EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO RECIFE: (RE)CONSTRUINDO UM … · privilegiado para o desenvolvimento da...

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FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CENTRO DE PESQUISA AGGEU MAGALHÃES – CpqAM NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA – NESC PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO RECIFE: (RE)CONSTRUINDO UM PROCESSO LUCIANA REGINA DE BARROS PINHEIRO Orientação: Paulette Cavalcanti de Albuquerque Co-Orientação: Ana Lucia Martins de Azevedo Recife,2002

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FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CENTRO DE PESQUISA AGGEU MAGALHÃES – CpqAM NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA – NESC

PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA

EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO RECIFE: (RE)CONSTRUINDO UM PROCESSO

LUCIANA REGINA DE BARROS PINHEIRO

Orientação: Paulette Cavalcanti de Albuquerque

Co-Orientação: Ana Lucia Martins de Azevedo

Recife,2002

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LUCIANA REGINA DE BARROS PINHEIRO

EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO RECIFE: (RE)CONSTRUINDO UM PROCESSO

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista no Curso de Pós-graduação Latu Senso do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva do Departamento de Saúde Coletiva NESC/ CPqAM/FIOCRUZ/MS, sob orientação de Paulette Cavalcanti de Albuquerque.

Recife - 2002

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LUCIANA REGINA DE BARROS PINHEIRO

EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO RECIFE: (RE)CONSTRUINDO UM PROCESSO

Monografia aprovada como requisito parcial à obtenç ão do título de Especialista no Curso de Pós-graduação Latu Senso do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva do D epartamento de Saúde Coletiva NESC/ CPqAM/FIOCRUZ/MS, pela comissão form ada por: Orientador:

_____________________________________________ Paulette Cava lcanti Albuquerque

Mestra em Saúde Pú blica/CpqAm/FioCruz/MS

Debatedora:

_____________________________________________ Maria Verônica Araújo de Santa Cruz

Mestra em Educação /UFPB

Recife 2002

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PINHEIRO, Luciana Regina de Barros Pinheiro: Educaç ão em Saúde no Recife:(Re)construindo um processo. Recife,2002. -- --p. Monografia (Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva) NE SC/CpqAm/FIOCRUZ/MS.

RESUMO A prática da educação em saúde no Brasil é tão antiga quanto à organização dos

seus serviços de saúde, que remontam ao início do século passado. Porém, mais,

recentemente esta prática vem sendo discutida e orientada para a promoção da

saúde e à proteção da vida. Reconhecida e valorizada no discurso da promoção da

saúde e no cenário da saúde pública do momento, quando a Atenção Básica

(particularmente o PSF e o PACS) é priorizada, a demanda por práticas educativas

cresceu muito, passando a ter papel predominante no contexto das ações e serviços

de saúde. O presente trabalho objetiva realizar um estudo descritivo do processo de

capacitação dos profissionais da Unidade de Saúde da Família do Skylab,

comunidade localizada no DS IV, Recife/PE, para implantação do 1º Núcleo de

Educação Popular em Saúde do Município. Foi desenvolvida no mês de novembro

de 2001, com a realização dos quatro módulos da capacitação. A metodologia

utilizada foi o estudo de caso único, a partir do qual buscou-se descrever

minuciosamente o processo e reunir elementos constitutivos da capacitação, que

indicaram a (re)construção dos conceitos teórico-metodológicos orientadores da

prática da educação em saúde no município. De maneira geral, observou-se que as

equipes não estavam preparadas, nem teórica e nem metodologicamente, para

desenvolverem ações diferentes das que vivenciaram em toda sua história de vida

profissional. Embora resistentes no início, os profissionais envolvidos chegaram no

final da capacitação com a compreensão de que a educação em saúde é um

processo sem o qual não será possível resolver a maioria dos problemas de saúde

que lhes são apresentados cotidianamente.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas que não mediram esforços para execução deste trabalho;

A Deus, que com seu poder supremo deu força e perseverança ao longo de toda minha

trajetória;

Aos meus pais, que souberam confortar meu cansaço e dar estímulo quando mais

precisei em toda a minha vida;

Á Paulette Cavalcanti, pela honra de te-la como orientadora;

À Verônica Santa Cruz, pela compreensão e cumplicidade em momentos

determinantes na construção deste trabalho;

Ao DS IV e à Equipe de Saúde da Família da comunidade do Skylab, pela forma com

a qual fui acolhida;

À minha amiga Janaina Farias, que dispensou especial atenção no decorrer desse

trabalho;

E, finalmente, à Carmem Clemente, “uma louca de pedra”, por ter plantado em mim a

semente do desejo pela transformação da difícil realidade social e de saúde na qual vive nossa

população.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL “Viver com sabedoria é ter o amor como ponto de referência. É deixar que os

sentimentos puros prevaleçam, é saber silenciar, avaliar e escolher. È pactuar com a

serenidade, definir o momento exato para formar o sensato”

Olavinho Drummond

À minha amiga e co-orientadora Ana Lúcia Azevedo, o meu carinho mais que especial

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

DS – Distrito Sanitário

PSF – Programa Saúde da Família

PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde

NUCEPS – Núcleo de Educação Popular em Saúde

OMS – Organização Mundial de Saúde

SESP – Serviço Especial de Saúde Pública

SUS – Sistema Único de Saúde

ESF – Equipe de Saúde da Família

NOAS- Norma Operacional Básica de Assistência à Saúde

USF- Unidade de Saúde da Família

ACS – Agente Comunitário de Saúde

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

URB- Empresa de Urbanização do Recife

THD- Técnico de Higiene Dental

SIAB- Sistema de Informação de atenção Básica

SSA2 – Situação de Saúde e Acompanhamento das Famílias na Área

IRA – Insuficiência Respiratória Aguda

DST- Doenças Sexualmente Transmissíveis

AIDS- Síndrome de Imunodeficiência Adquirida

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................10 CAPÍTULO I

1. MARCO TEÓRICO-CONCEITUAL........................ ..............................................13

1.1 Educação Popular em Saúde: conceitos, contextos e breve histórico................13

1.2 O Modelo de Atenção à Saúde no Recife...........................................................19

1.2.1 O Programa de Saúde da Família .......................................................21

1.2.2 A Proposta de Educação em Saúde...................................................23

1.3 O Distrito Sanitário IV..........................................................................................26

1.4 Aspectos socio-econômicos e epidemiológicos

1.3.1 A comunidade do Skylab ....................................................................27

CAPÍTULO II

2. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO................................................................29

CAPÍTULO III

3. A CAPACITAÇÃO COMO PROCESSO: A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO FAZER EM SAÚDE..................................... .......................................................31

3.1 O processo de capacitação dos educadores em saúde.....................31

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ......................................................44

BIBLIOGRAFIA....................................... .................................................................46

ANEXOS

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"Ivo viu a uva", ensinavam os manuais de alfabetização. Paulo Freire ensinou

a Ivo que a fruta não resulta do trabalho humano. É criação, é natureza. Que

semear uva é ação humana na e sobre a natureza. É a mão, multiferramenta,

despertando as potencialidades do fruto. Assim como o próprio ser humano foi

semeado pela natureza em anos e anos de evolução do Cosmo.

Que colher a uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura. O trabalho

humaniza a natureza e, ao realizá-lo, o homem e a mulher se humanizam. Trabalho

que instaura o nó de relações, a vida social.

Que mesmo sem ainda saber ler, ele não é uma pessoa ignorante. Não existe

ninguém mais culto do que outro, existem culturas paralelas, distintas, que se

complementam na vida social.

Ivo viu a uva e Paulo Freire mostrou-lhe os cachos, a parreira, a plantação

inteira. No início e no fim do aprendizado é a práxis de Ivo que importa. Práxis-

teoria-práxis, num processo indutivo que torna o educando sujeito histórico.

Ivo viu a uva e não viu a ave que, de cima, enxerga a parreira e não vê a uva.

