacitação, incorporados osinteresses sociais numa perspectiva de distribuiçãoigualitária dos conhecimentos produzidos pela hu-

manidade e que são necessários para a construção dacidadania (Madalena).

Levamos em conta para isso os Princípios Filo-sóficos e Pedagógicos do MST, conforme apare-cem no Caderno de Educação, n.º 8, produzidopelo Setor de Educação em1996.

Aprendemos o português, a matemática, a his-tória, a geografia, etc... através das questões de nos-sa luta, de nossa organização, nos desafios de nos-sos atos, nas negociações, na pesquisa, nasdiscussões e na troca de experiências.

Aprende-se o “A” de Acampamento. Aprende-se o“T” de Terra que é o maior sonho das crianças: vive-rem com seus pais num pedaço de terra que vão aju-dar a trabalhar. Isso se dá dentro de um contextoque oportuniza a interdisciplinariedade (Carlota).

Professor e aluno caminham juntos e assim sedesafiam na construção do conhecimento de no-vos valores, de outra dimensão da pessoa huma-na, um novo homem, uma nova mulher, agindoe transformando a realidade que os cerca. Paraque essa metodologia e conhecimento se dê, o pla-nejamento e a avaliação são marcos constantes quenos acompanham.

As reuniões de planejamento e avaliação noacampamento são semanais, além da hora diáriade estudo.

Nossos instrumentos de avaliação são os seguin-tes: um caderno de avaliação onde nós professoresvamos registrando as dificuldades e os avanços decada aluno, de cada aluna; os cadernos dos alu-nos, trabalhos individuais e em grupos, a auto-avaliação, a avaliação dos pais sobre o crescimen-to dos filhos e sobre as aulas, suas expressões emtrabalhos orais, brincadeiras e jogos.

Os recursos como cola, cartolina, papel edobradura, lápis de cor, tesourinhas... são usadosno dia-a-dia, pois possibilitam a aprendizagem dehabilidades importantes. Materiais esses que, apósmuita luta e organização recebemos da Secretariade Educação do Governo do Estado. E, perce-bam a incoerência, foram os materiais que essemesmo governo nos tirou, através da ação da Bri-

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gada Militar na ocupação da fazenda Capão doLeão em Santo Antônio das Missões, alegando queas tesourinhas das crianças podiam ser usadascomo armas! O mesmo argumento utilizara paranos tirar nossas ferramentas de trabalho e nossospoucos garfos e facas de mesa...

Na escola também usamos como materiaisdidáticos as pedras, o capim, as tampinhas degarrafa, jornais, revistas, botões, retalhos de te-cido, restos de madeiras, lixeira de papelão...No Acampamento de Santo Antônio construí-mos com as crianças um abecedário de pedra efizemos canteiros de flores em forma de estrela,lua e sol. O nome da escola também foi escritocom pedras. Carregá-las é que não foi muitofácil. Até as crianças, geralmente bem humo-radas, fizeram algumas caretas: o que não se fazpor uma escola!

Com a ajuda dos pais da comunidade acampa-da, e a organização dos próprios alunos, aprende-mos a fazer dobraduras. Organizamos peças tea-trais, como a de Zumbi dos Palmares que foiapresentada para todo o acampamento, possibili-tando assim que a comunidade também apren-desse sobre esta história, tendo como professoresseus filhos, os alunos da Escola Itinerante. Con-feccionamos jogos matemáticos e organizamosoficinas de jogos, desde as etapas iniciais. Ummomento interessante aconteceu quando o ma-terial elaborado pelos monitores foi levado pelovento forte e não permitiu a realização de jogos.A saída encontrada foi todo mundo sair à procu-ra de latas de azeite que permitiriam a oficina pros-seguir. A criançada saiu com entusiasmo e cadalata encontrada era para elas um verdadeiro tro-féu. Ali aconteceram brincadeiras, cantos e con-tos que divertiram a todos.

Durante a marcha, nos momentos de cantosdas crianças, as pessoas acampadas que ainda nãoconheciam bem a escola, demonstravam surpresadiante da beleza da organização e do entusiasmodemonstrado pelas crianças, nos gestos e nas mú-sicas infantis.

Oficinas de leitura e produção de textos, sãotambém uma marca da Itinerante. Através destasoficinas, as crianças se divertem e aprendem a seexpressar oralmente e por escrito, trabalham amotricidade fina e ampla, a expressão corporal, aorganização, a socialização e o cultivo de valorescomo o companheirismo, a disciplina, o respeitoao outro, o trabalho coletivo...

Na Marcha tivemos que alterar nossa forma deplanejamento. Costumamos fazer planejamentosemanal de aulas, reunindo a equipe toda, geral-mente nos sábados. Mas, na Marcha, a conjuntu-ra mudava diariamente e tivemos que nos ajustarà nova realidade.

O planejamento era feito então todos os dias,às 7h da manhã. Sentávamos nos colchões, e fazía-mos deles nossa sala de reuniões. Refletíamos so-bre o que tinha sido trabalhado no dia anterior, sehavíamos tido que mudar o planejamento feito,avaliávamos as condições do espaço e fazíamos oplano do dia.

Quando saímos em marcha a Equipe de Edu-cação se reuniu e elaborou um planejamento detema gerador a ser trabalhado durante a caminha-da. O tema escolhido, é claro, foi: A Marcha aPorto Alegre.

A Escola Itinerante também foi marcada pelasituação de tormentas e de ventos muito fortesneste início de ano de 1998. Barracos arranca-dos, papéis molhados, materiais inutilizados,medo e ansiedade em todo o mundo. Parecia quetambém a nossa vida estava por um fio... Istodificultou nossa prática pedagógica. Tínhamosque reconstruir a cada momento o ambientealfabetizador. Quando percebemos que o suordas lonas e as ventanias molhavam e rasgavamos cartazes, e que isto deixava as crianças muitodecepcionadas, provocamos uma discussão so-bre o que fazer. A decisão foi passar a pintar, de-senhar e escrever nas próprias lonas, o que, decerta forma, resolveu o problema. Deixou de re-solver quando o vendaval levou as próprias lo-nas embora. Aí não teve mais jeito senão come-

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çar, tudo de novo. Porque o vento nos deixavatristes, mas não levava embora a vontade deaprender e de ensinar dos alunos, de nós profes-sores, dos pais e comunidade acampada. Por istonos organizamos e reconstruímos nossa escola.Escola de nosso sonho, de nossa conquista.

Deu pra entender como é que se ensina e como éque se aprende na Escola Itinerante?

6 – LIMITES E DESAFIOS DAESCOLA ITINERANTE

Ao discutir a Escola Itinerante, o conjunto doacampamento se coloca também para aprender.(Nina)

Não podemos imaginar experiência semelhan-te a esta, sem limites em sua trajetória e execução.De qualquer forma, esta experiência pode ser umexemplo a ser seguido pelo povo organizado quejá não só lamenta as formas de exclusão, mas quepensa estratégias de inclusão, e que para isso temmuitos desafios a serem enfrentados. A EscolaItinerante é uma marca na caminhada, ela é umdesafio, e tem limites..., diz Antoninho, dirigentedo acampamento.

Desde a sua concepção, a Itinerante foi pensa-da para ser assumida e planejada pela comunida-de acampada, que ao ter em sua companhia mui-tas crianças em busca de terra, também queriavê-las na escola, em busca do conhecimento, con-siderado pelo MST, necessário e importante paraum movimento social que faz história e tem pro-jeto de futuro. Quando durante a Marcha perce-bemos a surpresa de muitos pais com o que a es-cola estava fazendo, nos demos conta que este éum desafio permanente. A participação da comu-nidade na escola não é uma coisa dada, precisa serconstruída a cada dia, a cada situação. E toda vezque reclamamos mais participação precisamostambém olhar para a outra ponta: como a escolaestá participando do conjunto da vida do acam-pamento? O grande desafio é fazer fluir este mo-vimento, de duas vias, pelo menos...

Comunidade e professores precisam se dedicara estudar e a discutir o que querem que seus fi-lhos aprendam: os conteúdos, a metodologia, aforma de organização, os valores, a mística. Por-tanto, a comunidade precisa pensar, cuidar eacompanhar todos os passos da Escola Itinerante.Um exemplo de como pode funcionar o trabalhoconjunto foi o mutirão feito para reconstruir assalas de aula, destruídas pelo vendaval. Adultos,jovens e crianças, socializando vários tipos de sa-beres e, em especial, aquela tecnologia que muitosengenheiros desconhecem, que é a de como mon-tar um barraco que o vento não leve...

Os professores e as professoras vivem todos noacampamento. Conhecem as crianças e as famílias,pois convivem com a mesma realidade. Juntos ca-minham, passam frio, esperam, celebram, fazemfesta. A cada dia enfrentam um novo desafio queos faz pensar novas estratégias e o que fazer paraalimentar a esperança e a auto-estima, necessárias,porém, para ficar tanto tempo em baixo das lonaspretas.

Os professores encontram atualmente um li-mite que é o de participar das reuniões dos núcleosde famílias e da coordenação do acampamento,pois coincidem os horários das reuniões com osdas aulas. Esta impossibilidade de participaçãodiminui a capacidade de leitura da realidade quesempre se apresenta com novos desafios. Por ou-tro lado, o grupo de educadores voluntários seenvolve mais nas mobilizações, recepções dos vi-sitantes e demais atividades necessárias ao acam-pamento. Sendo este grupo, o responsável pelarealização das atividades complementares às au-las, como as oficinas de habilidades, é necessáriocombinar o planejamento das diversas atividades,com disciplina e divisão de tarefas. Caso contrá-rio, as atividades dos adultos acontecerão e a dascrianças e adolescentes, não.

Outro desafio é o da formação permanente, con-tinuada, dos educadores, o que significa tambémautoformação, já que nem sempre é possível estarem cursos ou com acompanhamento pedagógico

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externo. É preciso se disciplinar para ler, estudar,pesquisar, mesmo quando as condições não sejamas mais favoráveis para este tipo de tarefa. É precisose desafiar para ir além das exigências formalmenteestabelecidas, e se auto-superar, sempre. Algunsprofessores estão se aperfeiçoando nos cursos deMagistério e de Pedagogia, organizados pelo MST,mas a maioria dos educadores só tem como espaçode formação os estudos, oficinas e cursos não for-mais, sendo estes momentos fundamentais para quea escola alcance seus objetivos.

Pelo fato de estarem contribuindo para que ascrianças tenham seu direito à escolarização garan-tido, isto acaba despertando também nos profes-sores e monitores o desejo de avançar na sua esco-laridade, o que é mais um desafio.

O fato de até aqui a escola ter sido organizadaa partir do apoio da comunidade do acampamen-to, do Setor de Educação do MST, e de uma equi-pe da Secretaria da Educação, possibilitando àscrianças uma experiência de escola diferente, de-mocrática, alternativa, traz a preocupação com ofuturo delas, quando forem assentadas. Consegui-rão as novas comunidades garantir uma escola comos mesmos princípios da Escola Itinerante?

Cada família, cada grupo organizado, esperacom ansiedade pelo assentamento. Enquanto es-pera, por este dia, no acampamento, na estrada,em frente ao INCRA, no Parque da Harmonia ena Praça da Matriz, juntos fazem seus planos doque irão plantar, como desejam sua casa, comoirão organizar a cooperativa. Junto, porém, comesta bagagem de preocupações, devem tambémlevar a questão da escola. Hoje ela é Itinerante,tem professores, proposta pedagógica, merenda.A comunidade está envolvida, as crianças partici-pam, há um grupo que visita, que dá apoio, e hápessoas que dão acompanhamento pedagógico aostrabalhos. Ou seja, a escola funciona com a ajudade muitas pessoas, com muito trabalho e dedica-ção. E é, sem dúvida, uma grande conquista do

MST e de todos que acreditam na importânciada educação num projeto de Reforma Agrária ede transformação social.

Mas e quando estas famílias forem assentadas?As crianças não ficarão mais juntas, as professorasnão serão mais as mesmas, os apoios podem to-mar outro rumo. Será uma outra realidade. En-tão, como será a escola depois no assentamento?As crianças irão aceitar uma metodologia que nãoseja participativa, um ensino que seja fora da suarealidade, professores que não estejam prepara-dos para ensinar o que precisam aprender?

Durante o Encontro Estadual Por Uma Edu-cação Básica do Campo, realizado na UFRGS, de26 a 29 de maio deste ano, a experiência da Esco-la Itinerante foi apresentada pela Equipe. Um dosparticipantes da plenária perguntou justamentesobre a continuidade: E quando estas crianças vãopara outra escola, o que acontece? Quem respon-deu foi uma estudante de Pedagogia da Universi-dade Federal de Pelotas que está começando aacompanhar uma escola de assentamento que re-cebeu alunos da Itinerante: Os professores pediramnossa ajuda porque não estavam conseguindo acom-panhar o pique daquelas crianças. Esta mesma es-tudante depois continuou:

As crianças da Escola Itinerante, não estãodesacomodando apenas as professoras e as escolas, es-tão desacomodando também a Secretaria de Educa-ção do município. Isto tem sido muito gratificantepara nós. No início as crianças diziam ter saudadesda Itinerante. Aos poucos foram ajudando a escola eas professoras a mudar. Hoje, as crianças não recla-mam mais da escola. Em vez de terem que se adap-tar a uma escola tradicional, ajudam as professorasa construir uma nova forma de organização da es-cola (Rose Andrade de Miranda – aluna de Peda-gogia da UFPEL).

O processo começa e recomeça em cada novolugar, em cada novo momento, porque já apren-demos que uma luta justa não pode parar...

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A função deste texto é contribuir com os Sem Terrae com as educadoras37 e os educadores queatuam no campo, e em especial nas áreas deReforma Agrária, na organização de uma Es-cola voltada para atender os educandos38 eeducandas do campo, levando em conta a ca-minhada e o acúmulo pedagógico do MST edo Projeto Popular para o Brasil. Estamos es-pecialmente preocupados com a formaçãohumana desta geração que é filha da luta pelaterra e um pedaço da história do MST.

Este texto vem sendo gestado desde 1994. Tevevárias versões, cada uma delas incorporando asreflexões da prática de nossas escolas e as contri-buições de diversos coletivos. A versão atual foidiscutida no I Encontro Nacional de Educadoras eEducadores do Ensino Fundamental dos Assentamen-tos de Reforma Agrária (I ENEFA), e I EncontroEstadual de Educadoras e Educadores do Campo,que realizamos de 20 a 24 de setembro de 1999,em parceria com a Secretaria de Estado da Edu-cação do Rio Grande do Sul.

O texto trata das escolas que desenvolvem ochamado “ensino fundamental”, de 1ª a 8ª séries.Estamos chamando de Escolas de Educação Fun-damental por entendermos que a palavra “ensi-no” não dá conta de todas as dimensões educativas

que já fazem parte de nossas práticas de escola.Não nos preocupamos em distinguir orientaçõesespecíficas para as diferentes séries. Em cada lu-gar haveremos de fazer uma reflexão específicasobre como ajustar as práticas aqui propostas paraas diversas faixas etárias e estágios de formaçãodos educandos, começando a romper com os es-quemas rígidos que impedem uma educação maisinteira e mais viva.

Esperamos com este texto contribuir especial-mente na reflexão sobre o jeito da escola. Temosobservado que o funcionamento da escola tam-bém forma, capacita, educa. Para fazermos umaescola diferente não basta trocarmos os conteú-dos das disciplinas e alterarmos a metodologia desala de aula. O jeito de organizar a escola e as rela-ções sociais que este jeito gera são tão importan-tes como o conteúdo e a didática. Queremosmudar o conteúdo e a forma da escola funcionarpara qualificar o processo educativo.

A Escola que aqui apresentamos não existe emnenhum lugar na sua totalidade. Mas os seus prin-cipais aspectos estão presentes e em funcionamen-to em muitos lugares. Cada idéia que aparece nestetexto é fruto de nossas experiências, que estão emprocesso. O desafio é aproveitarmos os vários pas-sos dados, em lugares diferentes, para avançar em

Como Fazemos a Escola de EducaçãoFundamentalCaderno de Educação n. 09 – Publicado em Novembro de 1999 36

36 Texto final: Paulo Ricardo Cerioli, osfs, e Roseli Salete Caldart – Setor de Educação MST e Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa daReforma Agrária – ITERRA.

37 A partir deste momento para não citarmos cada vez os dois gêneros, manteremos apenas a versão feminina da palavra, pois entendemos queela representa a todos e todas.

38 A partir deste momento para não citarmos cada vez os dois gêneros, manteremos apenas a versão masculina da palavra, pois entendemos queela representa a todas e todos.

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conjunto, sem deixar de respeitar a realidade e acriatividade de cada grupo e de cada lugar. Nãoqueremos dar um modelo, mas sim algumas refe-rências para a reflexão do coletivo de cada escola.E uma reflexão que não deve parar nunca, acom-panhando o movimento de nossa prática e do con-junto do MST.

Contamos com a colaboração de todos parafazermos de nossas escolas lugares onde o MSTcontinue sua tarefa histórica de educar pessoas,formando seres humanos com dignidade, identi-dade e projeto de futuro.

1984 – 1999: MST 15 anos de lutas e con-quistas!

Setor de Educação, novembro de 1999.

NOSSA CONCEPÇÃO DE ESCOLAO MST tem uma pedagogia. A pedagogia do

MST é o jeito através do qual o Movimento his-toricamente vem formando o sujeito social denome Sem Terra,39 e que no dia a dia educa aspessoas que dele fazem parte. E o princípioeducativo principal desta pedagogia é o própriomovimento. Olhar para esta pedagogia, para estemovimento pedagógico, nos ajuda a compreen-der e a fazer avançar nossas experiências de edu-cação e de escola vinculadas ao MST.

Ser Sem Terra hoje é bem mais do que ser umtrabalhador ou uma trabalhadora que não temterra, ou mesmo que luta por ela; Sem Terra é umaidentidade historicamente construída, primeirocomo afirmação de uma condição social: sem-ter-ra, e aos poucos não mais como uma circunstân-cia de vida a ser superada, mas sim como umaidentidade de cultivo: somos Sem Terra do MST!

Isto fica ainda mais explícito no nome criançasSem Terra ou Sem Terrinha, que não distinguindofilhos e filhas de famílias acampadas ou assenta-das, projeta não uma condição mas um sujeitosocial, um nome próprio a ser herdado e honra-do. Esta identidade fica mais forte à medida quese materializa em um modo de vida, ou seja, quese constitui como cultura, e que projeta transfor-mações no jeito de ser das pessoas e da sociedade,cultivando valores radicalmente humanistas, quese contrapõem aos valores anti-humanos que sus-tentam a sociedade capitalista atual.

A relação do MST com a educação é, pois,uma relação de origem: a história do MST é ahistória de uma grande obra educativa. Se recu-peramos a concepção de educação como forma-ção humana é sua prática que encontramos noMST desde que foi criado: a transformação dos“desgarrados da terra” e dos “pobres de tudo” emcidadãos, dispostos a lutar por um lugar dignona história. É também educação o que podemosver em cada uma das ações que constituem ocotidiano de formação da identidade dos sem-terra do MST.

O Movimento é nossa grande escola, dizem osSem Terra. E, de fato, diante de uma ocupação deterra, de um acampamento, de um assentamen-to, de uma Marcha, de uma escola conquistadapelo Movimento, é cada vez mais pertinente per-guntar: como cada uma destas ações educa as pes-soas? como forma um determinado jeito de serhumano? que aprendizados pessoais e coletivos en-tram em jogo em cada uma delas?

A herança que o MST deixará para seus des-cendentes será bem mais do que a terra que con-

39 Alguns esclarecimentos sobre a grafia do nome Sem Terra: A condição (individual) de sem (a) terra, ou seja, a de trabalhador ou trabalhadorado campo que não possui sua terra de trabalho, é tão antiga quanto a existência da apropriação privada deste bem natural. No Brasil, a lutapela terra e mais recentemente a atuação do MST, acabaram criando na língua portuguesa o vocábulo sem-terra, com hífen, e com o uso dos na flexão de número (os “sem-terras”), indicando uma designação social para esta condição de ausência de propriedade ou de posse da terrade trabalho, e projetando, então, uma identidade coletiva. O MST nunca utilizou em seu nome nem o hífen, nem o s, o que historicamenteacabou produzindo um nome próprio, Sem Terra, que é também sinal de uma identidade construída com autonomia. O uso social do nomejá alterou a norma referente à flexão de número, sendo hoje já consagrada a expressão os sem-terra. Quanto ao hífen, fica como distintivo darelação entre esta identidade coletiva de trabalhadores e trabalhadoras da terra e o Movimento que a transformou em nome próprio, e aprojeta para além de si mesma.

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seguir libertar do latifúndio; será um jeito de serhumano e de tomar posição diante das questõesde seu tempo; serão os valores que fortalecem edão identidade aos lutadores do povo, de todosos tempos, todos os lugares. É enquanto produtohumano de uma obra educativa que os Sem Terrapodem ser vistos como mais um elo que se formaem uma longa tradição de lutadores sociais quefazem a história da humanidade. Enraizamentono passado e projeto de futuro.

A educação dos sem-terra do MST começa como seu enraizamento em uma coletividade, que nãonega o seu passado, mas projeta um futuro queeles mesmos poderão ajudar a construir. Saber quenão está mais solta no mundo é a primeira condi-ção da pessoa se abrir para esta nova experiênciade vida. Não é este o sentimento que diminui omedo numa ocupação, ou faz enfrentar a fomenum acampamento? Por isso para nós o coletivonão é um detalhe, é a raiz de nossa pedagogia.

É, pois, do processo de formação dos Sem Ter-ra que podemos extrair as matrizes pedagógicasbásicas para construir uma escola preocupada coma formação humana e com o movimento da his-tória. Mas é bom ter presente que a pedagogiaque forma novos sujeitos sociais, e que educa se-res humanos não cabe numa escola. Ela é muitomaior e envolve a vida como um todo. Certosprocessos educativos que sustentam a identidadeSem Terra jamais poderão ser realizados dentrode uma escola. Mas, o MST também vem de-monstrando em sua trajetória, que a escola podefazer parte de seu movimento pedagógico, e queprecisa dela para dar conta de seus desafios comosujeito educativo.

A grande tarefa de educadoras e educadoresSem Terra que querem ajudar a construir escolasdo MST, é se assumirem como sujeitos de umareflexão permanente sobre as práticas do MST,extraindo delas as lições de pedagogia que permi-tem fazer (e transformar) em cada escola, e do seujeito, o movimento pedagógico que está no pro-cesso de formação da identidade dos sujeitos Sem

Terra, como está também na formação dos sujei-tos humanos, de modo geral.

PEDAGOGIAS EM MOVIMENTOPedagogia quer dizer o jeito de conduzir a for-

mação de um ser humano. E quando falamos emmatrizes pedagógicas estamos identificando algu-mas práticas ou vivências fundamentais neste pro-cesso de humanização das pessoas, que tambémchamamos de educação.

No processo de humanização dos sem-terra, eda construção da identidade Sem Terra, o MST vemproduzindo um jeito de fazer educação que podeser chamado de Pedagogia do Movimento. É doMovimento por ter o Sem Terra como sujeitoeducativo e ter o MST como sujeito da intenciona-lidade pedagógica sobre esta tarefa de fazer educa-ção. E é também do Movimento porque se desafiaa perceber o movimento do Movimento, a trans-formar-se transformando.

Isto não quer dizer que o MST tenha inventa-do uma nova pedagogia, mas ao tentar produziruma educação do jeito do Movimento, os SemTerra acabaram criando um novo jeito de lidarcom as matrizes pedagógicas ou com as pedagogi-as já construídas ao longo da história da humani-dade. Em vez de assumir ou se ‘filiar’ a uma delas,o MST acaba pondo todas elas em movimento, edeixando que a própria situação educativa especí-fica se encarregue de mostrar quais precisam sermais enfatizadas, num momento ou outro.

Vamos aqui tratar brevemente sobre algumasdelas, de modo que possam estimular nossa refle-xão sobre como se relacionam com o processo deconstrução de nossa Escola de Educação Funda-mental.

a) Pedagogia da luta socialEla brota do aprendizado de que o que educa

os Sem Terra é o próprio movimento da luta, emsuas contradições, enfrentamentos, conquistas ederrotas. A pedagogia da luta educa para uma pos-tura diante da vida que é fundamental para a iden-

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tidade de um lutador do povo: nada é impossívelde mudar e quanto mais inconformada com o atualestado de coisas, mais humana é a pessoa. O nor-mal, saudável, é estar em movimento, não para-do. Os processos de transformação são os que fa-zem a história.

A luta social educa para a capacidade de pressio-nar as circunstâncias para que fiquem diferentesdo que são. É a experiência de que quem con-quista algo com luta não precisa ficar a vida todaagradecendo favor. Que em vez de anunciar a de-sordem provocada pela exclusão como a ordemestabelecida, e educar para a domesticação, é pos-sível subverter a desordem e reinventar a ordem,a partir de valores verdadeira e radicalmentehumanistas, que tenham a vida como um bemmuito mais importante do que qualquer proprie-dade.

Numa Escola do MST, além de garantirmosque a experiência de luta dos educandos e de suasfamílias seja incluída como conteúdo de estudo,precisamos nos desafiar a pensar em práticas queajudem a educar ou a fortalecer em nossas crian-ças, adolescentes e jovens, a postura humana e osvalores aprendidos na luta: o inconformismo, asensibilidade, a indignação diante das injustiças,a contestação social, a criatividade diante das si-tuações difíceis, a esperança...

b) Pedagogia da organização coletivaEla brota da raiz que nasce de uma coletivida-

de que descobre um passado comum e se senteartífice do mesmo futuro. O sem-terra é umdesenraizado que começa a criar raízes no tempode acampamento, com a vivência da organizaçãoe a percepção da necessidade do movimento.Raízes que o tornam membro de uma grande fa-mília, de se sentir irmão ou irmã, de descobrir emsi, como sujeito coletivo, a convicção de dizer comorgulho: somos Sem Terra, somos do MST.

No MST esta pedagogia tem também a dimen-são de uma pedagogia da cooperação, que brota dasdiferentes formas de cooperação desenvolvidas nos

assentamentos e acampamentos, a partir dos prin-cípios e objetivos da nossa luta pela Reforma Agrá-ria e por um novo jeito de fazer o desenvolvimen-to do campo. É o desafio permanente de quebrar,pelas novas relações de trabalho, pelo jeito de di-vidir as tarefas e pensar no bem-estar do conjuntodas famílias, e não de cada uma por si, a culturaindividualista em que estamos mergulhados.

Uma escola que se organiza do jeito do MST,educa principalmente através das novas relaçõessociais que produz e reproduz, problematizandoe propondo valores, alterando comportamentos,desconstruindo e construindo concepções, costu-mes, idéias. Desta maneira ela ajuda a enraizar aidentidade Sem Terra, e forma um determinadojeito de ser humano. E quando a escola funcionacomo uma cooperativa de aprendizagem, onde ocoletivo assume a corresponsabilidade de educaro coletivo, torna-se um espaço de aprendizagemnão apenas de formas de cooperação, mas princi-palmente de uma visão de mundo, ou de umacultura, onde o ‘natural’ seja pensar no bem detodos e não apenas de si mesmo.

c) Pedagogia da terraEla brota da mistura do ser humano com a ter-

ra: ela é mãe, e se somos filhos e filhas da terra,nós também somos terra. Por isto precisamos apren-der a sabedoria de trabalhar a terra, cuidar da vida:a vida da Terra (Gaia), nossa grande mãe; a nossavida. A terra é ao mesmo tempo o lugar de morar,de trabalhar, de produzir, de viver, de morrer ecultuar os mortos, especialmente os que a rega-ram com o seu sangue para que ela retornasse aosque nela se reconhecem.

O trabalho na terra, que acompanha o dia adia do processo que faz de uma semente uma plan-ta e da planta um alimento, ensina de um jeitomuito próprio que as coisas não nascem prontas,mas sim que precisam ser cultivadas; são as mãosdo camponês, da camponesa, as que podem la-vrar a terra para que chegue a produzir o pão. Estetambém é um jeito de compreender que o mundo

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está para ser feito e, que a realidade pode ser trans-formada, desde que se esteja aberto para que elamesma diga a seus sujeitos como fazer isto, assimcomo a terra vai mostrando ao lavrador como pre-cisa ser trabalhada para ser produtiva.

Nossa Escola pode ajudar a perceber ahistoricidade do cultivo da terra e da sociedade, omanuseio cuidadoso da terra – natureza – paragarantir mais vida, a educação ambiental, o apren-dizado da paciência de semear e colher no tempocerto, o exercício da persistência diante dos en-traves das intempéries e dos que se julgam senho-res do tempo. Mas não fará isso apenas com dis-curso; terá que se desafiar a envolver os educandose as educadoras em atividades diretamente liga-das à terra.

d) Pedagogia do trabalho e da produçãoEla brota do valor fundamental do trabalho que

gera a produção do que é necessário para garantir aqualidade de vida social e identifica o Sem Terracom a classe trabalhadora. As pessoas se humanizamou se desumanizam, se educam ou se deseducam,através do trabalho e das relações sociais que esta-belecem entre si no processo de produção materialde sua existência. É talvez a dimensão da vida quemais profundamente marca o jeito de ser de cadapessoa. No MST, os Sem Terra se educam tentan-do construir um novo sentido para o trabalho docampo, novas relações de produção e de apropria-ção dos resultados do trabalho, o que já começa noacampamento, e continua depois em cada assenta-mento que vai sendo conquistado.

