EDIÇÃO ESPECIAL Ética nos Negóciosedição uma edição especial são: comemorar um ano de...
Transcript of EDIÇÃO ESPECIAL Ética nos Negóciosedição uma edição especial são: comemorar um ano de...
EDIÇÃO ESPECIAL
Ética nos Negócios
I N S P I R A Ç Ã O , R E F L E X Ã O E É T I C A
C O N H E C I M E N T O E D I N A M I S M O
07ED
IÇ
ÃO
NÚ
ME
RO SETEMBRO/
OUTUBRO 2018ANO
2
04
06
18
28
12
24
Editorial
“Living your values everyday”Entrevista
O amadurecimento ético das organizaçõesPor Professor Doutor Clóvis de Barros Filho e
Professor Doutor Arthur Meucci
Arte em Vo-CVários autores
Para além da cota: Besni busca humanização e
inclusão socialEntrevista
Por que ninguém entende o seu código
de ética?Ronaldo Assais Ribeiro Campos
sumáriosumário
Setembro/Outubro 2018 • Revista Inspire-c | 3
Amigas e amigos leitores!
ocês têm em suas mãos a primeira edição especial da re-
vista INSPIRE-C. Os motivos que nos levaram a fazer da 7ª
edição uma edição especial são: comemorar um ano de
existência e publicar a primeira edição impressa.
Achamos justo celebrar um ano de história relembrando os temas
anteriores. O que poderia parecer uma simples repetição torna-se inédi-
to. A releitura dos artigos e textos trouxe pensamentos, falas e sensações
novas. Longe de qualquer descaso — em relação à primeira leitura —,
sabemos que reler, relembrar, reviver com intensidade e presença de es-
pírito traz detalhes despercebidos. Se deixarem de lado o déjà vu, verão
muitas novidades aqui republicadas. Aliás, como diz Mário Quintana, “a
recordação é uma cadeira de balanço que embala sozinha”.
Quanto à impressão, fizemos uma tiragem de apenas 250 exemplares
— o que a torna mais especial ainda. Mas caso você não tenha a versão
impressa, não se preocupe! Pois, como de costume, tudo está publicado
no site da revista INSPIRE-C. Além disso, escolhemos o 2º Encontro sobre
Ética nos Negócios para distribuição dos exemplares, pela importância
e significado que ele tem para o momento que vivemos em nosso país.
Não ficamos só na releitura, também trouxemos duas novas entre-
vistas. Conversamos com a diretora executiva de Ética & Compliance da
Takeda Pharma Ltda., Ana Paula Neves, que conta um pouco dos 237
anos de história da empresa, qual o segredo da Takeda para manterem
Vpor tanto tempo a mesma filosofia e sobre a importância da ética e
compliance nos negócios. Nossa segunda entrevistada é a Roberta Vidal,
coordenadora de Gente e Gestão da Besni, que junto com a analista de
Recursos Humanos, Ana Paula Alves de Melo Marujo, conta como é o
PCD – Programa de Pessoa com Deficiência da Besni.
Sem mais delongas, desejo uma boa leitura, e que continuem assis-
tindo aos nossos vídeos no YouTube e nos acompanhando e curtindo nas
redes sociais.
Abraços,
Ronaldo Campos
editorial
4 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
expediente
Revista INSPIRE-C
Revista Institucional do Espaço Ética – Serviços de Palestras, Ensino, Capacitação e Assessoria Sociedade Empresária Limita-da. (www.espacoetica.com.br)
INSPIRE-C é uma publicação bimestral da empresa Espaço Ética direcionada ao mundo corporativo articulando conhecimentos acadêmicos e empresariais, ligados principalmente à ética.
A Revista INSPIRE-C publica múltiplas expressões para cada tema em suas edições bimestrais, valorizando a diversidade de opiniões num espaço democrático. Ela não se responsabiliza pelas opiniões de terceiros e tem a prerrogativa das publicações.
Editor responsávelRonaldo Assais Ribeiro Campos – [email protected]
Sub-editoria de culturaMainá Santana – [email protected]
Diretores InstitucionaisKarina de Andrade MacieiraClóvis de Barros Filho
Rua Maranhão, 620 – Cj.141 – HigienópolisCidade: São Paulo, SPCEP: 01240-000Telefone: (11) 3661-7532
Foto
:Div
ulga
ção
Design, Diagramação e Projeto GráficoAna Carolina Ermel de Araujo
Fotos: DepositPhotos.com
RevisãoHebe Ester Lucas
Mídias Sociais:Marcella ErédiaAline Erédia
ColaboradoresMaria Cristina PoliSula VlashosRodrigo Leitão
Assinatura, sugestões e reclamaçõ[email protected](11) 3661 7532
Comercializaçã[email protected](11) 3661 7532
NSPIRE-C: Qual é a história da Takeda?
Ana Paula: A história da Takeda começa 237 anos
atrás. É uma empresa familiar, fundada por Chobei Takeda
I, que vivia na região de Osaka quando começou a traba-
lhar com plantas medicinais. Ao longo do tempo, o negócio do senhor
Takeda foi evoluindo e crescendo na região da Ásia. Já no início do século
XX, começaram os investimentos em desenvolvimento e pesquisa. En-
tão, aos poucos foi deixando de ser uma empresa voltada para plantas
medicinais e herbários, fitoterápica, para se tornar uma indústria farma-
cêutica. Hoje a Takeda é uma empresa mundial com foco em gastroen-
terologia, neurociência, vacinas e oncologia.
INSPIRE-C: O mercado farmacêutico é muito competitivo?
Ana Paula: Sim, ele é competitivo se, por exemplo, for na área de
consumo. Embora globalmente nosso foco sejam as quatro áreas anterior-
mente mencionadas, a Takeda permite uma liberdade de negócio local,
que, no nosso caso, são os produtos de consumo.
O mercado de produtos de consumo é mais competitivo porque não exige
muita inovação. Já no mercado de inovação, embora exista competitividade,
é importante ter um diferencial em relação à concorrência. Por exemplo, em
oncologia, sempre buscamos encontrar o que ainda não foi atendido. Nesse
sentido, este é um diferencial que buscamos. Apesar de existirem muitos tra-
tamentos de oncologia disponíveis, sempre perguntamos: o que ainda falta?
O que ainda não está disponível? Quais são as necessidades não atendidas?