O que Ivo vê é diferente do que vê a ave. Assim, Paulo Freire ensinou a Ivo um

princípio fundamental da epistemologia: a cabeça pensa onde os pés pisam.

Agora Ivo vê a uva, a parreira e todas as relações sociais que fazem do fruto

festa no cálice de vinho.

Texto extraído do texto de Frei Beto “Paulo Freire:a leitura do mundo ”

10

INTRODUÇÂO

A idéia de Promoção à saúde, segundo Sophia(2001), divulgada durante a

Conferência Internacional de Promoção da Saúde, em 1986, na cidade de Otawa

(Canadá) extrapola os limites dos Serviços de Saúde, quando supõe a necessidade

da relação entre as políticas setoriais e a comunidade, igualmente enfático,

Gentille(1999), afirma enfaticamente que a saúde – estado de completo bem-estar

físico mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade – é

um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de

saúde é a mais importante meta social mundial, cuja a realização requer a ação de

muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor de saúde.

Compreendendo a saúde como um recurso para o progresso pessoal,

econômico e social, a carta de Otawa traz um conceito positivo, que transcende o

setor sanitário e que tem como requisitos para sua garantia a paz, a educação, a

moradia, a alimentação, a renda, um ecossistema estável, justiça social e equidade

(OMS, 1986).

Como concepção orientadora da prática de promoção da saúde e da

educação em saúde e a educação popular, a educação popular segundo

Albuquerque(2001), pode ser um instrumento auxiliar na incorporação de novas

práticas por profissionais e serviços de saúde, uma vez que traz na sua concepção

teórica a valorização do saber do outro, entendendo que o conhecimento é um

processo de construção coletiva.

A educação em saúde é o campo de prática e conhecimento do setor saúde

que tem se ocupado mais diretamente com a criação de vínculos entre a ação

médica e o pensar e fazer cotidiano da população(VASCONCELOS,1997).

A política de saúde implementada no país hoje, nos seus diversos níveis de

gestão, recoloca as ações básicas de saúde e o incentivo à participação comunitária

novamente no centro do seu discurso e intenção, quando da definição do modelo de

atenção à saúde, baseado no PACS e no PSF. E na implementação desses

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programas, as ações de educação em saúde passam a assumir uma importância

fundamental para a realização dos seus propósitos (SMS-PCR,2001).

Sendo a Atenção Básica à Saúde o nível onde prioritariamente devem ser

desenvolvidas ações de Educação em Saúde e, sendo o Programa de Saúde da

Família (PSF) hoje a principal estratégia para a reorientação do modelo assistencial

a partir da atenção básica, pode-se considerar esse Programa como um espaço

privilegiado para o desenvolvimento da Educação Popular em Saúde. De fato a

localização das Unidades e o estreito relacionamentodas ESF’s com sua população

é um aspecto facilitador de ações predominantemente educativas(MS, 1997, apud

ALBUQUERQUE,2001).

.

Seguindo a mesma lógica, Vasconcelos (1999) refere que:

o fato desses programas estarem mais profundamente inseridos na dinâmica social local, de

terem uma constância e uma continuidade de atuação, de integrarem ações educativas,

preventivas e curativas e de serem de fácil acesso à população, proporciona a esses

serviços um grande potencialidade no enfrentamento do quadro de adoecimento e morte.

A definição de uma Proposta Municipal de Educação em Saúde,

especialmente se pautada pelos princípios da Educação Popular, teria um papel

importante em induzir novas práticas nos serviços de saúde, propiciando uma

valorização do saber popular e do usuário, fazendo ver aos profissionais o caráter

educativo das ações de saúde, facilitando a participação de atores sociais

importantes da comunidade no processo de construção da saúde (ALBUQUERQUE,

2001).

No Recife, um conjunto de ações foram estruturadas no sentido de viabilizar a

efetivação da proposta municipal de educação em saúde, entre elas a capacitação

profissional para as ações educativas referenciadas na Educação Popular. O

presente trabalho se propõe a realizar um estudo descritivo sobre a primeira

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capacitação dos profissionais do município, realizada na Unidade de Saúde da

Família do Skylab pertencente ao IV Distrito Sanitário da Cidade do Recife.

13

CAPÍTULO I: MARCO TEÓRICO CONCEITUAL

1.1 EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE: CONCEITOS, CONTEXTOS E BREVE

HISTÓRICO

Por Educação Popular em Saúde compreende-se como sendo um processo

contínuo e participativo, que se realiza a partir do diálogo, da troca de

conhecimentos de experiências e de sentimentos. Tem por objetivos a construção de

novos saberes e fazeres, visando o entendimento sobre a realidade e os

condicionantes do processo saúde/doenças/saúde.

A educação em saúde não é uma prática recente. De acordo com

Vasconcelos(1999), já no final do século XIX e início do século XX, para combater

as epidemias de varíola, peste e febre amarela, que estavam trazendo grandes

transtornos para a exportação do café, o Estado sistematizou as primeiras práticas

de educação e saúde voltadas para a saúde das classes populares. Práticas, nas

quais, predominava a imposição de normas e comportamentos considerados

científicos pelos técnicos e burocratas, que deveriam ser incorporadas e aplicadas

pela população ignorante, em meio a um contexto político de forte domínio das

oligarquias rurais e de extrema debilidade dos atores populares, cuja a maioria havia

recentemente saído da escravidão.

Em 1930 cria-se o Ministério de Educação e Saúde com dois Departamentos,

um de Educação e outro de Saúde. O Departamento Nacional de Saúde era

responsável pelas ações coletivas em saúde, tendo como eixo de atuação as

campanhas e a educação sanitária (HOJE,2001).

Também é Vasconcelos(2000) que nos esclarece que:

nesse período a ação estatal no setor saúde se concentrava na construção de um sistema

previdenciário destinado às categorias de trabalhadores mais organizadas politicamente. As

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ações educativas em saúde ficavam restritas a programas e a serviços destinados a uma

população à margem do jogo político central.

Com a criação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), em 1942,

ocorre uma grande transformação de mentalidade nas atividades da educação

sanitária. Desde o início, o SESP reconheceu a educação sanitária como atividade

básica de seus planos de trabalho, atribuindo aos diversos profissionais, técnicos e

auxiliares de saúde, a responsabilidade das tarefas educativas junto a grupos de

gestantes, mães, adolescentes e à comunidade em geral. Foi o SESP que começou

a preparar as professoras da rede pública de ensino como agentes educacionais da

saúde (HOJE,2001).

Em 1960 os Serviços de Educação Sanitária no governo limitavam suas

atividades à publicação de folhetos, livros, catálogos e cartazes, distribuindo na

imprensa do país pequenas notas e artigos sobre assuntos de saúde (HOJE,2001).

Para Vasconcelos(1999:27),

O governo militar, imposto pela Revolução de 1964, criou contraditoriamente

condições para uma série de experiências de educação em saúde que significaram

uma ruptura com o padrão acima descrito. A tranqüilidade social imposta pela

repressão política e militar possibilitou ao regime voltar suas atenções para a

expansão da economia, diminuindo os gastos com as políticas sociais. Como

conseqüência, houve o aprofundamento da desigualdade social, com o agravamento

dos indicadores de saúde (como a mortalidade infantil), crescendo a insatisfação

política da população, que aos poucos foi percebendo que o grande crescimento da

economia havia ocorrido as custas da piora de suas condições de vida, reativando os

movimentos populares

O final da década de 70 é o cenário no qual suscintam discussões,políticas

acerca das reorganizações do sistema de saúde.É também nesse período

que,segundo Vasconcelos (1998), surgem as primeiras esaperiências de serviços

comunitários de saúde desvinculados do Estado, onde profissionais de saúde

começam a esboçar tentativas de organização de ações de saúde integradas à

dinâmica social local(Vasconcelos,1998).

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A participação de profissionais de saúde nas experiências de educação

popular a partir dos anos 70 trouxe para o setor uma cultura de relação com as

classes populares que representou uma ruptura com a tradição autoritária da

educação em saúde(HOJE,2001).

Vislumbrou-se esparsas e pontuais experiências alternativas em saúde: os

profissionais insatisfeitos com o caráter mercantil biologicista e alienador da prática

médica dominante se dirigem às periferias dos grandes centros urbanos e regiões

rurais, onde inicialmente se vinculam às experiências informais de trabalhos

comunitários, especialmente junto à Igreja católica e posteriormente nos centros e

postos de saúde(VASCONCELOS, 1997).

Paulo Freire, como um dos pensadores mais proeminentes da educação

popular, influenciou positiva e significativamente com suas teorias nas experiências

alternativas do setor saúde(CABRAL,1998).

À abertura política corresponde a um processo no qual os movimentos

populares ganham vivacidade e poder de reivindicações, fato que os fortalece para,

segundo Vasconcelos(1998), exigirem serviços públicos locais e participação no

controle de serviços já estruturados.

A Conferência sobre Atenção Primária à Saúde realizada em Alma-Ata (1978)

foi um marco político para a valorização da expansão de serviços de Atenção

Primária à Saúde, deslocando o eixo da assistência antes centrada nos hospitais.

São os primórdios do SUS.

O surgimento da Reforma Sanitária, segundo Rodrigues(2001), desencadeia

uma série de questionamentos a respeito das práticas pedagógicas e tradicionais,

sendo estas autoritárias e normativas. Enfim, com a Constituição de 1988 algumas

diretrizes da Reforma Sanitária são institucionalizadas, destacando-se a participação

popular na gestão dos serviços.

Quando se tem por propósito um modelo de saúde para a melhoria da

qualidade de vida, a educação se coloca como um elemento comum a todas as

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atividades de saúde, um instrumento de socialização do saber , capaz de promover

a prevenção de doenças e a manutenção da saúde. Rodrigues (2001), reforça essa

acertiva quando coloca a educação popular em saúde como espaço de ampliação

da participação da população como sujeitos sociais, aspecto essencial para

consolidação dos princípios que regem o Sistema Único de Saúde na Constituição

de 1988.

O período de 1991 a 2001 pode ser considerado como a fase de uma

“ experiência de Educação Popular na área de Saúde “. Ela se realiza a partir da

fusão do trabalho profissional da saúde pública com o trabalho cultural da Educação

Popular. A ação médica e a de outros profissionais da área de saúde não se limita a

um modelo assistencialista, mas se estende a uma ação cultural ampliada, de

diálogo e de crescimento de parte a parte, em busca de saídas e de soluções sociais

a partir do que se aprende e do que se motiva, quando se dialoga crítica e

criativamente sobre a vida e o mundo por intermédio do corpo e da saúde ( HOJE,

2001).

Notadamente, nos dias de hoje, em muitas instituições de saúde, grupos de

profissionais têm buscado impregnar suas ações de metodologias alternativas,

tuteladas pela educação popular. E nesse sentido, Vasconcelos(1998:04) observa

que

a educação em saúde deixa de ser uma atividade a mais realizada nos serviços para ser

algo que atinge e reorienta a diversidade de práticas ali realizadas, transformando-se em um

instrumento de construção da participação popular nos serviços de saúde e, ao mesmo

tempo, de aprofundamento da intervenção da ciência na vida cotidiana das famílias e da

sociedade.

Para o setor saúde brasileiro, a participação histórica no movimento da

educação popular foi marcante na criação de um movimento de profissionais que

busca romper com a tradição autoritária e normatizadora da relação entre os

serviços de saúde e a população. Apesar de uma certa crise do conceito de

educação popular nos novos tempos, é ele que vem servindo para identificar e

instrumentalizar a diversidade de práticas recentes.

17

Há uma variedade de alternativas metodológicas às práticas educativas

atuais, oriundas da educação popular. A experiência apresentada e analisada neste

trabalho adotou como estratégia metodológica oficinas de artes-educação

As crescentes utilização e valorização da abordagem de grupos mediatizada

pela oficina de arte-educação é uma prática recente , apesar dos princípios que a

regem coincidirem com os da educação popular, cuja origem remonta a meados do

século passado.Trata-se de uma abordagem didática,baseada no prazer e na

participação engajada de todos os envolvidos.

No processo pedagógico de realização de oficina prioriza-se a identificação ,

discussão e a busca de soluções para as dificuldades existentes na vida cotidiana

dos participantes.Considerados co-responsáveis pelo processo educativo e pela

construção do conhecimento, os participantes das oficinas,através de dinâmica de

grupo,jogos dramáticos ou de diversas formas de expressão da criatividade,

conseguem por meios de fantasias trabalhar situações concretas.

O planejamento da oficina requer uma estrutura equilibrada, que aumenta ou

mantenha a segurança física e emocional dos participantes.Segundo o manual do

ARTPAD(2001), a estrutura de uma oficina deve ser organizada em três etapas: a

primeira se refere à aproximação dos participantes e ao desenvolvimento da

identidade do grupo.Na segunda etapa é desenvolvido através de exercícios,

explorando materiais relevantes às próprias vidas.E a terceira, e última etapa,é a

preparação do grupo para deixar a oficina.Isto deve ser feito com exercícios através

dos quais,dependendo da intensidade da oficina,diminua o nível de energia ou

estimule a liberação de energia e risos.Outros itens relevantes são apresentados no

manual supracitados para a realização de uma boa oficina,como o aquecimento.Este

deve permitir que os participantes vejam como forças pessoais e deve ser

movimentado e divertido.O aquecimento contribui para a introdução dos

participantes nas atividades do dia,levando-os a expressarem o sentimento com o

qual estão chegando e esquecerem as obrigações do dia, que deixam pra trás.Os

níveis de energia do grupo na chegada e durante toda a sessão é outro item

18

relevante.O grupo deve ser energizado no início,visando seu estímulo e sua

concentração.A energia durante toda sessão observada para evitar o desestímulo.

O papel do facilitador é determinate no planejamento da oficina.”Como o

principal guardião de segurança de grupo, o facilitador tem que estar preparado para

olhar o grupo de fora, de uma forma diferente dos demais participantes,para

monitorar progressos e problemas”(GALVÃO & McCARTHY,2001:46-47).Seu

trabalho é liberar a expressão da imaginação e da criatividade inerentes a todo ser

humano. Os participantes são potencialmentes criativos,necessitando apenas de

uma estrutura que os facilite a exploração dos conteúdos.Assim, num espaço

seguro,deve-se propiciar a segurança física e emocional,a confiança, a integração

entre membros do grupo e as regras com as quais o grupo opera.

19

1.2 – O MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE NO RECIFE

O modelo de atenção à saúde é a arquitetura de como se organiza a política

de saúde para o município, definida pelos princípios assumidos. O Brasil a partir da

constituição de 1988 adotou em seu arcabouço legal a “saúde como direito de todos

e dever do Estado” tendo como princípios a universalidade, a equidade e a

integralidade.

Por razões históricas que entram pelo território da economia e passam pelas

práticas políticas e costumes culturais, o modelo de saúde predominante no Brasil

criou grande distância entre as equipes de saúde e a população. Para esse modelo,

a especialização teve destaque absoluto, praticamente apagando a visão integral

das pessoas e a preocupação de trabalhar com a prevenção das doenças e a

promoção de hábitos saudáveis (BRASIL,2001).

A atuação tradicional do setor saúde sempre conduziu à compreensão do

indivíduo de forma isolada de seu contexto familiar e dos valores sócio-culturais com

tendência generalizante, fragmentando-o e compartimentando-o, de suas realidades

familiar e comunitária. Seu enfoque assistencialista e desarticulador vem gerando

dependentes sociais tratando os indivíduos como permanentes receptores de

benefícios externos e não como cidadãos com direitos resguardados

constitucionalmente ( BRASIL, 2000 ).

Para o Ministério da Saúde(Cadernos de Atenção Básica), o indivíduo, visto

de forma fragmentada, cuja manifestação da doença ocorre em partes do seu corpo,

sem que sejam observadas suas diferentes dimensões, perde sua integralidade e

acaba relacionando-se repartidamente com os serviços de saúde. Seus anseios,

seus desejos, seus sonhos, suas crenças, seus valores, suas relações com os

demais membros da sua família e com o seu meio social são aspectos quase que

completamente esquecidos, ao serem abordados por um profissional de saúde

tradicional.

20

Nesse sentido, a reorganização do modelo de saúde aparece como forma de

estabelecer uma nova relação entre a comunidade e os profissionais de saúde. Essa

nova relação é um dos principais pontos de apoio dos profissionais que compõem as

Equipes de Saúde da Família(ESF), visto que esse novo modelo prevê a

participação de toda a comunidade - em parceria com a ESF- na identificação das

causas dos problemas de saúde, na definição de prioridades, no acompanhamento

da avaliação de todo o trabalho feito, sendo fundamental a atuação dos conselhos

locais, igrejas e templos dos mais diferentes credos, associações, Organizações

Não-governamentais, clubes, enfim, entidades de todos os gêneros. O Programa

Saúde da Família pressupõe que os municípios estejam preparados de forma

regionalizada e hierarquizada, integrando-se ao serviço de saúde do município e da

região. Seus profissionais devem estar conscientes de que uma atenção básica de

qualidade é parte fundamental desse objetivo, de acordo com as responsabilidades

definidas na NOAS/01.

21

1.2.1 – O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

A proposta do PSF não é uma proposta nova. É a recuperação de uma série

de iniciativas de movimentos inerentes ao movimento sanitário no sentido de

reordenamento do Modelo Assistencial em saúde e de consolidação do SUS.

Algumas experiências brasileiras foram desenvolvidas e fizeram parte do

desenho do Programa de Agentes Comunitários de Saúde(PACS), Projetos como do

Vale da Ribeira em São Paulo, Casa Amarela no Recife, Rodonópolis no mato

Grosso e o Programa do Governo do estado do Ceará(SOUZA,2001).

Com o objetivo de contribuir para o enfrentamento dos alarmantes indicadores

de morbimortalida infantil e materna na região nordeste do Brasil, o Ministério da

Saúde lançou em 1991 o Programa de Agentes Comunitários de Saúde(PACS). O

PACS foi se fortalecendo, o que foi demonstrado através de resultados concretos

nos indicadores de mortalidade infantil, porém o “elo de ligação” entre a comunidade

e o serviço de saúde não mostrava-se tão verdadeiro, uma vez que as unidades

básicas de referência continuavam desestruturadas, sucateadas e sem vínculo

nenhum com a população.

Na continuidade desse processo, O Ministério da Saúde lança, no início de

1994, o PSF, que segundo Souza(2000), valorizava os princípios de territorialização,

de vinculação com a população, de garantia de integralidade na atenção, de trabalho

em equipe com enfoque multidisciplinar, de ênfase da promoção da saúde com

fortalecimento das ações intersetoriais e de estímulo à participação da comunidade,

entre outros. Porém, o PSF nasce como algo marginal, num contexto de movimento

dos próprios municípios, não havendo no Ministério da Saúde uma política forte o

suficiente que o definisse como a estratégia de reordenamento do Modelo

Assistencial. Isso só acontece a partir de 1995, quando o Programa passa a ser

incorporado pela Secretaria de Assistência à Saúde, iniciando uma trajetória

importante e ocupando hoje um espaço de prioridade, e assumindo-se, enfim, como

a estratégia de substituição das práticas tradicionais da Atenção Básicas.

22

O PSF desenvolve-se através do trabalho de equipe, numa busca

permanente de comunicação e troca entre os saberes específicos dos profissionais

da equipe e o saber popular do ACS e da população. Pressupõe uma grande

interação com a comunidade para conhecimento da sua realidade, definição das

prioridades, desenvolvimento de ações individuais e coletivas, que promovem a

qualidade de vida na direção do município saudável.

Entre as atribuições básicas de uma ESF, segundo o MS(2000) está o

desenvolvimento de processos educativos através de grupos voltados à recuperação

da auto-estima, troca de experiências, apoio mútuo e melhoria do auto-cuidado.

O ano de 1995, estratégico no nível estadual,foi um momento de

mobilização,incentivo e captação de recursos para a implantação das primeiras ESF

em Pernambuco . Em 1996 iniciou-se a seleção e treinamento das primeiras

equipes, porém poucos municípios se interessavam pelo programa e só após o

incentivo financeiro criado pela NOB 96 outros municípios foram aderidos ao

programa.

No Recife, A Secretaria Municipal de Saúde, apostando na estratégia PSF

como principal recurso de inclusão das camadas historicamente excluídas do acesso

ao sistema de saúde,vem ampliando e infra-estruturando as Equipes de Saúde da

Família do município,cujo número foi quadruplicado nesses últimos dois anos e

incluída a Equipe de Saúde Bucal(composto por 1 Técnico de Higiene Bucal, 1

Atendente de consultório Dentário e 1 Cirurgião Dentista).

23

1.2.2 – A PROPOSTA DE EDUCAÇÃO E SAÚDE

Figueiró(2002) apud Brasília(2001) coloca a educação popular como o

reencontro das pessoas com suas histórias, trajetórias, culturas, valores e não

apenas como um método, o qual é usado para levar as pessoas para onde acham

que elas devam ir. O processo educativo é um momento de troca em que todos tem

algo a oferecer e a ganhar, onde as possibilidades que o mundo tem produzido em

ciência, em arte, em história, em cultura são compartilhados. Conhecimentos esses

inerentes ao ser humano, uns mais outros menos, com experiências e saberes

diferentes.

Foi repensando as práticas educativas a partir dessa percepção que a Equipe de

Educação em Saúde da PCR, vinculada à Diretoria Executiva de Atenção Básica ,

fundamentou a proposta de Educação Popular em Saúde do Município, norteada

pelos seguintes princípios:

- O respeito : que pressupõe necessariamente o respeito pelo outro, pelo seu

saber e suas experiências de vida.

- A pluralidade : ampliação dos nossos pontos de vista e que nos permite

conhecer formas alternativas de lidar com problemas tão parecidos. Valorizar a

diversidade das práticas e noções existentes.

- A afetividade : nos possibilita uma aproximação não só com as idéias , não só de

“inteligências”, mas uma aproximação ao nosso corpo e ao corpo do outro.

- Compreensão holística do processo saúde/doença/saúd e: trabalha com a

saúde, com a força da vida que quer sempre viver e não com a doença.

- Ação-reflexão-ação: iniciamos sempre do que fazemos, do que sabemos, das

nossas experiências de vida e nossos conhecimentos, ....

- Interdisciplinariedade: a ação educativa em saúde é, por princípio

interdisciplinar, pois se constitui a partir de dois outros campos – a educação e a

saúde – Além dessas áreas o pensar e fazer em educação e saúde podem e

24

devem envolver vários saberes: a antropologia, a sociologia, a psicologia, a

comunicação, as artes...

Durante as oficinas de planejamento e elaboração da Proposta Municipal de

Educação e Saúde, onde participaram os gerentes de Educação em Saúde dos

Distritos Sanitários e Educadores Popular em saúde, foi construído um diagnóstico

das práticas de Educação em Saúde realizadas nas Unidades de Saúde e Unidades

de Saúde da Família, foram identificados como principais problemas: a abordagem

normativo-instrumental hegemônica nas práticas da educação em saúde, a

fragilidade da educação em saúde nos Distritos Sanitários e a pouca participação

popular nos serviços. Para a institucionalização da proposta, a partir dessa

realidade, foram elaborados os seguintes projetos:

1 - O Projeto de fortalecimento dos Serviços de Educaçã o em Saúde dos

Distritos Sanitários : inicialmente foram mantidos fóruns de articulação e

capacitação continuada entre os Serviços Distritais de Educação em Saúde e o nível

central com o objetivo de dar unidade no planejamento e desenvolvimento das

ações e aumentar a habilidade dos profissionais para o trabalho educativo. Visando

favorecer a troca de experiências e fortalecer as práticas de educação em saúde ,a

proposta foi inicialmente debatida e divulgada com os gerentes e trabalhadores da

secretaria de saúde e com os diversos segmentos sociais. O segundo passo foi a

realização do III Seminário Municipal de Educação Popular em Saúde, realizado nos

dias 18 e 19 de dezembro de 2001.

2 - O Projeto de implantação dos Núcleos de Educação Po pular em

Saúde(NUCEPS) : foi elaborado a partir da necessidade de articular e mobilizar os

diversos setores e atores sociais para refletirem a saúde da comunidade. Os

NUCEPS terão como objetivo contribuir na construção de ações intersetoriais que

ajudem na promoção da saúde e de uma comunidade saudável, através do diálogo

de saberes e necessidades. Funcionarão em qualquer espaço capaz de acolher as

pessoas interessadas em refletir a realidade de saúde de sua comunidade

(Unidades de Saúde, escolas, associações de moradores dentre outros) e buscar

25

soluções conjuntas para a construção de uma cidade mais saudável. Para se

alcançar a implantação dos NUCEPS as equipes de educação e saúde dos Distritos

Sanitários teriam que ser preparadas e fortalecidas. Os seguintes passos foram

seguidos:

- Discussão e construção coletiva da proposta metodológica para o projeto piloto

- Elaboração dos módulos da oficina

- Seleção de USFs piloto

- Suporte metodológico, através do acompanhamento e monitoramento das

atividades de planejamento e oficinas realizadas, segundo a necessidade das

equipes

Passos a serem seguidos:

- Realizar oficinas de implantação dos NUCEPS com as comunidades : as equipes

deverão mobilizar, articular e sensibilizar a comunidades para proposta dos

NUCEPS e realizar o planejamento coletivo das ações.

- Elaborar o Projeto de Implantação dos NUCEPS em todas as Unidades de Saúde

da Família

-

3 - O Projeto de Capacitação continuada em educação popular em saúde (

ralatado no capítulo III ): com o objetivo de sensibilizar os profissionais da equipe

da USF(projeto piloto) para a proposta da educação popular em saúde e dos

NUCEPS, aumentando as suas habilidades para o desenvolvimento de uma prática

educativa coerente com os princípios da educação popular em saúde.

4- Projeto de articulação intra-setorial: construir redes para o desenvolvimento

de ações intersetoriais de promoção da saúde.

26

1.3 – O DISTRITO SANITÁRIO IV

O Distrito Sanitário IV iniciou suas atividades em julho de 1995 como parte de um

processo social de mudanças das práticas sanitárias. Está localizado na região

Oeste da cidade do Recife e possui uma população de 253.015* habitantes,

distribuídos numa área de 4.214ha e 67.486 domicílios, compreendendo 12 bairros,

distribuídos em 3 microrregiões, compreendendo a Micro região 4.1 os bairros da

Torre, Madalena, Ilha do Retiro, Prado, Zumbi, Cordeiro, Cidade Universitária e

Iputinga; a Micro região 4.2: Torrões, Engenho do Meio; a Micro região 4.3:

Caxangá e Várzea. É o distrito mais populoso, representando 17,66% da população

da cidade(IBGE – Contagem da população de 1996).

De acordo com o censo 2000, 38,7% dos domicílios são chefiados por

pessoas cuja renda mensal não passa de dois salários mínimos que em números

absolutos representa 26.123 famílias. Também é considerável o número de

domicílios cujo o chefe não tem rendimento algum: são 6.899 famílias (10,2%).

Certos de que a elevação da qualidade de vida da população com a garantia

da cidadania só é possível quando todos tiverem acesso à saúde pela porta da

Atenção Básica, uma das diretrizes da nova gestão é a ampliação das ações deste

nível de atenção, através de várias ações, entre elas: a expansão da implantação de

Unidades de Saúde da Família e a ampliação do número de Agentes Comunitários

de Saúde. O DS IV conta atualmente com 181 ACS, dos quais 80 são ligados ao

PACS, supervisionados por 7 enfermeiras e 101 são ligados às 13 Equipes de

Saúde da Família, beneficiando uma população de 73.062 pessoas.

A rede integrante do SUS do Distrito Sanitário IV é constituída de 32 unidades

prestadoras de serviço que oferecem ações básicas de saúde e de média

complexidade em nível ambulatorial e hospitalar. Os prestadores são da rede

Municipal, Estadual/Universitário, Privado/Conveniado.

27

1.3.1 – A Comunidade do Skylab

No levantamento realizado pela URB em 2000 constatou-se que o DS IV

possui 56 áreas pobres, estando entre elas a comunidade do Skylab, localizada em

Monsenhor Fabrício, bairro da Iputinga.

O Programa de Saúde da Família do Skylab foi implantado em 23 de abril de

2001. Possui duas Equipes formadas por 2 médicos, 2 enfermeiros, 2 auxiliares de

enfermagem , 7 ACS e 1 Equipe de Saúde Bucal, composta pelo Dentista, Técnico

em Higiene Dental(THD) e Auxiliar de consultório Dentário(ACD).

O consolidado de famílias cadastradas no Sistema de Atenção de Atenção

Básica (SIAB) no ano de 2002 revela que há na comunidade do Skylab 3316

pessoas, destas 46,41% é do sexo masculino e 53,59% do sexo feminino.

O critério fundamental para escolha desta área para implantação de um

Programa Saúde da Família foram as condições sócio-econômicas precárias, o que

nos é confirmado pelos dados do SIAB, os quais referem uma população de apenas

48,25% de famílias com abastecimento de água pela rede pública e 61,87%não

possuem sistema de esgotamento sanitário. Mesmo o SIAB nos mostrando uma

coleta pública de lixo realizada em 98,44% dos domicílios, observa-se uma enorme

quantidade de lixo a céu aberto na comunidade, o que expõe a população aos mais

variados riscos à saúde.

Tomando como fonte os dados do relatório da Situação de Saúde e

Acompanhamento das Famílias na Área(SSA2) do SIAB no período de janeiro a

dezembro de 2001, obtivemos na comunidade do Skylab 51 nascidos vivos. Destes,

3,92 apresentaram peso abaixo de 2.500g. Em relação ao coeficiente de mortalidade

infantil, foi verificado dois óbitos pós-neonatal (de 28 dias a 11 meses e 29 dias),

associados a outras causas. Para as crianças menores de quatro meses, o

aleitamento materno exclusivo foi verificado em 66,67% delas, dado superior ao

verificado nas áreas cobertas pelo PSF no município. Nos menores de um ano, uma

média de 3% das crianças pesadas apresentaram desnutrição, Já nas crianças

28

pesadas de um a dois anos a desnutrição aparece em média em 6,52% . Com

relação à diarréia, das 3,05% das crianças menores de dois acometidas, metade

utilizou a Terapia de Reidratação Oral como tratamento. No que se refere às

infecções agudas(IRA), 3,82% das crianças foram acometidas por esse tipo de

patologia.

Com relação às hospitalizações entre os menores de cinco anos, 21,88%

foram hospitalizados por pneumonia e 3,13% por desidratação. A hospitalização por

abuso de álcool no grupo de pessoas de 15 anos ou mais totalizou 3,13%. Dos

comunitários diabéticos 6,25% apresentaram complicações que necessitaram de

hospitalização. Quanto às complicações psiquiátricas, ocorreram em 12,5% do total

de hospitalizações.

A média de diabéticos e hipertensos cadastrados pelos ACS foi de 47

diabéticos, com uma prevalência na comunidade de 2,48% e 227 hipertensos, com

uma prevalência de 12,68%.

Para a tuberculose, a média foi de quatro portadores cadastrados, com uma

prevalência de 0,21%. Em relação à hanseníase, a média de portadores

cadastrados foi em número de cinco, apresentando uma prevalência de 0,26%.

29

CAPÍTULO II

2 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Como campo de ação eminentemente qualitativo e processual, a educação

em saúde vivencia experiências em torno das quais estão envolvidas sujeitos,

situações, atitudes, motivações, etc, aspectos tais que não são quantificáveis, razão

porque a pesquisa utilizada no presente estudo é de caráter qualitativo, cuja

preocupação, nas ciências sociais, ocupa-se de um determinado campo da

realidade que não comporta quantificações. A pesquisa qualitativa, segundo Minayo,

trabalha com o espaço mais profundo das relações, dos processos e dos

fenômenos. Trata-se, pois, de um tipo particular de estratégia metodológica que não

compreende manipulação de variáveis(Minayo,1994).

Para o tipo de estudo, recorreu-se ao estudo de caso único, segundo o qual

busca-se analisar “em profundidade um fenômeno em um só meio”(Hartz,1997).

Trata-se de um estudo que potencializa a apreensão da situação e a descrição da

complexidade de um caso concreto, com o qual se possibilita a generalização ou ao

menos o “estabelecimento de bases para uma investigação posterior, mais

sistemática e precisa” (Silva,1991).

Como tal, o objeto deste estudo é a implantação do primeiro núcleo de

educação popular em saúde no Recife, que teve como equipe piloto os profissionais

da Unidade de Saúde da Família de Skylab e como ponto de partida a capacitação

dos mesmos.

Como instrumento de pesquisa privilegiado foi utilizado a observação

participante, meio pelo qual buscou-se apreender concepções e estratégias

metodológicas, capacidade da equipe de lidar com o planejamento e nível de

implantação do NUCEPS na USF escolhida como projeto piloto.

30

Os registros foram feitos através de caderno de notas durante a própria

ocorrência das oficinas, que compreendeu um período correspondente a 36 horas

estrategicamente divididas em dois módulos.

31

CAPÍTULO III

3- A CAPACITAÇÃO COMO PROCESSO: A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO

FAZER EM SAÚDE

3.1– O Processo de Capacitação dos Educadores em Sa úde

Em consonância com a proposta Municipal de Educação em Saúde foi

realizada a 1ª Capacitação nos dias 09/10/21 e 22 de novembro, cujo objetivo foi

reunir, articular e fortalecer experiências de educação em saúde na perspectiva de

renovação, em função da (re)construção da cidadania, construindo de forma

participativa um plano de trabalho que incorpore os diferentes saberes e linguagens

para a ação educativa. Permite-se assim, potencializar as habilidades de cada

profissional e criar concretas condições para realização de planos de ação

operacionalizáveis nos serviços públicos de saúde.

As etapas do processo de capacitação compreenderam 4 módulos:

- 1º módulo: A oficina de sensibilização(8h)

- 2º módulo: A oficina dos marcos teóricos da educação popular em saúde(8h)

- 3º módulo: A oficina de Metodologia(16h)

- 4º módulo: A oficina de Planejamento(8h)

1º MÓDULO: OFICINA DE SENSIBILIZAÇÃO

O objetivo do 1º módulo da oficina é construir uma identidade de grupo das

pessoas entre si e delas com a ação educativa em saúde e refletir sobre as

concepções teóricas envolvidas na ação.

32

Em roda foram refletidas as motivações, expectativas e as contribuições das

pessoas em relação à oficina. O sentimento que prevaleceu foi a curiosidade, por

não se saber exatamente o que seria uma oficina de “ educação em saúde”.

Após a divisão em subgrupos, foi iniciada a discussão sobre a missão do

serviço, o papel do profissional de saúde no serviço e as atividades realizadas.

Observou-se que o ponto em comum nos subgrupos quanto à missão do serviço foi

a promoção à saúde, reflexão que deu origem à construção coletivado do conceito

de saúde e de promoção à saúde.

No segundo momento, desenvolveu-se uma discussão que buscou trazer à

memória de cada um a forma de organização das políticas públicas de saúde no

Brasil através do nosso século, passando pelos vários sistemas de saúde até

alcançar o SUS, e as concepções de educação em saúde que acompanharam cada

período.

Permanecendo subdividido o grupo recebeu papel madeira, tintas e lápis

coloridos para procederem à uma leitura da sua realidade, descrevendo-a no mapa

falante toda diversidade da composição sócio cultural e ambiental da comunidade

deveria ser lembrada, como também os problemas prevalentes de saúde. Após

apresentação dos trabalhos foi iniciada uma discussão sobre a realidade

apresentada e as potencialidades locais, objetivando identificar espaços para as

ações educativas e os limites e possibilidades da construção coletivade processos

emancipatórios que impliquem melhorias nas condições de vida e saúde da

comunidade.

Este módulo foi finalizado com a retomada dos conceitos de saúde e de

promoção à saúde criados pelo grupo, momento que teve, na sequência, uma

reflexão acerca das práticas educativas realizadas pelo grupo, lançando-se a

pergunta: as nossas práticas educativas estão realmente promovendo saúde? Eis

algumas tentativas de resposta:

“... o povo é que tem que se educar mais , o povo é muito mal

educado...”

33

“...tem que mudar o povo, o povo não gosta de parti cipar, eles gostam é

de ganhar, eles pensam que as coisas só prestam se ganhar alguma coisa...”

“... as nossas atividades de educação em saúde deix am muito a desejar,

por vários fatores: não se tem espaço para promover educação em saúde, não

se tem material, recursos educativos, falta prepara ção e capacitação dos

profissionais para se trabalhar grupo...”

Nas respostas acima percebe-se claramente que a equipe faz uso de práticas

verticalizadas e fragmentadas, sem relação de troca com a comunidade e outros

setores da sociedade, apenas repassando informações e deveres, culpabilizando a

comunidade pelo seu processo saúde-doença.

2º MÓDULO: OFICINA DOS MARCOS TEORICOS DA EDUCAÇÃO POPULAR EM

SAÚDE

Esse módulo teve início com a realização da dinâmica do guia, no qual num

determinado espaço físico ora se é o guia( olhos abertos), ora se é guiado por outra

pessoa ( olhos fechados), servido de base para uma analogia com a comunidade.

Desta maneira, foi refletido no grupo como se sente a comunidade quando a mesma

é conduzida ( apenas realizando o repasse de informações). Percebeu-se então que

a comunidade fica, muitas vezes, à margem do processo, limitada, não conseguindo

crescer, avançar, sem conseguir transformar sua realidade local.

Este módulo teve a continuidade uma tempestade de idéias geradas pela

pergunta: “o que é educação?” Pela maioria das referências, observou-se a

prevalência de uma prática educativa em saúde de caráter unilateral:

“... é passar informações...”

“... é informar e mudar...”

“...é a mudança de comportamento , de hábitos do in divíduo...”

34

Foi resgatada a vivência do processo educativo na escola e na família dos

participantes, e iniciada uma discussão a respeito de relações de poder. Muitas

vezes, educar envolve relações (frequentemente desiguais) de poder, imbricadas em

toda ação educativa. É esta a razão porque é fundamental levar-se em conta a

perspectiva dos sujeitos, sua cultura, seus valores, seus sentimentos, etc. A

educação em saúde, pois, será destituída de seu sentido se não construir

metodologias que respeitem e valorizem esta perspectiva.

Logo depois foi trabalhado o referencial teórico no qual se baseia a educação

popular em saúde, que divide a educação em dois processos teórico-metodológicos:

a Educação não crítica, ou opressora, e a Educação libertadora ou popular.

Paulo Freire(1987, p.57-60) classificou a educação em dois métodos, no

primeiro a Concepção Bancária, nela:

O educador aparece como o seu indiscutível agente, como o seu real sujeito,

cuja a tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua

narração [...] A narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem

enchidos pelo educador [...] Eles são os que escutam docilmente, os que tem

ilusão de que atuam, são meros objetos [...] O educador anula o poder criador

dos educandos, que, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se ao mundo.

O segundo método, que ele chamou de Concepção Problematizadora e

Libertadora da educação o educador :

Já não é mais o que apenas educa, mas o que enquanto educa, é educado, em

diálogo com o educando [...] ambos se tornam sujeitos do processo em que

crescem juntos [...] tem no diálogo o selo do ato cognoscente, desvelador da

realidade [...] na medida em que, o educador servindo a libertação, se funda na

criatividade e estimula a reflexão e a ação verdadeira dos homens sobre a

realidade, responde a sua vocação.

35

Retornando à missão do PSF e ao papel dos profissionais, provoca-se um

debate sobre em qual dos processos descritos as práticas educativas realizadas

pelas equipes estavam incluídas. Vejamos:

“...as vezes usamos a educação popular ,mas as veze s não usamos...”

“...acho que o PSF faz a educação popular...”

“... nas nossas visitas domiciliares sempre há diál ogo, sempre escutamos as

pessoas...”

Assim, observou-se que, impactados pela pergunta, os profissionais num

primeiro momento dificilmente admitiram usar em suas ações educativas uma prática

opressora, mas sim acreditam que antes realizam ações exclusivamente de caráter

libertador, embora haja os que assumem praticar, circunstancialmente, algumas

ações verticalizadas.

3º MÓDULO: OFICINA DE METODOLOGIA DE EDUCAÇÃO EM SA ÚDE

O objetivo deste módulo foi identificar no cotidiano das experiências, as

distintas formas de fazer e as diversas linguagens possíveis para realização das

práticas de educação em saúde, bem como analisar e reformular os saberes e

fazeres na prática educativa, potencializando as possibilidades e os recursos locais

disponíveis(humanos, financeiros, materiais, políticos e culturais).

Realizou-se uma dinâmica onde foram colocados à disposição do grupo

óculos de lentes pintadas com cores e desenhos variados, na qual as pessoas

trocavam os óculos entre si o que possibilitou enxergar o mundo de cores variadas.

Desta forma, refletiu-se a necessidade de descondicionar e ampliar o foco de leitura

da realidade, procurando ver o mundo com as lentes de outras pessoas e avaliar

cada atuação com um olhar crítico.

Foi trabalhado o conceito de metodologia a partir do lançamento da pergunta

“o que é metodologia?” e discutidas as metodologias utilizadas pelas equipes em

suas ações educativas cotidianas, que se resumiram a palestras em sala de espera

36

e formação de grupos( hipertensos e diabéticos ). Posteriormente foi pedido ao

grupo que se dividisse em dois subgrupos, trabalhando o primeiro com qualquer

tema de importância para sua comunidade, com a metodologia da oficina, e o

segundo grupo idem, porém com a metodologia que escolhesse.

O primeiro subgrupo apresentou uma oficina sobre doenças diarréicas. Na

reflexão do tema e na apresentação chamou atenção a culpabilização da mãe pelo

adoecimento e morte do seu filho, como também o uso de linguagens técnicas, tais

como : episódios, doença diarreicas e etc.

O segundo subgrupo, trabalhou com DST/AIDS, utilizando três metodologias,

o teatro de bonecos, a música e a dinâmica de grupo.

Foram refletidos criticamente os temas apresentados: se os grupos haviam

incorporado os princípios da educação popular em saúde, e se enriqueceram a

metodologia a partir dos novos conhecimentos construídos até o momento.

Na dramatização das suas práticas educativas, a educação opressora foi

visível em muitas ocasiões, o que demonstrou naquele momento uma incoerência no

pensar e no agir dos participantes.

Um outro momento que faz parte desse módulo é análise crítica de materiais

didáticos educativos, partindo do pressuposto de que atividade educativa envolve a

escolha de conteúdos, métodos e materiais didáticos adequados aos objetivos que

se deseja alcançar. Para distinguir a escolha adequada deve-se estar atento entre

outras coisas: para quem ensinar, quais as circunstancias, o que se pretende com

aquele ensino.

Foi possível perceber o amadurecimento teórico do grupo nesse momento, de

maneira que foi feita uma análise bastante criteriosa do material, embasados nos

princípios da educação popular , com o conceito mais ampliado de saúde,

caminhando para ação de uma prática educativa mais transformadora.

37

4º MÓDULO: OFICINA DE PLANEJAMENTO

O objetivo desse módulo é planejar os trabalhos educativos e se apropriar da

metodologia do planejamento estratégico, na perspectiva da construção do NUCEPS

da comunidade do Skylab.

Como espaço estratégico de promoção à saúde e emancipação popular, o

Núcleo não é apenas um lugar, é um processo de trabalho no qual as pessoas,

reconhecidas como sujeitos sociais, são aglutinadas no intuito de trocar

experiências, identificar problemas sociais locais e resolvê-los em diálogo recíproco

com outros setores. Enfim, é um jeito de fazer saúde para além dos muros da

assistência, de promover a saúde compreendendo-a associada às lutas por aumento

salariais, pela estabilidade de emprego, pela construção de áreas de lazer, pela

posse de terra, cujas conquistas estão indissociadas das conquistas por um sistema

de saúde integral, igualitário e universal.

A oficina de planejamento teve início com uma tempestade de idéias

provocada por quatro perguntas geradoras:

1. O que é o NUCEPS?

2. Quem pode participar?

3. Como pode acontecer?

4. Onde pode acontecer?

O grupo foi afrontado para reflexão e discussão destas perguntas, cada uma dos

quais devendo ser respondida por tarjetas e afixadas num painel. Na medida que as

tarjetas foram lidas, a facilitadora foi aprofundando e esclarecendo dúvidas que

surgissem. Embora haja ainda uma compreensível limitação do grupo em relação a

estrutura desse novo processo, as respostas parecem indicar o conhecimento da

natureza e do sentido do núcleo. Algumas tarjetas merecem destaque aqui, como

forma de exemplar a análise acima referida:

38

1- O que é o NUCEPS?

“... é um grupo que irá se reunir para promover a s aúde em todo seu aspecto,

com a participação da comunidade...”

“... é um grupo de pessoas (educadores, psicólogos, representantes do

município) formado por integrantes da comunidade qu e se reúnem para

discutir a promoção da saúde, buscando melhorar a q ualidade de vida da

população...”

“... é uma organização de pessoas que, juntas, vão discutir necessidades da

comunidade e a forma de passá-la à população em ger al...”

Neste último exemplo nota-se uma certa confusão na compreensão da equipe

sobre os objetivos da proposta. Há um entendimento equivocado da educação como

um processo de transmissão do conhecimento, no qual a população aparece como

mera receptora, excluída, portanto, do processo decisório. Entretanto, cada

momento desse era problematizado pela facilitadora, que procurava reforçar os

princípios da educação popular norteadores da proposta.

2- Quem pode participar?

“...pessoas da comunidade e lideranças...”

“... toda liderança populacional junto com as secre tarias...”

“... pessoas formadoras de opinião na comunidade: l íderes comunitários,

padres, ESF...”

É notável o avanço do grupo. Muda sensivelmente a postura dos profissionais

à medida que a população é trazida para o centro da discussão e valorizada como

agente legítimo da transformação de sua realidade local e de suas condições de

39

vida. As equipes parecem perceber que a participação popular é condição

sinequanon para a garantia do sucesso e para o exercício da cidadania.

3- Como pode acontecer?

“... com a valorização das lideranças, respeitando suas experiências...”

“... se articulando com a comunidade e os gestores. ..”

‘... com discussões abertas e diretas com a comunid ade e departamentos para

solucionar problemas...”

Os fatores políticos, sócio-econômicos e culturais, que condicionam a saúde e

fazem sua cara multifacetada, obrigam os trabalhadores a reconhecer que o

trabalho em saúde deve justapor, num mesmo espaço, os diferentes segmentos das

organizações sociais em geral e, em particular, das organizações sociais locais.

Assim é que se percebe, nos exemplos acima, que o grupo foi feliz em suas

reflexões, pois está clara sua compreensão dos NUCEPS como um espaço

interdisciplinar, plural e de mobilização coletiva.

4- Onde pode acontecer?

“... na comunidade com o apoio do PSF...”

“... em qualquer lugar dentro da comunidade onde ac omode todos...”

“... na própria comunidade...”

Mais uma vez é possível perceber o crescimento das equipes e inferir sua

disposição para viver uma relação mais estreita com os usuários de suas

respectivas áreas de adscrição.

A facilitadora encerra com esse módulo a capacitação e, junto com o grupo,

formou uma comissão para posterior discussão de implantação do núcleo,

40

acordando ainda a promoção de uma reunião com pessoas e organizações da

comunidade, visando a discussão da proposta de implantação do NUCEPS de

Skylab e sua manutenção.

AVALIAÇÃO DA OFICINA PELOS PARTICIPANTES

A avaliação da oficina foi realizada no último dia através de quatro perguntas:

1. Como foi a minha participação na oficina?

2. Como foi a participação do grupo na oficina?

3. Como foi a participação da facilitadora?

4. Que contribuiu para minha vida profissional?

� Como foi a minha participação:

Após o impacto inicial da oficina e a “quebra do gelo”, a participação dos

profissionais ocorreu evolutivamente. Poucos mantiveram-se tímidos até o final,

comprovando-se através dos depoimentos abaixo:

“... fui bastante participativa em todos os momento s da oficina, afinal a

metodologia utilizada no processo ensino aprendizag em nos deixou à vontade

e bastante motivados a participar...”

“.. pela primeira vez me senti muito à vontade para falar...”

“... como nunca havia participado de uma oficina de sse tipo no início minha

participação foi um pouco tímida, depois me integre i melhor nas discussões

em grupo...”

“... falei pouco mas dentro das minhas limitações.. .”

� Como foi a participação do grupo:

41

“... no início a participação do grupo foi um pouco tími da. Mas depois as

pessoas ficaram à vontade. Mas achei que todos part iciparam e deram o

melhor de si...”

“...todos participaram, alguns mais outros menos, m as sempre com a

consciência de que devemos respeitar os ritmos e je itos de cada um. O grupo

integrou-se ao processo, alguns demonstraram dificu ldade de integrar-se e

participar. Talvez por inibição, talvez por inicial mente não se acharem sujeitos

desse processo, porém foram muito poucos que transm itiram esse

sentimento...”

� A participação da facilitadora

A percepção que os participantes da oficina tiveram do trabalho da facilitadora

foi, em termos gerais, bastante positiva.

A partir das referências que seguem adiante, observou-se a surpresa do

grupo com a metodologia utilizada, na qual os conceitos foram construidos e as

idéias e opiniões valorizadas.

“... a facilitadora deixou o grupo à vontade, insti gando o tempo todo o senso

crítico dos participantes...”

“... ela soube valorizar cada idéia, cada opinião.. .”

“... houve uma troca muito grande não só de conheci mento, mas de

sentimentos...”

A surpresa diante da nova metodologia sugere ausência de experiências

anteriores em relação à metodologia da educação popular, que utiliza dinâmicas de

grupo e de integração.

Foi colocado por dois profissionais que, mesmo a facilitadora tendo domínio

sobre a metodologia utilizada, em algumas situações ela mostrou uma postura

autoritária:

42

“... ela tem facilidade de lidar com essa metodolog ia, porém algumas vezes

deixa passar sua porção de autoritarismo, ainda bas tante enraizada em todos

nós...”

Esta avaliação foi aceita pela facilitadora com entusiasmo, diante de uma

análise mais crítica do processo educativo por parte dos profissionais.

� Transformações nas práticas educativas: visão poste rior à capacitação

Ficou claro que capacitação trouxe uma maior segurança aos profissionais nas

suas ações educativas, pois os mesmos tornaram-se mais confiantes e

entusiasmados com as novas metodologias de atuar em educação e saúde,

observou-se já um crescimento na capacidade de analisar criticamente as atividades

que eles próprios desenvolvem. A capacitação serviu como uma fonte para

recarregar as energias para seguir adiante nas suas atividades construindo

alternativas concretas de melhoria da qualidade de vida:

“...nas palestras de amamentação o álbum seriado é muito bonito, diz para

amamentar em tal posição, num ambiente tranquilo... e nunca havia parado

para pensar se aquela mãe pode oferecer isso...”

“... antes nos sentíamos muito sozinhos, mas vamos conquistar espaços, ter

uma maior ligação com os equipamentos sociais...”

“... tive uma consulta onde me aprofundei mais, que stionei mais, procurei

entender o que se passava com a paciente e ele se a briu... começou a falar dos

seus problemas com as drogas... é.. acho que fiz um pouco de educação

popular...”

“...nós estamos elaborando um trabalho com um grupo de hipertensos onde

cada um traz as plantas que utiliza e vamos fazer u ma troca de informações,

juntos vamos descobrir para que servem realmente ca da planta daquela....”

43

“... a oficina me ensinou a ser mais crítica durante a e laboração e a realização

das minhas ações.. tentarei não fazer mais trabalho s para a comunidade, mas

sim, com a comunidade...”

“... com a oficina aprendi a conviver com várias pe ssoas, ouvi-las e aceitá-las

da maneira como elas são, nem sempre sabemos de tud o e os outros por mais

simples que sejam sempre tem algo a nos ensinar...”

“... o oficina me mostrou o quanto podemos usar nos sa imaginação e nossa

criatividade, contribuindo para a equipe e a equipe ...”

44

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem dúvida, o momento político institucional vivido pelo município

hoje,permitindo a adoção da prática da educação em saúde em nível

institucional,formata um cenário propício à valorização do controle social e da

perspectiva intersetorial de assistência a saúde.

Em que pese o discurso oficial de reorientação do modulo e priorização da

Atenção Básica como forma de inclusão social , ainda é possível observar uma

lacuna entre a teoria apresentada no módulo de saúde adotado no município e a

efetiva aproximação das populações aos serviços de saúde.

A deficiência observada nos profissionais de saúde anteriormente à

capacitação no que diz respeito às práticas educativas,caracterizam-se por um

processo realizado de forma crítica,descontínua e fragmentada.

Pôde-se observar nesse estudo que as equipes envolvidas na capacitação

adotavam ações educativas destoantes dos princípios da educação popular em

saúde , desenvolvendo práticas imbuídas de culpabilização e falta de valorização do

saber popular.

A falta de capacitação e de conhecimentos de metodologias alternativas e

emancipadoras na linha orientadora da educação popular gera nos profissionais

uma certa insegurança e desestímulo para educar na perspectiva de mudança

sociais permanentes.

A deficiência estruturada(espaço físico adequado,material didático-

informativo,equipamentos,etc) existentes nas USF constitui elemento dificultor na

realização das práticas educativas.

O processo de capacitação possibilitou mudanças sensíveis na concepção das

práticas educativas dos profissionais envolvidos, e permitiu aumentar o nível

criticidade e criatividade das equipes,gerando maior disponibilidade dos profissionais

45

para a realização de ações efetivas e comprometidas com a melhoria da situação de

saúde das famílias sob sua responsabilidade sanitária.

Em realidade , sendo a educação popular em saúde um processo contínuo, faz-

se necessário a realização permanente de reciclagem e capacitações para ESF,

com o título de fortalece-las e estimula-las ao desenvolvimento de ações educativas

intersetoriais e participativas.

Como espaço privilegiado de participação popular,troca de

conhecimentos,construção de saberes e ampliação dos níveis de qualidade de vida

através do controle social, o NUCEPS em Recife pode ser considerado uma

realidade em processo, de cuja estrutura e continuidade depende o sucesso de sua

implementação.

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ANEXOS