EDUARDO NORONHA - Evolução Do TeatroTro

500

Click here to load reader

description

História do teatro português inicio do século XX

Transcript of EDUARDO NORONHA - Evolução Do TeatroTro

  • Ik

    A

  • X -^^-r^^. iMP^'^

    ^

  • EVOIiOflO DO THEITHO

  • Eduardo de Noronha

    6ooIuQOdo fheotpo

    O drama atravs dos sculos

    COMPILAO DE VRIOS ESTUDOS

    LISBOALIVRARIA CLSSICA EDITORA

    DE A. M. TEIXEIRA & Cj*PRAA DOS RESTAUKADORF.S, 20

    1909

  • DEC 2 1967

    PortoImp. PortttguezaBua Formosa, 112

  • Jos F\ntono fy^onz

    Em homenagem ao muito que conhecede theatro

    Dedica

    (b-ciazc/o de

  • Corrtposio do drairta

    Litteratura dramtica Relao entre a arte dramtica oa arte de representar Leis o doutrinas do dramaAssumpto, ida o aco Unidade da aco Comple-mento da aco Systema de delineamento baseadona lei do complemento Prlogos e eplogos fora daaco Partes da aco Introduco oii exposioInicio do movimento Desenvolvimento Gradao.

    O termo drama provm, de uma palavra gregaque significa aco. O termo applica-se a compo-sies que imitam a aco representada por ])erso-nagens introduzidas nellas como se fossem reaese como tomando parte nessa aco. As variedadesdo drama differem mais ou menos profundamente,-ogundo os assumptos imitados e os meios empre-gados na imitao. Mas esto sempre em harmoniacom o methodo ou maneira, essencial na arte dra-mtica, isto , imitao que produza aco.

    O desejo de exprimir sentimentos e concepes inseparvel da humanidade. O homem exprimeos seus pensamentos e emoes por meio de gestose da linguagem, ou pela combinao das duas coi-

  • Evoluo do Theatro

    sas. Cedo adquire essas expresses no convvio dosseus semelhantes, e mais especialmente nas con-junturas alegres ou solennes

    que variam e semethodisam com a dana e com o canto. Qualquerexpresso, frequentemente combinada com outra, imitao. Imitar, diz Aristteles, instinctivo no

    homem desde a sua infncia; e essa imitao im-pe-se naturalmente a todos. G-esto e voz so meiosde imitao communs a todos os seres humanos.Complet-la com trajes e ornamentaes , em ge-ral, um anhelo das creanas e da infncia das na-es. O delineamento dos caracteres, reaes ou fict-cios, o primeiro passo para o ^rama, mas apenasum passo preliminar. Nem ha drama at que aimitao se amplie pela aco.A aoo, que o homem s figuradamente attri-

    bue aos membros da sua prpria espcie, ao EnteSupremo em cuja existncia acredita, implica umaoperao da vontade e uma execuo da sua ener-gia, sem a qual nao consegue realizar o seu fim.

    Esse processo vae desde a causa at o eFeito.

    A aco deve apresentar-se ao nosso espirito comotendo a sua origem numa vontade humana ousobrehumana. Toda a imitao da aco pela aco no grmen um drama. Nem todas as naes, po-rm, progrediram at esta ponto.

    Chegado aqui, resta ao drama revestir-se deuma forma determinada pela litteratura, da qualse torna um ramo. Podemos ento falar de littera-tura dramtica, mas limitado o numero de na-

  • Composio do drama

    coes que a possuem. Uma nao pde, todavia, terdrama. sem litteratura dramtica; pode at conti-nuar a possuir o primeiro depois de cessar de cul-tivar a ultima. Noutros termos, antes e depois dodrama de uma nao ter assumido uma forma lit-teraria, pode acontecer que um ou mais dos seuselenaeiitos adventciosmusica, dana, decorao--se colloquem em evidencia e assim causar even-tualmente a formao de novas espcies dramti-cas ou fazer reviver as antiquadas. O drama, comoramo de litteratura, necessariamente inclue a lin-o'uagem nos seus meios de imitao; e os seus in-cios so consequentemente, na historia da littera-tura que conhecemos, precedidos desde a sua origemat final de outras formas de composio potica^a lyrica e a pica, ou em qualquer caso por qual-quer destas formas. E na combinao de ambasque o drama, na forma litteraria, busca a sua ori-gem, como se v em todas as civilisaes onde en-contram guarida e que ns conhecemos um poucomais profundamente.A arte de representar o indispensvel annexo

    da arte dramtica, ao passo que a colaborao dasoutras artes meramente um accidente. Embora,na verdade, inseparveis uma da outra, a arte dra-mtica e a arte de representar, nem sempre andamparallelas. O actor apenas o temporrio intr-prete do dramaturgo, no obstante poder occasio-nalmente ser chamado a integrar algumas dasfances prprias do escriptor. Por este lado, o

  • 10 Evoluo do Theatro

    dramaturgo pde, na pratica, mas no na tlieoria,dispensar a interpretao do actor. Apesar de sedar algumas vezes a designao de drama littera-rio a trabalhos que no apparecem no palco, umerro. Para falar com propriedade s drama quandorepresentado.

    O conjunto das leis e regras do drama deveser enumerado com preciso, indicar no s. os in-tuitos da arte mas ainda os meios pelos quaes sepodem roalizar. Mas nem as grandes auctorida-des da theoria dramtica,como Aristteles ouLessing,nem os entusiastas defensores de me-tliodos mais ou menos transitrios,como Cor-neille ou Dryden,exhauriram a exposio dosprocessos que o drama tem demonstrado, ou pdedemonstrar, serem susceptveis de emprego. A mul-tido de termos technicos e de frmulas colhidasnunca interferiram seriamente na operao do po-der creador, cuja inventiva actividade, a existn-cia de systemas admittidos tem frequentemente

    como por exemplo os do drama grego ou hespanhol servido para estimular. Por outras palavras,torna-se evidente que nenhuma theoria dramatur-gica capaz de valorizar qualquer obra dramticaquando a sua forma no seja animada por umafora creadora.

    A tarefa desta fora creadora principia com oincio do labor do dramaturgo. , por consequn-cia, na icla dramtica que existe o grmen daaco da pea e no no assumpto que se pde con-

  • Composio do drama 11

    siderar uma espcie de material morto. A historia(lo chefe escocs, tal como apparece na chronica,

    o assumpto e no a acco do Maceth. Converterum assumpto., seja qual for a sua qualidade ouorigem, na aco ou fabulao de uma pea a pri-meira tarefa, a qual, no seu progressivo desen-volvimento, constitue o exclusivo labor do dra-'matur^o; e embora a concepo se expanda oumodifique com a execuo, a ultima depende sem-pre da primeira.A variedade dos assumptos patenteados ao dra-

    maturgo pde ser to vasta como o universo. Pdeser limitada pelo uso, por costumes dominantes,por gostos e tendncias de uma nao ou de umaidade, pela somma de sympathias do auctor, pormil restries de origem esthetica, moral e hist-rica, ou pde ficar ainda virtualmente confinada,como succede nas mais remotas tragedias gregas,nos limites da lenda, ou, como nas comedias in-glesas da Restaurao dentro das anlyses sociaesde uma poca particular. Mas, em todo o caso, atransformao de um assumpto em aco egual-mente indispensvel. Uma imperfeita transforma-o , como nas velhas chronicas medievaes, umtrabalho rstico, ou, como em noventa e nove decem peas modernas, fundadas em factos, um in-correcto methodo de produco dramtica.

    Ha ento leis que determinem com proprie-dade a natureza de todas as aces, embora ellaspossam variar quer nos assumptos quer na forma?

  • 12 Evoluo do iheat^o,

    T

    ^^v-

    Em primeiro logar, uma aco dramtica devepossuir unidade, e este requisito distingue-a im-mediatamente do assum^pto que sugeriu a ida.Os acontecimentos da vida real, os factos da his-toria, os incidentes das narrativas ficticias, so

    como as vagas de um ondear incessants; o que ligaa parte ou o todo a uma simples aco o vinculoda ida dramtica, e deve ser esse o principalcuidado do dramaturgo.

    Dentro dos limites de uma aco dramtica to-das as partes reclamam que o seu concurso deslizeunido e que robustea a corrente geral. A suaprimeira significao dramtica depende da formacomo este principio applicado. A unidade daaco que um drama possue, deve confirmar quetudo nelle forma um elo de uma cadeia de causa ede effeito. Esta lei obrigatria para to.da a esp-cie de drama, tanto para a tragedia que resolve oproblema de uma vida, como para a fara que ex-hibe as folias de uma tarde.

    J no succede o mesmo com certas regras,com frequncia preconisadas para esta ou aquellaespcie de drama, e que no apresentam validadepara nenhuma delias. A supposta necessidade deque uma aco deve constar de um acontecimento uma errnea interpretao da regra que pre-sume que o acontecimento se possa transformarem aco. Um acontecimento no mais que umelemento numa aco, embora possa ser um ele-mento de decisiva opportunidade. O assassinio de

  • Om/omQ^o (lo drama 13

    Csar n^o^^a aco da tragedia Csar. A perda doseu tes((uiro^no a aco de O avarento.

    Mais. A unidade da aco no exclue a intro-duco de uma ou mais aces subsidiarias, quecontribuam para o progresso da aco principal.A nica regra- indispensvel que estas devemser tratadas pelo que soapenas subsidiarias; enisto reside a difficuldade, que Shakespeare vencecom tanto xito, de resolver uma combinao deassumptos dentro da ida de uma simples aco;nisto tambm est o perigo de aproveitar a divisafavorita do drama moderno

    episodio ou enredo.

    Uma aco dupla ou mltipla, logicamente des-envolvida como tal, inconcebvel num simplesdrama, embora haja muitas peas que so palpa-velmente duas ligadas uma outra. Todos conhe-cem dramaturgos que, ao cahir do panno, parecemter contado pelos dedos quantas pessoas mataramou casaram.

    A unidade da aco nao implica a unidade doheroe. Heroe ou heroina apenas um termo quesignifica a principal personagem da aco. E postoque uma aco possa consistir na lucta coUectivade mais que uma vontade contra o mesmo obst-culo, como por exemplo nos Sete contra Thehas,ou no Romeu e Julieta ^ se d isso quando aalterao no grau do interesse excitado por diffe-rentes caracteres numa pea resulta de uma mu-dana na concepo da prpria aco, quando aconsequente dualidade ou multiplicidade dos

  • 14 Evoluo do Theatro

    heroes avoca um erro ou incerteza na concepoda aco que elles desenvolvem. Tal a objecoapplicada ao flagrante caso do D. Carlos de Schiller.

    Finalmente, as exigncias despticas, e arbi-trarias da unidade de tempo e de loga>' no so,como a unidade da aco, regras dramticas abso-lutas. O seu objectivo representar uma acovisivelmente contnua, de modo a tornar a suaunidade mais distinctamente ou mais facilmenteperceptivel, mas o effeito da sua observncia noconsegue apresent-la como mais real.

    Assim, podem, at certo ponto, ser considera-das como artifcios para evitar as difficuldadesexperimentadas pelo espirito humano ao deparar-se-lhe uma nica acco, ao passo que se lhe apre-sentam differentes partes concomitantes, exhibidasem diversos logares, ou quando o desenrolar daaco, caminhando da causa para o efeito, decorreno que se presume ser um considervel perodode tempo. Mas a imaginao capaz de lanarpor si prpria as pontes necessrias a fim de ti'ans-mittir a uma aco, concebida como tal, o seucaracter de continuidade. Noutro sentido, estastornavam-se convenientes quando empregadas numprocesso conciso e claro como aco de assumptosde limitada natureza; foram uma innovao grega,e o repetido recurso do mesmo grupo de mythos,aproveitados por um poeta grego, que procurava

    o assumpto de uma tragedia s numa parte de um

    dos mythos que se lhe deparavam.

  • Composio do drama 15

    A observncia da unidade de logar foi sngge-rida aos gregos por certas condies exteriores doseu proscnio, como seguramente foi adoptada pe-los franceses em harmonia com a construco eusos do seu, e como o descuido, que caracterisavanesse ponto os isabelianos, era devido formaespecial da scena inglesa. O palpvel artificiodestas leis no precisa ser demonstrado; deve-seter sempre em vista o verdadeiro sentido do termoaco. A aco do Othelo decorre parte em Venezae parte em Chypre e todavia uma s aco.Os limites do tempo em que uma aco decorreno podem ser restringidos por um giro da terraem redor do sol, ou da lua em volta da terra.

    Num drama que tenha uma aco U7ia, estao deve completar-se por si prpria. Esta lei^

    como a primeira, distingue a aco dramtica doseu assumpto. A primeira pde dizer-se que possuearte real, ao passo que a ultima possue apenasuma arte imaginaria, accessoria. O historiador, porexemplo, aspira a fazer uma exposio completade todos os acontecimentos e factos e consegueorientar e conduzir o seu trabalho para um deter-minado fim, mas sabido que esse intuito s par-cialmente se realizaria, se elle expuzesse apenas oque conhece, pois todo o conhecimento humano ])arcial. A arte, porm, no est subordinada ataes eventualidades.

    O dramaturgo, tratando uma aco com uni-dade, abrange o conjunto na forma do seu traba-

  • 16. Evoluo do Tlieairo

    lho, e, concebendo o todo, cada uma das suaspartes, desde a causa at o effeito, ho-de ser-egualmente ntidas. Consequentemente, o dramadeve apresentar na sua lgica orgnica as diversasphases que constituem a aco completa e que lheso essenciaes. Demais, esta lei orgnica existe nosalicerces de todos os systemas de construco dra-mtica.

    Cada aco, concebida como completa, tem assuas causas, desenvolvimento, gradao, conse-quncias e remate ou desenlace. JSTo existem leisde connexo que determinem a orbita das diversasphases da aco de um drama ou que regulem amais ou menos exacta correspondncia da ordemde apresentao de cada diviso technica, comoactos ou scenas que a experincia dramtica acheconveniente adoptar. Nem existe tambm nenhumalei que se pronuncie sobre o emprego das acessubsidiarias, introduzidas para auxiliar o entrechoprincipal e mais ou menos ligadas com episdiosque accelerem ou moderem o seu progresso.A experincia, porm, como me do uso, esta-

    beleceu certas regras praticas, das quaes o drama-turgo, em trabalhos communs, nao encontrar van-tagem em se afastar demasiado. Da adopo desystemas particulares de diviso para certas esp-cies de dramas, taes como os cinco actos de umatragedia ou comedia regular, que o exemplo dosromanos tornou vulgarresultou uma certa uni-formidade de relao entre a maneira de conduzir

  • Composio do drama 17

    a aco e a forma da pea ser dividida. Na essn-cia, comtudo, no ha diferena entre as leis queregalam a urdidura de uma tragedia de Soplioclesou de Shakespeare, uma comedia de Molire ouCongrve e uma bem delineada fara moderna.Todas desenvolvem uma aco completa em si.A infroduco ou exposio forma parte inte-

    grante da aco, mas deve differenar-se do j;r-logo, no sentido ordinrio da palavra, o qual comoo epilogo (ou o parabasis grego) fica fora da acoe um simples discurso, occasionado pela pea edirigido ao publico pelo auctor ou actor. O prlogoe o eplogo, embora tenham concorrido immensa-mente, s vezes, para o xito de um drama, someros accessorios externos, e entram, em geral, naurdidura de uma pea como o cartaz que a annun-cia, ou o preludio musical que dispe o espiritopara a sua audio.

    A introduco ou exposio pertence aco;, como lhe chamavam os crticos inds, a sementeou circumstancia donde nasce o entrecho. Sendo oseu primeiro requisito a clareza, muitos expedien-tes se adoptaram no decorrer dos sculos para as-segurar a sua efficacia. Assim, o prlogo de Euri-pedes, posto que falado por um dos caracteres dapea, toma uma forma narrativa, e coUoca-se meiofora, meio dentro da aco, da qual na verdade fazparte. Nota-se o mesmo propsito nas introducesseparadas de muitas das antigas peas inglesas, enos preldios ou prlogos, seja qual fr o termo

  • 18 Evoluo do Theatro

    porque o designam, nos innmeros dramas de todasas espcies-desde o Fausto at os mais applau-didos dos antigos theatros Ambign e Adelphi.

    Ainda outro recurso o das scenas mudas,iniciaes, que procuram impr-se rapidamente, jun-tas com o impressionismo " da exposio, por meioda pantomima summaria. Taes so ainda as scenasabertas nas tragedias francesas entre o lieroe e oconfidente, e nas comedias da mesma nacionalidadee seus derivados, entre o criado coscovilheiro e a

    criada ladina. E claro que taes expedientes podemtornar-se desnecessrios pela arte do dramaturgo,que seja capaz de exteriorizar a exposio da suaaco como ella uma parte orgnica da ]oi'0-pria aco.

    Alguns parecem tomar os espectadores m me-dias 7'es, ao passo que elle est realmente cons-truindo os alicerces do seu entrecho; que pdedramaticamente representar uma Ilibada de ma-goas sem ascender at o ovo de Leda; que toca noincio da aco a corda que vibra em todo o seucurso Abaixo os capuletos! abaixo os montec-chios! como no Romeu Com o mouro, dizes tu?

    como no Othelo.

    O fim da exposio com o inicio do movimentoda aco, um elemento de alta importnciaquando extremamente claro (como no Harnletonde se patenteia com toda a nitidez no encontrodo heroe com o phantasma). A sua vantagemainda se accentua noutros exemplos pela inser-

  • Composio do drama 19

    o de uma aco subsidiaria, ou de um episodio(como no Rei Lear, onde o incio do movimentoda aco principal se seguiria demasiado cedo exposio, se no fosse

    ,

    applicado o principio daaco subsidiaria, representada por Grloster e osfilhos, que opportunamente introduzido entreellas).

    Passemos segunda phase da aco ao seudesenvolvimentodo qual se transita para a gra-dao ou climax. O caminho andado at aqui cons-titne metade do drama

    quasi sempre mais quemetadeo que Aristteles denomina: lo do en-trecho. As variedades no methodo do desenvolvi-mento, ou segunda phase da aco, sao infinitas.E aqui que os mestres do drama trgico ou cmico

    -nomeadamente esses incomparveis tecidos deintrigas, os hespanhoes

    podem mais vontadeexercer as suas faculdades inventivas.

    Se o desenvolvimento muito rpido, os effei-tos da gradao mallogram-se. E nesta phase daaco que as aces subsidiarias e os episdios sousados com mais abundncia. Se o desenvolvi-mento muito vagaroso, o interesse exhaurir-se- antes de chegar ao seu cmulofalta a quea comedia est especialmente sujeita. Se muitointrincada ou omissa, a anciedade ceder o logara uma vaga incerteza, a aco parecer parar ousurgir o desenlace prematuramente.

    No delinear da gradao reside uma das prin-cipaes manifestaes de arte do dramaturgo. Nos

  • 20 Evoluo do Theatro

    acontecimentos da vida real a gradao frequen-temente uma simples questo de momento; naaco do drama a gradao tem de ser sempreevidente. No meio de cada coisa reside a fora,diz o poeta grego. A tarefa do dramaturgo tor-nar essa fora manifesta. Depende muito, claro,das subtilezas do instincto constructor; dependemuito (como em todas as partes da aco) datransformao dramtica do assumpto ser per-feita. E nisso que o drama histrico apresentasrias difficuldades, e talvez o exemplo do Hen-rique VIU, comparado com outras peas histri-cas de Shakespeare, fornea um exemplo instru-ctivo da deficincia (devido pressa) do tral3alhohumano.

  • II

    Desenlace e caracteres

    Desenlace Regresso^ Fecho ou catstropho Probabi-lidade da aco Desenho dos caracteres Progressodo drama no desenho dos caracteres Requisitos docaracter Individualisao Consistncia EfFectivi-dade Maneiras Significao relativa Espcies dodramas^ Tragedia e comedia Arte de representarA sua significao Gesto Dico Trajes.

    Da gradao ou climax a aco caminlia parao sen desfecho ou desenlace, que, num drama,cujo fim uma desgraa, se denomina tambmcatstrophe. Nos modernos tempos chama-se-llie,em geral, desenlace. Esta ultima designao mais prpria no sentido em que Aristteles em-prega o termo grego, que significa: lo d) entre-cho o conjunto da segunda parte da aco, dagradao para o fim. Se, no encaminhar do cli-max tudo depende de obter o efeito, no desenlacetudo depende de no o estragar.

    Este resultado consegae-se caminhando rapida-mente para o desenlace, mas nem todas as acesadmittem egual processo, nem sempre est em

  • 22 Evoluo do Tl, entro

    harmonia com o caracter das acos de espciecomplicada. Nesta ultima liyptliese o desenlace muitas vezes uma regresso, isto , na phrasede Aristteles, uma mudana para o contrario doque esperado das circumstancias da aco

    como no Coriolano^ onde a historia romana sepresta to admiravelmente s exigncias di-ama-ticas. Seja como for,- a arte do dramaturgo ,nesta altura do seu trabalho, chamada a eviden-ciar o seu tacto e habilidade. O objectivo da gra-dao concentrar o interesse; o do fecho , prin-cipalmente, evitar que elle se dissipe. No hanecessidade, neste periodo, de excluir os epis-dios, mas devem ser de uma espcie mais directa esignificativa do que preciso nas primeiras pha-ses do drama; mesmo auxiliando o desenlace de-vem concorrer para conservar bem vivo o inte-resse levantado antes ao seu mais alto ponto.

    Consegue-se isto por meio de uma regresso ouretrocesso; ou ainda levantando obstculos entreo clima da aco e as suas esperadas consequn-cias, pela suggesto na tragedia de uma apparentee ])ossivel victoria ou triumpho sobre elles(como na maravilhosa e ])otente urdidura daultima parte do Macbeth), pelo gradual desfechoda comedia, ou em qualquor parte onde o inte-resse da aco seja menos intenso, erguer tantasdificuldades quantas as que o desenvolvimento ea gradao occasionaram.

    Em todas as espcies de dramas o entreeho cons-

  • Desenlace e caracteres 23

    tituo, na opinio de Aristteles, o recurso maisefficaz, mas deve ser um entrecho symbolisadopelo processo, que o seu consumado mestre, So-phocles, denominava a sua ironia.

    O fecho ou catstroplie devo ser sempre a con-sequncia da prpria aco. Os sbitos revulsivosnas condies da aco taes como o eits ex ma-china, o inesperado plenipotencirio do imperadorda China, ou o nababo de regresso da ndia, oucoisa que o valha de certas peas inglesas e fran-cesas esto condemnados como remendos impr-prios. A catstroplie pode ser sbita, e at na ma-neira de a realizar, uma surpreza, mas deve ter umasequencia lgica, visto como todas as partes daaco se deA^em ligar intimamente com o conjunto.Os suicdios repentinos com que terminam muitastragedias e as bnos paternas que fecham egualnumero de comedias, deviam ser mais algumaoisa que um simples pretexto para descer o panno.

    A aco de um drama, alm de ser una e com-pleta em si, deve tambm ser provvel. A proba-bilidade exigida a um drama no o da verdadecontempornea ou histrica isso uma ])robabi-lidade condicional o da verdade no decorrer daaco, pela qual, e com os caracteres que o drama-turgo escolheu, tem de a desenvolver. Com relao primeira, no est agrilhoado a nenhumas res-trices, salvo aquellas que elle a si mesmo impe,e pde ou no ser condescendente com os usos em-pregados nas diversas composies dramticas.

  • 24 Evoluo do Iheatro

    Na vida real, nem em dramas da vida real^no apparecem phantasmas, mas a introduco deagentes sobre laturaes no nem aconselhada nemprohibida em nenhuma lei dramtica geral. O em-prego de taes recursos facultativo ao drama-turgo como a qualquer outro poeta; o empregojudicioso delles depende do effeito que, em har-m.onia com o modo de conduzir a aco, exercemno espectador, a quem outras circumstancias po-dem ou no predispor para os acceitar. O phan-tasma do Hamlet pertence aco da pea; ophantasma do Perseu, no intrinsecamente me-nos provvel, mas o seu apparecimento pareceprovir, por assim dizer, menos naturalmente daatmosphera que o rodeia. As probabilidades dra-mticas teem um significado mais lato que esse.A tvAgfii Eumenides provvel, apesar de todosos seus mysterios primitivos, e o mesmo aconteceao Macheth com todos os seus brbaros sortilgios.Os processos dos phantasiosos delineadores dalgu-mas obras chimericas so, como verdade dramtica,to provveis como as visualidades das magicasde Oberon. Por outras palavras, na verosimi-lhana da aco e dos caracteres que reside a pro-babilidade dramtica. O dramaturgo deve crearcaracteres apropriados ao desenrolar da aco deuma forma especial, de modo a contribuir parao seu desenvolvimento, porque, se so harmnicasentre si, despertam interesse e assim fazem vivera aco.

  • Desenlace e caracteres 25

    O dramaturgo tem de empregar os seus maio-res desvelos na creao e emprego dos caracteres.O seu modo de ser, tanto nos de maior responsa-bilidade como nos de menor, bem como a escolhado assumpto, planear da aco e o methodo daurdidura, so os principaes factores para que o seutrabalho produza resultado. Ha aspectos na artedramtica, cujo inexcedivel grau de perfeio ahistoria j nos ensinou, mas no ha nenhum emque o seu progresso se manifeste de forma maisevidente. Muitas causas concorrem para este re-sultado; a principal filia-se na multiplicidade dosensejos que o estudo da humanidade proporcionouao homem.

    As theorias dos crticos inds sobre assumptosde caracteres dramticos so muito mais compli-cadas, que os mais complicados andaimes que ro-deiam os edifcios. As observaes de Aristtelessobre esse assumpto no so abundantes. Pdeasseverar-se sem hesitao que as fontes de littera-tura dramtica que lhe forneceram matria paraas suas mximas no primam pela facndia ouvariedade do desenho dos caracteres. Esta relativadeficincia das condies de exteriorizao do thea-tro grego eram principalmente occasionadas peloafastamento do actor do espectador, pela conse-quente necessidade do uso das mascaras e aindapelo convencionalismo dos tons de voz.A comedia grega e romana, persistindo em

    fazer uma notvel demonstrao do que vale a

  • Evoluo do Theatro

    fora do habito, limitou a sua colleco de cara-cteres a uma determinada galeria de typos.

    E fcil comprehender, como estes exemplos e ainfluencia das tendncias nacionaes de espirito ede temperamento, concorrem para que os drama-turgos das litteraturas rumnicas ligassem menosimportncia aos interpretes de varias espcies queao interesse da aco e eFectividade da urdidura.

    O drama italiano e hespanhol mais especial-mente, e.o francs durante uma parte da sua his-toria, mostram, em geral, disposies para apresen-

    tar os seus caracteres, como eram, sem artifcios,-

    quer fossem heroes ou heroinas trgicas, ou ty-pos cmicos com frequncia moldados segundoiim antigo systema de seleco local ou nacional.E no drama allemo, e em Shakespsare acima detodos, que a individualizao dos caracteres foielevada ao seu mais alto grau e que a sua inter-ferncia principiou a ser traballiada de modo aacompanhar o progresso da aco dramtica, deque faz parte integrante.

    O methodo e fim do desenho de caracteres va-riam com a influencia das differentes pocas hist-ricas e diversas tendncias ou gostos de raas ounaes. As leis deste ramo de arte dramtica so emtoda- a parte baseadas nos mesmos requisitos essen-

    ciaes. O que nos interessa num homem ou mulherna vida real, ou na impresso que formamos daspersonagens histricas, o que se nos afigura a nsque os individualiza. Um caracter dramtico deve,

  • Desenlace e caracteres

    seja qual for a sua parte na aco, ser sufficiente-mente accentiiado nas suas feies privativas paraimpressionar a imaginao. Estas teem que se har-monizar com o seu papel e corres2:)onder, portanto, parte que toma na aco.

    O dramaturgo deve ]U'imeiro conceber distin-ctamento o caracter, seja o que for que lho suggi-ra, de modo a conseguir o resultado em vista. Se,por exemplo, o buscou na historia ou na vidacontempornea, deve transform-lo, exactamentecomo deve transformar o assumpto da aco naaco em si. O seu labor no copiar um deter-minado homem, e sim conceber uma qualidade dehomem-com quem tenliam occorrido factos sug-gestivos sob a inHuencia de circumstancias espe-ciaes. A sua concepo, dosenvolvendo-se e modi-ficando-se com o progresso da aco, determina o^'oiijunto do caracter que elle cria.A verosimilhana nascida da apresentao de

    uma ])ersonagem moderna ou liistorica concorre,nalguns pontos de vista secundrios, para o xitoda criao. Esta verosimilhana pde, comtudo,no ter influencia sobre o seu eflteito dramtico.Num sentido differente do citado por Sliakes])eare,pode dizer-se que qualquer caracter dramticodeve procurar identificar-se com uma personagemcontempornea e no com um determinado homem.O objectA^o do drama no a objectiva de umamachina photograpliica.A individualizao, como primeiro requisito

  • 28 Evoluo do Tlieatro

    do desenho dos caracteres dramticos, indispen-svel em todas as personagens que tomam partenuma aco dramtica, mas no em igual graupara todos os casos. Aos grandes mestres dos cara-cteres basta uns pequenos toques, dos quaes a boaarte do actor sabe como aproveitar-se, distinguindologo uns dos outros.

    So muitos os elementos que podem prestar individualizao o mais elevado auxilio.

    Os caracteres designados para influir no con-junto da aco de um drama devem accentuar-secedo, os outros na devida proporo e medidaque concorrem para o andamento do entrecho.Muito se ganha com uma exposio significativae dominadora do heroe ou heroina, como succedequando Antigona arrastada pelo guarda, quandoGloucester entra s em scena, quando Volpone surprehendida adorando o idolo de ouro.

    Nada accentua mais claramente os caracteresque o emprego dos contrastes. Haja vista Othelo elago, Octvio e Max Piccolomini, Jos e CarlosSurface. A antthese directa nem sempre a ex-clusiva e efectiva qualidade do contraste. Cassio uma contraposio de Bruto e Leonor uma esp-cie de desdobramento da princeza.

    Os caracteres, alm de impressionar a imagi-nao com uma concepo bem distincta, devemmanter-se harmnicos entre o seu modo de ser naaco e as formas de que se revestiram. Esta har-monia no implica uniformidade, porque, como

  • Desenlace e caracteres 29

    observa Aristteles, ha caracteres que, para seremrepresentados com uniformidade devem ser exhi-bidos como uniformemente desuniformes. O grandecrtico no cita exemplos destes caracteres harmo-nicamente complexos, nem, na verdade, apparecemcom frequncia na tragedia grega. No drama mo-derno, Hamlet o seu melhor exemplo. Podemainda mencionar-se, como outros espcimens emdramas radicalmente diFerentes uns dos outros,Weislingen no Gotz, de Groethe, e Alceste no Mi-santhropo,

    E conveniente accrescentar que as litteraturasdramticas que abertamente admittem o enlace doselementos serio e cmico, offerecem innmerasopportunidades de variados desenhos d caracteres.A dificuldade do labor augmenta ao mesmo tempoo effeito resultante da sua soluo satisfactoria. Sea concepo dos caracteres consegue exhibir umavariedade de typos semelhantes quelles que a ex-perincia aponta na vida para classificar os ho-mens, a sua naturalidade, como costume cha-

    mar-se, mais domina a imaginao. Naturalidade eo termo que emprega Aristteles para designar apropriedade ; as "regras artificiaes com que se tem porvezes procurado definir espcies particulares de ca-racter, so apenas, na sua origem, uma convenin-cia do theatro, embora muito tenham concorridopara convencionalizar as personagens dramticas.

    Um caracter deve ser directamente effectivocom respeito aco dramtica na qual toma parte,

  • 30 Evoluo do Iheatro

    isto , as suas diversas formas devem corresponder influencia que exerce no andamento da aco.A marcha da pea deve parecer que nasce da na-tureza dos seus caracteres. Posto isto, nem mesmo

    os caracteres de menos importncia devem intervirsem ser necessrios, e antes de intervir de modosignificativo, preciso que o publico esteja prepa-rado para os receber com algumas noes acercad'elles.

    Os caracteres principaes devem predominar nocurso da aco ou determin-lo; o conjunto daconcepo deve harmonizar-se com as suas dife-rentes formas; s Prometheu podia ser amarradopelos deuses a um rochedo, s Julieta se aventu-raria a passar por morta para se unir a Romeu.Assim, at certo ponto, o acaso excludo deuma aco dramtica, ou antes subordina-se, comoqualquer outro elemento, ida dramtica.

    Em vista deste predomnio do caracter naaco, podemos apropriadamente empregar expres-ses, taes como uma tragedia de amor, de civime,de ambio, ou uma comedia de caracteres. uma simples designao allusiva ao ponto, onde ointeresse preponderante reside na efectividade quea sua marcha imprime ao espirito de concepodo caracter ou caracteres principaes.

    O termo maneira^ empregado no sentido res-tricto dos aristotelianos, applica-se quillo quetransmitte colorido aco e caracteres, mas queno determina a essncia de nenhum delles. Como

  • Desenlace e caracteres 31

    ai:;entes liiimanos de repref^entao, em certas con-dies de tempo e logar e de varias relaes decommunidade existente ou concebivel entre os ho-mens, a aco de um drama, como os caracteresempregados nelle e os incidentes e circumstanciasque fazem parto delle, devem estar mais ou me-nos em harmonia com as condies externas exhi-bidas.

    Da adopo dalgumas destas condies nemmesmo os gneros dramticos, que gosam de maisliberdade, como a antiga comedia atheniense,ou as burlescas, em geral, podem completamenteemancipar-se, e at os caracteres sobrenaturaes eas aces sao obrigadas a adaptarem-se a esses an-tecedentes. Isso, porm, depende da maneira comoa natureza de uma aco e desenvolvimento dosseus caracteres so adaptados, consideraes detempo e de logar, de um temporrio systema so-cial e das distinces transitrias que produz;seja ou no a imitao de uma espcie particularde maneiras, torna-se um elemento insignificanteem certas peas. O que de somenos numas pode

    r um accessorio de inestimvel valor noutras.O systema das castas inds o antecedente de

    todos os dramas inds, e a organisao especial dasociedade chinesa de quasi todos os dramas chine-ses que conhecemos. A prpria tragedia grega,embora tratando de assumptos no derivados denenliuma idade histrica, estabeleceu uma normade maneiras que no se omitte ou no se despreza

  • 32 Evoluo do Theatro

    impunemente. A imitao das maneiras de umaidade particular pde ser ou no opportuna numapea. A conjuntura das cruzadas uma escolhafeliz de Lessing da poca em que decorre a acode Natham, o sbio; o conlicto dramtico sobreque gira a Minna de Banilielm, haure metade dasua vida no perodo da Gruerra dos Sete Annos.

    Nalguns dramas e nalgumas espcies de dra-mas, a poca e o logar so puramente imaginrioso que to indiferente como a adopo de umapura e convencional norma de maneiras, ou pelomenos desejvel a excluso de qualquer normadefinitivamente fixada.

    Uma litteratura dramtica no contm por sis um systema completo de espcies dramticas.Estas so com frequncia o resultado de antece-dentes particulares e o seu desenvolvimento amiudadas vezes regido por condies especiaes.

    Ha naes e idades que manteem a mesma de-signao e conservam algumas das mesmas regrasem espcies que a certos respeitos poderiam sermaterialmente modificadas no seu uso relativa-mente aos seus visinhos e predecessores. Quem em-prehenderia definir, a no ser nas suas successivasapplicaes, as designaes tragi-comedia ou melo-drama? Isto comtudo no significa que tudo sejaconfuso na terminologia das espcies do drama.Tanto quanto so distinguiveis, segundo os effei-tos que as suas aces, ou as partes preponderan-tes das suas aces, produzem, podem primaria-

  • Desenlace e caracteres 33

    mente ser classificadas segundo a larga diFerenaestabelecida por Aristteles entre tragedia e co-

    media.O trgico e o cmico diferem com respeito s

    emoes do espirito que excitam, e um drama trgico ou cmico, segundo os eFeitos que produz.As emoes fortes ou srias so as nicas capazesde exercer sobre ns a influencia que, empregandouma ousada mas maravilhosamente feliz imagem,Aristteles designa por purificao. Os insignifi-cantes abalos que nos perturbam o espirito, sem oelevar, desapparecem ante a participao sympa-tliica que tomamos nas maguas profundas que des-lisam por deante de ns, e que simultaneamenteexcitam e levantam o sentimento empregado emas contemplar. E a estas emoes,que so e nopodem ser outras seno a piedade e o terror

    produzidas pelas aces e caracteres, a que chama-mos efeito trgico. O designado por cmico visaao sentimento do ridculo e toma por objectivosos vicios e as enfermidades moraes, e a sua repre-sentao tande a soltar caudaes de gargalhadas.

    Consequentemente, quando um drama excluede si quaesquer efifeitos, excepto os primeiros, pdeser classificado de tragedia pura. Nos dramas, ondeos effeitos so muitos, a natureza da aco prin-cipal e dos caracteres principaes, determinadospelas suas feies mais accentuadas, os nicos t-picos que nos habilitam a classificar taes peascomo dramas srios ou humorsticos, ou, como tra-

  • 34 Evoluo do Theatro

    gicos ou cmicos, se optarmos por esta nomencla-tura. A classificao, porm, admitte uma grandevariedade de transies da tragedia pura mistae da comedia pura sua frvola irm, a fara.

    Este methodo de classificao nao se relacionacom o systema adoptado por Philostrato e outrasauctoridades para a terminalogia das peas, queprocura determinar o que so dramas trgicos ecmicos. O drama serio, que conclue por um des-enlace feliz, o scliauspiel dos allenaes, no umgnero para emparelhar com a tragedia, mas ape-nas uma subordinada da primeira, se, na verdade,se torna necessrio fazer tal distinco. Os nomespodem variar infinitamente segundo o ponto devista adoptado para a sua classificao.

    O esboo histrico do drama, que delineare-mos subsequentemente, melhor indicar o desen-volvimento successivo dos gneros nas litteraturasdramticas de vrios povos, muitas das quaes es-tenderam a sua influencia a outros paises e tem-pos, e adquiriram um predomnio universal.

  • .w^

    III

    Thearo ind

    o drama ind Origem Chronologia Primeiro periodo(clssico) Segundo ' periodo (declinao) Terceiroperiodo (decadncia)Numero de peasLitteraturacritica Exclusivismo do drama ind Espcies dedramas As unidades Propriedades Delinea-mento Scenas e situaes Personagens DicoScenario o traj es Actores Recapitulao Poesiado drama ind.

    A origem do drama na ndia , sem constesta-o, puramente nativa. Quando os mahometanosinvadiram o Industao no levavam nas suas baga-gens o drama; os persas, os rabes e os egypciosno possuiam tlieatro nacional. Seria absurdo sup-pr que o drama ind se tivesse apropriado dequalquer obra dos chineses ou dos seus congne-res. Por outro lado no ha factos positivos queassegurem a injuencia de exemplos gregos nodrama indiano em qualquer poca do seu desen-volvimento. Finalmente, o periodo da sua deca-dncia comeou antes da litteratura dramtica daEuropa se ter manifestado.

  • 36 Evoluo (lo T/teatro

    Os escriptores inds atiribuem a inveno dasdistraces dramticas a um inspirado sbio Blia-rata, ou communicao que lhe fez o prpriodeus Bralima de uma arte colhida nos Vedas.Como a palavra Bharata significa actor, encontra-mos aqui, bem caracterisada, uma mera personifi-cao do drama. Conta-se que trs espcies dedistraces foram exhibias ante os deuses pelosespiritos e nymphas do ceu de Indra. O ntya,classificado como dansa, combinada com gesticula-o e declamao, surgiu quasi ao lado do drama.Ainda a este addicionou o deus Siva dois novosmethodos de dansa.A origem do drama ind sem duA^da reli-

    giosa; nasceu da combinao do canto com a dansanos festivaes dos deuses. Mais tarde foram-lhesaddicionados recitativos, primeiro cantados, depoisfalados e em seguida dialogados. ISTa ndia aindase representam, de quando em quando, pantomi-mas e dilogos, baseados em scenas e historias damythologia de Vichn (jtras em Bengala ; rasasnas provncias occidentaes) ; e diz-se que a maisantiga pea da ndia trata de um episodio da his-toria daquella divindade,-a sua escolha paraconsorte de Laxmi assumpto peculiar ao dramaindiano. A tradio, que liga os seus mais moder-nos themas com a mythologia nativa de Vichn,concorda em attribuir a origem de uma espcieparticular de representao dramtica^o sangita a Krisna, a pastora. O auctor do poema Gitago-

  • TJieatro indil 37

    vinda parece ter sido suggestionado por algunsgneros mais recentes de dramas inds. Ao passoque a poesia pica dos inds se approxima gra-dualmente do geneTo dramtico, por meio do dialo-go, o seu drama desenvolve-se independentementeda unio das formas lyricas e picas.A sua poesia dramtica vem em seguida s

    suas epopas, cujos grandes trabalhos, o Mahbh-rata e o Rmayana, tinham j sido precedidos pe-los liymnos dos Vedas, exactamente como o dramagrego succedeu aos poemas de Homero e comoaquelles tinham sido antecedidos por outros anti-gos liymnos. O incio do drama ind pode ixar-seno sculo iii antes de Christo, ou ainda em data

    mais remota. No periodo em que foram produzi-dos os espcimens que conhecemos, attingira j oseu zenith, e era considerada como uma arte per-

    feita. Conhecemo-la na sua gloria, no seu declinare na sua decadncia.A historia da litteratura dramtica da ndia

    pode dividir-se, succintamente, em trs perodos.O primeiro vae desde o sculo i antes da era

    de Christo at o sculo x da era actual. Este pe-rodo pertence historia pre-mahometana da chro-nica da ndia. No fim deste termo, porm, j obudhismo se tornara um poderoso factor tanto navida social, como na moral e intellectual, do In-dusto. E esse o perodo clssico do drama ind eabrange os trabalhos dos seus dois mais indiscut-veis e completos mestres. Destes, Klidsa foi o

  • 38 Evoluo do IJieatro

    mais remoto, pois viveu na corte do rei Vikra-mditya de Avanti e morreu no anno 56 antes deChristo; considerado como a mais brilhante dasnove gemmas do gnio. E o auctor do SJcun-tal, trabalho traduzido por William Jones, e queprimeiro revelou s letras do Occidente a existn-cia de um drama ind.

    um dramtico idylio de amor, de inexcodivelbelleza, e, na opinio das mais consideradas aucto-ridades, uma das obras primas da litteratura po-tica do universo. Outro drama de Klidsa, Vi-Icrama e Urvs O heroe e a nympha

    , embora

    desegual comparado ao Shuntal, contm umacto que um verdadeiro primor; a sua perdur-vel influencia na litteratura dramtica indiana bem evidente por causa da insistncia como foiimitado em peas posteriores. Attribue-se tambma Klidsa uma terceira peca: o Mlavikgjiimitra,mas duvidoso se essa comedia, que se verificouser de uma data mais antiga, no foi composta poroutro poeta do mesmo nome.

    Outra obra de alto mrito, o pathetico Mrich-chaJcat O carro phantastico

    , drama domestico

    com um episodio social, talvez pertena ao finaldo sculo II antes de Christo, e parece certo noser de data mais moderna ao do sculo x. E at-tribuido, o que no raro nas peas inds, a umauctor de familia rgia chamado Sudraka.

    A disputar as palmas da preeminncia a Kli-dsa appareceu o grande poeta dramtico Babha-

  • Theatro incl 39

    vuti, cliamado rilantha, ^ii aquelle em cujagarganta est a riqueza, que floresceu nos princ-pios do sculo VIII. Embora seja considerado maisartificial na linguagem que o seu emulo, e geral-mente mais illaqueado pelas formulas, no deveser considerado inferior em talento dramtico. Dastrs peas que existem delle, Mahvra-Charitrae Utfra-Bama-Charitra so dramas hericos, rela-tivos s aventuras de Rama (stima encarnaode Viclm); o terceiro, o poderoso Mlati e M-dhava, tem por tliema o amor, e foi designado(com mais propriedade que taes comparaes usual-mente possuem) o Romeu e Julieta dos inds. Essapea considerado pelas auctoridades da criticacomo o melhor exemplo da praharayia, ou dramada vida domestica.

    Entre as restantes obras principaes da littera-tura dramtica ind o Veni-Samhara, data prova-velm'?nte do sculo viii ou ix. O nome do seuauctor parece duvidoso; a crtica censura a essapea o exaggero do horror e do pathetico; a suaviolncia recorda a maneira dos predecessores deShakespeare. As outras series de peas constituema transio entre o primeiro e segundo periodo dalitteratura dramtica indiana.

    O periodo da declinao, que vae desde o s-culo XI at o sculo xiv da nossa era, pde consi-derar-se como coincidindo com a continuada seriedas evases mahometanas. Hanman-Natalca ou ogrande Nataka data do sculo x ou xi. E obra de

  • 40 Evoluo do Tneatro

    muitos collaboradores e excede em comprimentotodos os outros dramas inds, pois no tem menosde quatorze actos. O seu thema ilia-se no Rama-cyclo; o seu caracter proeminente o mytliicochefe macaco Hanmat, a quem a tradio attri-bue a paternidade da pea. O theosophico mys-terio de Krishnamicra, como foi chamado, dePrabodha-Chandrodaya O conhecimento do nascerda lua

    , ou a victoria da verdadeira doutrina sobre

    o erro) querem uns que pertena ao sculo xi eoutros ao fim do sculo xii. A data do famosoRatnavali O Collar

    , uma comedia de amor corte-

    zo e de intriga, com uma urdidura meio teren-ciana, e o interessante drama budhista Ngnanda,que principia por uma aco ertica e que passadepois para uma solenne exemplificao da su-prema virtude do sacrificio pessoal, so assumptode controvrsia. Uma pertence ao primeiro quar-tel do sculo XII e a outra a poca mais remota.Finalmente, o interessante drama de intriga poli-tica de Viskhadatta, Mudr-Rahshasa O sinetedo ministro, no qual o prncipe Chandragupta,presumidamente identificado com Sandracottus,faz o seu apparecimento, foi composto, natural-mente, nos fins do sculo xii. esta a nica peaind que conhecemos como sendo uma fabula his-trica na sua essncia. Uma circumstancia dignade nota, se no simples probabilidade, foi produ-zida quando j tinham comeado as invases ma-hometanas.

  • TJieatro in 41

    As outras peas de que tem sido possvel con-jecturar as datas, a poca da sua composio es-tende-se desde o fim do sculo xi at o xiv e per-tencem ao periodo da declinao. Este periodo,comparado com o primeiro, caracterisado pelaindevida preponderncia da narrativa e descripo^])elo estylo afectado e pomposo. Como exemplosaliente deste gnero menciona-se uma pea sobteas aA^enturas de Rana, o Anargha-Rghava, o quala despeito do caracter commum dos seus senti-mentos, da extravagncia da sua dico e obscuri-dade da sua mythologia, se affirma gosar mais altareputao entre os coevos que as obras primas deIvlidsa e Bablivuti. O final deste periodo, nosculo XIV, passa por ter apenas um drama emtamil, que tem uma verso em ingiez. Archandra O martyr da verdade exemplifica- singular-mente parecido na concepo da sua urdidura como Livro de Job e com o Faustonas tentativas deuma herica resistncia contra o rei, a mxima:Vale mais morrer que mentir.

    Nos sculos posteriores ao xiv s ha peas iso-ladas. Estas, que se baseiam principalmente naslendas de Krishna (a ultima encarnao de Viclin),devem ser considerados como um mero rebotalhoe mostram o drama ind na sua decadncia. Real-mente, o ultimo delles, Chitra Yajna, que foi com-posto no .principio do sculo xix, ainda serve demodelo s representaes dramticas de Bengala, imperfeita no dialogo, o qual, guisa da comedia

  • 42 Evoluo do Tlieatro

    italiana improvisada, deixado ao arbitrio doactor complet-lo. O resto s so farcas ou diver-ses burlescas, mais ou menos indelicadas e dedata incerta.

    O numero de peas que chegaram at ns deum to vasto lapso de tempo relativa e absolu-tamente pequeno. Wilson cr que as obras encon-tradas e as mencionadas pelos escriptores indssobre drama sobem a muito mais que sessenta.Como vimos atrs no mais que trs so attribui-das a qualquer dos dois grandes mestres. A estasdeveriam addicionar-se as peas em tamil, compu-tadas em. cerca de cem, e que foram compostas porpoetas que gosavam o patrocnio dos Pandian, reisde Madura.

    Os inds possuem abundantes tlieorias dram-ticas.

    O sbio Bharata, o afamado inventor dos di-vertimentos dramticos, venerado como o pae dacrtica dramticauma combinao de funces aque uma corta poca do tlieatro ingls pde talvezfornecer um parallelo de occasiD. Os commenta-dores (talvez mais sob a influencia da inspiraoque debaixo de um estreito ponto de vista de me-moria) citam constantemente os seus stras ouapliorismos. (De sutra, fio, nasceu sUra-hara,guarda-io, carpinteiro, termo applicado ao dire-ctor geral e architecto dos sacrifcios solennes qao mesmo tempo director das representaes thea-traes),^

  • Theatro in 43

    No sculo XII, quando o drama se approximavaj da sua declinao, a crtica dramtica alcanouum grau elevado; e o Dasa-Rupaka, cujo texto])ertence quella poca, menciona distinctamentedez espcies de composies dramticas. Seguem-seoutros trabalhos de crtica de datas mais moder-nas, exliibindo uma alluvio de subdivises, aindaultrapassadas pelos labores dos doutrinrios occi-dentaes, antigos e modernos. Infelizmente no nosficaram espcimens de confiana (se na verdadeexistiram) para documentar todos os ramos de umsystema dramtico to complicado.

    Quaes so pergunta um director a umactor no prlogo de uma das mais famosas peasinds, as qualidades que o virtuoso, o A^ene-rando, o illustrado e os brahmanes exigem numdrama?

    O actor responde:

  • 44 Evoluo (lo TJieabv

    Esta indiferena pessoal pela popularidade,brotando de uma imperturbvel conscincia pelasaspiraes elevadas, demonstra evidencia que caracterstica nas peas inds mais altamenteclassificadas. Isso explica a sua escassez e a sua

    extenso, torna comprehensivel a principal pecu-liaridade da sua dico e d a chave tanto dassuas mais notveis qualidades moraes como- lit-terarias. Libradas na sua oriofem com o culto re-

    ligioso, eram apenas representadas nas occasies

    solennes, particularmente de natureza publica, emais em especial nas estaes consagradas a al-guma divindade. Assim, embora fossem represen-tadas noutras occasies, eram sempre escriptas comdestino a uma representao particular e solenne.

    A maior parte das peas do norte da ndia soescriptas em sanskrito, lingua que cessou de serpopular no anno 300, antes de Christo, mas quecontinuou a ser a forma clssica e sagrada de falardos brahmanes. Os heroes e os principaes persona-gens da pea falam sanskrito, ao passo que as mu-lheres e os caracteres inferiores se sei^vem de vrios,

    dialectos, mais ou menos perfeitos das linguas pra-krit (em regra no mais que trs, usados nos can-tares das mulheres; o dialecto da lingua prakrit,mais commum na poesia, o auraseni). Poreste motivo, uma parte, pelo menos, da pea no-podia ser comprehendida pela maioria do audit-rio, a no ser pelo conhecimento geral das lendas-e contos que lhe permittiam at certo ponto acom-

  • Thcatro md 45

    panhar o desenvolvimento da aco. Assim, cadaauditrio continha oiiti^o auditrio, o nico quocomprehendia todos os effeitos do drama. Dadaesta anomalia fcil perceber o motivo por queos crticos inds faziam perguntas sobre a arte,visto como s as pessoas altamente illustradas eeducadas estavam aptas para entender ou vir aentender o que se representava.A generalidade do publico no podia apreciar

    os sentimentos manifestados no drama, e assim(segundo os processos prescriptos pela theoriaind) ser instrudo por meio de distraces. Es-tes sentimentos eram chamadas rasas (sabor ouaroma) e brotavam do bhavas (condies do es-pirito e corpo). A estas eram addicionadas variassubdivises; o santa rasa era, porm, logicamenteexcludo da composio dramtica, por isso quesignificava quietao.

    Os crticos inds no conhecem distinco quecorresponda directamente a tragedia e comedia,nem mesmo quando terminantemente caracte-rizada pelo remate da pea. Em harmonia como elemento infantil do seu caracter, os inds nogostam que os contos terminem de maneira in-feliz e ha uma regra que prohibe muito positiva-mente que os seus dramas acabem por uma fata-lidade. O termo geral de todas as composiesdramticas rpaka (de rapa, forma). As compo-sies de gnero inferior so designadas por upa-rilpalcas.

  • 46 Evoluo do TJieatro

    Nas varias subdivises da rj)aka, o nataha, oupea propriamente dita, representa, num sentidom.ais limitado, a espcie mais perfeita. O seu thema sempre elevado e interessante. Trata ou de he-rosmo ou de amor, mas com mais frequncia doultimo.

    O heroe um semi-deus ou divindade, comosuccede com Rama nas peas hericas de Babha-vti, ou um rei, como o heroe de SJcmital. Osdramaturgos mais antigos foram buscar os assum-ptos das suas peas s escripturas sagradas, ou

    Purns, das quaes variaram os incidentes, liber-dade de que os mais modernos se abstiveram.

    Deste modo, em concordncia, talvez com orespectivo desenvolvimento da vida dos dois po-vos, o drama ind, como nO MrichGhhaJcatif Mlatie Mahava segue a este respeito o contrario daprtica progressiva do grego. Os pralcaranas har-monisam-se na sua essncia com os natalcas, com adifferena que so menos elevados; os seus themasso meras lies aproveitadas da vida coeva numarespeitvel classe da sociedade.

    Entre as espcies do uparpaka deA^e ser men-cionado o trotaha, no qual as personagens so partehumanas, parte divinas, e de que se possue umfamoso exemplo, no Vikrama e Urvas. Do bhanfmonologo em um acto, subsiste um exemplar lit-terariouma curiosa pintura de maneiras nasquaes o orador descreve as differentes pessoas queencontra num festival da primavera, nas ruas de

  • TJieatro ind 47

    Kolalialapur, no Sarada- Tilaka. As satyras dosburlescos iwahasanas so usualmente dirigidas liypocrisia dos ascetas e brahmanes e sensuali-dade dos ricos e poderosos. Estas banalidades re-presentam o mais baixo extremo da escala dram-tica, aos quaes so apenas parcialmente applicadoos seguintes principios.A unidade da aco estrictamente imposta

    pela theoria ind embora no seja invariavelmenteobservada na prtica. As interrupes prolixas ouepisdicas so banidas; mas, a fim de facilitar asequencia, o tliema da pea algumas vezes ex-posto em narrativas declamadas por actores ou in-trpretes, um pouco guisa do coro no Henri-que V, ou no Pricles, de Grower. A unidade detempo, liberalmente, ou antes, arbitrariamente^com]:)3'ehendida pelas auctoridades crticas maismodernas, num limite que permitte aco durarum anno; esta praxe, porm, excedida em mais-de uma pea clssica, como por exemplo na S-kimtal e Uttara-Rma-Charitra. Os actos confi-nam os acontecimentos representados numa car-reira de sol e quasi sempre seguem esta norma.O drama ind desconhece a unidade de logar

    ,

    por causa da ausncia de scenario. As peas eramrepresentadas nos pateos dos palcios, talvez algu-mas vezes em vastos recintos destinados a diverti-mentos pblicos ou ao ar livre.A mudana de scena usualmente indicada

    nos textos. V-se, como no quarto acto da Ari-

  • 48 Evoluo do Theatro

    chandra as personagens fazendo compridas jorna-das no proscnio, sob as vistas dos espectadores,que no lhes exigem o percurso real do caminho.

    Podemos chamar propriedades do drama indao solenne caracter da mais alta espcie das suasrepresentaes dramticas, s suas leis e cohibi-

    es. No s a morte nunca devia ser infiingidacoram populo, mas ainda os actos de morder, aga-tanhar, beijar, comer, dormir, tomar banho e aceremonia do casamento, nunca se deviam figurarem scena. No entanto, essas leis apresentam exem-plos de terem sido occasionalmente transgredidas.

    A meiga personagem do vidshaka coagida a fingir que come em voz de perpetrar to obno-xio acto, o que se torna evidente no primeiro acto

    do Ngnanda.A deliciosa scena de amor do Shuntal, pelo

    menos na edio mais recente da pea, cortadaquando o heroe se prepara para haurir como umaabelha o mel dos lbios da heroina. Os modernosdramaturgos so menos escrupulosos, ou menosrequintados. Em dois dramas, no Veni-Samhra eno Prachanda-Pandava a heroina arrastada pelopalco por uma trana dos seus cabellos. Este ul-

    trage , nos dois dramas, o motA^o da aco. Numterceiro, no Viddha-Salabhanjika^ representa-se aceremonia do casamento e ha quem durma emscena.

    As peas inds abriam por uma beno, nndi,seguida por uma espcie de narrativa do auctor, e

  • Theatro in 49

    por uma scena de iiitrocluco entre o director euin dos actores, que se ligava mais ou menos como incio da pea. Esta era dividida em actos, anhaSye scenas. As primeiras ntaJcas no deviam termenos que cinco, nem mais de dez. Sete pareceser o numero commum. A grande ntaka vae atquatorze. O comprimento das peas inds das maisaltas classes considervel-quasi uma trilogiade Eschylo mas nunca se representava mais queuma na mesma occasiao.

    As peas cmicas eram restringidas a dois actose cliamavam-se-lhes sandhis. Tlieoricamente a con-cepo do drama ind segue muito de perto ocontorno geral acima exposto. Tinha um mritocaracterstico, que raras vezes se adivinhava odesenlace antes do ultimo acto. A pea fechava,como principiava, por uma beno ou prece.

    Dentro desta estructura ha situaes to enge-nhosamente expostas e to soberbamente trabalha-das como as de qualquer pea moderna do Occidente.A scena no drama Shuntal, quando a verdadeiraesposa apparece ante o marido, que, ao reconhe-c-la fatalmente assombrado por um encanta-mento, inexcedivel de dor; a scena no dramaMlat e Mahava, quando o amante arranca a suabem amada aos horrores do sepulcro, admirvelde pavor. O reconhecimento, principalmente entrepes e filhos, proporciona situaes que apresentamum pathetico que Euri])edes nunca excedeu.

    O engenhoso artificio de uma pea dentro da

  • 50 Evoluo do TJieairo

    pea, to familiar no drama ingls, empregadocom- o maior successo por Babhavti. Tambm seserviam de metamorplioses milagrosas e, numapea das mais modernas, Ratnvalij a magica vul-gar concorria para o desenvolvimento da aco.A par de muitas' scenas do mais frisante e impo-nente contraste havia outras da mais delicada epotica graa, como por exemplo o indescriptivele delicioso episodio de duas donzellas do deus doamor ajudando-se reciprocamente a colher o botovermelho e verde da mangeira ; ou gracs inciden-tes domsticos, como o do cortezo, ouvindo taga-relar o filho da amante, uma das mais bellas scenas,e que raras vezes se representam no drama mo-derno sem affectao. Os dramaturgos indianosempregavam largamente no desenlace, no sentidorestricto da palavra, o deus ex machina e com fre-quncia com bom senso.

    Cada drama tem a sua espcie apropriada deheroe ou heroina, e ainda neste ponto os praxistasse comprazem em arranjar uma infinidade de sub-divises. Entre as heroinas contam-se as cortezans.A Sua posio social assemelhava-se de algumaforma s hetairas gregas. Conviver com ellas noera considerado, na prtica, embora o pudesse serna theoria, uma deshonestidade, nem mesmo para

    os brahmanes. -Em geral, o drama ind indicarelaes entre os sexos, sujeitas s peculiares res-trices do uso, mas mais livres que as que osexemplos mahometanos mostram ter introduzida

  • Theatro ind 51

    na alta sociedade ind. Os caracteres masculinosso frequentemente desenhados com habilidade ealumas vezes com ofenuina forca.

    o principe Samsthanaka do Mrichchhahaf um typo egoista, nascido na purpura, e digno deser emparelhado com qualquer figura similar dosdramas modernos, typo tantas vezes aproveitadopelos dramaturgos. No Mur-Rakshasa as intrigasdos ministros so to bem expostas como no me-lhor drama actual e os principios sobre que gira aaco so judiciosamente discriminados. Entre aspersonagens de somenos importncia do dramavulgar ind, ha dois dignos de referencia, por cor-responderem, embora no sejam precisamente osmesmos, a typos familiares das outras litteraturas

    dramticas. So elles o vit, o perfeito, mas de-pendente companheiro, homem ou mulher, e ovidshaka, ntimo humilde, mas no criado, doprincipe, e o bobo da aco. Caso curioso, sem-pre um brahmane, ou o pupillo de um brahmane.O seu papel gosar os beneficios de uma vidatranquilla, o de comer em especial; os seus grace-jos so sempre inoFensivos.

    A dico sempre ornamentada, tropical. R-ckert define-a com felicidade, dizendo: A prosa flexvel e o verso bem entretecido. Na opinio deGoethe, no verso indiano: As palavras transfor-mam-se em alluses, as^alluses em sorrisos e ossorrisos em metphoras. O drama ind baseia-seessencialmente na^s suas qualidades litterarias, na

  • Evoluo (lo Thcairo

    familiar santidade dos seus themas favoritos, noeffeito que esses requisitos so capazes de pro-duzir.

    O apparato scenico pouco conhecido. Os sin-gelos artifcios para as entradas e sahidas no me-recem ser descriptos. Alm dos carros dos deusese dos seus emissrios pouco mais havia que valhaa pena mencionar-se. Em compensao a proprie-dade do traje era observada com rigor, tanto noque a pea exigia, como na fidelidade como eramreproduzidos os vesturios do povo indiano.

    Os ministros de uma arte praticada em taescondies no podiam ser olhados com respeito.Partilhavam do desprezo ou coisa peor, que emtoda a parte coube em sorte ao actor se exceptuar-mos a grande e civilisada Grrecia. Parece que, desdeos tempos mais remotos, liouve companhias deactores na ndia, e citam-se exemplos de come-diantes que eram considerados membros respeit-veis da sociedade. Em pocas recuadas existiam,individualmente, actores que gosavam de largareputao. No Anargha-Rghava affirma-se: Todoo mundo conhece os merecimentos de Kalaha-Kaudala. Os directores das diverses dramticaseram quasi sempre brahmanes, como ficou ditoatrs. Os papeis femininos eram representados ge-ralmente por mulheres, embora no invariavel-mente. Accentua-S8 essa excepo na pea Vidclha-Salabhanjika onde, como tantas vezes se tem feitono theatro do Occidente, um ministro astucioso

  • Ihcatro ind 53

    disfara a filha em rapaz e com esse disfarce est

    quasi para casar com uma pessoa do seu sexo.O estudo do drama ind, quando no tivesse

    outra convenincia seno o de servir de termo decomparao, seria inestimvel por esse lado. Masainda no ponto de vista puramente litterario, asua excellencia accentua-se entre os primeiros domundo. E na verdade uma simples phrase chamara Klidsa o Shakspeare indiano,um titulo quese significasse mais que um synonymo de preemi-nncia potica, podia ser vantajosamente disputadoa f.ivor de Babhayti. Seria um erro crasso collo-car uma litteratura dramtica, que, como a ind, a quinta essncia da cultura de uma casta, aolado de outra que representa o mais completodesenvolvimento da conscincia artstica de umpovo como o helleno.

    O drama ind no pode ser classificado de na-cional, no sentido mais amplo da palavra; odrama de uma classe litteraria embora como talexhiba muitas das mais nobres, das mais requin-tadas e caractersticas faces da religio e civilisa-o ind. A moral do drama ind de caracterelevado, mas filia-se num systema escolstico dephilosophia religiosa, consciente da sua perfeio.Attribue ao poder da sorte uma supremacia, antea qual tanto os deuses como os mortaes se deveminclinar, mas se a vida presente do homem ape-nas uma phase do cyclo dos seus destinos, os es-foros da mais sublime moral indicam-lhe ao

  • 54 Evoluo do Tlicairo

    mesmo tompo que o cmulo das ])ossibilidades edo sacrifcio de si ]n'opiio a suprema condiotanto da perfeio individual como do progressodo mundo. So concepes taes como estas que en-redam e complicam a vida moral do drama ind.

    Os aFectos e paixes que . formam a ])arte doeu desenham com fidelidade a natureza que ne-nhuma arte pode despresar. A liberdade do dese-nho, porm, restringida por condies que nonos so familiares e que s vezes se nos afiguramintolerveis, mas que era impossvel imaginaodos poetas inds descurar.A pura absorpo de si mesmo, da ambio o

    do amor, surge-nos inconcebvel coada atravs does])irito de alguns desses poetas, e a sua philoso-phia social sempre baseada no systema das cas-tas. So -mestres no modo como manejam o patlie-tico, principalmente na parte que se liga com aresignao. No exprimir de certas manifestaesde delicadeza so deficientes. A sua maneira dedelinear as scenas inferiores singular, at nasproduces de intuitos cmicos accentuados. Resu-mindo, a litteratura dramtica ind, mesmo naspeas com palavras, como os sons sabidos pelonariz, poucos exemplos intelligiveis fornece s na-es do Occidente.A excellencia caracteristica do drama ind

    de se apresentar vestida com um traje potico,que a envolve como as flores desabrocham do seioda terra na estao primaveril. As suas mais no-

  • Theatro hid 55

    bres prodiices, diga-se a verdade, nunca mentem sua origem meio rural meio religiosa; entrete-cem-se com as grinaldas de chimeras idylias numacadeia ininterrupta accrescentando s suas naturaese favoritas lorescencias novos e frescos encantos

    do seu inexhaurivel jardim. pujante a descreveros grandes aspectos da natureza, as suas densasflorestas e as ribas do Oceano.

    S um profundo conhecimento da litteraturanativa poderia acompanhar a sua declamao, umaincessante alluvio de phrases e figuras, ouvidascomo zumbido de abelhas quando pousam no ltuse contemplada com a piedosa sympathia da trepa-deira do Skuntal quando se enrosca na man-gueira. A belleza potica do drama ind revela-seno mysterioso encanto do seu delineamento, se nono seu flgido esplendor, mesmo quando no hbil. O seu estudo no pode deixar de ser feitopelas pessoas que presam a boa litteratura, e que,ainda de mais a mais, podem descobrir nelle novosmateriaes e at novas maravilhas.

  • /o\v^f^'

    %[^^r^ draiia na China

    itiguidado Perodo clssico Pi-Pa-Ki Declinao edecadncia Tendncias theoricas Drama religiosoDrama histrico Drama domestico Intuitos daspersonagens Delineamento e desenvolvimento da.urdidura A principal personagem que canta De-clamao potica Mritos do drama chins Scena-rio o trajes Actores.

    O theatro chins, como o ind, nasceu das artesde cantar e dansar. Os chineses attribuem-Uie umaorigem antiqnissima. Desenvolveu-se parallela-mente aos bailados e pantomimas e foi florescendoat attingir as suas formas mais adeantadas. Mui-tas das suas peas continham, originariamente,referencias symbolicas a vrios assumptos, taescomo ceifas, guerra e paz, etc. Assegura-se queuma remotssima pantomima symbolisava a con-quista da China por W"ou-Wang; outras eram decaracter mais humilde e at muito obscuro. Oschineses tambm attribuem sua musica umagrande antiguidade de origem.

    Embora algumas tradies affirmem (]ue o

  • 58 Evoluo do TJieatro

    drama chins foi inventado pelo imperador Wan-Te,no anno 580 antes de Christo, esta honra maisusualmente concedida ao imperador Heun-Tsung,que viveu no anno 720 antes de Christo, e que tambm rerflemorado como sendo um reformadorradical da musica. Desde ento as pantomimascahiram em descrdito.

    A historia do theatro chins dividida, desdeessa data, em quatro perodos distinctos. No te-mos meio de verificar o rigor dessa diviso. Emtodo o caso cada uma das peas apresenta o cunhocaracterstico da poca a que pertence.

    Essas divises so:

    As peas compostas no tempo da dynastia Tang,desde o anno 720 a 907 antes de Christo. Estaspeas, chamadas Tchhouen-Khi, limitavam-se a re-presentar acontecimentos extraordinrios. O seudelineamento consistia numa espcie de dramaherico. O perodo que se lhe succedeu de guerracivil interrompeu os gosos da paz e da prosperi-dade (uma phrase chinesa das representaes dra-mticas). Mais tarde essas peas reviveram.

    As peas da dynastia Sung abrangem o espaoque vae do anno 960 a 1119 da era christan. Aspeas deste perodo so chamadas Hi-Khio. Desdeento surge uma particularidade no theatro chins;

    figura nelle uma personagem principal: o cantor.A poca mais conhecida do drama chins a

    das dynastias Kin e Yuen, desde 1125 a 1367. Aspeas deste perodo so chamadas Yeiin-Pen e

  • o drama na China 59

    T-'a-Ki. Esta ultima tem semelhanas com o Hi-Khio e trata de muitos e variados assumptos. Foiprincipalment-e o Yuen-Peii que nos deu a conhe-cer o theatro cliins ; as peas curtas designadas porYen-Kia so do mesmo estylo, mas mais breves.A lista dos auctores dramticos na dynastia Yuen sofrivelmente extensa; comprehende cerca deoitenta e cinco. Quatro, affirma a lenda, eram cor-tezans. Calcula-se o numero de peas compostaspor estes auctores anonymos em no menos dequinhentas e sessenta e quatro. Foi o missionriojesuita Prmare quem primeiro revelou Europaa existncia da tragedia Tchao-Chi Cu-Eul O or-pliosito da casa de Tchao , tragedia fundada numaantiga pea que descreve as aventuras de um her-deiro ao throno imperial, preservado numa caixamysteriosa qual outro Cypselus ou Moyss. Vol-taire aproveitou o thema da remota pea parauma tragedia rhetorica, na qual elle declara comtoda a fleugma que era sua inteno:

  • 60 Evoluo do TJieatro

    demo que as peas de Yuen, pois foi composto nosfins do sculo xiv por Kao-Tonj-Kia, e reprodu-zido em 1404, no tempo da dynastia Ming, comalteraes de Mao-Tseu, commentador de salDor egosto. O Pi-Pa-Ki, que, como drama domestico desentimento, possue um altssimo mrito, gosa hamuitos annos de uma excepcional popularidade naChina. Tem sido frequentemente reeditado comprefcios laudatorios, e no sculo xviii foi consi-derado como um monumento de moralidade e aobra prima do theatro chins. Parece que estedrama no encontrou competidor serio, posto quefosso originariamente concebido para reagir contraas peas ento em voga, ' especialmente contra ocelebrado Si-Sianj-Ki A historia da bandeira doOccidente de Wang-Chi-Fou.

    O perodo decorrido de 1368 a 1644, durante adynastia Ming, no contm nenhum progresso.O que }ue se encontra ali? pergunta o pre-facio da edio de 1704 do Pi-Pa-Ki.Dilogosburlescos, um acervo de sconas, umas imaginadase outras apanhadas no tumultuar das. ruas, ou aignbil linguagem das estradas, extravagncias dedemnios e de espritos no meio de intrigas deamor que repugnam delicadeza dos bons costu-mes. O theatro chins nunca mais se levantoudesta decadncia.

    Theoricamente nenhum drama mais consis-tentemente elevado nos fins e na maneira de serque o chins. Todas as peas deviam ser moraes o

  • o drama tm CJiina 61

    instructivas. Um artigo do cdigo penal do imp-rio im])e aos dramaturgos chineses um objectivovirtuoso.

    Todo aquelle que escrever peas immoraes resi-dir no purgatrio durante tanto tempo quantose representarem as suas peas. Comtudo, na pr-tica, o drama chins no aspira a realizar amplosideaes. Se nos cingirmos crtica indgena, j ci-tada, entre dez mil escriptores dramticos nemum s intenta aperfeioar a educao da humani-dade por meio de preceitos e de exemplos.

    Os chineses, como os inds, no fazem distin-co entre tragedia e comedia. Classificam as peas,segundo os assumptos, em doze categorias. Actual-mente duvidoso se as que elles classificam comomais elevadas merecem na verdade tal primasa.O elemento religioso no palco chins com fre-quncia uma pura chocarrice. A vida religiosa talcomo ella se reflecte no drama coUoca as diversascrenas ao lado uma das outras e recebe todas assupersties sejam qual for a sua origem. De todasas tradies e doutrinas religiosas as mais com-prehensiveis so as do budhismo, religio quedominava j na China, muito antes dos dramasmais remotos conliecidos. Assim o thema da abso-luta abnegao tratado numa pea, como noSacrifcio de si mesmo, de Tchao-Li; o da inteiraabsorpo na vida religiosa noutra, como porexemplo no Lai-Seng- Tchai A divida que se pagano outro mundo

    .

  • 62 Evoluo do TJieatro

    Os chineses no desconhecem o drama hist-rico, e embora a lei prohiba fazer figurar no palco imperadores, imperatrizes, prncipes famosos, mi-nistros e generaes de outras eras , tal restrico

    no observada na prtica. No Han-Kong-Tseu As magnas de Han > por exemplo, que se baseianuma lenda histrica singularmente parecida com

    a historia de Esther e com o mytho da filha deErechtheus, o imperador Yneu-Ti (pertencente auma das dymnastias cabidas) desempenha umaparte importante e tristssima.Um grande numero de peas chinesas, accessi-

    vel s traduces, pertence ao gnero domestico e

    a uma subdiviso que pde ser chamada dramacriminal. A sua virtude favorita a piedade, deuma espcie privativa aos pes ou sogros como

    no Lao-Seng-Eul, ou prtica, como no P-Pa-Ki.A sua urdidura favorita consiste na descoberta dftum criminoso, occulto durante muito tempo, e nodesforo da innocencia perseguida, como se v No circulo de gis (Hoei-Lan-Ki), na Tnicajusta e na Vingana de Teou-Ngo. Na escolhae elaborao de taes assumptos pouco deixam adesejar, segundo os mais ardentes devotos da litte-

    ratura cheia de angustias. Alm destas peas, hamais uma comedia de amor pura e simplesuma

    pea de natureza no em extremo meiga masineffavelmente innocente, a Tchao-Mei-Hiang In-

    trigas de uma creada de quarto.

    Livre na escolha dos themas, o dram^ chins

  • o drama 7ia Chhia 6B

    , do mesmo modo, notavelmente amplo na crea-o dos caracteres. Como bem conhecido, a socie-dade chinesa no se baseia, semelhana da ind^em princpios de casta. A categoria na China determinada pela profisso, e esta ainda dependedo resultado dos exames. Estes factos familiaresap]^irecem constantemente ao leitor das peas chi-nesas. O Tchoang-Yuen ou o mais classificado nalista dos licenciados, a flor da sociedade chinesa^() heroe de muito drama, como no Ho-Han- CharlaPi-Pa-Ki, etc. E uma apreciada vaidade por mui-tos annos um antepassado que desempenhou al-tos cargos devido aos seus triumphos litterarios

    ^

    orno se l no Tchao-Li. Noutros casos, uma pes-soa reprovada no seu exame militar, torna-se comopor uma natural transio, um guloto monstruoso.

    O drama chins no respeita as classes baixas,.pinta com liberdade digna de nota as virtudes eos vicios de approximadamente cada phase da so-ciedade. Existe a mesma liberdade com relao aosexo feminino; claro que em pocas remotashouve algumas restries vexatrias na vida chi-nesa no convvio social entre homens e mulheres.A variedade dos caracteres femininos no theatrochins grande, vae desde a heroina, que se sacri-fica pelo amor de um imprio Magoas de Han

    at bem desenhada rapariga que declara que mulher veio ao mundo para ser obediente, paradobar meadas de seda e trabalhar com a agulha(Pi-Pa-Ki)desde a criada de quarto que planeia

  • 64 Evoluo do Theatro

    a mais gentil e sentimental das entrevistas, at descuidada cortezan que, qual outra Millwood, ex-proba ao cmplice o seu crime quando elle lhepede misericrdia e o convida a morrer com ellana esperana de uma reunio para alm do tumulo{actos IV do He-Lang-Tan e do Hoei-Lan-Ki). Nocasamento, a primeira esposa, a legitima, distin-gue-se da segunda, que s vezes uma antiga cor-tezan, e para quem os sentimentos da primeiravariam entre amargos cimes e fraternal amisade.

    O 'desenvolvimento das peas chinesas deuma grande ingenuidade e mostra accentuadaaverso para restringir o tempo e logar. A natu-reza do enredo abrange uma longa serie de annose transpe largos intervallos de distancia local. Aspeas so divididas em actos e scenas. Os primei-ros so, em geral, quatro; ha s A^ezes uma intro-ducao ou narrativa-prlogo, declamada por algunsdos caracteres (Sie-Tsen). Existem, no entanto,algumas peas que so compridssimas. O Pi-Pa-Kiest dividido em vinte e quatro seces, e bemfeitas as contas em quarenta e duas. Eu no de-sejo, diz um emprezario num prlogo, que estarepresentao seja demasiado longa, acaba hoje eno se lhe corta nada, do que se deprehendeque a representao de algumas peas levava maisde um dia. Exigia a regra que houvesse um actoseparado para o desenlace.

    Segundo uma theoria, da qual nem sempre fcil traar a operao, a sublimidade do delinea-

  • o drama na China 65

    mento consistia no dualismo ou contraste de scenaa scena, exactamente como o primor da dico re-sidia no parallelismo ou antthese de phrase aphrase. No estando sujeito a restrices aquilloque pode, ou no pde ser representado num palco,o desenvolvimento do enredo permitte o empregode innmeras variedades de incidentes. Ha mortes vista do publico pela fome, por submerso, porveneno, por execuo; os aoutes e as torturas so

    inflingidas no proscnio; ha milagres e incidentesde magica; o espirito de uma filha innocentementeexecutada reclama do pae que a vingue do seuinfame assassino e assiste em pessoa ao subsequenteinqurito judicial.

    Certas particularidades na marclja da aco sodevidas mais aos usos da sociedade que s leis dra-maturgicas. Os casamentos so, em geral, arranja-dos

    pelo menos nas altas espheras da sociedade

    por damas profissionalmente empregadas comoagentes matrimoniaes. A resoluo do nodiis daaco usualmente accentuada pela interposiodirecta de um representante superior da auctori-dadeum tributo ao systema paternal do governo,que a variedade caracteristica dos chineses dodeics ex machina.

    Este tende naturalmente ao favorito eplogode uma glorificao da imperador, assemelhando-se de Luiz xrv no fim do Tartufo, ou da ndole dasda rainha virgem em mais de uma pea inglesaisabeliana. Devemos accrescentar que as persona-

    5

  • 66 Evoluo do Ihcatro

    gens poupavam as despezas do cartaz anniinciandoe reannunciando persistentemente os seus nomes egenealogias e suppriam a necessidade de um livro,visto recapitularem com frequncia a parte dapea j representada.

    Ha no drama chins uma particularidade queconvm pr em evidencia. O principal caracter deuma pea representa tanto o auctor como a perso-

    nagem.Elle ou ella heroe ou heroina e coro. Este

    desempenhado pelo protagonista que canta trechospoticos, mximas de sabedoria e de moralidade,reminiscncias e exemplos tirados da lenda ou dahistoria. Estes trechos entoados fora do dialogoVariam-no e transmittem-lhe tanta elevao e bri-lhantismo quanto possvel. O caracter que cantadeve ser a principal personagem da aco e pdeser tirado de qualquer classe da sociedade. Se estapersonagem morre no decorrer da pea, canta outraem seu logar.

    Mencionando esta feio caracterstica do dramachins, seria flagrante injustia julgar qualquerdas outras suas produces sem apreciar devida-mente os trechos lyricos, que no se limitam aocanto da personagem principal, pois outros cara-cteres com frequncia recitam versos . E nestestrechos lyricos ou didcticos que se devem pro-curar as flores de dico a que se referiu Julien.Consistem, a maior parte das vezes, no empregode uma phraseologia metaphorica de infinita bel-

  • o drama na China 67

    leza nas suas variedades taes como uma extensaserie de phrases compostas com uma palavra quesignifica jacto e que exprime separadamente asidas de raridade, distinco, belleza, etc, ou comooutras derivadas de nomes de cores, pssaros, ani-maes, metaes preciosos, elementos, constellaes;

    ou alludindo a anecdotas ou lendas predilectas.Estas feies constituem o elemento litterario

    ])or excellencia das composies dramticas chine-sas. Embora seja impossvel para um inexperienteleitor ser accessivel aos encantos de uma to raraphraseologia, discutvel se o estylo do dramachins tem direito a ser considerado realmentepotico. Abundam nelle talvez os ornamentos po-ticos, mas no est como o ind, banhado empoesia.

    Os mritos desta litteratura dramtica no selimitam ingenuidade da construco e variedadede caracteresmritos de si importantes, que ne-nhuma crtica bem orientada pde negar. As suasobras primas no so s verdadeiramente patheti-cas na concepo e nas principaes situaes daaco, possuem scenas de singular delicadeza dedelineamentotaes como aquella onde o recem-casado marido da heroina abandonada tenta emvo, na presena da segunda esposa, cantar no seunovo alade, depois de ter posto de parte o antigo.No ultimo acto de uma tragedia que appella si-multaneamente para o patriotismo e para a pie-dade, existe nelle um intenso e imaginativo poder

  • 68 Evoluo do Iheatro

    na personagem do imperador, quando, sabendo dapartida, mas no da morte da sua amada, busca asolido interrompida apenas pelos guinchos da gal-linha brava.

    O drama chins no despido de jovialidade.A azougada criada que persuade a ama a confes-sar-lhe o seu amor com o argumento de que :

    a

    humanidade a convida a amar os homens

    ; o juizcorrupto (um typo vulgar nas peas chinesas) quese pe de joelhos deante das partes a incit-las aque pleiteem o pae e a me que lhes d o sus-tento, so exemplos bem frisantes. No Pi-Pa-Kiha uma scena admirvel de burlesco sobre o aindamais caracterstico thema dos ridculos de umconcurso. Se taes graciosidades no se multipli-cam, merecem pelo menos ser citadas. Os elemen-tos que possumos para o estudo dessa litteraturadramtica no so abundantes, vale pois a penaaproveit-los todos.

    No norte da China ha casas que servem, tem-porariamente, para nellas se effectuarem repre-sentaes dramticas. No sul os theatros so, emgeral,, armados nas ruas (Hi-Thai). E este o mo-tivo principal porque na China nunca se olhoumuito para as decoraes de uma certa impor-tncia. O guarda-roupa descripto como sendomagnifico; tradicionalmente o usado antes doseculo> XVII em harmonia com o colorido histricode muitas peas.A profisso de actor no um modo de vida

  • o drama na China 69

    respeitvel na Cliina. Os emprezarios costumaincomprar

    ^filhos de escravos e na escravatura os

    conservam. E proliibido apparecerem mulheres noproscnio desde que o imperador Khien-Longadmittiu uma actriz no numero das suas con-cubinas! De ento para c os papeis femininossao desempenhados por mancebos, e em certasoccasies por eunucos. -

  • fl drarnafirgia no Japo, Egypoe nalgdns povos da finierica

    o drama japons Chiushingura Ausncia do drama noresto da sia Vestigios isolados do drama nos povosdo Novo Mundo Elementos dramticos na vida reli-giosa e popular do Egypto.

    O drama japons tem sido at agora, segundotodas os probabilidades, uma distraco extrema-

    mente apreciada pelas classes inferiores, mas quenunca foi nobilitada por uma litteratura dignadesse nome. Excluindo os elementos nativos demusica, dansa e canto e as narrativas e pantomi-mas lendrias ou histricas, o drama no Japo uma importfio chinesa. At ha bem pouco tempono tentou, pelo menos apparentemente, nemm.esmo nas suas produces mais avanadas, eman-eipar-se de reproduzir os typos chineses conven-cionaes.

    Cerca dos fins do sculo vi Hada Kavatsu, deorigem chinesa, mas nascido no Japo, principioua organisar espectculos para beneficio do paiz e

  • Evoluo do Theatro

    escreveu trinta e trs peas. Os japoneses, com-tudo, attribuem a origem do seu theatro intro-duco da dansa chamada Sambaso como um feitiocontra um terramoto que occorreu em 805. Estadansa ainda est em uso como preludio das repre-sentaes theatraes. Em 1108 viveu uma mulhercom o nome de Iso, que considerado como a medo drama japons. Os seus espectculos Ixmita-vam-se a dansas ou a quadros vivos com trajesmasculinos (otokomai). A introduco do dramapropriamente dito universalmente attribuido aSaruwaka Kauzabur, que, em 1624, abriu o pri-meiro theatro (sibaia) em Yeddo.

    Pouco tempo depois, em 1651, as casas de es-pectculos foram removidas para um sitio priva-tivo da capital, onde estiveram por muito tempo eonde ainda esto algumas, O theatro comeou aflorescer desde ento, quer ahi quer nas cidades daprovncia, principalmente nas do norte. As pes-soas de uma certa categoria nunca iam ao theatro^mas os actores eram convidados em certas occasiesa representar peas na residncia dos nobres, queno se dedignavam nas festas solennes tomar parteno desempenho de uma espcie de opera, muitoapreciada por ellss, baseada em lendas e chamadan. S o mikado possuia um theatro seu.

    Os assumptos das peas populares so na maiorparte histricos, embora o nome das personagensestejam mudados. Ha um exemplo desta afirma-tiva no jtior, ou romance musical. O conto uni-

  • .4 dramaturgia no Japo, Egypto e America 73^

    versalmeiite conhecido Chiushingura O pacto leal

    foi amplificado e adaptado para- o theatro. Estafamosa narrativa da fidelidade feudal dos quarentae sete ronins, que em 1699 vingaram o suicdiojudicirio do seu chefe no arrogante funccionarioque o provocou, agita mais que commove nos seusincidentes e contm scenas sanguinrias a pardoutras das casas de ch, scenas que so umespcimen da comedia japonesa de costumes;Um dos livros deste romance dramtico con-

    siste numa descripo metrificada, principalmentenum dialogo, de uma jornada, que, moda das]3eas inds, se passa no palco. Existem aindaoutras peas populares que se baseiam no mesmoassumpto, alm dos dramas domsticos de gnero'ultra-realista, e com frequncia altamente impr-prios, no obstante serem delles excludas todasas intrigas contra as mulheres casadas. Fadas, de-mnios, operas, bailados, faras e intermezzos

    intercalam-se com os jogos dos acrobatas e dospelotiqueiros.

    Cada classe no Japo exige para si uma espe-cial distraco theatral

    que dura do nascer aopr do sol, e, como as casas de espectculos in-feriores apropriavam e mutilavam as peas dasmais aristocrticas, claro que as condies dotheatro japon ^5 no eram promettedoras. A civi-lisao e o progresso que fez do imprio do solnascente uma potencia militar de primeira or-dem, constituindo-se em alavanca poderosssima

  • 74 Evoluo do Tfieairo

    de todos os ramos da actividade humana, penetroutambm nos dominios do palco.

    Lembram-se Os nossos leitores, com certeza,dos espectculos dados pela actriz japonesa SadaYacco no theatro D. Amlia de Lisboa, de 19 a22 de maio de 1902, depois de representar emtodas as capites do mundo civilisado. Foram qua-tro as recitas. Na primeira interpretou Kosan eKinlcoro e o Mercador de Veneza: na segunda odrama clssico japons Shogiin em trs actos e acomedia em um Zingoro Boneca; no terceiroGhesha e o cavalleiro, drama em dois actos e Kesatambm em dois; e a quarta, em matine, emque repetiu as peas da segunda. Alm de SadaYacco o publico applaudiu o primeiro actor Ka-wakami. O auditrio, que nao comprehendia, claro, uma palavra de japons, riu-se na primeirarepresentao, mas era tal a intensidade dramticados' artistas, to expressivos o seu jogo physiono-mico e os seus gestos, que acabou por tomar acompanhia a serio e applaudiu-a depois sem re-servas e com inteira justia. A titulo de curiosi-dade diremos que o espectculo era completadopela celebre dansarina Loie Fuller, eximia nadansa serpentina.

    O scenario movei e propriedades do theatrojapons est mais adeantado que o prototypo dochins. Os interpretes eram, excepto nos bailados,exclusivamente homens. Embora os actores prin-cipaes gosem de grande popularidade e recebam

  • A dramaturgia no Japo, Egypio e America 75

    respeitveis salrios, a classe considerada comdesprezo e as companhias so geralmente recruta-das nas camadas mais baixas. Todas estas condi-es, como dissemos, se teem ido modificando, e de prever que a crescente marcha de progressodo Japo revolucione o theatro como revolucionoutudo mais.

    No existem vestgios de theatro nos outrosIDOVos civilisados da sia. O de Sio deve ser con-siderado um ramo do ind. Entre os hebreus eoutros povos semitas, bem como num povo origi-nariamente aryano da sia que tem cultivado asletras com assiduidade e xitoos persasa artedramtica ou deficiente ou as suas producesso eventuaes e exticas. No necessrio insistirsobre o elemento dramtico que se patenteia nosdois livros das Escripturas hebraicaso Livro deRuth e o Livro de Job. Sobre o elemento dram-tico dos ritos religiosos dos egypcios tratar-se-hamais adeante.

    No cabe nos limites deste esboo e mesmo porque ficaria um tanto deslocado, enunciarmos aquios vestgios de passatempos dramticos que teemsido encontrados em diversas partes do NovoMundo. Nesses povos longnquos realizam-se re-presentaes, acompanhadas por dansas e interca-ladas com recitativos, como presenceou o capitoCook nas ilhas do Mar do Sul.

    Do chamado drama inca, dos peruanos, a nicarelquia que nos resta, Ajni Dllantay, aErma-se

  • 76 Evoluo do Theatro

    ter sido escripto em lngua quichua, ditado pelosindgenas, por padres liespanhoes logo depois daconquista. Este drama foi em parte traduzido porMr. Clements Markham e mais tarde duas vezesposto em verso allemo. Parece ser uma pea his-trica, do typo herico. Ha nelle incidentes de re-volta combinados com scenas patheticas e uma si-tuao lyrica de bastante doura o lamento deuma perdida personagem. A emparelhar com estaexiste o bailado dramtico do feroz asteca, Babi-nal-Achi, traduzido pelo abbade de Bourbourg.O texto mais uma serie de allocues guerreirasque uma tentativa de delineamento de caracterdramtico. Mas isto so meras curiosidades isoladas.A civilisao e as idas religiosas dos egypcios

    influiram to vitalmente no povo, de cujo dramamais adeante trataremos, que no podemos deixarde nos referir a elle. A influencia dos egypcios nacivilisao grega foi exaggerada por Herdoto. Senunca se ha de saber ao certo quanto os gregosdevem aos egypcios nos diversos ramos da scien-cia, no ha duvida que os primeiros se confessamdiscpulos do Egypto na doutrina principal da suatheologia nativa. A doutrina da immortalidade daalma encontrou ahi a sua mais solenne expressonos mysteriosos recitativos a propsito dos ritosda sepultura e nas narrativas da migrao da almada terra para a sua eterna morada. Estas solenni-dades, cuja intromisso nos mysterios hellenicosteem sido attribuida interferncia do culto thra-

  • .4 dramaturgia 7io Japo, Egijpto e America 77

    cio de Dioiysio, continham indubitavelmente ele-mentos dramticos, sobre o valor dos quaes novale a pena demorarmo-nos.

    As idas s quaes elles procuraram transmittirpersonificao centralisavam-se em Osiris, o podervivo ou alma universal da natureza, a quem He-rdoto identifica com toda a ingenuidade com oDionysio dos gregos. A mesma divindade er