Editorial J - Número 3 - Novembro de 2011

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skate DOR NÃO TIRA MARRETA DAS PISTAS bandas SUCESSO LÁ FORA “Capitão do povo” conta como era ser militar de esquerda na ditadura /3 Ex-morador de rua cultiva horta e curte a vida, agora com endereço /4 e 5 Foto Priscila Leal Foto Maria Helena Sponchiado história casa /11 /10 Projeto usa lata para ver o novo As oficinas foram desenvolvidas após Jorge ser incentivado pela esposa a ensinar crianças como fotografar Foto Bruna Valentini O Photo na Lata, projeto social de Jorge Aguiar que leva o ensino da fotografia para a vila Umbu, em Alvorada, completa 15 anos. Apesar de possibilitar uma nova visão de mundo para quem olha através da lata, a falta de apoio do poder público e a baixa dedicação da população desestimulam o fotógrafo. /Central NOVEMBRO 2011. NÚMERO 3. FAMECOS PUCRS www.pucrs.br/famecos/editorialj Foto Priscila Leal

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Terceira edição do jornal laboratório Editorial J, produzido pelos alunos do laboratório de estágio curricular em Jornalismo da Famecos/PUCRS.

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Page 1: Editorial J - Número 3 - Novembro de 2011

skate DOR NÃO TIRA MARRETA DAS PISTAS

bandasSUCESSO LÁ FORA

“Capitão do povo” conta como era

ser militar de esquerda

na ditadura /3

Ex-morador de rua cultiva horta e curte a vida, agora

com endereço/4 e 5

Foto Priscila Leal

Foto Maria Helena Sponchiado

história casa

/11/10

Projeto usa lata para ver o novo

As oficinas foram desenvolvidas após Jorge ser incentivado pela esposa a ensinar crianças como fotografar

Foto Bruna Valentini

O Photo na Lata, projeto social de Jorge Aguiar que leva o ensino da fotografia para

a vila Umbu, em Alvorada, completa 15 anos. Apesar de possibilitar uma nova

visão de mundo para quem olha através da lata, a falta de apoio do poder público e a

baixa dedicação da população desestimulam o fotógrafo. /Central NOVE

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Paradoxos do Umbu

NOVEMBRO DE 2011/ PÁGINA 2

Repórter Bruna Valentini com alunos de fotografia

papo de redação

Foto aluno do Photo da Lata

A era do impresso acabouTexto: Igor Grossmann Foto: Fernanda Becker

Aafirmação do

título, proferida

por Eric McLuhan

no XI Seminário

Internacional

de Comunicação (SEICOM),

promovido pela Famecos-­

PUCRS em novembro, pauta

novamente a discussão sobre

o fim do papel como meio de

disseminação e preservação

de conteúdo. Porém, como

disse McLuhan, esta não é

uma notícia ruim. Talvez nem

notícia seja, porque somente

em um dia distante de hoje,

quando já não houver mais

indivíduos alfabetizados a

partir do suporte impresso, é

que esta declaração de óbito

poderá ser atestada por um

letrista.

O e-­paper não matará publicações impressas,

da mesma maneira que a

fotografia não eliminou a

pintura e nem a televisão, o

cinema. É possível constatar

esta realidade ao analisar as

prateleiras de uma livraria,

onde se encontram livros

que foram gerados a partir

de publicações em blogs e

manuais de instruções de

como se fazer algo na internet.

Paradoxal, pois o mesmo

conteúdo pode ser encontrado

diretamente na web. Trata-­

se de um indicativo de que

um período totalmente

digital ainda está longe de ser

realidade.

Não se tem registros de

genocídio de suportes de

comunicação. Em vez disso,

há uma coexistência de mídias

que possibilita o alargamento

do leque comunicacional

humano. A perspectiva de

McLuhan para o impresso é

expediente Editor: Fábio CanattaCoordenadora de produção: Ivone CassolProjeto gráfico: Luiz Adolfo Lino de SouzaProfessores responsáveis: André Pase, Elson Sempé Pedroso, Fabio Canatta, Geórgia Santos, Ivone Cassol, João Brito, Marcelo Träsel, Marco Villalobos, Sergio Stosch e Vitor Necchi.

EQUIPE DE ALUNOS

Editores: André Pasquali, Bolívar Abascal Oberto, Felipe Martini, Igor Grossmann, Maria Helena Sponchiado e Natália Otto.

Jornal mensal da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Avenida Ipiranga, 6681, Porto Alegre-­RS.Reitor: Ir. Joaquim ClotetVice-­reitor: Ir. Evilázio TeixeiraPró-­reitora de Graduação: Solange Medina KetzerFAMECOS

Diretora: Mágda Rodrigues da CunhaCoordenador do curso de

Jornalismo: Vitor NecchiCoordenador do Espaço

Experiência: Fábian Chelkanoff ThierImpressão: Apoio Zero Hora Editora Jornalística

Repórteres: Aline Ferreira de Mello, Aline Vargas, Alvaro Cuyás, Ana Karina Giacomelli, Bárbara Pustai, Barbara Winckler, Bibiana Borba Lopes, Bruna Valentini, Brunna Weisheimer, Camila Borges, Carlos Eduardo de Oliveira, Carolina Teixeira, Cassio Santatevam, Cassius Zeilmann, Débora Backes, Débora Fogliatto, Eduardo Paganella, Eduardo Schiefelbein, Fernanda Cardoso, Fernanda Maciel, Filipe Karam, Gabriela Dal Bosco Sitta, Gabriela Schiavi, Gabriel Ludwig, Giordano Tronco, Guilherme Hamm, Henrique Diebold, Igor Goulart, Janaina Azevedo, João Veppo Neto, Jorge Sanz, Julia Corso, Julia Merker, Julia Schwarz, Juliana Gonçalves, Juliana Palma,

Karen Aldrigui, Karen Vidaleti, Karine Paixão, Laís Auler, Laura D’Angelo, Laila Dubina, Laura Ferla, Leonardo Fister, Leonardo Pietrowski, Lisiane Lisboa, Lorenço Oliveira, Lucas Martins da Costa, Manuela Schroeder Kuhn, Marcelo Sarkis, Marco Antonio Mello, Maria Bravo, Maria Homem de Mello, Mariana Fontoura, Marina Torres Azevedo, Martina Jung, Matheus Strelow, Mauricio Krahn, Natacha Gomes, Natália Mauro, Nathalie Sulzbach, Nicole Franzoi, Pedro Faustini, Priscila Leal, Roberta Cabreira, Roberta Fofonka, Roberta Oliveira, Sabrina Benedetti, Sarah Souza, Shana Sudbrack, Tauana Saldanha, Thamires Tancredi, Vanessa Schenkel, Yajna Moreira.

Laboratório convergente da Famecos

www.pucrs.br/famecos/editorialjeditorial J

que ele se torne cada vez mais

uma forma de arte, uma busca

estética. Outras plataformas,

como o cinema e o rádio,

passaram por processo

similar quando surgiu a

televisão, e todos esses, mais

recentemente, estão revendo

seus formatos e linguagens

por conta da disseminação da

internet.

A hegemonia da era

do impresso acabou, pois

há um consumo relevante

de informações por meio

de suportes digitais. O

estabelecimento de uma

era implica que haja um

período característico antes

e outro depois. Estamos

vivenciando a transição para

a era digital, e ainda falta

muito para que a humanidade

prescinda do papel. Até lá, no

entanto, muitas árvores serão

derrubadas. EJ

Eric McLuhan esteve presente no SEICOM 2011

Um Celta preto me esperava na esquina da Castro

Alves com Miguel Tostes. Cada vez que passo por

essas ruas, abençoadas por tanta beleza, eu respiro

tranquilidade. Naquele dia, não estava tão tranquila

assim. Seguia ao encontro do homem que ia me

apresentar ao bairro Umbu, de Alvorada, e ao projeto Photo da

Lata. Algumas pessoas tremeram quando eu disse que faria uma

Eu

buscava informações sobre um projeto social, mas entrei numa

trama tão cheia de variáveis que quase não conseguia explicar

o que eu tinha visto ou sentido. Descobri que não se tratava de

um bairro ou projeto, mas de um universo complexo, a vida de

pessoas. Prazer, eu sou a Bruna. Prazer, Jorge de Aguiar, fotógrafo.

Eu fui com o intuito de escutar, observar, interpretar. Levei

uma câmera, mas não tinha roteiro, nem microfone. Tinha

perguntas que poderiam nortear uma possível reportagem, que

me fazia enquanto pegava o ônibus Porto Alegre–Alvorada,

quando não tinha carona. Nesses 50 minutos, enfrentava

um colapso de pensamentos. Para que lado caminharia a

reportagem? E o projeto? E as crianças? E o bairro? Tinha

alguns protagonistas em mente para conversar e tentar criar

sinapses. Tinha uma teoria: projeto social é a salvação da

periferia e o problema é do governo, ou sei lá de quem, que não

apoia nada. Então, fui colecionando fotos, frases, movimentos,

ideias e desconstruindo suposições. Aos poucos, percebi que

periferia e teoria não combinam. Entendi que a identidade, ou

a falta dela, nas comunidades periféricas é única e, arriscaria

dizer aqui, quase sempre paradoxal.

Observei Aguiar ensinar as crianças em bater fotos tão

bonitas. Descobri mais sobre mim. E obviedades. Acima do

jornalismo existe uma palavra mais forte: comunicação. Para

, me comuniquei

e briguei, primeiramente com meus sentidos, para logo

compartilhar isso com os protagonistas da história. Foi um

prazer, Umbu. (Bruna Valentini) EJ

Page 3: Editorial J - Número 3 - Novembro de 2011

retrato

NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 3

O coronel Pedro Alvarez é a memória viva de um setor do exército brasileiro que se posicionou

contra o fascismo e a violência e sempre lutou por democracia

Texto: Natália Otto Foto: Maria Helena Sponchiado

O capitão do povo

nazista à escola. “Combinamos de sabotar do jeito que desse”, lembra o coronel, que, junto de seus amigos, puxou vaias e esvaziou as salas onde os germânicos davam palestras. “‘Você vai ser preso’, me diziam. Eu retrucava: ‘Pode me prender, que do

’”.Depois de formado na Escola

Militar, Alvarez voltou ao Rio Grande do Sul, para servir no então 3º Exército. Ao chegar ao Sul,

péssimo estado das tropas. O fato apenas fez aumentar sua preocupação com as transformações sociais e a democracia. “Infelizmente, depois do Estado

Novo, a mentalidade dos novos militares era, em sua maioria, voltada para o fascismo”, lamenta. O apelido de “capitão do povo” foi cunhado em Santa Maria (RS), quando ele interviu em uma greve ferroviária e impediu a prisão dos envolvidos, enfrentando militares.Após o golpe de 1964, Alvarez,

que fugira para o Uruguai com a ajuda de um amigo médico, por medo de ser preso devido a suas posiçõesMontevidéu e resolveu retornar ao Brasil. Mas não voltou de mãos abanando. O amigo Jango pagou uma peruca caríssima, para que

ser reconhecido. O disfarce não adiantou muito e

Alvarez foi detido assim que chegou em casa, em Porto Alegre. Soldados colocaram um saco em sua cabeça e o agrediram – mas somente até ele conseguir se soltar e dar uns socos no agressor. A prisão durou pouco mais de um mês. Hoje, Pedro Alvarez vive em

sua casa em Porto Alegre, cercado de retratos antigos de uma vida de luta pela democracia. Apesar da seriedade de suas causas, o coronel nunca perde o bom humor ao reconstituir as lembranças. Sua história preferida, e que resume bem a irreverência com que lidou com o Exército e os fascistas ao longo dos anos, aconteceu logo depois da redemocratização, em 1985.Ele andava pela Rua da Praia,

no centro de Porto Alegre, quando cruzou com um antigo general que conhecia. “Eu sabia que ele sempre fora contra mim, e mesmo assim ele teve peito de me cumprimentar com um sorriso”, lembra. O coronel não teve dúvida: “Meti um pontapé na bunda dele e saí caminhando”. EJ

Numa noite do triste ano de 1964, uma ambulância tentava cruzar a fronteira do sul do país, em Rivera, para entrar no Uruguai. “O senhor não é o coronel Pedro Alvarez?”, cochichou um soldado que patrulhava a fronteira. O homem dentro da

ambulância, com um gesso falso na perna, nada disse.“O senhor não é o coronel Pedro Alvarez?”, o militar perguntou

de novo, mais baixo. O engessado não precisou dizer nada. Logo o soldado que o questionava ergueu a voz e gritou para os colegas, que conduziam a busca: “Termina a revista aí. Estão passando um homem ferido”. E disse ao ouvido do homem que ajudou: “Coronel, um breve regresso e um abraço aos companheiros!”Este e outros episódios da vida do coronel Pedro Alvarez, 93

anos, são partes pouco lembradas da história brasileira. Alvarez foi um militar que resistiu aos militares. Um soldado democrata, antinazista e antifascista, de esquerda – chamado por seus pares de “comunista”, numa época em que a palavra era uma maldição. Por este motivo, o coronel enfrentou perseguições, foi exilado, esteve preso e sofreu agressões. Pelo mesmo motivo, criou uma rede silenciosa de aliados que resistiram junto dele.Alvarez nasceu em Santana do Livramento, no Rio Grande do

Sul, em 1918. Ele, que nunca teve aspirações de se tornar soldado, acabou ingressando no Colégio Militar de Porto Alegre para acompanhar o irmão mais novo. De lá, os dois foram para a Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, em 1932. A preocupação humanista de Alvarez sempre o fez proteger os

mais fracos e, mais de uma vez, o colocou em situações delicadas perante seus instrutores. Em 1935, o anticomunismo atingiu seu auge, assim como a sua fama de esquerdista. “Eu era taxado de comunista, porque era muito contra o fascismo”, explica. “Eu era

também virei uma espécie de líder para quem concordava comigo.” Dentre suas ações “subversivas” na escola militar, estão os

que tratava muito mal a seus alunos;; a proteção dos bixos da Escola de trotes humilhantes, apesar dos protestos dos veteranos;; e a organização de um boicote à visita de militares alemães do exército

+Assista ao documentário sobre a

vida do coronel Alvarez, com muitas

outras histórias, no site

www.pucrs.br/famecos/editorialj

A posição de

prestígio no

Exército, apesar

de suas ideologias

controversas,

colocou Alvarez

na companhia de

históricas. Ele

enfrentou o general

Costa e Silva –

futuro ditador, na

época comandante

da Escola de

Motomecanização

que cursava – e

disse, em sua cara,

que não contasse

com ele para

o golpe que os

militares armavam

contra Getúlio

Vargas, em 1945.

O coronel Alvarez

também esteve

sentado à mesa

na antológica

reunião entre o

ex-­governador

do Rio Grande do

Sul Leonel Brizola

e Jango Goulart,

em Porto Alegre,

no momento em

que o presidente

decidira não resistir

ao golpe de 64 e

ir para o exílio no

Uruguai. Brizola,

furioso com Jango,

teria dito a ele: “Tu

nunca mais vais

voltar a este país,

traidor!”. Alvarez

contra Brizola

nesse momento e

explica: “Isso não

é coisa de se dizer

ao presidente”.

Exagero ou não, a

profecia de Brizola

se cumpriu: Jango

morreu em 1976,

na Argentina, sem

retornar ao Brasil.

O coronel Pedro Alvarez ainda se emociona ao recordar dos acontecimentos e profere discursos inflamados

Page 4: Editorial J - Número 3 - Novembro de 2011

O Editorial J conversou, em sua primeira edição, com a jornalista e tradutora Katarina Peixoto, que tirou um

homem das ruas de Porto Alegre. Dois meses depois, Valdir de Freitas Oliveira conta como vai a nova vida

Texto: Natália Otto Fotos: Priscila Leal

V aldir de Freitas Oliveira, 53 anos, espalha sobre a cama os retratos que fez

de suas duas cachorras, Isabel e Princesa, e da horta dos fundos da própria casa, que transformou em paisagem de cinema. Seriam apenas fotos comuns, feitas sem apuro técnico, se não fossem a metáfora da vida de um homem que reaprendeu a olhar – e a se ver. Há menos de sete meses, Valdir não tinha colchão onde improvisar sua galeria nem câmera para capturar a vivacidade das companheiras. Antes de junho deste ano, ele dormia na rua. Esta é uma história sobre

pontes – entre uma mulher e um homem, entre um homem e sua cachorra, entre um homem e a rua. A cadela Princesa é o pivô da fábula de Valdir. Ele a resgatou

criança, não admito que se maltrate os animais”, indigna-­se.

Por causa da saúde frágil do animal, a carregava em cima do inseparável carrinho onde juntava o lixo dos outros para transformar em sustento. Foi a imagem de Princesa em cima de seu palácio de lixo

que chamou a atenção da jornalista e tradutora Katarina Peixoto, 39 anos. O afeto com que Valdir tratava a cadela a fez enxergar o homem por trás da máscara de sujeira e desumanidade da rua. Ele morava nas calçadas do Bom Fim, em Porto Alegre, há 11 anos e conhecia todos da região: moradores de rua ou não, lojistas, passantes. Mas ninguém nunca olhara para ele como Katarina. A gente estava assim, na rua, ela e os cachorrinhos dela,

eu e o meu, e ela começou a brincar com a Princesa, que vai com todo mundo”, conta em tom de casualidade. Unidos pelo amor aos bichos, Katarina e Valdir começaram a conversar. Contou a ela como acabou na rua, embora a história seja um pouco embaçada pela memória e pelo ressentimento. Brigara com a família lá de Guarani das Missões, sua terra natal, e

irmãos e com a mão que eu dei eles estão felizes até hoje, e eu

Vim para cá, estava bem, aí fui indo, fui indo, mas aí depois de um tempo comecei a me atacar da depressão, as coisas que

conta Valdir.”

NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 4

Valdir, 11 anos de rua, e a cadela Princesa, nascida nas calçadas do Bom Fim, comemoram um novo começo na casa alugada em Viamão

Seu Valdir já pode sonhar

Ex-morador de rua comprou câmera com seu dinhero

recomeço

Mas ele se orgulha de não ter caído nas armadilhas da rua: o vício, o crime, a violência.

chocado, mais chocado, mais chocado. Mas nunca me joguei na maldição. Sempre

de cabeça erguida e lutando

Praticamente analfabeto e

na coluna e uma perna coxa, encontrar emprego era um

Page 5: Editorial J - Número 3 - Novembro de 2011

NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 5

Foi uma médica do Programa da Saúde da Família Sem

Domicílio, do SUS, que tratou Valdir enquanto ele ainda dormia

na calçada, diagnosticou sua depressão e lhe deu remédios

que, de acordo com Katarina, “salvaram sua vida”. Depois de

algumas conversas, a jornalista perguntou ao novo amigo se ele

sabia ter direito ao Bolsa Família e ao Benefício de Prestação

Continuada (BPC), salário mínimo oferecido a qualquer pessoa

física ou mental que as tornem incapazes de trabalhar. “E eu

disse: ‘Mas como que eu vou fazer isso?’, e ela me respondeu:

‘Vamos pedir, eu vou contigo, e vais ganhar’. E ela foi, correu, e

deu tudo certo”, alegra-­se.

Levado pela mão da amiga, Valdir foi ao prédio da Fundação

de

quando ainda morava na rua. O resultado sairia somente em

setembro, época em que ele já estava instalado em sua nova

casa. Após o exame médico para avaliar se ele seria de fato

incapaz de trabalhar devido à

BPC, 15 dias de ansiedade se passaram. “Eu estava, assim, num

desespero, achando que não ia dar. Aí fui lá pensando: seja o

que Deus quiser”, relembra.

Quando Valdir chegou à FASC para saber o resultado,

o funcionário disse: “Seu nome está aqui, o benefício foi

aprovado”. “Ah, eu senti como se uma parte que estava me

machucando, me judiando, me esmagando, que não me

deixava dar aquele passo para frente, sabe, tinha ido embora”,

emociona-­se. Mais tarde, o benefício do Bolsa Família também

foi aprovado, totalizando uma renda de dois salários mínimos

por até seis meses (após este tempo, ele terá que optar por

apenas um dos programas).

Com os benefícios encaminhados e o inverno chegando,

Katarina fez uma pergunta direta ao amigo: “Seu Valdir, o

senhor quer sair da rua?”. E ele, mais direto ainda, respondeu:

“Com o maior prazer que

eu tenho”. A jornalista

então reuniu um grupo de

aproximadamente 20 amigos

e, de doação em doação,

conseguiu alugar uma

casa para ele no município

de Viamão, na Região

Metropolitana.

No dia 10 de junho de 2011,

Valdir e Princesa dormiram

abraçados, como faziam nas

ruas – ela aninhada nas costas

dele, com uma pata sobre o

pescoço do dono –, em um

colchão e debaixo de um teto

que podiam chamar de seus

pela primeira vez em 11 anos.

A casa de madeira verde tem

uma sala com cozinha, sofá

e um som com direito até a

com os meus rendimentos,

tenho para me entreter.”),

além de um longo pátio na

frente para Princesa correr

e um espaço nos fundos

para uma horta onde ele

planta alface, tomate e vários

temperos, para presentear

Katarina e os amigos que o

ajudaram.

No quarto, Princesa e a

nova companheira, Isabel,

brincam sobre o colchão macio

da cama de casal onde Valdir

Isabel, aliás, tem uma história

repleta de compaixão, como a

de seu dono: ele a encontrou

na sarjeta, no acostamento

da estrada que leva de Porto

Alegre a Viamão, enquanto

voltava a pé para casa.

“Estava chovendo, eu vinha

pelo acostamento, aí vi um

bichinho encolhidinho na poça

d’água e disse: meu Deus do

céu”, lembra ele. “Achei muito

bonitinho. Eu estava com duas

camisas, tirei uma, enrolei ela,

enxuguei, coloquei no colo e

trouxe para casa.”

Isabel e Princesa viraram

Valdir tira com a câmera

comprada com o próprio

dinheiro e na qual ainda

está aprendendo a mexer.

Katarina e seus amigos

prometeram ajudá-­lo a se

manter na casa durante

sossegado”. “Meu futuro é…

É crescer, né?”, pergunta-­se.

“Para me cuidar durante o

resto da minha vida, ter meu

cantinho.” Muito do dinheiro

já recebido ele diz que gastou

ajudando uma irmã, que veio

Os anos de miséria não

corroeram sua generosidade.

Parado de pé na porta da

nova casa, os olhos de Valdir

lacrimejam ao falar da amiga

que lhe estendeu a mão. “A

Katarina, eu digo na cara dela,

para mim é uma mãe”, fala

emocionado. “De toda aquela

gente da região, eu nunca

pensei, nunca ia imaginar que

alguém ia fazer por mim o

que ela fez.” Katarina rompeu

com a comodidade, com os

olhos sempre acostumados à

dor do outro. Valdir venceu a

física e a humilhação de ser

ninguém. Valdir e Katarina,

juntos, venceram algo mais

devastador do que a miséria.

Venceram o descaso.

Nessas primeiras noites

de verão, Valdir de Freitas

Oliveira dorme com as janelas

de seu palácio abertas,

para deixar os passarinhos

entrarem. EJ

+Leia a matéria anterior sobre Valdir, com entrevista com Katarina Peixoto, na primeira edição do Editorial J impresso, disponível no site:is.gd/SazGrh

Para saber mais sobre a história de Valdir, acesse o blog de Katarina e seus amigos:valdirianas.wordpress.com

Hoje, o ex-morador de rua tem celular e fala frequentemente com a amiga Katarina

Filho de colonos, Valdir tem afinidade com a terra

Vida nova em Viamão

Page 6: Editorial J - Número 3 - Novembro de 2011

A lvorada carrega o estigma de segundo município

em número de homicídios do Estado. Condenado

pela violência, o município é absolvido por um

projeto que começa pelo uso de uma lata. Photo da

lata, Luz Reveladora é o projeto social do fotógrafo

Jorge de Aguiar, que visa promover a autoestima dos moradores

de um dos bairros mais vulneráveis da região, o Umbu.

A proposta é muito simples, ensinar a fotografar com uma

lata e incentivar o resgate da identidade de crianças e moradores

da comunidade. Aguiar entende que a luz revela mais que

impressões distorcidas. Revela realidades familiares e culturais

extremamente paradoxais, da qual o descaso público não é

o único culpado. A falta de esperança que assola o bairro é a

mesma que ameaça a continuidade do projeto desenvolvido há

15 anos na periferia da Grande Porto Alegre.

“Uma característica do método pinhole, o buraco da agulha,

é o olhar solitário. Embora tu tenhas o mundo na mão, pelo

visor da câmera ou através da lata, a ser criado e descoberto,

o processo cansa. Estou em uma fase de reavaliação desta

caminhada e percebo o prazo de validade dela. Talvez seja a hora

de guardar a lata”, lamenta Jorge de Aguiar. O fotógrafo aponta

a total falta de suporte como principal razão para o desgaste

pessoal. “Projeto social não sobrevive apenas de apoio espiritual,

precisamos de recursos para botar as ideias em prática. Se faz

público e com entidades, para dar continuidade às iniciativas.”

Fotojornalista há 35 anos, já passou por diversas redações

da capital, atuou como freelancer e trabalhou no Instituto de

Criminalística. Neste, foi

obrigado a entender a tristeza

e a morte como rotina, o que

não alterou a sensibilidade

e o olhar humano. Aguiar se

odisseia da lata, pois se sente

parte da história do Umbu e

das famílias com que convive.

“Periferia não se explica, se

com seu carro pelas ruas do

bairro, Aguiar é facilmente

reconhecido como “o tio

da lata”. Enquanto captura

imagens dos recantos, alguns

bem problemáticos por causa

naquela área, o fotógrafo

sabe que a moeda de troca

pela liberdade e respeito que

conquistou é fruto de ensinar a

fazer clique.

Embora os efeitos

sejam a longo prazo, um

dos principais objetivos do

projeto é semear curiosidade,

despertar interesses e dar a

NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 6

oportunidade de exercer uma

atividade artística. “Talvez

não saia ninguém interessado

do Photo da Lata. Talvez um

só se empenhe. O importante

mesmo é a alteração que o

curso provoca na percepção

dessas pessoas, mesmo que o

resultado não seja explícito”,

ressalta Aguiar.

O processo de construir

a câmera com uma lata,

entender como funciona e

interessante, segundo Aguiar,

coloca o aluno na posição de

sujeito. “Em comunidades

muito carentes, talvez esse

seja o único protagonismo

da pessoa. Por isso, tenho

pesadelos ao pensar em dar

que me estimula a continuar

ano após ano, apesar das

,

ao trabalho. EJ

luz reveladora

Photo da Lata chega a 15 anosProjeto social do fotógrafo Jorge Aguiar pode ser interrompido, devido a falta de iniciativa e apoio

governamental, apesar dos bons resultados alcançados na vila Umbu, periferia de Alvorada

Texto: Bruna Valentini Fotos: Bruna Valentini e alunos do projeto

Alunos da Escola Normélio Pereira de Barcelos participaram de oficina recentemente Resultados obtidos com a lata são o estímulo de Aguiar

Contradições

O fotógrafo se sente parte da história do bairro Umbu O processo incentiva o protagonismo do participante

Ana Paula Salerno Valaneira,

11 anos, repete o que ouve sobre

seu bairro: “O Umbu é muito

violento, tem muita maldade.” Em

seguida, ela se desmente: “Aqui,

a gente pode brincar na rua que

não tem problema. Tem muito

lugar que já não se pode fazer

isso”.

A contradição do comentário

indica o estereótipo de violência

do Umbu, onde as crianças

ainda vivem na rua com relativa

tranquilidade. Ana participou

da oficina do Photo da Lata,

ministrada na Escola Normélio

Pereira de Barcelos, entre

setembro e outubro deste ano.

Encantada com a mágica de fazer

fotografia com uma lata e com

as histórias do professor, ela quer

conhecer o mundo.

Além de trazer informações

que extrapolam o âmbito da

fotografia, Aguiar estimula a

imaginação dos oficineiros e

objetiva assim reconstruir a

autoimagem e as perspectivas

deles.

Pinhole

Uma câmera pinhole é uma

máquina fotográfica sem lente.

A captação da imagem se dá

através da entrade de luz por um

pequeno orifício de uma caixa

totalmente escura. É um método

simples e barato de fotografar.