— olhando da perspectiva do paciente. Isso é muito forte na Takeda. Aliás,
o paciente é a nossa primeira prioridade estratégica.
INSPIRE-C: Como vocês fazem para manter por tanto tempo a
mesma filosofia?
Ana Paula: Na verdade, ela vem evoluindo ao longo do tempo. Em
1940, Chobei Takeda V escreveu o Nori, que é a base da filosofia corporativa
atual. São vários princípios que depois foram extrapolados para a nossa
atual filosofia corporativa. Vivemos esses princípios todos os dias e esse é
um grande diferencial da Takeda.
Conversamos com a diretora executiva de Ética & Compliance, Ana Paula Neves.Ela conta a história da Takeda, empresa farmacêutica com atuação global, que completou 237 anos de existência e como fazem para manter por tanto tempo a mesma filosofia. Além de contar quais são os quatro valores fundamentais da Takeda, Ana Paula falou sobre a importância da ética e compliance nos negócios.
I
Realizada em 02/10/2018 na sede da empresa, em São Paulo/SP.
Entrevistada por Ronaldo Campos
Fotografias de Olga Vlahou
Auxílio técnico: Vanessa da Silva Ribeiro, estudante de cinema
entrevista entrevista
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 76 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
“Living your values everyday”
6 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
INSPIRE-C: Quais são esses quatro valores?
Ana Paula: Os valores que nos guiam são: integridade, justiça, hones-
tidade e perseverança. São valores bem primordiais e não é uma lista mui-
to grande porque queremos que as pessoas lembrem-se deles.
As empresas normalmente expandem muito seus valores. Temos o que
chamamos de takedaismo, que é representado em nossas ilustrações por
um relógio de sol, exatamente porque é o nosso guia — que mostra o
nosso Norte.
INSPIRE-C: Você acha que esses valores são compatíveis com
o mundo de hoje?
Ana Paula: Entendemos que sim. Constantemente revisamos a
nossa estratégia. Mantemos os quatro valores como base, mas, por
exemplo, no ano passado revisamos o nosso código de conduta. Além
dos valores, temos as quatro prioridades, que são: paciência, confian-
ça, reputação e negócio. É a soma dos valores e das prioridades que
faz com que tomemos as decisões de forma adequada para o futuro
sustentável da Takeda.
Inclusive, o logo do lançamento do código é “vivendo os nossos valo-
res todos os dias”, que em inglês é “living your values everyday”, que é o
#loved. Isso é muito repetido aqui na Takeda.
INSPIRE-C: Seria um mantra?
Ana Paula: Mais ou menos isso, porque repetimos bastante o #loved
entre nós.
INSPIRE-C: Isso tem a ver com a cultura oriental?
Ana Paula: Acho que sim. A Takeda tem uma mistura da cultura
oriental com a cultura globalizada. Por que falo isso? Nossa herança tem
uma imagem importante, mesmo porque uma empresa com 237 anos,
obviamente, construiu uma reputação de longa data. Então, entende-
mos que é de responsabilidade de todo mundo que está aqui hoje man-
ter essa reputação, e somos responsáveis por ela. Por isso, “desenvolver o
negócio” é a nossa quarta prioridade estratégica, para que desenvolva-
mos negócios sustentáveis e que perdurem por mais algumas centenas
de anos.
Por outro lado, devemos olhar de uma forma globalizada, pois as pe-
culiaridades de cada país são grandes. Por exemplo, não podemos ter o
mesmo olhar de um país de alto risco e de um outro de baixo risco. Que
é o caso do Brasil e do Japão. Estou me referindo à ética e compliance.
INSPIRE-C: Falando em termos de ética e compliance, como
eles são tratados na Takeda?
Ana Paula: Entendemos que a ética nos traz princípios e valores
mais fortes. Tem o posso/não posso, mas tem algo maior que é: qual
o legado que quero deixar para a minha equipe, que mensagem quero
passar para a minha família. Então, a ética traz mais inclusão, já que
entendemos que ela vai além do posso/não posso. Para nós, a questão é:
devo ou não devo fazer isso? Isso que irei fazer é correto? Fazemos muito
essas perguntas antes de fazer qualquer coisa. A ética nos ajuda muito
quando temos uma dúvida e qual seria a melhor decisão a ser tomada
para resolvê-la. Costumo dizer que minha equipe de Ética e Compliance
é pequena, mas quando olhamos para a ética, estamos olhando para a
empresa inteira.
Já compliance está mais relacionada à questão de conformidade, de
cumprimento às normas, das regras internas.
Diria, então, que com a ética trabalhamos mais os elementos cultu-
rais e compliance, com a normatização interna.
INSPIRE-C: Vocês têm algum trabalho que conscientiza as
pessoas sobre o fato de que dentro e fora da empresa somos a
mesma pessoa?
Ana Paula: Exato. Quando falamos dos nossos valores todos os dias,
não separamos o profissional do pessoal. O que tentamos exercitar todos
os dias é: o que é certo? E sempre estamos olhando para essa pers-
pectiva para que o treinamento não fique tão voltado à norma, e sim à
tomada de decisão. Como faço para tomar as decisões no meu dia a dia?
Por exemplo, a Takeda decidiu usar as quatro prioridades.
Suponha que eu tenha uma dúvida, algo que não está claro na lei, e
tenho um projeto para o lançamento de um novo produto. Então, o que
devo fazer? A primeira questão é: isso é correto para o paciente? Essa é
a primeira pergunta que qualquer funcionário da Takeda deve fazer an-
tes de dar o próximo passo. Uma vez que ele conseguiu responder sim,
isso faz sentido para o paciente, isso beneficia o paciente, só aí é que se
deve ir para a segunda pergunta, que é: isso constrói confiança com a
Constantemente revisamos a nossa
estratégia. Mantemos os quatro valores
como base, mas, por exemplo, no ano
passado revisamos o nosso código de
conduta.
entrevista entrevista
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 98 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
sociedade? Novamente, pensando que a
Takeda é uma empresa com mais de 200
anos, é óbvio que não queremos destruir
a confiança construída ao longo da his-
tória. Em seguida, deve-se perguntar se
essa ação reforça a reputação da Takeda
de forma positiva, ou seja, se eu ficaria
orgulhoso com os resultados dessa de-
cisão se ela viesse a público. E a última
pergunta é: isso constrói um negócio
sustentável? Porque se eu executei os passos anteriores corretamente,
provavelmente estarei construindo um negócio sustentável.
