Educação Musical nas Escolas: Reflexos da Implementação da ... · Educação Musical e em 1971,...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Escola de Comunicações e Artes Tomás Bastos Costa Nº USP: 6804539 Curso de Origem: Música Educação Musical nas Escolas: Reflexos da Implementação da Lei 11.769 na cidade de São Paulo Relatório final realizado para a o programa de Iniciação Cientifica – PIBIC sob orientação da Profª. Drª Maria Teresa Alencar de Brito. São Paulo, 14 de Agosto de 2013.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOEscola de Comunicações e Artes

Tomás Bastos CostaNº USP: 6804539

Curso de Origem: Música

Educação Musical nas Escolas: Reflexos da Implementação da Lei 11.769 na cidade de São Paulo

Relatório final realizado para a o programa de Iniciação Cientifica – PIBIC

sob orientação da Profª. Drª Maria Teresa Alencar de Brito.

São Paulo, 14 de Agosto de 2013.

Índice

• Introdução 3

• Objetivos 6

• Metodologia 7

• Resultados finais 9

• Análises 13

• Conclusões finais 22

• Anexo 23

• Referências 24

Introdução

O ensino de música nas escolas públicas brasileiras sempre foi marcado por um

descompasso entre teoria e prática (Parâmetros Curriculares Nacionais – Artes, 1996). Na década de

30 o Canto Orfeônico entrou para o currículo da escola regular. Este era o nome do ensino proposto

por Villa-Lobos, modelo de caráter coletivo, cívico e moralizador, desenvolvendo-se em aulas

padronizadas. Cantavam-se hinos e canções, as atividades em classe eram coletivas, além disso,

havia fiscalização federal no registro dos professores, que tinham que ser formados no

Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, ou então em alguma outra instituição equiparada. Esta

adequação do projeto pedagógico musical às tendências políticas da Era Vargas gerava uma

supressão das individualidades na sala de aula, contrapondo-se às pesquisas da época que

valorizavam muito o indivíduo (JARDIM, 2009).

A partir de 1961, a disciplina Canto Orfeônico foi substituída na escola regular pela

Educação Musical e em 1971, com a lei 5692/71, se tornou Educação Artística. Junto com a

reforma da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira chegaram os professores polivalentes

em artes, que se tornaram responsáveis não somente pela área de música, mas por todas as artes nas

escolas. Como era exigido que estes professores tivessem domínio das quatro linguagens artísticas

os currículos dos cursos que os formavam não tinham um enfoque especifico em nenhuma delas.

Esta mudança trouxe de alguma forma as outras linguagens artísticas para dentro das escolas, mas

ao mesmo tempo fez com que a música fosse aos poucos perdendo força na sala de aula e

gradativamente fosse saindo da escola.

Para compreendermos este processo é importante ter claro que essas mudanças nas políticas

públicas de educação ocorreram sob o regime militar. Neste mesmo ano, 1971, o Conselho Federal

de Educação – CFE delimitou um núcleo base de matérias obrigatórias a serem cumpridas em todas

as escolas do país:

§1ºPara efeito da obrigatoriedade atribuída ao núcleo comum, incluem-se como conteúdos específicos das matérias fixadas: a) em Comunicação e Expressão – a Língua Portuguesa; b) nos Estudos Sociais – a Geografia, a História e a Organização Social e Política do Brasil; c) nas Ciências – a Matemática e as Ciências Físicas e Biológicas. (BRASIL, 1971b, p.1).

Fica claro no texto acima que a Educação Artística não figurava entre as disciplinas

obrigatórias, na realidade neste período nem sequer era considerada uma matéria, mas sim uma

atividade. Essa classificação deixa clara uma desvalorização institucionalizada da área artística na

escola em relação às disciplinas do núcleo comum.

Além disso, outro fato que distanciou a música das escolas públicas é que os cursos que

formavam os professores de Educação Artística foram com o tempo tendendo para um enfoque na

área de artes plásticas. Aos poucos as aulas de Educação Artística se confundiam com aulas de artes

plásticas, herança que é muito forte até os dias de hoje.

Em 1996, depois de mais de vinte anos em que as artes estiveram desamparadas legalmente

foi aprovada a lei 1.934 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e produzidos os Parâmetros

Curriculares Nacionais. Esses textos fizeram com que as Artes voltassem a ser componente

obrigatório no ensino básico do Brasil e neles constam, na área da música, três grandes eixos da

Educação Musical:

1-Comunicação e Expressão em Música: Interpretação, composição e improvisação. 2-Apreciação Significativa em Música: Escuta, Envolvimento e Compreensão da Linguagem Musical. 3- A Música como Produto Cultural e Histórico: Música e Sons do Mundo.

Esta já é uma medida de política pública mais sintonizada com as pesquisas contemporâneas

na área da Educação Musical. São muitos os estudos que colocam também o universo do aluno

como um importante ponto de apoio no desenvolvimento das aulas e das estratégias pedagógicas

(BENEDETTI & KERR, 2008; GALIZIA, 2009). Nestes vinte e cinco anos que se passaram até a

aprovação da Lei 1.934 a educação musical nas escolas ficou desarticulada, mesmo depois da

aprovação: qual era a formação dos professores que estavam nas salas?

No fim de 2004 ocorreu uma videoconferência entre dez estados brasileiros envolvendo

músicos, produtores, compositores e professores discutindo uma política nacional voltada para a

música brasileira. Daí nasceu o Fórum de Mobilização Musical, que tinha como sua maior

exigência a inclusão da música no currículo escolar (Alvares, 2005). Em consequência desta

mobilização foi aprovada, no dia 18 de Agosto de 2008, a lei 11.769 que tornou obrigatório o ensino

de música nas escolas regulares, sendo que a rede pública de ensino teria três anos para se adequar à

lei. Importante ressaltar que o artigo 2º da mesma, que exigia formação específica para o

profissional responsável pelo trabalho na área, foi vetado. Assim, em agosto de 2011 todas as

escolas do país deveriam estar ministrando aulas de música.

Com a aprovação desta lei o que mudou concretamente no dia a dia das escolas públicas

brasileiras? Como uma medida que pretende regulamentar um conteúdo dentro de uma disciplina do

currículo nacional repercute no cotidiano escolar? Como uma lei de âmbito federal chega aos

governos, aos municípios, às escolas e por fim às salas de aula? Neste sentido se faz fundamental a

compreensão das estruturas e dos agentes que compõe o universo da educação pública no Brasil.

Enfim, são muitos os pontos polêmicos que envolvem a volta da educação musical às

escolas brasileiras. Para compreender os desdobramentos desta medida tomada pelo governo federal

esta pesquisa escolheu a rede pública de ensino do estado de São Paulo, mais especificamente da

capital, a cidade de São Paulo, maior cidade do país e que tem uma formação cultural multifacetada:

portugueses, japoneses, italianos, sírios, libaneses, negros, índios e migrantes de todo o país

trouxeram em suas malas suas culturas, as quais formam esta megalópole. A comunicação entre as

esferas de controle da educação pública em uma cidade das proporções de São Paulo é um

fenômeno muito complexo.

Desse modo, pensando sob a perspectiva do ensino público estadual paulista a aprovação de

uma lei federal como a 11.769 faz com que muitos agentes tenham que agir: o secretário da

Educação do estado de São Paulo, as diretorias de ensino, os diretores, os coordenadores

pedagógicos, os professores de sala, responsáveis pela área de Artes e por vezes outros professores.

Pensar em como dar uma aula de música que consiga dialogar com a experiência musical cotidiana

dos milhares de alunos do ensino básico é, ou deveria ser, o desafio dos muitos professores que

ministram nesta rede de ensino, mas não é um dever só deles.

Objetivos

Esta pesquisa tem como objetivo investigar e analisar os processos de implementação da

aula de música no ensino fundamental, em algumas escolas estaduais da cidade de São Paulo,

buscando entender como a lei chegou às escolas pesquisadas, se essa aprovação gerou diferentes

estratégias pedagógicas, bem como, procurando entender o significado desta aula para estas

comunidades escolares da cidade. A pesquisa visa identificar em que medida a Lei 11.769/08 está

sendo implementada na cidade de São Paulo, SP. Para tanto, a pesquisa pretende:

Analisar e quantificar o estágio da implementação da Lei 11.769/08 e consequentemente da aula

de música no ensino fundamental de escolas estaduais da cidade de São Paulo.

Identificar diferentes estratégias pedagógicas utilizadas.

Determinar carências na formação dos professores da área.

Compreender a organização das políticas públicas de educação na capital paulista visando

determinar dificuldades estruturais na implementação da Lei 11.769/08.

Entender o significado da aula para as diferentes comunidades escolares.

Metodologia

Para conhecer, de fato, a realidade do ensino de música em São Paulo na rede pública de

educação se fez essencial uma imersão no ambiente escolar básico: a escola regular. Através do

trabalho de campo foi levantado material para análise do estado da implementação da música nas

escolas. No intento de compreender a implementação da lei 11769/08 no âmbito do ensino

fundamental na esfera pública, elegi a rede estadual na cidade de São Paulo, escolha que se deu pelo

fato desta rede ser a mais vasta da cidade.

Para obter uma amostra representativa das muitas realidades de ensino estadual em São

Paulo, optei por pesquisar escolas nas diferentes zonas da cidade. Outro motivo para a pesquisa em

diferentes lugares foi a busca por alunos com bagagens musicais distintas, consumidores de outros

produtos musicais (ADORNO, HORKHEIMER, 1947). Assim sendo, foram escolhidas diversas

regiões da cidade; dos extremos ao centro.

Para entender como a lei foi recebida nas escolas estaduais, foram feitas entrevistas com

professores responsáveis pela disciplina de artes, além de uma professora de outra área, e com

coordenadores pedagógicos. A intenção inicial era fazer a pesquisa em escolas que tivessem e

também que não tivessem aula de música, porém a situação encontrada impossibilitou este

procedimento.

De inicio foram contatadas dez escolas de diferentes partes da capital paulista, sendo que

somente uma delas oferece aulas de música e é uma escola de caso ímpar na capital. Em seguida,

foram contatadas outras quatorze escolas e dessa vez nenhuma tinha aulas de música. A partir deste

ponto a pesquisa se redefiniu, de modo que as escolas sem aulas de música passaram a ser o

principal objeto de estudo, pelo fato de ser a imensa maioria, praticamente a totalidade do sistema

de ensino público estadual da cidade de São Paulo.

A partir da constatação de que as escolas não tinham professores com formação específica

dando aulas de música, voltei-me aos professores de artes sem formação em música e, em um caso,

a uma professora de outra matéria. Além das conversas com professores também foram

fundamentais as entrevistas com orientadores pedagógicos que ajudaram a entender como a lei

chegou às coordenações das escolas.

Desde o inicio da pesquisa uma escola estadual foi contatada e possuía aulas de música, mas

é uma escola de formato único na cidade de São Paulo, pois está diretamente ligada a uma

universidade: a Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Evitei, a principio, escolher essa escola como objeto de estudo, isso se deu pelo fato de ser um caso

único no ensino público estadual paulista, mas com os desdobramentos da pesquisa e a constatação

de que nenhuma das outra mais de trinta escolas questionadas ofereciam aulas de música, a EA

(Escola de Aplicação) passou a ser um ponto de interesse nesta pesquisa.

As entrevistas tiveram como objetivo entender como a música é trabalhada e vista pela

coordenação e pelos docentes das escolas, bem como, avaliar se a aprovação da lei 11769/08

alterou, ou não, a presença e o papel da música dentro destas instituições de ensino. Neste intuito foi

desenvolvido um pequeno roteiro que serviu de apoio para as entrevistas, o qual está dividido em

quatro partes: perfil profissional, perfil pessoal, perguntas relacionadas à música e questões

envolvendo a referida lei. Além disso, foram feitos estudos para definir quais são os órgãos que tem

responsabilidades e deveriam dar suporte às escolas para implementação da aula de música. (anexo)

Ficou desde o inicio muito clara a importância do docente neste processo que teve inicio

com a aprovação da referida lei em 2008. Evidencia-se a função do professor, que extrapola em

muito o “passar conteúdo”: ele deve buscar mobilizar os alunos e dar sentido aos seus aprendizados.

Em Charlot entende-se mobilizar como gerar “desejo, um sentido, um valor” (CHARLOT, 2000:

55). Enquanto o sentido “é produzido por estabelecimento de relação, dentro de um sistema, ou nas

relações com o mundo ou com os outros” (CHARLOT, 2000: 56). Soma-se assim mobilização e

sentido, como ideias fundamentais nas atividades docentes.

Se pensarmos que o professor deve mobilizar e mostrar um sentido para o aluno, podemos

transpor essas relações: o coordenador pedagógico deve mobilizar e mostrar um sentido para o

professor, o secretário de educação deve mobilizar e mostrar um sentido para os gestores da

educação pública, e isso ao longo de todas as esferas que formam a educação estadual paulistana.

Resultados finais

Organização da educação estadual pública

na cidade de São Paulo

No intento de compreender a implementação da lei 11769/08 no âmbito do ensino

fundamental na esfera pública, foi eleita a rede estadual de São Paulo, pelo fato de que a mesma é a

rede mais vasta da cidade com um total de 1043 escolas coordenadas por treze diretorias de ensino

espalhadas pela capital: cinco na zona leste, três na zona sul, duas na zona norte, uma na região

central, uma no centro-oeste e uma no centro-sul.

O órgão que coordena esta rede é a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo,

coordenada atualmente pelo secretário Herman Jacobus Cornelis Voorwald, nomeado pelo

governador paulista Geraldo Alckmin. A SEE coordena a maior rede de escolas do país, contando

com 5,3 mil escolas, 230 mil professores, 59 mil servidores e mais de quatro milhões de alunos.

No ano de 2012 a Secretaria passou por uma reestruturação e a partir daí funciona com dois

órgãos vinculados, a saber: o Conselho Estadual de Educação (CEE) e a Fundação para o

Desenvolvimento da Educação (FDE). Além disso, conta com seis Coordenadorias: Escola de

Formação e Aperfeiçoamento de Professores – “Paulo Renato Costa Souza” (EFAP); Coordenadoria

de Gestão da Educação Básica (CGEB); Coordenadoria de Informação, Monitoramento e Avaliação

Educacional (CIMA); Coordenadoria de Infraestrutura e Serviços Escolares (CISE); Coordenadoria

de Gestão de Recursos Humanos (CGRH); Coordenadoria de Orçamento e Finanças (COFI).

Todos estes órgãos e secretarias tem um importante papel na implementação de qualquer

política educacional no estado, seja sob a perspectiva da estrutura física, dos recursos humanos, da

manutenção das escolas, ou sob a perspectiva pedagógica. Todos eles dialogam diretamente com

todas as diretorias de ensino do estado, e no caso, com as treze diretorias da cidade de São Paulo.

Dessa forma fica clara a complexidade dos desdobramentos de uma lei federal até chegar

diretamente nas escolas estaduais.

Tendo em vista o foco direcionado para o dia-dia escolar a Escola de Formação e

Aperfeiçoamento de Professores – “Paulo Renato Costa Souza” é um caso interessante a ser

analisado, pois tem como principal objetivo o aperfeiçoamento dos docentes da rede do estado. No

site da EFAP constam os cursos oferecidos pela escola desde 2010. Entre as dezenas de cursos que

foram, ou estão sendo, oferecidos nenhum é direcionado à música e só um, “Tão perto e tão longe –

entrelaces com o currículo de Artes 2011”, é relacionado com as artes, consistindo em uma

atividade na Bienal e finalizado no fim de 2011.

O contato com as escolas

Para obter uma amostra representativa das muitas realidades de ensino estadual em São

Paulo, optei por buscar escolas nas diferentes regiões da cidade. Foi feita uma primeira lista com

escolas situadas em vários pontos da capital:

Centro: Leste:

-República -Itaim Paulista

EE Joao Gomieri Sobrinho EE Rubem Braga

Oeste: -Guaianazes

-Jaguaré EE Pedro Taques

EE Deputado Augusto do Amaral Sul:

-Lapa -Vila Mariana

EE Alfredo Paulino EE Maestro Fabiano Lozzano

-Butantã -Marsilac

EE de Aplicação da Escola EE Regina Miranda Brat de Carvalho

de Educação da USP -Cidade Ademar

Norte: EE Profª Zenaide Lopes de Oliveira Godoy

-Tremembé

EE Bibliotecária Terezine A Ferraz

Todas estas escolas foram encontradas através de pesquisa realizada pela internete e

contatadas por telefone. Somente uma delas oferecia aula de música: a Escola de Aplicação da

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Evitei, a principio, escolher essa escola

como objeto de estudo, pelo fato de ser um caso único no ensino público estadual paulista, estando,

a escola, diretamente ligada ao curso de Pedagogia da USP. Outra descoberta foi que uma das

escolas, a EE Prof.ª Zenaide Lopes de Oliveira Godoy, além de não oferecer aulas de música

também não oferecia a disciplina Artes. Na busca de alguma outra escola que oferecesse aulas de

música foi feita uma nova lista de instituições localizadas, como da primeira vez, em diferentes

regiões da cidade:

Centro: Sul:

-Liberdade -Parque da Mooca

EE Caetano de Campos EE José Heitor Carusi

-Barra Funda -Embura

EE Alarico Silveira EE Professor Hilton Reis Santos

EE Conselheiro Antonio Prado Leste:

-Vila Buarque -Itaquera

EE Arthut Guimarães EE Emília de Paiva Meira

EE Fidelino Figuiredo Oeste:

-Bom Retiro -Jaguaré

EE Canuto do Val EE Deputado Augusto do Amaral

-Campos Elísios EE Maria Eugênia Martins

EE João Kopke -Parque Continental

Norte: EE Professor Architiclino Santos

-Horto Florestal

EE Conselheiro Ruy Barbosa

O resultado desta pesquisa foi parecido com o da primeira: nenhuma escola oferecia aulas de

música e uma, a EE Emília de Paiva Meira, não tinha aula de artes. A partir da constatação de que

as escolas não tinham professores com formação específica dando aulas de música, voltei-me aos

professores de artes sem formação em música e, em um caso, a uma professora de biologia.

Foi feita uma terceira lista, com dezessete escolas, desta vez focando praticamente só a zona

Leste, a mais populosa e com mais escolas da cidade, isso foi uma mudança de estratégia para tentar

encontrar por fim alguma outra escola que oferecesse aulas de música:

Leste:

-Vila Curuçá -Itaim Paulista

EE Profª Cleise Marisa Siqueira EE Profª Célia Ribeiro Landim

EE Prof. Adolpho Pluskat EE Alberto Schweitzer

EE Prof. Amador dos Santos Fernandes EE Prof. Alceu Guerner Gonzales

-Lajeado EE Antonio de Pádua Vieira

EE Araci Zebral Teixeira EE Antonio José de Sucre

EE Prof. Aurélio Buarque H. Ferreira -São Miguel

EE Prof. René Calabrez EE Ataulpho Alves

EE Prof. Breno di Grado EE Carlos Gomes

-Jardim Helena -Ermelino Matarazzo

EE Prof. Zamiti Mammana EE Parque Ecológico

Norte: EE Said Murad

-Brasilândia

EE Deputado Luiz Sergio Claudino dos Santos

Ao longo destas pesquisas, elegi seis escolas localizadas em diferentes zonas da capital

paulista onde foram feitas entrevistas com professores e coordenadores pedagógicos: Escola

Estadual Regina Brant de Carvalho, no Bairro de Marsilac, extrema zona sul de São Paulo; Escola

Estadual José Heitor Carusi, no bairro do Parque da Mooca, início da zona Leste, Escola Estadual

Deputado Luiz Sergio Claudino dos Santos, na Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo, Escola

Estadual Maria Eugênia Martins, no bairro do Jaguaré, zona oeste da capital, Escola Estadual Raul

Cortez, também na zona oeste e por fim a Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo que, conforme já sinalizei, foi a única das pesquisadas que oferecia

aulas de música e dessa forma foi uma instituição importante a ser estudada.

Em quatro casos foram entrevistados os coordenadores pedagógicos do ensino fundamental,

dois deles, curiosamente, tinham sido professores de artes antes de assumirem as funções de

coordenação. Também foram entrevistados os professores de Artes da EE Regina Miranda Brant e

da Escola Estadual Raul Cortez, a professora de música da EA da Faculdade de Educação da USP,

além da professora de ciências EE Maria Eugênia Martins. Importante frisar que tanto os

professores responsáveis pela disciplina artes quanto os coordenadores que também são

originalmente professores de artes, todos tinham formação em artes visuais e não em música, teatro

ou dança.

Análises

Ao longo desta pesquisa foram feitos dois diferentes tipos de ações: a busca por escolas com

atividades musicais oficiais a serem pesquisadas e a visita às que mostrassem interesse em

participar da pesquisa. O processo de contato foi muito mais complicado do que o esperado, pelo

fato que das mais de trinta escolas estaduais contatadas somente uma oferecia aula de música e duas

não tinham sequer professor de artes.

Esta realidade foi decisiva para o direcionamento do projeto. A partir da constatação de que

a maior parte das escolas não tinham professores com formação específica dando aulas de música,

voltei-me aos professores de artes que, de acordo com a nova lei 11769/08, seriam responsáveis por

oferecer atividades com música em suas aulas. Além disso, busquei entender também como a

organização da educação no estado de São Paulo influenciou nos desdobramentos dessa lei dentro

das escolas.

Neste sentido o texto O que é uma escola justa? (2004), de François Dubet foi uma

importante referencia, pois o autor desenvolve uma importante reflexão sobre igualdade e justiça

escolar e sobre meritocracia. É um texto essencial para reflexões sobre problemas comuns a

qualquer instituição de ensino e por isso sua leitura foi muito importante neste trabalho. Com essa

leitura ficou claro que a busca pela justiça escolar não é um objetivo que pode ser alcançado por um

único caminho, mas sim mediante análises das especificidades de cada instituição escolar, dessa

forma a meritocracia cai em detrimento das complexidades e vicissitudes de cada escola.

Buscando entender melhor a situação particular das escolar algumas táticas adotadas foram

diferentes em cada caso, como por exemplo na EE Maria Eugênia. Nesta escola acompanhei

algumas aulas de ciências, pois o coordenador pedagógico havia me informado que os professores

responsáveis por estas disciplinas se utilizavam da música em suas classes mais do que o professor

de Artes, isso se deu na tentativa de dialogar com a particularidade desta escola.

As entrevistas tiveram como objetivo entender como a música é trabalhada e vista pela

coordenação das escolas, buscando entender que tipo de educação os entrevistados propunham.

Uma importante referência neste sentido foi o texto Papel da Educação na Humanização (1974) de

Paulo Freire, no desenvolvimento deste o autor contrapõe dois tipo de educação: uma humanizadora

e uma que ele denomina de concepção bancária de educação. Esses reflexões são essenciais para

compreender modelos de educação de uma perspectiva estrutural, comuns a qualquer área.

Além disso outro objetivo das entrevistas foi avaliar se a aprovação da referida lei alterou,

ou não, a presença e o papel da música dentro destas instituições de ensino. Neste intuito foi

desenvolvido um pequeno roteiro que serviu de apoio para as entrevistas, o qual está dividido em

quatro partes: perfil profissional, perfil pessoal, perguntas relacionadas à música e questões que

envolviam a lei 11769/08 (anexo).

Alguns trechos das entrevistas e das experiências vividas nas escolas foram destacadas e

agrupadas em dois temas distintos: formação do professor e estrutura da educação.

FORMAÇÃO

Neste tema se evidencia como a experiência pessoal de cada um dos professores é

fundamental na sua atuação dentro da escola e também ficam claras as mudanças históricas na

formação dos professores de artes no país. Cruzando as respostas deste tema com o texto de Dubet

(2004), ficam claras as dificuldades rumo a ideal justiça escolar, pois mediante a apresentação do

histórico de cada profissional, evidencia-se que a lei aprovada tem implicações práticas muito

distintas para cada um dos entrevistados

Neste ponto trechos de cinco entrevistas foram utilizados, alguns trechos da conversa com

Daniel1, coordenador pedagógico da EE Maria Eugênia Martins, passagens da entrevista com Luiza,

coordenadora pedagógica do ensino fundamental da EE José Heitor Carusi, alguns relatos de Alice,

professora de artes da EE Regina Miranda Brant de Carvalho, de Clara, professora de música na EA

da Faculdade de Educação da USP e de Elio, professor de artes da EE Raul Cortez. Nos dois

primeiros casos os referidos coordenadores são originalmente professores de artes dessa forma suas

experiências de formação são interessantes para esta pesquisa.

Daniel ministrou aulas de artes na EE Maria Eugênia até o fim de 2011 quando foi

convidado para se tornar coordenador do ensino fundamental da mesma, ele tem formação

acadêmica em artes visuais e, além do magistério, já fez exposições em espaços na capital e na

Virada Cultural. Além disso, ele tem uma banda e bastante vivência com música. Quando

perguntado sobre a importância da música em sua vida, Daniel respondeu:

De importância suprema, a música é muito importante, eu sempre tive contato com música, desde criança. Na minha casa só foi ter televisão quando eu tinha dez anos. Meu pai e minha mãe sempre privilegiaram a música, tive uma educação presbiteriana, então eu sempre tive muito contato com a música: na igreja, com hinos, com piano, com violão, então eu acho que a música é uma janela para a alma.

Daniel é um profissional que, desde sua formação, transita pelas diferentes áreas das

Artes e que como pudemos perceber tem uma relação muito forte com a música. Foi-nos relatado

que utilizava não só a música, mas também outras linguagens artísticas como o teatro e as artes

visuais, que é de fato sua área de formação.

O caso de Daniel é em certa medida semelhante com o de Luiza, coordenadora

pedagógica da EE José Heitor Carusi. Como ela também é originalmente professora de artes, estas 1 Os nomes apresentados são fictícios.

duas entrevistas foram muito boas para possibilitar entender experiência de pessoas que já estiveram

em mais de um papel dentro da escola, e consequentemente da educação pública. Quando

perguntada sobre a importância da música Luiza respondeu:

No piano eu comecei com seis anos, mas minha irmã já tinha dezesseis, ela já estava no conservatório, então eu já nasci com um piano dentro de casa. Assim eu assistia às aulas dela, vinha a professora particular em casa, eu assistia ela tendo aulas desde pequena, então eu já nasci naquele meio. Meu irmão também é mais velho ele foi fazer conservatório de violino, meu pai já tocava na igreja, aí entramos nesse meio e não tem quem tire, é um vicio muito bom. Faz bem pra alma, descarrega, quando você está tocando você lava a alma.

Nestas duas respostas fica evidente o grande peso da música na vida dos dois entrevistados,

além da importância das famílias neste processo de musicalização do indivíduo. Outro aspecto que

os dois mostraram experiências semelhantes foram aqueles relacionadas à formação. Apresento aqui

as respostas de Luiza:

Então, eu passei o fundamental I e II em colégios do estado, depois na época do ensino médio eu fiz piano, que já fazia desde os seis anos, mas aí fui fazer conservatório, recebi o certificado técnico em instrumento, fiz até o, como se fosse um superior, que se chamava virtuosidade, que seria mais para concertos. Fui chamada até para participar da orquestra municipal, mas aí tinha que ter outra vivência, sair da família, ficar viajando, não era esse meu objetivo, na verdade não que não era esse meu objetivo, mas meus pais não me deixaram. Aí encavalou com faculdade, como eu já tinha a parte musical, então falei: vou ampliar meu leque na parte de artes, eu gostava de desenho e aí fiz o que na minha época era educação artística, licenciatura curta e plena, no caso, habilitação em desenho, mas passei por todas as linguagens, pensei em atuar como desenhista, mas passei para a área de licenciatura e fiquei até hoje.

Alguns pontos são muito interessantes neste relato. O primeiro a ser ressaltado é o que a

música representava para a família da entrevistada, mesmo sendo um elemento incentivado dentro

da família desde muito cedo, quando Luiza foi convidada para participar de uma orquestra e partir

para o mundo profissional os pais proibiram-na de fazê-lo. Em um trecho mais a frente ela declara

novamente que tinha vontade de ter ido para essa profissão, mas não o fez pela proibição da família:

Gosto muito de ir à sala São Paulo e gostaria de estar lá dentro, é que meus pais me podaram, e eu tive que partir para o campo de ficar quietinha, senão estaria aí viajando pelo mundo.

Outro ponto interessante para se atentar é a força do pensamento polivalente em artes na

formação da professora. Isso fica evidente na seguinte frase: “como eu já tinha a parte musical,

então falei: vou ampliar meu leque na parte de artes”. A entrevistada quando optou por seguir a

carreira de professora de educação artística sentiu a necessidade de se versar nas outras linguagens,

pois de fato essa era a demanda que existia. Neste sentido o livro De tramas e fios: um ensaio sobre

música e educação (2005), de Marisa Fonterrada foi fundamental, pois foi o grande referencial

histórico da pesquisa, de muito proveito para situar historicamente a aprovação da lei 1769/08 e as

entrevistas. Nele Fonterrada analisa a história da música sob a perspectiva da educação musical,

trazendo importantes reflexões sobre o desenvolvimento histórico da mesma, assim podemos ter um

entendimento historicamente situado da formação dos entrevistados. Em trechos da entrevista de

Daniel também surgiram questões que reforçam o pensamento polivalente em artes:

Eu sou um cara que não sou especialista em nenhuma das artes, não sou especialista em história da arte, não sou especialista em pintura e muito menos em música, porém na minha formação eu tive um repertório que consegui transitar. Na faculdade tive música, tive teatro, tive pintura, tive escultura, tive fotografia, então eu conheci várias linguagens, o que eu tento passar para o aprendiz são essas possibilidades das linguagens.

Podemos notar que, assim como Luiza, em sua formação acadêmica Daniel teve

contato com diferentes linguagens artísticas e, além disso, em sua vida teve muita relação com a

música, o que fez com que ele se sentisse seguro de trabalhar com conteúdos musicais. Ao longo da

entrevista ele narrou diversas situações em que se utilizou da música em sala de aula de forma

interessante. Apresento agora uma resposta de Clara, que trabalha na EA da faculdade de Educação

da USP, nesta escola a situação é consideravelmente diferente dos outros casos analisados, é a única

instituição que tem uma aula de música. Em referencia a pratica polivalente Clara respondeu:

Não dá pra você trabalhar com educação artística, ensinar todas as modalidades de arte integradas o tempo todo, você precisa ter uma formação profissional muito abrangente para dar conta de todas as linguagens, claro que você, como arte educadora, precisa transitar pelas linguagens, mas não dá pra ter uma formação sólida em todas elas.

Esta afirmação mostra como a lei ainda está em função de uma aula de artes ministrada por

um professor polivalente. A professora afirma que não é possível ter uma formação sólida em todas

as linguagens de arte e, neste sentido, é muito importante pensar e analisar o contexto da aula na

EE Raul Cortez.

Apresento o caso do professor Elio2, na EE Raul Cortez, onde ele leciona existem três

professores que são formados em artes visuais e que são os responsáveis pela disciplina de artes.

Ele é responsável pela área e professor desde a década de oitenta na instituição. Ele admite sua

incapacidade e falta de formação na área de música, mas o interessante é que desde o início de seu 2 A entrevista feita com Elio não foi gravada por isso suas idéias não foram literalmente transcritas como as outras

apresentadas ao longo do trabalho.

trabalho ele tenta trazer para a sala de aula conteúdos e propostas musicais. Estas propostas que ele

narrou na ocasião da entrevista estão de acordo com o nosso tempo e pensamento musical, mas

mesmo assim ele admitiu dificuldade de trabalhar estes conceitos, que não são de sua formação.

Muito relacionado à questão dos polivalentes em artes, Daniel levantou uma questão

fundamental neste trabalho: como ficam as outras artes depois da aprovação desta lei? Que perfil

profissional de um professor de artes se busca?

Um professor hoje, principalmente um professor de artes, das duas uma: ou ele é um cara muito bom e consegue transitar pelas linguagens, e acho que isso que tem que fazer um bom professor de artes, ou ele fica perdido.

Interessante notarmos que esta fala reforça muito a ideia do professor polivalente em

artes, de quem se espera um domínio mínimo em todas as linguagens artísticas e que dessa forma

claramente não tem um conhecimento aprofundado em nenhuma delas. Fundamental observar que

durante as falas de Daniel e de Luiza que são os dois professores sem formação em música que se

sentem capazes de dar aulas com conteúdos musicais o professor polivalente aparece como uma

referência, ao mesmo tempo os dois admitiam que algumas das linguagens eram menos trabalhadas,

como por exemplo no trecho a seguir do relato de Luiza:

Essa parte de dança ainda não senti firmeza de trabalhar, fui fazer curso, fui atrás, sobre as vivências corporais, não é tão complicado, mas assim pelo número de alunos na sala dificulta, então ainda não consegui.

Isso evidencia a impossibilidade de uma pessoa ter uma formação sólida em todas as

linguagens artísticas e consequentemente de ministra-las, pois mesmo os dois entrevistados que

apoiam a lógica do polivalente evidenciam em suas respostas dificuldades para o fazer

praticamente. Agora é fundamental apresentar a entrevista da professora Alice que assim como Elio

tem dificuldades em trazer conteúdos musicais para a sala de aula. A professora de artes da EE

Regina Miranda Brant de Carvalho, nos traz um contraponto às outras entrevistas já apresentadas,

evidenciando uma relação muito distinta com a música:

Música como eu disse pra você, não a Música em si, eu trabalho com uma música, não com a Música, explicar pra eles o que é a Música, essas coisas são complicadas, porque eu não tenho formação e não quero errar.

Fica claro que a professora pelo fato de não ter formação específica não se sente a

vontade para ministrar conteúdos de música em suas aulas, é uma resposta que nos mostra que a

aprovação da referida lei teve implicações práticas muito diferentes para os entrevistados, enquanto

uns se sentem a vontade para trabalhar com música dada sua formação outros se sentem incapazes.

Quando perguntada sobre a sua formação, também em artes visuais, ela respondeu:

Teve mais mesmo a parte de didática, de pedagogia, psicologia, história da arte. Essa parte mesmo, mas música, dança e teatro, que eu acho que é essencial da arte, não teve.

Então temos cinco casos de professores com formações em artes visuais que tem relações

muito distintas com a música e todos eles quando estiverem em sala de aula, de acordo com a lei

devem ministrar conteúdos musicais. São cinco pessoas com casos muito distintos: Clara teve uma

formação em Educação Artística, mas sempre teve um envolvimento grande com a música, tanto

que é a única que leciona música e não Artes; Luiza teve uma formação praticamente acadêmica em

música, no conservatório, uma formação técnica e por isso se sente capaz para dar aulas com

conteúdos de música; Daniel não teve formação oficial em música, mas sempre a vivenciou em

muitos dos ambientes por onde passou e dessa forma se sente capaz para dar aulas com conteúdos

musicais; já Alice e Elio, além de não terem formação oficial também nunca vivenciaram a música

e assim não se sentem capazes de oferecer conteúdos musicais em suas aulas. Dessa forma fica

claro que estas diferentes relações com a música fruto tanto das distintas formações de cada um

quanto das vivências musicais são fundamentais na implementação prática da referida lei.

ESTRUTURA

Neste tema foram destacadas respostas que ajudam a entender a organização estrutural da

educação tanto no âmbito das políticas públicas quanto de dentro de cada escola. São respostas que

evidenciam pontos fracos da estrutura do sistema educacional que de alguma forma dificultam a

introdução da lei 11.769/08.

A entrevista com Antonio, coordenador pedagógico da EE Raul Cortez foi muito importante

para compreender alguns aspectos da relação entre a secretaria da educação do estado e a referida

escola:

Aqui é uma escola pública que se insere no contesto de um conjunto de políticas do estado de São Paulo, é uma escola pública do estado de São Paulo. Nós temos o currículo na rede estadual em processo de implantação, que na verdade a secretaria entende que ele já está bem consolidado, eu acredito que não, que ele está em fase de consolidação ainda, que foi implantado a partir de 2007, de 2008, porque nós não tínhamos um currículo único, cada escola tinha liberdade de elaborar seu currículo com base nos referenciais curriculares. Hoje não, a partir de um conjunto de políticas do estado de São Paulo tem uma definição do currículo. Então nós temos o currículo, que o que é isso? Ele é

composto pelo caderno dos alunos, o caderno do gestor, o caderno do professor, nós seguimos isso e as avaliações externas são feitas com base nisso.

Evidencia-se na fala de Antonio o descompasso existente entre a Secretaria de Educação e a

escola, ele deixa claro que tem uma compreensão diferente da Secretaria em relação ao

cumprimento de uma lei. Neste sentido é importante frisar que, de fato todos os coordenadores e

professores entrevistados tinham conhecimento da referida lei, porém em nenhum dos casos

estudados a situação da música havia mudado de fato dentro das escolas. A resposta de Marli,

coordenadora da Escola Estadual Deputado Luiz Sergio Claudino dos Santos, quando indagada se

tinha conhecimento da referida lei complementa o relato de Antonio:

Sim, a gente, como coordenador tem que pesquisar muito, então sabemos do ensino da música, mas que não foi introduzido em sala de aula pelo estado. Eu lembro que um tempo atrás quando eu estava na sala de aula, teve a questão da fanfarra, mas trabalhasse muito por cima, alguns alunos envolvidos e o projeto logo morre no estado, porque não tem o estímulo, não tem o investimento do estado, se não parte da direção não acontece nada, foi só uma lei que apareceu e está jogada aí.

Estas duas respostas mostram que a secretaria do estado não tem um controle efetivo dentro

das escolas e que a lei, mesmo que aprovada, não mudou efetivamente a realidade escolar. Tanto

Antonio quanto Marli deixam claro em suas respostas que as análise da secretaria não são as

mesmas das gestões das escolas e desta forma não correspondem a realidade escolar. Neste sentido

apresento um trecho da conversa com Daniel, quando perguntado sobre a implementação da lei

respondeu:

Essa lei do estado está muito longe de se tornar prática, não tem profissional e não tem logística, você precisa ter essas duas coisas, e você ainda cria um outro problema: se você cria um profissional que só entende de música como ficam as outras artes?

Todas estas respostas se relacionam muito bem com o artigo Reflexões sobre a

obrigatoriedade de música nas escolas públicas (2008). Neste texto Silvia Sobreira traz algumas

reflexões sobre a lei 11769/08, evidenciando os problemas advindos das muitas concepções de

educação musical, que acabam por comprometer a inserção da mesma nas muitas instituições de

ensino brasileiras; a falta de professores e a complicação das muitas possíveis formações destes; ela

aponta a importância da participação de todos envolvidos no ensino de música nas escolas. Todas

estas reflexões são importantes e complementam a resposta de Daniel.

Um ponto levantado por ele que também se relaciona com o texto e que pode ser visto como

impedimento para que a lei seja realmente implementada é o que ele chama de logística e pode

também ser pensado como estrutura. Esta dificuldade estrutural também fica evidenciada nesta

passagem da entrevista com a professora Alice:

Eu não acho que a área de artes seja valorizada, tanto é que a escola deveria ter um local específico para artes e não a sala de aula normal. O espaço que a gente está usando é uma sala em que vai entrar outro professor e vamos ter que limpar tudo aquilo e deixar em ordem para que o outro professor venha e não encontre a sala bagunçada, porque arte é bagunça também, não é uma coisa certinha.

Na EA a situação é consideravelmente diferente dos outros casos analisados, é a única escola

que conta com local reservado especificamente para música. Esta questão da estrutura física da

escola foi levantada pela professora Clara que afirmou a importância do espaço musical.

Como a area de artes é uma area marginal dentro do currículo politicamente falando, se o professor não tiver uma atuação muito presente na escola não rola. Porque ele tem que lutar pelos espaços,ele não tem uma sala adequada para trabalhar, a gente brigou para ter uma sala mais ou menos adequada para trabalhar, a gente teve que criar uma forma de ter material para trabalhar, então a gente recebe uma doação dos alunos. Então você tem que ir criando as possibilidades para poder trabalhar senão não tem como trabalhar, se você ficar na espera você não consegue trabalhar.

Ao longo da fala da professora da EA, fica claro o abandono que o professor de artes vive

dentro da escola. Isso se evidencia quando a entrevistada diz que a area de artes é uma area

marginal dentro da escola, esse relato reforça as colocações de Alice, quando diz que não acha que

a área de artes seja valorizada pela escola onde trabalha, afinal não há um local específico para essa

disciplina que por fim acontece na sala de aula normal o que reduz em muito as possibilidades de

ações do professor.

Também foi levantada a questão da disposição das horas no currículo da escola, da

quantidade de horas destinada para cada disciplina. Na EA o corpo docente das artes é composto

por dois professores de artes visuais, um de teatro e uma de música. Além disso, a escola está em

processo de contratar mais um professor para a área de música. Mesmo tendo, como descrito, um

bom quadro de professores de artes, com especializações diferentes e dessa forma um suporte de

pessoas para atender as exigências da lei 11.769/08, o ensino das artes na EA encontra dificuldades

de dialogar com um currículo escolar rígido que ainda é um fator impeditivo na melhora das

práticas de ensino e aprendizagem artísticas:

Estamos novamente no momento de discussão do currículo de Arte, não por causa da lei, mesmo porque já temos um ensino de música na

escola e a lei não pede muita coisa. Se a gente não mudar o número de aulas de artes no currículo é muito difícil ter uma abrangência maior. Como trabalhar com no mínimo três modalidades se você tem duas aula por semana? Ponto, não dá, é muito pouco!

Neste ponto percebemos o descompasso existente entre a proposta teórico das disciplinas

da área de artes e a possibilidade prática real desse ensino nesta escola. Levando em conta que a EA

foi a única dentre as mais de trinta escolas pesquisadas que tem aulas de música, e a única

encontrada com espaço reservado para atividades musicais é um péssimo sintoma identificar que

nessa escola que tem recursos humanos e estruturais o tempo proposto pelo currículo nacional

dificulte a realização de atividades artísticas.

Na fala de Clara evidencia-se a impossibilidade de se cumprir as exigências do currículo de

artes pelo simples fato de não haverem aulas suficientes, pois a Educação Artística ainda dita de

alguma forma o formato do currículo da escola. As práticas artísticas do colégio mantiveram-se

iguais antes e depois da aprovação da lei 11.769, neste sentido, é muito importante pensar e analisar

o contexto da aula de artes na EE Raul Cortez. No discurso de Elio foi muito presente a questão do

currículo, do número de aulas. Ele disse que por dois anos a escola ofereceu uma aula a mais de

artes e isso o ajudou muito na tentativa de transitar entre as linguagens artísticas, mas depois voltou

a ser duas aulas semanais e as dificuldades aumentaram novamente.

Devemos notar que o artigo que foi vetado no projeto de lei, que exigia formação específica

para o profissional responsável pela aula de música fez com que mesmo na EE Raul Cortez

situação já esteja cumprindo as exigências da lei, ainda que o próprio professor responsável pela

área considere suas capacidades insuficientes para desenvolver trabalhos de música. Fica claro que

também nesse caso a vinda da lei não mudou as práticas musicais de dentro da escola, como foi

exposto em uma passagem do relato de Clara “a lei não pede muita coisa”.

Conclusões finais

Depois de analisar os diversos dados recolhidos ao longo do semestre fica evidente a

ineficiência da aprovação da Lei 11.769/08 na melhora das aulas de música nas escolas estaduais da

cidade de São Paulo. Apenas uma dentre as mais de trinta escolas contatadas oferece aulas de

música.

Nos discursos dos entrevistados percebemos o abandono do estado mediante a aprovação de

uma lei proposta pelo mesmo. O que realmente significa dizer que a música deverá ser conteúdo

obrigatório, mas não exclusivo, do ensino das artes? Como é possível ensinar, fazer isso em duas

aulas de 45 min semanais? Os relatos deixam claro o descompasso entre exigências do estado e

possibilidade da prática da rede, deixam clara a impossibilidade de desenvolver um bom trabalho

em todas as linguagens.

Através das falas podemos perceber que o histórico de formação e de vida do professor

responsável pela disciplina de artes é crucial para determinar as suas possibilidades de atuação,

nesse sentido a preponderância de formados com especialização em artes visuais faz com que

majoritariamente aula de artes ainda seja sinônimo de aula de artes visuais. Nesse sentido ficam

claras carências na formação dos professores da área, enquanto se exigir um professor com domínio

das quatro linguagens artísticas sempre haverá carências na formação de profissionais.

Tendo clara a complexidade intrínseca a cada uma das linguagens artísticas e, além disso, a

complexidade de suas intersecções com outras linguagens, exigir um profissional versado em todas

é fazer uma exigência impossível, neste sentido parece que o poder público se distancia da

realidade. Isso reforça o abismo que há entre certas políticas públicas na área de educação e a

realidade escolar da capital paulista.

O artigo que foi vetado no projeto de lei, que exigia formação específica para o profissional

responsável pela aula de música fez com que mesmo nas escolas onde o professor responsável pela

área considere suas capacidades insuficientes para desenvolver trabalhos de música por vezes a

situação já esteja adequada às exigências da lei.

Concluo então que a Lei 11.769/08 não cumpre um papel importante na melhora das aulas

de música nas escolas estaduais da cidade de São Paulo, pois não mudou a situação prática da

música dentro da sala de aula.

AnexoROTEIRO DE ENTREVISTA

Perfil Pessoal

Nome:Instituição de formação: Categoria:Quantos alunos você tem?

Perfil profissional

Há quantos anos você trabalha com educação? Você trabalha em mais de uma escola? Quantas? Há quantos anos você trabalha em uma mesma escola?

A Música

pessoal

1) Você tem lembranças musicais da sua infância?Quais?

2) Você ouve música?OndeQue música

4) Você faz música?Onde Que Música

na sala de aula

1) Para você, qual é a importância do ensino de música na escola regular?2) Você sente-se valorizado enquanto profissional?3) Como você se vê como professor?

A lei

1) O que mudou efetivamente na sua atuação depois da aprovação da lei 11.678?

2) Você concorda com a lei?

3) O que seria uma boa política publica para a educação musical?

Referências

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