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2 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

Editorial

Medicina e Espiritualidade

Cientificamente

fica cada dia mais evidente que a

religiosidade influi na doença, e que a

Medicina e os próprios médicos não podem

mais ignorar isso

A ligação entre Medicina e religiosidade é conhecida desde remotas épocas. A partir do Renascimento, com o surgimento e adoção do método científico, a Medicina se tornou gradu-almente científica, ocorrendo a separação entre Ciência Médica e prática religiosa, em especial na cultura ocidental.O século XX (principalmente na sua segunda metade), entretanto, viu surgirem evidências de natureza científica a indicarem que religio-sidade e Ciência Médica não andam separadas como se esperaria. Recentemente têm sido publicados na literatura médica trabalhos científicos abordando o estudo dos me canismos que explicariam como a fé poderia influenciar resultados clínicos. A partir desses fatos novos, é pertinente e desejável que os médicos se informem sobre tal novidade, predispondo-se a entendê-la de maneira a atender de forma mais completa seus pacientes. Para que não haja mal-entendidos, cumpre, antes de tudo, estabelecer a distinção entre termos que não devem ser confundidos, como bem assinalam Koenig e colaboradores em sua interessante obra (1). Para esses autores, religião é o sistema organizado de crenças, prá-ticas, rituais e símbolos que objetivam facilitar o acesso ao transcendente; religiosidade é o fato de um indivíduo acreditar, seguir e praticar uma religião, e espiritualidade seria uma busca pessoal para entender questões relacionadas ao fim da vida, seu sentido, relações com o sagrado ou com o transcendente. Nesse caso, a pessoa poderia ou não envolver-se em práticas religiosas e fazer parte ou não de comunidades religiosas. O objeto das pesquisas a que nos referimos são a religiosidade e a espiritualidade das pessoas.Qual o valor disso para a prática médica? Ora, não se pode ignorar que muitos pacientes de-claram seguir uma religião (em nosso meio, a maioria), e que suas crenças os ajudam a lidar com muitos aspec tos difíceis da vida e das en-fermidades. Há muitas atitudes dos pacientes em relação à doença que sofrem interferência de suas convicções de natureza religiosa. Vide, por exemplo, a postura de pessoas de algumas vertentes religiosas frente à necessidade de receberem hemoderivados. Por outro lado, é

fora de dúvida que crenças pessoais dos médicos (e estes as possuem também!) influenciam nas suas decisões, como, por exemplo, perante questões como a eutanásia, fertilização in vitro ou a simples prescrição de um contraceptivo. Independentemente do que diz a Ciência em seu estágio atual de conhecimento, forçoso é reconhecer que cada médico é também uma pessoa, com suas convicções, inclusive de cunho religioso, a despeito da formação cien-tífica que tenha recebido. A Ciência ainda não solucionou todas as questões que afligem ou angustiam o ser humano. O interessante é que a Ciência mesma vem demonstrando que ativida des e crenças religiosas estão relacionadas a melhor saúde e qualidade de vida, ainda segundo Koenig (2), e estudos bem conduzidos mostram que muitos pacientes gos-tariam que seus médicos conversassem com eles sobre as necessidades espirituais deles, pacientes. Pesquisas têm demonstrado grande relação entre espiritualidade/religiosidade e saúde mental, como me nor prevalência de depressão, menor tempo de recuperação da depressão após o tratamento, menor prevalência de ansiedade e menor taxa de suicídio, melhor qualidade de vida e maior bem-estar geral, conforme excelente revisão feita por Lucchetti e colaboradores (3). Alguns resultados clínicos, medidos através de sua expressão bioló-gica, também têm sido avaliados. Os pacientes com maior religiosidade tiveram menores níveis de hipertensão diastólica, de cortisol plasmático e de proteína C-reativa, meno r mortalidade cardiovascular, menor nível plasmático de in-terleucinas (IL-6) e menor mortalidade, segundo Lutgendorf e colaboradores (4). Num estudo em mulheres com câncer de mama, um maior grau de espiritualidade se correlacionou com o número total de linfócitos, de células natural killer (NK) e de linfócitos T-helper e T-citotóxicos, de acordo com Sephton e colaboradores (5). Nem todas as pesquisas, porém, é bom ressaltar, apontam nesse sentido. Aviler e colaboradores (6), numa investigação sobre o valor da oração intercessória na recuperação de pacientes inter-nados em unidade coronariana, não observaram resultados significativos. Isso nos aconselha cautela na crítica ao tema.

Tudo é muito curioso e nos faz pensar até que ponto não estaríamos tratando, na verdade, de influências do estado psicológico, mas os estudos relacionam os efeitos observados com a religiosidade e a espiritualidade dos pacientes. É importante destacar que tais investigações vêm sendo publicadas em revistas internacio-nais de alto fator de impacto, ou seja, revistas tradicionalmente utilizadas por pesquisadores de reconhecido gabarito, como por exemplo o JAMA, o The New England Journal of Medicine e o Annals of Internal Medicine, entre outras. No terreno do ensino médico, o tema espiritua-lidade/religiosidade e sua relação com a Medicina ganha terreno nas principais universidades. A maioria das universidades norte-americanas já mantém disciplina que ensina “Medicina e Espiritualidade” na graduação; mais da metade das escolas médicas da Inglaterra também oferece esses cursos e algumas escolas médicas brasileiras já possuem cursos de “Medicina e Es-piritualidade” em seus currículos na graduação.Pesquisa científica séria sobre o tema é de-senvolvida em centros mundiais respeitados. Programas de residência médica nos Estados Unidos também têm instituído treinamento de natureza prática e teórica sobre o assunto, atestando a relevância dessas questões para os norte-americanos. Em alguns desses programas a disciplina se tornou obrigatória.É compreensível a dificuldade de muitos médicos em abordarem o tema. Sendo a Medicina atual fortemente embasada em evidências científicas, tudo o que tem cono-tação transcendental, religiosa e mística foge da linha de formação médica e leva a natural distanciamento da questão. Muitos alegam que tal compreensão seria irrelevante para o tratamento médico, que não competiria ao médico influir nas convicções religiosas dos

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sessÃO clínicA

Dispneia, Tontura e Disfonia

RelATO De cAsO

Streptococcus Grupo C de Lancefield e Endocardite Infecciosa

RelATO De cAsO

Insulinoma: Uma Causa Rara e Recorrente de Hipoglicemia

O DesAFiO DA iMAGeM

Tosse Produtiva de Longa Data

A cOnDuTA DO PROFessOR

Paciente com Hipertrigliceridemia

sessÃO clínicA

Dor e Fraqueza em Membros

RelATO De cAsO

Exposição Periparto ao Varicela Zoster

RelATO De cAsO

Doença Pulmonar Intersticial Associada à Dermatomiosite

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PROF. DR. GILBERTO PEREZ CARDOSOProfessor Titular do Departamento de Clínica Médica da UFFDoutor em Endocrinologia pela UFRJEditor da revista Conduta® Médica

cOnDuTA MÉDicA

pacientes, e que tal abordagem não faria parte do tratamento médico. Obviamente a postura científica recomenda muita cautela no trato com assuntos de natureza religiosa, uma vez que Ciência e Religião são dois campos distintos do conhecimento humano, possuindo métodos de abordagem muito diferentes. Por outro lado, faz parte do método científico enfrentar todas as questões que lhe são colocadas, sem preconceitos ou barreiras, senão já não é o método científico avaliando. Isso inclui qual-quer questão, mesmo alguma que se insira, por exemplo, no terreno religioso.O fato é que, cientificamente, fica cada dia mais evidente que a religiosidade influi na doença e que a Medicina e os próprios médicos não podem mais ignorar tal realidade, da mesma maneira que modernamente não podemos desdenhar da importância da relação médico-paciente, do resultado de um excelente exame de imagem ou do valor potencial das células-tronco para a cura de diversas enfermidades. O médico moderno precisa se desvencilhar de preconceitos e barreiras, informando-se e se aprofundando mais sobre o tema, para melhor tratar seus pacientes, sempre usando a segura ferramenta do método científico.Até mesmo para uma adequada compreensão sobre a pessoa que tratamos, faz-se desejável que procuremos elementos para nos informarmos mais sobre Medicina e espiritualidade, de modo a colher uma anamnese mais ampla e completa. Koenig (7) chega a sugerir a introdução de outro item na anamnese: a anamnese espiritual, para o que o médico gastaria não mais de dois minutos.É importante ainda alertar que nem todos os efeitos da religião sobre os pacientes podem ser considerados positivos, e o médico deve estar muito atento ao fato. Concepções religiosas de caráter punitivo, fantasiosas ou que prometem curas miraculosas podem gerar conflitos e influen-ciar na evolução desfavorável das enfermidades, quando não retardarem a introdução do trata-mento correto. É bom que se tenha em mente que possíveis efeitos benéficos da religiosidade/espiritualidade sobre a evolução das enfermida-des e bem-estar do paciente não devem excluir a adoção das medidas médicas tradicionais, que representam uma conquista da Ciência e que são usadas, com notória comprovação experimental, em benefício do enfermo. O médico precisa estar atento às convicções espirituais do pa ciente, sejam

estas positivas ou negativas. O conhecimento do assunto pode evitar problemas na relação médico-paciente e favorecer a evolução clínica. O médico necessita saber o momento certo e a maneira adequada de abordar a questão sem melindrar o paciente ou interferir em suas opções religiosas, conforme recomenda a boa prática médica. Ainda aí, compete ao médico identifi-car essas situações e buscar auxílio na assistência psicológica ou aconselhar o que acha razoável, sempre que preciso, nunca deixando de lado o seu conhecimento e bom senso, ferramentas indispensáveis para o exercício da boa Medicina.

(1) Koenig HG, Mccullough M, Larson DB, editors.

Handbook of religion and health: a century of

research reviewed. New York: Oxford University

Press; 2001.

(2) Koenig HG. Religion and medicine II: religion,

men tal health, and related behaviors. Int J Psychia-

try Med 2001; 31(1): 97-109.

(3) Lucchetti, G; Granero, AL; Bassi, RM; Lator-

raca, R; Nacif, SAP. Espiritualidade na prática

clínica: o que o clínico deve saber? Rev Bras Clin

Med 2010; 8(2): 154-8.

(4) Lutgendorf SK, Russel D, Ullrich P, et al. Reli-

gious partici pation, interleukin-6, and mortality in

older adults. Health Psychol 2004; 23(25): 465-75.

(5) Sephton SE, Koopman C, Schaal M, et al.

Spiritual expres sion and immune status in women

with metastatic breast cancer: an exploratory study.

Breast J 001; 7(5): 345-53.

(6) Aviler, JM; Whelan, E; Hernke, DA; Williams,

BA; Kenny, KE; O’Fallon, M; Kopecky, L. Interces-

sory prayer and cardiovascular disease progression in

a coronary care unit population: a randomized con-

trolled trial. Mayo Clin Proc. 2001; 76: 1192-1198.

(7) Koenig, HG. Taking a spiritual history. JAMA,

2004 (291): 23, 2881.

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sessÃO clínicA / CliniCal SeSSion

Dispneia, Tontura e DisfoniaDyspnea, Dizziness and Dysphonia

Sessão clínica realizada em 2 de setembro de 2009, pela Coordenação da Cardiologia Clínica do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro – Iecac (Rio de Janeiro – RJ)

Relator:Dr. Juan Carlos Carrion AriasPós-Graduando do Curso de Pós-Graduação Médica do Iecac

Coordenador:Dr. Dany David KruczanProfessor de Semiologia Cardiovascular do Curso de Pós-Graduação Médica do Iecac

Participantes:Dr. Serafim BorgesCoordenador Clínico do Iecac

Dr. Ricardo MaiaMédico do Grupo de Estudos de Doença Valvar do Iecac

Dr. Reinaldo HadlichCoordenador do Grupo de Estudos de Métodos Complementares do Iecac

Dr. Washington MacielCoordenador do Grupo de Estudos de Arritmias do Iecac

Dr. Dirson de Castro AbreuProfessor Assistente da Uerj/UFRJ

Dr. Hugo de Castro SabinoMédico do Serviço de Ecocardiograma do Iecac

Dr. Roberto BassanProfessor Titular de Cardiologia da PUC/Iecac

Dr. Cláudio Assumpção Coordenador do Grupo de Estudos de Cirurgia Cardíaca do Adulto e da Criança do Iecac

Dr. Júlio NigroCoordenador da Rotina da Unidade Cardiointensiva 6

Dra. Vanessa GranadoMédica do Serviço de Radiologia do Iecac

Dra. Maria Eulália Pfeifer Coordenadora do Grupo de Estudos de Cardiopediatria do Iecac

Dra. Magnólia CartachoCoordenadora do Grupo de Estudos de Doenças Valvares do Iecac

Dra. Mônica CelenteMédica do Serviço de Cardiopediatria do Iecac

ResuMO – Trata-se de paciente feminina de 57 anos aparentemente saudável até três anos antes, quando iniciou sintomatologia súbita incluindo dispneia, tontura e disfonia, e que foi atendida no Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro. Uma sessão clínica discutiu o caso. (Conduta Médica 2010-12 (46) 4-7)

aBSTRaCT – It is a discussion about a 57-year-old female patient, healthy three years before, that suddenly began to complain of dyspnea, dizziness and dysphonia. She was attended in the Iecac hospital. (Conduta Médica 2010-12 (46) 4-7)

DescRiTORes – dispneia; tonteiras; disfonia

KeY-WoRDS – dyspnea; dizziness; dysphonia

DR. JuAn

Identificação: Paciente do sexo femini-

no, 57 anos, branca, casada, natural do

Maranhão, doméstica.

