Editorial J - Número 3 - Novembro de 2011
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skate DOR NÃO TIRA MARRETA DAS PISTAS
bandasSUCESSO LÁ FORA
“Capitão do povo” conta como era
ser militar de esquerda
na ditadura /3
Ex-morador de rua cultiva horta e curte a vida, agora
com endereço/4 e 5
Foto Priscila Leal
Foto Maria Helena Sponchiado
história casa
/11/10
Projeto usa lata para ver o novo
As oficinas foram desenvolvidas após Jorge ser incentivado pela esposa a ensinar crianças como fotografar
Foto Bruna Valentini
O Photo na Lata, projeto social de Jorge Aguiar que leva o ensino da fotografia para
a vila Umbu, em Alvorada, completa 15 anos. Apesar de possibilitar uma nova
visão de mundo para quem olha através da lata, a falta de apoio do poder público e a
baixa dedicação da população desestimulam o fotógrafo. /Central NOVE
MBR
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Foto Priscila Leal

Paradoxos do Umbu
NOVEMBRO DE 2011/ PÁGINA 2
Repórter Bruna Valentini com alunos de fotografia
papo de redação
Foto aluno do Photo da Lata
A era do impresso acabouTexto: Igor Grossmann Foto: Fernanda Becker
Aafirmação do
título, proferida
por Eric McLuhan
no XI Seminário
Internacional
de Comunicação (SEICOM),
promovido pela Famecos-
PUCRS em novembro, pauta
novamente a discussão sobre
o fim do papel como meio de
disseminação e preservação
de conteúdo. Porém, como
disse McLuhan, esta não é
uma notícia ruim. Talvez nem
notícia seja, porque somente
em um dia distante de hoje,
quando já não houver mais
indivíduos alfabetizados a
partir do suporte impresso, é
que esta declaração de óbito
poderá ser atestada por um
letrista.
O e-paper não matará publicações impressas,
da mesma maneira que a
fotografia não eliminou a
pintura e nem a televisão, o
cinema. É possível constatar
esta realidade ao analisar as
prateleiras de uma livraria,
onde se encontram livros
que foram gerados a partir
de publicações em blogs e
manuais de instruções de
como se fazer algo na internet.
Paradoxal, pois o mesmo
conteúdo pode ser encontrado
diretamente na web. Trata-
se de um indicativo de que
um período totalmente
digital ainda está longe de ser
realidade.
Não se tem registros de
genocídio de suportes de
comunicação. Em vez disso,
há uma coexistência de mídias
que possibilita o alargamento
do leque comunicacional
humano. A perspectiva de
McLuhan para o impresso é
expediente Editor: Fábio CanattaCoordenadora de produção: Ivone CassolProjeto gráfico: Luiz Adolfo Lino de SouzaProfessores responsáveis: André Pase, Elson Sempé Pedroso, Fabio Canatta, Geórgia Santos, Ivone Cassol, João Brito, Marcelo Träsel, Marco Villalobos, Sergio Stosch e Vitor Necchi.
EQUIPE DE ALUNOS
Editores: André Pasquali, Bolívar Abascal Oberto, Felipe Martini, Igor Grossmann, Maria Helena Sponchiado e Natália Otto.
Jornal mensal da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Avenida Ipiranga, 6681, Porto Alegre-RS.Reitor: Ir. Joaquim ClotetVice-reitor: Ir. Evilázio TeixeiraPró-reitora de Graduação: Solange Medina KetzerFAMECOS
Diretora: Mágda Rodrigues da CunhaCoordenador do curso de
Jornalismo: Vitor NecchiCoordenador do Espaço
Experiência: Fábian Chelkanoff ThierImpressão: Apoio Zero Hora Editora Jornalística
Repórteres: Aline Ferreira de Mello, Aline Vargas, Alvaro Cuyás, Ana Karina Giacomelli, Bárbara Pustai, Barbara Winckler, Bibiana Borba Lopes, Bruna Valentini, Brunna Weisheimer, Camila Borges, Carlos Eduardo de Oliveira, Carolina Teixeira, Cassio Santatevam, Cassius Zeilmann, Débora Backes, Débora Fogliatto, Eduardo Paganella, Eduardo Schiefelbein, Fernanda Cardoso, Fernanda Maciel, Filipe Karam, Gabriela Dal Bosco Sitta, Gabriela Schiavi, Gabriel Ludwig, Giordano Tronco, Guilherme Hamm, Henrique Diebold, Igor Goulart, Janaina Azevedo, João Veppo Neto, Jorge Sanz, Julia Corso, Julia Merker, Julia Schwarz, Juliana Gonçalves, Juliana Palma,
Karen Aldrigui, Karen Vidaleti, Karine Paixão, Laís Auler, Laura D’Angelo, Laila Dubina, Laura Ferla, Leonardo Fister, Leonardo Pietrowski, Lisiane Lisboa, Lorenço Oliveira, Lucas Martins da Costa, Manuela Schroeder Kuhn, Marcelo Sarkis, Marco Antonio Mello, Maria Bravo, Maria Homem de Mello, Mariana Fontoura, Marina Torres Azevedo, Martina Jung, Matheus Strelow, Mauricio Krahn, Natacha Gomes, Natália Mauro, Nathalie Sulzbach, Nicole Franzoi, Pedro Faustini, Priscila Leal, Roberta Cabreira, Roberta Fofonka, Roberta Oliveira, Sabrina Benedetti, Sarah Souza, Shana Sudbrack, Tauana Saldanha, Thamires Tancredi, Vanessa Schenkel, Yajna Moreira.