Page 7: Editorial J - Número 3 - Novembro de 2011

M aria Gabriela Miranda Oliveira, mãe de

e moradora do Umbu, critica

geral: “A gente tem um problema cultural de

A

ou a

D

governamental,

começaram,

Maria Gabriela Miranda Oliveira, moradora do Umbu

S

compreende a importância

o levar adiante, a atividade

educadora EJ

O professor de

informática Marcos

Silva Vieira explica

que os alunos

trazem do lar uma

visão distorcida

do próprio bairro.

Geralmente as

pessoas não

acreditam que,

em uma escola do

Umbu, se ensine

por exemplo. Marcos

acrescenta que

a comunidade se

esquece da história

da vila, que surgiu

de uma invasão de

território nos anos

1980 e que hoje

abriga cerca de 20

mil pessoas.

“Eles procuram se

adaptar ao restante

da sociedade e,

muitas vezes,

omitem a identidade

do bairro e que

fazem parte dela”,

comenta o professor

Marcos. Os jovens

falam em Justin

Bieber, em YouTube,

Orkut, conhecem

os últimos funks,

carregam tatuagens

e piercings no corpo,

cabelos tingidos,

mas o que ainda

buscam na escola é

comida. Ana Paula

alega que o Umbu

carece mesmo é de

praças para brincar.

Histórico

O projeto Photo da Lata: Instituto Luz

Reveladora é realizado há 15 anos pelo

fotógrafo Jorge de Aguiar nas periferias da

Grande Porto Alegre. Com a reutilização de

e de forma lúdica ele ensina que fotografar

não é apenas apertar um botão. Após

35 anos como laboratorista e fotógrafo

a experiência com jovens em situação

de vulnerabilidade social e começou

projeto. Aposentado do trabalho de perito

ideia quando, em uma de suas jornadas

pediu para ser fotografado, pois necessitava

de um retrato para obter sua carteira de

identidade. Em casa, mais tarde, comentou

a história com a esposa que deu o

empurrãozinho que faltava: “Por que tu não

ensina essas crianças a fotografar?”.

Assista ao documentário sobre Jorge Aguiar

e o Photo da Lata -­ Luz Reveladora:

is.gd/wrNO2b

Veja a galeria de fotos do projeto no site do

Editorial J:

is.gd/9OX0KqCom a câmera da reportagem, os próprios alunos registraram o cotidiano do projeto

NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 7

Page 8: Editorial J - Número 3 - Novembro de 2011

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Para Copsachilis, uma lição que o Brasil poderia aprender com a

Grécia é o conceito democrático: “O Brasil fala em

democracia, mas o que vive não tem nada a ver com democracia”.

Mesmo há 28 anos no Brasil,

Copsachilis mantêm da Grécia um forte

sotaque e um modo de pensar que, segundo ele, é típico de seu

país. “Eu não tenho medo de nada,

qualquer problema vou resolver. A

morte é uma coisa da vida, se morrer amanhã está tudo bem. Eu tento viver hoje, não penso no

amanhã.”

torre de babel

Há 28 anos no Brasil, o grego Nicolas Copsachilis fala sobre as diferenças sociais do Brasil e

de sua terra natal e afirma que a crise financeira da Grécia é um problema cultural

Texto: Francieli Souza Fotos: Felipe Martini

Mais dedicação ao trabalho

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Familiares criticaram a mudança para um país distante

Copsachilis morou dois anos em São Paulo antes de Porto Alegre

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severa

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V

sobre a realidade que vivem os brasileiros

EJ

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Segundo Jorge

Liotti, editor

de política do

coordenador do

curso de jornalismo

da Universidade

Católica Argentina,

a presidente é

conhecida pelo

“pavio curto” com

os jornalistas.

“Cristina não tolera

bem as críticas.

Apesar de apoiar

o governo, vários

veículos publicaram

problemas

no sistema

agropecuário

argentino, em

2008. Os jornais

independentes

sofreram diversas

retaliações.”

vizinhança

Na Argentina, políticas voltadas a reconquistar eleitor original asseguram novo mandato

à presidente Kirchner com 53,9% dos votos, a maior vitória desde a redemocratização do país

Texto: Cassius Zeilmann e Henrique Diebold

Reeleita com mais da metade dos votos, Cristina Kirchner, candidata da Frente para a Vitória, continuará na presidência da Argentina por mais quatro anos. Ela obteve 53,9%, com 36 pontos percentuais de diferença em relação ao segundo

colocado, o socialista Hermes Binner, governador da Província de Santa Fé. Foi a maior vitória de um presidente argentino desde a redemocratização do país, em 1983. Nenhuma surpresa para os argentinos, que desde as primeiras parciais já davam como certa a sua reeleição.Mas o que levou Cristina a receber alto número de votos

na eleição de 23 de outubro? O cientista político e professor da Universidade de Buenos Aires Sergio De Piero explica que

províncias argentinas, onde teria perdido apoio das classes médias e baixas. “Se analisarmos as eleições de 2009, o partido no poder (Frente para a Vitória, chamado de peronista) perdeu em todos os distritos principais, incluindo a capital federal, a província de Buenos Aires, Córdoba, Mendoza e Santa Fé. O

reconquistar seu eleitor original, uma classe mais popular”, avalia. E

aumentar os lucros dos cofres públicos com políticas de forte impacto social, que foi um dos pilares da última gestão. Entre as políticas adotadas estão benefícios econômicos para as famílias

e pensões, aumento dos salários, legalização do casamento entre homossexuais e a estatização da transmissão televisa das partidas de futebol. Sem contar a promessa de dar continuidade aos projetos que estão em andamento desde os governos anteriores. “É um governo transparente. Ela dissolveu o sistema de pensões de capitalização, mostrando publicamente as distribuições. Também criou projetos para ajudar famílias carentes de 3,6 milhões de crianças e reatou um bom relacionamento com setores esquecidos como o campo e indústria”, comenta De Piero. A economia também deverá receber atenção especial neste

segundo mandato. Apoiada pelo forte crescimento do país nos últimos anos, o governo precisa conter os gastos públicos, argumenta o professor. Para muitos analistas, a situação econômica do país garantiu sua reeleição. Com incentivos de consumo e crescimento anual de quase 8% na economia, o governo de Cristina Kirchner reduziu o desemprego de 20% em

Cristina Kirchner pretende aumentar lucros dos cofres públicos

Foto Maxi Failla / AFP

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O relacionamento

com a imprensa

continua sendo um

fator complicado

no governo da

presidente Cristina

Kirchner. Durante

as eleições, houve

divisão entre os

principais jornais no

apoio à reeleição.

Clarín, La Nación

e

críticos de Kirchner,

enquanto Página 12

e Tiempo Argentina

a favor do

novo mandato.

Vitória teve 36% de diferença sobre segundo colocado

2003 para 7% atualmente, enquanto a pobreza teria diminuído de 54% para 8% neste ano. “A ascendência econômica sempre é um fator que favorece na reeleição de um presidente. Aliado ao fator populista, foram os grandes méritos para ela se manter no poder”, analisa o cientista político César Filomena, professor da UFRGS.País de cerca de 40 milhões

de habitantes, a Argentina viveu uma crise política e econômica inédita nos anos de 2001 e 2002. O então presidente Nestor Kirchner, marido de Cristina, morto em 2010, assumiu em 2003 coincidindo com o aumento das exportações, principalmente, de soja à China, gerando maiores recursos para o caixa do país. “Apesar da família política tradicional e das semelhanças com Evita Perón,

Cristina tem luz própria como presidente”, assinala Filomena.A Argentina segue os moldes

populistas que foram bem sucedidos com o ex-­presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. “A América Latina caminha

Filomena. A tendência são projetos sociais voltadas para as classes menos favorecidas e políticas econômicas com os países próximos. Para Filomena, o Brasil continua sendo um dos principais aliados. As primeiras palavras de agradecimento de candidato reeleita foram para a presidente brasileira Dilma Rousseff. “A Argentina vai ter que continuar dialogando conosco. Quem dá as cartas na América Latina é o Brasil, eles não sobrevivem sem nós”, pondera Filomena. EJ

Foto Daniel Garcia / AFP

Foto Juan Mabromata / AFP

Projetos sociais garantem reeleição histórica de Cristina

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A Cansei de Ser Sexy teve músicas veiculadas em

muitas plataformas. Uma canção foi

incluída no seriado de Paris Hilton na Fox (“The Simple Life”), outra no jogo “The Sims 2: Vida Noturna” e um dos hits da

banda, “ ”, chegou a tocar no Big Brother Brasil 6.

O comercial amador do iPod Touch, que tem a música “Music is my hot sex”, foi o primeiro vídeo na história do site YouTube a receber 100 milhões de

visitas.

lado b

Para conquistar o público estrangeiro, artistas nacionais compõem músicas em inglês e outros idiomas

quatro mudou quando um produtor da MTV italiana se interessou pela banda e a convidou para gravar um disco na Itália. Hoje a banda vive em Milão e tem no currículo dois CDs gravados, mais de 300 shows pela Itália, Brasil, Bélgica, Portugal e República Checa.A Bonde do Rolê começou a fazer sucesso após colocarem

suas músicas no site MySpace. Em 2006, o DJ americano Diplo apadrinhou a banda, lançando um CD promocional e um vinil pelo selo Mad Decent. “Foi ele que nos levou para fazer turnê nos Estados Unidos e Canadá. Na época foi um ‘selo de aprovação, cala a boca’ para as pessoas que falavam mal da gente”, explica Rodrigo Gorky, um dos integrantes do grupo. A banda já foi elogiada pela revista Rolling Stone e pelo jornal The New York Times. O Exterior proporciona maiores possibilidades. “A estrutura lá fora é muito melhor, você pode fazer uma turnê e tocar de segunda a segunda, mas ainda espero que o Brasil chegue nesse nível”, desabafa Gorky.A Cansei de Ser Sexy é uma das bandas de maior

repercussão internacional. As músicas cantadas em inglês renderam a assinatura de contrato com a gravadora Sub Pop, a mesma que lançou o Nirvana. Fernando Moreno, agente da vocalista Lovefoxxx no Brasil, acredita que ser brasileiro é um diferencial para seduzir os ouvidos estrangeiros. “Existe uma certa curiosidade e um certo charme, digamos, pelo que vem do Brasil”, acredita. Para o empresário, o mercado no Exterior proporciona mais oportunidades que o nacional. “Apesar da grande concorrência lá fora, aqui é mais difícil. Vai desde a estrutura das casas, a oportunidade escassa, o valor dos ingressos, a abertura da mídia.” EJ

Cansei de Ser Sexy, Bonde do Rolê e Selton são exemplos de bandas brasileiras que alcançaram

repercussão internacional antes de atingirem reconhecimento em seu próprio país

Texto: Felipe Martini

Sucesso tipo exportação

Tocar em bares, ser descoberto por um agente, assinar contrato com uma grande gravadora

e fazer sucesso em todo o Brasil. A tradicional trajetória para o estrelato adotada por muitas bandas brasileiras foi reinventada. É o caso das bandas Selton, Bonde do Rolê e Cansei de Ser Sexy, que optaram por conquistar o sucesso no Exterior para somente depois retornar a terras tupiniquins e buscar um lugar ao sol.A banda Selton, formada

por quatro gaúchos, começou há sete anos em Barcelona. “Nós tínhamos trancado a faculdade e fomos fazer intercâmbio na Espanha. Em vez de trabalharmos como garçons, resolvemos tocar covers de Beatles no Parque Guell, para ganharmos alguns trocados”, conta o baterista Daniel Plentz. A rotina dos A Selton faz indierock em italiano

Foto Roberto Raskin / Arquivo Pesso

al

Foto Felip

e Martini

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sobre rodas

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A culpa é da mamãe

Marreta concilia a profissão de projetista de circuitos eletrônicos com o esporte

Aos 57 anos, o skatista Sérgio Marreta não desiste do esporte do coração, nem mesmo depois de um sério

acidente que o deixou paraplégico por quase três meses e destruiu todos os ossos do pé direito

Texto e fotos: Priscila Leal

shape foi feito de uma tábua de madeira e as rodinhas, dos patins da minha irmã. Fui eu mesmo quem fez”, conta orgulhoso.Era sexta-­feira, cinco horas. O conhecido esportista se

preparava para mais um dia de competição. Dia de céu

uma vitamina com banana e colocou o equipamento – macacão de couro, cotoveleiras, joelheiras, protetor peitoral e de coluna, luvas reforçadas, capacete integral com queixeira – que, de acordo com Marreta, parece com a proteção de um gladiador a caminho do abate de um leão. Saiu de casa. inha 52 anos. Uma vida em cima de shapes. Naquela

mesma manhã, desceu com seu luge board – modalidade em que se deita na pequena prancha – a ladeira do Campeonato

Alegre. Marreta nem imaginava que, a uma velocidade

seus pés, coluna e costelas destruídos. Naquele dia, não voltou para casa. Nem no seguinte. Ficou

meses. Saiu de lá, segundo o seu médico, com 5% de chance de voltar a caminhar e praticamente nenhuma de voltar para o

pés. Ele não aceitou e não apenas caminhou, como voltou para o seu esporte preferido. É claro, conseguiu isso depois de uma

H

acidente, mas pela força de vontade do homem que, com 57 anos de vida e alegria de criança, não desistiu da paixão por causa das dores ou traumas de um acidente terrível. A admiração e o respeito entre os garotos é grande. São várias as limitações que este gladiador ainda sofre, como o pé que, com ossos esfarelados, o obriga a usar palmilha, diminuindo a dor, mas sem neutralizá-­laincentivar os outros frequentadores da pista. “A gente não desiste do que gosta por causa de uma dorzinha qualquer”, explica aos garotos, sabendo que é um exemplo a ser seguido. EJ

Apé culpa da mãe. Assim Sérgio Marreta, 57 anos, explica sua

grande dedicação ao esporte. “Ela me tirou do colo e me embalou no carrinho cantando

que eu quero é o embalo do

ouvido.e cadarços coloridos, pele castigada pelo sol, dentes quebrados pelo acidente e um colete ortopédico com

para proteger suas costas são as marcas de uma vida como

E

chamado de senhor, conta que conheceu o esporte quando

carrinho de rolimã. Foi amor à primeira vista, uma relação que não se rompeu, nem mesmo com o acidente que quase tirou sua vida.O

radical foi um dos primeiros

asfalto sob suas rodinhas, o vento em seu rosto e a adrenalina que se sente descendo uma ladeira em alta velocidade. “Meu primeiro

Com Luiza, amiga que o incentivou a voltar para o skate

Colete protege vértebra que foi quebrada e deslocada

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Artistas das miniaturasBrincadeira vira coisa séria para os plastimodelistas que se divertem produzindo

com perfeição carros, helicópteros e soldados em tamanho diminuto

Texto e fotos: Roberta Fofonka

Entre as grandes construções

de Porto Alegre cresce, com

detalhes marcantes, um mundo

pouco conhecido em que são

produzidos aviões, carros de

combate, Fórmula 1, armas, helicópteros

miniaturas do grupo Gruta Estirênica, onde

se encontram os plastimodelistas Rogério

Marczak, Rodrigo Bezerra, Eduardo Blanco,

Fabrício Fay, Volmir Batista e outros mais

ou menos assíduos às reuniões, realizadas

numa cobertura alugada especialmente para

O modelismo é a recriação, em escala

menor, de carros, aviões, armas e soldados

suas características o

possível às originais e, principalmente,

monta suas peças com base num kit (no

uma caixa de papelão contendo manual de

instruções para montagem e as principais

da Gruta Estirênica no site do modelista Rato:www.ratomodeling.com

Fmodelista de figuras. Pinta personagens em miniatura e inclusive esteve na Espanha fazendo cursos para aprimorar a técnica. No caso

consumidor, se tornou importador de figuras. Acom cerca de seis

faz pinturas por encomenda. Além da Gruta Estirênica, tem um grupo próprio voltado apenas para a pintura dos personagens.

dele emlosfigureros.

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Os modelistas da Gruta Estirênica alugam uma peça para a prática do modelismo

repaginada

Uma miniatura pode levar anos para ser concluída

A pesquisa vem antes, pois,

imprescindível conhecer cada

pedaço do avião ou do carro de

Gruta Estirênica não proporciona

das miniaturas, mas também uma

aula de história, artes e e

o doutor em

mecânica computacional Rogério

do modelismo não é das melhores,

conseguir kits, peças e ornamentos

é preciso buscar no Exterior, o que

na maioria das vezes custa

administrador de empresas Rodrigo

Bezerra, 39, gasta cerca de R$

600 mensais no hobby e produz,

Rodrigo, terceiro de uma geração de

modelistas que transmite o hobby

adquirir um apartamento maior

para acomodar seus modelos mais

A relação de criador e criatura

É possível que o modelista passe

de alguns meses até anos para

concluir uma peça, o que exige um

O subtenente do Exército Volmir

pel

o princípio de que é melhor ter

para a

qualidade do meu trabalho e não me

Entre as risadas e brincadeiras

que envolvem o encontro do grupo,

compromete a evolução em longo

devido às habilidades motoras que

que a cultura brasileira encara o

modelismo como um brinquedo e

passatempo, é uma atividade

Volmir

completa:

poucos que conseguiram ultrapassar

EJ

+

Gruta Estirênica no site do Editorial J: