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Editor

Eduardo Galasso Faria

Comissão Editorial

Eduardo Galasso Faria, Fernando Bortoleto Filho,

Gerson Correia de Lacerda, Shirley Maria dos Santos

Proença e Valdinei Aparecido Ferreira.

Teologia e Sociedade é editada pelo Seminário Teológico de SãoPaulo da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil

E-mail: [email protected]

Endereço: Rua Genebra, 180 – CEP 01316-010

São Paulo, SP, Brasil

Telefone (11) 3106-2026

www.seminariosaopaulo.org.br

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

Teologia e Sociedade / Seminário Teológico de São Paulo / Vol. 1,nº 4 (novembro 2007). São Paulo: Pendão Real, 2007.

Anual

ISSN 1806563-5

1. Teologia – Periódicos. 2. Teologia e Sociedade.

3. Presbiterianismo no Brasil. 4. Bíblia. 5. Pastoral.

CDD 200

Revisão: Eduardo Galasso Faria

Gerson Correia de Lacerda

Planejamento Gráfico, Capa e

Editoração eletrônica: Sheila de Amorim Souza

Impressão: Gráfica Potyguara

Tiragem: 1000 exemplares

As informações e as opiniões emitidas nos artigos assinados são

de inteira responsabilidade de seus autores.

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SumárioSumárioSumárioSumárioSumário4 EDITORIAL

6 DIACONIA EM CALVINO: UMA RESPOSTA AOS DESAFIOS DESEU TEMPO

Áureo Rodrigues de Oliveira

18 DECLARAÇÃO DE GENEBRA 2007: QUAL A IMPORTÂNCIADO LEGADO DE JOÃO CALVINO PARA OS CRISTÃOS HOJE?

26 UMA PERSPECTIVA RE-FORMADA DA MISSÃO DA IGREJA

Osmundo Ponce

38 REPRESENTAÇÕES DA DIVINDADE NO BIBLICISMO INGLÊS(SÉCULO XVII) E NO FUNDAMENTALISMO PROTESTANTE

(SÉCULOS XIX E XX)

Éber Ferreira Silveira Lima

50 A RECONSTRUÇÃO DA UTOPIA: UMA CHAVE DE LEITURAPARA O APOCALIPSE

Heitor da Silva Glória

66 A CURA DE UMA MULHER ENFERMA: UM ESTUDO DELUCAS 13.10-17

José Adriano Filho

78 BATISMO E UNIDADE CRISTÃ: UM ESTUDO DEEFÉSIOS 4.1-5

Lysias Oliveira dos Santos

100 UM ESTUDO EM 1 CORÍNTIOS 11.17-34 COM VISTAS ÀPARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS NA CEIA

Fernando Bortolleto Filho

RESENHARESENHARESENHARESENHARESENHA

110 FERRAMENTAS PARA O ESTUDO DE JOÃO CALVINO

Archibald M. Woodruff

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Com Teologia e Soci-edade 4 apresenta-mos aos leitores

mais um número da revista anu-al do Seminário Teológico de SãoPaulo. No planejamento paraesta edição, pensamos na impor-tância de já iniciar alguns passosno sentido das comemoraçõesdos 500 anos de nascimento doreformador João Calvino, em2009, como vêm fazendo outrasigrejas da família reformada aoredor do mundo. Outra preo-cupação foi a abordagemexegética de textos bíblicos re-lacionados com as decisões ofi-ciais recentes da Igreja Pres-biteriana Independente do Bra-sil sobre das OrdenaçõesLitúrgicas, que também buscamexpressar seu compromisso deanunciar o evangelho de JesusCristo nos dias de hoje.

No trabalho sobre aDiaconia em Calvino, o Rev.Áureo Rodrigues de Oliveiramostra a força do pensamentodo reformador francês nestaquestão, inserindo-o no âmbitoministerial da Igreja de Cristo,a partir da experiência realiza-da em Genebra.

Depois, na Declaração deGenebra 2007, resultado de umaConsulta Internacional prepara-tória para 2009, realizada emabril deste ano, temos uma re-flexão inicial sobre a maneiracomo deveremos celebrar o le-gado de Calvino hoje.

Em seguida, a apresentação deOsmundo Ponce sobre uma pers-pectiva re-formada da missão daIgreja na América Latina fornece

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diretrizes para uma ação pastoral de-safiadora, que cada vez menos se re-duz ao trabalho exclusivo do pastor.

Para a compreensão da históriado pensamento cristão e, de manei-ra especial, do fundamentalismonos séculos XIX e XX, temos a in-teressante análise do Rev. ÉberSilveira Lima das representaçõesfeitas em torno da Bíblia como Pa-lavra de Deus e até da própria Di-vindade.

O estudo do Apocalipse, apresen-tado pelo Rev. Heitor da Silva Gló-ria, mostra o contexto histórico-po-lítico em que o livro foi gerado noprimeiro século e suas possibilida-des utópicas, como fonte de espe-rança cristã e uma alternativa de vidafrente aos poderes do Império Ro-mano. Traz uma ampla bibliografia,da qual constam inúmeros estudosrecentes sobre o assunto.

O estudo exegético de JoséAdriano Filho, ao tratar da cura deuma mulher enferma em Lucas,mostra a liberdade de Cristo frenteà Lei e também inspira a Igreja a ser“força libertadora e terapêutica” emnosso tempo.

Na exegese de Efésios, o Rev.Lysias de Oliveira Santos trata dobatismo e da unidade da Igreja, semdeixar de mencionar a questão do

rebatismo. No entanto, para ele, adiscussão sobre esse ponto deve seraprofundada “para além de um sim-ples sim ou não em referência àquestão”.

Ainda como trabalho exegético,o Rev. Fernando Bortolleto Filhoanalisa um texto sempre menciona-do quando se discute a questão daparticipação de crianças na ceia. Se-gundo ele, fundamentado em refe-rências bibliográficas notáveis, notexto “Paulo se mostra indignadocom adultos indisciplinados” e nãohaveria base para justificar umaproibição à participação dos infan-tes na ceia.

No final, temos a resenha do Rev.Archibald Woodruff sobre um DVDrecentemente adquirido pelo Semi-nário de São Paulo, em que estãoreproduzidos digitalmente os 59 vo-lumes, com mais de 20.000 páginas,de textos de Calvino existentes emuma coleção de suas obras, esgotadae rara, que é o Corpus Reformatorum.Sem dúvida, uma recurso inestimá-vel para os especialistas e estudiososdo nosso reformador!

A todos uma leitura proveitosa einspiradora!

O Rev. Eduardo é o editor da Revista Teologiae Sociedade do Seminário Teológico de SãoPaulo

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Fred Graham, foram essenciais naelaboração deste texto.

Estudar João Calvino nesse tó-pico é sempre fascinante. Sua ca-pacidade como intérprete bíbli-co, aliada a uma arguta percep-ção da realidade e a relação entreas duas coisas é algo notável e,provavelmente, o motivo do re-novado interesse nos escritoscalvinistas. Nosso país, com cer-teza, fornece um quadro socialextremamente desafiador. Asigrejas protestantes têm crescidona compreensão do seu papel,todavia a ação diaconal tem se li-mitado a gestos isolados que secaracterizam mais pelo

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoFalar de diaconia em Calvino

é falar de sua visão social. E estaé uma das áreas mais fortes dopensamento e obra doreformador de Genebra. Nesteartigo, faremos um breve apanha-do da situação social em Gene-bra por ocasião da Reforma e doimpacto de sua liderança tanto alicomo em toda Europa e outroscontinentes. A compreensão dosministérios e seu resgate bíblico,assim como sua visão das neces-sidades existentes, constituemelementos decisivos na transfor-mação social que resultou em seulegado social. O trabalho de pes-quisa de Elsie McKee, do Semi-nário de Princeton, a arguta aná-lise de um dos maiores estudio-sos do pensamento social e eco-nômico de Calvino, André Biéler,bem como a investigação de W.

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assistencialismo. Reexaminar algunsensinamentos de Calvino podem servaliosos não apenas para as igrejas detradição reformada, mas para toda acomunidade protestante brasileiraque busca ser fiel à sua vocação cristã.

I - Concepção dosI - Concepção dosI - Concepção dosI - Concepção dosI - Concepção dosMinistérios emMinistérios emMinistérios emMinistérios emMinistérios em

CalvinoCalvinoCalvinoCalvinoCalvino Calvino entendia que a Escritu-

ra nos apresenta duas ordens minis-teriais: “Da ordem dos presbíteros:parte deles foi escolhida como pas-tores e mestres; a outra parte, com aresponsabilidade da disciplina e cor-reção moral; e os diáconos, que sãoresponsáveis pelo cuidado do pobree da distribuição das ofertas” (Calvin,1960, IV.4.1). Portanto, temos qua-tro ofícios permanentes: pastor, mes-tre, presbítero e diácono. Estes,como ministros eclesiásticos da be-nevolência, poderiam atuar em par-ceria ou cooperação como o podercivil. Ele assim explicita nasInstitutas:

“O cuidado do pobre foi confia-do aos diáconos. Entretanto há doistipos mencionados na Carta aos Ro-manos: ´o que contribui faça comsimplicidade... o que exerce miseri-córdia com alegria.´ Desde que Pau-

lo está falando do oficio público daigreja, deve existir dois distintosgraus. A menos que meu julgamen-to me engane, na primeira cláusulaele designa o diácono que distribui adoações. Mas, na segunda, ele se re-fere a àqueles se devotam especifi-camente ao cuidado do pobre e dosenfermos. (...) Se nós aceitarmosisso, haverá então dois tipos dediáconos: um que serve a igreja ad-ministrando os assuntos do pobre eoutro que cuida do pobre propria-mente. Mesmo que o termo diaconiatenha uma ampla aplicação, a Escri-tura especificamente designa comodiáconos aqueles que foram escolhi-dos para cuidar das doações, cuidardos pobres e servir como adminis-tradores da cesta comum do pobre.Sua origem, instituição e ofício sãodescritos por Lucas em Atos 6”(Idem,3.9).

Comentando a escolha dos pri-meiros diáconos, conforme descritapor Lucas em Atos 6, Calvino acres-centa que a murmuração surgidaentre os discípulos foi solucionadacom este remédio, a exemplo de umprovérbio corrente que dizia que “asboas leis surgem dos maus costu-mes”. É interessante observar, con-tinua ele, que tão excelente ministé-rio não tenha surgido por iniciativados apóstolos ou ainda que o Espíri-

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to Santo não lhes tenha aconselha-do em tal decisão, mas, mesmo ten-do sido impelidos por uma murmu-ração, foi uma decisão benéfica. Emoutras circunstâncias, talvez, os após-tolos não fariam a mesma saudáveldistribuição de tarefas (Calvin,Acts,1998).

Para melhor entender a concep-ção reformada acerca de diaconia, épreciso estabelecer uma rápida com-paração com outros conceitos oumodelos existentes. No âmbito daIgreja Católica, os diáconos exerci-am funções tipicamente litúrgicas enão de caridade. Este processo teveinício a partir do século IV. Por voltado século VII, eles se tornaram as-sistentes dos sacerdotes, estabelecen-do-se a seguinte ordem: bispo, sacer-dote, diácono, subdiácono, acólito,leitor, porteiro (McKee, 1989, 35).Provavelmente a compreensão me-dieval dualística a respeito das esfe-ras secular e religiosa, distinguindo osagrado do profano, tenha contribu-ído para o reducionismo da tarefadiaconal à função litúrgica (Idem,35). O diácono era treinado não ape-nas para prestar assistência ao sacer-dote, mas também visando uma fu-tura ordenação ao sacerdócio.

No ambiente da Reforma lidera-da por Zuínglio, foi mantido parcial-mente esse conceito do diácono

como uma espécie de pastor assis-tente ou, em algumas circunstânci-as, como um administrador civil paraassistência aos pobres. Algumas co-munidades anabatistas tinham um“diácono para os bens materiais” dis-tinto dos “diáconos da Palavra”.Como os anabatistas pregavam acompleta independência da igrejaperante o poder civil e nenhuma re-lação com o estado, seu trabalho dediaconia nada tinha a ver com a açãoassistencial do estado (Ibidem, 63).

A reforma luterana, caracteriza-da por uma maior flexibilidade, nãose preocupou em definir, a exemplode Calvino, as funções diaconais demaneira bem clara. Em parte, deve-se isto ao grande empenho de Luteroao enfatizar a centralidade da justifi-cação pela fé. Esta doutrina, segun-do Lutero, era o artigo pelo qual aigreja permanecia em pé ou caía.Necessário, portanto, se faz resguar-dar dos mal-entendidos a respeitodas boas obras. Por outro lado, a con-cepção de relacionamento igreja eestado fez com que muito daquiloque poderia ser concebido como ati-vidade diaconal fosse realizado peloestado. Ressalte-se ainda que, noâmbito luterano, havia uma maiorflexibilidade na organização das igre-jas. Todavia, isso não significa dizerque Lutero não prezasse o serviço aos

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pobres como essencial à vida cristã.Esta postura poderia ser resumidapela célebre afirmação que “o cris-tão é livre de tudo, porém servo detodos”. Modernamente, o ofíciodiaconal preserva ainda algumas fun-ções litúrgicas.

II - FII - FII - FII - FII - FundamentaçãoundamentaçãoundamentaçãoundamentaçãoundamentaçãoTTTTTeológicaeológicaeológicaeológicaeológica

Vários elementos dão sustentaçãoteológica à compreensão dos minis-térios, bem como à atuação dosdiáconos.

a) O primeiro elemento distinti-vo e marcante na tradição protes-tante é a doutrina da justificação pelafé e suas implicações. Como men-cionamos acima, esta doutrina, paraLutero, não era apenas uma doutri-na entre outras, mas a básica, a fun-damental, o principal artigo de fécom o qual a igreja permanecia oucaía. Todas as demais doutrinas deladependiam; ela era o sumário da fécristã e o elemento distintivo entrea fé cristã e as demais religiões(Althaus, 1996, p.224).

Na justificação pela fé em Cris-to, todos os crentes são constituídosagora sacerdotes que se aproximamde Deus, sem qualquer necessidadede mediação humana. A distinçãoentre sacerdotes e leigos desapare-

ce. Todos são igualmente sacerdo-tes de Deus. Lutero ressaltava que,no batismo, cada crente era orde-nado para o sacerdócio universal.Isto se opunha à reivindicação ro-mana que via a esfera religiosa (ecle-siástica) como superior à ordemsecular, fazendo com que as funçõesreligiosas fossem consideradas, por-tanto, sagradas, ao contrário das de-mais ocupações e profissões, vistascomo profanas ou mundanas. O gran-de ideal de espiritualidade da IdadeMédia era retirar-se do mundo paraservir a Deus no isolamento de ummosteiro.

A doutrina da justificação pela fée do sacerdócio universal de todosos crentes além de democratizar oacesso e a relação com Deus medi-ante a fé, remetia o cristão ao mun-do, lugar de servir e glorificar a Deus.Lutero enfatizava a dimensão de vo-cação divina em toda e qualquer ocu-pação ou trabalho humano. Deus noschama para servi-lo e devemos fazê-lo através das nossas ocupações. Nos-sas ocupações devem honrar a Deuse servir ao próximo. Calvino, por suavez, enfatizava que o mundo é o tea-tro da glória de Deus, sendo, por-tanto, neste mundo que trabalhamospara evidenciar a maior glória deDeus. O ascetismo monástico é des-locado para o mundo. O mosteiro

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deixa de ser o lugar da busca da per-feição. O chamado de Deus tem umoutro espaço para ser vivido. Estanova visão tem impactos sociais eeconômicos profundos. As ocupa-ções civis e, entre elas, o cuidadopelos pobres não eram menos sagra-dos que as outras atividades eclesiás-ticas.

b) O segundo elemento nessanova compreensão é a relação en-tre liturgia e ética. Calvino, aqui di-ferindo de Lutero, defendia o quese chamou de terceiro uso da lei. Oprimeiro uso ou função da lei seriaa contenção do pecado pelo temordo castigo; o segundo seria o papelque a lei exerce no pecador, demons-trando sua incapacidade de fazer avontade de Deus, produzindo deses-pero e levando-o a Cristo. Calvino,entretanto, entendia que a lei aindatinha um terceiro uso, atuandocomo norma para os regenerados.A vida cristã é guiada pela lei nãoem espírito de temor, mas em liber-dade e gratidão. Nessa perspectiva,há duas tábuas da lei. A primeira,contendo os quatro primeiros man-damentos, refere-se ao culto a Deuse é resumida na palavra “pietas” en-tendida como piedade, devoção,culto, fé, etc. A segunda, do quintoao décimo mandamento, é entendi-da como “caritas” no sentido de

amor, justiça, integridade, etc. Avida do justificado pela fé tem doisfocos inseparáveis: Deus e o próxi-mo. O culto a Deus tem precedên-cia, mas não pode ser divorciado doserviço ao próximo. A lei ensina nãosomente a cultuar a Deus, mas tam-bém a amar e respeitar o próximo(Calvin 1960, II.7.1-12).

Uma das formas de servir ao pró-ximo é a partilha dos bens materiais.Os bens são bênçãos recebidas damão de Deus e devem ser usados aserviço dos necessitados. Isso exigedos cristãos um estilo de vida sim-ples e despojado.

c) O ser humano, criado à ima-gem e semelhança de Deus, foi re-vestido com sabedoria, santidade,justiça e vida, refletindo a naturezade Deus. A queda remove-lhe todosesses dons e, agora, é tomado porignorância, iniqüidade, morte, con-denação, etc. Todavia, a exigência dejustiça por parte de Deus permane-ce e só pode ser cumprida ou reali-zada por Cristo – verdadeira ima-gem de Deus e verdadeira justiça –que abre caminho para a restaura-ção da imagem de Deus em nós.Assim, os que foram regeneradosdesejam viver em justiça e obediên-cia como gratidão pela redenção. Opoder do Espírito, que nos capacitaa crer, nos habilita também a viver

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em justiça. Deus ama a justiça eaborrece toda injustiça(Douglass,1997).

Em seu comentário de Isaias58.7, “Não é este o jejum que esco-lhi, que partas o teu pão com o fa-minto”, Calvino diz que aí está adescrição das responsabilidades doamor ao nosso próximo, e que nósdevemos nos abster de qualquer atode injustiça a fim de demonstrar oexercício da bondade para com oferido e aquele que necessita de nos-sa assistência. Através do manda-mento de partilhar o pão com o fa-minto, ele pretende remover qual-quer desculpa para a cobiça ou ava-reza, tendo como pretexto a preten-são do “isto é meu”. Calvino nos lem-bra que, quando dizemos isto é meu,o fazemos apenas na condição departilhar com o faminto e com onecessitado (Calvin, Isaiah, 1998).

III - Um PIII - Um PIII - Um PIII - Um PIII - Um Panoramaanoramaanoramaanoramaanoramada Situação Socialda Situação Socialda Situação Socialda Situação Socialda Situação Social

O final da Idade Média é marca-do por um aumento considerável depessoas vivendo em situação de mi-séria e dependendo da caridade cris-tã. As intermitentes guerras deixa-ram, além de prejuízos materiais,uma contínua leva de soldados

desmobilizados; a peste negra var-reu a Europa e dizimou mais de umterço da população; o esgotamentodo sistema feudal e os deslocamen-tos forçados devidos às perseguiçõesreligiosas contribuíram para o agra-vamento desse quadro. Um outroagravante nessa situação foi a inca-pacidade da igreja, através das suasinstituições de caridade, em lidarcom o problema.

Durante a Idade Média, o cuida-do com os pobres era uma atribui-ção exclusiva da igreja. Doações, ca-ridade e esmolas eram consideradasvirtudes importantes. Havia váriasorganizações religiosas dedicadas aessa tarefa. Na baixa Idade Média,registrou-se uma mudança, quandomuitos nobres fizeram doações ouorganizaram fundações, principal-mente mosteiros, para que estes oras-sem em favor das suas almas, bemcomo de seus familiares e tambémcuidassem dos necessitados. Embo-ra tais instituições fossem denomi-nadas de hospitais, elas não se dedi-cavam exclusivamente ao cuidadomédico, atendendo aos órfãos, aospobres, etc.

No início do século XVI, haviaum descontentamento pela maneiracomo essas instituições eram geridas.Começa a ocorrer um processo delaicização da caridade. Esses hospi-

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tais, na sua maioria, eram adminis-trados por grupos religiosos, masagora, devido ao declínio religioso,ao aumento do número dos pobrese à queda da receita, a própria situ-ação em que se encontravam de-mandava esse tipo de reforma. Es-sas mudanças incluíam, além da se-cularização ou laicização, a centra-lização e a busca de um uso racionaldos recursos para atender aos po-bres. A racionalização incluía umaadministração mais profissional, ocadastro e hierarquização das neces-sidades, os tipos de assistênciarequerida, e ajuda paraprofissionalização.

Algumas cidades, como Paris, ha-viam tomado medidas radicais con-tra a mendicância, instituindo o tra-balho forçado na limpeza de esgotos,remoção de lixo, etc., à semelhançado trabalho escravo. Aqueles que serecusassem a trabalhar eram expul-sos ou presos (Graham, 1978, 98).Em Genebra, embora a mendicân-cia também tenha sido proibida, mes-mo porque ela nunca fora conside-rada uma obra meritória, o tratamen-to aos pobres recebeu outro enfoque,conforme veremos adiante.

Coletas especiais eram feitas emfavor dos leprosos e outros enfermos,órfãos, viajantes e outros tipos denecessidade. Porém, a forma mais

comum de caridade era a distribui-ção de esmolas para os mendigos lo-cais ou peregrinos, uma vez que apobreza era considerada uma virtu-de. Esta visão contribuiu para a pro-liferação da mendicância, agora porfatores religiosos. Muitos haviam re-nunciado a seus bens para se dedica-rem à vida religiosa, sendo conheci-dos como “ordens mendicantes”,como os franciscanos, carmelitas,etc., e dependiam exclusivamente dacaridade alheia para sobreviver. PedroValdo, no século XII, liderou ummovimento inicialmente conhecidocomo “os pobres de Lyon” e, depois,como os valdenses, é também umexemplo daqueles que renunciarama seus bens, distribuindo-os aos po-bres, para viverem desembaraçadospara a pregação do evangelho.

Lutero assim se expressou: “Pro-vavelmente uma das nossas maioresnecessidades é a abolição da mendi-cância em toda Cristandade. Nin-guém, vivendo entre os cristãos, de-veria mendigar. Seria uma medidafácil de tomar, se ousássemos deci-dir que cada cidade deveria cuidardos seus pobres” (apud McKee,1989, 52).

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IV - Uma DiaconiaIV - Uma DiaconiaIV - Uma DiaconiaIV - Uma DiaconiaIV - Uma Diaconiapara Enfrentar opara Enfrentar opara Enfrentar opara Enfrentar opara Enfrentar o

PPPPProblemaroblemaroblemaroblemaroblemaCalvino descreve a situação em

Genebra no início do seu segundoperíodo de trabalho (1541-1564) nosseguintes termos: “Muitos persegui-dos pela pobreza e fome, outros gui-ados por uma ambição insaciável,avareza, cobiça e ganho desonesto”(Calvin, Psalms, 1998). A cidade deGenebra experimentava uma sériacrise social e econômica. Seu comér-cio estava em declínio; as indústriaseram inexpressivas; e algumas casasbancárias, que lá haviam se estabele-cido, migraram para outras cidades daFrança. Não raras vezes, os Savoyardsatacavam as plantações, comprome-tendo as colheitas, bloqueando as es-tradas e criando um estrangulamentopara vida da cidade.

Para complicar a situação, as vári-as perseguições religiosas, principal-mente na vizinha França, aumenta-vam a cada dia o número dos refugi-ados. Estima-se que a população deGenebra, em 1537, era de 10.300habitantes. Entre 1542 a 1560, cer-ca de 5.000 trabalhadores entraramlegalmente em Genebra, muitos tra-zendo suas famílias. Além disso, oprograma educacional de Genebra,

a reforma religiosa e a localizaçãogeográfica rodeada de territórios ca-tólicos contribuíam para esse afluxode pessoas. A Academia de Gene-bra – mais tarde Universidade deGenebra – era um exemplo disso.Em 1562, dos 162 estudantes, ape-nas 4 eram residentes de Genebra.Há, porém, alguns dados curiosos,uma vez que, entre os refugiados,vieram vários profissionais comomédicos, boticários, artesãos e ou-rives. A famosa indústria relojoeirade Genebra teve início com os re-fugiados, conforme nos informaAndré Biéler, notável intérprete dopensamento social e econômico deCalvino (Biéler, 1990, 216,17).

Biéler ainda acrescenta que a Re-forma teve profundo impacto nãoapenas no âmbito religioso, mas tam-bém no social, produzindo, nas di-versas regiões onde fora adotada, vá-rias transformações nesse campo.Zurique, Berna e Genebra são exem-plos disso. Logo após a adoção daReforma em Genebra, em 1535, éfundado o hospital geral, cujo pro-pósito era assistência aos enfermos,pobres, órfãos, idosos. Outras me-didas de ordem econômica foramtambém adotadas, com a finalidadede combater o monopólio, a explo-ração e a especulação, garantindoaos pobres melhores condições de

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vida (Idem, 222).Outras medidas se seguiram

após a chegada de Calvino e foramintensificadas após o seu segundoperíodo em 1541, quando retornoude Estrasburgo. A mendicância foiproibida e todos os estrangeiros quese recusassem trabalhar seriam obri-gados a deixar a cidade em três dias(Ibid), e as crianças eramintroduzidas em um programa deaprendizagem de uma profissão.

Todavia, uma das medidas maisimportantes foi a introdução do tra-balho dos diáconos com a responsa-bilidade de cuidar dos pobres e a dis-tribuição das doações, restaurandoassim a função primitiva dosdiáconos. Essas tarefas foram defi-nidas nas Ordenanças Eclesiásticas,em 1541. Este era um ministérioespecífico que, além de administraro dinheiro da assistência, organizavae supervisionava os hospitais. Eramsubordinados aos ministros. As fon-tes desse ministério eram o dinheirodesignado pelo Conselho da cidadepara o hospital, a renda das multas,doações ou ofertas de caridade e avenda de bens destinados a esse fim.Como prova do interesse da cidadepelo assunto, os registros indicavam,em 1544, que as despesas com esseitem se constituíam na quinta maiordo orçamento da cidade (Graham,

99-100).Os hospitais eram, na verdade,

mais do que hoje conhecemos porhospitais, pois, além de servir aosdoentes, também eram abrigos paraidosos e órfãos, e albergues para es-trangeiros e indigentes. O hospitalera administrado por um diácono, oque requeria um trabalho de tempointegral mediante um pequeno salá-rio. Uma vez por semana, ele tinhade se reunir com os outros diáconospara relatar a situação do hospital.Essa função requeria algumas habili-dades especiais, diversos conheci-mentos e, naturalmente, paciência eamor, uma vez que, além dos doen-tes, havia os idosos, os órfãos, os es-trangeiros. Ele devia cuidar tambémde uma equipe de trabalhadores queproduzia os alimentos, cuidava dosanimais para produção de carne e dopão, tanto para o consumo própriocomo para a distribuição aos pobresda cidade. O hospital também dis-punha de um instrutor para ensinode um ofício aos meninos, além, éclaro, dos médicos e farmacêuticos.

Em 1544, nos registros do Con-selho há um curioso episódio:Calvino apresenta um relato de acu-sações contra o diretor do hospital,que atuava como um equivalenteantigo de um “sanguessuga” moder-no, pois estava se apropriando de

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moedas de ouro de um estrangeiro,vendendo pão destinado aos pobrese enfermos, tomando dinheiro oupertences dos enfermos. Ele foi re-movido no mesmo dia (Idem 103).

A medicina social foi introduzida.Os médicos deveriam atender nãoapenas os doentes no hospital, mastambém todos os doentes pobres naárea em que viviam.

A maioria dos refugiados era defranceses, o que gerou tensões emuitas vezes desconfiança em umaGenebra tão ciosa da sua indepen-dência conquistada a duras penas.Acrescente-se o fato de que os pas-tores mais influentes eram tambémfranceses, como Froment, Farel,Calvino e Beza. Isto não impediu queCalvino enfrentasse o problema, cri-ando o Fundo Francês e convencen-do os franceses ricos a contribuírem.Ele mesmo, embora de possesmodestíssimas, era um freqüentecontribuinte desse fundo. Este fun-do destinava-se não apenas ao socor-ro dos refugiados franceses em Ge-nebra, mas também em outras par-tes da Europa.

Os diáconos foram mobilizadospara amenizar os sofrimentos dosrefugiados, pois estavam incumbi-dos de proporcionar alojamento, co-mida de emergência e, posterior-mente, casa, empréstimo de utensí-

lios domésticos, treinamento paraemprego, ferramentas para traba-lho, além de providenciar mães depeito, mães adotivas para os órfãos,tratamento médico para os doentes,e de contratar alfaiates ou costurei-ras para produzir roupas.

A atuação de Calvino tem outrasdimensões no sentido de mobilizar eeducar o povo de Deus nas causas dajustiça. Uma delas foi a luta da igrejaem redefinir o seu papel perante opoder civil, resistindo às investidasabsolutistas do poder civil e estimu-lando os leigos para a participação navida e problemas da cidade e domundo. Isto se deu também pelaeducação que capacita as pessoas atomarem decisões éticas e não seremsimplesmente manipuladas.

A compreensão teológica do sen-tido de vocação, na qual cada cristãoé chamado a servir a Deus no mun-do, glorificando-o com seu trabalho,foi enfatizada. Os filhos não herda-vam simplesmente uma ocupação,mas os pais eram ensinados a ajudaros filhos a escolher uma profissão quepermitisse obter o sustento da suafamília, servir ao próximo e coope-rar para o bem comum. Cada pes-soa devia procurar um trabalho quefosse socialmente útil. Por outrolado, a concepção do salário comodom de Deus não se restringia ape-

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nas a suprir as necessidades pesso-ais, mas também dos que estavamem maior necessidade.

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão Calvino nos legou não apenas

um sistema teológico doutrináriocomo muitos inadvertidamente pen-sam. Ele conseguiu articular muitobem teologia e ética, aliás, duas rea-lidades inseparáveis. Suas visão so-bre o papel da Palavra na reformada igreja bem como na transforma-ção da sociedade são extremamen-te pertinentes ainda hoje. Três ele-mentos fundamentais previstos nasOrdenanças Eclesiásticas ilustramisso: igreja, escola e hospital. O pri-meiro empenho de Calvino foi a re-forma da igreja pela Palavra de Deuse nisto ele investiu considerável tem-po e dedicação. Ao mesmo tempo,ele percebeu que a educação é umelemento decisivo na transformaçãoda sociedade e na formação de lide-ranças. E, em terceiro lugar, consi-derou que a diaconia tem de ser umestilo de vida da igreja e não apenasum conjunto de ações isoladas.

Calvino, então, restaurou eredefiniu o papel dos diáconos comoum dos oficiais da igreja, dando-lhesautoridade de um ofício e estabele-

cendo este serviço como permanen-te e essencial. As tarefas desses mi-nistros foram inovadoras e contri-buíram decisivamente para a con-cepção moderna de seguridade so-cial.

Deparamo-nos hoje com um re-trocesso à época medieval. Adiaconia, salvo raras e honrosas ex-ceções, tem se reduzido à funçãolitúrgica: permanecer à porta do tem-plo durante os cultos e na prepara-ção da Eucaristia. Tem havido consi-deráveis esforços no sentido de mu-dar essa visão, mas há ainda um lon-go caminho pela frente. Uma visãoteológica empobrecida está nas raízesdo problema. Outro obstáculo seriaa influência do modelo político bra-sileiro: clientelista, paternalista, etc.Muitas igrejas têm assimilado o mo-delo e a diaconia se transformou emum conjunto de ações isoladas, pu-ramente assistencialistas, com obje-tivos apenas de agregar pessoas àmembresia. Reexaminar as motiva-ções teológicas de Calvino, sua visãodo ser humano de modo integral, seuempenho pela construção de umasociedade mais humana, mais solidá-ria, mais fraterna, menos desigual,muito nos ajudará na transformaçãoda igreja para que tenha um perfilmais diaconal.

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O Rev. Áureo é presidente e professor doSeminário Teológico de Fortaleza da IgrejaPresbiteriana Independente do Brasil

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legado de Calvino para oslegado de Calvino para oslegado de Calvino para oslegado de Calvino para oslegado de Calvino para oscristãos de hoje?cristãos de hoje?cristãos de hoje?cristãos de hoje?cristãos de hoje?

Dentro de dois anos será co-memorado o V centenário donascimento de João Calvino,ocorrido em 1509. Em Genebrae em todo o mundo, a celebra-ção deste aniversário será a opor-tunidade para que se reflita so-bre o seu legado e se descubra asua relevância para as prementesquestões da atualidade. Para ini-ciar este processo de reflexão, 50teólogos de diferentes continen-tes e países se encontraram emGenebra, de 15 a 19 de abril de2007, a convite do Centro Inter-nacional Reformado John Knox,da Federação Protestante Suíça,da Aliança Mundial de Igrejas Re-formadas e da Faculdade de Teo-logia de Genebra. A seguinte de-claração é um resumo das deci-sões tomadas por eles.

Com a aproximação dos 500anos do nascimento de JoãoCalvino em 2009, os reformados/presbiterianos de todo o mundo sepreparam para as comemoraçõesdo seu Jubileu. Uma ConsultaInternacional reuniu em Genebra,no mês de abril deste ano, maisde 50 representantes de igrejas eestudiosos de Calvino parapreparar a agenda e as prioridadesdesse importante evento, queenvolve a família reformada comoparte da Igreja de Jesus Cristo. ADeclaração de Genebra 2007menciona a importância daoportunidade para recuperar olegado do reformador, mas deixaclara a dificuldade com osestereótipos que, através dostempos, têm se formado em tornode seu nome e prejudicado acompreensão de sua vida e obra.O desafio colocado diante de nóstem a ver com a reinterpretaçãodessa herança que, sem dúvida,continua bastante relevante paraos dias de hoje.

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Quem era Calvino e qual o sig-nificado de seu legado para os diasde hoje? Estes incessantesquestionamentos adquirem urgên-cia especial à medida que se aproxi-ma o aniversário do nascimento deCalvino em 2009. Para as Igrejas Re-formadas, Calvino é uma fonte per-manente de inspiração e, por con-seguinte, elas olham para a celebra-ção que se aproxima com um senti-mento de profunda gratidão bemcomo uma oportunidade para ocompromisso e a renovação. Elasgostariam de partilhar o verdadeirolegado de Calvino com os cristãosde outras tradições e com a socie-dade. Ao mesmo tempo, elas estãoconscientes de que a imagem deCalvino é polêmica e, hoje,freqüentemente apresentada emuma perspectiva negativa. Mais doque qualquer outro reformador doséculo XVI, ele tem se tornado ví-tima de clichês. Quatro estereóti-pos invariavelmente aparecem,quando seu nome é mencionadopublicamente:

1o) seu rígido conceito de duplapredestinação: Deus elege al-guns para a salvação e desti-

na outros à condenação;2o) a austeridade moral por ele

imposta ao povo de Genebra;3o) sua participação na execução

de Miguel Serveto;4o) seu papel no desenvolvimento

histórico da modernidade ede maneira particular, do ca-pitalismo moderno; para al-guns, ele é o pai damodernidade e, para outros,ele lançou as bases para umaespiritualidade dirigida para aprosperidade.

Embora estas idéias sobreCalvino sejam amplamente aceitase tidas por certas para muitos, elasrepresentam uma redução e, na ver-dade, uma distorção da realidadehistórica. Mais ainda, elas levam auma atitude de preconceito que obs-trui o acesso ao verdadeiro signifi-cado do reformador. A consulta che-gou à conclusão de que um novoesforço de interpretação deve serempreendido. Assim, convocamosteólogos e intelectuais de outras áre-as acadêmicas, bem como todo opovo de Deus, a visitar novamentea herança do grande reformador.Estamos convencidos de que elacontém percepções e perspectivasque permanecem relevantes para osdias de hoje. Um estudo mais cui-

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dadoso de seus escritos, não apenasdas Institutas, mas também de seuspequenos tratados, sermões e co-mentários, revelarão riquezas sur-preendentes.

Calvino pertence à segunda ge-ração no movimento da Reforma.Ele contribuiu decisivamente, atra-vés de seus escritos e de sua vida,para a consolidação da Reforma. Oalcance e a coerência de seu pensa-mento possibilitaram a formaçãodas Igrejas Reformadas. Portanto, nojubileu da Reforma em 2017, o seunome deve ser reconhecido. SemCalvino, a Reforma teria tomado umrumo diferente.

O esforço para ultrapassar os es-tereótipos difundidos deve, em nos-so ponto de vista, ser orientado pe-los três princípios que se seguem:

1o) O ponto de partida paraqualquer interpretação válida deveser o ímpeto fundamental da vidade Calvino. Qual era, afinal de con-tas, a força propulsora de sua teo-logia e vida? Aspectos particularese problemáticos de seu ensino,como, por exemplo, sua doutrinada predestinação, devem ser vistose interpretados no quadro de suasintenções básicas para compreen-der Deus, a criação, a salvação hu-mana e o cumprimento de todas as

coisas.2o) Freqüentemente Calvino é

considerado responsável – de modopositivo ou negativo – pelo desen-volvimento histórico dos últimos sé-culos. Aos olhos de alguns, ele abriuas portas para o mundo moderno,em particular para o capitalismo, e,aos olhos de outros, é dele a respon-sabilidade pelo moralismo biblicistaestreito que caracteriza algumasigrejas protestantes. Para termosuma imagem autêntica de Calvino,é necessário sermos guiados porsuas próprias intenções e afirma-ções.

3o) Calvino viveu em uma situa-ção muito específica – atacado porinimigos e também contestado naprópria cidade de Genebra. Ele tevede defender sua compreensão doevangelho em tempos agitados.Calvino não era simplesmente umteólogo escritor, mas foi arrastado– contra sua inclinação pessoal e suavontade – para as lutas de seu tem-po. É essencial interpretar Calvinono contexto de sua época. Muitasnovas pesquisas sobre aspectos par-ticulares de sua vida têm sido ela-boradas recentemente. Assim, umacompreensão mais serena a seu res-peito tem se tornado possível.

Calvino não era um santo. Qual-

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quer tentativa de esboçar um retra-to idealizado dele está destinada aofracasso. Reconhecemos que sua re-ação aos conflitos em Genebra po-deria ser ríspida e que seu papel naexecução de Serveto foi, na verda-de, mais que duvidoso. Mesmo le-vando em conta suas convicções, elefalhou em momentos decisivos. Alinguagem por ele utilizada contraadversários teológicos torna a leitu-ra de alguns de seus escritos difícil.Ao refletir sobre a relevância de suaherança, compreendemos que cer-tos aspectos de seus escritos não sãomais pertinentes e não podem sersustentados. Mas, em nosso pontode vista, Calvino permanece umatestemunha notável da mensagemcristã e merece ser ouvido cuidado-samente nos dias de hoje.

Aqui apresentamos a seleção deoito áreas que, em nosso entender,são de particular interesse hoje epodem favorecer um novo acesso aolegado de Calvino:

11111aaaaa) O compromisso de) O compromisso de) O compromisso de) O compromisso de) O compromisso deCalvino em proclamarCalvino em proclamarCalvino em proclamarCalvino em proclamarCalvino em proclamar

a glória de Deusa glória de Deusa glória de Deusa glória de Deusa glória de DeusCalvino acredita que Deus, o

criador soberano e benevolente detodas as coisas, deseja estar em re-

lação íntima conosco. Este Deusprocura nos deleitar, acomodan-do-se às condições de nossa exis-tência como criaturas, a fim deconhecer e ser conhecido por nós.Na rudeza da manjedoura, na se-veridade da cruz e nas limitaçõesdas palavras bíblicas, Deus nosencontra e nos requer, através dopoder do Espírito Santo. A glóriade Deus, que escolhe se manifes-tar desta forma, está refletida naglória da existência humana à me-dida que buscamos representar oevangelho em todas as áreas davida. Referindo-se a Bernard deClairvaux, Calvino escreveu: “Eentão? Os humanos se tornaramsemelhantes à vaidade; eles são re-duzidos a nada; eles nada são. To-davia, como poderiam nada ser,quando Deus os engrandece? Comonão podem ser nada aqueles emquem Deus coloca o seu coração?Tenhamos coragem. Embora nadasejamos em nossos próprios cora-ções, talvez encontremos algo denós mesmos escondido no coraçãode Deus. Ó Pai das misericórdias,ó Pai dos miseráveis, como pões oteu coração em nós! Pois o teu co-ração está onde está o teu tesouro”(Institutas, III.2.25).

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22222aaaaa) Determinação de) Determinação de) Determinação de) Determinação de) Determinação deCalvino em colocarCalvino em colocarCalvino em colocarCalvino em colocarCalvino em colocar

Jesus Cristo diante deJesus Cristo diante deJesus Cristo diante deJesus Cristo diante deJesus Cristo diante detodo o nosso pensar etodo o nosso pensar etodo o nosso pensar etodo o nosso pensar etodo o nosso pensar e

viverviverviverviverviverAo honrar o nome de Cristo, que

se tornou carne da nossa carne, aglória e a graça de Deus sãotestificadas em nosso meio. “Se nosseparamos ainda que seja uma úni-ca polegada de Cristo, a salvaçãodesvanece... onde o nome de Cristonão é ouvido, tudo envelhece e seca”(Institutas, II.16.1). A igreja depen-de inteiramente da presença de Je-sus Cristo vivo através do poder doEspírito de Deus. Assim, ela se tor-na a comunhão dos “que amam aCristo”.1 Ela não pode confiar na tra-dição ou na força das estruturasexistentes. A crítica de Calvino àigreja de sua época se baseava nestafirme convicção.

33333aaaaa) A ênfase de Calvino) A ênfase de Calvino) A ênfase de Calvino) A ênfase de Calvino) A ênfase de Calvinona obra do Espíritona obra do Espíritona obra do Espíritona obra do Espíritona obra do EspíritoSanto na criação eSanto na criação eSanto na criação eSanto na criação eSanto na criação e

salvaçãosalvaçãosalvaçãosalvaçãosalvaçãoA ação de Deus é universal e to-

talmente compassiva. Para Calvino,ela expressa o governo divino sobretodas as criaturas, humanas e nãohumanas. Nada está além da sabe-

doria e do cuidado paternal de Deus.O Espírito é a força que dá vida esustenta todas as coisas em seu ser.Este mesmo Espírito nos une comCristo, inspirando-nos na compre-ensão da Palavra de Deus, iluminan-do-nos e santificando-nos em fé, ereunindo-nos na comunhão da igre-ja. Calvino sempre fala da igreja, comseu ministério da Palavra e dos sa-cramentos, como a comunidade doscrentes dentro da qual nasce a fé,sustentada e fortalecida pela ação doEspírito Santo. Como membros deseu corpo vivemos na esperança darenovação de nossas vidas e de todoo mundo.

44444aaaaa) O compromisso de) O compromisso de) O compromisso de) O compromisso de) O compromisso deCalvino com aCalvino com aCalvino com aCalvino com aCalvino com a

EscrituraEscrituraEscrituraEscrituraEscrituraPara Calvino, a Bíblia está no cen-

tro da vida da igreja, para ser sem-pre lida e estudada por cada pessoaque faz parte do povo de Deus. Eladeve ser ensinada na igreja, que épor ele descrita como a “mãe” e “es-cola” para nossa fé. “Nossa fraque-za não permite sermos despedidos desua escola até que tenhamos sido alu-nos por toda a vida” (Institutas,

1 A Todos os que Amam a Jesus Cristo e ao seuEvangelho. Prefácio de Calvino à tradução da Bíblia,de Olivétan.

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IV.1.4). A atenção cuidadosa deCalvino para com o conteúdo e uni-dade do Antigo e do Novo Testa-mentos, a centralidade do testemu-nho da Bíblia sobre Jesus Cristo, anecessidade de lutar pelo sentido dotexto com a ajuda do conhecimen-to histórico e científico de seu tem-po, bem como o poder da Palavrade Deus para falar novamente acada geração, permanecem de for-ma exemplar. Sua exposição dadoutrina cristã nunca é feita à partede sua interpretação da Escritura,que, por sua vez, sempre ocorre nocontexto do trabalho cotidiano dapregação, cuidado pastoral e atua-ção cívica.

55555aaaaa) A determinação de) A determinação de) A determinação de) A determinação de) A determinação deCalvino para que aCalvino para que aCalvino para que aCalvino para que aCalvino para que a

vontade de Deusvontade de Deusvontade de Deusvontade de Deusvontade de Deusinfluenciasse todas asinfluenciasse todas asinfluenciasse todas asinfluenciasse todas asinfluenciasse todas as

áreas da vidaáreas da vidaáreas da vidaáreas da vidaáreas da vidaA preocupação de Calvino era

para que a glória de Deus fosse ce-lebrada e testemunhada em todosos níveis de vida, que toda a criaçãocantasse louvores a Deus de formaconcreta e exultante e que a belezada vontade de Deus se manifestasseem nossos padrões de vida, fossemeles nobres ou humildes. Calvinoafirma que a lei moral na Escritura

tanto nos convence do pecado con-tra a vontade de Deus como servede guia para glorificá-lo em todosos aspectos do nosso viver diário. Alei, propósito de Deus para o cren-te, oferece um espaço para o esplen-dor humano que é tanto bem-vindoe inclusivo como aglutinador eformativo. Ela fornece limites e or-dem à nossa existência como cria-turas, de modo a podermos nos de-leitar nos admiráveis dons de Deuse responder com alegre gratidão.

66666aaaaa) A insistência de) A insistência de) A insistência de) A insistência de) A insistência deCalvino quanto aosCalvino quanto aosCalvino quanto aosCalvino quanto aosCalvino quanto aosdons da criação dedons da criação dedons da criação dedons da criação dedons da criação de

DeusDeusDeusDeusDeusA vontade de Deus para o es-

plendor da criação é a medida cons-tante para o compromisso da socie-dade humana e da humanidade como mundo criado em todo o seu mis-tério e profundidade. Constituemtraços centrais desta visão a afirma-ção fundamental da igualdade hu-mana e a celebração das diferençasindividuais entre as pessoas. Ela in-clui uma consciência da profundainter-relação de todos os aspectos dacriação, o chamado para os seres hu-manos incorporarem relações jus-tas e um compromisso duradourocom a afirmação da dignidade hu-

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mana. No centro de sua visão, estáum compromisso de amor compas-sivo, justiça, cuidado responsável ehospitalidade para com as “viúvas,órfãos e estrangeiros”: os que sãoindefesos, os refugiados, os que es-tão famintos, os abandonados, ossem voz, os atraiçoados, os sem po-der, os doentes, os feridos no corpoe no espírito, e todos os que sofremem nosso mundo globalizado e po-larizado. “Onde Deus é conhecido,a humanidade também é cuidada”(Ieremiam, cap. 22.16). Calvino afir-ma que vemos Cristo em todas aspessoas e somos exaltados e julga-dos pela sua presença nelas, procla-mando sempre, por palavras e atos,a integridade da criação como “oteatro da glória de Deus”.

77777aaaaa) A compreensão de) A compreensão de) A compreensão de) A compreensão de) A compreensão deque a igreja é chamadaque a igreja é chamadaque a igreja é chamadaque a igreja é chamadaque a igreja é chamada

a discernira discernira discernira discernira discernircontinuamente suacontinuamente suacontinuamente suacontinuamente suacontinuamente sua

relação com osrelação com osrelação com osrelação com osrelação com osprincipados e poderesprincipados e poderesprincipados e poderesprincipados e poderesprincipados e poderes

do mundodo mundodo mundodo mundodo mundoNo contexto globalizado atual,

isto inclui tanto as diversas formasde estado e nação como a realidadedo mercado global em permanentemudança. Isto inclui a confissão daigreja quanto ao seu envolvimentona destruição da criação e no sofri-mento humano, bem como o seudesejo de pregar profeticamente eencarnar a boa vontade de Deuspara com o mundo. Calvino reco-nhece também que a glória de Deuspode ser proclamada e encarnadafora da igreja e que a comunidadecristã é chamada a se comprometercom seus vizinhos globais com hu-mildade e também com visão arro-jada. A igreja compreende que a for-ma e o conteúdo de seu compromis-so variarão de lugar para lugar emcada tempo, de maneiras tão múlti-plas e ricas como as constantes rea-lidades vivas da própria criação deDeus. Todavia, presentemente, elanão pode responder à Palavra deDeus senão de forma obediente e

“““““Onde Deus éconhecido, ahumanidadetambém écuidada.

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agradecida e, como tal, ser uma tes-temunha construtiva de Cristo.

88888aaaaa) O compromisso de) O compromisso de) O compromisso de) O compromisso de) O compromisso deCalvino com a unidadeCalvino com a unidadeCalvino com a unidadeCalvino com a unidadeCalvino com a unidade

da igrejada igrejada igrejada igrejada igrejaO compromisso consistente e

apaixonado de Calvino para com aunidade do corpo de Cristo foi vivi-do dentro da realidade de uma igre-ja já fragmentada. Em meio à divi-são, ele reconheceu o único Senhorda Igreja una, enfatizando repetida-mente que o corpo de Cristo é úni-co, que não há justificativa para umaigreja dividida e que os cismas den-tro dela são um escândalo. Nossaatual situação também é de igrejasseparadas e ameaçadas por divisõesem seu interior. Em particular, asIgrejas Reformadas continuam a secaracterizar tanto por divisões inter-

Calvinoreconheceu queuma igrejadividida e oscismas dentrodela são umescândalo.

nas como por um compromissoecumênico. O pensamento deCalvino sobre a natureza da comu-nidade cristã, seu desejo deintermediar questões controversascomo a ceia do Senhor e seu esfor-ço incansável para construir pontesem todos os níveis da vida eclesiás-tica permanecem como um desafiocontemporâneo. Calvino desafia asigrejas a compreenderem as causasdesta separação contínua e, de acor-do com a Escritura, a lutar pela uni-dade visível, comprometendo-secom esforços ecumênicos concre-tos – tudo pela causa da credibilidadedo evangelho no mundo e da fideli-dade à vida e missão da igreja.

(Tradução: Rev. Eduardo Galasso Faria,professor do Seminário Teológico de SãoPaulo da Igreja Presbiteriana Independentedo Brasil)(Footnotes)

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Uma perspectivaUma perspectivaUma perspectivaUma perspectivaUma perspectivare-formada da missãore-formada da missãore-formada da missãore-formada da missãore-formada da missão

da igrejada igrejada igrejada igrejada igreja11111

O presente trabalho pretende servircomo núcleo gera-

dor de um diálogo frutífero quenos leve a visualizar algumas pis-tas sobre a maneira de realizarnossa missão como IgrejasPresbiterianas e/ou Reformadasna América Latina. Portanto, estedocumento não é conclusivo, mastraça apenas linhas que recupe-ram algumas idéias sobre o quetemos feito, estamos fazendo e oque poderíamos fazer como igre-ja em missão.

Em nosso tempo, emboraexista grande crescimento econô-mico, a crise globalizada manifes-ta uma pobreza maior, menosoportunidades de educação ape-sar do aumento do número deuniversidades, menos saúde ape-sar da maior quantidade de mé-

1 Palestra apresentada no Encontro “IdentidadeReformada e Missão”. AIPRAL, Tegucilgalpa,20-25/8/2004. Publicada em: Vida Plena para todala Creación. Iglesia, globalización neoliberal y justiciaeconômica. (eds) René Krüger, Gerardo Oberman,Sergio Bertinat y Germán Zijlstra. Buenos Aires:Aipral/Isedet, 2006, pp. 97-106. Tradução deEduardo Galasso Faria.

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dicos, menos esperança apesar daproliferação dos grupos religiosos.Sendo assim, é preciso perguntar porque Deus nos deu uma missão e paraque existimos como igreja, hoje, naAmérica Latina.

Ao tentar responder, atrevemo-nos a considerar que a missão da igre-ja deve ser discipuladora, profética,terapêutica, solidária e ecumênica.

MissãoMissãoMissãoMissãoMissãodiscipuladoradiscipuladoradiscipuladoradiscipuladoradiscipuladora

“Ide por todo o mundo e pregai oevangelho a toda criatura.” Com estediscurso (Mc 16.15), por muito tem-po, aprendemos que devemos “fa-zer discípulos” entre todas as pesso-as que “não conhecem ao Senhor”.Sem dúvida, gostaria de comparti-lhar que o discipulado, a partir daperspectiva reformada, é um dos ele-mentos-chave em nosso conceito demissão. Ele é dirigido à transforma-ção permanente de nossa atuaçãoteológica pela renovação de idéias edo nosso entendimento, a fim de queconheçamos realmente quais são osaspectos relacionados com a fé agra-dável diante de Deus (Rm 12.2). Istoé, o discipulado, na perspectiva re-formada, se destina a fomentar umamentalidade teológica na comunida-de de fé para alcançar uma constan-

te transformação de nossa realida-de pessoal, familiar, comunitária eda sociedade.

Consideramos, evidentemente,que o discipulado deve ser con-textual, ou seja, que atenda às ne-cessidades e que surja das expecta-tivas que têm os sujeitos teológicosdiante das condições sociais, econô-micas, políticas e culturais existen-tes no momento e local onde vivem.

Em muitas ocasiões, a educaçãobíblico-teológica foi traída nos paí-ses em que teve suas maiores opor-tunidades educativas, ou seja, noAtlântico Norte de modo geral ou,então, nos lugares de onde conside-ramos que deve vir o melhor conhe-cimento teológico. Tal situação fezcom que nosso pensamento teológi-co respondesse mais a perguntas deoutros contextos, épocas e lugares.

O educador e o discípulo refor-mado latino-americano devem co-nhecer qual é a situação do seu paísno que se refere aos aspectos sociais,econômicos, culturais e políticos. Emespecial, devem conhecer a situaçãodas comunidades onde estão imersasas igrejas, para que possam enxergaras multidões de pessoas que se en-contram desamparadas e dispersas,sem ter quem as guie em sua lutapara construir uma sociedade querevele os sinais do reino de Deus

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(Mt 9.36). Daí a importância de selevar em conta, na reflexão teológi-ca, a mediação sócio-analítica e, paraisso, é necessário o uso instrumen-tal das ciências sociais, que nos per-mitem conhecer as causas profun-das da razão por que nossas socie-dades vivem em tais condições.

Consideramos que, na AméricaLatina, ao incentivar a formaçãodiscipuladora - bíblica, teológica epastoral –, a igreja deve perguntarpara que deseja educar a congrega-ção e os líderes religiosos, mesmo queexistam dificuldades que nos impe-çam de levantar esta questão.

Entendemos que muitas de nos-sas igrejas locais enfrentam o falsodilema entre maior crescimento nu-mérico e menor cultura teológica oumenor crescimento numérico e ên-fase maior no desenvolvimento teo-lógico. De modo semelhante, algu-mas igrejas não sabem como respon-der às propostas da teologia da pros-peridade, que tem levado muitaspessoas a crer que Deus as repudioupor serem pobres ou por sua incapa-cidade espiritual, que não lhes per-mite prosperar como aqueles queconseguem muitos bens e riquezas.

A formação bíblico-teológica, ouseja, a ação discipuladora, é para quea igreja seja capaz de re-pensar a açãomissiológica à luz de seu contexto e,

a partir daí, indagar ao texto bíblicosobre quais seriam suas melhores for-mas de atuação.

O discipulado deve levar a sério aformação bíblica. Esta deve partir dosaspectos concretos da vida cotidia-na, uma vez que ler a Bíblia, memo-rizar versículos ou pregar sem se re-ferir ao viver diário não traz qualquercontribuição às inquietudes que seapresentam às pessoas que desejamostornar discípulos. A leitura bíblica nospermite desenvolver umahermenêutica sob a perspectiva davida somente quando levamos emconta a vida cotidiana.

Além disso, a leitura bíblica deveser feita juntamente com uma análi-se sócio-política do contexto, a par-tir do qual podemos saber quando eonde o texto foi escrito. Dessa ma-neira, poderíamos recuperar o ver-dadeiro sentido da mensagem queestá escrita e que agora nos permiti-mos interpretar. Inclusive, devemosassumir os riscos de ter de reconhe-cer a existência de conflitos e con-tradições que venhamos a encontrarna Bíblia.

A exegese sócio-analítica procuradevolver o texto ao próprio contex-to em que ele foi elaborado, não con-forme a crítica histórica ou dos gê-neros e formas (que voltam ao tex-to), mas para recuperar as formações

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sociais, os conflitos, as lutas ideoló-gicas, os setores de poder e as ins-tâncias econômicas que estavam emjogo na sociedade em que surgiu otexto, o que permite compreendermelhor a sua mensagem, tanto origi-nária como hermenêutica, que o lei-tor de hoje re-produz.1

De modo semelhante, o estudoda Bíblia deve estar relacionado coma prática pastoral. Assim, o resulta-do da análise bíblico-teológica develevar de volta ao nosso contexto, compropostas novas e melhores para aatuação da igreja em meio à comuni-dade onde exercemos nosso minis-tério. Aqui é muito importante res-saltar que a leitura bíblica deve serealizar também a partir da perspec-tiva dos próprios sujeitos que estãolendo o texto, ou seja, mulheres, jo-vens, negros, indígenas, pobres, cam-poneses. Estes devem tentar, por suaprópria aproximação do texto, a par-tir de suas necessidades mais profun-das, inquietudes e suspeitas teológi-cas, conseguir que se tornem reali-dade as boas novas para cada um quese aproxima da Bíblia.

Além disso, o ensino da Bíbliadeve ser repleto de ternura pastoral

e plena responsabilidade pedagógicada nossa parte. No processoeducativo cristão, seria muito impor-tante recordar a metodologia de nos-so mestre Jesus que, utilizando pala-vras, exemplos e fatos do momento,ajudava os que queriam compreen-der, assim como provocava grandeinquietação naqueles que se supu-nham sábios e plenos conhecedoresdos assuntos religiosos.

Missão PMissão PMissão PMissão PMissão ProféticaroféticaroféticaroféticaroféticaHá alguns anos eu soube que al-

gumas igrejas estavam “ordenandoprofetas” como parte de um minis-tério que está no ápice da estruturaeclesial. A missão profética da igrejaa que nos referimos neste trabalhonão tem relação com os postos quefuncionários religiosos possam ocu-par em suas respectivas organizações.

A missão profética está relaciona-da com o ser “sal da terra”, ou seja,com o ministério de ajuda à socieda-de, em seus diversos espaços, paraque não se corrompa, mas reconsi-dere e mude de rumo quando os ca-minhos estão equivocados, comotambém examine a possibilidade denovas formas de convivência nestaterra que Deus nos legou. Assim, amissão profética da igreja nos per-mite anunciar as boas notícias de

1 José Severino Croatto, “As novas hermenêuticasda leitura bíblica”, na revista Alternativas,Manágua: Edit. Lascasiana, 1998, p. 18.

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transformação e denunciar os mausatos que, como seres humanos, rea-lizamos individualmente e em soci-edade.

Nosso Mestre inicia seu ministé-rio lendo textos da Escritura nas si-nagogas, mas também manifestandosua opção pelos mais necessitados:pessoas pobres, tristes, em cativeiro,que não enxergavam e que sofriamopressão (Lc 4.18). Assim Jesus de-fine para quem são as boas notíciasde libertação e transformação dascondições de vida. Jesus mostra ocaminho e nos orienta sobre qualdeve ser a opção de pessoas comonós, que são consideradas cristãs.

Se a opção pelos mais necessita-dos é nossa vocação profética deve-mos, em primeiro lugar, saber quaissão as situações em que estão viven-do estes “pequeninos do Senhor”,levar ao limite da crítica estas situa-ções e analisar suas causas profun-das para, em seguida, propor novaspossibilidades para uma vida maisdigna.

A missão profética nos fará, então,acompanhar os necessitados e lutarpor suas reivindicações, de tal manei-ra que eles possam ser ouvidos. Istonos lembra o slogan de que “os cris-tãos devem ser a voz dos que não têmvoz” porque o sistema dominante ostem mantido em silêncio.

Nesse sentido, a missão proféti-ca da igreja nos permite superar odivórcio entre a tarefa bíblico-teo-lógica e pastoral e a ética social doscristãos. Provavelmente, muitos denós, cristãos evangélicos, sustenta-mos um esquema exógeno, ensina-do por alguns missionários que nãopercebiam claramente a diferençade significado entre retidão(righteousness) e justiça (justice). Aretidão está relacionada com o cum-primento correto, a plenitude dolegal, ao passo que a justiça está re-lacionada com a ética, com os valo-res que promovem a vida. Nem sem-pre o que é legal é justo!

É impossível ficarmos calados di-ante das tantas injustiças que vemosdiariamente. Doeu-nos a alma ao tera notícia de que, no Paraguai, mor-reram mais de 500 pessoas que esta-vam dentro de um supermercadoonde se iniciou um incêndio. Faceao que ocorria, os donos fecharam asportas, pensando que os clientes po-deriam sair sem pagar. Todos os dias,ouvimos falar que, em Honduras,existem prisioneiros que não são le-vados a julgamento. Certa ocasião,um embaixador dos Estados Unidosdisse que “a justiça em Honduras écomo uma serpente que só pica aque-les que andam descalços!”

É preciso advertir que a missão

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profética se transforma em ação po-lítica porque está relacionada com aluta pelo poder entre os que nãoquerem escutar o clamor dos silen-ciados e dos que levantam sua vozporque padecem com a opressão e amarginalização. A missão proféticanos ajuda a superar a tensão quandoé dito que “os cristãos não se metemem política”. É preciso lembrar queo político está relacionado com quemtem o poder no povo, ou seja, pelaforma como se pratica a democracia.O contraditório para algumas igrejasde tradição reformada, “que não que-rem se meter em política,” é o fatode não se lembrarem que muitos prin-cípios democráticos surgem da pro-posta calvinista para um novo siste-ma de governo, que seja representa-tivo de toda a comunidade.

Sem dúvida, devemos deixar cla-ro que a atuação política da igreja, apartir de seu ministério profético,visa ao serviço e ao testemunho di-ante da comunidade e a partir de suaopção pelos mais pobres e necessita-dos da sociedade. Este serviço e tes-temunho, com certeza, têm suasimplicações para a igreja, mas deve-mos ter a coragem de assumi-los, serealmente cremos que estamos exer-cendo nosso ministério e testemu-nho cristãos.

O cristão que, como pobre, entra

no processo político, não pode dei-xar de saber que, cedo ou tarde, serádifamado, considerado como subver-sivo pelo poder civil e como blasfe-mo pelo poder sagrado. Se nossa açãofor realmente libertadora, ambas asacusações caminharão sempre juntas.Normalmente, a segunda virá antesda primeira. “Com Jesus, aconteceuo mesmo!”2

Como cristãos, em geral, lembra-mos do Jesus ressuscitado, mas nãonos lembramos das causas nem dasacusações às quais ele esteve sujeitocomo parte de seu testemunho (mar-tírio) para libertar a humanidade dosmales a que foi condenada pelos im-périos. Oxalá como cristãos mante-nhamos a coragem de dizer “já nãovivo eu, mas Cristo vive em mim” eassumamos o nosso ministério pro-fético, incluindo as possibilidades desacrifício, que implicam o serviço etestemunho cristãos.

Queremos dar glória ao Senhorporque sabemos de muitos cristãosque, reunidos em movimentos dis-tintos, continuam dando testemunhode sua fé e cumprindo seu ministé-rio profético. Entre eles estão o Mo-

2 Sandro Galazzi. “Nuevas hermenéuticas, nuevossujetos, nuevas utopias” na revista Alternativas. Op.cit. p. 59.

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vimento Santuário3 durante os anos80, o Movimento Cristão PopularProfético em Honduras e o agrupa-mento de Pastores pela Paz nos Es-tados Unidos, bem como grupos iso-lados de cristãos em algumas de nos-sas igrejas de tradição reformada.

MissãoMissãoMissãoMissãoMissãoTTTTTerapêuticaerapêuticaerapêuticaerapêuticaerapêutica

Uma das tarefas mais compensa-doras para os membros das igrejas éatender aos enfermos. Isso certamen-te nos lembra o ministério da curaque Jesus realizava nas comunidadespor onde passava (Mc 6.53-56). Équando podemos tomar consciênciade como organizações de Diáconose Diaconisas cumprem jornadas, emalguns casos exaustivas, de visitação alares onde se encontram muitas pes-soas com diversos tipos de enfermi-dades. Em outros casos, as própriasigrejas têm elaborado projetos de saú-de que incluem Centros MédicosAssistenciais. No entanto, devemosconsiderar que a missão terapêuticada igreja precisa ir além disso.

Muitas pessoas chegam aos nos-sos templos porque se sentem vazi-

as, sobrecarregadas emocionalmen-te, com diversas necessidades, con-flitos e outros tipos de sofrimentos.Diante disso, a igreja deve assumir ocuidado pastoral para obter a cura detodas elas.

Um espaço onde estas curas semanifestam é o do próprio momen-to litúrgico, quando este assume ple-namente seu papel terapêutico. Qua-se sempre estamos acostumados a vera liturgia incluir apenas os momen-tos de adoração a Deus e de apren-dizado teológico. Precisamos abrir apossibilidade para que nossa liturgiainclua os espaços sensoriais, que pos-sibilitem a liberação de nossas ten-sões, debilidades e conflitos. Sabe-mos de pessoas, em igrejas de outrastradições, que, ao sair do templo,dizem que saem “cheias do Espíritoe com a alma satisfeita”. O que te-mos observado, no entanto, é queelas, basicamente, passaram por umperíodo catártico que as faz sentirem-se liberadas das tensões que lhes fo-ram causadas pela problemática so-cial, econômica e política, oprimin-do-as de diversas maneiras.

Por essa razão fala-se hoje que aliturgia deve incluir o cerebral sim, écerto, mas não apenas o cerebral. Naverdade, a liturgia deve celebrar avida e incorporar tudo o que estárelacionado com o nosso cotidiano,

3 Movimento iniciado nos EUA por igrejas católicas eprotestantes, que contestavam as leis norte-americanas para deportação de refugiados daAmérica Central e os protegiam (Nota do tradutor).

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para que o encontro no templo sejauma festa da família de Deus. É pre-ciso também que o chamado queDeus nos faz para adorá-lo seja tam-bém um chamado para que todos osparticipantes se sintam aceitos comoum corpo, como uma comunidade.Neste sentido, nossos encontroslitúrgicos deveriam estar repletos deternura, de valorização de cada um ede auto-estima. Tenho conhecidocomunidades de fé onde gestos deamizade, ternos abraços e beijos fra-ternos permitem que cada pessoa sesinta amada, aceita e, portanto, cu-rada da rejeição que sofre em outroslugares.

É o caso de mulheres, crianças eanciãos que sofrem, nos lares, o des-prezo e a violência intrafamiliar. Aigreja deve ser um santuário onde osviolentados sintam “a mão de Deusque cura” por meio do cuidadoterapêutico da comunidade de fé.Assim, estaremos também rompen-do o círculo de morte e violência queexiste em nossa sociedade, pelo qualcada um, por motivos econômicos,procura se sobrepor e competir como outro, sem se importar com o danoque lhe possa causar. É o que ocorrecom a violência estrutural no traba-lho e na família.

Nesse sentido, também precisa-mos que a missão terapêutica da igre-

ja inclua a cura das relações huma-nas que foram rompidas. Um casoconcreto são as reclamações de gê-nero, homem-mulher. Todavia, ve-mos que muitas de nossas igrejas, emsua estrutura e na obra eclesiástica,mantêm relações hegemônicas depoder dos homens sobre as mulhe-res. O esquema patriarcal que se pra-tica na sociedade e na família se re-produz na igreja. Assim, as mulheresnas igrejas, embora sejam maioria nacongregação, estão a serviço dos ho-mens, que têm o poder de decisão.O mesmo ocorre nas relações entregrupos de pessoas pertencentes aculturas e etnias diferentes. Entre-tanto, há igrejas que pensam, comrelação aos costumes dos outros, queestes não devem ser tolerados e atégostariam de destruí-los em nome daevangelização de sua cultura.

Deus é quem nos cura, mas a igre-ja deve cumprir a mediação terapêu-tica que libere, dignifique e sare cadapessoa que se aproxima da comuni-dade.

Missão solidáriaMissão solidáriaMissão solidáriaMissão solidáriaMissão solidáriaA igreja deve ser um farol que

oriente a sociedade em meio às tur-bulências que a atual idolatria domercado tem provocado em nossassociedades. A economia de merca-

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do tem se estendido por todo o glo-bo terrestre (daí o termo globali-zação), tem ampliado e aprofundadoas brechas entre os pobres consumi-dores e os donos do mercado, e istoé visível na crescente pobreza em quevivem nossos povos.

Nessa situação, a missão da igrejadeve ser solidária com aqueles quepadecem fome e sede, que deixamsuas terras para buscar melhores con-dições de vida, que vivem sem teto,sem roupa e que não contam, sequer,com os elementos básicos para o vi-ver diário (Mt 25.31-46).

Sabemos de várias igrejas que,procurando ser solidárias com os maisnecessitados, têm implementadoprogramas e projetos de desenvolvi-mento comunitário, como refeitóri-os infantis, oficinas de costura, pa-darias e outros. No entanto, nemsempre essas realizações têm conse-guido desenvolver um espírito soli-dário nas comunidades, pois cada umprocura mais o que lhe interessa e,quando os fundos que vêm do es-trangeiro se esgotam, termina o pro-cesso de solidariedade da igreja.

É importante desenvolver na co-munidade uma consciência solidária,que valorize a contribuição de cadauma das pessoas envolvidas, deixan-do que os próprios sujeitos do proje-to definam quais são suas necessida-

des prioritárias e porque é impor-tante examiná-las. É preciso tam-bém que eles decidam o que que-rem alcançar, como e quando espe-ram que isso seja feito, quem iráparticipar, onde serão realizadas asatividades, com quais recursos con-tam e o que mais será necessáriopara resolver esses problemas e ne-cessidades.

Além de tudo, deve ficar claroque a problemática social em que vi-vemos tem uma complexidade tãogrande que a igreja sozinha não terácapacidade de atender e resolver asituação. Diante disso, a missão soli-dária da igreja será direcionada paratodos os setores envolvidos na pro-blemática social, econômica e políti-ca do bairro, da comunidade, da ci-dade e do país, de tal forma que elapossa se tornar aquela que convoca àtransformação solidária da realidadeem que se vive. Para tal, é precisoter a capacidade de diálogo com to-das as igrejas, organizações comuni-tárias, líderes de partidos políticos,empresários, funcionários do gover-no e qualquer pessoa que, com boavontade, deseje a melhoria das con-dições de vida dessas regiões geográ-ficas.

Na missão solidária da igreja, éimportante não esquecer que, comocristãos, devemos manter nossa vo-

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Além de tudo, deve ficar claro que aproblemática social em que vivemos temuma complexidade tão grande que aigreja sozinha não terá capacidade deatender e resolver a situação. Diantedisso, a missão solidária da igreja serádirecionada para todos os setoresenvolvidos na problemática social,econômica e política do bairro, dacomunidade, da cidade e do país, de talforma que ela possa se tornar aquelaque convoca à transformação solidáriada realidade em que se vive.

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cação de serviço, ou seja, sermos ser-vidores e não os diretoresmessiânicos dos projetos de desen-volvimento humano e social. Geral-mente, como líderes religiosos, te-mos a tendência de monopolizarfunções e, muitas vezes, até aquelasque correspondem a outros setores.

Também é importante na missãosolidária da igreja saber que, muitasvezes, é necessária a assistência paraa sobrevivência nas comunidades.Consideramos que, a partir desseserviço assistencial, deve-se dar ossaltos qualitativos na consciência co-munitária para avançar até a trans-formação das causas profundas queprovocam os grandes problemas so-ciais, econômicos e políticos. Assim,a partir do micro, do pequeno servi-ço comunitário, dos projetos de de-senvolvimento local, deve-se buscaralternativas para uma transformaçãoestrutural, a nível nacional, interna-cional e global, dos modelos que têmlevado à extrema pobreza de nossospovos.

Missão ecumênicaMissão ecumênicaMissão ecumênicaMissão ecumênicaMissão ecumênicaNa América Latina, em décadas

passadas, algumas das igrejaspresbiterianas e outras de tradiçãoreformada, tiveram sérios conflitospara incorporar, em sua linguagemreligiosa, o termo “ecumenismo” e,

mais ainda, para colocar em práticauma missão ecumênica a partir daprática eclesial, esquecendo-se deque o próprio João Calvino foi cha-mado o “apóstolo do ecumenismo”.4

Devemos observar que o conteú-do do ecumenismo (oikoumene é umtermo bíblico encontrado várias ve-zes no Novo Testamento) refere-seprincipalmente à unidade da igreja(Jo 17.9-23). Sem dúvida, hoje tam-bém nos referimos ao ecumenismoem termos da convivência humanaentre as pessoas e com a natureza quenos foi legada por Deus. Assim tam-bém, referimo-nos à necessidade detolerância em razão de raça, credo,ideologia e opções políticas, sexuaise à necessidade de ser inclusivos nodia-a-dia.

Tem sido necessário incorporarestes outros elementos ao diálogoecumênico porque a cada dia, comoseres humanos, estamos destruindoa nós mesmos e à nossa convivência,bem como a nossa grande casa(oikos), que é a natureza. Muitasguerras têm sido sustentadas compretextos religiosos, provocando dore morte em nome de Deus. Demodo semelhante, continua-se a se-

4 Juan H. Kromminga, “Calvino y el Ecumenismo”,capítulo IX do livro Juan Calvino: Profetacontemporâneo, de Jacob T. Hoogstra. España:Editorial CLIE, 1993, pp. 151-168.

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“““““gregar comunidades indígenas, ne-gras e de qualquer outra cultura, pelofato de não pertencerem ao nossoambiente e campo de ação, fazendo-nos lembrar e viver o que aconteceuna América Latina há mais de cincoséculos. Atualmente, a proposta deuma missão ecumênica da igreja de-veria começar no âmbito europeu eincorporar a América Latina e Caribecom sua ascendência africana, indí-gena e mestiça.

A missão ecumênica da igrejadeve incorporar também as possibi-lidades de ações que nos levem aconstruir juntos outro mundo pos-sível, para vivermos com dignidade.Neste sentido, poderíamos falar deum macro-ecumenismo, de tal for-ma que a tolerância e inclusividadesejam chaves para interpretar comorealizar nossa missão e conseguir fa-zer que os sinais do reino de Deussejam uma realidade no mundo ha-bitado.

Finalmente, consideramos opor-tuno indicar que, na perspectiva re-formada, a missão deve estar sujei-ta à crítica permanente a partir dos

sujeitos históricos nas comunidadesde fé, para ver o que estamos fazen-do e julgar como estamos fazendopara, então, propor novas formas deatuar, que nos levem ao fiel cum-primento da missão da qual fomosencarregados por Deus – tornarpossíveis neste mundo os sinais doreino de Deus. Que assim seja!

A missão ecumênicada igreja deveincorporar tambémas possibilidades deações que nos levema construir juntosoutro mundooutro mundooutro mundooutro mundooutro mundopossívelpossívelpossívelpossívelpossível, paravivermos comdignidade.

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RRRRRepresentações da divindade noepresentações da divindade noepresentações da divindade noepresentações da divindade noepresentações da divindade nobiblicismo inglês (século XVII) ebiblicismo inglês (século XVII) ebiblicismo inglês (século XVII) ebiblicismo inglês (século XVII) ebiblicismo inglês (século XVII) eno fundamentalismo protestanteno fundamentalismo protestanteno fundamentalismo protestanteno fundamentalismo protestanteno fundamentalismo protestante

(séculos XIX e XX)(séculos XIX e XX)(séculos XIX e XX)(séculos XIX e XX)(séculos XIX e XX)

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IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoObjetiva-se aqui estudar a

questão da representação no con-texto da história das mentalida-des e, de maneira mais específi-ca, do pensamento protestante.Na discussão empreendida porCarlo Ginzburg em Olhos demadeira: nove reflexões sobre adistância (São Paulo, Companhiadas Letras, 2001), o capítulointitulado “Representação – Apalavra, a idéia, a coisa” procuramostrar como o desenvolvimen-to da abstração na sociedademedieval – desde os duplos dereis (esquifes vazios, manequins)exibidos em cerimônias de sepul-

“(A Bíblia é o)prolongamentoprotestante da

encarnação deDeus”

(E. Troeltsch)

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tamento até a formulação do dogmada presença real de Cristo na Euca-ristia – permitiu o desenvolvimentoe a cristalização de abstrações de or-dem política, como a utilização daefígie do rei para efeitos de repre-sentação do Estado.

Neste trabalho, apropria-se dasuspeita científica e da teorização deGinszburg para aplicá-las em outrocaso de representação, ligado à his-tória do protestantismo de maneirarecorrente, mas de uma profundainstitucionalização em finais do sé-culo XIX e princípios do século XX:a identificação da Bíblia, livro sagra-do de todos os cristãos, como (e nãosomente com) a Palavra de Deus, ouainda, como parte da própria divin-dade. Cristalizou-se na história doprotestantismo, entre grupos maisconservadores, uma devoção especi-al pelas Escrituras, devoção essa quepode ser vista nos desdobramentos

da Reforma protestante na Inglater-ra do século XVII, conforme bem efartamente aponta Christopher Hill(A Bíblia inglesa e as revoluções doséculo XVII, 2003). Tal devoção veioa transformar-se em identificação dolivro sagrado com a própria divinda-de, em uma autêntica fusão, ou, parausar o termo de Ginzburg, abstraçãoconceitual. Dessa utilização da Escri-tura como um duplo de Deus, des-dobram-se inúmeros casos de radi-calismo interpretativo da Bíblia, dosquais o mais recente é o funda-mentalismo religioso protestante ouevangélico.

Neste ensaio, vamos estudar amaneira como os protestantes doséculo XVII e dos séculos XIX e XXutilizaram-se da Bíblia como um du-plo de Deus, forjando um conceitodoutrinário que hoje lhes é funda-mental: o da infalibilidade ouinerrância da Escritura Sagrada.

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IGinzburg e a questão daGinzburg e a questão daGinzburg e a questão daGinzburg e a questão daGinzburg e a questão darepresentaçãorepresentaçãorepresentaçãorepresentaçãorepresentação

No texto de Ginzburg, a representação é discutida a par-tir do conceito em R. Chartier:

“a ‘representação’ faz as vezes da realidade representa-da e, portanto, evoca a ausência; por outro, torna visí-vel a realidade apresentada e, portanto, sugere a pre-sença. Mas a contraposição poderia ser facilmente in-vertida: no primeiro caso, a representação é presente,ainda que como sucedâneo; no segundo, ela acaba re-metendo, por contraste, à realidade ausente que preten-de representar” (Ginzburg, 2001, p. 85).

O mesmo Chartier afirma essa “oscilação entre substitui-ção e evocação mimética” (idem, p. 85), mencionando oestudo de E. Kantorowicz sobre a teoria jurídica do duplocorpo do rei na Inglaterra e na França do século XVI(Ginzburg, p.86; Kantorowicz, 1998). Recorda ainda quetal prática de confecção de imagens dos soberanos para osseus funerais era utilizada no Império Romano (séculos II eIII), bem como entre os incas, conforme descreveu o con-quistador espanhol Francisco Pizarro no século XVI(Ginzburg, p. 87 e p. 90). Assim, a figura dos soberanos, emmuitas e diferentes culturas de temporalidades diversas, con-fundia-se com a própria divindade.

Para Ginzburg, a questão dos duplos ou das representa-ções, em diferentes temporalidades e situações da história,relaciona-se também aos diversos casos de “substitutos ritu-ais”, ou seja, à inserção no contexto dos vivos da presençaconcreta da divindade ou divindades. O exemplo de Bernardd’Angers (século XI) em sua ida até Conques para visitar o

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santuário de santa Fé demonstra, nosrelatos do clérigo, o sentido e a fun-ção da imagem/relíquia. “Para a gen-te de Conques, entre a imagem desanta Fé e a santa propriamente nãohavia nenhuma diferença”(Ginzburg, p. 100). Por mais que issofosse considerado por d’Angers comouma compreensão idólatra e inferiorda gente de Conques.

Ginzburg refere-se às reflexõesde Vernant sobre a “função operató-ria e eficaz” do signo religioso. Parao historiador italiano, tal conceitoparece ser o que melhor atende àuniversalidade das ocorrências e doentendimento dos duplos e das re-presentações citadas. Citando ohelenista francês:

“O signo religioso não se apre-senta como simples instrumen-to de pensamento, não visa ape-nas evocar na mente dos ho-mens a potência sagrada a queremete, mas quer sempre esta-belecer também uma verdadei-ra comunicação com ela, inse-rir realmente sua presença nouniverso humano. No entanto,procurando assim construir

uma ponte ligando ao divino,ele deve ao mesmo tempo res-saltar a distância, revelar aincomensurabilidade entre apotência sagrada e tudo que amanifesta, de um modo neces-sariamente inadequado, aosolhos dos homens” (Vernantapud Ginzburg, p. 94).

Chega-se, finalmente, ao âmagodo texto de Ginzburg, onde o autordestaca a oposição que se constróina Idade Média, nos séculos XII eXIII, entre os conceitos de imago epresentia. A valorização deste últi-mo conceito, palavra “ligada há tem-pos às relíquias dos santos”, redun-daria na proclamação do dogma datransubstanciação, em 1215 (p. 101).Ginzburg vê na eucaristia, em suaafirmação sacramental da presençacorpórea e real de Cristo na hóstia,uma espécie de “super-presença” (p.102). Trata-se de estabelecer umcontato com a divindade através deuma manifestação, quase umateofania. No caso da eucaristia, é opróprio Cristo, em corpo, em pre-sença real.

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IIA Inglaterra e a bibliolatria proA Inglaterra e a bibliolatria proA Inglaterra e a bibliolatria proA Inglaterra e a bibliolatria proA Inglaterra e a bibliolatria pro-----testante (século XVII)testante (século XVII)testante (século XVII)testante (século XVII)testante (século XVII)

Colocados os parâmetros estabelecidos por Ginzburg para seusestudos de representação histórica e signos religiosos, depare-se agoracom a questão protestante propriamente dita. Na verdade, a Bíblia éum signo religioso diferenciado entre os protestantes, uma represen-tação do sagrado que cumpre a função de cristalizar a divindade navida e contexto dos fiéis, particularmente nos grupos mais conserva-dores.

A Reforma protestante foi marcada pela ambigüidade de posiçõesrelativamente à Bíblia. Paul Tillich afirma que um certo biblicismo,“nos últimos tempos da Idade Média, muito ajudou no surgimento daReforma” (2000, p. 147). Tal biblicismo, presente nos séculos XIV eXV na Europa, “tentava usar a Bíblia para fundamentar o cristianismoprático, especialmente entre os leigos (...) e muitos desses últimos conse-guiram ler a Bíblia bem antes da Reforma” (Tillich, 2000, p. 147). É certoque a Reforma teve na ênfase das Escrituras um de seus nortes. O reco-nhecimento da supremacia das Escrituras sobre a tradição eclesiásticaestá presente em todos os discursos e escritos dos reformadores, consa-grando o princípio da sola Scriptura. Mas nuances e tonalidades especí-ficas podiam ser vistas, desde as diferenças qualitativas que Lutero faziados diferentes livros bíblicos até o reconhecimento por Calvino da auto-ridade intrínseca de toda a Bíblia (para isso, ver Strohl, 1963, pp.69-88).

Se a Reforma não marcou o novo ramo do cristianismo com o selodo literalismo radical na interpretação bíblica, abriu caminho para omesmo. É Hill quem procura explicar a maneira como,

“no início da década de 1640 (na Inglaterra) os homens se surpre-enderam, contra sua vontade e inesperadamente, diante de umasituação revolucionária, que exigia novos modos de pensar, eles seacharam despreparados para cumprir a tarefa. Tiveram de im-provisar. O que tinham à mão era a Bíblia, à sua disposição em

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língua inglesa havia um século,e que haviam sido encorajadosa estudar como fonte de toda sa-bedoria” (Hill, 1988, p. 188).

Desde W. Tyndale (1495-1536)que a Inglaterra, por suas mãos, pos-suía a tradução inglesa da Bíblia. Amentalidade de independência e au-tonomia intelectual trazida pela Re-forma protestante, o chamado “livreexame das Escrituras”, possibilitou odesenvolvimento na Inglaterra de“uma cultura bíblica”. Tal quadroatingiu seu ápice na Inglaterra no sé-culo XVII: “a sociedade estava agi-tada e esperava-se que a Bíblia ofe-recesse soluções para os problemasque a assolavam” (Hill, 2003, p. 25).Essa mentalidade não era só de umgrupo. Tanto os líderes da RevoluçãoInglesa (particularmente Cromwell),os teólogos que se reuniram emWestminster para produzir uma sé-rie de documentos confessionais(1643-1649), quanto os grupos ra-dicais de pobres (ranters, diggers,quacres, por exemplo), buscavam naBíblia a base para elaborar suas tesese defender suas convicções e atos. Écomo desdobramento desse contex-to de exacerbação da interpretaçãobíblica que surge o que Hill tachoude “bibliolatria protestante” (1987,p. 259). Hill apela para o testemu-nho de Samuel Fisher, teólogo inglês

que, em 1660, publica um texto eru-dito em que denuncia: “a Bíblia é lidademais, é ouvida demais” (apud Hill,p.259). Na verdade, tal denúnciaexpõe diferentes percepções da épo-ca relativas à Escritura e preocupa-se com a falta de critérios mais raci-onais para lidar com a interpretaçãodo texto bíblico.

A Bíblia, na Inglaterra do séculoXVII, é citada exaustivamente porcientistas, filósofos, líderes religiosos,políticos e teólogos. Como exemplode tais nomes, pode-se citar Hobbes,Locke, Newton, Milton, Owen. Pon-tuou Hooker, um escritor da época,que não haveria “nenhuma filosofiaverdadeira, nenhuma arte do cálcu-lo e nenhum tipo de ciência quemereça ser assim chamada, que nãoesteja contida nas Escrituras” (apudHill, 2003, p. 50). Thomas Taylor,líder religioso, afirmou que a Escri-tura “não pode cometer erros ou di-zer qualquer coisa que contrarie averdade ou se contradiga” (apudHILL, 2003, p. 51). Eis aí a essênciade uma compreensão da Bíblia que acoloca, por força não somente dosconceitos teológicos radicais de ins-piração divina sustentados na época,mas também por declaração formaldo Parlamento, em 1689 – “As Sa-gradas Escrituras, tanto no Antigoquanto no Novo Testamento, foram

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ditadas por inspiração Divina” (cf.Hill, 2003, p. 51) – como um signoreligioso dos mais fundamentais.

Assim como havia ferrenhos de-fensores da Bíblia, levantavam-setambém os críticos. Hill, ao apontarpara o que chama de “idolatria daBíblia” na Inglaterra do século XVII(2003, p. 306), resgata diversas crí-ticas às atitudes da maioria da socie-dade da época para com a Escritura.G. Winstanley, por exemplo, conde-na a tirania da Bíblia “que deve serderrubada” (apud Hill, 2003, p.305). Um tal Alexander Agnew éenforcado por negar que a Bíblia fossea Palavra de Deus (Hill, 2003, p.312). E outro líder quacre da época,de nome Parnell, afirma que não sedeveria idolatrar a letra da Bíblia,“colocando-a no lugar de Cristo”(apud Hill, 2003, p. 328).

Para Hill, o século XVII na Ingla-terra assistiu a uma “revolução bíbli-ca”, no sentido de que a linguagemdas Escrituras serviu aos intentos deoposição política e de criação de umasituação revolucionária. Mas, tam-bém, “porque a revolução política esuas conseqüências marcaram a acei-tação universal da Bíblia como umtexto infalível...” (2003, pp. 60-61).Se o primeiro efeito de tal revoluçãoé político, o segundo é claramentecultural. Denota que a sociedade in-

glesa da época foi estabelecida combase na aceitação de uma referênciareligiosa fundamental – a EscrituraSagrada – gozando esta última de umstatus superior, o de Palavra de Deus.Não se trataria de um livro qualquer,mas de uma fonte de orientação in-dividual e social de caráter divino.

Ou seja: as negações, à época, des-se status de infalibilidade e de plenasuficiência, de veneração e respeita-bilidade suprema, revelam a afirma-ção de um signo religioso (para vol-tar-se à linha teórica do texto deGinzburg) de extrema relevância, queinsere o sagrado no mundo humano.Particularmente, em uma sociedadeque, protestante, afastou-se ao tem-po de Cromwell do anglicanismo eadotou o presbiterianismo (e, portan-to, o calvinismo), reconhecidamenteiconoclasta. Levanta-se aqui a suspeitade que se está diante de um caso defundamentalismo precoce, se assim sepode dizer (Hill utiliza-se da expres-são “fundamentalistas bíblicos” parareferir-se a esses intérpretes inglesesradicais do século XVII; 2003, p.307). Tal fundamentalismo precoceteria como característica principal acrença no acesso direto a Deus pormeio da Bíblia, a Palavra infalível, umarepresentação em sinédoque do Cris-to na terra.

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IIIA ortodoxia e o conceitoA ortodoxia e o conceitoA ortodoxia e o conceitoA ortodoxia e o conceitoA ortodoxia e o conceitofundamentalista de Bíbliafundamentalista de Bíbliafundamentalista de Bíbliafundamentalista de Bíbliafundamentalista de Bíblia

nos séculos XIX e XXnos séculos XIX e XXnos séculos XIX e XXnos séculos XIX e XXnos séculos XIX e XXOs teólogos que se reuniram na Assembléia de Westminster, em

Londres, Inglaterra, no século XVII, viviam sob os mesmos influxosculturais e sociais que também atingiram cientistas e pensadores eu-ropeus da época, como Descartes e Locke. A teologia dos calvinistasdesenvolveu-se, porém, em termos absolutamente contraditórios. Aoafirmarem a supremacia da doutrina calvinista e ao reelaborarem seuconteúdo, fizeram-no em bases racionalistas, chegando a um conjun-to de doutrinas que se caracterizou pelo dogmatismo. Por isso, talmovimento interno do protestantismo ficou conhecido como a orto-doxia protestante.

A ortodoxia protestante foi a responsável por consolidar o concei-to de Escritura que identificou a Bíblia como a Palavra escrita deDeus. Thomas Watson (c. 1620-1686), por exemplo, um dos teólo-gos mais destacados da Assembléia de Westminster, refere-se auto-maticamente à Escritura como “palavra escrita de Deus”, assumindoque textos bíblicos como João 5.39 (a expressão dirigida por Jesus aosdoutores da lei de sua época: “Examinais as Escrituras”) é uma refe-rência natural que Jesus Cristo faz a tal “palavra escrita” (Watson,1976, p. 212). Diz ainda: “Devemos ser diligentes no exame cuida-doso da Escritura e considerar que a palavra escrita é norma cultus (oúnico padrão de conduta), a regra e plataforma pela qual enquadra-mos nossas vidas” (1976, p. 212). É o mesmo Watson que pontifica:“Os oráculos da Escritura devem ser mais seguros para nós que umavoz (proveniente) do céu” (1976, p. 212).

Embora o presbiterianismo não tenha vingado na Inglaterra – aCommonwealth de Cromwell durou apenas dez anos, de 1650 até1660, e com o retorno da figura do rei, Carlos II, ao governo inglês, oanglicanismo voltou a predominar – as concepções da ortodoxia pro-

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testante migraram para a Escócia e,depois, para o Novo Mundo, plas-mando a teologia do protestantismoque se estabeleceu nas novas regiões,particularmente nos séculos XVIII eXIX.

Nos Estados Unidos, a ortodoxiaprotestante modelou as principaisconfissões protestantes –presbiterianos, metodistas, batistas,episcopais – criando uma espécie deconsenso teológico que influencioudecisivamente o movimento missio-nário norte-americano do séculoXIX. É certo que tal ortodoxia car-regou consigo o conceito de Escritu-ra já descrito no capítulo anterior,mantido por boa parte dos protes-tantes norte-americanos e só amea-çado em fins do século XIX, com oadvento dos parâmetros da ciênciamoderna e com as idéias da teoriada evolução.

Assim como na primeira metadedo século XIX a modernidade cien-tífica colocara em cheque a religiãoprotestante na Alemanha, ocasionan-do respostas que incorporaram a crí-tica endógena da religião (como a deStrauss), a mesma modernidade co-locou em polvorosa a teologia norte-americana. Reações positivas, comoa alemã, originaram nos EUA o queposteriormente veio a ser chamadode “liberalismo teológico” (Raus-

chenbusch, 1861-1918 e, posterior-mente, Fosdick, 1878-1969). A or-todoxia protestante norte-america-na, por sua vez, respondeu com gran-de alarde, produzindo, entre 1912 e1914, uma série de tratados teológi-cos intitulados Os Fundamentos. Daí,a origem da própria palavra que é tãoempregada hoje para referir-se a gru-pos extremistas de idéias religiosas –fundamentalismo.

Embora existissem vários aspec-tos desses “fundamentos” que a or-todoxia norte-americana defendeu àexaustão, a pedra de toque era,inequivocamente, a questão da Bí-blia. Segundo Dillenberger e Welch,para o fundamentalismo,

“...o cristianismo está irrevo-gavelmente unido à infalibili-dade (inerrância) da Bíblia(...) Os escritores da Bíblia fo-ram inspirados por Deus de talforma que foram preservadosde qualquer tergiversação ouerro ao registrar a Palavra parao homem (...) Ou as palavrasda Bíblia são infalivelmente aspalavras de Deus, ou não te-mos base para nossa fé. Outudo, ou nada” (1958, p. 213).

Assim, pode-se afirmar que taldefesa do status bíblico de infalibili-dade corre nos trilhos do reconheci-mento das Escrituras como signo re-

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ligioso que estrutura o grupo, suacrença e sua ação/atividade. Isso estáplenamente de acordo com a cha-mada Teoria das Representações So-ciais, elaborada por S. Moscovici em1961, no campo da psicologia social.Segundo Jean-Claude Abric, diretordo laboratório de Psicologia Social daUniversidade de Provença,

“a identificação da ‘visão demundo’ que os indivíduos ou osgrupos têm e utilizam para agire para tomar posição, é indis-pensável para compreender adinâmica das interações soci-ais e clarificar os determinantesdas práticas sociais” (Abric, inMoreira & Oliveira, 2000,P.27).

Ou seja: o fundamentalismo pro-testante que se estabelece no princí-pio do século XX está assentado so-bre uma compreensão de Bíblia quenão é estranha ao protestantismo(como já se viu no capítulo relativo àInglaterra do século XVII), mas que,a partir de Os Fundamentos, mani-festa-se como um grupo fortementearticulado. E qual é a base mentaldessa articulação? Julga-se neste en-saio que ela seja algo semelhante àpercepção que a gente de Conquestinha da imagem de santa Fé. Noséculo XI, no século XVII e no prin-cípio do século XX, vê-se, como efei-

to de sinédoque, a compreensão daparte pelo todo. Se a Bíblia é a Pala-vra de Deus da forma inelutávelcomo o fundamentalismo protestan-te preconiza, então necessariamenteDeus está totalmente presente novolume sagrado. Essa assertiva não éproposta claramente no discurso,mas sugerida pela linguagem utiliza-da pelos fundamentalistas. Não es-tava errado Troeltsch, ao afirmar quea Bíblia seria, para os protestantes,“o prolongamento da encarnação deDeus” (apud Amaral, 1962, p. 143).

Poder-se-ia ir mais longe na apli-cação da reflexão teórica deGinzburg. Pode ser cogitada a cha-mada “super-presença” de Deus,verificada pelo historiador italiano nahóstia transubstanciada em corpo deCristo na eucaristia católica. A super-presença de Deus parece estar naEscritura Sagrada para boa parte dosprotestantes, particularmente paraaqueles que professam ofundamentalismo. Seria o ápice doprocesso de abstração que as percep-ções de representação teriam alcan-çado na história do protestantismo,com alto poder de ressonância his-tórica e de estruturação social.

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ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão A Bíblia como presençaA Bíblia como presençaA Bíblia como presençaA Bíblia como presençaA Bíblia como presença

real de Deus?real de Deus?real de Deus?real de Deus?real de Deus?Disse assim A. Hodge, professor

de teologia sistemática do Seminá-rio Teológico Presbiteriano dePrinceton, Estados Unidos, ao finaldo século XIX, uma das figuras maisimportantes da ortodoxia teológicaprotestante nesse período:

“A inspiração das Escrituras es-tende-se às palavras. (...) Ospensamentos (de Deus) estão naspalavras. Ambos são insepa-ráveis. (...) A realidade da dou-trina da inspiração ensinada naBíblia afirma que os meios deação de Deus na comunicaçãode sua vontade foram controla-dos por Ele, nas palavras que Eleusou. ‘Pus minhas palavras emtua boca’ (Jeremias 1.9)” (1871,pp. 164-165).

As palavras. A Palavra. A Palavrade Deus. A Palavra escrita de Deus.Tais expressões soam com uma mes-ma carga de identidade no discursofundamentalista e biblicista propos-to e estruturado pelos protestantesdo princípio do século XX. As pala-vras proferidas por Deus foramregistradas com acuidade, cristalizan-do-se em “Palavra de Deus”. Ou seja:a palavra escrita tornou-se uma es-pécie de palavra encarnada.

No fundamentalismo protestan-

te, a Palavra de Deus (ou seja, aconcretização material, molecular,das idéias de Deus que foram feitaspalavras, ditadas aos santos escrito-res bíblicos, caso dos apóstolos Pau-lo e João) é a Bíblia, a palavra escrita.Fixou-se, dessa maneira, em algo le-gível, gráfico, a Palavra que saiu daboca de Deus. E, sendo essa palavraviva, latente, tais letras têm uma es-pécie de vida própria, de existênciaindependente, que resultam em umarepresentação superior da divindade.

Um exemplo do fundamen-talismo protestante e de suas longasreverberações temporais está no tex-to de W. A. Criswell, que foi pastorda Igreja Batista de Dallas, Texas, porlongos anos, bem no coração do cha-mado “Bible belt”, a região maisfundamentalista dos Estados Unidos(não por coincidência, o lugar denascimento do evangélico fundamen-talista George W. Bush). Em 1965,tal pastor escreveu um livreto no qualencerrava uma série de sermões quepregara em sua comunidade religio-sa. O texto foi traduzido para o por-tuguês e publicado no Brasil em1968. Dentre muitas das assertivasem prol da infalibilidade das Escri-turas, Criswell, em seu A Bíblia parao mundo de hoje, afirma:

“Deus nos deu as Sagradas Es-crituras por revelação, sem erronem engano. Creio numa apre-

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sentação dinâmica, plenária, ver-bal e sobrenatural dos escritosque formam a Bíblia. (...) A Bí-blia é uma revelação sobrenatu-ral. É um dom ou dádiva do céu.Ele (Deus) se descobre aos nos-sos olhos (...) A Bíblia é a Pala-vra de Deus, e não apenas a con-tém. É isso o que Deus diz, e,quando leio o Sagrado Volume,estou a ler as palavras de Deus;estou seguindo a linguagem deDeus, e pensando os pensamen-tos de Deus” (Criswell, 1968,pp. 53, 57, 101-02).

Ou ainda, pode-se observar osconceitos de Criswell nas letras dehinos religiosos que ele cita, a fim deexpor a magnitude e a sublimidadedas Escrituras para ele:

“Glória imortal rodeia o Sagrado Volume.Glória tão divinal como essa do astro-rei,Essa glória dá luz às páginas do Livro;Sim, a todas dá luz, e não luz emprestada.”(Criswell, p. 7, citando poema inglês de W.Cowper)

“Oh! Sem Jesus, sem a Bíblia,Não se tem céu nem descanso!Pode-se, acaso, viverSem a luz do Livro Eterno?”(Criswell, p. 83, sem citar o autor)

Nos cânticos citados de louvaçãoda Bíblia, esta última tem glória imor-tal e divinal, uma glória própria, “nãoemprestada”. Sem a Bíblia, não há céue nem há vida. O próprio verso suge-re que “Jesus” e “Bíblia” são nomesintercambiáveis. Se se substituir “Bí-blia” por “Jesus”, neste mesmo pará-

grafo, escrito conforme o conteúdodos hinos, ter-se-á um sentido teoló-gico semelhante, quase idêntico. Nãoseria isso uma boa pista para enxer-gar-se aí a “super-presença”, sugeridaem outro contexto por Ginzburg?

BibliografiaBibliografiaBibliografiaBibliografiaBibliografiaAMARAL, E. M. do . O protestantismo e a Reforma.....São Paulo: Saleluz, 1962.

CRISWELL, W. A. A Bíblia para o mundo de hoje.....Rio: Casa Publicadora Batista, 1968.

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O Rev. Éber é professor no SeminárioTeológico de São Paulo da Igreja PresbiterianaIndependente do Brasil

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O Apocalipse é um dos pou-cos escritos do Novo Testamen-to que traz o nome do seu autor:João (1.1; 4.9; 21.2; 22.8). A tra-dição cristã dos primeiros sécu-los o identificou com o apóstolode Jesus, ao qual também foramatribuídos outros escritos que fa-zem parte do cânon: o Evange-lho e as três cartas de João. En-tretanto, muito cedo surgiramevidências de não se tratar domesmo autor.

Dionísio de Alexandria dedi-ca-se a um estudo comparado

As comunidades cristãsda Ásia Menor, no final do século I, es-

tavam sofrendo provações emduplo aspecto: por um lado, a se-dução pelo modo de vida impe-rial e as suas exigências para serconsiderado cidadão no ImpérioRomano; por outro, a persegui-ção por resistir e apresentar ummodo de vida diferente. O viden-te João, consciente de que a ide-ologia do poder imperial sedu-zia e matava, apresentou às co-munidades uma alternativa devida, mas, para que elas se for-talecessem e resistissem, eranecessário reconstruir a espe-rança através da visão utópica.Hoje, quando relemos o livro doApocalipse, precisamos de nosapropriar das situações vitais quegeraram esta literatura, para, en-tão, entendê-la dentro do objeti-vo principal de seu autor.

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do Apocalipse e do Evangelho deJoão. Suas conclusões ainda mere-cem ser levadas em consideração: alíngua e as idéias são, diz ele, em to-dos os pontos incomparáveis e le-vam-nos a supor dois autores dife-rentes (Prigent, 1988, p. 289-290).

Diante da exclusão do apóstolode Jesus, levanta-se outra possibili-dade: a de João ser “o presbítero”citado nas cartas de João. Esta possi-bilidade foi atestada por Eusébio,baseando-se no testemunho dePapias (Corsini, 1984, p. 19). Masexiste também a dificuldade de queas próprias cartas de João não citamquem é o autor, usando somente otítulo de presbítero, que não é usadono livro do Apocalipse, além da gran-de diferença no vocabulário. Portan-to, trata-se de autores diferentes.

Embora o editor-autor doApocalipse se chamasse “João”, não épossível identificá-lo com nenhumaoutra figura cristã primitiva do mes-mo nome, inclusive João, filho deZebedeu, e a figura obscura de João,o Ancião. O de outro modo desco-nhecido autor do Apocalipse em suaforma final foi, provavelmente, judeupalestinense que emigrou para a pro-víncia romana da Ásia, talvez em liga-ção com a primeira revolta judaica de66-70 d.C. (Aune apud Brook &Gwyther, 2003, p. 21).

Uma das principais característi-cas do gênero literário apocalípticoé a pseudonímia, isto é, o autor re-laciona-se idealmente com um per-sonagem da história conhecido deseus leitores, com o qual tem certaafinidade, atribuindo-lhe em primei-ra pessoa as visões que descreve.

O fato de João se mencionar ex-plicitamente, desde o começo, deapresentar alguns pormenores auto-biográficos em relação às visões (cf.1.1; 1.9 ss), justamente como os pro-tagonistas ideais dos apocalipsesapócrifos, confirma totalmente aque-la possibilidade. Por conseguinte, oautor do Apocalipse – um discípulo,com toda probabilidade – relacionar-se-ia idealmente com João, o após-tolo, com o qual sente possuir mui-tos pontos de contato em comum(Vanni, 1984, p. 16).

A dificuldade que permanece di-ante da possibilidade de pseudonímiaé que o autor escreve às comunida-des da Ásia Menor e espera que suaautoridade seja reconhecida comoválida diante delas. Então, as comu-nidades cristãs têm conhecimento deque autor faz parte de sua história eque sua identidade é real. Portanto,“o João” é autor do Apocalipse e oque dele podemos perceber é somen-te aquilo que ele mesmo se dá a co-nhecer em sua obra.

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O autor se apresenta como inte-grante do grupo dos “profetas”(22.9), “testemunha da palavra deDeus e do testemunho de Jesus Cris-to” (1.2,9). O único título a que serefere é “servo de Jesus Cristo” (1.1;22.6), isto é, alguém que está a ser-viço do reino de Deus. Em 1.9, apre-senta-se como “irmão” de seus lei-tores/ouvintes, a fim de comparti-lhar com eles as mesmas tribulações.

Ele encontrava-se exilado na “ilhade Patmos” (1.9) exatamente porcausa de seu envolvimento na resis-tência contra os valores imperiais. Ocastigo do exílio era imposto aos dasclasses altas; a crucifixão era reserva-da às classes mais baixas. Isso sugereque João tinha certa posição socialque o salvou da penalidade dacrucifixão. Nota-se que, ao relatar suaexperiência na ilha de Patmos, usaum verbo no passado, significandoque o seu exílio foi temporário e queagora, em outro tempo, tem a opor-tunidade de relatar as comunidadesas suas visões.

A posição social relativamentealta de João tem conseqüências im-portantes. Sugere que João não es-creveu o Apocalipse por ser social-mente fraco e, portanto, ressentidopela riqueza e poder da elite deRoma. Sua crítica a Roma não eraquestão de “privação relativa”, mas

de discernimento da verdade deDeus a respeito de Roma (...) Joãoera um dissidente ativo, disposto aenfrentar o perigo de sofrer hostili-dade e rejeição a fim de permane-cer fiel. (Brook & Gwyther, 2003,p. 153).

É a partir de seu exílio na ilha dePatmos que João recebe a revelação(apocalipse) de Jesus Cristo (1.1) elhe é dada a ordem: “escreve o queviste”(1.19). Toda a sua obra não temoutro propósito senão descrever suavisão.

As visões estão no centroconstitutivo da experiência proféti-ca, tanto dos profetas anteriores(Elias, Eliseu) como dos profetas li-terários (Isaías, Ezequiel, Amós), paraculminar com as visões apocalípticasde Daniel. Amós, que os estudiososcoincidem em descrever como omais antigo profeta literário e um dosmais agudos em sua crítica ao poder,relata uma sucessão de visões quetêm traços comuns com as doApocalipse. As visões povoam livrosposteriores como Jeremias eEzequiel. Habacuque também rece-be uma visão e uma ordem semelhan-te à de João de Patmos: “Escreve avisão, grava-a claramente sobre tabu-letas para que se possa ler corrente-mente” (Míguez, 1999, p. 30).

Esta tradição de videntes e visões

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estende-se também ao períodogreco-romano, dando origem a vá-rios escritos. No Novo Testamento,aparecem vários relatos como estes.No evangelho de Lucas, o nascimen-to de João Batista é anunciado atra-vés de uma visão (Lc 1.8-22); Estê-vão tem visão durante seu martírio(At 7.56); Paulo, no caminho deDamasco (At 9.3-8) e no seu cha-mado para evangelizar a Macedônia(At 16.9-10). Visões também são asde Cornélio (At 10.3-7), de Pedroem Jope (At 10.11-17), entre outras.Mateus descreve as mensagens a Joséno nascimento e perseguição domenino Jesus como sonhos e chamade visão o que os discípulos perce-bem no monte da Transfiguração (Mt17. 9). Paulo, ao argumentar com osCoríntios (2Co 12.2.7), fala de vi-sões e revelações que constituemaquilo de que se pode gloriar, poisnão são mérito seu, mas pura graçadivina. Portanto, a literatura bíblicacontém uma grande variedade derelatos de visões e o Apocalipse nãose constitui um caso a parte.

João se coloca dentro desta tra-dição de profetas visionários; portan-to, um vidente. Encontra-se em umestado particular no momento dereceber a visão ou visões e chama istode “estar no espírito” (1.10; 4.2;17.3; 21.10). Trata-se de uma con-

dição pessoal que sai do normal epermite ter acesso a espaços e ma-nifestações que só seriam alcançá-veis neste estado.

Esse estar no espírito – possessãodo Espírito Santo, êxtase, arrebata-mento espiritual, transe, transporteonírico ou outro – é suficientemen-te incomum para que João o desta-que. As formas normais de percep-ção são suspensas, caem osparâmetros racionais, desaparecemos sensores da consciência. Pode es-tar ao mesmo tempo em Patmos, noCéu, ver toda a terra e até debaixoda terra. Pode saber o que aconteceagora, o que aconteceu e o que vaiacontecer, simultaneamente(Míguez, 1999, p. 36).

Para os primeiros receptores dotexto, a imaginação é fundamentalna percepção das imagens simbóli-cas descritas pelo vidente João. Opróprio texto supõe isto: “Felizaquele que lê e os que ouvem” (1.3).Essa situação de um leitor e muitosouvintes supõe não uma leitura ana-lítica das palavras, mas, sim, o im-pacto que leitura corrida cria nos re-ceptores.

As imagens da adoração celestemostram um sentido e “tipo”doxológico, e criam um clima propí-cio para a adoração, bem como asimagens das pragas e males que se

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abatem sobre a humanidade tornampresente a dimensão dramática doambiente de perseguição que a co-munidade cristã experimenta. Céue terra, exaltação de anjos e teste-munhas e percepção do poder e so-frimento terrenos, a vontadesalvadora de Deus e a rebeldia dospoderes malignos misturam-se nasvisões para tornar vivo nos crentesqual é o sentido de sua vocação e oambiente real do mundo em que vi-vem (Míguez, 1999, p. 38).

A experiência extática de João nailha de Patmos o levou a entendercom profundidade a crise enfrenta-da pelas comunidades cristãs na Ásia.A situação era crítica e, para ele,Roma não era a ordem com a qualfosse possível cooperar. Ao contrá-rio, era a encarnação de Satanás, umabesta feroz e prostituta sedutora. Erapreciso ter o olhar a partir do Cristoressurreto para poder desvelar todaa ideologia apoiada em seus mitos desustentação do poder. A luta princi-pal, da qual exortou as comunidadescristãs a participar, foi a resistênciaao modo de vida imperial dominan-te e o testemunho fiel.

2) A fundação do2) A fundação do2) A fundação do2) A fundação do2) A fundação doespaço utópico:espaço utópico:espaço utópico:espaço utópico:espaço utópico:culto e liturgiaculto e liturgiaculto e liturgiaculto e liturgiaculto e liturgia

Os elementos litúrgicos doApocalipse são inegáveis. Começacom uma espécie de diálogo quepressupõe a presença de uma assem-bléia que escuta a leitura (1.3) no diado Senhor (1.10). Nele encontramospalavras como: sacerdote, altar, in-censo, templo, aclamações que pa-recem hinos e, ao final, a exclama-ção “Vem, Senhor Jesus” (maranatha– 22.20). Portanto, “o fio condutorno livro é obtido por meio de umaapresentação, de uma utilização e deum comentário original das práticaslitúrgicas pascais do cristianismo pri-mitivo” (Prigent apud Arens &Mateos, 2004, p. 292).

Indícios sérios permitem afirmarque as liturgias do Apocalipse se ins-piram diretamente nos cultos dasigrejas às quais o nosso autor querdirigir-se. Não há dúvida de que osprimeiros leitores do Apocalipse de-viam forçosamente evocar e até re-conhecer as suas celebrações ao le-rem essas descrições de cultos celes-tes (Prigent, 1993, p. 448-449).

O vidente João usa, noApocalipse, uma linguagem que ex-pressa um imaginário utópico que,

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com certeza, já era usual entre ascomunidades cristãs na Ásia Menorao final do primeiro século e princi-palmente no espaço da celebraçãolitúrgica. Esta forma de expressãotem se tornado, ao longo do tempo,um dos grandes desafios para que sepossa compreender a intenção de seuescritor.

Apesar do muito que aprendemosultimamente sobre a crítica literáriae a crítica retórica de textos, inclusi-ve os bíblicos, nossa mentalidadepositivista tende a ler tudo em ter-mos da realidade física e da lingua-gem direta; queremos conhecer osfatos e as evidências, não as formasde comunicação; seguimos a lógicada razão e menosprezamos a do co-ração, a da imaginação, a do poeta.Somos influenciados pelos precon-ceitos da ciência e da razão (Arens& Mateos, 2004, p. 23-24).

A recuperação da categoria dautopia se faz necessária, tanto paracompreender o Apocalipse comopara atualizá-lo para nossa realidadepós-moderna. Por definição, a uto-pia é uma criação literária que servepara imaginar a sociedade perfeita, aque aspiramos, mas que não existeentre nós. Toda utopia se projeta parao futuro, para uma meta ideal a quedificilmente se chega, mas que mo-biliza e orienta os projetos e a histó-

ria de homens e mulheres.A utopia não é uma “viagem” de

ópio, uma invenção da imaginaçãocriadora, mas uma esperança, umanseio profundo baseado em possi-bilidades reais: o mundo poderiaser..., se acontecessem certos com-portamentos. Brota do subconscien-te, do anseio e do sonho profundosde beleza, de virtude, de paz e debonança (Arens & Mateos, 2004,p. 373-374).

A utopia representa o traço deunião entre os sonhos e a vida, entreos ideais e a realidade, e expressa acapacidade de indignação de homense mulheres diante de uma históriaque os desumaniza. Entrar na imagi-nação utópica é assumir a responsa-bilidade histórica, tanto pessoal comocomunitária, e apresentar uma pro-posta alternativa como protesto à si-tuação estabelecida. Há uma distin-ção entre utopia e ideologia.

Ambas são visões da realidade,mas sob perspectivas diferentes: aideologia justifica o sistema dominan-te; a utopia o questiona e quertransformá-lo. A ideologia é a “sal-vação oficial”; a utopia é a salvaçãode todos os ameaçados, começandopelas vítimas ou pelos excluídos dosistema dominante (Arens &Mateos, 2004, p. 374).

Há também uma distinção entre

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utopia e mito.Assim como os mitos são afirma-

ções das origens para explicar o pre-sente, as utopias são afirmações dosfins, que retomam e sublimam a ig-norada condição paradisíaca, a fimde orientar o presente para sua pro-jeção futura. Uma é protologia; a ou-tra, escatologia; as duas se afirmamno presente, ao qual iluminam e dãosentido (Arens & Mateos, 2004,p. 375).

O poder imperial se apropria dosmitos para manter a ideologia oficialcomo instrumento que mantém ahegemonia de seu meio, enquanto aresistência ao poder busca na utopiao elemento necessário à sua causa. Autopia tem a ver com o futuro e coma esperança porque expressa uma fée uma convicção de que nossa histó-ria pode ser diferente. Como sabe-mos, fé e esperança são inseparáveis;uma não tem sentido nem consistên-cia sem a outra: “A fé é a certeza decoisas que se esperam, a convicçãode fatos que se não vêem” (Hb 11.1)e, nesse sentido, a esperança cristã éutópica.

O objetivo do vidente João, aoescrever às comunidades, é reanimara esperança em tempo de crise. Elefaz isto relendo a história à luz doCristo, morto e ressuscitado. Ele levaas comunidades, através da sua vi-

são, a também reler toda a sua his-tória presente a partir da utopia dacidade perfeita, e convida seus lei-tores a uma atitude de conversão di-ante de tudo o que é mostrado, des-mascarando assim o poder imperialque seduz e mata a esperança.

A esperança cristã, cujo objetivoé a salvação, é um “já, mas ainda não”,ao mesmo tempo presente e futuro,fazendo que este mundo se submetaà soberania benéfica desse triunfadorsobre a morte que é Cristo (11,15).Os cristãos, na condição de sacerdo-tes e reis ou de vencedores e servos,têm de fazer triunfar na história avida proposta por Cristo (Arens &Mateos, 2004, p. 377).

O convite à conversão é radical efaz com que, a partir de então, hajaum dualismo antitético entre as co-munidades e o poder imperial.

À medida que rejeita a salvaçãooferecida por Deus (Ap 12-13), omundo se mostra exatamente comoo lugar antitético e, portanto, nãopoderá subsistir ao juízo de Deus (Ap19-20). O cordeiro imolado represen-ta o julgamento do mundo: nele estávisível a anti-salvação do mundo(Arens & Mateos, 2004, p. 377).

As comunidades cristãs reunidas“no dia do Senhor” (1.10) partici-pam da liturgia que as leva a uma di-mensão que permite enxergar toda

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a realidade em que estão inseridas.O espaço de culto ultrapassa a bar-reira do tempo e da história e, com acerteza de que o fim está determi-nado, faz seus participantes tomaremuma atitude diante da vida. A liturgiapropicia a revitalização da esperançamesmo diante da situação em que amorte e outros sofrimentos poderãoser impostos. É exatamente esta afunção da utopia: mudar a história apartir de seus sujeitos.

3) A esperança da3) A esperança da3) A esperança da3) A esperança da3) A esperança dautopia: reconciliaçãoutopia: reconciliaçãoutopia: reconciliaçãoutopia: reconciliaçãoutopia: reconciliação

A comunidade reunida no “dia doSenhor” ouve atentamente a leiturae é levada a desvelar toda realidade apartir da visão profética do videnteJoão. O ambiente urbano no qualestavam inseridas apresentavam gran-des desafios de resistência ao poderimperial, sedução por um lado e per-seguição por outro. Diante da ima-gem da cidade santa (hagiópolis), sãotodos convidados a participar do pro-jeto do reino de Deus: “quem temsede eu darei gratuitamente da fon-te da vida” (21.6); “que o sedentovenha, e quem deseja, receba gratui-tamente água da vida” (22.17).

O convite feito por Deus (voz quesai do trono, 21.3) tem como prin-cípio a “gratuidade” e, quando os

ouvintes respondem afirmativamen-te a esta oferta, aceitam fazer umareconciliação.

Reconciliar, conciliar, voltar a con-ciliar. Unir algo que estava original-mente unido. O sentido utilizado éclaro: “voltar a colocar o mais exatoou unido o separado, distanciado ouafetado por algo”. Alguns teólogoscomo Tillich vêem a meta da salva-ção como reunir novamente o serhumano afastado de Deus com Deus,em uma nova convivência por meioda participação, aceitação e mudan-ça (Sanzana, 2005, p. 64).

Essa reconciliação, que é ofere-cida gratuitamente, é uma obracompleta e não é cronológica, nemhierárquica, não somente cósmicanem individual, é reconciliação quetraz uma relação perfeita entre a hu-manidade e Deus, harmonizandotoda a sua criação. A imagem da ci-dade que “desce do céu” provocamudança de atitude nos membrosdas comunidades cristãs que já fo-ram questionados pelo Cristo/Espí-rito nas cartas (2-3), dizendo “co-nheço tuas obras”. Diante de tal re-velação, cabe ao ouvinte a decisãode fazer (ou não) parte da cidadesanta, isto é, tornar-se cidadão; mas,para isso, é preciso reconciliar-secom Deus, com o semelhante e como cosmo.

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A reconciliação com Deus éuma iniciativa do próprio Deus, poisa humanidade afastada pelo pecadotornou-se incapaz de aproximar-see reatar um relacionamento de inti-midade. Agora, Deus não leva maisem conta as culpas da humanidadee o apóstolo Paulo diz que “Deusestava em Cristo reconciliando con-sigo o mundo, não lhes imputandoos seus pecados” (2Co 5.19). A obrade Cristo é a reconciliação possívelpara a humanidade.

A reconciliação apresenta-nos essanova relação com Deus, mas, às ve-zes, restaura ou recria a imagem deDeus. Esse Deus distante e patriar-cal reconcilia-se como o Deus próxi-mo e amoroso. É a crítica freqüentea partir da análise de gênero, pois seprivilegiou a imagem de um Deushierárquico, castigador e déspota. Aproximidade a um Deus que se soli-dariza e se aproxima de seu povo afli-to contrapõe-se a esse Deus que nãoescuta nem responde às necessida-des dos pobres e aflitos (Sanzana,2005, p. 66).

Por isso, falar em reconciliar Deuscom a humanidade inclui voltar aconciliar o povo sofrido e humilha-do com este Deus distante criado poralguns para manter a ideologiaexcluidora. As imagens que nos pas-saram tradicionalmente de um Deus

transcendentemente distanciado denossa realidade, alheio ao nosso so-frimento e até cúmplice da opres-são, fazem com que, em meio ao cla-mor, à reflexão comunitária, reco-nheçamos um Deus solidário, amo-roso e misericordioso, que se revelacomo pai e mãe a todos os seus fi-lhos e filhas (21.7), para convocar-nos a uma vida de confiança e reci-procidade. Deus nos acolhe, mas aspróprias circunstâncias cotidianas le-vam-nos, como comunidade, a ob-servar o convite para reconciliar-noscom ele e abraçar o seu caminhocomo nosso próprio.

A reconciliação com Deus temcomo igual e conseqüente a reconci-liação com o semelhante. O reconhe-cimento do pecado e a disposiçãopara perdão são conseqüências natu-rais da reconciliação com Deus. Naoração do Pai Nosso dizemos “per-doa-nos as nossas dívidas, assim comonós temos perdoado aos nossos de-vedores” (Mt 6.12). É esta disposi-ção para o perdão gracioso que noschama imperativamente a viver emharmonia e convoca-nos a ser corpode Cristo.

O primeiro sinal de vida é oredescobrimento da imagem deDeus na humanidade afogada pelopecado, ali onde espreita a morte. Oser humano foi criado por Deus à sua

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imagem e semelhança para convi-ver, viver e dar vida. Somos criaçãode Deus e de uma mesma proce-dência (Tamez, 1995, p. 212, 213).

Reconciliar-se com o próximoquase sempre é doloroso porquepressupõe sair do próprio mundo etalvez corrigir a imagem de Deus paraentrar no mundo de outras pessoas.Jesus nos alerta que a adoração de-pende da capacidade de reconcilia-ção: “Se, pois, ao trazeres ao altar atua oferta, ali te lembrares de queteu irmão tem alguma coisa contrati, deixa perante o altar a tua oferta,vai primeiro reconciliar-te com teuirmão; e, então, voltando, faze a tuaoferta” (Mt 5.23-24). A verdadeiraadoração acontece com a sincerida-de e com uma disposição para sem-pre perdoar.

A comunidade cristã, a comuni-dade daqueles que, pela palavra degraça e pelo espírito do amor deDeus, foram chamados a ser filhos efilhas de Deus em liberdade, une-secomo irmãos e irmãs no amor. Essareconciliação entre os seres humanosé um encontro, em primeiro lugar,pela própria situação de homens emulheres (Sanzana, 2005, p. 68).

A necessidade da reconciliação écausada pela deterioração das rela-ções sociais. O pecado levou-nos auma separação de Deus, mas, não

somente isto, também nos leva a umdistanciamento com o próximo. Fa-lar de salvação é falar do pecado quegerou as relações sociais estruturaisde pecado. Falar de reconciliação ébuscar caminhos que levem à supe-ração das categorias ideológicas dahumanidade, como o racismo, oclassismo, o sexismo e as múltiplasformas de pecado que destruíram ahumanidade e devem ser reconheci-das, denunciadas e expulsas emnome do amor de Deus.

A reconciliação com Deus éoferecida gratuitamente. Com opróximo, é sinal de que realmenteestamos reconciliados. Mas, paraque ela seja plena, é necessário re-conciliar-nos com o cosmo. Pois areconciliação com Deus gera harmo-nia com sua criação e entender istosignifica reconhecer nossa indiferen-ça e nossa passividade ante a agoniadeste mundo.

Assumir a responsabilidade eco-lógica não significa fazer alarde ouprever infortúnios, mas alertar peda-gogicamente sobre os riscos que cor-remos, para tomar uma nova posi-ção: evitar a violência científica so-bre a natureza e buscar um novoparadigma de convivência pacífica ede coexistência (Brustolin, 2001,p. 181).

A humanidade é parte conscien-

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te e protagonista nesta reconciliaçãocom o cosmo. O uso adequado dacriação é prioridade do ser humanocomo mordomo que deve zelar poraquilo que não lhe pertence. A pre-servação do ambiente e da vida hu-mana não pode ser feita apenas comvistas a um futuro remoto.

O kairós da salvação da terra é opresente. É hoje que se deve agircomo se o futuro inteiro do gênerohumano estivesse nas mãos da atualgeração. As previsões são desa-nimadoras, principalmente no que serefere aos recursos hídricos. O pro-blema da escassez de água em mui-tas regiões do planeta tende a se alas-trar (Brustolin, 2001, p. 181).

Mesmo diante das ameaças quese aproximam, a fé cristã há de pro-clamar sua confiança no Deus fiel ereconciliador que não abandona a suacriação. Pela fé se afirma a certezade que o cosmo é mais forte do queo caos, porque Deus tem domíniosobre o absurdo e a morte.

A nova aliança que o ser humanodeve estabelecer com a natureza devepassar, primeiramente, por seu cora-ção. E é ai que estão as raízes dasagressões que rompem o acordo ori-ginário entre todos os seres. O ins-tinto de posse e a vontade de poderpodem ganhar mão. O desejo é insa-ciável. Importa impor-lhe limites, por

amor ao desejo dos outros e em prolda sobrevivência de todos (Boff,1993, p. 78).

Essa reconciliação com o cosmoenvolve uma reflexão sobre o futuroque esperamos dentro da criação deDeus. A defesa ecológica é substan-cial ao projeto de Deus para a res-tauração de todo ser. Ações concre-tas são necessárias para que hajamudanças, mas é necessário que ve-jamos a utopia do mundo perfeito afim de nos engajemos nesta lutahoje.

4) A política da4) A política da4) A política da4) A política da4) A política dautopia: oikonomiautopia: oikonomiautopia: oikonomiautopia: oikonomiautopia: oikonomiaA mensagem do Apocalipse não

pode ser entendida corretamente sedeixarmos de lado o dualismo que oassiste, e isso supõe antagonismo econflito entre os seguidores do “cor-deiro” e os seguidores da “besta”.

O Apocalipse é, pois, uma obra“combativa”, com linguagem dualistae imagens pouco reconfortantes paraos que vivem de costas para Deus. Acrítica à sociedade que vive em fun-ção do poder(oso) deste mundo éevidente desde seu início. Seudualismo propõe a necessidade deopções claras, sem conchavos nemarreglos. Trata-se de uma linguagemque é fruto de uma rejeição a deter-

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minadas estruturas (Arens &Mateos, 2004, p. 333).

Nesse sentido, a mensagem doApocalipse constitui uma dura críti-ca ao mundo endeusado, porque ospoderes políticos e econômicosopressores do ser humano serãodestruídos no fim da história. Nãocontam com misericórdia, nem re-conciliação alguma. Somente para osfiéis ao Cordeiro ocorre a libertaçãodas estruturas de morte para teremlugar as estruturas de vida.

O Apocalipse serviu para defen-der um testemunho de compromis-so cristão firme, que opta por umaresistência a cooperar com a tenta-dora corrupção do mundo e por vi-ver preferentemente seguindo oCordeiro, através de uma vida ativano estilo de Jesus. Esse compromis-so, que se traduz numa opção pelosmarginalizados e excluídos do con-texto dos poderosos do mundo, bemcomo pelos explorados do mundo,condenados à pobreza, acaba sendouma crítica à sociedade (Arens &Mateos, 2004, p. 331).

A dualidade do Apocalipse é umfator inegável, mas ela não se encon-tra em todas as situações. Há tam-bém convergências e a principal en-contra-se no senhorio de Deus quesomente é compartilhado com JesusCristo, “o príncipe do reis da terra”

(1.5). Com uma simples leitura doApocalipse, percebe-se que “a sobe-rania absoluta é de Deus, antagoni-camente contrária à pretensa supre-macia do imperador romano e deseus respectivos impérios” (Arens &Mateos, 2004, p. 325). Com isto,percebemos que o principal confli-to entre os fiéis das comunidades erapolítico-econômico.

Uma palavra bastante usada noApocalipse relacionada com o mun-do político é “trono”, que nele apa-rece nada mais nada menos do que47 vezes. É, ao mesmo tempo, umadas mais significativas no Apocalipse.Do mesmo campo semântico são:reinar, basiléuin (7 vezes); rei,basileus (20 vezes); reino, basiléia (9vezes); coroa (8 vezes), muitofreqüentemente relacionada a ouro/dourado (26 vezes), chifre(s), quedenota(m) poderes; súditos (9 ve-zes); poder(io) (12 vezes); adorar(proskynéin) a Deus/ao Cordeiro (12vezes), contrastando com adorar abesta (8 vezes), como expressão desubmissão e reconhecimento a suasoberania (Arens & Mateos, 2004,p. 318).

O vidente João, utilizando-se deimagens do contexto político-econô-mico, demonstra a exclusão daque-les que não prestam culto à besta:“ninguém possa comprar ou vender,

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senão aquele que tem a marca, onome da besta ou o número do seunome” (Ap 13.17). A marca é umsímbolo de pertença a alguém, e osescravos e animais a tinham para fi-car estabelecida a propriedade. NoApocalipse, não há neutralidade: ouse tem a marca da besta ou a marcade pertença ao cordeiro.

Ao final, no capítulo 18 e 19, oApocalipse termina com a exposiçãodas manifestações da soberania ab-soluta de Deus e do Cordeiro, des-crevendo a destruição do poderiopolítico e econômico da grande ci-dade, Roma, a grande Babilônia. Emseguida, são aniquilados os reis e seusexércitos por aquele que é “Rei dosreis e Senhor dos senhores” (19.16).Enfim, a soberania de Deus no uni-verso manifesta-se em toda a sua ple-nitude no julgamento de todos, se-gundo suas obras, por parte daqueleque está “sentado num grande tro-no branco” (20.11). O Apocalipseenfatiza assim a soberania real deDeus e de Jesus Cristo contra qual-quer outra pretensa soberania quequeira sê-lo de forma absoluta e su-prema.

Desta forma, o Apocalipse é umconvite à resistência ativa diante dospoderes corruptos do mundo, optan-do por seguir o Cordeiro “por ondequer que ele vá” (14.4). E isto signi-

fica viver ativamente o cristianismocomo discípulo de Jesus Cristo. Porsua vez, os cristãos deverão ser tes-temunhas de sua particular opçãopolítico-econômica, a que tem porsoberano Senhor do mundo e da his-tória a Deus e seu Cordeiro, não acei-tando os critérios impostos pelos po-derosos deste mundo como referên-cia última para a vida, mas apontandopara um mundo no qual ninguém so-frerá dor, lágrimas, morte e no qualDeus e seu Cordeiro são a sua luz,pois as trevas não mais existem.

Ao concluir sua visão com a cida-de santa, o vidente João convoca seusouvintes a uma nova forma de orga-nização político-econômica. A cida-de possui grande riqueza, mas todastêm caráter de coletividade (21-22),o ouro está na rua, pedras preciosasnas fundações, pérolas nas portas. Asnações trazem suas riquezas para acidade, mas dentro dela todos sãoiguais, sem qualquer exclusão oumarginalização. Todos compartilhama produção de bens e serviços. E éeste o desafio que se impõe aindahoje ao lermos o Apocalipse.

O poder imperial tem como ma-triz principal de sua força o controledos meios de produção de bens eserviços. Uma das principais tensõesexistentes na Bíblia é a que se mos-tra entre a centralização dos negóci-

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os e o comércio, por um lado, e oanseio de mantê-lo na família e naaldeia, por outro. Os profetas casti-gam com regularidade a primeira econdenam os pactos comerciais dosreis de Israel com o poder imperialcomo traições à Aliança. Essa críti-ca dos profetas deve ser um lembre-te de que os caminhos de Deus e doCordeiro continuam a ser o caminhopara a paz.

Para os seres humanos viveremem harmonia uns com os outros ecom a terra, precisamos redescobriressa antiga sabedoria de nossos ante-passados na fé e abandonar a alter-nativa imperial que se apresentacomo dádiva divina (Brook &Gwyther, 2003, p. 313).

Para que aconteça a mudança realna sociedade em que vivemos, nãopodemos esperar a conversão doimpério em outra coisa, nem sua re-denção. É preciso construir um sis-tema político-econômico totalmen-te diferente ao lado do sistema im-perial. A partir de uma recuperaçãoutópica da economia doméstica(oikonomia), poderemos transfor-mar o mundo em que vivemos, que-brar diferenças e estabelecer valoresdo reino de Deus.

O vidente João apresentou suarevelação como modelo de umanova sociedade em que os meios

de produção de bens e serviços es-tão inteiramente a serviço da vidae da comunidade. Este é o verda-deiro caminho para a reconstruçãoda utopia.

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoO Apocalipse é um livro que tem

como finalidade gerar a esperança emmeio aos conflitos e, por isso, fazquestão de reconstruir uma utopiacomo direcionamento para as comu-nidades que vivem em um mundodesumanizado pela presença da “bes-ta” e da “prostituta”. Portanto, é umaproclamação audaz de fé que anun-cia “um novo céu e uma nova terra”(21.1) e decreta o fim de todo po-der imperial que explora e militacontra a vida.

O espaço escolhido pelo videnteJoão para reconstruir a esperança foio culto. Toda a sua visão é para serlida e é ouvida durante a liturgia do-minical. O leitor e os ouvintes sãoconvidados a participarem intensa-mente de toda a celebração. Umgrande desafio que se nos impõe hojeé transpor as barreiras doinstitucionalismo religioso e transfor-mar nosso espaço de culto em ambi-ente propício para que excluídos emarginalizados possam reconstruir osonho de uma vida melhor, e os se-

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duzidos pela ideologia do poder im-perial possam se converter em dis-cípulos seguidores de Jesus Cristo.

O resultado nesta visão de cultoé transformador. Diante de tal situ-ação, é impossível ficar neutro. Ouse opta por seguir o Cordeiro ou porcontinuar seguindo o poder imperi-al que gera a morte. O momento édecisivo e não há mais como alegardesconhecimento de toda a realida-de em que se vive. O vidente a des-velou, demonstrando-nos onde se lo-caliza o mal gerador de morte. To-mar a atitude certa é decidir pelatransformação do mundo a partir dareconstrução de seus próprios hori-zontes. É acreditar que, para o futu-ro ser melhor, é preciso envolvimentocom o presente. Resistir à seduçãodo poder político-econômico na so-ciedade pós-moderna é um testemu-nho de que realmente experimenta-mos a utopia do reino de Deus.

A conversão, neste sentido, não éalgo intrínseco à individualidade dapessoa, mas, ao contrário, passa poruma reconciliação com Deus, com opróximo e com a natureza. Não épossível mais continuar com o ima-ginário de uma salvação egoísta queleva somente o indivíduo para umoutro mundo perfeito.

O Apocalipse nos convoca, sim, acolocar a mão no arado e a recons-

truir tudo que já depredamos ou,pelo menos, a recuperar o que ain-da é possível. Reinventar uma novaeconomia é mais que uma mera uto-pia; é a única maneira de adquirir-mos vida e vida em plenitude. Por-tanto, a reconstrução da utopia éuma tarefa urgente para a salvaçãode nosso mundo.

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Lucas 13.10-17 fundamentaa liberdade de ação em relaçãoao dia de sábado, tendo por basea messianidade de Jesus. O sába-do é um dia apropriado para fa-zer o bem. A comunidade cristãnão está presa às restrições da in-terpretação das leis judaicas dochefe da sinagoga e das pessoasque representava, pois com Je-sus iniciou-se um novo sábado,livre do jugo da lei. Com Jesus,chegou um novo dia de descan-so, um novo sábado, apresenta-do como uma dádiva de Deus aoser humano e livre de qualquerinterpretação que não leve emconta as suas necessidades.

Lucas 13.10-17 relata oencontro entre Jesus euma mulher enferma,

numa sinagoga, em dia de sába-do. A mulher sofria, havia dezoi-to anos, de uma doença que nãolhe permitia endireitar-se. Jesusa curou, ela imediatamente co-meçou a louvar a Deus pelo quelhe acontecera, mas foi repreen-dida pelo chefe da sinagoga, quedizia não ser aquele um dia apro-priado para se fazer cura. A res-posta de Jesus, dirigida ao chefeda sinagoga, ao contrário, indicaque era apropriado libertar amulher naquele dia. Ora, se atémesmo um boi ou jumento,quando tinham sede, eram desa-marrados em dia de sábado parabeber água, quanto mais direitotem um ser humano de ser livra-do de tudo que o impede de de-senvolver plenamente sua huma-nidade em dia de sábado.

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Jesus, no sábadoJesus, no sábadoJesus, no sábadoJesus, no sábadoJesus, no sábado,,,,,ensina na sinagogaensina na sinagogaensina na sinagogaensina na sinagogaensina na sinagogae cura uma mulhere cura uma mulhere cura uma mulhere cura uma mulhere cura uma mulher

enfermaenfermaenfermaenfermaenfermaO relato de Lucas 13.10-17 en-

volve também uma controvérsia arespeito da transgressão da lei do sá-bado, um tema que foi motivo deconflito constante entre Jesus e seusadversários. A declaração inicial dotexto: “Estava, pois, (Jesus) ensinan-do em uma das sinagogas em dia desábado”, apresenta o contexto tem-poral e local do acontecimento. Oconteúdo do ensino não é apresen-tado diretamente, mas a controvér-sia é, efetivamente, parte do ensino.A situação descrita, que serve de con-texto para o incidente, pode tambémser deduzida do resto da história edo que conhecemos sobre a maneirade agir de Jesus. Para ele, nenhumalei relacionada com a santidade dosábado poderia substituir a liberta-ção de alguém doente, mesmo reco-nhecendo que até as pessoas maisexigentes no cumprimento da lei dosábado permitiam ao boi ou jumen-to beber água neste dia.

Segundo o texto, “achava-se aliuma mulher, que tinha um espírito defraqueza”, isto é, “de enfermidade”.A doença é atribuída ao poderiomaligno de Satanás (v.16), mas a cura

que se segue não é descrita comoexorcismo, mas, sim, como uma li-bertação: “Mas Jesus, vendo-a, cha-mou-a e disse-lhe: ‘Mulher, está livresda tua doença’, e impôs nela as mãos;e imediatamente endireitou-se e lou-vava a Deus” (vv.12-13). Não deve-mos restringir o sentido da palavra“espírito” e considerá-lo somentecomo má influência. A doença dura-va dezoito anos e, conseqüentemen-te, produzira mudanças no organis-mo da mulher. Lucas distingue en-tre enfermidade e possessão, entrecura e exorcismo. A descrição da do-ença está relacionada com a palavra“espírito” (v.11) e o diálogo enfatizaas “cadeias” impostas por Satanás(v.16).

A doença havia se espalhado portodo o corpo da mulher, encurvando-a, atrapalhando seu movimento. As-sinalam-se os efeitos: primeiro, “amulher era e seguia encurvada”, o queindica uma deformidade na parte in-ferior da coluna vertebral. Segundo,como o mal era irreparável, ela nãopodia, de forma alguma, “endireitar-se”. A expressão “de forma alguma”tem o sentido de algo acabado. Seuuso com “levantar-se” significa “ab-solutamente incapaz de levantar-se”.O texto acentua, portanto, sua inca-pacidade total de olhar para cima. Naantiguidade, o homem e a mulhertemiam o mal que não matava, mas

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impedia uma pessoa de se manterna posição vertical, pois, para o pen-samento judaico, a posição vertical,a palavra, o discernimento e a visão,que nos permitem perceber as coi-sas, distinguem o ser humano do ani-mal e o aproxima dos anjos. A mu-lher enferma, não tendo mais o po-der de se levantar e olhar para o alto,estava desprovida de uma parte es-sencial da humanidade e de um con-tato com o divino. Ao sentimento denão poder ser curada das dores físi-cas, sobre as quais o texto nada diz,acrescenta-se também a humilhaçãopessoal e a degradação social.

A ação de Jesus é espontânea. Eletoma a iniciativa, depois de perce-ber a necessidade da mulher: “MasJesus, vendo-a, chamou-a e disse-lhe:‘Mulher, está livres da tua doença”.Jesus dirige a palavra à mulher e im-põe-lhe as mãos. A mulher foi cura-da imediatamente e glorificava aDeus. O olhar ultrapassa a consta-tação. Ele precede e motiva o gestode Jesus. O olhar demonstrareceptividade; o gesto, sua interces-são. A ação de Jesus deixa claro aosque “têm olhos para ver e ouvidospara ouvir” que o Senhor não fica in-diferente diante da miséria injusta eque atua para corrigir seus efeitos.Lucas descreve a atitude de miseri-córdia de Jesus com verbos que de-signam gestos benéficos. É também

esta atitude que está na origem dacrítica que Jesus dirige àqueles queinterpretavam a Lei de forma bas-tante limitada.

O convite de Jesus se expressapelo verbo chamar e, em seguida,pelo verbo dizer. Fica claro, antes detudo, a exterioridade da voz que seouve e a interpelação da pessoa aquem Jesus se dirige. Depois de tersido chamada, a mulher teve de des-locar-se, sair do lugar onde se encon-trava, para ouvir o que Jesus tinha alhe dizer, aceitando, assim, em seumovimento, o diálogo com Ele. Eladeveria, até então, estar na parte re-servada às mulheres na sinagoga ouem um lugar onde não se perceberiaa sua deformidade.

Jesus, como Lucas o apresenta,impõe-se, anunciando uma liberta-ção que se realiza instantaneamente.A fraqueza da mulher, sua enfermi-dade, corresponde à força que elatem dentro de si. Tirar as ataduras,desatar, desfazer o que Satanás ha-via feito é favorecer a recuperaçãoda vida, é libertar a pessoa. Para quea fraqueza se converta em força e aescravidão em libertação, a interven-ção do poder de Deus é necessária.Para expressar a irrupção do poderdivino, que faz desta libertação umaregeneração, o evangelista Lucas falada imposição de mãos, um gestomuitas vezes associado ao ministério

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de cura. Aos olhos de Lucas, Jesuse seus discípulos dispõem do poderde Deus que liberta as pessoas dopoder de Satanás.

A mulher levantou-se imediata-mente. Essa forma narrativa de di-zer indica que a cura vem de Deus.Ela foi curada repentinamente, as-sim como a doença fora duradoura,uma cura completa para uma enfer-midade que havia sido total. A liber-tação de Deus alcançou a mulher:“estás livre da tua doença”. Ela foi,de fato, libertada” (Lc 4.20b-21). Jáo verbo “restaurar” significa levan-tar-se ou pôr-se de pé novamente,ficar ereto, isto é, recobrar o sentidovertical. Após a descrição da enfer-midade (v.11), portanto, temos areferência à restauração a uma pos-tura normal, ereta (At 14.10).

A origem divina da cura deixa cla-ro para o ouvinte a correção daqueledefeito cruel. Ele também evoca,num sentido espiritual e moral, orestabelecimento que Deus ofereceao seu povo e a retidão ética que teráde acompanhá-lo. A intervenção deDeus se prolonga na ação de graças.A mulher, crente, atribui sua cura aoDeus de Israel. Além disso, a expres-são “estás livre”, que descreve a cura,antecipa a declaração dos vv.15-16:“Mas o Senhor lhe respondeu e disse:‘Hipócritas, cada um de vós no sába-do não solta o seu boi ou jumento do

estábulo e levando (dali) dá de be-ber? Eis, porém, esta, filha de Abraão,a quem Satanás prendeu dezoito anos,não era preciso ser solta dessa alge-ma no dia de Sábado?” Jesus chamaa mulher do lugar onde ela se encon-trava na congregação e anuncia a suacura, ficando clara a natureza perma-nente da mesma.

A reação do chefeA reação do chefeA reação do chefeA reação do chefeA reação do chefeda sinagogada sinagogada sinagogada sinagogada sinagoga

A lei do sábado era observada comvários graus de rigor no judaísmo doprimeiro século (Ex 20.8-11; Dt 5.12-15). O livro de Jubileus tem a lei dosábado como seu fundamento teoló-gico e vê o sábado como um sinal es-pecial dado a Israel (2.19). O Docu-mento de Damasco 10.14-11.18 apre-senta a mais rigorosa interpretaçãodesta lei, mesmo ajudar um animalparir ou um animal caído numa cis-terna e, da mesma forma, ajudar umapessoa. A tradição farisaica e rabínicaera menos rigorosa, mas estava tam-bém preocupada em delinear o quepoderia ou não: trinta e nove tipos detrabalho, acompanhados cada um deuma multidão de tarefas acessórias,eram considerados contrários ao des-canso sabático, o qual, junto com acircuncisão, constituía o preceito maisconsiderado pelo judaísmo tardio. Aexata especificação de atividades que

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eram condenadas reflete a preocu-pação em evitar todas as possibilida-des de transgredir a lei do sábado.Somente situações em que a vidaestivesse ameaçada ou de necessida-des pessoais calamitosas permitiriamnão observar a lei do sábado.

Nesse sentido, a atitude do che-fe da sinagoga está adequada ao seupapel, como alguém que deveria pre-ocupar-se com a ordem de culto, paraque não acontecesse nenhum distúr-bio. Devido à preocupação com acura em dia de sábado (6.6-11), suafala refere-se à lei do sábado, segun-do Êxodo 20.9 e Deuteronômio5.13. A mulher não veio até Jesus,mas ele foi até ela. Seu aborrecimen-to é com o comportamento de Jesuse não da multidão. Mas, como emoutros casos, o sinal realizado porJesus torna-se ocasião de controvér-sia e ensino. Como chefe da sinago-ga (8.49), ele responde à cura de for-ma indignada: “O chefe da sinagoga,porém, respondeu indignado” (Lc14.3; 17.17; 22.51). Ele respondeindignado porque Jesus curou no sá-bado, mas hesita em atacá-lo, diri-gindo, em vez disso, à multidão: “Háseis dias nos quais é preciso traba-lhar; nestes dias, pois, vindo, sedecurados e não no dia de sábado”.

Ele se irrita, impacienta-se, quei-xa-se. Crê que sua atitude de cóleraé legítima, mas ela é de juízo e con-

denação moral. Lucas indica o mo-tivo desta irritação: escolher o diade sábado para a cura, consideradacomo trabalho. É provável que osmédicos não trabalhassem em diade sábado. O chefe da sinagoga en-tende que Jesus trabalha (Lc 13.14)e, ao trabalhar, falta com as exigên-cias da Lei. Assim, sua cólera estájustificada diante dos seus olhos ediante de Deus. Contudo, por queele não se atreve a enfrentar direta-mente a Jesus?

A reação e aA reação e aA reação e aA reação e aA reação e aresposta de Jesusresposta de Jesusresposta de Jesusresposta de Jesusresposta de Jesus

Jesus responde porque o chefe dasinagoga ficou aborrecido e não peloque ele disse à multidão. A forma plu-ral usada, “hipócritas”, indica que elese dirige ao chefe da sinagoga e a qual-quer pessoa presente que concordas-se com ele. Nesse caso, a hipocrisiadeles é desmascarada pelas palavrasde Jesus e a questão é: “vocês não sol-tam o boi ou o jumento, quando têmsede, e os levam para beber água, emdia de sábado?”. A Mishnah diz queo boi pode beber água no sábado, poisnão carrega nenhuma carga (Shab5.1-4). Havia disputa sobre que tipode nó poderia ser dado ou não no sá-bado; a despeito da proibição geral(Shab 7.2; 15.1), era permitido pren-der o boi para que ele não fugisse

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(Shab 15.2). Além disso, foram to-madas medidas especiais para que ogado pudesse beber água em poços,sem transgredir os limites da jornadado sábado (Erub 2:1-4).

Por trás da resposta de Jesus estásua autoridade como Senhor do sá-bado (7.13). O sábado foi criado parabenefício e bem estar do ser humano:“O sábado aconteceu por causa do ho-mem e não o homem por causa do sá-bado” e o “Filho do Homem é Senhoraté do sábado” (Mc 2.27-28). Sata-nás está atrás das aflições da vida. Opapel atribuído a ele na doença traztodas as curas à órbita do sentimentode Lucas 11.20: “Se, porém, eu expul-so os demônios pelo dedo de Deus, cer-tamente, é chegado o reino de Deussobre vós”. Assim, a limitação damulher é comparada à de um animalque não pode beber água quando temsede. O animal não é preso nem porum dia; a mulher está presa há dezoi-to anos! Isto é parte da libertação aoscativos anunciada em Lucas 4.18-19:“O Espírito do Senhor está sobre mim,pelo que me ungiu para evangelizar ospobres; enviou-me para proclamar li-bertação aos cativos e restauração davista aos cegos, para pôr em liberdadeos oprimidos, e apregoar o ano aceitá-vel do Senhor”.

Tendo estabelecido esta regra, Je-sus conclui seu argumento: “Hipó-critas, cada um de vós no sábado

não solta o seu boi ou jumento doestábulo e levando (dali) dá de be-ber? Eis, porém, esta, filha de Abraãosendo, a quem Satanás prendeu du-rante dezoito anos, não era precisoser solta dessa algema no dia de sá-bado?” (vv.15-16). A expressão “fi-lha de Abraão” reflete uma forteconsciência do povo de Deus. Damesma forma que Isaque, filho deAbraão, foi desatado, esta filha deAbraão também descende do patri-arca. Ela era filha de Abraão, comoZaqueu (Lc 19.1-10), sendo parte dopovo escolhido de Deus. Muitos atépoderiam negar que ela fosse “filhade Abraão”, pois consideravam adoença como um sinal de um de pe-cado particular. Mas ela deve ser li-bertada de algo estranho, que a man-teve cativa por dezoito anos. O ver-bo “prendeu”, embora passado, temo sentido presente: “mantém”, “temmantido” é uma tradução apropria-da, pois agora a mulher está livre. Elanão deveria mais permanecer cativa,pois tinha sofrido durante dezoitoanos. Precisava ser libertada imedia-tamente, mesmo em dia de sábado.É, de fato, mais adequado libertá-lano sábado, pois Satanás não pára deagir nem no sábado.

O Deus da libertação é o Deusque Jesus relembra como exemplo.Como em Lucas 14.5 e Mateus12.11, mesmo um animal que cai

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num poço em dia de sábado mereceajuda. Trata-se de um gesto de soli-dariedade para com o animal, em-bora isso signifique algum tipo de tra-balho. Um ser humano, contudo, valemais que um animal. Assim, deve serlevado em conta o vocabulário de li-bertação empregado no texto: “de-satar”, “soltar”, o mesmo verbo uti-lizado nos vv.15-16. Todo mundo sol-ta seu boi ou seu jumento no dia desábado para levá-lo para beber água.É hipocrisia, ou seja, ilógico e falsa-mente religioso, autorizar num casoo que se nega no outro. Sobretudo,quando se trata, por um lado, da so-brevivência de um animal e, por ou-tro, da vida humana. Portanto, o sá-bado não é somente um dia no qualé possível curar, mas é o mais apro-priado para libertar. Inverte-se todauma teologia do sábado: em vez deser um dia em que a obediência de-semboca em um não fazer nada queleva à escravidão, o sábado se con-verte numa festa na qual o amor seirradia em favor dos demais. A lon-ga servidão (Satanás, assim como oFaraó, apertou as cadeias do povo deIsrael no Egito) termina. Israel é de-satado, libertado. Esta tarefa não sódevia ser tolerada, mas era tambémuma adequação providencial aos de-sígnios de Deus.

A história atinge o clímax com to-dos “os oponentes de Jesus envergo-

nhados”. A cláusula sobre os oponen-tes é claramente esquemática, já que,a partir de um deles, todos estão pre-sentes. A multidão, contudo, se ale-gra com “os feitos gloriosos” de Je-sus. Esta expressão relembra Êxodo34.10: “Então, disse: Eis que façouma aliança; diante de todo o teu povofarei maravilhas que nunca se fize-ram em toda a terra, nem entre na-ção alguma, de maneira que todo estepovo, em cujo meio tu estás, veja aobra do Senhor; porque coisa terrívelé o que faço contigo”. Ela acentua queas ações de Jesus são palavra de Deus(7.16) e, frente a esta palavra, os ad-versários ficam envergonhados. Dequalquer forma, não têm nada a di-zer, mas as pessoas reunidas na sina-goga se opõem aos seus chefes. Essagente optou por Jesus e dá as costasaos seus líderes. Lucas mostra a mul-tidão que mudou de opinião. O êxi-to de Jesus é evidente. A alegria éespontânea entre os expectadores eexpectadoras da libertação da mu-lher. Alegria religiosa, escatológica,diante do que assinala a irrupção doreino de Deus, que é o valor que afir-ma a parábola seguinte (13.18-21).Alegria pelos “acontecimentos glori-osos”, ou seja, nos quais se reflete aglória de Deus, que ocorreram gra-ças a Jesus Cristo. Cumpre-se assim,o desígnio de Deus, a história da li-bertação e da salvação.

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A ação de Jesus,A ação de Jesus,A ação de Jesus,A ação de Jesus,A ação de Jesus,uma luta contra asuma luta contra asuma luta contra asuma luta contra asuma luta contra asforças destrutivasforças destrutivasforças destrutivasforças destrutivasforças destrutivas

que agem noque agem noque agem noque agem noque agem nomundomundomundomundomundo

Lucas 13.10-17 situa-se na seçãodo evangelho que se inicia em 9.51 evai até 19.28. Esta seção apresenta ocaminho de Jesus, da Galiléia a Jeru-salém, um caminhar que marca o iní-cio de sua morte-ressurreição-exaltação. A exaltação de Jesus é apre-sentada como o auge do seu caminharprofético iniciado na Galiléia, masque, agora, no caminho à Jerusalém,aproxima-se da sua consumação.

A seção reúne uma série de ensi-nos, que podem ser subdivididos emsubseções, por meio de várias alusões(9.35,37; 10.38; 13.22; 14.25; 17.11;18.31; 19.28). Uma destas subseçõesé Lucas 13.10-14.35, marcadatematicamente por contrastes. Oprincipal recurso que Lucas utilizapara identificar seus limites é oparalelismo das unidades de 13.10-

35 e de 14.1-35; 13.10-17 e 14.1-6,curas no sábado; 13.18-19 é paraleloaos vv.20-21, assim como 14.7-11 oé em relação a 14.12-14 (a ligaçãodo reino de Deus em 13.18-19.20-21 e o banquete em 14.1-6 e 12-16 éindicada em 14.15, pela referência ao“alimentar-se no reino de Deus”);13.31-35 fala do destino de Jesus emJerusalém e 14.25-35 trata do temaanálogo de “tomar a própria cruz eseguir a Jesus”.

O tema da inversão escatológica“no presente” e “ainda por vir” é apre-sentado por meio de contrastes, masLucas delimita a subseção ao apresen-tar de forma paralela suas unidades eo ensino sobre o reino de Deus. Nes-se sentido, o anúncio do reino de Deusfeito por Jesus se encaixa nas espe-ranças de todas as pessoas do seu tem-po. Compreende-se porque Jesuscentraliza sua mensagem no reino deDeus, pois, enquanto outros gruposentendiam que o reino de Deus erafuturo ou compreendido como umaentidade política, Jesus anunciava oreino de Deus como uma realidade

O paralelismo das unidades de Lucas 13.10-14.35 pode ser assimapresentado:

13.10-17: a cura da mulher enferma, no sábado

13.18-21: parábolas: reino de Deus

13.22-30: reino de Deus, comer

13.31-35: o destino de Jesus em Jerusalém

14.1-5: a cura de um homem doente no sábado

14.7-14: Reino; inversão escatológica

14.15-24: parábola da grande ceia

14.25-35: tomar a cruz e seguir a Jesus

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já presente, cujos destinatários são ospobres, os enfermos, os publicanose os pecadores.

Jesus não se limita a anunciar a che-gada do reino de Deus; ele o antecipaem sua ação, o explica com suas pala-vras e o torna visível com sua pessoa.O reino de Deus chegou na vida emissão de Jesus, que foi um sinal depresença do reinado de Deus na his-tória. Ele veio no poder do Espírito,que é Deus em ação (Mc 1.13; Mt4.12-17). Ele ensinou com autorida-de, ou seja, o poder de Deus se mani-festou em suas palavras e atos. Assim,seu ministério foi uma antecipação daera messiânica (Mt 11.2-6). Por isso,ele proclamou a chegada do reino, econvocou homens e mulheres ao ar-rependimento e à fé, em antecipaçãoà era vindoura (Mc 1.14-15).

A missão de Jesus Cristo foiacompanhada por atos portentosos,os quais devem ter deixado uma gran-de impressão nos seus seguidores.Tais atos, como curas, intervençõesna natureza e exorcismos não eramsimples reforço da mensagem de Je-sus nem uma mera evidência de suaautenticidade, mas sinais do reino.

São sinais que lançam “uma luzradicalmente nova e atônita ... sobrea situação humana” (Karl Barth). Elesrevelam a natureza humana sob aameaça física de poderes destrutivos.Poderes que nunca são definidos,

mas cujos efeitos são vividamentedescritos. Eles infringem dor e sofri-mento; alienam homens e mulheresde si mesmos: controlando-os e pos-suindo-os; ameaçam continuamentea existência humana com a morte,provocando um estado de terror emedo. Os sinais messiânicos de Je-sus mostram que o ambiente huma-no está sob o efeito de forças malig-nas (tormentas, secas, terremotos, amorte da vida animal e vegetal, a con-taminação atmosférica) e demons-tram as relações humanas sob a in-fluência e controle de poderes quetomam forma na tradição, no gover-no e também se manifestam nas re-lações interpessoais.

As curas realizadas por Jesus an-tecipam o reino de Deus, porque su-põem uma vitória sobre Satanás erefletem o bem estar do mundo fu-turo. Os contemporâneos de Jesuscompreendiam o mundo como umcampo de batalha, no qual lutamDeus e Satanás. Para as pessoas doprimeiro século, Satanás exerciagrande domínio sobre o corpo, atra-vés de enfermidades, razão porque,às vezes, elas são vistas com causadaspelos demônios. Nesse sentido,pode-se afirmar que qualquer enfer-mo é um filho de Abraão, preso porSatanás. Todo judeu sabia que a vi-tória definitiva seria de Deus, umavitória agora antecipada no minis-

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tério de Jesus Cristo.Ao curar um enfermo, Jesus não

realiza um simples ato de misericór-dia, mas estabelece uma luta com Sa-tanás (Mc 1.24; 5.7). Ao antecipar avitória do reino de Deus, as curas re-fletem também o bem-estar e a ale-gria do mundo novo que irrompeu emJesus Cristo. Séculos antes, ao des-crever a salvação definitiva, dizia-seque “então se abrirão os olhos dos ce-gos, e se desimpedirão os ouvidos dossurdos, os coxos saltarão como cervose a língua dos mudos cantará” (Is 35.5-6). Os evangelistas citam estas passa-gens e outras semelhantes para dei-xar claro que as curas de Jesus trans-formam a poesia em realidade. Nessesentido, Jesus responde à “nostalgiado paraíso” e antecipa o momento emque Deus “enxugará dos olhos todalágrima” (Ap 21.4).

O reino de Deus não é uma meramensagem que deve ser recebida etransmitida, mas uma força que curae liberta, que deve ser experimenta-da e compartilhada. Jesus não só pre-gou e ensinou, mas também curouos enfermos e libertou os cativos.

Nosso Senhor curou aos enfermoscom um sinal de que o reino deDeus havia se aproximado, e man-dou seus discípulos a fazer o mes-mo (Lucas 9.1-6). É uma cura totaldo ser humano – perdão para oscarregados de culpa, cura para os

enfermos, esperança para os deses-perados, restauração das relaçõespara os alienados – estes são os si-nais da aproximação do reino. A másaúde tem muitas raízes: sistemaspolíticos e econômicos opressoresque abusam do poder humano e pro-duzem insegurança. Ansiedade, te-mor e desespero; a guerra e a dis-persão dos refugiados; os desastresnaturais, a fome e a má nutrição; osproblemas do casamento e familia-res; as atitudes indesejáveis paracom o corpo e a sexualidade; a alie-nação entre os sexos, as gerações,as raças, as classes e culturas, o de-semprego; a competição; a divisãoda humanidade entre ricos e pobres.No fundo destes atos está a aliena-ção pessoal de Deus. (Conferênciade Evangelização e Missão MundialIII,17, Austrália, 1980)

Como uma força libertadora e te-rapêutica, o reino luta contra todasestas expressões do mal, contra todotipo de pecado e contra toda amea-ça de morte. A igreja necessita, emtodas as suas gerações, identificar asformas concretas que estes poderesdestrutivos e deformadores assumemem cada situação sócio-histórica eaprender a chamá-las por seu nome.Isso é necessário para poder enten-der o sentido concreto da cura e li-bertação e avaliar o verdadeiro cam-po de batalha do reino.

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Como comunidade terapêutica,ao testemunhar sobre o Reino pormeio do serviço curador e a lutalibertadora pela justiça, a igreja tor-na-se mediadora do amor e do cui-dado de Deus, servindo ao povo jun-to a suas dores e aflições:

A congregação local deverá seruma comunidade terapêutica. O Es-pírito Santo usa o serviço amoroso ea bem vinda aberta que estende a co-munidade para curar. Ao escutar unsem outros levando mutuamente suasrespectivas cargas, os desesperadosrecebem esperança e os alienados sãorestaurados. Aqueles cuja vontadetem sido quebrada recebem a forçapoderosa da cura dos enfermos, es-pecialmente as orações de interces-são, a proclamação do perdão (ab-solvição), a imposição de mãos e aunção do azeite, de acordo com Tiago5.14, e participam da vida cheia deesperança que é oferecida e simboli-zada na Santa Ceia. (Conferência deEvangelização e Missão Mundial III,Austrália, 1980).

Temos, portanto, em Lucas13.10-17 uma indicação do que sig-nifica a irrupção do reino de Deus.Ao mostrar que a limitação da mu-lher é comparada à de um animal quenão pode beber água quando temsede, o relato do que acontece é par-te da libertação aos cativos anuncia-da no começo do Evangelho (4.18-

19). Nesse sentido, mais uma vez,inverte-se toda uma teologia do sá-bado: em vez de ser um dia em que aobediência desemboca em um nãofazer nada que leva à escravidão, osábado se converte numa festa naqual o amor se irradia em favor dosdemais. Ademais, o texto afirma aliberdade da comunidade cristã fren-te ao sábado. Jesus, o Filho do ho-mem, é Senhor do sábado. Isso im-plica que, sob certas condições, a leido sábado pode ser quebrada, prin-cipalmente quando está em jogo avida do ser humano. O chefe da si-nagoga concebe, sem razão, a obser-vância do sábado como uma proibi-ção, mas esquece de que se deve con-siderar, quanto ao sábado, antes detudo, o seu lado positivo. Ao dirigir-se à mulher encurvada, Jesus inter-preta da melhor forma possível o sá-bado ao oferecer a libertação, a vidae o descanso naquele dia. Ele não osoferece por si mesmo, mas procla-ma que esta é a vontade de Deus. Aexegese judaica nesse aspecto é igualà de Jesus, pois recorda, ao lerGênesis 2.2, que Deus terminou asua criação no sétimo dia e não nosexto. Dessa forma, a mulher enfer-ma não está dominada pelo tempodos homens nem por suas ataduras.Ela poderá viver segundo ritmo deDeus, tal como se dispõe a fazer ime-diatamente após a cura, com o lou-

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vor: “e imediatamente endireitou-see louvava a Deus” (Lc 13.13b).

Lucas mostra que a ação de Je-sus exige a elaboração de um novomodo de agir, que proporciona umanova visão da mulher na sociedade:Jesus a curou num espaço público,a sinagoga, responsável pela manu-tenção das tradições religiosas, e nodia de sábado, outra das instituiçõessagradas do judaísmo. Ao fazê-lo,Jesus inverteu os valores vigentes re-presentados no texto pelo chefe dasinagoga. Ele deu lugar para aquelamulher na sociedade, um lugar queprovavelmente ela sonhara em ter,mas nunca o alcançara porque a suaenfermidade a incapacitava total-mente.

Lucas 13.10-17 é uma reflexão bí-blica sobre o mal e sua origem, mastambém uma proclamação soterio-lógica: Jesus Cristo, o Filho de Deus,restabelece a criatura à sua integri-dade inicial, chama-a pessoalmente,declara-lhe a libertação oferecida porDeus e transforma em ato avirtualidade de sua palavra (Lc 13.12-13). Convencido de que é dessa for-ma que se respeita o sábado, Jesustem um objetivo duplo: dar à mu-lher o estatuto de criatura regene-rada e oferecer uma verdadehermenêutica nova ao chefe da si-nagoga, assim como aos que depen-diam de sua exegese. A referência

ao boi e ao jumento, que são desa-tados, não era somente um argu-mento a favor do direito de liberta-ção do ser humano, mas tambémocasião para a libertação oferecidaa todos os que estavam presentes epara a alegria com a ação de Deus.Diante dessa intervenção salvífica,o povo de Deus divide-se. É que Je-sus, pela última vez em uma sinago-ga, intriga e desconcerta, como ocor-rera na primeira vez, como afirmaLucas 4.16-30.

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O Prof. José Adriano leciona no SeminárioTeológico Rev. Antônio de Godoy Sobrinho daIgreja Presbiteriana Independente do Brasil,em Londrina, PR

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Efésios 4.1-5Efésios 4.1-5Efésios 4.1-5Efésios 4.1-5Efésios 4.1-5

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se afirmar que seu objetivo cen-tral é a busca da unidade. Desdeo aspecto formal, ela segue esteobjetivo, pois reúne mais de oi-tenta termos já consagrados nalinguagem da igreja do primeiroséculo ou introduzidos pelo au-tor pela primeira vez, para elabo-rar seu texto em torno do temacentral: o propósito de Deus dereunir em Cristo todas as coisasespalhadas no tempo e no espa-ço (1.10).

O texto aqui analisado (4.1-5) segue este propósito: o autorprocura unir em torno do temacentral acima sete expressões te-ológicas que, já naquela época,

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoA Carta chamada aos Efésios1

apresenta um grande avanço,comparada às demais cartaspaulinas, na escolha das palavrase do estilo empregados, nacristologia, na concepção de igre-ja, na visão cósmica. Tanto é as-sim que especialistas a reconhe-cem como a mais avançada pro-posta teológica de Paulo2, comoum documento de caráterecumênico3 e, até mesmo, comoum texto produzido no final doprimeiro século com base nasidéias mestras de Paulo4. Pode-

1 Os documentos mais antigos não trazem “aossantos que estão em Éfeso”.

2 John A. MACKAY. A ordem de Deus e adesordem dos homens. Rio de Janeiro: Conf. Ev.do Brasil, 1959, p. 22.

3 Id., ib. p. 21.

4 Eduard LOHSE. Introdução ao NovoTestamento. São Leopoldo: Sinodal, 1972, p. 97.

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procuravam tomar caminhos própri-os, caminhos que ainda são seguidosnos dias de hoje: corpo, Espírito, es-perança, Senhor, fé, Batismo, Deus-Pai. O texto, apesar de muitocondensado, revela uma dinâmicabem clara por meio da qual o autorprocura atingir o seu objetivo. Emtrês movimentos, são caracterizados:o ponto de chegada onde se proces-sará a reunião; o processo emprega-do no cumprimento de sua tarefa; e,lado a lado, os elementos que for-marão um só conjunto dentro dospropósitos divinos. O estudo cons-tará de três partes: na primeira, fare-mos a análise do texto na seqüênciados três movimentos acima mencio-nados; na segunda, apresentaremosum exame especial da expressão umsó batismo; e, na terceira, tentare-mos fazer a aplicação da análisea?algumas das preocupações atuaisligadas à questão do batismo.

I – Análise do textoI – Análise do textoI – Análise do textoI – Análise do textoI – Análise do texto1 - O ponto de chegada1 - O ponto de chegada1 - O ponto de chegada1 - O ponto de chegada1 - O ponto de chegada

(vv 1-4)(vv 1-4)(vv 1-4)(vv 1-4)(vv 1-4)

O autor prepara uma prisão den-tro da qual os elementos reunidosirão conviver e desempenhar as suasfunções. A palavra συνδεσμος, quenas traduções em português apare-cem como: vínculo, laço, aquilo queune, reforça a idéia de prisão, com oprefixo sun, “com”, dando a idéia deum elemento que aprisiona dentrode si vários objetos. O grande refor-ço para esta unidade é a presença doΠνευμα, Espírito, fazendo dela uma“unidade que o Espírito dá”. O au-tor está muito à vontade para falarsobre prisão porque, nesta perícope,ele mesmo se apresenta como oδεσμιος, o prisioneiro do Senhor. Notexto, esta prisão tem um nome:ειρηνη, paz. Há uma coerência mui-to grande na escolha deste nomeporque o autor já definiu bem o queele entende por paz neste contextode busca da unidade cristã. A unida-de é conseguida em Cristo, mas acon-tece que a paz é Cristo, “ele é nossapaz” (2. 14). É ele quem promove apaz, remove a inimizade e cria “emsi mesmo dos dois um novo homem,fazendo a paz” (2.15). Ele é o porta-dor do evangelho da paz, pois ele

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“veio e anunciou paz a vocês que es-tavam longe e paz aos que estavamperto” (2. 17).

2 – O processo para2 – O processo para2 – O processo para2 – O processo para2 – O processo parachegar à unidadechegar à unidadechegar à unidadechegar à unidadechegar à unidade

A tarefa na obtenção desta uni-dade consiste em uma grande cami-nhada onde o mais difícil é suportara presença do outro e concordar queestão caminhando juntos para que,em definitivo, permaneçam juntos.O comportamento a ser aí assumidoé aquele digno dos que foram cha-mados por Deus, tanto judeus comogentios (2.1-11). O autor já expôs anatureza desta vocação (1. 4-14), asituação de “ressuscitados com Cris-to” (2.1-6), preparados para fazer sóo que é bom (2. 10). Dentre as vir-tudes próprias dos vocacionados emCristo, ele seleciona três, as quais sãoapresentadas em vocabulários poucousados no Novo Testamento. A ex-pressão ταπεινοφροσυνη é traduzidapor humildade. Ela compõe-se deταπεινος , humilde, mais φρονεω,usar a mente, pensar, com a idéia deusar o raciocínio com simplicidade,respeitando o raciocínio do outro.Πραυτη,traduzida por mansidão,amabilidade, delicadeza, determinaa maneira de se tratar uns aos ou-tros. Μακροθυμια, traduzida por pa-ciência, longanimidade, compõe-se

de, μακρος, longe, o mais longe pos-sível, ε θυμος, ira, raiva, fúria. É a ati-tude daquele que suporta, sem seirar, as maiores provocações do ou-tro. Estas virtudes se completamdentro da virtude extrema da comu-nidade cristã, αγαπη o amor.

O tema do amor está assim trata-do na Epístola: Deus, “com o seumuito amor” amou aos que estavamperdidos em pecados (2. 4-5) e oselegeu “em amor” (1.4), em Cristo,o qual “por amor” se entregou pelasua igreja (5. 2, 25), demonstrandoum amor “que supera qualquer co-nhecimento” (3. 19). Por isso, o elei-to está “arraigado e fundado emamor” (3. 17), devendo então “an-dar em amor” (5. 1), “seguindo sem-pre a verdade em amor” (4. 15), cres-cendo e “edificando-se em amor”(4. 16). É o tema do amor, enfim,que encerra a carta: “A graça seja comtodos os que amam nosso SenhorJesus Cristo com amor perene”(6.24).

3 – Análise das sete3 – Análise das sete3 – Análise das sete3 – Análise das sete3 – Análise das seteexpressões teológicasexpressões teológicasexpressões teológicasexpressões teológicasexpressões teológicas

Como foi dito no início, o autorsabe que as expressões teológicas queele vai reunir dentro do vínculo dapaz já se fragmentaram nas diferen-tes interpretações e usos no seu tem-po e, por isso, antes da unificação

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geral, procura uma unificação inter-na em cada uma delas. E isto ele fazpor meio dos numerais εις, μια, εν?um só, uma só. É bom lembrar queapesar dos esforços empreendidospelos intérpretes primitivos nestesentido (I Co 3. 1,2; Hb 5. 12; 6.1),ainda hoje estas fragmentações con-tinuam.

a) εν σωμα, um só corpo. Estaexpressão parece formar jun-tamente com a seguinte, espí-rito, uma unidade: corpo eespírito. Mas a definição quea epístola dá ao corpo é clara:este corpo é a igreja (1. 22,23).O termo corpo faz parte deoutras imagens usadas na epís-tola para representar a igreja:família, edifício, templo, espo-sa. (2. 19-21; 5. 25-30). Aqui,ela reforça e amplia algumasidéias já conhecidas sobre aigreja como corpo, visando asua unidade, em época na qualas igrejas já eram muitas, comtendência para continuar mul-tiplicando-se. Já se sabia queo corpo é um só (1 Co 12. 20),o corpo é de Cristo (1 Co 12.27), congregando em si todosos povos, em todas as situa-ções sociais (1 Co 12. 13). Otermo corpo é usado pelo au-tor exclusivamente para se re-

ferir à igreja; em outros sen-tidos, ele emprega a palavrasarx, carne, tanto para o cor-po das pessoas (2. 3, 11; 5. 29,31, 6.5, 12) como para o cor-po de Cristo (11. 15), e a suagrande contribuição é dizerque tudo está envolto em umgrande mistério (5.32), ocul-to em Deus (3. 9) e manifes-tado por ele em Cristo(1.9,10), cuja revelação é a boanova que faz com que a igrejaseja reconhecida em todas asinstâncias cósmicas (3. 9-10).De acordo com este mistério,a igreja forma um conjuntomístico no qual Cristo é a ca-beça e ela o corpo (1. 22, 23).Faz parte deste mistério a in-clusão dos gentios na igreja,corpo de Cristo (3. 4-8). Estemistério, a inclusão dos genti-os, foi revelado particularmen-te ao autor (3.3) e ele sente-se na obrigação de o procla-mar (3. 3; 6. 19, 20). Enfim,em coerência com o tema de-senvolvido, a igreja, corpo deCristo, se desenvolve e seedifica “em amor” (4.16).

b) εν πνευμα, um só espírito.A grande dificuldade é saberse o termo refere-se ao espí-rito das pessoas, em conexão

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com o corpo, ou ao EspíritoSanto. Na grande maioria dasvezes, a palavra espírito naepístola refere-se ao EspíritoSanto. Em 1.17, o espírito dasabedoria é dado por Deusjuntamente com o espírito darevelação. E, em 4.23, a re-novação do espírito está liga-da à ação redentora de Cristona criação do novo homem (cf.4.21,22-24). A outra referên-cia a “um só espírito” (2. 18)dá a entender que se trata doEspírito Santo. Em 2. 2, o ter-mo espírito indica uma enti-dade cósmica, o “príncipe daspotestades do ar”. Além dis-so, as outras expressões reu-nidas na perícope têm, comojá vimos com a expressão cor-po, um sentido espiritual, te-ológico. Por isso, as traduçõese comentários consultados,com exceção da Tradução doNovo Mundo, das Testemu-nhas de Jeová, optaram porEspírito, com maiúscula,logicamente referindo-se aoEspírito Santo. Na epístola, oEspírito Santo efetiva as re-velações que Deus faz emCristo.É Deus quem prepara o mis-tério em Cristo, mas é o Espí-

rito quem o revela aos santosapóstolos e profetas (3. 5);Deus, em Cristo, cumpre apromessa da redenção dosgentios, mas é o Espírito San-to quem a sela em cada um(2.12; 3.6; 1.13); em Cristo,os eleitos judeus e gentios têmacesso ao Pai, mas quem osconduz é o Espírito (2. 18);em Cristo, Deus estabelece aigreja como um edifício, masé o Espírito quem efetiva suaconstrução (2. 22); o louvor édado a Deus em nome de Je-sus Cristo, mas é o Espíritoque dá vida e entusiasmo aolouvor (5.18); a batalha é deDeus em nome de Cristo, masa espada da luta é o Espírito(6. 17); a oração é feita a Deusem nome de Cristo, mas é oEspírito quem a ilumina(6.18). Apenas uma vez o Es-pírito é apresentado como umser independente, passível dese entristecer (4. 30).

c) μια ελπις, uma só esperan-ça. É de se pressupor que otermo componha, com fé,uma dupla de virtudesteologais. Contudo, a inclusãoda esperança nesta relação doscinco termos da perícope temum endereço bem determina-

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do. Nas outras duas vezes emque aparece a palavra, ela re-fere-se à esperança na reden-ção em Cristo também paraos gentios. Assim, os dois tex-tos estabelecem o contraste,descrevendo com expressõespesadas a situação dos que nãotêm esta esperança na reden-ção (2.11-13) e, em linguagemviva, aqueles que a podem es-perar (1.19). A ênfase nestaúnica esperança da igreja jus-tifica-se porque a atenção es-tava sendo desviada na dire-ção das coisas que se deveri-am esperar. Na verdade, a epís-tola emprega dez termos co-muns à linguagem apocalíptica,mas não os usa no sentido daapocalíptica corrente, mas emrelação direta com o evento dasalvação em Cristo.Assim, tempo é o tempo daação de Cristo, independen-temente de ser presente, pas-sado ou futuro (1. 10; 2. 12;5.16); séculos referem-se tan-to aos passados (3.9), ao pre-sente (1.21) e aos futuros(1.21; 2. 7); dia aparece duasvezes referindo-se, no plural,ao presente (5.30) e ao “diada redenção” (4.30), para oqual os eleitos já estão selados

no Espírito Santo (4.30), Ple-nitude e dispensação dizemrespeito ao pleno cumprimen-to da promessa em Cristo(1.10, 23; 4.13; 3. 2,9; 1.10)e não a acontecimentos futu-ros; geração igualmente são asgerações passadas, presente efuturas (3.5, 21); o céu, nascincos vezes em que aparece,relaciona-se com a terra emtermos de espaço e não detempo (13,20; 2.6;3.10;6.12), as potestades es-pirituais, tanto do bem comodo mal já estão em ação (1,21; 3. 10; 4. 27; 6. 11, 12); osprofetas são apresentadoscomo autoridades constituídasdentro da hierarquia da igreja(2.20, 4.11); na sua ressurrei-ção, Jesus traz à vida todas ascoisas, incluindo a igreja (1.20-23) e, assim, os crentes já es-tão ressurretos juntamentecom Cristo (2. 5,6) Enfim, oreino é “de Cristo e de Deus”,sem maiores informações so-bre o tempo da sua implanta-ção (5.5).

d) εις κυριος, um só Senhor:Nos textos teológicos elitúrgicos, o autor usa a fórmu-la “Nosso Senhor Jesus Cris-to” nas definições de Deus

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como Pai de Jesus (1.3,17; 3.14) e quando recebe ao ladodo Pai as ações de graças (1.2;5.20; 6.23). Só uma vez a fór-mula aparece sem a referên-cia ao Pai (6.24). Uma vez elaaparece invertida, “Cristo Je-sus nosso Senhor”, na descri-ção de um ato que Deus fezem Cristo (3.11) e apenas umavez “Jesus Cristo”, em umaforma teológica: “em Cristo”.As designações com uma sópalavra estão assim distribuí-das: “Cristo” aparece nas for-mas teológicas “em Cristo”,“de Cristo”, “com Cristo”,“sem Cristo” e, nas vezes emque ocorre a palavra sem pre-posições, também estão emum contexto teológico. “Je-sus” ocorre uma única vez(4.21), na fórmula “em”. “Se-nhor”, porém, com uma úni-ca exceção (2.21), ocorre nostextos parenéticos, onde oSenhor é evocado como tes-temunha daquilo que é dito(4.1, 17), aquele cuja vontadetem de ser respeitada (5.10,17,22), a quem o louvordeve ser dado (5.19), cujoexemplo deve ser seguido(5.8), em nome de quem to-dos os atos devem ser

efetuados (5.8; 6.1,10). Aevidência disto é que, com aexceção feita, o termo só éencontrado a partir do quartocapítulo, quando terminam ostextos doutrinários e come-çam as parêneses e, nesta par-te, a incidência é grande: tre-ze vezes. Isto mostra que otermo já era de domínio da lin-guagem popular da igreja na-quele tempo.

e) μια πιστις, uma só fé. Das seteexpressões teológicas, a fé é aúnica que tem, na epístola,uma explicação sobre o quedeve ser feito para se atingir asua unidade (4.13,14). Emconformidade com o temacentral da epístola, a unidadeda fé se completa quando éatingida a plenitude de Cris-to. Diferentemente de outraspropostas do Novo Testamen-to, o caminho da fé não se di-rige para o futuro, em formade esperança e vitória final(Hb 11.1; Ap 2. 10), mas noaprofundamento da experiên-cia em Cristo. Este aperfeiço-amento segue na direção doconhecimento e da perfeição.O autor empenha o próprioconhecimento que tem domistério de Cristo (3.4), para

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que, saindo da total ignorân-cia na qual viviam antes, comogentios, (4.18) os eleitos te-nham os olhos iluminados parasaber o sentido de sua voca-ção, as riquezas de sua heran-ça, qual a vontade de Deus(5.17) e qual esperança devemmanter quanto às riquezas daherança própria da vocaçãoque receberam em Cristo(1.18). A perfeição também élevada aos extremos da esta-tura de Cristo, o varão perfei-to. Esta perfeição é exigida dossantos que se empenham noministério (4.12).A epístola aos Colossenses,cuja linguagem é aparentada aEfésios, também apela paraesta perfeição (Cl 1.28; 3.14;4.12). De um exame geral dassete vezes em que aparece apalavra na epístola, pode-seconcluir que fé, em Efésios,está ligada mais à experiênciaindividual do que ao corpo detradições históricas e doutri-nárias que o termo tambémpoderia significar, pois ela falaclaramente de “vossa fé, “nos-sa fé” (1.15; 3.12; cf. Jd 3). Afé é o complemento humanopara o acesso à graça e a plenahabitação de Cristo na vida dos

eleitos (2.8; 3.17) e para adefesa contra os ataques ini-migos (6.12). A fé, ligada aoamor, é, para o autor, a grandecredencial dos destinatários dacarta (1.15; 6. 23).

f) εν βαπτισμα, um só batismo.Este termo será tratado a par-te. Basta aqui assinalar que elesó aparece esta vez, tendo deser tratado no contexto daepístola, o que faremos no pró-ximo tópico.

g) εις Θεος, um só Deus. A refe-rência Deus não só encerra alista dos sete conceitos teoló-gicos, mas o coloca acima detodos eles, dando a entenderque a última expressão da uni-dade é o próprio Deus, e atin-gi-la consiste em encher todaa “plenitude de Deus” (3.20).A idéia de que Deus está aci-ma de todas as coisas é expres-sa em duas afirmações básicas:Deus é Pai, e ele está sobretudo, por tudo e em tudo. Aapresentação de Deus comoPai se expressa no título “DeusPai” (6.23), na junção de umatributo: “Pai da Glória” (1.18) e no destaque desta pa-ternidade: Deus e Pai (1.3;5.20). Deus é o Pai de Cristo,conforme a declaração expres-

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sa em linguagem litúrgica:“Deus e Pai de Nosso SenhorJesus Cristo” (1.3) e na outraformulação “Deus de nossoSenhor Jesus Cristo” (1.17).O Pai de Jesus Cristo é tam-bém o nosso Pai (1.2; 5.20) enos tem na conta de sua famí-lia (2.19; 3.5). Além disso, eleestá cima de todas as coisas:sua vontade, sua sabedoria, suapalavra são soberanas (1.1;3.10; 6.6; 6.17); nele estão osmistérios, a vida, a força con-tra os adversários (3.9; 4.18;6.11,13). Por isso, convémescapar da sua ira (5.6) e re-conhecer o seu grande poder(3.20).

Toda força de Deus está voltada afavor da igreja, dispensando sobre elaa sua paz, sua bênção, sua misericór-dia (1.2,3; 2.4; 6.23), perdoando,reconciliando, criando a nova criatu-ra; dando os seus dons, (2.8,16; 3.7;4.24,32). Mas Deus está presente emtudo. Deus está em Cristo, tudo oque ele faz ele o faz em Cristo, in-cluindo a revelação do grande mis-tério da reconciliação. Na epistolanão há uma referência explicita quan-to a Deus estar em nós, ou nós emDeus. O texto que mais se aproximadesta idéia, (2.22), afirma que somos“morada de Deus no Espírito San-

to” e “templo santo do Senhor”(2.21). Este texto, combinado como mistério envolvendo as figuras docasamento e do corpo, cuja cabeça éCristo (6.5.23,29, 30,32), dá a en-tender, em coerência com toda aexposição da epístola, que Deus estána igreja e em todos aqueles que aela pertencem, porque ele está emCristo, e porque a sua presença é efe-tivada pelo Espírito Santo.

II – O sentido deII – O sentido deII – O sentido deII – O sentido deII – O sentido de“um só batismo” no“um só batismo” no“um só batismo” no“um só batismo” no“um só batismo” nocontexto de Efésioscontexto de Efésioscontexto de Efésioscontexto de Efésioscontexto de Efésios

Desde seu início, a igreja preocu-pou-se com a unificação do batismo.Começou com a dificuldade a res-peito do batismo de João Batista. Aprimeira tentativa de resolução foiatribuir o batismo com água a João,e o batismo com o Espírito Santo aJesus (Mc 1.8 e parals; Jo 4.2; At13.24,25). Em seguida, os apóstolosse esforçaram pela unificação do ba-tismo de João com o de Jesus (At18.25; 19.3,4). Paulo combate a ten-dência de diferenciar os batismos le-vando em conta a pessoa dos ofici-antes (1Co 1.13-17). O autor daepístola aos Hebreus confessa ser adefinição do batismo um problema,pois, apesar de julgar que ela fazia

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parte dos rudimentos primeiramen-te ensinados e aplicados aos neófitos,vê-se ainda na obrigação de voltar aeste ensinamento porque eles nãohaviam ainda progredido no assun-to (Hb 6.1-3) Vivesse o autor até osdias de hoje e veria que a questão dobatismo ainda não foi resolvida.

A palavra batismo aparece somen-te esta vez em Efésios e o autor tam-bém não trata mais diretamente doassunto. Então, o que ele quer dizercom “um só batismo”? A única for-ma de se buscar uma resposta é ten-tar entender a afirmação à luz dopensamento geral da epístola e maisparticularmente dentro da perícopeonde ele está inserido. Assim proce-deremos, seguindo a exposição feitano item anterior.

a) O batismo e oa) O batismo e oa) O batismo e oa) O batismo e oa) O batismo e ovínculo da pazvínculo da pazvínculo da pazvínculo da pazvínculo da paz

Resumindo o tema geral da cartacomo o propósito de Deus em reu-nir em Cristo os seus escolhidos, tan-to os de perto como os de longe, esabendo que esta reunião se dá emum plano cósmico e não dentro dalinha do tempo, o batismo teria afunção de marcar definitivamente osque foram chamados em Cristo. Aigreja, na seqüência de sua história,tentou distribuir os sinais deste cha-mamento ao longo da vida do crente

por meio de ritos de iniciação, con-firmação e uma graduação de orde-nações aos que seguem as atividadesoficiais. Por isso, a afirmação da epís-tola ressalta este caráter único e de-finitivo do batismo. O batismocorresponde também ao lado visíveldo vínculo, do laço, onde estão reu-nidas as principais expressões teoló-gicas da igreja. Neste sentido, é im-portante lembrar o que foi dito aqui,que as outras seis expressões podemser reunidas em três pares relaciona-dos entre si: corpo e espírito, espe-rança e fé, o Senhor e Deus Pai, aopasso que o batismo aparece sozinho,podendo assim ser um ponto de en-contro de todas elas. Mas o batismotem de corresponder ao vínculo in-visível proposto na carta: a paz. Obatismo tem de ser um instrumentode paz e não motivo de dissensões,como tem acontecido ao longo dahistória. A outra correspondênciacom o lado invisível do vínculo é bemmais complexa e refere-se à relaçãoentre o batismo e aquele que dá for-ça ao vínculo da paz, o Espírito San-to. Este assunto será tratado abaixoe também na terceira parte desteestudo. No momento, basta lembrarque esta relação faz com que o batis-mo, um ato visível, tenha uma cargaespiritual bem maior do que aquelaque, às vezes, a ele atribuímos.

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b) O batismo e a buscab) O batismo e a buscab) O batismo e a buscab) O batismo e a buscab) O batismo e a buscada unidadeda unidadeda unidadeda unidadeda unidade

Embora seja de aplicação indivi-dual e tendo um caráter definitivo,o batismo deve servir também paraajudar na caminhada na direção daunidade, principalmente no relacio-namento com os outros que estãotambém caminhando. Ficando ape-nas com as virtudes apresentadas notexto, o batismo nos convida a des-cer da condição de vocacionados,ressuscitados com Cristo, preparadospara as boas obras, e caminhar comhumildade no meio da multidão,como Cristo fez no seu caminho parao batismo (Lc 3.21); com a amabili-dade de Cristo para com todos osque estão à beira do caminho (Mt20.34 e paral.), com a resignação comque suportou todas as implicações deseu batismo (Mt 3.15; 20. 22, 23).Acima de tudo, o batismo deve tra-zer em si a prática da virtude maior,o amor, tão bem explorada na epís-tola. Talvez este seja o maior misté-rio a ser descoberto nas investigaçõesa respeito do batismo: até onde elerepresenta o amor de Cristo, que vaimuito além de todo o conhecimen-to humano.

Vejamos agora como o batismo serelaciona com as outras expressõescom as quais ele está ligado pelo “um

só”, “uma só”. Esta identificação levaa pensar que todas elas estão em per-feita sintonia com o batismo. Lem-brando, porém, o que foi dito no iní-cio a respeito da tendência de cadauma delas tomar caminho próprio eindependente, é mais prudente ve-rificar primeiro os possíveis pontosde conflito entre a unidade do batis-mo e a unidade da outra expressãoem questão.

c) Um só batismo e umc) Um só batismo e umc) Um só batismo e umc) Um só batismo e umc) Um só batismo e umsó corposó corposó corposó corposó corpo

A epístola é clara em dizer que ocorpo é a igreja de Cristo, da qualele é a cabeça. Pelo que já foi dito dobatismo, ele teria a função de assina-lar, visivelmente e de maneira efeti-va, a unidade do corpo. Paulo, con-tudo, já previa a possibilidade do ba-tismo, ao contrário, ser uma provavisível da divisão da igreja, corpo deCristo (1 Co 1.13), e, infelizmente,a previsão paulina tem-se concreti-zado ao longo dos séculos. A urgên-cia de se firmar o compromisso dobatismo com a unidade da igreja ficamais forte quando são lembradas asoutras figuras da igreja em Efésios.O batismo tem de atestar o fato deque a igreja é a única esposa do Se-nhor, constituindo uma só família,morando na mesma casa e cultuando

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no mesmo templo. Batizando tantojudeus como gentios, segundo um dosassuntos centrais da epístola, a igrejaconfirma, sem restrições, a sua uni-dade. Enfim, dentro doaprofundamento teológico da epísto-la, o batismo participa ativamente doprocesso da revelação do grande mis-tério escondido em Deus desde osséculos e revelado em Jesus Cristo.

d) Um só batismo e umd) Um só batismo e umd) Um só batismo e umd) Um só batismo e umd) Um só batismo e umsó espíritosó espíritosó espíritosó espíritosó espírito

Apesar dos esforços desde os tem-pos neo-testamentários, ainda hojepersiste a tendência de se separar obatismo com água do batismo com oEspírito Santo. Voltaremos a esteassunto na terceira parte. Aqui inici-aremos lembrando a dificuldadeexegética em saber se o texto fala deespírito humano ou do Espírito San-to. Embora, como vimos, a opiniãoquase unânime é a de que a referên-cia é ao Espírito Santo, vamos apro-veitar esta dificuldade exegética parauma observação sobre o assunto. Obatismo aplicado visivelmente a umapessoa pressupõe que elecorresponda, formando uma unida-de, com a disposição de seu espíritoem conscientemente sentir-se liga-da ao corpo de Cristo. Isto diz dire-tamente à importância da sã consci-

ência do batizando na eficácia dobatismo, lembrando que, na epistola,o espírito de sabedoria é fundamen-tal para que ele penetre nos mistéri-os dos quais o batismo é uma confir-mação.

O selo visível do batismo torna-se mais forte ao se lembrar que elerepresenta as efetivações que o Es-pírito Santo faz de todas as revela-ções de Deus em Cristo, enumera-das na primeira parte deste estudo.Ao lembrar que a revelação de Deusem Cristo é confirmada pelo Espíri-to Santo ao “profeta e apóstolo” queministra o batismo, ressalta-se a im-portância da autoridade do oficiantena eficácia do batismo. A importân-cia da efetivação pelo Espírito dosatos de Deus em Cristo justifica queo batismo seja feito em nome doEspírito Santo. De tudo isto, pode-se concluir com a epístola que umbatismo mal feito vai entristecer oEspírito Santo de Deus, no qual obatizando está sendo selado para odia da redenção.

e) Um só batismo e umae) Um só batismo e umae) Um só batismo e umae) Um só batismo e umae) Um só batismo e umasó esperançasó esperançasó esperançasó esperançasó esperança

Muito se tem falado sobre o sen-tido escatológico do batismo. A Epís-tola aos Colossenses que, como jádissemos, guarda semelhança com

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Efésios, descreve o batismo apon-tando para o futuro, para a ressur-reição de Cristo (Cl 2. 12). É ver-dade que as interpretaçõesatemporais e escatológicas doseventos salvíficos parecem não afe-tar diretamente o batismo em suaprática. Não se ouve de igrejas quepraticam um batismo “escatológico”diferente da forma comum destesacramento. Assim, em conformi-dade com Efésios, o batismo selavisivelmente a revelação do grandemistério cósmico da redenção feitapor Deus em Cristo. Isto se tornamais claro se examinarmos o usoque a epístola faz dos termosapocalípticos nela presentes, e tam-bém enumerados na primeira par-te. Podemos lembrar apenas que,para a epístola, os eleitos em Cristojá ressuscitam. O próprio texto deColossenses, citado, diz que os cren-tes já ressuscitaram em Cristo, pelopoder de Deus. A única expressãona epístola que apresenta um senti-do futuro é o “dia da redenção”, masela afirma que os crentes já estãoselados para este dia, garantindo,por antecipação, sua parte nesta re-denção. O batismo é o sinal visíveldeste selo. A referência rápida aoReino não permite conclusões a res-peito de seu tempo de implantação.Só sabemos que ele é de Cristo e de

Deus e que os eleitos já têm garanti-das a entrada e a herança neste rei-no. O batismo é o sinal visível queatesta estes direitos de entrada e he-rança no reino de Deus e de Cristo.

f) Um só batismo e umf) Um só batismo e umf) Um só batismo e umf) Um só batismo e umf) Um só batismo e umsó Senhorsó Senhorsó Senhorsó Senhorsó Senhor

O emprego, em Efésios, de “nos-so Senhor Jesus Cristo”, no contex-to doutrinário, e “Senhor”, no con-texto da parênese, marca os doispólos de relacionamento entre a prá-tica do batismo e a ação redentorade Deus em Cristo. O batismo daigreja que estava nascendo é único,diferente dos demais batismos, por-que ele é feito em nome do nossoSenhor Jesus Cristo; quem o minis-tra é testemunha da obra de Deusem Cristo; quem o recebe está con-firmando a graça recebida de Deusem Cristo; por isso, o ato litúrgicodo batismo deve referir-se claramen-te ao nome de nosso Senhor JesusCristo e estar repleto de ações degraças ao Senhor da Igreja, para den-tro da qual o crente está sendo con-duzido. Pelo batismo, ele está con-firmado em Cristo, salvo por Cristo,é de Cristo e vive para Cristo. Mas apresença do Senhor não é para serlembrada e invocada apenas na for-malidade litúrgica. O batismo conti-nuará no crente para toda a sua vida

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como um sinal de que aquela vida édo Senhor e a igreja à qual ela per-tence é do Senhor. E isto irá norteara sua conduta e os seus interesses. Éa obediência à vontade de Cristo queserá a garantia de que ela continuaservindo ao Senhor.

g) Um só batismo eg) Um só batismo eg) Um só batismo eg) Um só batismo eg) Um só batismo euma só féuma só féuma só féuma só féuma só fé

A fé, entendida como corpo detradições históricas e doutrinárias daigreja, justificaria a unicidade do ba-tismo como confirmação desta tra-dição e, ao mesmo tempo, comoparte de seu conjunto doutrinário.Mas acontece que, como vimos, a féexplorada em Efésios está mais liga-da à reação individual do crente evinculada a sua experiência, conhe-cimento e busca da perfeição. O ba-tismo é sinal de uma renovação emCristo que conduz a uma experiên-cia profunda, a qual evita o titubearimaturo entre as diferentes doutri-nas e leva à firmeza em uma só fé noato redentor de Deus em Cristo.Então, esta fé pessoal torna-se úni-ca, quando se aproxima dos mistéri-os de Deus revelados em Cristo. Obatismo é sinal de iniciação nestesmistérios. Segue, daí, a importânciado conhecimento que deve ser úni-co, aprendido dos apóstolos, profe-tas, evangelistas, pastores e douto-

res. O batismo, como ato de purifi-cação, vai na direção onde a fé seunifica na perfeição que tem pormodelo supremo a própria estaturade Cristo.

h) Um só batismo e umh) Um só batismo e umh) Um só batismo e umh) Um só batismo e umh) Um só batismo e umsó Deus e Psó Deus e Psó Deus e Psó Deus e Psó Deus e Pai de todos, oai de todos, oai de todos, oai de todos, oai de todos, oqual é sobre todos, e porqual é sobre todos, e porqual é sobre todos, e porqual é sobre todos, e porqual é sobre todos, e por

todos e em todostodos e em todostodos e em todostodos e em todostodos e em todosO fiel é batizado, primeiramen-

te, em nome do Pai. Ele é o Pai denosso Senhor Jesus Cristo. O batis-mo confirma que o batizando estásendo conduzido aos mistérios daunião ao Pai, pela intermediação deseu Filho. Mas ele é conduzido tam-bém a participar da ampla família daqual Deus não é apenas o Pai, massobre a qual exerce seu domínio eestá presente no meio dela. E, nestaaproximação, o batismo é sinal visí-vel de que ele sente que Deus é oseu pai; ele pode falar “meu Pai” e,na companhia da igreja, dizer: “nos-so Pai”. E, assim, se consolida a liga-ção do batismo com as outras expres-sões unidas pelo vínculo da paz. Obatismo único e verdadeiro é o queé feito em nome do Deus Pai, doSenhor e do Espírito Santo, indican-do que o batizando dá entrada à Igre-ja, corpo místico, do qual a cabeça éCristo. Ele é confirmado pela fé que

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une oficiantes, batizando e toda aIgreja de Cristo, e é confirmado naesperança de que o batizando estásendo selado para o dia da redenção.

III - Efésios eIII - Efésios eIII - Efésios eIII - Efésios eIII - Efésios ealguns problemasalguns problemasalguns problemasalguns problemasalguns problemas

atuais com oatuais com oatuais com oatuais com oatuais com obatismobatismobatismobatismobatismo

Apesar dos esforços da igrejaneotestamentária, alguns problemasligados ao batismo continuam aindahoje. Iremos, de forma resumida,prendendo-nos às informações daepístola aos Efésios e, mais especifi-camente, à perícope aqui estudadapara ver quais as possíveis respostasda carta a alguns destes problemasligados ao batismo. Passaremos, pri-meiro, por três problemas que, parausar a linguagem de Hebreus, per-tencem aos “rudimentos” da doutri-na do batismo, isto é, problemas quehá muito deveriam estar resolvidos,mas que ainda vêm à tona quando oassunto do batismo é discutido: obatismo infantil, as formas do batis-mo (imersão ou aspersão) e o batis-mo com o Espírito Santo. Será exa-minada também a questão dorebatismo, ou seja, a necessidade debatizar novamente alguém que já foi

batizado em outra comunidade cris-tã. Finalmente, veremos algumasimplicações entre o batismo cristãoe as questões ligadas à ecologia, temade grande atualidade.

1 1 1 1 1 ––––– Efésios e os Efésios e os Efésios e os Efésios e os Efésios e osrudimentos do batismorudimentos do batismorudimentos do batismorudimentos do batismorudimentos do batismo a) Efésios e o batismo infantilNem a epístola nem os demais li-

vros do Novo Testamento tratamdiretamente do assunto e, por isso,temos de trabalhar com inferênciastiradas da análise efetuada nas pri-meiras partes deste estudo. A insis-tência da carta em que o crente te-nha sabedoria, discernimento, este-ja em condições de observar os prin-cípios éticos básicos da vida em soci-edade, tenha fé, paciência, capacida-de para lutar contra os adversáriosde toda ordem, levam a pensar quea pessoa, para ser batizada, deve es-tar em condição de preencher todosos requisitos acima, ou seja, deve teridade compatível com estas exigên-cias. Três dados da carta, porém, sãomuito importantes para o exame dooutro lado da questão. O primeiro éo tratamento dado pela epístola aotema da família de Deus. O desen-volvimento deste tema apresentauma evolução interessante: a igreja,como família de Deus, faz parte da

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grande família que, nos céus e na ter-ra, tomam o seu nome. No cami-nho inverso desta evolução, compar-tilhamos da conclusão do teólogo doNovo Testamento C. F D. Moule:“... somos levados a concluir que,para o Novo Testamento, a família égeralmente a maior unidade ... pare-ce ter sido a família (compreenden-do, sem dúvida escravos e servos,bem como parentes consangüíneos)que formava o maior grupo a que seproclamou o evangelho e que a ‘co-munidade familiar’ representava omodo normal de crescimento e ex-pansão de tal unidade”5. O autor cita,em seguida, quinze textos bíblicosque confirmam seu ponto de vista.É interessante observar que, na epís-tola, as normas de comportamentoda igreja se identifiquem com as “re-gras do Lar”, conselhos ao marido,mulher, filhos, servos e senhores. Sea família representa uma unidade daigreja, todos os seus membros, inde-pendentemente da idade, têm direi-to a serem batizados.

O outro dado é a insistência nocrescimento, presente principalmen-te nas figuras da igreja: o edifício e ocorpo. Os crentes da epístola nãopodem permanecer como meninos,

mas devem apresentar o crescimen-to na direção da perfeita unidade emCristo Jesus. Isto leva a pensar que,para a epístola, o amadurecimentonão é exigência prévia para o batis-mo, mas resultado do crescimentoposterior a sua aplicação. Aqui entraa questão acerca da necessidade deoutras confirmações oficiais ao lon-go da vida do batizado. Mas na epís-tola, este aperfeiçoamento não vemna forma de novos atos oficiais e, sim,por meio da ação constante da igre-ja, com a ajuda de seus pastores edoutores, visando ao crescimento emsabedoria, discernimento e discipli-na de vida, na direção do ideal deperfeição cristã. Finalmente, a idéiade família e crescimento leva à gran-de ênfase da epístola: a igreja é o cor-po de Cristo. Este corpo tem a suaforma visível nas igrejas que militamna terra, das quais o batismo é o selotambém visível de sua pertença àgrande família de Deus. As famíliasbatizadas constituem as células des-te corpo que é a igreja de nosso Se-nhor Jesus Cristo.

b) Efésios e as formas debatismo

Há apenas uma referência à águana epístola. Ela está ligada à figura daesposa de Cristo e diz respeito à la-vagem da purificação. É difícil de-

5 C. F. D. MOULE. As Origens do Novo Testamento.São Paulo: Paulinas, 1979, pp. 147 ss.

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duzir alguma conclusão deste textosobre a forma da aplicação da águano batismo pelo fato de Efésios tra-balhar com uma linguagem altamen-te simbólica. No próprio texto cita-do, a união entre marido e mulher éevocada para falar dos mistérios daunião entre Cristo e a igreja, e, nestacomparação, a água simboliza o ele-mento responsável pela pureza damulher no compromisso para com oseu marido. Outros elementos sãolembrados nas outras figuras da igre-ja para mostrar este mesmo ideal deaperfeiçoamento. A igreja, edifício deCristo, tem na figura da pedra angu-lar a união em torno de Cristo. Aigreja, templo de Cristo, tem nosapóstolos e profetas a marca da san-tidade do povo de Deus. A igreja,corpo de Cristo, tem na figura dacabeça o comando de Cristo sobre oseu corpo que é a igreja. Igualmentesão vários os elementos que, como aágua, concorrem para o aperfeiçoa-mento dos santos.

O sangue de Cristo promove aredenção e aproxima os povos dis-tantes, a luz manifesta todas as coi-sas que estavam ocultas e ilumina oentendimento transformando emsábios os que andavam nas trevas daignorância. A graça de Deus outorgao grande dom da salvação; o poderde Deus transfere poder aos que

anunciam o seu evangelho; o amorde Deus é estímulo para que todoscresçam e andem em amor. Assim,a multiforme ação de Deus produztambém diversos resultados na vidados eleitos: a ressurreição, o surgirde um novo homem, a perfeição, oamadurecimento, o discernimentodos mistérios divinos. Portanto, aênfase não está na quantidade da águaou na forma como é aplicada, masno sentido mais profundo de tudo oque ela representa no batismo.

c) Efésios e o batismo com oEspírito Santo

Do que foi dito até aqui sobre arelação entre batismo e Espírito San-to na epístola aos Efésios, podemosafirmar que as áreas de ação destasduas expressões teológicas não sesobrepõem, mas estão em uma rela-ção complementar, o que justificaplenamente a afirmação de que háum só batismo, e não dois como co-meçou a ser pensado na comunida-de cristã primitiva, pensamento queainda perdura em algumas organiza-ções eclesiásticas hoje. Não há umbatismo com a água e outro com oEspírito Santo, mas um só batismo.Lembremos apenas o tratamentodado a três figuras usadas na epísto-la: a relação entre corpo e espírito; afunção do selo na efetivação das obras

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de Deus em Cristo; e o símbolo daágua na purificação da igreja. Cor-po e espírito não representam enti-dades separadas, mas constituem-se em uma unidade. Corpo e espíri-to adquirem na epístola, como vi-mos, dimensões teológicas: a Igrejae o Espírito Santo.

Assim, o batismo só pode seraplicado ao Corpo, igreja de Cristo,quando o Espírito já agiu em seu es-pírito, promovendo com a unidadedo Espírito a unidade da fé. O selo,como penhor da herança dada porDeus pela fé do evangelho da salva-ção, é dado pelo Espírito Santo. Porisso, a epístola usa um termo teoló-gico promessa como um seu atribu-to: o “Espírito Santo da Promessa”porque ele sela todas coisas prome-tidas por Deus, incluindo a própriapromessa da presença do EspíritoSanto na vida da igreja. Este selo dainclusão substitui o outro selo, a cir-cuncisão, que excluía da promessa osgentios. Há uma identificação tãogrande no cumprimento desta tare-fa, que a quebra do selo da promessadivina provoca tristeza no EspíritoSanto. O batismo é a confirmaçãovisível deste selo da promessa, nãopodendo dele ser separado. Final-mente, tomando a simbologia da la-vagem da água, ela representa a im-plantação pelo Espírito de toda a

purificação da igreja consumadapelo mistério da redenção feito porDeus em Cristo. A água perde todoo seu sentido e o seu simbolismo seseparada deste mistério. Então, o ba-tismo é um só, a confirmação doselo do Espírito Santo da Promes-sa, que efetiva toda a ação de Deusem Cristo a favor de sua igreja.

2 – Efésios e o2 – Efésios e o2 – Efésios e o2 – Efésios e o2 – Efésios e orebatismorebatismorebatismorebatismorebatismo

Dentre os debates teológicos con-temporâneos está a discussão sobrea necessidade de se rebatizar pessoasjá batizadas em outra organizaçãoeclesiástica cristã. A IgrejaPresbiteriana Independente do Bra-sil em sua última Assembléia (26 a31/1/2007) tomou posição a respei-to do rebatismo de membros prove-nientes da Igreja Católica Apostóli-ca Romana. Neste espaço, vamos, deforma resumida, indagar qual a con-tribuição que Efésios e, principal-mente, a perícope em estudo têm adar sobre o assunto.

De início, há três aspectos muitotrabalhados nela que parecemdesencorajar o rebatismo: a própriaafirmação “um só batismo”; o seucaráter ecumênico na inclusão dosgentios; e o sentido cósmico do mis-tério da redenção em Cristo.

Já vimos que a afirmação “um só

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batismo” não surge do nada, mas éum eco do esforço da igreja em uni-ficar o batismo de João Batista e ode Jesus, de unificar o batismo comágua e o batismo com o Espírito San-to, de evitar que o batismo se identi-fique com o apóstolo ou outra auto-ridade que o ministrou. A epístolalembra os muitos ventos de doutri-na que estavam confundindo os cren-tes e causando dissensões na igreja.Tanto assim que o autor da epístolaaos Hebreus já fala de “doutrina dosbatismos”, no plural.

A carta aos Efésios é dirigida aosgentios e seu assunto central é o mis-tério da sua inclusão na igreja, corpode Deus, cuja cabeça é Cristo. Nes-te sentido, segundo a carta, o batis-mo se contrapõe à circuncisão, que,ao contrário, separava a comunidadede Israel do restante dos povos. Estaseparação discriminava os incircun-cisos como um povo estranho, semesperança, sem Deus no mundo. Aredenção pelo sangue de Cristo, po-rém, derrubou a parede da separa-ção, aproximou os que estavam lon-ge dos que estavam perto e de am-bos os povos fez um, passando osgentios a serem co-herdeiros, mem-bros do mesmo corpo e co-partici-pantes das promessas do evangelho,matando assim toda a inimizade en-tre os povos. Então, a afirmação “um

só batismo” tem raízes profundasno espírito inclusivo dos mistériosda salvação em Cristo.

Ainda deve ser lembrado o cará-ter cósmico do qual se revestem emEfésios as expressões teológicasidentificadas pelo “um, uma só”. Tra-balhando com as categorias teológi-cas de eleição, predestinação, a cartaindica que as inclusões não aconte-cem dentro de uma linha histórica,mas se processam desde a eternida-de dentro dos mistérios do Deus ePai de nosso Senhor Jesus Cristo ede seu Filho. Assim, por exemplo, ainclusão dos gentios na igreja, corpode Cristo, não se dá no início da nos-sa era, mas está confirmada desde afundação do mundo. Neste senti-do, o batismo não vai separar comu-nidades que surgem nos diferentestempos e espaços, mas assinalar osfilhos da igreja, esposa eleita desdetodos os séculos.

Todavia, a carta abre espaço nãopara uma defesa do rebatismo em si,mas para que a discussão sejaaprofundada para além de um sim-ples sim ou não em referência à ques-tão. E isto vem do fato de que a suaproposta não é a soma de sete ex-pressões teológicas únicas e perfei-tas, mas, sim, a criação de uma novaunidade, única e perfeita, unidadeque ela chama de “vínculo da paz” e

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que engloba em si todas as sete. Nes-te sentido, a prática correta do ba-tismo não vai responder por si sópela unidade da igreja e, sim, a con-cordância em todos os pontos de suavida, aqui representados pelas outrasseis expressões teológicas. Isto ficaclaro quando aplicamos as informa-ções da carta às exigências de umbatismo correto: a autoridade divinaem nome de quem ele é realizado, aparticipação humana em sua realiza-ção e a realidade que ele representa.

O batismo é realizado em nomedo Pai, do Filho e do Espírito Santo,ou, na linguagem da carta, em nomede um só Deus e Pai de nosso Se-nhor Jesus Cristo, de um só Senhor,nosso Senhor Jesus, e de um só Es-pírito, o Espírito Santo da promes-sa. Neste sentido, Efésios ofereceelementos que vão muito além deuma simples forma trinitária. Deusé um só e não há outros deuses noscéus e na terra além dele. Ele estáenvolto em mistérios que ultrapas-sam a compreensão humana e, porisso, não pode ser imitado e muitomenos criado pela imaginação huma-na, e age com total soberania na cri-ação e redenção de toda a sua criatu-ra. Nosso Senhor Jesus Cristo é oFilho que, nos mistérios divinos, re-aliza a reconciliação proposta pelo Pai.Todo processo da salvação é feito

nele, por ele e para ele, não haven-do no céu nem na terra outro nomepelo qual podemos ser salvos, masele também é o Senhor que acom-panha todas as ações da vida da igre-ja. O Espírito Santo é o único Espí-rito, que efetiva na igreja todas asações do Pai realizadas em Cristo.

Participam do batismo os queprofessam uma só fé e são alimen-tados por uma só esperança. Esta fétem de ser, primeiramente, bemcompreendida porque ela envolvemistérios incluindo a eleição oupredestinação com a qual Deus es-colhe seus filhos. Por isso, a fé temde ser bem definida para que não setorne um emaranhado de proposi-ções sem um sentido central. O au-tor da carta empenha a sua experi-ência pessoal para mostrar que oministrante tem primeiro de assimi-lar todos os mistérios da fé para quepossa agir em sã consciência, con-tando com toda a confiança dosbatizandos. Estes, por sua vez, de-vem ser preparados e instruídos emtodos os mistérios para que possam,depois, dar razão da fé na qual fo-ram batizados. O mesmo se esperada igreja para a qual adentra o novomembro. Mas todos, oficiantes,batizandos e a igreja que testemu-nha e recebe o novo membro, de-vem estar envoltos na mesma e úni-

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ca esperança de que as promessasdo mistério divino se cumprirão navida do recém recebido. Esta espe-rança deve se manifestar em ambi-ente alegre, participativo, com mui-tas ações de graças ao Deus Trinoinvocado no batismo.

Efésios, enfim, é um apelo paraque o batismo mostre realmente oque ele é: o símbolo da unidade daigreja, a prova visível de que ela é umsó corpo. Ele é um desafio para sepensar se a igreja de hoje é, na verda-de, um só corpo ligado à cabeça, Je-sus Cristo, se ela está ligada pelo vín-culo da paz. O batismo é um desafiopela luta em favor da paz, da buscada perfeição, da santidade, do viverresponsável, como família de Deus,nos atos mínimos de nosso viver di-ário. Mas, com o seu tema central, ainclusão dos gentios, a epístola lem-bra que o batismo não é um sinal deexclusão, mas de inclusão, que per-tencer à família de Deus não signifi-ca renunciar à família humana, mas,pelo contrário, responsabiliza a igre-ja a derrubar as paredes de separa-ção e a congregar todos os excluídospara formar a ampla família que, nocéu e na terra, toma o nome de Deus.

3 - Batismo e ecologia3 - Batismo e ecologia3 - Batismo e ecologia3 - Batismo e ecologia3 - Batismo e ecologiaWitness Lee6 cita Efésios 3.8 para

se referir às riquezas da terra. À pri-meira vista, a análise parece forçadaporque, na carta, as riquezas refe-rem-se à graça, à glória e à miseri-córdia de Deus e, no texto citado, elafala das riquezas de Cristo. Mas, navisão cosmológica de Efésios, asmúltiplas e insondáveis riquezas deDeus abrangem tudo o que existe noscéus e na terra. Outro texto que cha-ma a atenção também é 1.4, que falana redenção da propriedade de Deus,normalmente entendida no contex-to como uma referência àqueles queouviram e creram no evangelho dasalvação. Mas, na mesma visão dacarta, tudo é propriedade de Deus.Por isso, podemos pensar de acordocom a carta em uma redenção cós-mica, já que a participação da natu-reza na restauração divina tem lugarna teologia paulina (Rm 8.19-23). As-sim, podemos compor algumas idéi-as sobre ecologia, seguindo alguns as-suntos da carta: o Deus criador, aação destruidora dos seres humanos,a responsabilidade dos eleitos na pre-servação da criação divina, e a águacomo o símbolo da vida na terra.

Há apenas uma, mas definitiva,informação sobre a criação. Nela,Deus é o Deus que tudo criou. Nolivro, porém, tudo respira esta cria-

6 Witness LEE. Living Stream Ministry. Califórnia:Anaheim, 1991 pp. 39 ss.

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ção: a unidade, a harmonia, a perfei-ção, o movimento, a continuidade, abeleza. Ela revela a preocupação dopróprio Deus no sentido de que to-das as coisas voltem à perfeição dotempo em que foram criadas, pois éregistro de todo o empenho de Deusem seu Filho para reunir as coisasque, agora, estão distantes entre si.

Os que são desobedientes à von-tade de Deus são descritos na cartacomo agentes da morte. Suas açõessão destrutivas, pois seguindo a vai-dade de seus pensamentos, não coo-peram para o bem da criação divina;seus pensamentos semeiam as trevas,ofuscando a luz deste mundo, e des-prezam a vida de Deus. Insensíveis àharmonia e à beleza, entregam-se àdissolução do que está tão bemconstruído; semeiam a impureza emum mundo asseado e limpo; insistemem manter os padrões velhos e cor-rompidos; com engano e falsidade,deturpam as verdade e a justiça deDeus. Enfim, rejeitam a proposta dacriação de um novo ser humano den-tro de um mundo recriado segundoa vontade de Deus.

Os eleitos de Deus, porém, sãochamados para serem novas criatu-ras, feituras suas, criados para as boasobras em um novo mundo, desfru-tando corretamente das riquezas desua herança, cooperando com fé, es-

perança e amor para o crescimentoda grande família de Deus, nos céus ena terra, cultivando uma vida sem ini-mizades, sem mentiras,us e na terra,cultivando uma vida sem inimizades,sem mentiraso corretamente das ri-quezas de sua herança, sem ira, semroubos, sem ofensas verbais, gritariase blasfêmias, sem ira, sem cólera, semamargura, antes ajudando os outros,trabalhando, edificando com suas pa-lavras, sendo benignos, compassivos,perdoadores, evitando toda sorte deimpureza. Enfim, andando como fi-lhos da luz para que a criação de Deuscontinue frutificando e crescendo parao louvor de sua glória.

Assim, o batismo é testemunhado compromisso que a igreja temcom a água viva que, com seus ma-nanciais, fontes, rios e mares, com asua chuva de bênçãos, alimenta a vidano céu e na terra; compromisso coma água limpa que combate as impu-rezas e a sequidão da terra; com aágua límpida que mata a sede e re-frigera o cansado; com a água quesalta desta vida para a vida eterna;com a água que sai do simbolismo ese identifica com a Água Viva, JesusCristo; com a água pura que lava asimpurezas do mundo.

O Rev. Lysias é professor no SeminárioTeológico de São Paulo da Igreja PresbiterianaIndependente do Brasil

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Um estudo em 1 CoríntiosUm estudo em 1 CoríntiosUm estudo em 1 CoríntiosUm estudo em 1 CoríntiosUm estudo em 1 Coríntios11. 17-34 com vistas à11. 17-34 com vistas à11. 17-34 com vistas à11. 17-34 com vistas à11. 17-34 com vistas àparticipação de criançasparticipação de criançasparticipação de criançasparticipação de criançasparticipação de crianças

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lo, em suas cartas, tratou de pro-blemas específicos e seu propó-sito aqui não é o de dar orienta-ção geral para a celebraçãoeucarística. Ele pretende atacarum grave problema que ocorriaem Corinto. Na verdade, dese-jamos saber se o texto pode serutilizado como argumento con-trário à participação dos nãoprofessos (principalmente crian-ças) na mesa eucarística.

Sabemos que a leitura bíbli-ca que não leva em considera-ção o contexto é tendenciosa esuperficial, e poderíamos citarinúmeros exemplos de interpre-tações de textos prejudicadaspela falta de atenção com rela-ção ao seu contexto.No caso de1 Coríntios 11, temos duas ex-pressões sempre lembradas:

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Vivemos, na IPI doBrasil, um contextode mudanças decor-

rentes da aprovação final das Or-denações Litúrgicas. Entre ospontos discutidos está o conviteaos membros não professos paraparticiparem da mesa do Se-nhor. Como toda mudança, essatambém enfrenta dificuldadesnaturais, ainda que o assunto nãoseja novo e tenha sido estudadocom cuidado por uma comissãonomeada pela Assembléia Ge-ral da Igreja.

Quando falamos do sacra-mento da eucaristia, pensamoslogo no texto paulino, conformea 1ª carta aos Coríntios, capítu-lo 11. Neste artigo examinamoso texto do apóstolo, a partir doseu contexto. Sabemos que Pau-

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“Examine-se, pois, o homem a si mes-mo...”; “...quem come e bebe semdiscernir o corpo...”. Tais expressões,para muitos, levariam ao impedi-

mento de pessoas que não são ca-pazes de realizar o “auto-exame” ede “discernir”. Será esta a mensa-gem deste texto?

Análise do textoAnálise do textoAnálise do textoAnálise do textoAnálise do textoTemos inúmeros argumentos para perceber a comunidade

de Corinto como especialmente problemática. Basta ver o tomdas cartas de Paulo enviadas à comunidade nesta cidade. Pareceque a carta toda tem o tom de “puxão de orelhas”. Para citarapenas alguns problemas, os cristãos de Corinto são chamadosde carnais por provocarem divisões internas e tinham dificulda-des na compreensão dos dons espirituais.

Características da cidade são lembradas quando os comenta-ristas querem justificar a situação da comunidade. Corinto erauma cidade de passagem, cidade de circulação de novidades, oque, obviamente, atingia a igreja. Alem disso, é importante sali-entar uma característica importante indicada por G. Theissen,que é a forte estratificação social (1987, p.149).

Nossa perícopeNossa perícopeNossa perícopeNossa perícopeNossa perícopeO trecho que nos interessa está no capítulo 11, do v.17 ao 34.

O capítulo 11 inteiro parece ter um mesmo foco: o comporta-mento no culto. O texto imediatamente anterior trata da postu-ra das mulheres na igreja, enquanto o posterior (cp. 12) colocaem discussão a questão da unidade da igreja, assunto diretamen-te relacionado com o comportamento dos crentes de Corinto nomomento da celebração da Ceia do Senhor.

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O nosso texto pode ser claramen-te dividido em três partes:

1 – v.17 até v.22.2 – v.23 até v.26.3 – v.27 até v.34.Podemos resumir as três partes

com as seguintes expressões (cf.Theissen, 1987, p.153):

1 – Constatação2 – Tradição3 – AdmoestaçãoAs três partes indicam uma ex-

posição muito clara: primeiramen-te, um grave problema é colocado;em seguida, a tradição recebida peloapóstolo sobre a Ceia é lembrada e,finalmente, são apresentadas instru-ções corretivas.

PPPPParte 1arte 1arte 1arte 1arte 1O apóstolo inicia o texto indican-

do seu profundo desapontamento.A situação é de absoluta calamida-de! Sem meias palavras, o proble-ma é colocado com ar de decepção:“porquanto vos ajuntais não paramelhor, e sim para pior”. Devemosnotar que a preocupação do após-tolo, neste caso, não é corrigir fa-lhas pontuais que afetam a corretarealização de um rito. Os problemasinternos ali afetavam e fragmenta-vam a constituição da comunidadeque deveria se reunir em nome deJesus Cristo e ser santa em seu com-

portamento, demonstrando gratidãoao Senhor (Orr & Walther, 1976,p.269).

O assunto dos capítulos iniciais dacarta é retomado: há partidos(aireseis) e, por isso, ocorre o queconstitui a constatação principal:“Quando, pois, vos reunis no mesmolugar não, é a Ceia do Senhor(kyriakon deipnon) que comeis”.Barrett (1968, p.262) acentua a im-portância da expressão “Ceia do Se-nhor” como algo que se fazia para oSenhor, em sua memória, honrandoo Senhor. Em vez da Ceia do Senhor,cada um tomava sua própria ceia(idion deipnon). Nada mais desastro-so poderia acontecer naquela ocasião,pois aquele era o momento comuni-tário por excelência. Vários partici-pantes, especialmente os mais abas-tados, se serviam antecipadamente,causando constrangimento para ospobres que, muitas vezes, não tinhamnem mesmo a própria refeição.Theissen observa (1987, p.159) quena época havia um “modelocomportamental” segundo o qualpessoas de extratos sociais diferen-tes eram servidas de maneiras tam-bém diferentes em refeições comu-nitárias. Havia um sério problema nacomunidade, envolvendo a posturados mais ricos, que ofendia os neces-sitados (Theissen 1987, p.153).

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Ora, se aquilo que ocorria nãoera a “Ceia do Senhor”, aquele ajun-tamento de pessoas não era dignodo Senhor. Vamos, assim, perceben-do o que significa participar “digna-mente”. Aquelas refeições eram “in-juriosas àquilo que Cristo instituiu...” (Von Allmen 1968, p.84).

PPPPParte 2arte 2arte 2arte 2arte 2Aqui temos o fundamento teo-

lógico para a celebração da Ceia doSenhor, trazido da tradição: “Porqueeu recebi do Senhor o que tambémvos entreguei...” (v.23). É interessan-te lembrar que, com palavras seme-lhantes, Paulo se dirige à comuni-dade para falar sobre a ressurreição,no capítulo 15. Essas palavras, quePaulo diz ter recebido, são as pala-vras da “instituição”, repetidas sem-pre que a Ceia do Senhor é celebra-da. Elas têm um especial valor, jáque são as mais antigas sobre a ins-tituição da Ceia do Senhor. Nelas aquestão da “memória” tem lugarprimordial. Sabemos que “memó-ria”, para o povo de Deus, não erameramente “ter alguma recorda-ção”. A memória torna o passadopresente; o passado tem efeitos ob-jetivos no presente; o presente ali-menta-se efetivamente do passado(Gonçalves, 2007, p.25).

O corpo do Senhor é “dado por

vós”. A idéia de “dádiva” é primor-dial para celebrar a Ceia do Senhor.Por isso ela é uma “eucaristia”; opróprio Cristo, antes de partir o pão,dá graças a Deus. Os participantes,nas comunidades primitivas, viviamintensamente o momento eucarís-tico, trazendo os alimentos comoofertas para a participação comuni-tária. E a comunidade, influenciadapela participação na Ceia do Senhor,dedica-se inteiramente ao seu Se-nhor para a missão.

No sangue de Cristo, está o novoconcerto, uma nova forma de per-ceber a realidade, inspirada na men-sagem do evangelho, anunciada demaneira vibrante sempre que a co-munidade cristã toma o pão e bebedo cálice. O novo concerto é seladopelo sangue de Cristo, o servo deDeus, que se entrega para a reden-ção do seu povo.

PPPPParte 3arte 3arte 3arte 3arte 3Nas exortações finais, estão as

expressões que costumam causarembaraço. O que ocorre é que nãotemos condições de entendê-las semque consideremos atentamente otexto inteiro. Primeiramente, obser-vando a terceira parte do nosso tex-to, devemos perguntar: o que signi-fica comer o pão e beber o cáliceindignamente? Só podemos respon-

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der a questão à luz do v. 21: a verda-deira calamidade reinante na comu-nidade de Corinto é a resposta. Aoagir da forma indicada no v. 21, aigreja nega o oferecimento de Cris-to e deixa de receber o oferecimen-to gracioso do Filho de Deus. Signi-fica não se dar conta da presençaespiritual do Senhor. Participar dig-namente não se refere à dignidadepessoal dos participantes, tendo emvista qualidades individuais. Se en-trarmos por esse caminho, retira-mos o foco, que está sobre a graça,transferindo-o para o mérito, mas,em princípio, ninguém é individual-mente digno de ter lugar à mesa doSenhor. Em Corinto, havia umapostura comunitária indigna: a mesada união se tornara a mesa que acen-tuava as diferenças sociais.

Segundo o texto do apóstolo Pau-lo, podemos concluir que retirar daCeia o clima de irmandade é a ati-tude capaz de profaná-la: “... profa-nação se dá quando os poderes damorte se apropriam da Santa Ceia.”(Santa Ana, 1986, p.78). Os pode-res da morte em Corinto estavamrepresentados pelo egoísmo e o in-dividualismo.

Diante do exposto, o apelo aoauto-exame, v.28, somente poderáser bem compreendido se estiverrelacionado com a participação de

todos no Corpo de Cristo. Não setrata de um exame intimista e indi-vidualista, mas de um exame emfunção de uma situação absurda, denegação da dimensão comunitária.E a dimensão comunitária é funda-mental, pois todos devem começare participar juntos (v.33).

Assim, o juízo vem sobre aque-les que comem e bebem “semdiscernir o corpo”. Mais uma vez,reafirmamos que também esta ex-pressão, tão lembrada, não pode serretirada do contexto, pois não teráo sentido proposto. A questão dodiscernimento significa: de qual ceiaestamos participando? De uma ceiaprópria, ou da Ceia do Senhor? Arefeição própria, idion deipnon, podeser feita individualmente, cada umem sua própria casa. Contudo, aCeia do Senhor, kyriakon deipnon,é feita na companhia das pessoasque estão integradas na família deDeus. Na eucaristia, celebramos queem Cristo somos um!

As palavras de condenação sãoduras, pois aqueles que agem emconformidade com os vv.21 e 22 nãoaceitaram os “termos” da Nova Ali-ança. O sangue de Cristo é símbolopara celebração de um novo tem-po: os desprezados agora têm vez;os que nada podem trazer para obanquete têm também direito a ele.

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Sentidos da CeiaSentidos da CeiaSentidos da CeiaSentidos da CeiaSentidos da Ceiado Senhordo Senhordo Senhordo Senhordo Senhor

“Em primeiro lugar, a Santa Ceiasurge como um ato que possui umagrande variedade de sentidos. É co-munhão; é lembrança de libertação;é compromisso com o Reino; é ex-pressão de uma comunidade mili-tante; é mistério da presença de Je-sus Cristo naqueles que crêem; émotivação para a unidade; é alimen-to e força para nos mantermos di-nâmicos na luta exigida pelo desdo-bramento da missão do povo deDeus... É, ao mesmo tempo, senti-mento intenso e iluminação da men-te; é motivo de obediência a Deus;e convocação ao exercício da espe-rança. Lamentavelmente, muitasvezes tentamos centrar demasiadoo sentido da Eucaristia numa só coi-sa.” (Santa Ana, 1986, p.9)

Como observamos, no trechoacima a Santa Ceia é uma verdadei-ra riqueza para o povo de Deus. Otexto bíblico que estudamos tratoude um problema localizado, um pro-blema difícil, voltado para a expres-são comunitária da Eucaristia.

Tomando em conta aspectosaprendidos com as recomendaçõespaulinas para a comunidade deCorinto, podemos agora refletir demaneira mais aberta sobre alguns

sentidos da Ceia do Senhor. Júlio deSanta Ana nos mostrou no trechoacima que os sentidos são diversos.Comentaremos alguns.

Santa Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia ePáscoaPáscoaPáscoaPáscoaPáscoa

Segundo o evangelho de Lucas,depois dos preparativos para a cele-bração da Páscoa, Jesus diz: “Tenhodesejado ansiosamente comerconvosco esta Páscoa, antes do meusofrimento” (22.14). Realmente,aquela Páscoa era especial. Para osjudeus, a Páscoa era a memória dalibertação, momento marcante daatuação de Javé, que viu o seu povoem aflição e lhe fez a promessa deuma boa terra, onde haveria alimen-to para todos. A Páscoa era umarefeição festiva, familiar, cheia designificados e cada elemento davarazão para que a alegria da liberta-ção estivesse presente.

Joachim Jeremias diz que Jesus,ao celebrar aquela Páscoa especialcom os seus discípulos, além da ora-ção de gratidão, que era natural,acrescentou algumas palavrasexplicativas. Essas palavras tornaramaquela Páscoa diferente das outras;contudo, as palavras explicativas nãoforam encaradas como algo estra-nho pelos discípulos. Afinal, como

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lembra Jeremias, o rito da Páscoaincluía a explicação do simbolismoda refeição para os filhos (1978, p.42). Agindo assim, Jesus inauguraum novo momento para a celebra-ção pascal, no qual ele mesmo seriaindicado como o cordeiro cujo san-gue traria libertação ao seu povo.

Com isso, podemos entender umpouco melhor a grande indignaçãodo apóstolo Paulo ao ver uma co-munidade, que ele conhecia tãobem, entregue aos modelos sociaisvigentes, segundo os quais os humil-des são desprezados, os pequenossão ignorados. Não era mesmo pos-sível participar da Ceia do Senhorsem abertura para o irmão. A situa-ção em Corinto não era condizentecom um povo que nasceu porqueseu Deus o viu em aflição e decidiulibertá-lo.

Santa Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eReino de DeusReino de DeusReino de DeusReino de DeusReino de Deus

O ministério de Jesus foi marca-do pelo anúncio do reino de Deus.Jesus nos ensinou a orar dizendo:“venha o teu reino”. Ao falar do rei-no, Jesus usa a imagem de um ban-quete festivo (cf. Lc 14.1-4). Serábem-aventurado aquele que comerpão no reino de Deus (v.15).

Portanto, quando falamos da re-

feição eucarística, estamos no cen-tro do anúncio do evangelho. Quan-do estamos à mesa com irmãos eirmãs, anunciamos o evangelho, atéque Ele venha (1 Co 11.26). A Ceiaé “o dom antecipado da plena reali-zação do reino de Deus”. É a mesana qual o Pai aguarda seus filhosperdidos (Jeremias, 1978, p.51).Assim, a realização da Ceia do Se-nhor é incompatível com qualquerpostura de exclusão. A mesa do Se-nhor deve se tornar a boa influênciapara o mundo dividido em que vi-vemos. Ela jamais poderá se confor-mar com este século.

Santa Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eGraçaGraçaGraçaGraçaGraça

O acesso à mesa do Senhortestifica a graça de Deus. O conviteà mesa do Senhor é o convite graci-oso de Deus, nosso Pai, que se ofe-receu, em Cristo, para nos dar a ci-dadania do seu Reino. Assim comofomos recebidos pelo batismo nafamília de Deus, não por méritos,mas pela manifestação da graça deDeus, assim também somos, comoparte da família, incluídos no ban-quete da Ceia do Senhor.

Muitas vezes, o texto escrito aoscoríntios, quando interpretado demaneira inadequada, tem servido

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para impedir o acesso à mesa doSenhor. O acesso à mesa do Senhoraos batizados é garantido não porméritos próprios, mas pela graça deDeus.

Santa Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eSanta Ceia eUnidadeUnidadeUnidadeUnidadeUnidade

Joachim Jeremias diz que a San-ta Ceia anuncia o novo tempo dasalvação com o povo de Deus, opovo do novo tempo, reunido emtorno de Cristo, constituindo umagrande família (1978, p. 12). Oambiente familiar nos traz o senti-mento intenso de união e por isso aSanta Ceia deve ser uma intensaproclamação da unidade do povo de

Deus.Deus não dividiu o seu povo em

classes. Aliás, quando o povo de Is-rael pediu um rei, o pedido não foibem recebido por Deus, pois Elebem sabia quais seriam as conseqü-ências (1 Sm 8) e, como sabemos,a monarquia acentuou a noção desociedade com base em diferençassociais. A existência de gulosos in-sensíveis, convivendo com famintos,em Corinto, era um escândalo quedenunciava a existência de “classes”privilegiadas também na mesa doSenhor, na principal celebração dopovo de Deus. Certamente, semespírito de unidade, o ajuntamentosó podia ser para o pior (1 Co11.17).

A PA PA PA PA Participação de Crianças:articipação de Crianças:articipação de Crianças:articipação de Crianças:articipação de Crianças:ObserObserObserObserObservaçõesvaçõesvaçõesvaçõesvações

Entendemos que, neste momento, podemos voltar à perguntaque colocamos na introdução deste artigo: o texto sobre a Ceia doSenhor que está em 1 Coríntios pode servir como fundamentopara o posicionamento contrário à participação de crianças na mesado Senhor? O caminho indicado pelo estudo que apresentamosfala por si. Acrescentamos, a seguir, algumas observações.

Não é difícil perceber que as expressões “réu” (v.27) e “juízo”(v.29), em diversas de nossas comunidades, transformaram a fes-ta eucarística numa situação de medo. Por falta de compreensãodo texto em seu contexto, começa-se a estipular critérios huma-

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nos para que a participação não ocorra “indignamente”. O senti-do da comunhão verdadeira acaba se perdendo, pois uns queremverificar a condição de participação dos outros. Parece que o sen-so comum (que não é bom senso) indica que não devem partici-par os que estão “em pecado”. O que significa exatamente essaexpressão? Certamente não significa simplesmente “ser pecador”,pois, se fosse, não teríamos participantes. É importante lembrarque, na primeira parte do culto cristão reformado, há o momen-to de confissão de pecados, do qual devemos participar com in-tensidade. Assim, levando emconta as diretrizes da igreja, anão ser em situação de discipli-na formal, o que pode impedir aparticipação?

Na mesma linha de interpre-tação, que isola a parte final dotexto estudado, busca-se argu-mentos contrários à participaçãode crianças, pois elas não teriamcondições de “discernir”. As cri-anças teriam, portanto, um im-pedimento de ordem intelectu-al. Assim, aquilo que foi dito emfunção de uma situação especí-fica se torna regra geral para queo sentido de celebração seja qua-se esquecido. Por causa dessa in-terpretação, as crianças, dasquais é o reino de Deus, segun-do o próprio Jesus, ficam semacolhimento no banquete que é sinal da presença antecipada doreino eterno do Senhor. Esquecemos como era pedagógica a re-feição da Páscoa para o antigo Israel.

Tendo em vista o estudodo texto paulino, nadaencontramos nele quepossa ser usado paraimpedir a participaçãode crianças na mesa doSenhor. Encontramos,sim, uma seriedadeprofunda nas palavrasdo apóstolo, quecuidava das suascomunidades, a fim deque a Ceia do Senhorpermanecesse,efetivamente, Ceia doCeia doCeia doCeia doCeia doSenhorSenhorSenhorSenhorSenhor

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ReferênciasBibliográficas

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BARRETT, C. K. A Commentary on the First Epistle tothe Corinthians. New York: Harper & Row Publishers,1968.

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GONÇALVES, H. M. “Origens e bases bíblicas daSanta Eucaristia”. In Inclusividade. Porto Alegre:Centro de Estudos Anglicanos, ano VI, 04/2007, nº14.

JEREMIAS, J. Isto é o Meu Corpo. São Paulo:Paulinas, 1978.

ORR, W. F. & WALTHER, J. A. I Corinthians (TheAnchor Bible). New York: Doubleday & Company, Inc.,1976.

SANTA ANA, J. Pão, Vinho e Amizade. Rio de Janeiro:CEDI, 1986.

THEISSEN, G. Sociologia da Cristandade Primitiva. SãoLeopoldo: Sinodal, 1987.

O Rev. Fernando é professor no SeminárioTeológico de São Paulo da IgrejaPresbiteriana Independente do Brasil

Tendo em vista o estudo do texto paulino, nada encontramosnele que possa ser usado para impedir a participação de criançasna mesa do Senhor. Encontramos, sim, uma seriedade profundanas palavras do apóstolo, que cuidava das suas comunidades, afim de que a Ceia do Senhor permanecesse, efetivamente, Ceiado Senhor. Encontramos Paulo indignado com adultosindisciplinados, que evidenciavam em seu procedimento as “obrasda carne”. A bagunça reinante em Corinto não deve ser motivopara transformar a Eucaristia em algo frio, sem vida, sem a ale-gria do banquete que celebra a libertação do povo de Deus.

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ResenhaFerramentas para o estudo de

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Quem se sente vocacionado a es-tudar academicamente o pensamentoe a obra de João Calvino enfrenta obs-táculos, mas temos uma boa notícia:com a disponibilização de um DVD,publicado por um instituto na Holandae adquirido pelo Seminário Teológicode São Paulo, o trabalho se tornoumais fácil.

O primeiro obstáculo, obviamen-te, são as línguas em que Calvino es-creveu. As Institutas e seus comentá-rios bíblicos foram escritos em latime seus sermões, em francês. Sem aces-so aos textos, poucos teriam vonta-de de aprender latim ou adaptar oseu francês. Agora, os textos estão aíe o esforço com as línguas pode sercompensado. O latim das Institutasé um latim humanístico com toquesretóricos. O latim dos comentáriosbíblicos é um pouco mais objetivo,um pouco mais fácil. O francês doséculo XVI, nos sermões de Calvino,pode interessar aos pesquisadores dahistória da língua e não somente aosteólogos reformados.

A maior parte dos textos originais

1 O resenhista agradece ao seminarista CarlosEduardo Araújo por sua assessoria com relação aosrecursos de informática.

SELDERHUIS, Herman J.(ed.). Calvini OperaDatabase. Apeldoorn(Holanda): Instituut voorReformatieonderzoek,2005. DVD.BAUM, Guilelmus, CUNITZ,Eduardus, REUSS,Eduardus (eds.). IoannisCalvini Opera QuaeSupersunt Omnia. Vols.1-59. Braunschweig: C.A.Schwetchke et Filius, 1863-1900 (= CorpusReformatorum, vols.29-87).Doravante Opera.BARTH, Petrus, NIESEL,Guilelmus (eds.). JoannisCalvini Opera Selecta.Vols.3-5. Monachi inAedibus: Chr. Kaiser, 1967-Doravante Barth-Niesel.

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se encontra principalmente numa cole-ção enorme de 59 volumes, com cercade 21.000 páginas, que somente algumasbibliotecas no mundo possuem e que foielaborada com o esmero germânico noséculo XIX, por estudiosos que não so-mente editaram textos em latim e fran-cês como também escreveram as suasintroduções em latim. Conhecer oCorpus Reformatorum é um pouco comoconhecer uma cidade, tão extensa e cheiade meandros é esta coleção. O volume2 dos Tratados Menores é também o vo-lume 6 das Ioannis Calvini Opera e ovolume 34 do Corpus Reformatorum, eeles vêm munidos com uma página derosto ou algo semelhante para cada umadas três identidades que o volume pos-sui. O material introdutório tem páginasnumeradas com algarismos romanos, maso que se segue tem apenas colunas nu-meradas.

Um pouco maisUm pouco maisUm pouco maisUm pouco maisUm pouco maissobre o DVDsobre o DVDsobre o DVDsobre o DVDsobre o DVD

Ele traz imagens precisas, em PDF,de todas as páginas dos 59 volumes dasOpera. Com paciência, é possível encon-trar e ler tudo. O programa permite fa-zer buscas. A bem da verdade, no com-putador do Seminário, o ícone do pro-grama conduz às buscas e não serve parauma leitura contínua de um texto. Paraisto, utiliza-se a rota “Adobe Reader –Disco Local (c:) – Arquivo de programa- Cod 1.0 – Root – Data – Vols PDF”.

As buscas são flexibilizadas. Se al-guém quer buscar, por exemplo, “gra-ça”, são necessárias as instâncias de trêsflexões da palavra no latim: gratia,gratiae, gratiam. Utilizando-se “grati”,tudo fica arrumado numa só busca. Ummanualzinho impresso de 7 páginas ex-plica isto. Existem também “Boolean”,para buscar combinações de itens. Pode-se, por exemplo, procurar os contextosem que tanto “predestinação” como“providência” aparecem, contextos emque “predestinação” aparece e “providên-cia” não e contextos em que “providên-cia” aparece e “predestinação” não. Exis-te também a busca “fuzzy”, para itensde grafia incerta.

Poderá haver uma certa frustraçãona tentativa de se encontrar, pelo cami-nho do índice dos volumes, uma páginaespecífica. Cada página é um arquivo doprograma, inclusive as páginas em bran-co. Não há uma clara relação entre onúmero que consta na página e o núme-ro que consta no índice do programa deApeldoorn. Por exemplo, no primeirovolume, a página 067 da Editio Princeps(pela numeração do programa) traz co-lunas 11-12 no Corpus Reformatorum,enquanto a página 022 do Caput VI daEditio Princeps traz colunas em 237-238.Se este procedimento se tornar mais ágilem futuras edições do DVD, os usuári-os vão agradecer.

Para estudar as Institutas, o pontode partida é o vol.2 da Opera, que traz a

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edição de 1559. As principais traduçõesem uso entre nós têm como base aa edi-ção de 1559. No entanto, a edição de1559 é reproduzida numa edição impressacom maior aparato científico, que existena biblioteca do Seminário (Barth-Niesel).Quem tem acesso a esta edição impressavai preferi-la ao texto eletrônico.

A primeira edição, de 1536, e osacréscimos nas outras edições anterio-res a 1559 estão no vol. 1. Calvino tam-bém publicou as Institutas em francês(vols. 3-4).

Os Tratados Menores ocupam os vols.5-10, constando os mais famosos no vo-lume 5, inclusive um hino de Calvino (emlatim, cols. 417-428).

Sobre a Bíblia, Calvino deixou co-mentários e preleções em latim e ser-mões em francês. Do Pentateuco, cons-tam comentários nos volumes 23-24,sermões sobre Deuteronômio nos volu-mes 25-29, e sobre Jacó e Esaú no volu-me 58. Há um comentário sobre Josué(vol. 25) e sermões sobre 1 Samuel (vols.29-30). Há comentários sobre os Sal-mos (vols. 31-32) e sermões sobre Jó(vols. 33-35). Sobre Isaías há sermões(vol. 35) e um comentário (vols. 37-38).Também há preleções sobre Jeremias(vols. 37-39), Lamentações (vol. 39),Daniel (vols. 40-41) e os Profetas Meno-res (vols. 42-44). Sobre Daniel há tam-bém sermões (vols. 41-42). A Harmo-nia dos Evangelhos (sinóticos) recebe um

comentário (vol. 45) e sermões (vol.46), e João recebe um comentário. Hácomentários sobre Atos (vol. 48), Ro-manos (vol. 49), 2 Coríntios e Gálatas(vol. 50), Efésios (vol.51), as demaisEpístolas Paulinas (inclusive as que nóschamamos de deutero-paulinas) no vol.52, e sobre as cartas de Pedro, Tiago eJoão (vol. 55), bem como sermões so-bre a Ascensão e Pentecostes (vol. 48), 1Coríntios 10-11 (vol. 49), Gálatas(vols. 50-51) e Epístolas Pastorais (vols.53-54).

Confissões e catecismos encontram-se espalhados entre os volumes 5, 6, 9e 22. Material referente ao caso MiguelServeto se encontra nos volumes 4 e 14.As Ordenanças Eclesiásticas estão novolume 10. Atas do Consistório(“annales calviniani”), vol. 21. ConstamTextos de Outras Pessoas que estavamem contato com Calvino, como Beza eCalladon (vol. 21) e cartas a Calvino,com eventuais respostas (geralmente emlatim, vols. 4 e 15-20).

Diante desta riqueza toda, por ondecomeçar? Que tal um estudo brasileirosobre os sermões em francês ou sobre aascensão e o pentecostes?

O Rev. Archibald é professor no SeminárioTeológico de São Paulo da IgrejaPresbiteriana Independente do Brasil

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