Laboratório convergente da Famecos
www.pucrs.br/famecos/editorialjeditorial J
que ele se torne cada vez mais
uma forma de arte, uma busca
estética. Outras plataformas,
como o cinema e o rádio,
passaram por processo
similar quando surgiu a
televisão, e todos esses, mais
recentemente, estão revendo
seus formatos e linguagens
por conta da disseminação da
internet.
A hegemonia da era
do impresso acabou, pois
há um consumo relevante
de informações por meio
de suportes digitais. O
estabelecimento de uma
era implica que haja um
período característico antes
e outro depois. Estamos
vivenciando a transição para
a era digital, e ainda falta
muito para que a humanidade
prescinda do papel. Até lá, no
entanto, muitas árvores serão
derrubadas. EJ
Eric McLuhan esteve presente no SEICOM 2011
Um Celta preto me esperava na esquina da Castro
Alves com Miguel Tostes. Cada vez que passo por
essas ruas, abençoadas por tanta beleza, eu respiro
tranquilidade. Naquele dia, não estava tão tranquila
assim. Seguia ao encontro do homem que ia me
apresentar ao bairro Umbu, de Alvorada, e ao projeto Photo da
Lata. Algumas pessoas tremeram quando eu disse que faria uma
Eu
buscava informações sobre um projeto social, mas entrei numa
trama tão cheia de variáveis que quase não conseguia explicar
o que eu tinha visto ou sentido. Descobri que não se tratava de
um bairro ou projeto, mas de um universo complexo, a vida de
pessoas. Prazer, eu sou a Bruna. Prazer, Jorge de Aguiar, fotógrafo.
Eu fui com o intuito de escutar, observar, interpretar. Levei
uma câmera, mas não tinha roteiro, nem microfone. Tinha
perguntas que poderiam nortear uma possível reportagem, que
me fazia enquanto pegava o ônibus Porto Alegre–Alvorada,
quando não tinha carona. Nesses 50 minutos, enfrentava
um colapso de pensamentos. Para que lado caminharia a
reportagem? E o projeto? E as crianças? E o bairro? Tinha
alguns protagonistas em mente para conversar e tentar criar
sinapses. Tinha uma teoria: projeto social é a salvação da
periferia e o problema é do governo, ou sei lá de quem, que não
apoia nada. Então, fui colecionando fotos, frases, movimentos,
ideias e desconstruindo suposições. Aos poucos, percebi que
periferia e teoria não combinam. Entendi que a identidade, ou
a falta dela, nas comunidades periféricas é única e, arriscaria
dizer aqui, quase sempre paradoxal.
Observei Aguiar ensinar as crianças em bater fotos tão
bonitas. Descobri mais sobre mim. E obviedades. Acima do
jornalismo existe uma palavra mais forte: comunicação. Para
, me comuniquei
e briguei, primeiramente com meus sentidos, para logo
compartilhar isso com os protagonistas da história. Foi um
prazer, Umbu. (Bruna Valentini) EJ

retrato
NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 3
O coronel Pedro Alvarez é a memória viva de um setor do exército brasileiro que se posicionou
contra o fascismo e a violência e sempre lutou por democracia
Texto: Natália Otto Foto: Maria Helena Sponchiado
O capitão do povo
nazista à escola. “Combinamos de sabotar do jeito que desse”, lembra o coronel, que, junto de seus amigos, puxou vaias e esvaziou as salas onde os germânicos davam palestras. “‘Você vai ser preso’, me diziam. Eu retrucava: ‘Pode me prender, que do
’”.Depois de formado na Escola
Militar, Alvarez voltou ao Rio Grande do Sul, para servir no então 3º Exército. Ao chegar ao Sul,
péssimo estado das tropas. O fato apenas fez aumentar sua preocupação com as transformações sociais e a democracia. “Infelizmente, depois do Estado
Novo, a mentalidade dos novos militares era, em sua maioria, voltada para o fascismo”, lamenta. O apelido de “capitão do povo” foi cunhado em Santa Maria (RS), quando ele interviu em uma greve ferroviária e impediu a prisão dos envolvidos, enfrentando militares.Após o golpe de 1964, Alvarez,
que fugira para o Uruguai com a ajuda de um amigo médico, por medo de ser preso devido a suas posiçõesMontevidéu e resolveu retornar ao Brasil. Mas não voltou de mãos abanando. O amigo Jango pagou uma peruca caríssima, para que
ser reconhecido. O disfarce não adiantou muito e
Alvarez foi detido assim que chegou em casa, em Porto Alegre. Soldados colocaram um saco em sua cabeça e o agrediram – mas somente até ele conseguir se soltar e dar uns socos no agressor. A prisão durou pouco mais de um mês. Hoje, Pedro Alvarez vive em
sua casa em Porto Alegre, cercado de retratos antigos de uma vida de luta pela democracia. Apesar da seriedade de suas causas, o coronel nunca perde o bom humor ao reconstituir as lembranças. Sua história preferida, e que resume bem a irreverência com que lidou com o Exército e os fascistas ao longo dos anos, aconteceu logo depois da redemocratização, em 1985.Ele andava pela Rua da Praia,
no centro de Porto Alegre, quando cruzou com um antigo general que conhecia. “Eu sabia que ele sempre fora contra mim, e mesmo assim ele teve peito de me cumprimentar com um sorriso”, lembra. O coronel não teve dúvida: “Meti um pontapé na bunda dele e saí caminhando”. EJ
Numa noite do triste ano de 1964, uma ambulância tentava cruzar a fronteira do sul do país, em Rivera, para entrar no Uruguai. “O senhor não é o coronel Pedro Alvarez?”, cochichou um soldado que patrulhava a fronteira. O homem dentro da