Pelo trabalho o educando produz conhecimen-to, cria habilidades e forma sua consciência. Emsi mesmo o trabalho tem uma potencialidade pe-dagógica, e a escola pode torná-lo mais plenamenteeducativo, à medida que ajude as pessoas a perce-ber o seu vínculo com as demais dimensões davida humana: sua cultura, seus valores, suas posi-ções políticas... Por isto a nossa escola precisa sevincular ao mundo do trabalho e se desafiar a edu-car também para o trabalho e pelo trabalho.

e) Pedagogia da culturaEla brota do modo de vida produzido e cultiva-

do pelo Movimento, do jeito de ser e de viver dosSem Terra, do jeito de produzir e reproduzir a vida,da mística, dos símbolos, dos gestos, da religiosi-dade, da arte... É a necessidade da ação, com for-ça e radicalidade distinta, que exige uma perma-nente reflexão que se encarna em nova açãocoletiva, rompendo com a lógica tanto doativismo, como de projetos sem ação.

A pedagogia da cultura tem como uma de suasdimensões fortes a pedagogia do gesto, que é tam-bém pedagogia do símbolo e pedagogia do exem-plo. O ser humano se educa mexendo, manuse-ando as ferramentas que a humanidade produziuao longo dos anos. Elas são portadoras da me-mória objetivada (as coisas falam, têm história).É a cultura material que simboliza a vida. O serhumano também se educa com as relações, como diálogo que é mais do que troca de palavras.Ele aprende com o exemplo, aprende fazer eaprende a ser, olhando como os outros fazem e ojeito como os outros são. E os educandos olhamespecialmente para as educadoras; são sua refe-rência como modo de vida.

Numa escola do MST é importante resgataros símbolos, as ferramentas de trabalho e deluta, a mística do Movimento. E fazer do tem-po de escola um tempo onde os educandos pos-sam refletir muito sobre as várias dimensões dasua vida, de sua família, e também da grandefamília chamada Sem Terra. Fará isto não ape-nas através de conversa, mas principalmenteatravés de práticas e de exemplos que permi-tam aos educandos olharem para si e para osoutros. E as educadoras estarão junto com oseducandos neste fazer, alimentando a capaci-dade de analisar as falhas e propor formas desuperar os limites.

f) Pedagogia da escolhaEla brota dos múltiplos gestos e múltiplas es-

colhas que as educadoras e os educandos, de que

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o MST, de que os seres humanos precisam fazer acada dia. Somos um ser de escolhas permanentese delas depende o rumo de nossa vida e do pro-cesso histórico que estamos inseridos. E as esco-lhas nem são apenas individuais nem podem serapenas de um coletivo. Cada escolha é feita pelapessoa, movida por valores que são uma constru-ção coletiva. Ser Sem Terra é uma escolha pessoal,pressionada por uma condição social objetiva emovida por valores que fazem esta pessoa não seconformar com a sua situação de miséria. E estarnum movimento como o MST é estar permanen-temente, sendo chamado a confirmar as escolhasjá feitas e a fazer novas escolhas. Um assentadopode escolher não ser mais do MST, por exem-plo.

Dizemos que há uma pedagogia da escolha àmedida que reconhecemos que as pessoas se edu-cam, se humanizam mais quando exercitam a pos-sibilidade de fazer escolhas e de refletir sobre elas.Ao ter que assumir a responsabilidade pelas pró-prias decisões as pessoas aprendem a dominar im-pulsos, influências, e aprendem também que a co-erência entre os valores que se defende compalavras e os valores que efetivamente se vive, éum desafio sempre em construção.

A nossa escola pode ser de uma forma em quetodos os seus sujeitos sejam estimulados ao exer-cício da escolha, nas pequenas e nas grandes coi-sas, de modo que assim aprendam a cultivar valo-res e a refletir sobre eles, o tempo todo.

g) Pedagogia da históriaEla brota do cultivo da memória e da com-

preensão do sentido da história e da percepção deser parte dela, não apenas como resgate de signifi-cados, mas como algo a ser cultivado e produzi-do. A memória coletiva é fundamental para a cons-trução de uma identidade.

Cultivar a memória é mais do que conhecerfriamente o próprio passado. Por isto talvez existano MST uma relação tão próxima entre memóriae mística. Através da mística do Movimento os

Sem Terra celebram a sua própria memória, demodo a torná-la uma experiência mais do que ra-cional, porque entranhada em todo o seu ser hu-mano. Fazer uma ação simbólica em memória deum companheiro que tenha tombado na luta, oude uma ocupação que tenha dado início ao Movi-mento em algum lugar, é educar-se para sentir opassado como seu, e portanto como uma referên-cia necessária às escolhas que tiver que fazer emsua vida, em sua luta; é também dar-se conta deque a memória é uma experiência coletiva: nin-guém ou nada é lembrado em si mesmo, descola-do das relações sociais, interpessoais...

Uma escola que pretenda cultivar a pedagogiada história será aquela que deixe de ver a históriaapenas como uma disciplina e passe a trabalhá-lacomo uma dimensão importante de todo o pro-cesso educativo. Será sua tarefa o resgate perma-nente da memória do MST, da luta dos pequenosagricultores e da luta coletiva dos trabalhadoresem nosso país e no mundo; também a tarefa deajudar os Sem Terrinha a perceber nesta memóriaas suas raízes, e a se descobrir como sujeitos dahistória. Mas, um detalhe importante: não temcomo desenvolver esta pedagogia, sem conhecere compreender a história e seu movimento.

h) Pedagogia da alternânciaEla brota do desejo de não cortar raízes. É uma

das pedagogias produzidas em experiências deescola do campo que buscaram integrar a es-cola com a família e a comunidade do edu-cando. No nosso caso, ela permite uma trocade conhecimentos e o fortalecimento dos la-ços familiares e do vínculo dos educandos como assentamento ou acampamento, o MST e aterra.

Podemos pensar a escola atuando em regimede alternância ou pedagogia da alternância. Paraisso podemos olhar e ou fazer a escola com doismomentos distintos e complementares:• o tempo escola, onde os educandos têm aulas

teóricas e práticas, participam de inúmeros

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aprendizados, se auto-organizam para reali-zar tarefas que garantam o funcionamento daescola, avaliam o processo e participam doplanejamento das atividades, vivenciam eaprofundam valores, ...

• o tempo comunidade que é o momento ondeos educandos realizam atividades de pesquisada sua realidade, de registro desta experiên-cia, de práticas que permitem a troca de co-nhecimento, nos vários aspectos. Este tempoprecisa ser assumido e acompanhado pela co-munidade Sem Terra.

A ESCOLA DO MSTA Escola do MST é uma Escola do Campo, vin-

culada a um movimento de luta social pela Refor-ma Agrária no Brasil. Ela é uma escola pública,com participação da comunidade na sua gestão eorientada pela Pedagogia do Movimento, quecomo vimos, é na verdade o movimento de diver-sas pedagogias.

A Escola do MST é aquela que se faz lugar domovimento destas pedagogias, desenvolvendo ati-vidades pedagógicas que levem em conta o con-junto das dimensões da formação humana. É umaescola que humaniza quem dela faz parte. E sófará isto se tiver o ser humano como centro, comosujeito de direitos, como ser em construção, res-peitando as suas temporalidades. A nossa tarefa éformar seres humanos que têm consciência de seusdireitos humanos, de sua dignidade. Não pode-mos tratar os educandos como mercadorias a se-rem vendidas no mercado de trabalho. Isto édesumanizar, a eles e a nós todos.

Para realizar a tarefa educativa de humanizaçãoé preciso perceber e levar em conta os ciclos danatureza e, de forma especial, os ciclos da vidahumana com os quais estamos convivendo e que-remos ajudar a formar. Os educandos da nossaEscola são crianças, adolescentes e ou jovens (comsua temporalidade própria), são do campo (com

saberes próprios) e são do MST (herdeiros da iden-tidade Sem Terra em formação). Queremos queos educandos possam ser mais gente e não apenassabedores de conteúdos ou meros dominadoresde competências e habilidades técnicas. Eles pre-cisam aprender a falar, a ler, a calcular, confron-tar, dialogar, debater, duvidar, sentir, analisar, re-lacionar, celebrar, saber articular o pensamentopróprio, o sentimento próprio, ... e fazer tudo istosintonizados com o projeto histórico do MST, queé um projeto de sociedade e de humanidade. Poristo em nossa Escola é vital que as educadorascultivem em si e ajudem a cultivar nos educandosa sensibilidade humana, os valores humanos.

É preciso também que a escola aceite sair de simesma, reconhecendo e valorizando as práticaseducativas que acontecem fora dela. Os princípiospedagógicos que sistematizamos no Caderno deEducação n.º 840 já apontam para isto. Seria bomretomar sua leitura e refletir especialmente sobreos vínculos que dão mais sentido ao que acontecedentro da escola.

Na seqüência deste Caderno vamos tentar dia-logar um pouco sobre como é possível fazer isto,na prática de cada uma das escolas que aceitem ovínculo com o Movimento. Vamos tratar de qua-tro dimensões que se entrelaçam, e que nos pare-cem fundamentais na construção deste novo jeitode ser da escola: a sua estrutura orgânica, o seuambiente educativo, o trabalho/a produção e o es-tudo. Cada dimensão será tratada num capítulo.São os que seguem.

1. ESTRUTURA ORGÂNICAEducar é o aprendizado coletivo das possibilidadesda vida.

Pedro Tierra

PrincípiosNo Caderno sobre os princípios da educação

no MST temos os princípios pedagógicos, entre

40 Caderno de Educação n.º 8: Princípios da educação no MST, 1ª edição em julho de 1996.

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eles: a “gestão democrática” (9), a “auto-organiza-ção dos/das estudantes” (10) e a “criação de cole-tivos pedagógicos” (11). Antes de ir adiante tomeconhecimento destes princípios.

Entendemos por estrutura orgânica 41 o jeitode organizar a gestão da Escola e na Escola, emvista de garantir os princípios pedagógicos da ges-tão democrática, da auto-organização dos estudan-tes, dos coletivos pedagógicos das educadoras e daparticipação da comunidade assentada, comoMST, do cotidiano da vida escolar.

Chamamos de estrutura orgânica a forma deorganização e as relações entre as instâncias quedevem ser planejadas e acompanhadas como par-te do processo pedagógico. O objetivo é produziruma cultura de participação e de novas relaçõesentre homens e mulheres, adultos, crianças, ado-lescentes e jovens. A experiência nos mostra que aforma também forma.

Nesta estrutura devem estar presentes os prin-cípios organizativos do MST, especialmente: a di-reção coletiva como forma de garantir a decisão detodos e a superação do paternalismo e do presi-dencialismo; a divisão de tarefas e funções respei-tando as qualidades e aptidões pessoais e valori-zando a participação de todos, estabelecendo aresponsabilidade individual; o profissionalismo;a disciplina;...42

Já sabemos que o jeito dos acampamentos fun-cionarem influencia o jeito de ser dos Sem Terra.A vida no acampamento marca a passagem daconvivência no coletivo familiar, e de uma vidamais isolada, para a vivência no grande coletivo,com relações e estruturas mais complexas.

Entendemos por coletivo um organismo soci-al vivo, que possui instâncias, atribuições, respon-sabilidades, correlações e interdependência entre

as partes. Se tudo isto não existe, não existe cole-tivo, apenas uma aglomeração ou concentraçãode indivíduos.

Percebemos que existe uma relação entre acomplexidade das relações e o jeito de olhar paraa realidade. Quanto mais complexa é a estrutu-ra de que participamos de modo consciente,maior a possibilidade que temos de compreen-der de forma mais total e histórica a realidadee, conseqüentemente, de passarmos a desenvol-ver raciocínios mais complexos. Mas isto não éalgo automático, implica em vivência e no dar-se conta da nova vivência, em enraizamento,em tempo.Entendemos por realidade o meio em que vive-

mos. É tudo aquilo que fazemos, pensamos,dizemos e sentimos. É o jeito de trabalhar ede se organizar. É a natureza que nos cerca.São as pessoas e o que acontece com elas. Mas,é também, a realidade mais ampla que a lo-cal, e a relação que existe entre elas. Enfim,são os problemas do nosso dia a dia e os pro-blemas que perpassam a nossa sociedade, ahumanidade.

O sem-terra ao decidir fazer parte da luta pelaterra e da luta pela reforma agrária, decide sair deseu mundo de isolamento gerado pela exclusãosocial e passa a fazer parte de uma coletividade: oacampamento. Conquista uma identidade e viraSem Terra.

Entendemos por Identidade Sem Terra a ca-pacidade do MST, rompendo com a leitura dafalta de terra e do fim da agricultura familiar, pro-duzir uma identidade coletiva que transformouos sujeitos de uma condição de falta (sem-terra)para uma condição de lutadores do povo, por jus-tiça social e dignidade para todos (Sem Terra) eque conscientemente cultivam princípios e valo-

41 Utilizamos a expressão estrutura orgânica porque ela é mais conhecida. A expressão mais acertada seria ARQUITETURA SOCIAL, queinclui a estrutura orgânica, perpassada pela organicidade necessária para o funcionamento pedagógico desta estrutura e temperada com omanuseio dela por todos os envolvidos no processo educativo e com uma intencionalidade pedagógica planejada pelo coletivo das educadoraspara que ela possa ser a mais educativa possível.

42 Ver Normas Gerais do MST.

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res e os transmitem às novas gerações (SemTerrinha).

Passa a se organizar de uma forma diferente emais complexa. Agora a sua família faz parte deum núcleo de base, que se reúne periodicamentepara discutir os rumos da luta e os problemas doacampamento, propor soluções, analisar propos-tas de outros núcleos,.... Cada núcleo é coorde-nado por alguém – homem, mulher ou casal –escolhido democraticamente e sem mandato fixo,isto é, pode ser trocado quando não maiscorresponder aos interesses do núcleo. Os coor-denadores de cada núcleo formam a coordenaçãodo acampamento.

Ao mesmo tempo, por decisão do núcleo, fazparte de uma das muitas equipes de serviço (a deágua, por exemplo), necessárias para o bom fun-cionamento do acampamento e que são forma-das por um membro de cada um dos núcleos debase. Ou faz parte de uma equipe especial (a deanimação, por exemplo), por causa de suas ha-bilidades pessoais (é um tocador). Ou pode parti-cipar de um setor (o de educação, por exemplo)por estar apto a contribuir no funcionamento daEscola Itinerante. Ou até participar de uma ins-tância por ter sido escolhido como coordenadorou coordenadora.

Passa a viver em uma coletividade, onde aju-da a constituir as leis que orientam a vida detodos (o regimento interno). Por causa distotudo e do processo de luta, o acampamento virauma escola: a escola da vida e uma escola devida.

Em muitos lugares, quando o Sem Terra chegana terra, passa a se organizar em equipes/setores enúcleos de base. E a partir dos núcleos constituiuma coordenação do assentamento. Ele aproveitao aprendizado, adaptando-o. Esta experiência le-vou o MST a propor esta forma de organizaçãopara todos os assentamentos.

Estamos propondo que as Escolas do MST as-sumam a mesma lógica de organização e de ges-tão. Não como mera reprodução, mas para que osSem Terrinha, acompanhados pelas educadoras,aprendam a se organizar, saibam escolher e avali-ar os seus representantes, e a observar, pelavivência, o funcionamento de uma coletividade.E para que saibam, ao mesmo tempo, pesquisar,estudar ou aprofundar, analisar, avaliar, propor,trabalhar, ... enfim, participem de todo o proces-so educativo.

Só assim formaremos trabalhadores e militan-tes das transformações sociais.

Os sujeitos principais da estrutura orgânica denossa escola são: os educandos, as educadoras, acomunidade assentada ou acampada, as instânciasdo MST e suas relações nas instâncias da Escola.Vamos refletir um pouco sobre como cada umdestes sujeitos participa do processo educativo.

1.1. Os educandosNossos educandos são crianças, adolescentes e

ou jovens, do campo e do MST. Eles precisam serdesafiados pelas educadoras a se auto-organizar,com autonomia, em sua sala de aula43 e, se opta-rem, como Escola. Há casos onde eles organiza-ram na Escola uma cooperativa de educandos. Hácasos onde está surgindo uma organização entreEscolas. O que importa é que eles produzam umaestrutura ao alcance de sua compreensão.

Entendemos por auto-organização o direitodos educandos se organizarem em coletivos, comtempo e espaço próprio, para analisar e discutiras suas questões, elaborar propostas e tomar assuas decisões em vista de participar como sujei-tos da gestão democrática do processo educativo,e da Escola como um todo. Este é um espaço deaprendizado e como tal deve ser acompanhadopor uma educadora que respeite a autonomia doseducandos.

43 Em outros lugares chamada de Classe ou Turma.

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Entendemos por autonomia o direito doseducandos assumir posturas próprias, sem a tute-la das educadoras, assumindo a responsabilidadepelas decisões tomadas. Isto implica em tempos eespaços onde não sejam as educadoras a fazer apauta, nem sejam elas a coordenar, e nem mesmoparticipar da discussão. Seu papel é apenas o dealertar para equívocos de análise e riscos não per-cebidos, em vista do aprendizado, sem impor nempropor soluções.

Algumas formas de organização dos educandosque já existem em nossas escolas e que, se combi-nadas, atendem o objetivo da vivência educativade uma estrutura orgânica mais complexa:

a) Grupos de AtividadeA organização de base, na Escola, são os Gru-

pos de Atividades. São os educandos de cada salade aula que devem ser desafiados a se auto-orga-nizar. Após se conhecerem e levantar critérios, sedistribuem em grupos de atividade, tendo cadaum em torno de cinco (5) participantes. É funda-mental que todos os educandos estejam em umdos grupos.

Optamos em chamar de grupo de atividadespara não confundir os educandos. No assentamen-to ou no acampamento os seus pais participamde um núcleo de base. Precisamos incentivar paraque os educandos também participem destes nú-cleos. Se o assentamento ainda não está nucleadoa Escola pode contribuir com esta tarefa.

Cada grupo escolhe uma pessoa para ser coor-denadora, a sua substituta (que entra em ação naausência da coordenadora) e a secretária, definin-do bem o papel de cada uma. Estas pessoas têmuma função de coordenação em vista da partici-pação de todos e de representação nas demais ins-tâncias. Jamais devem agir como se fossem os do-nos ou presidentes de seus grupos.

Os coordenadores dos grupos indicam entre siquem será o coordenador da turma, o seu substi-tuto e o secretário da sala de aula. Estes têm afunção de coordenação da sala de aula e represen-

tação da mesma junto ao conjunto da escola. De-cisão esta que para valer, deverá ser ratificada (apro-vada) pela assembléia da sala de aula.

Para uma maior interação entre os educandos,após uns dois meses, é bom haver uma nova dis-tribuição. E, conseqüentemente, uma nova esco-lha da coordenação dos grupos e da coordenaçãoda turma.

Os educandos precisam sempre ser acompanha-dos por uma educadora, chamada em algumas es-colas de orientadora da turma, em outras de regen-te de classe. Para haver aprendizado não basta aação, é necessário a reflexão e o entendimento deporque fazer ou agir de um determinado modo.

Os grupos de atividade podem, por exemplo,executar as seguintes atividades: se ajudar noaprendizado em sala de aula (sentarem e estuda-rem em grupo); realizar tarefas escolares; fazer aleitura e debate do Jornal Sem Terra; contribuircom o embelezamento, a organização e a limpezada sala de aula; ajudar na distribuição da meren-da; fazer a limpeza da parte comum da Escola (ba-nheiros, corredores, pátio, ...); preparar a mística;participar ativamente nos momentos cívicos; ...

Algumas destas atividades podem ser realiza-das por todos os grupos ao mesmo tempo, outraspodem ser divididas entre os grupos: enquantoum grupo embeleza a sala de aula, outro ajuda namerenda, outro prepara a mística, ...

b) Sala de aulaComo sala de aula (turma) os educandos po-

dem: promover assembléias; elaborar normas deconvivência em sala de aula; avaliar o andamentodo processo educativo; propor trabalho voluntá-rio; debater os rumos da Escola;...

Os Coordenadores de grupos de atividades,acompanhados pela educadora responsável, se reú-nem para encaminhar as atividades da semana ouda quinzena a serem realizadas pelos educandos, epara preparar a assembléia mensal.

As educadoras precisam estar atentas para odesvio do presidencialismo, evitando que quem

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coordena passe a assumir o comando sozinho e sedistanciando do princípio organizativo da dire-ção coletiva.

Da 1ª a 4ª séries as assembléias das turmas po-deriam ser feitas assim:• Cada educando que quiser pode escrever um

bilhete com críticas e propostas e depositá-loem uma caixa coletora. Para que os educandossejam responsáveis, os bilhetes devem ser as-sinados. Os bilhetes anônimos (não assina-dos) não devem ser considerados.

• Os coordenadores dos Grupos de Atividadesse reúnem, junto com sua orientadora, e ela-boram a pauta da assembléia, levando em con-ta os bilhetes assinados. Também debatem eformulam propostas para superar os proble-mas.

• No dia da assembléia o coordenador da tur-ma apresenta um por um os assuntos, se ne-cessário pede esclarecimentos para quem es-creveu o bilhete e passa a palavra para osdemais envolvidos. Também apresenta umaou mais propostas de ação. Juntos procuramdar um encaminhamento.

• Seria bom que alguém fizesse uma ata, colo-cando os assuntos e os encaminhamentos to-mados. Inclusive podem ser colados os bilhe-tes no livro de atas.

• No final marcam a data da próxima assem-bléia e o prazo para a elaboração dos novosbilhetes.

c) Brigadas de TrabalhoEm vista da organização do trabalho sugeri-

mos que os educandos se organizem misturandoos membros de vários grupos de atividades e desalas de aula. As brigadas não fazem parte do co-mando, mas são responsáveis pelo funcionamen-to das Unidades de Produção. Veja mais detalhesna parte do trabalho/produção.

1.2. As educadorasPara ser educadora numa escola como esta é

preciso ser apaixonada pela educação, conhece-dora da realidade do campo e sensível aos seusproblemas; a favor da Reforma Agrária, lutadorado povo e amiga ou militante do MST. É precisose desafiar a compreender a história do MST e aconhecer as marcas deste Movimento, que é polí-tico e pedagógico ao mesmo tempo. Isto implicaem procurar entender a cada dia os traços do MSTque em seu movimento constrói a sua identida-de: o ser Sem Terra.

Isto exige: sensibilidade humana e abertura parareeducar nas relações os seus valores; disposiçãode participar de um processo construído coletiva-mente pelas educadoras nele inseridas, com a par-ticipação ativa dos educandos e de toda a comu-nidade; capacidade de trabalho cooperado, de serum coletivo educador; romper com a visão de re-passe de conteúdos e se desafiar a trabalhar sabe-res e a tratar pedagogicamente a luta, o trabalho,a vida como um todo.

a) Quem são as educadorasEntendemos aqui por educadoras todas as pes-

soas que se envolvem diretamente no processo deaprendizagem-ensino realizado pela escola. São:• As professoras e os professores, estaduais ou

municipais, assentados ou não, que atuam naescola.

• As funcionárias e os funcionários contratadospara trabalhar na escola (secretária, me-rendeiro, faxineira, trabalhador de campo, ...)e que contribuem com o processo educativopelo seu exemplo de ser e de fazer e pela suaparticipação na gestão.

• As voluntárias e os voluntários, normalmenteassentados, que atuam como monitores de ofi-cinas e acompanham os educandos em ativi-dades pedagógicas na escola.

• Os técnicos que contribuem no assentamen-to e também atuam no processo educativo,desenvolvendo assim um trabalho integrado,com os assentados em seus lotes e com os fi-lhos e filhas na escola.

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Todas as educadoras precisam de uma forma-ção diferenciada e permanente em vista de com-preender o seu papel no processo educativo, poristo devem participar pelo menos do coletivo daseducadoras.

b) Coletivos PedagógicosAs educadoras podem se organizar em um

Coletivo de Educadoras ou Coletivo Pedagógico.Também podem participar dos núcleos de basedo Assentamento, se são assentadas ou moram noassentamento.

O Coletivo Pedagógico tem a finalidade de:avaliar o processo em andamento, avaliar a suapostura como educadoras, planejar os passos quedevem ser dados, aprimorar o processo de acom-panhamento, combinar quem participará, e comque propostas, da Coordenação da Escola, ... eassim por diante.

A escola não pode esquecer de: prever em seucalendário as reuniões do Coletivo Pedagógico;estabelecer contato com o Setor de Educação doMST; buscar a socialização de experiência comoutras Escolas do MST e do Campo.

1.3. A ComunidadeA comunidade precisa conquistar um espaço e

contribuir com o processo pedagógico na escolaatravés das lideranças e das Equipes ou Setores doMST que passem a acompanhar o funcionamen-to da escola, da participação nas instâncias e emseminários ou plenárias onde possam avaliar, re-fletir e apontar os rumos do processo de aprendi-zagem-ensino e da proposta política e pedagógicaque ali se desenvolve. Os membros da comunida-de também podem ajudar como voluntários.

a) Comunidade assentada ou acampadaA comunidade assentada ou acampada pode con-

tribuir: participando da Coordenação da Escola edas Plenárias de avaliação e de reorientação do pro-cesso pedagógico; indicando voluntários, seja noacompanhamento dos Núcleos de Base, seja como

monitores, seja em mutirões de melhoramento daescola; ajudando a manter a memória histórica,recontando para os filhos dos assentados a luta deseus pais e da classe trabalhadora ao longo da histó-ria; convidando as educadoras e a escola a fazer partedas promoções e eventos da Comunidade; articu-lando a possibilidade de assistência técnica para aescola; contribuindo para o aprendizado auxiliandonas tarefas escolares; aproveitando o espaço físicoescolar para fazer reuniões, cursos, ...; assumindo aescola como uma parte da Comunidade; ...

A escola é uma conquista do assentamento oudo acampamento. Portanto dela fazem parte todasas famílias e não apenas aquelas que atualmentetêm ali seus filhos. Sempre que possível, os núcleosde base devem discutir o funcionamento e os ru-mos da escola.

b) VoluntáriosA comunidade pode organizar a sua participa-

ção na Escola indicando monitores nas oficinas;monitores nas unidades de produção; orientadoresdo tempo esporte; e participando nas atividadespedagógicas: pessoas que contribuam nas aulas, ousubstituam os professores quando estão em cursosde formação, por exemplo.

c) Equipe de EducaçãoO assentamento ou acampamento deve ter uma

Equipe de Educação ou um Coletivo de Educaçãoou o Setor de Educação que se preocupe com to-dos os processos educativos e culturais em anda-mento, e na necessidade de como implementar osausentes, mas necessários. O papel desta equipe oucoletivo é acompanhar com carinho a escola e ga-rantir o seu vínculo com a organicidade do MST.Também garantir que o Conselho Escolar cumprasuas tarefas no processo de gestão democrática daescola.

1.4. As instâncias do MSTO MST Estadual e ou Regional acompanha o

desenvolvimento do processo educativo contri-

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buindo: para a formação permanente das educa-doras; no envio de subsídios político-pedagógi-cos; na avaliação conjunta do processo pedagógi-co; com o resgate da memória histórica do povotrabalhador e com elementos para analisar a con-juntura; com a presença dos símbolos, da místi-ca, de eventos político-culturais; com a assistên-cia técnica que normalmente já existe nosassentamentos; com a definição, instalação, finan-ciamento e acompanhamento das unidades deprodução assumidas pela escola; com o debatesobre a cooperação junto às educadoras e aoseducandos; para a reflexão sobre o relacionamen-to interpessoal e as relações de gênero; e acompa-nhando a vacinação, trabalhando noções de ali-mentação e higiene, ensinando os tratamentosalternativos, ...

1.5. As instâncias da escolaA escola precisa abrir espaços para a participa-

ção da comunidade, respeitando a sua organizaçãoe as orientações do MST. São espaços onde as fa-mílias, não apenas os pais e as mães dos educandos,contribuem na direção do projeto político e peda-gógico desenvolvido pela escola, em conjunto comas educadoras e os educandos.

As instâncias da escola são os espaços onde acon-tece a inter-relação entre os sujeitos da comunida-de escolar. São elas: a assembléia da escola, as ple-nárias, o conselho escolar, a coordenação ou direção.

a) AssembléiaEste espaço pode se materializar em instânci-

as, como a Assembléia da Escola, e em plenáriascom as famílias Sem Terra e as pessoas responsá-veis pela educação no MST.

Normalmente, a Assembléia da Escola é a ins-tância máxima de gestão, onde participam oseducandos, educadoras e a comunidade, e que sereúne uma ou duas vezes por ano, para: examinare, se for o caso, aprovar a prestação de contas; ele-ger ou ratificar os indicados para o Conselho Es-colar; aprovar o Projeto Político-Pedagógico da Es-

cola; aprovar a base curricular; aprovar o Regi-mento da Escola; aprovar o calendário escolar;eleger a Direção da Escola...

b) Conselho EscolarPara acompanhar, o dia a dia da escola, re-

forçamos a iniciativa dos Conselhos Escolares,com mandato para um ou dois anos, formadospor representantes das turmas de educandos,dos vários tipos de educadoras e da direção, bemcomo da comunidade assentada ou acampadae representantes da Equipe de Educação ou Se-tor de Educação do MST e se possível do SCA(Sistema Cooperativista dos Assentados).

O Conselho Escolar costuma se reunir men-salmente para: contribuir com o processo degestão da escola; avaliar as educadoras e enca-minhar a busca de novas pessoas; aprofundar edetalhar o projeto político pedagógico da Es-cola a partir da pedagogia e das propostas doMST; ajustar o calendário escolar em vista doandamento de todas as atividades educativas edo calendário de lutas; definir os investimen-tos e examinar a prestação de contas; encami-nhar e organizar promoções e demais ativida-des da escola para o conjunto das famílias;propor atividades de intercooperação entre a es-cola e o assentamento ou acampamento; con-vocar plenárias; ...

É importante que cada escola aprofunde edefina bem a competência deste conselho.

Quando a escola for uma extensão de outraescola ou uma escola anexa, nela também deveter um Conselho Escolar próprio.