Queixa Principal: “cansaço há três

anos”.

História da Doença Atual: Paciente

aparentemente saudável até três anos

antes, quando iniciou sintomatologia

súbita, caracterizada por dispneia aos

grandes esforços, evoluindo para disp-

neia aos pequenos esforços e que desa-

parecia com o repouso. Concomitante-

mente, referiu dois episódios de tontura

fugaz, sem síncope. Sua filha indicou ter

observado o aparecimento de disfonia

com três anos de evolução, piorada há

seis meses. Negou dor torácica, cefaleia,

dispneia paroxística noturna e tosse.

História Patológica Pregressa: Cirurgias

- tireoidectomia em 1996, não sabendo

informar por que realizou tal cirurgia.

História clínica - nega hipertensão

arterial sistêmica, diabetes mellitus,

dislipidemia, acidente vascular encefá-

lico, febre reumática, doença pulmonar

obstrutiva crônica, hepatite e trombose

venosa profunda. Paciente sedentária,

em uso das seguintes medicações: ácido

acetilsalicílico, 165mg de 12/12h, e hi-

droclorotiazida, 25mg 1x ao dia.

História Social: Mora em casa de

alvenaria com saneamento básico; é

tabagista por 30 anos (10 cigarros ao

dia), etilista por 30 anos (cerveja) e

usuária de drogas recreacionais (cocaína

inalada).

História Familiar: Mãe falecida de

doença gástrica e pai falecido por se-

nilidade.

História Fisiológica: Parto a termo com

desenvolvimento normal na infância,

G12, A10 (provocados), P2 (um normal

e um por cesariana). Última gestação há

12 anos, sem intercorrência. Menopau-

sada sem terapia de reposição hormonal.

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FIGURAS 1 E 2Raios X PA e perfil

eXAMe FísicO

Peso 46Kg; altura 1,52m; IMC 20kg/

m2. Paciente em razoável estado geral,

eupneica, com mucosas normocoradas

e hidratadas. PA 120x80mmHg, FC de

80bpm, FR de 15irpm. Precórdio: impul-

são paraesternal discreta de ventrículo

direito, ictus fracamente palpável, com

características normais. Em decúbito

dorsal, pulsatilidade venosa discreta,

com turgência jugular que aumenta com

a inspiração. Pulsos: carotídeo regular,

com amplitude discretamente diminuída,

sem entalhes, simétricos; características

em pulsos radial, braquial, femoral e

pediosos normais. Ausculta: em foco

mitral, ritmo regular com extrassístoles

ocasionais, primeira bulha (B1) bem

marcada e segunda bulha (B2) diminuída,

sopro holossistólico +3/+6, irradiação pre-

dominantemente para mesocárdio e foco

aórtico acessório, aumenta com handgrip,

com decúbito dorsal e com bipedestação,

não aumenta com a inspiração. Em foco

tricúspide, sopro holossistólico +3/+6,

Rivero-Carvalho positivo na bipidestação

e no decúbito dorsal. B1 desdobrada em

foco pulmonar e aórtico acessório com

apneia expiratória.

DR. DAnY

Gostaria que a Dra. Vanessa falasse

sobre a radiografia desse paciente.

DRA. VAnessA

(ver figuras 1 e 2) É uma radiografia do

tórax em póstero-anterior (PA) e perfil.

Olhando de fora para dentro, não se ob-

servam alterações no arcabouço ósseo.

A área cardíaca tem tamanho normal,

com ponta um pouco elevada, talvez

por aumento do ventrículo direito. O

ventrículo esquerdo e o átrio esquerdo

aparentemente têm tamanho normal.

O que chama a atenção nesse exame

é a artéria pulmonar direita calibrosa e

uma trama vascular invertida. A artéria

pulmonar esquerda também é calibrosa.

Os seios costofrênicos estão livres.

DR. DAnY

Peço ao Dr. Dirson para que avalie

clinicamente a radiografia de tórax e o

eletrocardiograma (ECG).

DR. DiRsOn

A Dra. Vanessa descreveu brilhan-

temente bem. O que reitero é a

circulação pulmonar nitidamente

aumentada. Quanto ao tamanho do

coração, há uma cardiomegalia dis-

creta. Como foi encontrada uma B2

diminuída, não era de se esperar uma

circulação pulmonar tão exuberante.

Quanto ao ECG (ver figura 3), o ritmo

é sinusal, apresentando ondas P altas,

acuminadas, frequência de 75bpm,

QRS não alargado, ÂQRS desviado

para direita, ao redor de 100o, e ST

retificado em DII e com infradesni-

FIGURA 3ECG

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sessÃO clínicA / CliniCal SeSSion

velamento em DIII. As derivações

AVR, AVL e AVF têm a mesma mor-

fologia descrita anteriormente. Nas

derivações precordiais, observamos

hipertrofia do ventrículo direito e

esquerdo. Há morfologia patológica

do QRS com QR inicial em V1. Essa

morfologia pode representar comuni-

cação interatrial, cor triatriatum, dre-

nagem anômala de veias pulmonares

ou inversão ventricular.

DR. RicARDO

Há de se notar que não há crescimento

ventricular esquerdo, mas somente de

ventrículo direito. O Q patológico em

V1, muito bem descrito, pode (como foi

dito) ser associado a diversas condições,

tais como anomalia de Ebstein, trans-

posição dos grandes vasos e drenagem

anômala das veias pulmonares.

DR. WAsHinGTOn

Não podemos esquecer de mostrar a

extrassístole atrial.

DR. DAnY

Peço ao Dr. Reinaldo para comentar

o fonomecanocardiograma (ver figuras

4 a 8).

DR. ReinAlDO

No foco mitral, observamos B1 bem

marcada, intensa, com sopro holossis-

tólico do tipo regurgitação, envolven-

do B1. Identificamos o componente

aórtico de B2 com relação à onda T

do ECG. Existe, também, um ruído

junto com a onda T, que tanto pode

ser a continuação do sopro ou outro

ruído acessório. Na região meso-

cárdica, continuamos observando

B1 bem marcada e sopro de mesmas

características; contudo, não consi-

dero que B2 esteja apagada (como

descrito no exame físico), mas bem

intensa. Nesta imagem observamos

uma extrassístole e, como não houve

aumento do sopro após a pausa, tudo

continua falando a favor de um sopro

tipo regurgitação.

DR. DAnY

Ao exame físico B2 era totalmente

englobada pelo sopro, dando-nos a im-

pressão esteatoacústica de B2 apagada.

DR. ReinAlDO

Voltando à região mesocárdica, o sopro

tem maior intensidade na expiração do

que na inspiração. Tudo fala a favor de

um sopro sistólico do tipo regurgitação

esquerdo. No foco aórtico acessório

observamos o sopro com mesmas ca-

racterísticas e B2 menos intensa que

nos outros focos (contudo, dentro da

normalidade). No foco pulmonar, a

B2 também tem pequena intensidade,

assim como no foco aórtico. O pulso ca-

rotídeo está algo fora de sincronismo, de

pequena amplitude mas com ascensão

súbita, rápida, evidenciando que não

existe obstáculo à saída do ventrículo

esquerdo.

DR. DAnY

Agora vamos às hipóteses diagnósticas.

DR. JÚliO

Aventaria a possibilidade de doença

reumática. Mas o início do quadro de

característica súbita fala contra. A pri-

meira hipótese, no contexto de terapia

intensiva, seria de embolia pulmonar.

A sobrecarga no coração direito fala a

favor. Também considero a possibili-

dade de prolapso da válvula mitral, no

seu folheto anterior.

DRA. eulÁliA

Uma paciente que apresenta sintoma-

FIGURA 4Fonomecanocardiograma foco pulmonar

FIGURA 5Fonomecanocardiograma foco mitral

FIGURA 8Fonomecanocardiograma foco aórtico acessório

FIGURA 7Fonomecanocardiograma foco aórtico

FIGURA 6Fonomecanocardiograma foco mesocárdico

MESO EXPIRADO MESO INSPIRADO

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FIGURAS 10 E 11Ecocardiografia com Doppler

FIGURA 9Pulso carotídeo

tologia recente, com tais características

de sopro, dilatação do tronco direito da

artéria pulmonar, sobrecarga de câmaras

direitas e ECG com aumento de átrio

direito, me faz pensar em comunicação

interatrial (CIA) com hipertensão

pulmonar ou prolapso da válvula mitral.

DRA. MÔnicA

Concordo com a Eulália e penso em

CIA com prolapso – aliás, o próprio

CIA causando o prolapso pelo efeito

Venturi.

DR. DiRsOn

A morfologia em V1 no ECG é sempre

patológica. Há radiografia com artéria

pulmonar saliente e vasos pletóricos.

Fico com a hipótese diagnóstica de

CIA, complicada com mais alguma

outra patologia.

DRA. MAGnÓliA

O sopro também pode ser devido a

uma ruptura de cordoalhas. Talvez

um infarto agudo do miocárdio

(IAM) possa ter levado a esse quadro.

Mas também fico com a hipótese de

CIA.

MÉDicO DA PlATeiA

Não podemos pensar em comunicação

interventricular (CIV)?

DR. DiRsOn

A apresentação eletrocardiográfica

seria outra, caso fosse CIV. Teríamos

R grande em V1 e V6 pelo crescimento

ventricular.

DR. ReinAlDO

Acredito ser prolapso de válvula mitral

com evolução para hipertensão pul-

monar.

DR. RicARDO

O que observei foi um pulmão sujo, com

artéria pulmonar extremamente dilata-

da, evidenciando hiperfluxo pulmonar.

O sopro descrito é de regurgitação

mitral e tricúspide. Conquanto, ficaria

com CIA com shunt baixo.

DR. DAnY

A radiografia foi feita no dia em que

examinei a paciente. Apesar da apa-

rência “suja”, ela estava eupneica. Por-

tanto, a hipótese de insuficiência mitral

aguda não seria muito condizente com

este caso. Peço ao Dr. Hugo que nos

fale sobre o ecocardiograma.

DR. HuGO

Observou-se um ventrículo direito bas-

tante aumentado, sem critérios de mo-

vimento paradoxal, e fração de ejeção

normal (88%). No corpo apical con-

seguimos observar uma grande falha,

compatível com CIA. No Doppler,

observa-se um shunt por esta falha. É

um CIA considerável.

DRA. MÔnicA

O shunt é bidirecional, com pressão

em átrio direito elevada. O prolapso

existe, provavelmente, devido ao efeito

Venturi ocasionado pelo shunt. O fe-

chamento da comunicação resolveria

por si só o prolapso tricúspide.

DR. HuGO

O diagnóstico ecocardiográfico fica

como CIA importante com shunt bidi-

recional, com hipertensão pulmonar,

prolapso de válvula tricúspide com

regurgitação tricúspide e cavidades

direitas aumentadas.

DR. DAnY

Está encerrada a sessão, agradeço a

participação de todos. n

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RelATO De cAsO / CaSe RePoRT

Streptococcus Grupo C de Lancefield e Endocardite InfecciosaThe Lancefield Group C Streptococci and Infective Endocarditis

Autores:Dr. Antonio Alves de CoutoProfessor Titular da Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Dra. Annie de Azeredo Coutinho Médica Graduada pela UFF

Aline Vieira Scharra Carolina Arribada Rebello Clarissa Maria Motta StoffelFabiana Cristina Menezes FreitasIngrid Ellis HindenRaphael de Figueiredo Ribeiro GomesRoberta Duarte Bezerra PintoAcadêmicos de Medicina da UFF

inTRODuÇÃO

Noventa e cinco por cento das endo-

cardites infecciosas são causadas por

três agentes: 1) Streptococcus viridans; 2)

Staphylococcus aureus; 3) Streptococcus

faecalis. Esses agentes podem, por razões

microbiológicas, causar endocardite, bem

como as bactérias do grupo Hacek. Os

autores apresentam o caso de um pacien-

te, criador de pássaros e cães, que fazia uso

ininterrupto de corticoide por oito anos e

que desenvolveu endocardite infecciosa,

cuja etiologia microbiológica provável

deve incluir o Streptococcus grupo C.

RelATO DO cAsO

Identificação: Paciente de 43 anos, sexo

masculino, branco, casado, músico de

casa noturna e criador de pássaros e cães.

Queixa Principal: Febre e cansaço.

História da Doença Atual: História de

febre alta com calafrios e cansaço com

início há aproximadamente três meses.

Na época havia realizado endoscopia

digestiva alta, devido a queimação epi-

gástrica, que evidenciou refluxo. Pos-

teriormente realizou ultrassonografia de

abdome, que mostrou imagem sugestiva

de cálculo renal. Foi internado e, após

exames (sangue e urina), foi iniciado

tratamento para infecção do trato uriná-

rio (ciprofloxacino). Após alta (sete-10

dias), houve recorrência da síndrome

febril (febre alta e calafrios), sempre

vespertina, com resposta parcial à dipi-

rona. Foi então reinternado por duas a

três vezes, fazendo uso de levofloxacino e

chegando a usar ceftriaxone IM na resi-

dência. O paciente relata último episódio

de febre há uma semana atrás. Sua esposa

decidiu então trazê-lo à emergência do

Hospital Universitário Antonio Pedro.

O paciente faz uso ininterrupto de corti-

ResuMO – Trata-se de um paciente de 43 anos com insuficiência mitral não-reumática com quadro clínico de febre de origem obscura que usava corticoide cronicamente e tinha criação de pássaros (calopsitas) e cães, tendo desenvolvido endocardite infecciosa. A história epidemiológica do paciente – associada a imunossupressão – nos direciona a hipóteses da provável origem microbiológica, que no caso em questão devem incluir o Streptococcus do grupo C. (Conduta Médica 2010-12 (46) 8-10)

aBSTRaCT – The authors report the case of a 43-year-old patient with non-rheumatic mitral insufficiency and fever of unknown origin. He was in chronic treatment with corticoid and created birds and dogs in his home. This patient developed infective endocarditis. The epidemiological history - associated with imunossupression - directs us to some hypothesis of the etiological origin, including group C Streptococcus, in this specific case. (Conduta Médica 2010-12 (46) 8-10)

DescRiTORes – Endocardite infecciosa; Streptococcus grupo C de Lancefield; Streptococcus zoopidemicus; Streptococcus equisimilis; insuficiência mitral

KeY-WoRDS – Infective endocarditis; Lancefield group C Streptococci; Streptococcus zoopidemicus; Streptococcus equisimilis; mitral insufficiency

8 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

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Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 9

coide VO (automedicação) por conta de

rinite há oito anos.

História Patológica Pregressa: Cirurgia

de pólipo nasal em julho de 2008. Nega

hipertensão arterial sistêmica, diabetes

melitus, hepatites ou BK. Nega amigda-

lites, dores articulares ou febre reumática

na infância e adolescência.

História Familiar: Pai falecido de aneu-

risma cerebral. Mãe viva, com boa saúde.

História Social: Criador de pássaros

(nove calopsitas) e criador de diversos

cães para vender filhotes. Reside em

casa com rede de água e esgoto. Não

fez viagens recentes. Não fuma; bebe

cerveja ocasionalmente, nega uso de

drogas ilícitas.

eXAMe FísicO

Ao Exame: Paciente lúcido e orientado

no tempo e espaço, normocorado, hidra-

tado, acianótico, eupneico, sem sinais

periféricos de endocardite infecciosa.

Sinais Vitais: PA - 140X70 mmHg; FC

- 80 bpm; FR - 16 irpm; TAx: 36,2oC.

Aparelho Cardiovascular: RCR, B1

hipofonética, sopro sistólico +4/+6

pancardíaco, mais acentuado em foco

mitral, com irradiação para axila e dorso.

Frêmito em ponta.

Aparelho Respiratório: Murmúrio vesi-

cular universalmente audível, sem ruídos

adventícios.

Abdome: Flácido, indolor, peristáltico,

Traube livre, ausência de visceromegalias.

Membros Inferiores: Sem edema, pulsos

pediosos palpáveis, panturrilhas livres.

Discreta hipercromia à direita.

eXAMes cOMPleMenTARes

Laboratório: Hematócrito 35,5; He-

moglobina 11,5; Leucócitos 9400, sem

desvio, PCR: 1,08; Glicose 85; Ureia 39;

Creatinina 0,81; Sódio 141; Potássio 4,5;

AST 13; ALT 13; Proteínas totais 7,0;

Albumina 3,8; Globulina 3,1; Bilirrubina

total 0,34; Bilirrubina direta 0,09; Bilir-

rubina indireta 0,25; INR 1,38.

Hemocultura: Cocos gram positivos nas

três amostras recebidas. Microorganismo

isolado: Streptococcus alfa hemolítico

(excluído pneumococo).

Eco Transesofágico: Valva mitral rota

com provável vegetação. Grau de regur-

gitação importante. Valva aórtica com

provável vegetação. Presença de rafe

entre os folhetos coronarianos direito e

esquerdo, com mínima restrição de sua

abertura, e regurgitação valvar leve a

moderada.

Raios-X e Eletrocardiograma: Sem

alterações.

TRATAMenTO

Paciente em uso de ceftriaxona EV (2g

uma vez ao dia) + gentamicina EV (60

mg 8/8h).

DiscussÃO

A endocardite infecciosa sofreu grandes

mudanças no seu entendimento, tra-

tamento e profilaxia, principalmente a

partir da última diretriz da AHA de 2007

[1,2]. Por exemplo, a recomendação da

profilaxia, que era o grande pilar para se

prevenir a endocardite infecciosa, só está

indicada em algumas situações, a saber:

pacientes que realizaram transplante

cardíaco, prótese valvar – particularmente

mecânica –, cardiopatia congênita com-

plexa (cianótica) e endocardite prévia.

O critério definitivo para diagnóstico de

endocardite também sofreu mudanças

e atualmente se consideram os critérios

de Durack, em um cenário em que há

critérios maiores e menores. Apesar do

caso desse paciente ser incluído como

endocardite, ele não apresenta critérios >

maiores, que são a vegetação grande e

pedunculada ou hemoculturas positivas

para alguns germes, como as bactérias do

grupo Hacek.

O grupo C de Lancefield (Streptococcus

animalis) inclui um grupo de streptococcus

comumente encontrado em animais como

pássaros, coelhos, cavalos, ovelhas, porcos

e carneiros. Todos estes animais podem

ser reservatórios potenciais para infec-

ções em humanos. A infecção é descrita

ainda em cães, geralmente de abrigos

(aglomerados), por S. zooepidemicus,

apesar da vacinação, podendo haver risco

de exposição a humanos [3]. São cocos

gram positivos, anaeróbios facultativos e

são usualmente, mas não exclusivamente,

beta-hemolíticos. O microorganismo,

apesar de geralmente beta-hemolítico,

pode também causar uma alfa-hemólise

de acordo com as espécies de eritrócitos

usados no agar. Fazem parte deste grupo:

S. equisimilis (várias infecções em animais

e humanos); S. zooepidemicus (muitas

infecções animais e ocasionalmente em

humanos); S. equi e S. dysgalactiae. S.

zooepidemicus causa infecção em diversos

animais, mas é encontrado raramente em

humanos. Os poucos relatos de infec-

ções em humanos [4,5,6,7,8,9] incluem

infecção do trato respiratório superior,

linfadenite cervical, pneumonia, septice-

mia, endocardite e meningite, geralmente

em pacientes em contato próximo com

os animais.

Características frequentes dos pacientes

que apresentam infecções pelo grupo C

são: sexo masculino; imunodepressão

(drogas imunossupressoras, malignidade,

neutropenia, sida); exposição a animais

ou a produtos animais (leite não-pasteu-

rizado e queijo) [10], condições médicas

(como doença cardiovascular, diabetes

melitus, cirrose, alcoolismo crônico, pro-

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10 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

cessos dermatológicos); idade avançada.

Casos de endocardite estreptocócica

pelo grupo C aparecem na literatura e

frequentemente incluem revisões de

casos publicados existentes, o que torna

a quantificação da incidência de en-

docardite devido a essa bactéria difícil

[11,12]. Há sugestão de que complicações

da endocardite, especialmente abscessos

e êmbolos, são mais comuns com esses

patógenos. Muitos dos pacientes são

imunocomprometidos.

A maioria dos Streptococcus grupo C é

sensível à penicilina. Para infecções

como endocardite, meningite e abscesso

cerebral, ou em pacientes severamente

comprometidos, um aminoglicosídeo

como a gentaminicina deve ser adminis-

trado para sinergismo em adição com a

penicilina G (2 a 4 milhões de unidade IV

a cada quatro horas). Em pacientes alér-

gicos à penicilina, pode-se utilizar clinda-

micina ou um macrolídeo. Em áreas onde

a resistência a esses agentes é elevada, ou

em pacientes imunocomprometidos ou

com infecção severa, vancomicina (1 g

IV a cada 12 horas) deve ser considerada.

Como se pode notar pela história do pa-

ciente, a endocardite infecciosa continua

sendo uma doença do internista, cujo

diagnóstico diferencial inclui principal-

mente: 1) colagenoses; 2) neoplasias; 3)

infecções. No caso apresentado, o pacien-

te ficou muito tempo sem diagnóstico e

provavelmente desenvolveu endocardite

porque tinha contato com animais (aves)

e era imunodeprimido pelo uso crônico e

ininterrupto de corticoides em caráter de

automedicação.

Quem descreveu a enfermidade pela

primeira vez foi William Osler, e nessa

época pré-antibiótica a mortalidade era

de 100%. Podemos ainda dizer que,

apesar de tratamento clínico e cirúrgico

de sucesso nos tempos atuais, ainda persis-

te uma grande dificuldade no diagnóstico

da endocardite, como no caso descrito.

cOnclusÃO

A endocardite infecciosa continua sendo

um desafio, e, apesar de toda a evolução

tecnológica, continua sendo a grande

doença da medicina interna, isto é,

apesar das mudanças e embora estejamos

vivendo na era da endocardite hospitalar

e dos usuários de drogas, ainda merece o

título de endocardite do internista.

ReFeRÊnciAs BiBliOGRÁFicAs

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RelATO De cAsO / CaSe RePoRT

O professor Antonio Alves de Couto (centro) com os demais autores

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Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 11

Entre as 200 maioresPesquisa Maiores e Melhores da revista Exame confirma: a Unimed-Rio é uma das grandes corporações brasileiras

A Unimed-Rio ganhou lugar de

destaque na mais recente edição da

pesquisa Maiores e Melhores Empresas

do País, conduzida anualmente pela

Revista Exame. Entre os principais

resultados positivos, destaca-se o

salto de 50 posições com relação a

2009, que nos fez passar para a 184ª

posição no ranking das maiores cor-

porações do Brasil. É a primeira vez

que a cooperativa está entre as 200

maiores. Ano passado, a Unimed-Rio

teve faturamento de R$ 2,13 bilhões.

Na análise do setor de serviços, es-

pecificamente, a Unimed-Rio surge

como a décima em faturamento anual,

a nona em crescimento das vendas

(crescimento ao longo de 2009) e

a oitava em liderança de mercado

(conquista de percentual de mercado

no ano). Empresas de todo o Brasil

têm seus números avaliados.

“Mesmo com nossa atuação munici-

pal, estamos entre as 200 maiores em-

presas do Brasil. Estar ao lado de em-

presas do porte das que participaram

do levantamento da revista Exame

é uma prova incontestável da nossa

força. Nos últimos dez anos, estamos

registrando taxas expressivas de cres-

cimento, com aumento de clientes e

receita e elevados investimentos em

Celso Barros, presidente, Abdu Kexfe, vice-presidente, e Bartholomeu Penteado, diretor administrativo, recebem prêmio para a Unimed-Rio. Cooperativa é uma das 100 Melhores Empresas para se Trabalhar em todo o Brasil

inovação, qualidade, marketing, co-

municação, pessoas e responsabilidade

social. Os resultados desse trabalho

são refletidos na pesquisa Maiores e

Melhores”, afirma Celso Barros, presi-

dente da Unimed-Rio.

Gestão de Pessoas em destaque

Além do reconhecimento por sua efi-

ciência administrativa, a Unimed-Rio

também é destaque em premiações de

gestão de pessoas. Nos últimos três

anos consecutivos, a cooperativa é re-

conhecida como uma das 25 Melhores

Empresas para se Trabalhar no Estado

do Rio, prêmio recebido novamente

em 2010. A entidade que organiza

esse estudo, Great Place to Work,

também desenvolve uma análise na-

cional – e a cooperativa é, há quatro

anos consecutivos, uma das 100 Me-

lhores Empresas para se Trabalhar em

Todo o Brasil, independentemente do

setor de atuação e porte.

“Ter reconhecimento e prêmios si-

multâneos na gestão de pessoas e na

administração do negócio é um grande

feito. Isso mostra que a Unimed-Rio

se mantém fiel aos valores do coopera-

tivismo, isto é, se mantém preocupada

em gerar trabalho e renda para seus

cooperados e também em respeitar

e valorizar o capital humano, os

profissionais que nos auxiliam no co-

tidiano da organização. Para muitos

especialistas, uma empresa ou é focada

em resultados ou em pessoas. Nós

comprovamos que é possível fazer os

dois”, diz Celso Barros. n

Sede da Unimed-Rio na Barra: uma das 200 maiores empresas do Brasil

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12 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

(Hospital Universitário Antônio Pedro/Huap, Universidade Federal Fluminense/UFF - Niterói/RJ)

Autores:Dra. Daniela Barbosa da Silva Lopes CoelhoMédica Residente da Endocrinologia do Huap/UFF

Fernanda Mendonça RodriguesMariana Mesquita VillelaEstudantes de Medicina da UFF

Prof. Gilberto Miranda BarbosaProfessor Associado da Endocrinologia do Huap/UFF

Dra. Lilian Costa Morais GerezMédica Residente da Endocrinologia do Huap/UFF

Prof. Alair Augusto Sarmet Moreira Damas dos SantosProfessor e Chefe do Serviço de Radiologia do Huap/UFF

Prof. Samuel CunhaProfessor Associado da Endocrinologia do Huap/UFF

Prof. Wolney de Castro FigueiredoProfessor Associado da Endocrinologia do Huap/UFF

Prof. Rubens Antunes Cruz FilhoProfessor e Chefe do Serviço de Endocrinologia do Huap/UFF

RelATO De cAsO / CaSe RePoRT

Insulinoma: Uma Causa Rara e Recorrente de HipoglicemiaInsulinoma: A Rare and Recurrent Cause of Hypoglycemia

ResuMO – Relato de caso de paciente masculino de 32 anos internado na Enfermaria de Endocrinologia do Huap para investigação de episódios de hipoglicemia, e cuja ressonância nuclear magnética de abdome evidenciou uma lesão hipointensa entre o corpo e a cauda do pâncreas, corroborando a suspeita clínica de insulinoma. Sendo realizada a excisão cirúrgica da massa, o histopatológico confirmou o diagnóstico. O paciente evoluiu com melhora clínica importante e remissão de todos os sintomas previamente descritos. (Conduta Médica 2010-12 (46) 12-14)

aBSTRaCT – Case report of a 32-year-old male patient that was put into Endocrinology Infirmary of Huap for the investigation of hypoglycemic episodes, and whose magnetic nuclear resonance of abdomen demonstrated a hipointense lesion between the body and the tail of the pancreas, increasing a clinical suspicion of insulinoma. The patient was submitted to the surgical excision of mass, and insulinoma was confirmed histologically. The patient showed an important clinical improvement and forgiveness of all the symptoms previously described. (Conduta Médica 2010-12 (46) 12-14)

DescRiTORes – insulinoma; hipoglicemia; hiperinsulinemia

KeY-WoRDS – hypoglycemia, insulinoma, hyperinsulinemya

inTRODuÇÃO

O insulinoma é um tumor raro, cuja

incidência estimada é de 1/250 mil

pessoas por ano. Na maioria dos casos

localiza-se no pâncreas, sendo conside-

rado o tumor mais comum das ilhotas

pancreáticas (1,2,). Cerca de 90% dos

casos ocorrem de forma esporádica e

10% relacionam-se com os casos de

MEN-1 (1, 2). Enquanto os insulino-

mas esporádicos usualmente surgem

após os 40 anos, os casos associados à

MEN-1 ocorrem em uma faixa etária

mais precoce, em torno dos 20 anos (3). Aproximadamente 80% dos insu-

linomas são benignos e únicos; apenas

cerca de 10% são malignos (4). A ci-

rurgia é o tratamento de escolha para

esses tumores (4,5). A pancreatectomia

subtotal está indicada para pacientes

com múltiplos tumores ou quando não

temos uma informação precisa para a

localização do tumor em questão (4,5).

RelATO De cAsO

Paciente de 32 anos, do sexo mascu-

lino, foi admitido na Enfermaria de

Endocrinologia do Huap para a inves-

tigação da causa de seus sintomas, que

eram compatíveis clinicamente com

hipoglicemia (taquicardia, sudorese,

convulsões e síncope em alguns dos

episódios previamente descritos). Ele

já havia ido previamente a vários hos-

pitais, onde foram solicitados diversos

exames laboratoriais e de imagem,

sem que o diagnóstico fosse elucidado.

Durante a internação na Enfermaria

12 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

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Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 13

de Endocrinologia do Huap o paciente

apresentou diversos episódios de hipo-

glicemia, clinicamente e laboratorial-

mente confirmados. Alguns episódios

de hipoglicemia ocorreram na ausência

de sintomas adrenérgicos precedendo

as crises, mesmo em vigência de inú-

meras refeições ao dia (alimentava-se

de 3 em 3 horas). O paciente negava o

uso de drogas ilícitas e/ou de qualquer

medicação. O uso contínuo de Hidan-

tal® 400mg/dia foi iniciado visando à

redução da secreção de insulina pelo

pâncreas, e o paciente evoluiu com

redução da frequência das crises nesse

período. Foi realizado o teste de jejum

prolongado, que evidenciou glicemia-

35mg/dL e insulina-7,1mcg/mL, de-

monstrando uma hiperinsulinemia re-

lativa. A RNM de abdome evidenciou

uma lesão hipointensa entre o corpo e a

cauda do pâncreas, sugerindo a suspeita

clínica de insulinoma (ver figura 1).

ResulTADO

Um tumor neuroendócrino de 2,5 cm

foi ressecado, e o paciente evoluiu com

normoglicemia no pós-operatório. A

otimização da glicemia após o trata-

mento definitivo possibilitou a cura do

paciente e ocasionou uma mudança no

seu estilo de vida e comportamento.

DiscussÃO

Os sinais e sintomas de hipoglicemias

são inespecíficos, o que pode dificultar

o diagnóstico de um insulinoma, como

no caso em questão. Sendo assim,

no diagnóstico diferencial devem ser

descartadas outras condições como

ansiedade, estresse, depressão, epilepsia,

angina, narcolepsia e tumores cerebrais (6). Entretanto, a confirmação diagnós-

tica de uma hipoglicemia pode ser esta-

belecida pela síndrome de Whipple (7,8),

caracterizada por glicemia abaixo de 45

mg/dl associada com sintomas compa-

tíveis com hipoglicemia e melhora dos

mesmos após a ingesta de glicose (7,8).

Uma vez confirmados os episódios de

hipoglicemia, deve-se partir para a in-

vestigação de sua etiologia (7,8). Deve-se

descartar o uso de drogas potencial-

mente causadoras de hipoglicemias (8).

A abordagem mais adequada seria a

coleta de sangue no momento da crise

com a dosagem de peptídeo C, insulina,

pró-insulina e sulfonilureias (6). Como

o peptídeo C é secretado na proporção

1:1 junto com a insulina endógena, essa

relação se encontra elevada nos casos

de insulinoma, assim como na nesidio-

blastose(6). Na hipoglicemia autoimune

se observa aumento da insulina e pró-

insulina, com supressão do peptídeo C (9). Nos casos de hipoglicemias factícias

por administração exógena de insulina,

a relação se mostra desproporcional-

mente baixa em relação à elevada con-

centração de insulina e, nos casos de hi-

poglicemias factícias por administração

exógena de sulfonilureias, mantém-se

o mesmo padrão secretório do insuli-

noma com elevação da insulina e do

peptídeo C (6). Nesse caso a dosagem

de sulfonilureias é a única forma de

fazer o diagnóstico diferencial com o

insulinoma (6). Dosagens de insulina >

acima de 3 μu/ml por quimiolumines-

cência (CML) ou acima de 6μu/ml por

radioimunoensaio (RAI), na presença

de hipoglicemia abaixo de 45 mg/dl, são

compatíveis com hiperinsulinemia(10).

No insulinoma os níveis de insulina são,

em geral, abaixo de 100 μU/ml porém

é considerado inapropriadamente alto

em relação à hipoglicemia. Valores de

insulina acima de 100 μU/ml sugerem

hipoglicemia factícia por uso de insuli-

na ou pela presença de anticorpos anti-

insulina (8,10). A razão insulina/glicose

acima de 0.3 sugere insulinoma(9).

Caso o paciente não apresente crises

frequentes, deve-se fazer o teste do

jejum prolongado (até 72h de jejum).

Durante o teste do jejum prolongado o

diagnóstico de insulinoma se confirma

pela detecção de níveis inapropriada-

mente elevados de insulina acima de

6μu/ml (RAI), peptídeo C acima de 200

pmol/L (CML) e pró-insulina maior que

5 pmol/L (CML) na presença de níveis

glicêmicos menores ou iguais a 45 mg/dl

em um paciente sulfonilureia-negativo

e sem anticorpos anti-insulina (6,11).

No nosso paciente em questão foi rea-

lizado o teste de jejum prolongado, que

evidenciou glicemia de 35mg/dL e in-

sulina-7,1 mcg/mL, demonstrando uma

hiperinsulinemia relativa. A RNM de

abdome evidenciou uma lesão hipoin-

tensa entre o corpo e a cauda do pâncre-

as, corroborando a suspeita clínica de

insulinoma. A cirurgia é o tratamento

de escolha para os insulinomas (4,5). A

pancreatectomia subtotal está indicada

no caso de múltiplos tumores ou quando

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14 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

RelATO De cAsO / CaSe RePoRT

não temos uma informação precisa para

a localização do tumor em questão (4,5).

Neste último caso o teste com infusão

intra-arterial seletiva de cálcio pode ser

particularmente útil para identificar o

tumor pancreático secretor de insulina

(3). No caso dos tumores inoperáveis

ainda pode-se tentar o tratamento pa-

liativo visando controlar os episódios

de hipoglicemias, usando drogas como

o diazóxido, a hidroclorotiazida ou até

mesmo o Hidantal® (12).

cOnclusÃO

Apesar de raro, o insulinoma é uma

causa curável de hipoglicemia grave e

recorrente. Deve ser abordado precoce-

mente a partir de sinais clínicos, labo-

ratoriais e radiológicos que sugiram sua

presença, após terem sido descartadas

outras causas para o quadro. A remis-

são completa dos sintomas e a cura são

possíveis com a abordagem adequada.

O prognóstico, na maioria dos casos,

é excelente.

ReFeRÊnciAs BiBliOGRÁFicAs

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Textbook of endocrinology, 2003:1717-62. n

FIGURA 1Lesão hipointensa de aproximadamente 11 mm na cauda do pâncreas

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Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 15

O Desafio da ImagemThe Image Challenge

Analise os dados e as imagens fornecidos e procure chegar ao diagnóstico.A resposta e os comentários se encontram na página 30.

ResuMO – Trata-se do caso de um paciente do sexo masculino, com 36 anos de idade, com tosse produtiva de longa data, apresentando o sinal do halo invertido na tomografia compu-tadorizada de alta resolução. (Conduta Médica 2010-12 (46) 15;30)

aBSTRaCT – It is a case report of a 36-year-old man with productive cough for a long time, presenting reversed halo sign in the high-resolution computed tomography. (Conduta Médica 2010-12 (46) 15;30)

DescRiTORes – tosse; sinal do halo inverti-do; doença pulmonar

KeY-WoRDS – cough; inverted halo sign; pul-monary disease

Autores:Prof. Edson Marchiori Professor Titular e Chefe do Departamento de Radiologia da UFF,Coordenador Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Radiologia da UFRJ

Profa. Gláucia ZanettiDoutora em Radiologia pela UFRJ,Professora de Clínica Médica (Pneumologia) da Faculdade de Medicina de Petrópolis

Paciente masculino, 36 anos, com

Tosse Produtiva de Longa Dataapresentando o sinal do halo invertido na tomografia computadorizada de alta resolução

Case report of a 36-year-old man, with

Longtime Productive Coughpresenting reversed halo sign in the high-resolution computed tomography

FIGURA 1 Tomografia computadorizada de alta resolução (detalhe do pulmão esquerdo) demonstrando duas imagens nodulares com a periferia mais densa (setas), e o centro com atenuação em vidro fosco, caracterizando o sinal do halo invertido

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16 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

Professor, qual sua conduta em um paciente com hipertrigliceridemia?

A CONDUTA DO PROFESSORNeste espaço, renomados professores de Medicina

respondem sobre sua conduta diagnóstica e/ou terapêutica.

O leitor pode enviar sua pergunta para [email protected].

As dislipidemias primárias são classifi-

cadas através dos exames bioquímicos.

Na hipertrigliceridemia isolada, a única

alteração na análise do metabolismo

lipídico é a elevação dos triglicerídeos

(TG) acima de (≥)150 mg/dL. Neste

caso, a estimativa do volume das lipo-

proteínas aterogênicas pela lipoproteína

de baixa densidade (LDL) se torna

menos precisa à medida que aumentam

os níveis plasmáticos de lipoproteínas

ricas em TG. Por isso, em indivíduos

com hipertrigliceridemia, o uso do Não-

HDL-colesterol (= colesterol total -

HDL) estima melhor o volume total de

lipoproteínas aterogênicas que o LDL.

O LDL, que geralmente representa 90%

das partículas aterogênicas no plasma,

passa a ser menos preponderante à

medida que se elevam os níveis de TG.

Nestes, além do aumento de LDL,

ocorre também aumento do volume de

outras lipoproteínas aterogênicas, como

as de densidade intermediária e muito

baixa (IDL e VLDL). Por isso, a meta

terapêutica nos hipertrigliceridêmicos é

mais bem discriminada pelo Não-HDL-

colesterol do que pelo LDL. Todavia, o

uso do Não-HDL-colesterol é indispen-

sável apenas nas hipertrigliceridemias

graves (TG > 400mg/dL), quando não

se pode calcular o LDL pela equação de

Friedewald.

Pacientes com hipertrigliceridemia acen-

tuada devem reduzir a ingestão de gordura

total da dieta. A ingestão de gordura

deve ser no máximo 15% das calorias

diárias. Quando a elevação dos TG é

secundária à obesidade ou ao diabetes

mellitus, recomenda-se dieta hipocalóri-

ca, adequação do consumo de carboidra-

tos e gordura, controle da hiperglicemia

e restrição total do consumo de álcool.

De uma maneira geral, atividade física

regular constitui medida auxiliar para o

controle das dislipidemias. A prática de

exercícios físicos aeróbios pode auxiliar

na redução dos níveis plasmáticos de

TG e no aumento dos níveis de HDL,

mas sem alterações significativas sobre as

concentrações de LDL.

No tratamento da hipertrigliceridemia

isolada, os medicamentos prioritaria-

mente indicados são os fibratos e, poste-

riormente, o ácido nicotínico ou a asso-

ciação de ambos. Pode-se ainda utilizar

o ácido graxo ômega-3, isoladamente

ou em associação com esses fármacos.

Na dislipidemia mista, o nível de TG

deverá orientar como o tratamento

farmacológico será iniciado. Caso os

níveis de TG estejam acima de 500 mg/

dL, deve-se iniciar o tratamento com

um fibrato, adicionando, se necessário,

ácido nicotínico e/ou ômega-3. Nesta

situação, a meta prioritária é a redução do

risco de pancreatite. Após reavaliação,

caso haja a necessidade de redução adicio-

nal da colesterolemia, pode-se adicionar

uma estatina e/ou outros redutores da

colesterolemia. Nestes casos, deve ser

evitado o uso do genfibrozil em associa-

ções entre fibratos e estatinas. Caso os

níveis de triglicérides estejam abaixo de

500 mg/dL, deve-se iniciar o tratamento

com uma estatina isoladamente ou asso-

ciada à ezetimiba, priorizando a meta de

LDL-C ou Não-HDL-C.

Os fibratos são indicados no tratamento

da hipertrigliceridemia endógena quando

ocorre falha das medidas não farmacoló-

gicas. Os disponíveis no Brasil são beza-

fibrato 400-600mg, ciprofibrato 100mg,

etofibrato 500mg, fenofibrato 250mg e

o genfibrozil 600-1200mg. Os níveis de

triglicérides diminuem de 30 a 60%, mas a

redução é mais pronunciada quanto maior

o valor basal da trigliceridemia. Sua ação

sobre o LDL-C é variável, podendo dimi-

nuí-lo, não modificá-lo ou até aumentá-

lo. É infrequente a ocorrência de efeitos

colaterais graves durante o tratamento

com fibratos, que levem à necessidade

da sua interrupção. Podem ocorrer: dis-

túrbios gastrintestinais, mialgia, astenia,

litíase biliar (com clofibrato), diminuição

de libido, erupção cutânea, prurido,

cefaleia e perturbação do sono. Rara-

mente se observa aumento de enzimas

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Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 17

Prof. Mario Fritsch NevesProfessor Adjunto de Clínica Médica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro - RJ)

hepáticas e/ou da creatinofosfoquinase

(CK), também de forma reversível com

a interrupção do tratamento. Casos de

rabdomiólise têm sido descritos com o

uso da associação de estatinas com gen-

fibrozil. Recomenda-se, por isso, evitar

essa associação. Recomenda-se cautela

principalmente nos portadores de doença

biliar, naqueles em uso de anticoagulante

oral (cuja posologia deve ser ajustada),

nos pacientes com função renal diminu-

ída e na associação com estatinas.

O ácido nicotínico reduz a síntese de

TG pelos hepatócitos, diminuindo os

níveis em 20 a 50%. Também pode

reduzir o LDL-C em até 25% e aumen-

tar o HDL-C em até 35%. Pode ser uti-

lizado como alternativa aos fibratos, ou

em associação com esses, em portadores

de hipertrigliceridemia ou dislipidemia

mista. Devido à possibilidade de rubor

facial e prurido com a forma de libera-

ção imediata, e também à descrição de

hepatotoxicidade com a forma de libe-

ração lenta, tem sido preconizado seu

uso na forma de liberação intermediá-

ria, com melhor perfil de tolerabilidade.

Como os efeitos adversos relacionados

ao rubor e ao prurido ocorrem com

maior frequência no início do trata-

mento, recomenda-se dose diária inicial

de 500 mg, aumentando-a após quatro

semanas para 750 mg e depois para 1000

mg, até um total de 1 a 2 g por dia.

O pleno efeito sobre o perfil lipídico

apenas será atingido com o decorrer

de vários meses de tratamento. Com

a forma de liberação intermediária e o

uso de doses atualmente mais baixas de

niacina, outros efeitos como alterações

gastrintestinais, hiperglicemia e hiperu-

ricemia se tornaram mais raros.

Os ácidos graxos ômega-3 são derivados

do óleo de peixes provenientes de águas

frias e profundas, e reduzem a síntese

hepática dos TG. Os mais importantes

são o eicosapentaenoico (EPA) e o

docosahexaenoico (DHA). Em altas

doses (4-10 g ao dia) reduzem os TG e

aumentam discretamente o HDL. Por

outro lado, podem aumentar o LDL-C.

Em portadores de doença arterial co-

ronária, a suplementação de 1g/dia de

ômega-3 em cápsulas reduziu em 10%

os eventos cardiovasculares. Portanto,

os ácidos graxos ômega-3 podem ser

utilizados como terapia adjuvante na

hipertrigliceridemia ou em substitui-

ção a fibratos, niacina ou estatinas em

pacientes intolerantes.

A principal interação entre hipolipe-

miantes ocorre entre os fibratos e as es-

tatinas. Embora estes fármacos tenham

essa característica, não há uma contrain-

dicação absoluta ao uso concomitante de

ambos, desde que haja vigilância clínica

cuidadosa. Essa interação é particular-

mente encontrada nas associações com

o genfibrozil, devendo-se, por isso, evitar

usar esse fibrato nas associações. Além

dos fibratos, a associação de estatinas

com o ácido nicotínico também deve

ser realizada com cautela. A possível

interação entre os medicamentos hipoli-

pemiantes e outros produtos de utilização

frequente deve ser sempre lembrada,

devendo ser consultadas tabelas de in-

terações antes da associação de vários

medicamentos em um mesmo paciente.

BiBliOGRAFiA

IV Diretriz Brasileira sobre Dislipi-

demias e Prevenção de Aterosclerose.

Arq Bras Cardiol 2007; 88(Supl 1):1-19.

J Genest, R McPherson, J Frohlich,

et al. 2009 Canadian Cardiovascular

Society/Canadian guidelines for the

diagnosis and treatment of dyslipid-

emia and prevention of cardiovascular

disease in the adult. Can J Cardiol

2009;25(10): 567-579. n

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18 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

sessÃO clínicA / CliniCal SeSSion

Dor e Fraqueza em MembrosPain and Weakness in Limbs

Sessão clínica realizada em 13 de novembro de 2009 na 34a Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro - RJ)

Relatoras:Bruna Silva GuimarãesPriscila Silva CorreiaInternas da Escola de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques (FTESM)

Participantes:Prof. Fernando NascimentoChefe de Serviço da 34a Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ)Professor Titular de Clínica Médica da Escola de Medicina da FTESMProfessor Assistente da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho (UGF)

Onofre Mendes da Costa NetoLuana Pimenta NunesLuana Bezerra da RochaMarcela Bedim LannesVanessa Fernandes SoaresWellison V. S. da SilvaLuana Carla de Oliveira BatistaInternos da FTESM e da UGF

inTeRnA PRiscilA

Identificação: Paciente do sexo femi-

nino, 60 anos, negra, natural do Rio

de Janeiro (RJ), casada, costureira,

evangélica. Internada na Santa Casa

em 30/9/2009.

Queixa Principal: “dor e fraqueza no

braço direito e perna direita”.

História da Doença Atual: Paciente

refere dor em todo o membro superior

direito (MSD) e o membro inferior

direito (MID), mantendo a postura de

segurar o braço com a mão esquerda,

com hiperestesia ao toque. Simultane-

amente, apresenta edema em 1/3 distal

do MSD e fraqueza muscular da cintura

escapular e pélvica. Relata artralgia em

joelho, tornozelo, mão, punho e coto-

velo direitos, acompanhada de rigidez

matinal das articulações interfalange-

anas proximais e distais, que melhora

com o decorrer da manhã. Refere

também edema bipalpebral, principal-

mente pela manhã. Há 10 anos iniciou

quadro de dor no pé direito em fisgada

e contínua, que não era aliviada com

analgésicos. A dor progrediu para todo o

MID, e era associada à fraqueza muscular

da cintura pélvica, com dificuldade de

levantar a partir da posição sentada, de

subir escada e cruzar as pernas. Havia

também dor e edema nas articulações do

tornozelo e do joelho direito, progredindo

para as articulações do membro inferior

esquerdo. Apresentava hiperpigmen-

tação em joelhos e cotovelos, além de

manchas violáceas na região periorbitária

bilateralmente. Após dois anos desse

quadro, iniciou dor e edema nas falanges

proximais das mãos, nas articulações

metacarpofalangeanas e nos cotovelos,

além de fraqueza na cintura escapular que

a impedia de pentear os cabelos, estender

roupas no varal e lavar louças.

ResuMO – Discussão de caso clínico de paciente feminina, de 60 anos de idade, com dor em membros superior e inferior direitos, com hiperestesia ao toque e edema, além de fraqueza muscular da cintura esca-pular e pélvica, artralgia e rigidez matinal em articulações. A sessão clínica foi realizada na 34a Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (Conduta Médica 2010-12 (46) 18-21)

aBSTRaCT – It is a discussion of a clinical case of a 60-year-old female patient, relating pain in right superior and inferior limbs, hyperesthesia and edema, besides muscle weakness in scapular and pelvic waist, arthralgia and matutinal stiffness in joints. The clinical session took place in the 34th Infirmary of Santa Casa Hospital of Rio de Janeiro. (Conduta Médica 2010-12 (46) 18-21)

DeSCRiToReS – fraqueza muscular; artralgia; rigidez matinal

KeY-WoRDS – muscle weakness; arthralgia; matutinal stiffness

18 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

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Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 19

>

Há três anos foi encaminhada ao

Serviço de Clínica Médica da Santa

Casa, na 34ª Enfermaria, para inves-

tigação da fraqueza muscular associada

à artralgia. Nesse período foi realizada

uma série de exames para investigação

do diagnóstico. A paciente foi inter-

nada outras vezes devido à reativação

da doença, avaliação laboratorial e

controle medicamentoso.

História Patológica Pregressa: VCI;

hipertensa há 30 anos, em uso de

amlodipina, e hidroclorotiazida; cole-

cistectomia há dois anos; histerectomia

com ooforectomia há 20 anos devido a

sangramento por pólipo uterino; fratura

de tornozelo há seis anos devido a queda

da própria altura por dor em MIE.

Nega hepatite, DST, hemotransfusão

e alergia medicamentosa. Relatou uma

glicemia de jejum de 300mg/dl avaliada

no Programa de Ação Global, pós-café

da manhã.

História Familiar: Pais hipertensos,

falecidos por infarto agudo do mio-

cárdio (mãe aos 79 anos e pai aos 74

anos). Tem quatro irmãos: dois saudá-

veis e dois hipertensos; uma irmã com

artrite reumatoide. Filhos saudáveis.

História Fisiológica: Nascida de parto

vaginal, a termo, por parteira, desen-

volvimento psicomotor normal. GIII/

PIII/A0.

História Social: Nega etilismo e taba-

gismo; tem boas condições de moradia,

com saneamento básico; tem alimen-

tação qualiquantitativa satisfatória;

mora com o marido e não tem animais

domésticos.

eXAMe FísicO

Sinais Vitais: PA - 160 x 120 mmHg

(MSE); FC - 64 bpm; FR - 18irpm; Tax

- 36,3o; peso - 78,3Kg; altura - 1,56m;

IMC - 32,2Kg/m². Paciente em bom

estado geral, lúcida, orientada e coo-

perativa ao exame. Acianótica, anic-

térica, hidratada e normocorada. Com

edema bipalpebral e hiperpigmentação

periorbitária. Sem linfoadenomegalia

palpável. Marcha claudicante, membro

superior direito fletido junto ao corpo,

em atitude de defesa.

Aparelho Respiratório: Tórax atípico,

com elasticidade e expansibilidade

preservadas, murmúrio vesicular uni-

versalmente audível (MVUA), sem

ruídos adventícios (RA).

Aparelho Cardiovascular: Íctus não

visível e não palpável, RCR em 2T,

BNF, sem sopros ou extrassístoles.

Abdômen: Flácido, peristáltico, cicatriz

de colecistectomia, dor à palpação su-

perficial na região epigástrica e em todo

o hemiabdome direito, sem massas ou

visceromegalias, Traube livre.

Membros Inferiores: Panturrilhas sem

empastamento, presença de edema no

tornozelo e joelho direitos, com sinais

inflamatórios. Pulsos pediosos palpáveis

e simétricos.

Membros Superiores: Edema no

ombro, cotovelo, punho e articulações

interfalangeanas proximais e distais.

PROF. FeRnAnDO

Ao fazer o relato da anamnese e do exame

físico da nossa paciente, a Priscila desta-

cou uma história com comprometimento

osteomuscular e cutâneo, com referência

a associação com hipertensão arterial e

elevação de glicemia pós-prandial, além

de uma história familiar de doença car-

diovascular e articular. Os participantes

podem opinar, ou fazer alguma pergunta

à relatora. Eu pergunto à interna Luana

Pimenta: qual é a sua opinião sobre o

caso? Juntando todos os aspectos citados,

quais os seus diagnósticos?

inTeRnA luAnA

Pela descrição do caso, acho que se trata

de uma provável dermatopolimiosite.

As máculas, as dores articulares e a

fraqueza muscular falam a favor dessa

patologia. Apesar da história familiar

de artrite reumatoide, a dor articular que

ela apresenta não é característica dessa

doença. Na artrite reumatoide existem

outros critérios tais como rigidez matinal,

acometimento simétrico de pequenas

articulações está presente, e não seria

comum o aparecimento de manchas e

nem de fraqueza proximal.

PROF. FeRnAnDO

Com artrite ou artralgia não caracte-

rística, associada a fraqueza muscular

(como apresenta a paciente) e lesões

cutâneas, podemos pensar no diagnós-

tico que você citou. Porém, lembro que

a rigidez matinal não é própria da artrite

reumatoide. Existem alguns relatos

de artrites iniciais na dermatomiosite,

iguais à artrite reumatoide. Como se

explica o comprometimento muscular?

A interna Bruna vai responder à minha

pergunta e fazer alguns diagnósticos

Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 19

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sessÃO clínicA / CliniCal SeSSion

diferenciais, já que ela e a Priscila

viram todos os prontuários desde a

primeira internação até a última, no

nosso Serviço.

inTeRnA BRunA

Então, como formulação diagnóstica,

temos uma paciente de meia-idade

apresentando artrite em membro supe-

rior direito (MSD) e membro inferior

direito (MID) associada a fraqueza mus-

cular proximal simétrica, e com lesões

dermatológicas violáceas em pálpebras,

e hipercrômicas em cotovelos e joelhos.

Como hipóteses diagnósticas, temos as

seguintes: artrite reumatoide, hipoti-

reoidismo, miastenia gravis, miopatia

por corticoide, polimiosite e dermato-

polimiosite. Para o hipotireoidismo,

faltavam outros sintomas, tais como

bradicardia, hiporreflexia e alopecia. O

comportamento da fraqueza muscular

da paciente falava contra a miastenia

gravis, pois não há piora progressiva da

fraqueza com o passar do dia. Como a

paciente já estava em uso de corticoide,

não poderíamos nos esquecer da mio-

patia por corticoide. Como a fraqueza

era proximal, simétrica, acometendo

cintura escapular e pélvica, pensamos

também em polimiosite. Com esse

quadro, associando-se à macula violácea

periorbitária, também levantamos a

hipótese de dermatopolimiosite.

PROF. FeRnAnDO

É importante salientar que existem as

miopatias não inflamatórias (algumas já

citadas pela Bruna) como as endócrinas,

e, dentre estas, além do hipo e hiperti-

reoidismo, temos o diabetes melitus, a

acromegalia e a síndrome de Cushing.

Não podemos deixar de citar as miopa-

tias induzidas pelas estatinas e fibratos,

visto que se trata de uma paciente com

hipertensão arterial – e hoje é muito

comum o uso dessas drogas para o con-

trole das dislipidemias. Por fim, temos

as neuropatias como fazendo parte do

diagnóstico diferencial das miopatias

não inflamatórias.

inTeRnA BRunA

Ao levantarmos o histórico de interna-

ções dela encontramos que, em 2006, ela

foi internada para diagnóstico, quando

uma eletroneuromiografia apresentou

padrão característico de miopatia, sem

o padrão característico da miastenia

gravis (afastando esse diagnóstico), e um

exame oftalmológico mostrou retinopa-

tia hipertensiva. O FAN era positivo,

o fator reumatoide negativo (sendo

este fator positivo em 80% dos casos

de artrite reumatoide, afastamos este

diagnóstico pelo que foi dito); o TSH

e o T4 eram normais. Em janeiro de

2007 queixava-se de dispepsia, disfagia

alta, plenitude pós-prandial e dispneia

associada à alimentação. A endoscopia

digestiva alta mostrou gastrite endoscó-

pica enantematosa moderada de corpo.

Em abril do mesmo ano, queixou-se de

constipação intestinal, sangramento

anal, tenesmo e dor anal. A colonos-

copia mostrou processo hemorroidário.

Em setembro de 2008 foi realizada uma

ecocardiografia que mostrou dimensões

cavitárias normais, leve hipertrofia ven-

tricular esquerda, função sistólica normal

e disfunção diastólica do VE por déficit

de relaxamento ao Doppler, além de re-

gurgitação tricúspide mínima sem sinais

de hipertensão arterial pulmonar. Já

em 2009 um eletrocardiograma mostrou

FIGURA 3Radiografia de tórax em PA

FIGURA 1Aspecto em 2006 e 2009

FIGURA 2Aspecto das mãos, que não apresentavam as lesões em mão de mecânico nem as pápulas de Grotton

20 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

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hemibloqueio anterior esquerdo, que é

um achado da dermatopolimiosite. A

avaliação oftalmológica detectou catara-

ta e retinopatia hipertensiva. O VHS foi

de 32 mm na primeira hora nessa última

internação. Outros exames laboratoriais

estão na Tabela 1. No início da doença

ela manteve os níveis mais altos de CPK,

mostrando lesão muscular, assim como a

LDH. A radiografia de tórax (ver figura

3) não evidenciava alterações pulmona-

res, apenas um alargamento mediastinal

e da área cardíaca.

PROF. FeRnAnDO

A CK é o melhor parâmetro para avaliar

o acometimento muscular. Ela é a mais

sensível das enzimas musculares, mas

não é a mais específica. Está aumentada

em 95% dos pacientes. Vale lembrar

que a CK possui três isoenzimas: a

CK-MB é oriunda do músculo cardíaco;

a CK-MM, do músculo esquelético, e a

CK-BB provém do tecido cerebral. A

aldolase tem sua importância quando o

valor de CK se encontra baixo. Não foi

realizada biópsia muscular, pois havia

dados clínicos e laboratoriais compa-

tíveis com o diagnóstico. Quanto aos

anticorpos, na DM encontra-se o anti-

Mi-2 em 20% dos casos, principalmente

nos que apresentam o sinal do decote

em V e o “sinal do xale”. Bruna, qual o

tratamento estipulado para a paciente?

inTeRnA BRunA

O tratamento da dermatopolimiosite

se baseia no uso de glicocorticoide na

dose de 1mg/kg/dia por 21-30 dias para

a remissão da doença. A dose, então, é

reduzida gradualmente nas 10 semanas

seguintes. Adiciona-se azatioprina ou

metotrexate quando não há resposta

aos esteroides em um a dois meses,

quando as recaídas são frequentes ou

para poupar os esteroides. Nesta última

internação, a conduta na nossa paciente

foi administrar 30 mg de corticoide

diariamente e 5 mg de metotrexate

uma vez na semana. Aumentamos a

dose de corticoide para 40 mg devido à

ativação da doença. Após duas semanas

a paciente reiniciou o quadro de fra-

queza muscular, porém sem artralgias.

Reduzimos a dose da prednisona para

30 mg novamente, o que a manteve

em remissão.

PROF. FeRnAnDO

A dermatopolimiosite pode evoluir com

ativações e remissões. Nos últimos anos

a expectativa de vida aumentou acima

TABELA 1 Exames Laboratoriais

Data CPK LDH TGO VHS Aldolase

17/10/06 275 375 16.4 - -

16/1/07 175 444 10.7 - -

13/2/07 122 427 14 35 -

25/4/07 126 377 7 15 -

8/5/07 99 410 17 - -

11/9/07 - - 25 18 -

24/9/07 59 507 13 9 3.2

28/9/07 - - - 16 -

12/2/08 129 385 12 27 -

19/2/08 59 349 - 20 -

6/3/08 68 416 - - -

2/7/08 - 575 25 32 8.7

1/10/08 164 258 10 20 -

7/10/08 156 - - 17 -

1/10/09 - - - 32 -

de 15 anos em 80 % dos casos. Fatores

que determinam mau prognóstico são

idade avançada no início da doença,

disfagia, comprometimento pulmonar,

associação com neoplasia e não res-

posta ao tratamento. Alguém gostaria

de fazer outros comentários? Eu quero

agradecer a presença de todos, ao acadê-

mico da UFF Rafael Souza Gomes, que

veio gravar a sessão, e especialmente à

revista Conduta Médica, pela divulga-

ção do nosso trabalho.

Muito obrigado e tenham um bom

dia! n

Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 21

Os participantes da sessão na Santa Casa

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Exposição Periparto ao Varicela Zoster Peripartum Exposure to Varicella-Zoster Virus

RelATO De cAsO / CaSe RePoRT

Autores:Prof. Israel Figueiredo JuniorProfessor do Curso de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Christina ZambonLudimila CavalcanteMartha LiraNaiala CalheirosViviane Barrada Internas do Curso de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Colaboradoras:Dra. Kátia TeixeiraDra. Cristine DiasMédicas Neonatologistas da Maternidade Municipal Alzira Reis

ResuMO – A varicela neonatal é uma patologia grave, associada com uma taxa de mortalidade de 35%. Recém-nascidos de mães expostas ao vírus varicela zoster (VZV) ou com doença clinicamente manifesta duas semanas antes do parto são de maior risco para a infecção. O objetivo dos autores é relatar um caso de gestante exposta ao VZV apresentando manifestações clínicas da doença 48h antes do parto e discutir o seu manejo clínico. (Conduta Médica 2010-12 (46) 22-25)

aBSTRaCT – Neonatal varicella is a serious illness associated with a mortality rate up to 35 percent. Newborns born to mothers who are exposed to VZV or have clinical disease manifestations within two weeks of delivery are at the greatest risk for infection. The authors describe newborn exposure to varicella zoster virus from the mother who presented clinical manifestations of the disease 48 hours before delivery, and discuss its management. (Conduta Médica 2010-12 (46) 22-25)

DescRiTORes – varicela neonatal; vírus varicela zoster

KeY-WoRDS – neonatal varicella; varicella zoster virus

inTRODuÇÃO

O vírus varicela zoster (VVZ) é um al-

fa-herpesvírus humano de distribuição

universal, não tendo sido observada

qualquer diferença de prevalência em

relação à raça e ao sexo.1 No período

de 1998 a 2002 foram registradas no

SIH-SUS 6.558 internações por vari-

cela, com média anual de 1.312 casos.

O maior número de hospitalizações

encontra-se na faixa etária de um a

quatro anos, seguido dos menores de

um ano e de cinco a nove anos de

idade.2 Como é característico aos

herpesvírus, ele estabelece latência

nas células ganglionares dos nervos

sensoriais após infecção primária. O

vírus causa varicela na primo infecção

e herpes zoster quando existe reati-

vação.1

A infecção primária resulta da inocu-

lação respiratória do vírus. Durante a

parte inicial do período de incubação,

que dura de 10 a 21 dias, o vírus se

replica nas vias respiratórias, provo-

cando a seguir uma viremia subclínica

breve.1 O quadro clínico em geral é

autolimitado, apresentando período

prodrômico seguido pelo aparecimento

de máculas, bem delimitadas e de base

eritematosa, que evoluem para pápulas

e, posteriormente, para vesículas de

bordas e dimensões irregulares. A fase

final se caracteriza pela formação de

crostas que se desprendem sem deixar

cicatriz, correspondendo à segunda fase

virêmica. A transmissão pode ocorrer

de 24 a 48 horas antes do início das

erupções, até que as vesículas formem

crostas, geralmente de três a sete dias

da exposição.1,3 Característica im-

portante é a evolução por surtos com

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Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 23

lesões em várias fases de evolução.

A ocorrência de varicela durante o

primeiro e o segundo trimestres da

gestação aumenta o risco de síndrome

da varicela congênita em 0,5-1,5%,

sendo cerca de 2% dos recém-natos

(RN) afetados pela síndrome.4 Os RN

afetados apresentam baixo peso para a

idade gestacional, lesões cicatriciais de

pele, hipotrofia de membros, microf-

talmia, catarata, coriorretinite, atrofia

do nervo ótico e retardo mental. Com

o aumento da vacinação, é esperada

uma diminuição dos casos de varicela

neonatal.1, 5, 6, 7, 8

Já no período perinatal, o feto pode

ou não ser agredido, dependendo do

momento da infecção materna.1,6

O objetivo deste trabalho é relatar um

caso de infecção perinatal pelo VVZ.

RelATO De cAsO

Identificação: Recém-nato do sexo mas-

culino, nascido em 4/7/09 às 22h45min,

de parto vaginal, na Maternidade Mu-

nicipal Alzira Reis em Niterói (RJ).

História Obstétrica Atual: Mãe de

18 anos de idade, parda, natural e

residente em Niterói (RJ), gesta II

parto I aborto 0, com data da última

menstruação em 7/10/08. Realizou

sete consultas de pré-natal, sem inter-

corrências durante a gestação. Soro-

logias para sífilis, HIV, toxoplasmose,

rubéola não reatoras.

Nega hipertensão, diabetes ou qualquer

outra patologia, assim como alergia

medicamentosa.

Procurou a Maternidade queixando-se

de dor em baixo ventre e disúria, tra-

zendo um EAS realizado no mesmo dia,

no Hospital Estadual Azevedo Lima,

cujo resultado foi de aumento da flora

bacteriana, tendo sido administrada

cefalotina. Procedeu-se à internação

com diagnóstico de pródromos de tra-

balho de parto.

Durante a internação foram identificadas

lesões máculo-papulares em face e tronco

da gestante, além de vesículas preen-

chidas por líquido seroso (ver figura 1),

associadas a prurido em couro cabeludo.

Segundo relato da gestante, as lesões

apareceram dois dias antes do parto, não

tendo havido contato com ninguém

que estivesse com lesões semelhantes.

Porém relata ter participado do período

de adaptação da filha de dois anos na

creche uma semana antes do apareci-

mento das lesões.

Foi feito contato com Centro de Con-

trole de Infecção Hospitalar, que re-

comendou isolamento de contato e

respiratório para a gestante.

Dados do Parto: Parto vaginal reali-

zado às 22h45 do dia 4/7/09; tempo de

bolsa rota - 25min; líquido amniótico

claro com grumos, normohidrâmnio.

RN vivo, único, do sexo masculino,

APGAR 9/9; cordão umbilical com

duas artérias e uma veia. Foram feitos,

ainda na sala de parto, credê, vitamina

K e vacina hepatite B.

Exame Físico do RN: Peso - 3270g;

estatura - 49 cm; perímetro cefálico

- 34 cm; perímetro torácico - 33 cm;

frequência respiratória - 37 irpm; fre-

quência cardíaca - 121 bpm; capurro

somático de 39 semanas + quatro dias.

Recém-nato rosado, sem cianose,

anictérico, eupneico, com boa perfu-

são capilar.

Cabeça e Pescoço: Fontanela anterior

normotensa, 3,0 x 2,0 cm; fontanela

posterior não palpável.

Aparelho Respiratório: Murmúrio

vesicular universalmente audível, sem

ruídos adventícios.

Aparelho Cardiovascular: Ritmo car-

díaco regular em dois tempos, bulhas

normofonéticas, ausência de sopros.

Abdome: Normal; eliminou mecônio;

ausência de massas ou visceromegalias.

Membros: Os quatro membros semi-

fletidos, com tônus normal. Sinal de

Ortolani negativo.

Genitália: Normal, masculina; ânus

perfurado.

Sistema Nervoso Central: Choro e

tônus normais; reflexos primitivos pre-

sentes e normais.

Evolução na Maternidade: A materni-

dade optou por isolar mãe e recém-nato

dos demais pacientes internados; porém

não foi realizado isolamento de contato

entre a puérpera e seu filho, somente

isolamento respiratório e atenção no ma-

nuseio, por conta de limitação de espaço

físico. Após o isolamento o recém-nato

recebeu 1,25 mg de imunoglobulina para

varicela zoster (IgVZ) intramuscular em

menos de 24 horas de vida.

Com 48h de vida o recém-nato apre-

sentou quadro de hiperbilirrubinemia

indireta, Coombs direto negativo, sem

queda de hematócrito, sendo submetido

à fototerapia com regressão do quadro.

Recebeu alta hospitalar com quatro dias

de vida em boas condições clínicas, em

aleitamento materno.

Evolução Domiciliar: Foi realizado

contato telefônico sete dias e 60 dias

após a alta. No primeiro momento, a

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FLUXOGRAMA 1 mãe relatou que suas lesões se encon-

travam em fase de resolução, tendo o

recém-nato permanecido assintomático

em ambos os contatos.

DiscussÃO

A varicela materna pode infectar o feto/

recém-nato pelas seguintes vias: viremia

transplacentária, infecção ascendente

durante o nascimento no canal do parto

ou na genitália externa, por gotículas

respiratórias ou por contato direto com

lesões infectadas, levando à infecção

após o nascimento. 9

Quanto à evolução fetal e neonatal após

a exposição, em qualquer estágio da

gestação, pode acarretar riscos de morte

intrauterina ou zoster na infância. Nas

primeiras 20 semanas de gestação há um

risco de 1-2% de desenvolver varicela

congênita com mortalidade de 30%. 8

A varicela que se manifesta com mais

de cinco a seis dias antes do parto gera

um risco de 20 a 50% de desenvolver

varicela neonatal benigna até 10 a 12

dias pós-parto, com mortalidade de 5%,

sendo as lesões brandas devido à prote-

ção materna por passagem de anticorpos

via placentária.1, 5 Quando a infecção

ocorre entre quatro a cinco dias antes e

dois dias após o parto, desencadeia a va-

ricela neonatal em 20 a 50% dos casos

dentro de quatro dias do nascimento,

com mortalidade de ~3%. Quando o

recém-nato manifesta infecção entre

cinco dias e 10 a 12 dias depois do nas-

cimento há um risco de mortalidade de

cerca de 20% 6, em função da ausência

de anticorpos transplacentários.

Chama a atenção a disúria apresentada

pela mãe, sem a confirmação de infec-

Fonte: Varicella-zoster virus infection in pregnancy – http://www.uptodate.com/online/content/topic.do?topicKey=viral_in/4765&selectedTitle=1%7E150&source=search_result

FIGURA 1Foto da paciente 24 horas após o parto e do recém-nato 48 horas após receber imunoglubulina

RelATO De cAsO / CaSe RePoRT

VARICELA MATERNA

Exposição recente ao varicela zoster

Verificar imediatamente o estado sorológico

IgG positivo

(imunidade prévia)

Sorologia negativa

(indivíduo susceptível)

Não fazer VZIG

VZIG em 24-72h

(até 96h)

Primeiro e segundo

trimestres

Terceiro trimestre

1. Informar que o risco de infecção congênita é baixo (2%)

2. Observar a mãe para sinais/sintomas de pneumonia por VVZ

3. Considerar aciclovir para reduzir duração das lesões ativas

4. Considerar diagnóstico pré-natal; considerar USG seriada

≥ 5-21 dias antes do parto

4 dias antes do parto ou 2 dias após o parto

1. Observar

2. Considerar aciclovir

1. Fazer VZIG no neonato

2. Isolar o neonato e a mãe se houver lesão

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ção urinária. É conhecida a possível

agressão de toda a mucosa pelo vírus

varicela zoster (VVZ). Provavelmente

existiu o contato do recém-nato com

o vírus já na passagem pelo canal de

parto e genitália materna, já que esse

dado semiótico é um indicativo de lesão

genital. Também existiu um contato

não programado com a mãe após o

nascimento, já que o recém-nato não

foi afastado da mesma. Provavelmente

os cuidados de barreira tiveram um

papel de fundamental importância no

desfecho favorável desse caso. Também

ficou evidente que, ao iniciar a varicela

dois dias antes do parto, esse recém-

nato não deveria apresentar anticorpos

maternos e, portanto, teria que ter sido

encarado como um recém-nato sem

defesas específicas e um afastamento

transitório decretado.

A imunoglobulina para o vírus varicela

zoster deve ser administrada visando

à prevenção do desenvolvimento da

doença nos recém-natos (1,25ml/kg)

e puérperas expostas. Deve ser admi-

nistrada até 96 horas após a exposição,

embora existam evidências que indicam

o benefício até 10 dias após a expo-

sição9, mostrando eficácia moderada

em prevenir infecção pós-exposição.

Em um estudo realizado com crianças

imunossuprimidas expostas ao vírus em

ambiente domiciliar, a imunoglobulina

foi eficaz em 60% dos casos 10, e os pa-

cientes necessitaram ser acompanhados

28 dias após exposição devido à capaci-

dade de a imunoglobulina prolongar o

período de incubação. Considerou-se

que essa medida, realizada no recém-nato

nas primeiras 24 horas de vida, aliada ao

rígido manuseio do recém-nato, geraram

um estado de proteção, apesar do contato

íntimo durante o aleitamento. Também

o acompanhamento demonstrou não

terem ocorrido complicações nas semanas

subsequentes ao nascimento. Caso desen-

volvesse doença, o aciclovir intravenoso

deveria ser empregado.

Uma estratégia para o manejo nos casos

de exposição à doença foi sugerida no

fluxograma 1.

Medidas de controle para a prevenção

da disseminação nosocomial do VVZ já

foram descritas na literatura, mas os pro-

tocolos não são padronizados. Em situa-

ções de exposição ao VVZ em unidade de

terapia intensiva neonatal e emergência,

o controle pode ser realizado pela triagem

de todos os recém-natos expostos e todos

os funcionários da unidade com status

sorológico incerto. Nesse caso foi feita

pesquisa de anticorpos para VVZ, e os

funcionários e recém-nato colocados sob

quarentena por 28 dias.

cOnclusÃO

Apesar da relativa gravidade enfrentada

pelo binômio mãe-filho e a impossibili-

dade estrutural de afastamento transi-

tório de mãe e recém-nato, as medidas

implementadas (IgVZ no recém-nato,

máscara na mãe, lavagem constante

das mãos, isolamento e aleitamento

materno) foram suficientes para uma

evolução benigna. É importante que

as maternidades tenham essas medidas

bem definidas para uma resposta exata

a cada caso, principalmente durante os

surtos anuais de varicela.

A mãe autorizou todas as fotos expostas

neste artigo.

BiBliOGRAFiA

1. SMITH, C.K.; ARVIN, A. M. Varicella in

the fetus and newborn. Seminars in Fetal &

Neonatal Medicine, 2009; 14:209-217.

2. BRASIL MINISTÉRIO DA SAÚDE.

Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de

Vigilância Epidemiológica. 6 ed Brasília,

Ministério da Saúde, 2005. 816p.

3. Richard E. et al. Nelson: Tratado de pedia-

tria. 17ed. NY Elsevier, 2005. p.1125-1130.

4. MARTINS, W.P.; NASTRI, C.O.;

BARALDI, C.O.; DUARTE, G.; MAUAD-

FILHO, F. Varicella in pregnancy. Femina,

2006, 35(5):323-328.

5. DUFOUR, P.; BIEVRE, P.; VINATIER, D.;

TORDJEMAN, N.; LAGE, B.; VANHOVE,

J.; MONNIER, J. C. Varicella and pregnancy.

European Journal of Obstetrics & Gynecology

and Reproductive Biology,66 (1996):119-123.

6. SAUERBREI, A.; WUTZLER, P. The

congenital varicella syndrome. Journal of

Perinatology, 2001; 21: 545-549.

7. BIRTHISTLE, K.; CARRINGTON, D.

Fetal varicella syndrome – a reappraisal of

the literature. Journal of Infection, 1998;

36(1):25-29.

8. PINOT DE MOIRA, A.; EDMUNDS,W.

J.; BREUER, J. The cost-effectiveness of

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partum vaccination of susceptibles. Vaccine,

2006;24:1298-1307.

9. NATHAWANI, D.; MACLEAN, A.;

CONWAY, S.; CARRINGTON, D. Varicella

infections in pregnancy and the newborn.

Journal of Infection, 1998;36(1):59-71.

10. ZAIA, J. Evaluation of varicella-zoster

immune globulin: protection of immunosup-

pressed children after household exposure to

varicella. J Infect Dis 1983; 147:737. n

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RelATO De cAsO / CaSe RePoRT

Doença Pulmonar Intersticial Associada à DermatomiositeInterstitial Lung Disease on Patient with Dermatomyositis

Autores:Dr. Nicolau Pedro MonteiroProfessor do Serviço de Pneumologia do Huap/UFF

Dr. Carlos Roberto Moraes de AndradeProfessor do Serviço de Pneumologia do Huap/UFF

Dra. Gladis Isabel YamparaMédica da Especialização-2 do Serviço de Pneumologia do Huap/UFF

Márcia Dias MartinsJúlia Lusis Lassance CunhaInternas do Curso de Medicina da UFF

ResuMO – A dermatomiosite é uma doença multissistêmica de etiologia desconhecida caracterizada por fraqueza muscular proximal, degeneração da célula muscular e alterações cutâneas características. Quanto à sua gênese, as hipóteses mais aceitas sugerem a associação de múltiplos fatores e envolvimento autoimune. O quadro clínico pode variar de acordo com a forma de miopatia, podendo haver também a dermatomiosite sem miosite ou dermatomiosite amiopática. O objetivo desse relato é estudar e mostrar a gravidade da associação de ambas as doenças, tanto a pulmonar (doença pulmonar intersticial [DPI]) como a “dermatológica-reumatológica”. A DPI acomete de 20 a 65% dos pacientes com dermatomiosite e pode estar presente antes das alterações cutâneas e musculares – o que pode dificultar o seu diagnóstico. (Conduta Médica 2010-12 (46) 26-29)

aBSTRaCT – Dermatomyositis is a multisystem disease of unknown etiology characterized by proximal muscle weakness, muscle cell degeneration and skin changes characteristics. As for its origin, the most accepted hypotheses suggest a combination of multiple factors and autoimmune involvement. The clinical picture may vary according to the form of myopathy may be also dermatomyositis without myositis or dermatomyositis. The purpose of this report is to study and show the seriousness of the association of both diseases, as the lung (interstitial lung disease [ILD]), such as the dermatology and rheumatology involvement. ILD affects from 20 to 65% of patients with dermatomyositis and may appear before the skin and muscles changes, which may hinder the diagnosis. (Conduta Médica 2010-12 (46) 26-29)

DescRiTORes – dermatomiosite; doença pulmonar intersticial; polimiosite

KeY-WoRDS – dermatomyositis; interstitial lung disease; Polymiosytis

inTRODuÇÃO

As miopatias inflamatórias idiopáti-

cas são um grupo de desordens raras

caracterizadas por fraqueza muscular

proximal e inflamação não supurativa

do músculo esquelético, com achados

eletroneuromiográficos característicos

e aumento das enzimas musculares.

Nesse grupo estão incluídas a polimio-

site (PM), a dermatomiosite (DM), a

miosite por corpúsculo de inclusão, a

miosite associada com neoplasia e a

miosite associada com doença vascular

do colágeno. Apresentam uma baixa

incidência na população geral (0,5 a

8,4 casos por milhão de pessoas), e em

todas as formas de miosite as mulheres

são mais acometidas, em uma relação de

2:1. A DM, especificamente, é quatro

vezes mais frequente em mulheres

negras.[1]

A etiologia da PM e DM é desconhe-

cida; são aventados fatores genéticos e

envolvimento autoimune. As apresen-

tações clínicas variam com a forma de

miopatia. Na PM há fraqueza muscular

proximal progressiva, comprometimen-

to da parede posterior da faringe e do

terço proximal do esôfago, artralgias

e acometimento pulmonar intersti-

cial com alveolite ativa, evoluindo

com fibrose pulmonar (geralmente

simétrica) predominante nas bases e

regiões pulmonares inferiores. A DM

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Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 27

assemelha-se bastante à PM, com a

inclusão de achados cutâneos carac-

terísticos como pápulas de Gottron,

lesão em heliótropo, eritema macular

fotossensível na face, ombros e pescoço

ou nas superfícies extensoras dos dedos,

cotovelos e joelhos. Uma forma rara

de DM é a dermatomiosite sem miosite

ou dermatomiosite amiopática, em

que os sinais cutâneos são encontrados

sem comprometimento muscular. A

doença pulmonar intersticial (DPI) é

reconhecida como uma manifestação

direta de PM/DM presente na radio-

grafia pulmonar em 7% dos pacientes e

associada a um mau prognóstico.[2] As

manifestações clínicas são semelhantes

às da fibrose pulmonar idiopática (FPI):

dispneia, tosse improdutiva e estertores

inspiratórios. Na radiografia de tórax

podemos encontrar opacidades reticu-

lares ou nodulares difusas, com ou sem

componente alveolar e predomínio

nas bases. Os padrões histopatológicos

descritos em pacientes com PM/DM

associada a DPI incluem bronquiolite

obliterante com pneumonia em organi-

zação (BOOP), pneumonia intersticial

usual (UIP) e dano alveolar difuso.

No entanto, artigos publicados mais

recentemente reconhecem a pneumo-

nia intersticial não usual (NSIP) como

o padrão mais comum associado à PM/

DM. [2]

RelATO DO cAsO

Identificação: Paciente do sexo femi-

nino, 49 anos, negra, casada, natural

de Alegre (ES), residente no Rio de

Janeiro, vendedora autônoma há 10

anos, evangélica.

Queixa Principal: “tosse e cansaço”.

Paciente relata tosse seca e progressiva

com 20 anos de evolução e há dois

anos crises seguidas de dispneia, que

parece ser desencadeada e agravada

pela ingesta de leite e refrigerante e por

contato com odores mais pronunciados

de perfumes. Desde a agudização do

quadro clínico tem sido acompanhada

em ambulatório de Pneumologia fora

do Huap com diagnóstico de “DPI a es-

clarecer em uso irregular de corticoste-

roides 0,5 mg/kg/dia, com componente

alérgico importante.”

É hipertensa em uso de hidroclorotiazi-

da e nifedipina. Nega diabetes e outras

doenças crônicas. Relata doenças

comuns da infância (sarampo, varicela

e caxumba), histerectomia total por

miomatose há dois anos, hérnia ingui-

nal e três cesáreas (G-III P-III A0).

Nega transfusões sanguíneas e alergia

a medicamentos. Mãe falecida por

AVE, irmã por câncer hepático, pai

vivo e saudável. Ex-tabagista (15 anos/

maço), parou há 10 anos. Reside em

casa de alvenaria com encanamento e

luz elétrica, sem animais de estimação.

Ambiente com muita umidade e mofo.

Revisão de Sistemas: Paciente perce-

beu hiperpigmentação facial e lesões

hipercrômicas na região interfalangiana

das mãos há quatro meses. É portadora

de síndrome do túnel do carpo (diag-

nóstico através de eletroneuromiogra-

fia), cuja cirurgia foi cancelada pelas

condições respiratórias; artralgia em

joelho esquerdo.

Exame Físico: Paciente obesa (IMC

52). Sinais vitais - PA-140x80mmhg;

FC-92bpm; FR-28ipm. Face - máculas

violáceas em região malar e periorbitá-

ria (heliótropo).

>

FIGURA 1A inflamação dos tecidos conjuntivos (dermatomiosite) geralmente produz uma erupção roxo-avermelhada (violácea). A erupção tem esse nome devido à tendência das plantas de crescerem em direção ao sol (heliotrópicas) e é característica da dermatomiosite.

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Aparelho cardiovascular - RCR-2T,

bulhas hipofonéticas, sem sopros. Apa-

relho respiratório - MV diminuído difu-

samente com estertores em velcro nos

terços médios e inferiores bilateralmen-

te. Abdome - flácido, depressível, tim-

pânico, indolor à palpação superficial e

profunda. Membros superiores - mãos e

cotovelos apresentando lesões máculo-

papulares de cor violácea (pápulas de

Gottron). Membros inferiores - joelhos

apresentando pápulas violáceas, pantur-

rilhas livres, pulsos pediosos palpáveis,

sem edema.

Exames Complementares: Hemograma

- discreta anemia; Bioquímica - Coles-

terol total: 225 mg/dL; triglicerídeos:

244 mg/dL; TGO: 78 U/L; TGP: 60

U/L; CK-Total: 1161 U/L; CKMB: 156

U/L; DHL: 429 U/L. FAN: positivo

DiscussÃO

A DPI é uma condição comum na PM/

DM e relatos anteriores indicam que a

doença esteve presente em 20 a 65% dos

pacientes com a doença.[3] A DPI é um

dos principais determinantes do prognós-

tico, indicando maior morbidade e mor-

talidade. A DPI se apresenta de forma

variável, aguda ou crônica, associada à

tosse improdutiva, dispneia e infiltrado

pulmonar. Pode ser assintomática, com

prova de função pulmonar alterada e

exames de imagem normais. Estudos

associam dano alveolar difuso e pneu-

monia intersticial na biópsia pulmonar

à presença de DPI de pior evolução em

adultos com PM/DM. [2, 5 e 6]

RelATO De cAsO / CaSe RePoRT

FIGURA 3Rx de tórax em PA com infiltrados intersticial bilateral (reticular) mais predominantes nas bases; diminuição volumétrica bilateral

FIGURA 2Pápulas de Gottron (setas vermelhas), características da dermatomiosite. A inflamação cor de violeta (cor violácea) nas articulações metacarpofalangeanas é um achado importante na dermatomiosite, uma vez que outras condições da pele produzem um maior rubor cutâneo

FIGURA 5Apresentando áreas de faveolamento

bilateral (setas azul claro) e brônquios de paredes espessadas (seta verde)

FIGURA 4TCAR: infiltrado intersticial

periférico bilateral (setas roxas), com áreas de espessamento pleural (seta azul), bandas

parenquimatosas (seta amarela) e bronquiectasias de tracção (seta

vermelha)

>1:1280 padrão nuclear aglomerado;

C-anca, P-anca, anti-DNA, anti-RO,

anti-LA negativos; AC-antiperoxidase

positivo. Espirometria: distúrbio venti-

latório restritivo leve.

Foi realizada biópsia pulmonar a céu

aberto, cujo resultado do exame anato-

mopatológico foi compatível com pneu-

monia intersticial não usual (NSIP).

Foi solicitado parecer da Dermatologia,

que sugeriu a realização de biópsia de

lesão presente na face. As alterações

vistas foram compatíveis com a hipótese

clínica de DM.

Conduta: Optou-se por corticoides

em baixas doses, além de prednisona

associada a imunossupressor aza-

tioprina 50mg/dia. A paciente foi

encaminhada para acompanhamento

ambulatorial.

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Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ/2010 29

Alguns pacientes com PM/DM, es-

pecialmente com dermatomiosite

amiopática, podem desenvolver uma

forma aguda de DPI, que piora rapi-

damente dentro de um mês ou alguns

meses. Esses pacientes não respondem

suficientemente à terapia convencional

com doses elevadas de corticosteroides,

incluindo pulsoterapia endovenosa de

metilprednisolona e de imunossupresso-

res, como azatioprina ou metotrexato.[3] A terapia com imunoglobulina in-

travenosa tem mostrado eficácia para a

miopatia associada a PM/MS, mas a sua

utilidade para DPI causada por PM/DM

ainda não é clara.[4]

A paciente do presente caso apresen-

tava uma evolução arrastada de tosse e

dispneia com história de exacerbações

nos últimos anos. No princípio da

investigação, a história de crises de

dispneia associada a determinadas subs-

tâncias alergênicas nos levava a pensar

em pneumonia de hipersensibilidade

como um diagnóstico possível. No

entanto, as elevações de enzimas, CK

total, TGO, TGP e DHL, associadas

ao aparecimento de lesões cutâneas,

artralgia e FAN positivo nos levaram

a pensar em doenças do colágeno, mais

especificamente DM.

Para o diagnóstico de DM são utiliza-

dos os critérios propostos por Bohan

e Peter (1975) [2], que são: fraqueza

muscular proximal simétrica; elevação

das enzimas CK, aldolase, TGO, TGP,

DHL; anormalidades eletroneuromio-

gráficas características; biópsia muscular

compatível (infiltrado inflamatório

e degeneração ou atrofia muscular);

rash cutâneo típico. Considera-se der-

matomiosite possível (dois critérios),

provável (três critérios) ou definida

(quatro critérios). O FAN é positivo

em 50% dos pacientes[3]. Existem au-

toanticorpos miosite-específicos que são

anticorpos anti-RNA sintetase, sendo o

anti-Jo-1 o mais conhecido.

As manifestações cutâneas da der-

matomiosite podem ocasionalmente

estar presentes em um paciente por um

prolongado período de tempo sem que

haja evidência clínica de miosite, ou

pode-se ter a doença intersticial pul-

monar precedendo por vários meses as

manifestações cutâneas e/ou musculares

da doença. [2]

Entre os padrões anatomopatológicos

da DPI associada à colagenose o mais

frequente é NSIP[5], e se confirma em

PM/DM, particularmente em pacientes

com dermatomiosite amiopática[2]. O

prognóstico dos pacientes com NSIP

parece ser desfavorável[6], o que con-

fronta estudos anteriores que apontam

NSIP como um prognóstico mais favo-

rável. A história natural e o curso da

doença pulmonar intersticial na PM/

DM são altamente variáveis, refletin-

do a heterogeneidade das aparências

encontradas nas tomografias computa-

dorizadas de alta resolução.

cOnclusÃO

Ressaltamos que o acometimento pul-

monar é uma manifestação importante

na DM, uma vez que a DPI piora o

prognóstico do paciente. Como as

alterações pulmonares podem aparecer

antes mesmo das manifestações caracte-

rísticas da doença (cutâneas e muscula-

res), o médico deve estar sempre atento

a esse diagnóstico diferencial.

ReFeRÊnciAs

BiBliOGRÁFicAs

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30 Conduta médiCa ● ano Xii - n046 - out/noV/dEZ//2010

Resposta de The Image Challenge

O Desafio da Imagem da página 15

Paciente masculino, 36 anos, com tosse produtiva de longa data, apresentando o sinal do halo invertido na tomografia computadorizada de alta resolução

Diagnóstico: Paracoccidioidomicose

comentários: A paracoccidioidomicose

(PCM) é a micose sistêmica mais frequen-

te na América Latina, apresentando alta

prevalência no Brasil, Argentina, Colôm-

bia e Venezuela. A infecção é adquirida

pela inalação dos esporos suspensos no ar,

os quais alcançam os pulmões, iniciando

a infecção primária. A lesão inicial pode

ser controlada por um mecanismo natural

de defesa do organismo ou progredir para

a doença com manifestações clínicas.

No Brasil encontra-se a maior quanti-

dade de áreas endêmicas dessa doença

no mundo, principalmente em regiões

subtropicais, onde predomina a atividade

agrícola. Nessas áreas, a incidência de

PCM é estimada em 10% da população.

São descritas duas formas clínicas para

a PCM: a forma aguda/subaguda e a

forma crônica. A forma aguda/subaguda,

também conhecida como juvenil, atinge

ambos os sexos e envolve principalmente

o sistema reticuloendotelial, enquanto

a forma crônica é mais prevalente em

homens adultos e apresenta com maior

frequência lesões pulmonares e mucocu-

tâneas. Na progressão de ambas as formas

clínicas pode ocorrer o envolvimento de

outros órgãos, como linfonodos, fígado,

baço, glândulas adrenais, mucosas e pele.

O acometimento pulmonar ocorre em

até 80% dos pacientes com PCM, sendo

a principal causa de morbidade e morta-

lidade dessa infecção.

O sinal do halo invertido é caracterizado

por uma área focal de opacidade em vidro

fosco delimitada parcial ou completamen-

te por um anel de consolidação. Ele foi

inicialmente descrito como específico de

pneumonia criptogênica em organização,

mas posteriormente foi observado em

diversas doenças inflamatórias (paracoc-

cidioidomicose, sarcoidose, criptococose,

tuberculose, etc), e não inflamatórias

(Wegener, carcinoma bronquíolo-alveo-

lar, infarto pulmonar, etc). Embora não

seja um sinal patognomônico, no nosso

meio a possibilidade de paracoccidioido-

micose deve ser sempre lembrada.

A sorologia foi positiva para Paracocci-

dioides brasiliensis e negativa para BAAR.

A cultura do material obtido por lavado

broncoalveolar revelou crescimento de

P. brasiliensis. O paciente foi tratado

com itraconazol durante três meses, e a

TC de controle demonstrou regressão das

opacidades nodulares, bem como das áreas

que apresentavam sinal do halo invertido.

BiBliOGRAFiA

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eDiTOR Gilberto Perez Cardoso

eDiTORes AssOciADOs Fernando Antonio Pinto Nascimento e Antonio Alves de Couto

editores Juniores Acadêmicos Rafael de Souza Gomes e Renato Bergallo Bezerra Cardoso

cORPO eDiTORiAl Adauto Dutra Moraes Barbosa; Agostinho Soares da Silva; Antonio Cláudio

Goulart Duarte; Cantídio Drumond Neto; Celso Correa de Barros; Cyro Teixeira da Silva Junior; Edson

Marchiori; Eduardo Augusto Bordallo; Eduardo Nani da Silva; Emilson Ferreira Lorca; Euclides Malta

Carpi; Evandro Tinoco Mesquita; Fernando José Nasser; Hamilton Nunes Figueiredo; Heraldo Belmont;

Honomar Ferreira de Souza; Hugo Miyahira; Ivo Pitanguy; Jodélia Lima Martins Henriques; José Antônio

Caldas Teixeira; José Galvão Alves; José Manoel Gomes Martinho; José Sérgio Franco; Luiz Francisco

Azzini; Luiz Mario Bonfatti Ribeiro; Marcos Raimundo de Freitas; Maria Alice Neves Bordallo; Mario

Barreto Corrêa Lima; Mauro Zamboni; Miguel Houaiss; Osvaldo José Moreira do Nascimento; Rogério

Neves Motta; Rubens Antunes Cruz Filho; Serafim Ferreira Borges; Terezinha Sanfim Cardoso

Jornalista Responsável Luiz Bergallo (Reg. 27552-RJ)

Projeto Gráfico e Diagramação Guilherme Sarmento ([email protected])

edição, Texto e Revisão Laura Bergallo (Reg. Jornalista 31363-RJ)

colaborou nesta edição Rafael de Souza Gomes

impressão Grafitto

EDIÇÃO DE OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO - 2010 - Nº 46 – ANO XII

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médica

nOTA DO eDiTOR: Conduta Médica é uma publicação exclusivamente voltada para a educação médica continuada, não sendo destinada à divul-gação de pesquisa médica e/ou experimental de qualquer tipo.

Seus artigos se constituem em relatos e discussões de casos práticos de atendimento ambulatorial e/ou hospitalar, em que é preservada a identidade dos pacientes e em que são utilizados exclusivamente proce-dimentos e condutas consagrados na literatura científica, sem nenhuma finalidade de produzir conhecimento novo que utilize investigação com seres humanos.

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