ambulância, com um gesso falso na perna, nada disse.“O senhor não é o coronel Pedro Alvarez?”, o militar perguntou
de novo, mais baixo. O engessado não precisou dizer nada. Logo o soldado que o questionava ergueu a voz e gritou para os colegas, que conduziam a busca: “Termina a revista aí. Estão passando um homem ferido”. E disse ao ouvido do homem que ajudou: “Coronel, um breve regresso e um abraço aos companheiros!”Este e outros episódios da vida do coronel Pedro Alvarez, 93
anos, são partes pouco lembradas da história brasileira. Alvarez foi um militar que resistiu aos militares. Um soldado democrata, antinazista e antifascista, de esquerda – chamado por seus pares de “comunista”, numa época em que a palavra era uma maldição. Por este motivo, o coronel enfrentou perseguições, foi exilado, esteve preso e sofreu agressões. Pelo mesmo motivo, criou uma rede silenciosa de aliados que resistiram junto dele.Alvarez nasceu em Santana do Livramento, no Rio Grande do
Sul, em 1918. Ele, que nunca teve aspirações de se tornar soldado, acabou ingressando no Colégio Militar de Porto Alegre para acompanhar o irmão mais novo. De lá, os dois foram para a Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, em 1932. A preocupação humanista de Alvarez sempre o fez proteger os
mais fracos e, mais de uma vez, o colocou em situações delicadas perante seus instrutores. Em 1935, o anticomunismo atingiu seu auge, assim como a sua fama de esquerdista. “Eu era taxado de comunista, porque era muito contra o fascismo”, explica. “Eu era
também virei uma espécie de líder para quem concordava comigo.” Dentre suas ações “subversivas” na escola militar, estão os
que tratava muito mal a seus alunos;; a proteção dos bixos da Escola de trotes humilhantes, apesar dos protestos dos veteranos;; e a organização de um boicote à visita de militares alemães do exército
+Assista ao documentário sobre a
vida do coronel Alvarez, com muitas
outras histórias, no site
www.pucrs.br/famecos/editorialj
A posição de
prestígio no
Exército, apesar
de suas ideologias
controversas,
colocou Alvarez
na companhia de
históricas. Ele
enfrentou o general
Costa e Silva –
futuro ditador, na
época comandante
da Escola de
Motomecanização
que cursava – e
disse, em sua cara,
que não contasse
com ele para
o golpe que os
militares armavam
contra Getúlio
Vargas, em 1945.
O coronel Alvarez
também esteve
sentado à mesa
na antológica
reunião entre o
ex-governador
do Rio Grande do
Sul Leonel Brizola
e Jango Goulart,
em Porto Alegre,
no momento em
que o presidente
decidira não resistir
ao golpe de 64 e
ir para o exílio no
Uruguai. Brizola,
furioso com Jango,
teria dito a ele: “Tu
nunca mais vais
voltar a este país,
traidor!”. Alvarez
contra Brizola
nesse momento e
explica: “Isso não
é coisa de se dizer
ao presidente”.
Exagero ou não, a
profecia de Brizola
se cumpriu: Jango
morreu em 1976,
na Argentina, sem
retornar ao Brasil.
O coronel Pedro Alvarez ainda se emociona ao recordar dos acontecimentos e profere discursos inflamados

O Editorial J conversou, em sua primeira edição, com a jornalista e tradutora Katarina Peixoto, que tirou um
homem das ruas de Porto Alegre. Dois meses depois, Valdir de Freitas Oliveira conta como vai a nova vida
Texto: Natália Otto Fotos: Priscila Leal
V aldir de Freitas Oliveira, 53 anos, espalha sobre a cama os retratos que fez
de suas duas cachorras, Isabel e Princesa, e da horta dos fundos da própria casa, que transformou em paisagem de cinema. Seriam apenas fotos comuns, feitas sem apuro técnico, se não fossem a metáfora da vida de um homem que reaprendeu a olhar – e a se ver. Há menos de sete meses, Valdir não tinha colchão onde improvisar sua galeria nem câmera para capturar a vivacidade das companheiras. Antes de junho deste ano, ele dormia na rua. Esta é uma história sobre
pontes – entre uma mulher e um homem, entre um homem e sua cachorra, entre um homem e a rua. A cadela Princesa é o pivô da fábula de Valdir. Ele a resgatou
criança, não admito que se maltrate os animais”, indigna-se.
Por causa da saúde frágil do animal, a carregava em cima do inseparável carrinho onde juntava o lixo dos outros para transformar em sustento. Foi a imagem de Princesa em cima de seu palácio de lixo
que chamou a atenção da jornalista e tradutora Katarina Peixoto, 39 anos. O afeto com que Valdir tratava a cadela a fez enxergar o homem por trás da máscara de sujeira e desumanidade da rua. Ele morava nas calçadas do Bom Fim, em Porto Alegre, há 11 anos e conhecia todos da região: moradores de rua ou não, lojistas, passantes. Mas ninguém nunca olhara para ele como Katarina. A gente estava assim, na rua, ela e os cachorrinhos dela,
eu e o meu, e ela começou a brincar com a Princesa, que vai com todo mundo”, conta em tom de casualidade. Unidos pelo amor aos bichos, Katarina e Valdir começaram a conversar. Contou a ela como acabou na rua, embora a história seja um pouco embaçada pela memória e pelo ressentimento. Brigara com a família lá de Guarani das Missões, sua terra natal, e
irmãos e com a mão que eu dei eles estão felizes até hoje, e eu
Vim para cá, estava bem, aí fui indo, fui indo, mas aí depois de um tempo comecei a me atacar da depressão, as coisas que
conta Valdir.”
NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 4
Valdir, 11 anos de rua, e a cadela Princesa, nascida nas calçadas do Bom Fim, comemoram um novo começo na casa alugada em Viamão
Seu Valdir já pode sonhar
Ex-morador de rua comprou câmera com seu dinhero
recomeço
Mas ele se orgulha de não ter caído nas armadilhas da rua: o vício, o crime, a violência.
chocado, mais chocado, mais chocado. Mas nunca me joguei na maldição. Sempre
de cabeça erguida e lutando
Praticamente analfabeto e
na coluna e uma perna coxa, encontrar emprego era um

NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 5
Foi uma médica do Programa da Saúde da Família Sem
Domicílio, do SUS, que tratou Valdir enquanto ele ainda dormia
na calçada, diagnosticou sua depressão e lhe deu remédios
que, de acordo com Katarina, “salvaram sua vida”. Depois de
algumas conversas, a jornalista perguntou ao novo amigo se ele
sabia ter direito ao Bolsa Família e ao Benefício de Prestação
Continuada (BPC), salário mínimo oferecido a qualquer pessoa
física ou mental que as tornem incapazes de trabalhar. “E eu
disse: ‘Mas como que eu vou fazer isso?’, e ela me respondeu:
‘Vamos pedir, eu vou contigo, e vais ganhar’. E ela foi, correu, e
deu tudo certo”, alegra-se.
Levado pela mão da amiga, Valdir foi ao prédio da Fundação
de
quando ainda morava na rua. O resultado sairia somente em
setembro, época em que ele já estava instalado em sua nova
casa. Após o exame médico para avaliar se ele seria de fato
incapaz de trabalhar devido à
BPC, 15 dias de ansiedade se passaram. “Eu estava, assim, num
desespero, achando que não ia dar. Aí fui lá pensando: seja o
que Deus quiser”, relembra.
Quando Valdir chegou à FASC para saber o resultado,
o funcionário disse: “Seu nome está aqui, o benefício foi
aprovado”. “Ah, eu senti como se uma parte que estava me
machucando, me judiando, me esmagando, que não me
deixava dar aquele passo para frente, sabe, tinha ido embora”,
emociona-se. Mais tarde, o benefício do Bolsa Família também
foi aprovado, totalizando uma renda de dois salários mínimos
por até seis meses (após este tempo, ele terá que optar por
apenas um dos programas).
Com os benefícios encaminhados e o inverno chegando,
Katarina fez uma pergunta direta ao amigo: “Seu Valdir, o
senhor quer sair da rua?”. E ele, mais direto ainda, respondeu:
“Com o maior prazer que
eu tenho”. A jornalista
então reuniu um grupo de
aproximadamente 20 amigos
e, de doação em doação,
conseguiu alugar uma
casa para ele no município
de Viamão, na Região
Metropolitana.
No dia 10 de junho de 2011,
Valdir e Princesa dormiram
abraçados, como faziam nas
ruas – ela aninhada nas costas
dele, com uma pata sobre o
pescoço do dono –, em um
colchão e debaixo de um teto
que podiam chamar de seus
pela primeira vez em 11 anos.
A casa de madeira verde tem
uma sala com cozinha, sofá
e um som com direito até a
com os meus rendimentos,
tenho para me entreter.”),
além de um longo pátio na
frente para Princesa correr
e um espaço nos fundos
para uma horta onde ele
planta alface, tomate e vários
temperos, para presentear
Katarina e os amigos que o
ajudaram.
No quarto, Princesa e a
nova companheira, Isabel,
brincam sobre o colchão macio
da cama de casal onde Valdir
Isabel, aliás, tem uma história
repleta de compaixão, como a
de seu dono: ele a encontrou
na sarjeta, no acostamento
da estrada que leva de Porto
Alegre a Viamão, enquanto
voltava a pé para casa.
“Estava chovendo, eu vinha
pelo acostamento, aí vi um
bichinho encolhidinho na poça
d’água e disse: meu Deus do
céu”, lembra ele. “Achei muito
bonitinho. Eu estava com duas
camisas, tirei uma, enrolei ela,
enxuguei, coloquei no colo e
trouxe para casa.”
Isabel e Princesa viraram
Valdir tira com a câmera
comprada com o próprio
dinheiro e na qual ainda
está aprendendo a mexer.
Katarina e seus amigos
prometeram ajudá-lo a se
manter na casa durante
sossegado”. “Meu futuro é…
É crescer, né?”, pergunta-se.
“Para me cuidar durante o
resto da minha vida, ter meu
cantinho.” Muito do dinheiro
já recebido ele diz que gastou
ajudando uma irmã, que veio
Os anos de miséria não
corroeram sua generosidade.
Parado de pé na porta da
nova casa, os olhos de Valdir
lacrimejam ao falar da amiga
que lhe estendeu a mão. “A
Katarina, eu digo na cara dela,
para mim é uma mãe”, fala
emocionado. “De toda aquela
gente da região, eu nunca
pensei, nunca ia imaginar que
alguém ia fazer por mim o
que ela fez.” Katarina rompeu
com a comodidade, com os
olhos sempre acostumados à
dor do outro. Valdir venceu a
física e a humilhação de ser
ninguém. Valdir e Katarina,
juntos, venceram algo mais
devastador do que a miséria.
Venceram o descaso.
