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    Alder Jlio Ferreira Calado*

    A encruzilhada com que hoje se

    depara a Humanidade entre os sinaiscada vez mais graves de barbrie,caractersticos do Capitalismo em suaface/fase atual , e, por outro lado,alguns sinais convincentes, ainda quemoleculares, de compromisso com avida dos Humanos e do Planeta nospe, a todos, a todas, diante de umasituao de escolha decisiva: render-nos tendncia dominante ou ousarconstruir uma sada alternativa? Esta

    segunda opo a que nos leva aapostar no processo de humanizao,do qual a Educao Popular,protagonizada pelos MovimentosSociais Populares com projeto

    alternativo de sociedade, pode ser umespao privilegiado.Ancoradas no legado de tericos da histria contempornea de ontem e de hoje, comoKarl Marx, Rosa Luxemburgo, Antonio Gramsci, Jos Carlos Maritegui, Jean PaulSartre, Erich Fromm, Ernesto Che Guevara, Amlcar Cabral, Albert Nolan, FlorestanFernandes, lvaro Vieira Pinto, Paulo Freire, Octavio Ianni, Michael Lwy, JosComblin, Jos Maria Vigil, Leonardo Boff, Maurcio Tragtenberg, Leandro Konder,Enrique Dussel, Pablo Richard, Marilena Chau, Ivone Gebara, entre tantos outros eoutras, aqui estamos entendendo como processo de humanizao o conjunto de prticas

    e reflexes caractersticas de uma sociabilidade alternativa ao sistema dominante,protagonizada por sujeitos coletivos e individuais, visando ao desenvolvimento das mais

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    distintas potencialidades do ser humano, ser consciente de seu inacabamento e de seucarter relacional, historicamente condicionado, mas no determinado, por isso mesmovocacionado Liberdade.

    Um tal processo demanda, entre outros componentes, uma permanente formao

    omnilateral, da qual a Educao Popular, tal como defendemos, pode ser um espaodecisivo, nessa direo. essa a aposta central que submetemos a um debate, quequeremos realimentar.

    Exercitar tal discusso no mbito daAcademia e para bem alm damesma pode inspirar-nos confiana,

    at porque uma das boascaractersticas do espao acadmicotem sido, a despeito de tantascontradies[1], o esforo de sepreservar a pluralidadeepistemolgica. Disso resulta, porexemplo, a necessria liberdade deadeso a, ou de defesa de distintascorrentes poltico-filosficas, inclusivede carter antagnico. Condionecessria, sem a qual no se

    conseguiriam avanos nas reflexescrticas de correntes e paradigmas todiversos.

    Na Academia e para alm de seus muros, esse debate alcana as distintas reasde saberes. As cincias sociais e entre elas a Educao tm-se constitudo relevantemostrurio de acalorados debates. O mesmo se d em relao Educao Popular.Tendo em vista o espectro de sociedade em que vivemos, resulta inconcebvel alm de

    intil a pretenso a um consenso quanto sua concepo. Caracterstica importante,

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    at pelo fato de no permitir a ningum o direito de propriedade a uma supostadefinio universal seja l do que for, inclusive, claro, de Educao Popular.

    No que diz respeito especificamente ao caso da Educao Popular, no poracaso que ela tem se prestado a uma variada gama de finalidades legtimas ou de

    carter duvidoso. Para se ter uma idia de sua polivalncia, basta que se examinem,mais do que a diversidade de concepes e de conceitos que ela comporta, os sentidosambguos de suas prticas. De Educao Popular tem-se, com efeito, usado e abusado,conforme os interesses em voga.

    Embora no se trate de uma caracterstica exclusiva do campo da EducaoPopular (nem da Educao, nem das Cincias Sociais), tem-se por vezes a impresso deque tal marca se complica ainda mais que de costume, quando referida rea daEducao Popular. Tambm aqui, a criatividade dos Humanos parece no ter limites.Impulsionados pelas potencialidades artstico-culturais, os Humanos fazem milagres.Inclusive pela magia da Palavra, haja vista a quase inesgotvel polissemia dos conceitos

    tericos. E o que dizer da ambigidade que impregna suas prticas?

    Educao Popular (EP) serve, por conseguinte, aos mais variados gostos. Dir-se-ia queh EP feita para o Povo, h EP feita com o Povo, h EP feita apesar do Povo, e h atEP feita contra o Povo Nesse sentido, em busca de uma formulaoreconhecidamente abrangente e com alguma chance de relativo consenso hegemnico,

    pode-se entender Educao Popular como o processo formativo concernente s camadaspopulares, envolvendo diferentes protagonistas, parceiros e aliados e supostos aliados,animados por diferentes e s vezes antagnicas motivaes, perspectivas,

    procedimentos e posturas tico- polticos e pedaggicos, ainda que comportandoelementos de sintonia no plano estritamente epistemolgico.

    To abrangente conceito de EP parece aproximar-se de uma panacia: nele cabe(quase) tudo, desde que se trate de algo ligado a algum tipo de formao das camadas

    populares. Tal conceito alcana, por exemplo, experincias de ensino, pesquisa eextenso. No caso de situaes de ensino, pode permitir a elaborao de polticas

    pblicas ou de programas por uma pequena equipe de especialistas, com o objetivo deque venham a ser aplicadas a um determinado segmento popular, tendo este comomero pblico-alvo, destinatrio passivo, pronto a receber o pacote (Educao

    bancria, na acepo freireana).

    Com variaes de grau, parece ser esse o carter da grande maioria dasexperincias vivenciadas em EP, seja no terreno das relaes do Estado, seja tambm nombito de outras organizaes da sociedade civil. Aqui predomina largamente aindaque freqentemente de modo sutil, inclusive sob uma roupagem verbal sedutora osentido assistencialista das experincias de EP, nas quais prevalece o sentido da

    preposio para. Quando muito, ornadas por aes que parecem, at certo ponto,dotadas da preposio com. Em outras palavras: para essa concepo de EP, ofundamental da experincia que ela se destine a favorecer as camadas populares.Trata-se de implementar projetos e programas educativos escolares ou no-formais destinados s classes menos favorecidas ou s camadas carentes da sociedade, aindaque no contem com sua participao decisiva nos distintos momentos do processo.

    No se trata de duvidar das intenes. O que est em questo o prprio carter

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    poltico-pedaggico do processo, desde sua concepo, passando pelo planejamento,pela implementao, execuo, acompanhamento, avaliao, etc.

    Conscientes dessa pluralidade de concepes, inclusive em torno de Educao Popular,pretendemos, nas linhas que seguem, ajudar a realimentar o debate acerca dessa

    questo, comeando 1) por tentar situar a concepo dominante de EP; em seguida, 2)cuidamos de explicitar nossa aposta em torno do que entendemos por EducaoPopular, sublinhando suas principais caractersticas, e, por ltimo, 3) tratamos de traaro perfil dos protagonistas dessa proposta alternativa de EP.

    1 Ensaiando um conceito aparentemente dominante de Educao Popular

    Pelo que foi acima assinalado, parece bastante razovel o entendimento de queno se deve esperar consenso no esforo de definio de conceitos, nas diversas reas desaberes, em especial no campo das cincias sociais. sabida a teia de interessesconflitantes (de opes poltico-filosficas, de classe, etc.), a atravessar e a condicionar

    fortemente o olhar de quem se decide por essa ou por aquela concepo. Tambm, emEducao Popular no se d de modo diferente. Sem negar uma diversidade mais ampla,aqui nos limitamos a focar pelo menos dois olhares acerca do que entendido porEducao Popular: um que parece mostrar-se amplamente dominante e um outro que sereclama alternativo ao conceito hegemnico.

    Com o risco de simplificao, mas desde j advertindo da diversidade de nuanasexistentes no interior desta mesma corrente (que entendemos amplamente dominante),Educao Popular , sob essa perspectiva, trabalhada enquanto processo formativoconcernente s camadas populares, envolvendo diferentes protagonistas, parceiros ealiados e supostos aliados, animados por diferentes e s vezes antagnicas motivaes, perspectivas, procedimentos e posturas tico- polticos e pedaggicos.Vamos tentar explicitar os termos componentes dessa concepo dominante:

    - Processo formativo assumindo, mais freqentemente, um carter de educaogeralmente no-formal, mas que tambm pode dar-se nos espaos escolares.

    - Concernente s camadas populares Trata-se de uma proposta especificamentevoltada para os segmentos populares, sem que estes venham necessariamente a tomar

    parte decisiva nos diversos momentos de seu processo (da concepo da proposta suaavaliao, passando pela implementao, metodologia, dinmicas e outros passos

    constitutivos). Os segmentos populares so tratados sobretudo como alvo, comodestinatrios da proposta. A responsabilidade da elaborao desta circunscreve-se alada de outros sujeitos e instncias, contando-se com o concurso dos destinatrios naexecuo das tarefas. A isso dificilmente se pode chamar de uma ao de protagonista,de forma efetiva, apesar da insistncia em tratar-se tal experincia, no raro, comofreireana, at como recurso de legitimao.

    - envolvendo diferentes protagonistas, parceiros e aliados e supostos aliados,animados por diferentes e s vezes antagnicas motivaes, perspectivas,procedimentos e posturas tico- polticos e pedaggicos. Como se trata de uma

    proposta educativa fundamentalmente elaborada para os segmentos populares ainda

    que eventualmente tambm com os mesmos -, observa-se uma miscelnea departicipantes e aliados. Aqui se envolvem sujeitos variados, pblicos e privados,

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    instncias governamentais como instncias particulares (ONGs, filantrpicas,confessionais, entre outras), alm dos prprios destinatrios. Da mesma proposta

    participam aliados com as mais distintas motivaes, interesses, perspectivas,procedimentos e posturas. At supostos aliados: eventuais sujeitos que, no tendocompromisso efetivo com os setores populares, alimentam interesse de recolher da

    experincia algum tipo de proveito (eleitoral, iseno ou reduo de impostos)

    2. Educao Popular, uma aposta em debate

    O que trazemos, a seguir, com o propsito de contribuir com a realimentao dodebate, resulta do nosso aprendizado contnuo junto s classes populares, especialmente

    por meio do acompanhamento das lutas dos movimentos sociais populares e seusaliados, bem como da contribuio terica especificamente voltada Educao Popularde figuras tais como: representantes da Pedagogia Socialista, Antonio Gramsci, PauloFreire, Florestan Fernandes, Carlos Rodrigues Brando, Miguel Arroyo, Oscar Jara,Joo Francisco de Souza, Mario Acevedo Aguirre, Joo Viegas Fernandes, Reinaldo

    Fleuri, Eymard Vasconcelos, Carlos Nuez Hurtado, Paulo Rosas, Balduno Andriola,Ivandro da Costa Sales, Jos Comblin, Roseli Caldart, Maria Elite Santiago, MariaValria Rezende, Ivone Gebara, entre outros e outras.

    Entendemos Educao Popular como o processo formativo permanente, protagonizadopela Classe Trabalhadora e seus aliados, continuamente alimentado pela Utopia empermanente construo de uma sociedade economicamente justa, socialmente solidria,politicamente igualitria, culturalmente diversa, dentro de um processo coerentementemarcado por prticas, procedimentos, dinmicas e posturas correspondentes ao mesmohorizonte.

    Explicitando os termos de tal enunciado, temos:

    - Educao Popular como processo formativo permanente Tendo em vista ocarter sabidamente inconcluso dos Humanos (Freire), seu processo de humanizaoestende-se ao longo de sua vida, de modo ininterrupto. Todo o seu (con)viver se achaatravessado de prticas formativas, nos mais variados espaos e ambientes comunitriose sociatais: tribal, familiar, ldico, produtivo, nas relaes de espacialidade, de gnero,de etnia, de gerao, nas relaes com a Natureza, com o Sagrado Ao que se deveacrescentar que no se trata de mera aquisio de conhecimentos, mas antes de um

    processo praxstico (Marx) que comporta rumo, caminhos e posturas. Eis por que no se

    trata apenas de se fazer coisas consideradas significativas, mas sobretudo de que estasapontem para um horizonte de contnua humanizao e respeito pelo Planeta, afinal,como afirmava a personagem Jos Dolores, do filme Queimada (Burns), melhorsaber para onde ir, sem saber como, do que saber como e no saber para onde ir. Nose conclua da que s nos interesse perseguir o rumo. Este no se alcana, a no ser portrilhas que apontem em sua direo. De pouco adianta proclamar-se, alto e bom som,que se abraa tal horizonte, quando os ps sistematicamente pisam trilhas que acenam

    para um rumo inverso ao declarado. E comporta, ainda, postura adequada por parte doscaminheiros, de modo a respeitar os distintos modos e ritmos de caminhar, desde queapontando, na prtica, para a mesma direo.

    - Protagonizado pela Classe Trabalhadora e seus aliados Importa, desde j,dissipar a idia de Classe Trabalhadora como sinnimo do conceito trabalhado nos

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    mesmssimos termos de outros contextos histricos. Vivendo tempos diferenciados(com as recentes conquistas cientfico-tecnolgicas, com a reestruturao produtiva,com a nova organizao dos processos de trabalho, com o desemprego estrutural, etc.),convm atualizar o conceito de Classe Trabalhadora, numa linha como a adotada porautores como Mszros e Ricardo Antunes, por exemplo. Ou seja, aqui entendemos

    Classe Trabalhadora como todos aqueles e aquelas que, ao viverem do seu trabalho, votomando conscincia das condies concretas do processo produtivo, das razes de suaexplorao, do tipo de relao que garante a apropriao e fruio por to poucos doconjunto das riquezas produzidas pelos Trabalhadores e Trabalhadoras do mundointeiro. E, medida que vo tomando conscincia desse estado de coisas, vo passandoa empenhar-se nas lutas pela construo de uma nova sociedade. Nova sociedade emque, no se trate de inverter a posio dos dominados que, conquistando o poder,

    passam a reproduzir as aes dos seus ex-senhores, mas em que se trate de subverter oumudar radicalmente o carter das relaes, passando de relaes piramidais a relaeshorizontais.

    - continuamente alimentado pela Utopia em permanente construo de umasociedade economicamente justa, socialmente solidria, politicamente igualitria,culturalmente diversa Dentre os equvocos mortais cometidos pelos protagonistas dosocialismo real podemos destacar dois: o de confundirem Revoluo com o assalto aoquartel, que consumia grande parte de suas energias devotadas a forjar estratgias etticas da luta armada; e contentar-se com, uma vez no poder, inverter a posio entreopressores e oprimidos, sem cuidar de abolir o carter da relao! Resulta, pois,indispensvel o incessante cultivo das condies necessrias vitalidade da causa, do

    projeto de se construir uma nova sociabilidade, que se mostre alternativa ordemdominante, seja no plano das macro-relaes, seja no terreno das micro-relaes. O queimplica o contnuo esforo de superao da ordem capitalista (quer do ponto de vistaeconmico, quer do ponto de vista poltico, quer do ponto de vista cultural, esferasdinamicamente interrelacionadas), com vista instaurao de um novo modelo de

    produo e de consumo, de uma sociabilidade alternativa.

    - dentro de um processo coerentemente marcado por prticas, procedimentos,dinmicas e posturas correspondentes ao mesmo horizonte. Como acima j foiassinalado, no se trata apenas de perseguir o horizonte desejado, mas igualmente deescolher os caminhos que apontem na mesma direo. Mais uma vez, isto no algoque se possa comprovar com discurso. H de se recorrer ao carter das prticas do dia-a-dia. Intil pretender-se alcanar um horizonte desses, largando mo das vias que lhe so

    prprias. Educar para a Liberdade implica seguir caminhos de Liberdade (JosComblin), de tal modo que uma coisa no se faz sem a outra, mediadas, ambas, pelapostura, pelo jeito prprio dos protagonistas mulheres e homens de caminhar nessadireo.

    Nesse sentido, o estilo ainda amplamente dominante de Educao Popular centranos dirigentes a prerrogativa quase exclusiva da tomada de decises, contrariandofrontalmente a afirmao de Rosa Luxemburgo, para quem A tendncia dominanteque caracteriza a marcha do movimento socialista na atualidade e no futuro a aboliodos dirigentes e da massa dirigida. (LUXEMBURGO, ap. TRAGTENBERG, 1986, p.73).

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    Feita a explicitao do que aqui entendemos por Educao Popular, convmainda assinalar suas principais caractersticas. Com efeito, essa nossa aposta caracteriza-se por mltiplas marcas, dinamicamente interrelacionadas, das quais sublinhamos asseguintes:

    - que seja capaz de despertar em seus protagonistas (individuais e coletivos) o sentidode sua incompleteza, da sua condio inconclusa, o que, em vez de induzi-los a serenderem a um cmodo rtulo ontolgico, propicia uma permanente disposio deirem se tornando

    - que tome seriamente em conta a condio humana de seres relacionais, que seeducam em comunho, no mutiro do dia-a-dia;

    - que propicie aos seus participantes o permanente aprimoramento de suacapacidade perceptiva, ajudando-os a ver, a ouvir, a sentir, a intuir mais e melhor oque, ou antes no conseguiam, ou s conseguiam de forma muito fragmentria e

    descontnua;

    - que os estimule a recuperarem a memria histrica das experincias humanas,nos mais diferentes tempos e espaos;

    - que seja capaz de trazer para dentro de seus espaos os desafios do dia-a-diaenfrentados pelos seus protagonistas, dispondo-se estes a ensinar e a aprender, a partirde e com as pessoas comuns do campo e da cidade;

    - que estimule seus protagonistas permanente curiosidade epistemolgica,mantendo-os em incessante estado de busca;

    - que assegure o protagonismo do conjunto de seus participantes, em todos ospassos e fases do processo educativo;

    - que lhes propicie o empenho em criar e assegurar condies favorveis de umasociabilidade alternativa, articulando-se adequadamente macro e micro-relaes, pormeio do incessante esforo (individual e coletivo) de apostar mais em atitudes doque em atos libertrios isolados, ainda que estes tambm sejam bem-vindos;

    - que permita aos seus protagonistas a descoberta e o exerccio de suas

    potencialidades e talentos artstico-culturais, sem abdicar de ajud-los tambm aidentificar e a superar os prprios limites, pelo exerccio contnuo da (auto-)crtica;

    - que promova o recurso a mltiplas linguagens, de modo a no tornar seusparticipantes refns da do uso exclusivo da oralidade ou da escrita

    - que crie condies para os seus protagonistas de exercitarem, todos, a adequadaarticulao de suas dimenses discente e docente;

    - que favorea permanentemente o exerccio do rodzio ou da alternncia de funese cargos entre os seus protagonistas;

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    - que aposte no incessante aprendizado, por parte dos seus protagonistas, da coernciaentre sentir-pensar-querer-agir;

    - que lhes assegure condies de permanente superao da dicotomia entre trabalhointelectual e trabalho manual;

    - uma Educao Popular cujos protagonistas, longe de se acomodarem e sucumbirem tendncia burocratizante e imobilizadora to caracterstica dos espaos institucionais, sevejam mais empenhados em ousar aes instituintes, inspirados nas atitudesdesinstaladas e desinstaladoras do esprito peregrino, luz de uma Utopia libertadora.

    - uma Educao Popular que, a partir do local, se abra para o mundo, propiciando aosseus protagonistas sentirem-se e agirem como cidad@os do mundo e parceiros domesmo Planeta;

    - que se mostre ciosa de apostar num processo educativo permanentemente temperado

    pelo exerccio da contemplao esttica, alimentado pelo ininterrupto recurso sdiferentes artes e multimilenar sabedoria acumulada pela Humanidade, longe dese restringir Ocidentalidade

    - Uma Educao Popular que estimule a capacidade de sonhar (o sonho desperto, deque fala Ernst Bloch), numa perspectiva de Utopia libertadora;

    - que aposte numa formao omnilateral que favorea o desenvolvimento de todas aspotencialidades e dimenses de Ser Humano (subjetivas, biopsico-sociais, deTrabalhador/Trabalhadora, etria ou geracional, ecolgica, de gnero, de etnia, tica, deespacialidade, de sua relao com o Sagrado

    3. Que perfil de protagonistas capaz de alimentar esse processo?

    Quais as condies requeridas e quem vai tocar um projeto de EducaoPopular, cuja marca principal seja o compromisso de assegurar as condies maisfavorveis ao processo de Humanizao? o de que passamos a tratar, a seguir.

    Iniciando pelas condies desse processo, vejamos algumas:

    - recuperar e fortalecer, nas macro e micro-relaes do dia-a-dia, o horizonte

    classista Isto deve se dar por meio de atitudes tais como: ampliao da agenda paraalm de demandas apenas de um s Movimento, em favor de uma prtica que, semabandonar suas reivindicaes especficas, tenha seu principal foco nas lutas doconjunto da classe trabalhadora do campo e da cidade;

    - investir maciamente, e de forma crescente e qualitativa, no processo deformao contnua do conjunto de seus membros No se trata de investir naformao apenas de uma parte, mas do conjunto dos protagonistas. Mais: formao paraalm da educao escolar (o que no implica desprezo pela educao escolar: dependede que Escola), de modo a implicar uma formao integral, omnilateral, que seja capazde desenvolver as mais distintas potencialidades dos seus membros, numa perspectiva

    humanizadora;

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    - revisitar densos relatos histricos do processo educativo entre os povos indgenas,bem como os bons clssicos da Pedagogia Socialista (os utopistas, os marxistas,Pistrak, Makarenko, Gramsci), alm dos tericos atuais da Educao Popular (PauloFreire, Carlos Rodrigues Brando, Rui de Celso Beisiegel, Moacir Gadotti, BaldunoAndriola, Mario Acevedo Aguirre, Oscar Jara, Balduno Andriola, Carlos Nuez

    Hurtado, Miguel Arroyo, Moacir Gadotti, Joo Francisco de Souza, Joo Bosco Pinto,Carlos Alberto Torres, Marco Raul Meja, Rosa Maria Torres, Bernard Charlot, VictorValla, Jacques Gauthier, Paul Taylor, Paulo Rosas, Ivandro da Costa Sales, EymardVasconcelos, Reinaldo Fleuri, Ana Maria Arajo Freire Timothy Ireland, Jos Franciscode Melo Neto, Woicieh Kulesza, Luiz Gonzaga Gonalves, Maria de Lourdes Barretode Oliveira, Maria Valria Rezende, Roseli Caldart, Maria Elite Santiago, Cornelis eMaria Salete Van der Poel, Tnia Maria M. Moura, entre outros e outras, inclusivetantos protagonistas coletivos espalhados pela Amrica Latina, pelo Brasil, pelomundo), no com o objetivo de reproduzi-los, mas de neles e nelas colher inspirao,na perspectiva de reinventar prticas e caminhos alternativos aos desafios de hoje, grade de valores hoje dominante;

    - exercitar a memria histrica Inclusive por meio da Mstica, de modo a reavivar amemria de lutas de movimentos passados e contemporneos, bem como de figuras doPovo, nas diversas partes do mundo, que atestaram e atestam fidelidade causa dos-que-vivem-do-trabalho;

    - superar a armadilha dos instrumentos da Democracia burguesa, a exemplo doenvolvimento desproporcional em campanhas eleitorais, cujos resultados fundamentaisamargamos, desde nossos bisavs, e podemos conhecer por antecipao

    - pr em prtica, como ponto de honra, o mecanismo da alternncia ou rodzio decargos e funes, permitindo a quem de base ter acesso a funes e cargos decoordenao, e a quem j cumpriu funes administrativas ou de coordenao voltar aatuar na e como base;

    - articulado ao mecanismo da alternncia de cargos e funes, cumpre sublinhar oprocesso de radicalizao democrtica, ao interno dos Movimentos, de modo aimplicar, por exemplo, a descentralizao das decises, por meio da atuao orgnica edecisiva dos organismos de base, qualquer que seja o nome que se lhes d (conselhos,clulas, brigadas).;

    - promover o exerccio das artes, em suas mais distintas expresses, favorecendo adescoberta e o desenvolvimento dos talentos a servio do coletivo;

    - intimamente ligado ao exerccio das artes, to ao gosto da Educao Popular, importa,de um lado, fazer um bom uso de mltiplas linguagens (msica, poesia, teatro,desenho, fotos, vdeo), superando a tendncia to generalizada do monoplio daoralidade ou da escrita, perpetuando uma das menos felizes heranas ocidentais; e, poroutro lado, fazer uso de uma linguagem compreensvel pelos educandosinterlocutores (Jos Comblin refere-se, com freqncia, a esse cacoete academicista toexcludente);

    - aprimorar o exerccio das relaes de espacialidade, tanto as que se referem aocuidado do Planeta, quanto s que dizem respeito s caractersticas culturais, ligadas s

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    procedncias regionais (quem da capital em relao a quem do interior; quem dacidade em relao a quem da roa; quem mora no centro da cidade em relao a quemmora na periferia; quem do Norte/Nordeste em relao a quem da regio Centro-Sul;quem do Brasil em relao a quem da Bolvia; e assim por diante. Nesse terreno,ainda h muito cho a andar, tendo em vista os preconceitos praticados e nem sequer

    percebidos

    Combinadas com tais requerimentos, importa trabalhar igualmente o planoestritamente individual dessa formao, de modo a que esses protagonistas individuaiscompreendam e assumam suas responsabilidades, nesse processo. Quais seriam, ento,as caractersticas correspondentes a esses sujeitos, historicamente chamados a

    protagonizar, por meio da Educao Popular (na perspectiva da aposta acimaexplicitada), os passos desse processo de humanizao? preciso que

    - sejam pessoas profundamente amorosas, apaixonadas pelo Povo, no importando quepas ou regio habite, e pela nossa Casa Comum, a Me-Natureza;

    - sejam capazes de recuperar a primazia da perspectiva classista sobre quaisquerinteresses de segmentos particulares, do mbito local ao internacional, ou melhor dito,capazes de experienciar nos embates locais sua dimenso internacional, ao tempo emque, ao participarem de lutas internacionais, so capazes de perceber as implicaeslocais;

    - se refontizem incessantemente da fora revolucionria da memria histrica,recuperando lutas, faanhas e conquistas do passado e respectivos protagonistas;

    - no abram mo do persistente exerccio de crtica e auto-crtica;

    - sua permanente disposio autocrtica, alimentada pelo contnuo exerccio da msticarevolucionria, os ajuda sobremaneira a tornar viva e eficaz, enquanto interveno

    presentificada, a memria histrica, de modo a no engessarem num passado longnquoe estril suas referncias de luta e de militncia;

    - ao apreciarem com carinho a memria e o testemunho exemplar de revolucionrios erevolucionrias de ontem e de hoje, cuidam de evitar transform-los em gurus,

    preferindo apostar mais na causa, no projeto, do que em seus protagonistas, e se a estestambm prestam reverncia, o fazem na medida em que encarnam o projeto;

    - constante acompanhamento crtico da realidade social, mediante o recurso a fontesfidedignas, em funo do que tratam de aprimorar suas estratgias de interveno;

    - efetiva vigilncia no sentido de assegurar condies irrenunciveis do protagonismodos distintos segmentos da sociedade civil, em sua luta de libertao;

    - no relacionamento com as pessoas e grupos de base, saibam pr em prtica umapedagogia da escuta, aprendendo com os outros e buscando tambm exercer suadimenso docente;

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    - tenham conscincia de que a qualidade de sua aposta na Utopia constantementetestada na oficina de tecelagem do Cotidiano, a partir dos gestos minsculos eaparentemente invisveis;

    - sejam pessoas fortemente desinstaladas e desinstaladoras, ao mesmo tempo inquietas

    na tomada de iniciativas, e profundamente serenas, nos momentos de crise e de impasse;

    - estejam conscientes de que navegam sobre guas revoltas, e quase sempre navegam contra-corrente, o que implica uma postura ao mesmo tempo firme e serena de lutadoressociais;

    - mostrem-se efetivamente empenhados no seu processo de formao continuada, nasdistintas dimenses do cotidiano e da vida pessoal e grupal;

    - exercitem, a cada dia, a mstica revolucionria, em virtude da qual asseguram arenovao de seu compromisso tico-poltico, no horizonte de uma Utopia libertadora.

    Consideraes mnemnicas

    Como em tantos outros campos de saberes, tambm no terreno das cinciassociais, e mais particularmente no mbito da Educao Popular, os conceitos resultamsempre polissmicos. No por acaso que uma das caractersticas bsicas do espaoacadmico o exerccio da pluralidade epistemolgica. Isso no impede, antes nosestimula a buscarmos o mnimo de entendimento possvel, inclusive no plano terico-

    conceitual, de modo a que, concordando ou discordando, compreendamos melhor osolhares a partir dos quais e com os quais se pode trabalhar Educao Popular.

    Nesse sentido, ao tempo em que reconhecemos a diversidade conceitual existente,cuidamos de explicitar um conceito de Educao Popular que corresponde nossaaposta, ancorado num amplo legado de tericos de ontem e de hoje, do qual PauloFreire pode ser tomado como a principal referncia.

    Do amplo leque de caractersticas enunciadas acerca dessa nossa aposta deEducao Popular, que submetemos ao debate, podemos aqui sublinhar que se trata,fundamentalmente, de uma experincia de formao humana e de convivncia com o

    Planeta necessariamente vinculada ao processo de Humanizao, que se contraperadicalmente ao modelo capitalista dominante, seja na esfera econmica (organizaoda produo e do consumo), seja na esfera poltica (organizao das macro e micro-relaes de poder), seja na esfera cultural (sobretudo na grade de valores).

    Trata-se de um processo de humanizao que pressupe uma longa, complexa eininterrupta experincia de formao, contemplando o desenvolvimento das maisdistintas dimenses e potencialidades do ser humano, protagonizada por sujeitosindividuais e coletivos, cuja prtica educativa aponte necessariamente, desde as relaesdo dia-a-dia, para o alvo desejado, ou seja, a construo de uma sociedadeeconomicamente justa, socialmente solidria, politicamente igualitria e culturalmente

    plural.

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    Textos bsicos de inspirao imediata

    CALADO, Alder Jlio F. Movimentos Sociais Populares rumo a uma nova Sociedade:do consenso ideolgico ao dissenso alternativo. In: Revista eletrnica. In: Gonalves,Moiss A. e CONCEIO, Geraldo Magela (Orgs.). Outros Olhares Debatescontemporneos. Belo Horizonte: Leiditathi, 2008, pp. 13-60.

    CHAUVEAU, Gerard. Lcole du travail dans la pense ouvrire. In: Ville coleIntgration, n. 113, Paris, juin 1998.

    COMBLIN, Jos. Vocao para a Liberdade. So Paulo: Paulus, 1999.

    FREIRE, Paulo. Pedagoga del Oprimido. 2 ed.,Mxico: Siglo Veintiuno, 1971.

    ____________. Ao Cultural para a Liberdade e outros escritos, 3a. ed., Rio deJaneiro, 1978.

    ___________. Pedagogia da Autonomia. 6a. ed., Rio de Janeiro: 1997.

    FROM, Erich. Conceito Marxista do Homem, 2a. ed., Rio de Janeiro: 1962.

    MARX, Karl. Manuscritos Econmico-Filosficos. In: FROM, Erich. ConceitoMarxista do Homem, 2a. ed., Rio de Janeiro: 1962.

    SERMAN, William. La Commune. Paris: Presses Universitaires de France, 1971.

    TRAGTENBERG, Maurcio. Reflexes sobre o Socialismo. So Paulo: EditoraModerna, 1986.

    * Socilogo e Educador Popular. Desde meados dos anos 60, vem acompanhando atrajetria dos Movimentos Sociais Populares, no Nordeste. membro do Centro PauloFreire Estudos e Pesquisas. Autor de, entre outros textos: Gregrio Bezerra, umlutador do Povo. So Paulo: Expresso Popular, 2006.

    [1] No perodo da Ditadura Militar, como sabido, tudo que aludisse, ainda que deleve, ao Marxismo, esbarrava na censura, inclusive no mbito universitrio. Hoje,quando se diz viver em plena Democracia, o exerccio da pluralidade epistemolgica

    , no mnimo, arranhado, pela ideologia do pensamento nico que prevaleceamplamente, e graas ao qual pairam como algo bizarro iniciativas (de ensino, pesquisa

    http://estagiodevivencia.wordpress.com/wp-includes/js/tinymce/plugins/paste/pasteword.htm?ver=327-1235-syntaxhighlighter2.3.3#_ftnref1http://estagiodevivencia.wordpress.com/wp-includes/js/tinymce/plugins/paste/pasteword.htm?ver=327-1235-syntaxhighlighter2.3.3#_ftnref2http://estagiodevivencia.wordpress.com/wp-includes/js/tinymce/plugins/paste/pasteword.htm?ver=327-1235-syntaxhighlighter2.3.3#_ftnref1http://estagiodevivencia.wordpress.com/wp-includes/js/tinymce/plugins/paste/pasteword.htm?ver=327-1235-syntaxhighlighter2.3.3#_ftnref2
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    ou extenso) que se reclamem inspiradas em paradigma marxiano, ainda que, no raro,alguns pretensamente novos apresentem elementos claramente nele inspirados