Atenção:• Se por motivos legais, para receber verba, a

escola deve ter o CPM – Círculo de Pais eMestres, sugerimos que o mesmo seja forma-do pelos representantes dos professores, dadireção e dos assentados que estão no Conse-lho Escolar. Ter o cuidado para cumprir comas exigências legais: prestação de contas, ...

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• Há estados em que o CPM é chamado de:APM – Associação de Pais e Mestres; APP– Associação de Pais e Professores; ...

c) PlenáriasEm vista de uma melhor gestão, o Conselho

Escolar pode convocar Plenárias conjuntas ou so-mente de educandos ou somente da Comunida-de para: decidir sobre as Unidades de produção aserem implementadas; definir as prioridades dasÁreas Demonstrativas; contribuir para a defini-ção dos conteúdos das disciplinas, dos focos e ei-xos temáticos; ...

d) Coordenação ou DireçãoPelo princípio da gestão democrática e pelos

princípios organizativos do MST, a direção da es-cola, eleita pelos educandos, educadoras e comu-nidade, pode se transformar em uma coordenaçãoda escola, abrindo espaço para a participação derepresentantes de todos os educandos, começan-do pelas séries maiores.

Neste momento a diretora ou diretor assume oprincípio da direção coletiva da escola, comparti-lhando as suas tarefas e o seu poder com os de-mais membros da Coordenação.

Atenção!As nossas experiências têm demonstrado que

as estruturas de participação dos educandos, pro-fessores, pais, funcionários não garantem em si oprocesso. Elas precisam funcionar, e bem, para nãohaver deseducação. E para que isto aconteça é pre-ciso reflexão e também ousadia, para ir fazendo asmudanças que a realidade indicar como necessá-rias.

1.6. Alguns instrumentos de gestãoa) Regulamento InternoÉ muito importante que a escola, com a parti-

cipação de todos, elabore o seu regulamento inter-

no,44 estabelecendo as normas de comportamen-to das educadoras e educandos. O melhor é es-crever as normas evitando a proibição (Não podefazer ...) e afirmando as atitudes a serem assumi-das por todos. Todos os anos elas podem ser revis-tas e alteradas, levando em conta a totalidade doprocesso educativo.

Podem ser normas tais como estas que encon-tramos em uma escola de assentamento:1. Cumprir com as combinações e acordos.2. Respeitar os colegas, as educadoras e os visi-

tantes. Tratar todos pelo nome.3. Saber ouvir para aprender. Não conversar

durante a exposição dos colegas, a explicaçãodas educadoras e a fala dos visitantes.

4. Procurar ser amigo de todos: evitar brigas.5. Preservar o material dos colegas, da turma, da

escola. não escrever nas carteiras.6. Continuar as atividades previstas enquanto as

educadoras estiverem ausentes.7. Manter a escola limpa e colocar lixo no lixo

certo.8. ...Ou estas outras normas que encontramos em ou-

tra escola:1. Criar em vez de adaptar-se.2. Divertir-se em vez de competir (especialmente

na educação física).3. Manter as carteiras limpas.4. Manter a escola limpa: jogar lixo nos cestos

de lixo.5. Respeitar a fala dos outros.6. Ser solidário com os companheiros.7. ...

b) Planejamento coletivoPara o funcionamento da Escola é necessário

um planejamento participativo com a finalidadede garantir a integração dos vários momentos davida escolar. Seria interessante estudar neste mo-

44 Não confundir com Regimento da Escola que é o documento onde aparece descrito o projeto político-pedagógico da Escola e as definiçõesprincipais sobre sua estrutura, funcionamento e gestão. Para ser alterado precisa de um processo mais demorado. O Regulamento é umconjunto de normas internas de convivência e, como tal, pode ser alterado sempre que houver necessidade.

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mento o Caderno de Educação nº 6 Como fazer aescola que queremos: o planejamento.

O planejamento, após aprovado pela devidainstância, deve ser executado com criatividade edevidamente acompanhado pelos responsáveispara esta tarefa. É preciso avaliar permanentemen-te a execução das atividades previstas. Se não acon-tecerem devem ser cobradas nas instâncias da Es-cola.

Este planejamento pode acontecer em váriosníveis:· Coletivo Estadual e Regional de Educação –

Onde são ajustadas as orientações do Setorde Educação do MST (Campanhas, datas sig-nificativas, temas que deveriam ser trabalha-dos, ...) e as demandas do assentamento ouacampamento (datas significativas, aspectosdo programa de desenvolvimento, ...), e en-caminhadas para o conjunto das escolas.

· Planejamento Anual da Escola – É onde sãodefinidas as metas que se quer atingir duran-te o ano, as principais atividades pedagógi-cas, o calendário escolar, os critérios de avali-ação do processo educativo, ... Esta parte deveser apresentada, debatida e aprovada pela As-sembléia da Escola.

· Planejamento Periódico – Onde é definida aimplementação das atividades previstas paraum determinado período (dois meses, porexemplo). O Conselho Escolar faz uma pro-posta que envia para a apreciação e apro-fundamento das turmas e das educadoras, demodo que possa ser votada em uma plenáriada escola.

· Planejamento semanal – Onde são discuti-das as questões urgentes que precisam ser en-caminhadas, pela Coordenação da Escola oupela Direção da Escola com a participação dosrepresentantes das turmas.

· Planejamento de sala de aula – Onde são dis-cutidas as linhas gerais de cada sala de aula,turma ou classe, em vista do processo educativocoletivo e individual de cada educando.

· Planejamento das aulas/oficinas/unidades deprodução – Onde é definido o relacionamentoeducadora-educando, seja na sala de aula, nahorta, na biblioteca,... Este planejamento étarefa dos professores ou monitores e leva emconta o conjunto das atividades educativas daEscola e a realidade da comunidade.

c) Avaliação coletivaTodo o processo de gestão, o planejamento, a

execução e as relações existentes precisam ser con-tinuamente avaliados. Vamos retomar este assun-to da avaliação mais adiante.

2. AMBIENTE EDUCATIVOPor que matar o tempo se podemos bemaproveitá-lo?

Provérbio

PrincípiosNo Caderno sobre os princípios da educação

no MST temos os princípios pedagógicos, entreeles: a “relação entre prática e teoria” (1) e a “com-binação metodológica entre processo de ensino ede capacitação” (2). Antes de ir adiante tome co-nhecimento destes princípios.

Para nós, Escola é mais do que aula e aula émais do que repasse de conhecimentos, de con-teúdos. Faz parte da aula o sair da sala para fazerleitura de paisagem, por exemplo. Faz parte daEscola a produção de um ambiente educativo queperpasse todas as atividades ali realizadas.

Entendemos por ambiente educativo tudo o queacontece na vida da Escola, dentro e fora dela,desde que tenha uma intencionalidade educativa,ou seja, foi planejado para que permitisse certosrelacionamentos e novas interações. Não é apenaso dito; mas o visto, o vivido, o sentido, o partici-pado, o produzido. O jeito de uma escola ser efuncionar, o que nela acontece, como ela se rela-ciona com a comunidade. Tudo faz parte desteambiente educativo. É a escola pensada para quenela tudo seja educativo.

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O ambiente educativo não é simplesmente oque acontece cotidianamente ou casualmente, eque também deve ser aproveitado com sabedoriapelas educadoras. O ambiente educativo implicaem permitir a possibilidade de escolhas, comaprofundamento de critérios. É, acima de tudo, oque pode ser realizado pelas educadoras e peloseducandos, como intervenção consciente sobre osjeitos de ser, de se relacionar e de produzir. É sa-ber aproveitar os limites das pessoas paraaprofundar o nosso jeito de viver, de ser humano.É perceber as múltiplas escolhas e gestos que acon-tecem a cada dia.

Isto exige das educadoras a percepção das con-tradições, uma sensibilidade humana, uma paciên-cia de mestre, uma cumplicidade de quem tam-bém se educa no mesmo processo.

O ambiente não pode ser idealizado, mas vol-tado para pessoas reais, que vivem em uma histó-ria incompleta e que estão produzindo a si mes-mos. Se a intencionalidade for aquém daspossibilidades ela em nada contribui, se for alémdeixa de ser educativa para ser um peso. É nesseexercício de sensibilidade pedagógica que umaeducadora consegue atuar, sem angústia, pois nemtodos os aspectos são percebidos e devidamentetrabalhados, mas é preciso sempre estar aberta paranovos momentos educativos.

Enfim, o ambiente educativo ajuda na nossatarefa de sermos mais gente e não de assimilar-mos mais conteúdos previamente listados.

2.1. Mística/ValoresA Escola tem a tarefa de proporcionar alguns

aprendizados através da convivência social. As re-lações com as pessoas e o restante da natureza fa-zem parte do ambiente educativo.

a) MísticaA mística é a alma de um povo. A mística do

MST é a alma do sujeito coletivo Sem Terra quese revela como uma paixão contagiante, que nosajuda a “sacudir a poeira e dar a volta por cima”,

que nos coloca no caminho de aprender e estabe-lecer objetivos a serem alcançados, aprender a for-mular métodos para transformar a realidade e aempenhar-se na tarefa de realizar os rumos traça-dos. A mística é a alma da identidade Sem Terra.

Uma Escola do MST tem a tarefa de resgatar oamor ao trabalho e a pertença do educando e dacomunidade Sem Terra à classe trabalhadora, por-que é ela que transforma a natureza com a suasabedoria e seu esforço físico. A escola pode aju-dar a despertar a pertença a uma organização, oMST, e o respeito aos seus símbolos; fazer afloraro amor ao MST, a ser Sem Terra, a pertencer àterra, a ser parte da terra. Uma Escola do MST écapaz de destacar o valor de ser Sem Terrinha (semhífen, sem “s” e com letra maiúscula de nome pró-prio), herdeiros da identidade Sem Terra. Será umdos espaços onde se resgata a memória de eventosimportantes para a classe trabalhadora e revela osseus grandes lutadores e lutadoras.

A mística é mais do que um tempo, é uma ener-gia que perpassa o cotidiano. Por isto precisamosdela presente no início de grandes atividades eresgatada em vários momentos do dia. Ela é a for-ma de já ir concretizando, no aqui e agora, a nos-sa utopia.

A mística se expressa através da poesia, do tea-tro, da expressão corporal, de palavras de ordem,da música, do canto, dos símbolos do MST, dasferramentas de trabalho, do resgate da memóriadas lutas e de grandes lutadores e lutadoras dahumanidade... vira celebração e visa envolver to-dos os presentes em um mesmo movimento, avivenciar um mesmo sentimento, a se sentir mem-bros de uma identidade coletiva de lutadores elutadoras do povo que vai além deles mesmos evai além do MST.

Ela irriga, pela paixão, a razão, nos ajudando aser mais humanos, dispostos a desafiar coletiva-mente os nossos limites; nos impulsiona a ir alémdo esperado, alimenta os valores e nos faz sentirque somos parte de uma grande família: somosSem Terra.

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Ela pode se manifestar em diferentes momen-tos do cotidiano, mas de forma mais forte emmomentos especiais e datas significativas dos SemTerra e dos trabalhadores e das trabalhadoras des-te país e do mundo todo.

b) ValoresEntre os objetivos do MST está a vivência dos

valores humanistas e socialistas. Estes valores secontrapõem aos valores anti-humanos da socie-dade capitalista, especialmente em sua versãoneoliberal: individualismo, consumismo, egoísmo,... Os valores humanos precisam ser cultivados ealimentados.

Para que um valor possa ser incorporado navivência das pessoas ele precisa ser observado pe-los educandos na convivência das educadoras. Poristo é importante o testemunho, isto é, o jeito deser e de se relacionar da educadora também fazparte da sua prática pedagógica. Precisa servivenciado coletivamente e aí compreendido. Va-lores não são meros conteúdos teóricos. Sãovivências que precisam ser amadurecidas ecorrigidas em suas imperfeições, através do exer-cício da crítica e da autocrítica.

De um modo especial, precisamos aprender aestabelecer e a seguir as combinações de vivênciacoletiva e a prática de valores, entre eles: a solida-riedade para combater o egoísmo estimulado pelocapitalismo; o espírito de sacrifício que exige re-núncia e dedicação ao projeto popular; a capaci-dade de indignação diante das injustiças, da ex-ploração e do sofrimento do povo; a valorizaçãoda vida do conjunto da natureza em vista da vidado ser humano; o gosto de ser povo e de ser povotrabalhador, classe trabalhadora; o sentido do tra-balho voluntário em favor dos excluídos e em vis-ta de uma nova sociedade; o valor do estudo paracompreendermos os rumos da história em suadimensão de projeto; a esperança que nos impedede aceitar o fim da história mergulhados no caossocial e humano a que nos levou o capitalismo; aconfiança na capacidade do povo em construir o

seu destino e que rompe com o complexo de infe-rioridade que procuram nos imbuir; a coerênciacom os princípios organizativos do MST e com omovimento da história; o compromisso com ospropósitos amadurecidos e assumidos coletiva-mente; a alegria das pequenas conquistas que vis-lumbram a possibilidade da vitória final; a ternu-ra pela dignidade do ser humano que permitesuperar o ódio; ...

c) DesafiosEntre os desafios que temos pela frente um de-

les é o de desenvolvermos um processo educativoque permita a superação da dominação machistaimposta pela cultura que estamos inseridos, e ummelhor entendimento da questão de gênero. A so-ciedade que queremos construir se constrói na so-ciedade de hoje. Superar concepções tradicionaisde família e de relacionamento entre gerações, tam-bém faz parte desta construção. Outro desafio é asuperação do racismo e o aprofundamento da ques-tão étnica. Outro ainda é o do respeito às diferen-ças que existem no jeito de ser das pessoas, e umapreocupação específica com os educandos porta-dores de necessidades especiais, para o que aindanão olhamos com a atenção devida.

2.2. Tempos EducativosA idéia de organizar diferentes tempos na es-

cola quer reforçar um princípio importante denossa pedagogia: escola não é só lugar de estudo,e menos ainda onde se vai apenas para ter aulas,por melhor que sejam, devam ser. A escola é umlugar de formação humana, e por isso as váriasdimensões da vida devem ter lugar nela, sendotrabalhadas pedagogicamente.

Ao mesmo tempo, os tempos contribuem noprocesso de organização dos educandos, levando-os a gerir interesses, estabelecer prioridades, assu-mir compromissos com responsabilidade.

Cada Escola pode organizar os tempos que acharmelhor para o processo educativo que ali está sen-do desenvolvido. Todas as escolas não precisam ter

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os mesmos tempos. Cada escola adota apenas ostempos que considerar necessários para fazer acon-tecer o seu projeto educativo. Em alguns lugares ostempos educativos são chamados de hora ou mo-mento educativo.

Alguns tempos educativos que nossa prática temmostrado como importantes:

a) Tempo AulaÉ o tempo previsto para se trabalhar didatica-

mente os conteúdos ou temas de estudo. Pode serdentro da sala de aula, trabalhando em círculo ouem grupos, ou, pode ser fora, fazendo um passeiode observação, por exemplo. Este é um tempomuito importante mas, como vimos, não deve sero único, exatamente para que possa ser alimentadopelas outras vivências educativas que podem acon-tecer numa escola.

Da 5ª a 8ª série, o tempo aula, se for organizadoatravés de disciplinas, deve prever períodos meno-res para que possa haver tempo também para algu-mas atividades especiais. Não é preciso e nem é omelhor que aconteça a troca de disciplina em cadaperíodo.

Entre estes períodos menores é preciso garantiro espaço gestão para a auto-organização doseducandos; bem como o espaço para as tarefas dosgrupos de atividades.

b) Tempo TrabalhoVisa o aprendizado através do trabalho e a com-

preensão da organização do trabalho e de como sedesenvolve um processo produtivo, bem como darelação da produção com o mercado. É o tempoprevisto para colocar em funcionamento as Unida-des de Produção assumidas pela escola, ou as dacomunidade que estão sob a responsabilidade daescola.

c) Tempo OficinaVisa a capacitação dos educandos em algu-

mas atividades básicas. É o tempo previsto paraque os educandos dominem novas atividades. Eletambém pode ser usado para a qualificação do

trabalho, em vista de melhorar as Unidades deProdução.

d) Tempo Esporte/LazerÉ o tempo para a prática de esportes e jogos

coletivos que venham a desenvolver valores comoa cooperação e a socialização. Também é o tempodestinado ao lazer, a brincadeiras, a prosas, passeios,piqueniques,... Serve também para o aprendizadode novos jogos e brincadeiras, para o desenvolvi-mento da coordenação motora, da agilidade, daresistência física,... Ele visa a integração entre to-dos os educandos da escola, propiciando um mo-mento de ludicidade e alegria. Este tempo pode serde um período por semana (em torno de noventaminutos), pelo menos.

Também podem ser planejados momentos delazer, livres, nos finais de semana. Podem ser nasdependências da escola ou em outro local conve-niente.

Neste tempo pode estar incluída a disciplina deEducação Física, desde que também contenha oseu conteúdo específico.

e) Tempo EstudoVisa garantir um tempo, com monitoria, para o

estudo dos educandos. Ele tem a finalidade de in-centivar e criar o hábito de estudo e de leitura. Tam-bém pode ser utilizado para fazer as tarefas escola-res por grupos de atividades, na escola.

f ) Tempo MutirãoVisa contribuir com o cuidado da escola, com a

valorização das pequenas tarefas, com o embeleza-mento do espaço público. Este pode ser o tempo defazer uma limpeza geral da escola, por exemplo.

Lembretes importantes:• Não é preciso ter todos estes tempos, eles são

sugestão. Podem ser fundidos, trocados, elimi-nados. O que importa é que os assumidos se-jam levados a sério e planejados de formaeducativa. Acontecer, por acontecer, perde o

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seu sentido educativo e passa a ser um tropeçono processo de formação das pessoas.

• Nem todos os tempos assumidos pela escolaprecisam acontecer todos os dias.

• As crianças, os adolescentes e os jovens têmoutras atividades além da escola e da família.Por exemplo, nesta idade uma delas é acatequese, que não é bom que seja organizadapela Escola.

• É bom que os educandos se envolvam tam-bém em outras atividades educativas do Movi-mento que não sejam organizadas pela Escola.

• Após definidos os tempos temos que organizá-los em uma espécie de planilha ou tabela, paraver se há coerência na combinação e possibili-dade real de execução de todos eles.

g) Tempo Coletivo PedagógicoVisa garantir um ou mais tempos, destinados

às educadoras (professoras, funcionárias, moni-tores, voluntários). Podem ser todas juntas ou se-paradas, conforme as atividades previstas. Nestetempo deve ser feita uma análise do processo edu-cacional em andamento, planejar a intenciona-lidade pedagógica dali para a frente, ver comomelhorar o ambiente educativo e como envolvermelhor os educandos no processo, combinar comoserão desenvolvidas as atividades pedagógicas.Pode ser usado, também, para aprofundamentoda pedagogia do MST e da proposta político-pe-dagógica da escola, bem como para o estudo alegislação em vista de fazer avançar o processoeducativo, sem ter que mergulhar em legalismose na lógica da burocracia.

2.3. Espaço FísicoPara a instalação e funcionamento desta Escola,

ela deve ter uma área de terra onde possa aconteceras Unidades de Produção, o prédio da escola (sa-las) e uma área de lazer.

Devemos nos preocupar para que haja água po-tável, se possível encanada. E luz, de preferênciaelétrica. Também devem ser providenciados ba-

nheiros, com esgoto, e local para o depósito deresíduos ou lixo, se possível com reciclagem ereaproveitamento.

Cada um dos espaços, aos poucos, precisa teros móveis e equipamentos necessários para o seufuncionamento e qualificar as atividades educaci-onais.

Para começar basta ter o básico, o necessário.Mas podemos trabalhar e lutar para que a Escolaalgum dia possa ter as seguintes instalações:

a) Biblioteca e videotecaNo início, basta o mínimo necessário de livros.

Ela pode ir crescendo a cada ano, através de aquisi-ção, doações, campanhas. Também podem ser ad-quiridas fitas de vídeo, discos com músicas,... Oslivros podem ser utilizados em sala de aula, no es-tudo, na leitura e para levar para casa (inclusiveemprestado para os pais). Quando for possível, teruma sala especial, também com espaço para traba-lho em grupos.

É importante que a escola tenha o Jornal e aRevista Sem Terra e as cartilhas do Movimento. Oideal é se chegasse na escola um jornal diário.

b) Cozinha e refeitórioPara preparar e servir a merenda e o almoço,

caso os educandos permaneçam na escola pela par-te da tarde. No início pode até ser um fogão a le-nha, feito com uma chapa e barro, sob uma varan-da. Depois pode ir melhorando. Ter um espaçopróprio para guardar a merenda escolar. Será bomchegarmos um dia a ter um refeitório, com palco,para também ser utilizado como auditório. Estaparte estaria a serviço de todo o assentamento.

c) Salas de aulaSe possível, uma por turma pois nelas acontece-

rão o tempo aula, o tempo estudo, o tempo leitu-ra, ... Ela seria ocupada pela mesma turma em maisde um turno.

Se a lei do Estado exigir, ter uma sala para labo-ratórios.

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d) Salas de oficinaCom o tempo pode haver salas para as ofici-

nas, como por exemplo: datilografia, informática,dança, artesanato, música... No princípio podeser tudo realizado nas salas de aula, aproveitandoquando não estão sendo ocupadas para os outrostempos.

e) Outras salasTer uma sala para a secretaria e tesouraria, para

a direção, para a coordenação pedagógica e saladas educadoras, orientação educacional, sala dereunião do Conselho Escolar...

g) Salas de ProduçãoAs que forem necessárias para funcionar as

Unidades de Produção e para guardar as ferramen-tas e equipamentos nelas utilizadas. Pode ser: se-cagem e embalagem de ervas, cozinha e alambi-que de remédios, matadouro, ...

h) Área de Lazer e esportePode ser um campo de futebol, uma quadra de

vôlei na grama ou na terra, um pequeno bosquede árvores nativas para passeio com bancos parasentar na sombra.

Deve ter espaço para brincar e, logo que possí-vel, um parque infantil.

Com o tempo e se vier recursos específicos, umaárea coberta para as atividades em dias de chuva.

i) AlojamentoPara as escolas que assumirem a pedagogia da

alternância a escola precisa ter alojamentos. E elesnão devem ser vistos apenas como dormitórios,mas como locais de moradia dos educandos.

Observação:Jamais esquecer que estamos construindo a es-

cola possível. Enquanto lutamos pelas melhoriasnecessárias devemos ir realizando o processoeducativo. Se não tiver carteira escolar podemostrazer um banquinho de casa para escrever senta-

dos no chão. Nos acampamentos a gente já apren-deu como se faz isto...

2.4. RelaçõesA Escola precisa ter a capacidade de se voltar

para a comunidade Sem Terra, sendo uma res-posta para as suas demandas. Talvez assim a co-munidade assuma a escola de fato como sua. Odesafio é a escola ir à comunidade, colocar-se aserviço, assumir-se como parte da Comunidade.

A escola pode desenvolver atividades com acomunidade nas seguintes áreas:

a) CulturaEntendemos aqui por cultura o jeito de viver

do Sem Terra. Seus costumes anteriores, os apren-dizados que assimilou no tempo de acampamen-to e na luta, os valores e o modo de agir coletivodo MST. Por isto a escola pode:• Refletir sobre o jeito de viver da comunidade,

comparando o antes, o tempo de acampamen-to e o hoje. Ajudar a perceber a constituiçãoda identidade dos Sem Terra.

• Cultivar os valores e a história, como projeto,através do resgate de histórias, músicas, pala-vras de ordem, danças, encenações, ...

• Promover a noite ou, nos finais de semana: ses-sões de vídeo (educativos e filmes), sessões deteatro, coral, cantorias, festas folclóricas, concursode contos e poemas... Fazer no corredor da es-cola uma exposição permanente da história doassentamento e da luta pela terra na região...

b) ComunicaçãoOrganizar uma rádio ao vivo ou de poste com

corneta (no caso de agrovila) ou, programa na rádiocomunitária; garantir um jornal mural semanal nafarmácia comunitária ou em outro lugar de grandecirculação das famílias, como na sede da cooperativaou associação e/ou no refeitório; elaborar um jornaldo assentamento ou da regional, que pode ser men-sal ou quinzenal; organizar o serviço de correio (co-leta e entrega de correspondência e do Jornal Sem

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Terra nas casas); ter um mural com notícias de jor-nal diário no corredor da escola, ...

c) EcologiaPromover a valorização da vida contribuin-

do para que haja cuidados com a água (prote-ção de nascentes, arborização da margem de ri-achos, ...), com a terra (adubação orgânica, nãoutilização de agrotóxicos, ...), com o ar (nãofazer queimadas, ...); promover a coleta seleti-va do lixo seco (que após acumulado pode servendido em vista da aquisição de material di-dático) e o aproveitamento do lixo orgânico;trabalhar o cuidado com a saúde preventiva(higiene pessoal e dos locais de moradia e detrabalho) e curativa (farmácia comunitária); fa-zer campanhas contra os vícios do fumo, doálcool, de outras drogas...

d) MísticaPromover, participar ou contribuir com a mís-

tica e a ornamentação de momentos celebrativose ou cívicos, especialmente nas datas importantespara o assentamento, o conjunto do MST e a classetrabalhadora; participar e contribuir nas Jornadasda Reforma Agrária, ...

e) Educação de Jovens e Adultos (EJA) eEscolarização

Promover, enquanto houver alguém analfabe-to, a Alfabetização de Jovens e Adultos, e criarCírculos de Cultura ou de outras atividades paracontribuir na pós-alfabetização...

Organizar cursos supletivos para que os adul-tos possam completar o primeiro grau, comtitulação...

f ) LutaParticipar das Mobilizações dos Sem Terrinha e

dos Jovens Sem Terra, das lutas por Educação e Es-cola, da luta dos pais, ... e refletir sobre o sentido e oporquê destas lutas e contribuir no repasse de infor-mações para as famílias. Também, participar dos

Concursos Nacionais do Setor de Educação e deoutras iniciativas do MST como um todo.

g) TrabalhoContribuir na reflexão sobre os modos de pro-

dução e as formas de organizar o trabalho (indivi-dual, semi-coletivo, coletivo). Incentivar a coo-peração em todas as suas formas, partindo domutirão.

Refletir sobre o valor do trabalho, a nossa iden-tidade de trabalhador e aprofundar a mística dotrabalho e da terra.

h) CapacitaçãoSe tiver infra-estrutura, a escola pode oferecer

para as famílias oficinas, tais como: datilografia,dança típica, teatro, ...

i) Serviços internosSe tiver infra-estrutura, oferecer serviços, tais

como: posto de correio (articulado com algumacaixa postal do assentamento), telefone público(de preferência com cartão para evitar problemasde anotar ligações), fotocopiadora, serviço dedigitação,...

j) Serviços externosAssumir ou adotar o embelezamento da área

comunitária do assentamento (ajardinamento,aparar a grama, podar as árvores, ...), limpar algu-ma área de reflorestamento ou florestamento, lim-par o arvoredo, colaborar em alguma unidade deprodução do assentamento ou de alguma unida-de de cooperação (como pôr rótulos e barbanteem salame, embalar e rotular torresmo, embalarqueijo, rotular doces, ...), ... Estas são atividadesque já acontecem em alguns lugares.

2.5. Educandos com tarefas especiaisEm nossas escolas há casos em que educandos se

afastam temporariamente, da escola para cumprir cometapas de formação proporcionadas pelo MST, porexemplo: Cursos, Encontro de Jovens, Marcha, ...

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Quando as escolas estão abertas para a dimen-são educativa destas atividades elas se desafiam aencontrar formas de que a ausência das aulas for-mais não prejudique os educandos, e estasexperiências de aprendizado possam ser compar-tilhadas com o conjunto das pessoas da Escola.Da mesma forma que aqueles que saíram possamcompartilhar o que aconteceu e o que oseducandos assimilaram durante o mesmo perío-do na escola. E nunca é demais lembrar que so-brecarregar estes educandos com atividades extraspode não ser a melhor alternativa.

Para facilitar o planejamento deste acompanha-mento especial o ideal é que o mesmo possa sercomunicado com antecedência para os responsá-veis pela escola.

2.6. AvaliaçãoPara nós a avaliação é um processo constante,

participativo e democrático. Ela abrange todo osmomentos do processo educativo, envolvendotodos os sujeitos inseridos neste processo(educandos, educadoras comunidade, núcleos debase, ...), dentro de cada espaço de discussão (gru-pos de atividades, conselhos de classe, assembléiade turma, assembléia de educadoras, assembléiada escola, ...), permitindo que todos possam seravaliados, se auto-avaliar, e se avaliar entre si.

A avaliação tem como objetivo principal darelementos para que todos os envolvidos na escolapossam superar suas dificuldades e melhorar seudesempenho. Por isto, a avaliação não deve terum caráter punitivo, mas sim ser encarada comoalgo positivo e necessário para a qualificação doprocesso educativo.

A proposta de avaliação deve estar vinculada ànossa concepção de escola. Por isto a comunida-de escolar terá que definir os aspectos a serem ava-liados em cada um dos espaços, e como fazer osencaminhamentos para a superação dos atuais li-mites constatados nos educandos, e as deficiên-cias das educadoras e de todos os envolvidos navida da Escola.

Na avaliação precisamos levar em conta, pelomenos, dois aspectos básicos:• o crescimento da pessoa como ser humano, a

formação do seu caráter, a convivência soli-dária, a participação nas atividades, a partici-pação no trabalho, ... e

• o aprendizado escolar e o desenvolvimentointelectual, juntamente com a capacidade depensar e de utilizar estes aprendizados na vidaprática.

a) Orientações GeraisComo MST não temos uma proposta fechada

de avaliação. Temos escolas que utilizam notas(não só das disciplinas) e pareceres. Temos escolasque utilizam conceitos. Temos escolas que utili-zam apenas pareceres em relação aos educandos eos transformam em notas ou conceitos para cum-prir com as exigências dos órgãos oficiais.