Nessas primeiras noites
de verão, Valdir de Freitas
Oliveira dorme com as janelas
de seu palácio abertas,
para deixar os passarinhos
entrarem. EJ
+Leia a matéria anterior sobre Valdir, com entrevista com Katarina Peixoto, na primeira edição do Editorial J impresso, disponível no site:is.gd/SazGrh
Para saber mais sobre a história de Valdir, acesse o blog de Katarina e seus amigos:valdirianas.wordpress.com
Hoje, o ex-morador de rua tem celular e fala frequentemente com a amiga Katarina
Filho de colonos, Valdir tem afinidade com a terra
Vida nova em Viamão

A lvorada carrega o estigma de segundo município
em número de homicídios do Estado. Condenado
pela violência, o município é absolvido por um
projeto que começa pelo uso de uma lata. Photo da
lata, Luz Reveladora é o projeto social do fotógrafo
Jorge de Aguiar, que visa promover a autoestima dos moradores
de um dos bairros mais vulneráveis da região, o Umbu.
A proposta é muito simples, ensinar a fotografar com uma
lata e incentivar o resgate da identidade de crianças e moradores
da comunidade. Aguiar entende que a luz revela mais que
impressões distorcidas. Revela realidades familiares e culturais
extremamente paradoxais, da qual o descaso público não é
o único culpado. A falta de esperança que assola o bairro é a
mesma que ameaça a continuidade do projeto desenvolvido há
15 anos na periferia da Grande Porto Alegre.
“Uma característica do método pinhole, o buraco da agulha,
é o olhar solitário. Embora tu tenhas o mundo na mão, pelo
visor da câmera ou através da lata, a ser criado e descoberto,
o processo cansa. Estou em uma fase de reavaliação desta
caminhada e percebo o prazo de validade dela. Talvez seja a hora
de guardar a lata”, lamenta Jorge de Aguiar. O fotógrafo aponta
a total falta de suporte como principal razão para o desgaste
pessoal. “Projeto social não sobrevive apenas de apoio espiritual,
precisamos de recursos para botar as ideias em prática. Se faz
público e com entidades, para dar continuidade às iniciativas.”
Fotojornalista há 35 anos, já passou por diversas redações
da capital, atuou como freelancer e trabalhou no Instituto de
Criminalística. Neste, foi
obrigado a entender a tristeza
e a morte como rotina, o que
não alterou a sensibilidade
e o olhar humano. Aguiar se
odisseia da lata, pois se sente
parte da história do Umbu e
das famílias com que convive.
“Periferia não se explica, se
com seu carro pelas ruas do
bairro, Aguiar é facilmente
reconhecido como “o tio
da lata”. Enquanto captura
imagens dos recantos, alguns
bem problemáticos por causa
naquela área, o fotógrafo
sabe que a moeda de troca
pela liberdade e respeito que
conquistou é fruto de ensinar a
fazer clique.
Embora os efeitos
sejam a longo prazo, um
dos principais objetivos do
projeto é semear curiosidade,
despertar interesses e dar a
NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 6
oportunidade de exercer uma
atividade artística. “Talvez
não saia ninguém interessado
do Photo da Lata. Talvez um
só se empenhe. O importante
mesmo é a alteração que o
curso provoca na percepção
dessas pessoas, mesmo que o
resultado não seja explícito”,
ressalta Aguiar.
O processo de construir
a câmera com uma lata,
entender como funciona e
interessante, segundo Aguiar,
coloca o aluno na posição de
sujeito. “Em comunidades
muito carentes, talvez esse
seja o único protagonismo
da pessoa. Por isso, tenho
pesadelos ao pensar em dar
que me estimula a continuar
ano após ano, apesar das
,
ao trabalho. EJ
luz reveladora
Photo da Lata chega a 15 anosProjeto social do fotógrafo Jorge Aguiar pode ser interrompido, devido a falta de iniciativa e apoio
governamental, apesar dos bons resultados alcançados na vila Umbu, periferia de Alvorada
Texto: Bruna Valentini Fotos: Bruna Valentini e alunos do projeto
Alunos da Escola Normélio Pereira de Barcelos participaram de oficina recentemente Resultados obtidos com a lata são o estímulo de Aguiar
Contradições
O fotógrafo se sente parte da história do bairro Umbu O processo incentiva o protagonismo do participante
Ana Paula Salerno Valaneira,
11 anos, repete o que ouve sobre
seu bairro: “O Umbu é muito
violento, tem muita maldade.” Em
seguida, ela se desmente: “Aqui,
a gente pode brincar na rua que
não tem problema. Tem muito
lugar que já não se pode fazer
isso”.
A contradição do comentário
indica o estereótipo de violência
do Umbu, onde as crianças
ainda vivem na rua com relativa
tranquilidade. Ana participou
da oficina do Photo da Lata,
ministrada na Escola Normélio
Pereira de Barcelos, entre
setembro e outubro deste ano.
Encantada com a mágica de fazer
fotografia com uma lata e com
as histórias do professor, ela quer
conhecer o mundo.
Além de trazer informações
que extrapolam o âmbito da
fotografia, Aguiar estimula a
imaginação dos oficineiros e
objetiva assim reconstruir a
autoimagem e as perspectivas
deles.
Pinhole
Uma câmera pinhole é uma
máquina fotográfica sem lente.
A captação da imagem se dá
através da entrade de luz por um
pequeno orifício de uma caixa
totalmente escura. É um método
simples e barato de fotografar.

M aria Gabriela Miranda Oliveira, mãe de
e moradora do Umbu, critica
geral: “A gente tem um problema cultural de
A
ou a
D
governamental,
começaram,
Maria Gabriela Miranda Oliveira, moradora do Umbu
S
compreende a importância
o levar adiante, a atividade
educadora EJ
O professor de
informática Marcos
Silva Vieira explica
que os alunos
trazem do lar uma
visão distorcida
do próprio bairro.
Geralmente as
pessoas não
acreditam que,
em uma escola do
Umbu, se ensine
por exemplo. Marcos
acrescenta que
a comunidade se
esquece da história
da vila, que surgiu
de uma invasão de
território nos anos
1980 e que hoje
abriga cerca de 20
mil pessoas.
