Educação e Mudança

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18/09/2015 user.d as.ufsc.b r/~andrer/ref/bibliogr/educ/educ1.h tm http://user. das.ufsc. br/~andrer/ref/bibliogr/educ/educ1. htm 1/9 Educação e Mudança  Autor: Paulo Freire  Editora: Paz & Terra  Ano: 1997  Pontos Marc antes: A importância do homem como sujeito da sociedade. 1. O compromisso do Profissional com a Sociedade 2. A Educação e o Processo de Mudança Social 3. O Papel do Trabalhador Social no Processo de Mudança 4. Alfabetização de Adultos e Conscientização 1. O compromisso do Profissional com a Sociedade As palavras deste título a ser analisado não estão ali por acaso, mas encontram-se comprometidas  entre si e implicam uma determinada posição de quem as expressou. O compromisso envolve uma decisão lúcida e profunda em um plano do concreto. E surge a questão: "Quem pode comprometer-se?" A resposta a esta questão, voltada para a visão ontológica do sujeito do compromisso, conduz , através da análise da natureza do ser que é capaz de comprometer-se, a busca da essência do ato comprometido. A primeira condição de comprometimento é a capacidade de agir e refletir, de abstrair-se do mundo e poder compreen der o condicionamento da consciência por este meio ambiente. Sem esta capacidade de conscienti zação da influência do mundo, seu estar n este mundo se reduz a um não poder transpor os limites impostos pelo próprio mundo. Esta impossibilidade de abstração transforma o ser em um escravo do presente, o que impede o relacionamento com o mundo, mas apenas o contato com o mesmo, contato que não gera mudanças no mesmo, mas apenas perpetua a sua condição presente. Somente um ser capaz de abstrair-se do seu mundo, do seu tempo, de tornar-se um ser histórico, é capaz de comprometer-se. Mas será que somente a capacidade gera o compromisso? Para responder esta questão devemos abandonar o homem abstrato e analisar o homem concreto, em um mundo concreto, pois é através da relação do homem com o mundo, com a realidade, que ele desenvolve ou atrofia a sua capacidade de ação e reflexão. Assim, o homem desenvolve ou condiciona o pleno exercício de sua maneira humana de existir. E a realidade não transforma-se por si só, mas, ao mesmo tempo que dificulta a ação transformadora do homem, é criação do mesmo homem. E no jogo interativo do atuar-pensar o mundo a percepção dos obstáculos permite que a sua razão de ser seja compreendida. Quando o homem comprometido é impedido de atuar, é induzido a superar esta situação de frustração. Este homem, comprometido com a humanidade, com a história e com a realidade, não pode dizer-se neutro, pois a neutralidade é puro reflexo do medo do compromisso, reflexo do "comprometimento" consigo mesmo, trata-se de uma neutralidade impossível. O verdadeiro compromisso é a solidariedade, e jamais pode se resumir em gestos de falsa generosidade, nem em atos unilaterais, pois a essência do compromisso é o encontro dinâmico de homens solidários que leva a um inter-relacionamento amoroso.

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O que é educação

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Educação e Mudança

Autor: Paulo Freire

Editora: Paz & Terra

Ano: 1997

Pontos Marcantes: A importância do homem como sujeito da sociedade.

1. O compromisso do Profissional com a Sociedade2. A Educação e o Processo de Mudança Social3. O Papel do Trabalhador Social no Processo de Mudança4. Alfabetização de Adultos e Conscientização

1. O compromisso do Profissional com a Sociedade

As palavras deste título a ser analisado não estão ali por acaso, mas encontram-se comprometidas entre si eimplicam uma determinada posição de quem as expressou.

O compromisso envolve uma decisão lúcida e profunda em um plano do concreto. E surge a questão: "Quempode comprometer-se?" A resposta a esta questão, voltada para a visão ontológica do sujeito do

compromisso, conduz , através da análise da natureza do ser que é capaz de comprometer-se, a busca daessência do ato comprometido.

A primeira condição de comprometimento é a capacidade de agir e refletir, de abstrair-se do mundo e podercompreender o condicionamento da consciência por este meio ambiente. Sem esta capacidade deconscientização da influência do mundo, seu estar neste mundo se reduz a um não poder transpor os limitesimpostos pelo próprio mundo. Esta impossibilidade de abstração transforma o ser em um escravo dopresente, o que impede o relacionamento com o mundo, mas apenas o contato com o mesmo, contato quenão gera mudanças no mesmo, mas apenas perpetua a sua condição presente. Somente um ser capaz deabstrair-se do seu mundo, do seu tempo, de tornar-se um ser histórico, é capaz de comprometer-se.

Mas será que somente a capacidade gera o compromisso? Para responder esta questão devemos abandonaro homem abstrato e analisar o homem concreto, em um mundo concreto, pois é através da relação dohomem com o mundo, com a realidade, que ele desenvolve ou atrofia a sua capacidade de ação e reflexão.Assim, o homem desenvolve ou condiciona o pleno exercício de sua maneira humana de existir.

E a realidade não transforma-se por si só, mas, ao mesmo tempo que dificulta a ação transformadora dohomem, é criação do mesmo homem. E no jogo interativo do atuar-pensar o mundo a percepção dosobstáculos permite que a sua razão de ser seja compreendida. Quando o homem comprometido é impedidode atuar, é induzido a superar esta situação de frustração.

Este homem, comprometido com a humanidade, com a história e com a realidade, não pode dizer-se neutro,pois a neutralidade é puro reflexo do medo do compromisso, reflexo do "comprometimento" consigo mesmo,trata-se de uma neutralidade impossível. O verdadeiro compromisso é a solidariedade, e jamais pode seresumir em gestos de falsa generosidade, nem em atos unilaterais, pois a essência do compromisso é oencontro dinâmico de homens solidários que leva a um inter-relacionamento amoroso.

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E este é o ponto de partida, pois o profissional antes de ser um profissional é um ser humano, que pode estarautenticamente comprometido, falsamente "comprometido" ou impedido de verdadeiramente comprometer-se. O profissional deve desenvolver, além do comprometimento inato de ser humano, o comprometimentocomo profissional, uma dívida que assume ao fazer-se profissional.

Mas este compromisso não deve dicotomizar-se do compromisso original de ser humano, transformando oser humano em um escravo da técnica, pois é ela que deve servir o homem e não o oposto. À medida que oprofissional aprimora seu conhecimento, maior é a sua responsabilidade com os homens, não podendo

alienar-se como dono da verdade, proprietário do saber, mas devendo tornar-se agente da solidariedade.

É essencial o contínuo aprimoramento na evolução da visão ingênua para uma visão crítica da realidade, quepermita ao profissional compreendê-la como algo dinâmico e mutável. E o comprometimento deve dar-secom a totalidade e não com uma visão ingênua, parcial da realidade, que transformaria o homem em objetoda técnica.

A alienação cultural que vem sofrendo nossa sociedades, principalmente as de economia periférica, conduz àfalta de autenticidade em seu comprometimento. A importação de técnicas e tecnologias provenientes deoutras culturas leva à alienação do profissional, que termina por considerá-las neutras, e perde sua visão

crítica sobre as mesmas.E a alienação cultural, assim como outras formas, inibe o processo criativo e a coragem decomprometimento, estimulando o formalismo e o superficialismo. O pensamento do homem alienado estápreso ao contexto incorporado, perdendo sua força, pois não é autêntico. Como comprometer-se destemodo?

É necessária, na América Latina, uma séria reflexão, por parte de seus profissionais, sobre sua realidadealtamente dinâmica, não como agentes passivos, mas como homens comprometidos com a busca de umprojeto nacional.

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2. A Educação e o Processo de Mudança Social

Introdução

O núcleo fundamental que motiva o processo educacional é a consciência do ser humano como incompleto,inacabado, que resulta em uma busca constante pelo que julga faltar em sua reflexão sobre si mesmo para

alcançar a perfeição. E este processo, onde o homem é sujeito e não objeto, é um processo pessoal, masnão individual, proporcionando uma verdadeira comunhão de consciências.

Saber-Ignorância

A educação envolve graus não absolutos, pois somente Deus sabe de maneira absoluta, e como não existesabedoria absoluta, também não existe ignorância absoluta, mas uma relativização do saber ou da ignorância.O saber é em si mesmo o testemunho do novo saber que irá superá-lo.

Amor-Desamor

O amor é uma intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam e que são sujeitas desse amor,mas a ânsia de impor-se aos demais pode distorcer o amor. Quem não for capaz de amar os seresinacabados não é capaz de educar, dado que não há educação imposta assim como não há amor imposto.Nada se pode temer da educação quando se ama.

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Esperança-Desesperança

Não se inicia uma busca sem esperar algo, por isso não existe educação sem esperança.

O Homem – Um Ser de Relações

A capacidade de distinguir entre o eu e o não-eu permite ao homem sair de si e projetar-se no outro,tornando-o um ser de relacionamentos e não apenas de contatos.

Características

O homem tende a captar uma realidade, fazendo-a objeto de seus conhecimentos. À medida que suarealidade é melhor compreendida, novas hipóteses podem ser levantadas sobre o desafio dessa realidade enovas soluções podem ser buscadas. O homem termina por criar um mundo próprio a partir da realidadecircundante, sua cultura. E a cultura, totalidade de criações humanas é resultado da consciência humana domundo e da possibilidade de transformá-lo.

A educação não é um processo de adaptação do indivíduo à sociedade, mas um mecanismo de

transformação em busca do ser mais. O homem, diferentemente de Deus, a quem não existe tempo, e dosanimais, que estão sob o tempo, está no tempo, dimensionando-se e tendo consciência de um ontem e de umamanhã.

A educação deve estimular a opção e afirmar o homem como homem. Quanto mais dirigidos porpropagandas de massa, mas objeto se torna o homem. Ao contrário, quanto mais rebelde e indócil, mais écriador.

As relações humanas são, portanto, reflexivas, conseqüentes, transcendentes e temporais.

O Ímpeto Criador do HomemA educação é mais autêntica quanto mais desenvolvido o ímpeto ontológico de criar do ser humano,devendo ser desinibidora e não restritiva. A domesticação é a negação da educação, a negação dodesenvolvimento de uma consciência crítica individual que permita ao homem transformar a realidade. E aatividade criadora permite ao homem responder aos desafios do mundo.

Conceitos de Sociedade em Transição

Uma determinada época histórica é constituída por determinados valores na busca da plenitude, que

determina a constante transformação da sociedade. Quando os fatores comportamentais do ser humanorompem o equilíbrio, os valores começam a decair, até que novos valores surgem para atender aos novosanseios da sociedade, que, como não morre, continua na busca da plenitude agora baseada neste novosvalores. A este período denomina-se transição.

A transição depende do ontem na busca de um novo amanhã, não devendo estar alienada desta visãotemporal de sua evolução.

Características de Uma Sociedade Fechada

A sociedade fechada se caracteriza pela conservação do status ou privilégio e por desenvolver todo umsistema educacional para manter este status. O s intelectuais são dignos e os manuais são indignos. Por issoas escolas técnicas se enchem de filhos das classes populares e não das elites. Estas sociedades também secaracterizam pelo analfabetismo e pelo desinteresse pela educação básica dos adultos.

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Sociedade Alienada

A imitação elimina a identidade, como no caso das sociedades importadoras de culturas que se tornamalienada, perdendo a consciência de seu próprio existir, a sua realidade objetiva, que é substituída por umarealidade imaginária baseada na visão de outra cultura. Isto leva a nostalgia de desejar pertencer a outracultura e ter vergonha da sua. Quanto menos nativo for o indivíduo mais culto se julga, quando na realidadeestá negando a sua cultura.

O erro não está na imitação, mas na passividade com que a mesma é recebida, na falta de análise eautocrítica. A sociedade alienada não se conhece a si mesma; é imatura, tratando de conhecer a realidadepor diagnósticos estrangeiros. Os problemas e soluções são importados em detrimento da realidade nativa,seja qual for, o que é muitas vezes impulsionado por dirigentes ingênuos às diferenças culturais.

As soluções estrangeiras devem ser estudadas e integradas num contexto nativo, devem ser criticadas eadaptadas em um processo de desalienação.

Uma Sociedade em Transição

A pressão de determinados fatores externos despedaça uma sociedade fechadas, mas a abre. Um processode desalienação, com o surgimento de novos valores, indica a abertura da sociedade, determinando doisposicionamentos, o reacionário e o progressista.

Existe uma série de fenômenos sociológicos que têm ligação com o papel do educador. Nesta etapa desociedade existem, primeiramente, as massas populares passivas. Quando a sociedade se incorpora nelas seinicia a democratização fundamental, impelindo à participação, a busca de seu processo histórico, de suaparticipação no mesmo. E a educação mostra-se como um propulsor a esta participação, o que leva a buscada educação das massas.

E a elite reage de modo paternalista buscando mecanismos de repressão, tais como os empregados nasditaduras, ou de domesticação, tais como instituições de assistência social.

Uma sociedade justa dá opções das massas às massas e não a opção que a elite tem. A consciência criadorae comunicativa é democrática. As convicções devem ser profundas, mas nunca impostas, pois através dodiálogo se tratará de convencer-se com amor, o inverso do sectarismo que busca o poder manobrando asmassas, mas repelindo-as da participação nesse mesmo poder.

A "Consciência Bancária" da Educação

Isto ocorre quando o educando se torna um depósito de conhecimentos, onde sua capacidade criativa é

menosprezada. A experiência revela que neste sistema só se formam indivíduos medíocres, devido a falta deestímulo à criação. Quem aparece como criador é um inadaptável e deve nivelar-se aos medíocres. Emnossas escolas se enfatiza muito a consciência ingênua.

A Consciência e Seus Estados

O homem é consciente e, na medida em que conhece, tende a se comprometer com a própria realidade.

O primeiro estado da consciência é a intransitividade que produz uma consciência mágica, onde as causasque se atribuem aos desafios escapam à crítica e se tornam superstições. Quando a sociedade sofre

mudanças, a consciência se promove em transitiva, partindo de uma visão ingênua até alcançar um carátercrítico, o que depende de um processo educativo de conscientização. Se houver a falta de conscientização otecnicismo é intensificado e a consciência é abalada, tornando-se fanática, o que é próprio do homemmassificado. Na consciência ingênua há uma busca de compromisso; na crítica há um compromisso e, nafanática, uma entrega irracional.

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Características da Consciência Ingênua

Simplicidade e superficialidade. Saudosismo. Tendência à massificação. Desvalorização do homem simples.Não busca profundidade científica. É frágil na discussão dos problemas. Tem forte conteúdo passional.Apresenta fortes compreensões mágicas. Diz que a realidade é estática e não mutável.

Características da Consciência Crítica

Anseio de profundidade. Reconhece a realidade como mutável. Busca princípios autênticos de causalidade.Procura comprovar as descobertas. Está sempre disposta a revisões. Evita preconceitos. É inquieta. Repeletoda transferência de responsabilidades e de autoridade e aceita a delegação das mesmas. É indagadora,investiga, força, choca. Não exclui o velho face ao novo, mas aceita-os na medida em que são válidos.

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3. O Papel do Trabalhador Social no Processo de Mudança

A frase do título não é um conjunto de meros sons com rótulo estático, "uma frase feita", mas envolve umtema significativo, sendo, em si, um problema, um desafio.

No entanto o papel do trabalhador social não se restringe ao processo de mudança em si, mas pertence a umdomínio mais amplo, a estrutura social, do qual a mudança é uma das dimensões. A estrutura social não ésomente imutável nem somente estática, de modo que a essência do ser da estrutura social é a "duração" dacontradição entre ambos.

Mudança e estabilidade resultam ambas da ação, do trabalho que o homem exerce sobre o mundo. E ao

responder aos desafios que partem do mundo, cria seu mundo: o mundo histórico-cultural. E este mundo sevolta sobre o homem, condicionando-o, e o mesmo não pode fugir de sua própria criação.

A mudança implica em uma constante ruptura, enquanto a estabilidade encarna a tendência desta pelacristalização da criação, de modo que não se pode estudar a mudança sem estudar a estabilidade,submetendo a própria estrutura social à reflexão.

Assim, o trabalhador social que atua numa realidade mutável precisa compreender-se como um ser emrelação com esta realidade e com outros homens tão condicionados como ele pela realidade. E a reflexãosobre sua relação com a realidade permite detectar o caráter preponderante da mudança ou estabilidade, narealidade social na qual se encontra, ou seja, permite perceber as forças apontam para a mudança e as que

apontam para a estabilidade.

O trabalhador social não pode ser um homem neutro frente ao mundo, mas tem que fazer a sua opção, ouadere à mudança no sentido da humanização ou fica a favor da permanência. E esta opção determinará tantoo papel como seus métodos e suas técnicas de ação.

Se a opção for para frear as transformações, o homem se preocupará em mitificar a realidade e buscarásoluções assistencialistas, encaminhando-se no sentidos da paralisação. Os métodos de ação não deixamlugar para a comunicação e a cooperação, mas para a manipulação ostensiva ou disfarçada. Não interessa arevisão da percepção da realidade condicionada pela estrutura social em que se encontram.

No momento em este condicionamento é percebido, alcança-se uma percepção capaz de se ver, o quepermite ao homem descobrir sua presença criadora e potencialmente transformadora da realidade, o queleva a substituir o fatalismo por uma esperança crítica que move os homens para a transformação, objetivodo trabalhador social que opta pela mudança.

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Este último procura e vive a comunicação e o seu esforço, de caráter humanista, centraliza-se no sentido dadesmitificação do mundo, de modo que os homens não sejam objetos, mas sujeitos da estrutura social. Amudança não é vista como uma ameaça e o trabalhador social torna-se um agente de mudança da estruturasocial (um agente e não o agente).

A estrutura social, que deve ser mudada, é uma totalidade e o trabalhador social deve analisar a validez ounão das mudanças parciais ou da mudança por partes, antes da mudança da totalidade. Além disso, nãodeve o trabalhador social ser ingênuo quanto à não reação das forças contrárias frente a mudanças parciais.

É normal o aprofundamento do antagonismo entre os que querem e os que não querem a mudança, o queleva a criação de novos mitos contra a mudança. O papel do trabalhador social, neste contexto, não é o deneutralizá-los com mitos contrários, mas o de problematizar a realidade aos homens, proporcionando adesmitificação da realidade mitificada.

Outro aspecto importante é a possibilidade de ter-se da estrutura social uma visão focalista de fora, normalem uma sociedade em que o centro de decisão não se encontra em seu ser, mas no ser de outra sociedade,em um quadro de dependência. Assim, nem sempre é viável a quem realmente opta pelas transformaçõesfazê-las como gostaria e no momento em que gostaria. Além do desejo de fazê-las, há um viável ou um

inviável histórico do fazer. O papel do trabalhador social que optou pela mudança, neste contexto, é o deatuar e refletir com os indivíduos com quem trabalha para conscientizar-se junto com eles das reaisdificuldades da sua sociedade, o que implica na constante necessidade de ampliar seus conhecimentos.

Outro ponto que também exige uma reflexão crítica é sobre a mudança cultural, que será ou deixará de serum "associado conseqüente" ou "eficiente" do quefazer conforme a estrutura social se encontre,concretamente ou não, em transformação.

Se uma realidade for vista como algo imutável, a tendência dos indivíduos é adotar uma postura fatalista esem esperança, levando-o a buscar fora da realidade a explicação para sua impossibilidade de atuar, umapercepção mágica da realidade. É necessária, pois, uma mudança de percepção da realidade, de distorcida

para crítica.

Esta mudança de percepção implica no enfrentamento do homem com sua realidade, de que a mesma sejaad-mirada em sua totalidade e por dentro, em uma visão mais crítica e profunda da sua situação na realidadeque não condiciona. Implica em reconhecer-se homem que deve atuar, pensar, crescer, transformar e nãoadaptar-se fatalisticamente a uma realidade desumanizante. Esta conscientização conjunta com os indivíduoscom quem se trabalha é o papel do trabalhador social que optou pela mudança.

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4. Alfabetização de Adultos e Conscientização

Instrumentação da Educação

A instrumentação da educação, mais que a simples preparação de quadros técnicos, depende da harmoniaobtida entre a vocação ontológica do homem, um ser "situado e temporalizado", e as condições especiaisdesta temporalidade e desta situacionalidade. Quanto mais for levado e refletir sobre sua situacionalidade,sobre seu enraizamento espaço-temporal, maiior será sua consciência crítica de compromisso com arealidade, da qual, porque é sujeito, não deve ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais.

Por isso, a educação, para objetar um sujeito, deve estabelecer uma relação dialética com o contexto dasociedade à qual se destina, fugindo do falso dilema "humanismo-tecnologia", que poderia resultar na derrotana batalha do desenvolvimento, no lado humanista, ou na massificação, no lado tecnicista.

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O Homem como um Ser de Relações

O homem não só está em, como está com a realidade, que é objetiva e com a qual ele se relaciona.Diferentemente de simples contatos, as relações do homem com a realidade guardam em si conotações depluralidade, criticidade, conseqüência e temporalidade. A pluralidade envolve a reação do homem a umaampla variedade de desafios do mundo, na medida em que não se esgota num tipo padronizado de resposta,mas busca a melhor resposta.

A sua capacidade de separar órbitas existenciais, de discernimento do tempo e de sua dimensão, permitiramao homem tomar consciência de sua temporalidade e de sua historicidade, o que transforma suas relaçõescom a realidade em algo conseqüente. E fugindo da mera passividade, o homem, criando e recriando,integrando-se às condições de seu contexto, lança-se no domínio que lhe é exclusivo, o da história e dacultura.

E essa integração, que se aperfeiçoa na medida em que o homem se faz crítico, lhe dá consciência de suatemporalidade. E é porque se integra na medida em que se relaciona, e não somente se julga e se acomoda,que o homem cria, recria e decide. E assim vai acrescentando algo ao seu mundo, vai temporalizando osespaços geográficos, faz cultura. E é este jogo criador que impede a imobilidade das sociedades e das

culturas.

O Homem e a Sua Época

O jogo criador apresenta melhores resultados sempre que o homem, integrando-se no espírito das épocashistóricas, se apropria de seus temas e reconhece suas tarefas concretas baseando-se em uma atitude crítica.E uma época realiza-se na proporção em que seus temas forem captados e suas tarefas resolvidas, e sesupera na medida em que os temas e as tarefas não correspondam a novas ansiedades emergentes. Apassagem de uma época para outra caracteriza-se por fortes contradições que aprofundam entre valoresemergentes e os valores do ontem.

A Transição

Esta passagem, denominada transição, apresenta um aspecto desafiador, tornando-se um tempo de opções.A transição implica na marcha concreta da sociedade na busca de sua objetivação, através não somente demeras mudanças, mas do surgimento de novos temas que vem substituir os antigos, que perdem suasignificação. Nesta fase é indispensável a integração, o desenvolvimento de uma mente crítica, com a qual ohomem possa se defender dos perigos de irracionalismos provenientes da emoção característica desta fase.

Brasil, Uma Sociedade em Transição

O Brasil vivia esta transição de épocas, de uma sociedade "fechada" para uma sociedade "aberta", dapenetração de uma nova sociedade que se incorpora a uma velha. A velha tentam sobrepor a formação danova sociedade, que por sua vez se opõe a vigência dos privilégios contrários aos interesses do homembrasileiro.

Democratização Fundamental

Com a ruptura da sociedade e sua entrada em transição, o povo, até então imerso no processo como meroespectador, emerge ingênuo e desorganizado exigindo sua participação no processo. Em contraposição seagrupam forças reacionárias que se sentem ameaçadas em seus princípios.

Daí a necessidade de uma educação que, não descuidando nem da vocação ontológica do homem como sersujeito, nem das condições peculiares de nossa sociedade, ajude o homem brasileiro em sua emersão,inserindo-o criticamente no seu processo histórico. Não uma educação que domestica e acomoda, mas que

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liberte sua conscientização, o que representa um perigo para o irracionalismo sectário.

Mais uma Vez o Homem e o Mundo

A relação sujeito-objeto do homem com o mundo da qual nasce o conhecimento é feita também peloanalfabeto, o homem comum, mas por uma via preponderantemente sensível, e não preponderantementereflexiva, o que leva a uma concepção mais mágica e menos crítica do mundo, e, portanto, a uma açãotambém mágica.

A Organização Reflexiva do Pensamento

Deveríamos, então, inserir o pensar entre o compreender e o atuar, incentivando o senso crítico, o queajudaria a assumir formas de ação também críticas, identificadas com o clima de transição. E respondendo àsexigências da democratização fundamental, o homem renunciará ao papel de simples objeto para exigir seupapel por vocação: o de sujeito.

Como Fazê-lo?

Somente um método ativo, dialogal e participante poderia fazê-lo, concomitantemente com a modificação doconteúdo programático da educação e o uso de técnicas, como a de redução e a de condificação.

E o diálogo, uma relação de "empatia" nutrida de amor, humanidade, esperança, fé e confiança, se opõe aoantidiálogo tão entranhado em nossa formação histórico-cultural, mas tão antagônico ao clima de transição.Enquanto o primeiro é uma relação horizontal, o segundo é uma relação vertical que faz com que a educaçãodeixe de ser educação. Infelizmente, por uma série de razões, esta segunda postura, que sufoca o podercriador, vem sendo a mais comum na América Latina.

Novo Conteúdo Programático

O objeto primordial do diálogo deveria ser o novo conteúdo programático da educação que defendíamos,que ajudasse a substituir a compreensão mágica pela compreensão crítica, separando natureza de cultura efocalizando o homem como sujeito de seu mundo, agente de sua cultura.

Para a sua introdução foram criadas onze situações de motivação para a compreensão crítica da realidade.Em uma primeira situação é buscada, através de debates dirigidos, a diferenciação entre o mundo danatureza e o da cultura e é discutido o papel do homem em ambos os mundos. Outras situações focalizam asáreas de compreensão do domínio cultural. Após a melhor compreensão da dimensão humana em umacultura letrada, inicia-se o debate sobre a democratização da cultura, abrindo-se as perspectivas para o

começo da alfabetização

A Alfabetização Como um Ato Criador

A alfabetização como mecanismo crítico de comunicação gráfica implica em uma atitude de criação erecriação onde se entende o que se lê e se escreve o que se entende. O principal papel do educador é odialogar com o analfabeto sobre situações concretas, oferecendo-lhe os meios com os quais possa sealfabetizar. A alfabetização deve ser um processo de dentro para fora pelo próprio analfabeto, somenteajustado pelo educador. Neste contexto, de 15 a 18 palavras nos pareciam suficientes para o processo dealfabetização pela conscientização.

Levantamento do Universo Vocabular

As palavras geradoras devem ser típicas do povo e serem ligadas a sua experiência existencial, da qual aprofissional faz parte, sendo carregadas de certa emoção. Podem ser obtidas através de entrevistas com os

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próprios analfabetos, possibilitando uma grande riqueza de resultados.

Seleção de Palavras Geradoras

Com o material recolhido chega-se a fase de seleção das palavras geradoras, com os seguintes critérios: ariqueza fonética; a dificuldade fonética crescente e o aspecto pragmático da palavra com relação aconscientização sobre uma determinada realidade.

Criação de Situações Sociológicas

Com as palavras selecionadas, criam-se situações nas quais são colocadas as palavras em ordem crescentede dificuldade fonética, funcionando como elementos desafiadores dos grupos, que, com a colaboração docoordenador, codificam as informações nelas contidas. E o debate, ao mesmo tempo que conscientiza, leva àalfabetização. São situações locais que possibilitam a análise de realidades regionais e nacionais. Umapalavra geradora pode englobar toda uma situação como apenas seus sujeitos.

Ampliação

Somente após a análise da situação, o educador se volta à visualização da palavra geradora, a partir da qualse busca estabelecer um vínculo semântico para com a situação. Em seguida a palavra é apresentada emsílabas, os "pedaços", que reconhecidos introduzem as famílias fonéticas. Após seu estudo isolado, atravésda síntese, o homem descobre o mecanismo da formação vocabular. Assim, apropriando-se criticamente, oadulto inicia a formação rápida de seu próprio sistema de sinais gráficos a partir de um trabalho deconstrução.

Em seguida é iniciado o processo de escrita baseado nas famílias apresentadas. Como tarefa devem serencontrados tantos vocábulos quanto o analfabeto possa criar com tais famílias. O que importa nestecontexto é a descoberta do mecanismo das combinações fonéticas. A revisão dos vocábulos deve ser feita

pelo próprio grupo com o mero auxílio do educador.

A Capacitação dos Coordenadores

A grande dificuldade está não no aprendizado do método, mas na criação de uma nova atitude, o diálogo,que fugindo da domesticação conduz à verdadeira educação, através de uma relação de sujeitos.

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