Parece-nos importante que sejam adotados oschamados pareceres, mesmo que ainda sejam da-das notas ou conceitos. Através deles ficamregistrados os avanços e limites dos educandos emseu aprendizado pessoal e coletivo, facilitando areflexão sobre como trabalhar sobre cada um.

O desafio é que cada escola chegue a produzirum sistema de avaliação que possa contribuir coma leitura do processo educativo como um todo(do conjunto da escola) e o processo de aprendi-zagem de cada pessoa envolvida (inclusive as edu-cadoras), bem como uma forma de registro domesmo em vista de futuras comparações. Este sis-tema deve respeitar os ciclos da vida humana doseducandos, os princípios e os valores do MST, aparticipação das pessoas no processo todo (ges-tão, trabalho, lazer, atividades didáticas, ...).

Cada escola precisa ter um planejamento daprogressão onde estão registrados os valores, asmetas, as competências,... que os educandos de-vem alcançar em cada ciclo, etapa ou série. Esteplanejamento será revisto conforme a evolução doprocesso educativo, respeitando assim a caminha-da coletiva e pessoal dos educandos.

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Os processos de reforço e de recuperação daaprendizagem têm sentido pedagógico à medidaque sejam direcionados à superação dos limitesconstatados.

b) Tipos e formas de avaliaçãoA participação social dos educandos nas ativi-

dades pedagógicas e o seu desempenho no traba-lho nas unidades de produção precisam ser avalia-dos através de metas e critérios elaborados com acolaboração dos educandos. E eles também têm odireito e o dever de avaliar as educadoras. Há es-colas onde os educandos fazem esta avaliação nosgrupos de atividades e depois a fecham como salade aula, processo este acompanhado por educa-doras. Este mesmo processo precisa ser realizadocom as educadoras.

Há momentos mais profundos de avaliação,onde acontecem a crítica e a autocrítica em quecada um dos educandos faz uma leitura da vivênciados valores em si mesmo e nos demais.

Nas disciplinas ou temas elas devem ser, algu-mas vezes, individuais para perceber a caminhadapessoal de cada um, e outras vezes, em duplas ougrupos, para facilitar a produção cooperativa doconhecimento.

Os critérios precisam ter por base os VALO-RES que estamos querendo ajudar a formar emnossas crianças, nossos adolescentes e jovens.

c) Conselho de ClasseAlgumas Escolas fazem o Conselho de Classe,

em vista de avaliar de forma personalizada o de-senvolvimento de cada um dos educandos, daturma como um todo e também das educadoras.

Um Conselho de Classe só tem sentido se forparticipativo. Há escolas onde estão presentes repre-sentantes da sala de aula. Em outras estão presentesos representantes de cada grupo de atividades. Emoutras está presente também o educando avaliado.Em outras é feito na presença de toda a turma. Mas,esta participação não quer dizer apenas ser ouvinte.Os educandos têm o direito de avaliar as educado-ras, avaliar-se e comentar a avaliação recebida.

3. TRABALHO/PRODUÇÃOQue é a vida, senão atividade?Marx

PrincípiosNo Caderno sobre os princípios da educação

no MST temos os princípios pedagógicos, entreeles: a “educação para o trabalho e pelo trabalho”(5), e o “vínculo orgânico entre processoseducativos e processos econômicos” (7). Antes deir adiante tome conhecimento destes princípios.

Veja também o Boletim da Educação n.º 4 “Es-cola trabalho e cooperação” e n.º 5 “O trabalho ea coletividade na educação”.

Como bem mostram os princípios pedagógi-cos do MST, a escola precisa ter um estreito vín-culo com o trabalho. Por isto, vários espaços detrabalho fazem parte do processo educativo de-senvolvido na escola. Ao mesmo tempo, deve sertrabalhada a mística do trabalho e de como ele fazparte de nossa identidade como Sem Terra, mem-bros da classe trabalhadora.

Para a escola do MST o trabalho é um princí-pio educativo fundamental. Ele envolve o esforçofísico e mental que transforma a natureza e, aotransformar a natureza, nos transforma; noshumaniza. É o trabalho que nos diferencia dosoutros seres vivos. Através dele, de forma pessoale coletiva, garantimos as condições objetivas denossa qualidade de vida. O trabalhador sedeseduca e se desumaniza ao ser desapropriado,desqualificado e ou explorado em seu trabalho.

Um dos nossos desafios é superar a discrimi-nação entre o trabalho mecânico (manual) e inte-lectual, educando para ambos no mesmo proces-so produtivo.

O trabalho dos educandos sendo acompanha-do por monitores e envolvendo os educandos emtodas as fases do processo produtivo, do planeja-mento até a comercialização, torna-se maiseducativo.

A escola pode proporcionar experiências em vá-rias formas de cooperação e na organização de

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diferentes processos produtivos. Mas todas as ex-periências precisam ser avaliadas, percebendo asvantagens e desvantagens. Será ainda melhor se aEscola contribuir na elaboração e ou análise doprojeto de desenvolvimento do assentamento ouda região.

A produção precisa levar em conta o cuidadocom a preservação da natureza e a questãoagroecológica, e ajudar no alerta sobre o risco douso dos agrotóxicos, que ameaçam a qualidade devida. Numa escola a produção geralmente está vol-tada para o consumo interno, mas se for possíveltambém precisa ter preocupação com o mercado,proporcionando uma experiência real e refletidasobre como funciona sua lógica.

Para o melhor desenvolvimento da produção aescola precisa fazer seu planejamento levando emconta o calendário agrícola.

Também não pode ser esquecida a possibilida-de da pesquisa, com áreas comparativas e áreasexperimentais, incluindo o reaproveitamento deprodutos e de resíduos da produção, da adubaçãoverde e orgânica. Estas áreas podem contribuircom o projeto de desenvolvimento do conjuntodo assentamento.

É importante que a comunidade e os respon-sáveis pela assistência técnica participem da cons-tituição dos projetos e os acompanhem.

3.1. Na área da escolaSão as atividades que os educandos podem de-

senvolver normalmente na escola, sem a necessi-dade de nenhum investimento produtivo.

Entre estes trabalhos está a limpeza e arruma-ção na sala de aula, bem como a limpeza da partecomum da escola (corredores, pátios, banhei-ros,...); o embelezamento da sala de aula e doscorredores, visando o bem-estar e o apoio peda-gógico; a contribuição no refeitório para servir amerenda; o ajardinamento estético do espaço es-

colar interno e externo; a limpeza das janelas; ...O importante é que os educandos, em con-

junto com as educadoras, possam propor, plane-jar, decidir, executar e cuidar da escola como asua casa, uma casa coletiva voltada para o apren-dizado.

3.2. Nas Unidades de ProduçãoNem sempre as Unidades de Produção preci-

sam ser da escola, mas é bom que estejam vincu-ladas a ela e integradas no seu processo educativo.

As Unidades de Produção estão voltadas parao consumo da escola, para contribuir com os as-sentamentos da região e os acampamentos, e parao mercado. É importante garantir que o retornodo comercializado seja aplicado em investimen-tos nas Unidades de Produção e na aquisição dematerial didático/pedagógico.

As Unidades precisam ser trabalhadas como es-paços educativos, onde os educandos possamaprender para além dos modos de produzir que jáconhecem. Não tem sentido usar estes espaços so-mente para reproduzir de modo mecânico o quejá aprenderam a fazer fora da escola45. Os edu-candos vêm para a escola para aprender e sistema-tizar outras aprendizagens.

O número de Unidades de Produção depen-derá do número de educandos da escola e da mão-de-obra necessária para fazer funcionar cada uma.Também precisam ser atividades que ocupem pou-cas horas por dia de mão-de-obra.

As Unidades de Produção podem ser imple-mentadas na Escola ou podem ser implementadaspelo assentamento e colocadas sob a responsabili-dade e os cuidados da escola, ou ainda implanta-das por uma cooperativa ou associação e aberta àparticipação dos educandos.

Para trabalhar nas Unidades de Produção oseducandos podem ser organizados em Brigadas deTrabalho. Cada unidade pode ter uma ou mais bri-

45 Fazer uma horta para ter alimentos, sem qualificar este fazer e sem alterar a relação com a terra, é educativo parcialmente. Ao qualificar aprodução, o saber produzido na escola poderá repercutir na comunidade, cumprindo uma de suas funções.

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gadas de trabalho. É importante garantir nelas umamistura, o mais proporcional possível, doseducandos e das turmas. Cada Unidade de Produ-ção será acompanhada por um educador monitore cada Brigada de Trabalho terá um educando comocoordenador. De tempos em tempos pode haverum remanejamento dos membros nas Brigadas, quedeve ser feito sem colocar em risco o funcionamentodas Unidades de Produção.

É importante que jovens e adolescentes que es-tudam fora do assentamento também participemdas Brigadas de Trabalho e das Unidades de Pro-dução.

Não é necessário apenas ter Unidades de Pro-dução agrícolas. Eis alguns exemplos de Unida-des de Produção que podem ser implementadas:

a) JardimO jardim tem a finalidade de: embelezamento

estético (enfeite ou ornamentação), da área escolare ou de outras áreas do assentamento. Também ser-virá como espaço para estudo científico e artístico,produção de flores e mudas para o comércio oupara o embelezamento dos espaços educativos.

b) ViveiroO viveiro tem a finalidade de produção de

mudas de árvores nativas, frutíferas ou para le-nha. Elas podem ser utilizadas para desenvolvercampanhas de florestamento ou reflorestamentode córregos ou lajeados, de plantio de pomares,de preservação de reservas ou de propaganda daReforma Agrária. Também podem servir para acomercialização.

c) Horto Medicinal e de TemperosEste horto tem a finalidade de plantio, colhei-

ta, secagem, embalagem, colocação de rótulo, apóspesquisa de princípio curativo e dosagem, e deabastecimento. Também pode servir para fabrica-ção de xaropes, pomadas e extratos e destilados, epara abastecimento de produtos transformados.Está voltada para a farmácia e a cozinha da escola,

as farmácias comunitárias dos assentamentos eacampamentos e as feiras.

d) HortaA horta tem a finalidade de plantio, colheita,

seleção de produtos e abastecimento da cozinhada escola (merenda) e para a comercialização nafeira. Também servirá para observação e estudo,técnicas de conservação e recuperação de solo, ...

e) Criação de pequenos animaisEsta Unidade tem a finalidade de produzir car-

ne para a merenda escolar e para abastecer a feirae, dentro do possível, aproveitamento dos produ-tos secundários (penas, couro, ...) através da fa-bricação de outros produtos. Pode-se criar: gali-nhas, coelhos, peixes, rãs, minhocas, ...

f ) LavouraEla tem a finalidade de plantio de produtos ali-

mentícios voltados para o consumo humano (me-renda escolar) e para o trato dos pequenos animais,podendo o excedente ser destinado para a feira.Também visa o aprendizado na produção de novosprodutos (agregar valor). Pode-se plantar: cana-de-açúcar, abóbora, amendoim, pipoca, batata-doce,milho, ... Pode-se produzir: rapadura, puxa-puxa,doce para passar no pão, ... Esta área pode ser pre-parada em conjunto com as famílias.

g) Área demonstrativaEla tem a finalidade de demonstrar técnicas de

recuperação de solo (adubação verde e adubaçãoorgânica), produção de sementes comuns e nati-vas, ... Só tem sentido se for feita em conjuntocom a comunidade e visando atender às deman-das dos assentamentos e ou da região.

h) MarcenariaEla tem a finalidade do manuseio da madeira,

de fabricar móveis escolares ou não, fazer abertu-ras (janelas, portas, ...), ...

i) Serralharia ou ferraria

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Ela tem a finalidade do manuseio dos metais, defabricar portões, grades, fazer tela, ferrar cavalos, ...

j) GráficaEla tem a finalidade de contribuir na elabora-

ção de cartazes, boletins, multiplicação de textos,...Pode-se iniciar com técnicas de impressão sim-ples (impressão a rolo e mimeógrafo a álcool).

k) ArtesanatoEsta unidade tem a finalidade de resgatar ex-

pressões culturais, trabalhar técnicas de manejode materiais, desenvolver a estética e produzir pe-ças que podem ser utilizadas no embelezamentoda escola e das moradias, ou comercializadas.

Atenção:• Nas Unidades de Produção precisamos apro-

veitar muito bem o saber acumulado pelasfamílias e a assessoria técnica que atua no as-sentamento ou na região.

• Todo o resultado da comercialização ou feiradeve ser aplicado conforme a finalidade jáestabelecida ou a partir de uma decisão cole-tiva. Ela pode ser utilizada para reinvestir nasUnidades de Produção, para a aquisição dematerial escolar/didático/pedagógico, ...

• É preciso adequar as Unidades de Produção àrealidade do lugar. Elas podem começar bemsimples e com o tempo, se houver a necessi-dade, ir se complexificando.

3.3. Na famíliaA escola precisa ajudar a família a refletir e a se

posicionar sobre o trabalho realizado pelas criançasnos lotes familiares ou em empresas associativas.Ele faz parte da colaboração com o restante da fa-mília e da construção do educando, desde que comoaprendiz. Ao mesmo tempo deve estar garantido otempo para as atividades da escola e para ser crian-ça ou adolescente.

O que não podemos aceitar é a exploração ca-pitalista do trabalho com a finalidade do educan-

do contribuir com a complementação da rendafamiliar, e para isto tendo que negar o seu ciclo dedesenvolvimento como ser humano e deixar departicipar da escola.

3.4. No Trabalho VoluntárioUm desafio para nossas escolas é ser capaz de

desafiar os educandos a compreender o sentidodo trabalho voluntário e a desenvolvê-lo. Ele fazparte de nossa formação como seres humanos so-lidários, comprometidos com a vida.

O trabalho voluntário pode ser realizado emdatas significativas, no próprio assentamento ouacampamento, assumindo o cuidado de algum re-canto privilegiado da natureza, o recolhimento eseleção do lixo espalhado (embalagens plásticas elatas, por exemplo), o embelezamento da partecomunitária do assentamento em conjunto commembros da comunidade ...

Ele pode ser realizado em comunidades vizinhasou na cidade, contribuindo em dias de serviço paraoutras entidades da coletividade como: asilos, apae’s,creches, ... Ou pode contribuir, se for o caso, nosprojetos de alfabetização de jovens e adultos. Tam-bém podem ser organizados mutirões especiais emvista de acelerar um trabalho na Escola, como porexemplo: a colheita do milho, ...

É uma atividade que precisa ser desenvolvidade forma organizada, por isto os educandos po-dem estar organizados em brigadas de trabalho,cada uma com uma missão e com o seu coorde-nador.

3.5. Administração da EscolaA administração econômica da escola deve ser

participativa, democrática e transparente. A pes-soa responsável pelo movimento do caixa precisafazer mensalmente uma prestação de contas paraa Coordenação da Escola que ficará à disposição,em um mural, de todos os educandos e educado-ras da Escola.

O rendimento das Unidades de Produção,se possível, seja controlado em uma conta se-

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parada, permitindo assim um melhor controlesobre o andamento de cada uma delas. A apli-cação dos recursos deve seguir o planejamentoda escola.

4. ESTUDOSem estudo não vamos a lugar algum.Faixa presente no Encontro Nacional do MST de1987, Piracicaba/SP.

PrincípiosNo Caderno sobre os princípios da educação

no MST temos os princípios pedagógicos, entreeles: “a realidade como base da produção do co-nhecimento” (3), “conteúdos formativos social-mente úteis” (4), “vínculo orgânico entre proces-sos educativos e processos políticos” (6), vínculoorgânico entre educação e cultura”(8). Antes de iradiante tome conhecimento destes princípios.

Conforme as normas gerais do MST, um dosseus princípios organizativos é o estudo. Somosestimulados ao estudo de todos os aspectos quedizem respeito às atividades dos Sem Terra, pois“quem não sabe, é como quem não vê”. E quemnão compreende a realidade, não tem a capaci-dade de transformá-la.

O estudo pressupõe um fecundo diálogo en-tre o conhecimento científico, aperfeiçoado pelaanálise e acumulado pela humanidade em obrasque são uma herança a ser partilhada, e a sabe-doria popular, “matutada” ao longo dos anos àluz da experiência de vida.

O estudo só encontra o seu sentido socialquando ele é capaz de partir da realidade, o queimplica em pesquisa, e após aprofundar esta rea-lidade à luz do conhecimento acumulado pelahumanidade, consegue tirar propostas e encon-trar um método para transformar a realidadepesquisada.

4.1. AulasComo vimos anteriormente, as aulas são o

tempo/lugar em que costumam ser trabalhadosos conteúdos das várias disciplinas.

Dentro dele pode haver atividades especiaiscomo, por exemplo, espaços de: passeio, notí-cia, turma, memória, leitura, ... Também podeser perpassado por temas geradores e por temasde estudo.

Atenção:• No caso do currículo organizado por disci-

plinas, é preciso que os períodos sejam naprática, de 45 ou 50 minutos, para garantirque em cada turno sobre tempo para as ati-vidades especiais que também compõemnossa proposta de Tempo Aula. As discipli-nas não precisam trocar a cada período, elaspodem ser organizadas de forma que possahaver períodos seguidos. É mais produtivo.

Alguns aspectos importantes que precisamosobservar para garantir a dimensão educativa destetempo:

a) Organizar a salaTemos que ir superando a forma tradicional

de colocar as classes em sala de aula como se elasfossem um pelotão. Elas podem ser organizadasem semicírculos, unidas para que os grupos deatividade possam trabalhar em conjunto, ...

É necessário transformar a sala de aula em umambiente educativo especial, especialmente a dasséries iniciais, onde possam ser colocados apoiospedagógicos, objetos de estímulo à alfabetização,calendário interativo, ...

As aulas também podem ser dadas fora da salade aula, fazendo passeios de observação da natu-reza, fazendo levantamento de informações nasunidades de produção, fazendo experimentaçõescientíficas...

b) Ciclo, etapa ou sérieAs escolas podem se organizar em ciclos, eta-

pas ou séries. Não pretendemos indicar uma op-ção fechada, até porque não temos acúmulo su-ficiente nesta questão. Mas há elementos a seremconsiderados na influência que podemos ter jun-

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to ao sistema de ensino a que forem vinculadasas Escolas do MST:• A nossa escola precisa aos poucos deixando

de ter como centro os conteúdos programáti-cos, e as educadoras de ter como preocupa-ção principal vencer as listas de conteúdos. Ocentro deve ser, cada vez mais, os ciclos davida humana dos nossos educandos, e os prin-cípios e valores do MST.

• É preciso ajustar-se aos ciclos da natureza(não só os da produção), de onde está locali-zada a escola (espaço geográfico).

• É importante acompanhar a reflexão que vemacontecendo sobre a organização do currí-culo através de ciclos de formação, especial-mente a partir de experiências das escolaspúblicas das administrações do campo de-mocrático-popular. Ainda não há muitoacúmulo desta experiência em escolas docampo e podemos contribuir neste sentido.

• O nosso princípio é o da inclusão, que deve serum critério básico na opção a ser feita. E enten-demos por inclusão a luta para que todos oseducandos estejam na escola, a abertura aos por-tadores de necessidades especiais, a qualidade so-cial do processo educativo, e a ruptura da lógicade uma escola pobre para os pobres do campo.

• As experiências de educação através de eta-pas que realizamos nos nossos cursos suple-tivos e também na Escola Itinerante dosacampamentos precisam ser melhor avalia-das para que suas lições pedagógicas sirvamde referência a outros processos.

c) DisciplinasAs disciplinas são um espaço de sistematiza-

ção de conhecimentos. Também podem ser tra-tadas como áreas de conhecimento ou saberes.Mas para isso precisam deixar de ser trabalhadasde forma estanque.

A Escola deve oferecer todas as disciplinas daparte comum, conforme as orientações dos Con-selhos Estaduais de Educação. Lembramos que:

• As ciências humanas precisam ser valorizadas,especialmente a história. É o espaço para oresgate histórico do MST e para a socializa-ção das vivências.

• Existe a possibilidade de trabalhar filosofiadesde o início da educação fundamental. Eladeve estar voltada para a reflexão e a arte depensar, analisar, interrogar, aprofundar osporquês.

• O ensino de uma língua estrangeira é muitoimportante. As nossas escolas de modo geraltêm optado pelo espanhol.

As nossas escolas podem oferecer, da chamadaparte diversificada, disciplinas como as seguintes:

· Agricultura – Abrangendo desenvolvimen-to rural (a partir de um projeto popular), visãosistêmica do empreendimento, técnicas agríco-las alternativas, princípios de agroecologia e pre-servação ambiental, reaproveitamento de produ-tos e resíduos, adubação orgânica e adubaçãoverde, alimentação de animais, risco dosagrotóxicos, ...

· Gestão Rural – Abrangendo princípios de ad-ministração do negócio agrícola, planejamento daprodução, controle de custos, gerenciamento derecursos, organização do trabalho e da produção(cooperação), ...

· Bem Estar – Abrangendo princípios de hi-giene e saúde, relações interpessoais, ...

· Memória Popular – Abrangendo análise deconjuntura, história e organização do MST, ma-nifestações populares, ...

Importante:• As disciplinas apresentadas são exemplos.

Outras podem ser acrescentadas. Tambémpodem ser reorganizadas em outras áreas deconhecimento.

• Não é bom escolher muitas disciplinas, massim colocar todos os temas que interessar naementa (indicação de objetivos e conteúdosde cada disciplina) das poucas disciplinas es-colhidas.

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d) TemasPor sermos uma Escola do MST, existem al-

guns temas que fazem parte da identidade SemTerra e que precisam ser assumidos e trabalhadospela escola. Eis alguns exemplos: História do MST;História do Assentamento (como parte da histó-ria do MST); significado dos símbolos do Movi-mento (bandeira, hino, ...); o que o MST enten-de por Cooperação Agrícola; a nossa concepçãode assentamento; nossa discussão sobre valores,sobre projeto popular de país... Os temas tam-bém são importantes como um esforço para o tra-balho comum entre as disciplinas.

Os temas de estudo podem ser desdobradosem temas geradores, transformando-se em exer-cício de pesquisa e sensibilização para o saberpopular da comunidade e despertando o inte-resse pela intervenção prática na solução de pro-blemas locais. Podem ser trabalhados por turmaou pela escola como um todo em determinadoperíodo.

Mas não basta a escolha de temas onde encai-xamos as nossas tradicionais listas de conteúdose que terminam apenas em exercícios didáticos(uma redação, por exemplo). São os conteúdosque precisam se ajustar aos temas para que elespossam ser um exercício real de estudo que visaa transformação da realidade.

Há escolas que transformam os temas em ob-jetos geradores de novas práticas. O aprofun-damento leva a uma intervenção na realidade,planejada com a comunidade e com a partici-pação dos educandos, para que os limites pos-síveis sejam superados. O que às vezes tambémacontece é uma confusão entre tematizar umarealidade e transformá-la. Fazer da saúde umtema gerador não é resolver o problema da saú-de no assentamento. Mas se o tema for real-mente bem trabalhado ele poderá transformar-se em objeto de intervenção concreta por partedos educandos. Eles podem mobilizar as famí-lias para lutar pelo posto de saúde do assenta-mento, por exemplo.

Os temas geradores são definidos em conjun-to pelos educandos, educadoras e comunidadeassentada. O planejamento coletivo dos temaspode ser um espaço de reflexão e de construçãoou revisão de conceitos. Isto já é parte do pro-cesso educativo.

e) Espaços no tempo aulaEles acontecem dentro do tempo aula, con-

forme a combinação entre os educandos e as edu-cadoras ou o planejamento da escola. Eis algunsespaços a serem valorizados:

· Mística – Momento inicial da aula onde seprocura resgatar a história e a estratégia do MSTe da classe trabalhadora. Em algumas escolas eleé realizado pelas turmas em conjunto.

· Notícia – Momento diário para despertar anecessidade de informação e da visão crítica so-bre a mesma. Espaço para se fazer um relato doque está acontecendo na sociedade e como estáa luta dos trabalhadores. É um momento de so-cialização do que os educandos estão escutandonos meios de comunicação social e de repassarbreves relatos da conjuntura.

· Memória – Momento para valorizar a histó-ria da família, do assentamento, do MST e daclasse trabalhadora. Espaço para pesquisa ou re-lato das lutas, de recordar a luta de seus pais pelaterra. Momento de trazer presente os grandes lu-tadores e lutadoras do povo.

· Pesquisa – Momento para observação e re-gistro da realidade através de passeios, para saira campo fazendo o levantamento de informa-ções sobre produção, preços, ... ou buscando in-formações em livros, cadernos do MST, fitas devídeo, ...

· Leitura – Momento para leitura pessoal ouem grupo de textos, de partes de livros, do Jor-nal Sem Terra, de artigos de revista, ... Tambémpara exercício de leitura em voz alta ou para so-cialização das leituras realizadas (contar para osdemais o que leu).

· Turma – Momento para facilitar a auto-or-ganização dos educandos e para realizar avalia-

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ções, planejar atividades a serem realizadas pelosgrupos de atividades, ou para fazer a assembléiada turma.

· Cultura – Momento de resgatar expressõesculturais do povo brasileiro especialmente atra-vés da arte: música, dança, mitos, ...

Observação:• Não temos nada contra aulas expositivas. Elas

também devem estar presentes em nossa es-cola. O que queremos é salientar a necessida-de do máximo envolvimento dos educandosna produção do conhecimento.

4.2. OficinasÉ muito importante que a Escola promova

oficinas para capacitar educandos da Escola emembros da comunidade assentada ou acampa-da. Elas podem acontecer na Escola ou em espa-ços comunitários do assentamento ou na casa dasfamílias. Os monitores podem ser da comuni-dade ou outras pessoas chamadas para esta fina-lidade.

As oficinas têm a finalidade de trabalhar acapacitação. É preciso garantir o repasse das in-formações e atividades práticas para que oseducandos desenvolvam habilidades específicas.

As oficinas podem estar abertas também a jo-vens, adolescentes e crianças que não estudamna escola.

Certamente haverá demandas de capacitaçãopara oficinas em pelo menos três áreas:

a) Expressões CulturaisPode ser oficina de teatro, de canto, de car-

taz, de faixa, de mural, de painel, de arte emmuro, de violão ou outro instrumento musical,de artesanato, de oratória (falar em público), defabricação de bonecos e fantoches, de constru-ção de parques infantis, ... Mas, também, podeser oficina de saúde popular, de alimentação al-ternativa, de confecção de roupas...

b) ProduçãoPode ser oficina para aprender a fazer mela-

do, açúcar mascavo, salame, farinha de mandio-ca, canteiros, plantio de mudas, enxertos, ... Podeser, também de aproveitamento de recursos na-turais, agricultura alternativa, ...

c) AdministraçãoPode ser oficina de datilografia, preencher re-

cibo e reconhecer a sua validade ou não, preen-cher cheque, preencher nota fiscal, fazer movi-mento do caixa (entradas e saídas) e prestaçãode contas, ...

4.3. Outras atividades pedagógicas

a) SemináriosDurante o ano letivo a escola precisa oferecer

seminários, painéis e palestras não apenas paraos educandos, mas também para a comunidade.Um indicativo, é um evento deste a cada quinzeou vinte dias. Podem ser palestrantes dirigenteslocais, convidados ou pessoas que estão visitan-do a região.

b) Visitas educativasA escola pode promover visitas com os

educandos na própria área e na região vizinha,na sede municipal e para conhecer outros as-sentamentos, acampamentos, escolas, experiên-cias de cooperação, lugares históricos e assimpor diante. Também é importante promover aparticipação dos educandos em atividades doMST, como manifestações, encontros de estu-dantes promovidos pelo Setor de Educação, ...

O principal objetivo desta atividade é dar con-dições aos educandos de irem abrindo os hori-zontes, permitindo assim uma leitura diferentede sua própria realidade.

c) Jornadas PedagógicasEntendemos por Jornadas Pedagógicas as ati-

vidades promovidas pela escola, em conjunto

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com o assentamento ou acampamento, com afinalidade de desenvolver a conscientização, den-tro da comunidade (visita às famílias, momentocultural, atividades de embelezamento, ...) oufora (visita a escolas na cidade, visita a morado-res nas vilas, ida nas comunidades de igrejas, ...),visando animar os Sem Terra ou defender a ban-deira da Reforma Agrária.

Aqui entram também os dias de trabalho vo-luntário, mencionados antes.

d) Atividades propostas pelo MSTParticipar das Mobilizações dos Sem Terrinha,

das Olimpíadas da Reforma Agrária, dos Con-cursos Nacionais do Setor de Educação e deCampanhas Nacionais como a do plantio de ár-vores, ...

e) ComemoraçõesPreparar eventos para a comunidade, como

escola, nas datas significativas para o assentamen-to (dia da ocupação, dia da conquista da terra,...), para o acampamento, o MST, o nosso país(Grito dos Excluídos, ...) e o conjunto da classetrabalhadora (dia do trabalhador, dia da luta cam-ponesa, ...).

Cada escola elaborará com a participação doseducandos e da comunidade assentada o calen-dário anual de eventos.

Todas as datas comemorativas dos trabalha-dores têm sentido se trabalhadas dentro da reali-dade, em vista de resgatar a história ou a memó-ria destas datas. Nem todas precisam sercelebradas da mesma forma.

f ) Estágios de vivênciaPromover estágios de vivência em outros as-

sentamentos ou acampamentos e, se possível, emoutras realidades. Pode ser através de um pro-grama de intercâmbio de educandos (um vai paralá e outro vem para cá e um fica hospedado nacasa do outro). Isto, de preferência, com oseducandos de maior faixa etária.