“Eles procuram se
adaptar ao restante
da sociedade e,
muitas vezes,
omitem a identidade
do bairro e que
fazem parte dela”,
comenta o professor
Marcos. Os jovens
falam em Justin
Bieber, em YouTube,
Orkut, conhecem
os últimos funks,
carregam tatuagens
e piercings no corpo,
cabelos tingidos,
mas o que ainda
buscam na escola é
comida. Ana Paula
alega que o Umbu
carece mesmo é de
praças para brincar.
Histórico
O projeto Photo da Lata: Instituto Luz
Reveladora é realizado há 15 anos pelo
fotógrafo Jorge de Aguiar nas periferias da
Grande Porto Alegre. Com a reutilização de
e de forma lúdica ele ensina que fotografar
não é apenas apertar um botão. Após
35 anos como laboratorista e fotógrafo
a experiência com jovens em situação
de vulnerabilidade social e começou
projeto. Aposentado do trabalho de perito
ideia quando, em uma de suas jornadas
pediu para ser fotografado, pois necessitava
de um retrato para obter sua carteira de
identidade. Em casa, mais tarde, comentou
a história com a esposa que deu o
empurrãozinho que faltava: “Por que tu não
ensina essas crianças a fotografar?”.
Assista ao documentário sobre Jorge Aguiar
e o Photo da Lata - Luz Reveladora:
is.gd/wrNO2b
Veja a galeria de fotos do projeto no site do
Editorial J:
is.gd/9OX0KqCom a câmera da reportagem, os próprios alunos registraram o cotidiano do projeto
NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 7

NOVEMBRO DE 2011 / PÁGINA 8
Para Copsachilis, uma lição que o Brasil poderia aprender com a
Grécia é o conceito democrático: “O Brasil fala em
democracia, mas o que vive não tem nada a ver com democracia”.
Mesmo há 28 anos no Brasil,
Copsachilis mantêm da Grécia um forte
sotaque e um modo de pensar que, segundo ele, é típico de seu
país. “Eu não tenho medo de nada,
qualquer problema vou resolver. A
morte é uma coisa da vida, se morrer amanhã está tudo bem. Eu tento viver hoje, não penso no
amanhã.”
torre de babel
Há 28 anos no Brasil, o grego Nicolas Copsachilis fala sobre as diferenças sociais do Brasil e
de sua terra natal e afirma que a crise financeira da Grécia é um problema cultural
Texto: Francieli Souza Fotos: Felipe Martini
Mais dedicação ao trabalho
Ma
u
O
Ho
ê
Familiares criticaram a mudança para um país distante
Copsachilis morou dois anos em São Paulo antes de Porto Alegre
dra ma para o e
levouos
s
s à
a
No
e o
para
primeiro-
severa
O u sua
V
sobre a realidade que vivem os brasileiros
EJ

Segundo Jorge
Liotti, editor
de política do
coordenador do
curso de jornalismo
da Universidade
Católica Argentina,
a presidente é
conhecida pelo
“pavio curto” com
os jornalistas.
“Cristina não tolera
bem as críticas.
Apesar de apoiar
o governo, vários
veículos publicaram
problemas
no sistema
agropecuário
argentino, em
2008. Os jornais
independentes
sofreram diversas
retaliações.”
vizinhança
Na Argentina, políticas voltadas a reconquistar eleitor original asseguram novo mandato
à presidente Kirchner com 53,9% dos votos, a maior vitória desde a redemocratização do país
Texto: Cassius Zeilmann e Henrique Diebold
Reeleita com mais da metade dos votos, Cristina Kirchner, candidata da Frente para a Vitória, continuará na presidência da Argentina por mais quatro anos. Ela obteve 53,9%, com 36 pontos percentuais de diferença em relação ao segundo
colocado, o socialista Hermes Binner, governador da Província de Santa Fé. Foi a maior vitória de um presidente argentino desde a redemocratização do país, em 1983. Nenhuma surpresa para os argentinos, que desde as primeiras parciais já davam como certa a sua reeleição.Mas o que levou Cristina a receber alto número de votos
na eleição de 23 de outubro? O cientista político e professor da Universidade de Buenos Aires Sergio De Piero explica que
províncias argentinas, onde teria perdido apoio das classes médias e baixas. “Se analisarmos as eleições de 2009, o partido no poder (Frente para a Vitória, chamado de peronista) perdeu em todos os distritos principais, incluindo a capital federal, a província de Buenos Aires, Córdoba, Mendoza e Santa Fé. O
reconquistar seu eleitor original, uma classe mais popular”, avalia. E
aumentar os lucros dos cofres públicos com políticas de forte impacto social, que foi um dos pilares da última gestão. Entre as políticas adotadas estão benefícios econômicos para as famílias
e pensões, aumento dos salários, legalização do casamento entre homossexuais e a estatização da transmissão televisa das partidas de futebol. Sem contar a promessa de dar continuidade aos projetos que estão em andamento desde os governos anteriores. “É um governo transparente. Ela dissolveu o sistema de pensões de capitalização, mostrando publicamente as distribuições. Também criou projetos para ajudar famílias carentes de 3,6 milhões de crianças e reatou um bom relacionamento com setores esquecidos como o campo e indústria”, comenta De Piero. A economia também deverá receber atenção especial neste
segundo mandato. Apoiada pelo forte crescimento do país nos últimos anos, o governo precisa conter os gastos públicos, argumenta o professor. Para muitos analistas, a situação econômica do país garantiu sua reeleição. Com incentivos de consumo e crescimento anual de quase 8% na economia, o governo de Cristina Kirchner reduziu o desemprego de 20% em
Cristina Kirchner pretende aumentar lucros dos cofres públicos
Foto Maxi Failla / AFP
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O relacionamento
com a imprensa
continua sendo um
fator complicado
no governo da
presidente Cristina
Kirchner. Durante
as eleições, houve
divisão entre os
principais jornais no
apoio à reeleição.
