Edição especial energia national geographic - siemens

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EDIÇÃO ESPECIAL PORTUGAL ENERGIA O GRANDE DILEMA DO NOSSO FUTURO A hora de mudar DESAFIOS E SOLUÇÕES

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e d i Ç Ã O e s p e c i a l

PORTUGAL

EnErgIAO grAnDE DIlEmA DO nOSSO futurO

A hora de mudar

DESAfIOS E SOluÇÕES

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2 E n E rg IA E n E rg IA 3

A EnErgIA pArA mAntEr AcESA umA lâmpADA IncAn-DEScEntE DE 60 wAttS DurAntE um AnO cuStA cErcA DE cIncO EurOS. pArA umA lâmpADA DE tEcnOlOgIA

lED, O cuStO EquIvAlEntE SErIA DE 1,10 EurOS.Tyrone Turner

D Eis o futuro da luz. Alimentada apenas por oito watts de electricida-de, a lâmpada GeoBulb de C. Crane utiliza díodos emissores de luz (LED, da sigla em inglês) e “dedos” de malha de arame que dissipam o calor para emitir mais luz e menos calor do que uma lâmpada incandescente de 60 watts. Actualmente, estas lâmpadas são muito mais caras do que as incandescentes e a sua fiabilidade ainda está em teste, mas pode suceder que um dia ocupem um lugar de destaque entre os descendentes dos frágeis filamentos criados por Thomas Edison.

IlumInAr O cAmInHOa minha infância no estado do oregon (EUA), conservo vivas duas imagens: as montanhas cobertas de neve já com o Verão bem avançado e a quinta da minha família em Portland, dividida em duas por uma estrada asfaltada. As duas imagens traduzem o preço cada vez mais elevado que temos de pagar por termos desfrutado, durante décadas, de energia barata.

O degelo dessas montanhas próximas, que enchia os rios e as barragens hidroeléctricas da região, trazia energia eléctrica até minha casa: energia renovável, muito antes de esse se ter tornado um objectivo prioritário. No entanto, os verdadeiros reis eram os automóveis. Uma estrada dividiu em duas a nossa quinta de criação de ovelhas e a gasolina barata acabou por converter o campo num bairro residencial de pequenas moradias.

Hoje, as neves estão a recuar porque o Inverno é cada vez mais curto devido ao aumento da temperatura. As reservas de petróleo que fizeram crescer os subúrbios já não são tão seguras nem tão baratas. Presos na armadilha, precisamos de novas ideias e de novas tecnologias.

Esta edição especial da National Geographic explora esse desafio. Ao longo de 124 anos, a revista descreveu com rigor o ambiente em que vivemos. Actualmente, o nosso planeta está ameaçado pela dependência dos combustíveis fósseis. O que podemos conseguir, e com que rapidez, aplicando determinadas medidas de conservação? Podemos continuar a queimar carvão para produzir energia sem que a emissão dos gases de efeito de estufa dispare? O que faria falta para explorar a imensa fortuna energética que se derrama, todos os dias, sobre a face da Terra sob a forma de luz solar e vento?

O preço do petróleo flutuou muito devido às recentes turbulências eco-nómicas e políticas, mas continuará a aumentar no futuro. A menos que aprendamos a alimentar o nosso planeta com outras formas de energia, talvez os nossos netos não saibam o que é viver em abundância energética, nem conheçam as neves generosas que iluminaram a minha infância.

Perito da National Geographic em temas de ciência e ambiente

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E n E rg IA 5PeTer eSSICK

a comodidade do fogo é também a sua maldição. Desde que os seres humanos aprenderam a dominar o calor, a luz e o poder das chamas, o seu desejo de possuir estas três formas de energia não parou de crescer. Um desejo incon-trolado que conduziu a excessos perigosos e que produz agora consequências sobre a Terra. O carvão, o petróleo e o gás natural cobrem cerca de 80% das necessidades de ener-gia do mundo e produzem a maioria das emissões de dió-xido de carbono (CO2) e outros gases com efeito de estufa que estão a aquecer o planeta. Segundo um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), a procura poderá aumentar quase 50% até ao ano 2030, com o consequente aumento das emissões, uma tendência que, se não se alterar, poderá elevar em 6ºC a temperatura média mundial.

O relatório conclui que a tendência é “manifestamente insustentável, tanto para o ambiente como do ponto de vista económico e social”. Para desabituar a humanidade da sua dependência dos combustíveis fósseis será precisa nada menos do que uma “revolução energética mundial”, diz Nobuo Tanaka, que foi director-executivo da AIE até Setembro de 2011. Isso será possível se o mundo investir maciçamente em energias renováveis, reduzir as emissões de carbono, melhorar a eficiência e apagar umas quantas luzes. Acontecerá? “Veremos”, diz ele.

Em muitos países em desenvolvimento, centenas de milhões de pessoas obtêm mais de 75% dos seus recursos energéticos a partir da lenha. Apesar de as partículas e as toxinas do fumo poderem ser noci- vas para a saúde, a lenha é barata e renovável, e as suas emissões de gases com efeito de estufa são baixas, ao contrário do carvão, do petróleo e do gás natural.

O nOSSO DESAfIO EnErgÉtIcOO mundo começa a reconhecer a sua dependência dos combustíveis fósseis baratos e abundantes.

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E n E rg IA 7dIreCTIonal: Image CredIT goeS heredIreCTIonal: Image CredIT goeS here

A central eléctrica Hunter, do Utah, alimenta a rede do Oeste dos Estados Unidos e está em plena expansão. Consome 14 mil toneladas de carvão por dia. Abundante e acessível, o carvão gera metade da energia eléctrica daquele país, mas também aquece o planeta. Em 2007, as centrais térmicas dos Estados Unidos libertaram para a atmosfera 2.400 milhões de toneladas de dióxido de carbono, superadas apenas pela China.

1

46 por cento – percenta-gem da produção mundial de antracite correspondente à China, o principal produtor.

Quantidade de carvão necessária para fornecer energia eléctrica a um lar nos Estados Unidos durante dois meses.

tonelada

264 mil milhões Número de toneladas correspondentes às reservas de carvão dos Estados Unidos. Ao ritmo de consumo actual, durariam cerca de 225 anos.

6 E n E rgÍAleSTer lefKowITz / CorbIS

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E n E rg IA 9

A majestosa torre Jin Mao de Xangai domina o novo distrito financeiro, onde pratica-mente todos os edifícios têm menos de 20 anos. Para fomentar a urbanização e o rápido crescimento da economia, a China quadruplicou a sua produção eléctrica entre 1990 e 2006. Provavelmente, o valor voltará a duplicar antes de 2020, à medida que as cidades continuarem a acender mais luzes.

frITz hoffmann

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10 E n E rg IA E n E rg IA 11Sarah leen

As imagens sísmicas da Empresa Petrolífera Anadarko, do Texas, mostram uma secção transversal tridimensional da Terra a uma profundida-de de 3.000 metros, sob o leito do golfo do México, onde olhos treinados podem detectar possíveis “armadilhas”, bolsas de petróleo ou gás. Este tipo de técnicas vanguardistas é cada vez mais decisivo, à medida que as reservas diminuem.

vOlumE DAS rESErvAS munDIAIS DOcumEn-tADAS DE pEtrÓlEO E gÁS nAturAl lÍquIDOS: 1,2 BIlIÕES DE BArrIS. tEmpO quE O munDO DEmOrOu pArA cOnSumIr O SEu prImEIrO BIlIÃO DE BArrIS DE pEtrÓlEO: 140 AnOS. tEmpO quE DEmOrArÁ pArA cOnSumIr O BIlIÃO SEguIntE: 30 AnOS. A quAntIDADE DE gÁS nAturAl nEcESSÁrIA pArA EXtrAIr um ÚnIcO BArrIl DE pEtrÓlEO DAS ArEIAS BEtu-mInOSAS cAnADIAnAS pODErIA AquEcEr umA cASA nOrtE-AmErIcAnA mÉDIA DurAntE quA-trO DIAS. AtÉ 2008, A cAlIfÓrnIA cOnSumIu mAIS gASOlInA DO quE quAlquEr OutrO pAÍS DO munDO (SEm cOntAr OBvIAmEntE cOm OS EuA), IncluInDO A cHInA. cErcA DE DOIS tEr-ÇOS DE tODA A EnErgIA É cOnSumIDA nAS ÁrEAS urBAnAS, EmBOrA ApEnAS mEtADE DA pOpulAÇÃO DO munDO vIvA Em cIDADES.

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Garrafões de gasolina aguardam comprador numa rua poeirenta da cidade de Doba, próxima dos campos petrolíferos do Chade. A nascente indústria petrolífera do país, que começou a exportar crude em 2003, depositou mais de 2.200 milhões de euros nos cofres do Estado. O governo, contudo, não cumpriu a promessa de destinar 70% das receitas do petróleo à ajuda aos mais necessitados, que só recebem uma parte mínima desta enorme riqueza.

12 E n E rgÍA PaSCal maITre

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14 E n E rg IA E n E rg IA 15mISha gravenor

Pronto para a produção em série, o Aptera eléctrico converte em realidade as promessas de inovação. Elegante e veloz, consome o equivalente a pouco mais de um litro de gasolina por 100 quilómetros em velocidade de auto-estrada. Tem uma autonomia de mais de 160 quilómetros com uma única carga e gasta cerca de um euro por dia em electricidade, uma vantagem para o bolso e para o planeta.

14 E n E rgÍA

BArAcK OBAmA AfIrmOu quE gOStArIA DE vEr um mIlHÃO DE vEÍculOS ElÉctrIcOS nAS EStrADAS AntES DE 2015. AO prEÇO ActuAl DA ElEctrIcIDADE, O cuStO DE fAZEr funcIOnAr um cArrO ElÉctrIcO nOS EStADOS unIDOS EquIvAlE A pAgAr O lItrO DA gASOlInA A 14 cÊntImOS. O HAwAI, quE DEpEnDE DO pEtrÓlEO EStrAngEIrO pArA cOlmAtAr A mAIOr pArtE DAS SuAS nEcESSIDADES EnErgÉtIcAS, prEvÊ InStAlAr EStAÇÕES DE SErvIÇO ElÉctrIcAS pArA rEDuZIr Em 70% O uSO DE cOmBuStÍvEIS fÓSSEIS AntES DE 2030. AS EnErgIAS rEnOvÁvEIS rEprESEntAvAm 18% DO tOtAl DA prODuÇÃO ElÉctrIcA munDIAl Em 2007, um vAlOr quE pODErÁ DuplIcAr AtÉ 2030. O cArvÃO cOntInuA A DOmInAr E, DE AcOrDO cOm AS prEvISÕES, A SuA prODuÇÃO AumEntArÁ AtÉ 60% nOS prÓXImOS 25 AnOS.

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E n E rg IA 17mIChael melford16 E n E rg IA

Para captar o sol em grande escala, a central solar Nevada Solar One “semeou” mais de cem hectares de deserto com espelhos parabóli- cos. Concentram assim o calor do sol para gerar vapor que, por sua vez, accionará turbinas para produzir energia. Com uma produção capaz de abastecer 14 mil lares, é uma das maiores centrais termoeléctri-cas do mundo.

182.000

7,3Por cento — percenta-gem de crescimento anual da capacidade instalada das energias renováveis, a fonte de energia que cresce mais rapidamente.

Número de espelhos parabólicos que giram seguindo o percurso do Sol na Nevada Solar One, a central solar que a empresa espanhola Acciona construiu no Nevada, EUA (à direita).

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E n E rg IA 19mIChael runKel / geTTy ImageS18 E n E rg IA

No deserto do Saara, um painel solar fornece energia a uma casa tradicional argelina. Apesar de ser o continente com maior potencial fotovoltaico e solar térmico, 70% da população em África não tem acesso à rede eléctrica. Várias empresas internacionais planeiam instalar enormes centrais de energia solar na área subsariana, com o objectivo de satisfazer as necessidades energéticas dos países industrializados.

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20 E n E rg IA E n E rg IA 21eugene KowaluK / CorTeSIa do laboraTórIo de energIa laSer da unIverSIdade de roCheSTer

Raios laser fazem explodir uma esfera diminuta de isótopos congelados de hidrogénio, numa experiência de fusão realizada no Laboratório de Energia Laser da Universidade de Rochester. Com picos de geração de 30 terawatts (cerca de 30 vezes mais do que o total da capacidade eléctrica dos Estados Unidos) durante um mil milionésimo de segundo, os 60 raios convergentes podem aquecer um alvo a mais de vinte milhões de graus e comprimi-lo com a força de milhares de milhões de atmos- feras. Os investigadores esperam demonstrar que a implosão resultante pode produzir um ganho líquido de energia de fusão, o que representaria uma fonte inesgotável de energia.

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22 E n E rg IA ralPh orlowSKI / geTTy ImageS

Teremos de demonstrar perícia se quisermos sair daqui. O desfecho do dilema decidirá se este sécu-lo passará à história como uma época de progresso continuado ou como o início de uma longa e inexorável decadência. No fundo, vamos saber se poderemos salvar este lar que é o nosso planeta.

A energia não é apenas mais um elemento da nossa economia. Para todos os efeitos, ela é a economia. O economista John May-nard Keynes disse certa vez que o nível de vida da maioria da humanidade tinha, na melhor das hipóteses, duplicado no tempo decorrido desde os primórdios da espécie até ao início do século XVIII, quando aprendemos a usar carvão para operar as máquinas. A partir daí, foi como se tivéssemos esfregado uma lâmpada da qual saiu um génio disposto a trabalhar para nós a um preço razoá-vel. Subitamente, no Ocidente consumidor de energia, o nível de vida começou a duplicar com intervalos de algumas décadas.

Deixámos de depender exclusivamente da energia que podíamos captar para alimentar os nossos músculos e os dos nossos animais de carga, bem como do vento que soprava as velas dos nossos barcos quando o Sol aquecia algum ponto do planeta e criava uma diferença de pressão. De repente, tínhamos à nossa disposição um capital enorme: os depósitos de fetos, plâncton e dinossauros acumulados durante milhões de anos, que o tempo havia compri-mido até convertê-los em carvão, gás e petróleo. Éramos, quase literalmente, os felizes herdeiros de um antepassado muito rico que morreu há muito tempo e cujo testamento acabava de ser revelado. E começámos a gastar sem pensar duas vezes. Esse esban-jamento converteu-nos no que somos. Cada uma das nossas revo-luções (a industrial, a química, a electrónica e até a da informação) é tributária desse novo sangue que corre agora nas veias da nossa economia. A revolução do consumo é porventura a que mais lhe deve. A nossa expansão urbanística descontrolada revelou-se a maneira definitiva de multiplicar o consumo de combustível. As casas cada vez maiores, com mais electrodomésticos e ligadas entre si por carros cada vez maiores e mais vazios fizeram que os con-tadores da electricidade e das bombas de gasolina girassem mais rápido do que nunca. E qual foi a imagem que o nosso Ocidente desenvolvido enviou para o resto do mundo através do cinema e da televisão? Precisamente a do conforto. Não é de estranhar que todos quisessem juntar-se à festa.

por Bill mcKibben

Na cidade alemã de Bergheim, as torres de refrigeração da central térmica de Niederaus-sem dominam a paisa- gem. Este gigante forne- ce electricidade a mais de vinte milhões de pessoas. O carvão proporciona 41% da energia eléctrica, mas produz emissões de mercúrio, dióxido de enxofre e outras substâncias tóxicas.

O nOSSO DESAfIO EnErgÉtIcO

Estamos presos entre um subsolo esgotado e uma atmosfera sobreaquecida.

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anteriormente tínhamos considerado ou porven-tura tínhamos equacionado apenas uma vez: nos piores momentos do terror nuclear.

O prestigiado climatólogo James Hansen, da NASA, forneceu-nos um número para definir a nova condição crítica da vida tal como a conhe-cemos. James e os seus colaboradores estudaram a relação histórica entre o carbono atmosférico e fenómenos como o aumento do nível do mar (durante toda a história humana até ao início da revolução industrial, o ar não conteve mais de 275

partes por milhão de CO2) e depois analisaram os dados mais recentes do planeta. A sua conclusão: “Se a humanidade deseja conservar o planeta em que a civilização se desenvolveu e ao qual a vida na Terra está adaptada […], será preciso reduzir o CO2 dos seus actuais 385 ppm para um máxi-mo de 350 ppm.” O número actual é demasiado elevado e é por isso que o Árctico está a fundir. O aquecimento do planeta não é um problema para o futuro, mas sim uma crise do presente.

Instantaneamente, 350 converteu-se no nú-mero mais importante do globo, o limiar da ân-sia de todo um planeta. Voltar pouco a pouco a esse nível exigirá adoptar alterações de uma magnitude difícil de imaginar. Segundo James Hansen, em 2030 não se deveria queimar car-vão em nenhuma parte do planeta e, no mundo desenvolvido, a meta deveria ser atingida antes dessa data. O abandono da economia dos com-bustíveis fósseis implicará a perda de enormes investimentos em tecnologia antiga à qual ainda restam várias décadas de vida útil. Teremos de deixar de resgatar instituições financeiras para começar a resgatar centrais térmicas de carvão. E a menos que alguém tenha um plano para convencer o mundo de que na realidade não ne-cessita de frigoríficos, também teremos de en-contrar outras fontes que nos ofereçam toda essa energia. Essa é a tarefa da nossa geração.

fenómeno de retroalimentação. A fusão do solo permanentemente gelado (permafrost) na tundra setentrional, por exemplo, liberta para a atmos-fera mais dióxido de carbono e metano, outro gás de efeito de estufa. As estações mais quentes resultantes favorecem a difusão de pragas que acabam com milhões de hectares de árvores, e os incêndios alimentados pela madeira morta acres-centam mais nuvens de carbono à atmosfera. Não os produzimos directamente, mas na origem estamos nós novamente. É evidente que os nos-sos carros e fábricas iniciaram uma reacção em cadeia à escala mundial, o que, em retrospectiva, não deveria surpreender-nos. No fim de contas, pegámos em todo aquele carbono acumulado ao longo de milhões de anos (o plâncton e os antigos fetos armazenados) e libertámo-lo na atmosfera no espaço de algumas gerações. Como pudemos esperar que os problemas não emergissem?

Inclusivamente agora, somente duas décadas depois de os meios de comunicação terem come-çado a falar do aquecimento global, estamos cla-ramente à beira de uma série de pontos de infle-xão. Os dados prevêem um aumento rápido dos períodos secos (porque o ar quente retém mais vapor de água do que o ar frio) e o consequente aumento de chuvas torrenciais e inundações (o que sobe tem de descer), assim como uma ex-pansão chocante dos mosquitos transmissores de doenças e uma redução drástica dos glaciares que dão de beber às cidades andinas ou ao sub-continente da Índia. Talvez mais ominosos ainda são os dados sobre os grandes campos de gelo da Gronelândia e do Oeste da Antárctida, que nos estão a obrigar a redefinir a expressão “ve-locidade glaciar”. Escavadas inferiormente por mares cada vez mais quentes, as camadas geladas estão a deslizar até ao oceano. Segundo estudos recentes, um aumento de dois metros do nível do mar está dentro da esfera de possibilidades no decurso deste século. Seria um duro teste para a civilização porque converteria a maioria das ci-dades costeiras do mundo num equivalente de Nova Orleães após o furacão Katrina, e grande parte das terras mais férteis em algo semelhan-te ao delta do Ayerawaddy, em Myanmar, onde em 2008 o tufão Nargis inundou os arrozais com água do mar. Esta perspectiva coloca em dúvida a actividade humana de uma maneira que nunca

O carvão é o mais sujo dos combustíveis: quando arde, liberta para a atmosfera grandes quantidades de cO2.

No início, a ideia não pareceu má. O “plano A” para a espécie humana era que todos seríamos ricos mais tarde ou mais cedo, passando por essa etapa de escravidão energética que havia funcio-nado tão bem para os países industrializados. Claro que surgiriam problemas pelo caminho. As primeiras gerações de centrais térmicas de carvão produziriam grandes nuvens de contaminação em Pequim, tal como tinha sucedido no passado na Grã-Bretanha, e as vastas frotas de veículos poluiriam o céu da China, como havia aconteci-do na Califórnia. Mas com alguma rapidez, à medida que o aumento da energia produzisse mais riqueza, também nesses lugares haveria dinheiro para instalar filtros nas chaminés e cata-lisadores nos tubos de escape e em pouco tempo o ar voltaria a estar limpo.

Tudo parecia estar a funcionar de acordo com o planeado. Durante a década de 1990, a nossa prosperidade e o nosso modelo de uso maciço de energia começaram a estender-se para a Ásia. Mas havia dois pequenos problemas – pormenores que anteriormente não tínhamos considerado e que, na realidade, não queríamos ter em conta, apesar de serem cada vez mais evidentes. Há vinte anos, os poucos que pensavam no aquecimento global viam-no como uma ameaça improvável e longín-qua. No início do novo século, a maioria das pes-soas não tinha ouvido falar do pico do petróleo. Agora os dois conceitos são as duas faces de uma ameaça cada vez mais premente, que limita as alter-nativas num momento em que precisamos deses-peradamente delas. Se os analisarmos com cuidado, talvez nos mostrem a cara com que o futuro se nos apresenta: parte da energia que neces-sitamos esgotar-se-á e não poderemos usar o res-to sob risco de destruirmos a atmosfera. Será um futuro muito diferente do que tínhamos pensado.

Um pouco de matemática mostrar-nos-á a causa. Alguns peritos prevêem que o consumo mundial de energia aumentará 50% até 2030. É um bom número redondo para resumir o dese-jo de frigoríficos, televisores, cubos de gelo, ham-búrgueres e motocicletas das pessoas de todo o planeta e talvez também de um pequeno aparelho de ar condicionado nos trópicos.

O que não está claro é de onde sairá toda essa energia, uma vez que vivemos na época em que o petróleo está a começar a esgotar-se. Em Novem-

bro de 2008, a Agência Internacional de Energia calculou que a produção dos jazigos de petróleo maduros do mundo estava a sofrer uma diminui-ção anual de 6,7%, um ritmo que provavelmente piorará com o tempo. Para compensar esse declí-nio seria preciso encontrar todos os anos a pro-dução de um novo Koweit ou explorar a fundo os jazigos conhecidos. Muitos observadores pensam que já deixámos para trás o auge da produção petrolífera; os mais optimistas crêem que é uma questão de anos. Mas o futuro não oferece muitas dúvidas. O preço do barril de crude já flutuou em função de crises e entusiasmos no mercado, mas manter-se-á alto. E o preço da gasolina terá de acompanhar essa evolução.

Quais são as opções? Há os outros combustí-veis fósseis. Mas o gás natural não durará muito mais. O substituto mais óbvio é o carvão, do qual ainda restam reservas, mas a sua utilização con-duz-nos directamente à outra face do problema. Este é o mais sujo dos combustíveis; quando arde, liberta para a atmosfera quantidades muito gran-des de dióxido de carbono, o principal culpado do aquecimento global que, tal como o pico do petróleo, está a chegar muito mais rapidamente do que gostaríamos.

No Verão de 2007, por exemplo, o Árctico derreteu. No final do Verão, havia cerca de 22% menos de gelo marinho do que em toda a histó-ria desde que existem registos. Um degelo seme-lhante, no Verão seguinte, abriu brevemente e de forma simultânea as passagens do Noroeste e do Nordeste, o que deu pela primeira vez ao ser hu-mano a oportunidade de circum-navegar todo o Árctico em águas abertas. Este degelo antecipou---se trinta anos às previsões efectuadas pelos mo-delos informáticos do aquecimento global e foi uma confirmação de que estamos efectivamente a aquecer o planeta. Não há outra explicação. Pior ainda: o degelo faz parte de uma cadeia de fenó-menos retroalimentados que amplificam o aque-cimento: em vez do bonito manto de gelo que cobria o Árctico, um espelho que reflectia 80% da radiação solar incidente e a devolvia ao espaço, de repente temos grandes extensões azuis de água que absorvem 80% dos raios do sol.

Nós pusemos o aquecimento em marcha, mas agora a natureza encarregou-se do assunto e está a trabalhar por sua conta. E este não é o único

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PANAMÁ2

CANADÁ59.312

ESTADOSUNIDOS

1.010.554

URUGUAI3

ARÁBIASAUDITA

21 GEÓRGIA23

FIJI 12

ARMÉNIA 70

MOLDÁVIA110

ALBÂNIA117

ISLÂNDIA153

LUXEMBURGO153

LETÓNIA168

SUÍÇA 171

BIELORRÚSSIA 230 LITUÂNIA 408

CROÁCIA 915 NORUEGA 1.012

IRLANDA 2.908 SUÉCIA 3.484

REINOUNIDO67.320

POLÓNIA140.434

RÚSSIA223.571

ALEMANHA244.459

ESLOVÉNIA5.230

PORTUGAL5.476

ÁUSTRIA5.936

MACEDÓNIA6.091

BÉLGICA7.416

FINLÂNDIA8.192

ESLOVÁQUIA8.390

DINAMARCA8.481

BÓSNIA --HERZEGOVINA

9.124

HUNGRIA11.825

HOLANDA12.338

ESTÓNIA14.454

FRANÇA22.827

ITÁLIA25.204

BULGÁRIA27.901

ROMÉNIA38.066

ESPANHA38.659

SÉRVIA EMONTENEGRO

39.750

REP. CHECA58.525

UCRÂNIA66.095

GRÉCIA66.799

CHINA2.355.783

ÍNDIA499.601

JAPÃO179.299

COREIA85.378

TURQUIA78.299

CAZAQUISTÃO69.082

TAIWAN63.539

TAILÂNDIA28.641

INDONÉSIA21.837

VIETNAME18.705

ISRAEL12.175

MALÁSIA 11.923

FILIPINAS 10.146

PAQUISTÃO 7.539

MONGÓLIA 5.693

USBEQUISTÃO 3.050

IRÃO 1.930QUIRGUÍZIA 907

NEPAL 302MYANMAR 239

LÍBANO 200

LAOS 120

SRI LANKA 101TAJIQUISTÃO 95

BUTÃO 65AFEGANISTÃO

33

SINGAPURA7

SÍRIA9

MÉXICO19.105

REPÚBLICADOMINICANA 398

GUATEMALA 396

ILHAS VIRGENS EUA 290 HONDURAS 130

NICARÁGUA 115JAMAICA 32

CUBA30

ELSALVADOR

2COSTARICA

2

ÁFRICA SUL176.548

MARROCOS4.625

ZIMBABWE3.266

EGIPTO1.130

BOTSWANA 938

ARGÉLIA 409MAURÍCIA 330

REP. DEM. DO CONGO 306SUAZILÂNDIA 220

NÍGER 178ZÂMBIA 171

SENEGAL 160QUÉNIA 140

TANZÂNIA 68

MOÇAMBIQUE23

MADAGÁSCAR10

NIGÉRIA8

MALAWI2

NAMÍBIA4

BRASIL21.461

CHILE4.732

COLÔMBIA4.011

PERU1.140

ARGENTINA822

VENEZUELA70

AUSTRÁLIA141.878

NOVAZELÂNDA

3.135

NOVACALEDÓNIA

300

COREIADO NORTE

33.437

BANGLADESH 700

EUROPA1.172.462

ÁSIA3.488.879

AMÉRICADO NORTE

1.090.368

ÁFRICA188.536

AMÉRICADO SUL

32.239

OCEÂNIA145.325

cOnSumO DE cArvÃODe 1980 a 2006, o consumo de carvão aumentou dois terços, igualando o ritmo do consumo total de energia. Na China, o uso de carvão triplicou.

CONSUMO TOTAL DE CARVÃOMILHÕES DE TONELADAS, 2006

EUROPA

AMÉRICA DO NORTEÁFRICAAMÉRICA DO SULOCEÂNIA

ÁSIA

26 E n E rgÍA

pODEmOS lImpAr O cArvÃO? Como parte do plano para fomentar a independência energética e

combater as alterações climáticas, barack obama prometeu

“desenvolver e aplicar tecnologia limpa para o uso do carvão”. no

entanto, o prémio nobel al gore e outros peritos argumentam que

o conceito de “carvão limpo” é em si mesmo contraditório. Quem

tem razão? Tudo depende da definição de “limpo”. essa fonte de

energia contém uma grande quantidade de contaminantes, em

especial dióxido de enxofre, azoto e vestígios de mercúrio. há

muito tempo que o enxofre é eliminado através da trituração e

lavagem do carvão antes da sua queima e do uso de filtros nas

chaminés para captar os resíduos. mediante os sistemas modernos

de leito fluidizado, que queimam o carvão a temperaturas

relativamente baixas, reduzindo assim a formação de óxido de

azoto (smog), as centrais que usam este combustível eliminam

95% ou mais dos contaminantes que causam chuva ácida. Talvez

isso seja “limpo” em comparação com os dados do passado, mas

serve de pouco para neutralizar outra ameaça: o Co2, o elemento

que mais aquece o planeta. os partidários do uso do carvão

apregoam agora o conceito de “captura e armazenamento do

carbono”, que consiste em extrair o Co2, enviá-lo através de

tubagens para uma área de acumulação e injectá-lo no subsolo,

um processo que poderia reduzir 90% das emissões de Co2.

os críticos assinalam que a captura de carbono também reduz a

eficiência das centrais, o que aumenta a procura de combustível

em 50%. obama disse que ainda não dispomos da tecnologia

necessária para limpar o carvão de maneira eficiente, mas o

investimento de 150 mil milhões de dólares em tecnologias limpas

previsto pelo seu governo poderia mudar as coisas.

SOluÇÕES

fonTe do grÁfICo: agênCIa de Informação de energIa

Page 16: Edição especial energia national geographic - siemens

E n E rg IA 29Sam robInSon / geTTy ImageS28 E n E rg IA

o que aconteceria se todo o sangue do nosso corpo circulasse numa única direcção? foi mais ou menos

isso que sucedeu no “organismo eléctrico” dos países industrializados desde que se criou, há mais de um

século, a rede eléctrica: um gigantesco sistema unidireccional de centrais que alimentam subestações, a

partir das quais esse sangue vital é canalizado através de linhas de alta tensão (à direita) até à economia,

mas com escassa capacidade de reabastecer ou de conhecer as suas pulsações durante o trajecto.

Contudo, tudo isso está a mudar, porque a procura de eficiência energética empurra as companhias para

a construção de uma rede “inteligente”. em vez do sistema antiquado que simplesmente distribui energia

aos utilizadores, uma rede inteligente permite que estes produzam parte da sua electricidade (e inclusiva-

mente devolvam a restante ao sistema, para que outros a usem) mediante instalações domésticas de

energia eólica e solar, bem como outros microgeradores. uma rede inteligente caracteriza-se, além disso,

pela capacidade de calcular a “distribuição”, como acontece com a Internet, que se ajusta em função das

necessidades do momento. Por exemplo, poderia programar-se uma máquina de lavar para se ligar

quando a rede indicasse que está num momento de baixa procura, quando o preço do consumo é menor.

Se uma central sofresse uma avaria, pequenas “ilhas” de distribuição da potência (desde painéis fotovol-

taicos nos telhados das casas até células de armazenamento de energia) poderiam ocupar o seu lugar,

pelo menos para manter os serviços mínimos como os semáforos nas ruas e os quartéis de bombeiros.

o resultado final seria uma rede que faria coincidir o fornecimento com a procura, o que aumentaria

a eficiência e reduziria a necessidade de construir mais centrais eléctricas.

O quE É umA rEDE IntElIgEntE?

SOluÇÕES

Page 17: Edição especial energia national geographic - siemens

30 E n E rg IA E n E rg IA 3130 E n E rg IA E n E rg IA 31

As instalações da BASF em Ludwigshafen (Alemanha) empregam 33 mil trabalhadores e consomem um volume de energia que poderia iluminar dois milhões de habitações e aquecer outro meio milhão. A BASF actua em todo o sector energético: perfura em busca de petróleo, produz polímeros plásticos e uma miríade de outros produtos e desenvolve projectos verdes que favorecem o desenvolvimento sustentável.

um gesto simples: carregamos num botão ou num inter-ruptor e acende-se a lâmpada, o televisor, o termóstato ou o carro. Acções simples ao alcance da mão, multiplicadas por milhões de mãos, que bebem de longínquas fontes de ener-gia como centrais eléctricas de carvão, refinarias de petróleo, centrais nucleares ou turbinas hidroeléctricas. Para o bem ou para o mal, essas fontes fazem funcionar grande parte do nosso mundo. Custos ambientais à parte, o preço económi-co de carregar no interruptor varia segundo as oscilações do preço das matérias-primas, os problemas de transporte ou de transmissão e outras questões políticas que escapam ao nosso controlo.

No entanto, quase tudo o que requer energia (as casas, os escritórios, as fábricas, os tractores e os automóveis) poderia funcionar de maneira mais económica e eficiente, aplicando um pouco de senso comum. Isolar melhor as casas, ajustar os termóstatos, levantar o pé do acelerador. Sem esquecer as técnicas inovadoras e os esboços avançados que estão a sur-gir no vasto horizonte da energia, desde a sua oferta e pro-cura até à sua conservação.

Sucede com a energia o mesmo que com as calorias. É necessário consumi-la, mas com prudência. Consumamos apenas o necessário, tomemos decisões saudáveis, reduzamos ao mínimo o desperdício. Vivamos bem.

A EnErgIA nAS nOSSAS vIDAS

baSf

Page 18: Edição especial energia national geographic - siemens

32 E n E rg IA E n E rg IA 33maTTIaS Klum (no ToPo); george STeInmeTz (em CIma) fonTe: agênCIa InTernaCIonal de energIa, serviço de dados oNLiNe, emissões de Co2 Por Uso de CombUstíveis © 2008

ÁFR

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DO

SU

L 4

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38

RES

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FRIC

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50

ESTA

DOS

UNID

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633

CANADÁ 99

MÉXICO 60

RESTO DA AMÉRICA

DO NORTE 17

TRINDADE E TOBAGO 1

6

BRASIL 98

VENEZUELA 39

ARGENTINA 27

CHILE 19

COLÔMBIA 18

RESTO DA AMÉRICA

DO SUL 14

RÚSSIA 222

ALEMANHA 118

ITÁLIA 79

UCRÂNIA 94

FRANÇA 72REINO UNIDO 64

ESPANHA 63POLÓNIA 39

HOLANDA 37

BÉLGICA 35

REPÚBLICA CHECA 23

ÁUSTRIA 15

ROMÉNIA 21

RESTO DA EUROPA 134

CHINA 1.766

JAPÃO 292

ÍNDIA 284

INDONÉSIA 96

COREIA DO SUL 95

ARÁBIA SAUDITA 79

IRÃO 76TAILÂNDIA 63

TAIWAN 63

TURQUIA 63

COREIA DO

NORTE 48

PAQUISTÃO

42M

ALÁSIA 39C

AZAQU

ISTÃO 37

VIETNAM

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OS 28

IRAQ

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21R

ESTO D

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15

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ND

IA 5

AUSTR

ÁLIA

48

Um operário carrega troncos da floresta tropical do Bornéu (à direita) destinados ao fabrico de contraplacados. As plantações de palmeira que substituem estas florestas autóctones fornecem óleo para detergentes, cosméticos e biocombustíveis. Na China, a enorme siderurgia Anshan (em baixo), a maior produtora de aço do mundo, vendeu recente-mente créditos de emissões de gases por um volume equivalente a 13 milhões de toneladas de carbono. Destinará as receitas à redução da poluição atmosférica.

EmISSÕES DA InDÚStrIAEste gráfico compara as emissões industriais de CO2 de diferentes países, mas não conta a história toda. Por exemplo, o contributo do Canadá parece modesto, porque 60% da sua electricidade provém de centrais hidroeléctricas que não contribuem para as emissões de carbono. No entanto, este país é o principal exportador de petróleo para os Estados Unidos e metade desse combustível provém de areias betuminosas processadas com grandes quantidades de água e gás natural, o que implica a degradação dos recursos e emissões consideráveis de CO2.

A EnErgIA nAS nOSSAS vIDAS InDÚStrIA

EMISSÕES ANUAIS DE CO2 POR COMBUSTÍVELUTILIZADO NA INDÚSTRIAEM MILHÕES DE TONELADAS, 2006

ÁFRICAAMÉRICA DO NORTEAMÉRICA DO SULEUROPAÁSIAOCEÂNIA

Page 19: Edição especial energia national geographic - siemens

34 E n E rg IA E n E rg IA 35E n E rg IA 35

Comprometido com a eficiência, Roger Duncan, director-geral da Austin Energy, aposta nos electrodo-mésticos que poupam energia. Esta central eléctrica do Texas oferece descontos na compra de aparelhos de baixo consumo e no isolamento das casas, reduzindo a factura da electricida-de e aquecimento dos seus clientes e diminuindo a procura de energia. A central também produz energia eólica e solar térmica e tem planos para explorar o gás metano dos aterros sanitários. Talvez isso seja suficiente para adiar a construção de novas centrais convencionais.

A EnErgIA nAS nOSSAS vIDAS Em cASA

Tyrone Turner

Page 20: Edição especial energia national geographic - siemens

36 E n E rg IA E n E rg IA 37Tyrone Turner (no ToPo); aShley CooPer / CorbIS (em CIma) fonTe: agênCIa InTernaCIonal da energIa, serviço de dados oNLiNe, emissões de Co2 Por Uso de CombUstíveis © 2008

1.000 kg

2.000 kg

3.000 kg

4.000 kg

5.000 kg

6.000 kg

CHIN

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REPÚBLICA CHECA

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BÉLGICA

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LÍBIAHOLANDAANTILHAS HOLANDESAS

ÁUSTRIAHUNGRIASUÍÇATAIWANAZERBAIJÃOJAPÃOESLOVÉNIA

COREIA DO SUL

BÓSNIA-HERZEGOVINA

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ÃOCHILETA

ILÂNDIAURUGUAIIRAQUEGABÃO

MARROCOSBOTSWANA

INDONÉSIAGEÓRGIAPANAMÁBOLÍVIAIÉMENNORUEGAÍNDIA PAQUISTÃO

VIETNAMECOLÔMBIAHONDURAS

EL SALVADORPERU

ZIMBABWE

FILIPINAS

CAMBOJA

BRASIL

GUATEMALA

ARMÉNIA

BENIN

NICARÁGUA

ALBÂNIA

SENEGAL

BANGLADESH

QUIRGUÍZIA

COSTA DO MARFIM

COSTA RICA

NIGÉRIA

SRI LANKAGANA

SUDÃOANGO

LAQ

UÉNIAISLÂNDIA

HAITIERITREIA

PARAGUAI

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EMISSÕES ANUAIS DE CO2 PORCONSUMO DOMÉSTICO DE ELECTRICIDADE E COMBUSTÍVEIS FÓSSEISEM KG POR HABITANTE, 2006

ÁSIAAMÉRICA DO NORTEEUROPAOCEÂNIAÁFRICAAMÉRICA DO SUL

EMISSÕES POR CONSUMO DOMÉSTICO DE ELECTRICIDADE, PETRÓLEO, GÁS NATURAL, CARVÃO E TURFA

EmISSÕES DOmÉStIcASAs emissões de CO2 por consumo doméstico de electricidade e combustíveis fósseis variam de forma considerável de um país para outro, segundo o clima local e as condições económicas. O gráfico não inclui alguns combustíveis, como a lenha, cujo uso está muito difundido nos países em desenvolvi-mento e que alterariam a classificação final.

O isolamento injectado é uma maneira eficaz e económica de poupar ener-gia e dinheiro, sobretudo quando é fornecido gratuitamente às habitações de baixo custo (à direita). A urbanização Beddington Zero Energy Development ou BedZED, em Londres (em baixo), mais técnica, é uma tentativa de reduzir a zero a emissão de carbono mediante isolamento, ventilação com recupera-ção de calor, aquecimento solar passivo, painéis fotovoltaicos, iluminação de baixo consumo e electrodomésticos que poupam energia.

A EnErgIA nAS nOSSAS vIDAS Em cASA

Page 21: Edição especial energia national geographic - siemens

38 E n E rg IA E n E rg IA 39E n E rg IA 39

Em época de colheita, na Normandia (França), as enormes ceifeiras consomem grandes quantidades de combustível. Apesar disso, a eficiência deste tipo de maquinaria agrícola contribuiu para reduzir o custo dos produtos mais básicos. Até chegar ao consumidor, porém, há outros custos energéticos na cadeia de valor: o transporte, a moagem, o empacotamento, a distribuição e o armazenamento, assim como os custos associados de manutenção, salários, aquecimento e iluminação dos pontos de venda.

A EnErgIA nAS nOSSAS vIDAS AgrIculturA

franCIS Cormon / gTreS

Page 22: Edição especial energia national geographic - siemens

40 E n E rg IA E n E rg IA 4125

MIL

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50 M

ILHÕES

DE

TONEL

ADAS

75 MILHÕES DE TONELADAS

100 MILHÕES DE TONELADAS

QUÉNIA 27,0NAMÍBIA 38,8

MOÇAMBIQUE 48,6

ÁFRICA DO SUL 99,6

SUDÃO 136,8

CANADÁ 67,5

MÉXICO 107,5

ESTADOSUNIDOS

414,8

BOLÍVIA 37,8COLÔMBIA 42,6

ARGENTINA 129,4

BRASIL 263,6

RÚSSIA 215,7

CHINA 556,3

AUSTRÁLIA 445,1

NOVA ZELÂNDIA 17,3

CAZAQUISTÃO 207,6

ÍNDIA 180,1

MONGÓLIA 130,5

INDONÉSIA 47,8IRÃO 47,6

TURQUIA 41,2

UCRÂNIA 41,3FRANÇA 29,6

ESPANHA 29,0

303598

16

3.673

175

8.102

7.823

52.318

321.418

9.745

15.167

14.325

116.652

6.510

775

2.629

18.447

91

6.83411.237

9.693

4.5687.329

6.563

40 E n E rgÍA E n E rg IA 41lynSey addarIo / CorbIS (no ToPo); roberT b. haaS (em CIma)

EmISSÕES DA AgrIculturAEm conjunto, a China e os EUA superam o resto do mundo em emissões. Determinadas práticas agrícolas e florestais, como o abate para aproveitar a madeira ou para criar campos de cultivo, destroem a vegetação que poderia eliminar CO2 da atmosfera. A produção de carne, em particular de bovino, contribui com cerca de 18% para as emissões mundiais de CO2. Para produzir carne, são necessárias rações e outros produtos agrícolas, o que supõe um duplo impacte de CO2.

SOLO AGRÍCOLAMILHARES DE HECTARES

EMISSÕES ANUAIS DE CO2 POR COMBUSTÍVEL UTILIZADO NA AGRICULTURA E INDÚSTRIAS FLORESTAISMILHARES DE TONELADAS, 2006

ÁFRICAAMÉRICA DO NORTEAMÉRICA DO SULEUROPAÁSIAOCEÂNIA

CO₂ EMiTiDO

SOLO AGRÍCOLA

Os fertilizantes sintéticos, como a ureia no Paquistão (à direita), melhoram o rendimento das colheitas. Mas o aumento dos custos energéticos para a sua produção pode encarecer o preço dos alimentos. A irrigação de culturas nos arredores da Cidade do Cabo, na África do Sul (em baixo), tem de ser rigorosamente controlada por causa do custo elevado da energia e da vulnerabilidade do fornecimento de água devido à aridez do clima.

A EnErgIA nAS nOSSAS vIDAS AgrIculturA

fonTeS: agênCIa InTernaCIonal de energIa, serviço de dados oNLiNe, emissões de Co2 Por Uso de CombUstíveis © 2008; organIzação daS naçõeS unIdaS Para a alImenTação e agrICulTura (fao)

Page 23: Edição especial energia national geographic - siemens

42 E n E rg IA E n E rg IA 43Ted horowITz / CorbIS (no ToPo); frITz hoffmann / CorbIS (em CIma)

A EnErgIA nAS nOSSAS vIDAS trAnSpOrtE

fonTe: agênCIa InTernaCIonal de energIa, serviço de dados oNLiNe, emissões de Co2 Por Uso de CombUstíveis © 2008

TRANSPORTEMARÍTIMO 698

TRANSPORTE FERROVIÁRIO 130

A SOMA DAS CATEGORIAS PODE NÃO SER IGUALAO TOTAL MUNDIAL, DEVIDO AOS ARREDONDAMENTOS.

OLEODUTOS162

TRANSPORTE POR ESTRADA 4.712

OUTROS21

AVIAÇÃO729

MUNDO6.453

OCEÂNIA93

ÁSIA1.480

EUROPA1.268

ÁFRICA186

AVIAÇÃO INTERNACIONAL

397 TRANSPORTE MARÍTIMO

INTERNACIONAL583

AMÉRICA DO NORTE2.148

AMÉRICA DO SUL299

EMISSÕES ANUAIS DE CO2 POR COMBUSTÍVELUTILIZADO NO TRANSPORTE

MILHÕES DE TONELADAS, 2006

eSTadoS unIdoS 1.809

ChIna 371

jaPão 245

Irão 107ÍndIa 101CoreIa do Sul 86arÁbIa SaudITa 81IndonÉSIa 72TaIlÂndIa 53

nePal 1

rÚSSIa 227

alemanha 154frança 131

reIno unIdo 131ITÁlIa 120eSPanha 112PolónIa 38

SuÉCIa 22

reP. CheCa 18

ISlÂndIa 1

eSlovÁQuIa 6

ISrael 10

CanadÁ 160

mÉXICo 140

eTIóPIa 3

zÂmbIa 1

braSIl 141

uruguaI 2

argenTIna 44venezuela 46

nova zelÂndIa 15auSTrÁlIa 78

nIgÉrIa 23egIPTo 32ÁfrICa Sul 44

haITI 1

Cuba 2

EmISSÕES DOS trAnSpOrtESOs motores a gasolina e a gasóleo que fazem funcionar os carros, os camiões e outros veículos são, de forma esmagadora, a principal fonte de emissões de CO2 no sector dos transportes.

Apesar do aumento dos preços do combustível para a aviação, uma fila de aviões aguarda a sua vez para descolar (à direita). Desligar um motor quando estão em fila ou durante as longas esperas converteu- -se numa prática corrente. Sustentados por ímanes, os comboios de levitação magnética (Maglev), como o que liga Xangai ao aeroporto (em baixo), transportam os passageiros a grande velocidade. O custo reduzido do funcionamento deste tipo de comboios contrasta com o enorme investimento inicial necessário.

Page 24: Edição especial energia national geographic - siemens

44 E n E rg IA E n E rg IA 45E n E rg IA 45

A imagem térmica mostra a cena frustrante do final de um dia de trabalho numa estrada congestionada dos arredores de Washing-ton. Os veículos, muitos dos quais com apenas um passageiro, avançam a passo de caracol apesar de terem motores de 200 cavalos. Mesmo a velocidades maiores, somente cerca de 15% da energia fornecida pela gasolina é utilizada no movimen- to dos automóveis. O resto perde-se devido à ineficiência do motor e do mecanismo de transmissão e transforma-se em calor inútil que brilha na imagem em tons de vermelho, verde e amarelo.

Tyrone Turner

A EnErgIA nAS nOSSAS vIDAS trAnSpOrtE

Page 25: Edição especial energia national geographic - siemens

46 E n E rg IA E n E rg IA 47dIane CooK e len jenShel

cOmO pODEmOS pOupAr mAIS?Para aqueles que sentiram a diminuição da factura da electricidade ao substituírem as

lâmpadas incandescentes por lâmpadas de baixo consumo e para aqueles que conduzem

carros eficientes e elegeram electrodomésticos “verdes”, a resposta a esta pergunta pode

parecer óbvia. não foi, contudo, há muito tempo que o ex-vice-presidente dos estados

unidos, dick Cheney, disse aos seus concidadãos: “a conservação pode ser um sinal de

virtude pessoal, mas não é uma base suficiente para uma política energética razoável e

completa.” Talvez não, mas é um excelente começo. Por exemplo, as medidas para aumen-

tar a eficiência energética de edifícios já existentes podem reduzir o consumo de energia

para nada menos que metade do valor actual. este facto não passou despercebido a

barack obama, cujos planos para estimular a economia incluíram investimentos milionários

destinados a aumentar a eficiência energética dos edifícios públicos de todo o país. de

qualquer forma, de uma óptica mais ampla, a afirmação de Cheney não deixa de ser

relevante, já que o seu comentário tem implícita uma verdade inconveniente: quanto mais

energia poupamos, mais consumimos. esse paradoxo desagradável foi assinalado pela

primeira vez, no século XIX, pelo economista inglês william Stanley jevons, que observou

que a invenção de uma máquina a vapor mais eficiente, ironicamente, tinha feito aumentar

de modo espectacular a procura de carvão no seu país. “engana-se quem supõe que um

uso mais económico do combustível equivale a uma redução do seu consumo”, escreveu.

“acontece exactamente o contrário.” após mais de um século de observação científica, o

paradoxo de jevons ressoa com força na nossa paisagem energética actual. É possível que

nos sintamos virtuosos quando instalamos as lâmpadas de baixo consumo; porém, no fim

de contas, a melhor maneira de poupar energia continua a ser apagá-las ao sair da divisão.

SOluÇÕES

As coberturas ajardinadas não embele-zam apenas o terraço de alguns prédios, tal como este edifício de escritórios no coração de Nova iorque: são também óptimos isolan- tes, absorvem a chuva reduzindo o escorrimen-to e ajudam a moderar a temperatura.

Page 26: Edição especial energia national geographic - siemens

48 E n E rg IA E n E rg IA 49franCIS Cormon / gTreS

pODEmOS prODuZIr EnErgIA Em cASA? em muitos lugares da nossa geografia rural, é fácil encontrar as ruínas de séculos de

produção caseira de energia. os moinhos de vento serviram durante muito tempo

para extrair água de poços profundos ou para moer o grão. actualmente, a maior

parte das instalações deste tipo está concentrada em vastos parques eólicos

comerciais, tão distantes da produção caseira como as quintas tropicais onde se

cultivam as mangas que comemos ao pequeno-almoço. no entanto, o panorama

está a mudar graças a uma variedade de modernos moinhos de vento que podem

produzir electricidade suficiente para abastecer uma moradia de tamanho médio.

até há pouco tempo, os habitantes das cidades tinham pouca esperança de se

juntarem às fileiras dos produtores de energia caseira. mas a descida actual do

preço dos painéis fotovoltaicos (e o aumento dos subsídios estatais ou incentivos

fiscais em muitos países) permite a qualquer pessoa com um telhado orientado a sul

aproveitar a energia solar. além disso, novos sistemas avançados de energia eólica

oferecerão em breve a qualquer citadino a possibilidade de usar também esta fonte

de energia. as redes eléctricas “inteligentes” permitirão aos produtores domésticos

de energia, entre outras coisas, vender à companhia eléctrica os quilowatts

remanescentes que produzirem, embora de momento as escassas receitas não

sejam suficientes para reduzir de modo significativo os 10 ou 15 anos do período de

amortização. Também isso poderia mudar com a chegada de uma nova geração de

polímeros de baixo custo produtores de electricidade, que podem ser aplicados

como uma pintura sobre qualquer superfície, desde telhados até automóveis.

Os moinhos de vento de Kinderdijk, na Holanda, foram construídos no século XViii para a drenagem do solo. Foram substituídos por estações de bombagem eléctricas e a vapor em finais do século XiX, mas as suas pás continuam a girar e poderiam voltar a desempenhar a sua função em caso de uma crise energética.

SOluÇÕES

Page 27: Edição especial energia national geographic - siemens

50 E n E rg IA E n E rg IA 51E n E rg IA 51PeTer eSSICK

dias antes do natal de 2008, o muro de contenção de um enorme reservatório de cinzas de carvão em Kingston, no Tennessee (EUA), sofreu uma ruptura. A maré de lodo inun-dou centenas de hectares de campos e rios e danificou ou destruiu várias casas. Apesar das tarefas de limpeza, a preo-cupação dos moradores não deixou de aumentar. Essas cin-zas, resíduos da combustão do carvão nas centrais termoeléctricas, podem conter arsénio, chumbo, selénio e outros compostos cancerígenos e neurotóxicos capazes de contaminar o ar, o solo e os lençóis freáticos. Os resíduos da combustão do carvão são apenas um exemplo dos muitos subprodutos insidiosos do sector energético. Quando um petroleiro provoca um derrame, o núcleo de um reactor fun-de ou uma chaminé expulsa nuvens de enxofre, o custo da energia transforma-se em praias negras, defeitos congénitos e florestas agonizantes. É cada vez mais urgente contrapor estes custos tão elevados aos numerosos benefícios da ener-gia, num momento em que os líderes mundiais enfrentam a diminuição das reservas de petróleo e gás natural, a procura crescente de energia, a recessão económica e a alteração cli-mática. “Começa a falar-se de um New Deal das energias limpas”, diz Nobuo Tanaka, antigo director executivo da Agência Internacional de Energia. Em certa medida, é uma oportunidade.” Temos pouco tempo para a aproveitar.

A busca e extracção de hidrocarbonetos deixa um rasto desolador em Alberta, no Canadá, onde enormes camiões transportam toneladas de areias betuminosas provenientes de uma mina em Suncor para extrair o petróleo que contêm. Com reservas equivalentes a 1,7 biliões de barris de crude, esta província canadiana situa-se apenas atrás da Arábia Saudita em termos de reservas conhecidas de petróleo. Mas a sua extracção transforma as florestas boreais em fossos desabitados, repletos de resíduos tóxicos.

O prEÇO DA EnErgIAA busca febril de combustíveis prejudica os terrenos e a vida humana.

Page 28: Edição especial energia national geographic - siemens

52 E n E rg IA E n E rg IA 53

Operários utilizam jactos de água quente para limpar as manchas de petróleo numa ilha do estreito do Príncipe Guilherme, no Alasca, depois de o Exxon Valdez derramar 40 mil toneladas de crude no mar em 1989. O desastre contaminou 2.000 quilómetros da costa do Alasca, destruiu as áreas de pesca e matou centenas de milhares de aves marinhas e outros animais selvagens. Vinte anos depois, ainda há vestígios do derrame.

naTalIe b. fobeS

Page 29: Edição especial energia national geographic - siemens

54 E n E rg IA E n E rg IA 55

A incessante procura de petróleo levou à perfuração de poços cada vez mais profundos e perigosos. Em 20 de Abril de 2010, a plataforma petrolífera Deepwater Horizon, gerida pela BP, afundou-se após uma explosão em frente à costa da Louisiana, nos Estados Unidos. O acidente, em que pereceram onze pessoas, provocou um dos piores derrames da história e causou danos irreparáveis no golfo do México.

Sean gardner / reuTerS

Page 30: Edição especial energia national geographic - siemens

56 E n E rg IA E n E rg IA 57joel SarTore

“A água do meu poço sai assim, se é que se lhe pode chamar água”, diz Allison Cole, do Wyoming (EUA). O seu poço está situado a escassa distância de uma mina de extracção de gás metano do carvão, um gás natural valioso. Para extraí-lo, é necessário bom- bear a água freática que o retém. A família de Cole processou a companhia mineira, chegou a acordo e mudou-se para outra casa. As perfurações continuam.

EXtrAIr gÁS nAturAl DE um ÚnIcO pOÇO pODE cOnSumIr 19 mIlHÕES DE lItrOS DE ÁguA, quE DEpOIS SE cOnvErtEm Em rESÍDuO InDuStrIAl. tODOS OS AnOS ArDEm E pEr-DEm-SE cErcA DE 150 mIl mIlHÕES DE mEtrOS cÚBIcOS DE gÁS nAturAl, quE AcrEScEntAm À AtmOSfErA 400 mIlHÕES DE tOnElADAS DE cO2. quASE 10% DOS OpErÁrIOS quE trA-BAlHAm 25 AnOS Ou mAIS nAS mInAS DE cAr-vÃO DOS EStADOS unIDOS SOfrEm DE pnEumOcOnIOSE. nOS pAÍSES mEnOS InDuS-trIAlIZADOS, mOrrEm prEmAturAmEntE mAIS pESSOAS pOr ASfIXIA Em ESpAÇOS fEcHADOS (fumO DE lEnHA, cArvÃO, turfA Ou EStrumE) DO quE pOr mAlÁrIA. A lEnHA E OutrOS cOmBuStÍvEIS DE BIOmASSA cOntI-nuArÃO A SEr A prIncIpAl fOntE DE EnErgIA rEnOvÁvEl DO munDO DurAntE DÉcADAS.

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58 E n E rg IA E n E rg IA 5958 E n E rgÍA E n E rg IA 59

A necessidade força os habitantes da povoação mineira de Xinjian a esgaravatar uma montanha ardente de escória, em busca de pedaços de carvão para aquecer as suas casas. O carvão é uma necessidade letal na China, onde o número de vítimas mortais entre os trabalhadores das minas é o mais elevado do mundo. Segundo os registos oficiais, em 2007 morreram 3.786 mineiros, mais de dez por dia. Mesmo assim, foram bastante menos do que em 2002, quando pereceram quase 7.000, a maioria em minas de pequenas dimensões.

2

2.500Milhões de toneladas de carvão extraídas das minas da China em 2007.

80por cento — percentagem de electricidade gerada por centrais de carvão na China.

Número de centrais termoeléctricas de carvão inauguradas semanalmente na China desde 2008.

frITz hoffmann

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60 E n E rg IA E n E rg IA 61joel SarTore

o carvão mantinha a casa quen-te durante a noite. Na cave, havia uma velha caldeira, uma besta palpitante que não parava de engolir pazadas de carvão e de exalar ar quente carregado de partículas através das condutas que che-gavam aos andares superiores. A tonelada desse combustível que comprava todos os outonos era espantosamente barata, em parte porque vivia perto do seu local de origem. A menos de vinte qui-lómetros de distância, três minas forneciam um fluxo incessante de carvão, que era transportado a bordo de camiões e de comboios de mercadorias através do vale e muito para além dele.

Em certa medida, essa vila é um local afortunado. Tirando os silos de carvão e as estradas abertas através das colinas, as minas subterrâneas não deixaram praticamente vestígios visíveis na pai-sagem. O carvão contém pouco enxofre e alimenta centrais ter-moeléctricas que cumprem as normas oficiais de limpeza do ar.

Mas todos os invernos, a minha caldeira e as dos meus vizinhos estendiam uma cortina acre de fumo sobre a vila e contribuíam para o aquecimento do planeta com as suas emissões desmesu-radas de CO2. O meu aquecimento também tinha um preço em vidas humanas, um preço que recordava cada vez que olhava pela janela da cozinha e via, numa praça pública, a estátua de bronze de um mineiro com uma picareta na mão. Por baixo das suas botas, uma placa comemora os quase setenta operários mortos nas minas da região ao longo do último século. Actualmente, as máquinas substituíram muitos trabalhadores e as mortes são me-nos frequentes, embora ainda aconteçam.

Há muito tempo que troquei a pá de carvão por painéis so-lares, mas os mineiros do vale continuam a trabalhar debaixo da terra e a geologia continua a dominar o destino da região. A procura de combustíveis mais limpos despertou o interesse pelo gás natural das montanhas Rochosas e impulsionou um apogeu da produção de gás, que se estende desde Montana até ao Novo México. As dezenas de milhares de cabeças de poços e as suas redes de estradas, tubagens e cercas perturbam a vida animal e destroem as pradarias, o que indigna caçadores e criadores de gado em igual medida.

“A produção de gás e petróleo condiciona a comunidade e afec- ta a paisagem”, diz Duke Cox, promotor imobiliário e activista ambiental. “Todos os aspectos da vida são afectados.”

texto de michelle nijhuis

Leo Ankney, criador de gado do Wyoming, guarda as distâncias enquanto o gás de um jazigo de carvão nas suas terras arde. “Quatro hectares ficaram inutilizados”, diz. “O solo está demasiado quente e é muito perigoso.” Dezenas de incêndios subterrâneos persistem em minas de carvão abandonadas dos Estados Unidos. Há muitos anos que este ardia lentamente, mas as deflagrações terão começado depois de a água do leito de carvão ter sido bombeada para extrair o metano. Quando o carvão seco ficou exposto ao ar, desencadeou-se o inferno.

O prEÇO DA EnErgIA

Há alguns anos, quando me mudei para uma vila no Oeste do colorado (Estados unidos),

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62 E n E rg IA E n E rg IA 63PeTer eSSICK

zonas húmidas mais extensas do mundo. Em vez de levar prosperidade ao país, o petróleo trouxe corrupção política e pobreza extrema.

Apesar da destruição e do sofrimento que cau-sa, a febre produtora de hidrocarbonetos continua a avançar a passo acelerado, em parte porque sacia a sede mundial de energia e em parte porque ofe-rece às regiões afectadas benefícios difíceis de re-cusar. Para muitas povoações pequenas e isoladas, o sector petrolífero representa vantagens tentado-ras. Graças aos impostos pagos pelas companhias de gás, os alunos da escola pública da pequena ci-dade de Pinedale, no Wyoming, desfrutam de um polidesportivo que custou 16 milhões de euros e de salas de aula equipadas com as últimas tecnolo-gias. Em Rifle, no Colorado, outro beneficiário do apogeu do gás natural nas montanhas Rochosas, há um novo campus universitário construído com financiamento das companhias de gás.

Os empregos nas minas ou nos poços petrolí-feros, embora perigosos, são lucrativos e frequen-temente são o melhor modo de vida ao alcance de quem não tem um título universitário. Além disso, para muitos trabalhadores do sector da energia nas montanhas Rochosas, nos Apalaches e em outros locais do mundo, desempenhar bem um trabalho perigoso é motivo de orgulho e uma forma de manter viva a tradição familiar ou da co-munidade. Muitas vezes, a mudança não é vista como uma salvação, mas sim como uma ameaça.

No entanto, a mudança já está em marcha. O Colorado aprovou uma lei segundo a qual as principais empresas públicas do Estado terão de obter 20% da sua energia de fontes renováveis até 2020. As turbinas eólicas e os painéis solares são cada vez mais frequentes nas explorações agrícolas e de criação de gado e alguns empregos do sector industrial estão a tornar-se um pouco mais “ver-des”. Na minha vila, que está no limiar da região produtora de gás, a velha escola secundária ainda ensina medidas de segurança para a mineração do carvão. Mas a menos de dois quilómetros de distância, no novo campus da Solar Energy Inter-national, uma organização sem fins lucrativos, pe-ritos em energias renováveis ensinam promotores imobiliários, electricistas e outros profissionais a beneficiar do boom de uma nova classe de energia. A geologia continua a marcar o destino, mas não por muito tempo.

As mesmas histórias repetem-se no outro ex-tremo do país, nos Apalaches, onde por causa da mineração se dinamitam as montanhas para dei-xar a descoberto os veios de carvão, atirando para os vales toneladas de terra e rochas. Julia Bonds, a última pessoa a abandonar a sua vila natal na Virgínia Ocidental, há oito anos, recorda as nu-vens sufocantes de pó de carvão, os peixes mortos no rio e a ameaça constante do lodo armazenado numa represa não muito distante da vila, com os seus muros de contenção pouco fiáveis.

Em Alberta, no Canadá, numerosas compa-nhias inspeccionam vastos depósitos de areias petrolíferas em busca de betume, uma substância com a consistência do melaço que pode ser trans-formada em petróleo bruto refinável mediante um processo que requer uma grande quantidade de energia. Com uma produção de mais de um milhão de barris de crude por dia, proveniente das areias betuminosas, o Canadá exporta hoje para os Estados Unidos mais petróleo do que a Arábia Saudita. As minas de areias betuminosas usam os maiores camiões e pás mecânicas do mundo para esventrar a paisagem, tendo criado uma rede de reservatórios de resíduos com mais de 130 qui-lómetros quadrados. Em 2008, crianças de Fort Chipewyan, uma aldeia habitada por indígenas das etnias cree e chipewyan situada no rio a ju-sante das minas de areias petrolíferas, pescaram um peixe com duas mandíbulas, e os habitantes da aldeia suspeitam que os resíduos tóxicos do re-servatório estão relacionados com o aumento de casos de cancro e de outras doenças na região.

A América do Norte, naturalmente, paga ape-nas uma parte do preço mundial da energia. Na China, onde a mineração do carvão emprega três milhões de pessoas, milhares de mineiros mor-rem todos os anos devido às inundações, incên-dios, explosões e desmoronamentos produzidos nas minas. Apesar das campanhas governamen-tais contra a negligência em matéria de segurança, as tragédias continuam. As doenças respiratórias aumentaram muito na bacia carbonífera da Chi-na, e a chuva ácida, resultado da combustão do carvão, está a aniquilar os campos e as florestas do país. Ainda mais negro é o panorama do delta do Níger, a região da Nigéria rica em petróleo, onde os derrames, a chuva ácida e a construção frené-tica de canais e de oleodutos dizimaram uma das

As emissões de uma central térmica de carvão junto a um rio de águas turvas, na província de Shanxi, ilustram a dependência da China do mais sujo dos combustíveis. Nesta região, principal produtora de carvão do país, os casos de doenças respiratórias e de cancro do pulmão não param de aumentar. As florestas e os rios de todo o país sofrem os efeitos da chuva ácida causada pelo dióxido de enxofre contido no fumo do carvão. Numa altura em que a procura mundial de carbono aumenta cerca de 2% ao ano, é muito provável que os efeitos prejudiciais na China (o principal produtor do mundo) continuem a expandir-se.

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64 E n E rg IA E n E rg IA 6564 E n E rg IA E n E rg IA 65grÁfICo: molly Snowberger fonTe: joSePh fargIone eT al., «land ClearIng and The bIofuel Carbon debT», revISTa sCieNCe 319, 1.235, 2008 roberT ClarK

CULTURAS PARA ECOSSiSTEMA BiOCOMBUSTÍVEL RECONVERTiDO

pODEmOS fAZEr funcIOnAr OS BIOcOmBuStÍvEIS?o etanol obtido do milho não é o Santo graal dos combustíveis renováveis. Como

ficou demonstrado depois do aumento abrupto dos preços do milho, a produção de

cereais para obtenção de combustível rouba terrenos valiosos à agricultura e requer

uma grande quantidade de energia. mas o que dizer da gramínea norte-americana e

das algas, culturas para biocombustíveis que não só crescem sem necessidade de

pesticidas ou de fertilizantes derivados do petróleo, como também prosperam em

terrenos e águas salobras que não são viáveis para as culturas tradicionais?

algumas espécies de algas podem mesmo produzir até trinta vezes mais

combustível do que a soja. e o melhor de tudo é que as algas cultivadas (à direita)

podem absorver as emissões de carbono e de azoto das centrais termoeléctricas

tradicionais e reduzir assim os gases de efeito de estufa, inclusivamente durante o

seu crescimento até se converterem numa pasta esverdeada rica em óleo, que é

perfeita para a produção de biodiesel. onde está então o inconveniente? ainda falta

muito para podermos encher o depósito com esta pasta esverdeada; no mínimo até

os investigadores conseguirem que os artefactos que contêm a pasta (denominados

fotobiorreactores) sejam muito maiores e menos caros.

319 423 ANOS ATÉ PAGAR93864837171

SOluÇÕES

DÍvIDA DE cArBOnO DOS BIOcOmBuStÍvEISA reconversão de ecossistemas naturais para produzir biocombustíveis a partir de culturas pode emitir até 420 vezes mais CO2 do que se pouparia num ano com o uso dos referidos biocombustíveis, o que gera uma dívida de carbono que pode demorar anos ou mesmo séculos a saldar.

3.003Toneladas de Co₂ emitidas por hectare

287

111

611

57

33

6

165

PalmeIra de óleo floreSTa de Turfa

Soja floreSTa hÚmIda

mIlho PradarIa

PalmeIra de óleo floreSTa hÚmIda

mIlho CamPoS agrÍColaS

abandonadoS Soja PradarIa

Cana-de-açÚCar floreSTaCerrada

gramÍneaS CamPoS agrÍColaS

abandonadoS

TONELADAS DE CO₂ EMiTiDAS POR HECTARE IndonÉSIa braSIl eSTadoS unIdoS

ANOS ATé PAGAR A DÍViDA DE CARBONO

Bolsas de algas suspen- sas em frente da central eléctrica de Redhawk, próxima de Phoenix, no Arizona. Os cientistas afirmam que esta espé- cie de rápido crescimen-to pode absorver dióxido de carbono e produzir cerca de 45 mil litros de biodiesel por hectare por ano.

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66 E n E rg IA E n E rg IA 67byron jorjorIan

SOluÇÕES

cOmO cOmpEnSAr AS EmISSÕES DE cArBOnO? a ideia parece simples. Trata-se de calcular a quantidade de Co2 que cada um de nós

produz na sua vida diária e fazer algo para compensar esse dano produzido no ambiente.

Suponhamos, por exemplo, que queremos viajar de avião de Paris até ao rio de janeiro

para assistir a uma conferência sobre o aquecimento global, mas não queremos que a

viagem agrave ainda mais o problema. Teremos de calcular o Co2 adicionado à atmosfera

para chegar até lá e, em seguida, plantar um certo número de árvores que, num determina-

do prazo, transformarão a mesma quantidade de Co2 através da fotossíntese. ou, mais

simples ainda, podemos pagar a outros para que o façam no nosso lugar. de facto, são

cada vez mais frequentes as empresas que oferecem a possibilidade de compensar as

emissões de todo o tipo de actividades, desde o consumo de electricidade do mês

passado até às próximas férias de ski na montanha. vendem-se mesmo guloseimas que,

além de conterem 85 gramas de chocolate livres de toda a culpa, asseguram a neutraliza-

ção das nossas emissões diárias de carbono (perto de 60kg) destinando parte do preço de

cada barra (cerca de 3,5 euros) a um projecto para reduzir os gases de efeito de estufa

emitidos por um aterro sanitário. Parece tudo muito complexo, mas, graças à existência de

iniciativas legais como o regime de Comércio de licenças de emissão de gases da união

europeia (um sistema de intercâmbio e fixação de máximos actualmente utilizado por mais

de dez mil produtores de energia), as compensações poderiam ser muito úteis para

contribuir para a causa geral. Quanto à viagem de avião da capital francesa para a metró-

pole brasileira, o Co2 do trajecto permanecerá na estratosfera durante centenas de anos e

contribuirá para aquecer um pouco mais o planeta, mas as árvores que plantámos produzi-

rão oxigénio, com o tempo reproduzir-se-ão e tornarão o planeta um pouco mais verde.

A organização norte-americana Nature Conservancy, cujo objectivo é preservar o património natural e a biodiversidade no nosso planeta, desenvolveu um programa de compensação do CO2 nas zonas húmidas da Louisiana.

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70 E n E rg IA E n E rg IA 71E n E rg IA 71

nos últimos dois séculos, o mundo industrializado tem vivido das poupanças da Terra: a energia armazenada finan-ciada pelo Sol. O carvão, o petróleo e o gás natural são pro-dutos derivados da energia solar que o planeta recebeu no passado. Mas como sabemos, a conta bancária, embora ain-da solvente, está a esvaziar-se com uma rapidez enorme, além de apresentar outros problemas. Entre eles, e não propria-mente o de menor gravidade, os danos que o edifício do banco está a receber: o nosso planeta, o único que temos.

Que fazer? Onde encontraremos energia limpa, abun-dante e suficiente para fazer funcionar o mundo das gerações futuras? A resposta mais provável continua a ser: principal-mente no Sol. Em vez de queimar combustíveis fósseis (ou, de momento, paralelamente ao seu consumo), devemos con-ceber e melhorar novas maneiras de recolher e usar a luz e o calor que recebemos diariamente da nossa estrela. As pos-sibilidades compreendem a concentração da luz solar em torres gigantes (à esquerda), a sua absorção com células foto-voltaicas avançadas e a captação do vento (efectivamente outra forma de energia renovável) com turbinas eólicas. Tal-vez algum dia possamos mesmo imitar o Sol, controlando finalmente a fusão nuclear como fonte de energia ilimitada.

Os combustíveis fósseis foram essenciais no desenvolvi-mento da nossa sociedade tecnológica moderna. Agora deve-mos utilizar os conhecimentos e a riqueza que adquirimos graças a eles para começar a deixá-los para trás.

Destacando-se sobre o horizonte verde da Andaluzia, esta torre solar de 115 metros de altura, próxima de Sevilha, tem aos seus pés 624 espelhos móveis, ou helióstatos, dispostos como os assentos de um anfiteatro para concentrar o calor na parte superior da torre. Este calor acciona uma caldeira, cujo vapor impulsiona uma turbina que, por sua vez, activa um gerador capaz de fornecer electricidade a 5.500 habitações. Uma segunda torre construída nas proximidades desta produz quase o dobro da energia.

cAmInHOS DO futurOnão existe uma resposta única. no futuro, teremos de recorrer a uma ampla variedade de tecnologias para obter energia.

mIChael melford

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72 E n E rg IA E n E rg IA 73hervÉ lenaIn, hemIS / CorbIS (à eSQuerda); Paul a. SouderS / CorbIS (em CIma)

Chaminés de vapor de duas das 59 centrais nucleares de França (à esquerda) e uma das centrais geotérmicas da islândia (em cima). Cerca de 75% da energia eléctrica de França provém de reactores nucleares. A islândia aproveita a geotermia para produzir 99% da sua electricidade e colmatar mais de 70% das suas necessidades energéticas. Nenhuma das duas fontes consome petróleo nem seus derivados, mas o calor geotérmico está limitado pela geologia e as centrais nucleares colocam riscos como os acidentes, a possibilidade de sabota-gens e o destino dado aos resíduos radioactivos.

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74 E n E rg IA E n E rg IA 7574 E n E rg IA E n E rg IA 75KoIChI KamoShIda / CorbIS / Cordon PreSS

O potente evento sísmico e posterior tsunami que assolaram o Nordeste do Japão, em 11 de Março de 2011, provocaram um acidente na central nuclear de Fukushima Daiichi, também denominada Fukushi-ma i. As suas conse- quências, algumas de alcance mundial, reabriram novamente o debate sobre a conveniência do uso da energia nuclear.

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76 E n E rg IA E n E rg IA 7776 E n E rg IA E n E rg IA 77franCK guIzIou / gTreS

As luzes iluminam o cais de Nyhavn, no coração de Copenhaga, a capital de um país com um longo percurso no desenvolvimento tecnológico destinado à implementação de energias limpas. Em 2010, o governo da Dinamarca propôs-se reduzir de forma gradual o uso de petróleo, gás natural e carvão até à sua eliminação total em 2050. Caso o consiga, será o primeiro país do mundo a libertar-se da dependência dos combustíveis fósseis.

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78 E n E rg IA E n E rg IA 79Toby SummerSKIll

Wattson, um monitor portátil de concepção britânica, oferece a leitura do consumo de electricida-de em casa, em watts ou em dinheiro. Quando o consumo é baixo, emite um brilho de cor azul; quando é elevado, vermelho. Existe uma aplicação informática chamada Holmes que apresenta as leituras do Wattson em forma de gráficos. Registar o consumo de energia motiva a consumir menos.

O Ar cOnDIcIOnADO E O AquEcImEntO rEprESEntAm mEtADE DO cOnSumO DE EnErgIA DE umA HABItAÇÃO mÉDIA; A ElImInAÇÃO DAS cOrrEntES DE Ar pODE rEprESEntAr umA pOupAnÇA DE 30%. A luZ ElÉctrIcA cOnSOmE 20% DA ElEctrIcIDADE munDIAl, quE prODuZ umA pOluIÇÃO EquIvAlEntE A mEtADE DAquElA EmItIDA pOr tODOS OS cArrOS quE cIrculAm nAS EStrADAS. AS luZES lED mAIS mODErnAS cOnSOmEm 75% mEnOS EnErgIA DO quE AS lâmpADAS IncAnDEScEntES. OS frIgOrÍfIcOS nOvOS uSAm mEnOS 40% DE EnErgIA DO quE OS mODElOS DE HÁ DEZ AnOS. A cOmprA DE AlImEntOS prODuZIDOS lOcAlmEntE pOupA EnErgIA; A utIlIZAÇÃO DOS trAnSpOrtES pÚBlIcOS pOupA DInHEIrO.

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80 E n E rg IA E n E rg IA 81TorIn boyd

Com um comprimento aproximado de três campos de futebol, a Arca Solar da Sanyo, no Japão, é constituída por cerca de cinco módulos de células fotovoltaicas. A arca é um símbolo da energia solar e a fonte de electricidade para o laboratório e o museu do complexo. As células fotovoltaicas podem alimentar objectos simples, como calculadoras de bolso, ou os robots que percorrem a superfície de Marte.

6 ºPosto ocupado pelo Japão na utilização de energias renováveis para a produção de electricidade (atrás da China, Alemanha, Estados Unidos, Espanha e Índia).

240gigawatts – capacidade geradora de electricida-de no mundo a partir de fontes renováveis (excluindo as hidroeléctricas).

Posto que ocupa a energia solar fotovoltaica entre as tecnologias de geração de electricidade que mais cresceram.

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82 E n E rg IA E n E rg IA 83Tyrone Turner

Em muItAS rEgIÕES DO munDO, A mAIOrIA DAS pESSOAS AInDA nÃO DISpÕE DE fOrnE-cImEntO DE ElEctrIcIDADE Em SuA cASA. cuBA É O prImEIrO pAÍS DO munDO quE ElI-mInOu pOr cOmplEtO AS lâmpADAS IncAn-DEScEntES. nO JApÃO, AS vIBrAÇÕES prODuZIDAS DIArIAmEntE pElA DESlOcA-ÇÃO DE 80 mIl pASSAgEIrOS numA EStAÇÃO DE cOmBOIOS DE tÓquIO SÃO cOnvErtIDAS Em EnErgIA rEnOvÁvEl. A AlEmAnHA ABrIu O SEu prImEIrO pArquE EÓlIcO mArInHO, quE pODE fOrnEcEr ElEctrIcIDADE A 5.000 HABItAÇÕES. O rIO mErSEY, Em InglAtErrA, É um lOcAl ADAptÁvEl pArA A prODuÇÃO DE EnErgIA A pArtIr DO mOvImEntO DAS mArÉS. mInIrrEActOrES nuclEArES DO tAmAnHO DE um cArrO utIlItÁrIO, InStAlA-DOS DEBAIXO DA tErrA, pODErIAm fOrnE-cEr EnErgIA A cOmunIDADES ISOlADAS DE tODO O munDO.

Longe das redes de fornecimento de electrici-dade que abastecem a população no México, Adela Palma, da etnia tarahumara, utiliza um candeeiro de tecnologia LED alimentado com energia solar. Outros avanços, como as cozinhas eficientes, oferecem aos habitantes dos países em desenvolvimento uma for- ma mais segura de cozi- nhar e podem duplicar o rendimento de uma família.

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84 E n E rg IA E n E rg IA 8584 E n E rg IA E n E rg IA 85SIemenS

Para além do investimento na produção de energia mais limpa, o futuro trará a adopção de melhores sistemas de distribuição, como as redes inteligentes, aqui demonstradas num projecto da Siemens. O princípio essencial revoluciona a maneira como lidamos com a energia: até aqui, a geração acompanhava a procura estimada; com as redes e edifícios inteligentes, o consumo antecede a geração, aproveitando excedentes. O modelo tem também vantagens ambientais, pois reduz as perdas no processo de transmissão.

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86 E n E rg IA E n E rg IA 8786 E n E rg IA E n E rg IA 87efda-jeT

Embora tudo indique que o modelo energético do futuro seja uma mistura de energias provenientes de diferentes fontes, os cientistas não perdem a esperança de encontrar uma fonte de energia ilimitada, barata e mais ou menos limpa: a fusão nuclear. Esse é o objec-tivo do dispendioso projecto internacional iTER, situado na localidade francesa de Caradache, ainda em construção, onde cientistas e técnicos trabalham para demonstrar que a união dos átomos é tecnicamente possível de forma sustentada. O iTER será o sucessor do JET (à esquerda), actualmente o maior reactor de fusão do mundo, situado em Culham (inglaterra).

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88 E n E rg IA E n E rg IA 89SCIenCe PhoTo lIbrary / age foToSToCK (no ToPo, à eSQuerda e à dIreITa); SIemenS (em CIma)

Algumas tecnologias aproveitam a força directa das ondas, denominada energia ondomotriz, como aquela que criou o Pelamis (em cima, no simulador de ondas da Escola Central de Nantes, em França), desenhado para produzir electricidade a partir das ondas, ou o denominado Clam (em cima, à direita), que está a ser testado nas águas do lago Ness, na Escócia.

À data da sua criação, em 2006, a central solar de Serpa (à direita), no Alentejo, era a maior do mundo. Representou um forte investimento governamen- tal na criação de novas unidades produtoras de energia renovável em território português, reduzindo a dependência de fontes de origem fóssil. O investimento em centrais solares e eólicas tem sido entretanto reduzido.

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90 E n E rg IA E n E rg IA 91roberT KaKarIgI

por Bill mcKibben

Embora os moinhos de vento sejam utilizados há séculos para bombear água e moer o grão, hoje produzem electricidade. Nos Estados Unidos, 42% da capacidade geradora de nova energia provinha de turbinas eólicas em 2008. Actualmente, os Estados Unidos são o primeiro país em produção de energia eólica. Contabilizando a percentagem deste tipo de energia no consumo total, a sua posição é a décima terceira, numa lista encabeçada pela Dinamarca.

OS cAmInHOS DO futurO

e isso são excelentes notícias. Como pudemos ver nestas páginas, estamos a apren-der novas formas de fornecer energia às nossas vidas. Mas nem sempre as adoptamos. A transição não vai ser fácil e, por mui-to bem que a administremos, o mundo sem petróleo, carvão ou gás natural já não será o mesmo. Porquê? Basta considerar os méritos intrínsecos dos combustíveis fósseis: são fáceis de conseguir, fáceis de transportar e incrivelmente ricos em ener-gia. Um barril de petróleo, por exemplo, contém cerca de 6,12 milhões de quilojoules, o equivalente à força exercida por um agricultor que trabalha 3.625 horas no campo, ou seja, 15 meses de trabalho numa quinta. Os combustíveis fósseis são verdadei-ramente mágicos.

A energia renovável, por outro lado, é muito abundante. Numa única hora, a Terra recebe mais energia do Sol do que a consumida por toda a população mundial durante um ano. O problema é que não é energia concentrada, como a do carvão ou do petróleo, e sim difusa. Ela existe um pouco por todo o lado, excepto de noite, quando não há nada em absoluto. Pode dizer-se o mesmo do vento e de outras alternativas. Isso não sig-nifica necessariamente que sejam pouco práticas. De qualquer forma, é muito difícil saber como vamos alimentar de energia o mundo tal como o conhecemos. Passemos uma vista de olhos pela nossa sociedade, observemos como funciona, quando va-mos trabalhar ou estudar, o ronronar do motor do carro ou o zumbido da máquina que prepara o café (para não mencionar o barco que traz o café até às nossas costas, o torrador que me-lhora o seu sabor e a máquina que lava a chávena). Tudo isso depende principalmente da combustão dos barris e pedaços de biologia antiga que estão agora a esgotar-se e, além disso, ame-açam alterar o clima do nosso planeta.

Temos de modificar todo esse sistema de alguma maneira para que a maioria da energia provenha de outra fonte e temos de fazê-lo sem destruir a economia mundial. De facto, nestes cálculos, o dinheiro é tão importante como os quilojoules. Se não pudermos fazê-lo com um custo razoável, é pouco provável que o façamos de todo, porque não conseguiremos o dinheiro necessário nem os políticos dispostos a votar a favor desses pro-jectos tão dispendiosos.

Escrevo estas linhas num computador alimentado pelos painéis solares do telhado de minha casa

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Para isso foi criado o protocolo de Quioto em 1997, principalmente para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e evitar que o aumen-to da temperatura média do planeta suba mais de 2ºC, o que é considerado um ponto sem retorno. Mas o referido protocolo caduca em Dezembro de 2012 e urge que os países integrantes acordem um novo tratado que substitua e melhore os acor-dos assinados na cidade nipónica. As negociações para estabelecer o novo protocolo começaram a ser forjadas na reunião internacional do clima, que se celebrou em Bali em 2007, e continuaram

um ano depois em Poznan, na Polónia. Em 2009 realizou-se a cimeira de Copenhaga, uma reu-nião fracassada que evidenciou a dificuldade de estabelecer acordos. Em 2010, o encontro foi em Cancún, onde se conseguiu chegar a um pacto que, ainda que qualificado por muitos de débil, recolheu 26 acordos assinados por 193 países. A cimeira de Durban de 2011 não conseguiu con-solidar um documento que obtivesse a redução do uso de combustíveis fósseis nos países desen-volvidos e transferisse múltiplos recursos dos pa-íses ricos para os mais pobres com o objectivo de poderem desenvolver-se sem terem de queimar as suas montanhas de carvão barato, possivelmente o projecto mais difícil que o homem já tentou.

Parte do problema é a enorme inércia que ar-rastamos. O consumo de energia continua a au-mentar apesar de ser cada dia mais evidente que devemos alterar radicalmente o rumo. Qualquer atraso, ainda que de apenas alguns anos, será ca-tastrófico. É como um exame com limite de tem-po ao cabo do qual, num futuro não demasiado distante, teremos de pousar os lápis sobre o papel e viver com as respostas que tenhamos consegui-do encontrar. E como a natureza pode aprovar- -nos ou reprovar-nos, sem meio termo, mais vale que tenhamos lançado mão de todo o engenho e conhecimentos ao nosso alcance.

Felizmente, existem várias possibilidades re-ais. Para começar, desperdiçamos muita energia. O norte-americano médio consome o dobro do europeu, apesar de o seu nível de vida não ser melhor. Os belgas, para referir um exemplo, não têm uma tecnologia secreta. Simplesmente apren-deram a poupar, porque vivem numa região onde o preço dos combustíveis é elevado há mais de 50 anos. Parte da diferença é tecnológica (as nor-mas de construção exigem melhor isolamento e os veículos consomem menos), mas uma grande parte deve-se ao comportamento das pessoas, que aprenderam a apanhar o comboio em vez de usar o carro particular e a ter presente o interesse da comunidade e não apenas os seus caprichos. Não são atitudes fáceis de adoptar. Há muitas coisas que é possível fazer, começando pela substituição das lâmpadas incandescentes. E porque não com-prar um carro híbrido ou, melhor ainda, um dos novos veículos que já se podem ligar à rede eléc-trica? Os electrodomésticos eficientes amortizam-se em pouco tempo. Se apanharmos o comboio para o trabalho, podemos ler um livro durante o trajecto. Curiosamente, uma das boas notícias é que a nossa “obesidade” energética é de tamanhas proporções que a redução dos primeiros 20% do nosso consumo não será difícil. É como perder peso cortando o cabelo.

A partir daí, as coisas complicam-se e é neces-sário começar a fazer concessões. Algumas são enormes: que nível de risco estamos dispostos a aceitar em troca da electricidade de uma central nuclear? Outras são estéticas: por exemplo, a re-ticência em instalar turbinas eólicas nas cordi-lheiras próximas. Outras, muito pessoais: estamos dispostos a reduzir drasticamente o nosso consu-mo de carne? Segundo alguns cálculos, a criação de gado produz tantos gases com efeito de estufa como os carros particulares. Alteraríamos a nossa dieta para comer produtos locais sazonais, renun-ciando a comer morangos em Dezembro? E a via-gem de férias? O avião que nos leva ao outro lado do oceano certamente gasta mais combustível do que o resto das nossas actividades juntas num ano.

Contudo, a verdade é que os efeitos de todas es-sas decisões individuais não se somarão com rapi-dez suficiente para modificar de forma substancial a quantidade de carbono presente na atmosfera, nem o volume das reservas de petróleo nos gran-

des campos do Médio Oriente. Simplesmente, não há um número suficiente de pessoas envol-vidas. A inércia da nossa economia é demasia-do poderosa, sobretudo porque necessitamos de mudanças rápidas. Rajendra Pachauri, presidente do Grupo Intergovernamental sobre Mudança Climática, que em 2007 partilhou o Prémio Nobel da Paz com Al Gore, afirmou recentemente que a menos que se comecem a implementar mudanças fundamentais já 2012, os ciclos de realimentação que impulsionam as alterações climáticas assumi-rão vida própria de forma irrevogável.

Tendo em atenção esse marco temporal, so-mente duas coisas poderiam modificar radical-mente a nossa trajectória. Uma delas seria um compromisso em grande escala com a mudança tecnológica, como o que ocorreu durante a Se-gunda Guerra Mundial, só que desta vez, em lu-gar de os fabricantes de carros de Detroit começa-rem a produzir carros de combate e aviões a toda a velocidade, necessitaríamos que começassem a fabricar veículos híbridos e motores para locomo-tivas. E as mudanças não deveriam limitar-se às fábricas. Se os Estados Unidos vão electrificar o parque automóvel do país, como propôs Al Gore, necessitarão de uma rede integralmente reforma-da, capaz de distribuir a energia solar dos desertos do Sudoeste do país e a energia eólica do centro. Isto não é como o programa Apollo, que concen-trou toda a capacidade tecnológica americana em três homens. É algo idêntico a levar todo um país até à Lua, com um aspecto positivo: este grande empreendimento é um estímulo muito promissor num momento de crise económica.

Um investimento maior em tecnologia é apenas uma parte da resposta. Também temos de estabe-lecer um conjunto de incentivos económicos para impulsionar as novas energias, já que desse modo o capitalismo ajudar-nos-á a resolver o problema. Até agora, o mercado livre não só não melhorou, como piorou o problema: a economia não se vê afectada pelo carbono, visto que as emissões não têm nenhum custo. Mas se um tratado internacio-nal impusesse um limite máximo à quantidade de carbono que podemos emitir, então o CO2 teria um preço, que deveria ser suficientemente eleva-do em consonância com os prejuízos que causa. Alguns peritos propõem adicionalmente onerar cada barril de petróleo com um imposto sobre

o esgotamento das reservas de hidrocarbonetos e usar esses fundos para nos prepararmos para o futuro sem petróleo.

Até agora temos estado a falar principalmen-te do Ocidente. Mas se aqui a perspectiva de um novo sistema energético é difícil de assumir do ponto de vista económico, muito mais complexa é a situação para um país como a China, por exem-plo. Ali só agora começaram a industrializar-se e o principal combustível de que dispõem para alimentar a sua modernização é o carvão. Os chi-neses têm carvão em abundância e relativamente barato: alguns cêntimos por quilowatt-hora, da mina para a fábrica. Qualquer pessoa que viaje pelo gigante asiático verá filas intermináveis de torres prateadas, erguidas para suportar as linhas de alta tensão que dominam a paisagem como uma nova Grande Muralha. A combustão de todo esse carvão produz quantidades muito grandes de enxofre e fuligem, que obscurecem o céu das cidades chinesas. É o preço que os chineses estão dispostos a pagar, como nós estivemos dispostos a pagá-lo num momento idêntico da nossa história.

No entanto, esse ritmo frenético de duas novas centrais termoeléctricas de carvão por semana também está a produzir quantidades enormes de CO2. Em 2006, a China superou os Estados Unidos como primeiro país emissor de CO2 do mundo. Há quatro vezes mais chineses do que norte-americanos, e os primeiros estão a utilizar a energia para tirar as pessoas da pobreza, não para construir grandes mansões como segunda residência. Estão a construir uma vida melhor, tal como fez o Ocidente no passado, e provavelmen-te preocupam-se mais com o ambiente do que nós o fizemos. Note-se que a China é o primeiro país do mundo em energias renováveis, princi-palmente porque instalou nos telhados milhões de sistemas de aquecimento que funcionam com energia solar. Portanto, do ponto de vista moral, não é correcto apontar-lhes o dedo. A atmosfera, contudo, não se importa muito com a moralida-de, apenas com o carbono. Temos de encontrar a forma de produzir um acordo mundial que ajude os países emergentes a fazer frente ao preço da nova energia que precisamos que utilizem, para que o mundo não se precipite para o abismo da falta de petróleo nem registe temperaturas que causem danos irreparáveis.

numa hora, a terra recebe mais energia do Sol do que a consumida pelos seres humanos durante um ano.

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Portugal é hoje um país hipotecado. Depende do exterior tanto para o financiamento, como para o próprio desenho – condicionado pelo aval dos credores e pelo imperativo da austeridade – das políticas públicas. A energia não constitui excepção.

As dificuldades e potencialidades futuras de Portugal, em matéria energética, dependerão de uma equação complexa onde intervêm, para lá das inércias acumuladas, a própria evolução da crise europeia, as tendências mundiais de produção e procura das diversas fontes de energia, sem esquecer o grau de maturidade atingido pelos grandes regimes internacionais, com implicações energéticas, como é o caso da Convenção Quadro das Nações Unidas Sobre as Alterações Climáticas.

O estado da arte Numa economia mundial dominada pela hegemonia dos combustíveis fósseis, Portugal tem tido na importação de petróleo, carvão, e mais recentemente de gás natural, uma das causas fundamentais do seu atávico défice na balança de bens e serviços, cujo último excedente ocorreu em 1953.

Em 2010, a factura energética atingiu 8,2 mil milhões de euros, cerca de 6% do valor do PIB nacional. Outra característica negativa do perfil energético português, no interior dos países da OCDE, tem sido a persistente intensidade energética da economia, traduzida no facto de que o aumento do produto é quase sempre inferior ao aumento da energia final. Acresce ainda que a falta de eficiência no uso da energia tem raízes complexas, projectando-se, nomeadamente, no crescimento continuado do consumo no sector do transporte rodoviário, sobretudo, como resultado de uma deficiente organização das cidades e das políticas de mobilidade que as deveriam servir.

Pela positiva, Portugal fez na última déca- da uma correcta opção pelo aumento do contributo do gás natural (o menos poluente dos combustíveis fósseis), que se traduziu, nomeadamente, na entrada em funcionamento de diversas centrais termoeléctricas de ciclo combinado a gás natural, com maior rendimento e menor impacte ambiental do que as centrais convencionais a carvão, como é o caso de Sines e do Pego. Outra opção, ainda mais ambiciosa, foi o salto em frente que se deu em matéria de desenvolvimento de energias renováveis.

Apesar de a electricidade corresponder ape-nas a 21% da energia final consumida, a verdade é que Portugal é hoje um dos dez países do mun- do com maior produção eléctrica a partir das renováveis. Em 2010, 53,2% da electricidade foi produzida a partir de recursos endógenos reno- váveis, constituindo um imenso aumento face aos 27,8% de 2008, e aos 36,5% de 2009. De no-tar que as origens eólica, biomassa, mini-hídrica e fotovoltaica suplantaram a origem hídrica.

Em 2011, também em virtude da austeridade registada no país, houve uma ligeira melhoria da intensidade energética, embora, devido a uma menor precipitação, se tivesse verificado um aumento das emissões de gases com efeito de estufa, causado pelo maior recurso a fontes fósseis.

Interrogações no futuro A principal ameaça para uma política energética estratégica em Portugal é de origem interna. Aproveitando a mudança de ciclo político, alguns grupos de interesse têm procurado denegrir o investimento nas energias renováveis sustentáveis.

Na verdade, seria um erro imperdoável não dar continuidade, com as necessárias adaptações à nova conjuntura, a uma aposta que tem criado emprego, inovação tecnológica,

aproveitamento de recursos endógenos e diminuição de importações.

A acusação de que as energias renováveis têm forte impacte na tarifa eléctrica ignora que tal corresponde apenas a 15% dos “custos políticos” que o consumidor paga. A componente internacional será também determinante.

Se a União Europeia se fortalecer, Portugal poderá tomar um papel activo no grande desígnio de descarbonização da economia, contido no horizonte estratégico do “Roadmap 2050” [uma iniciativa da Fundação Europeia do Clima, influenciando a Comissão Europeia e os Estados-Membros, que juntou um consórcio de peritos para definir propostas que transformem a Europa numa economia de baixo carbono].

A Europa será pioneira nas smart grids e numa nova era de energia verde, combinando prosperidade com protecção ambiental, redução do consumo com maior eficiência energética, sem perda de qualidade de vida. Caso a Europa se desmorone, pelo contrário, é bem provável que as alterações climáticas sejam retiradas da agenda e a humanidade entre num complexo mix energético em que as fontes fósseis, sobre-tudo o petróleo e o gás natural não convencio-nais (tar sands, shale and oil gas), contribuam para atrasar a inovação das renováveis, com cus-tos que serão pagos pelos nossos filhos e netos.

Em 2010, a factura energética portuguesa correspondeu a 8,2 milhões de euros, ou seja, 6% do valor do pIB. É uma desvantagem que afecta anualmente o Orçamento do Estado e desequilibra as contas públicas.

Consultor de Ambiente da

National Geographic-Portugal,

professor catedrático de Filosofia

na Universidade de Lisboa, autor

de mais de três centenas de obras

(entre as quais vinte livros) sobre

temas filosóficos, ambientais e

estratégicos, Viriato Soromenho-

-Marques é uma das vozes

qualificadas para discutir a

energia em Portugal. Deixa a sua

perspectiva em tempo de

incerteza.

vIrIAtO SOrOmEnHO-mArquES

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na Capa uma das 65 centrais nucleares francesas, que proporcionam ao país 75% da sua energia eléctrica. a energia nuclear, porém, tem vários inconvenientes. Fotografia de Hervé Lenain, Hemis / Corbis