Quando possível, promover intercâmbio devivência entre Sem Terra e crianças urbanas, es-pecialmente das periferias, para que ambos pos-sam conhecer novas realidades e as relações aliexistentes.

g) Agenda EscolarCada Escola pode elaborar uma Agenda Esco-

lar Anual, contendo: dados do educando (paraque cada um possa preencher); filosofia e objeti-vos da escola; breve história da escola, com seusatos legais e número de educandos; membros doConselho Escolar; calendário e datas significati-vas; horário das atividades escolares; quadro denotas/conceitos e de faltas, com espaço para pa-recer descritivo do educando; quadro pessoal emexercício na escola (nome e função); o regula-mento interno, ...

Nesta atividade o importante é o debate e apreparação coletiva do material, com a partici-pação dos educandos.

5.4. Atividades especiaisUm dos nossos limites é o acesso dos

educandos e das educadoras até a escola nos diasde chuva ou quando têm outros impedimentos.O desafio é planejarmos atividades para estesdias, que possam ser realizadas em casa com oacompanhamento de algum familiar ou nos nú-cleos de base (famílias próximas) com o acom-panhamento de monitores (familiares oueducandos mais adiantados).

Passos de implementaçãoAté aqui apresentamos os principais elemen-

tos que servem de referência hoje, para pensar-mos uma Escola de Educação Fundamental doMST. São uma sistematização das diferentes ex-periências que vêm buscando implementar nos-sos princípios pedagógicos, e fazer da escola umespaço de formação dos Sem Terra. Já vimos queo processo de construção pedagógica é necessa-riamente dinâmico e precisa ser constantemente

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refletido pelo conjunto dos seus sujeitos. Espe-ramos então que este material ajude na reflexãocoletiva que deverá acontecer em cada local. Aseguir apenas algumas sugestões de passos paraque isto aconteça.

a) Para uma escola já em funcionamentoNossa proposta é que os passos sejam pensa-

dos pelos próprios sujeitos do processo em cadaescola. Algumas indicações podem ser as seguin-tes, não necessariamente nesta mesma ordem:1. Se não existe, constituir o Coletivo das Edu-

cadoras da Escola.2. Se não existe, constituir a Equipe de Educa-

ção do Assentamento ou Acampamento, oude representantes das comunidades, se a es-cola for regional.

3. Fazer uma avaliação do funcionamento daescola, com a participação dos educandos,das educadoras e da comunidade, convidan-do também o Setor de Educação e o Setorde Formação do MST.

4. Estudar este material, bem como o Cadernode Educação n.º 8, o Caderno de Educaçãon.º 6. e o Boletim de Educação n.º 4.

5. Fazer um levantamento das propostas demudanças.

6. Fazer um estudo das alterações e do métodoatravés do qual elas deveriam ser imple-mentadas, passo a passo.

7. Avaliar mensalmente a implantação no Co-letivo Pedagógico, no Conselho Escolar e naEquipe de Educação.

8. ...

b) Para a criação de uma nova escolaDa mesma forma, é a realidade de cada grupo

e de cada lugar que deve orientar a escolha docaminho. Os passos que sugerimos são os seguin-tes:1. Debater com os interessados o que realmen-

te pretendem com a escola e como pensamque ela deveria funcionar, ser.

2. Aprofundar a concepção e o funcionamentoda escola a partir deste material e do Cader-no de Educação n.º 8.

3. Visitar algumas escolas para ver como elasfuncionam.

4. Tomar algumas decisões básicas (respondero questionário que segue) a partir da análiseda realidade local e dos objetivos a atingir.

5. Informar-se com o poder público: municí-pio ou estado, inteirando-se da legislação aser respeitada e das possibilidades de apoio anovas iniciativas.

6. Começar a elaborar a Proposta Político Pe-dagógica da Escola e o Regimento Internoda Escola.

7. Pôr a escola para funcionar.8. Elaborar o calendário da escola, com a con-

tribuição da comunidade.9. Elaborar o Regulamento Interno, com a con-

tribuição dos educandos.10. Fazer a eleição para a direção da escola.11. Ir fazendo os ajustes necessários na Proposta

Político-Pedagógica e no Regimento Inter-no.

12. Encaminhar a aprovação legal da escola.

c) QuestionárioAlgumas perguntas que indicam decisões a se-

rem tomadas coletivamente em cada lugar:a) Qual será a abrangência de nossa escola

quanto à série?• Será de ensino fundamental completo (1ª a

8ª série).• Será apenas de 5ª a 8ª série.• Incluiria também a educação infantil (pré-

escola).

Observação:Quanto mais abrangente a escola, mais com-

plexo será o seu funcionamento. Não podemosexigir a mesma participação das crianças que es-tão na pré-escola ou na 1ª série das que estão na8ª série.

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b) Qual será a abrangência de nossa escolaquanto ao território?• Será uma escola do assentamento.• Será uma escola de assentamentos vizinhos.• Será uma escola regional, onde viriam

educandos de vários assentamentos.• Trata-se de uma escola de acampamento.

Seria bom conversar também se:• Ela receberá educandos de outras comuni-

dades rurais (não assentados).• Somente receberá educandos das famílias as-

sentadas ou acampadas.

Observação:Para definir isto precisamos saber o número

médio de educandos por série para os próximosanos. Um indicativo é entre 12 e 25. Se foremmais de 25 é aconselhável fazer duas turmas damesma série, permitindo assim que as educado-ras possam fazer o acompanhamento pessoal decada educando.

c) Onde os educandos se hospedarão (se a es-cola for regional)?• Na casa da sua família e se deslocarão todos

os dias para a escola.• Na casa de parentes, amigos ou conhecidos

perto da escola.• Em um alojamento para os educandos dis-

tantes.

Observação:Faz parte do processo educativo o envolvimento

do educando na produção, seja no trabalho indi-vidual seja no trabalho coletivo. Se os educandosmorarem em um alojamento, o ideal é que eletenha uma área produtiva.

d) Como os educandos virão para a escola?(transporte escolar)• A pé ou cada um se vira (cavalo, bicicleta,

...)• Haverá transporte escolar.

e) Qual o tempo de permanência diária doseducandos na escola?• Será apenas um turno (manhã ou tarde) por-

que as crianças precisam ajudar a família (ospais em casa, os avós, ...).

• Será um turno (manhã ou tarde) e mais par-te de outro turno por causa da formaçãocomplementar e por entendermos que ascrianças estão em uma idade importante paraestudar.

• Será em tempo integral (manhã e tarde), mes-mo sabendo que muitos adolescentes de 5ª a8ª série precisam contribuir com seu traba-lho no sustento da família.

f ) Para a distribuição dos dias letivos vai selevar em conta• O ano civil• O ciclo da produção da região• Outra circunstância•

g) A Escola, se for regional, funcionará com apedagogia da alternância: os educandos ficari-am um período na escola e outro período emcasa (na comunidade).• Sim• Não

Respondidas estas perguntas no Coletivo, émomento de voltar ao início deste material e irrefletindo sobre cada um dos aspectos a partirda realidade específica da escola que se está pre-tendendo criar.

AtençãoÉ importante observarmos as brechas da legisla-

ção educacional para garantirmos a implementaçãode uma proposta de escola como esta. E tambémjamais podemos nos esquecer de que é a implanta-ção prática que faz surgir uma lei.

Precisamos nos empenhar também na discus-são de políticas públicas que garantam uma pro-posta pedagógica específica para as Escolas do

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Campo, bem como lutar para que o MST parti-cipe da escolha das educadoras: professores, fun-cionários, ... das escolas dos acampamentos e as-sentamentos.

BIBLIOGRAFIA DE APOIO1. ARROYO, Miguel Gonzalez. A educação

básica e o movimento social do campo. Belo Ho-rizonte, 1999.

2. BOFF, Leonardo. Saber cuidar. Petró-polis: Vozes, 1999.

3. BOGO, Ademar. Valores que deve culti-var um lutador do povo. Teixeira de Freitas, 1999.

4. CALDART, Roseli Salete. Escola é maisdo que Escola na Pedagogia do Movimento SemTerra. Porto Alegre: UFRGS, 1999, tese de dou-torado em educação.

5. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia.2ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 1997.

6. KOLLING, Edgar Jorge, NERY, Ir. fsc, eMOLINA, Mônica Castagna (orgs) Por uma edu-

cação básica do campo, memória, Brasília, 1999.7. MST. Como fazer a escola que queremos.

Caderno de Educação n.º 1. São Paulo, 1992.8. MST. Como deve ser uma escola de as-

sentamento. Boletim da Educação n.º 1. São Pau-lo, 1992.

9. MST. O que queremos com as escolas dosassentamentos. Caderno de Formação n.º 18. SãoPaulo, 1991.

10. MST. Escola trabalho e cooperação. Bo-letim da Educação n.º 4. São Paulo, 1994.

11. MST. Como fazer a escola que queremos:o planejamento. Caderno de Educação n.º 6. SãoPaulo, 1995.

12. MST. Princípios da educação no MST.Caderno de Educação n.º 8. São Paulo, 1996.

13. MST. O trabalho e a coletividade na edu-cação. Boletim da Educação n.º 5. São Paulo,1995.

MST. Programa de Reforma Agrária. Cader-no de Formação n.º 23. São Paulo, 1995.

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1. Em nossa trajetória de luta e organizaçãodos trabalhadores do campo fomos construindouma concepção de educação; mais do que inven-tar o que estamos fazendo é recuperar algumasmatrizes pedagógicas desvalorizadas pela socieda-de capitalista: pedagogia do trabalho, pedagogiada terra, pedagogia da história, pedagogia da or-ganização coletiva, pedagogia da luta social...

2. Aprendemos que o processo de formaçãohumana vivenciado pela coletividade Sem Terraem luta, é a grande matriz para pensar uma edu-cação centrada no desenvolvimento do ser huma-no, e preocupada com a formação de sujeitos datransformação social e da luta permanente por dig-nidade, justiça, felicidade. Buscamos refletir so-bre o conjunto de práticas que fazem o dia a diados Sem Terra, e extrair delas lições de pedagogia,que permitam qualificar nossa intencionalidadeeducativa junto a um número cada vez maior depessoas. A isso temos chamado de Pedagogia doMovimento.

3. Educação não é sinônimo de escola. Ela émuito mais ampla porque diz respeito à comple-xidade do processo de formação humana, que temnas práticas sociais o principal ambiente dos apren-dizados de ser humano. Mas a escolarização é umcomponente fundamental neste processo e um di-reito de todas as pessoas. Desde os primeiros acam-pamentos e assentamentos esta é uma das lutasdo MST.

4. Desde o começo do MST existiu a lutapela criação de escolas nos próprios assentamen-tos. Primeiro por uma certa intuição de que istotambém era um direito, e pela consciência de quese as escolas não fossem no assentamento, muitascrianças continuariam fora delas. Aos poucos estaexigência foi se tornando uma convicção, um prin-cípio do MST.

5. Estudar na cidade, só em último caso.Consideramos que a educação no meio urbanoprepara o filho do agricultor para sair do assenta-mento. O ensino nas escolas dos assentamentos eacampamentos do MST deve preparar os estu-dantes para ficar e transformar o meio rural.

6. Por isso passamos a trabalhar por umaidentidade própria das escolas do meio rural, comum projeto político e pedagógico que fortaleçanovas formas de desenvolvimento no campo, ba-seadas na justiça social, na cooperação agrícola,no respeito à vida, e na valorização da cultura cam-ponesa.

7. Ao dizer escola de assentamento (ou deacampamento), estamos afirmando a necessáriavinculação da escola com a realidade local e o de-safio de participar efetivamente da solução de seusproblemas. Ao dizer escola do MST, afirmamos arelação que a escola deve ter com a luta pela Re-forma Agrária, que vai além das questões localiza-das em cada assentamento. Ao dizer escola do cam-po, estamos assumindo um vínculo mais amplo

Nossa concepção de educação e de escolaConstruindo o Caminho – Publicado em Abril de 200146

46 Elaboração: Setor de Educação MST.

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com o destino do conjunto dos camponeses oudos trabalhadores do campo, o que exige da esco-la que também leve novas questões à comunida-de, ajudando em seu engajamento a um projetomais amplo, histórico, de futuro. Em qualquerdas expressões, o de ou o do pretendem-se afirma-tivos de uma identidade construída. Não bastater escola no assentamento; ela tem que ser umaescola de assentamento. Não basta ter escola nocampo; tem que ser uma escola do campo, queassuma as causas e a cultura de quem ali vive etrabalha.

8. Nosso projeto de educação tem sido ela-borado em torno de princípios ou linhas de ação,como forma de, ao mesmo tempo, respeitar asdiferentes realidades, estimular a reflexão criativaem torno de como implementar na prática estesprincípios, e manter a unidade nacional de atua-ção, tal como acontece no conjunto das dimen-sões de luta do MST.

9. Quando dizemos projeto de educação doMST, estamos nos referindo à combinação entrea luta pelo acesso à escolarização, e o processo deconstrução de uma pedagogia adequada aos desa-fios da realidade específica onde atuamos, e doprojeto social e histórico mais amplo que nos ani-ma e sustenta. Buscamos refletir sobre uma esco-la, escola pública como são todas as escolas quetemos em nossos assentamentos e acampamen-tos, que assume o vínculo com a luta, a organiza-ção, e a pedagogia do nosso Movimento.

10. Alguns princípios fundamentais de nossapedagogia são os seguintes:a) a relação entre prática e teoria e a preocupa-

ção com a formação para a ação transfor-madora;

b) a realidade e seu movimento como base daprodução do conhecimento;

c) seleção de conteúdos formativos socialmenteúteis e eticamente preocupados com a forma-ção humana integral;

d) educação para o trabalho e pelo trabalho, comênfase na cooperação;

e) construção de um ambiente educativo quevincule a escola com os processos econômi-cos, políticos e culturais;

f ) gestão democrática, incluindo a auto-organi-zação dos educandos para sua participaçãoefetiva nos processos de gestão da escola;

g) práticas pedagógicas preocupadas com avivência e a reflexão sobre valores centradosno ser humano;

h) formação para a postura e as habilidades depesquisa;

i) cultivo da memória coletiva do povo brasilei-ro e valorização especial da dimensão peda-gógica da história;

j) vínculo orgânico da escola às comunidadesdo campo;

k) criação de coletivos pedagógicos e formação per-manente dos educadores; avaliação como umprocesso permanente, participativo, e que en-volve todos os momentos do processo educativo.

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PEDAGOGIA DO MOVIMENTO SEMTERRA48

Por que falar em Pedagogia do Movimento SemTerra e não mais em proposta de educação ou pro-posta pedagógica do MST? Passamos a fazer istopara reforçar duas idéias muito importantes paranossa ação e reflexão:• O MST tem uma pedagogia. A pedagogia do

MST é o jeito através do qual o Movimentohistoricamente vem formando o sujeito so-cial de nome Sem Terra, e que no dia a diaeduca as pessoas que dele fazem parte. E oprincípio educativo principal desta pedago-gia é o próprio movimento. É para esta peda-gogia, para este movimento pedagógico, queprecisamos olhar para compreender e fazeravançar nossas experiências de educação e deescola.

• A pedagogia do MST hoje é mais do que umaproposta. É uma prática viva, em movimen-to. É desta prática que vamos extraindo as li-ções para as propostas pedagógicas de nossasescolas, nossos cursos, e também para refle-tirmos sobre o que seria uma proposta ou umprojeto popular de educação para o Brasil.

Algumas idéias sobre a Pedagogia do Movimen-to e os desafios que nos coloca para o trabalhocom educação e escola no MST hoje.

1. Os sem-terra em luta construíram o MST.O MST, como coletividade de luta em movimen-to produziu o nome próprio e a identidade SemTerra.

Ser Sem Terra hoje é bem mais do que ser umtrabalhador ou uma trabalhadora que não temterra, ou mesmo que luta por ela; Sem Terra é umaidentidade historicamente construída, primeirocomo afirmação de uma condição social: sem-ter-ra, e aos poucos não mais como uma circunstân-cia de vida a ser superada, mas sim como umaidentidade de cultivo: somos Sem Terra do MST!

Isto fica ainda mais explícito na construção his-tórica do nome crianças Sem Terra ou Sem Terrinha,que não distinguindo filhos e filhas de famíliasacampadas ou assentadas, projeta não uma condi-ção, mas um sujeito social, um nome próprio a serherdado e honrado. Esta identidade fica mais forteà medida que se materializa em um modo de vida,ou seja, que se constitui como cultura, e que proje-ta transformações no jeito de ser das pessoas e dasociedade, cultivando valores (humanistas e socia-listas) que se contrapõem aos valores (ou anti-valo-res) que sustentam a sociedade atual.

2. O MST é o grande educador dos Sem Terra. Eo MST educa os Sem Terra inserindo-os no movi-mento da história. É este movimento que vem fa-

Pedagogia do Movimento Sem Terra:acompanhamento às escolasTextos do Boletim da Educação n. 08 – Publicado em Julho de 200147

47 Textos: Roseli Salete Caldart – Setor de Educação MST e ITERRA.48 Texto elaborado em setembro de 1999. Trata-se de uma síntese elaborada a partir de Escola é mais do que Escola na Pedagogia do Movimento

Sem Terra, tese de doutorado apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul em agosto de 1999.

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zendo do trabalhador sem (a) terra um lutador dopovo.

Talvez a melhor definição do Sem Terra destemomento histórico seja a seguinte: Ser Sem Terraé estar em movimento permanente pela transforma-ção do atual estado de coisas. É a característica pró-pria de um lutador do povo.

Mas os sem-terra do MST não surgiram comesta identidade. E nem ela estava definida quan-do o MST foi criado. A história vem desafiando oMST a assumir determinado jeito de fazer a luta,e este jeito vai conformando os seus sujeitos. Atrajetória de trabalhador sem (a) terra a sujeito deuma organização social de massas que luta pelaReforma Agrária, e de sem-terra a Sem Terra luta-dor do povo, é uma escolha condicionada pelomomento histórico. Se o MST tivesse existido emoutra época, talvez seu jeito fosse diferente.

O MST educa as pessoas que dele fazem parteà medida que as coloca como sujeitos enraizadosneste movimento da história, e vivendo experiên-cias de formação humana que são próprias do jei-to da organização participar da luta de classes,principal forma em que se apresenta o movimen-to da história. Mesmo que cada pessoa não saibadisso, cada vez que ela toma parte das ações doMST, fazendo sua tarefa específica, pequena ougrande, ela está ajudando a construir a identida-de Sem Terra, a identidade dos lutadores do povo,e está se transformando, se reeducando como serhumano.

3. A relação do MST com a educação é, pois, umarelação de origem: a história do MST é a história deuma grande obra educativa. E quanto mais claro ficao projeto histórico do Movimento, mais importânciaos Sem Terra passam a dar para a educação.

Se recuperamos a concepção de educação comoformação humana é sua prática que encontramosno MST desde que foi criado: a transformaçãodos ‘desgarrados da terra’ e dos ‘pobres de tudo’em cidadãos, dispostos a lutar por um lugar dig-no na história. É também educação o que pode-

mos ver em cada uma das ações que constituem ocotidiano de formação da identidade dos sem-terrado MST. O Movimento é nossa grande escola, di-zem os sem-terra. E, de fato, diante de uma ocu-pação de terra, de um acampamento, de um as-sentamento, de uma Marcha, de uma escolaconquistada pelo Movimento, é cada vez mais per-tinente perguntar: como cada uma destas açõeseduca os sem-terra? como forma um determina-do jeito de ser humano? que aprendizados pessoaise coletivos entram em questão em cada uma de-las?

A herança que o MST deixará para seus des-cendentes será bem mais do que a terra que con-seguir libertar do latifúndio; será um jeito de serhumano e de tomar posição diante das questõesde seu tempo; serão os valores que fortalecem edão identidade aos lutadores do povo, de todosos tempos, todos os lugares. É enquanto produtode uma obra educativa que os Sem Terra podemser vistos como mais um elo que se forma em umalonga tradição de lutadores sociais que fazem ahistória da humanidade. Enraizamento no passa-do e projeto de futuro.

Mas a preocupação consciente dos Sem Terracom educação, e especialmente com o tipo deeducação das novas gerações, para que continuemsua luta, seu projeto, somente pode surgir quan-do se dão conta de que estão construindo umaorganização duradoura e uma luta de vida inteira.Antes disso até lutavam pela escola de seus filhos,mas nem percebiam que isto tinha alguma coisa aver com suas outras lutas, e com o desenlace dahistória que puseram em movimento.

4. Na tarefa educativa do MST há pelo menostrês grandes desafios que podemos enxergar, com osolhos de hoje:• Ajudar as famílias sem-terra a romper com o

processo de desumanização ou de degradação hu-mana a que foram submetidos em sua históriade vida. É isto que o MST faz toda vez quemobiliza e organiza as famílias para lutar pela

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terra, toda vez que elas conquistam um novoassentamento. Mas isto acaba se constituin-do como desafio porque em muitos casos amiséria é tão desumanizadora que as pessoasnão conseguem mais ‘fazer a volta’. É precisointencionalidade pedagógica específica da or-ganização em relação a isto.

• Garantir que estas famílias ‘façam a volta’ assu-mindo a identidade Sem Terra, e não a identi-dade do seu antigo opressor. Decidir participardo MST não significa ‘naturalmente’ passar ater uma consciência ou uma cultura onde pre-dominem os valores e as convicções projetadaspela luta e pelo jeito de ser do Movimento.Menos ainda que isto se transforme em cons-ciência política, capaz de ajudar a dirigir a lutade classes. É preciso que cada Sem Terra, acada momento, faça e refaça esta escolha, ali-mentando-a com mística, estudo e reflexão.Se pensarmos bem, este é talvez o maior desa-fio pedagógico do MST: consolidar em cadafamília sem-terra, em cada militante da orga-nização, o modo de vida, os valores que o sus-tentam como Movimento e como projeto po-lítico. A sociedade pressiona nesta perspectiva,quando identifica nas ações que se tornam pú-blicas, isto é coisa de Sem Terra, ou isto não écoisa do MST. Mas a base social do MST estálonge de ter consciência do que isto realmen-te significa. Além disso, não faltam assenta-dos com jeito de fazendeiro, nem pais dizendoa seus filhos que agora são “com-terra”...

• Trabalhar para que outras categorias sociais as-sumam os valores e o jeito de ser dos lutadores dopovo. Depois que os Sem Terra descobriramque sozinhos não podem ir muito longe emsua luta, a responsabilidade pedagógica doMST aumentou. É preciso espraiar-se comoidentidade, como cultura de movimento, comovalores que movem lutadores do povo. E istoé muito mais complexo do que conseguir alia-dos na defesa da causa da Reforma Agrária. Emais complexo ainda porque a gente fica res-

ponsável pelas pessoas que cativa. Não dá parapôr o povo na rua e voltar para casa. É precisorefletir muito bem sobre o desafio pedagógi-co implícito, por exemplo, na frase: somos to-dos Sem Terra! que começa a aparecer nas ca-misetas de muitos jovens da cidade.

5. Olhar-se como sujeito educativo e compreendermais profundamente a pedagogia que vem produzin-do em sua história é uma das condições para o MSTdar conta destes desafios. Não é apenas por si mes-mo que o MST precisa dar conta destes desafios. Énovamente para ser fiel ao movimento da históriaque o fez nascer e crescer num tempo histórico decrise social e de degradação humana, que coloca naagenda mundial a possibilidade de transformaçõesprofundas no modelo de sociedade, no projeto dehumanidade. Se vivemos nesse tempo, nossas açõespassam a ter um peso maior, porque se juntam coma força de outras ações que definirão os rumos des-tas mudanças. Pela pressão da história e pelas esco-lhas que o MST vem fazendo em sua curta trajetó-ria (que parece bem maior exatamente pelo tempoacelerado em que acontece), acabou projetando umaidentidade coletiva que está tomando posição nes-te processo.

Então o MST não tem outro jeito senãoradicalizar (ir à raiz) sua pedagogia, para assumirconscientemente o seu destino. E não fará issosem refletir mais profundamente sobre si mesmo,no conjunto de suas ações e das dimensões quecompõem sua organização, desde a perspectiva daformação humana e da produção dos sujeitos so-ciais da luta de classes.

6. Alguns processos educativos básicos que formamos sem-terra do MST nos trazem lições pedagógicasimportantes nesta perspectiva.• O que educa os Sem Terra é o próprio movi-

mento da luta, em suas contradições, enfrenta-mentos, conquistas e derrotas. A pedagogia daluta educa para uma postura diante da vida queé fundamental para a identidade de um luta-

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dor do povo: nada é impossível de mudar e quan-to mais inconformada com o atual estado decoisas mais humana é a pessoa. O normal, sau-dável, é estar em movimento, não parado. Osprocessos de transformação são os que fazem ahistória.

• A educação dos sem-terra do MST começacom o seu enraizamento em uma coletivida-de, que não nega o seu passado e projeta umfuturo que eles mesmos poderão ajudar a cons-truir. Saber que não está mais solto no mundoé a primeira condição da pessoa se abrir paraesta nova experiência de vida. Não é este osentimento que diminui o medo numa ocu-pação, ou faz enfrentar a fome num acampa-mento? Por isso para nós o coletivo não é umdetalhe, é o fundamento de nossa pedagogia.

• Este enraizamento precisa também ser sim-bólico: é a mística que funciona como ritualde acolhida à nova família; e precisa tambémir se aprofundando cada vez mais: é a pedago-gia da história que por sua vez enraíza a cole-tividade dos Sem Terra em uma coletividademaior, que é a dos lutadores do povo, tam-bém de outros tempos, outros lugares: quan-do descobri que não éramos os primeiros a lutarpela terra, algo mudou em mim, disse certa vezuma Sem Terra.

• A vivência cotidiana de novas relações sociaise interpessoais é que consegue começar a mu-dar a cabeça e o coração das pessoas, recupe-rando certos valores que já tinham perdidoou nem conheciam. É neste sentido que sediz que o acampamento é uma grande esco-la de vida. E o peso formador destas relaçõesserá tanto maior se delas depender a própriasobrevivência das pessoas. Isto quer dizer tan-to as relações entre companheiros diante deuma ação de despejo, como as relações quese constroem no trabalho, ou no jeito de fa-zer um assentamento dar certo. Em nossa pe-dagogia, pois, o trabalho, a divisão de tare-fas, a organização das pessoas para garantir

determinada ação não são apenas uma ne-cessidade a ser suprida; são uma ferramentapedagógica no cultivo de valores, exatamenteaqueles que serão capazes de nos fazer conti-nuar em movimento.

• As pessoas não aprendem todas do mesmojeito. Até porque elas só aprendem aquilo quesabem que precisam aprender, e não se podeimpor a outra pessoa a consciência da neces-sidade de aprender. Apenas pressionar as cir-cunstâncias que a gerem. Cada sem-terraaprende a ser Sem Terra do seu jeito, e no seuritmo, empurrado pelas situações cotidianasque o levam a isto. O movimento da luta estácheio delas; não é preciso nem inventar mui-to. Mas se é verdade que muitas coisas os sem-terra aprendem na marra, pressionados pelasexigências do dia a dia, também é verdade quenão chegarão muito longe sem refletir sobreeste processo. As ações podem virar rotina ejá não ser desafio de aprendizado. Chega omomento em que é preciso se dar conta doque está em jogo para escolher ficar no jogo.A reflexão sobre a ação também é um processopedagógico básico, e sem ela o MST não teriadado os saltos históricos em sua identidade eprojeto. Sem olhar-se permanentemente so-bre si mesma uma coletividade não se susten-ta. No MST, o processo da crítica e autocríticatem a ver com isto.

7. A Pedagogia do Movimento não cabe na esco-la, mas a escola cabe na Pedagogia do Movimento.E cabe ainda mais quando se deixa ocupar por ela.

Do processo histórico da formação dos SemTerra podemos extrair as matrizes pedagógicasbásicas para construir uma escola preocupadacom a formação humana e com o movimentoda história. Mas é bom ter presente que a peda-gogia que forma novos sujeitos sociais, e queeduca seres humanos não cabe numa escola. Elaé muito maior e envolve a vida como um todo.Certos processos educativos que sustentam a

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identidade Sem Terra jamais poderão ser realiza-dos dentro de uma escola. Mas o MST tambémvem demonstrando em sua trajetória, que a es-cola pode fazer parte de seu movimento pedagó-gico, e que precisa dela para dar conta de seusdesafios como sujeito educativo.

Quando a escola se mistura com a dinâmicada luta pela terra ela se transforma e ao mesmotempo ajuda os Sem Terra a transformar o olharque têm sobre si mesmos, sobre o MST, prestan-do atenção para novas dimensões de sua identi-dade. Assim: a escola ajuda os Sem Terra a per-ceber a importância do estudo, e os Sem Terraajudam a escola a perceber que estudar é algobem mais profundo do que estar na escola rece-bendo conteúdos sem muito sentido; a escolaajuda o MST a prestar mais atenção à infânciaSem Terra, e o MST pressiona a escola a respei-tar os Sem Terrinha como sujeitos, e com carac-terísticas, necessidades e experiências pedagógi-cas diferentes de outros educandos, e que devemser consideradas; a escola ajuda o MST a olharpara a educação, e o Movimento ajuda a escola arepensar sua concepção de educação...

O encontro entre Movimento e Escola já fazparte da identidade do MST, e se constitui comouma das dimensões importantes da Pedagogiado Movimento. Assentamento e acampamentosem escola, não é coisa do MST; e ser Movimento,já é coisa de escola em muitos acampamentos eassentamentos.

8. A escola que cabe na pedagogia do MST éaquela que não cabe nela mesma, exatamente por-que assume o vínculo com o movimento educativoda vida, em movimento.

Não se trata de imaginar, pois, que exista ummodelo de escola próprio para os Sem Terra oufeito pelo MST. Quando falamos numa escolado MST não falamos numa escola com um mo-delo pedagógico fechado (por mais ‘revolucio-nário’ que se pretenda), um método de ensinoespecífico, uma estrutura fixa de organização;

falamos bem mais de um jeito de ser escola, umapostura diante da tarefa de educar, um processopedagógico onde todos realmente têm o queaprender e o que ensinar, sempre, e o tempo todo.Uma escola do MST, se honrar este nome, temque ser uma escola em movimento, movimentopróprio da formação humana, e próprio dos su-jeitos sociais e humanos que a fazem.

Isto quer dizer então que o MST não tem umaproposta de escola? Tem sim, mas não como mo-delo fixo, receita para qualquer momento e lu-gar, e sim como princípios pedagógicos que vãosendo produzidos pela história do Movimentocomo um todo, e que por isto não estão dadosde uma vez para sempre, mas ao contrário vão setransformando como se transforma a dinâmicada luta.

A grande tarefa de educadoras e educadoresSem Terra que querem ajudar a construir escolasdo MST é se assumirem como sujeitos de umareflexão permanente sobre as práticas do MST,extraindo delas as lições de pedagogia que per-mitem fazer (e transformar) em cada escola, edo seu jeito, o ambiente educativo, que reproduze produz o Movimento como sujeito educador,ou o movimento pedagógico que está no pro-cesso de formação da identidade dos sujeitos SemTerra.

Nesta perspectiva, os coletivos de educadoresdeveriam discutir e estudar questões como essas:se os sem-terra se educam no movimento da luta,como a luta deve estar presente no ambienteeducativo de nossa escola? que ações são capazesde cultivar os valores e a postura de ser humanoaprendida (mas nem sempre consolidada) naluta? como uma escola pode ajudar a enraizarseus educandos? como organizar a coletividadeescolar para que ela permita a vivência de rela-ções sociais mais educativas? o que a escola podefazer para ajudar as novas gerações no cultivo desua memória? como educar as crianças e os jo-vens numa postura de respeito e cuidado pelaterra conquistada? como a escola pode educar

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para um trabalho que humanize as pessoas? ecomo pode ajudar a cultivar a identidade de SemTerrinha?...

Em síntese: a escola que cabe na Pedagogia doMovimento é aquela que se movimenta em tornode duas referências básicas: ser um lugar de forma-ção humana, no sentido mais universal desta tare-fa; e olhar para o Movimento como sujeito educativoque precisa da escola para ajudar no cultivo daidentidade Sem Terra, e na continuidade de seuprojeto histórico. Se assim for, cada uma das pe-quenas coisas que acontecem no dia a dia da es-cola passarão a ter um outro sentido, não porquesejam coisas que nunca antes aconteciam na es-cola, (em alguns casos também isto), mas porqueolhadas e feitas desde uma outra intencionalidade.

9. O esforço de compreender e implementar apedagogia do MST nos remete às questões de origemda própria reflexão pedagógica: como se forma umser humano? que estratégias pedagógicas ajudam aeducar as pessoas para que cresçam em sua humani-dade? E que valores sustentam nossa prática e nosmovem como educadores?

O movimento da história exigiu, e o MST vemdesenvolvendo, uma prática de educação que nãotem a ver somente com os Sem Terra. Desde suaidentidade o Movimento acabou se inserindo na re-flexão sobre questões que são universais, traduzidasem perguntas próprias do tempo histórico em queestamos. Se é assim, os Sem Terra e o MST precisamparticipar intencionalmente dos debates pedagógi-cos da sociedade como um todo, de modo a ajudarna focalização das questões que efetivamente impor-tam para o projeto de futuro da humanidade, e paraa maioria das pessoas de sociedades tão injustamen-te desiguais como a nossa.

Nesta participação o que se espera é uma pos-tura própria de quem se sabe parte da história: ahumildade de quem já se deu conta de que sozi-nho não é nada, e que participar do diálogo maisamplo permite olhar para si mesmo de um ou-tro jeito, em perspectiva, e que isto é muito im-

portante para superar os seus próprios desafioseducativos; e a altivez de quem também já se deuconta de que tem uma experiência de formaçãohumana que merece respeito, e que integra omovimento pedagógico da atualidade. A parti-cipação do MST na articulação nacional por umaeducação básica do campo, por exemplo, deveser compreendida nesta perspectiva. O diálogoque se está fazendo com as Universidades paradesenvolver cursos de formação de educadores,também.

MST LIÇÕES DE PEDAGOGIAA obra educativa do MST tem três dimensões

principais: (1a) a recuperação da dignidade demilhares de famílias que voltam a ter raiz e proje-to; dos pobres de tudo que aos poucos vão se tor-nando cidadãos: sujeitos de direitos, sujeitos quetrabalham, estudam, produzem e participam desuas comunidades, afirmando em seus desafioscotidianos uma nova agenda de discussões para opaís; (2a) a construção de uma identidade coleti-va, que vai além de cada pessoa, família, assenta-mento. A identidade de Sem Terra como nomepróprio de lutadores do povo, não mais sujeitos auma condição de falta: não ter terra, mas sim su-jeitos de uma escolha: a de lutar por mais justiçasocial e dignidade para todos, e que coloca cadaSem Terra, através de sua participação no MST,em um movimento bem maior do que ele; ummovimento que tem a ver com o próprio reen-contro da humanidade consigo mesma; (3a) aconstrução de um projeto educativo das diferen-tes gerações da família Sem Terra que combinaescolarização com preocupações mais amplas deformação humana e de capacitação de militantes.

Olhando para a história do MST nesta pers-pectiva nos encontramos com algumas lições depedagogia, ou de como os sujeitos de uma lutasocial e de uma coletividade em movimento seocupam e se preocupam com educação. Estas li-ções podem nos ajudar a refletir sobre cada umadas nossas práticas de educação nas escolas. Aliás,

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nos permitem pensar como a escola entra nesteMovimento e como pode ajudar a cultivar o serhumano que nele se produz.

Refletindo sobre estas lições passamos a com-preender algo ainda mais profundo: o MST temuma pedagogia, quer dizer, tem uma práxis decomo se educam as pessoas, de como se faz a for-mação humana. A Pedagogia do Movimento SemTerra é o jeito através do qual o Movimento vem,historicamente, formando o sujeito social de nomeSem Terra, e educando no dia a dia as pessoas quedele fazem parte.

A partir desta síntese, passamos a discutir comnossos educadores das escolas como fazer da Pe-dagogia do Movimento uma referência de nossaprática e de nossa reflexão. Ser educador do MSTé conseguir compreender a dimensão educativadas ações do Movimento, fazendo delas um espe-lho para suas práticas de educação.49 Trata-se deuma referência de olhar que ajuda a enxergar oslimites e desafios destas práticas. Um espelho quetambém educa o nosso olhar para ver mais do queo MST, mais do que os Sem Terra. A Pedagogiado Movimento se produz no diálogo com outroseducadores, outros educandos e outros movimen-tos pedagógicos. Foi exatamente na interlocuçãocom educadores ou com pessoas e obras preocu-padas com a formação humana, que conseguimosrefletir sobre o MST como sujeito pedagógico.Desde esta nova síntese continuamos nosso diá-logo com teorias e práticas da formação humana,e uma reflexão específica sobre o ambienteeducativo de nossas escolas.

Deste diálogo entre as práticas do Movimento eas reflexões sobre formação humana construídas aolongo da história da humanidade, um primeiro pro-duto diz respeito à própria concepção de educa-ção. Quando tratamos de práticas de humanização

dos trabalhadores do campo como uma obraeducativa, estamos na verdade recuperando um vín-culo essencial para o trabalho em educação: educaré humanizar. Não nascemos humanos, nos fazemos.Aprendemos a ser... Em todos os tempos e lugares,lutar pela humanização, fazer-nos humanos é a grandetarefa da humanidade.50

O MST trabalha o tempo todo no limite entrehumanização e desumanização; sua luta é de vidaou morte para milhares de pessoas, que fazem dasua participação neste Movimento uma ferramen-ta de reaprender a ser humano. Este é o dia a diada educação dos Sem Terra em cada ocupação,em cada marcha, em cada acampamento, assen-tamento... E é este mesmo dia a dia que mostraque esta é uma tarefa possível e necessária; e quese é possível resgatar uma humanidade quase per-dida, ajudar pessoas adultas ou já idosas nestereaprender a ser humano, tanto mais possível enecessário é ajudar nesta aprendizagem desde ainfância.

A partir desta concepção de educação, há li-ções de pedagogia que temos conseguido extrairneste contraponto reflexivo entre o cotidiano doMST, as diversas teorias e práticas sobre forma-ção humana, e as preocupações de como fazer aeducação dos Sem Terra. São estas lições que nosajudam a pensar e a repensar também o currículoe o ambiente educativo de nossas escolas.

Algumas destas lições de pedagogia, que têmespecial preocupação com a construção do proje-to pedagógico das escolas de acampamentos e as-sentamentos, podem ser ditas assim:

1. AS PESSOAS SE EDUCAMAPRENDENDO A SER.

Uma das coisas que costuma chamar a atençãonas ações do MST é o brio das pessoas que dele

49 Trata-se de um espelho com dupla face: a do movimento da luta social, e a do movimento do encontro e reencontro com a terra. Terra e lutavistas também como matrizes de formação do ser humano. Esta é uma reflexão que ainda precisamos fazer com mais profundidade entrenós, educadores de ofício.

50 Arroyo, Miguel G. Ofício de mestre. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 53 e 240. Miguel traz para este diálogo sobre educação e humanizaçãotambém um outro grande mestre: Paulo Freire.

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participam. Este brio, ou sentimento de dignida-de se produz à medida que estas pessoas apren-dem a ser Sem Terra, e a ter orgulho deste nome. Eao assumir esta identidade social, coletiva: somosSem Terra, somos do MST, as pessoas aos poucosvão descobrindo também outras dimensões de suaidentidade pessoal e coletiva: sou mulher, sou ne-gra, sou camponês, sou trabalhador, sou jovem,sou educadora... São novos sujeitos que se for-mam e que passam a exigir seu lugar no mundo,na história; sabem que podem e devem lutar pelodireito de ser humano, onde estiverem, com quemou contra quem estiverem...

Isto nos remete a pensar que este é um apren-dizado humano essencial: olhar no espelho do quesomos e queremos ser; assumir identidades pes-soais e coletivas, ter orgulho delas, ao mesmo tem-po em que se desafiar no movimento de sua per-manente construção. Educar é ajudar a construire a fortalecer identidades; desenhar rostos, for-mar sujeitos. E isto tem a ver com valores, modode vida, memória, cultura. Os Sem Terrinha pa-recem já ter compreendido isto quando pedemaos seus professores que façam um esforço paracompreender quem eles são, querem ser...51

As pessoas se educam nas ações que realizam enas obras que produzem.

O MST forma os Sem Terra colocando-os emmovimento, o que quer dizer, em ação perma-nente. É pela ação que vão aprendendo que nadaé impossível de mudar, nem mesmo as pessoas, seujeito, sua postura, seu modo de vida, seus valores.Vamos refletir sobre isso lembrando de uma açãopública forte em que o MST participou temposatrás: a Marcha Popular pelo Brasil, que aconte-ceu entre julho e outubro de 1999. Foi uma açãoforte porque provocou a construção de muitossignificados, tanto para seus sujeitos diretos, comopara o conjunto da sociedade, que fez dela um

espelho para refletir sobre o tamanho de suas de-sigualdades e da ousadia de buscar rompê-las...Foi uma ação coletiva, mas de cada pessoa. Ne-nhum marchante podia se esconder atrás de dis-cursos ou da força do coletivo; ou mantinha-seem caminhada, ou ficava para trás. E se muitostivessem ficado para trás, não haveria a Marcha,ou ela não teria chegado ao seu destino. Quemparticipou da Marcha pôde se dar conta do queconsegue e do que ainda não consegue fazer peloMovimento, por si mesmo. Seu Luiz, o assentadode 92 anos que fez toda a caminhada, não falavamuito; nem precisava. Ser o primeiro a levantar eestar com sua bandeira no ombro às 5 horas damanhã, pronto para puxar a frente da Marcha,dizia mais do que qualquer palavra. Não forampoucos os jovens militantes que sentiram vergo-nha de suas dores físicas, e de seus vacilos de âni-mo, diante da figura de seu Luiz. Ele foi duranteesta Marcha a própria personificação do Movi-mento educador...

As pessoas se educam nas ações porque é omovimento das ações que vai conformando o jei-to de ser humano. As ações produzem e são pro-duzidas através de relações sociais: ou seja, elaspõem em movimento um outro elemento peda-gógico fundamental que é o convívio entre as pes-soas, a interação efetiva que se realiza entre elas,mediada pelas ferramentas herdadas de quem jáproduziu outras ações antes (cultura); nestas rela-ções as pessoas se expõem como são, e ao mesmotempo vão construindo e revisando suas identi-dades, seu jeito de ser. Não estamos falando dequalquer ação, ou do agir pelo agir, semintencionalidade alguma. Estamos falando deações que produzem obras (materiais ou espiri-tuais), que se tornam espelho onde as pessoas po-dem olhar para o que são, ou ainda querem ser; eestamos falando principalmente do trabalho e da

51 “Pedimos a vocês (nossos professores) que façam um esforço e se interessem pela nossa luta, nossa história. Estudem mais e se informemmais, só assim poderão entender, valorizar e até admirar este Movimento que é tão importante para nós”. Trecho de carta escrita por criançasde um assentamento do MST para seus professores, durante o 4o Encontro Estadual dos Sem Terrinha do RS em 12 de outubro 2000.

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produção material de nossa existência. Não háverdadeira educação sem ações, sem trabalho, esem obras coletivas. E, nos lembram as crianças,também não há educação sem jogos e brincadei-ras, que também podem ser constituídas comoações coletivas produzindo obras...

2. AS PESSOAS SE EDUCAMPRODUZINDO E REPRODUZINDO

CULTURA.As ações dos Sem Terra são carregadas de signi-

ficados culturais, que eles aprendem a produzir e aexpressar. Numa ocupação, numa marcha ou naorganização de um assentamento, não aparece ape-nas o que estas famílias de trabalhadores são hoje,ou neste momento. Cada ação traz junto o jeito deser humano que estas pessoas carregam; o peso for-mador das circunstâncias objetivas de toda sua exis-tência anterior e o tipo de educação que receberamou viveram. Ao mesmo tempo, sua ação coletivatambém costuma ser a negação de algumas tradi-ções que marcaram suas vidas até aqui, e a projeçãode valores que aprendem ou reaprendem no pro-cesso pedagógico do Movimento. Os gestos, os sím-bolos, a arte, o jeito de lutar dos Sem Terraencarnam um movimento cultural que nem co-meça nem termina no momento da ação. Cadasem-terra que entra no MST entra também nummundo já produzido de símbolos, gestos, exem-plos humanos, valores, que a cada ação ele vai apren-dendo a significar e ressignificar.

Um dos grandes desafios pedagógicos do MSTcom sua base social tem sido justamente o de aju-dar as pessoas a fazer uma nova síntese cultural,que junte seu passado, presente e futuro numanova e enraizada identidade coletiva e pessoal.Viver como se luta, lutar como se vive... Esta é umacoerência que tem sido vista como necessária aosobjetivos de transformação social do Movimen-to; também em seus conflitos e desafios perma-

nentes. Memória, mística, discussão de valores,crítica e autocrítica, estudo da história, são algu-mas ferramentas culturais que o Movimento vemutilizando nesta construção.

Podemos refletir então que educar é tambémpartilhar significados e ferramentas de cultura;52 éajudar as pessoas no aprendizado de significar ouressignificar suas ações, de maneira a transformá-lasem valores, comportamentos, convicções, costumes,gestos, símbolos, arte, ou seja, em um modo de vidaescolhido e refletido pela coletividade de que fa-zem parte. Isto quer dizer, entre outras coisas, queeducar as pessoas é ajudar a cultivar sua memória,é conhecer e reconhecer seus símbolos, gestos, pa-lavras; é situá-las num universo cultural e históricomais amplo, é trabalhar com diferentes linguagens,é organizar diferentes momentos e jeitos para queas pessoas reflitam sobre suas práticas, suas raízes,seu projeto, sua vida...

3. AS PESSOAS SE EDUCAMAPRENDENDO A CONHECER PARA

RESOLVER.Nas ações de uma luta social também se apren-

dem e se produzem conhecimentos, e eles sãouma dimensão muito importante da estratégiade humanização das pessoas. Mas uma das li-ções de pedagogia que temos extraído do dia adia do Movimento, é que o processo de produ-ção do conhecimento que efetivamente ajuda naformação das pessoas é aquele que se vincula comas pequenas e grandes questões de sua vida.Quando um Sem Terra precisa conhecer cálcu-los de área para saber medir a área de terra ondeserá feita a agrovila de seu assentamento, ouquando precisa estudar geografia para melhorescolher o lugar da ocupação, certamente esteconhecimento terá mais densidade humana esocial para ele; quando um Sem Terrinha apren-de a medir os materiais de que precisa para co-

52 Expressão de Jerome Bruner retomada por Miguel Arroyo em sua obra já citada. Educar é transmitir às novas gerações a “caixa de ferramentas”da cultura, que permitirá a ela avançar mais rapidamente no aprendizado de ser humano.

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meçar a construir seu parque de brinquedos, ouaprende a escrever cartas para pessoas de quegosta, da mesma forma. A expressão “conhecer éresolver”, do educador cubano José Martí, nosremete a uma questão até mais radical: ela nossugere que não há conhecimento verdadeiro foradas situações concretas, da solução de proble-mas da vida ‘real’. E parece mesmo ser assim,especialmente quando esta questão se coloca nocontexto de processos pedagógicos.

Educar é socializar conhecimentos e tambémferramentas de como se produz conhecimentosque afetam a vida das pessoas, em suas diversasdimensões, de identidade e de universalidade.Conhecer para resolver significa entender o co-nhecimento como compreensão da realidade paratransformá-la; compreensão da condição huma-na para torná-la mais plena. Uma lição bem an-tiga, que a Pedagogia do Movimento apenas re-cupera.

4. AS PESSOAS SE EDUCAM EMCOLETIVIDADES.

O MST é uma coletividade. E nela os SemTerra aprendem que o coletivo é o grande sujei-to da luta pela terra e também o seu grande edu-cador. A força de cada pessoa está em sua raiz,que é a sua participação numa coletividade commemória e projeto de futuro. É fazendo partedo coletivo e de suas obras que as pessoas se edu-cam; não sozinhas, mas em relação umas com asoutras, o que potencializa o seu próprio ser pes-soa, singular, único.

As pessoas não aprendem a ser humanas sozi-nhas; sem os laços de sua participação em coleti-vos elas não conseguem avançar na sua condiçãoplenamente humana. Pessoas desenraizadas sãopessoas desumanizadas, que não se reconhecemem nenhum passado e nem têm projeto de futu-ro.

Educar é ajudar a enraizar as pessoas em cole-tividades fortes; é potencializar o convívio social,humano, na construção de identidades, de valo-

res, de conhecimentos, de sentimentos. Um am-biente educativo é fundamentalmente uma co-letividade educadora, acionada ou planejada pe-los educadores de ofício, mas compartilhada portodos os seus membros. Numa coletividade ver-dadeira, todos são, em seu tempo, educadores eeducandos, porque todos fazem parte do pro-cesso de aprender e reaprender a ser humano.Isto nos permite refletir sobre uma das tarefasfundamentais dos educadores, que é ajudar aorganizar, dinamizar e fortalecer coletividades,seja de educandos, seja de educadores.

5. A ESCOLA CONCEBIDA COMO UMAOFICINA DE FORMAÇÃO HUMANA.Sujeitos não se formam somente na escola.

Há outras vivências que produzem aprendizadosaté mais fortes. A Pedagogia do Movimento nãocabe na escola, porque o Movimento não cabena escola, e porque a formação humana tambémnão cabe nela. Mas a escola cabe no Movimentoe em sua pedagogia; cabe tanto que historica-mente o MST vem lutando tenazmente para quetodos os Sem Terra tenham acesso a ela. A escolaque cabe na Pedagogia do Movimento é aquelaque reassume sua tarefa de origem: participar doprocesso de formação humana. Muitas escolasde acampamentos e assentamentos de Sem Ter-ra, ao ter que responder às questões colocadas demodo contundente pelos Sem Terrinha, têmreaprendido a olhar para seus educandos comosujeitos humanos que exigem respeito e cuida-do.

Pensar na escola como uma oficina de forma-ção humana quer dizer pensá-la como um lugaronde o processo educativo ou o processo de de-senvolvimento humano acontece de modo in-tencionalmente planejado, conduzido e refleti-do para isso; processo que se orienta por umprojeto de sociedade e de ser humano, e se sus-tenta pela presença de pessoas com saberes pró-prios do ofício de educar, pela cooperação since-ra entre todas as pessoas que ali estão para

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aprender e ensinar, e pelo vínculo permanentecom outras práticas sociais (seja para estar emsintonia ou em contradição com elas) que co-meçaram e continuam esta tarefa.

A expressão também nos ajuda a repensar alógica pedagógica, ou o método pedagógico daescola. Estamos dizendo que escola não é apenaslugar de ensino, e que método de educação nãoé igual a método de ensino. É preciso planejarestratégias pedagógicas diversas, em vista dos di-ferentes aprendizados que compõem o comple-xo processo de formação humana.

Numa escola concebida como oficina de for-mação humana os educadores são os arquitetos,organizadores e animadores do ambienteeducativo. Isto exige muita sensibilidade e do-mínio das artes da pedagogia, para ir fazendo asescolhas a partir de uma clara percepção de comoestá se desenvolvendo o processo educativo emcada educando e na coletividade como um todo;perceber as contradições e não se apavorar comelas: trabalhá-las pedagogicamente; dar-se contade que dimensões precisam ser enfatizadas nummomento ou noutro; que ações precisam serprovocadas e com que conteúdos, que relaçõesdevem ser mais trabalhadas... E, principalmen-te, ser humilde para se colocar também na con-dição de aprendiz do processo.

ACOMPANHAMENTO DO MSTÀS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO

FUNDAMENTAL53

“Pedagogia do Movimento,eu acho que é assim:(quem) entra no Movimento temque se movimentar.Porque o Movimento está sempreem movimento.”(Lidiane, educanda do CursoMagistério do MST)

O ACOMPANHAMENTO COMOQUESTÃO: POR QUÊ?

O acompanhamento às escolas dos assentamen-tos e acampamentos é uma tarefa de origem doSetor de Educação do MST. Acompanhamentopolítico e organizativo, e acompanhamento pe-dagógico para garantir que as escolas não percamo vínculo com o Movimento, e realizem um pro-jeto educativo coerente com a realidade dos SemTerra, e com os valores construídos em sua orga-nização.

Mas por que agora o acompanhamento estáaparecendo como um “nó”? O que temos ouvidoe dito em nossos encontros, cursos e reuniões, éque passados, quase 20 anos, de nosso trabalho, oproduto não chega a ser satisfatório: ainda sãopoucas as escolas de assentamentos e acampamen-tos onde conseguimos perceber a presença doMovimento e de sua pedagogia; onde efetivamentese pode falar de uma escola dos Sem Terra, comsua identidade e projeto; e onde a infância e ajuventude Sem Terra estão sendo olhadas eeducadas como tal.

E já não nos contentamos mais com a cômodaposição de criticar os professores destas escolas,como únicos responsáveis por este avanço menordo que desejamos; estamos preferindo olhar tam-bém para nós mesmos, refletir sobre os limites denossa atuação pedagógica junto às escolas, em es-pecial as de educação fundamental, exatamenteporque ali estão, ou não estão, os Sem Terrinha,um dos produtos humanos mais importantes detoda esta nossa luta.

Outro detalhe que merece nossa atenção: oacompanhamento também se tornou questão nointerior das nossas escolas, pelo menos daquelasque já foram ocupadas pelo Movimento. No Ins-tituto de Educação Josué de Castro do ITERRA,por exemplo, também estamos dizendo que ogrande “nó” pedagógico está no acompanhamen-

53 Texto elaborado em novembro de 2000, e com ajustes feitos em maio de 2001. Trata-se de uma sistematização das discussões realizadas sobreeste tema pelo Coletivo Nacional do Setor de Educação do MST.

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to: acompanhamento aos educandos pelos edu-cadores, tanto os educadores do Instituto comoos do MST dos estados.

É bom pensar, pois, que estamos diante de umaquestão muito importante, talvez mesmo centraldentro da própria concepção de educação que oMST vem construindo e recuperando ao longode sua história.

O QUE É ACOMPANHARAcompanhar quer dizer ir junto ou caminhar

junto. Poderíamos dizer: estar em movimento jun-to com alguém. E se usamos esta palavra em rela-ção às tarefas de educação, estamos nos referindoao movimento ou ao caminho da formação hu-mana. Acompanhar em educação é estar junto noprocesso de formação ou de humanização de ou-tras pessoas. E, num significado a mais que o pró-prio dicionário da língua portuguesa nos traz,podemos dizer que acompanhar é também parti-cipar dos mesmos sentimentos de alguém. Isto é algosério, não é mesmo?

Vejamos que este pode ser um significado im-portante para podermos ir mais a fundo na aná-lise de nossa questão, em cada local em que elase constitua: acompanhar não é apenas observaro caminhar do outro, o processo de formaçãodo outro; também não é conduzir o outro porum determinado caminho. Se acompanhar é ca-minhar junto, estar em movimento de formaçãojunto com o outro, há algumas sutilezas e umacomplexidade maior nesta tarefa: se como pes-soa tenho a tarefa de acompanhar alguém é por-que o coletivo considera que já fiz uma cami-nhada, tenho uma experiência a ser partilhada:sou capaz de pegar o outro pela mão e ajudá-lo aandar. Mas também, preciso saber que o cami-nho que fiz não é necessariamente o mesmo quedeve ser feito por quem acompanho. Se for as-sim estarei sendo autoritário e impedindo quenovos caminhos sejam descobertos. Minha pos-tura precisa ser de diálogo, para que quem co-meça a caminhar agora tenha a liberdade de cons-

truir um caminho diferente do meu, e com mi-nha ajuda...

Somente em torno desta questão há muito praconversar, perguntar, desdobrar..., o que não po-derá ser feito neste texto.

Mas há um outro detalhe importante para nossaatenção aqui: em educação, acompanhamento tema ver com uma relação pedagógica entre pessoas,seres humanos em diferentes momentos de suaformação.

ACOMPANHAR A QUEMPor que então nós falamos em acompanhamento

das escolas e não das pessoas, ou dos educadores?Será que nossa maior preocupação é a de acom-panhar como estão os prédios escolares, os luga-res, as condições materiais que estão (ou não es-tão) em nossas escolas? Não parece ter sido estehistoricamente o foco de nossas discussões e re-flexões. Sabemos que acompanhar a escola signi-fica acompanhar as pessoas que nela estão, ou quecom ela se relacionam, ainda que sem descuidarda materialidade necessária para que possam atu-ar neste espaço. Talvez possamos interpretar quea expressão ‘acompanhamento às escolas’ foi o jeitoque inventamos para dizer de uma vez só duasidéias bem importantes para a concepção de acom-panhamento que estamos construindo:

1ª) acompanhar as escolas não significa acom-panhar apenas os professores; há pelo menos trêssujeitos básicos para acompanhar: os educadores(ou seja, todos que na escola têm tarefas educativas,incluindo os professores), os educandos, e a co-munidade (as famílias Sem Terra do assentamen-to ou acampamento). É bom lembrar que estareflexão surgiu pela constatação da mobilidade dosprofessores da rede pública que trabalham emnossas escolas. Começamos a dizer: os professorespassam, as famílias ficam. E também depois quenos demos conta da potencialidade pedagógicadas mobilizações dos Sem Terrinha...;

2ª) em nosso caso, não se trata de acompanharpessoas individualmente, mas coletividades. A es-

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cola como coletividade de sujeitos que através desuas relações fazem acontecer a tarefa de educa-ção. Ou seja, o que precisamos acompanhar, estarjunto com, é o movimento através do qual estascoletividades (já constituídas ou apenas em po-tencial de sê-lo) vêm buscando educar as novasgerações da família Sem Terra.54 Não deixamosde estar tratando de e com pessoas, mas em nossocaso, pessoas são mais do que pessoas, individual-mente consideradas; pessoas são parte de coletivi-dades, representam projetos coletivos e atuamdesde condições materiais objetivas. Isto vale tan-to para quem é acompanhado como para quemacompanha: coletivos que acompanham coletivosem condições dadas...

Mas nossas discussões também têm apontadoque, embora tratando a escola como coletivida-de, precisamos de uma reflexão específica sobrecomo acompanhar pedagogicamente cada umdestes sujeitos sociais que a constituem. E consta-tamos que o nó ainda mais apertado tem sido odo acompanhamento aos educadores, especial-mente no que se refere ao caminhar junto comeles na construção de um cotidiano pedagógicoque seja coerente com os objetivos do MST e coma Pedagogia do Movimento.

No início do trabalho do Setor isto parecia atémais fácil: os coletivos de educação eram predo-minantemente coletivos de educadores discutin-do as questões de como construir a escola diferen-te. Mas hoje, dada a complexidade do trabalho ea heterogeneidade dos sujeitos que nomeamoseducadores, e dos tempos e espaços que nomea-mos de escola, esta tarefa parece maior do quenós. Por isso, talvez, seja uma das dimensões doacompanhamento sobre a qual precisamos nosdebruçar com especial empenho em nossos Cole-tivos de Educação.

ACOMPANHAR O QUÊ?No Encontro do Coletivo Nacional do Setor

que fizemos em maio de 2000, discutimos du-rante horas sobre esta questão. Uma das reflexõesque fizemos foi sobre o que acompanhar, ou emvista do quê. Em outras palavras, discutimos quenão há como acompanhar alguém de modo ati-vo, sem um projeto, uma referência de qual o ca-minho que estamos querendo ajudar a construir.

Em nosso caso a chamada geral até que é fácil:queremos garantir a implementação da Pedago-gia do Movimento nas escolas. Muito bem! Mascomo esta pedagogia vem sendo produzida emtorno de valores, princípios, conteúdos humanos,mais do que de conteúdos de ensino ou de didáti-cas, no momento em que precisamos enxergar asua tradução, ou mesmo ajudar a traduzir estapedagogia nas práticas cotidianas de uma escola,isto já nos parece bem mais complexo: não estádado, precisa ser compreendido, significado, re-fletido junto com os sujeitos de cada uma destaspráticas. Aquilo que parece ser pode não ser; aquiloque não parece ser pode efetivamente já ser... Istoacontece exatamente porque estamos tratandomuito mais de apreender e de construir novas re-lações pedagógicas, do que de alterar detalhes nas“grades” curriculares.

Para tentar facilitar um pouco a nossa tarefa, cons-truímos coletivamente, naquele Encontro, uma es-pécie de mapa para nos auxiliar no acompanhamentoàs escolas. A pergunta que nos fizemos foi a seguin-te: que sinais identificam a presença do Movimentoe de sua pedagogia em uma escola de educação fun-damental de assentamento ou acampamento? E aobuscar identificar estes sinais os projetamos comoprocessos, ou como as dimensões do processo peda-gógico que deveríamos acompanhar, ou ajudar aconstruir nas escolas do MST.

54 E educar a família Sem Terra, não podemos esquecer, é prosseguir no processo de humanização que a constituiu como Sem Terra do MSTou, como diria nosso mestre Paulo Freire, é aprender a trabalhar com a tensão permanente entre humanização e desumanização que estápresente em sua trajetória. É, além disso, politizar esta tensão de modo a continuar o processo de formação dos lutadores do povo.

55 Foram acrescentados nesta edição do texto também outros sinais indicados nos diversos encontros de educadores e educadoras realizados aolongo do ano de 2000 e início de 2001.

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Vamos relembrar alguns destes sinais e proces-sos que discutimos naquela ocasião e tambémacrescentar mais alguns que o desdobramentodaquela mesma reflexão permite.55 Não estamosinventando sinais; na verdade estamos tentandopensar no que vemos ou buscamos ver, quandoolhamos para nossas escolas; ou ao contrário, pen-sar no contraponto do que ainda vemos com muitafreqüência, e não gostaríamos mais de ver. Na prá-tica passam a ser uma espécie de guia do que po-demos observar na escola, e de como concreta-mente podemos transformar nossas observaçõesem acompanhamento, ou seja, ajudando a fazer.

1. Presença dos símbolos do MST na escola. Éuma das primeiras coisas que observamos ao che-gar numa escola de assentamento, especialmente:há uma bandeira do MST tremulando neste es-paço? As crianças já sabem cantar nosso hino? Hámateriais do MST na escola?

Pensemos como há uma dimensão simbólica fortenisso: a presença da bandeira, do hino, das palavrasde ordem, dos materiais do MST numa escola indi-ca que o Movimento está presente aí. Isto quer dizerque basta ter os símbolos do MST para ser uma es-cola do MST? Não, mas aprendemos que este é umsinal de abertura ao Movimento. E mais do que issoremete a dimensões muito significativas de sua pe-dagogia: o cultivo da mística, a pedagogia do sím-bolo, do gesto, o cultivo de nossa identidade coleti-va. Estes são processos pedagógicos que nossoacompanhamento precisa potencializar.

2. Nome da escola associado à memória da co-munidade e dos lutadores do povo.

Qual o nome desta escola? Como foi escolhi-do? Quem se envolveu? O que os educadores sa-bem e pensam sobre este nome? O que oseducandos sabem e pensam sobre este nome? Oque a comunidade sabe e pensa? E costuma acon-tecer algum tipo de celebração ou comemoraçãoem relação a este nome? E em relação a outrosnomes ou datas ligadas à classe trabalhadora?

Um nome ligado às raízes do povo geralmenteé sinal de presença da comunidade no processode construção da escola, e de abertura ao vínculoda escola com o que acontece fora dela, e com aslutas do povo. Uma dimensão pedagógica a sertrabalhada a partir deste sinal é o processo de sig-nificação coletiva deste nome ou, se for o caso, aprópria problematização da escolha feita. É preci-so provocar a reflexão da comunidade sobre seuenvolvimento na escola, estimulando o cultivo damemória de nossa luta, e dos nossos antepassadoslutadores da causa da justiça e da liberdade, e in-cluindo a celebração de datas ligadas às lutas daclasse trabalhadora como parte dos conteúdos deensino.

3. Escolas onde há jardim, horta, árvores, par-que infantil, e cuidado com a higiene e a alimenta-ção... Pode ser sinal de que estamos num assenta-mento, ou mesmo num acampamento, onde asfamílias já aprenderam a valorizar o belo, a rela-ção com a natureza, o cuidado com a saúde, ocuidado com a dimensão do lúdico..., que são di-mensões a potencializar em nossas práticas deacompanhamento, considerando as condiçõesobjetivas e a trajetória de cada lugar. O que ve-mos aqui nesta escola sobre isso? O que podemosajudar a avançar aqui sobre isso?

4. Educandos que se chamam de Sem Terrinha.Este é mais do que um sinal: é quase uma evidên-cia; onde as crianças assumem este nome é por-que tem alguém trabalhando com elas sua me-mória, seus vínculos com o Movimento. Pode nãoser algo consciente, pode ficar apenas na palavra,pode também não ser obra da escola, mas pelomenos ela não está trabalhando contra... Em quesituação se encontra esta escola sobre isso?

E qual é a dimensão pedagógica a ser potencia-lizada através deste sinal? Uma dimensão fundamen-tal, que toca na raiz do próprio ato de educar, que éa do cultivo da identidade pessoal e coletiva destascrianças e destes adolescentes: se humanizam mais

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quando aprendem a ter brio, a gostar do que são, aassumir suas raízes e a se ver no futuro comocontinuadores da luta de seus pais. E este aprendiza-do também precisa acontecer na escola. Como fazereste cultivo no dia a dia é uma das questões de dis-cussão a ser feita com o coletivo de educadores.

5. Educandos com direito à palavra: entre si, comseus educadores. Diante de tantas escolas em quenão se ouve a voz das crianças, este também é um‘”bom sinal”. É o que acontece aqui? Há pessoasconversando, perguntando, dizendo o que pen-sam, convivendo, dialogando, cooperando naconstrução de seus aprendizados? E o que é preci-so fazer para chegarmos a uma verdadeira coleti-vidade do aprendizado?

6. Professores que planejam seu trabalho. Parecetão elementar, mas é um sinal muito importante.Sinal de que os professores se preocupam com oque vão fazer, como vão ensinar... E se nesta esco-la os professores planejam, como isto é feito? In-dividualmente ou em equipe? E planejam o quê?Quais as perguntas que costumam se fazer nomomento de planejar? Sobre o que discutem prin-cipalmente? E sempre foi como é hoje? Já foi di-ferente?

O processo a ser potencializado é o da reflexãosobre a prática: não fazer do planejamento umritual mecânico; e também o do planejamento quevá bem além das aulas, ou de como trabalhar comos conteúdos de ensino. O que precisa ser plane-jado, projetado, refletido é o ambiente educativoda escola, que inclui as práticas e as relações so-ciais que se fazem pedagogia, que se fazem valo-res, nos diversos tempos e espaços que devem com-por cada dia “letivo”. As perguntas que não devemfaltar em nosso planejamento como educadores:como vamos ajudar cada educando a se desenvol-ver mais como ser humano neste dia, nesta sema-na, neste mês... que situações de aprendizado, quepráticas vamos organizar juntos para garantir isso?que valores precisamos reforçar em nossa coletivi-

dade? Como garantir que nosso jeito de fazer aavaliação leve em conta o processo de desenvolvi-mento humano que temos a tarefa de acompa-nhar?

7. Professores que não trabalham sozinhos. Ouseja, professores que se reúnem para conversarsobre o trabalho, para fazer o planejamento, a ava-liação; professores que mesmo sendo um só nasua escola, dão um jeito de buscar apoio na co-munidade, e organizam uma equipe para não tra-balhar sempre sozinhos... É assim nesta escola? Ecomo acontece no dia a dia o trabalho dos profes-sores nesta escola? Já não trabalham mais de for-ma isolada?

Este é um sinal de que estes professores já per-ceberam que o trabalho educativo precisa deinterlocução de pares, e que um professor sozi-nho não consegue avançar, e mais facilmente ficadesanimado e desiste da tarefa maior, fixando-seem rituais escolares secundários. Práticas de acom-panhamento precisam potencializar este sinal naperspectiva da criação de verdadeiros coletivos deeducadores, valor e condição de implementaçãode nossa pedagogia.

8. Presença da comunidade na escola. Escolaonde as famílias do assentamento ou do acampa-mento nunca pisam está mais longe da Pedagogiado Movimento; a luta pela terra é feita pelas fa-mílias, a produção nos assentamentos é cada vezmais obra das famílias; a escola também precisaser vista como parte da comunidade e obra dafamília Sem Terra. Um sinal é pelo menos os paisatenderem ao chamado dos educadores para asatividades da escola; um sinal mais avançado équando as famílias freqüentam a escola, tambémem outros tempos que não o das aulas de seusfilhos; também quando as famílias são capazes defalar e opinar sobre a escola mesmo sem ter seusfilhos lá. Em que estágio esta escola se encontra?

O processo pedagógico a ser potencializadocom o acompanhamento é nada mais nada me-

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nos do que a ocupação da escola pelas famílias,num saudável diálogo com os educadores sobrecomo conduzir o desenvolvimento humano dainfância e da adolescência Sem Terra; e tambémna preocupação com o desenvolvimento culturalda comunidade, que inclui o próprio resgate desuas raízes culturais camponesas, para cultivar erevisar hábitos e costumes que constituem seuatual modo de vida.

9. Educandos em ação, realizando algo mais doque apenas ouvir a professora. É sinal de que já existeuma intuição sobre a dimensão pedagógica dofazer, da atividade prática, e de que aula não éapenas discurso do professor, ou do livro... Comoé o dia de um educando nesta escola? O que elefaz desde que chega até que sai da escola? E hádiferenças entre uma série e outra? Entre oseducandos de 1a a 4a e os de 5a a 8a séries? E o quecada educando e educanda pensa sobre isso? Ecada educadora e educador?

Diante de tantas escolas em que crianças pas-sam todo o tempo sentadas, com o lápis na mãotentando prestar atenção no que diz ou escreveno quadro a professora, este é um sinal a serpotencializado ao máximo. A meta é chegar a umaescola centrada nas atividades produtivas doseducandos, e onde suas obras, de diversasmaterialidades, sejam o espelho de seu desenvol-vimento, e dos próprios valores que expressam ecultivam enquanto fazem.

10. Educandos participando de alguma formada condução do dia a dia da escola. Nem que sejaainda apenas cumprindo pequenas tarefas. Pelomenos é um sinal de que a escola não está pensa-da para, mas como sendo também responsabili-dade dos educandos. Podemos partir daí para avan-çar na constituição dos coletivos de educandos, ena democratização dos processos de gestão da es-cola... Em que estágio se encontra esta escola?Como acontece a participação dos educandosdesta escola no dia a dia? Sempre foi do jeito que

é hoje? Como aconteceram as mudanças? Quaisos próximos passos?

Precisamos avançar também na reflexão sobrea dimensão pedagógica das relações sociaisconstruídas nestes processos: as pessoas sehumanizam mais aceleradamente nesta participa-ção social, exatamente porque é aí que aparecemas contradições, explodem os conflitos, que per-mitem novos saltos na formação dos valores, dapostura, da capacidade de resolver problemas...

11. Educandos e educadores que gostam de estarna escola. É sinal de que a escola tem um signifi-cado especial em suas vidas. Sem este sentimentofica mais difícil implementar qualquer pedago-gia... Nesta escola, qual o sentimento doseducandos: sentem prazer de estar na escola ouprefeririam estar em qualquer outro lugar nestetempo? Por quê? E os educadores: gostam da ta-refa de educar ou a sentem como um fardo quesão obrigados a carregar? Por quê? E como costu-ma ser a postura das crianças e adolescentes oujovens que já estudaram nesta escola e hoje estãoem outras escolas? O que fazem, o que dizem, oque pensam, sobre a experiência que tiveram aqui?

12. Educandos e educadores com livros em suasmãos. A leitura é um dos grandes aprendizados aserem construídos pela escola. Não apenas a deci-fração fragmentada e mecânica do código escrito,mas sim a postura de leitura do mundo tambématravés da leitura de livros, bons livros... Que li-vros os educandos desta escola estão lendo? Quelivros já leram? E os educadores: o que estão len-do, o que já leram nos últimos tempos? Como oseducadores vêem os livros? Consideram a leituracomo uma dimensão importante? E os educandos?E suas famílias?

Encontrar crianças lendo livros é um sinal im-portante de que há educadores preocupados emampliar o repertório cultural das crianças e de sipróprios. Isto precisa ser reforçado no acompa-nhamento, inclusive garantindo que a escola te-

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nha acesso a uma boa literatura. Dizia Makarenkoque a experimentação estética ajuda a construirorientações éticas, e que a literatura é uma ferra-menta privilegiada de educação da identidade.Podemos ajudar bastante nisso...

13. Professores preocupados com o que ensinar. Éum sinal de que pelo menos já se problematiza alista oficial dos conteúdos, as famosas “gradescurriculares”. Aqui, como em vários outros sinais,o processo a ser potencializado exige rupturas bemdifíceis com concepções bem enraizadas do que sejaensinar e aprender, e do que merece ser aprendidoem uma escola... Que tipo de discussão existe nes-ta escola sobre isso? E que conteúdos costumamter mais destaque? E quais os conteúdos que costu-mam atrair mais a atenção dos educandos? Por quê?

Nosso acompanhamento deve ajudar a radica-lizar a reflexão sobre pelo menos duas dimensõesmuito importantes para o Movimento: a escolacomo lugar de estudo, que é bem mais profundodo que repasse de conteúdos ou de conceitos, e quetem a ver com a inserção crítica e criativa na reali-dade do mundo em que vivemos, do mundo e dahumanidade que precisamos transformar com nos-so movimento; e a escola não apenas ou central-mente como lugar de produção de conhecimen-tos, mas sim de construção de múltiplos ediversificados tipos de aprendizado, todos necessá-rios para um desenvolvimento mais pleno do serhumano e, no nosso caso, para a formação doscontinuadores da obra humana do MST. Valorestambém podem ser aprendidos e ensinados; habi-lidades, sentimentos, comportamentos, cultura,ainda que com métodos diferentes. A lógica peda-gógica da escola não pode ser apenas a lógica doensino; é preciso pensar no ensino como parte deum processo mais amplo de formação humana, oque implica também em rever os próprios conteú-dos de ensino.

14. A história do assentamento ou do acampamentocomo matéria de ensino. Este é um sinal que desdo-

bra o anterior, mas também retorna à questão docultivo da identidade Sem Terra. Quando numaescola se estuda sobre a história do assentamento,do acampamento, do MST, além de se estar fazen-do um outro tipo de escolha sobre o que é impor-tante ensinar e aprender, se está ajudando a culti-var a memória da família Sem Terra, dimensão sema qual não se consegue enraizar as novas geraçõesnesta terra de conquista... Como isto tem sido tra-tado nesta escola? O que podemos potencializaratravés de nosso acompanhamento?

15. Dia a dia da escola com tempo para arte,esportes, passeios...Encontrar na escola educandose educadores que têm tempo e espaço para can-tar, dançar, desenhar, pintar, fazer teatro, movi-mentar e exercitar seus corpos, também para sairda sala de aula e fazer passeios ou visitas, é umsinal de que esta é uma escola onde as ‘grades’ jácomeçaram a ser rompidas... E nesta escola o queacontece? Há outros tempos educativos além daaula? E as aulas acontecem sempre dentro dasquatro paredes? E o que os educadores pensamsobre isso, conversam sobre isso?

O processo a ser potencializado através do acom-panhamento é o da construção coletiva de tempose espaços educativos diversos capazes de dar contado desenvolvimento humano mais pleno.

16. Pessoas que se tratam com respeito, cordiali-dade, lealdade. É sinal de que há alguma preocu-pação com a formação de valores e que as pessoastêm espaços de convívio... E nesta escola, comoas pessoas se tratam? Educadores e educandos,educandos entre si, educadores entre si, famíliasentre si...? Há alguma intencionalidade na for-mação de valores? Que valores? E como se tentatrabalhá-los?

Precisamos radicalizar em nossas escolas aintencionalidade na formação de valores quehumanizam as pessoas, e na construção de rela-ções interpessoais saudáveis que ajudam no apren-dizado de ser humano.

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17. Sensibilidade para a presença de educandosportadores de necessidades educativas especiais. Esteé um sinal de que já avançamos nas relações hu-manas a ponto de percebermos e trabalharmos asdiferenças que existem entre os seres humanos quecompõem a identidade Sem Terra... Nesta escolaexistem educandos nestas condições? E no assen-tamento ou acampamento, há crianças, jovens ouadultos que são portadores destas necessidadesespeciais? Há alguma preocupação específica so-bre isso? Como são tratados?

Os processos pedagógicos que precisamospotencializar através de nosso acompanhamento:o aprendizado coletivo do jeito de trabalhar comestas necessidades educativas especiais; também apostura de como trabalhar outros tipos de dife-renças, na perspectiva de crescimento humano eaprofundamento da nossa própria identidade.

18. Movimento: pessoas em movimento, práticasem movimento, escola em movimento. Sinais diver-sos de que a escola não está parada, estagnada,sem vida: queremos ver diferenças entre um en-contro e outro, uma visita e outra, um curso eoutro. A reflexão a ser potencializada é a própriaeducação do olhar de quem está acompanhandoesta escola. O que afinal estamos buscando com-preender é o movimento das pessoas: em que vãomudando como gente, que conteúdos humanosestão vivenciando; e o movimento dos coletivos:amadurecem de um encontro para outro? e atéque ponto conseguem acompanhar a dinâmica doMovimento?...

Neste sentido é que nosso acompanhamentotambém precisa deixar claro, que não existe ummodelo de escola do MST, que a gente constrói edepois ele está pronto e é só seguir como está. Aescola do MST nunca estará pronta e o seu prin-cipal valor pedagógico é seu próprio movimento.Há questões que sempre estarão presentes, por-que são aquelas que movem a própria tarefa deeducar; mas as respostas e o processo de construi-las serão sempre novos, porque o ser humano, e a

compreensão que vai tendo de si mesmo, tam-bém se transforma a cada dia.

COMO FAZER O ACOMPANHAMENTOEste foi o ponto principal que aprofundamos

no encontro do Coletivo nacional do Setor deEducação de novembro de 2000. Algumas refle-xões que começamos nos encontros anterioresforam perguntas que conduziram nosso debate:

1. Ainda não podemos dizer que temos um mé-todo de acompanhamento. Mas temos diversas prá-ticas de acompanhamento que precisam ser sistema-tizadas para que esta nossa tarefa seja feita de modomais organizado, continuado, pensado. Precisamosfazer o levantamento das ações do Setor, ou do con-junto do MST em relação aos três sujeitos que men-cionamos antes: educandos, educadores, comuni-dades, e extrair lições desde a concepção deacompanhamento que estamos aprofundando aqui.

Pensar que uma visita feita por um militante doMST a uma escola de assentamento pode ser pensa-da como prática de acompanhamento; que encon-tros e cursos também precisam ser pensados dentrode uma estratégia de acompanhamento; que as reu-niões dos coletivos de educação também fazem par-te disso, que as jornadas e encontros dos Sem Terrinhatambém... Ou seja, vamos olhar para as diversas ati-vidades em que estamos envolvidos e pensar emcomo elas têm sido ou podem ser feitas na perspec-tiva do acompanhamento; como podemos poten-cializá-las ainda mais do ponto de vista pedagógicode formação dos seus sujeitos específicos.

2. Nos demos conta de que há níveis de acompa-nhamento diferenciados e para os quais precisamostraçar linhas de ação também diferenciadas. Existeo acompanhamento às escolas que pode ser feitopelo MST como um todo: quanto mais a nossamilitância compreender a dimensão pedagógica dopróprio Movimento mais prestará atenção nas es-colas, e mais ajudará no avanço do processo, espe-cialmente na tarefa de politizar o cotidiano escolar,

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fazendo-nos sempre lembrar dos vínculos maioresde cada prática educativa. Mas existe um tipo deacompanhamento que é específico do Setor deEducação, da sua tarefa pedagógica em relação àcoletividade da escola, e que historicamente vemsendo constituído de duas dimensões fundamen-tais: a organizativa, no sentido de que uma primei-ra tarefa de quem acompanha é a de ajudar a orga-nizar os coletivos de educação, do local ao nacional;a da reflexão pedagógica, no sentido de que acom-panhar é educar para a reflexão da prática, chegan-do nas questões do dia a dia da escola e do processopedagógico.

Sobre isso temos vivido muitas tensões. Nãotemos certeza de que é possível combinar nasmesmas pessoas as duas tarefas. E ainda temos al-guns mitos sobre quem pode e quem não podefazer discussões de pedagogia. Um dos objetivosde adotar a expressão Pedagogia do Movimento épara que a nova linguagem nos ajude nesta neces-sária desmistificação...

3. Também temos conversado sobre alguns pre-conceitos e idealismos que precisamos superar paraassumir com mais vigor esta tarefa do acompa-nhamento. Idealismo é desconsiderar as variáveisque interferem na dinâmica das escolas dos as-sentamentos, e mesmo dos acampamentos. Faze-mos parte de um sistema educacional, com suasrelações de poder, sua tradição, sua cultura, seuconservadorismo. Há muitas influências interagin-do em nossas comunidades. Há muitos lugaresem que nossos professores continuam ameaçadosde demissão se aceitarem conversar conosco; hátambém muito conservadorismo entre as famíliasassentadas e acampadas...

Isto não nos deve imobilizar, mas é preciso rea-lizar a tarefa considerando as contradições e, sepossível, trabalhando pedagogicamente com elas.Um dos preconceitos é pensar que tratar do coti-diano ou da miudeza pedagógica de uma escola étarefa política menor e que nos torna militantesmenos importantes perante a organização. Preci-

samos mostrar na prática que não é assim. Outropreconceito é considerar que se não temos gran-des cursos escolares de pedagogia não podemosfazer o acompanhamento pedagógico. Precisamos,de fato, estudar muito sobre a complexa tarefa deeducar seres humanos, mas isto não é coisa quetítulos escolares tragam junto necessariamente...

A PARTIR DO DEBATE ALGUMASORIENTAÇÕES QUE CONSEGUIMOS

TIRAR PARA O NOSSO TRABALHO NOSPRÓXIMOS ANOS:

1. Priorizar a tarefa de acompanhamento querdizer organizar uma estratégia para que ela aconte-ça. Ter uma intencionalidade específica em rela-ção a isso, combinando diversas ações ao mesmotempo. Mais do que multiplicar atividades é or-ganizar várias das tarefas que já temos dentro deuma mesma estratégia: impulsionar a presença doMovimento e de sua pedagogia em nossas esco-las. E se queremos avançar em nossa organicidade,a tarefa de pensar esta estratégia precisa ser assu-mida pelos coletivos estaduais e não ser deixadaapenas para iniciativas locais.

2. Faz parte da estratégia de acompanhamentogarantir tempos e espaços do Setor de Educação paraa reflexão sobre as questões do cotidiano da escola,de modo a construirmos coletivamente a com-preensão do que seja a identidade política e peda-gógica de uma escola do MST. Podemos conti-nuar o exercício aqui iniciado, de apreender ossinais e os processos pedagógicos que projetam aPedagogia do Movimento.

3. Acompanhar a construção do projeto pedagógi-co das escolas. Este pode ser um objetivo prático denosso acompanhamento. Acompanhar para ajudara elaborar ou a implementar este projeto. Ter pre-sente que o nosso grande desafio é combinar o res-peito à diversidade de cada local com o reforço dostraços comuns que nos diferenciam como escolasdo MST. Ter claro do que não podemos abrir mão

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e do que é processo, permanente construção comos sujeitos diretos que fazem cada escola. Dar prio-ridade às questões substantivas e não se perder nas‘picuinhas’ ou nas questões demasiadamente ‘esco-lares’. Os sinais que identificamos antes podem sernossa primeira referência...

4. Nossa estratégia de acompanhamento não podeser descolada do Movimento. Não podemos sepa-rar o acompanhamento pedagógico do acompa-nhamento político. Precisamos compreender atarefa de acompanhamento como parte da estra-tégia de trabalho de base para fortalecer a perten-ça das famílias assentadas e acampadas ao MST.Por isso estes ‘sinais’ devem ser de conhecimentonão apenas dos membros do Setor de Educação,mas do conjunto da militância do Movimento.

5. Criar coletivos que acompanham coletivos. Domesmo jeito que não acreditamos no acompanha-mento a indivíduos, mas sim a coletivo de educa-dores, de educandos, de famílias, também estáclaro que não tem como uma pessoa acompanharuma escola. É preciso pensar em coletivos prepa-rando coletivos para esta tarefa. Coletivo estadualpreparando coletivos regionais, que preparam co-letivos locais e assim por diante.

6. Não há como acompanhar o movimento daescola e das pessoas sem também estar em movimen-to. Sem estudar, sem refletir, sem se desafiar a rea-lizar práticas concretas de implementação da Pe-dagogia do Movimento. Isto quer dizer que cadacoletivo precisa se educar para fazer o seu próprioauto-acompanhamento...

7. A postura de quem acompanha não pode serde fiscal ou supervisor oficial. Se acompanhar é es-tar em movimento junto com alguém, é precisouma postura coerente com a tarefa: combinar

humildade com presença ativa; disponibilidade deajudar a fazer; levar sempre novos materiais e sub-sídios para o trabalho dos professores; e princi-palmente: olhar para as pessoas com respeito e naperspectiva de ajudar a construí-las como sujei-tos; buscar compreender quem são estas pessoas(educadores, educandos, famílias), o que fazem,porque fazem as coisas do jeito que fazem..., semjulgamentos ou preconceitos, e sem esquecer doprojeto de vida humana e social que estamos ten-tando construir como MST.

8. Cada coletivo estadual deverá aproveitar seuspróximos encontros para discutir esta questão doacompanhamento, e fazer um plano de acompanha-mento às escolas. Este plano precisa levar em contaos três sujeitos: educandos, educadores e comu-nidades, e responder a algumas perguntas bási-cas: o que, como, quem e quando acompanhar.Também é importante que este estudo seja repro-duzido em todos os nossos cursos formais, e queos educandos sejam envolvidos em tarefas deacompanhamento, durante seu Tempo Comuni-dade.

Não há uma receita nem um método pronto vá-lido para todo o país; e também nunca começare-mos a agir se esperarmos ter as condições ideaispara esta tarefa. Temos que aprender a fazer fa-zendo, e refletindo seriamente sobre este fazer. Serealmente acreditamos que isto é importante vaiacontecer. Assim nos educa o Movimento...

PROJETO POLÍTICO E PEDAGÓGICODAS ESCOLAS DE ASSENTAMENTOS E

ACAMPAMENTOS DO MST

Elementos da construção 56

Construir o Projeto Político e Pedagógico deuma Escola quer dizer fazer uma opção coletiva

56 Texto elaborado em fevereiro de 2001 para acompanhamento do processo de construção do projeto político-pedagógico das escolas deacampamentos e assentamentos do MST RS.

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do caminho que ela irá seguir. Caminho político,no sentido de que posição assume em relação àslutas sociais mais amplas e ao tipo de humanida-de que pretende ajudar a desenvolver; caminhopedagógico, no sentido da concepção de educa-ção e de escola que passa a orientar o seu cotidia-no.

E elaborar por escrito este projeto significa fa-zer um esforço organizado de antecipar na idéia aescola e o jeito de educar que estamos nos dis-pondo a construir, passo a passo, paciente e cons-cientemente em nosso dia a dia de educadores,educadoras, educandos e educandas. Colocar istono papel representa um compromisso assumido eassinado coletivamente, e que relembrará a cadapessoa, em cada momento, do caminho escolhi-do para seguir, da estratégia que é preciso aperfei-çoar, reconstruir, fazer acontecer.

Inicialmente gostaria de chamar a atenção paraquatro grandes questões que precisamos respon-der na constituição do projeto político e pedagó-gico das escolas que desenvolvem seu trabalho deeducação em acampamentos e assentamentos vin-culados ao MST.

A primeira questão é sobre a identidade da es-cola: quem somos e quem queremos ser? Esta ques-tão maior se desdobra em diversas perguntas quedevem motivar momentos sérios de reflexão e dediscussão entre todos os sujeitos envolvidos naescola: quem são os nossos educandos? quem so-mos nós, educadores desta escola? quem são asfamílias que integram a comunidade deste acam-pamento ou deste assentamento? E toda a refle-xão precisa desembocar numa posição, ou numatomada de decisão que é de fundo: somos SemTerra? queremos ser Sem Terra? assumimos o vín-culo com o MST? o projeto político e pedagógicode nossa escola será o projeto político e pedagógi-co do MST?

A segunda questão diz respeito ao nosso projetode formação humana: que ser humano, que huma-nidade, queremos ajudar a formar através de nossotrabalho pedagógico? Esta questão se desdobra em

perguntas mais específicas de que também precisa-mos nos ocupar em nossas reflexões e debates emvista do projeto político e pedagógico: que dimen-sões da formação humana podem ser desenvolvi-das numa escola? que dimensões a nossa escola pre-tende enfatizar em sua intencionalidade educativa?