Clarín, La Nación
e
críticos de Kirchner,
enquanto Página 12
e Tiempo Argentina
a favor do
novo mandato.
Vitória teve 36% de diferença sobre segundo colocado
2003 para 7% atualmente, enquanto a pobreza teria diminuído de 54% para 8% neste ano. “A ascendência econômica sempre é um fator que favorece na reeleição de um presidente. Aliado ao fator populista, foram os grandes méritos para ela se manter no poder”, analisa o cientista político César Filomena, professor da UFRGS.País de cerca de 40 milhões
de habitantes, a Argentina viveu uma crise política e econômica inédita nos anos de 2001 e 2002. O então presidente Nestor Kirchner, marido de Cristina, morto em 2010, assumiu em 2003 coincidindo com o aumento das exportações, principalmente, de soja à China, gerando maiores recursos para o caixa do país. “Apesar da família política tradicional e das semelhanças com Evita Perón,
Cristina tem luz própria como presidente”, assinala Filomena.A Argentina segue os moldes
populistas que foram bem sucedidos com o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. “A América Latina caminha
Filomena. A tendência são projetos sociais voltadas para as classes menos favorecidas e políticas econômicas com os países próximos. Para Filomena, o Brasil continua sendo um dos principais aliados. As primeiras palavras de agradecimento de candidato reeleita foram para a presidente brasileira Dilma Rousseff. “A Argentina vai ter que continuar dialogando conosco. Quem dá as cartas na América Latina é o Brasil, eles não sobrevivem sem nós”, pondera Filomena. EJ
Foto Daniel Garcia / AFP
Foto Juan Mabromata / AFP
Projetos sociais garantem reeleição histórica de Cristina

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A Cansei de Ser Sexy teve músicas veiculadas em
muitas plataformas. Uma canção foi
incluída no seriado de Paris Hilton na Fox (“The Simple Life”), outra no jogo “The Sims 2: Vida Noturna” e um dos hits da
banda, “ ”, chegou a tocar no Big Brother Brasil 6.
O comercial amador do iPod Touch, que tem a música “Music is my hot sex”, foi o primeiro vídeo na história do site YouTube a receber 100 milhões de
visitas.
lado b
Para conquistar o público estrangeiro, artistas nacionais compõem músicas em inglês e outros idiomas
quatro mudou quando um produtor da MTV italiana se interessou pela banda e a convidou para gravar um disco na Itália. Hoje a banda vive em Milão e tem no currículo dois CDs gravados, mais de 300 shows pela Itália, Brasil, Bélgica, Portugal e República Checa.A Bonde do Rolê começou a fazer sucesso após colocarem
suas músicas no site MySpace. Em 2006, o DJ americano Diplo apadrinhou a banda, lançando um CD promocional e um vinil pelo selo Mad Decent. “Foi ele que nos levou para fazer turnê nos Estados Unidos e Canadá. Na época foi um ‘selo de aprovação, cala a boca’ para as pessoas que falavam mal da gente”, explica Rodrigo Gorky, um dos integrantes do grupo. A banda já foi elogiada pela revista Rolling Stone e pelo jornal The New York Times. O Exterior proporciona maiores possibilidades. “A estrutura lá fora é muito melhor, você pode fazer uma turnê e tocar de segunda a segunda, mas ainda espero que o Brasil chegue nesse nível”, desabafa Gorky.A Cansei de Ser Sexy é uma das bandas de maior
repercussão internacional. As músicas cantadas em inglês renderam a assinatura de contrato com a gravadora Sub Pop, a mesma que lançou o Nirvana. Fernando Moreno, agente da vocalista Lovefoxxx no Brasil, acredita que ser brasileiro é um diferencial para seduzir os ouvidos estrangeiros. “Existe uma certa curiosidade e um certo charme, digamos, pelo que vem do Brasil”, acredita. Para o empresário, o mercado no Exterior proporciona mais oportunidades que o nacional. “Apesar da grande concorrência lá fora, aqui é mais difícil. Vai desde a estrutura das casas, a oportunidade escassa, o valor dos ingressos, a abertura da mídia.” EJ
Cansei de Ser Sexy, Bonde do Rolê e Selton são exemplos de bandas brasileiras que alcançaram
repercussão internacional antes de atingirem reconhecimento em seu próprio país
Texto: Felipe Martini
Sucesso tipo exportação
Tocar em bares, ser descoberto por um agente, assinar contrato com uma grande gravadora
e fazer sucesso em todo o Brasil. A tradicional trajetória para o estrelato adotada por muitas bandas brasileiras foi reinventada. É o caso das bandas Selton, Bonde do Rolê e Cansei de Ser Sexy, que optaram por conquistar o sucesso no Exterior para somente depois retornar a terras tupiniquins e buscar um lugar ao sol.A banda Selton, formada
por quatro gaúchos, começou há sete anos em Barcelona. “Nós tínhamos trancado a faculdade e fomos fazer intercâmbio na Espanha. Em vez de trabalharmos como garçons, resolvemos tocar covers de Beatles no Parque Guell, para ganharmos alguns trocados”, conta o baterista Daniel Plentz. A rotina dos A Selton faz indierock em italiano
Foto Roberto Raskin / Arquivo Pesso
al
Foto Felip
e Martini

sobre rodas
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A culpa é da mamãe
Marreta concilia a profissão de projetista de circuitos eletrônicos com o esporte
Aos 57 anos, o skatista Sérgio Marreta não desiste do esporte do coração, nem mesmo depois de um sério
acidente que o deixou paraplégico por quase três meses e destruiu todos os ossos do pé direito
Texto e fotos: Priscila Leal
shape foi feito de uma tábua de madeira e as rodinhas, dos patins da minha irmã. Fui eu mesmo quem fez”, conta orgulhoso.Era sexta-feira, cinco horas. O conhecido esportista se
preparava para mais um dia de competição. Dia de céu
uma vitamina com banana e colocou o equipamento – macacão de couro, cotoveleiras, joelheiras, protetor peitoral e de coluna, luvas reforçadas, capacete integral com queixeira – que, de acordo com Marreta, parece com a proteção de um gladiador a caminho do abate de um leão. Saiu de casa. inha 52 anos. Uma vida em cima de shapes. Naquela
mesma manhã, desceu com seu luge board – modalidade em que se deita na pequena prancha – a ladeira do Campeonato
Alegre. Marreta nem imaginava que, a uma velocidade
seus pés, coluna e costelas destruídos. Naquele dia, não voltou para casa. Nem no seguinte. Ficou
meses. Saiu de lá, segundo o seu médico, com 5% de chance de voltar a caminhar e praticamente nenhuma de voltar para o
pés. Ele não aceitou e não apenas caminhou, como voltou para o seu esporte preferido. É claro, conseguiu isso depois de uma
H
acidente, mas pela força de vontade do homem que, com 57 anos de vida e alegria de criança, não desistiu da paixão por causa das dores ou traumas de um acidente terrível. A admiração e o respeito entre os garotos é grande. São várias as limitações que este gladiador ainda sofre, como o pé que, com ossos esfarelados, o obriga a usar palmilha, diminuindo a dor, mas sem neutralizá-laincentivar os outros frequentadores da pista. “A gente não desiste do que gosta por causa de uma dorzinha qualquer”, explica aos garotos, sabendo que é um exemplo a ser seguido. EJ
Apé culpa da mãe. Assim Sérgio Marreta, 57 anos, explica sua
grande dedicação ao esporte. “Ela me tirou do colo e me embalou no carrinho cantando
que eu quero é o embalo do
ouvido.e cadarços coloridos, pele castigada pelo sol, dentes quebrados pelo acidente e um colete ortopédico com
para proteger suas costas são as marcas de uma vida como
E
chamado de senhor, conta que conheceu o esporte quando
carrinho de rolimã. Foi amor à primeira vista, uma relação que não se rompeu, nem mesmo com o acidente que quase tirou sua vida.O
radical foi um dos primeiros
asfalto sob suas rodinhas, o vento em seu rosto e a adrenalina que se sente descendo uma ladeira em alta velocidade. “Meu primeiro
Com Luiza, amiga que o incentivou a voltar para o skate
Colete protege vértebra que foi quebrada e deslocada

Artistas das miniaturasBrincadeira vira coisa séria para os plastimodelistas que se divertem produzindo
com perfeição carros, helicópteros e soldados em tamanho diminuto
Texto e fotos: Roberta Fofonka
Entre as grandes construções
de Porto Alegre cresce, com
detalhes marcantes, um mundo
pouco conhecido em que são
produzidos aviões, carros de
combate, Fórmula 1, armas, helicópteros
miniaturas do grupo Gruta Estirênica, onde
se encontram os plastimodelistas Rogério
Marczak, Rodrigo Bezerra, Eduardo Blanco,
Fabrício Fay, Volmir Batista e outros mais
ou menos assíduos às reuniões, realizadas
numa cobertura alugada especialmente para
O modelismo é a recriação, em escala
menor, de carros, aviões, armas e soldados
suas características o
possível às originais e, principalmente,
monta suas peças com base num kit (no
uma caixa de papelão contendo manual de
instruções para montagem e as principais
da Gruta Estirênica no site do modelista Rato:www.ratomodeling.com
Fmodelista de figuras. Pinta personagens em miniatura e inclusive esteve na Espanha fazendo cursos para aprimorar a técnica. No caso
consumidor, se tornou importador de figuras. Acom cerca de seis
faz pinturas por encomenda. Além da Gruta Estirênica, tem um grupo próprio voltado apenas para a pintura dos personagens.
dele emlosfigureros.
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Os modelistas da Gruta Estirênica alugam uma peça para a prática do modelismo
repaginada
Uma miniatura pode levar anos para ser concluída
A pesquisa vem antes, pois,
imprescindível conhecer cada
pedaço do avião ou do carro de
Gruta Estirênica não proporciona
das miniaturas, mas também uma
aula de história, artes e e
o doutor em
mecânica computacional Rogério
do modelismo não é das melhores,
conseguir kits, peças e ornamentos
é preciso buscar no Exterior, o que
na maioria das vezes custa
administrador de empresas Rodrigo
Bezerra, 39, gasta cerca de R$
600 mensais no hobby e produz,
Rodrigo, terceiro de uma geração de
modelistas que transmite o hobby
adquirir um apartamento maior
para acomodar seus modelos mais
A relação de criador e criatura
É possível que o modelista passe
de alguns meses até anos para
concluir uma peça, o que exige um
O subtenente do Exército Volmir
pel
o princípio de que é melhor ter
para a
qualidade do meu trabalho e não me
Entre as risadas e brincadeiras
que envolvem o encontro do grupo,
compromete a evolução em longo
devido às habilidades motoras que
que a cultura brasileira encara o
modelismo como um brinquedo e
passatempo, é uma atividade
Volmir
completa:
poucos que conseguiram ultrapassar
EJ
+
Gruta Estirênica no site do Editorial J: