Educação e Cidadania no Ensino Superior. MARIA AMARAL RAMOS DIAS... · 2009-08-05 · CRISTINA...

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES Educação e Cidadania no Ensino Superior. Apresentado ao Professor Ms. Marcos A. Larosa. Por CRISTINA MARIA AMARAL RAMOS DIAS Rio de Janeiro, RJ – BRASIL 2 0 0 1

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

Educação e Cidadania no Ensino Superior.

Apresentado ao Professor Ms. Marcos A. Larosa.

Por

CRISTINA MARIA AMARAL RAMOS DIAS

Rio de Janeiro, RJ – BRASIL

2 0 0 1

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

Educação e Cidadania no Ensino Superior.

Apresentado ao Professor Ms. Marcos A. Larosa.

Em atendimento parcial às exigências ao Curso de Pós-

Graduação (Latu Sensu) em Metodologia do Ensino

Superior.

Por

CRISTINA MARIA AMARAL RAMOS DIAS

Rio de Janeiro, RJ – BRASIL

2001

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CRISTINA MARIA AMARAL RAMOS DIAS

Educação e Cidadania no Ensino Superior.

Apresentado ao Professor Ms. Marcos A. Larosa.

MONOGRAFIA APRESENTADA AO

CORPO DOCENTE DO CURSO DE

PÓS-GRADUAÇÃO EM

METODOLOGIA DO ENSINO, COMO

PARTE DOS REQUISITOS

ESSENCIAIS À OBTENÇÃO DO

GRAU DE ESPECIALIZAÇÃO.

APROVADA POR:________________________________________

Professor

Rio de Janeiro, RJ – BRASIL

2001

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Dedico esta monografia ao meuesposo Walter, que com seu carinhoe compreensão me acompanhou etentou sempre que possível meajudar, mesmo quando issorepresentava estar afastado de mim. Aos meus filhos Alexandre eAlberto, que com muita paciência, emuito amor reconheceram que euprecisava galgar mais etapa emminha vida. A meu pai Alberto e a minha mãeSuely, que foram meus amigos,incentivadores, e a base principalpara que eu vencesse mais essaetapa. A todos aqueles que estiverampresentes, mesmo quando ausentes,com seu amor, paciência, carinho epreces, dedico esse trabalho, pois,sem vocês, com certeza eu nãoconseguiria chegar até aqui.

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“O problema não é mudar a‘consciência’ das pessoas, ou o queelas têm na cabeça, mas o regimepolítico, econômico, institucional deprodução da verdade. Não se tratade libertar a verdade de todosistema de poder – o que seriaquimérico na medida em que aprópria verdade é poder -, mas dedesvencilhar o poder da verdadedas formas de hegemonia (sociais,econômicas, culturais) no interiordas quais ela funciona no momento.”

Michel FoucaultMicrofísica do Poder

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Agradeço primeiramente a Deus,que me capacitou para chegar atéaqui; A meu esposo e filhos que muitasvezes se sacrificaram, e foramsacrificados, para que eu pudessechegar até onde cheguei; A meus pais, que com suapresença constante, supriram muitasvezes minha ausência, a fim de quemeus objetivos fossem alcançados; A meu primo Jorge Luiz, quemesmo distante, sempre meincentivou a retornar, e vencer essaetapa. E por fim, porém, não menosimportante, agradeço a minha AmigaTânia Minerva, que acreditando nomeu potencial, me incentivou eacompanhou até o presentemomento. A todos vocês que com certezaterão sempre um cantinho reservadoem meu coração, meu muitoobrigado e que Deus nos abençoe.

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RESUMO

O presente tem como objetivo principal questionar o problema da cidadania

no ensino superior. Com o intuito de aprofundar tal tema, é efetuado também,

um estudo acerca da história da educação brasileira, enfocando a participação

do cidadão na sua formação.

A cidadania é um dos valores primordiais de uma sociedade democrática, e

aprofundando o conhecimento sobre a mesma, possibilitar-se-á a construção

de uma sociedade mais justa e mais democrática.

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Sumário

Resumo V

Introdução 01

1. Características gerais do período de colonização do

Brasil 02

2. A Educação Jesuítica

2.1. A catequização dos indígenas

2.2. O conteúdo da pedagogia dos jesuítas 04

3. A Reforma Educacional de Pombal

3.1. Os resultados concretos 07

4. A ruptura do sistema colonial e as medidas de D. João

4.1. As medidas culturais de D. João 10

5. A Independência Brasileira e seus limites 12

6. Os preconceitos educacionais no período da sociedade

escravista 13

7. A estrutura geral do ensino 14

8. A transição republicana e a educação brasileira 17

9. O entusiasmo pela educação 19

10. A década de 20 e a escola nova 20

Considerações sobre o contexto político brasileiro no

período pós-golpe militar de 64. 23

Considerações sobre Cidadania no ensino superior e na

sociedade brasileira 35

Conclusão 38

Bibliografia 39

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INTRODUÇÃO

Procuraremos neste trabalho efetuar uma reflexão daquilo que somos e

representamos, em um determinado contexto social, enquanto cidadãos, visto

que ser cidadão implica no indivíduo com plenos direitos, e no desempenho

crítico de seus deveres para com o seu País.

Enfocaremos também as distorções e contradições ocorridas em torno do

conceito de cidadania, visto como privilégios daqueles que detêm o poder e

como isso ocorre em nossa sociedade, bem como o apadrinhamento e jogos

de interesses, no já famoso “jeitinho brasileiro”.

Através de nossos estudos, buscaremos enfocar as diferentes noções de

“cidadania”, principalmente em virtude do desenvolvimento histórico de nossa

sociedade no campo educacional, o que nos irá oportunizar refletir sobre tal

questão, discutida por muitos, e exercida por tão poucos.

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1. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL

Desde o descobrimento, o Brasil passou a ser utilizado pelos portugueses

como mero “instrumento” de seus próprios interesses. A princípio, como

demonstra a própria carta de Pero Vaz de Caminha, os portugueses foram

movidos pelo desejo de encontrar ouro no Brasil. Nesse sentido, diversas

expedições foram organizadas em busca do valioso metal, tendo quase todas

resultados decepcionantes, ao contrário do que ocorria com as colônias

espanholas da América onde, desde o início, os colonizadores encontraram

minas de ouro e prata.

Posteriormente, os portugueses sentiram a necessidade política de

preservar aposse do Brasil, ameaçada por estrangeiros. Mas, Portugal nunca

perdeu de vista que o processo de colonização precisava de bases econômicas

que justificassem o empreendimento. Em suma: a colonização precisava dar

lucros à metrópole.

Não podemos nos esquecer, como ocorre freqüentemente, de que, ao

descobrir e colonizar o Brasil, não pretenderam os portugueses lançar, nas

regiões do novo mundo, as bases, os fundamentos de uma nação

independente. Ao encontrar a terra de Santa Cruz, eles tinham o firme

propósito de dilatar o Reino, incorporando novos domínios ao Império de

Portugal. Não se tratava procuravam plantar a semente de países autônomos,

de povos independentes, criando uma estrutura política e administrativa que

propiciasse, ulteriormente, a sua emancipação. O propósito, ao contrário, era

predatório, e a preocupação exclusiva, a de explorar as riquezas da terra

conquistada, remetendo para a metrópole o fruto dessa exploração.

A simples extração do pau-brasil, que marcou os primeiros tempos, não era

uma atividade sólida e duradoura. Seu caráter nômade e predatório não

permitia a formação de povoamentos necessários à ocupação e à defesa da

terra contra invasões estrangeiras. Os portugueses precisavam desenvolver no

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Brasil alguma atividade econômica estável e lucrativa, que representasse uma

alternativa para o comércio de especiarias orientais, que se enfraquecia.

A solução histórica encontrada foi o estabelecimento no Brasil da

agromanufatura açucareira. Com essa iniciativa, Portugal inaugurava uma nova

fase da colonização, representada pela produção agrícola de um gênero

tropical (o açúcar) destinado à exportação.

A partir da instalação no brasil dos primeiros engenhos de açúcar e dos

primeiros núcleos de povoamento, a Coroa portuguesa também foi

estruturando os mecanismos de funcionamento do sistema de exploração

colonial, caracterizado essencialmente pelos seguintes elementos:

• Produção com objetivos externos: a produção da colônia devia ser

organizada para satisfazer os interesses econômicos da metrópole

européia. Não havia, portanto, nenhuma intenção de desenvolver na

colônia qualquer atividade econômica voltada para seu próprio interesse

interno.

• Monopólio comercial: o instrumento básico utilizado pela colônia para

explorar sua economia foi o monopólio comercial (ou exclusivo

metropolitano, como era chamado). Através do monopólio, a metrópole

tornava a colônia seu mercado exclusivo. Conferia a seus comerciantes o

direito de comprar, com exclusividade, os produtos coloniais. Também

atribuía a seus comerciantes o privilégio exclusivo de vender produtos

europeus para a população colonial. Assim, os comerciantes

metropolitanos obtinham lucros tanto na compra de produtos coloniais e

sua revenda no mercado europeu como, reversivelmente, na compra de

produtos europeus e sua revenda no mercado colonial.

Como afirmou Caio Prado Júnior, “a colonização dos trópicos toma o

aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria,

mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos

naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o

verdadeiro sentido da colonização dos trópicos, de que o Brasil é uma das

resultantes; ele explicará os elementos fundamentais, tanto no plano03

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econômico como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos

americanos (...) Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na

realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros

gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois algodão e, em seguida, café,

para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo exterior,

voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o

interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia

brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as

atividades do País” (Prado Júnior, 1969).

Essas características gerais da colonização brasileira não se restringiram

apenas ao setor econômico. Os laços da dominação metrópole-colônia

alcançaram também o setor cultural, do qual faz parte o campo educacional.

2. EDUCAÇÃO JESUÍTICA

Em 1549, com a chegada do primeiro Governador Geral do Brasil, Tomé de

Souza, desembarcaram também na Bahia um grupo de seis padres jesuítas,

chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega.

A Ordem dos Jesuítas ou Companhia de Jesus, foi fundada em 1534 pelo

militar espanhol Inácio de Loyola. Sobretudo a partir de 1540, quando a ordem

foi oficialmente aprovada pela Igreja, os jesuítas assumiram decididamente a

defesa do cristianismo católico, como “soldados” obedientes às ordens da

Contra-Reforma. No combate ao protestantismo, os jesuítas pretendiam utilizar

a arma da conquista espiritual: a educação.

Poucos dias após sua chegada ao Brasil, os jesuítas fundaram ca cidade de

Salvador uma escola de nível elementar. O padre Vicente Rodrigues foi

designado por Nóbrega para lecionar nesta escola, tornando-se, assim, um dos

primeiros professores europeus no Brasil.

Com o decorrer do tempo, novos missionários jesuítas chegaram ao Brasil

para desenvolver a obra educativa que estava sendo instalada. Em 1553,

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juntamente com o segundo Governador Geral, Duarte da Costa, desembarcava

novo grupo de jesuítas, no qual destacamos a figura do padre José de

Anchieta, sempre lembrado pelos serviços prestados à Igreja. Com seus

quadros reforçados e permanecendo sob o comando dinâmico do padre

Manuel da Nóbrega, a obra dos jesuítas conheceu significativa expansão.

Espalhou-se por diversas regiões do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro,

Pernambuco e Bahia. Em 1570, ano da morte de Nóbrega, a Companhia de

Jesus contava com cinco escolas de nível elementar e três colégios de nível

médio.

Os jesuítas continuaram trabalhando tenazmente e, dois séculos depois, a

Ordem contava com aproximadamente 17 colégios, 36 missões, seminários

menores e escolas elementares que marcaram profundamente a história da

educação brasileira por todo o período colonial e durante o Brasil Império.

A catequizarão dos indígenas

Um dos mais importantes trabalhos que os jesuítas pretendiam desenvolver

no Brasil era a catequização dos índios, que implicava convertê-los ao

cristianismo católico. Esse trabalho exigia a penetração dos missionários

jesuítas para o interior, em direção aos locais onde se encontravam as tribos

indígenas.

Os padres jesuítas avançaram pelo sertão, fundando, a partir de 1610,

aldeamentos destinados ao ensino catequético. Esses aldeamentos eram

chamados de missões ou reduções. As primeiras missões estabeleceram-se

às margens do rio Paranapanema. Depois, surgiram outras em diversas

regiões da Amazônia, além daquelas que ocupavam parte dos atuais estados

do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso do Sul.

As missões jesuíticas eram o alvo predileto dos ataques dos bandeirantes

que aprisionavam índios para a escravidão, pois encontravam nessas missões

grupos de índios já pacificados e conhecedores de diversos ofícios que lhes

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eram ensinados. Em conseqüência dos constantes ataques do bandeirismo

apresador, a maior parte das missões jesuíticas foi totalmente destruída.

O conteúdo da pedagogia dos jesuítas

O método e o conteúdo do ensino ministrado pelos jesuítas estavam

contidos no plano de estudos da Companhia de Jesus, o Ratio sutiorum, que

recebeu uma versão definitiva em 1599.

O conteúdo do ensino abrangia três cursos:

a) Humanidades (Retórica Latina e Grega, Gramática);

b) Filosofia (Lógica, Cosmologia, Matemática, Metafísica, Ética, Ciências

etc.);

c) Teologia (estudos baseados na escolástica de São Tomás de Aquino e

nas Sagradas Escrituras, interpretadas à luz da Igreja).

Altamente impregnada da cultura medieval européia, a educação ministrada

pelos jesuítas ficou reservada aos descendentes masculinos dos

colonizadores, os membros da elite colonial. O trabalho de educação

sistemática dos jesuítas junto aos indígenas foi dominado pela catequização

religiosa. É certo que se ensinavam alguns ofícios técnicos e artísticos, que

não eram considerados objetivos da educação, mas apenas meios para

assegurar a continuidade da obra catequética.

Nesse contexto, podemos dizer que o quadro geral da educação na colônia

obedecia aos seguintes traços:

• as mulheres ficavam afastadas do processo educacional sistemático.

Aprendiam apenas os afazeres do serviço doméstico e as regras de boas

maneiras;

• a educação necessária ao trabalho produtivo (agricultura e,

posteriormente, mineração) era aprendida de forma assistemática, no

convívio prático dos mais novos com os mais velhos;

• nos estabelecimentos de ensino dos jesuítas, a elite colonial recebia uma06

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educação avessa ao desenvolvimento do espírito científico, inspirada em

valores medievais, uma educação que tinha como objetivo máximo formar

pessoas para o sacerdócio ou, então, prepará-las para o curso jurídico

superior, geralmente na Universidade de Coimbra.

“A formação da elite colonial em tais moldes adeqüa-se quase que

completamente à política colonial uma vez que: a) a orientação universalista

jesuítica baseada na literatura antiga e na língua latina; b) a necessidade de

complementação dos estudos na metrópole (Universidade de Coimbra); c) o

privilegiamento do trabalho intelectual em detrimento do manual afastavam os

alunos dos assuntos e problemas relativos à realidade imediata, distinguia-os

da maioria da população que era escrava e iletrada e alimentava a idéia de que

o mundo civilizado estava ‘lá fora’ e servia de modelo”.

3.. A REFORMA EDUCACIONAL DE POMBAL

No século XVIII, certas nações européias, que estavam bastante atrasadas

em relação ao avanço do capitalismo para a etapa industrial, promoveram uma

série de reformas nos campos econômico e social. Dentre essas nações citam-

se Portugal, Rússia, Áustria e Espanha.

No plano econômico, esses países adotaram, com grande atraso histórico,

uma série de medidas preconizadas pelo mercantilismo, quando essas

mesmas medidas já estavam sendo duramente criticadas pela burguesia dos

países mais desenvolvidos, como Inglaterra e França.

No plano social, que nos interessa aqui mais diretamente, esses países

atrasados, mostraram-se receptivos a certas idéias do Iluminismo como, por

exemplo, o combate à influência da Igreja, o estímulo ao racionalismo.

Adotavam-se as idéias que não fossem frontalmente contrárias à monarquia

absolutista. Era a reforma patrocinada pelos déspotas esclarecidos.

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No caso de Portugal, onde reinava D. José I, as reformas foram conduzidas

pelo poderoso ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de

Pombal.

O marquês de Pombal parecia revelar consciência do grande atraso

econômico e cultural de seu país. Afinal, era bastante visível o contraste entre

o Portugal dos séculos XV e XVI, pioneiro das navegações marítimas, e o

Portugal dos séculos XVII e XVIII, um país fechado, preso a uma escolástica

medieval decadente, dominado pelo espírito conservador da Inquisição,

resistente às idéias novas que se desenvolveram a partir do renascimento

intelectual europeu.

O ímpeto modernizador do Marquês de Pombal traduziu-se num grande

número de leis reformistas destinadas a implantar um novo dinamismo ao país.

Os historiadores referem-se à fúria legiferante de Pombal. Entretanto, a

realidade histórica não é movida somente às custas de leis e decretos que,

dessintonizados com os fatos sócio-econômicos, não possuem eficácia

concreta.

No campo da educação, o Marquês de Pombal via na Companhia de Jesus

o grande obstáculo à modernização do ensino, a grande responsável pelo

conservadorismo cultural. Várias críticas avolumaram-se contra a Companhia

de Jesus, tais como: educação das pessoas objetivando os fins religiosos dos

jesuítas e não os interesses sociais do Estado, o enorme poder econômico

adquirido pelos jesuítas, o domínio político que exerciam nos seus

aldeamentos.

O conflito entre o Governo português e os jesuítas culminou com o decreto

de 1759 que expulsava a Companhia de Jesus de todos os domínios do Reino.

O alvará de 28 de junho de 1759, que traçava os rumos da reforma

educacional, estabelecia que se abandonassem os métodos de ensino

jesuíticos, restituindo-se os métodos antigos “reduzidos aos termos simples,

claros e de maior facilidade tal como o praticam as nações polidas da Europa”.

O objetivo era despertar nas classes dominantes um maior número de

interessados pelos cursos superiores; diminuir a poderosa influência da Igreja

nesses cursos; ampliar o conteúdo educacional, abrindo-o às ciências

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experimentais, tornando-o mais prático e utilitário. No caso do Brasil, as

reformas pombalinas tinham em mira a formação de uma elite colonial mais

competente, capaz de articular com mais eficiência os mecanismos do sistema

de exploração colonial.

Os resultados concretos

A estrutura educacional montada pelos jesuítas, ao longo de dois séculos

(1549 a 1759), estava muito arraigada na vida brasileira, conseguindo

sobreviver à expulsão da Companhia de Jesus e aos demais decretos do

Marquês de Pombal.

Assim, “a educação dada pelos jesuítas, transformada em educação de

classe, (...) atravessou todo o período colonial e imperial e atingiu o período

republicano, sem Ter sofrido, em suas bases, qualquer modificação estrutural”.

Era uma educação destinada somente às elites, excluindo a grande massa do

povo da aquisição dos conhecimentos elementares à civilização: aprender a

ler, escrever e contar; educação que impedia as próprias elites de uma

tomada de consciência da realidade brasileira, e que fazia dos padrões

culturais europeus modelos irretocáveis, a serem incondicionalmente imitados.

Desse modo, “não víamos com os próprios olhos, mas com os olhos dos

europeus. Tínhamos vergonha de nós mesmos, de nossa pobreza, de nossa

incultura, de nossa inferioridade. Encharcados, até os ossos, de cultura

européia, éramos cegos e surdos em relação ao Brasil”.

Em resumo, as reformas pombalinas efetivamente não produziram

resultados práticos. Basta dizer que no governo seguinte, no reinado de D.

Maria I, surgiu em Portugal um movimento conhecido como “Viradeira”,

caracterizado pelo combate ostensivo às modernizações pombalinas.

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4. A RUPTURA DO SISTEMA COLONIAL E AS MEDIDAS DE D. JOÃO

A partir de meados do século XVIII, o sistema de exploração colonial

começou a enfrentar grave crise, cuja causa estrutural era a transformação

econômica verificada nos países nos países dominantes da Europa. Nesses

países, o capitalismo deixava o estágio predominantemente comercial e

encaminhava-se para a etapa industrial.

O capitalismo industrial entraria em choque com o sistema colonial, pois

rejeitava as barreiras econômicas impostas pelo monopólio colonial, bem como

não se adaptava ao regime de trabalho escravista. Assim, com o

desenvolvimento do capitalismo industrial, os impérios coloniais americanos da

Espanha e de Portugal estavam condenados a desaparecer. Não devemos

esquecer, entretanto, que, ao lado dessas causas externas e estruturais,

existiam outras causas internas e conjunturais, que condicionaram as

peculiaridades da história de cada povo, levando ao rompimento do sistema

colonial e, consequentemente, ao processo de emancipação política.

No caso do Brasil, a história da independência política teve como marco

efetivo avinda da família real portuguesa para nosso país, fugindo da invasão

napoleônica. Protegidos por uma esquadra inglesa, o Príncipe regente D. João

e sua extensa comitiva chegaram ao Brasil em janeiro de 1808.

Pressionado pelas circunstâncias (invasão de Portugal e interesses do

capitalismo industrial inglês), D. João decretou a abertura dos portos às nações

amigas, em 23 de janeiro de 1808. Com essa importante medida, rompia-se um

dos mais fortes laços coloniais – o monopólio do comércio (exceto para alguns

poucos produtos: pau-brasil e sal). Abria-se, diretamente, o mercado interno

brasileiro de produtos industrializados ao comércio inglês (com o tratado de

1810, a Inglaterra obteve vantagens alfandegárias para a exportação de seus

produtos para o Brasil.

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As medidas culturais de D. João

Tendo o Brasil como sede da monarquia portuguesa, D. João precisou

organizar em nosso país toda uma estrutura administrativa e cultural. Em 1815,

elevou o Brasil à categoria de Reino Unido aos de Portugal e Algarves. A

medida representava a conquista formal da autonomia administrativa brasileira.

Vejamos, agora, as principais medidas de D. João no setor cultural:

• Imprensa: fundação da Imprensa Régia (1808), que iniciou a

publicação do jornal Gazeta do Rio de Janeiro;

• Estabelecimentos culturais: criação da Biblioteca Pública (1810);

do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1810) e do Museu Nacional

(1818);

• Ensino militar: criação da Academia Real da Marinha (18108) e da

Academia Real Militar (1810) – futura Escola Politécnica:

• Ensino técnico: criação, na Bahia, dos cursos de Economia (1808),

Agricultura (1812), Química (1817) e Desenho Técnico (1818).

Criação, no rio de Janeiro, do curso de Química (1812) e do curso

de Agricultura (1814).

• Ensino de artes: criação da Academia de Belas Artes, com a

contratação de diversos artistas estrangeiros, que chegaram ao

Brasil em 1816, com a chamada Missão Francesa. A missão era

chefiada por Lebreton e trazia artistas como o pintor Debret, o

escultor Taunay, o arquiteto Montigny e o músico Sigismund

Neukomm.

É importante destacarmos que todas as realizações culturais promovidas por

D. João VI seguiam a mesma linha da tradição histórica que vinha desde o

período colonial. Tradição que consistia em oferecer cultura e educação

apenas para a elite aristocrática, revelando total desprezo pela formação

educacional do povo. Assim, num país onde a população era composta quase

que exclusivamente por analfabetos, D. João VI inaugurava orgulhosamente11

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toda uma série de cursos de ensino superior, deixando em pleno abandono os

demais níveis de ensino.

5. A INDEPENDÊNCIA BRASILEIRA E SEUS LIMITES

Em 1820, a burguesia lusitana assumiu o controle político de Portugal, por

meio da Revolução Liberal (Revolução do Porto) e obrigou D. João VI a deixar

o Brasil e embarcar para Portugal (26 de abril de 1821). A chefia do governo

brasileiro foi transmitida a D. Pedro, nomeado Príncipe regente.

A burguesia lusitana, representada pelas Cortes de Lisboa, estava ansiosa

por recuperar a economia do seu país, abalada pelas guerras napoleônicas e

pela perda do monopólio de comércio sobre o Brasil. Traduzindo os interesses

imediatos de uma burguesia arruinada e incompetente, incapaz de viver sem a

exploração colonial, as Cortes de Lisboa puseram em marcha o projeto de

recolonizar o Brasil. Esse projeto chocava-se frontalmente com os interesses

das classes dominantes brasileiras (aristocracia rural) e os interesses do

capitalismo inglês. Nesse contexto, tomou impulso o processo de

independência política do Brasil, que culminou com a proclamação da

independência por D. Pedro, em 7 de setembro de 1822.

O processo de independência brasileira em nada modificou a situação das

classes dominantes do País, que continuaram desfrutando dos mesmos

privilégios sociais e influindo sobre o poder político. A independência política

assegurou, basicamente, a liberdade de comércio (que interessava ao

capitalismo industrial) e a autonomia administrativa local. No mais, manteve-se

a mesma estrutura colonial de produção, baseada no trabalho escravo e

destinada à exportação de produtos tropicais para o mercado europeu. O Brasil

“independente” permaneceu economicamente dependente do exterior, pois

saía dos laços coloniais portugueses para cair na esfera da dominação inglesa.

A monarquia constitucional, consolidada pela Constituição de 1824, traçava

os limites da política que seria adotada pelos grupos dominantes no Brasil

independente.

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Nesse contexto histórico – em que “independência política” não significava

rompimento efetivo com o passado, que não tinha o alcance de uma libertação

nacional visando a emancipação do povo – o setor educacional conheceu

pouca evolução estrutural.

6. OS PRECONCEITOS EDUCACIONAIS NO PERÍODO DA SOCIEDADE

ESCRAVISTA

Desde o início da Colônia até o fim do Império, todo trabalho manual feito no

Brasil, todo trabalho que exigia continuado esforço físico, era realizado pelos

escravos. Foram eles, então, os responsáveis diretos pela produção econômica

brasileira do açúcar, do tabaco, do extrativismo mineral, do algodão e do café.

Submetidos ao excesso de trabalho, à precária alimentação, às péssimas

condições de higiene, aos castigos, os escravos tinham reduzida média de

vida, que variava entre sete a doze anos de serviços, segundo o historiador

Roberto Simonsen.

Na sociedade escravocrata brasileira formou-se, ao longo dos séculos, o

preconceito de que a prática do trabalho manual era algo indigno e degradante,

coisa própria para escravos. O homem livre, aristocrata, não deveria sujar as

mãos ocupando-se com a produção direta dos bens econômicos. Deveria

dedicar-se à atividade intelectual que seria tanto mais valorizada quanto mais

se distanciasse da atividade concreta e garantir a imediata sobrevivência

material. Desse modo, por exemplo, o trabalho do administrador da produção,

do engenheiro e mesmo do médico era considerado menos nobre do que o

trabalho do político, do advogado, do jornalista; enfim, dos profissionais que,

“cultivando o espírito”, trabalhavam com idéias, teses e filosofias.

Como reflexo desse contexto social escravocrata, os cursos jurídicos

superiores sempre foram os mais procurados pela elite brasileira. No período

colonial, a demanda pelos cursos jurídicos foi suprida pela metrópole

(Universidade de Coimbra). Posteriormente, na fase imperial, essa demanda foi

atendida internamente, com a criação, em 1827, das faculdades de Direito de

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São Paulo e do Recife. Essencialmente, dessas duas faculdades saíam a elite

intelectual aristocrática que, no decorrer do Império, exerceu os principais

cargos na administração pública, na política, no jornalismo, da advocacia. “Para

se ter uma idéia da predominância do ensino jurídico sobre os demais,

assinale-se que, em 1864, nas duas faculdades de Direito, estavam

matriculados 826 alunos, contra 294 em Medicina, 154 em Engenharia (Escola

Central) e 109 na Escola Militar e de Aplicação. Considerando que nessas

faculdades, além do ensino relacionado à profissão, que era a do Direito,

também se ministrava ensino ligado às humanidades, pode-se compreender o

quanto predominou, na educação das camadas que freqüentavam as escolas,

a formação acadêmica, humanística e retórica”.

De fato, as faculdade de Direito tinham um currículo de cunho humanista

que, além das matérias especificamente jurídicas, abraçava o culto das línguas

latina e portuguesa, das retóricas clássica e moderna, das filosofias política e

moral. Como a aspiração predominante dos jovens da elite brasileira era

ingressar nas faculdades de Direito. Irradiou-se, assim, aos outros níveis do

ensino, o espírito dessa educação marcadamente literária, jurídica, pouco

prática, ornamental, preocupada com a imitação dos pensadores clássicos,

com a erudição que se traduz em palavras sonoras e solenes, mas quase

sempre vazias. Essa situação está registrada no testemunho de viajantes que

visitavam o Brasil: “Nenhum país tem melhores oradores nem melhores

programas; a prática, entretanto, é o que falta completamente”.

7. A ESTRUTURA GERAL DO ENSINO

O ensino estava fundamentalmente organizado da seguinte maneira:

Conforme o artigo 10 do Ato Adicional à Constituição do Império. Decretado

e, 1834, competia às Assembléias Legislativas das províncias (hoje, estados) o

direito de legislar sobre a instrução pública e estabelecimentos de ensino

encarregados de promovê-la, exceto sobre os cursos superiores (Direito,

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Medicina etc.). Isso significa o seguinte: entregava-se às províncias brasileiras

a incumbência de criar escolas de níveis primário e secundário, ficando a cargo

do poder central, promover a educação do ensino superior. Manteve-se por

todo o período imperial essa orientação legislativa de descentralizar pelas

províncias a responsabilidade com o ensino primário e centralizar, com o

governo do Império, as iniciativas e atenções referentes ao ensino superior.

A carência de recursos econômicos das províncias, aliada principalmente à

falta de interesse das elites e regionais pela educação do povo e pela

democratização do saber, fez com que nunca se organizasse no Brasil uma

eficiente rede de escolas públicas de nível primário e secundário. Isso, apesar

da infinidade de projetos de leis, de reformas oficiais do ensino, da elaboração

de belos planos destinados a permanecer apenas em belas palavras. Como

observa Fernando de Azevedo, “é, de fato, impressionante o contraste entre a

pequenez das realizações e a massa de decretos e projetos de leis, no tempo

do Império. Se excluirmos as indicações propostas e projetos de menor monta,

que são numerosos, atingem cerca de 40 os projetos mais importantes, sobre a

instrução pública, apresentados às câmaras legislativas no Primeiro Reinado,

durante a Regência, e no Segundo Reinado”.

De modo geral, o ensino secundário foi assumido pela iniciativa particular e

por alguns poucos liceus provinciais. No Município da corte, Rio de Janeiro, foi

inaugurado, em 1838, o Colégio Pedro II, que tinha como objetivo servir de

modelo para os demais colégios do país mas que, também, se transformou

num mero curso preparatório para o ensino superior.

Quanto ao ensino primário – a escola de aprender a ler, escrever e contar –

permaneceu na mais deplorável situação de abandono.

Prova do descaso das autoridades pelo ensino primário foi a adoção do

método lancasteriano, pelo decreto de 1.º de março de 1823. Esse método,

proposto pelo inglês Joseph Lancaster, consistia basicamente no seguinte:

uma escola de até 500 alunos teria um só professor encarregado de preparar

um grupo de dez alunos mais inteligentes. Cada um desses alunos (decuriões

ou aluno-monitores) seria incumbido de passar o conteúdo aprendido a classes

de até 50 alunos (as decúrias). O método lancasteriano era também chamado

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de ensino mútuo, pois partia do princípio de que os alunos mutuamente se

ensinavam. O método lancasteriano, devido a seus resultados decepcionantes,

teve curta aplicação nas escolas inglesas. No Brasil, entretanto, teve vigência

durante quinze anos, apesar do fracasso total da sua aplicação. “Insistia-se

aqui em acreditar na possibilidade de resolver, com ele, de maneira fácil e

econômica, um grave problema educacional. A persist6encia no erro denota o

desinteresse e a incompetência com que os responsáveis pela educação, no

Império, cuidavam da educação popular”. Quando se pensava na educação

popular, propunham-se “soluções miraculosas”, como a contida no método

lancasteriano.

Ao longo de todo o período imperial, o ensino primário atendeu, de forma

extremamente precária, um insignificante número de alunos. Por volta de 1872,

o Brasil contava com, aproximadamente, 10 milhões de habitantes e quase

70% de analfabetos. No final do império, estima-se que havia no País uma

população de 14 milhões de habitantes, composta por 85% de analfabetos.

Diante dessa trágica realidade, nosso Imperador Pedro II – que governou o

Brasil durante 49 anos – teve como sua grande obra educacional, conforme

assinalou Darcy Ribeiro, “a criação dos Institutos de Cegos e de Surdos-

Mudos. Vale dizer, o importante na ótica do Imperador eram os ceguinhos, os

surdinhos e os mudinhos. A eles e não o povo é que D. Pedro queria

carinhosamente acolher”. Esse é o retrato típico da atitude generalizada das

classes dominantes brasileiras da época, que tinha total desprezo pelo povo,

condenando-o ao atraso cultural a fim de preservar a dominação que exerciam

sobre a maioria da sociedade.

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8. A TRANSIÇÃO REPUBLICANA E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Os últimos anos do Império foram marcados por uma série de fatores de

ordem econômica, social e política, que configuraram a crise da Monarquia,

preparando o advento da República. Esse período de crise, assinalado pelo

desenvolvimento de diversas questões (abolicionista, republicana, religiosa,

militar), foi a época em que importantes personagens de nossa elite intelectual

abraçaram os ideais do liberalismo burguês.

No campo educacional, o liberalismo teve como principal característica

atribuir à educação a tarefa heróica de promover a reconstrução da sociedade,

transformando o súdito em cidadão. Essa crença desmedida no poder da

educação para corrigir os graves problemas do País está tipicamente expressa

nos pareceres de Rui Barbosa sobre a reforma do ensino primário, no qual

afirmava:

“Ao nosso ver, a chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta e

só esta: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria. Eis a grande

ameaça contra a existência constitucional livre da nação; eis o formidável

inimigo intestino, que se asila nas entranhas do país. Para o vencer, releva

instaurarmos o grau de serviço de defesa nacional contra a ignorância; serviço

a cuja frente incumbe ao Parlamento a missão de colocar-se, impondo,

intransigentemente, à tibieza dos nossos governos o cumprimento de seu

supremo dever para com a pátria” (Rui Barbosa. Reforma do ensino primário.

In: Lourenço Filho. A pedagogia de Rui Barbosa, p. 42-3).

Proclamada a República, em 15 de novembro de 1889, alguma esperança

de mudança se acendeu no nosso triste quadro educacional foi logo frustrada

pela forma como as autoridades governamentais e as classes dominantes

continuaram tratando a educação popular.

Em 1890, o governo republicano, comandado pelo Marechal Deodoro,

improvisou a criação do Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos,

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reunindo numa mesma pasta assuntos tão completamente diversos.

Benjamim Constant, importante líder militar do movimento republicano,

tendo-se incompatibilizado politicamente com Deodoro, foi forçado a deixar a

chefia do Ministério da guerra para ocupar o comando do recém-criado

Ministério da Educação Pública, Correio e Telégrafos. No curto período em que

chefiou esse Ministério, Benjamim Constant, imbuído dos ideais positivistas de

Augusto Comte, promoveu uma reforma no sistema educacional brasileiro,

enfatizando o ensino das Ciências Físicas e Matemáticas e relegando para um

plano inferior o ensino puramente humanista. Seguindo as idéias de Comte, o

ensino da Metafísica foi eliminado dos cursos de Filosofia, que ficou restrito ao

estudo da Lógica. Em outubro de 1892, o Ministério da Instrução foi extinto,

sendo que os assuntos da educação passaram a ser da competência de uma

diretoria do Ministério da Justiça e negócios Interiores.

Com a promulgação da primeira constituição republicana, em fevereiro de

1891, ficava consagrada a mesma política educacional de descentralizar a

responsabilidade da criação e manutenção do ensino primário, cuja tarefa

essencial era alfabetizar o povo brasileiro. Segundo essa política educacional,

o Governo do União cuidaria da criação e controle do ensino superior em todo

o País, bem como dos demais graus do ensino no Distrito Federal. Aos estados

caberia a competência residual de cuidar do ensino primário e também do

ensino profissionalizante, que abrangia essencialmente as escolas normais

(magistério) para as moças e as escolas técnicas para os moços. Enfim, o

governo da união assumia diretamente a educação destinada às classes

dominantes e delegava aos estados o que não era considerado prioritário: a

educação da maioria do povo.

Desde a Constituição do Império, em 1824, ficou estabelecido o princípio da

gratuidade do ensino primário, embora não houvesse qualquer preocupação

em se estabelecer com que recursos essa gratuidade seria financiada. Coube

às províncias (durante o período imperial) e, posteriormente, aos estados

(período republicano) dar cumprimento ao princípio do ensino primário, ainda

que nunca fossem destinados recursos suficientes para atender as

necessidades do povo.

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A estruturação da rede escolar ao longo do período republicano tendeu a

ganhar as seguintes características: o ensino superior foi assumido pela União;

o ensino médio, mereceu consideráveis investimentos das escolas particulares

(religiosas ou não).

“Em decorrência dessa definição, criou-se um ponto de estrangulamento na

ascensão social, porque, ao primário gratuito a todos, se superpunha o médio,

pago e freqüentado, principalmente pelas classes economicamente favorecidas

e se estabeleceu na educação brasileira um processo de seletividade.

Os municípios tiveram pouca expressão no financiamento da educação no

Brasil, pois sempre contaram com poucos recursos...”

Essa estrutura da rede escolar brasileira, que dominou durante todo o

período republicano é, basicamente, uma herança dos tempos do Império.

Mas não foi apenas no setor educacional que a República deixou de

promover as mudanças que seriam desejáveis. De fato, o movimento

republicano não tinha o propósito de romper com as estruturas sociais

exploradoras, que sacrificavam a grande massa da população brasileira. No

plano econômico, por exemplo, a riqueza continuou concentrada nas mãos da

oligarquia rural, preservando-se os traços gerais da estrutura agrário-

exportadora herdada desde o período colonial. Ou seja: uma economia

baseada na produção de matérias-primas e gêneros tropicais destinados à

exortação e sujeitos às diversas oscilações do mercado internacional.

9. O ENTUSIASMO PELA EDUCAÇÃO

Na primeira década do século XX, o foco principal das atenções de nossa

elite intelectual foi desviado dos assuntos da educação. Nesse período, os

governos republicanos procuravam consolidar a hegemonia das oligarquias

agrárias no comando da política nacional. Nesse processo, coube papel de

destaque ao presidente Campos Sales, principal idealizador da chamada

política dos governadores, assentada no coronelismo no voto de cabresto e

nas fraudes eleitorais em benefício das oligarquias dominantes.

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Na década seguinte, quando o mundo sofria o drama da Primeira Guerra

Mundial (1914-1918), assistimos no Brasil a um novo momento de fervor e

entusiasmo pela educação, de algum modo semelhante àquele que se tinha

verificado no final do Império. Segundo Jorge Nagle, desenvolve-se um

movimento de “republicanos desiludidos com a república existente, república

que procuram redimir. Trata-se de um movimento de republicanização da

República pela difusão do processo educacional – movimento tipicamente

estadual, de matiz nacionalista e principalmente voltado para a escola primária,

a escola popular”.

Esse movimento, de cunho cívico-patriótico, está associado ao nome do

poeta Olavo Bilac e à formação da Liga de Defesa Nacional (1916). O

movimento postulava o combate ao analfabetismo (que atingia 85% da

população), a valorização da língua portuguesa e a formação de quadros para

as nossas forças armadas (pregação em defesa do serviço militar obrigatório).

Ressurgia com grande vigor a velha teses liberal que insistia em apontar a

ignorância do povo como a causa básica de todas as crises nacionais. “A

percepção romântica dos problemas da sociedade brasileira e de suas

soluções resulta numa superestimação do processo educacional: regenerador

do homem, ele é, consequentemente, o regenerador de toda a sociedade”

(Jorge Nagle. A educação na Primeira República. In.: História geral da

civilização brasileira, v. 9, p. 262).

10. A DÉCADA DE 20 E O ADVENTO DA ESCOLA NOVA

Durante o período colonial, o imperial e na maior parte da República Velha,

a ideologia econômica dominante dizia que o Brasil era um país de vocação

agrária. Isto é, um produtor de g6eneros agrícolas tropicais de exportação e

consumidor de produtos industrializados estrangeiros. Esse quadro manteve-se

até os anos finais da República Velha, quando 72,5% de nossa receita de

exportação provinha unicamente do café (1924-1928). Isso apesar das

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freqüentes crises de superprodução do café, que obrigava o Governo a investir

na política de valorização artificial dos preços desse produto.

Os anos da primeira Guerra Mundial provocaram dificuldades nas

importações brasileiras e favoreceram um certo surto industrial. Substituindo

progressivamente a importações, a indústria nacional foi conquistando o

mercado interno e forçando a diminuição da lista dos produtos importados. Em

1928, a renda industrial superou, pela primeira vez, a renda agrária.

Empregando um crescente número de operários e impulsionando o

crescimento urbano, a industrialização foi movendo as estruturas sociais do

País.

As populações dos centros urbanos que não estavam diretamente sujeitas

às pressões do coronelismo revelavam um crescente descontentamento contra

o tradicional sistema oligárquico que dominava o poder político da Nação. O

clima de descontentamento e revolta atingiu setores das Forças Armadas,

difundido-se entre os oficiais de baixa patente, dando origem às revoltas

tenentistas. A contestação contra as velhas estruturas também atingiu as elites

culturais, manifestando-se na Semana de Arte Moderna, de 1922.

Com a crise econômica mundial de 1929, foi impossível ao governo

brasileiro continuar obtendo empréstimos externos par manter a política de

valorização artificial dos preços do café. Numa tentativa desesperada para se

manter os preços do produto, que caíam violentamente, milhares de sacas

foram queimadas. Tudo em vão. Os preços desabaram e foi impossível conter

o desastre econômico que abalou a oligarquia cafeeira. A crise econômica

contribuiu para o rompimento político entre os principais setores da oligarquia

tradicional. Os grupos mais conscientes das classes dominantes perceberam

que não podiam mais conter a necessidade de se reformar as estruturas

caducas da República Velha. “Façamos a revolução, antes que o povo a faça”,

dizia o governador de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. O desfecho

desse processo foi a chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio

Vargas que, ao assumir o poder, abriu espaços para a manifestação das novas

forças políticas e econômicas que se formavam no País: os empresários

industriais, os militares, as classes médias urbanas e o proletariado industrial.

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Paralelamente às transformações que se desenvolviam na vida nacional da

década de 20, um grupo de intelectuais brasileiros, preocupados com os

problemas da educação, introduziram no País o ideário do movimento Escola

Nova, influenciados fundamentalmente pelas idéias dos educadores norte-

americanos John Dewey e seu discípulo William Kilpatrick.

Em face do notório fracasso do sistema educacional brasileiro e do

descontentamento com a pedagogia tradicional existente no País, as idéias

do movimento Escola Nova encontraram um campo fértil de difusão, sobretudo

nos setores progressistas da burguesia, dos intelectuais das classes médias

urbanas e dos tecnocratas espalhadas pelo Governo.

Nesse contexto histórico, desenvolveu-se um ciclo de reformas do ensino,

patrocinado pelos governos estaduais e inspirado nos ideais escola-novistas.

Os principais intelectuais e educadores responsáveis por essas reformas

foram: Sampaio Dória (1920, são Paulo), Lourenço Filho (1922, Ceará), Anísio

Teixeira (1924, Bahia), Bezerra de Menezes (1925, Rio Grande do Norte)

Antônio Carneiro Leão (1922, Distrito Federal; 1928, Pernambuco), Lisímaco

da Costa (1927, Paraná), Francisco Campos (1928, Minas Gerais) e Fernando

de Azevedo (1928, Distrito Federal).

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Considerações sobre o contexto político brasileiro no período pós-golpe

militar de 64.

Em 1963, meses antes do golpe militar que depôs o presidente João

Goulart e inaugurou a fase da ditadura mais prolongada de nossa história

republicana, urgia a necessidade de enfrentar diversos problemas através de

“reformas de base”, que era como se fosse um ponto pacífico para todos os

segmentos da sociedade. O que não ser revelava pacífico era, isto sim, o

conteúdo discreto de tais reformas. Que classes e setores de classe

beneficiaria e quais seriam sacrificados? Deveria-se levar em conta que

nenhum grupo social permite aos fenômenos econômicos terem seguimento

espontâneo porque, na verdade, espontâneo porque, na verdade, a

espontaneidade do processo nada significa além do fato de estar ele

subordinado às perspectivas e aos interesses de algum outro grupo. Em

conseqüência, a solução final de uma questão que comporta várias

alternativas, do ponto de vista estritamente econômico, dependerá da

movimentação e do acúmulo de forças que cada setor comprometido nessa

questão consiga mobilizar. Chamando a atenção para o fato de que, dado o

grau de penetração do capital estrangeiro e de integração da economia

brasileira no sistema imperialista, seria impossível a burguesia prosseguir com

a ideologia de compromisso entre as classes, concluía não restar à burguesia

brasileira senão posicionar-se entre estas duas alternativas: ou bem ela

caminharia para uma solução “radical-burguesa”- cujo modelo político seria o

Estado nasserista no Egito, entre 1953 e 1956 -, caso se sentisse

suficientemente forte para suportar as pressões do imperialismo e para manter

o controle do movimento popular, ou se integraria completamente ao

imperialismo, deflagrando um processo de violência antipopular.

Um pensador de esquerda, Mário Pedrosa, refletindo sobre o quadro

imediato ao golpe, destacou o fato de que, quando a burguesia brasileira optou

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por esta última solução, o fez em termos de um alinhamento ideológico

profundo com o imperialismo. O chanceler Vasco Leitão da Cunha definiu o

movimento militar de 31 de março como uma “contra-revolução preventiva”.

Esta colocação e definição é que mais se aproxima o significado do golpe de

1964, tanto em sua formulação quanto em profundidade. Esta formulação

consubstanciava, em suas linhas gerais, a doutrina reacionária forjada no

contexto da “guerra-fria”, pelos generais franceses derrotados na Indochina

(atual Vietnã) e na Argélia. A doutrina, elaborada na Escola Superior de Guerra

da França, transformou-se, a partir de 1956, na teoria dominante nos círculos

imperialistas em sua luta contra os movimentos de libertação nacional. Da

mesma forma que nos países coloniais, estaria em curso no Brasil, nos anos

1961-64, uma “guerra revolucionária”, contra a qual as “forças democráticas”

deveriam opor o devido antídoto. “O general Castello Branco” escreveu Mário

Pedrosa – “já como presidente da República, em discurso no Dia do Soldado,

em 1964, se referiu ao fato de que o trabalho de estágio de curso de Estado-

Maior em 1963 girava precisamente em torno do conceito de guerra

revolucionária” (In Brigadão, Clóvis. 1985).

Os militares brasileiros, ao adotarem tal doutrina, elaboraram um

esquema bastante simples para interpretar o desenvolvimento da luta de

classes em nosso país: os comunistas “apátridas”, com a cumplicidade do

presidente João Goulart, preparavam, apoiados na massa de manobra

representada pelos sindicatos de trabalhadores, uma verdadeira “guerra

revolucionária”. A denúncia da “República Sindicalista”, que surgira inicialmente

em 1953, quando Goulart ocupava a pasta do Ministério do Trabalho, foi

reeditada em 1964, e serviu para unificar as classes dominantes e para

catalisas o desespero das classes médias, ressentidas com a inflação e o

medo da proletarização.

O enquadramento do Brasil nos esquemas da “antiguerra revolucionária”,

mais aplicáveis a países coloniais, simplificou os termos em que a questão

estava colocada. Pois o golpe, uma “contra-revolução preventiva”, foi

desfechado em nome dos supremos interesses do capitalismo, real ou

supostamente ameaçados. Na raiz, o conflito social que conduzira a este

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desfecho era o que opunha o trabalho ao capital.

A ameaça à sobrevivência do capitalismo nesta parte do globo consistia,

contudo, mera falácia. O Partido Comunista Brasileiro, organização que nas

esquerdas detinha a hegemonia política e ideológica não representava a “hidra

da revolução” de que sempre falam os reacionários de todos os tempos e

países. O PCB cumpria, isto sim, o papel de uma força de sustentação da

política de desenvolvimento nacional e autônoma do capitalismo.

Porém era através daqueles esquemas mentais simplistas que os

generais percebiam a perda de substância social do governo Goulart.

Verificavam a falência do reformismo burguês na incapacidade crescente do

presidente em manter sob controle o movimento operário e aplicar um plano

econômico de estabilização. Quando a “agitação” chegou aos quartéis e as

classes médias desfilaram pelas ruas na marcha por “Deus, a Família e a

Propriedade”, sentiram-se suficientemente fortes para desfechar o golpe.

Em estudos de José Luiz Werneck da Silva, o referido autor efetua

algumas análises sobre a esquerda, com visões construídas sobre a forma de

exercício do poder político depois de 1964.

Apresenta-se, em algumas considerações a ditadura militar como sendo

uma ditadura aberta (pois não utilizava mais os mecanismos da democracia

representativa para ocultar a dominação burguesa) e indireta (uma vez que os

governantes não eram mais os representantes políticos tradicionais da

burguesia). As várias frações burguesas não teriam mais acesso direto ao

poder, não podendo fazer valer seus interesses na dependência do Executivo

de suas bases eleitorais. Resultava também dessa análise que, uma vez

eliminadas as possibilidades de um partido de oposição chegar ao poder, a

disputa passava para o campo das conspirações militares. A sucessão

presidencial seria disputada nos quartéis, onde as frações burguesas

expressavam-se indiretamente.

Um dos pontos mais interessantes nesta análise diz respeito ao

distanciamento entre poder político e suas bases de sustentação social sob a

ditadura militar. Por um lado, o distanciamento nunca chegou a uma

independência. O fato mesmo dos militares preservarem os mecanismos

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parlamentares e as eleições parlamentares e as eleições proporcionais revela

algo mais do que a simples composição de uma “fachada democrática” e a

“farsa eleitoral”: esses mecanismos viabilizaram um complexo esquema de

sustentação política do regime, onde se faziam as transações entre as frações

hegemônicas e as não-hegemônicas do bloco no poder ». A sociedade

brasileira era e continua sendo complexa demais para permitir um regime à la

Pinochet, por um longo período. Esses mesmos mecanismos, apesar de

subordinados a sem um papel de canal efetivo para pressionar o Executivo,

revelaram-se bastante eficazes recentemente, ao viabilizar institucionalmente a

“transição democrática pelo alto, via Colégio Eleitoral. Foi neste terreno

político-institucional da ditadura que, progressivamente, nas rachaduras do

bloco no poder, abertas a partir de 1974, o movimento liberal-progressita, com

o MDB à frente, acumulou forças para, por fim, ocupar o espaço do poder.

Por outro lado, a autonomia, ainda que relativa, da ditadura militar face às

suas bases de sustentação social, existiu efetivamente. Se a expressão maior

desta autonomia foi o terrorismo de Estado, adquiriu desdobramentos em

outros níveis da sociedade. No plano econômico avançou-se muito na direção

do capitalismo de Estado, como o fortalecimento e mesmo a criação de

empresas estatais como, na área da informática, a COBRA. Nas relações

externas, passou-se da política externa independente, vigente até 1964, para

uma política de interdependência do Brasil face aos Estados Unidos. Contudo,

esse alinhamento não impediu que a ditadura ensaiasse, diante de países

“fracos” da América do Sul, como o Paraguai e a Bolívia, um projeto

“subimperialista”.

É indispensável recuperarmos a história das lutas que conduziram a essa

longa tutela militar sobre as instituições burguesas no Brasil.

A intervenção militar na vida política nacional é um fenômeno histórico

cujas raízes mais remotas podem ser buscadas na Guerra do Paraguai.

Entretanto, somente a partir de novembro de 1935, por ocasião da tentativa

fracassada de uma insurreição comunista, é que as Forças Armadas

adquiriram consistência ideológica e “espírito de corpo” indispensáveis ao

desempenho de um papel específico na sociedade. Nas décadas seguintes, as

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FFAA interviriam sempre que a ordem estivesse ameaçada. Em, 1964, diante

da profunda crise nacional, esta intervenção assumiu novo caráter. Já não se

tratava pura e simplesmente de restabelecer a ordem. As FFAA assumiram o

lugar de “classe dirigente”, destinando-se a missão de instaurar uma nova

forma de organização do Estado. As etapas desse processo podem ser

historiadas através da seguinte periodização:

1) conjuntura da crise na implantação do movimento golpista, compreendendo

o período de 1964 a 1968;

2) conjuntura de solução da crise, compreendendo o período de 1968 a 1969;

e

3) conjuntura de consolidação da ditadura, compreendendo o período de 1969

a 1973.

Na primeira conjuntura, os militares ainda se debatiam com os

compromissos herdados da ampla coalizão reacionária que havia conduzido ao

golpe, na qual eles apareciam como “braço armado”.

A conspiração político-militar que derrubou Goulart foi preparada pelo

chamado complexo IPES/IBAD. O IPES, Instituto de Pesquisas e Estudos

Sociais, foi o seu “centro estratégico”, enquanto o IBAD, Instituto Brasileiro de

Ação Democrática, “agia como uma unidade tática”. Organização de elite do

“bloco de poder multinacional e associado” da burguesia, o complexo

IPES/IBAD estruturava-se numa rede civil e militar. Seus dirigentes vinham da

Associação Comercial do Rio de Janeiro, da Federação das Indústrias de São

Paulo, da Câmara de Comércio Americana, da Associação dos Diplomados de

Guerra. Contudo o IPES/IBAD não operava sozinho no campo do movimento

golpista. A presença de político conservadores e de direita, como Magalhães

Pinto, Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, representando outros interesses,

como sejam os do latifúndio e das classes médias, se fez na perspectiva de

que o golpe, ao destruir o esquema de sustentação política de Goulart e afastar

os trabalhadores organizados da cena política, “limparia o terreno” para a

ansiada sucessão presidencial. Os empresários do IPES/IBAD faziam objeções

a estes políticos. Eram favoráveis à candidatura do general Castello Branco,

que afinal se impôs. Mas, desse momento em diante as divergências na

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coalizão reacionária tornaram-se cada vez mais profundas, com uma crescente

dissociação entre os “civis” e os “militares”.

A vitória de candidatos do Parido Social Democrático, nas eleições

estaduais da Guanabara e em Minas Gerais, identificados pelos militares da

“ultradireita” como representantes do regime anterior, gerou em 1965, a

primeira crise de proporções entre os golpistas. Os militares da “ultradireita, ou

da “linha dura”, como eram chamados, exigiram o obtiveram de Castello

Branco uma série de medidas destinadas a limitar o jogo político-parlamentar e

a influência dos políticos “populistas”. As punições e inelegibilidades foram

ampliadas para abranger agora o campo dos aliados da véspera. E a mecânica

do poder produziu então um fenômeno interessante: inimigos em 1964,

Goulart, Lacerda e Kubitschek firmaram, na condição de cassados, aos 24 de

setembro de 1967, o Acordo de Montevidéu, integrando a Frente Ampla.

As raízes dessas dissensões devem ser localizadas, em última instância,

na política econômica imposta neste período. Esta política econômica orientou-

se claramente de acordo com a opção pelo aprofundamento da integração ao

imperialismo, então na sua forma multinacional. Evidentemente não foi o

arrocho salarial, imposto pela Lei n.º 4.725, de julho de 1965, sobre a massa de

assalariados, que teve o pendor de provocar as dissensões. Mais importantes

foram os efeitos das medidas econômico-financeiras destinadas a “sanear” a

economia, sito é, voltadas para acabar com a inflação através da restrição do

crédito e da circulação monetária. O resultado foi uma certa “racionalização” do

mercado capitalista, provocando uma de suas falências que afetou duramente

as pequenas e médias empresas, ao mesmo tempo em que consolidava o

domínio do capital monopolista, estrangeiro e nacional. Entre 1965 e 1967, as

classes médias, sobretudo a pequena-burguesia, viram-se novamente diante

do problema da proletarização e radicalizaram-se. Desta vez, elas voltaram-se

contra a direita. Quando, em 1966, o movimento estudantil voltou à cena, foi

entusiasticamente saudado pelas classes médias.

O movimento estudantil e o movimento operário, este a partir de 1967,

vinham crescendo no rescaldo da crise econômica, bem como nas brechas

políticas abertas pelas dissensões interburguesas e aproveitaram o

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descontentamento das classes médias. Tais movimentos, que começaram a

estabelecer os primeiros laços de contato em 1968, exprimiam uma nova

orientação ideológica no campo das esquerdas. Melhor dizendo, procuravam

uma via revolucionária de combate ao regime militar, caminho que o velho

Partido Comunista Brasileiro não se dispunha a trilhar. Os trabalhadores rurais,

profundamente atingidos pelo golpe de 1964, ficaram à margem desse

processo.

A segunda etapa, que compreende os anos de 1968 a 1969, é marcada

pela solução da crise através de reunificação das classes dominantes através

da reunificação das classes dominantes e da reconquista do apoio da pequena-

burguesia.

Um dos sinais mais importantes dessa evolução da conjuntura foi o

contínuo enfraquecimento do parlamentarismo e das soluções que, como a

Frente Ampla, propunham-se a catalisar a oposição “civil”. Já em fins de 1967,

os emedebistas mineiros retiravam-se da Frente. Em abril do ano seguinte,

através da Instrução 177 do Ministério da Justiça, o governo militar proibia

qualquer manifestação política em nome daquela agremiação. Em junho, a lei

instituindo os municípios de interesse da Segurança nacional era aprovada por

decurso de prazo, tendo os deputados oposicionistas denunciado a medida

como resultado de um manobra do líder do governo no Congresso. O que se

passava, afinal? Apesar dos protestos nas ruas, a ditadura militar se fortalecia.

Um progressivo deslocamento da correlação de forças para a direita estava em

curso em meados de 1968. A burguesia e a pequena-burguesia abandonavam

os seus representantes políticos tradicionais e aderiam à perspectiva de um

governo forte. Esta solução violenta afinal se impôs, em 13 de dezembro de

1968, com a decretação do Ato Institucional n.º 5.

Esse processo histórico de divórcio entre as classes e seus

representantes políticos, fenômeno caracterizado por Gramsci como de “crise

orgânica”, revelava, pois, que a burguesia havia abdicado de exercer

diretamente o poder político. Porém a burguesia fora “convencida” disto pelo

sucesso da política econômica que, naquele momento, estava produzindo os

primeiros resultados. A economia começava a sair da recessão. E a retomada

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do desenvolvimento minou também as bases de expansão do movimento

estudantil e favoreceu a reaproximação entre segmentos das classes médias e

a ditadura militar. Eis uma excelente análise desse processo: “Em 1867,

completada a ‘limpeza da área’, ou seja, redistribuída a propriedade segundo o

modelo de acumulação que asseguraria a retomada e o ‘milagre’, as várias

frações e setores da burguesia estavam coesos em torno do regime. Tornava-

se então possível reconquistar o apoio da pequena-burguesia também porque,

em parte, o desenvolvimento seguinte se processaria em cima do

‘consumismo’ dessa camada da população. Fatos que ilustram isso: a criação

de consórcios para a venda de automóveis; a política do BNH para a venda de

casas; a política creditícia e os financiamentos para a venda de todas as

modalidades de consumo. Afastado o temor do empobrecimento generalizado,

a pequena-burguesia reapurou os ouvidos para a fraseologia anticomunista,

moralista e ‘ordeira’ do regime. Nesse quadro, a passeata dos cem mil, na

Guanabara, não representou mais do que o agradecimento final da pequena-

burguesia, que se despedia daqueles que haviam encarnado suas

insatisfações. A grande imprensa e as ‘famílias’, aos poucos, passaram a ver o

movimento estudantil como sinônimo de subversão e de ameaça à ordem …”.

Os sinais do declínio das mobilizações de massa contra a ditadura

apareceram já no início do segundo semestre de 1968, após a queda do XXX

Congresso da UNE, em Ibiúna, e a intensa repressão à greve dos operários

metalúrgicos, em Osasco. Nesse quadro de descenso do movimento de

massas de oposição à ditadura, começou a se gestar, entre as suas lideranças,

aquele “espírito de seita” característico das fases de isolamento social.

Surgiram as formulações da “guerra revolucionária” contra a ditadura, o que

acarretou a reação à direita, ou melhor à “ultradireita”. As ações terroristas da

direita, até então apenas acobertadas pelo Estado, passaram a ser legitimadas

com a decretação de um “estado de guerra interna” e se oficializaram como

terrorismo de Estado, em 1969. “Estamos numa guerra” – disse o general

Médici -, “e não podemos sacrificar os nossos”.

Na terceira fase, de consolidação da ditadura sob a égide do AI-5, a

“ultradireita” nas Forças Armadas alcançou o seu momento de maior glória.

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Tiveram o presidente à altura da missão histórica de que se acreditava

imbuída, o general Emílio Garrastazu Médici.

Apesar de não ser uma criação dos militares, o aparelho repressivo do

Estado foi por eles extremamente aperfeiçoado e ampliado. Sancionados

juridicamente pela Lei de Segurança Nacional, de setembro de 1969 e pela

emenda Constitucional n.º 1, de outubro do mesmo ano, os órgãos de

repressão política permanecem, durante muito tempo intactos.

O esqueleto dessa estrutura compôs-se de uma rede de informações

políticas, ligada ao Poder Executivo através do Serviço Nacional de

Informações (regulamentado em junho de 1964); de órgãos voltados para

ações especificamente repressivas, essencialmente montados a partir da

generalização para todo o país, da experiência da Operação Bandeirantes

(OBAN), ligada ao Segundo Exército, com a criação, em 1970, dos Centros de

Operação de Defesa Interna (CODI) e de seus órgãos diretores, os

Departamentos de Operações e Informações (DOI); de grupos de controle

político no interior das Forças Armadas, de caráter secreto, chamados de E-2

no Exército, de M-2 na Marinha e de A-2 na Aeronáutica. As Políticas Militares

e até os Corpos de Bombeiros foram integrados nessa estrutura repressiva.

Os organismos especiais concorriam, na repressão política, com outros

órgãos do aparelho de Estado, já existentes desde antes do golpe, como os

Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS). Nos bastidores dessa

infernal máquina repressiva, construíram-se vínculos entre o poder

“legalmente” estabelecido e o mundo marginal do crime. Tais vínculos

envolviam mais diretamente o DOPS, onde delegados civis como Fleury

notabilizaram-se, entre outros seis “homens de ouro” do regime militar, na

repressão política às organizações de esquerda, postas na clandestinidade. Foi

também dentro dessa estrutura que se gestou a experiência dantesca dos

Esquadrões da Morte, envolvendo elementos oriundos das polícias militares,

cujos tentáculos mergulhavam no inferno social do subproletariado urbano. Não

podemos esquecer igualmente as múltiplas vinculações dessa monstruosa

máquina de matar, em sua complexa rede, com o poder civil: abrangia desde

simples porteiros de edifícios, transformados em delatores de movimentos

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suspeitos, até empresários, como Boilesen, do grupo Ultra, financiador da

OBAN em São Paulo. ‰

O núcleo central do poder político sob a ditadura militar foi a chamada

“comunidade de informações”, que tinha assento, juntamente com os

ministérios civis e militares, no Conselho de Segurança nacional. Dentro

daquela “comunidade”, o SNI tinha o papel de vanguarda. Seu mentor fora o

general Golbery do Couto e Silva. Por sinal, o serviço pôde ser organizado

porque contou com a estrutura dos grupos de informação e dos arquivos

montados pelo mesmo general do IPES, entre 1961 e 1964. A importância do

SNI pode ser melhor aquilatada quando consideramos que, inversamente ao

ocorrido com a “comunidade de segurança”, atualmente em desativada, ela

passou a exercer um papel ativo também na Nova República.

A esfera da repressão política constitui-se numa espécie de área privativa

dos militares, na qual a autonomia do poder foi mais longe. A partir de meados

de 1969, com o aparelho de repressão definitivamente montado, os militares

desencadearam uma “guerra suja” contra a “esquerda armada”. Uma vez tendo

desbaratado essas organizações, o terrorismo de Estado garantiu, pelo medo,

o imobilismo das remanescentes massas de reserva capazes ainda de se

engajar na luta.

Evidentemente houve resistência, a exemplo das oposições sindicais,

mas esta foi bastante atomizada e incapaz de ultrapassar os limites de um

movimento molecular. Sobreviveram, porém, aquelas forças políticas cujas

posições admitiam a convivência com o regime no estreito espaço a elas

conferido. Referimo-nos aqui à corrente liberal-burguesa agrupada no MDB e

aos políticos trabalhistas ou socialistas que naquela frente política encontraram

abrigo. Outra força política importante foi o “clero progressista”. Tendo

amadurecido a sua “opção preferencial pelos pobres” praticamente sob o

impacto do golpe de 1964, esta parte da Igreja Católica vinculou-se às classes

trabalhadoras por meio das “comunidades eclesiais de base” das “ações

pastorais”. Contudo, só pode sobreviver porque a Igreja Católica

estabelecedora uma concordata tácita com o regime militar.

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Gadotti, em sua obra Concepção dialética da educação, destaca que “as

lutas pela dominação do aparelho do estado por facções da burgusia

possibilitaram ao movimento popular algumas vitórias significativas” (p. 115).

Porém, estas conquistas anteriores, eram vistas agora como um perigo

para o “regime democrático”, tornando-se necessário a adoção de medidas que

viessem a frear estes movimentos.

Assim, sob a moldura da ditadura militar, o MDB e a Igreja Católica

constituíram-se, institucionalmente, nos únicos canais de expressão da revolta

social e política. Ao mesmo tempo, as forças políticas nelas abrigadas

detiveram praticamente o monopólio da palavra oposicionista.

A ausência de liberdades limitou as possibilidades de aprendizado político

por parte das classes trabalhadoras e da classe operária em particular, num

momento em que estas passavam por uma profunda metamorfose em termos

de tamanho, composição e peso social. Em outras palavras: a classe operária

não encontrava condições propícias para o amadurecimento de uma

consciência social. A dura experiência da exploração capitalista nos anos da

ditadura militar produziu, na classe, um sentimento anticapitalista difuso.

Politicamente, porém, não podia ultrapassar os limites que a oposição legal,

secundada pelo “clero progressista”, expressava. Um certo democratismo

pequeno-burguês, ingênuo, foi a característica do comportamento político da

classe operária, mormente nas eleições proporcionais de 1974. O peso desse

voto fortaleceu o movimento liberal antiditadura legitimando-o como uma

alternativa futura para a sociedade.

Pode-se constatar que a tomada do poder, através do golpe militar, não

foi um simples golpe, e sim uma profunda articulação política, abrangendo

tanto as estruturas internas e externas. Todas as conquistas efetuadas no

período anterior foram quase que totalmente aniquiladas.

O Estado organizado pelos militares teve como característica marcante a

coerção (no sentido utilizado por Gramsci).

Em certo momento, mesmo os intelectuais envolvidos com o processo de

revolução, ou com as reformas, ou até mesmo os liberais, já não serviam, eram

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tidos como “não confiáveis”.

Buscou-se desta forma obter um controle ideológico da sociedade, e o

melhor caminho seria justamente divulgar essa nova “ideologia”. Desta maneira

efetuaram diversos “cortes” em nossa educação. Primeiro instituíram a

chamada Educação Moral e Cívica, posteriormente a Organização Social e

Política Brasileira, isso a nível de primeiro e segundo segmento da instrução

escolar, e a nível superior (que é o que nos interessa), a conhecida E.P.B., ou

Estudo de Problemas Brasileiros.

Constata-se através do estudo da história da educação brasileira, que

nossos governantes sempre tiveram uma maior preocupação com a formação

da elite dirigente, caracterizada principalmente pela grande preocupação do

Governo da União, com a manutenção, organização e controle do ensino

superior.

Buscava-se desta forma, não só descobrir os subversivos, como também

eliminá-los, e reduzir o seu grau de influência.

A implantação das disciplinas citadas, mais a supressão dos estudos na

área de Filosofia e Sociologia, oportunizaram justamente o bloqueio ao alcance

de conhecimentos críticos acerca da própria sociedade, seu desenvolvimento,

sua história, sua composição etc., fatores estes que acabaram por dificultar por

parte dos alunos, e até mesmo por parte do corpo docente, utilizar,

compreender, desenvolver e aprimorar a cidadania, tolhidos que foram pelo

sistema imposto pelo golpe militar.

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Considerações sobre Cidadania no ensino superior e na sociedade

brasileira

Cunha destaca que “os acordos MEC-USAID cobriram todo o espectro da

educação nacional (...) e encerraram essa fase dos movimentos de educação e

cultura popular, dos quais outras formas surgiram no final dos anos 60 ... (p.

33-4).

Constata-se que professores, trabalhadores e outros elementos

engajados com os movimentos de busca da cidadania, foram cassados, presos

e exilados, neste período conhecido como “anos de chumbo”.

Segundo Cunha, a imprensa, após a posse do Primeiro Presidente da

República civil, apresentou um balanço do período da ditadura:

“... 17 atos institucionais, 130 atos complementares (todos contra a

Constituição, mesmo a da Junta Militar), 11 decretos secretos e

2.260 decretos-leis” (p. 36)

Não é difícil constatar que a repressão foi a grande tônica do período de

ditadura militar. Repressão esta que atingiu todos os níveis, fosse o Congresso

Nacional, teatro, televisão, rádio, jornais, revistas, escolas, universidades etc.

As medidas foram as mais intransigentes, indo desde a demissão,

suspensão, ou até mesmo aposentadoria, com cassações, banimentos e

exílios.

Anísio Teixeira foi demitido após o golpe da Unb, professores e

estudantes foram expulsos, quebrando-se desta forma quaisquer indícios de

resistência que porventura pudessem surgir.

Estávamos assim, tendo, como o próprio Cunha afirmou, “uma educação

pela repressão”.

Esta repressão se fez notar durante muito tempo, pois várias obras de

cunho “comunista” e “socialista”, e até mesmo com traços da “esquerda”,

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fossem elas de cunho social ou não, ou foram destruídas, impedidas de circular

e de acesso altamente restrito (somente as elites dirigentes tinham aceso). Tal

fato impediu o desenvolvimento de uma consciência crítica acerca da

importância da participação popular nos círculos do poder, pois não havendo

como se basear, e mesmo proibidos através dos atos institucionais, não havia

forma de conferenciar sobre a importância da participação política, e

conscientização sobre cidadania.

O decreto-lei 477, de fevereiro de 1969, ampliou o poder de controle

sobre a universidade brasileira, aumentando a repressão tanto política quanto

ideológica. Este decreto-lei causou diversos prejuízos para o desenvolvimento

intelectual da sociedade brasileira.

Este estado autoritário desenvolvido pelo golpe militar, deixou seqüelas

as quais ainda não foram totalmente absorvidas pela sociedade, principalmente

pela intelectualidade nacional, pois foi aberto um lapso de tempo os quais

prejudicou a pesquisa em diversos níveis, pois somente a pouco tempo

obtivemos acesso as obras de Antônio Gramsci, Rosa de Luxemburgo,

Vygotsky, Bahkin, Lenin, e outros pensadores de esquerda.

Tais medidas impediram o desenvolvimento de um pensamento voltado

para a cidadania, pois perdemos o fluxo da participação política das classes

sociais, pois somente os que tinham o poder de barganha puderam tirar algum

proveito da situação instaurada, e foi justamente a elite dominante a que maior

proveito pode tirar da situação.

Martin Carnoy destaca que “a reprodução no interesse de uma classe

social particular automaticamente implica a existência de antagonismo de

classe e de potencial para a luta de classe”.

Desta forma ao mesmo tempo em que a educação serve para escolarizar

a sociedade, serve muitas vezes para manutenção de uma sociedade classista,

pois somente os membros oriundos das classes sociais mais elevadas tem

ingresso no curso superior, pois freqüentam desde a mais tenra idade as

melhores escolas.

A transformação da sociedade, em uma sociedade mais justa e mais

democrática somente realizar-se-á a partir do momento em que todos possam36

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usufruir das benesses da sociedade, sem distinção de classes sociais.

Carnoy destaca ainda que:

“... a educação representa uma das poucas esperanças demobilidade social de geração a geração para a maioria das famílias eindivíduos, de tal maneira que, enquanto a ideologia da realizaçãoeducacional persistir, também persistirá a exigência de maiseducação como um instrumento para a obtenção de status.

Assim, apesar de constatarmos muitas vezes na prática que a obtenção

de um diploma de nível superior não assegurar uma ascensão social,

principalmente em termos econômicos, a educação continua a exercer um

fascínio em termos de exigência para o sucesso.

As modificações introduzidas pela Lei n.º 5.540/68, buscava produzir uma

expansão do nível superior, contudo buscava também diminuir os custos

operacionais com a manutenção do mesmo. Porém, seguia as propostas dos

acordos efetuados entre MEC/USAID, tais como: departamentalização; a

matrícula por disciplina; o curso básico; a institucionalização da pós-graduação.

O que se vai notar é que muitos daqueles que ingressam em uma

universidade, ou mesmo faculdade, junto com os outros elementos em uma

mesma turma e curso, dificilmente, em virtude das propostas anteriores, irá

concluir o curso ao mesmo tempo, sendo comum estudarem com elementos de

outros cursos e departamentos, o que acabava dificultando que os estudantes

tivessem uma maior integração, e posterior força para reivindicação.

Saviani nos lembra que “... intelectuais que, a despeito de assumirem

posições progressistas nas cátedras universitárias, por devotarem manifesto ou

velado desprezo à educação e por lhe negarem o caráter de objeto digno de

ser tratado com a seriedade acometida às ciências e à filosofia, participam,

reforçam e legitimam a grande mistificação que tem caracterizado o trato das

questões educacionais neste país” (Saviani, 1986, p. 38)

Contudo, é justamente para adquirir cidadania que é mister que o ensino

superior exerça o seu verdadeiro papel, não só formando a elite dirigente de

um país, mas contribuindo para tornar mais real e democrática as relações

sociais, em todos os níveis, de uma nação.

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CONCLUSÃO

O Ensino Superior é de importância fundamental para o desenvolvimento de

qualquer sociedade, principalmente nas sociedade democráticas. Contudo, é

necessário que este ensino dito superior, esteja voltado para os reais

interesses da sociedade, oportunizando e ampliando não só o próprio

conhecimento, seja através de extensões, pesquisas, projetos etc., mas

desenvolvendo um aspecto primordial em uma sociedade: a cidadania.

Contudo, conforme pudemos constatar através do desenvolvimento da

história da educação brasileira, a cidadania nunca teve a sua importância

reconhecida, pois apesar do discurso de investimentos na educação, ainda não

se encontrou a tão sonhada qualidade, apesar de terem ampliado a quantidade

de vagas, mas nem por isso conseguiram ainda, democratizar realmente o

ensino.

Somente através de uma verdadeira democratização do ensino, e isso em

todos os níveis, poderemos obter um grau de cidadania aceitável para os

padrões modernos de nossa existência, pois conforme destaca Paulo Freire “o

opressor elabora a teoria de sua ação necessariamente sem o povo, pois que é

contra ele”.

Assim devemos buscar justamente tomar consciência da importância da

participação dos diversos segmentos que compõem a sociedade para que

possamos realmente adquirir cidadania.

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