Educação ambiental e conselho em unidades de conservação
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INSTITUTO BRASILEIRO DE ANLISES SOCIAIS E ECONMICAS IBASE1
Educao ambiental e conselho
em unidades de conservao
Aspectos tericos e metodolgicos
Carlos Frederico B. Loureiro
Marcus AzazielNahyda Franca
Uma publicao do Ibase
Rio de Janeiro, abril de 2007
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INSTITUTO BRASILEIRO DE ANLISES SOCIAIS E ECONMICAS IBASE2
Educao ambiental e conselho em unidades de conservaoAspectos tericos e metodolgicos
EXECUO
Instituto Brasileiro de Anlises So-ciais e Econmicas (Ibase)
ORGANIZAO E TEXTO
Carlos Frederico B. LoureiroMarcus AzazielNahyda Franca
COORDENAO EDITORIAL
Iracema DantasItamar Silva
EDIO
AnaCris Bittencourt
FOTOGRAFIAS
Fabio Costa, Luiz Paulo Nenen,Arquivo Instituto TerrAzul eArquivo Ibase
REVISO
Marcelo Bessa
PROJETO GRFICO E DIAGRAMAO
Guto Miranda
IMPRESSO GRFICA
Stamppa
TIRAGEM
1 mil exemplares
PATROCNIO
PetrobrasAtravs do Programa PetrobrasAmbientalPresidente da Petrobras
Jos Srgio Gabrielli de AzevedoGerente executivo de Segurana,Meio Ambiente e Sade
Ricardo Santos AzevedoGerente executivo do Cenpes
Carlos Tadeu da Costa FragaGerente executivo deComunicao Institucional
Wilson SantarosaGerente de Responsabilidade Social
Lus Fernando NeryGerente setorial de Programas Ambientais
Rosane Beatriz Juliano de AguiarGerente do Projeto gua emUnidade de Conservao
Amrico Machado Martins
L928eLoureiro, Carlos Frederico BernardoEducao ambiental e conselho em unidades de conservao : aspectos tericos e metodolgicos / Carlos Frederico
B. Loureiro, Marcus Azaziel, Nahyda Franca. - Ibase: Instituto TerrAzul : Parque Nacional da Tijuca, 2007
ISBN 978-85-89447-16-41. Parque Nacional da Tijuca (Rio de Janeiro, RJ). 2. gua - Conservao - Rio de Janeiro (RJ). 3. Educao
ambiental - Rio de Janeiro (RJ). 4. reas de conservao de recursos naturais - Administrao - Rio de Janeiro(RJ). 5. Poltica ambiental - Rio de Janeiro (RJ). 6. Proteo ambiental - Rio de Janeiro (RJ). I. Azaziel, Marcus,1962-. II. Franca, Nahyda, 1956-. III. Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas. IV. Instituto TerrAzulde Cultura, Comunicao e Meio Ambiente. V. Ttulo.
07-0582. CDD: 363.700981541CDU: 504.06(815.41)
23.02.07 02.03.07 000584
Abril de 2007Distribuio dirigida
Esta publicao est disponvel em < www.ibase.br > Esta publicao foi impressa em papel reciclado.
REALIZAO
Projeto gua em Unidadede ConservaoParque Nacional da Tijuca Projetopiloto para Mata AtlnticaSite: www.aguaemunidadedeconservacao.org.br
Instituto TerrAzulIlha da Gigia, casa 18, Barrada TijucaCEP 22640-310Rio de Janeiro RJTelefax: (21) 2493-5770E-mail: [email protected]: www.institutoterrazul.org.br
Parque Nacional da TijucaEstrada da Cascatinha, 850, Altoda Boa Vista
CEP 20531-590Rio de Janeiro RJTel.: (21) 2492 -5407 / 2492-2253
IbaseAvenida Rio Branco,124, 8 andarCentro CEP 20148-900Rio de Janeiro RJTel.: (21) 2509-0660;fax: (21) 3852-3517E-mail: [email protected]: www.ibase.br
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APRESENTAO 5
CAPTULO 1 Pressupostos terico-metodolgicos da educao ambiental no
processo de gesto de UC 9Metodologia para estudo de caso e pesquisa-ao participante 9Comentrios metodolgicos complementares 18
CAPTULO 2 Fundamentao terica 23
Capitalismo, globalizao e repercusses nas unidades de conservao brasileiras 23A polmica busca do desenvolvimento sustentvel no Brasil 27Educao ambiental: de qual conceito de educao partimos? 29
CAPTULO 3 Conselhos em unidades de conservao 35Aspectos gerais 35Pressupostos para a estruturao de conselhos 37
Critrios que ajudam a avaliar a gesto participativa em UC 38
CAPTULO 4 O caso estudado: Parque Nacional da Tijuca 41Da floresta original de Mata Atlntica ao Parque Nacional da Tijuca 41
O PNT e sua atual caracterizao urbana socioambiental 45O PNT no bioma Mata Atlntica e o desenvolvimento urbano (in)sustentvel 49
Gesto urbana e metodologia integradora no PNT 55
CAPTULO 5 Proposta metodolgica 61Metodologia participativa para estruturao de conselhos em UC 61Etapas percorridas 62Consideraes sobre os grupos focais realizados 64O grupo focal como instrumento de metodologia participativa 64Metodologia participativa de elaborao do plano de ao 69Recomendaes para o trabalho de fortalecimento dos conselhos gestores de UC 71
CAPTULO 6 Consideraes finais 73
CAPTULO 7 Anexos
CAPTULO 8 Referncias 83
Sumrio
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ACERVO
TERRAZUL
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ste livro o produto final do conjunto de atividades previstas para o
Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas (Ibase) no m-
bito do projeto gua em Unidade de Conservao, realizado no Parque
Nacional da Tijuca (PNT), sob coordenao do Instituto TerrAzul, como
parte do programa Petrobras Ambiental. O projeto contemplou, em doisanos (2005 e 2006), a implementao de quatro linhas de ao. A Linha
1 tratou do conhecimento e monitoramento da qualidade da gua pro-
duzida no PNT e implantou nele um sistema de controle dos principais
cursos dgua. A Linha 2 enfocou a recuperao florestal para garantir
a preservao das nascentes e dos corpos hdricos; para isso, realizou
medidas de proteo, manejo e recuperao da flora e do solo. A Linha 3
voltou-se para estruturao de um modelo de gesto financeira a partir
dos resultados oriundos da valorao e do uso dos recursos hdricosprotegidos pelo PNT. A Linha 4, subdividida em dois eixos, previu a
implementao da educao ambiental na gesto do parque, envolvendo
comunidades e escolas vizinhas rea (eixo 1) e a formao do conselho
consultivo do PNT, conforme previsto no Sistema Nacional de Unidades
de Conservao (Snuc) (eixo 2).1
Com o trmino do projeto, espera-se que os resultados contribuam
para o aperfeioamento da gesto dos recursos hdricos no PNT e tambm
forneam subsdios para a construo de modelos de gesto ambientaldemocrticos nessa e em outras unidades de conservao (UC) localizadas
no bioma Mata Atlntica.
Apresentao
E
1 Trabalharam na equipetcnica do projetoguaem Unidade de Conserva-o pelo Ibase, na Linha4 (eixo 2): Nahyda Franca(coord.) Carlos FredericoLoureiro, Marcus Azaziel,Laila Souza Mendes,Claudia Fragelli, JoelmaCavalcante de Souza,
Ana Lucia Camphora(colab.), Marta de AzevedoIrving (colab.) e DeniseAlves (colab.)
Foto: Aude da Solido,Parque Nacional da
Tijuca, RJ
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Nossa tarefa especfica no projeto, no escopo da Linha 4, foi recompor
e fortalecer o conselho consultivo do PNT, por meio de metodologias de
educao ambiental desenvolvidas pelo Ibase em consonncia com as
diretrizes da Coordenao Geral de Educao Ambiental (CGEAM) do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis(Ibama), que garantem maior participao e controle social da gesto do
ambiente, incluindo os mananciais de gua, objetivo central do projeto.
Durante o projeto, alm do Diagnstico socioambiental do PNT, pro-
duzimos, com a colaborao dos demais integrantes da equipe tcnica do
Ibase, cinco apostilas para a capacitao do conselho consultivo do PNT.2
Como esse material destinou-se aos(s) conselheiros(as) e equipe tc-
nica do parque, procedemos, com este livro, a uma compilao, reviso e
ampliao dos materiais feitos sob nossa responsabilidade e autoria direta,a fim de atender no somente ao pblico interno ao projeto, mas a todos
aqueles interessados nesse tipo de iniciativa. Dado o aprofundamento de
nossos estudos durante o processo de execuo, inclumos, nesta publi-
cao, questes que no constavam nas apostilas mencionadas.
Neste livro, evitamos menes muito especficas, a fim de no sugerir
que a fundamentao terica e a metodologia servem somente ao caso
do PNT, e procuramos formular argumentos e consideraes de modo
que o(a) leitor(a) perceba imediatamente sua aplicao em diferentessituaes. Com isso, procuramos preencher algumas lacunas conceituais
existentes na literatura sobre gesto participativa e educao ambiental
em UC e em indagaes recorrentes das pessoas que atuam em unidades
territoriais desse tipo em todo o pas.
Assim, iniciamos o texto com consideraes gerais sobre mtodo, tipo
de pesquisa, qual seja, um estudo de caso, e abordagens metodolgicas
participativas, para o entendimento dos pressupostos terico-metodol-
gicos que orientam o trabalho e que so muito mencionados e utilizadosem projetos e pesquisas de educao ambiental. No que se refere aos
aspectos estritamente educacionais e aos modelos de gesto e de desen-
volvimento, levamos em conta que, em setores estritamente conservacio-
nistas do Ibama, a exemplo de muitas outras instituies, persiste ainda
um modo de pensar dualista que responsvel pela separao entre
sociedade e natureza, e entre gesto tcnica e democracia, entre outras
condutas similares. Diante disso, ao longo de todo o texto, criticamos
tais dualismos notoriamente presentes no campo ambiental e propomosuma educao ambiental pela qual se compreenda nossa especificidade
natural como seres societais, culturais, e no apenas com caractersticas
2 As apostilas estodisponveis no site do Iba-se < www.ibase.br >.
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biolgicas estritas, vivendo ao mesmo tempo em cooperao e em con-
flitos relativos a diferentes interesses quanto ao uso da natureza em suas
diferentes formas de apropriao, produo e distribuio.
Por fim, apresentamos alguns aspectos histricos importantes do PNT
e os procedimentos metodolgicos utilizados para o processo de reorga-nizao do conselho, como forma de ilustrar o acmulo terico obtido
com a experincia concreta ocorrida durante 2005 e 2006 nessa UC.
Em nossa prxis (pensar, sentir e agir) de mediao entre os agentes
sociais que atuam na gesto de UC, aprendemos com eles e, ao mesmo
tempo, ensinamo-lhes os pressupostos metodolgicos que podem ou
no utilizar para sua autogesto (em conselhos deliberativos) ou, ao
menos, para administrao com compartilhamento de informaes (em
conselhos consultivos).
Carlos Frederico B. Loureiro
Marcus Azaziel
Nahyda Franca
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LUIZ
PAULO
NENN
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Metodologia para estudo de caso e pesquisa-ao participante
Em primeiro lugar, necessrio definir e explicitar sucintamente o m-
todo, o caminho que nos permite captar e compreender o movimento da
realidade, at mesmo do pensamento, garantindo uma atuao organizada
e consciente dos processos sociais nos quais estamos inseridos(as). Emseguida, explicitamos, com maior detalhamento, o tipo de pesquisa que
se desenvolveu nas experincias realizadas nas duas UCs (Jurubatiba e
Tijuca) e que ser descrito a partir do caso ilustrativo do PNT.
Em termos de mtodo, posicionamo-nos favoravelmente dialtica, visto
que ela um modo de se pensar tanto o sujeito como o objeto em relao
unvoca, numa tentativa de entender suas mtuas influncias. Tal relao
de constante movimento, transformao e causalidade recproca no-linear,
numa unidade, numa totalidade dinmica. Sendo a dialtica uma lgica pelaqual filsofos(as) e cientistas no se fixam em um ou outro plo das relaes,
no incorre no erro do holismo, no qual s se visa o todo, tal como comu-
mente entendido entre ambientalistas, ou do atomismo, tambm chamado
de individualismo metodolgico, no qual a parte predomina. Por outro lado,
no se incorre no erro de reduzir a realidade a um aspecto de suas totalidades
o que, metodologicamente, pode ser chamado de reducionismo.
Um modo de pensar dialtico diferente das alternativas anteriores.
Trata-se de tentar compreender a nossa unicidade complexa com outrosseres na natureza, sem, com isso, reduzir as nossas especificidades
histricas para facilitar as anlises. Somos seres naturais com cultura, o
Pressupostos terico-
metodolgicos da educao
ambiental no processo degesto de UC
1CAPTULO
Foto: Parque NacionalChapada Diamantina, BA
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que implica trabalho social e linguagem. A reduo de nosso ser social
ao biolgico, ao fsico, entre outros, ou a separao de nosso ser social
do resto da natureza, o que tem caracterizado a diviso entre as ditas
cincias naturais e as chamadas cincias sociais (ou humanas). Esse
um problema a ser enfrentado e superado (Loureiro, 2006b).Alm das peculiaridades relacionadas adoo de um mtodo e um
tipo de pesquisa compatvel com ele, h limitaes (polticas, jurdicas,
econmicas e outras) externas ao fazer cientfico, que constrangem o uso
de determinadas tcnicas e abordagens ou restringem o tempo e o alcance
espacial da pesquisa, de sua aplicao e da validao de seus resultados.
Diante disso e da necessidade intrnseca a qualquer projeto de se
estabelecerem prioridades e recortes da realidade para se promoverem
os estudos e a prtica, a seletividade de instrumentos, estratgia etticas de pesquisa so necessrias. O tipo selecionado por ns foi o
estudo de caso, que nos parece factvel dentro dos limites normalmen-
te encontrados e que pode servir como referncia e comparao com
outras UC no Brasil.
O estudo de caso uma modalidade de pesquisa pela qual se tenta
compreender fenmenos complexos em curto espao de tempo, conside-
rando os vrios motivos j mencionados. Assim, apresentam-se questes
principalmente do tipo como? e por qu?, e o foco em problemascontemporneos (Yin, 2005). Isso no exclui a pesquisa histrica, a histria
do problema/tema do projeto. Alm disso, diferentes estratgias e tticas
possuem vantagens heursticas (de conhecimento) distintas para cada fase,
subcontexto ou agentes envolvidos. Lembramos que, em cincias sociais,
a separao entre o fenmeno e o contexto no possvel e, apesar de ser
possvel incluir evidncias quantitativas, no h experimentos, e sim uma
experincia comum entre pesquisador(a) e pesquisado(a).
ESTRATGIADE PESQUISA
PRINCIPAIS TIPOS DEQUESTO DE PESQUISA
EXIGE CONTROLE SOBREEVENTOS COMPORTAMENTAIS
FOCALIZAEVENTOS ATUAIS
Experimento Como, por qu? Sim Sim
ProspecoQuem, o que, onde,quantos, quanto?
No Sim
Anlise de arquivosQuem, o que, onde,quantos, quanto?
No Sim/No
Pesquisa histrica Como, por qu? No NoEstudo de caso Como, por qu? No Sim
Figura 1: Estratgias de pesquisa que podem se combinar num projeto em UC
Fonte: Cosmos Corporation, por Yin, 2005 (modificado).
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importante utilizar uma metodologia, no estudo de caso, que re-
lativize suas concluses, considere-as provisrias (um pressuposto da
dialtica, pois todos os seres esto em movimento de transformao). As
concluses devem ser sujeitas a testes em outros casos, os quais podero
confirm-las ou no como vlidas para um tipo de situao que se repetepor um determinado perodo das sociedades, em suas relaes com a
natureza em geral.
O mtodo dialtico que fundamenta as nossas opes de pesquisa leva
isso em considerao, uma vez que no usa acriticamente nem as opinies
(o senso comum) dos(as) participantes da pesquisa pesquisadores(as)
associados(as) ou outros agentes do caso estudado , nem toma a teo-
ria mais ou menos explcita que orienta as hipteses iniciais, dos(as)
prprios(as) pesquisadores(as) do projeto, como dogma (Marx, 2003). Aomesmo tempo em que o senso comum relativizado cientificamente (ou
seja, criticado), as opinies dos agentes so registradas como percepes
que condicionam a soluo de problemas, visto que acreditam nela ou,
de qualquer modo, usam-nas para argumentar a respeito da situao es-
tudada, negando ou afirmando conflitos, bem como propondo solues
para eles, de acordo com sua percepo em relao aos seus interesses
em comparao com os dos outros.
Quanto s possveis replicaes, em outros lugares, isso dependerde adaptaes locais e outras validaes de pesquisa. Que tticas e testes
sugerimos para isso? Para facilitar o entendimento, organizamos a nossa
resposta na figura 2.
Figura 2: Tticas de estudo de caso, testes e validao para diferentes fases deum projeto
TESTES TTICAS DO ESTUDOFASE DA PESQUISA NA QUAL ASTTICAS DEVEM SER APLICADAS
Diagnstico preliminar
Utilizam-se fontes mltiplas de evidncias Estabelece-se encadeamento de evidncias O rascunho do documento revisado
por informantes-chave
Coleta de dados Coleta de dados Composio de documento com os
primeiros resultados da pesquisa
Validade interna estritamente cientfica,embora condicionadaexternamente
Faz-se adequao a parmetrosmetodolgicos adicionais necessrios
Revisa-se a ordem da explanaodo diagnstico
Anlise de novos dados Anlise de novos dados
Validade externa no-estritamentecientfica mas assimparametrizada
Faz-se adequao a parmetros legais,administrativos e financeiros do contra-
tador, do financiador ou do Estado Utiliza-se lgica da replicao em
estudos de caso similares ou faz-se suaadequao a cada caso
Projeto de pesquisa e/ou plano detrabalho preliminares
Projeto de pesquisa e/ou plano detrabalho revisados
continua
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Fonte: Cosmos Corporation, por Yin, 2005 (modificado).
TESTES TTICAS DO ESTUDOFASE DA PESQUISA NA QUAL ASTTICAS DEVEM SER APLICADAS
Confiabilidade
Utilizam-se dados oficiais, com parme-tros nacionais (IBGE etc.) e internacionais(Sistema ONU)
Desenvolve-se banco de dados espec-fico para o estudo de caso e em compa-rao com os dados oficiais e de outraspesquisas
Coleta de dados Coleta de dados
Resultados finais da pesquisa
Na definio do caminho metodolgico, o estudo de caso normal-
mente dissociado do que se denominapesquisa-ao. Entretanto, nesse
caso, essas duas modalidades se combinam, visto que objetivamos a
interveno na realidade durante o processo de pesquisa e execuo de
um projeto e a garantia do sentido de aprendizagem nesse tempo. Deno-minamos essa sntese de estudo de caso (Yin, 2005) compesquisa-ao
participante (Loureiro, 2007).
Apesquisa-ao pode ser compreendida de vrias formas. Entre elas,
h algumas definies clssicas que merecem ser transcritas. Partindo
de Kurt Lewin, seu fundador, a pesquisa-ao vista como [...] uma
ao em nvel realista, sempre acompanhada de uma reflexo autocrtica
objetiva e de uma avaliao de resultados. Como o objetivo aprender
depressa, no queremos ao sem pesquisa, nem pesquisa sem ao(Barbier, 1985, p. 38). Michel Thiollent a apresenta como [...] um tipo
de pesquisa social com base emprica que concebida e realizada em
estreita associao com uma ao ou com a resoluo de um problema
coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos
da situao ou do problema esto envolvidos de modo cooperativo ou
participativo (Thiollent, 2004, p. 14).
Em funo da amplitude de objetivos que se enquadram nessas defi-
nies e finalidades, h vrias denominaes internas, que caracterizamas nfases distintas: participante, diagnstica, emprica, experimental,
existencial, integral, sistmica, transpessoal, entre outras (Barbier, 2004).
Todavia, para Thiollent (2004), mesmo no mbito desse leque de opes,
h necessariamente trs aspectos interdependentes a serem considerados
numa pesquisa para que possa ser enquadrada como pesquisa-ao, com
graus distintos de importncia segundo a abordagem e o foco: resoluo
de problemas, tomada de conscincia e produo do conhecimento.
Mas surge uma questo: qual a diferena entre pesquisa-ao parti-cipante e pesquisa participante? Sem querer retomar um debate intenso
ocorrido em meados da dcada de 1980, auge do uso em educao das
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metodologias participativas e de interveno na realidade social, podera-
mos resumir a discusso com uma formulao um tanto esquemtica,
mas elucidativa. Nem toda pesquisa-ao pressupe a participao dos
agentes do processo educativo em todas as suas etapas e na definio
dos objetivos da pesquisa e nem necessita que os(as) pesquisadores(as)assumam compromisso poltico com a transformao social algo inerente
pesquisa participante (Demo, 2004). Por outro lado, nem toda pesquisa
participante pressupe ao, podendo se resumir observao partici-
pante, tcnica comum na antropologia em que h o envolvimento, mas
no h a previso de ao planejada de interveno direta na realidade
vivenciada (Thiollent, 2004).
Assim, em sntese, podemos dizer que a pesquisa-ao participante
o modelo de pesquisa-ao que busca sintetizar ambas as tradies.Opo metodolgica pela qual os(as) envolvidos(as) devem trabalhar
como agentes sociais em igualdade de poder de deciso, mas sem con-
fundir as atribuies distintas e necessrias. Em que h compromisso
poltico com a emancipao e com a ao reflexiva, articulando teoria e
prtica, para compreender as mltiplas relaes que formam a realidade
e transform-la no sentido de fazer com que todos e todas exeram sua
cidadania e aprendam no processo.
Ao apresentarmos a nossa opo metodolgica desse modo, precisodizer que no temos a iluso de modificar a sociedade unicamente por
meio das experincias em pesquisa-ao participante vinculadas educa-
o ambiental no processo de gesto participativa de UC. Isso seria uma
pretenso de extrema ingenuidade na complexa realidade atual. Trans-
formar pela pesquisa-ao participante significa favorecer que ocorram
mudanas no processo existencial, podendo implicar diferentes nveis
de alterao, desde algo ligado a uma necessidade ou a um problema
especfico e particular at processos coletivos e estruturais.Assim, importante explicitar que as iniciativas educacionais e partici-
pativas possuem seus limites como prticas sociais situadas em contextos
que, no momento, so desfavorveis emancipao (Demo, 2004). Dizer
isso no significa diminuir sua relevncia, mas destacar que, em tese, toda
mudana vlida como vivncia, podendo ser potencializada se articulada
a outras aes locais e globais de modo a estabelecer um movimento de
ruptura com os padres societrios vigentes. O principal em pesquisa-ao
participante exatamente a possibilidade de realizao de um processocoletivo de aprendizagem e politizao do que fazemos, dinamizando a
nossa existncia na histria e criando alternativas futuras.
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Diante do que foi exposto, podemos elencar um conjunto de pressu-
postos para uma prtica coerente em educao ambiental, sob o enfoque
metodolgico da pesquisa-ao participante e do mtodo dialtico:
A meta das pesquisas feitas no escopo dos projetos liberar o potencial
criativo e favorecer a mobilizao dos agentes sociais no enfrentamentoe resoluo de problemas, sabendo situ-los na histria e, com isso,
gerar outros nveis de conscincia.
No h projeto, procedimento cientfico e nem pesquisa que possam se
afirmar como neutros diante da sociedade, dos valores sociais, ideolo-
gias e vises de mundo. A objetividade da cincia est no reconheci-
mento e explicitao dessa condio para podermos racionalmente (e
por meio da sistematizao honesta e da organizao metodolgica)
construir conhecimentos que possam ser eticamente questionados, ne-gados, confirmados ou superados, evitando a estagnao e o dogma.
O problema uma categoria social, ou seja, precisa ser identificado
e admitido como tal pela juno do conhecimento disponvel com a
mobilizao social em torno de uma dada questo.
A pesquisa socialmente engajada articula a demonstrao cientfica
e a sistematizao de informaes argumentao, ao conjunta
dos agentes do processo educativo e mudana objetiva da realidade
dos envolvidos.Os agentes sociais envolvidos participam das decises no processo de
pesquisa, admitindo-se a especificidade funcional entre os que apre-
sentam diferentes saberes ou domnio tcnico pesquisadores(as),
agentes comunitrios(as), entre outros , mas no uma hierarquia que
reproduza relaes de dominao. Tais agentes so prioritariamente os
que se encontram em condies de subordinao em uma sociedade de
classes, podendo o recorte ser a classe e/ou um outro atributo social que
determina tal condio em contextos determinados: trabalhadores(as)rurais e urbanos(as), ndios(as), migrantes, populaes tradicionais,
mulheres, negros(as), favelados(as) etc. A priorizao no uma ques-
to de defesa sectria de certos grupos sociais, mas o reconhecimento
da desigualdade existente e de que pela superao de tais condies
antagnicas que se promover a possibilidade de uma sociedade mais
justa e livre para todos e todas.
Como todo procedimento cientfico, ter metas importante. Contudo,
elas podem ser revistas no processo, desde que isso seja indicativo daaprendizagem coletiva e da conscincia do grupo diante do vivenciado
(priorizao do qualitativo sem perda da dimenso quantitativa).
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O prprio processo de pesquisa parte da experincia educacional e vice-
versa. Aprendemos fazendo, refletindo, teorizando e pesquisando.
A ao educativa emancipatria pela pesquisa visa apoiar e estimular
a manifestao de indivduos e grupos na transmisso e recriao do
patrimnio cultural. Objetiva tambm vincular o processo educativos prticas polticas e econmicas.
A participao no pode ser sinnimo de colaborao hierarqui-
zada, mas construo coletiva, exerccio igualitrio na definio
das relaes de poder e das responsabilidades diante da vida em
sociedade.
Diante desses pressupostos de um estudo de caso associado pes-
quisa-ao participante e das necessidades operacionais de um projeto,por onde iniciamos o trabalho?
importante ter questes-chave que orientaro o projeto em toda
a sua extenso (embora sujeitas a correes ao longo do processo),
conhecer outras pesquisas cientficas para o diagnstico e demais
estudos auxiliares, bem como registrar as opinies de outros agentes
sociais, com tcnicas como osgrupos focais , que no interfiram na sua
liberdade de express-las (mesmo que possa haver um roteiro com
perguntas-chave).Na elaborao do diagnstico, considerando-o como o primeiro
momento de uma pesquisa e do projeto, leva-se em considerao o
senso comum de muitos agentes porque sua percepo, de qualquer
modo, interfere na gesto da UC, direta ou indiretamente. O prprio
diagnstico, como instrumento cientfico, por sua vez, passvel de
crtica cientfica quando confrontado com outros estudos feitos sobre
o assunto/local do projeto.
Indicamos, a seguir, as questes-chave e um conjunto de pressupos-tos que so apresentados a vrios agentes consultados no processo de
elaborao do diagnstico socioambiental. O trabalho realizado com o
conselho consultivo do PNT foi um esforo inicial (projeto-piloto) para
se testar a viabilidade de nossa metodologia, anteriormente aplicada
de modo parcial no Parque Nacional de Jurubatiba (Loureiro et al.,
2005). Tais pressupostos, discriminados a seguir, so comuns ao Ibase,
Coordenao Geral de Educao Ambiental (CGEAM) e ao Ncleo de
Educao Ambiental (NEA/PNT) do Ibama. Os itens seguintes podemser adaptados para outras unidades administrativas, seus conselhos e
suas especificidades.
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1. O que queremos com educao em conselhos de UC?
Uma maior democratizao da elaborao e da execuo de polticas
pblicas, de modo sustentvel, por meio da participao permanente dos
diferentes agentes internos e externos UC. Isso se respalda no seguinte
posicionamento da CGEAM/Ibama:Quando pensamos em educao no processo de gesto ambiental,
estamos desejando o controle social na elaborao e execuo de
polticas pblicas, por meio da participao permanente dos cidados,
principalmente, de forma coletiva, na gesto do uso dos recursos
ambientais e nas decises que afetam qualidade do meio ambiente.
(Ibama, 2002a)
E se complementa com o entendimento de que todo processo educati-vo antes de tudo um processo de interveno na realidade vivida em que
educador e educando, numa prtica dialgica, constroem o conhecimento
sobre ela, objetivando a sua transformao (Ibama, 2002a).
2. Qual o nosso instrumento metodolgico inicial principal?
o diagnstico da realidade socioambiental vivida pelos agentes da ao.
Para a compreenso da realidade socioambiental e seu desvelamento
com vistas gesto ambiental participativa, pressupomos que:[...] a chave do entendimento da problemtica ambiental est no
mundo da cultura, ou seja, na esfera da totalidade da vida em socie-
dade [...]. Afinal, so as prticas do meio social que determinam a
natureza dos problemas ambientais que afligem a humanidade [...].
neste contexto que surge a necessidade de se praticar a Gesto
Ambiental Pblica. (Quintas, 2005).
Posto que No processo de transformao do meio ambiente [...]so criados e recriados modos de relacionamento da sociedade com o
meio natural [...] e no seio da prpria sociedade [...] (Quintas, 2005).
E que:
A gesto ambiental um processo de mediao de interesses e
conflitos entre atores sociais que agem sobre os meios fsico-natural
e construdo. Esse processo de mediao define e redefine, continua-
mente, o modo como os diferentes atores sociais, por meio de suas
prticas, alteram a qualidade do meio ambiente e, tambm, comose distribuem os custos e os benefcios decorrentes da ao desses
agentes. (Ibama, 2002a).
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Portanto, reconhecemos com a CGEAM que a sociedade no o
lugar da harmonia, mas, sobretudo, de conflitos e dos confrontos que
ocorrem em suas diferentes esferas (poltica, econmica, das relaes
sociais, dos valores etc.) (Ibama, 2002).
3. Quais so os quatro conceitos de referncia para o diagnstico?
Vulnerabilidade socioambiental de grupos que esto:
a) em maior dependncia direta dos recursos naturais (industrializados
ou no, bem como de seus rejeitos) para trabalhar e melhorar suas
condies de vida;
b) excludos do acesso aos bens pblicos;
c) ausentes de participao em processos decisrios de polticas p-
blicas que interferem na qualidade do local em que vivem. Potencialidade socioambiental conjunto de atributos de um ecossiste-
ma passveis de uso sustentvel por grupos sociais. So considerados
tambm os desdobramentos decorrentes de impactos positivos provo-
cados pelos usos desses recursos.
Problema socioambiental quando h risco e/ou dano socioambiental,
com a possibilidade de haver diferentes tipos de reao a ele, visando
a sua soluo por parte das pessoas atingidas ou de outros agentes da
sociedade civil e/ou do Estado. Conflito socioambiental quando h confronto de interesses incompa-
tveis (implcitos ou explcitos) entre agentes no uso de recursos e na
gesto (sustentvel ou no) do ambiente. Podemos afirmar que, nesse
sentido, um conflito evidencia uma situao em que agentes sociais
na natureza se opem em relao ao uso de recursos, como tambm
s limitaes legais associadas.
4. Com quem atuamos e/ou pesquisamos?Grupos sociais atuantes ou residentes na UC e/ou no seu entorno que
vivem problemas e conflitos relativos a impactos socioambientais
potenciais (riscos) ou efetivos (danos).
Cientistas, tcnicos(as), concessionrios da UC e gestores(as).
5. Para que o diagnstico socioambiental?
Identificar potencialidades, problemas e conflitos entre diferentes
agentes que usam os recursos da UC.Indicar possvel composio ou recomposio do conselho da UC, vi-
sando, sobretudo, representao da diversidade de sua composio,
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de maneira a incluir os grupos de interesse e potenciais parceiros, e
garantir a participao de grupos sociambientalmente vulnerveis.
Estabelecer pressupostos para um plano de ao bianual (a ser ela-
borado pelo conselho), visando a uma gesto participativa, de fato,
da UC.
6. Quais so os objetivos da gesto participativa em UC?
Promover tanto as responsabilidades como os direitos no que diz
respeito ao uso dos recursos naturais.
Compensar desigualdades de poder, fomentando a justia ambiental,
que, segundo a declarao de lanamento da Rede Brasileira de Justia
Ambiental, em setembro de 2001, pode ser definida como:
[...] um conceito aglutinador e mobilizador, por integrar as dimen-ses ambiental, social e tica da sustentabilidade e do desenvol-
vimento, freqentemente dissociados nos discursos e nas prticas
[...] mais que uma expresso do campo do direito, assume-se como
campo de reflexo, mobilizao e bandeira de luta de diversos sujei-
tos e entidades, como sindicatos, associaes de moradores, grupos
afetados por diversos riscos [...], ambientalistas e cientistas.
A interlocuo de agentes sociais, envolvidos direta ou indiretamentena conservao e no uso de recursos naturais e do denominado patrimnio
cultural (seja dentro ou no entorno de uma UC), ajudar a resolver proble-
mas e conflitos, bem como poder fomentar potencialidades identificadas
no diagnstico socioambiental. Para a elaborao desse instrumento,
praticamos os seguintes procedimentos e tcnicas associados, de acordo
com o esquema a seguir.
Comentrios metodolgicos complementares
Estudo de caso com pesquisa-ao participante para o Parque Nacional
da Tijuca e a educao na gesto ambiental do seu conselho consultivo
Nesse estudo de caso com pesquisa-ao participante, combinamos
tcnicas em diferentes subcontextos do PNT e seu entorno. Diferentes
fontes permitem-nos reunir um nmero de evidncias registradas em re-
latrios parciais, a partir de contato com diferentes agentes, documentos
oficiais e extra-oficiais, como se pode verificar no esquema a seguir.
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Convergncia de evidncias
No-convergncia de evidncias (subestudos separados a integrar)
Fonte: Cosmos Corporation, por Yin, 2005 (adaptado e modificado).
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Fonte: Cosmos Corporation, por Yin, 2005 (modificado por Azaziel).
Consideradas as convergncias e divergncias, registradas por meio
de diferentes tcnicas, cujos resultados devemos convergir numa sn-
tese, conclui-se a primeira verso do diagnstico socioambiental (de
acordo com os recursos e o tempo de um projeto, ela poder ser a
nica verso). Na possibilidade de se prosseguir fazendo correes no
estudo, como procedemos no caso do PNT, teremos um fluxo como o
representado a seguir.
Com as questes-chave vistas anteriormente, apresentamos o esquema
seguinte, que leva em considerao a existncia, explcita ou implcita, na
sociedade, de interesses em disputa que orientam as aes dos agentes
na sociedade civil e no Estado, cujos conflitos a pesquisa deve levar em
considerao para o diagnstico da situao-problema.
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Fonte: Cosmos Corporation, por Yin, 2005 (modificado por Azaziel).
Concludo o diagnstico (por meio de pesquisa bibliogrfica, observa-o participante, entrevistas e grupos focais), ele apresentado e divul-
gado. Sua redao pode expor os condicionantes sociais de nossa relao
na natureza em diferentes escalas de complexidade. importante que os
agentes envolvidos em cada projeto em uma unidade administrativa (UC
ou no) tenham conscincia das relaes causais em jogo na realidade,
de modo a tentar resolv-las no limite de suas possibilidades atuais (ao
menos na escala em que atuam).
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LUIZ
PAULO
NENN
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Capitalismo, globalizao e repercusses nas unidades de
conservao brasileiras
Vivemos atualmente numa sociedade de mercado (capitalismo), na
qual a busca do lucro, pelas empresas, vem em primeiro lugar. Qual a
origem desse tipo de sociedade? Os ltimos 500 anos, desde a poca dachegada dos portugueses ao Brasil, foram decisivos para isso.
Mudanas na Europa aumentaram o comrcio (mercado) interno
e fizeram a populao se mudar foradamente, por expulses do
campo para as cidades, nas quais havia indstrias que empregavam
trabalhadores assalariados, operrios. Houve tambm expanso externa,
com as grandes navegaes, que possibilitou Espanha e a Portugal
e, depois, Holanda e Inglaterra colonizar vrios territrios em ou-
tros continentes. Tal processo foi denominado acumulao primitivade capital (Marx, 2006).
No processo de colonizao a partir da cultura portuguesa, com
contribuio das culturas de tribos indgenas e africanas, comeou a
se formar o Brasil, que teve, como uma de sua primeiras cidades, o
Rio de Janeiro.
O grande ciclo de expanso mercantil a partir da Europa criou um
mercado mundial, embora com trocas desiguais entre os pases, j que
se deu entre metrpoles exploradoras e colnias exploradas. De l athoje, intensificaram-se as trocas comerciais, o crescimento das cidades e
a comunicao entre os pases, gerando o que se chamaglobalizao.
Fundamentao terica2CAPTULO
Foto: imediaes doParque Nacional ChapadaDiamantina, BA
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O processo de globalizao atual, na verdade, o de ampliao e
intensificao do modo capitalista de apropriao social da natureza
em geral. Esse processo se caracteriza, sobretudo, pela apropriao do
tempo de trabalho alheio assalariado no pago (quer dizer, mais-valia;
vide Marx, 2006). Para se realizar a mais-valia como lucro, neces-sria a venda dos produtos feitos por quem trabalha sob o comando
dos capitalistas.
Caso tais vendas no encontrem consumidores e consumidoras (o
que ocorre at mesmo pela crescente concentrao de renda na socie-
dade), verificam-se crises de superproduo ou subconsumo. Por isso,
a economia capitalista tende cada vez mais a se alienar das condies
de produo e reproduo sociais, dependentes dos recursos naturais
vrios. Para se tentar garantir a acumulao monetria como um fim emsi mesma, h hoje o predomnio do capital financeiro, que meramente
especulativo, improdutivo.
No processo de produo e reproduo social capitalista, todo e qual-
quer recurso deve ser aplicado produo para o lucro, acima de qualquer
outra finalidade. Assim, pessoas e bens naturais so submetidos aos fins
de acumulao monetria. O resultado este: poluio, desemprego e
conflitos. Da, mais migraes em busca de emprego e renda. A chamada
globalizao, com sua excluso empregatcia, contraditoriamente nos fazperceber uma interdependncia geral. As fronteiras legais e polticas se
tornaram problemticas socialmente, seja pelos conflitos raciais que se
tornam guerras intranacionais e afetam vizinhos o que acarreta a sada
das pessoas de seus pases e a sua conseqente concorrncia no mercado
de trabalho de outros , seja pela possibilidade de doenas se alastrarem,
ou at por causa do desequilbrio econmico de um pas, que pode iniciar
um processo de crise financeira internacional. Conflitos sociais em regies
de fronteiras nacionais so comuns e afetam as UC tambm.As fronteiras tm sua importncia redefinida em funo da cons-
cincia da interdependncia do social com o natural em geral e das
conseqncias (impactos) que seus desequilbrios causam para alm
dos limites de cada pas. Exemplos desses desequilbrios so fenmenos
como o aquecimento global e o buraco na camada de oznio.
A interdependncia geral nos faz criticar o pensamento dominante
que separa o natural do social. Por qu? Ora, tudo est ligado. Novas
palavras so criadas para se incorporarem essas preocupaes, sejaem termos polticos (socioambiental, justia ambiental, democracia
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ambiental), seja em termos cientficos (economia ambiental, sociologia
ambiental, psicologia ambiental etc.).
A partir especialmente da dcada de 1960, os fenmenos ditos apenas
naturais so estudados na sua relao com o desenvolvimento industrial,
em funo da poluio das empresas que desmatam, contaminam asguas e, assim, afetam o clima. Os fenmenos ditos apenas sociais, por
outro lado, mostraram seus impactos nas nossas relaes com as outras
espcies, animais e vegetais. So exemplo disso a radiao dos testes de
armas nucleares e o enorme crescimento das cidades e da agricultura,
que invadem reas antes no atingidas o que, alis, tambm ocorre
no caso do turismo.
Os impactos de que estamos tratando trazem grande risco para a
segurana de nossa vida na Terra. Podemos chamar a situao atual derisco global. Nosso planeta sempre foi um s. No entanto, esse dado
no era reconhecido e somente com a intercomunicao mundial isso
se tornou possvel.
Hoje, existe uma maior conscincia da interdependncia entre as
partes da Terra, dos impactos e dos riscos para todos. Porm, uns tm
mais responsabilidade por certos riscos, e outros so mais atingidos
pelos danos. Vamos por partes.
As grandes empresas privadas costumam visar ao lucro acima detudo, por causa da competio entre elas no mercado. Se poluem um rio
ou desmatam uma floresta, normalmente no querem assumir o custo
da despoluio ou do reflorestamento, pois, para isso, precisam tirar o
dinheiro do lucro. Somente assim procedem caso essa atitude reverta
em algum benefcio de imagem institucional ou aumente a eficincia
produtiva, otimizando custos. Por outro lado, a populao mais pobre
a mais impactada nas situaes de risco. As pessoas mais pobres ha-
bitam reas mais baratas porque no existe infra-estrutura de moradiae porque so de alto risco. Um exemplo so as favelas em morros ou
beira de rios, nas quais, com as chuvas, h desmoronamentos ou
enchentes, acarretando destruio das casas, mortes, proliferao de
doenas, aumento da pobreza, desagregao familiar, possvel crimi-
nalidade, mais violncia, entre outros.
Os danos das catstrofes naturais, da poluio industrial ou da es-
peculao imobiliria no so distribudos igualmente pelos diferentes
grupos sociais. A situao ambiental da populao mais pobre pode serclassificada como sendo de grande vulnerabilidadesocioambiental.
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A desigualdade econmica tambm tem a ver com uma desigualdade
poltica porque a maioria das pessoas est excluda do poder de decidir
sobre os recursos pblicos, comuns, que deveriam servir a todos e a
todas, mas nem sempre assim. E a desigualdade econmica nos leva
competio para tentar obter os recursos naturais, dos quais depen-demos. Isso, portanto, causa conflitos.
A apropriao privada da natureza pelas grandes empresas, visando
ao lucro em vez de ao bem comum, concentra recursos em poder de
poucos, o que aumenta a desigualdade e, assim, a vulnerabilidade das
camadas mais pobres. Por isso, foram criadas leis (como a de previdn-
cia e outras) para proteger as pessoas. Como dependemos da natureza,
tambm os ecossistemas e outros atributos naturais (gua, solo etc.)
tiveram que ser protegidos.Diante do cenrio apresentado, imprescindvel a idia de que a
mobilizao social e os tipos de representao devem ir alm da chamada
democracia representativa limitada escolha de representantes para o
parlamento e os executivos municipais, estaduais e federal. Devemos
efetivar um novo modo de se relacionar Estado e sociedade civil, para
que se produza um novo modo de governar, uma nova governana, com
a presena de agentes no estatais nos rgos pblicos.
Cresce, em vrias partes do mundo, a mobilizao por modos departicipao mais diretos e pela organizao de espaos polticos p-
blicos, nos quais cidados e cidads possam agir e decidir o destino de
sua existncia na natureza.
Desde o fim do sculo XIX, existe um movimento preservacionista
que incentivou a criao de parques nacionais para a proteo das ma-
tas, porque a extenso das cidades e da atividade industrial estavam
destruindo muito o patrimnio natural. Atualmente, entretanto, ocorre
a tentativa de se privatizar tudo (o solo, a madeira e at a gua). Cor-poraes multinacionais se apropriam desses recursos e controlam os
meios de produo, de comunicao etc.
Tentando resolver os graves problemas que nossas relaes causaram
ao planeta como um todo, governantes, empresrios(as), sindicalistas,
cientistas e religiosos(as) reuniram-se em vrias conferncias da Organi-
zao das Naes Unidas (ONU) no fim do sculo XX. Nas conferncias
da ONU, a definio dos limites e das regras do desenvolvimento social
a principal preocupao. A maior de todas elas foi a Conferncia sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio-92, realizada
no Rio de Janeiro.
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A polmica busca do desenvolvimento sustentvel no Brasil
Para dialogar sobre novas condies econmicas bem como de direi-
tos, educao e sade inter-relacionados , e supostamente execut-
las, governantes assinaram, em 1992, no Rio de Janeiro, uma carta
de intenes com metas para o sculo XXI, chamada de Agenda 21.A Rio-92 deixou marcas muito fortes e, tambm, o compromisso de
implementao da Agenda 21. Esse compromisso no obrigatrio por
lei, mas diferentes agentes sociais globais, nacionais, estaduais, muni-
cipais e em cada instituio devem utiliz-lo para tratar de problemas
sociais, sempre numa perspectiva de integrao ecolgica. Entretanto,
como possvel fazer isso, j que se choca com barreiras comerciais
entre pases, interesses de classes e outros?
Nas agendas da ONU, pode-se dizer que o seu principal conceitointegrador o desenvolvimento sustentvel, que indica que possvel
utilizarmos os recursos naturais para fins sociais, de modo a garantir as
necessidades das geraes atuais, sem prejudicar as necessidades das
geraes futuras. Mas isso sempre pareceu muito vago.
Falar em o indivduo, a sociedade, as empresas no esclarece
quem so os agentes sociais que se apropriam dos recursos naturais,
muito menos como e quanto o fazem. Desse modo, no fica claro de
quem se devem cobrar compensaes por danos causados, e isso deveser considerado, no caso, por exemplo, da gesto ambiental participa-
tiva de uma UC.
Ocorre que o global, com o predomnio dos capitalistas financei-
ros dos pases mais industrializados do planeta, estabelece diretrizes
econmicas que impedem a soluo dos problemas ambientais, no
bastando uma metodologia integradora, dita transversal:
No basta falar em transversalidade se condicionantes econmicos
de dependncia do capital (sobretudo financeiro) internacionalacirram disputas por recursos no interior do Estado, nacional,
no que se refere ao Oramento da Unio (restringido atualmente
pelo supervit primrio para pagamento da dvida pblica). Isso,
entretanto, no deslegitima a transversalidade como necessidade
metodolgica de governana (na verdade torna-a mais urgente,
pois o planejamento e a ao interministerial compartilham e,
assim, minimizam gastos que, alis, deveriam ser considerados
investimento para o bem-estar comum). Adicione-se nossa crticametodolgica, portanto, uma crtica prtica poltica.
(Loureiro; Azaziel, 2006).
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No sculo XXI, vive-se sob a dominao de grandes grupos econmi-
cos, o que afeta a democracia. A globalizao do capitalismo expande a
troca de produtos e informaes. Nesse intercmbio, o capital financeiro
internacional predominante, at mesmo sobre governos nacionais,
condicionando sua margem de liberdade programtica e cumprimento decompromissos com o eleitorado. As conseqncias possveis so vrias.
Uma delas relativa ao oramento nacional, o que acarreta a restrio
dos recursos de que dependem as UC para o seu custeio (manuteno,
conservao e manejo), sejam elas deproteo integral com pouqus-
simas atividades econmicas permitidas , sejam de uso sustentvel,
nas quais se permite muito mais o seu uso econmico.
O conceito e a prtica de um desenvolvimento local integrado e sus-
tentvel (o que se supe ser aplicvel numa UC) devem ser criticadosem funo dos argumentos anteriores. A integrao no supe apenas
disposio para se sentar mesa com representantes de outros grupos
sociais, aprendendo a ouvir o outro. Isso deve ocorrer, mas o dilogo
precisa levar em considerao as contradies sociais e as vises e
necessidades que cada grupo tem.
Na verdade, no existe natureza intocada (Diegues, 1996). preciso
estudar os vrios modos de se aplicar polticas para a administrao
de problemas e resolv-los pelo relacionamento entre agentes, em di-ferentes instituies representativas de seus interesses, que podem ser
reunidos em conselhos.
A histria brasileira recente, marcada por autoritarismo, sob uma es-
trutura desigual e excludente, afetou profundamente a possibilidade do
exerccio de cidadania e de o pas se constituir, de fato, num Estado demo-
crtico com canais institucionais mais diretos de participao e deciso.
Na dcada de 1980, diante da ao dos denominados movimentos
sociais urbanos e da atuao poltica organizada de certos setoresprofissionais corporativos, principalmente na sade, na educao e na
assistncia social, avanos foram obtidos no sentido da formao de
espaos pblicos formais ou no. O resultado dessa movimentao
poltica se deu com a promulgao da Constituio de 1988, que, em
seu artigo 10, prev: Todo poder emana do povo, que o exerce indi-
retamente, atravs de seus representantes eleitos, ou diretamente, nos
termos desta Constituio.
Instituram-se, depois de muito esforo e sofrimento, meios de parti-cipao nas decises polticas (plebiscito, referendo, iniciativa popular
de lei, audincias pblicas, conselhos, comits, fruns, oramento
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participativo, ouvidorias etc.). Esses so os principais instrumentos de
uma nova governana, nos quais se inserem os conselhos de gesto de
reas protegidas.
Novos tipos de administrao surgem da compreenso ecolgica,
com o objetivo de superar antigas limitaes jurdicas e polticas e ob-ter um melhor uso dos recursos. o caso dos consrcios de habitao,
de sade, de bacia hidrogrfica, mosaicos de UC, entre outros, que se
multiplicam em nosso pas.
H modelos de administrao em que ocorre a diviso ou compar-
tilhamento de obrigaes por parte dos governos federal, estaduais
e municipais. Noutros, existe a entrega da gesto de UC a entidades
privadas (e isso deve ser visto com muito cuidado porque se tratam de
reas de uso pblico!).O mais importante na administrao de UC que o conjunto da socieda-
de possa ter benefcios com elas e meios para fiscalizar e decidir sobre seu
uso, num planejamento participativo de fato, e no apenas de direito.
Todas as principais questes polticas (sobre democracia), de direi-
tos (pela satisfao de necessidades bsicas) e ideolgicas (inclusive
religiosas) esto presentes no debate ambientalista nas UC brasileiras,
a partir de polmicas internacionais sobre desenvolvimento social e a
funo da educao nessa totalidade.
Educao ambiental: de qual conceito de educao partimos?
Por sua trajetria e especificidade como campo de conhecimento inter-
disciplinar relativamente recente aproximadamente quatro dcadas ,
a educao ambiental possibilita considervel amplitude de argumentos,
posicionamentos e apropriaes de conceitos das mais variadas cincias.
Isso a define como um campo de saber propcio a inovaes, porm re-pleto de tenso e polmicas entre tendncias que buscam legitimamente
se afirmar nos espaos pblicos e educativos, sejam eles formais ou no.
Em sntese, um campo que, por sua dinmica, no pode ser concebido
de modo linear. E, para ser compreendido, as anlises, reflexes e prticas
no devem estar pautadas em instrumentais metodolgicos reducionistas,
visto que ferem a inerente complexidade da questo ambiental.
Assim, cabe, por intermdio de brevssimo resgate histrico, sina-
lizar para o modo como concebemos a educao, particularmente adenominada educao ambiental no escopo de projetos que visam
gesto participativa de UC.
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A primeira vez em que se usou o termo educao ambiental foi na
Universidade de Keele, no Reino Unido, em 1965. Contudo, somente em
1977 ocorreu a primeira grande conferncia internacional da ONU sobre
educao ambiental, em Tbilisi (na ex-Unio Sovitica), tida como re-
ferncia at os dias atuais, apesar de seu enfoque pedaggico tecnicista(Loureiro, 2006a). Nesse evento, mesmo considerando seus limites,
vrios itens metodolgicos, tidos como co-dependentes e integrados,
foram listados como parte de uma educao que seria coerente com
um novo tipo de desenvolvimento social (Loureiro, 2002; 2001). Entre
eles, destacam-se:
estudar os planos de desenvolvimento social com vistas sustentabilidade;
considerar a totalidade dos aspectos ambientais (o que implica o
relacionamento entre as diferentes disciplinas cientficas para umconhecimento integrado);
entender a educao como processo permanente e crtico, com carter
formal, no formal e informal, utilizando-se de diferentes meios;
buscar o uso das experincias das pessoas no local para a efetivao
de alternativas solidrias (tendo apreendido, no entanto, embora
provisoriamente, as relaes entre o local, o nacional e o mundial,
enfatizando-se a complexidade dos problemas e solues);
aplicar uma abordagem interdisciplinar, reconhecendo a especificida-de de cada disciplina, de modo que se adquira uma perspectiva global
e equilibrada.
No Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e
Responsabilidade Global, aprovado durante o Frum Global evento
paralelo da sociedade civil ao evento oficial (Conferncia das Naes
Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), realizado em
1992, os seguintes princpios so indicados com destaque:ter como base o pensamento crtico e inovador, em seus modos formal,
no formal e informal, promovendo a transformao e a construo
da sociedade;
estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos hu-
manos, valendo-se de estratgias democrticas e interao entre as
culturas;
tratar as questes globais crticas, suas causas e inter-relaes;
estimular e potencializar o poder das diversas populaes, promoveroportunidades para as mudanas democrticas de base que estimulem
os setores populares da sociedade;
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vincular as questes ticas, educacionais e do trabalho nas prticas sociais;
a educao ambiental deve ser planejada para capacitar as pessoas
a trabalharem conflitos de maneira justa e humana;
ajudar a desenvolver uma conscincia tica sobre todas as formas de vida
com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais eimpor limites explorao dessas formas de vida pelos seres humanos.
Tais pressupostos foram aceitos como vlidos e indispensveis
educao ambiental e orientam as polticas pblicas, programas gover-
namentais ou no-governamentais, em diferentes pases.
Os ciclos de conferncias se repetem, mas a desigualdade econmica
e poltica, assim como a devastao ambiental, tambm se perpetuam.
Os problemas mundiais e os locais em cada nao no podero serresolvidos somente com educao, visto que a educao uma prtica
social e, portanto, define-se em sociedade. Porm, no ser possvel
solucionar problemas que se manifestam poltica e economicamente
em todo o mundo sem a educao.
Para promover a educao ambiental no processo de gesto parti-
cipativa, numa ao voltada para as UC, deve-se ter conscincia dos
limites impostos pela insero de nosso pas no contexto da globaliza-
o internacional, tal como apresentada anteriormente. necessrioconhecer a situao da educao e sua relao com outras atividades
que a inibem ou a fomentam, junto com todas as necessidades impres-
cindveis ao bem-estar social que so reivindicadas no mbito do atual
desequilbrio ecolgico mundial.
Precisamos compreender o atual resultado histrico da sociedade
brasileira no ambiente mundial no como algo esttico, mas sim mu-
tvel. Isso nos coloca diante da necessidade de resolvermos problemas
socioambientais entre agentes (homens ou mulheres de diferentes etniase classes, organizados ou no em instituies) vivendo conflitos por
causa de escassez de recursos ou pela concentrao da propriedade
desses mesmos recursos (fontes de gua e seu tratamento sanitrio ou
florestas, alimentos etc.).
A educao ambiental, caso sejam consideradas as recomendaes
de Tbilisi e as orientaes crtico-emancipatrias adotadas pela Poltica
Nacional e pelo Programa Nacional de Educao Ambiental a partir do
Tratado de Educao Ambiental, tem a misso de tratar do ambienteintegradamente. Contudo, observa-se que, na prtica, quase sempre
no assim, pois os aspectos biofsicos so mais enfatizados do que
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os culturais (ou vice-versa) ou vistos como separados, mesmo que s
vezes se diga, no discurso, que so complementares.
Educao uma prtica social cujo fim o nosso aprendizado
deste ou daquele saber existentes em uma cultura, de acordo com as
necessidades de uma sociedade, com diferentes grupos com interessescomuns e divergentes. Atua, portanto, na nossa existncia social do
seguinte modo:
(1) na produo, com a criao de instrumentos diversos para o uso
dos recursos no ambiente;
(2) na reproduo dos hbitos, costumes, leis, com seus conceitos;
porm, tais conceitos so relativos ao entendimento e desenten-
dimentos de e entre grupos (classes sociais ou no);
(3) portanto, h tambm a educao como elemento de revoluo,com novas condies gerais de produo e reproduo sociais
na natureza.
Em sntese, como contribuio rumo a um processo educativo mais
democrtico que fundamenta nossas orientaes e prticas no processo
de consolidao de conselhos em UC, compreendemos que:
a natureza uma unidade complexa, e a vida, o seu processo de
auto-organizao;somos seres naturais que redefinem o modo de existir na natureza
pela prpria dinmica da sociedade na histria;
as pessoas so constitudas por mediaes mltiplas (unidade bio-
lgico-social);
a educao tem a finalidade de buscar a transformao social, o que
engloba indivduos e atores sociais em novas estruturas institucionais,
como base para a construo democrtica de sociedades sustentveis
e novos modos de se viver na natureza (embora sempre respeitandoas categorias das UC e seus objetivos de manejo especficos).
Exposta a dinmica da sociedade vigente, bem como processos que
contribuem para super-la a partir de dois conceitos centrais para o
nosso trabalho (desenvolvimento sustentvel e educao ambiental),
podemos avanar no entendimento do espao pblico de atuao dos
agentes sociais na gesto de UC: os conselhos gestores. Assim, garantimos
a necessria associao terica entre: situar historicamente as relaessociais nas quais nos movemos e os processos econmicos e educativos
que garantem a construo de espaos pblicos democrticos em UC.
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Foto: encosta doCorcovado, FavelaSanta Marta, RJ
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Aspectos gerais
Independentemente do avano de se incorporar a participao da so-
ciedade na implementao das polticas ambientais e, em especial, na
gesto de UC, importante registrar que tanto a Lei 9.985/2000, do
Sistema Nacional de Unidades de Conservao (Snuc), como o Decreto4.340/2002, que regulamenta a lei, falam superficialmente de normas e
diretrizes relacionadas democratizao dos procedimentos de criao
de reas protegidas. Isso faz com que gestores(as) de UC tenham dife-
renciados entendimentos e prticas no que diz respeito implantao e
ao funcionamento dos conselhos.
Segundo o documento Gesto Participativa do Snuc:
As atividades para criao desses colegiados tm geralmente se
constitudo em processos restritos a poucas entidades, sendo co-mum que os convites para participao sejam direcionados prio-
ritariamente a rgos pblicos e ONGs ambientalistas, cabendo
a participao de outras organizaes sociais apenas imposio
legal de paridade entre representantes de entidades pblicas e da
sociedade civil. Mesmo assim, nota-se a tendncia para se convidar
entidades que representem os interesses empresariais e de segmen-
tos urbanos, em detrimento das formas de organizao de morado-
res e dos produtores mais diretamente relacionados unidade deconservao. (Brasil, 2004a).
Conselhos em
unidades de conservao3CAPTULO
Fotos: grupo focal comcomunidades locais,Escola Oga Mit, RJ /reunio do Conselho
Consultivo do ParqueNacional da Tijuca noIbase, RJ
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Nesse contexto, h de incio uma tenso existente entre o papel
que cumprem os conselhos e a sua finalidade, para que possam, de
fato, imprimir um novo formato s polticas pblicas e ao processo de
tomada de decises, isto , de democratizao delas.
Outro fato a considerar que, fora as amplas orientaes contidas emlei, no h uma uniformizao de procedimentos para o funcionamento
de conselhos. Tal situao de ambigidade faz com que, em geral, isso
seja entendido e tratado de acordo com o perfil tcnico, poltico ou
ideolgico dos funcionrios mais diretamente envolvidos pela conduo
dos assuntos relacionados gesto participativa das unidades, ou deles
eventualmente encarregados (Sales, 2004). Como conseqncia, temos
comumente observado a frustrao quanto s expectativas de segmentos
da sociedade envolvidos com os conselhos das UC, o que no invalida aconquista do instrumento, como possibilidade de ampliao dos proce-
dimentos democrticos na sociedade brasileira.
Portanto, no caso das UC, em que o conselho uma exigncia do
Snuc e, portanto, algo que temos que viabilizar, o trabalho deve ser
conduzido com o objetivo de torn-lo uma instncia democrtica e le-
gitimada pelos diferentes agentes sociais envolvidos na gesto das UC.
Na consolidao de um conselho, isso implica levar em considerao as
disparidades na capacidade de participao, de modo a criar condiespara a real democratizao do processo decisrio. Essa situao s
possvel se houver o envolvimento efetivo daqueles grupos sociais
que sempre estiveram margem das medidas decorrentes da gesto
e se constituem, normalmente, nos mais afetados pela existncia das
reas protegidas.
A palavra participao diz respeito a tomar parte, mas preciso
entender que isso no algo espontneo ou dado, e sim aprendido e
conquistado. Assim, preciso desenvolver aes de mobilizao, en-volvimento e formao que possibilitem aos membros do conselho uma
interveno qualificada, sobretudo daqueles em condies de maior
vulnerabilidade socioambiental e que no tm acesso aos mecanismos
tradicionais de representao poltica.
Para tanto, no planejamento e na realizao das aes, preciso
considerar as desigualdades existentes no acesso a dados e informa-
es e na infra-estrutura de suporte administrativo. Tambm preciso
lembrar que algumas pessoas esto habituadas com a linguagem tec-noburocrtica, ao passo que outras no.3
3 H segmentos dasociedade brasileira queconhecem muito bemos ecossistemas emque vivem por tradiofamiliar ou ocupacional.Porm, no dominam o
linguajar cientfico e nemtm os meios organiza-tivos para intervir nagesto ambiental pblica.Assim, no conseguemfazer valer seus direitosna disputa pela adminis-trao dos bens naturaisdo pas, sendo por isso,muitas vezes, excludosda representao poltica.Esse o caso da popula-o indgena, pescadores,grupos religiosos infor-mais etc.
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Pressupostos para a estruturao de conselhos
Agora, apresentamos alguns pressupostos que visam garantir a consoli-
dao de espaos pblicos e democrticos de gesto em uma UC.4
Em termos gerais, preciso que o Ministrio do Meio Ambiente (em
especial o Ibama), as pessoas que j integram os conselhos gestoresformalizados no pas e demais agentes sociais mobilizados pela questo
estabeleam amplo debate nacional sobre a urgncia de se normati-
zarem a composio, as competncias, as estruturas funcionais e os
direitos e deveres dos(as) conselheiros(as), sem com isso impedir ou
inviabilizar as adaptaes locais e o respeito especificidade organi-
zativa cultural de cada UC.
Os conselhos gestores devem ser entendidos como espaos legalmente
constitudos e legtimos para o exerccio do controle social na gestodo patrimnio natural e cultural, e no apenas como instncia de con-
sulta da chefia da UC. O seu fortalecimento um pressuposto para o
cumprimento da funo social de cada UC.
de competncia do conselho no s o descrito em lei (elaborar o
regimento interno, avaliar oramentos e contratos, acompanhar a ela-
borao e reviso de planos de manejo), mas tambm potencializar a
ao poltica e dar sentido de permanncia s atividades que visam
sustentabilidade da UC.O conselho deve se constituir na representao mais fiel possvel, de for-
ma justa e paritria (igual), do conjunto de grupos sociais envolvidos,
direta ou indiretamente, com a dinmica da UC, independentemente de
esses grupos serem beneficiados ou prejudicados por sua existncia.
A nomeao dos(as) conselheiros(as) deve ocorrer por indicao das
entidades envolvidas, respeitando-se a distribuio por setor, caben-
do chefia o recebimento das indicaes e as devidas providncias
administrativas.As organizaes da sociedade civil devem ser indicadas a partir de
critrios objetivos de seleo, e no a partir de nomes predefinidos
por afinidades pessoais ou importncia ocasional.
Um conselho s deve ser criado ou reestruturado tendo por princ-
pio o estabelecimento de um extenso processo de mobilizao dos
agentes sociais; o conhecimento da realidade socioambiental da UC;
a socializao e o acesso a informaes sobre a UC e a organizao
de encontros setoriais e ampliados, que permitam o envolvimento e atomada de deciso por aqueles(as) que faro parte dele ou que por esse
4 As consideraesseguintes esto listadasno documento Princ-pios e diretrizes para agesto participativa deunidades de conservao Parte I (Brasil, 2004a)e na publicaoEducaoambiental e gesto parti-cipativa em unidades deconservao (Loureiro etal., 2005).
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espao se interessam. Isso o que permite a consolidao democrtica
da composio e da estrutura de funcionamento, com igualdade de
condies para a participao e a tomada de posio.
Como forma de ampliao da participao dos(as) interessados(as)
nas atividades do conselho e como garantia de uma contnua atuaodo conselho entre as populaes do entorno da UC, o conselho deve
criar cmaras tcnicas ou grupos de trabalhos permanentes e tempo-
rrios, indicando-se responsabilidades e prazos delimitados. Pode-se
tambm pensar em outras instncias (como assessorias especializadas,
sem direito a voto, que atendam diversidade e complexidade de
necessidades locais).
O conselho deve estabelecer estudos cientficos que orientem as
discusses internas e criar mecanismos permanentes de avaliao(indicadores) e de comunicao com as comunidades.
A capacitao dos conselheiros e das conselheiras (atuais e potenciais)
e da equipe tcnica da UC precisa ser garantida simultaneamente ao
processo de estruturao ou reestruturao do conselho e aps sua conso-
lidao, envolvendo temas internos e externos ao seu funcionamento.
A criao de meios de comunicao permanentes com as comunidades,
divulgando o trabalho feito e envolvendo-os no processo, o meio
por excelncia para se garantir o acesso a informaes qualificadas ecompreensveis a todos(as) os(as) participantes.
O regimento interno deve ser elaborado com a inteno de definir
claramente as regras do jogo, mas com cuidado para garantir que a
convocao possa ser feita no s pelo(a) presidente(a) do conselho,
mas pela maioria simples dos(as) conselheiros(as).
Critrios que ajudam a avaliar a gesto participativa em UC
Diante do que foi indicado, podemos dizer que s com democracia teremosuma sustentabilidade mais ampla. Para isso, so pontos importantes a criao
de espaos pblicos e o fortalecimento dos instrumentos constitucionais.
1. Legitimidade para deciso
Participao: direito de todos(as) os(as) envolvidos(as) em tomar deci-
ses; quantidade e representatividade das associaes na gesto da UC;
atuao por associaes e/ou indivduos nas atividades e nas reunies
promovidas na UC; existncia de um contexto de livre associao.Descentralizao: contexto de autonomia em tomadas de deciso,
aliado existncia de instncias de controle social.
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2. Eficcia e eficincia dos instrumentos de gesto
Existncia de instrumentos de gesto: plano de manejo e regimento
interno do conselho; atualidade dos instrumentos; existncia e emprego
de um plano anual de gesto; participao da populao na elaborao
dos instrumentos.Viso estratgica: existncia de projetos amplos e de longo prazo para
o desenvolvimento humano e para a conservao da natureza.
3. Desempenho (efetividade) da gesto
Coordenao de esforos: capacidade da chefia da unidade e dos(as)
conselheiros(as) em coordenar os esforos entre os parceiros e setores
sociais.
Informao ao pblico: disponibilidade para os(as) conselheiros(as)e o pblico em geral de informaes que permitam acompanhar o
processo de gesto.
Efetividade e eficincia: resultados alcanados, atividades planejadas
e executadas e o bom emprego dos recursos disponveis.
4. Prestao de contas (accountability)
Definies de incumbncias e transparncia: quem presta contas de
que e a quem e de que modo isso feito.
5. Eqidade
Imparcialidade na aplicao de normas: existncia de normas claras,
acessveis e aplicadas ao conjunto dos envolvidos.
Eqidade no processo de gesto da UC em relao ao entorno: respeito
aos direitos e s prticas de populaes tradicionais ou de residentes;
reconhecimento de injustias e danos sociais resultantes da gesto da
UC, quando for o caso.
Com essas contribuies tericas, formuladas a partir da prtica vi-
venciada em dois parques e do acompanhamento de experincias bem-
sucedidas em outras UC (de uso sustentvel e de proteo integral) em
diversos estados do pas, podemos apresentar alguns aspectos especficos
do caso PNT, como ilustrao que facilita a compreenso do pblico.
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FBIOC
OSTA
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Da floresta original de Mata Atlntica ao Parque Nacional da Tijuca
Conhecer um problema depende de conhecer o histrico do problema.
As perguntas certas ajudam no surgimento das respostas certas, suas
solues. No se trata, no estudo de caso, segundo nossa metodologia,
de considerar apenas a realidade local.Todos os biomas no Brasil tm as suas especificidades, mas ressaltamos
a importncia mundial da Mata Atlntica por sua biodiversidade, que
ainda maior do que a da Amaznia. No caso nacional, sua relevncia
tambm foi enorme para os primeiros ciclos produtivos do pas.
O estado do Rio de Janeiro e, em especial, sua capital uma rea
emblemtica para a preservao da Mata Atlntica: trata-se da unidade
federativa com maior percentual de rea protegida desse tipo de floresta.
Embora de modo sucinto, o relato de sua histria importante para quese compreenda o que , hoje, o PNT.
A histria do PNT, como tantas outras UC no Brasil e no mundo,
caracterizada por uma relao contraditria de ocupao/conflito/de-
vastao e proteo.
Ao longo dos sculos, a rea conhecida hoje como do PNT sofreu
constantes movimentos de ocupao com conflitos socioambientais,
porque se procurava atender, de um lado, aos interesses particulares da
expanso agrcola e, de outro, ao abastecimento de gua para a cidadedo Rio de Janeiro.
O caso estudado:
Parque Nacional da Tijuca4CAPTULO
Foto: favela e bairrosnos arredores doCorcovado, RJ
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O Macio da Tijuca, coberto pela Mata Atlntica (que ento existia
em todo o litoral do Brasil), ficou quase intocado at meados do sculo
XVII. Os ndios e as ndias, primeiros habitantes do territrio, concentra-
vam-se beira-mar, vivendo da caa, da pesca, do roado de mandioca
e da coleta de frutas.O cultivo agrcola do colonizador portugus comeou pela cana-de-
acar. De incio, grandes extenses de reas baixas da cidade foram
ocupadas. Depois, a agricultura foi expandida rumo s encostas do Macio
da Tijuca, cujas florestas foram sendo conquistadas pela tcnica de quei-
madas. A seguir, cultivou-se o caf na rea da floresta em terras altas.
A cidade que se formou com seu cinturo agrcola causou, evidente-
mente, um desmatamento das encostas ao redor, por causa da construo
de habitaes, uso da lenha para fogo etc. Os principais efeitos foram amudana climtica, a crescente insalubridade, com destruio de man-
gues, acmulo de dejetos e a crise do abastecimento de gua.
A falta dgua conscientizou dirigentes locais de que a devastao
da floresta deveria ser interrompida. Houve tambm o deslocamento
de grande parte da lavoura cafeeira para o Vale do Paraba ao sudoeste
do estado. Assim, parte da classe dominante, latifundiria, deixou de
residir no local. Tal desocupao produtiva e domstica e, em parte, a
expropriao e a reapropriao de terras pelo governo possibilitaram arecuperao florestal, com replantio da mata, no sculo XIX. Isso ocorreu,
inicialmente, em duas etapas principais.
Em 1861, o major Manoel Gomes Archer foi designado o primeiro
administrador da ento Floresta da Tijuca. Naquela data, iniciou-se o
reflorestamento. At 1874, foram plantadas mais de 60 mil rvores, em
sua maioria, espcies nativas. Trabalharam para Archer, na execuo
do reflorestamento, seis escravos e, posteriormente, 22 trabalhadores
assalariados.O baro Gasto dEscragnole foi o segundo administrador do local e
da tarefa de recuperar a mata das encostas do Rio de Janeiro. De 1874 a
1888, introduziu cerca de 30 mil mudas (do Jardim Botnico), incluindo
espcies exticas, originrias at de outros continentes.
Durante a administrao de dEscragnole, a floresta foi alterada de
modo a adquirir aspectos de parque. O local foi dotado de recantos, fontes
e lagos, sob a ajuda do paisagista francs Auguste Glaziou (Heynemann,
1995). Isso nos legou um acervo histrico e artstico de certa importnciaat hoje. No entanto, esse acervo, por vrios motivos, corre permanente
risco de degradao.
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Concluda a fase inicial de recuperao da floresta, que foi relativa-
mente rpida, a partir do fim do sculo XIX, o crescimento da cidade
passou a se constituir no principal fator de interferncia no seu equilbrio
natural. Naquele momento, novos agentes atuavam, substituindo os fa-
zendeiros e donos de engenhos, responsveis pelos cortes e queimadasque destruram extensas reas de florestas e, conseqentemente, empo-
breciam as terras.
O crescimento da cidade do Rio de Janeiro assemelha-se urba-
nizao dentro do desenvolvimento capitalista em outras partes do
mundo. Ocorre uma estratificao social que se verifica tambm na
ocupao do espao: as pessoas com maior renda, inicialmente, pagam
altos preos para se localizarem no ncleo da cidade, em bairros com
boa infra-estrutura e outros equipamentos urbanos; as de baixa rendalocalizam-se em reas desfavorveis, ditas de periferia, deficientes em
servios, ou seja, cortios ou favelas. Segundo Abreu, as primeiras
favelas no municpio do Rio de Janeiro datam de 1897, ano em que os
soldados que retornaram da campanha de Canudos ocuparam os morros
da Providncia e de Santo Antnio. Em 1920, as favelas de So Carlos,
Querosene, Salgueiro, Macaco, Rocinha e Dona Marta (essas duas do
lado sul) j se encontravam nas encostas da Serra da Carioca, infor-
ma Abreu (1992). Posteriormente, as favelas foram responsveis pelademarcao dos novos limites do PNT:
[...] Em 1967 foram traados novos limites para o Parque Nacional
da Tijuca, com excluso de reas consideradas irrecuperveis ou
invadidas por favelas. A Floresta da Covanca e parte da Floresta do
Andara, como tambm as Chcaras da Bica e do Cabea da Gvea,
urbanizadas e ocupadas por favelas, foram excludas. Outras reas
foram includas no Parque Nacional da Tijuca como o conjunto
Pedra da GveaPedra Bonita e reas do Morro Dona Marta, Cor-covado, Gvea, Cochrane, Alto da Boa Vista, Av. Edson Passos e
Jacarepagu, dentre outras. (IBDF, 1982).
O Macio da Tijuca era uma barreira natural expanso do ncleo cen-
tral da cidade em direo Baixada de Jacarepagu (e Barra da Tijuca).
Contudo, desde as primeiras dcadas do sculo XX, foi cortado por duas
estradas (GrajaJacarepagu, atual avenida Menezes Cortes, e a estrada
de Furnas na vertente sul, a estrada das Canoas). Tais estradas conec-taram a zonas Norte e Oeste da cidade, e a Avenida Niemeyer conectou
o cordo costeiro da Zona Sul Barra da Tijuca (Geoheco, 2003).
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Aquela conectividade, associada distribuio da renda e da proprieda-
de, espacialmente resultou na seguinte situao, desde a segunda metade
do sculo XX: na parte sul do macio, temos a populao de alta renda,
incluindo o Alto da Boa Vista; na vertente norte e oriental, localizaram-se
pequenas favelas nas duas pontas do eixo FurnasAv. Edson Passos e emSo Conrado (originalmente com pequenas indstrias, em especial a de
construo civil, como fatores de atratividade da populao proletria).
No curso de tais estradas, acumulam-se fortes presses sobre a rea que
veio a constituir o PNT.
O PNT foi criado em 6 de julho de 1961, por meio do Decreto Federal
50.923. Denominava-se, na poca, Parque Nacional do Rio de Janeiro,
no antigo estado da Guanabara. Em 1966, foi tombado pelo Instituto do
Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Em 8 de julho de 1967, o DecretoFederal 60.183 mudou o nome do parque, que o mantido at hoje.
A partir de dcada de 1970, novas estradas e tneis que cortavam o
Macio da Tijuca possibilitaram maior valorizao da Barra da Tijuca.
O mais fcil acesso resultou numa ocupao com vrios loteamentos
irregulares na Baixada de Jacarepagu, que abriga o maior nmero de
novas favelas na cidade, desde a dcada de 1980.
O Rio de Janeiro, mais e mais, verticalizou-se, ou seja, a con-
centrao de renda, agravada durante todo o perodo da ditadura, au-mentou o processo de segregao econmica e concentrao espacial
residencial das chamadas pessoas excludas do mercado de trabalho
ou nele empregadas, mas com baixssima renda. Como se chama isso?
Favelizao.
As favelas crescem em nmero e/ou em populao por causa da falta
de polticas pblicas adequadas ao acesso democrtico do espao urbano
e que integrem o crescimento desordenado de moradias, o que prejudica
a preservao da floresta do PNT. imprescindvel para a manuteno do PNT, como parte da cidade
(se no legalmente, do ponto de vista ecossistmico), compatibilizar suas
funes geolgica, hidrolgica, climtica e biolgica com aquelas de outras
partes do Rio de Janeiro, sejam elas econmicas ou no.
A relao da floresta com as guas sistematicamente recorrente ou
pela ameaa de escassez, ou pela contaminao de mananciais, ou at
mesmo pela preocupao com a estabilizao das encostas do Macio
da Tijuca sob constante perigo de deslizamentos em reas devastadas.Hoje convivem os grupos da classe social dominante (de maior renda e
propriedade, portanto) com aqueles que no tm a posse da terra.
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necessrio enfrentar os processos que inviabilizam, por motivos
econmicos (no s por eles, mas principalmente), o acesso demo-
crtico. As solues metodologicamente reducionistas (tecnicistas e
burocratas), bem como autoritrias (muito usadas durante a ditadura
instaurada em 1964 e mesmo antes, com o governador Carlos Lacerdae suas remoes de favelas), tm se mostrado ineficazes e, na maioria
das vezes, contriburam para a perda da qualidade de vida no meio
urbano. O empobrecimento no a nica causa dessa perda, mas uma
das principais no que se refere a assuntos como criminalidade, violncia,
medo, impactos no turismo, na arrecadao tributria etc. As solues
que se apresentam para impedir a perda da rea de floresta do PNT, em
geral, so o cercamento da rea, educao ambiental ou, ainda, a co-
gesto entre rgos de governo municipal e federal. preciso pensar em solues no meramente repressivas, mas sim
enfrentar os conflitos, buscar mediaes que no os omitam, estabelecer
mais parcerias em mbito local, nacional e internacional, entre Estado
e sociedade civil. A caracterizao a seguir oferece subsdios a esse tipo
de iniciativa.
O PNT e sua atual car