A terceira questão diz da nossa concepção de esco-la: que práticas ou situações de aprendizado vãoconstituir o cotidiano pedagógico de nossa escola?Também com perguntas que se desdobram e pre-cisam ser aprofundadas por todos os sujeitos, masque precisam ser detalhadas especialmente pelocoletivo de educadores: como vamos organizar ostempos e espaços educativos em nossa escola? comoserá organizada a nossa coletividade escolar? Comoserá o funcionamento cotidiano da escola? queaprendizados deverão ser enfatizados e de que for-ma? quais os principais conteúdos de ensino? comoserá feita a avaliação do processo de formação decada educando e educanda, de cada educadora eeducador?

A quarta questão diz do nosso método pedagógi-co, ou do método de atuação dos educadores: comogarantir o movimento pedagógico cotidiano emnossa escola? Desdobrada em perguntas que de-vem ocupar sistematicamente os tempos de refle-xão da prática dos educadores e das educadoras daescola: que pedagogias precisam ser potencializadasem cada tempo e espaço educativo? como cons-truir diariamente o ambiente educativo da escola?como fazer o acompanhamento pedagógico da co-letividade e de cada pessoa? como garantir que oMST efetivamente faça parte deste movimentopedagógico que acontece na escola? quais serão ostempos e espaços de reflexão e de planejamento daatuação pedagógica dos educadores?

Um bom projeto é aquele que consegue amar-rar e desdobrar de modo coerente a reflexão e aprática destas quatro questões.

Na continuidade deste texto vamos buscar des-dobrar especialmente duas delas: a que trata denosso projeto de formação humana, e a que tratada concretização de nossa concepção de escola.

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Não se trata aqui de esgotá-las, mas apenas de tra-zer alguns elementos a mais para reflexão de nos-sos educadores e nossas educadoras.

A ESCOLA E O PROJETODE FORMAÇÃO HUMANA

Um dos elementos fundamentais a considerarna elaboração do projeto político e pedagógicode uma escola é o projeto de formação humanapelo qual seus sujeitos pretendem trabalhar.

Uma escola que assume o projeto político epedagógico do MST é aquela que orienta suaintencionalidade pedagógica para a formação deseres humanos que se construam como sujeitossociais e políticos dispostos à tarefa de transfor-mar-se e humanizar-se enquanto transformam ehumanizam o mundo em que vivem; sujeitos his-tóricos que assumem a identidade de lutadores dopovo, e de militantes de organizações e movimentossociais que visam construir uma existência socialde dignidade, justiça e felicidade para todos.

Uma intencionalidade pedagógica voltada àformação humana exige muito mais do que in-tenções e discursos sobre o ser humano, a socie-dade, a educação. Implica em um movimentopermanente entre ação e reflexão, (um verdadeiro‘quebrar a cabeça’ e ‘sangrar o coração’) de modoa construir nos pequenos detalhes do trabalho doseducadores, e no jeito de funcionar da escola emseu dia a dia, situações onde efetivamente aconte-çam os aprendizados de ser humano.

Dimensões fundamentais do trabalho educativoda escola

A pergunta que estamos buscando responderaqui é a seguinte: que dimensões devem compora intencionalidade da escola que se pretende umlugar de formação humana? Estas dimensões sãoos grandes conteúdos do processo educativo pen-sado como totalidade.

Vamos indicar a seguir algumas dimensões quetemos discutido ao longo da trajetória de refle-xão pedagógica do MST, e que dizem respeitomais diretamente às escolas de educação funda-mental.57 Elas certamente não esgotam toda acomplexidade do processo de formação humanae nem acontecem de forma estanque. Como setrata de um movimento educativo, sempre apa-recerão dimensões novas, ou exigências de mai-or ênfase em algumas delas, e necessariamentesua prática será entrelaçada. Estas dimensões sãona verdade os parâmetros da escolha das práti-cas, da definição dos tempos e espaços educativosda escola, e também das decisões sobre o proces-so de avaliação dos educandos, e de nós mes-mos.

E há ainda dois detalhes significativos nestaquestão: (a) não existe uma hierarquia de impor-tância entre as diversas dimensões: somente com-binadas é que conseguem significar educação,humanização; (b) é preciso que o coletivo de edu-cadores faça uma reflexão pedagógica específicasobre como adequar estas dimensões a cada faixaetária, de modo a se respeitar sempre o desenvol-vimento humano dos educandos.

1. Formação de valores e educação dasensibilidade.

Valores têm ocupado pouco espaço na agendapedagógica das escolas. Costumam fazer parte dochamado “currículo oculto”, geralmente progra-mado pelo formato das relações sociais e huma-nas hegemônicas na sociedade atual.

Numa escola pensada como lugar de formaçãohumana os valores passam a ter lugar central. Va-lores são princípios e convicções de vida; aquilopelo qual uma pessoa considera que vale viver. Sãovalores que movem nossas práticas, nossa vida,nosso ser humano. São valores que produzem nas

57 Esta síntese tem por base a elaboração que está no Caderno de Educação n.o 8: Princípios da Educação no MST. MST, 1996; no Caderno deEducação n.o 9: Como fazemos a escola de educação fundamental. MST, 1999; e no livro Pedagogia do Movimento Sem Terra, 2a ed., Vozes,2000.

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pessoas a necessidade de viver pela causa da liber-dade e da justiça.

E a associação entre valores e educação da sen-sibilidade não é aqui arbitrária. Os sentimentossão a terra de cultivo dos valores. A sensibilidadediante do ser humano e de suas causas é ela pró-pria um valor e um aprendizado que humaniza; ea formação de relações afetivas saudáveis entre aspessoas, também.

O MST espera de suas escolas que ajudem naeducação da sensibilidade de seus educandos paraa dimensão dos valores; que trabalhe as relaçõessociais e afetivas entre as pessoas nesta perspectiva,e que em seu dia a dia, educandos e educadoresrecuperem e cultivem valores humanos como a so-lidariedade, a lealdade, o companheirismo, o espí-rito de sacrifício pelo bem do coletivo, a liberdade,a sobriedade, a beleza, a disciplina, a indignaçãodiante das injustiças sociais e das discriminações epreconceitos de todos os tipos, o compromisso coma vida, com a terra e com a identidade Sem Terra.58

Espera também um combate explícito aoscontravalores capitalistas desumanizadores, em es-pecial contra o individualismo, o egoísmo, oconsumismo e a apatia social.

2. Cultivo da memória e aprendizado dahistória.

A escola pode guardar a raiz do Movimento,ajudando no cultivo da memória do povo e naformação de sua consciência histórica. Foi apren-dendo do passado que o MST se fez como é:aprendendo dos lutadores que vieram antes, cul-tivando a memória de sua própria caminhada. Ahistória se faz projetando o futuro a partir das li-ções do passado cultivadas no presente. E não hácomo se manter como um lutador do povo semuma perspectiva histórica, o que requer dois apren-dizados muito importantes: o primeiro, que ge-ralmente os Sem Terra começam a aprender no

acampamento, é de que sua vida também é histó-ria, e que já estão sendo sujeitos da história; osegundo, de construção mais complexa e demo-rada, é passar a olhar para a realidade com umaperspectiva histórica. Enxergar cada ação ou situ-ação em um movimento entre passado, presentee futuro, e compreendê-las em suas relações comoutras ações, outras situações, uma totalidademaior. É este olhar que nos ajuda a valorizar e aomesmo tempo relativizar cada derrota ou cada vi-tória, mantendo o horizonte utópico como refe-rência para continuar lutando.

O MST espera de suas escolas que ajudem acultivar sua memória e que também se responsa-bilizem pela continuidade da formação da identi-dade Sem Terra, ajudando as novas gerações nestecultivo, e na sensibilização para este jeito de serhumano que o Movimento projeta. Também es-pera que as escolas encontrem métodos adequa-dos de fazer o estudo da história, de modo que elepasse a ser uma necessidade e um prazer, e que opróprio dia a dia da escola seja uma oficina defazer e aprender história.

3. Produção de Conhecimentos humanamentesignificativos.

O estudo é um dos princípios organizativos doMST; e é exatamente o princípio que reforça aimportância do conhecimento: quem não conhe-ce a realidade não consegue participar como su-jeito de sua transformação. Mas também nos in-dica que não se trata de qualquer conhecimento;nem do conhecimento pelo conhecimento. Pre-cisamos da ciência que nos ajuda a diminuir amiséria humana (Brecht); que dê ao povo ferra-mentas de libertação da sua opressão (PauloFreire); que seja um modo de resolver nossos pro-blemas de ser humano (José Martí).

Foi especialmente esta valorização do estudo edo conhecimento que fez crescer no MST a cons-

58 O primeiro número da Coleção Pra soletrar a liberdade, destinada aos educandos jovens e adultos do MST tem como título e conteúdo:Nossos valores. MST, junho 2000.

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ciência da importância da escolarização dos SemTerra. Mas infelizmente nem sempre é este senti-do de estudo que está presente nas escolas. Hámuitas pessoas que passam anos na escola e nãoproduzem conhecimentos; só ficam repetindo lis-tas de conteúdos inúteis.

O MST espera de suas escolas que desenvol-vam em seus educadores e educandos o valor daapropriação e produção séria de conhecimentos;que reconheçam e desenvolvam os diversos tiposde conhecimentos; que façam das questões da rea-lidade (no sentido mais amplo possível deste ter-mo) a base da produção destes conhecimentos;que usem como critério de escolha destas ques-tões os seus significados no conjunto de aprendi-zados de que necessitam os educandos, como se-res humanos e como lutadores do povo emformação; e também o MST espera dos educado-res que saibam construir, coletivamente, métodosde ensino que garantam o aprendizado não ape-nas dos conhecimentos em si mesmos, mas domodo de produzi-los, e um modo capaz de apre-ender a complexidade cada vez maior das ques-tões da realidade (local, nacional, mundial, glo-bal...) em que vivemos.

4. Formação para o trabalho.As pessoas se humanizam ou se desumanizam,

se educam ou se deseducam através do trabalho edas relações sociais que estabelecem entre si noprocesso de produção material de sua existência.É a dimensão da vida que mais profundamentemarca o jeito de ser de cada pessoa. É a dimensãoque nos identifica como ser humano, como cul-tura e como classe. Por isso não deve ficar fora daintencionalidade pedagógica dos educadores, emcada um dos espaços onde se projete formaçãohumana.

No MST os Sem Terra se educam tentandoconstruir um novo sentido para o trabalho do cam-po, novas relações de produção e de apropriaçãodos resultados do trabalho; uma experiência quecomeça já no acampamento e continua depois em

cada assentamento conquistado. E uma experiên-cia geralmente feita em família, no convívio pe-dagógico entre as diversas gerações.

O MST espera de suas escolas que se ocupemseriamente também desta dimensão, educandopara o trabalho e pelo trabalho: que incluam asquestões do mundo da produção como conteúdode seus tempos e práticas; que desenvolvam co-nhecimentos, habilidades e posturas necessáriasaos processos de trabalho que vêm sendo produ-zidos na luta pela Reforma Agrária; que cultivemo trabalho como um valor humano; e que façamda pedagogia do trabalho, combinada com a pe-dagogia da terra, um dos seus métodos de educaros seres humanos que estão sob seu cuidado.

5. Formação organizativa.A organização é uma das chaves da existência

do MST até hoje. E uma das pedagogias que inte-gra a Pedagogia do Movimento. É através da suaparticipação na organização do MST, e da vivênciana materialidade das relações sociais que constituemuma coletividade forte, que os Sem Terra voltam ater raiz, ou seja, memória e projeto.

O sentir-se e o saber-se parte de uma coletivi-dade, compreendendo que a força social e políti-ca das ações de uma pessoa está na forçaorganizativa do seu coletivo, e ao mesmo tempoem que a força do coletivo está na atuação de cadapessoa, eis aí a base da formação do que chama-mos de consciência organizativa. A partir daí aintencionalidade pedagógica do Movimento podelevar (ou pode consolidar) ao aprendizado maisprofundo de uma postura diante da vida, do mun-do, que é: diante de uma situação-problema é pre-ciso organizar-se e agir reflexivamente para resolvê-la; na dúvida aja! em vez de imobilismo,organização e ação. E se o problema for de priva-ção de direitos humanos, a ação é de luta social.

O MST espera de suas escolas uma intenciona-lidade pedagógica específica nesta dimensão; queajude nos aprendizados que permitem à pessoa irmais além da constatação dos problemas e da pos-

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tura crítica a uma determinada situação, chegandoà proposição de soluções e à organização necessáriapara implementá-las. Estes aprendizados se relaci-onam à capacidade de análise das relações deinterdependência que existem entre as diversas si-tuações que compõem a realidade, e que se materi-alizam também nas relações entre as coisas, as ações,as pessoas. Para ajudar neste tipo de aprendizado aescola precisa proporcionar aos seus educandos eeducadores o envolvimento em ações organizadas,que tornem explícita a interdependência entre aspartes, pela avaliação necessária dos resultados daatuação do coletivo e de cada pessoa.

6. Formação econômica.Uma das dimensões da luta do MST é a inser-

ção das famílias dos trabalhadores sem-terra emnovos processos econômicos, ou novas relaçõessociais de produção, distribuição e apropriação debens e serviços necessários ao desenvolvimentohumano, sem cair no desvio do economicismo,que é um subproduto do jeito capitalista de ver aeconomia.59 E o movimento de construção cole-tiva destes processos econômicos, que começa noacampamento e se aprofunda no desafio deviabilização dos assentamentos, é uma das peda-gogias da formação dos Sem Terra, que ao mes-mo tempo se produz como demanda de forma-ção específica a ser trabalhada nas atividades deeducação do Movimento. Trata-se do desafio pe-dagógico de desenvolver nos trabalhadores docampo a capacidade de compreensão e de inser-ção ativa em processos econômicos mais comple-xos, e que exigem uma visão de sistema, ou seja,um raciocínio capaz de perceber relações e de tervisão de conjunto; também capaz de se anteciparaos problemas pela análise das implicações demédio e longo prazo de cada ação ou decisão a sertomada.

Pelo menos desde Marx sabemos sobre o pesoda vivência das relações econômicas na confor-mação do ser humano e no seu modo de ver omundo. O que temos compreendido melhor atra-vés de nossas práticas de formação humana noMST, é como podemos intencionalizar a vivênciade relações econômicas que acelerem o desenvol-vimento da consciência necessária aos processosmais amplos de transformação social. E quantomais complexas as relações vivenciadas pelas pes-soas, mais complexos os aprendizados envolvidos,e o modo de construção de seu pensamento.Aprendizados que então não servirão apenas paraa dimensão econômica, mas para o modo comoas pessoas se relacionam com a vida e a sociedade.

O MST espera de suas escolas que ajudem naformação econômica de seus educadores e de seuseducandos, propiciando sua participação reflexi-va nos processos econômicos de sustentação daescola; também incluindo em seu planejamentopedagógico algumas práticas econômicas suficien-temente complexas para o avanço do nível atualde consciência da comunidade em que se insere,e também que possam servir de contraponto àlógica economicista ainda forte entre nós.

7. Formação política e ideológica.O MST tem um objetivo político bem defini-

do: quer ajudar a construir um Brasil sem latifún-dio. No formato estrutural do capitalismo brasi-leiro isto tem significado ser um movimento deluta social que se prepara para ser duradouro efazer enfrentamentos fortes. Por isso mesmo a for-mação dos Sem Terra precisa reforçar ainda maiso que já é um aprendizado histórico da classe tra-balhadora: a dimensão política e ideológica daeducação de seres humanos.

O MST quer educar seres humanos que tam-bém sejam militantes da causa da transformação

59 É preciso lembrar o significado originário da palavra economia: oikos, casa + nomia, cuidado, gestão. Cuidado ou gestão da casa, que pode sera casa familiar, ou a casa assentamento, ou a casa Nação. Neste sentido, ter formação econômica quer dizer desenvolver aprendizados básicospara saber cuidar da nossa casa.

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do mundo. E não se chega a ser, de fato, militantede uma organização com objetivos de transforma-ção sem desenvolver consciência política e firmezaideológica. Consciência política é o que nos exigeparticipar das lutas sociais por um mundo melhor,e que nos desafia a relacionar as ações do dia a diacom esta participação e com um projeto políticoque a sustenta e constrói. Firmeza ideológica querdizer clareza e defesa intransigente dos interessesde classe e da organização, diante de qualquer situa-ção ou embate. Juntas misturam valores, convic-ções, sentimentos, identidade coletiva, com umconhecimento profundo da realidade em que sevive, suas relações e seu movimento histórico. Ecom uma atitude permanente de crítica eautocrítica, e de abertura ao novo, sem sectarismosnem autoritarismos de nenhuma versão.

O MST espera de suas escolas, que ajudem apolitizar o cotidiano das comunidades Sem Terrae a trabalhar sua firmeza ideológica, para que con-sigam fazer de suas ações e questões do dia a dia,práticas que se somem na luta maior, no projetomaior. Temos um grande desafio de mais coerên-cia entre o que aprendemos nas grandes lutas, e oque fazemos nos detalhes cotidianos da produ-ção, da educação, do relacionamento entre as pes-soas, nas famílias, na relação com a natureza...Politizar o cotidiano quer dizer aprender a relacio-nar uma coisa com outra, e em cada atividade re-alizar o projeto, a utopia em que afirmamos acre-ditar, e que nos move...

A escola ajuda nesta formação quando seussujeitos se ocupam seriamente do estudo científi-co da realidade social do país e do mundo; quan-do há uma intencionalidade no diálogo com acomunidade sobre estas relações e sobre nossapostura de classe; também quando se organiza aparticipação concreta de educadores e deeducandos em ações que trabalhem a pertença àorganização e à classe trabalhadora; e ainda quan-do há uma preocupação específica em tratar des-tes conteúdos de modo adequado à idade doseducandos, respeitando suas condições objetivas

de entendimento e de desenvolvimento.

8. Formação para o lúdico.Lúdico tem a ver com jogos, brincadeiras, di-

vertimento, recreação, lazer. Um dos aprendizadosde quem participa do MST é o de misturar a dure-za da luta pela terra e das condições de vida miserá-vel que exigiram a entrada das pessoas nesta luta,com a capacidade de brincar, de se divertir, de olhara vida de um jeito menos carrancudo, mais “espor-tivo”. Aprender a celebrar, a conviver, a jogar, tam-bém diante das derrotas que a dinâmica da vida deSem Terra nos impõe. Misturar mística, utopia ealegria de viver, para tornar mais ‘leve’ a escolha deser um lutador do povo, de vida inteira.

O MST busca humanizar as pessoas e isto querdizer ajudar no seu desenvolvimento pleno. Eisso inclui o aprendizado da brincadeira sadia,dos jogos cooperativos, da agenda da gratuidade,que é aquela das atividades desinteressadas, oude puro prazer de viver e de conviver com outraspessoas, com outros seres da natureza, com asobras culturais...

O MST espera de suas escolas que ajudem noaprendizado da dimensão do lúdico, construindoalternativas de lazer sadio principalmente para a in-fância, adolescência e juventude Sem Terra. Esperatambém o cultivo de uma postura diante da vida edas causas sociais assumidas que deixe lugar, em qual-quer idade, para o exercício do brincar, somado aogrande e permanente exercício de ser feliz.

9. Cuidado com a terra e com a vida.O MST entrou no novo século registrando

num cartaz o que considera seus principais com-promissos com a terra e com a vida:• Amar e preservar a terra e os seres da nature-

za;• aperfeiçoar sempre nossos conhecimentos so-

bre a natureza e a agricultura;• produzir alimentos para eliminar a fome da

humanidade e evitar a monocultura e o usode agrotóxicos;

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• preservar a mata existente e reflorestar novasáreas;

• cuidar das nascentes, rios, açudes e lagos e lutarcontra a privatização da água;

• embelezar os assentamentos e comunidades,plantando flores, ervas medicinais, hortaliçase árvores;

• tratar adequadamente o lixo e combater qual-quer prática de contaminação e agressão aomeio ambiente;

• praticar a solidariedade e revoltar-se contraqualquer injustiça, agressão e exploração con-tra a pessoa, a comunidade e a natureza;

• lutar contra o latifúndio para que todos pos-sam ter terra, pão, estudo e liberdade;

• jamais vender a terra conquistada, ela é umbem supremo para as gerações futuras.

O MST espera de suas escolas que ajudem naformação da postura de seus educandos e educa-dores diante destes compromissos buscandoconcretizá-los e aprofundá-los em seu cotidianopedagógico. É preciso educar para a postura decuidado, naquele sentido que nos explicou Leo-nardo Boff:60 cuidar da terra, cuidar das sementesque fecundam a terra, cuidar da nossa saúde, cui-dar da vida em todas as suas formas, quer dizermais do que uma tarefa; trata-se de uma atitudepessoal e coletiva de ocupação, de preocupação,de responsabilidade e de envolvimento afetivo como outro ser que precisa de cuidado. Educandos eeducadores precisam aprender isso juntos.

Práticas que podem constituir o cotidiano pe-dagógico da escola

No projeto pedagógico do MST a escola é umlugar de práticas. E o sábio planejamento peda-gógico de uma escola é aquele que privilegia aorganização de práticas que se constituam comosituações de aprendizados diversos, capazes de darconta da complexidade do processo de formaçãohumana que pretendemos.

O critério para escolha das práticas é exata-mente sua potencialidade pedagógica em rela-ção às dimensões da formação humana aponta-das. Não se trata de escolher uma prática paracada dimensão, o que seria simplista, redutor doprocesso educativo, sempre complexo. Trata-sede pensar em um conjunto de práticas entre-laçadas que podem mais facilmente garantir estaformação multidimensional pretendida. E estanão é uma escolha que pode ser feita de uma vezpara sempre; este processo de escolha é ele mes-mo um dos elementos fundamentais do movi-mento pedagógico da escola, que precisa estarem sintonia permanente com o movimento darealidade e do processo de formação de seus su-jeitos.

Desde as experiências e reflexões de suas esco-las o MST considera que há alguns tipos de práti-cas especialmente importantes no cotidiano pe-dagógico escolar. Estas práticas acontecem dentrode tempos e espaços educativos diversos, organi-zados a cada dia ou semana, e vivenciados peloseducandos e pelos educadores. Sua combinaçãogeralmente implica em um tempo total maior deconvívio de educandos e educadores na ou com aescola. Certas atividades podem acontecer fora doseu espaço físico, mas é importante que tenham oacompanhamento pedagógico de educadores.

1. Aulas.Esta é a prática que costuma caracterizar de

forma quase exclusiva o tempo de escola. Consi-deramos sua importância especial, mas não abso-luta; tem maior valor pedagógico se combinadacom outras práticas educativas, de onde pode ex-trair sua própria matéria-prima. As aulas são naescola o tempo específico para o estudo. Não acon-tecem somente dentro da sala de aula; podemacontecer como práticas entrelaçadas às demais, eem atividades específicas de leitura (muita leitura

60 Em seu livro Saber cuidar ética do humano – compaixão pela terra. 2a ed., Petrópolis: Vozes, 1999.

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de bons livros), passeios de observação, projetosde pesquisa, seminários de discussão, trabalho emgrupos; também através das consagradas “aulasexpositivas”, feitas pelo professor, por represen-tantes da comunidade, ou através do estudo debons textos.

Trata-se de um tempo que remete especialmen-te para as reflexões sobre métodos de ensino: te-mas geradores, objetos geradores, conteúdos vin-culados às dimensões da formação humana... Nãonos parece que se trate de ter uma opção fechada.A questão central é encontrar alternativasmetodológicas e didáticas que facilitem a cons-trução dos conhecimentos humanamente signifi-cativos, geralmente mais complexos do que umalista de conteúdos por matéria, e que provoquemas relações necessárias com as demais dimensõesda formação humana.

Em nossa organização dos tempos escolares, asaulas são lugar específico de estudo, mas não po-dem ser vistas apenas como tempo de produçãodo conhecimento; porque também se produz co-nhecimento em outros tempos, e porque há ou-tras dimensões da formação que também ocupame devem ocupar os educadores neste tempo.

2. Oficinas.Estas são práticas que podem atravessar ou

complementar o tempo das aulas. O importanteé prestar a atenção em sua lógica pedagógica di-versa. Oficinas são tempos e espaços voltados paraa capacitação, ou seja, são atividades centradas noaprendizado de habilidades (aprender a fazer...),construídas pela prática direta dos próprioseducandos (... fazendo), orientada ou monitoradapor mestres daquelas habilidades em questão.

Em nossas escolas são atividades que ocupamde 30 minutos a duas horas do dia, não necessari-amente todos os dias, e que geralmente envolvemhabilidades ligadas à produção (agroindústriasdiversas, plantio de mudas, embelezamento deespaços, construção de parques...), à gestão (dati-lografia, informática, preenchimento de docu-

mentos...), e às expressões culturais e artísticasdiversas (oratória, canto, teatro, mística...).

3. Trabalho e produção.Tempos e espaços para a participação dos

educandos e dos educadores na realização de tare-fas ligadas ao funcionamento e manutenção mate-rial da escola; e, quando possível, na criação e exe-cução de unidades de produção mais complexas,que possibilitem aprendizados também mais com-plexos no campo da formação organizativa e eco-nômica, bem como na capacitação técnica emdeterminados tipos de trabalho.

Em algumas de nossas escolas isto quer dizer,por exemplo, que são as crianças as responsáveispela construção e manutenção do parque de brin-quedos da escola, ou do acampamento, assenta-mento; em outras têm sido o cuidado com a hor-ta; em outras ainda, é a criação de um grupo deteatro para fazer apresentações públicas que tra-gam apoio à luta pela Reforma Agrária; há tam-bém experiências onde os educandos, junto comos educadores, assumem o trabalho numa peque-na agroindústria de doces para gerar renda extrapara o coletivo. O tipo de trabalho e de processoprodutivo depende das condições objetivas de cadalocal, da idade e experiências anteriores doseducandos envolvidos, e também da criatividadedo conjunto da coletividade escolar.

4. Gestão coletiva.Práticas ligadas à participação dos educadores

e dos educandos na estrutura orgânica da escola,ajudando a tomar decisões, a administrar e co-mandar a execução das tarefas sob sua responsa-bilidade, a avaliar o desempenho de cada pessoa edo coletivo no conjunto dos tempos e espaçoseducativos da escola; também práticas de auto-organização dos educandos em vista de sua cole-tividade específica, e para viabilizar suas iniciati-vas de turma ou grupo de educandos. Em termosde quantidade e caracterização dos tempos depen-de muito do nível de participação dos educandos,

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de sua idade, das condições objetivas de cada es-cola, e do envolvimento da comunidade. Envol-vem tempo específico de reuniões em gruposmenores, plenárias de turma, assembléias da es-cola... Envolvem também tempos conjuntos coma comunidade, que também participa destes pro-cessos de gestão.

5. Atividades artísticas e lúdicas.Práticas que combinam desenvolvimento cul-

tural e lúdico. Em nosso caso, geralmente mis-turando a pedagogia do símbolo, do gesto, damística do Movimento, com o cultivo da neces-sária alegria de viver e de celebrar pequenas vitó-rias diante de conjunturas políticas desfavorá-veis. São práticas, em sua maioria celebrativas,que podem acontecer permeando outras práti-cas, outros tempos, ou ter momentos específicospara que aconteçam. É comum nas escolas doMST que o dia comece com um momento demística, onde se procura trazer presente a me-mória simbólica e a utopia que sustentam nossoMovimento, motivando educandos e educado-res para as tarefas que vêm a seguir... Também écomum que durante as aulas seja dedicado tem-po para canções ou outras expressões artísticasdo grupo. Em tempo específico acontecem, ge-ralmente a cada semana, as chamadas noites outardes culturais, onde os grupos de educandos ede educadores se esmeram em transformar suasvivências em arte e diversão. Há também as fes-tas, passeios, torneios esportivos, que trazem acomunidade para a escola e ajudam a fortaleceras relações afetivas entre todos.

Um desafio pedagógico importante que estaspráticas nos colocam é o de como integrá-las efe-tivamente no projeto educativo da escola (não vê-las como enfeites ou distração das tarefas sérias),mas sem tirá-las da agenda de gratuidade, em que

o ser humano aprende, mas pelo prazer da ação enão pelo compromisso prévio de educar-se.

6. Participação em ações do Movimento fora daescola.

Exatamente porque já sabemos que não é ape-nas dentro da escola que se aprende, e que o Mo-vimento tem sido nossa escola maior, a própriaescola pode provocar e organizar a participaçãode educandos e educadores em ações do movi-mento da luta maior. Pode ser integrar diretamentealgumas atividades de jornadas de lutas, partici-pando de marchas, atos públicos, acampamen-tos...; pode ser ajudar a organizar no próprio as-sentamento ou acampamento campanhas oucomemorações promovidas pelo MST; ou fazervisitas de solidariedade em acampamentos ou emlocais de pobreza das cidades; ou ainda participarde torneios esportivos ou gincanas da ReformaAgrária, que costumam envolver comunidadesSem Terra próximas... Depende do momento eda “conjuntura” de cada escola, de cada acampa-mento, de cada assentamento...

7. Sistematização das práticas.Registrar e refletir sobre as demais práticas é

também uma prática que ajuda a garantir a quali-dade do processo pedagógico. Em algumas denossas escolas isto quer dizer desde a organizaçãode um tempo diário específico, chamado de “re-flexão escrita”, até o desafio de elaboração siste-mática de textos sobre o cotidiano da escola, e arealização de pesquisas que resgatem a memória efaçam análises mais rigorosas do processoeducativo vivido na escola, ou fora dela. Em to-dos os lugares, no entanto, o maior desafio é fazerdesta prática um bom hábito dos educadores, demodo que a compreendam como parte de suaformação pedagógica...

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Page 264: Edição Especial - mstemdados.org (13).pdf · publicados no período de 1990 a 2001. A escolha não foi aleatória. Foi este o período em que o MST se dedicou a uma produção teórica

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