Educação ambiental e conselho em unidades de conservação

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INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS – IBASE 1 Educação ambiental e conselho em unidades de conservação  Aspectos teóricos e metodológicos Carlos Frederico B. Loureiro  Marcus Azaziel  Nahyda Franca Uma publicação do Ibase Rio de Janeiro, abril de 2007

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    INSTITUTO BRASILEIRO DE ANLISES SOCIAIS E ECONMICAS IBASE1

    Educao ambiental e conselho

    em unidades de conservao

    Aspectos tericos e metodolgicos

    Carlos Frederico B. Loureiro

    Marcus AzazielNahyda Franca

    Uma publicao do Ibase

    Rio de Janeiro, abril de 2007

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    Educao ambiental e conselho em unidades de conservaoAspectos tericos e metodolgicos

    EXECUO

    Instituto Brasileiro de Anlises So-ciais e Econmicas (Ibase)

    ORGANIZAO E TEXTO

    Carlos Frederico B. LoureiroMarcus AzazielNahyda Franca

    COORDENAO EDITORIAL

    Iracema DantasItamar Silva

    EDIO

    AnaCris Bittencourt

    FOTOGRAFIAS

    Fabio Costa, Luiz Paulo Nenen,Arquivo Instituto TerrAzul eArquivo Ibase

    REVISO

    Marcelo Bessa

    PROJETO GRFICO E DIAGRAMAO

    Guto Miranda

    IMPRESSO GRFICA

    Stamppa

    TIRAGEM

    1 mil exemplares

    PATROCNIO

    PetrobrasAtravs do Programa PetrobrasAmbientalPresidente da Petrobras

    Jos Srgio Gabrielli de AzevedoGerente executivo de Segurana,Meio Ambiente e Sade

    Ricardo Santos AzevedoGerente executivo do Cenpes

    Carlos Tadeu da Costa FragaGerente executivo deComunicao Institucional

    Wilson SantarosaGerente de Responsabilidade Social

    Lus Fernando NeryGerente setorial de Programas Ambientais

    Rosane Beatriz Juliano de AguiarGerente do Projeto gua emUnidade de Conservao

    Amrico Machado Martins

    L928eLoureiro, Carlos Frederico BernardoEducao ambiental e conselho em unidades de conservao : aspectos tericos e metodolgicos / Carlos Frederico

    B. Loureiro, Marcus Azaziel, Nahyda Franca. - Ibase: Instituto TerrAzul : Parque Nacional da Tijuca, 2007

    ISBN 978-85-89447-16-41. Parque Nacional da Tijuca (Rio de Janeiro, RJ). 2. gua - Conservao - Rio de Janeiro (RJ). 3. Educao

    ambiental - Rio de Janeiro (RJ). 4. reas de conservao de recursos naturais - Administrao - Rio de Janeiro(RJ). 5. Poltica ambiental - Rio de Janeiro (RJ). 6. Proteo ambiental - Rio de Janeiro (RJ). I. Azaziel, Marcus,1962-. II. Franca, Nahyda, 1956-. III. Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas. IV. Instituto TerrAzulde Cultura, Comunicao e Meio Ambiente. V. Ttulo.

    07-0582. CDD: 363.700981541CDU: 504.06(815.41)

    23.02.07 02.03.07 000584

    Abril de 2007Distribuio dirigida

    Esta publicao est disponvel em < www.ibase.br > Esta publicao foi impressa em papel reciclado.

    REALIZAO

    Projeto gua em Unidadede ConservaoParque Nacional da Tijuca Projetopiloto para Mata AtlnticaSite: www.aguaemunidadedeconservacao.org.br

    Instituto TerrAzulIlha da Gigia, casa 18, Barrada TijucaCEP 22640-310Rio de Janeiro RJTelefax: (21) 2493-5770E-mail: [email protected]: www.institutoterrazul.org.br

    Parque Nacional da TijucaEstrada da Cascatinha, 850, Altoda Boa Vista

    CEP 20531-590Rio de Janeiro RJTel.: (21) 2492 -5407 / 2492-2253

    IbaseAvenida Rio Branco,124, 8 andarCentro CEP 20148-900Rio de Janeiro RJTel.: (21) 2509-0660;fax: (21) 3852-3517E-mail: [email protected]: www.ibase.br

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    APRESENTAO 5

    CAPTULO 1 Pressupostos terico-metodolgicos da educao ambiental no

    processo de gesto de UC 9Metodologia para estudo de caso e pesquisa-ao participante 9Comentrios metodolgicos complementares 18

    CAPTULO 2 Fundamentao terica 23

    Capitalismo, globalizao e repercusses nas unidades de conservao brasileiras 23A polmica busca do desenvolvimento sustentvel no Brasil 27Educao ambiental: de qual conceito de educao partimos? 29

    CAPTULO 3 Conselhos em unidades de conservao 35Aspectos gerais 35Pressupostos para a estruturao de conselhos 37

    Critrios que ajudam a avaliar a gesto participativa em UC 38

    CAPTULO 4 O caso estudado: Parque Nacional da Tijuca 41Da floresta original de Mata Atlntica ao Parque Nacional da Tijuca 41

    O PNT e sua atual caracterizao urbana socioambiental 45O PNT no bioma Mata Atlntica e o desenvolvimento urbano (in)sustentvel 49

    Gesto urbana e metodologia integradora no PNT 55

    CAPTULO 5 Proposta metodolgica 61Metodologia participativa para estruturao de conselhos em UC 61Etapas percorridas 62Consideraes sobre os grupos focais realizados 64O grupo focal como instrumento de metodologia participativa 64Metodologia participativa de elaborao do plano de ao 69Recomendaes para o trabalho de fortalecimento dos conselhos gestores de UC 71

    CAPTULO 6 Consideraes finais 73

    CAPTULO 7 Anexos

    CAPTULO 8 Referncias 83

    Sumrio

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    ACERVO

    TERRAZUL

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    ste livro o produto final do conjunto de atividades previstas para o

    Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas (Ibase) no m-

    bito do projeto gua em Unidade de Conservao, realizado no Parque

    Nacional da Tijuca (PNT), sob coordenao do Instituto TerrAzul, como

    parte do programa Petrobras Ambiental. O projeto contemplou, em doisanos (2005 e 2006), a implementao de quatro linhas de ao. A Linha

    1 tratou do conhecimento e monitoramento da qualidade da gua pro-

    duzida no PNT e implantou nele um sistema de controle dos principais

    cursos dgua. A Linha 2 enfocou a recuperao florestal para garantir

    a preservao das nascentes e dos corpos hdricos; para isso, realizou

    medidas de proteo, manejo e recuperao da flora e do solo. A Linha 3

    voltou-se para estruturao de um modelo de gesto financeira a partir

    dos resultados oriundos da valorao e do uso dos recursos hdricosprotegidos pelo PNT. A Linha 4, subdividida em dois eixos, previu a

    implementao da educao ambiental na gesto do parque, envolvendo

    comunidades e escolas vizinhas rea (eixo 1) e a formao do conselho

    consultivo do PNT, conforme previsto no Sistema Nacional de Unidades

    de Conservao (Snuc) (eixo 2).1

    Com o trmino do projeto, espera-se que os resultados contribuam

    para o aperfeioamento da gesto dos recursos hdricos no PNT e tambm

    forneam subsdios para a construo de modelos de gesto ambientaldemocrticos nessa e em outras unidades de conservao (UC) localizadas

    no bioma Mata Atlntica.

    Apresentao

    E

    1 Trabalharam na equipetcnica do projetoguaem Unidade de Conserva-o pelo Ibase, na Linha4 (eixo 2): Nahyda Franca(coord.) Carlos FredericoLoureiro, Marcus Azaziel,Laila Souza Mendes,Claudia Fragelli, JoelmaCavalcante de Souza,

    Ana Lucia Camphora(colab.), Marta de AzevedoIrving (colab.) e DeniseAlves (colab.)

    Foto: Aude da Solido,Parque Nacional da

    Tijuca, RJ

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    Nossa tarefa especfica no projeto, no escopo da Linha 4, foi recompor

    e fortalecer o conselho consultivo do PNT, por meio de metodologias de

    educao ambiental desenvolvidas pelo Ibase em consonncia com as

    diretrizes da Coordenao Geral de Educao Ambiental (CGEAM) do

    Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis(Ibama), que garantem maior participao e controle social da gesto do

    ambiente, incluindo os mananciais de gua, objetivo central do projeto.

    Durante o projeto, alm do Diagnstico socioambiental do PNT, pro-

    duzimos, com a colaborao dos demais integrantes da equipe tcnica do

    Ibase, cinco apostilas para a capacitao do conselho consultivo do PNT.2

    Como esse material destinou-se aos(s) conselheiros(as) e equipe tc-

    nica do parque, procedemos, com este livro, a uma compilao, reviso e

    ampliao dos materiais feitos sob nossa responsabilidade e autoria direta,a fim de atender no somente ao pblico interno ao projeto, mas a todos

    aqueles interessados nesse tipo de iniciativa. Dado o aprofundamento de

    nossos estudos durante o processo de execuo, inclumos, nesta publi-

    cao, questes que no constavam nas apostilas mencionadas.

    Neste livro, evitamos menes muito especficas, a fim de no sugerir

    que a fundamentao terica e a metodologia servem somente ao caso

    do PNT, e procuramos formular argumentos e consideraes de modo

    que o(a) leitor(a) perceba imediatamente sua aplicao em diferentessituaes. Com isso, procuramos preencher algumas lacunas conceituais

    existentes na literatura sobre gesto participativa e educao ambiental

    em UC e em indagaes recorrentes das pessoas que atuam em unidades

    territoriais desse tipo em todo o pas.

    Assim, iniciamos o texto com consideraes gerais sobre mtodo, tipo

    de pesquisa, qual seja, um estudo de caso, e abordagens metodolgicas

    participativas, para o entendimento dos pressupostos terico-metodol-

    gicos que orientam o trabalho e que so muito mencionados e utilizadosem projetos e pesquisas de educao ambiental. No que se refere aos

    aspectos estritamente educacionais e aos modelos de gesto e de desen-

    volvimento, levamos em conta que, em setores estritamente conservacio-

    nistas do Ibama, a exemplo de muitas outras instituies, persiste ainda

    um modo de pensar dualista que responsvel pela separao entre

    sociedade e natureza, e entre gesto tcnica e democracia, entre outras

    condutas similares. Diante disso, ao longo de todo o texto, criticamos

    tais dualismos notoriamente presentes no campo ambiental e propomosuma educao ambiental pela qual se compreenda nossa especificidade

    natural como seres societais, culturais, e no apenas com caractersticas

    2 As apostilas estodisponveis no site do Iba-se < www.ibase.br >.

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    biolgicas estritas, vivendo ao mesmo tempo em cooperao e em con-

    flitos relativos a diferentes interesses quanto ao uso da natureza em suas

    diferentes formas de apropriao, produo e distribuio.

    Por fim, apresentamos alguns aspectos histricos importantes do PNT

    e os procedimentos metodolgicos utilizados para o processo de reorga-nizao do conselho, como forma de ilustrar o acmulo terico obtido

    com a experincia concreta ocorrida durante 2005 e 2006 nessa UC.

    Em nossa prxis (pensar, sentir e agir) de mediao entre os agentes

    sociais que atuam na gesto de UC, aprendemos com eles e, ao mesmo

    tempo, ensinamo-lhes os pressupostos metodolgicos que podem ou

    no utilizar para sua autogesto (em conselhos deliberativos) ou, ao

    menos, para administrao com compartilhamento de informaes (em

    conselhos consultivos).

    Carlos Frederico B. Loureiro

    Marcus Azaziel

    Nahyda Franca

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    LUIZ

    PAULO

    NENN

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    Metodologia para estudo de caso e pesquisa-ao participante

    Em primeiro lugar, necessrio definir e explicitar sucintamente o m-

    todo, o caminho que nos permite captar e compreender o movimento da

    realidade, at mesmo do pensamento, garantindo uma atuao organizada

    e consciente dos processos sociais nos quais estamos inseridos(as). Emseguida, explicitamos, com maior detalhamento, o tipo de pesquisa que

    se desenvolveu nas experincias realizadas nas duas UCs (Jurubatiba e

    Tijuca) e que ser descrito a partir do caso ilustrativo do PNT.

    Em termos de mtodo, posicionamo-nos favoravelmente dialtica, visto

    que ela um modo de se pensar tanto o sujeito como o objeto em relao

    unvoca, numa tentativa de entender suas mtuas influncias. Tal relao

    de constante movimento, transformao e causalidade recproca no-linear,

    numa unidade, numa totalidade dinmica. Sendo a dialtica uma lgica pelaqual filsofos(as) e cientistas no se fixam em um ou outro plo das relaes,

    no incorre no erro do holismo, no qual s se visa o todo, tal como comu-

    mente entendido entre ambientalistas, ou do atomismo, tambm chamado

    de individualismo metodolgico, no qual a parte predomina. Por outro lado,

    no se incorre no erro de reduzir a realidade a um aspecto de suas totalidades

    o que, metodologicamente, pode ser chamado de reducionismo.

    Um modo de pensar dialtico diferente das alternativas anteriores.

    Trata-se de tentar compreender a nossa unicidade complexa com outrosseres na natureza, sem, com isso, reduzir as nossas especificidades

    histricas para facilitar as anlises. Somos seres naturais com cultura, o

    Pressupostos terico-

    metodolgicos da educao

    ambiental no processo degesto de UC

    1CAPTULO

    Foto: Parque NacionalChapada Diamantina, BA

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    que implica trabalho social e linguagem. A reduo de nosso ser social

    ao biolgico, ao fsico, entre outros, ou a separao de nosso ser social

    do resto da natureza, o que tem caracterizado a diviso entre as ditas

    cincias naturais e as chamadas cincias sociais (ou humanas). Esse

    um problema a ser enfrentado e superado (Loureiro, 2006b).Alm das peculiaridades relacionadas adoo de um mtodo e um

    tipo de pesquisa compatvel com ele, h limitaes (polticas, jurdicas,

    econmicas e outras) externas ao fazer cientfico, que constrangem o uso

    de determinadas tcnicas e abordagens ou restringem o tempo e o alcance

    espacial da pesquisa, de sua aplicao e da validao de seus resultados.

    Diante disso e da necessidade intrnseca a qualquer projeto de se

    estabelecerem prioridades e recortes da realidade para se promoverem

    os estudos e a prtica, a seletividade de instrumentos, estratgia etticas de pesquisa so necessrias. O tipo selecionado por ns foi o

    estudo de caso, que nos parece factvel dentro dos limites normalmen-

    te encontrados e que pode servir como referncia e comparao com

    outras UC no Brasil.

    O estudo de caso uma modalidade de pesquisa pela qual se tenta

    compreender fenmenos complexos em curto espao de tempo, conside-

    rando os vrios motivos j mencionados. Assim, apresentam-se questes

    principalmente do tipo como? e por qu?, e o foco em problemascontemporneos (Yin, 2005). Isso no exclui a pesquisa histrica, a histria

    do problema/tema do projeto. Alm disso, diferentes estratgias e tticas

    possuem vantagens heursticas (de conhecimento) distintas para cada fase,

    subcontexto ou agentes envolvidos. Lembramos que, em cincias sociais,

    a separao entre o fenmeno e o contexto no possvel e, apesar de ser

    possvel incluir evidncias quantitativas, no h experimentos, e sim uma

    experincia comum entre pesquisador(a) e pesquisado(a).

    ESTRATGIADE PESQUISA

    PRINCIPAIS TIPOS DEQUESTO DE PESQUISA

    EXIGE CONTROLE SOBREEVENTOS COMPORTAMENTAIS

    FOCALIZAEVENTOS ATUAIS

    Experimento Como, por qu? Sim Sim

    ProspecoQuem, o que, onde,quantos, quanto?

    No Sim

    Anlise de arquivosQuem, o que, onde,quantos, quanto?

    No Sim/No

    Pesquisa histrica Como, por qu? No NoEstudo de caso Como, por qu? No Sim

    Figura 1: Estratgias de pesquisa que podem se combinar num projeto em UC

    Fonte: Cosmos Corporation, por Yin, 2005 (modificado).

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    importante utilizar uma metodologia, no estudo de caso, que re-

    lativize suas concluses, considere-as provisrias (um pressuposto da

    dialtica, pois todos os seres esto em movimento de transformao). As

    concluses devem ser sujeitas a testes em outros casos, os quais podero

    confirm-las ou no como vlidas para um tipo de situao que se repetepor um determinado perodo das sociedades, em suas relaes com a

    natureza em geral.

    O mtodo dialtico que fundamenta as nossas opes de pesquisa leva

    isso em considerao, uma vez que no usa acriticamente nem as opinies

    (o senso comum) dos(as) participantes da pesquisa pesquisadores(as)

    associados(as) ou outros agentes do caso estudado , nem toma a teo-

    ria mais ou menos explcita que orienta as hipteses iniciais, dos(as)

    prprios(as) pesquisadores(as) do projeto, como dogma (Marx, 2003). Aomesmo tempo em que o senso comum relativizado cientificamente (ou

    seja, criticado), as opinies dos agentes so registradas como percepes

    que condicionam a soluo de problemas, visto que acreditam nela ou,

    de qualquer modo, usam-nas para argumentar a respeito da situao es-

    tudada, negando ou afirmando conflitos, bem como propondo solues

    para eles, de acordo com sua percepo em relao aos seus interesses

    em comparao com os dos outros.

    Quanto s possveis replicaes, em outros lugares, isso dependerde adaptaes locais e outras validaes de pesquisa. Que tticas e testes

    sugerimos para isso? Para facilitar o entendimento, organizamos a nossa

    resposta na figura 2.

    Figura 2: Tticas de estudo de caso, testes e validao para diferentes fases deum projeto

    TESTES TTICAS DO ESTUDOFASE DA PESQUISA NA QUAL ASTTICAS DEVEM SER APLICADAS

    Diagnstico preliminar

    Utilizam-se fontes mltiplas de evidncias Estabelece-se encadeamento de evidncias O rascunho do documento revisado

    por informantes-chave

    Coleta de dados Coleta de dados Composio de documento com os

    primeiros resultados da pesquisa

    Validade interna estritamente cientfica,embora condicionadaexternamente

    Faz-se adequao a parmetrosmetodolgicos adicionais necessrios

    Revisa-se a ordem da explanaodo diagnstico

    Anlise de novos dados Anlise de novos dados

    Validade externa no-estritamentecientfica mas assimparametrizada

    Faz-se adequao a parmetros legais,administrativos e financeiros do contra-

    tador, do financiador ou do Estado Utiliza-se lgica da replicao em

    estudos de caso similares ou faz-se suaadequao a cada caso

    Projeto de pesquisa e/ou plano detrabalho preliminares

    Projeto de pesquisa e/ou plano detrabalho revisados

    continua

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    Fonte: Cosmos Corporation, por Yin, 2005 (modificado).

    TESTES TTICAS DO ESTUDOFASE DA PESQUISA NA QUAL ASTTICAS DEVEM SER APLICADAS

    Confiabilidade

    Utilizam-se dados oficiais, com parme-tros nacionais (IBGE etc.) e internacionais(Sistema ONU)

    Desenvolve-se banco de dados espec-fico para o estudo de caso e em compa-rao com os dados oficiais e de outraspesquisas

    Coleta de dados Coleta de dados

    Resultados finais da pesquisa

    Na definio do caminho metodolgico, o estudo de caso normal-

    mente dissociado do que se denominapesquisa-ao. Entretanto, nesse

    caso, essas duas modalidades se combinam, visto que objetivamos a

    interveno na realidade durante o processo de pesquisa e execuo de

    um projeto e a garantia do sentido de aprendizagem nesse tempo. Deno-minamos essa sntese de estudo de caso (Yin, 2005) compesquisa-ao

    participante (Loureiro, 2007).

    Apesquisa-ao pode ser compreendida de vrias formas. Entre elas,

    h algumas definies clssicas que merecem ser transcritas. Partindo

    de Kurt Lewin, seu fundador, a pesquisa-ao vista como [...] uma

    ao em nvel realista, sempre acompanhada de uma reflexo autocrtica

    objetiva e de uma avaliao de resultados. Como o objetivo aprender

    depressa, no queremos ao sem pesquisa, nem pesquisa sem ao(Barbier, 1985, p. 38). Michel Thiollent a apresenta como [...] um tipo

    de pesquisa social com base emprica que concebida e realizada em

    estreita associao com uma ao ou com a resoluo de um problema

    coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos

    da situao ou do problema esto envolvidos de modo cooperativo ou

    participativo (Thiollent, 2004, p. 14).

    Em funo da amplitude de objetivos que se enquadram nessas defi-

    nies e finalidades, h vrias denominaes internas, que caracterizamas nfases distintas: participante, diagnstica, emprica, experimental,

    existencial, integral, sistmica, transpessoal, entre outras (Barbier, 2004).

    Todavia, para Thiollent (2004), mesmo no mbito desse leque de opes,

    h necessariamente trs aspectos interdependentes a serem considerados

    numa pesquisa para que possa ser enquadrada como pesquisa-ao, com

    graus distintos de importncia segundo a abordagem e o foco: resoluo

    de problemas, tomada de conscincia e produo do conhecimento.

    Mas surge uma questo: qual a diferena entre pesquisa-ao parti-cipante e pesquisa participante? Sem querer retomar um debate intenso

    ocorrido em meados da dcada de 1980, auge do uso em educao das

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    metodologias participativas e de interveno na realidade social, podera-

    mos resumir a discusso com uma formulao um tanto esquemtica,

    mas elucidativa. Nem toda pesquisa-ao pressupe a participao dos

    agentes do processo educativo em todas as suas etapas e na definio

    dos objetivos da pesquisa e nem necessita que os(as) pesquisadores(as)assumam compromisso poltico com a transformao social algo inerente

    pesquisa participante (Demo, 2004). Por outro lado, nem toda pesquisa

    participante pressupe ao, podendo se resumir observao partici-

    pante, tcnica comum na antropologia em que h o envolvimento, mas

    no h a previso de ao planejada de interveno direta na realidade

    vivenciada (Thiollent, 2004).

    Assim, em sntese, podemos dizer que a pesquisa-ao participante

    o modelo de pesquisa-ao que busca sintetizar ambas as tradies.Opo metodolgica pela qual os(as) envolvidos(as) devem trabalhar

    como agentes sociais em igualdade de poder de deciso, mas sem con-

    fundir as atribuies distintas e necessrias. Em que h compromisso

    poltico com a emancipao e com a ao reflexiva, articulando teoria e

    prtica, para compreender as mltiplas relaes que formam a realidade

    e transform-la no sentido de fazer com que todos e todas exeram sua

    cidadania e aprendam no processo.

    Ao apresentarmos a nossa opo metodolgica desse modo, precisodizer que no temos a iluso de modificar a sociedade unicamente por

    meio das experincias em pesquisa-ao participante vinculadas educa-

    o ambiental no processo de gesto participativa de UC. Isso seria uma

    pretenso de extrema ingenuidade na complexa realidade atual. Trans-

    formar pela pesquisa-ao participante significa favorecer que ocorram

    mudanas no processo existencial, podendo implicar diferentes nveis

    de alterao, desde algo ligado a uma necessidade ou a um problema

    especfico e particular at processos coletivos e estruturais.Assim, importante explicitar que as iniciativas educacionais e partici-

    pativas possuem seus limites como prticas sociais situadas em contextos

    que, no momento, so desfavorveis emancipao (Demo, 2004). Dizer

    isso no significa diminuir sua relevncia, mas destacar que, em tese, toda

    mudana vlida como vivncia, podendo ser potencializada se articulada

    a outras aes locais e globais de modo a estabelecer um movimento de

    ruptura com os padres societrios vigentes. O principal em pesquisa-ao

    participante exatamente a possibilidade de realizao de um processocoletivo de aprendizagem e politizao do que fazemos, dinamizando a

    nossa existncia na histria e criando alternativas futuras.

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    Diante do que foi exposto, podemos elencar um conjunto de pressu-

    postos para uma prtica coerente em educao ambiental, sob o enfoque

    metodolgico da pesquisa-ao participante e do mtodo dialtico:

    A meta das pesquisas feitas no escopo dos projetos liberar o potencial

    criativo e favorecer a mobilizao dos agentes sociais no enfrentamentoe resoluo de problemas, sabendo situ-los na histria e, com isso,

    gerar outros nveis de conscincia.

    No h projeto, procedimento cientfico e nem pesquisa que possam se

    afirmar como neutros diante da sociedade, dos valores sociais, ideolo-

    gias e vises de mundo. A objetividade da cincia est no reconheci-

    mento e explicitao dessa condio para podermos racionalmente (e

    por meio da sistematizao honesta e da organizao metodolgica)

    construir conhecimentos que possam ser eticamente questionados, ne-gados, confirmados ou superados, evitando a estagnao e o dogma.

    O problema uma categoria social, ou seja, precisa ser identificado

    e admitido como tal pela juno do conhecimento disponvel com a

    mobilizao social em torno de uma dada questo.

    A pesquisa socialmente engajada articula a demonstrao cientfica

    e a sistematizao de informaes argumentao, ao conjunta

    dos agentes do processo educativo e mudana objetiva da realidade

    dos envolvidos.Os agentes sociais envolvidos participam das decises no processo de

    pesquisa, admitindo-se a especificidade funcional entre os que apre-

    sentam diferentes saberes ou domnio tcnico pesquisadores(as),

    agentes comunitrios(as), entre outros , mas no uma hierarquia que

    reproduza relaes de dominao. Tais agentes so prioritariamente os

    que se encontram em condies de subordinao em uma sociedade de

    classes, podendo o recorte ser a classe e/ou um outro atributo social que

    determina tal condio em contextos determinados: trabalhadores(as)rurais e urbanos(as), ndios(as), migrantes, populaes tradicionais,

    mulheres, negros(as), favelados(as) etc. A priorizao no uma ques-

    to de defesa sectria de certos grupos sociais, mas o reconhecimento

    da desigualdade existente e de que pela superao de tais condies

    antagnicas que se promover a possibilidade de uma sociedade mais

    justa e livre para todos e todas.

    Como todo procedimento cientfico, ter metas importante. Contudo,

    elas podem ser revistas no processo, desde que isso seja indicativo daaprendizagem coletiva e da conscincia do grupo diante do vivenciado

    (priorizao do qualitativo sem perda da dimenso quantitativa).

  • 8/7/2019 Educao ambiental e conselho em unidades de conservao

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    INSTITUTO BRASILEIRO DE ANLISES SOCIAIS E ECONMICAS IBASE15

    O prprio processo de pesquisa parte da experincia educacional e vice-

    versa. Aprendemos fazendo, refletindo, teorizando e pesquisando.

    A ao educativa emancipatria pela pesquisa visa apoiar e estimular

    a manifestao de indivduos e grupos na transmisso e recriao do

    patrimnio cultural. Objetiva tambm vincular o processo educativos prticas polticas e econmicas.

    A participao no pode ser sinnimo de colaborao hierarqui-

    zada, mas construo coletiva, exerccio igualitrio na definio

    das relaes de poder e das responsabilidades diante da vida em

    sociedade.

    Diante desses pressupostos de um estudo de caso associado pes-

    quisa-ao participante e das necessidades operacionais de um projeto,por onde iniciamos o trabalho?

    importante ter questes-chave que orientaro o projeto em toda

    a sua extenso (embora sujeitas a correes ao longo do processo),

    conhecer outras pesquisas cientficas para o diagnstico e demais

    estudos auxiliares, bem como registrar as opinies de outros agentes

    sociais, com tcnicas como osgrupos focais , que no interfiram na sua

    liberdade de express-las (mesmo que possa haver um roteiro com

    perguntas-chave).Na elaborao do diagnstico, considerando-o como o primeiro

    momento de uma pesquisa e do projeto, leva-se em considerao o

    senso comum de muitos agentes porque sua percepo, de qualquer

    modo, interfere na gesto da UC, direta ou indiretamente. O prprio

    diagnstico, como instrumento cientfico, por sua vez, passvel de

    crtica cientfica quando confrontado com outros estudos feitos sobre

    o assunto/local do projeto.

    Indicamos, a seguir, as questes-chave e um conjunto de pressupos-tos que so apresentados a vrios agentes consultados no processo de

    elaborao do diagnstico socioambiental. O trabalho realizado com o

    conselho consultivo do PNT foi um esforo inicial (projeto-piloto) para

    se testar a viabilidade de nossa metodologia, anteriormente aplicada

    de modo parcial no Parque Nacional de Jurubatiba (Loureiro et al.,

    2005). Tais pressupostos, discriminados a seguir, so comuns ao Ibase,

    Coordenao Geral de Educao Ambiental (CGEAM) e ao Ncleo de

    Educao Ambiental (NEA/PNT) do Ibama. Os itens seguintes podemser adaptados para outras unidades administrativas, seus conselhos e

    suas especificidades.

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    INSTITUTO BRASILEIRO DE ANLISES SOCIAIS E ECONMICAS IBASE16

    1. O que queremos com educao em conselhos de UC?

    Uma maior democratizao da elaborao e da execuo de polticas

    pblicas, de modo sustentvel, por meio da participao permanente dos

    diferentes agentes internos e externos UC. Isso se respalda no seguinte

    posicionamento da CGEAM/Ibama:Quando pensamos em educao no processo de gesto ambiental,

    estamos desejando o controle social na elaborao e execuo de

    polticas pblicas, por meio da participao permanente dos cidados,

    principalmente, de forma coletiva, na gesto do uso dos recursos

    ambientais e nas decises que afetam qualidade do meio ambiente.

    (Ibama, 2002a)

    E se complementa com o entendimento de que todo processo educati-vo antes de tudo um processo de interveno na realidade vivida em que

    educador e educando, numa prtica dialgica, constroem o conhecimento

    sobre ela, objetivando a sua transformao (Ibama, 2002a).

    2. Qual o nosso instrumento metodolgico inicial principal?

    o diagnstico da realidade socioambiental vivida pelos agentes da ao.

    Para a compreenso da realidade socioambiental e seu desvelamento

    com vistas gesto ambiental participativa, pressupomos que:[...] a chave do entendimento da problemtica ambiental est no

    mundo da cultura, ou seja, na esfera da totalidade da vida em socie-

    dade [...]. Afinal, so as prticas do meio social que determinam a

    natureza dos problemas ambientais que afligem a humanidade [...].

    neste contexto que surge a necessidade de se praticar a Gesto

    Ambiental Pblica. (Quintas, 2005).

    Posto que No processo de transformao do meio ambiente [...]so criados e recriados modos de relacionamento da sociedade com o

    meio natural [...] e no seio da prpria sociedade [...] (Quintas, 2005).

    E que:

    A gesto ambiental um processo de mediao de interesses e

    conflitos entre atores sociais que agem sobre os meios fsico-natural

    e construdo. Esse processo de mediao define e redefine, continua-

    mente, o modo como os diferentes atores sociais, por meio de suas

    prticas, alteram a qualidade do meio ambiente e, tambm, comose distribuem os custos e os benefcios decorrentes da ao desses

    agentes. (Ibama, 2002a).

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    Portanto, reconhecemos com a CGEAM que a sociedade no o

    lugar da harmonia, mas, sobretudo, de conflitos e dos confrontos que

    ocorrem em suas diferentes esferas (poltica, econmica, das relaes

    sociais, dos valores etc.) (Ibama, 2002).

    3. Quais so os quatro conceitos de referncia para o diagnstico?

    Vulnerabilidade socioambiental de grupos que esto:

    a) em maior dependncia direta dos recursos naturais (industrializados

    ou no, bem como de seus rejeitos) para trabalhar e melhorar suas

    condies de vida;

    b) excludos do acesso aos bens pblicos;

    c) ausentes de participao em processos decisrios de polticas p-

    blicas que interferem na qualidade do local em que vivem. Potencialidade socioambiental conjunto de atributos de um ecossiste-

    ma passveis de uso sustentvel por grupos sociais. So considerados

    tambm os desdobramentos decorrentes de impactos positivos provo-

    cados pelos usos desses recursos.

    Problema socioambiental quando h risco e/ou dano socioambiental,

    com a possibilidade de haver diferentes tipos de reao a ele, visando

    a sua soluo por parte das pessoas atingidas ou de outros agentes da

    sociedade civil e/ou do Estado. Conflito socioambiental quando h confronto de interesses incompa-

    tveis (implcitos ou explcitos) entre agentes no uso de recursos e na

    gesto (sustentvel ou no) do ambiente. Podemos afirmar que, nesse

    sentido, um conflito evidencia uma situao em que agentes sociais

    na natureza se opem em relao ao uso de recursos, como tambm

    s limitaes legais associadas.

    4. Com quem atuamos e/ou pesquisamos?Grupos sociais atuantes ou residentes na UC e/ou no seu entorno que

    vivem problemas e conflitos relativos a impactos socioambientais

    potenciais (riscos) ou efetivos (danos).

    Cientistas, tcnicos(as), concessionrios da UC e gestores(as).

    5. Para que o diagnstico socioambiental?

    Identificar potencialidades, problemas e conflitos entre diferentes

    agentes que usam os recursos da UC.Indicar possvel composio ou recomposio do conselho da UC, vi-

    sando, sobretudo, representao da diversidade de sua composio,

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    de maneira a incluir os grupos de interesse e potenciais parceiros, e

    garantir a participao de grupos sociambientalmente vulnerveis.

    Estabelecer pressupostos para um plano de ao bianual (a ser ela-

    borado pelo conselho), visando a uma gesto participativa, de fato,

    da UC.

    6. Quais so os objetivos da gesto participativa em UC?

    Promover tanto as responsabilidades como os direitos no que diz

    respeito ao uso dos recursos naturais.

    Compensar desigualdades de poder, fomentando a justia ambiental,

    que, segundo a declarao de lanamento da Rede Brasileira de Justia

    Ambiental, em setembro de 2001, pode ser definida como:

    [...] um conceito aglutinador e mobilizador, por integrar as dimen-ses ambiental, social e tica da sustentabilidade e do desenvol-

    vimento, freqentemente dissociados nos discursos e nas prticas

    [...] mais que uma expresso do campo do direito, assume-se como

    campo de reflexo, mobilizao e bandeira de luta de diversos sujei-

    tos e entidades, como sindicatos, associaes de moradores, grupos

    afetados por diversos riscos [...], ambientalistas e cientistas.

    A interlocuo de agentes sociais, envolvidos direta ou indiretamentena conservao e no uso de recursos naturais e do denominado patrimnio

    cultural (seja dentro ou no entorno de uma UC), ajudar a resolver proble-

    mas e conflitos, bem como poder fomentar potencialidades identificadas

    no diagnstico socioambiental. Para a elaborao desse instrumento,

    praticamos os seguintes procedimentos e tcnicas associados, de acordo

    com o esquema a seguir.

    Comentrios metodolgicos complementares

    Estudo de caso com pesquisa-ao participante para o Parque Nacional

    da Tijuca e a educao na gesto ambiental do seu conselho consultivo

    Nesse estudo de caso com pesquisa-ao participante, combinamos

    tcnicas em diferentes subcontextos do PNT e seu entorno. Diferentes

    fontes permitem-nos reunir um nmero de evidncias registradas em re-

    latrios parciais, a partir de contato com diferentes agentes, documentos

    oficiais e extra-oficiais, como se pode verificar no esquema a seguir.

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    Convergncia de evidncias

    No-convergncia de evidncias (subestudos separados a integrar)

    Fonte: Cosmos Corporation, por Yin, 2005 (adaptado e modificado).

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    Fonte: Cosmos Corporation, por Yin, 2005 (modificado por Azaziel).

    Consideradas as convergncias e divergncias, registradas por meio

    de diferentes tcnicas, cujos resultados devemos convergir numa sn-

    tese, conclui-se a primeira verso do diagnstico socioambiental (de

    acordo com os recursos e o tempo de um projeto, ela poder ser a

    nica verso). Na possibilidade de se prosseguir fazendo correes no

    estudo, como procedemos no caso do PNT, teremos um fluxo como o

    representado a seguir.

    Com as questes-chave vistas anteriormente, apresentamos o esquema

    seguinte, que leva em considerao a existncia, explcita ou implcita, na

    sociedade, de interesses em disputa que orientam as aes dos agentes

    na sociedade civil e no Estado, cujos conflitos a pesquisa deve levar em

    considerao para o diagnstico da situao-problema.

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    Fonte: Cosmos Corporation, por Yin, 2005 (modificado por Azaziel).

    Concludo o diagnstico (por meio de pesquisa bibliogrfica, observa-o participante, entrevistas e grupos focais), ele apresentado e divul-

    gado. Sua redao pode expor os condicionantes sociais de nossa relao

    na natureza em diferentes escalas de complexidade. importante que os

    agentes envolvidos em cada projeto em uma unidade administrativa (UC

    ou no) tenham conscincia das relaes causais em jogo na realidade,

    de modo a tentar resolv-las no limite de suas possibilidades atuais (ao

    menos na escala em que atuam).

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    LUIZ

    PAULO

    NENN

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    Capitalismo, globalizao e repercusses nas unidades de

    conservao brasileiras

    Vivemos atualmente numa sociedade de mercado (capitalismo), na

    qual a busca do lucro, pelas empresas, vem em primeiro lugar. Qual a

    origem desse tipo de sociedade? Os ltimos 500 anos, desde a poca dachegada dos portugueses ao Brasil, foram decisivos para isso.

    Mudanas na Europa aumentaram o comrcio (mercado) interno

    e fizeram a populao se mudar foradamente, por expulses do

    campo para as cidades, nas quais havia indstrias que empregavam

    trabalhadores assalariados, operrios. Houve tambm expanso externa,

    com as grandes navegaes, que possibilitou Espanha e a Portugal

    e, depois, Holanda e Inglaterra colonizar vrios territrios em ou-

    tros continentes. Tal processo foi denominado acumulao primitivade capital (Marx, 2006).

    No processo de colonizao a partir da cultura portuguesa, com

    contribuio das culturas de tribos indgenas e africanas, comeou a

    se formar o Brasil, que teve, como uma de sua primeiras cidades, o

    Rio de Janeiro.

    O grande ciclo de expanso mercantil a partir da Europa criou um

    mercado mundial, embora com trocas desiguais entre os pases, j que

    se deu entre metrpoles exploradoras e colnias exploradas. De l athoje, intensificaram-se as trocas comerciais, o crescimento das cidades e

    a comunicao entre os pases, gerando o que se chamaglobalizao.

    Fundamentao terica2CAPTULO

    Foto: imediaes doParque Nacional ChapadaDiamantina, BA

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    O processo de globalizao atual, na verdade, o de ampliao e

    intensificao do modo capitalista de apropriao social da natureza

    em geral. Esse processo se caracteriza, sobretudo, pela apropriao do

    tempo de trabalho alheio assalariado no pago (quer dizer, mais-valia;

    vide Marx, 2006). Para se realizar a mais-valia como lucro, neces-sria a venda dos produtos feitos por quem trabalha sob o comando

    dos capitalistas.

    Caso tais vendas no encontrem consumidores e consumidoras (o

    que ocorre at mesmo pela crescente concentrao de renda na socie-

    dade), verificam-se crises de superproduo ou subconsumo. Por isso,

    a economia capitalista tende cada vez mais a se alienar das condies

    de produo e reproduo sociais, dependentes dos recursos naturais

    vrios. Para se tentar garantir a acumulao monetria como um fim emsi mesma, h hoje o predomnio do capital financeiro, que meramente

    especulativo, improdutivo.

    No processo de produo e reproduo social capitalista, todo e qual-

    quer recurso deve ser aplicado produo para o lucro, acima de qualquer

    outra finalidade. Assim, pessoas e bens naturais so submetidos aos fins

    de acumulao monetria. O resultado este: poluio, desemprego e

    conflitos. Da, mais migraes em busca de emprego e renda. A chamada

    globalizao, com sua excluso empregatcia, contraditoriamente nos fazperceber uma interdependncia geral. As fronteiras legais e polticas se

    tornaram problemticas socialmente, seja pelos conflitos raciais que se

    tornam guerras intranacionais e afetam vizinhos o que acarreta a sada

    das pessoas de seus pases e a sua conseqente concorrncia no mercado

    de trabalho de outros , seja pela possibilidade de doenas se alastrarem,

    ou at por causa do desequilbrio econmico de um pas, que pode iniciar

    um processo de crise financeira internacional. Conflitos sociais em regies

    de fronteiras nacionais so comuns e afetam as UC tambm.As fronteiras tm sua importncia redefinida em funo da cons-

    cincia da interdependncia do social com o natural em geral e das

    conseqncias (impactos) que seus desequilbrios causam para alm

    dos limites de cada pas. Exemplos desses desequilbrios so fenmenos

    como o aquecimento global e o buraco na camada de oznio.

    A interdependncia geral nos faz criticar o pensamento dominante

    que separa o natural do social. Por qu? Ora, tudo est ligado. Novas

    palavras so criadas para se incorporarem essas preocupaes, sejaem termos polticos (socioambiental, justia ambiental, democracia

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    ambiental), seja em termos cientficos (economia ambiental, sociologia

    ambiental, psicologia ambiental etc.).

    A partir especialmente da dcada de 1960, os fenmenos ditos apenas

    naturais so estudados na sua relao com o desenvolvimento industrial,

    em funo da poluio das empresas que desmatam, contaminam asguas e, assim, afetam o clima. Os fenmenos ditos apenas sociais, por

    outro lado, mostraram seus impactos nas nossas relaes com as outras

    espcies, animais e vegetais. So exemplo disso a radiao dos testes de

    armas nucleares e o enorme crescimento das cidades e da agricultura,

    que invadem reas antes no atingidas o que, alis, tambm ocorre

    no caso do turismo.

    Os impactos de que estamos tratando trazem grande risco para a

    segurana de nossa vida na Terra. Podemos chamar a situao atual derisco global. Nosso planeta sempre foi um s. No entanto, esse dado

    no era reconhecido e somente com a intercomunicao mundial isso

    se tornou possvel.

    Hoje, existe uma maior conscincia da interdependncia entre as

    partes da Terra, dos impactos e dos riscos para todos. Porm, uns tm

    mais responsabilidade por certos riscos, e outros so mais atingidos

    pelos danos. Vamos por partes.

    As grandes empresas privadas costumam visar ao lucro acima detudo, por causa da competio entre elas no mercado. Se poluem um rio

    ou desmatam uma floresta, normalmente no querem assumir o custo

    da despoluio ou do reflorestamento, pois, para isso, precisam tirar o

    dinheiro do lucro. Somente assim procedem caso essa atitude reverta

    em algum benefcio de imagem institucional ou aumente a eficincia

    produtiva, otimizando custos. Por outro lado, a populao mais pobre

    a mais impactada nas situaes de risco. As pessoas mais pobres ha-

    bitam reas mais baratas porque no existe infra-estrutura de moradiae porque so de alto risco. Um exemplo so as favelas em morros ou

    beira de rios, nas quais, com as chuvas, h desmoronamentos ou

    enchentes, acarretando destruio das casas, mortes, proliferao de

    doenas, aumento da pobreza, desagregao familiar, possvel crimi-

    nalidade, mais violncia, entre outros.

    Os danos das catstrofes naturais, da poluio industrial ou da es-

    peculao imobiliria no so distribudos igualmente pelos diferentes

    grupos sociais. A situao ambiental da populao mais pobre pode serclassificada como sendo de grande vulnerabilidadesocioambiental.

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    A desigualdade econmica tambm tem a ver com uma desigualdade

    poltica porque a maioria das pessoas est excluda do poder de decidir

    sobre os recursos pblicos, comuns, que deveriam servir a todos e a

    todas, mas nem sempre assim. E a desigualdade econmica nos leva

    competio para tentar obter os recursos naturais, dos quais depen-demos. Isso, portanto, causa conflitos.

    A apropriao privada da natureza pelas grandes empresas, visando

    ao lucro em vez de ao bem comum, concentra recursos em poder de

    poucos, o que aumenta a desigualdade e, assim, a vulnerabilidade das

    camadas mais pobres. Por isso, foram criadas leis (como a de previdn-

    cia e outras) para proteger as pessoas. Como dependemos da natureza,

    tambm os ecossistemas e outros atributos naturais (gua, solo etc.)

    tiveram que ser protegidos.Diante do cenrio apresentado, imprescindvel a idia de que a

    mobilizao social e os tipos de representao devem ir alm da chamada

    democracia representativa limitada escolha de representantes para o

    parlamento e os executivos municipais, estaduais e federal. Devemos

    efetivar um novo modo de se relacionar Estado e sociedade civil, para

    que se produza um novo modo de governar, uma nova governana, com

    a presena de agentes no estatais nos rgos pblicos.

    Cresce, em vrias partes do mundo, a mobilizao por modos departicipao mais diretos e pela organizao de espaos polticos p-

    blicos, nos quais cidados e cidads possam agir e decidir o destino de

    sua existncia na natureza.

    Desde o fim do sculo XIX, existe um movimento preservacionista

    que incentivou a criao de parques nacionais para a proteo das ma-

    tas, porque a extenso das cidades e da atividade industrial estavam

    destruindo muito o patrimnio natural. Atualmente, entretanto, ocorre

    a tentativa de se privatizar tudo (o solo, a madeira e at a gua). Cor-poraes multinacionais se apropriam desses recursos e controlam os

    meios de produo, de comunicao etc.

    Tentando resolver os graves problemas que nossas relaes causaram

    ao planeta como um todo, governantes, empresrios(as), sindicalistas,

    cientistas e religiosos(as) reuniram-se em vrias conferncias da Organi-

    zao das Naes Unidas (ONU) no fim do sculo XX. Nas conferncias

    da ONU, a definio dos limites e das regras do desenvolvimento social

    a principal preocupao. A maior de todas elas foi a Conferncia sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio-92, realizada

    no Rio de Janeiro.

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    A polmica busca do desenvolvimento sustentvel no Brasil

    Para dialogar sobre novas condies econmicas bem como de direi-

    tos, educao e sade inter-relacionados , e supostamente execut-

    las, governantes assinaram, em 1992, no Rio de Janeiro, uma carta

    de intenes com metas para o sculo XXI, chamada de Agenda 21.A Rio-92 deixou marcas muito fortes e, tambm, o compromisso de

    implementao da Agenda 21. Esse compromisso no obrigatrio por

    lei, mas diferentes agentes sociais globais, nacionais, estaduais, muni-

    cipais e em cada instituio devem utiliz-lo para tratar de problemas

    sociais, sempre numa perspectiva de integrao ecolgica. Entretanto,

    como possvel fazer isso, j que se choca com barreiras comerciais

    entre pases, interesses de classes e outros?

    Nas agendas da ONU, pode-se dizer que o seu principal conceitointegrador o desenvolvimento sustentvel, que indica que possvel

    utilizarmos os recursos naturais para fins sociais, de modo a garantir as

    necessidades das geraes atuais, sem prejudicar as necessidades das

    geraes futuras. Mas isso sempre pareceu muito vago.

    Falar em o indivduo, a sociedade, as empresas no esclarece

    quem so os agentes sociais que se apropriam dos recursos naturais,

    muito menos como e quanto o fazem. Desse modo, no fica claro de

    quem se devem cobrar compensaes por danos causados, e isso deveser considerado, no caso, por exemplo, da gesto ambiental participa-

    tiva de uma UC.

    Ocorre que o global, com o predomnio dos capitalistas financei-

    ros dos pases mais industrializados do planeta, estabelece diretrizes

    econmicas que impedem a soluo dos problemas ambientais, no

    bastando uma metodologia integradora, dita transversal:

    No basta falar em transversalidade se condicionantes econmicos

    de dependncia do capital (sobretudo financeiro) internacionalacirram disputas por recursos no interior do Estado, nacional,

    no que se refere ao Oramento da Unio (restringido atualmente

    pelo supervit primrio para pagamento da dvida pblica). Isso,

    entretanto, no deslegitima a transversalidade como necessidade

    metodolgica de governana (na verdade torna-a mais urgente,

    pois o planejamento e a ao interministerial compartilham e,

    assim, minimizam gastos que, alis, deveriam ser considerados

    investimento para o bem-estar comum). Adicione-se nossa crticametodolgica, portanto, uma crtica prtica poltica.

    (Loureiro; Azaziel, 2006).

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    No sculo XXI, vive-se sob a dominao de grandes grupos econmi-

    cos, o que afeta a democracia. A globalizao do capitalismo expande a

    troca de produtos e informaes. Nesse intercmbio, o capital financeiro

    internacional predominante, at mesmo sobre governos nacionais,

    condicionando sua margem de liberdade programtica e cumprimento decompromissos com o eleitorado. As conseqncias possveis so vrias.

    Uma delas relativa ao oramento nacional, o que acarreta a restrio

    dos recursos de que dependem as UC para o seu custeio (manuteno,

    conservao e manejo), sejam elas deproteo integral com pouqus-

    simas atividades econmicas permitidas , sejam de uso sustentvel,

    nas quais se permite muito mais o seu uso econmico.

    O conceito e a prtica de um desenvolvimento local integrado e sus-

    tentvel (o que se supe ser aplicvel numa UC) devem ser criticadosem funo dos argumentos anteriores. A integrao no supe apenas

    disposio para se sentar mesa com representantes de outros grupos

    sociais, aprendendo a ouvir o outro. Isso deve ocorrer, mas o dilogo

    precisa levar em considerao as contradies sociais e as vises e

    necessidades que cada grupo tem.

    Na verdade, no existe natureza intocada (Diegues, 1996). preciso

    estudar os vrios modos de se aplicar polticas para a administrao

    de problemas e resolv-los pelo relacionamento entre agentes, em di-ferentes instituies representativas de seus interesses, que podem ser

    reunidos em conselhos.

    A histria brasileira recente, marcada por autoritarismo, sob uma es-

    trutura desigual e excludente, afetou profundamente a possibilidade do

    exerccio de cidadania e de o pas se constituir, de fato, num Estado demo-

    crtico com canais institucionais mais diretos de participao e deciso.

    Na dcada de 1980, diante da ao dos denominados movimentos

    sociais urbanos e da atuao poltica organizada de certos setoresprofissionais corporativos, principalmente na sade, na educao e na

    assistncia social, avanos foram obtidos no sentido da formao de

    espaos pblicos formais ou no. O resultado dessa movimentao

    poltica se deu com a promulgao da Constituio de 1988, que, em

    seu artigo 10, prev: Todo poder emana do povo, que o exerce indi-

    retamente, atravs de seus representantes eleitos, ou diretamente, nos

    termos desta Constituio.

    Instituram-se, depois de muito esforo e sofrimento, meios de parti-cipao nas decises polticas (plebiscito, referendo, iniciativa popular

    de lei, audincias pblicas, conselhos, comits, fruns, oramento

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    INSTITUTO BRASILEIRO DE ANLISES SOCIAIS E ECONMICAS IBASE29

    participativo, ouvidorias etc.). Esses so os principais instrumentos de

    uma nova governana, nos quais se inserem os conselhos de gesto de

    reas protegidas.

    Novos tipos de administrao surgem da compreenso ecolgica,

    com o objetivo de superar antigas limitaes jurdicas e polticas e ob-ter um melhor uso dos recursos. o caso dos consrcios de habitao,

    de sade, de bacia hidrogrfica, mosaicos de UC, entre outros, que se

    multiplicam em nosso pas.

    H modelos de administrao em que ocorre a diviso ou compar-

    tilhamento de obrigaes por parte dos governos federal, estaduais

    e municipais. Noutros, existe a entrega da gesto de UC a entidades

    privadas (e isso deve ser visto com muito cuidado porque se tratam de

    reas de uso pblico!).O mais importante na administrao de UC que o conjunto da socieda-

    de possa ter benefcios com elas e meios para fiscalizar e decidir sobre seu

    uso, num planejamento participativo de fato, e no apenas de direito.

    Todas as principais questes polticas (sobre democracia), de direi-

    tos (pela satisfao de necessidades bsicas) e ideolgicas (inclusive

    religiosas) esto presentes no debate ambientalista nas UC brasileiras,

    a partir de polmicas internacionais sobre desenvolvimento social e a

    funo da educao nessa totalidade.

    Educao ambiental: de qual conceito de educao partimos?

    Por sua trajetria e especificidade como campo de conhecimento inter-

    disciplinar relativamente recente aproximadamente quatro dcadas ,

    a educao ambiental possibilita considervel amplitude de argumentos,

    posicionamentos e apropriaes de conceitos das mais variadas cincias.

    Isso a define como um campo de saber propcio a inovaes, porm re-pleto de tenso e polmicas entre tendncias que buscam legitimamente

    se afirmar nos espaos pblicos e educativos, sejam eles formais ou no.

    Em sntese, um campo que, por sua dinmica, no pode ser concebido

    de modo linear. E, para ser compreendido, as anlises, reflexes e prticas

    no devem estar pautadas em instrumentais metodolgicos reducionistas,

    visto que ferem a inerente complexidade da questo ambiental.

    Assim, cabe, por intermdio de brevssimo resgate histrico, sina-

    lizar para o modo como concebemos a educao, particularmente adenominada educao ambiental no escopo de projetos que visam

    gesto participativa de UC.

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    A primeira vez em que se usou o termo educao ambiental foi na

    Universidade de Keele, no Reino Unido, em 1965. Contudo, somente em

    1977 ocorreu a primeira grande conferncia internacional da ONU sobre

    educao ambiental, em Tbilisi (na ex-Unio Sovitica), tida como re-

    ferncia at os dias atuais, apesar de seu enfoque pedaggico tecnicista(Loureiro, 2006a). Nesse evento, mesmo considerando seus limites,

    vrios itens metodolgicos, tidos como co-dependentes e integrados,

    foram listados como parte de uma educao que seria coerente com

    um novo tipo de desenvolvimento social (Loureiro, 2002; 2001). Entre

    eles, destacam-se:

    estudar os planos de desenvolvimento social com vistas sustentabilidade;

    considerar a totalidade dos aspectos ambientais (o que implica o

    relacionamento entre as diferentes disciplinas cientficas para umconhecimento integrado);

    entender a educao como processo permanente e crtico, com carter

    formal, no formal e informal, utilizando-se de diferentes meios;

    buscar o uso das experincias das pessoas no local para a efetivao

    de alternativas solidrias (tendo apreendido, no entanto, embora

    provisoriamente, as relaes entre o local, o nacional e o mundial,

    enfatizando-se a complexidade dos problemas e solues);

    aplicar uma abordagem interdisciplinar, reconhecendo a especificida-de de cada disciplina, de modo que se adquira uma perspectiva global

    e equilibrada.

    No Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e

    Responsabilidade Global, aprovado durante o Frum Global evento

    paralelo da sociedade civil ao evento oficial (Conferncia das Naes

    Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), realizado em

    1992, os seguintes princpios so indicados com destaque:ter como base o pensamento crtico e inovador, em seus modos formal,

    no formal e informal, promovendo a transformao e a construo

    da sociedade;

    estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos hu-

    manos, valendo-se de estratgias democrticas e interao entre as

    culturas;

    tratar as questes globais crticas, suas causas e inter-relaes;

    estimular e potencializar o poder das diversas populaes, promoveroportunidades para as mudanas democrticas de base que estimulem

    os setores populares da sociedade;

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    vincular as questes ticas, educacionais e do trabalho nas prticas sociais;

    a educao ambiental deve ser planejada para capacitar as pessoas

    a trabalharem conflitos de maneira justa e humana;

    ajudar a desenvolver uma conscincia tica sobre todas as formas de vida

    com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais eimpor limites explorao dessas formas de vida pelos seres humanos.

    Tais pressupostos foram aceitos como vlidos e indispensveis

    educao ambiental e orientam as polticas pblicas, programas gover-

    namentais ou no-governamentais, em diferentes pases.

    Os ciclos de conferncias se repetem, mas a desigualdade econmica

    e poltica, assim como a devastao ambiental, tambm se perpetuam.

    Os problemas mundiais e os locais em cada nao no podero serresolvidos somente com educao, visto que a educao uma prtica

    social e, portanto, define-se em sociedade. Porm, no ser possvel

    solucionar problemas que se manifestam poltica e economicamente

    em todo o mundo sem a educao.

    Para promover a educao ambiental no processo de gesto parti-

    cipativa, numa ao voltada para as UC, deve-se ter conscincia dos

    limites impostos pela insero de nosso pas no contexto da globaliza-

    o internacional, tal como apresentada anteriormente. necessrioconhecer a situao da educao e sua relao com outras atividades

    que a inibem ou a fomentam, junto com todas as necessidades impres-

    cindveis ao bem-estar social que so reivindicadas no mbito do atual

    desequilbrio ecolgico mundial.

    Precisamos compreender o atual resultado histrico da sociedade

    brasileira no ambiente mundial no como algo esttico, mas sim mu-

    tvel. Isso nos coloca diante da necessidade de resolvermos problemas

    socioambientais entre agentes (homens ou mulheres de diferentes etniase classes, organizados ou no em instituies) vivendo conflitos por

    causa de escassez de recursos ou pela concentrao da propriedade

    desses mesmos recursos (fontes de gua e seu tratamento sanitrio ou

    florestas, alimentos etc.).

    A educao ambiental, caso sejam consideradas as recomendaes

    de Tbilisi e as orientaes crtico-emancipatrias adotadas pela Poltica

    Nacional e pelo Programa Nacional de Educao Ambiental a partir do

    Tratado de Educao Ambiental, tem a misso de tratar do ambienteintegradamente. Contudo, observa-se que, na prtica, quase sempre

    no assim, pois os aspectos biofsicos so mais enfatizados do que

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    os culturais (ou vice-versa) ou vistos como separados, mesmo que s

    vezes se diga, no discurso, que so complementares.

    Educao uma prtica social cujo fim o nosso aprendizado

    deste ou daquele saber existentes em uma cultura, de acordo com as

    necessidades de uma sociedade, com diferentes grupos com interessescomuns e divergentes. Atua, portanto, na nossa existncia social do

    seguinte modo:

    (1) na produo, com a criao de instrumentos diversos para o uso

    dos recursos no ambiente;

    (2) na reproduo dos hbitos, costumes, leis, com seus conceitos;

    porm, tais conceitos so relativos ao entendimento e desenten-

    dimentos de e entre grupos (classes sociais ou no);

    (3) portanto, h tambm a educao como elemento de revoluo,com novas condies gerais de produo e reproduo sociais

    na natureza.

    Em sntese, como contribuio rumo a um processo educativo mais

    democrtico que fundamenta nossas orientaes e prticas no processo

    de consolidao de conselhos em UC, compreendemos que:

    a natureza uma unidade complexa, e a vida, o seu processo de

    auto-organizao;somos seres naturais que redefinem o modo de existir na natureza

    pela prpria dinmica da sociedade na histria;

    as pessoas so constitudas por mediaes mltiplas (unidade bio-

    lgico-social);

    a educao tem a finalidade de buscar a transformao social, o que

    engloba indivduos e atores sociais em novas estruturas institucionais,

    como base para a construo democrtica de sociedades sustentveis

    e novos modos de se viver na natureza (embora sempre respeitandoas categorias das UC e seus objetivos de manejo especficos).

    Exposta a dinmica da sociedade vigente, bem como processos que

    contribuem para super-la a partir de dois conceitos centrais para o

    nosso trabalho (desenvolvimento sustentvel e educao ambiental),

    podemos avanar no entendimento do espao pblico de atuao dos

    agentes sociais na gesto de UC: os conselhos gestores. Assim, garantimos

    a necessria associao terica entre: situar historicamente as relaessociais nas quais nos movemos e os processos econmicos e educativos

    que garantem a construo de espaos pblicos democrticos em UC.

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    Foto: encosta doCorcovado, FavelaSanta Marta, RJ

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    Aspectos gerais

    Independentemente do avano de se incorporar a participao da so-

    ciedade na implementao das polticas ambientais e, em especial, na

    gesto de UC, importante registrar que tanto a Lei 9.985/2000, do

    Sistema Nacional de Unidades de Conservao (Snuc), como o Decreto4.340/2002, que regulamenta a lei, falam superficialmente de normas e

    diretrizes relacionadas democratizao dos procedimentos de criao

    de reas protegidas. Isso faz com que gestores(as) de UC tenham dife-

    renciados entendimentos e prticas no que diz respeito implantao e

    ao funcionamento dos conselhos.

    Segundo o documento Gesto Participativa do Snuc:

    As atividades para criao desses colegiados tm geralmente se

    constitudo em processos restritos a poucas entidades, sendo co-mum que os convites para participao sejam direcionados prio-

    ritariamente a rgos pblicos e ONGs ambientalistas, cabendo

    a participao de outras organizaes sociais apenas imposio

    legal de paridade entre representantes de entidades pblicas e da

    sociedade civil. Mesmo assim, nota-se a tendncia para se convidar

    entidades que representem os interesses empresariais e de segmen-

    tos urbanos, em detrimento das formas de organizao de morado-

    res e dos produtores mais diretamente relacionados unidade deconservao. (Brasil, 2004a).

    Conselhos em

    unidades de conservao3CAPTULO

    Fotos: grupo focal comcomunidades locais,Escola Oga Mit, RJ /reunio do Conselho

    Consultivo do ParqueNacional da Tijuca noIbase, RJ

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    Nesse contexto, h de incio uma tenso existente entre o papel

    que cumprem os conselhos e a sua finalidade, para que possam, de

    fato, imprimir um novo formato s polticas pblicas e ao processo de

    tomada de decises, isto , de democratizao delas.

    Outro fato a considerar que, fora as amplas orientaes contidas emlei, no h uma uniformizao de procedimentos para o funcionamento

    de conselhos. Tal situao de ambigidade faz com que, em geral, isso

    seja entendido e tratado de acordo com o perfil tcnico, poltico ou

    ideolgico dos funcionrios mais diretamente envolvidos pela conduo

    dos assuntos relacionados gesto participativa das unidades, ou deles

    eventualmente encarregados (Sales, 2004). Como conseqncia, temos

    comumente observado a frustrao quanto s expectativas de segmentos

    da sociedade envolvidos com os conselhos das UC, o que no invalida aconquista do instrumento, como possibilidade de ampliao dos proce-

    dimentos democrticos na sociedade brasileira.

    Portanto, no caso das UC, em que o conselho uma exigncia do

    Snuc e, portanto, algo que temos que viabilizar, o trabalho deve ser

    conduzido com o objetivo de torn-lo uma instncia democrtica e le-

    gitimada pelos diferentes agentes sociais envolvidos na gesto das UC.

    Na consolidao de um conselho, isso implica levar em considerao as

    disparidades na capacidade de participao, de modo a criar condiespara a real democratizao do processo decisrio. Essa situao s

    possvel se houver o envolvimento efetivo daqueles grupos sociais

    que sempre estiveram margem das medidas decorrentes da gesto

    e se constituem, normalmente, nos mais afetados pela existncia das

    reas protegidas.

    A palavra participao diz respeito a tomar parte, mas preciso

    entender que isso no algo espontneo ou dado, e sim aprendido e

    conquistado. Assim, preciso desenvolver aes de mobilizao, en-volvimento e formao que possibilitem aos membros do conselho uma

    interveno qualificada, sobretudo daqueles em condies de maior

    vulnerabilidade socioambiental e que no tm acesso aos mecanismos

    tradicionais de representao poltica.

    Para tanto, no planejamento e na realizao das aes, preciso

    considerar as desigualdades existentes no acesso a dados e informa-

    es e na infra-estrutura de suporte administrativo. Tambm preciso

    lembrar que algumas pessoas esto habituadas com a linguagem tec-noburocrtica, ao passo que outras no.3

    3 H segmentos dasociedade brasileira queconhecem muito bemos ecossistemas emque vivem por tradiofamiliar ou ocupacional.Porm, no dominam o

    linguajar cientfico e nemtm os meios organiza-tivos para intervir nagesto ambiental pblica.Assim, no conseguemfazer valer seus direitosna disputa pela adminis-trao dos bens naturaisdo pas, sendo por isso,muitas vezes, excludosda representao poltica.Esse o caso da popula-o indgena, pescadores,grupos religiosos infor-mais etc.

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    Pressupostos para a estruturao de conselhos

    Agora, apresentamos alguns pressupostos que visam garantir a consoli-

    dao de espaos pblicos e democrticos de gesto em uma UC.4

    Em termos gerais, preciso que o Ministrio do Meio Ambiente (em

    especial o Ibama), as pessoas que j integram os conselhos gestoresformalizados no pas e demais agentes sociais mobilizados pela questo

    estabeleam amplo debate nacional sobre a urgncia de se normati-

    zarem a composio, as competncias, as estruturas funcionais e os

    direitos e deveres dos(as) conselheiros(as), sem com isso impedir ou

    inviabilizar as adaptaes locais e o respeito especificidade organi-

    zativa cultural de cada UC.

    Os conselhos gestores devem ser entendidos como espaos legalmente

    constitudos e legtimos para o exerccio do controle social na gestodo patrimnio natural e cultural, e no apenas como instncia de con-

    sulta da chefia da UC. O seu fortalecimento um pressuposto para o

    cumprimento da funo social de cada UC.

    de competncia do conselho no s o descrito em lei (elaborar o

    regimento interno, avaliar oramentos e contratos, acompanhar a ela-

    borao e reviso de planos de manejo), mas tambm potencializar a

    ao poltica e dar sentido de permanncia s atividades que visam

    sustentabilidade da UC.O conselho deve se constituir na representao mais fiel possvel, de for-

    ma justa e paritria (igual), do conjunto de grupos sociais envolvidos,

    direta ou indiretamente, com a dinmica da UC, independentemente de

    esses grupos serem beneficiados ou prejudicados por sua existncia.

    A nomeao dos(as) conselheiros(as) deve ocorrer por indicao das

    entidades envolvidas, respeitando-se a distribuio por setor, caben-

    do chefia o recebimento das indicaes e as devidas providncias

    administrativas.As organizaes da sociedade civil devem ser indicadas a partir de

    critrios objetivos de seleo, e no a partir de nomes predefinidos

    por afinidades pessoais ou importncia ocasional.

    Um conselho s deve ser criado ou reestruturado tendo por princ-

    pio o estabelecimento de um extenso processo de mobilizao dos

    agentes sociais; o conhecimento da realidade socioambiental da UC;

    a socializao e o acesso a informaes sobre a UC e a organizao

    de encontros setoriais e ampliados, que permitam o envolvimento e atomada de deciso por aqueles(as) que faro parte dele ou que por esse

    4 As consideraesseguintes esto listadasno documento Princ-pios e diretrizes para agesto participativa deunidades de conservao Parte I (Brasil, 2004a)e na publicaoEducaoambiental e gesto parti-cipativa em unidades deconservao (Loureiro etal., 2005).

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    espao se interessam. Isso o que permite a consolidao democrtica

    da composio e da estrutura de funcionamento, com igualdade de

    condies para a participao e a tomada de posio.

    Como forma de ampliao da participao dos(as) interessados(as)

    nas atividades do conselho e como garantia de uma contnua atuaodo conselho entre as populaes do entorno da UC, o conselho deve

    criar cmaras tcnicas ou grupos de trabalhos permanentes e tempo-

    rrios, indicando-se responsabilidades e prazos delimitados. Pode-se

    tambm pensar em outras instncias (como assessorias especializadas,

    sem direito a voto, que atendam diversidade e complexidade de

    necessidades locais).

    O conselho deve estabelecer estudos cientficos que orientem as

    discusses internas e criar mecanismos permanentes de avaliao(indicadores) e de comunicao com as comunidades.

    A capacitao dos conselheiros e das conselheiras (atuais e potenciais)

    e da equipe tcnica da UC precisa ser garantida simultaneamente ao

    processo de estruturao ou reestruturao do conselho e aps sua conso-

    lidao, envolvendo temas internos e externos ao seu funcionamento.

    A criao de meios de comunicao permanentes com as comunidades,

    divulgando o trabalho feito e envolvendo-os no processo, o meio

    por excelncia para se garantir o acesso a informaes qualificadas ecompreensveis a todos(as) os(as) participantes.

    O regimento interno deve ser elaborado com a inteno de definir

    claramente as regras do jogo, mas com cuidado para garantir que a

    convocao possa ser feita no s pelo(a) presidente(a) do conselho,

    mas pela maioria simples dos(as) conselheiros(as).

    Critrios que ajudam a avaliar a gesto participativa em UC

    Diante do que foi indicado, podemos dizer que s com democracia teremosuma sustentabilidade mais ampla. Para isso, so pontos importantes a criao

    de espaos pblicos e o fortalecimento dos instrumentos constitucionais.

    1. Legitimidade para deciso

    Participao: direito de todos(as) os(as) envolvidos(as) em tomar deci-

    ses; quantidade e representatividade das associaes na gesto da UC;

    atuao por associaes e/ou indivduos nas atividades e nas reunies

    promovidas na UC; existncia de um contexto de livre associao.Descentralizao: contexto de autonomia em tomadas de deciso,

    aliado existncia de instncias de controle social.

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    2. Eficcia e eficincia dos instrumentos de gesto

    Existncia de instrumentos de gesto: plano de manejo e regimento

    interno do conselho; atualidade dos instrumentos; existncia e emprego

    de um plano anual de gesto; participao da populao na elaborao

    dos instrumentos.Viso estratgica: existncia de projetos amplos e de longo prazo para

    o desenvolvimento humano e para a conservao da natureza.

    3. Desempenho (efetividade) da gesto

    Coordenao de esforos: capacidade da chefia da unidade e dos(as)

    conselheiros(as) em coordenar os esforos entre os parceiros e setores

    sociais.

    Informao ao pblico: disponibilidade para os(as) conselheiros(as)e o pblico em geral de informaes que permitam acompanhar o

    processo de gesto.

    Efetividade e eficincia: resultados alcanados, atividades planejadas

    e executadas e o bom emprego dos recursos disponveis.

    4. Prestao de contas (accountability)

    Definies de incumbncias e transparncia: quem presta contas de

    que e a quem e de que modo isso feito.

    5. Eqidade

    Imparcialidade na aplicao de normas: existncia de normas claras,

    acessveis e aplicadas ao conjunto dos envolvidos.

    Eqidade no processo de gesto da UC em relao ao entorno: respeito

    aos direitos e s prticas de populaes tradicionais ou de residentes;

    reconhecimento de injustias e danos sociais resultantes da gesto da

    UC, quando for o caso.

    Com essas contribuies tericas, formuladas a partir da prtica vi-

    venciada em dois parques e do acompanhamento de experincias bem-

    sucedidas em outras UC (de uso sustentvel e de proteo integral) em

    diversos estados do pas, podemos apresentar alguns aspectos especficos

    do caso PNT, como ilustrao que facilita a compreenso do pblico.

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    FBIOC

    OSTA

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    Da floresta original de Mata Atlntica ao Parque Nacional da Tijuca

    Conhecer um problema depende de conhecer o histrico do problema.

    As perguntas certas ajudam no surgimento das respostas certas, suas

    solues. No se trata, no estudo de caso, segundo nossa metodologia,

    de considerar apenas a realidade local.Todos os biomas no Brasil tm as suas especificidades, mas ressaltamos

    a importncia mundial da Mata Atlntica por sua biodiversidade, que

    ainda maior do que a da Amaznia. No caso nacional, sua relevncia

    tambm foi enorme para os primeiros ciclos produtivos do pas.

    O estado do Rio de Janeiro e, em especial, sua capital uma rea

    emblemtica para a preservao da Mata Atlntica: trata-se da unidade

    federativa com maior percentual de rea protegida desse tipo de floresta.

    Embora de modo sucinto, o relato de sua histria importante para quese compreenda o que , hoje, o PNT.

    A histria do PNT, como tantas outras UC no Brasil e no mundo,

    caracterizada por uma relao contraditria de ocupao/conflito/de-

    vastao e proteo.

    Ao longo dos sculos, a rea conhecida hoje como do PNT sofreu

    constantes movimentos de ocupao com conflitos socioambientais,

    porque se procurava atender, de um lado, aos interesses particulares da

    expanso agrcola e, de outro, ao abastecimento de gua para a cidadedo Rio de Janeiro.

    O caso estudado:

    Parque Nacional da Tijuca4CAPTULO

    Foto: favela e bairrosnos arredores doCorcovado, RJ

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    O Macio da Tijuca, coberto pela Mata Atlntica (que ento existia

    em todo o litoral do Brasil), ficou quase intocado at meados do sculo

    XVII. Os ndios e as ndias, primeiros habitantes do territrio, concentra-

    vam-se beira-mar, vivendo da caa, da pesca, do roado de mandioca

    e da coleta de frutas.O cultivo agrcola do colonizador portugus comeou pela cana-de-

    acar. De incio, grandes extenses de reas baixas da cidade foram

    ocupadas. Depois, a agricultura foi expandida rumo s encostas do Macio

    da Tijuca, cujas florestas foram sendo conquistadas pela tcnica de quei-

    madas. A seguir, cultivou-se o caf na rea da floresta em terras altas.

    A cidade que se formou com seu cinturo agrcola causou, evidente-

    mente, um desmatamento das encostas ao redor, por causa da construo

    de habitaes, uso da lenha para fogo etc. Os principais efeitos foram amudana climtica, a crescente insalubridade, com destruio de man-

    gues, acmulo de dejetos e a crise do abastecimento de gua.

    A falta dgua conscientizou dirigentes locais de que a devastao

    da floresta deveria ser interrompida. Houve tambm o deslocamento

    de grande parte da lavoura cafeeira para o Vale do Paraba ao sudoeste

    do estado. Assim, parte da classe dominante, latifundiria, deixou de

    residir no local. Tal desocupao produtiva e domstica e, em parte, a

    expropriao e a reapropriao de terras pelo governo possibilitaram arecuperao florestal, com replantio da mata, no sculo XIX. Isso ocorreu,

    inicialmente, em duas etapas principais.

    Em 1861, o major Manoel Gomes Archer foi designado o primeiro

    administrador da ento Floresta da Tijuca. Naquela data, iniciou-se o

    reflorestamento. At 1874, foram plantadas mais de 60 mil rvores, em

    sua maioria, espcies nativas. Trabalharam para Archer, na execuo

    do reflorestamento, seis escravos e, posteriormente, 22 trabalhadores

    assalariados.O baro Gasto dEscragnole foi o segundo administrador do local e

    da tarefa de recuperar a mata das encostas do Rio de Janeiro. De 1874 a

    1888, introduziu cerca de 30 mil mudas (do Jardim Botnico), incluindo

    espcies exticas, originrias at de outros continentes.

    Durante a administrao de dEscragnole, a floresta foi alterada de

    modo a adquirir aspectos de parque. O local foi dotado de recantos, fontes

    e lagos, sob a ajuda do paisagista francs Auguste Glaziou (Heynemann,

    1995). Isso nos legou um acervo histrico e artstico de certa importnciaat hoje. No entanto, esse acervo, por vrios motivos, corre permanente

    risco de degradao.

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    Concluda a fase inicial de recuperao da floresta, que foi relativa-

    mente rpida, a partir do fim do sculo XIX, o crescimento da cidade

    passou a se constituir no principal fator de interferncia no seu equilbrio

    natural. Naquele momento, novos agentes atuavam, substituindo os fa-

    zendeiros e donos de engenhos, responsveis pelos cortes e queimadasque destruram extensas reas de florestas e, conseqentemente, empo-

    breciam as terras.

    O crescimento da cidade do Rio de Janeiro assemelha-se urba-

    nizao dentro do desenvolvimento capitalista em outras partes do

    mundo. Ocorre uma estratificao social que se verifica tambm na

    ocupao do espao: as pessoas com maior renda, inicialmente, pagam

    altos preos para se localizarem no ncleo da cidade, em bairros com

    boa infra-estrutura e outros equipamentos urbanos; as de baixa rendalocalizam-se em reas desfavorveis, ditas de periferia, deficientes em

    servios, ou seja, cortios ou favelas. Segundo Abreu, as primeiras

    favelas no municpio do Rio de Janeiro datam de 1897, ano em que os

    soldados que retornaram da campanha de Canudos ocuparam os morros

    da Providncia e de Santo Antnio. Em 1920, as favelas de So Carlos,

    Querosene, Salgueiro, Macaco, Rocinha e Dona Marta (essas duas do

    lado sul) j se encontravam nas encostas da Serra da Carioca, infor-

    ma Abreu (1992). Posteriormente, as favelas foram responsveis pelademarcao dos novos limites do PNT:

    [...] Em 1967 foram traados novos limites para o Parque Nacional

    da Tijuca, com excluso de reas consideradas irrecuperveis ou

    invadidas por favelas. A Floresta da Covanca e parte da Floresta do

    Andara, como tambm as Chcaras da Bica e do Cabea da Gvea,

    urbanizadas e ocupadas por favelas, foram excludas. Outras reas

    foram includas no Parque Nacional da Tijuca como o conjunto

    Pedra da GveaPedra Bonita e reas do Morro Dona Marta, Cor-covado, Gvea, Cochrane, Alto da Boa Vista, Av. Edson Passos e

    Jacarepagu, dentre outras. (IBDF, 1982).

    O Macio da Tijuca era uma barreira natural expanso do ncleo cen-

    tral da cidade em direo Baixada de Jacarepagu (e Barra da Tijuca).

    Contudo, desde as primeiras dcadas do sculo XX, foi cortado por duas

    estradas (GrajaJacarepagu, atual avenida Menezes Cortes, e a estrada

    de Furnas na vertente sul, a estrada das Canoas). Tais estradas conec-taram a zonas Norte e Oeste da cidade, e a Avenida Niemeyer conectou

    o cordo costeiro da Zona Sul Barra da Tijuca (Geoheco, 2003).

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    Aquela conectividade, associada distribuio da renda e da proprieda-

    de, espacialmente resultou na seguinte situao, desde a segunda metade

    do sculo XX: na parte sul do macio, temos a populao de alta renda,

    incluindo o Alto da Boa Vista; na vertente norte e oriental, localizaram-se

    pequenas favelas nas duas pontas do eixo FurnasAv. Edson Passos e emSo Conrado (originalmente com pequenas indstrias, em especial a de

    construo civil, como fatores de atratividade da populao proletria).

    No curso de tais estradas, acumulam-se fortes presses sobre a rea que

    veio a constituir o PNT.

    O PNT foi criado em 6 de julho de 1961, por meio do Decreto Federal

    50.923. Denominava-se, na poca, Parque Nacional do Rio de Janeiro,

    no antigo estado da Guanabara. Em 1966, foi tombado pelo Instituto do

    Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Em 8 de julho de 1967, o DecretoFederal 60.183 mudou o nome do parque, que o mantido at hoje.

    A partir de dcada de 1970, novas estradas e tneis que cortavam o

    Macio da Tijuca possibilitaram maior valorizao da Barra da Tijuca.

    O mais fcil acesso resultou numa ocupao com vrios loteamentos

    irregulares na Baixada de Jacarepagu, que abriga o maior nmero de

    novas favelas na cidade, desde a dcada de 1980.

    O Rio de Janeiro, mais e mais, verticalizou-se, ou seja, a con-

    centrao de renda, agravada durante todo o perodo da ditadura, au-mentou o processo de segregao econmica e concentrao espacial

    residencial das chamadas pessoas excludas do mercado de trabalho

    ou nele empregadas, mas com baixssima renda. Como se chama isso?

    Favelizao.

    As favelas crescem em nmero e/ou em populao por causa da falta

    de polticas pblicas adequadas ao acesso democrtico do espao urbano

    e que integrem o crescimento desordenado de moradias, o que prejudica

    a preservao da floresta do PNT. imprescindvel para a manuteno do PNT, como parte da cidade

    (se no legalmente, do ponto de vista ecossistmico), compatibilizar suas

    funes geolgica, hidrolgica, climtica e biolgica com aquelas de outras

    partes do Rio de Janeiro, sejam elas econmicas ou no.

    A relao da floresta com as guas sistematicamente recorrente ou

    pela ameaa de escassez, ou pela contaminao de mananciais, ou at

    mesmo pela preocupao com a estabilizao das encostas do Macio

    da Tijuca sob constante perigo de deslizamentos em reas devastadas.Hoje convivem os grupos da classe social dominante (de maior renda e

    propriedade, portanto) com aqueles que no tm a posse da terra.

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    necessrio enfrentar os processos que inviabilizam, por motivos

    econmicos (no s por eles, mas principalmente), o acesso demo-

    crtico. As solues metodologicamente reducionistas (tecnicistas e

    burocratas), bem como autoritrias (muito usadas durante a ditadura

    instaurada em 1964 e mesmo antes, com o governador Carlos Lacerdae suas remoes de favelas), tm se mostrado ineficazes e, na maioria

    das vezes, contriburam para a perda da qualidade de vida no meio

    urbano. O empobrecimento no a nica causa dessa perda, mas uma

    das principais no que se refere a assuntos como criminalidade, violncia,

    medo, impactos no turismo, na arrecadao tributria etc. As solues

    que se apresentam para impedir a perda da rea de floresta do PNT, em

    geral, so o cercamento da rea, educao ambiental ou, ainda, a co-

    gesto entre rgos de governo municipal e federal. preciso pensar em solues no meramente repressivas, mas sim

    enfrentar os conflitos, buscar mediaes que no os omitam, estabelecer

    mais parcerias em mbito local, nacional e internacional, entre Estado

    e sociedade civil. A caracterizao a seguir oferece subsdios a esse tipo

    de iniciativa.

    O PNT e sua atual car