Essa é a visão do nosso CEO globalmente. Ele costuma dizer que se
respondermos corretamente às três primeiras perguntas, é natural que
iremos construir um negócio sustentável — já que negócios de curto
prazo não nos interessam.
Tudo isso os funcionários levam para casa, seja no convívio com a
família, amigos, na sociedade de um modo geral, já que esse método
da Takeda os ensina a pensar da melhor maneira possível para tomarem
decisões em suas vidas pessoais.
INSPIRE-C: Toda empresa,
no final das contas, visa o lu-
cro. Vocês mensuram quanto
essas ações da sua área con-
tribuem para o resultado fi-
nanceiro da Takeda?
Ana Paula: Não. O resultado
da área não é medido por lucro,
mas como um dos nossos focos
é o negócio sustentável, a área
de Ética e Compliance é vista como um diferencial competitivo. É uma
área que agrega valor para uma sustentabilidade futura, uma área
que preza pela reputação da empresa e tudo isso aumenta o valor da
imagem da empresa para o futuro. Assim, os nossos parceiros exter-
nos têm interesse em fazer negócios conosco porque se sentem pro-
tegidos, considerando que vivemos em um ambiente onde há tantas
coisas erradas acontecendo.
INSPIRE-C: O compliance passou a ser obrigatório por conta
de uma nova lei?
Ana Paula: Ele não é obrigatório, mas caso a empresa não tenha
uma área de compliance e venha a ter algum tipo de problema relacio-
nado à corrupção, ficará muito mais difícil se justificar numa eventual
investigação externa.
Quero dizer que ele é um fator de leniência, ou seja, diminui a pena-
lidade numa eventual infração. A lei anticorrupção trouxe muito forte a
implantação da área de compliance nas empresas brasileiras, já que era
mais comum nas multinacionais.
INSPIRE-C: Esta área já existia na Takeda Brasil, mesmo an-
tes da lei anticorrupção?
Ana Paula: Sim.
INSPIRE-C: Como a Takeda vê todas essas questões de cor-
rupção que vieram a público?
Ana Paula: Temos uma posição extremamente ética. Somos filiados
ao Instituto Ethos e sempre procuramos estar nos eventos que falem
sobre ética porque aprendemos muito nesses encontros. Trazemos no-
vos elementos para usar nos treinamentos culturais internos, tudo isso é
muito importante para nós.
INSPIRE-C: O que te inspira?
Ana Paula: O que me inspira é tocar o outro ser humano, é desco-
brir o que toca cada um. Trata-se de um grande desafio, porque cada
pessoa é tocada por questões diferentes e é preciso buscar formas di-
ferentes de se expressar, de se comunicar. Isso é extremamente inspi-
rador. Adoro trabalhar com gente! Lembro que quando comecei a tra-
balhar em compliance, fiquei preocupada, pois achava que lidaria com
mais processos e menos pessoas. E fico feliz por ter muitas pessoas e
questões culturais envolvidas nesse trabalho. É isso que me inspira,
ver pequenas mudanças acontecendo com as pessoas e/ou com um
grupo de pessoas.
Penso que o que inspira a Takeda é a busca de um futuro melhor e
uma saúde mais brilhante para todos por meio da inovação e dos me-
dicamentos. Essa é a nossa inspiração. É o que buscamos todos os dias:
melhorar a saúde dos nossos pacientes.
INSPIRE-C: Agradeço muito sua atenção e gentileza por nos
receber tão bem, e por mostrar o belo trabalho de todos vocês
na Takeda.
Muito obrigado!
Somos filiados ao Instituto Ethos e
sempre procuramos estar nos eventos
que falem sobre ética porque aprendemos
muito nesses encontros.
entrevista entrevista
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 1110 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
Para falar sobre o programa de Pessoa com Deficiência – PCD da Besni, conversamos com a coordenadora de Gente e Gestão Roberta Vidal, com a analista de Recursos Humanos Ana Paula Alves de Melo Marujo e com o auxiliar administrativo Lucas Sousa Martins — contratado via PCD.Para cumprir a Lei 8.213/1991, que obriga as empresas com cem ou mais funcionários a contratar pessoas portadoras de algum tipo de deficiência, a Besni implantou o PCD, já que estava abaixo da cota estipulada pela lei — de 2% a 5%, dependendo do número de funcionários registrados.
Realizada em 02/10/2018, na sede da empresa, na Praça Ramos, em São Paulo/SP.
Entrevista por Ronaldo Campos. Fotografias de Olga Vlahou
Auxílio técnico: Vanessa da Silva Ribeiro, estudante de cinema
Para além da cota: Besni busca humanização
e inclusão social
NSPIRE-C: Como surgiu o PCD na Besni?
Roberta Vidal: Trabalho na Besni há nove meses e,
desde que fui contratada, recebi a demanda para cum-
prir a cota de contratação de pessoas com deficiência, já
que a empresa estava com uma quantidade abaixo do estipulado pela
lei. Apesar de não ser especialista em profissionais com deficiência,
alocou-se essa especialidade no departamento de RH. Todavia, sabe-
mos que existem empresas de porte muito grande que têm áreas es-
pecíficas voltadas para a diversidade. Mesmo sabendo que precisava
atender a um pedido administrativo, quis, desde o início, dar um tom
humano, ético e de valorização da pessoa ao cumprimento da lei. E foi
o que eu disse para a Ana Paula quando a contratei: vamos conscien-
tizar, sensibilizar toda a equipe gerencial sobre a importância da con-
tratação e retenção dessas pessoas e do diferencial que elas podem
representar para o nosso negócio, tanto no sentido de aprendermos a
nos relacionar com a diversidade como de elas estarem inseridas no
mercado de trabalho.
Para isso, convidamos a Nalva (Marinalva da Silva Cruz, secretá-
ria adjunta desde janeiro de 2017 da Secretaria da Pessoa com Defi-
ciência do Município de São Paulo [SMPED]), que fez um workshop
de quase cinco horas com atividades lúdicas. Por exemplo, vivenciar
a deficiência visual. E assim fomos dando pequenos passos para o
que estamos caminhando em chamar de programa. Então, o que
fizemos foi a contratação em grande volume de pessoas com al-
I
entrevista entrevista
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 1312 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 201812 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
guma deficiência e, diferentemente de
algumas empresas, não queremos, por
exemplo, deixá-las em casa para ape-
nas atender uma normativa legal. O
que falei para a alta direção desta em-
presa é que elas serão produtivas. Elas
terão um trabalho, serão cobradas por
isso, serão tratadas, como disse a Nal-
va, com equidade e não com igualda-
de. Temos que respeitar as diferenças e,
seguindo a ética e o trabalho, faremos
uma real inclusão social.
