Educação, linguagem e identidade cultural
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EDUCAÇÃO, LINGUAGEM E IDENTIDADE CULTURAL - A QUESTÃO DOS INDÍGENAS DO EXTREMO SUL DA BAHIA: interlocuções com os Pataxós da aldeia Reserva da Jaqueira – Porto Seguro (BA)
RESUMO
Profª Msc Helania Thomazine Porto Veronez DEDC- Campus X
Os Pataxós da aldeia da Jaqueira, apesar do processo de integração, baseiam-se em experiências de seus antepassados, utilizando de marcas que possam identificá-lo como indígenas e atualizando signos em prol da construção da cidadania. Nesse sentido, buscou-se entender a afirmação identitária, especificamente os caminhos traçados pelos Pataxós dessa aldeia na reconstrução da identidade cultural, assim foi propiciado aos discentes do II e VIII semestres do curso de Letras do Campus X/UNEB momentos de interação e diálogos com os educadores e estudantes aldeados para que os acadêmicos juntamente com a pesquisadora pudessem refletir sobre as estratégias utilizadas com vistas a corrigir as assimetrias culturais, consequência dos processos assimilacionistas e integracionista. O projeto de pesquisa-ensino em andamento apresentou como resultados parciais: a reconstrução da identidade cultural não é algo fundido agora, mas construído ao longo de uma história; fruto de outras ações empreitadas por lideranças políticas de diversas aldeias Pataxós e as mobilizações desses Pataxós se distinguem dos demais movimentos sociais, pois reúnem nelas duas dimensões: a primeira a reivindicação do território, um bem material, indispensável à economia e; a segunda, a reivindicação pela educação escolar diferenciada, são empreitadas indissociáveis. Escola e aldeia como espaços de reconhecimento e vivências de suas singularidades e identidades étnicas.
Palavras Chave
Educação indígena; Identidade cultural, Aldeia Reserva da Jaqueira,
EDUCAÇÃO, LINGUAGEM E IDENTIDADE CULTURAL - A QUESTÃO DOS INDÍGENAS DO EXTREMO SUL DA BAHIA: interlocuções com os Pataxós da aldeia Reserva da Jaqueira – Porto seguro (Ba)
Profª Msc Helania Thomazine Porto Veronez DEDC- Campus X
1 - Os Pataxós da Aldeia da Reserva da Jaqueira – Porto Seguro (BA)
No extremo sul baiano vivem 17 grupos aldeados1, aproximadamente 10.000
índios. E a Reserva da Jaqueira em Porto Seguro é uma das aldeias abertas para
visitação. Lá desenvolvem atividades de educação ambiental, divulgação da
história do povo Pataxó, da música, da dança, da culinária, das plantas
medicinais, além de caminhadas pela mata. Um lócus de revitalização, afirmação
e valorização da cultura Pataxó. (Conforme depoimento de Itynawã.Pataxó, em
11/02/2012)
Os Pataxós da Jaqueira, apesar do processo de integração, baseiam-se em
experiências de seus antepassados, utilizando-se de marcas que possam
diferenciá-los dos demais segmentos sociais. Atualizam elementos dessa cultura,
bens simbólicos que são valorizados em prol da construção da cidadania indígena
baiana.
Assim como os demais Pataxós da Bahia, eles destacam a importância de sua
cultura e organização sociopolítica, mediante a afirmação de suas identidades e
1 Aldeia Águas Belas - Prado, Aldeia Alegria Nova - Terra Indígena Cumuruxatiba/Prado, Aldeia
Barra Velha (atual) - Porto Seguro, Aldeia Barra Velha (dispersão) - Porto Seguro, Aldeia Barra Velha – (formação) - Porto Seguro, Aldeia Boca da Mata - Porto Seguro, Aldeia Coroa Vermelha - Santa Cruz de Cabrália, Aldeia Corumbauzinho – Prado, Aldeia Imbiriba – Porto Seguro, Aldeia Kaí - TI Cumuruxatiba/Prado, Aldeia Mata Medonha – Santa Cruz de Cabrália, Aldeia Meio da Mata – Porto Seguro, Aldeia Pequi - TI Cumuruxatiba/Prado, Aldeia Tauá - TI Cumuruxatiba/Prado, Aldeia Tibá - TI Cumuruxatiba/Prado, Aldeia Trevo do Parque - Itamaraju, Aldeia Velha - Porto Seguro.
dos seus direitos históricos, e por meio de mobilizações e ações coletivas, vão se
apropriando de áreas próximas das regiões que pertenceram aos seus ancestrais.
Especificamente, os Pataxós da Reserva da Jaqueira que justificam a retomada
do território por ter sido aquele lócus um lugar sagrado, morada dos espíritos,
lugar dos rituais, repleto de energia positiva.
Na construção da identidade cultural um jogo de imagens é produzido em função
da necessidade de serem identificados como índios. Por isso vivenciam aspectos
da cultural por meio da apresentação do Awê, isto é, da dança e do canto de
músicas na língua Patxohã. As músicas traduzem o sentimento de pertencimento
a um grupo étnico que apesar do contato permanente com a sociedade não
indígena, na região litorânea dos estados de Bahia que modificou praticamente
toda sua forma cultural, eles se agarram ao que restou e a partir da memória
coletiva dos anciãos esses saberes são socializados por meio dos ritmos e letras
no Awê.
Além da dança outras manifestações realizadas pelos Pataxós é a confecção e
venda de artesanatos produzidos com matérias-primas – sementes de árvores da
mata Atlântica presentes na região e os jogos realizados nas Olimpíadas
Indígenas. Entretanto, esses aspectos culturais tomam vultos na sociedade por
meio da articulação com segmentos não indígenas e com demais indígenas de
outras regiões.
Peter McLaren classifica os símbolos e as práticas sociais utilizados para
expressar a cultura de um grupo como meios culturais, por intermédio dos
esforços de grupos em dar formas às suas vidas, de acordo com o material
disponível e o ambiente político, “as formas culturais não existem longe de
conjuntos de suportes estruturais que estão relacionados aos meios de produção
econômica, à mobilização do desejo, à construção de valores sociais, às
assimetrias de poder/conhecimento, às configurações de ideologias e relações de
classe, raça e gênero”. (1997, p. 206).
2 - O que buscamos entender juntos a esses Pataxós
Assim, buscou-se junto aos Pataxós da Reserva da Jaqueira entender a
afirmação dessa cultura (diferenciada), especificamente os caminhos traçados
pelos Pataxós da aldeia da Jaqueira na reconstrução da identidade cultural.
Helânia Veronez (2006, p. 16) defende que o conhecimento de grupos sociais só
é possível quando “somos capazes de aprender com aqueles que queremos
conhecer e compreender. Ao trilharmos por esses caminhos da descoberta da
história, da cultura do outro, nos depararmos com atitudes, pensamentos, jeitos
de sentir que nos são familiares, porque afinal, como humanos, a idéia que
criamos sobre nós mesmos subjetivamente se reconstrói a partir das imagens que
vemos refletidas nos outros. Nessa interação, é preciso que tenhamos o cuidado
de respeitar as singularidades de cada um, principalmente, o direito de o outro
pensar, falar, viver e ser diferente.
3 - O estabelecimentos de diálogos
Sendo assim, por meio do projeto de pesquisa-ensino buscou-se propiciar aos
discentes do II e VIII semestres do curso de Letras do DEDC – Campus X,
matriculados no componente Língua e cultura indígena momentos de interação e
diálogos com educadores e estudantes aldeados para que esses acadêmicos
pudessem refletir sobre as condições dos povos indígenas da Bahia e as
estratégias utilizadas por essa comunidade com vistas a corrigir as assimetrias
culturais, consequência do intenso processo de políticas assimilacionistas e
integracionistas.
Essa questão nos remeteu a uma compreensão do sentido da identidade cultural,
que não é algo que se possa verificar, mas é uma condição cultural construída a
partir de determinados elementos históricos e culturais que instrumentalizam
ações da vida social. Portanto, interpretamos os depoimentos e palestradas
assistidas na aldeia nos dias 11 de fevereiro de 2012 e 09 de março de 2012, a
partir de uma abordagem qualitativa o que tem possibilitado um diálogo entre
pesquisadores e os Pataxós, levando em conta o ponto de vista desses sujeitos.
O referido projeto apresentou como resultados parciais algumas categorias de
análise, como movimentos sociais, sujeitos socioculturais, educação indígena e
movimentos indígenas, além da reconstituição da história recente dos
movimentos e das reivindicações.
3.1 – Alvitres da pesquisa
Os Pataxós da aldeia da Jaqueira mencionaram que para saberem sobre eles que
o melhor caminho seria estar com eles. Esse discurso veio não como uma
imposição, mas como uma forma de dizer sejam bem-vindos, sentem conosco e
nos escutem, porque vocês não são tão distantes de nós, temos coisas em
comuns. As nossas lutas são parecidas com dos demais, diferente é o jeito de
caminhar.
Os depoimentos das lideranças e estudantes sinalizaram que a reconstrução da
identidade cultural não é algo fundido agora, mas construído ao longo de uma
história, um longo percurso de lutas e embates, fruto de outras lutas empreitadas
por lideranças políticas de diversas aldeias. Veronez ao sistematizar a história
dos Pataxós do extremo sul da Bahia, divide em três períodos,
A história dos Pataxós do extremo sul pode ser sintetizada em três momentos que se interpenetram: um primeiro, em que bandos autônomos percorriam as florestas do sul e extremo sul baiano até final do século XVII, os conflitos com os colonos na região – a reação as frentes de ocupação, o contato gradativo com a sociedade envolvente, até o aldeamento compulsório dos grupos Pataxós pacificados na aldeia Barra Velha, em 1861; um segundo momento, o da integração dos índios aldeados, as relações interétnicas entre os Pataxós e demais etnias indígenas: Tupiniquin, Maxakali, Kamakãn, o desenvolvimento da aldeia, o fogo de 51, até a desagregação do grupo, e um terceiro, a adaptação dos núcleos familiares na região de Cumuruxatiba, a integração desse grupo à sociedade envolvente, o impacto do turismo ( década de 1970) e a especialização do artesanato, e os atuais movimentos reivindicatórios e mobilizações em prol da reconstrução do território e da identidade cultural. (VERONEZ, 2006, p. 27).
Hoje os Pataxós destacam a importância de sua cultura e organização
sociopolítica, mediante a afirmação da indianidade e dos seus direitos históricos,
e por meio de mobilizações e ações coletivas reivindicam territórios que
pertenciam aos seus ancestrais, especificamente áreas perdidas no conflito
ocorrido entre indígena e militares na aldeia Barra Velha, denominado por eles de
fogo de 51.
A recuperação das manifestações artísticas pelos Pataxós da Jaqueira tem sido
uma das formas de resistência étnica. O Awê, especificamente as músicas
cantadas por eles, nos diferentes espaços educativos da aldeia tem sido
utilizadas como textos para a inclusão da cultura e da memória do povo Pataxó. A
incorporação das músicas cantadas pelos antepassados nas aulas são
manifestações linguísticas e culturais que sinalizam a construção de uma
educação escolar específica, numa dimensão de interculturalidade, com vistas à
recuperação da memória e reafirmação de identidade étnica, como preconiza as
Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB/1996.
Os professores das aldeias elaboram as atividades pedagógicas envolvendo o
conhecimento acerca da cultura indígena, ensinam palavras da língua, as danças
na roda do Awê. Essas ações pedagógicas apontam o desejo de transformar a
escola, de solidificar essa educação escolar cada vez mais específica e
diferenciada.
Para a reconstrução da identidade cultural é importante que sejam
regulamentadas as áreas indígenas Pataxós que estão sob julgamento e acelerar
os processos de aldeamento, pois a reconstrução da identidade só é possível em
um lugar em que se sintam pertencentes e ligados pelos laços de parentelas.
Assim também a instalação da escola dentro das aldeias, pois uma educação
escolar mais humana, com vista à inclusão de valores tradicionais ao currículo
escolar, como a vivência de práticas ancestrais, a medicina e a culinária na
escola, só podem ser viabilizadas no território indígena.
Os indígenas territorializados requerem uma escola nos moldes da tradição
moderna, científica, sem abrir mão das tradições do grupo. Uma escola
intercultural, bilíngue, que propicie diálogos entre os conteúdos da escola comum
e os valores, práticas e costumes das comunidades indígenas.
Na reconstrução da identidade cultura devem fazer valer as políticas públicas
afirmativas voltadas para a valorização e permanência do homem, da mulher,
jovens e crianças nas aldeias; a partir dos anseios de cada comunidade. Como
exemplo, acesso aos recursos tecnológicos e financeiros para que possam viver
em suas terras e das suas produções, sem perder de vista a preservação da
biodiversidade da Mata Atlântica e a conservação de nascentes e reflorestamento
de aquíferos.
As mobilizações dos Pataxós se distinguem dos demais movimentos sociais por
reunir nelas duas dimensões: a primeira por tratar as reivindicações do território,
um bem material, indispensável à economia desses grupos e; a segunda, por
considerar a luta por terra e pela educação escolar diferenciada lutas
indissociáveis dos reconhecimentos de suas singularidades e identidades étnicas.
As reivindicações por educação escolar estão intimamente vinculadas aos
aspectos simbólicos e as conquistas desses grupos decorrem do processo
político de reconhecimento de parte dos direitos indígenas e de suas
singularidades identitárias pela sociedade nacional.
Referências
MACLAREN, P. A vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. VERONEZ, Helânia Thomazine Porto. As escolas indígenas das aldeias de Cumuruxatiba e a reconstrução da identidade cultural Pataxó. Dissertação (Mestrado Interdisciplinar Educação, Administração e Comunicação). São Paulo: Universidade São Marcos, 2006. VERONEZ, Helânia Thomazine Porto. As Políticas públicas e a educação indígena. Revista Mosaicum., v.1. Teixeira de Freitas: FASB, 2005. VERONEZ, Helânia Thomazine Porto. Escolaridade e identidade cultural: a construção da educação indígena no extremo sul da Bahia. In: Revista Práxi educacional. V.4, n. 5. Vitória da Conquista: Uesb, jul./dez. 2008.