INSPIRE-C: Existe no administrativo da Besni pessoas que
fazem parte do PCD?
Roberta Vidal: Sim. Temos no RH uma pessoa, o Lucas, que foi
selecionado pela Ana Paula para trabalhar em admissão de pessoas,
que pertencia à nossa célula e agora pertence à folha de pagamento.
Mas ele continua trabalhando no departamento de RH.
INSPIRE-C: Que legal! Podemos falar com o Lucas?
Roberta Vidal: Claro que sim!
INSPIRE-C: E toda contrata-
ção, até então, de pessoas com
deficiência deu certo?
Roberta Vidal: Precisamos ser
sinceros e falar dos casos que não
deram certo. Por isso, estamos ajus-
tando muitas coisas. Tivemos uma
pessoa contratada para trabalhar no
jurídico que infelizmente teve de ser
desligada da companhia. Ela entrou
com uma deficiência que se desen-
volveu ao longo da vida, por conta de um acidente que ocasionou uma
lesão cerebral. Ela era formada em direito, com experiência na área e
entendemos que ela iria se desenvolver profissionalmente. Mas infeliz-
mente isso não aconteceu.
O lado positivo dessa história é que entendemos que tratar as
pessoas do PCD com suas devidas obrigações profissionais é funda-
mental. Existe uma preocupação com o lado da conduta no trabalho,
da relação organizacional. Não achamos certo deixar um funcionário
“encostado” simplesmente para cumprir certa quantidade de cota.
Mesmo porque nossas equipes são muitos enxutas e contamos com
o desempenho de todos.
INSPIRE-C: Não teria sentido mantê-la no quadro de funcio-
nários...
Roberta Vidal: Sim. Mesmo porque foi um processo de desliga-
mento transparente. Assim como outros poucos casos. Mas, no montan-
te geral, casos desse tipo são raros em relação ao número de pessoas que
fazem parte do PCD.
INSPIRE-C: E qual é esse número?
Roberta Vidal: Em torno de 70 pessoas
.
INSPIRE-C: Então o PCD é um programa já encorpado...
Roberta Vidal: Quando se fala em programa... acho que foi isso que
me assustou. (risos) Ainda não tenho um material estruturado que fale
do PCD, uma apresentação...
INSPIRE-C: Mas vocês são o próprio programa. (risos)
Roberta Vidal: Isso! O programa sou eu, a Ana Paula e a nossa
equipe. São elas que estão conduzindo as ações junto com os parcei-
ros, contratando as pessoas, acompanhando ações nas lojas... Tudo
que pude fazer sem custo para a empresa foi feito. Preciso apresentar
esse número para a diretoria, pois tivemos uma economia significati-
va. Por exemplo, para cada vaga contratada no regime CLT multiplica-
do pelo valor da consultoria para cada contratação, imagine o dinheiro
que isso representaria em um ano.
INSPIRE-C: Então tem um ganho de resultado financeiro
para a empresa.
Roberta Vidal: Tem um ganho financeiro, de resultado, e outro de
longo prazo. Quando estruturarmos de fato o programa, teremos mui-
tos ganhos, inclusive o de inclusão social, que é muito mais voltado
para a sustentabilidade do negócio. Existem empresas que não atin-
giram a cota e mesmo assim foram reconhecidas pelo Ministério do
Trabalho como uma inclusão real. É isto que importa: o que podemos
agregar de valor ao negócio?
INSPIRE-C: Resumindo: de uma necessidade legal, surgiu
o PCD na Besni?
Roberta Vidal: Perfeito!
INSPIRE-C: A partir dessa necessidade, vocês perceberam
que o motivo real é que todas as pessoas que participam do
PCD devem ser produtivas e para isso precisam ter responsa-
bilidades, metas, cobranças etc.
Ana Paula: A verdadeira inclusão é fazer com que as pessoas re-
Diferentemente de algumas empresas,
não queremos, por exemplo, deixá-las em
casa para apenas atender uma
normativa legal.
entrevista entrevista
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 1514 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
almente trabalhem, deem resultados, recebam seus salários, sejam
cidadãs. Que se sintam úteis.
Roberta Vidal: É isso que chamo de ser produtivo. Você precisa se
sentir útil e gerar uma renda. Tem pessoas com deficiência que se tor-
naram alicerces da família. Muitas vezes o salário deles passou a pa-
gar o aluguel, as refeições etc. Tudo isso traz dignidade para a pessoa.
Minha expectativa, enquanto profissional de RH, é que o PCD se
torne um grande programa. Por enquanto estamos na fase 1, que é o
momento das contratações. A próxima fase será de retenção — que-
remos reter os melhores talentos e depois que cresçam profissional-
mente.
Um exemplo bacana disso que estou falando é o Alan. Ele tem uma
deficiência intelectual, trabalha na loja de Interlagos e não foi contra-
tado pelo PCD. Ele está na empresa há muito tempo. Eu me apeguei no
exemplo dele no sentido de que ele busca uma carreira profissional.
Inclusive recentemente chamou a gerente dele para saber quando ele
irá assumir a gestão da loja.
Outro caso é de um autista que trabalha na loja de Taboão. Profis-
sionalmente falando, ele está se saindo muito bem, claro que dentro
das limitações. Acho que é isso que importa. Aos poucos vamos plan-
tando uma semente dentro das pessoas que vão se descobrindo, tanto
como indivíduos quanto como profissionais.
Esse desejo de ser produtivo, de querer sair de casa, de parar de se
sentir vítima. Isso é muito importante!
INSPIRE-C: Onde são recrutados os profissionais que farão
parte do PCD?
Roberta Vidal: Temos várias fontes: o mercado como um todo,
empresas e sites especializados, que divulgam os currículos dos pro-
fissionais, tais como Catho, Infojobs, entre outras. E, por fim, também
contamos com algumas parcerias. Por exemplo, a ITS, uma instituição
que trabalha com inclusão. No caso deles, o mais interessante é que
não tem custo para contratá-los. Os serviços que eles prestam chama-
-se emprego apoiado, que vai além do envio dos currículos dos can-
didatos para as empresas. Após o envio dos currículos, eles auxiliam
com a documentação do candidato aprovado no processo seletivo e o
primeiro mês de trabalho é acompanhado por um especialista da ITS
que monitora a adaptação da pessoa nas funções profissionais.
INSPIRE-C: O que é ITS?
Ana Paula: O ITS é uma ONG que conta com o Pronas (Programa
Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência),
que é do governo. Eles conseguiram uma verba com o foco de auxiliar
as empresas e os candidatos para o projeto de inclusão social.
O lado ruim é que é um projeto, e não um programa, e tem um prazo
para terminar, em dezembro deste ano. Eles serão privatizados no ano
que vem e a partir daí haverá custo. Será uma grande perda, já que a
nossa parceria com eles vem desde o começo deste ano.
Roberta Vidal: O ITS é o nosso principal parceiro para contratação
de pessoas com PCD. Eles atuam de ma-
neira excelente, os candidatos são óti-
mos, as pessoas que eles indicam para
o processo seletivo são mais qualificadas
que a média geral dos candidatos.
Outra ação importante que a Besni
faz é estar presente em feiras especí-
ficas para contratação de pessoas com
deficiência. Mas por enquanto não
chamaria essas ações de um programa,
e sim de uma ação de busca e contra-
tação para o cumprimento da cota. Ao
mesmo tempo, gostaria que o logo
criado para o Besni Inclui deixasse bem
claro que não apenas incluímos pessoas
com deficiências, e sim com uma série
de particularidades, diria uma diversi-
dade mesmo, já que faz parte do programa toda possível diversidade.
INSPIRE-C: Como é planejada a carreira das pessoas com
PCD?
Roberta Vidal: Esse é um dos principais desafios da minha contra-
tação, ou seja, estruturar um plano de carreira que atenda todos aqueles
que são recrutados e selecionados pela Besni, não importando se via
PCD ou se por outra via. O segundo desafio é treinar e desenvolver todos
os profissionais. Para isso, acabamos de contratar uma pessoa, especia-
lista no assunto, que ajudará com esse trabalho.
Ana Paula: Para o ano que vem, o nosso foco será a retenção. Conse-
guimos reverter muitos possíveis desligamentos apenas entendendo o
que estava acontecendo com a pessoa. Muitas vezes o problema que ela
estava passando era muito simples. Por exemplo, a questão do horário
por conta de uma adequação sistêmica para registro das horas trabalha-
das. Uma vez que isso foi resolvido, a pessoa deixou de querer ir embora
da nossa empresa.
INSPIRE-C: Podemos conversar
com alguém contratado via PCD?
Ana Paula: Claro! O Lucas foi contra-
tado via Catho. Ele tem deficiência física
de nascença na perna. É a pessoa respon-
sável pela verificação dos documentos
dos novos contratados. Tem 19 anos, é
muito parceiro e dedicado ao trabalho.
INSPIRE-C: Oi, Lucas. Tudo bem?
Gostaria que contasse um pouco
sobre sua experiência no PCD.
Lucas: Trabalho aqui há seis meses.
A experiência está sendo incrível, pois
nos outros lugares em que trabalhei,
não tive a mesma recepção que tenho
na Besni. O pessoal é muito receptivo, todos me aceitaram como se eu
fosse um integrante antigo da empresa.
Estou aprendendo muito com o meu trabalho. No meu primeiro
dia, não jogaram o trabalho no meu colo. Explicaram a importância e
como cada tarefa deve ser feita. Todas as dúvidas que tenho, o pessoal
sempre me explica com muita paciência. Sempre aprendo algo novo!
Para mim, o programa de inclusão da Besni está sendo muito bom,
pois para aqueles que têm força de vontade, a empresa reconhece e dá
espaço para o crescimento profissional.
INSPIRE-C: Agradeço muito a atenção de todos e parabéns
pelos resultados que estão atingindo com o PCD.
Esse desejo de ser produtivo,
de querer sair de casa, de parar de se sentir vítima.
Isso é muito importante!
entrevista entrevista
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 1716 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
ntendemos que o “amadurecimento ético” é toda ten-
tativa de uma pessoa ou organização se relacionar com
o mundo levando em consideração sua posição social e
valorativa na relação com outras entidades com quem
interage. Partimos da perspectiva de que toda ação revela valores e
interesses, para além do simples discurso. Ao agir, a organização mos-
tra se é ou não consonante com aquilo que ela diz sobre si mesma
ou com aquilo que seu cliente imagina. Um hospital que diz “fazer
mais que o possível” e não consegue fazer um pronto atendimento
em tempo hábil ou uma cirurgia de emergência contradiz sua cam-
panha de marketing e sua construção identitária. Cria expectativas de
eficiência que não pode cumprir. Coloca em xeque a credibilidade de
seu discurso perante funcionários e pacientes. Que pessoa consegue
sustentar um discurso ético sem se mostrar verdadeira em sua própria
definição?
Esta concepção que trazemos para a realidade corporativa, herdeira
da filosofia existencialista e da psicanálise winnicottiana, coloca em
xeque conceitos consagrados como o de “desenvolvimento ético”. A
palavra desenvolvimento pressupõe um crescimento contínuo e linear
em direção a um objetivo ou fim. Uma evolução em linha reta para
um estado de perfeição estável, neste caso, o moral. Quando pensa-
mos em “amadurecimento” propomos uma perspectiva mais humilde
sobre o assunto. Uma concepção que não utiliza uma relação entre
tempo e custo, que respeita as potencialidades de cada pessoa ou em-
presa, contrariando a ideia de uma perfeição final superior e imutável.
O amadurecimento é um processo cíclico, que não tem tempo certo
para começar ou terminar. É uma espiral constante em que se luta
para resolver problemas e dilemas atuais para depois analisar outros,
parecidos ou não.
Como um Código de Ética pode ser desenvolvido de forma perfei-
ta, acabada, imutável, se o mundo muda a cada instante? Se a cada
novo dia aparece um problema inédito para resolver? Se de tempos
em tempos temos de voltar a rever velhos conceitos para resolver ve-
lhos problemas que reaparecem de outras formas? Com o avanço da
internet, por exemplo, os bancos foram forçados a rever suas atitudes
em relação à segurança. Hoje repensam questões relativas à privaci-
O amadurecimento ético das organizações
Por Professor Doutor Clóvis de Barros Filho e Professor Doutor Arthur Meucci
E
Este artigo propõe uma nova visão para o papel da ética nas organizações e seus contínuos desafios. O principal objetivo é provocar uma reflexão nos líderes que se encontram numa zona de conforto – no tocante a este assunto. Queremos desafiá-los a pensar, pois esta é uma das áreas mais estimulantes e inovadoras das atuais organizações.
ÉticaÉtica
Código de corporativa
OrganizaçõesÉtica
artigo artigo
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 1918 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 201818 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
mos que esta nova tentativa seria inútil,
pois o problema, como observamos nes-
ses cinco anos de experiência, não era
uma questão nacional ou cultural. A falta
de aderência ao código provinha de um
desalinhamento entre os valores já pra-
ticados na empresa e as novas orienta-
ções valorativas idealizadas por alguém
além-mar. As pessoas já foram educadas
e socializadas na infância mediante valores que definem o certo e o
errado. Quando os funcionários entraram no mercado de trabalho, já
possuíam uma bagagem moral que foi adaptada na relação com os
outros funcionários da organização. Foram as relações sociais na em-
presa, e não uma brochura de papel, com normas abstratas e difíceis
de entender, que passaram os valores e condutas que cada agente
da empresa segue. Constatação esta que teóricos da administração
como Kevan Hall insistem em lembrar. As relações sociais de trabalho
são muito mais eficientes no processo de transmissão de normas de
conduta do que um código ou departamento de Compliance, apesar
de serem ignoradas nesse processo pelos especialistas. É muito mais
dade dos funcionários e clientes, além de mudarem continuamente
suas estratégias de atendimento com o surgimento de novos aparatos
tecnológicos.
A ideia de desenvolvimento ético e de soluções morais standard
não dá conta da contínua mudança da organização e de seus diversos
públicos de forma satisfatória. Não aceita o fato de que uma ação, por
mais ética que seja, muda nela mesma o funcionamento e a identida-
de da empresa. Solucionando problemas e abrindo espaço para possí-
veis outros. Normas rearticulam relações entre funcionários e clientes
solucionando conflitos, criando outras de-
savenças e possibilitando novas opor-
tunidades de mudança. Ações geram
reações, feedbacks que retroalimentam
ciclicamente o sistema de relações.
A maioria das organizações
acredita que a criação ou re-
estruturação do Código de
Ética é suficiente para resolver
demandas referentes à conduta
dos funcionários. Recordamos um
caso emblemático que marcou a
história do escritório. Em 2005,
quando começamos nossas ativi-
dades, uma importante empresa
multinacional nos convidou para
trabalhar em um programa de formação ética em sua filial no interior de
São Paulo. A empresa estrangeira que tinha adquirido recentemente as
operações no Brasil queria “impor” seu Código de Ética aos trabalhadores
brasileiros e para tanto precisava de um “programa ético” para motivar os
funcionários a seguir o novo código. Alegamos que nenhum “programa
ético” seria eficaz nessas condições, por impor visões e valores alheios
aos funcionários que trabalham na empresa. Também não responderia a
problemas tipicamente nacionais, como propina e corrupção de fiscais,
por exemplo. Nossa postura não era condizente com as expectativas da
matriz e por isso não fechamos negócio.
Recentemente essa empresa nos contatou novamente. Em reunião,
sua representante disse que o “código dos americanos não colou” e por
isso queriam nos contratar para fazer um novo código, “mais brasilei-
ro”. Novamente advertimos que esta não era a melhor solução. Insisti-
mos na ideia de que os códigos, neles mesmos, são estéreis. De nada
adiantaria, por maior que fosse nosso repertório teórico e nossa expe-
riência, escrever um código estando do lado de fora da organização.
Explicamos detalhadamente os problemas desta concepção tão
comum de ética adotada pelas empresas antes de propor novas pers-
pectivas para repensar soluções.
Mostramos aos diretores brasileiros e americanos a nítida preocu-
pação desta organização, como a de muitas outras com quem traba-
lhamos, de criar um Código de Ética para resolver seus problemas de
valores e condutas. Como se a imposição de uma brochura ou livro de
ética resolvesse prontamente todas as questões. Novamente alega-
eficiente mudar práticas de trabalho
em vez de impor novos valores.
Diante dessas considerações, ob-
servamos que o Código de Ética não
deveria ser feito sem a participação
efetiva dos funcionários na sua elabo-
ração. É por meio de uma escuta aten-
ta e de uma análise de discurso rigoro-
sa que podemos mapear as condutas,
valores e conflitos que realmente estruturam a organização. Diante
de um quadro geral das condutas e valores praticados, a organização
pode legitimar as atuais práticas ou desenvolver soluções para reali-
nhar ações comuns que são nocivas. Caso as práticas e valores utili-
zados gerem problemas, os funcionários devem ser informados, por
meio de palestras ou cursos, sobre as consequências nocivas de suas
ações. Afinal, nem todos os trabalhadores de uma empresa possuem
uma visão geral do processo produtivo e dos efeitos de uma atitude
em um todo organizado.
Feita a análise dos discursos dos funcionários, é importante obser-
var e monitorar as percepções e discursos que os mais importantes
Entre os gentílicos era um dever ajudar-se
mutuamente, mesmo que houvesse a presença de
inimizades ou insatisfações.
Como um Código de Ética pode ser desenvolvido de forma perfeita,
acabada, imutável, se o mundo muda a
cada instante?
artigo artigo
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 2120 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 201820 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
clientes e fornecedores têm da orga-
nização. Essas informações não são
importantes somente para elaborar
o código, mas também para que haja
uma iniciativa de visita contínua com
essas entidades para detectar peque-
nos desgastes ou conflitos que possam
desencadear problemas mais sérios de
relação entre a empresa e seus públicos externos. Essa iniciativa, fei-
ta por uma empresa especializada, assegura a coleta de informações
importantes por meio da garantia de anonimato e do sigilo das partes
envolvidas. Oferece uma análise seletiva dos problemas e dá suporte
para a direção da organização tomar decisões preventivas contra pos-
síveis conflitos.
Outra ação importante para garantir o processo de amadurecimento
ético depois da implantação do código é a criação de um mecanismo
externo que possibilite ao colaborador manifestar confortavelmen-
te suas dúvidas de conduta sem que haja
o medo da retaliação. Afinal, vimos que o
código em si mesmo é limitado frente ao
infinito número de possibilidades de ação
e nem sempre é fácil de ser lido. Um me-
canismo de orientação pode prevenir pro-
blemas simples de conduta. Evitaria uma
sobrecarga nos departamentos de Com-
pliance, jurídicos ou de relações públicas com possíveis transtornos
causados por agentes mal informados.
Por fim, a criação de um Comitê de Ética para analisar não só os
problemas de conduta, mas também para responder dúvidas contí-
nuas de funcionários e analisar o material discursivo interno e externo
enviado pela assessoria se faz necessário. No comitê, os conselheiros
da empresa podem propor ações educativas, comunicações, revisões
ou aperfeiçoamento das normas éticas de forma mais precisa segundo
a discussão das demandas. Com todo o material oferecido pelas ações
já mencionadas, o comitê deixaria de ser uma instância simplesmente
punitiva e atuaria ativamente no sentido de evitar futuros problemas.
A prevenção de condutas problemáticas é outro aspecto muito im-
portante quando pensamos em amadurecimento ético. Mais eficaz do
que invadir a intimidade de funcionários e clientes é construir canais
que possibilitem uma conscientização dos projetos de implantação da
ética, criar medidas educativas de consciência da prática profissional e
estabelecer programas que informem e orientem os funcionários nas
mudanças de práticas indesejadas para práticas mais adequadas aos
objetivos da organização. Afinal, os departamentos de Recursos Hu-
manos já aprenderam ao longo do tempo que uma circular de papel
condenando atitudes anteriormente aceitas e ameaçando com puni-
ção não funciona muito bem e traz efeitos colaterais.
Todas as ponderações que fizemos, bem como nossas sugestões,
têm como finalidade fazer da ética corporativa um elemento existen-
te, vivo, central na organização. Um elemento que constitui a identi-
dade da organização. Certamente nos colocamos na contramão de um
simples discurso ético existente no mercado, que, a nosso ver, é esté-
ril, ineficaz ou serve somente como maquiagem para forjar uma ima-
gem diante dos públicos com quem se relaciona. Códigos e discursos
éticos de caráter puramente paliativo. Palavras vazias de sinceridade
ou sentido real.
Mais do que trazer constatações e sugestões, oferecemos aqui ma-
terial crítico para se repensar crenças e atitudes referentes ao papel da
ética nas organizações.
O Código de Ética não deveria
ser feito sem a participação
efetiva dos funcionários na sua elaboração.
Professor Doutor Clóvis de Barros FilhoDoutor em Direito pela Sorbonne e doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo. É professor livre-docente de Ética da ECA/USP. Presta assessoria
pelo Espaço Ética. É autor de vários livros, entre eles A vida que vale a pena ser vivida(Ed. Vozes).
Professor Doutor Arthur MeucciDoutor em Educação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestre em
Filosofia pela Universidade de São Paulo e psicanalista pelo Instituto Brasileiro de Ciência e Psicanálise. É professor na Universidade Federal de Viçosa e
coautor do livro A vida que vale a pena ser vivida (Ed. Vozes).
artigo artigo
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 2322 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
Por que ninguém entende o seu código de ética?
Ronaldo Assais Ribeiro Campos
maior problema quando se propõe pensar o papel da ética
nas organizações é o preconceito que surge quando julga-
mos os valores de uma educação ética comunitária, seguida
pela maioria da população, com os valores corporativos.
Por “ética comunitária” entendemos o conjunto de valores morais que
cada indivíduo carrega de seu grupo de origem, por exemplo, compar-
tilhar uma linha de telefone fixo ou o uso do carro pelos vizinhos. Nossa
cultura dá muita importância para a camaradagem e a generosidade,
reflexos de uma longa história de injustiça social. De outro lado, os valo-
res corporativos foram pensados para atender aos lucros e à sustentabi-
lidade do negócio dentro de um espírito anglo-saxão.
Exemplos de conflitos entre essas duas visões de mundo são mui-
to comuns. Um caso verídico é o do supervisor de uma companhia
de energia que recebe um automóvel da empresa para acompanhar
os serviços de manutenção da rede elétrica. Por conta do excesso de
trabalho e do trânsito, esse exemplar funcionário ultrapassa suas oito
horas diárias de serviço sem reclamar. Certo dia, esse supervisor relata
aos colegas que no fim de semana socorreu sua vizinha para levá-la ao
hospital de madrugada, com o carro da empresa. Inesperadamente, o
funcionário foi advertido pelo seu gerente por utilizar o patrimônio da
empresa fora do expediente em benefício próprio.
Neste exemplo ocorre um sério conflito sobre a interpretação do
valor confiança. Para o gerente, o colaborador deixou de ser digno de
confiança quando utilizou o carro em atividades externas ao cumpri-
mento do trabalho. Já o supervisor perdeu sua confiança na empresa,
pois considera a advertência injusta. Um mesmo valor no código de
ética, porém com duas interpretações diferentes. Do ponto de vista do
gestor, houve um desvio de conduta com o uso do patrimônio. Pelo
ótica do funcionário, a sua dedicação ao trabalho não foi reconhecida,
sendo que o uso do automóvel implicaria um acordo tácito de mútuo
benefício entre a empresa e o colaborador. Qual é a interpretação cor-
reta deste valor?
A definição de confiança, que no Ocidente remonta ao filósofo São
Tomás de Aquino, a classifica como um sentimento de certeza sobre
coisas que não podemos verificar ou demonstrar (AQUINO, 2010). No
caso da empresa, a confiança pressupõe que o supervisor fará um bom
O
O Código de Ética tem como objetivo resolver as demandas referentes às conduta dos funcionários dentro de uma organização. Porém, as normas e situações previstas nele podem entrar em choque com os valores da “ética comunitária” do indivíduo.
Ética
Boa condutaConfiança
Código de Ética
artigo artigo
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 2524 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 201824 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
sociologia provou que cada cultura tem sua própria noção de certo
e errado, e que toda normatização da ética é fruto de um jogo de
interesses e conveniências (DURKHEIM, 1969; WEBER, 2004). Não há
um conceito universal sobre valores como confiança, transparência,
integridade ou mesmo lucro. Logo, podemos concluir que a simples
citação de valores em um banner ou código de ética não garante um
comum entendimento sobre seus significados e aplicações por parte
de todos os envolvidos (acionistas, diretores, colaboradores, fornece-
dores ou clientes).
Neste instante o leitor deve estar se perguntando: é possível tratar de
ética nas organizações se não existe um entendimento universal sobre
os valores éticos? Há mais de 2 mil anos a filosofia ocidental nos ajuda
a responder a esta questão. Constatado que há várias concepções possí-
veis sobre o que é ético, um grupo social deve buscar um consenso sobre
o significado de cada valor ou virtude. Perceba, caro leitor, que não estou
usando o termo “alinhamento”, pois isso pressupõe uma imposição ar-
bitrária do discurso moral da organização sobre os outros discursos que
cada grupo social possui.
Os tomadores de decisão certamente se sentem incomodados com
uso da ferramenta de trabalho que lhe foi concedida – sem que haja
necessidade de devolver o automóvel no final do expediente para ve-
rificar o mau uso do veículo. Porém, o que define esse “bom uso”?
Socorrer pessoas em perigo de morte é um mau uso? Será que há um
entendimento universal sobre a aplicação desse valor?
Não existe uma interpretação universal do que podemos entender
por confiança, nem de situações que podem ou não ser confiáveis.
Cada grupo social ou empresa entenderá este valor de uma forma
particular, atribuirá um sentido dentro dos problemas cotidianos. A
esta posição, pois acreditam que podem ditar seus valores com caneta-
das e demissões. Muitos se valem da autoridade e do medo para fazer
valer seu ponto de vista. Durante séculos essa estratégia funcionou, po-
rém fica cada vez mais nítido que as novas gerações não compactuam
mais com essas imposições. A nova geração da web 2.0 não gosta só
de ler ou assistir a uma notícia, ela também quer comentar, criticar e
participar. Hoje quase tudo é interativo. Então, por que somente a sua
percepção sobre ética no trabalho deve prevalecer?
Nesta nova sociedade de consumo, em que não há mais sujeitos
passivos, uma consultoria ética passa a ter como objetivo entender os
diferentes discursos de cada um dos integrantes da empresa sobre o que
pensam ser “certo“ ou “errado“ no ambiente de trabalho. Ela deve expor
o que os diversos grupos entendem sobre os valores praticados pela em-
presa, e assim propor uma reformulação do código de ética baseado em
uma discussão coletiva sobre os valores que todos acham justo seguir.
É importante que uma consultoria não se preocupe somente com os
aspectos normativos do código de ética, mas que ofereça às empresas um
trabalho de educação continuada para que esses valores possam ser en-
tendidos e compartilhados por todos os colaboradores, introduzindo esse
É possível tratar de ética nas organizações
se não existe um entendimento
universal sobre os valores éticos?
tema na cultura organizacional. Esse trabalho tem se tornado cada vez
mais comum, porém é necessário ter especialistas competentes e a boa
vontade da direção para que possa dar certo.
Para refletir: De que adianta hoje ter a bola e as regras se não
há jogadores dispostos a vestir a camisa do seu time?
Para alertar: Se você não pensou com seus colegas sobre o
que eu escrevi, não adianta ligar para mim reclamando que seus
funcionários não param na empresa. Sempre haverá outro clube
oferecendo condições melhores para os seus jogadores.
Referências bibliográficas
AQUINO, Tomás de. Comentario a la ética a Nicómaco de Aristóteles. Madri: Eunsa, 2010.
DURKHEIM, Émile. Leçons de sociologie. Physique des mœurs et du
droit. Paris: PUF, 1969.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
artigo artigo
Setembro/Outubro • Revista Inspire-c | 2726 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
As filas no SUS, Creches e hospitais..., é o
caos... queremos a Previdência,
E politiqueiros com aposentadoria especial.
Desvios de verba pública,
Amigo do presidente com dinheiro na mala!
Disseram ser mentira...ele é santo...inocente.
Lá em Brasília, boca fechada não fala.
Na disputa pelo Poder,
Tem gente que é ligeiro!
Pra ganhar popularidade,
Se envolveu com o feiticeiro.
O FeiticeiroGerson Carlos Tiburcio
Somos filhos da Eternidade,
Na Terra estamos em evolução!
Estamos em refinamento, disse o professor,
Em busca da perfeição.
Quem pesquisar vai encontrar,
Muita coisa para mudar!
O ontem não mais existe,
Mas é preciso acordar.
Na política, saúde e educação,
Segurança, Previdência Social!
O CÉU É O LIMITEMauri Alves da Silva
Sou o protagonista da nossa história
Somos autores do livro da vida
Releio o texto do dia a dia
Vivo os dramas da periferia.
Leio o documentário da ilusão
Carrego o desejo e a paixão
Sou companheiro da canção
E prisioneiro da emoção.
Correndo na praia fugindo do sol
Correndo na areia, fugindo do mal
Corpo molhado, de suor e sal
Nadando contra o vento no espaço sideral.
ReceitaMainá Santana (@mainassantos)
Achar um lugar de aconchego
É procurar-se luz interna
Lanterna a transparecer grande desejo
Em tempos de medo, palavra
A criar mundos diversos, transcender realidades
A espreitar
Somos poeira de universo,
Água, mote, caneta
E um corpo terráqueo a sustentar
“Me coloca pra dançar!”
Olhar o olho do seu par
É almar-se do outro
Sorrisos molhados de chá.
Gosta de escrever poesia? E de dançar, atuar, pintar? A partir das próximas edições, esta seção será exclusiva para textos dos nossos leitores! Envie o seu material com seu nome (ou pseudônimo, fique à vontade!) para que a gente publique e compartilhe na revista e em nossas mídias sociais. Todos têm arte fluindo nas veias, que tal mostrá-la para o mundo? Estamos a um clique de distância. :) [email protected]
Setembro/Outubro 2018 • Revista Inspire-c | 2928 | Revista Inspire-c • Setembro/Outubro 2018
Arte em vo-C Arte em vo-C
Confira outros vídeos desta edição acessando o nosso site:
www.revistainspirec.com.br/videos
Rua Maranhão, 620 – Cj.141 – HigienópolisSão Paulo, SPCEP: 01240-000Telefone: (11) 3661-7532
[email protected] Maranhão, 620 – Cj.141 – HigienópolisSão Paulo, SP – CEP: 01240-000Telefone: (11) 3661-7532
Realização: