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JAILENE RIBEIRO SOARES EDUCAÇÃO RURAL NO PROJETO DE ASSENTAMENTO COLIBRI EM RIO BRANCO / AC – UM ESTUDO DE CASO UFRJ - 2003

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JAILENE RIBEIRO SOARES

EDUCAÇÃO RURAL NO PROJETO DE

ASSENTAMENTO COLIBRI EM RIO BRANCO / AC –

UM ESTUDO DE CASO

UFRJ - 2003

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EDUCAÇÃO RURAL NO PROJETO DE

ASSENTAMENTO COLIBRI EM RIO BRANCO / AC –

UM ESTUDO DE CASO

JAILENE RIBEIRO SOARES

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

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JAILENE RIBEIRO SOARES

Educação Rural no Projeto de Assentamento Colibri em Rio Branco/AC

– Um Estudo de Caso

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como exigência parcial para obtenção do título de Mestra em Educação sob a orientação dos Professores Doutores Cristina Jasbinschek Haguenauer e Manuel Severo de Farias.

Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ Rio de Janeiro/RJ

Abril de 2003.

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SOARES, Jailene Ribeiro.

Educação Rural no Projeto de Assentamento Colibri em Rio Branco /

AC – Um estudo de Caso / Jailene Ribeiro Soares - Rio de Janeiro,

2003.

Dissertação de Mestrado em Educação - Universidade Federal do Rio

de Janeiro - UFRJ, Instituto de Pós-Graduação em Educação, 2003.

Orientadora: Professora Doutora Cristina Jasbinschek Haguenauer

I. 1. Introdução. 2. Educação Rural no Brasil – Um passeio pela

História. 3. Educação Rural no Acre. 4. Programas de Educação

Formal e Não-Formal no Assentamento Colibri. 5. Procedimentos

Metodológicos. 6. Análise e Interpretação dos Análise de Dados.

7. Considerações Finais. (Dissertação)

II. Haguenauer, Cristina Jasbinschek e Farias, Manuel Severo de.

(Orientadores)

III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pós-Graduação

em Educação.

IV. Educação Rural no Projeto de Assentamento Colibri em Rio Branco

/ AC – Um estudo de Caso.

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A Jeová, o Deus Verdadeiro, pai de toda sabedoria.

A meus pais, Robervaldo e Adália, por terem proporcionado

a mim a educação que lhes foi negada.

A Jonas, meu marido e companheiro, que me apoiou nesse momento especial.

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AGRADECIMENTOS

As experiências acumuladas ao longo de minha trajetória de vida e de profissão

colocaram em meu caminho pessoas especiais. A todas manifesto minha sincera

gratidão, mas de forma muito particular gostaria de agradecer:

As meus orientadores, Profª Drª Cristina Jasbinschek Haguenauer, da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Prof° Dr. Manuel Severo de Farias, da

Universidade Federal do Acre, que durante todo o período de orientação me ajudaram

de forma crítica, pertinente e amiga, o que contribuiu decisivamente para a construção

desse estudo.

A Profª Drª Iolanda Lima Lôbo, pela leitura inicial desse trabalho e sugestões

que foram incorporadas.

Aos meus cinco irmãos, cada um ao seu modo, pelo incentivo e apoio: Jones,

Jaciene, Juciene, Juscinaldo e Jarlene.

Aos professores, alunos, diretor e da Escola Sebastião Pedrosa de Carvalho que

abriram as portas daquela escola para que pudesse realizar a pesquisa empírica.

Aos técnicos dos Programas Telecurso 2000 e Pronera, e Projetos Lumiar e de

Energia, pelas informações e o apoio à pesquisa.

A Secretaria de Estado de Educação do Acre e Secretaria Municipal de

Educação de Rio Branco, pelo acesso às informações e disponibilidade.

Ao Dr. Francisco Eulálio Alves dos Santos, que me apresentou à comunidade e

fez valiosas contribuições para esta pesquisa.

A Prefeitura Municipal de Rio Branco – AC, pelo apoio financeiro e a

sensibilidade no momento oportuno, principalmente a Secretária de Educação Profª

Raimunda Soares El-Shawa e Professor Lucas Augusto Rosas.

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RESUMO

SOARES, Jailene Ribeiro. Educação Rural no Projeto de assentamento Colibri em

Rio Branco/AC – Um Estudo de Caso. Orientadores: Cristina Jasbinschek Haguenauer

e Manuel Severo de Farias. Rio de Janeiro : UFRJ/2003. Dissertação (Mestrado em

Educação).

Estudo de caso em uma escola rural no Projeto de Assentamento Colibri, no

município de Rio Branco, Acre, com o objetivo de investigar as causas de sucesso dos

programas educacionais implantados no assentamento; as propostas dos programas com

relação a educação, organização social, política e economia; e as respostas que a

comunidade tem dado a esses programas. A partir das mudanças econômicas, políticas e

sociais no Brasil, é traçado um histórico da Educação Rural no Brasil e no Estado do

Acre. Para coleta de dados, foram entrevistados 13 técnicos e professores dos programas

de educação formal - Telecurso 2000 e Pronera, e de educação não-formal - Projeto de

Energia e Projeto Lumiar; e 34 moradores da comunidade atendidos pelos programas.

Os resultados apontam que a ação educacional produz mais resultados quando está

agregada a outras ações significativas, como produção, economia e organização social; e

quando os objetivos da proposta educacional correspondem aos anseios da comunidade

atendida. São apresentadas recomendações para reformulação e implementação de

práticas educativas significativas no meio rural, em que instituições e comunidades

dialogam juntas, como forma de promover a sustentabilidade, o resgate da cidadania e

melhoria da qualidade de vida dos que vivem no campo.

Palavras Chaves: Educação Rural no Brasil – Educação Rural no Acre -

Organização Social – Programas Educacionais.

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ABSTRACT

SOARES, Jailene Ribeiro. Rural Education on the Colibri Settlement Project in Rio

Branco – AC – A Study Case. Tutors: Cristina Jasbinschek Haguenauer and Manuel

Severo de Farias. Rio de Janeiro : UFRJ/2003. Thesis (Master in Education)

A study case in a rural school at the Colibri Settlement Project, in Rio Branco –

Acre, which aims to investigate the causes of the success of the educational program

established in the settlement; the programs’ proposals in terms of the educational,

political, economic and social organization; and the answers the community has given to

these programs. From the economic, political and social changes in Brazil, a history of

the Rural Education in Brazil and in the State of Acre is outlined. In order to gather

information for this thesis, 13 technicians and teachers of the formal educational

programs – Telecourse 2000 (Telecurso 2000) and Pronera – as well as of the non-

formal education – Energy Project (Projeto de Energia) and Lumiar Project (Projeto

Lumiar) – , and 34 people attended by the program in the community were also

interviewed. The results show that educational action responds more significantly when

combined with other important actions, such as production, economy, and social

organization, and when the educational programs’ purposes reach the communities’

desires. Reformation and implementation of meaningful educational practices in the

rural area, in which institutions and communities come together, are recommended in

order to promote sustainability, citizenship rebirth, and the improvement of the quality

of life for those who live in these areas.

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Keywords: Rural Education in Brazil – Rural Education in Acre – Social Organization

– Educational Programs.

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LISTA DE ABREVIATURAS

COLONACRE ............ Companhia de Desenvolvimento Agrário e Colonização do Acre

EJA .................................................................................... Educação de Jovens e Adultos

IBGE ........................................................... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA ........................................... Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

LDB ........................................................ Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MDA .................................................................. Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDA .................................................................. Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEC .............................................................................. Ministério da Educação e Cultura

NARI ............................................................................ Núcleo de Apoio Rural Integrado

PREMEN ......................................... Programa de Expansão e Melhoria do Ensino

Médio

PROBOR ........................................................................ Programa Nacional da

Borracha

PRONASEC ........................ Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais

PRONERA ................................... Programa Nacional de Educação em Reforma Agrária

SEE ................................................................................. Secretaria Estadual de Educação

SEMAG ..................................................................... Secretaria Municipal de Agricultura

SEMEC ................................................. Secretaria Municipal de Educação de Rio Branco

SENAR .............................................................Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SESI ......................................................................................... Serviço Social da Indústria

SUDHEVEA ...................................................................... Superintendência da Borracha

TC 2000 ..................................................................................................... Telecurso 2000

UFAC ................................................................ Universidade Federal do Estado do Acre

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I - Introdução .......................................................................................... 01

CAPÍTULO II – Educação Rural no Brasil – Um passeio pela História ..................... 09 - A luta pela terra .................................................................................................. 09 - A Educação Rural no Brasil .............................................................................. 13 - Anos 90 – A LDB n° 9394/96 e as políticas educacionais para o homem

do campo ............................................................................................................ 29 Capítulo III – A Educação Rural no Acre ................................................................... 38 - A ocupação do Acre .......................................................................................... 38 - A Educação Rural no Acre ................................................................................ 47 - O projeto de Assentamento Colibri .................................................................. 55 - A escola Sebastião Pedrosa de Carvalho ....................................................... 59 - Um longo caminho a ser percorrido ................................................................ 61 Capítulo IV – Programas de educação formal e não-formal no Assentamento

Colibri ........................................................................................................................ 62 - O Pronera ........................................................................................................... 62 - O Telecurso 2000 ............................................................................................... 70 - Projeto de Energia Solar e Biodigestão ........................................................... 76 - O Projeto Lumiar ................................................................................................ 81 - Os Programas e a Comunidade ........................................................................ 82 Capítulo V – Análise e interpretação dos dados ........................................................ 84

Capítulo VI – Considerações Finais ........................................................................ ..99

Referências Bibliográficas ....................................................................................... 105

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Não existe um processo educacional “neutro”. A

educação, ou funciona como um instrumento usado para

facilitar a integração das gerações na lógica do atual

sistema, provocando nelas o conformismo em relação a

este, ou pode se tornar “a prática da liberdade”, por meio

da qual homens e mulheres lidam, crítica e

criativamente, com a realidade, descobrindo como

participar na transformação do seu mundo.

(Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, 1972)

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CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO

As lutas em prol de uma educação de qualidade e acessível para toda a

sociedade brasileira não são recentes. A sociedade brasileira, nos últimos anos, tem se

empenhado na melhoria da qualidade da educação e expansão da oferta do ensino com

mais afinco, compreendendo que o desenvolvimento do país depende de uma sociedade

mais instruída. Isso é especialmente significativo no que concerne à educação em

comunidades rurais.

Será na década de 90, com a implantação de uma política nacional

voltada para a valorização do homem do campo, com investimentos na mecanização da

produção rural, financiamentos e implantação de assentamentos rurais em grandes áreas

improdutivas, que a educação rural ganha novo enfoque com vistas à sustentabilidade.

Nesse período, o grande marco será a aprovação da Lei de Diretrizes e

Bases para a Educação Nacional n° 9394, de 20 de dezembro de 1996. As principais

mudanças na lei foram: a ênfase na formação de professores, nova estruturação do

currículo e abertura para criação de programas paralelos à educação formal para o

combate ao analfabetismo e à distorção de idade em relação à série.

Num contexto de mudanças no cenário nacional, a implementação de

ações voltadas para a educação do homem do campo no Estado do Acre tem sido

especialmente difícil. Mesmo projetos educacionais tecnicamente bem elaborados não

têm atingido os resultados esperados em muitas comunidades rurais, pois não

corresponderam às expectativas da população. A evasão e o baixo aproveitamento têm

levado à descontinuidade de muitos programas.

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Em meio a esse contexto, tive contato com o Projeto de Assentamento

Colibri, uma comunidade rural localizada a 30 quilômetros de Rio Branco (Estrada de

Porto Acre km 14, Ramal do Limoeiro 16), onde alguns programas implantados

estavam obtendo resultados positivos. Assim, como participante de um grupo de

pesquisadores e técnicos da Universidade Federal do Acre, que desenvolviam nessa

comunidade um projeto de educação não-formal, o Projeto de Energia, passei a observar

as relações e fatores que interferiam nos resultados dos programas. Através do Projeto

de Energia foram implantadas placas solares e biogestor e instrumentos sociais de uso

coletivo, como casa de farinha, revenda e cozinha industrial, entre outros equipamentos.

Chamou a atenção no Assentamento Colibri a organização e a

valorização da educação. A Escola Municipal Sebastião Pedrosa de Carvalho,

construída recentemente com a implantação do assentamento, fica localizada no centro

da comunidade e concentra as reuniões e mobilizações entre os colonos.

No primeiro ano de sua criação, em janeiro de 2000, a escola apresentou

diversos indicadores positivos de qualidade de ensino. Segundo dados do SESI, em dois

anos de funcionamento, com a criação de uma turma de Telecurso 2000 para o Ensino

Fundamental, não houve repetência, nem abandono e apenas um caso de transferência.

Para investigação desse fato algumas questões foram levantadas: Como,

no decorrer da História, se desenvolveu a Educação Rural no Brasil e no Acre? Quais as

características dos programas de educação formal e não-formal desenvolvidos no

assentamento? Como são planejados e desenvolvidos os programas educacionais no

assentamento? Quais as respostas que a comunidade investigada tem dado a esses

programas? E quais os fatores que influenciaram na implantação e desempenho dos

programas no Projeto de Assentamento Colibri?

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Diante deste contexto, esta pesquisa se propôs a investigar as causas de

sucesso dos programas educacionais implantados no Projeto de Assentamento Colibri.

A partir de uma observação empírica para me familiarizar melhor com os

agentes dessa comunidade, foi possível traçar um caminho para esta pesquisa e formular

algumas hipóteses:

- a comunidade participou de alguns projetos do INCRA e UFAC antes

de se estabelecer a educação formal, que poderiam ter tido impacto

sobre os programas educacionais estabelecidos ali;

- a implantação de projetos que se utilizaram de instrumentos

tecnológicos relacionados com a atividade econômica da comunidade

com fins à sustentabilidade pode ter sido fator motivador para uma

conscientização da necessidade do conhecimento.

1. DEFINIÇÃO METODOLÓGICA

A opção metodológica deste estudo foi por uma abordagem qualitativa,

descritiva analítica, do tipo estudo de caso, utilizando-se da técnica de análise de

conteúdo e de entrevistas. Segundo Trivinõs (1997), a pesquisa qualitativa do tipo

descritiva analítica busca captar não só a aparência do fenômeno, como também sua

essência. A pesquisa qualitativa busca as causas da existência do fenômeno, procurando

explicar sua origem, suas relações, suas mudanças e se esforça por intuir as

conseqüências que terão para a vida humana.

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1.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

Após a compreensão do problema e definição das questões de estudo,

procedeu-se a pesquisa bibliográfica. Através da pesquisa foi possível traçar um breve

histórico da Educação rural no Brasil e no Estado do Acre. Para coleta de informações

sobre a Educação Rural no Brasil e no Estado do Acre, fez-se pesquisa nos acervos de

teses das bibliotecas da Universidade Federal do Acre (UFAC) e Universidade Federal

do Rio de Janeiro (UFRJ). Foram consultadas outras fontes como artigos de revistas

indexadas, sites e livros.

1.2 ANÁLISE DOCUMENTAL

O passo seguinte foi a análise documental ou de conteúdo, que tem as

funções de encontrar respostas para as questões formuladas, podendo confirmar ou não

as afirmações estabelecidas antes do trabalho de investigação; e descobrir o que há por

trás dos conteúdos manifestos, “indo além da aparência do que está comunicado”.

(MINAYO,1994, p. 74)

Para a pesquisa documental, fez-se consulta no Conselho Estadual de

Educação do Acre (CEE/AC) aos pareceres e relatórios de fóruns de Educação Rural,

além de planos de políticas educacionais. Na Secretaria de Estado de Educação do Acre

(SEE/AC) consultou-se os Sensos Escolares de 1998 e 2000.

Fez-se análise dos relatórios do Projeto Lumiar na sede da Cooperagro;

do relatório final do Projeto de Energia no Laboratório de Energia da UFAC; da

proposta pedagógica e relatório do Telecurso 2000 no Departamento de Educação do

SESI/(AC); e da proposta pedagógica e relatórios semestrais do Pronera na Pro-Reitoria

de Pesquisa e Extensão /UFAC e dos relatórios do Assentamento Colibri no Incra.

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Na Escola Municipal Rural Sebastião Pedrosa de Carvalho, localizada no

Projeto de Assentamento Colibri, fez-se levantamento matrícula, quadro de notas,

freqüência dos alunos e atas.

A pesquisa de campo (momento empírico) possibilitou, conforme

Minayo (1994), uma interação entre o pesquisador e os agentes pesquisados, etapa

essencial do estudo qualitativo. O trabalho foi desenvolvido na Escola Municipal

Sebastião Pedrosa de Carvalho, localizada na zona rural de Rio Branco, há 34 km da

capital, apontada pela Secretaria Municipal de Educação em 2000 como referência no

tocante a baixa incidência de evasão e repetência, e rendimento elevado.

O trabalho de campo envolveu professores, alunos, diretor, lideranças da

comunidade, e pais de alunos, equipe técnica das Secretarias Estadual e Municipal de

Educação, além de observações e participação em reuniões com a comunidade e

técnicos do INCRA, UFAC, SEMAG, SESI e SENAR na sede Associação de

Produtores Rurais do Assentamento Colibri.

1.3 PÚBLICO ALVO

Da população de 1.604 (um mil e seiscentas e quatro) escolas rurais no

Estado do Acre, foi escolhida a Escola Municipal Rural Sebastião Pedrosa de Carvalho

que, além de fazer parte de um projeto piloto da Universidade Federal do Acre em

energia solar no campo (sendo premiado pelo Instituto Nacional de Energia em 2002),

esta foi apontada por técnicos educacionais das Secretarias Estadual e Municipal de

Educação como exemplo na luta pela qualidade do ensino na zona rural em 2001.

Foram investigados os trabalhadores rurais do Assentamento Colibri que

participam dos programas educacionais desenvolvidos na comunidade. E, ainda, foram

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investigados os técnicos e professores dos programas de educação formal (Telecurso

2000 e Pronera) e de educação informal (projetos Lumiar e de Energia) implantados no

Assentamento Colibri.

1.4 INSTRUMENTOS DA PESQUISA

Foi realizada a coleta de dados utilizando como instrumento principal a

entrevista semi-estruturada. Antes da aplicação do roteiro de entrevista, fez-se visitas à

comunidade para, através da observação direta da dinâmica, poder definir os rumos da

pesquisa e estabelecer as questões que comporiam a entrevista.

A opção pela entrevista semi-estruturada se deu em virtude da sua

característica de flexibilidade. Por não apresentar rigidez, ela ajuda obter dos

entrevistados os aspectos considerados mais relevantes em um determinado problema,

além de abrir espaço de interação para o pesquisador, que assim é um parceiro na

elaboração do conteúdo da pesquisa. Segundo Viana (2001, p.165), “as questões da

entrevista semi-estruturada são feitas a partir de um roteiro flexível preparado pelo

entrevistador, possibilitando ampliações e enriquecimentos que se fizerem necessários”.

Nesse entendimento, o instrumento de pesquisa foi utilizado com a

intenção de trazer a tona uma realidade peculiar vivenciada por atores sociais, de um

delimitado contexto histórico-social, ou seja, a comunidade do Projeto de Assentamento

Colibri. Foram construídos dois instrumentos de pesquisa para dois grupos distintos: um

roteiro de entrevista específico para os alunos atendidos nos programas educacionais e

outro para os professores e técnicos dos programas.

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1.5 TÉCNICA DE ANÁLISE DOS DADOS

Concluída a coleta de informações através do levantamento

bibliográfico, documental, entrevistas e observações, bem como a triagem do material

adquirido, procedeu-se a etapa da produção escrita. Os dados foram categorizados de

acordo com análise temática de forma que pudessem responder às questões formuladas.

Os dados foram analisados qualitativa e quantitativamente.

Na análise e sistematização dos dados coletados, iniciamos com a

organização das entrevistas, primeiramente, reunindo e classificando para que, à luz do

referencial teórico, pudéssemos caracterizar os fatores agentes na educação daquela

comunidade e obter um panorama geral da presença da escola na organização

comunitária do Projeto de Assentamento Colibri.

O tratamento dado a este material consistiu em: selecionar os aspectos

mais relevantes das informações obtidas, balizados nos objetivos estabelecidos para o

estudo, analisados, também, à luz do quadro teórico conceitual; fazer um cruzamento

das informações coletadas nas entrevistas e observações; classificar os dados relevantes

de acordo com a freqüência em que eles ocorrem, de acordo com a importância

destacada à informação pelo interlocutor.

Para a apresentação final do trabalho optamos pelas recomendações para

elaboração de dissertações e teses propostas pela ABNT (Associação Nacional de

Normas Técnicas), diferenciando, porém, nas citações obtidas verbalmente, através das

entrevistas, os trechos ilustrativos de falas diretas, que serão destacadas em itálico, com

espaçamento duplo.

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2. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

Esta dissertação é estruturada em seis capítulos. O Capítulo I apresenta a

problemática da pesquisa e os caminhos que foram percorridos, isto é, a abordagem e os

procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa de campo, os instrumentos de

pesquisa construídos para a investigação da problemática desta dissertação e os atores

investigados.

O Capítulo II apresenta uma retrospectiva histórica das lutas pela terra

no Brasil, os avanços da Educação Rural no Brasil a partir das LDBs (Leis de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional), e os programas e políticas voltados para a educação do

homem no campo.

O Capítulo III remonta à história da ocupação das terras do Acre, desde

o início do Séc. XX até os dias atuais e à evolução da Educação Rural no Acre nesse

contexto. Apresenta informações sobre o Projeto de Assentamento Colibri, campo de

estudo dessa pesquisa, desde a sua criação às atividades desenvolvidas ali pela

comunidade e por outras instituições; e a constituição da escola Sebastião Pedrosa de

Carvalho, situada na comunidade.

O Capitulo IV relata as experiências de educação formal presentes na

comunidade, o Telecurso 2000 e o Pronera (Programa Nacional de Educação em

Reforma Agrária); e de educação não-formal (Projeto de Energia e Projeto Lumiar).

O Capítulo V contém a descrição e análise dos dados coletados.

E o Capítulo VI apresenta-se as reflexões conclusivas com as

considerações finais e as recomendações feitas a partir da pesquisa realizada.

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CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL – UM PASSEIO PELA HISTÓRIA

Para se compreender os desafios e conquistas da Educação Rural em

nosso tempo é preciso que se compreenda como se deram essas lutas ao longo da

história e as bandeiras que foram defendidas. Este capítulo apresenta um histórico de

lutas pela terra e pela educação para o homem do campo, considerando as diversas

LDBs do Brasil (Leis de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional) e os programas

criados para este fim.

2.1 A LUTA PELA TERRA

A luta pela organização da vida no campo no Brasil não é recente,

datando desde o período colonial, com os povos indígenas defendendo seu território

contra as “entradas” e “bandeiras”, patrocinadas pelo governo português e por

fazendeiros da época. O que há de novidade nesse contexto de luta pela terra é a

tentativa de se fazer uma ligação entre a questão cultural e educação com a problemática

da concentração de terras, com a discussão da organização e da defesa da propriedade

coletiva dos meios de produção e da democratização do poder político e da propriedade.

As lutas pela terra ganharam impulso no século XIX, com a

denominação das lutas messiânicas1. A primeira delas ocorreu no sertão da Bahia, na

região de Canudos, entre os anos de 1870 e 1897, tendo como líder Antonio

Conselheiro, derrotado depois de brutais incursões das tropas federais.

1 O histórico dos surgimento das lutas pela terra podem ser encontrado com mais detalhes na obra de Luiz Bezerra, Sem Terra aprende e ensina: estudo das práticas educativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais, Editora Autores Associados, 1999.

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Outro movimento de luta pela terra aconteceu na região do Contestado,

divisa do Paraná com Santa Catarina, entre os anos de 1912 e 1916. Liderado pelo

monge José Maria e envolvendo milhares de camponeses, também foi derrotado por

tropas federais.

Em momentos posteriores, as lutas pela terra tiveram caráter violento,

com utilização de milícias armadas, entre as quais se destacaram:

- a luta dos posseiros de Teófilo Otoni - MG (1945-1948);

- a revolta de Dona “Nhoca”, no Maranhão (1951);

- revolta de Trompas e Formoso, em Goiás (1952-1958);

- revolta do Sudoeste do Paraná (1957);

- luta dos arrendatários em Santa Fé do Sul, São Paulo (1959).

Um terceiro momento de luta pela terra, entre os anos 1950 e 1960, se

deu com o surgimento de vários movimentos de camponeses organizados em entidades

como as ULTABs (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), nas

regiões Sul e Sudeste do país; as Ligas Camponesas, no Nordeste; e o Máster

(Movimento de Agrícolas Sem-Terra), no Rio Grande do Sul. Esses destacaram-se pela

defesa de uma Reforma Agrária que reivindicava a redistribuição da terra, e a

reformulação do sistema fundiário nacional.

Com exceção das ULTABs, que pretendiam formar um movimento

nacional de trabalhadores da agricultura, os demais movimentos tiveram um caráter

regional, pois não conseguiam criar condições fora de seus Estados de origem para sua

organização, o que dificultava o aprofundamento das lutas em defesa da Reforma

agrária ou de qualquer outra reforma desejada por seus propositores.

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Com o golpe militar de 1964, estabeleceu-se a chamada paz de

cemitérios2 no campo brasileiro. Somente no final da década de 70, sobretudo após a

fundação da Comissão Pastoral da Terra (1967) e as greves do ABCD Paulista, os

camponeses sentiram-se estimulados a lutar por espaços para plantio, iniciando no Rio

Grande do Sul as ocupações de terra.

Nas últimas décadas, o movimento que mais tem se destacado é o

Movimento dos Sem-Terra (MST), que nasceu das lutas de trabalhadores rurais da

região Sul pela terra. O MST surgiu num momento me que aumentava a concentração

de terra e ampliava a expulsão dos pobres das áreas rurais, devido à modernização da

agricultura e à crise do processo de colonização implementado pelo regime militar.

O MST, segundo sua home page, tem como objetivo “a luta pela

construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que deverá se dar a partir da

implementação de uma reforma agrária feita sob o controle dos trabalhadores”(site do

MST). O cerne do MST é a doutrinação dos participantes quanto à sua participação no

movimento organizado. O MST tem insistido na luta pela manutenção do homem no

campo, através de uma reforma agrária que distribua propriedade da terra, como forma

de melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores rurais e melhor distribuir a renda no

país.

Nos anos 90, apesar da luta desencadeada pelo MST, o problema já não é

mais saber se há necessidade ou não da reforma agrária, pois sua importância já se

tornou aceitável no seio da sociedade brasileira. O que tem sido discutido é qual o

modelo de reforma agrária viável.

2 Expressão utilizada pelo movimento sindical para designar o período de “ausência” de reivindicações no campo, ocorrido pelo fato de que os trabalhadores que se envolviam nas lutas eram calados pelas armas da repressão política ou pelas milícias armadas de fazendeiros.

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Apesar das contradições do MST, ora defendendo uma sociedade

socialista, ora defendendo a pequena propriedade rural, este tem sido o mais expressivo

movimento popular dos últimos anos. Este movimento busca sempre envolver toda a

família na luta pela conquista dos benefícios sociais e defesa dos direitos da cidadania,

como escola, moradia, saúde, luz elétrica e bem estar social.

O atual modelo de assentamentos rurais é uma conquista a partir destes

movimentos, que visam não apenas a distribuição de terras, mas a implantação de um

modelo de reforma agrária viável, com a organização dos pequenos produtores em prol

de uma política agrícola que os beneficie.

Em 1997, o MST parou Brasília com uma manifestação pela reforma

agrária que acabou se transformando no primeiro grande ato contra a política econômica

do governo de Fernando Henrique Cardoso. A manifestação foi chamada “Marcha dos

Sem-Terra de 17 de Abril”. A manifestação passou por 152 municípios antes de chegar

a Brasília e foi notícia nos principais jornais do mundo, ganhando a atenção das

autoridades brasileiras.

Segundo o economista João Pedro Stédile, militante do MST, o modelo

ideal de reforma agrária que defendem envolve três fatores:

Levar o desenvolvimento para o meio rural,

através de instalação de agroindústrias nos assentamentos. É

a agroindústria que gera emprego para a juventude e utiliza

profissões técnicas para o meio rural. O segundo elemento

seria a democratização da educação. A educação é tão

importante quanto a terra, ainda mais na sociedade moderna,

em que o conhecimento científico tem um poder muito

grande. O terceiro seria a organização espacial, geográfica

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25

dos assentamentos, na idéia de agrovilas, com luz elétrica,

água potável e escolas. E, por fim, a utilização de uma

tecnologia que garanta às gerações futuras uma agricultura

sustentada, sem depredação do meio ambiente.(STÉDILE,

1997, p.28)

Ao fim dos anos 90, o MST, o mais notório movimento de luta pela terra

da atualidade no Brasil, tem mobilizado pessoas de diversos segmentos, professores,

sociólogos, economistas, entre outros, e suas conquistas já são visíveis, tanto na questão

da distribuição de terra como com relação à educação para o homem do campo.

2.2 A EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL

Contextualizar a Educação Rural no Brasil é um desafio, dado à sua

imensidão e a dificuldade de coletar dados. Os censos do IBGE ainda não dão conta de

fornecer informações mais precisas sobre o quadro da Educação Rural, principalmente

nos Estados da Região Norte do Brasil. Outro fator que dificulta a organização de

informações é que a Educação Rural se encontra, por vezes, descaracterizada, sendo

agregada a outras temáticas, como Educação Popular, Educação de Jovens e Adultos,

Ensino Supletivo, entre outras. No entanto, fez-se um esforço de reunir o maior número

de informações possível.

A educação rural no Brasil, por motivos sócio-culturais, sempre foi

relegada a planos inferiores, e teve por retaguarda ideológica o elitismo acentuado do

processo educacional aqui instalado pelos jesuítas e a interpretação político ideológica

da oligarquia agrária, de que a educação não era para o trabalhador rural.

O ensino regular em áreas rurais teve seu surgimento no fim do 2°

Império e implantou-se amplamente na primeira metade do XX, época marcada por

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26

lutas pela democratização da escola pública, através de movimentos como o Manifesto

dos Pioneiros (1932), movimentos em prol da erradicação do analfabetismo e expansão

dos sistemas públicos de ensino. Em 1920, mais da metade da população brasileira era

analfabeta (64,9%), sendo a maior parte desse contingente de analfabetos concentrados

nas áreas rurais e regiões mais pobres. Até 1950, 52% da população era analfabeta.

Com o advento da monocultura cafeeira e o fim da escravidão (1988), na

segunda metade do séc. XIX, a agricultura passou a carecer de pessoal mais

especializado para o setor. Outras culturas secundárias, mas de alguma importância

para o setor agrícola, também tiveram seu desenvolvimento crescente, decorrendo daí a

necessidade de pessoal com qualificação que se pretendia fosse dada pela escola. Desse

modo, o ensino da escola elementar, assim como da escola técnica de 2° grau, começou

a se impor como uma forma de suprir as necessidades que se esperava fossem atendidas

a partir do ensino escolar.

É importante destacar que as classes dominantes brasileiras,

especialmente as que vivem no campo, sempre demonstraram desconhecer o papel

fundamental da educação para a classe trabalhadora. As revoluções agroindustriais e

suas conseqüências no contexto brasileiro, principalmente a industrialização,

provocaram alterações que obrigaram os detentores do poder no campo a concordar com

algumas mudanças, como por exemplo a presença da escola em seus domínios. Assim, a

escola surge no meio rural tardia e descontínua.3

3 Esse surgimento tardio da instrução pública especialmente no meio rural é bem uma contradição, uma vez que a escola já se fazia presente na República dos Guaranis, numa sociedade pretendida sem classes, sem privilégios, hierarquizada segundo os saberes dos cidadãos, sem oposição entre o campo e a cidade, a escola partilhada da organização coletiva do trabalho e da propriedade. Dessa proposta utópica aos nossos dias, os êxitos e fracassos da “escola” não chegaram a ser devidamente conhecidos e, sobretudo, relacionados com suas verdadeiras causas.

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27

Desde a Proclamação da Independência do Brasil até a efetiva instalação

de escolas públicas oficiais a necessidade de educação era tão sensível que a ausência de

providências oficiais despertava a iniciativa privada. Algumas associações religiosas

esforçaram-se em prol de um movimento de coordenação da instrução pública nacional.

Emergem na literatura de cunho social aspectos da cultura e educação. Nela se

começava a clamar por uma educação de sentido prático e utilitário, e insistia-se na

necessidade de escolas adaptadas à vida rural.

Dado o forte comprometimento das elites com a visão urbano-industrial

que se cristalizou no país nas primeiras décadas do século XX, a concentração de

esforços políticos e administrativos ficou vinculada às expectativas metropolitanas, de

modo que a sociedade brasileira somente despertou para a educação rural por ocasião do

forte movimento migratório internos dos anos 1910/20, quando um grande número de

rurícolas deixou o campo em busca das áreas onde se iniciava um processo de

industrialização mais amplo. Assim, surgiu o “Ruralismo Pedagógico”, que pretendia

uma escola integrada às condições locais regionalista, com o objetivo de promover a

fixação do homem do campo.

Os principais ideais do grupo de pioneiros do “ruralismo pedagógico”

eram consolidar:

a) Uma escola rural típica, acomodada aos

interesses e necessidades da região a que fosse destinada (...)

como condição de felicidade individual e coletiva;

b) Uma escola ‘que impregnasse o espírito do

brasileiro, antes mesmo de lhe dar a técnica do trabalho

racional no amanhã dos campos, de alto e profundo sentido

ruralista, capaz de lhe nortear a ação para a conquista da

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28

terra dadivosa e de seus tesouros, com a convicção de ali

encontrar o enriquecimento próprio e do grupo social de que

faz parte’ (isto em oposição à ‘escola literária’ que

desenraizava o homem do campo);

c) Uma escola ganhando adeptos à “vocação

histórica para o ruralismo que há nesse país”. “Os homens é

que perturbam essa vocação, diziam os ruralistas, criando,

primeiro, centros acadêmicos para doutores e, depois, uma

indústria, muitas vezes artificial, que se alimentava, em

alguns casos, de matéria-prima importada. Antes da solidez

da economia agrária, com a reabilitação da terra e do

homem, a indústria de favor (...).(CALAZANS, 1993, p. 19 e

20)

Concomitantemente se propagava a ideologia do colonialismo,

impulsionada pelo esvaziamento da população nas áreas rurais, enfraquecimento social

e político do patriarcalismo4 e forte oposição do movimento progressista urbano. Alguns

segmentos das elites urbanas apoiaram o Ruralismo Pedagógico, pois viam na fixação

do homem no campo uma maneira de evitar a explosão dos problemas sociais nos

centros urbanos.

O ruralismo no ensino permaneceu até a década de 1930, uma vez que a

escolaridade mantinha-se vinculada à tradição colonial e distanciada das exigências

econômicas do momento.

Apesar de já no século XIX se dotar as populações do meio rural de

escolas, só a partir de 1930 que ocorreram programas de escolarização considerados

relevantes para as populações do campo. 4 Patriarcalismo é uma organização social em que a concentração do poder e do prestígio está na figura do patriarca. O patriarcalismo tradicional no Acre foi transplantado do Nordeste brasileiro com a grande migração de nordestinos durante os ciclos da borracha. O patriarcalismo foi enfraquecido com a migração de famílias para a cidade e a inserção da mulher no mercado de trabalho.

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29

Antes de 1930, algumas ocorrências se destacaram, tais como:

a) O Plano de Educação de 1812 (governo de Dom João VI), que inclui

como um dos dispositivos “que no 1° grau da instrução pública se ensinariam aqueles

conhecimentos que a todos são necessários, qualquer que seja seu estado, e, no 2° grau,

todos os conhecimentos que são essenciais aos agricultores, artistas e comerciantes”.5

b) A reforma de 1826 – Plano Nacional de Educação – onde “inscreve-se

que no 1° ano do 2° grau será dada uma idéia dos três reinos da natureza, insistindo-se,

particularmente, no conhecimento dos terrenos e dos produtos naturais da maior

utilidade nos usos da vida”.6

c) A reforma de 1879 (Decreto n° 7247) onde estabeleceu-se que “o

ensino das escolas primárias do 2° grau constaria da continuação e desenvolvimento das

disciplinas ensinadas no 1° grau e mais, entre outras disciplinas, noções de lavoura e

horticultura”.

Até antes de 1930, as iniciativas mais consistentes de formação dirigidas

às populações no meio rural deram-se nos setores de ensino médio e superior,

especialmente no superior, com criação de Escolas de Agronomia.

Na década de 30, as proposições getulistas do Estado Novo mantiveram a

tradição escolar brasileira, garantindo a obrigatoriedade e gratuidade da escolaridade,

porém dando ênfase ao trabalho manual nas escolas primárias e secundárias e ao

desenvolvimento de uma política educacional voltada para o ensino vocacional urbano,

destinado especialmente às classes populares.

5 J. Moreira de Souza, “Educação Rural para a Escola Primária”. Revista Brasileira dos Municípios, Rio de Janeiro, (12):1908, out./dez. 1950. 6 Id.,ibid.

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30

Com base num processo de industrialização amplo, Getúlio Vargas

estipulou prioritariamente uma escolaridade voltada para a capacitação profissional,

mediante novas possibilidades do mercado.

Somente em 1937 o Estado Novo volta sua atenção para a escola rural e

cria a Sociedade Brasileira de Educação Rural com o objetivo de expansão do ensino e

preservação da arte e folclore rurais. “O sentido da contenção se mantém, mas, agora,

coloca-se explicitamente o papel da educação como canal de difusão ideológica. Era

preciso alfabetizar, mas sem descuidar dos princípios da disciplina e civismo” (MAIA,

1982, p. 28).

Durante aproximadamente cinco décadas muitos levantamentos e estudos

foram feitos sob a perspectiva desse “ideal pedagógico”, sendo um marco significativo a

realização do Oitavo Congresso Brasileiro de Educação, em 1942.7

Reafirmou-se ali, nas linhas básicas dos trabalhos e conclusões, a

necessidade de uma escola que desperte e forme uma consciência cívica e trabalhista;

que extinga os resquícios de uma aristocracia falida e inoperante, herdada dos

colonizadores; que represente uma reação contra o doutorismo, o diplomismo; que

engrandeça as atividades do campo e da lavoura; que faça do trabalho organizado e

produtivo o código social do Estado (Estado Novo).

Segundo Calazans (1993), a educação brasileira, defendida no

Congresso, teria como objetivo o desenvolvimento da personalidade (objetivo

individual); a integração do educando na sociedade brasileira em geral (objetivo

nacionalista); a formação do sentimento de solidariedade humana (objetivo humano); e

7 Associação Brasileira de Educação. Anais do Oitavo congresso Brasileiro de Educação, Goiânia, jun.1942. IBGE, 1944.

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o ajustamento ao ambiente regional em que se desenvolva a vida do educando (objetivo

vocacional).

Este congresso enfatizou as tendências nacionalista-burguesas do Estado

Novo, mas não definiu claramente os obstáculos da produção agrícola brasileira e da

própria educação rural, mas sabia que ela era essencial para a manutenção do status quo

não só da sociedade como do próprio Estado. A principal temática foi a luta por uma

escola cujo objetivo essencial fosse o ajustamento do indivíduo ao meio rural, para a

fixação dos elementos de produção (era uma época marcada pelo êxodo rural), isto é, a

substituição de uma escola “desintegradora” por uma escola com caráter preventivo

contra a desordem social.

As iniciativas nos anos 30, sob o patrocínio do Ministério da Agricultura,

foram: a) as colônias agrícolas e núcleos coloniais como organismos de fomento ao

cooperativismo e ao crédito agrícola (1934); b) cursos de aprendizado agrícola, com

padrões equivalentes aos do ensino elementar, regulamentado em 1934, com o objetivo

de formar capatazes rurais; c) nos mesmos padrões foi criado o curso de adaptação,

“destinado a dar ao trabalhador em geral uma qualificação profissional”.(SALES,

1945)8

As décadas de 40 e 50 do século XX foram marcadas pela multiplicidade

de projetos e programas voltados para a diminuição do analfabetismo e as educações

rurais, que pretendiam atingir as bases populares da maioria dos estados brasileiros. A

educação rural sob o patrocínio de programas norte-americanos tomou grande impulso a

partir do funcionamento da Comissão Brasileiro-Americana de Educação das

8 Apolônio Sales, O Ministério de Agricultura no Governo Getúlio Vargas (1930-1944), Rio de Janeiro, Ministério da agricultura/ Serv. Documentação, 1945.

Page 32: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

32

Populações Rurais (CBAR).9 O objetivo desses programas era o progresso da

agricultura a partir da educação do homem do campo e incluíam cursos rápidos e

práticos, divulgação na imprensa e edição de publicações instrutivas, Semanas

Ruralistas (debates, seminários, encontros dia-de-campo, etc) e criação e implantação

dos chamados Clubes Agrícolas e dos Conselhos Comunitários Rurais.

Com a criação do Serviço Social Rural na década de 40, com sedes na

maioria dos estados brasileiros, foram criados projetos para preparação de técnicos

destinados à educação de base rural e programas voltados para o cooperativismo,

associativismo, economia doméstica, artesanato entre outros.

À modelo dos primeiros, outros projetos se destacaram, tais como as

“Missões Rurais de Educação de Adultos”, oriundas da Campanha de Educação de

Adultos; o SESP (Serviço Especial de Saúde Pública), originalmente com ações

inteiramente voltadas para a zona rural; a ACAR em Minas Gerais (Associação de

Crédito e Assistência Rural), com finalidade de promover a extensão rural e o crédito

rural supervisionado e que deu origem a ABCAR (Associação Brasileira de Assistência

Técnica e Extensão Rural), incumbida de coordenar programas de extensão e captar

recursos técnicos e financeiros, entre outros programas.

A Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) era centrada na

ideologia do desenvolvimento comunitário e desconsiderava as contradições naturais

dos grupos campesinos. Os pequenos grupos rurais sem representatividade –

trabalhadores sem-terra, arrendatários, bóias-frias e outros – não tinham vez nem voz

9 A CBAR foi criada em virtude de acordo entre os governos do Brasil (Ministério da Agricultura) e dos Estados Unidos da América (Inter-American Education Fundation Incorporation), posteriormente Education Division do Institute of Inter-American Affair, em 20 de outubro de 1945, pelo Ministério das Relações Exteriores e Embaixada Americana no Rio de Janeiro. Entre os objetivos do acordo inclui-se “possibilitar que, no setor da educação rural, sejam programadas outras atividades que possam interessar a ambas as partes contratantes”. Ver Daniel de Carvalho, Atividade do Ministério da Agricultura, 1946-1950, Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura/ Serviço de Informação Agrícola, 1951, pp.347.

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33

frente às decisões comunitárias, visto que estas deveriam ser gerais, coletivas, e não

para o atendimento de segmentos isolados.

Os programas implantados nas décadas de 40 e 50, não tiveram muito

sucesso, seja pela inadaptabilidade dos métodos e conteúdos dos programas estrangeiros

à realidade brasileira ou pelo nível de discussões do pensamento social brasileiro em

torno da educação rural. Acreditou-se, romanticamente, na possibilidade de transformar

o rurícola brasileiro, mediante eficaz e intensivo programa educativo de base, em um

farmer norte-americano do pós-guerra.

Na década de 60, com a industrialização do país, a mecanização da

produção e o intenso êxodo rural, o país viu a necessidade de prover educação ao

homem do campo. O agravamento das disparidades regionais entre o Nordeste e o

Centro-Sul (regiões mais povoadas do país) e identificação da densidade do problema,

sobretudo no setor primário, levou a criação da Sudene (Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste). A Sudene, inicialmente, investia apenas 6% de seu

orçamento no desenvolvimento de recursos humanos mediante treinamento vocacional

agrícola e industrial, preparo de pessoal para os estados e os municípios e programas

universitários e pré-universitários.

A Lei de Diretrizes e Bases n° 4.024/61, ao estabelecer um modelo único

e quase inalterável de educação muito mais voltada à ordem social aristocrática, deixou

de oferecer à sociedade suporte necessário para o desenrolar das atividades produtivas,

políticas e sócio-econômicas. A LDB n° 4.024/61 preservou os caracteres da educação

nacional dentro dos parâmetros dos centros urbanos e das classes dominantes.

Essa LBD conferiu aos Estados a ampliação do corpo disciplinar escolar,

mediante ação dos Conselhos Estaduais de Educação, respeitando o currículo mínimo

Page 34: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

34

determinado pelo Conselho Federal de Educação e pelo próprio MEC. Na prática,

muitas escolas acabaram compondo seu currículo de acordo com os recursos materiais e

humanos que dispunham e continuaram mantendo o mesmo currículo de antes, quando

não puderam improvisar professor e programa.

Deixando a cargo das municipalidades a estrutura da escola fundamental

na zona rural, a LDB 4.024/61 omitiu-se quanto à escola no campo, uma vez que a

maioria das prefeituras municipais do interior era desprovida de recursos humanos e,

principalmente, financeiros. Desta feita, com uma política educacional nem centrada

nem descentralizada, o sistema formal de educação rural sem condições de auto-

sustentação, tanto pedagógica, como administrativa e financeira, entrou em um processo

de deterioração, submetendo-se aos centros urbanos.

Sergio Leite (1999), em seu estudo sobre a trajetória do MST, aponta que

o ensino (na zona rural) é pensado e construído para o meio urbano e aplicado ao meio

rural, sem que se faça qualquer adaptação. Por não levar em conta a realidade do setor a

que se destina, este tipo de educação tem contribuído para dificultar, ainda mais, o

aprendizado das crianças em idade escolar que habitam no campo.

O estatismo informal da educação rural e o descompasso das relações

culturais, escolares e sociais no Brasil, favoreceram o aparecimento de movimentos

populares, como os Centros Populares de Cultura (CPC) e, mais tarde, o Movimento

Educacional de Base (MEB). Os CPCs e o MEB eram ligados aos movimentos de

esquerda, às ligas camponesas, sindicatos de trabalhadores rurais e outras entidades

semelhantes em favor dos desprotegidos da zona rural. Esses movimentos culminaram

com a promulgação do Estatuto do Trabalhador rural, Lei 4.214, sancionada em 2 de

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35

março de 1963. É importante salientar as ações de alguns bispos da Igreja Católica

engajados na visão progressivista em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais.

Será na década de 60 que, a partir da práxis de grupos de periferia urbana

e de zona rural, Paulo Freire revoluciona a prática educativa, criando os métodos de

alfabetização de adultos e de educação popular, tendo como suporte filosófico-

ideológico os valores e o universo sociolingüístico-cultural desses mesmos grupos10.

Sua proposta foi amplamente utilizada, apesar das rupturas ideológicas

sócio-políticas a partir de 1964, com a instituição do modelo totalitário de governo no

Brasil.

Em contraposição, novos convênios assistenciais/educacionais entre

Brasil/EUA foram firmados, dessa vez a “Aliança para o Progresso”. Esse programa de

atendimento à carência rural e urbana visava acordos assistenciais e financeiros para

países do hemisfério sul. Segundo Albuquerque (1986), a “Aliança para o Progresso”

foi utilizada como um recurso do governo norte-americano para controlar a execução de

programas governamentais latino-americanos, de maneira a impedir que a solução

revolucionária cubana se alastrasse.

Na Região Nordeste, foram implantados projetos integrados em áreas

rurais, através dos quais as agências governamentais atuantes na região procuraram

desenvolver ações educativas de forma a melhor atingir as populações, onde se

destacaram o Povoamento do Maranhão (1961), o Grupo de Estudos do Vale do

Jaguaribe (1961) e o Grupo de Imigração do São Francisco (1960). O objetivo desses

programas era o desenvolvimento da comunidade e educação de adultos, considerada,

esta última, como um processo contínuo integrado ao desenvolvimento.

10 GIRALDELLI JR, Paulo. História da Educação, São Paulo, Cortez, 1994, pp. 117 a 126.

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36

Na Região Sul, diversos projetos integrados foram executados pela

Superintendência da Região Sul (SUDESUL)11, tais como o Projeto Integrado Sudeste,

com atividades educacionais em 19 municípios da região; e o Projeto de

Desenvolvimento do Litoral do Sul de Santa Catarina.

Nos setores de colonização e reforma agrária, tivemos a Supra

(superintendência da Política de Reforma Agrária) em 1962: a IBRA (Instituto

Brasileiro de Reforma Agrária) e o INDA (Instituto Nacional de Desenvolvimento

Agrário), criados com a extinção da Supra em 1964; e o INCRA (Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária), que emerge no final da década de 60 com a fusão do

IBRA e do INDA. Embora esses órgãos tivessem propostas teórico-metodológicas

diferentes, esses empreenderam um trabalho pautado no desenvolvimento da

comunidade, e na educação popular e de adultos sob a forma organizativa de projetos

rurais integrados. Segundo Leite (1999), todos esses programas tiveram como objetivo

principal conter o expansionismo dos movimentos agrários e das lutas camponesas.

Com o golpe militar de 1964, que modificou extremamente a estrutura

sócio-política do país, houve a penetração incisiva da Extensão Rural e sua ideologia no

campo, substituindo a professora do ensino formal pelo técnico e pela extensionista,

mantidos por entidades como a Inter-American Foundation ou a Fundação Rockfeller.

As políticas sociais brasileira, nas décadas de 1960/70 tiveram na

educação apenas mais um indicador do subdesenvolvimento em que se encontrava o

país, e não uma meta a ser alcançada mediante um projeto escolar autônomo, técnico e

pedagogicamente estruturado.

11 A SUDESUL foi criada pelo Decreto-lei n° 301, de 28 de fevereiro de 1967, com jurisdição nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

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37

Nesse sentido, o governo Castelo Branco criou o Plano Decenal de

Desenvolvimento Econômico e Social para o período de 1967/76, no qual o processo

educativo, tanto urbano quanto rural, aparece como instrumento de capacitação mínima

do cidadão para sua futura inserção no mercado de trabalho e, conseqüentemente, sua

elevação da qualidade de vida. A nova estrutura curricular assume uma dimensão de

nivelamento da dicotomia entre cidade e campo.

Com a promulgação da LDB n° 5692/71, a educação passou a dar ênfase

na profissionalização do ensino como forma de gerar economia e desenvolvimento. A

Educação Rural mais uma vez não foi enfatizada e, apesar de criarem planilhas e

sugestões pedagógicas, via Ministério e Conselhos de Educação, para o trabalho na zona

rural, estas foram construídas sem uma filosofia e/ou uma política específica para a

escolaridade nas regiões campesinas.

Segundo Leite (1999), a LDB n° 5692/71 dá ênfase à profissionalização

do ensino como forma de gerar economia e desenvolvimento.A LDB n° 5692/71 propõe

“respeito às peculiaridades regionais”, o que abre espaço para o ensino profissional

rural. Porém na prática os objetivos pretendidos na LDB n° 5692/71 não foram

alcançados a contento, pois o sistema de ensino rural não contava com os insumos

necessários para sua efetivação.

A LDB n° 5692/71 teoricamente abriu espaço para a educação rural,

porém restrita em seu próprio meio e sem recursos humanos e materiais satisfatórios.

Assim, deu-se a municipalização do ensino rural, sendo os municípios apoiados por

projetos como o Polonordeste (Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do

Nordeste Brasileiro), o Pronasec (o Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas para

o Meio Rural), o Pró-município, e outros, que suporte administrativo e financeiro que

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38

acompanhavam a escolarização nas comunidades rurais (cadastramento, distribuição de

merenda, e diagnóstico de escolaridade do município).

No Ministério da Educação e Cultura, o II Plano Setorial de Educação,

Cultura e Desporto (1975-79) estabeleceu, entre seus objetivos e diretrizes, a criação de

condições para o desenvolvimento de programas de educação no meio rural que venham

a repercutir na melhoria socioeconômica das populações dessas áreas. Em 1976, a

Secretaria Geral do MEC, com a participação do CNRH/Seplan e PNUD/Unesco –

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, realizou cursos de formação

para educadores do meio rural, sendo o primeiro estado contemplado, Rio Grande do

Norte. O objetivo desse programa era estimular a aquisição do conhecimento que

levasse a comunidade à apreensão do meio em que vivem, que levasse ao aumento da

produtividade e a participação no desenvolvimento, transformação ou adaptação de

estruturas de natureza econômica e social, tais como cooperativas, escolas, programas,

etc.

Os programas das décadas de 60 e 70 pretendiam tipificar uma

“educação para o desenvolvimento”. Objetivava preparar indivíduos e grupos para

participarem, responsável e produtivamente, de um processo de mudança cultural

identificado como um processo de desenvolvimento sócio-econômico. Tanto a extensão

como a educação profissionalizante levavam aos trabalhadores a crença na

modernização como caminho para a melhoria no nível de vida.

Segundo Oliveira (1982), as propostas de uma educação para o

desenvolvimento e para o trabalho, não geraram consenso nas discussões acadêmicas

em seminários e grupos de trabalho e no estabelecimento de ações programadas. Havia

os defensores da educação como investimento e das organizações externas que

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39

prestavam assistência técnica no Brasil. Entre essas organizações externas se destaca a

USAID (United State Agency for International Development) que firmou acordos com

os governos de Pernambuco e Rio Grande do Norte, oferecendo ajuda para esses

governos se contraporem politicamente às forças políticas populares rotuladas de

“radicais”.

O III PSECD (Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto - 1980-

85), com um otimismo sócio-político e econômico, tomava a educação como uma das

áreas da política social do governo e a encarava como recurso significativo para a

redistribuição dos benefícios sociais a parcelas cada vez maiores da população, visando

a redução das desigualdades sociais.

O III PSECD propunha a expansão do ensino fundamental no campo, a

melhoria do nível de vida e de ensino, e a redução da evasão e da repetência escolar.

Este plano recomendava a valorização da escola rural, o trabalho do homem do campo,

a ampliação de oportunidades de renda e manifestação cultural do rurícola, a extensão

dos benefícios da previdência social e ensino ministrado de acordo com a realidade da

vida campesina. Apesar das boas intenções, o plano não abordou questões graves no

ensino rural, como a presença do professor leigo, as salas multisseriadas, a inadequação

do material didático e das instalações físicas das escolas que, na maioria, eram bem

precárias.

O PSECD favoreceu a criação de projetos especiais do MEC para o meio

rural, como o Pronasec, o EDURURAL (Programa de Educação Básica para o Nordeste

Brasileiro) e o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização)12.

12 O MOBRAL, criado em 1967, foi concebido como um sistema que visava basicamente o controle da população (sobretudo a rural). A ditadura militar chegou mesmo a dizer que o MOBRAL poderia utilizar-se do “Método Paulo Freire desideologizado” (GUIRALDELLI Jr.,1994, p. 170)

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40

O Pronasec tinha como objetivo a modernização das atividades no

campo, a reativação e valorização das escolas e grupos comunitários, o incentivo e

fomento a criação de pequenas cooperativas e grupos produtivos, e fornecimento de

mais opções para trabalho e produção no campo.

No Nordeste instalou-se o EDURURAL (1980-85). Seu principal

objetivo era a ampliação de condições de escolaridade do povo nordestino, mediante

melhoria da rede física e dos recursos materiais e humanos disponíveis.

Com base no currículo diversificado e apropriado à realidade sócio-

cultural das mini-regiões onde se localizavam as unidades escolares atendidas pelo

EDURURAL, esse projeto tentou viabilizar novos conceitos sobre educação no meio

rural, produzindo crítica aos currículos urbanos introduzidos na zona rural e valorizando

o trabalho de professores e alunos com ênfase na realidade campesina.

O MOBRAL foi criado pela Lei número 5.379, de 15 de dezembro de

1967, propondo a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando "conduzir a

pessoa humana (sic) a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de

integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida". O MOBRAL,

destinado tanto a grupos urbanos como rurais, propunha a erradicação do analfabetismo

no país e promover o aumento e aceleração da produção, porém inibindo avanços

sociais mais amplos. Segundo Correia (1979), em 1978 o MOBRAL atendeu a quase

dois milhões de pessoas, atingindo um total de 2.251 municípios em todo o país Em

análise geral, o MOBRAL não atingiu seus objetivos, pois não conseguiu erradicar o

analfabetismo no país.

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41

2.3 ANOS 90 – A LDB N° 9394/96 E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O

HOMEM DO CAMPO

Na década de 90, as dimensões da problemática da educação rural são

ainda mais extensas, como a negação da escola às classes menos favorecidas, como o

homem do campo, a subordinação da educação ao modelo político-econômico, as

desigualdades sociais e uma necessidade crescente de maior escolaridade do homem

numa sociedade pós-moderna.

A atual LDB, de n° 9394/96 promove a desvinculação da escola rural dos

meios e dos modelos urbanos e propõe um planejamento interligado à vida rural. Como

grande meta, a educação pretende alcançar dimensões sócio-políticas e culturais ótimas,

com base na cidadania e nos princípios de solidariedade. Para isso, a “educação deverá

vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”. (Brasil/MEC, LDB n° 9394/96,

art1°, § 2°).

Segundo a LDB n° 9394/96 cabe aos municípios a responsabilidade pelo

Ensino Fundamental, contando com calendário escolar próprio e adequado às

peculiaridades locais. Isto favorece as comunidades rurais com base na sazonidade do

plantio/colheita e dimensões sócio-culturais do campo.

O calendário escolar deverá adequar-se às

peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a

critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir

o número de horas letivas previstas na lei (Brasil/MEC, LDB

n° 9394/96, art 23°, § 2°).

A LDB n° 9394/96 permite adaptações na estrutura curricular à

exigências das unidades escolares instaladas na zona rural (art. 28), respeitando-se os

Page 42: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

42

dispositivos do artigo 32 e seus incisos, que dispõem sobre a organização e estruturação

do ensino fundamental.

Na oferta da educação básica para a população

rural, os sistemas de ensino promoverão adaptações

necessárias à sua adequação à peculiaridades da vida rural e

de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e

metodologias apropriadas às necessidades e interesses dos

alunos da zona rural; II – organização escolar própria,

incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo

agrícola e às condições climáticas; III – adequação à

natureza do trabalho na zona rural. (Brasil/MEC, LDB n°

9394/96, art 28).

A atual LDB propõe uma escola para o homem do campo baseada na

consciência ecológica, na preservação dos valores culturais e da práxis rural e,

primordialmente, no sentido da ação política do trabalhador rural.

A década de 90 foi decretada a Década de Educação para Todos, com a

Conferência Nacional de Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990), e reforçada

na V Conferência Internacional de Educação de Adultos (Hamburgo, 1997), que

defenderam a ampliação dos serviços de educação básica e capacitação de pessoas

jovens e adultas em competências essenciais à vida cotidiana, ao trabalho e à

participação cidadã.13

Quanto aos programas que surgiram na década de 90, em 1996, o

Conselho da Comunidade Solidária, organismo vinculado à Presidência da República,

criou o Programa de Alfabetização Solidária – PAS – promovido em parceria entre o 13 HADDAD, Sergio e DI PERRO, Maria Clara. Satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de jovens e adultos no Brasil: contribuições para uma avaliação da década de Educação para Todos. Anais do I Seminário Nacional de Educação para Todos, Brasília, NEP/MEC, 1999.

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43

Ministério da Educação, empresas, universidades e municípios. Em 1997, o PAS

alcançou 120 municípios, envolveu 22 empresas e 102 universidades públicas e

privadas, criou 690 classes de alfabetização (70% das quais nas zonas rurais), formou

759 alfabetizadores e dez mil educandos.

O Ministério Extraordinário da Política Fundiária deu início em 1998 ao

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA, elegendo como

prioridade a alfabetização dos trabalhadores rurais assentados. O Pronera maneja

recursos do Ministério da Educação e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), é

desenvolvido em parceria e co-gerido por um conselho que reúne agentes

governamentais, universidades, igrejas, sindicatos e organizações da sociedade civil,

inclusive o MST. A meta inicial do Pronera para o primeiro ano era alfabetizar cem mil

trabalhadores rurais assentados, mas os recursos alocados no Programa naquele ano só

permitiram contemplar 7% dessa meta.

O mais recente programa educacional voltado para a educação no campo

é o Programa Escola Ativa. O Programa Escola Ativa desenvolvido pelo Fundo de

Fortalecimento da Escola (Fundescola/MEC) atendeu em 2002 a 2.700 instituições

rurais no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tendo beneficiado cerca de 106.121

estudantes. Esse programa é utilizado em escolas rurais com classes multisseriadas (de

1ª a 4ª série) e adota metodologia e material didático específicos. Os objetivos do

programa são a oferta de ensino de melhor qualidade, valorização da comunidade e

respeito ao ritmo do aluno.

Um dos instrumentos que promovem a integração entre a escola e a

comunidade é o respeito ao calendário rural, adaptando os ritmos de ensino e

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44

aprendizagem aos períodos de pecuária, pesca, mineração, artesanato, ou outra atividade

predominante na comunidade rural.

Em 2002, outros 386 municípios situados fora da área de atendimento do

Fundescola implementaram o Programa Escola Ativa por conta própria e as secretarias

municipais desses municípios assumiram a capacitação dos professores.

No início de 2002, a partir da aprovação do Parecer nº 36 de 2001 e da

Resolução nº 01 de 2002, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de

Educação, que institui as Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do

Campo, fez-se a primeira versão do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural, que

reconhece o papel estratégico da educação no desenvolvimento rural sustentável dos

estados e municípios.

A segunda versão do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural

Sustentável (PNDRS) do governo foi aprovada no dia 28 de agosto de 200214, sendo

que, desde sua primeira versão, o plano foi construído com a participação ampla de

setores do Estado e da sociedade civil. Alem de ampliar o debate, a opção do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável15 pelo planejamento participativo na

elaboração do Plano visou, também, garantir o caráter pedagógico e legitimador durante

todo o processo16.

Incorporando várias emendas, uma terceira versão do documento foi

elaborada em dezembro de 2002 e divide-se em duas partes. A primeira trata da

orientação estratégica do país, das opções estratégicas de governo para o período 2003 a

14 NEAD (Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural) Portal NEAD de Estudos Agrários. Notícias Agrárias 02 a 08 de Setembro de 2002 N.º 150 [email protected] . 15 www.cndrs.org.br Segunda versão do PNDRS. Acesso em setembro de 2002. 16 NEAD http://www.nead.org.br/boletim/boletim.php?boletim=150&noticia=282, Acesso em 08 de setembro de 2002 (b)

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45

2006 e do Plano Plurianual (PPA 2004-2007). A segunda parte divide-se em quatro

programas:

Programa 1 – Democratização do acesso à propriedade da terra;

Programa 2 – Fortalecimento da agricultura familiar;

Programa 3 – Renovação da educação rural; e

Programa 4 – Diversificação das economias rurais.

No que concerne ao Programa 3, o Programa de Renovação da Educação

Rural do PNDRS apresenta elementos fundamentais para o desenvolvimento sustentável

no campo, mas restringe-se ao desenvolvimento econômico e à possibilidade de se

adotar um modelo criativo que considere as potencialidades locais, sejam humanas,

financeiras, físicas, sociais e ambientais.

No entanto, apesar da educação ter “sido proclamada como uma das

áreas -chave para enfrentar os novos desafios gerados pela globalização e pelo avanço

tecnológico da era da informação” (Gohn, 1999, p. 07), pouco se tem discutido sobre a

real articulação entre a educação e o sistema produtivo.

O Programa 3 – Renovação da Educação Rural - baseia-se em dois

objetivos:

a) valorizar as pessoas a partir de sua situação de vida e

b) valorizar os recursos do território a partir de um diagnóstico

proveniente de pesquisa participativa.

Segundo o Programa, a renovação da educação rural deve ser feita pela

“pedagogia da alternância” que parte dos recursos locais e de sua valorização. Isto

porque, dentro dessa linha, pode-se desenvolver dinâmicas envolvendo a comunidade,

criando e fortalecendo valores e atitudes de transformação e mudança, condições

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indutoras a um novo empreendedorismo solidário e protagonismo social (CNDRS,

2002:30). O documento propõe, também, envolver e articular a comunidade e fortalecer

a educação pública não estatal. Nesta perspectiva, o documento prevê um Programa

Estratégico para a educação rural articulado aos demais programas do PNDRS, o que

implicaria num novo modelo de educação rural.

Ainda na parte referente a educação propõe “construir caminhos para o

desenvolvimento sustentável do Brasil rural, por intermédio de ações que mobilizem

sistemas de educação formal e informal, como instrumentos de cidadania. São normas

políticas, pedagógicas, administrativas e financeiras a serem observadas nos projetos

das instituições que integram esses diversos sistemas”.

Esta preocupação com mudanças nas normas do sistema educacional,

somada à proposta de fortalecer a educação pública não estatal e de estabelecer um novo

modelo de educação rural assemelha-se ao modelo de administração pública gerencial

que inspirou as reformas do Governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002)17.

A administração pública gerencial considera a educação, saúde e a

pesquisa como serviços não exclusivos da administração pública. São serviços públicos

não estatais, que podem ser executadas por organizações sociais.

Segundo Pretti e Júlio (2002), a educação rural não pode se tratada

apenas do ponto de vista de mercado. Quando se trata da oferta da educação rural, deve-

se pensar na liberdade que o indivíduo adquire através da capacidade de se perceber no

mundo, fundada, basicamente, em estruturas mentais que possibilitam a individuação. A

educação deve visar também este desenvolvimento, que é muito mais amplo do que

17 O modelo de administração gerencial foi apresentado no Seminário organizado pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado do Brasil em 1996 e organizado por Bresser Pereira e Spink em livro com prefácio do presidente Fernando Henrique Cardoso na qual reconhece a necessidade de mudanças no sentido de uma administração gerencial. (PEREIRA, L. C. Bresser e SPINK, Peter (org.). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.)

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47

apenas a preparação para o mundo do trabalho (mesmo que este mundo seja o do

empreendedor). A educação deve tratar de uma perspectiva da totalidade do ser

humano18.

O construtivismo (proposta pedagógica implantadas na maioria dos

programas de educacionais da atualidade) implica em trabalhar com a realidade local,

mas esta realidade não está circunscrita ao mundo do empreendedorismo, do

desenvolvimento econômico. No entanto, segundo Pretti e Júlio (2002), há inúmeras

outras questões a serem tratadas. Deixá-las de lado, significa considerar que o

desenvolvimento humano pode ser realizado em etapas desconexas. Primeiro se resolve

questões como a alimentação e saúde para depois se trabalhar aspectos emocionais,

relacionais, psíquicos e espirituais. Acreditar nesta dissociação do homem de seus

elementos constituintes essenciais implica em cair nas mesmas lógicas de propostas que

já ludibriaram a tantos, como a de “crescer para depois distribuir” ou o sonho socialista

da igualdade de condições econômicas e sociais sem a igual preocupação com a

liberdade e a inserção na sociedade.

Nos assentamentos, a educação das pessoas é entendida como um ato

político. Um dos princípios educacionais em assentamentos rurais é o da

responsabilidade coletiva. As discussões no campo têm levado esses trabalhadores à

construção de uma consciência coletiva. Makarenko (1981,p.12) insistiu no

desenvolvimento individual como condição de desenvolvimento social, assegurando

que “o coletivo devia receber toda a prioridade sobre o individual [pois] não haveria

18 PRETTI, Regina e JÚLIO, Jorge Eduardo. Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável: o Programa de Renovação da Educação Rural, (Artigo), publicado no site www.cndrs.org.br/documentos.asp?Folder=EducaçãoRural. Acesso em 04 de dezembro de 2002.

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educação senão na coletividade, através da vida e do trabalho coletivo”. Assim,

entende-se que toda a comunidade é co-participante no processo educativo.

Segundo Rabelo (2002), em um artigo que discute a Educação Rural a

partir de uma pesquisa no Estado do Amazonas, admite que desenvolver uma educação

rural para jovens apropriada, visando uma efetiva promoção da vida no campo, não é

tarefa fácil. A maneira como muitos programas têm sido aplicados pouco tem servido

para este fim. Rabelo (2002) faz uma análise do quadro da Educação Rural no Brasil:

Devido à dispersão das propriedades rurais, as escolas são

localizadas distantes das residências dos alunos, por isso

gastam tempo e recursos para deslocamento. As atividades

da agricultura familiar são prioritariamente exercidas pelos

membros da família do agricultor, por isso seus filhos, desde

a infância, já desempenham algumas tarefas importantes

dentro da propriedade, assim, o deslocamento e a

permanência na escola prejudicam essas tarefas. Devido às

distâncias e a precariedade das vias de acesso, o transporte

dos alunos é inseguro e oneroso. Os conhecimentos que têm

sido trabalhados nas escolas rurais são orientados a partir

de livros didáticos cujos conteúdos não contemplam a

realidade local e nem os professores têm sido preparados

para adequá-los. Normalmente após as quatro primeiras

séries do ensino fundamental os alunos passam a estudar na

sede dos municípios, ainda mais distantes no percurso e na

característica, pois contempla alunos da sede e do meio

rural. Estudando no meio urbano os jovens camponeses

passam a desenvolver comportamentos ajustados para esse

meio, por isso aumenta a sua propensão de morar na cidade,

motivando também a sua família. As escolas rurais pouco

oferecem de conhecimentos relativos à agricultura, à saúde e

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49

ao social, ficando restritas a atender os aspectos do ensino

formal dos jovens agricultores. (RABELO, 2002, p.15).

A partir de sua pesquisa, Rabelo conclui que, aliado a outros fatores, o

processo educacional aplicado no meio rural contribui com a manutenção do seu atraso

e com o estímulo a mudança dos agricultores para as periferias dos centros urbanos. Isto

é, uma educação que não leva em conta as características locais da população a que se

destina, tende levar o aluno a uma aprendizagem descontextualizada e a perder a sua

identidade.

Para os jovens a situação fica caótica, já que os conhecimentos obtidos

no ensino fundamental, desvinculados da sua realidade e do mundo do trabalho, pouco

contribuirão para o seu futuro, levando-os aos riscos da degradação social.

A trajetória da Educação Rural no Brasil ao longo da história sempre foi

marcada por avanços e retrocessos e as conquistas foram frutos de muitas lutas em prol

da melhoria da qualidade de vida do homem do campo.

Apesar dos avanços, isso é inegável, algumas questões ainda persistem,

quanto aos aspectos sócio-políticos (a qualidade de vida do home do campo e sua

formação de valores), a formação do professor que atua na zona rural, a condição do

aluno/trabalhador rural, a participação da comunidade no processo escolar, a

organização didático-pedagógica do sistema de ensino, a política educacional rural,

entre outras questões.

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CAPÍTULO III

A EDUCAÇÃO RURAL NO ACRE

Este capítulo considera o processo de ocupação das terras acreanas,

marcada pela transformação da floresta em grandes propriedades tradicionais, os

seringais, na primeira metade do século XX, e a transformações dos seringais para os

latifúndios das fazendas agropecuárias, na segunda metade do século XX. É importante

considerar que, enquanto o primeiro processo de ocupação, os seringais, assentava-se na

preservação da cobertura florística, fator que possibilitou o desenvolvimento do ciclo

extrativista da borracha natural, o segundo, ao contrário, estabelece-se utilizando

métodos de ocupação antiecológicos e anti-sociais.

Será considerado, ainda, neste capítulo, a situação da educação rural no

Acre, cuja expansão acompanhou as mudanças no cenário agrário acreano, a partir dos

anos 60, com a elevação das terras do Acre da condição de Território à condição de

Estado.

3.1 A OCUPAÇÃO DO ACRE

O Acre é um dos sete Estados que compõem a Região Norte, fica

localizado na parte mais ocidental do Brasil, no sudoeste da Amazônia; faz fronteira

internacional com o Peru e a Bolívia, e nacional com os estados de Rondônia e

Amazonas. A superfície territorial do Acre é de 153.149,9 km². A vegetação natural é

composta basicamente por dois tipos de florestas: Tropical Densa e Tropical Aberta; o

clima é equatorial quente e úmido. A hidrografia é complexa, formada pelas bacias do

Juruá e do Purus, afluentes do Solimões.

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Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

de 2000, a Amazônia brasileira ocupa mais de 50% do território nacional, possui as

menores taxas de densidade demográfica do país, apresenta a maior reserva de espécies

vivas do planeta e é nela que se concentra uma grande diversidade social e biológica.

Paradoxalmente, segundo dados do último censo feito pelo IBGE, esta é uma das

regiões mais pobres do país com elevados índices de mortalidade infantil e natalidade e

graves problemas de educação formal e aumento da degradação ambiental.

A população do Estado do Acre é de 557.526 habitantes, sendo 280.983

homens e 276.543 mulheres. Na capital Rio Branco a população é de 253.059 pessoas

(quase metade da população reside na capital). Do total de habitantes do Acre, 370.267

moram em áreas urbanas e 187.259 na zona rural. A população economicamente ativa é

de 178.123 pessoas19.

A história do Acre é marcada por conflitos sociais, políticos, culturais e

econômicos concretos relacionados com os interesses e possibilidades da biodiversidade

que se apresentam nessa região. Sua sociodiversidade também é muito complexa, vez

que nesse espaço encontramos sujeitos que representam interesses por vezes

antagônicos como é o caso dos indígenas, seringueiros, posseiros, fazendeiros,

agricultores, religiosos, missionários, ecologistas, cientistas etc., tanto do Brasil como

do exterior.

Para que se possa compreender as questões relacionadas à educação no

meio rural no Estado do Acre, faz-se necessário fazer um recuo na sua história. Assim

será possível encontrar elementos que nos ajudem a entendê-la, pois estes estão

relacionados a aspectos históricos, culturais e sociais, marcados pelas longas distâncias,

19 Fonte: Censo 2000 (IBGE)

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espacialidades heterogêneas, temporalidades distintas entre si e as demais áreas

brasileiras, abundâncias em recursos naturais e pela adoção de modelos econômicos e

de políticas públicas equivocadas que não atenderam aos interesses e necessidades

locais, tendo historicamente favorecido a expansão agropecuária e, conseqüentemente o

desmatamento.

A autonomia política do Acre e sua elevação à categoria de Estado são

conseqüência de um longo processo de conquista, lutas, resistências, onde questões da

terra, das florestas, dos recursos naturais sempre estiveram presentes.

Segundo Oliveira (1982), a primeira leva de migração de nordestinos

para o Acre ocorreu no período entre 1880 a 1910. Antes desse período, a população da

área que atualmente corresponde ao Estado do Acre era de 100 mil habitantes. Após

esse período, a população teria aumentado para 750 mil habitantes.

Impulsionados pela busca do látex, seringalistas e seringueiros

adentraram na mata, chegando à parte mais ocidental da Amazônia, atingindo a área

onde se localiza o Estado do Acre que na época já estava ocupada, por cerca de 50

grupos indígenas diferentes20, sendo que as sociedades do tronco lingüístico Aruak

foram os primeiros habitantes, seguidos pelos grupos do tronco lingüístico Pano, que

passaram a habitar a região devido à invasão espanhola. Deste cinqüenta grupos restam

hoje apenas 12, os demais foram dizimados através de conflitos com seringalistas,

seringueiros, pecuaristas entre outros, e brigas pela posse da terra que em alguns casos

foram resolvidos através de chacinas.

A história nos conta que, no início do século passado, o Acre era uma

enorme frente de batalha e de trabalho. A população era constituída por um grande

20Guia para o uso da Terra Acreana com sabedoria: Zoneamento Ecológico Econômico do Acre, elaborado sob a Coordenação de Marcos Sorrentino, Rio Branco, SECTMA, 2000.

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exército de homens e quase não havia famílias. Os seringueiros, em sua maioria

oriundos dos sertões nordestinos, viviam isolados meses a fio, no meio da floresta,

proibidos de plantar, para que pudessem dedicar todo o seu tempo à extração da

borracha.

Comprada pela indústria da Europa, era o “ouro negro”, que atraía

milhares de brasileiros do Nordeste para os afluentes do Amazonas. Subindo o Rio

Purus, eles entraram em território boliviano e viveram um conflito econômico,

diplomático e militar, que só terminou em 1903, com a anexação da região ao Brasil.

Na primeira metade do século XX, o aumento do consumo de borracha, a

mítica do enriquecimento fácil com o “ouro que jorrava das árvores” as grandes secas

no nordeste brasileiro e a limitada absorção dos migrantes nordestinos pela agricultura

do sudeste, levaram a transferência de um grande contingente populacional, para a

Amazônia com a finalidade de trabalhar nos “latifúndios borrachíferos”, extraindo a

seringa21.

Segundo Duarte (1987), em 1915, os custos com a produção nativa,

frente produção organizada pelos ingleses nas colônias da Ásia, levaram à derrocada

dos seringais acreanos. Estes custos encareciam devido a dispersão das seringueiras na

floresta, a ausência de técnicas de produção e cultivo, a falta de apoio oficial, o alto

custo da mão-de-obra, a falta de capital e as dificuldades de transporte. Assim, embora

21 “seringa na linguagem amazônica, era uma bomba sem êmbolo, em forma de pêra oca, feita de borracha, com orifício na extremidade, no qual se adaptava uma Cânula. Invenção dos índios, que tinham o hábito singular de utilizá-la, como limpeza de campo, antecedendo aos jantares de gala, operação a que não se eximiam os convidados de repasto. Chegando ao conhecimento dos portugueses tais objetos, saudados como úteis à civilização, o seu nome passou a ser também, o da árvore que jorra o leite. Árvore de seringa. E da seringa surgiu o seringal, o espaço físico-social onde se erguem, dispersas pela floresta, as espécies de vegetais da borracha. E do seringal, o seringueiro, o homem que associa à planta, para explorá-la. (...) Depois do ano de 1920, apareceu o neologismo seringalista, para designar o proprietário do seringal, que, antes, era o patrão ou, mesmo, seringueiro, confundindo-se na nomenclatura, com o verdadeiro extrator da borracha. Hoje, a palavra está definitivamente integrada no vocabulário regional. Assim, passou a ser um quarteto ecológico: seringa, seringal, seringalista e seringueiro”. TOCANTINS, Leandro. Amazônia: Natureza, Homem e Tempo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1992, p. 100).

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as ondas migratórias tenham persistido, reduziu-se bastante o número de pessoas à

procura da seringueira, árvore da qual se extrai o látex, para a produção da borracha.

A exploração da borracha tem novo impulso com a 2ª Guerra Mundial.

Com a ocupação da Malásia e Ceilão pelos japoneses, os países aliados ficaram

privados do fornecimento da borracha e novamente o capital industrial voltou a se

interessar pela borracha nativa produzida na Amazônia.

No curso desse processo, instalou-se um tipo de exploração econômica,

que teve por base a ocupação de grandes áreas de terra e, como unidade de produção, o

seringal. E foi no seringal que se instalou o perverso sistema de exploração e

dependência, engendrado pelo sistema de aviamento, baseado na exploração do trabalho

semicompulsório e condicionado pelo crescente endividamento do trabalhador e seu

isolamento na floresta.

Além de toda a deteriorização do chamado sistema de aviamento22 e do

extrativismo tradicional, contendas sociais relativas às populações tradicionais dos

espaços florestais do Acre intensificaram-se a partir da segunda metade do século XX,

desembocando no esforço de estruturação de entidades representativas dos

trabalhadores rurais no Acre que teve início efetivo com as ações da igreja Católica, por

meio das Comunidades Eclesiais de Base. A Igreja Católica no Acre adotou uma

postura “renovada”, buscando aproximar-se e atender as populações mais carentes,

estivessem elas no campo ou na cidade. Tal postura começou a ser adotada no início da

década de 1970, com o bispado de Dom Giocondo e foram constantes com o seu

22 A palavra “aviamento” vem de “aviar”, que significa fornecer mercadoria a alguém em troca de outro produto. Na produção de borracha, as Casas Aviadoras eram as grandes casas de comércio que financiavam os seringalistas na formação de seringais no Acre e em outras regiões da Amazônia. Merecendo destaque as casas aviadoras de Manaus e Belém.

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sucessor Dom Moacir Grechi, conhecido pela população acreana por suas idéias

avançadas e a defesa da teologia da libertação.

Segundo Duarte (1987), no Governo de Wanderlei Dantas (1970/74)

foram oferecidos a empresários oriundos principalmente dos estados do centro-sul do

País benefícios e incentivos fiscais na obtenção das terras acreanas. Esses incentivos

foram criados com o objetivo de atrair investimentos nacionais e estrangeiros para o

desenvolvimento da região, conforme o Plano de Valorização da Economia da

Amazônia. Os incentivos fiscais visavam a adoção da agropecuária como atividade

básica a ser desenvolvida. Estes empresários compraram terras baratas vendidas

geralmente pelos seringalistas falidos e por grileiros, sem se preocuparem em saber se

existiam ou não posseiros na região comprada.

As conseqüências da ocupação das terras pelos paulistas, como passaram

a ser chamados os pecuaristas, foram a grilagem de terras23 e a expulsão de um grande

número de famílias de seringueiros que dependiam da floresta para a sua subsistências.

Nos anos 70 e 80, a idéia de “progresso” e “desenvolvimento” no Acre

esteve associada no imaginário do povo ao asfaltamento das estradas, ao crescimento

das cidades, às obras de construção civil, ao comércio de produtos industrializados e ao

consumo de carne bovina. Este pensamento, que marcou a história do Acre, trazia

grandes equívocos; resultou no êxodo rural e na derrubada de florestas, dando lugar à

agricultura e as grandes fazendas de gado. Isso pôde ser constatado através de alguns

indicadores sociais: a falência dos seringais, o desmatamento, o conflito pela posse de

terra e a crise do extrativismo. Milhares de famílias migraram para as cidades, causando

um aumento desordenado das cidades e invasões nas regiões periféricas.

23 Grilagem refere-se a aquisição ilegal de terras, falsificação de títulos, registros irregulares, e esticamento das áreas (invasão de áreas vizinhas)..

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Segundo Melo (2003, p.42), o governo fez enorme propaganda em rádio

e televisão, dentro e fora do Estado para atrair criadores de gado. “Produzir no Acre,

investir no Acre, exportar pelo Pacífico” era o que dizia para incentivar os

empresários24 a aplicarem dinheiro na região. E dizia mais “O Acre é o nordeste sem

seca e o sul sem geada”.

As décadas de 70 e 80 foram marcadas por conflitos entre seringueiros e

grileiros. Segundo Duarte (1987), com a superpopulação relativa latente oriunda do

Nordeste brasileiro, houve população supérflua (que não produzia a borracha) que

passou a se ocupar de atividades de subsistência. Com a intensificação de investimentos

de capital na região, através da pecuária e da especulação fundiária, que mudou o uso do

solo e a expulsão desta população.

Essa situação sofreu um refluxo quando os seringueiros passaram a

enfrentar o capital e lutar pela posse da terra. Um dos métodos bastante usados para

expulsão de seringueiros era o desmatamento dos seringais. E os seringueiros foram

resistindo através dos empates, isto é, o impedimento dos trabalhos de desmatamento.

Para isso, quando a colocação de algum seringueiro estava ameaçada, os trabalhadores

juntavam dezenas de companheiros e iam para frente de desmatamento para fazer o

embargo do serviço. Assim, o desmatamento ficava empatado. Esses conflitos

24 A revista veja publicou longa reportagem sobre a ação dos empresários do Acre: Intitulada “Donos da Geografia”, resumidamente destacamos: “Eles são donos de rios que só desaparecem na linha do horizonte. Têm em seu patrimônio selvas que, de tão vastas, dão a impressão de nunca ter fim, mesmo quando observadas do alto da cabine de um avião. È tanta terra que poderiam aparecer no Guinnes Book, o livro dos recordes, na lista dos maiores latifundiários do mundo. Não exploram nem a décima parte do que possuem... Ou será fácil achar em algum canto do planeta proprietários de uma terra do tamanho de El Salvador? Ou de dois Líbanos juntos? Ou de treze cidades de São Paulo, uma ao lado da outra? No norte do Brasil existe essa categoria de proprietários rurais. O campeão é o paulista Pedro Aparecido Dotto... Ele é o dono de 2,1 milhões de hectares de terra no Acre... Do tamanho de El Salvador...quase 15% daquela geografia. (Revista Veja. São Paulo, Editora Abril, Edição 1295, ano 26 n. 27, 7 de abril de 1993).

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resultaram em muitas mortes, onde os paulistas contratavam pistoleiros para matar

posseiros e líderes sindicais e também eram mortos por eles.

Nesse contexto, em 1975 é criada uma delegacia da Confederação

Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) no Estado, que incentivou à

criação de Sindicatos de Trabalhadores Rurais, onde se agregaram extratores, pequenos

produtores e demais segmentos sociais que trabalhavam no campo ou na mata. Os

primeiros sindicatos criados foram os Sindicatos de Trabalhadores Rurais de Brasiléia

(1975) e Xapuri (1977), o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).

Assim, a partir das organizações sindicais dos seringueiros e diante das

dificuldades encontradas por esses trabalhadores para negociar livremente sua própria

produção, nasceu o “Projeto Seringueiro”. Como alternativa, foi também criada a

primeira cooperativa agroextrativista, a partir da qual surgiu a primeira experiência de

educação popular nos seringais – a princípio, destinada especificamente a adultos – com

vistas a promover a alfabetização do trabalhador seringueiro e, assim, capacitá-lo a

gerenciar a sua própria produção e buscar alternativas para a melhoria de sua qualidade

de vida.

Iniciado em 1981, o Projeto Seringueiro - uma experiência pioneira no

campo de assessoria ao movimento popular e sindical – incorporava escolas e

cooperativas. A cooperativa possibilitava aos seringueiros serem seus próprios

intermediários, ou seja, em vez de levarem a borracha para o barracão do seringal ou

venderem-na para um marreteiro25, os seringueiros passaram a levá-la ao armazém da

cooperativa. Lá, a borracha poderia ser trocada por mantimentos oferecidos a preços

justos, e não inflacionados, como os do sistema antigo. Quando ocorria de a borracha

25O termo “marreteiro” refere-se ao atravessador, o comerciante que comprava a borracha do seringueiro a baixo custo e negociava a preços elevados, ficando com o lucro da produção.

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58

ser vendida no atacado, parte dos lucros retornava aos cooperadores, sendo entre eles

distribuídos de acordo com sua produtividade. Para que uma cooperativa assim

organizada pudesse ser viável a longo prazo, eventualmente, ela teria ela que ser

administrada por seringueiros, sem a ajuda de conselheiros. Para tanto, era-lhes

imprescindível adquirir o domínio da lecto-escrita e da matemática, necessidade que

acabou por gerar a decisão de elaborar um projeto de alfabetização, o Projeto

Seringueiro, implantado em vários pontos da floresta, que se baseava nas propostas de

Paulo Freire.

Será nos anos 90, com a ascensão dos movimentos sindicais

(movimentos que ganharam força com a morte dos sindicalistas Wilson Pinheiro em

198026 e Chico Mendes em 198927), que as políticas relacionadas à ocupação das terras

do acre passaram a ser tratadas com mais rigor. Este processo culminou com a eleição

de sindicalistas e militantes de partidos ligados a esses movimentos (PC do B, PV e PT),

que passaram a adotar o lema “Governo da Floresta”28, cujas metas divulgadas foram a

sustentabilidade dos povos da floresta, e a melhoria da qualidade de vida destes. Uma

das principais ações nesse sentido foi o mapeamento de todas as terras do Acre,

identificando suas potencialidades naturais, além de áreas que deveriam ser preservadas

e as que deveriam ser exploradas com a implantação de assentamentos rurais29.

26 Wilson de Souza Pinheiro era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e presidente da Comissão do Partido dos Trabalhadores. Foi assassinado a tiros dentro da sede do Sindicato em julho de 1980 27Francisco Mendes era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e ambientalista. Foi morto em dezembro de 1989 em sua casa. 28 Entre estes sindicalistas que se tornaram políticos influentes, destacam-se a professora Marina Silva, que iniciou sua carreira política como vereadora e atualmente é Ministra do Meio Ambiente, e o engenheiro florestal Jorge Viana, foi prefeito de rio Branco e pela segunda vez governador do Acre, adotando como símbolo da floresta em seus mandatos. 29 Este mapeamento foi possível com o Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre, onde toda a região foi identificada, com o auxílio de recursos tecnológicos como GPS e especialistas em 2002.

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59

A política de assentamentos rurais do INCRA, nos anos 90, aconteceu

com a desapropriação de antigos seringais abandonados e ocupação organizada de

trabalhadores rurais. Muitos destes seringais já eram habitados há décadas por ex-

seringueiros que se tornaram posseiros no lugar e viviam da agricultura de subsistência.

Com as atuais políticas de manutenção do homem no campo e a ênfase na

sustentabilidade da economia agrária, as áreas em que habitavam esses posseiros foi

dividida em lotes e estes obtiveram título definitivo dos lotes, além de terem um

acompanhamento regular de empreendedores sociais do INCRA que passaram a orientar

os produtores rurais quanto ao uso de recursos obtidos através de financiamento

agrícola, incentivo à produção e comercialização, e organização social dos assentados.

No decurso da História do Acre foram criadas reservas extrativistas entre

as quais destaca-se a reserva extrativista Chico Mendes, localizada no Vale do Acre,

criada em março de 1990, que tem desempenhado um importante trabalho junto às

populações nativas e demarcação de terras indígenas para as etnias sobreviventes a

muitas décadas de massacres.

3.2 A EDUCAÇÃO RURAL NO ACRE

A tentativa de remontar a História da Educação Rural no Acre não foi

uma tarefa fácil. Até os anos 70, período que antecedeu a organização dos trabalhadores

– seringueiros e rurais em sindicatos e cooperativas, as experiências de acesso à

educação que se tem registro foram informais e personalizadas.

Será nos anos 70, a partir das pressões sociais, que os governos estaduais

e municipais começaram a dar respostas às populações, de maneira aleatória a princípio,

sem critério, ou sem nenhuma política sistematizada. A construção das escolas obedecia

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60

a critérios baseados no clientelismo ou do favoritismo. Assim, o número de Escolas

Rurais no Estado do Acre, em menos de duas décadas (1970 e 1980), cresceu de

maneira desordenada, gerando um grande descompasso entre a quantidade e a

qualidade.

Com a universalização do ensino básico, pregada na LDB n° 4.024/61,

conseguiu-se ampliar a oferta do ensino primário de 1ª a 4ª série. Isso foi possível

graças à possibilidade de desenvolvê-lo com professores egressos das escolas normais,

já existentes em sete municípios do Acre, e até com professores não titulados.

As mudanças propostas na LDB n° 5.692/71, que estabelecia o 1° grau

em oito séries (anteriormente dividido em ensino primário e secundário) e exigia a

qualificação de professores em curso de nível superior para atuação nas últimas três

séries, foram lentas no Acre. Apenas oito anos após a LDB n° 5692/71 entrar em vigor,

conseguiu-se a implantação desse nível de ensino nas zonas urbanas de 11 dos 12

municípios acreanos30 e em apenas uma escola na zona rural. Assim, quase a totalidade

da zona rural de Rio Branco não pôde gozar dos direitos propostos na LDB em vigor na

época.

Assim, o Plano Estadual de Educação para o quadriênio 1979-82 fez um

diagnóstico da situação do ensino rural no Acre31. Os estudos constataram que o acesso

das crianças à escola era dificultado pelas distâncias das famílias entre si e a escola, pela

falta de estradas e meios de transportes para possibilitarem o acesso e permanência na

escola, intervenção de proprietários nas escolas construídas em áreas particulares sem a

30 Atualmente o Acre tem 27 municípios. 31 ZANNINI, Íris Célia Cabanellas. Ação Administrativa (1979-1982). Brasília, SEC, 1986.

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61

devida doação prévia32, e construções inadequadas para populações que constantemente

se mobilizavam por questões fundiárias e de trabalho.

As escolas rurais, na maioria das vezes, tinham um único professor que

atendia num horário de 1ª a 4ª séries (sala multisseriada) e ainda era responsável pela

burocracia da escola. Em 1979, apenas 13,13% dos professores do ensino rural tinham

Formação em Nível Médio (75 professores) e 0,35% com Formação Superior (02

professores)

No II Seminário Estadual de Educação Rural (1980), onde estiveram

reunidos professores, técnicos e entidades que atuam na zona rural, foram discutidas

questões referentes à formação e atuação docente. Do Relatório Final extraíram-se as

seguintes conclusões:

O professor rural tem um acúmulo de funções

administrativas, pedagógicas e de serviços – ele próprio

dirige sua escola, leciona para os alunos de diferentes

estágios de escolaridade e de diferentes idades e ainda

desempenha funções de servente e merendeira, além de ser

responsável pelo transporte de material escolar e de merenda

da zona urbana para sua escola. Participando pouco do

planejamento escolar, o professor rural já é condicionado a

receber tudo pronto do Sistema, o que lhe tolhe o

desenvolvimento da criatividade para superar a grande

carência de material didático que se verifica nas escolas

rurais.

Na década de 80, as Metas Nacionais de Educação, expressas no III

Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (1980-85)33 levaram à mudanças

32 Com a expansão das fazendas e a vinda de grileiros para o Acre, muitas escolas foram construídas com iniciativa privada, isto é, muitos fazendeiros construíam escolas em suas terras para seus filhos e seus trabalhadores.

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62

técnico-pedagógicas e administrativas direcionadas para a consolidação de novas

políticas de ação para a Educação Rural.

Em 1981, foi implantado no Acre o PRONASEC (Programa Nacional de

Ações Sócio-Educativas e Culturais do MEC), com adequações às características

acreanas. O PRONASEC foi implantado no Projeto NARI (Núcleo de Apoio Rural

Integrado), onde já existia uma infra-estrutura básica de desenvolvimento rural. O

Projeto NARI teve sede nas seguintes localidades: Bujari, Barro Vermelho, Panorama,

Jarbas Passarinho e Aquiles Peret. Com os recursos do Projeto NARI foram construídas,

ampliadas e recuperadas escolas nas áreas rurais. Essas escolas foram construídas com

técnicas aprimoradas e adaptadas às comunidades rurais.

Neste período, foi implantada a proposta pedagógica do Projeto de

Desenvolvimento Rural integrado nas áreas de assentamento dirigido do INCRA e

COLONACRE (Companhia de Desenvolvimento Agrário e Colonização do Acre), com

enfoque comunitário com vistas a uma maior integração ao meio físico e social.

Ainda na década de 80, foi implantado o PROBOR (Programa Nacional

da Borracha)34, projeto de ação integrada com a SUDHEVEA (Superintendência da

Borracha)35, que atendia nas áreas de seringais a clientela de 7 a 14 anos nas séries

iniciais do 1° grau. A partir do PROBOR, surgiu o Projeto SUDHEVEA/EDUCAÇÃO,

que atuava junto às mini-usinas (utilizadas na transformação do látex em borracha) e

tinha como lema uma educação comprometida com as necessidades das comunidades

dos seringais. Com os recursos desse projeto, foram contratados 275 professores e 33 O III PSECD (Plano Setorial de Educação Cultura e Desporto) é citado no capítulo 2 desta dissertação, pg. 21 34 O PROBOR foi um programa oficial da SUDHEVEA que incentivava a produção de seringueiras de cultivo. As duas primeiras versões dos programas não tiveram os resultados esperados. A previsão oficial era empregar 200 mil seringueiros como força de trabalho até 1992. No entanto, poucos recursos foram destinados ao Acre. A maior parte ficou concentrada no Centro-Sul do País, para aplicações mais rendosas. (OLIVEIRA, 1982, P.62). 35 A SUDHEVEA foi extinta em 1990.

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63

atendidos 7.917 alunos do 1° grau (atualmente Ensino Fundamental), além do

atendimento de 972 alunos nos diversos municípios com o Telecurso João da Silva ao

nível das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental e o Projeto Seringueiro,

capacitação via rádio, para alfabetização de adultos.

Em 1981, foi construída a Escola Agrotécnica Roberval Cardoso com

recursos do PREMEN (Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio), com

capacidade para atendimento em regime de internato e externato, com o objetivo de

formar mão-de-obra para o desenvolvimento agrícola, com técnicas apropriadas e

adequadas à realidade acreana.

As ações voltadas para o homem do campo não se limitaram às

áreas rurais. Na cidade de Rio Branco, em bairros constituídos de populações rurais que

migraram para a cidade, foram implantadas oficinas e atividades voltadas para o

trabalho, como atividades hortigrangeiras, carpintaria, flandelaria, e outros36.

Será com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9394, de

20 de dezembro de 1996, que a Educação Rural se separa da Educação Indígena como

modalidades de ensino distintas, conforme orienta o Parecer Estadual n° 16, de 22 de

agosto de 2002.

Anterior ao Parecer Estadual n° 16/2002, o Parecer Estadual n° 05/1998

reconhece os conteúdos programáticos constantes na proposta curricular para formação

de professores índios do Acre e sudoeste do amazonas, tendo como base os parâmetros

de uma educação diferenciada intercultural e bilíngüe, desenvolvido pela CPI37 através

do Projeto de Educação “Uma experiência de autoria dos índios do Acre e Sudoeste do

36 Os bairros beneficiados com esses programas foram Aeroporto Velho, Bahia, Palheiral e Sobral, que inicialmente foram áreas ocupadas por invasões e, anos depois, foram urbanizados. 37 Comissão Pró-Índio (organização não governamental do Acre, que atua na formação de índios)

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64

Amazonas”. A Resolução Estadual n° 07/1999 definiu as diretrizes para a formação de

professores índios.

Em menos de duas décadas (anos 70 e 80), o número de Escolas Rurais

no Estado do Acre cresceu de maneira desordenada, gerando um grande descompasso

entre a quantidade e a qualidade.

A partir de 1999, governo do Estado traçou como política para o meio

rural e florestal uma organização da rede de ensino, a partir da localização geográfica de

cada uma das escolas – utilizando o GPS para a correta localização das escolas, algumas

localizadas em território amazonense e boliviano. Posteriormente, outras ações foram

definidas na área rural, como o Programa de Formação para professores, em nível

médio, com a criação inicialmente, do Projeto Ajuri, para a complementação com o

Ensino Fundamental para professores leigos e, em seguida, foi implantado o

PROFORMAÇÃO – Programa de Formação de Professores em Nível Médio

(Magistério). Dos 1.628 professores em exercício nas escolas rurais estaduais ou em

área de floresta, 1057 participaram do curso de formação inicial – PROFORMAÇÃO,

buscando assegurar a formação mínima exigida por lei para o exercício do magistério.

Uma pequena parcela, aproximadamente 90 professores, detém formação em nível

superior, estando os demais situados no quadro de formação em nível médio, ainda que

a grande maioria exerça as suas atividades pedagógicas nas turmas de 5ª à 8ª séries do

ensino fundamental.

Outra ação significativa foi a oferta do Curso de Pedagogia pela a

Universidade Federal do Acre, em convênio com o Governo do Estado e Prefeituras

Municipais, para professores das redes estaduais e municipais de ensino. Foram criadas

52 turmas de Pedagogia, sendo 27 turmas em Rio Branco e 25 em cidades do interior do

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65

Estado, e diversos cursos nas áreas específicas do Ensino Fundamental e Médio, tais

como Letras, Ciências Biológicas, História, Geografia, Matemática e Educação Física.

Assim, um grande número de professores da zona rural pode se capacitar e melhorar sua

prática docente.

Além disso, houve a implementação de Programas de Formação

Continuada, o Programa Parâmetros em Ação, em que os professores estudaram todos

os módulos dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais); Programa Escola Ativa,

específicos para salas multisseriadas; e Programas de Construção e Adequação de

Prédios Escolares etc.

Segundo Silva (2002), o desafio de garantir a formação aos professores

que se lançam ao desafio de entrar na floresta ou nos Projetos de Assentamento rurais é

tão grande quanto a tentativa de universalizar o ensino a populações tradicionais,

localizadas em regiões muitas vezes inacessíveis, em razão de sua dispersão geográfica,

característica da Região.

Em outubro de 2002, foi aprovado Parecer n° 25/2002 do Conselho

Estadual de Educação, que dispõe sobre os princípios norteadores da proposta curricular

para o Ensino Rural.

Os princípios filosóficos são a solidariedade com a natureza, respeito

humano e bem comum, autonomia e responsabilidade, valores políticos, igualdade dos

direitos humanos, cidadania, criatividade, contemplação da natureza, e diversidade das

manifestações artísticas e culturais.

Os princípios políticos são a inclusão (para os alunos com necessidades

especiais), multiculturalismo (educação de povos indígenas), educação para jovens e

adultos e a autonomia da escola.

Page 66: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

66

Os princípios pedagógicos são a formação de competências para o

trabalho, para a vida em sociedade, para a preservação do ecossistema, para a

sustentabilidade, a ética e a autonomia intelectual; a transversalidade do conhecimento,

abordando temas como direitos humanos, convivência social, trabalho e costumes; a

contextualização do currículo à questões como as lutas sociais e culturais e direito à

terra e ao trabalho, dignidade, cultura e educação; e vinculação ao mundo do trabalho,

com temas como a capacidade farmacológica das ervas, os potenciais energéticos, solo e

a paisagem local, o cooperativismo, o artesanato, a produção, entre outros.

Atualmente, a rede pública estadual de ensino na zona urbana da cidade

de Rio Branco é composta por um universo de 79 escolas, e na zona rural 109 escolas.

No surgimento das duas primeiras escolas na floresta, o número de alunos atendidos não

ultrapassava 50 (em sua maioria, adultos). Hoje, no Acre, a oferta chega a 24.000 vagas,

somente no ensino fundamental.

De acordo com a Coordenadoria de Estatística Educacional da Secretaria

de Estado de Educação do Acre – Censo 2001, o total de estabelecimentos da Rede

Estadual Rural é de 584 escolas. A matrícula total é de 31.093 alunos em toda a rede,

distribuída nos níveis Pré-escolar, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de

Jovens e Adultos. E o número de professores é no total de 1.62838.

No Acre, aproximadamente 80% das escolas estão localizadas em áreas

rurais. A rede municipal de ensino de Rio Branco possui 42 escolas, sendo 26 escolas

urbanas e 16 escolas rurais. Entre essas escolas rurais, quatro novos Centros de Ensino

Rural foram inaugurados, dentro de quatro Projetos de Assentamentos Rurais: Figueira,

Boa Água, Benfica e Baixa Verde. Estes novos centros atenderão especialmente alunos 38 Fonte: Departamento de Ensino Fundamental da SEE/AC

Page 67: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

67

das séries finais do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e

Adultos. Os centros possuem diversos aparelhos sociais, como laboratório de

informática, sala de multimeios, além de mobiliário e maquinário modernos.

A Secretaria Estadual de Educação do Acre e as Secretarias Municipais

implantaram em suas redes de ensino rural o Programa Escola Ativa em 2001, com

estratégia de ensino para salas multisseriadas. O Programa Escola Ativa é mantido pelo

FUDESCOLA e utiliza material didático específico para alunos e professores da zona

rural. Os estudantes trabalham em grupos e são estimulados a participar da gestão

escolar por meio do Governo Estudantil. A metodologia também contribui no combate à

reprovação e ao abandono. O Programa foi implantado em 128 escolas rurais e,

posteriormente, em mais 122 nas redes municipais de ensino. Em 2003, a SEMEC de

Rio Branco implantou o Programa Escola Ativa em 12 escolas rurais, atendendo a mais

de 600 alunos. O objetivo do programa é melhorar a qualidade do ensino de 1ª à 4ª série

nas escolas rurais e, conseqüentemente, elevar o rendimento dos alunos.

3.3 O PROJETO DE ASSENTAMENTO COLIBRI

O Projeto de Assentamento Colibri foi implantado pelo Decreto 224,

publicado no Diário Oficial da União em 25 de novembro de 1993. A emissão de posse

foi cedida em 07 de julho de 1994, com criação Projeto de Assentamento em 31 de

outubro de 1995.

O projeto abrange uma área de 1.356 há, dividida em 42 lotes. O

assentamento, localizado a 30 km de Rio Branco, na Estrada de Porto Acre km 14,

Ramal do Limoeiro km 16, O assentamento está situado à margem esquerda do Rio

Acre, no sentido Rio Branco-Porto Acre.

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68

O assentamento Colibri fazia parte do “Seringal Bagaço”, de propriedade

das empresas Santa Clara Ltda e Agroindústria Queiroz Ltda. A desapropriação foi

requerida pelas própria empresas junto ao INCRA, pois há muitos anos a propriedade se

encontrava ocupada por posseiros. Aproximadamente, 30 famílias ocupavam uma área

de 1.356 ha, tendo como principal atividade agrícola o cultivo da banana, com produção

voltada para o alto consumo.

3.3.1 População e Organização Social

A maior parte das famílias residentes no Assentamento Colibri é de

origem acreana. O restante é oriundo dos estados do Amazonas e Ceará. São poucas as

famílias que tiveram outras experiências profissionais não relacionadas à agricultura.

Estima-se que a população do assentamento seja de 150 pessoas, distribuídas nos 42

lotes.

A religião predominante no local é a católica, com 63 % de adeptos.

Outra religião presente no lugar é a Assembléia de Deus, com 31% de adeptos. Há ainda

6% que não professam nenhuma religião. Os protestantes possuem um pequeno templo

no centro da comunidade, onde são realizadas reuniões e círculos de orações.

No assentamento Colibri existe uma associação oficialmente registrada,

denominada Associação dos Produtores do Ramal Limoeiro, fundada em janeiro de

1996. A associação tem 67 sócios, sendo alguns residentes no Assentamento Boa Água,

próximo ao Colibri.

A produção agrícola se constitui na principal atividade econômica do

assentamento Colibri, porém o orçamento doméstico é complementado com atividades

relacionadas a criação de gado vacum e de peixes em açudes, extrativismo, caça e

pesca.

Page 69: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

69

3.3.2 A Participação da Universidade Federal do Acre

Em 1998, o Dr. Francisco Eulálio Alves dos Santos, professor do

Departamento de Ciências da Natureza, desenvolveu um projeto experimental de

energia solar e biodigestão no Assentamento Colibri. O projeto de pesquisa contou com

financiamento do CNPq, onde foi possível instalar no centro da comunidade placas de

energia solar, que passaram a fornecer energia para os equipamentos sociais construídos

ali: a escola, a revenda e a cozinha industrial. Construiu-se um curral, onde os

produtores rurais guardariam seu gado para a coleta de excrementos que seriam

utilizados na produção de gás natural com um biogestor (aparelho implantado na

comunidade).

Estes espaços ganharam um novo nome, chamado Centro de Integração

do Limoeiro. Inicialmente, a implantação de placas solares na comunidade tinha como

fim o incentivo a produção e desenvolvimento sustentável. Com o tempo, percebeu-se

que, para que este processo de utilização dos aparelhos tivesse continuidade e a

organização comunitária fosse possível, seria necessária a implantação de uma escola na

comunidade, até então inexistente (a escola mais próxima estava localizada há oito

quilômetros em uma estrada de chão de difícil acesso). O enfoque primeiro do projeto

do Dr. Francisco Eulálio seria a energia, mas que apoiaria outras ações como educação,

saúde, educação ambiental e apoio ao associativismo, entre outras que fortaleceriam a

organização social.

Antes de este projeto chegar à comunidade, havia ali algumas famílias de

posseiros que viviam basicamente do plantio de bananas. Com o assentamento,

atualmente vivem ali 42 famílias, que trabalham em regime de cooperativa, e contam

com o apoio de diversos órgãos que executam ações para a melhoria da comunidade.

Page 70: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

70

Embora o projeto seja prioritariamente voltado para a área de energia, a

educação é o núcleo agregador de todas as ações. Segundo o Dr Francisco Eulálio,

coordenador do programa:

A educação é a única ação permanente da comunidade. Esta

funciona como motivadora da comunidade, que a vê como

redentora de seus filhos. Assim, a escola passa a ser a

referência para a comunidade. Tudo o que a comunidade faz

passa a ser uma ação educacional. A escola surgiu um ano

depois do início do projeto, através de reivindicações da

comunidade.

O projeto agrega várias instituições, que trabalham em parceria:

- A Universidade Federal do Acre (UFAC), através do Laboratório de

Energia, da Pró-reitoria de Extensão e do Departamento de Ciências.

- A Associação de Produtores Rurais, que são os beneficiários e

mobilizadores da comunidade.

- A Prefeitura Municipal de Rio Branco, através das secretarias de saúde

(SEMSA), educação (SEMEC), agricultura (SEMAG) e de meio ambiente (SEMEIA).

- Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que é

responsável pelo acompanhamento das atividades no assentamento rural e, junto com a

UFAC, acompanha o Pronera.

- SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), que junto com a

Seater, executa ações educativas para o trabalho.

- SESI (Serviço Social da Indústria), que em parceria com a SEMEC,

através do Programa Telecurso 2000, que desenvolveu o ensino fundamental para

meninos em idade regular e aos que não tiveram acesso na idade própria, com o

Page 71: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

71

supletivo.

- União Nacional dos Escoteiros, que dá ênfase a formação moral dos

jovens moradores da localidade. Os escoteiros dão suporte à convivência coletiva,

disciplina e cidadania, qualidades necessárias para o sucesso da educação rural.

A participação integrada destas instituições, junto com o compromisso e

a dedicação da comunidade foi fundamental na implantação do projeto coordenado pelo

Dr. Francisco Eulálio Alves dos Santos. Segundo o Dr. Francisco Eulálio:

As ações desenvolvidas por estas instituições pretendem que

a comunidade rural tenha os mesmo benefícios da cidade,

fazendo apenas um ajuste das circunstâncias, favorecendo

uma integração da zona urbana com a zona rural, evitando o

êxodo rural, que enfraquece a produção e marginaliza estas

populações nas cidades.

Através do projeto de energia, com a implantação das placas solares, foi

possível a implantação do Telecurso 2000, que se utilizada de televisão e vídeo cassete

com apresentação de tele-aulas gravadas. Até o momento desta pesquisa, a comunidade

ainda não dispunha de energia elétrica.

3.4 - A ESCOLA SEBASTIÃO PEDROSA DE CARVALHO

A Escola Municipal Sebastião Pedrosa de Carvalho, localizada no

Projeto de Assentamento Colibri, foi fundada em 1999. É uma escola pequena,

construída em madeira, com duas salas de aula, uma cozinha e uma sala que serve de

almoxarifado e secretaria. (foto 1)

Em 2000, quando esta pesquisa teve início, a escola atendia a 128 alunos.

No período matutino, funcionavam classes multiseriadas das séries iniciais do Ensino

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72

Fundamental. À tarde, funcionavam o segundo ciclo do Ensino Fundamental, de 5ª a 8ª

séries, em regime modular com o Programa Telecurso 2000, sendo os alunos divididos

em duas turmas: os em idade regular e os com defasagem de idade em relação à série. À

noite, funcionavam duas turmas do MOVA (Movimento Acreano de Alfabetização)

que, posteriormente, foi substituído pelo PRONERA. A escola recebia produtores do

assentamento vizinho (Projeto de Assentamento Boa Água, localizado a 8 km do

Assentamento Colibri) e ribeirinhos.

No momento da pesquisa, o corpo docente da escola era composto, em

sua maioria, de professores sem formação específica, duas professoras com formação

em Nível Médio em Magistério e um engenheiro agrônomo, que é professor e diretor da

escola. Este engenheiro, o Sr. Luiz Carlos, já atuava na comunidade apoiando os

agricultores e, devido à carência de professores, passou a lecionar na escola também. A

escola não possui equipe técnica, mas duas vezes por mês recebe visita de técnicos da

Semec, SESI (enquanto funcionava o Telecurso 2000) e da Universidade.

Em 2000, a escola implantou o Projeto Pronera, Programa Nacional de

Educação Rural em Assentamentos, que é um programa de educação continuada. O

Pronera é financiado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, e executado pela

UFAC. Este inicia-se com turmas de alfabetização que, posteriormente, são

acompanhados nas séries subseqüentes do Ensino Fundamental. As professoras que

atuam como monitoras na alfabetização e primeiras séries do Ensino Fundamental deste

programa são pessoas da própria comunidade, que faziam Ensino Fundamental pelo

Telecurso 2000. Este programa é coordenado pela UFAC, com a participação de

professores do Departamento de Educação e acadêmicos de diversas licenciaturas.

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73

3.5 UM LONGO CAMINHO A SER PERCORRIDO

Analisando o contexto investigado, remontando a da história da educação

rural do Acre dos anos 70 até os dias atuais, com o ensino de seringueiros e índios, em

sua maioria por iniciativa de organizações não governamentais e sociedade civil,

percebe-se que muitos avanços foram conquistados. No entanto, há ainda um longo

caminho ser percorrido, em que barreiras naturais se impõem, como longos períodos de

chuvas, florestas fechadas, estradas precárias, longas distâncias, preconceitos e

aplicação de recursos necessários, para que se afirme que há oportunidades similares de

ensino, na cidade e no campo.

Fonte: arquivo pessoal

Vista frontal da Escola Sebastião Pedrosa de Carvalho Foto: 01

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74

CAPÍTULO IV

PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO-FORMAL

NO PROJETO DE ASSENTAMENTO COLIBRI

Nesse capítulo serão apresentados os diversos projetos que aconteceram

na comunidade do Projeto de Assentamento Colibri nos anos de 1997 a 2002. Os

programas voltados diretamente para a elevação da escolarização da comunidade, tais

como o Pronera e o Telecurso 2000, e os programas que contribuíram indiretamente, o

Projeto de Energia e o Escoteirismo.

A partir de 1997, o INCRA desapropriou a área de terra que hoje

corresponde ao Assentamento Colibri. Antes de serem assentados, os moradores do

lugar eram posseiros que viviam basicamente da agricultura familiar e da pesca39. Com

a implantação do assentamento, o INCRA estabeleceu uma política de monitoramento

dos lotes distribuídos (em sua maioria, para moradores já residentes ali) para otimização

dos recursos e aumento da produção, o que modificou significativamente a dinâmica da

comunidade. É nesse contexto que se desenvolve essa pesquisa.

4.1 PRONERA

As lutas do Movimento dos Sem Terra (MST) iniciou-se prioritariamente

pela conquista da terra. Em seguida, percebeu-se de que só chegar à terra conquistada

não bastava.

39 Essa área era o antigo Seringal Bagaço que, durante o primeiro e segundo ciclo da borracha, foi um centro produtor da borracha. Com a queda do preço da borracha, os antigos seringueiros continuaram em suas colocações sobrevivendo agricultura familiar (os colonos) e da pesca nas margens do Rio Acre (os ribeirinhos).

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75

Nela precisavam aprender a trabalhar e

produzir, dela precisavam viver. Pensavam: Os nossos filhos

precisam estudar mais do que nós... a escola é importante...

ela nos faz falta na vida para fazermos um financiamento

bancário, para entendermos a conjuntura, para fazermos

história, como sujeitos desta história (site do MST).

A percepção da importância da educação levou à organização de escolas

nos acampamentos do MST. A partir desse modelo de educação, com dimensão política,

econômica e social, o Governo Federal criou o Pronera (Programa Nacional de

Educação para a Reforma Agrária), programa específico para atender aos assentamentos

rurais.

No Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), políticas de

reforma agrária e valorização do homem do campo foram algumas de suas prioridades.

Assim, além da distribuição de terras, foram criados programas de educação, como

parte integrante e indispensável do processo de desenvolvimento local e regional

sustentável e inserção do homem do campo.

O Pronera, voltado para a Educação de Jovens e Adultos, foi em lançado

em 1998 pelo então Ministro Extraordinário de Política Fundiária, Raul Jungmann, com

a Portaria Federal n° 10/98. O PRONERA é a expressão de uma parceria entre o

Governo Federal, as Instituições de Ensino Superior e os movimentos sociais rurais,

com o objetivo de promover a educação, em todos os níveis, nos Projetos de

Assentamento da Reforma Agrária.

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76

Segundo o I Censo de Reforma Agrária no Brasil40, em 1995, existem no

Brasil cerca de 23 milhões de trabalhadores no meio rural, sendo que apenas 5 milhões

são classificados como assalariados rurais (permanentes ou temporários). Cerca de 65%

dos assalariados rurais não possuem carteira assinada e apenas 40% desses

trabalhadores possuem trabalho o ano todo. Muitos desses trabalhadores chegam a

trabalhar até 14 horas por dia. Nesse contexto, as mulheres e as crianças são as mais

vulneráveis. A maioria das mulheres realiza dupla jornada de trabalho, dedicando-se à

produção e ao trabalho doméstico. Muitas mulheres e crianças que trabalham no meio

rural não recebem remuneração.

O I Censo de Reforma Agrária no Brasil41 verificou que cerca de 4

milhões de crianças entre 5 e 14 anos trabalham no meio rural nas regiões Sul, Sudeste e

Nordeste do país, o que representa mais de 11% dessa população. Somente 29% das

crianças que trabalham recebem remuneração. Entre as crianças de 5 a 9 anos, somente

7% recebem remuneração. Um grande número de crianças no meio rural não tem acesso

à educação e, entre os adultos, o nível de analfabetismo chega a 70% em algumas

regiões.

Neste contexto, em 1998 é criado o documento “Reforma Agrária –

Compromisso de Todos”, onde o então Presidente da República, Fernando Henrique

Cardoso, destaca que não basta dar terra.

É preciso assegurar programas e ações articuladas de

diversos Ministérios e instituições públicas que promovam a

sobrevivência dos assentamentos: crédito subsidiado para

lavouras e para a construção de moradias, estradas, armazéns,

40 GASQUES, José Garcia e CONCEIÇÃO, Junia Cristina. A demanda de terra para a reforma agrária no Brasil. Disponível no site hpg//gipaf.cnptia.embrapa.br/itens/publ/sober/trab174.pdf, acessado em 22 de março de 2003. 41 Maiores informações no site www.incra.gov.br

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77

escolas, postos de saúde, alimentação das famílias, criação de

cooperativas, entre outras. Em outras palavras, o grande

desafio da Reforma Agrária está em garantir a viabilidade do

assentamento.(site do Pronera)

O objetivo geral do Pronera é fortalecer a educação nos Projetos de

Assentamento de Reforma Agrária, estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e

coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias voltadas para a

especificidade do campo, tendo em vista contribuir para o Desenvolvimento Rural

Sustentável.

Seus objetivos específicos são: alfabetizar e oferecer formação e

educação fundamental a jovens e adultos nos projetos de assentamento;

- desenvolver a escolarização e formação de monitores para atuar na

promoção da educação nos assentamentos;

- oferecer formação continuada e escolarização média e superior aos

educadores de jovens e adultos – EJA – e do ensino fundamental nos assentamentos;

- oferecer escolarização e formação técnico-profissional aos assentados

com ênfase em áreas do conhecimento que contribuam para o Desenvolvimento Rural

Sustentável;

- produzir materiais didático-pedagógicos necessários à consecução dos

objetivos do Programa.

Os beneficiários diretos do PRONERA são jovens e adultos, moradores

de Projetos de Assentamento, anafalbetos e/ou com escolarização fundamental

incompleta; monitores e educadores do ensino fundamental que atuam nos projetos,

coordenadores locais e alunos universitários. Os beneficiários indiretos são, além das

comunidades assentadas, as comunidades adjacentes.

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78

Os princípios técnico-metodológicos do Pronera são:

- Caráter Interativo: as ações são desenvolvidas por meio de parcerias

entre os órgãos governamentais, Instituições de Ensino Superior, movimentos sociais e

sindicais e as comunidades assentadas, no intuito de estabelecer uma interação

permanente entre esses atores sociais, pela via da escolarização continuada;

- Caráter Multiplicador: a educação dos assentados visa a ampliação não

só do número de alfabetizados mas também do número de monitores e de agentes

educadores/mobilizadores nos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária;

- Caráter Participativo: a indicação das necessidades a serem atendidas é

feita pela comunidade beneficiária, que deverá estar envolvida em todas as fases –

elaboração, execução e avaliação – dos projetos.

A principal ação do Pronera é a EJA (Educação de Jovens e Adultos). A

EJA tem por base a educação popular. Os princípios norteadores dessa prática são:

- Princípio do eixo norteador / eixo temático / palavras chaves: o saber se

organiza a partir das situações-problema, temas e palavras-chaves fundamentadas na

história e prática corrente da comunidade e dos indivíduos que a compõem;

- Princípio da integração: as atividades educacionais devem adequar-se

às necessidades identificadas nos assentamentos, considerando inclusive a participação

das mulheres assentadas;

- Princípio da interdisciplinalidade: os conteúdos são desenvolvidos a

partir das relações entre as diversas áreas do conhecimento;

- Princípio da participação ativa do aluno: a dinâmica da

aprendizagem/ensino é construída pelos sujeitos envolvidos no processo.

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79

Para que esses princípios sejam atendidos, deve-se fazer uso de

instrumentos didático-pedagógicos básicos da educação popular. Assim, a proposta do

Pronera para a Educação de Jovens e Adultos corresponde a três etapas: investigação de

temas geradores, eixos temáticos ou palavras-chaves; codificação/decodificação dos

problemas levantados, contextualizando-os criticamente; e a ação concreta visando a

superação de situações limites.

O processo de alfabetização do PRONERA tem duração de 12 meses,

com 400 horas presenciais. Possui o objetivo de criar condições para que a cidadania

possa ser exercida em sua plenitude.

No Estado do Acre, o Pronera teve início em janeiro de 2000, a partir de

uma parceria entre o INCRA e a Universidade Federal do Acre. O programa seria

destinado a oito assentamentos no Acre, o quais são Colibri, Boa Água, Alcobrás,

Moreno Maia, Remanso, Triunfo, Caquetá e Cumaru. O Pronera contou com parceria do

MOVA (Movimento de Alfabetização), que já atuava com alfabetização de adultos em

muitas comunidades, FETACRE (Federação dos Trabalhadores em Agricultura do

Acre), sindicatos, CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros) e ONGs que já

realizavam ações nos assentamentos.

Na primeira fase do Pronera no Acre, foram cadastrados 90 monitores

(professores oriundos dos assentamentos), 1.800 alunos, 30 estagiários (alunos

universitários) e montadas 90 salas de aula.

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80

Segundo relatórios semestrais elaborados pela coordenação do Pronera,

houve algumas dificuldades na implantação e operacionalização do programa e nem

todos os princípios e metas do programa puderam ser cumpridos42.

Inicialmente, o Pronera foi coordenado por uma equipe de professores da

UFAC, oriunda de diversos departamentos, como Letras, Educação, Geografia, História

e outros. Estes construíram um plano de ação para a execução do Pronera. O primeiro

problema foi o corte de recursos para remuneração dos professores da UFAC, o que

levou ao desligamento de todos estes do programa.

O Pronera começou suas atividades no mês de janeiro de 2000. No

Estado do Acre esta época é marcada por fortes chuvas, muitos ramais fecham e as

estradas ficam quase intrafegáveis. Neste período, é comum interromperem as aulas nas

áreas rurais, devido à baixa freqüência dos alunos43. No Projeto de Assentamento

Colibri foram cadastradas 80 pessoas, e na primeira semana de aula quase metade havia

desistido.

Devido à baixa densidade demográfica, cada turma do Pronera abrangia

uma cobertura espacial muito grande, com conglomerados populacionais ligados por

picadas abertas na mata, que implicava em exaustivas caminhadas até a sala de aula. No

Assentamento Colibri, quatro turmas foram montadas: duas funcionaram na Escola José

Pedrosa de Carvalho, localizada no centro de integração do Colibri, e outras duas

turmas funcionaram na Escola Santa Lúcia, próxima aos ribeirinhos.

42 Para maiores informações ver Relatórios de Atividades do Pronera/AC, do Projeto Ações Integradas para Educação de Jovens e Adultos nos Assentamentos de Reforma Agrária no Estado do Acre, jan/jun 2001, jul/nov 2001, dez/mar 2002, abril/dez 2002, convênio INCRA/FUNDAPE/UFAC – PRONERA. 43 No Acre, as chuvas tem início em novembro e se estendem até março. As aulas são repostas nos meses de estiagem das chuvas, o chamado “verão amazônico”, entre abril a outubro. Esta adequação está prevista na LDB n° 9394/96, Art. 28.

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81

A proposta pedagógica seria voltada para os interesses da comunidade,

como temática do uso da terra como condição para uma produção autônoma, com

relativa fartura e dignidade da família como um todo.

O projeto propunha o aproveitamento de pessoas da própria comunidade

como professores do programa. No entanto, devido à baixa escolaridade da maioria dos

selecionados, a Coordenação do Pronera promoveu um sistema de educação continuada,

em que eram revisados aos professores conteúdos básicos de Matemática, Ciências,

Português, e outros conteúdos obrigatórios no currículo. Na UFAC foram criadas salas

de ensino supletivo de Ensino Fundamental para os monitores que ainda não haviam

atingido este grau de escolaridade. No Assentamento Colibri, foram selecionadas

pessoas que haviam concluído o Telecurso 2000 de Ensino Fundamental para

lecionarem nas turmas de alfabetização.

Na segunda fase do Programa foi colocada como meta principal

contornar os problemas da primeira fase. Houve uma reestruturação da equipe,

diminuição do número de monitores, capacitação dos estagiários e maior

acompanhamento do trabalho pedagógico. Quanto aos alunos, constatou-se que um dos

maiores problemas da comunidade era a pouca visão, a maior parte dos alunos estava

em idade avançada. Assim, providenciou-se consultas oftalmológicas para os alunos,

através de parceria com a Secretaria de Saúde, e o Incra providenciou a compra de

óculos para os mesmos.

Na terceira fase do Pronera (dez/2001 a mar/2002) novas metas foram

estabelecidas, como a implantação da primeira fase do Ensino Fundamental (1ª a 4ª

série) nos assentamentos e montagem de instrumentos de avaliação de desempenho dos

alunos, monitores, estagiários e equipe de coordenação.

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82

Com a descontinuidade do Telecurso 2000 no Projeto de Assentamento

Colibri, por questões políticas, o Pronera montou uma turma com o 2° ciclo do Ensino

Fundamental, onde foram resgatados os alunos que estavam sem estudar por falta de

ensino neste nível.

O Pronera ainda está em andamento e sua proposta ainda está em

construção. Os resultados apresentados são parciais e, gradativamente, os problemas

estão sendo assumidos pelo grupo e superados.

4.2 O TELECURSO 2000

O Telecurso 2000 é um programa criado pela Fundação Roberto

Marinho, em 1995. Nesta época, ainda estava em vigor a LDB nº 5692/71, que

normalizava o ensino de 1° e 2° graus e o profissionalizante. Assim, a proposta

pedagógica do Telecurso 2000 incidia sobre os conteúdos básicos desses graus de

ensino. Com a nova LDB n° 9394/96, o Telecurso 2000 se adequou às novas exigências

para o Ensino Fundamental e Médio (que substituíram a estrutura e a nomenclatura dos

1° e 2° graus).

O Telecurso 2000 pode ser desenvolvido através da aprendizagem

individual (solitária, isto é, quando a pessoa aprende sozinha, por esforço próprio); e/ou

aprendizagem em grupo (grupal, isto é, quando algumas pessoas se organizam em um

determinado espaço, tendo orientações de um instrutor).

A proposta pedagógica do Telecurso 2000, além de desenvolver o

ensino-aprendizagem dos conhecimentos básicos, busca expor o aprendiz à situações de

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vida que lhe permitam construir e solidificar atitudes de cidadania indispensáveis ao

desenvolvimento individual da sociedade.44

Os princípios norteadores do currículo do Telecurso 2000 são: educação

para o trabalho, ensino contextualizado, aprendizagem de habilidades básicas e

construção da cidadania.

Educação para o trabalho – A produtividade do trabalhador não é mais

avaliada pela sua maestria numa determinada tarefa, mas pela sua habilidade de

aprender, de transferir/aplicar o aprendido, num contexto de aprendizagem contínua.

Novas competências são exigidas do trabalhador, tais como a capacidade de relacionar,

integrar conhecimento e trabalho.

Assim, o Telecurso 2000 é destinado a jovens e adultos que, pelas razões

mais variadas, se inseriram no mercado (formal ou informal) de trabalho.Para esses, o

Telecurso 2000 busca promover uma educação básica que possibilite uma melhoria das

condições individuais de vida e trabalho e, conseqüentemente, da produção nacional.

Educar para o trabalho envolve, entre outros aspectos, a produtividade nas diferentes

áreas da economia, como elevação da produtividade, diminuição do desperdício e das

taxas de acidentes de trabalho, e melhora da qualidade de vida do trabalhador.

Ensino contextualizado – É no local de trabalho que se pode conjugar

aprendizagem e transferência do que foi aprendido (relação teoria-prática). Num

contexto em que as competências do indivíduo são evidenciadas/avaliadas através de

seu desempenho, em que a natureza do trabalho vem se tornando cada vez mais

conceitual e abstrata, há a necessidade de romper a distância entre educação na escola e

educação no trabalho. Assim, o local de trabalho torna-se, portanto, um lugar

44 Informações extraídas da Síntese das Propostas Pedagógicas do Telecurso 2000, da Fundação Roberto Marinho e FIESP/SIESP/SESI/SENAI/IRS, 1995.

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privilegiado para o ensino de habilidades básicas, permitindo uma integração mais

próxima entre o saber e o fazer.

Aprendizagem de habilidades básicas - As habilidades consideradas

básicas para a vida em sociedade variam conforme o tempo e o espaço. O programa

Telecurso 2000 considera como competências básicas para a atual sociedade “pós-

industrial” ler, escrever, saber matemática e aritmética, falar e ouvir com atenção. Nessa

formação são necessárias as competências cognitivas, que são as habilidades para

aprender, para pensar criticamente, para tomar decisão e para resolver problemas; e o

desenvolvimento de qualidades pessoais que se projetam para a responsabilidade

individual, auto-regulação, sociabilidade, integridade de caráter e auto-estima positiva.

Construção da cidadania – A formação profissional seria vinculada à

construção da cidadania. Assim, o programa educacional deve propiciar ao cidadão

condições para que exerça funções políticas, produtivas e culturais. As atitudes

exploradas nesse programa são: a) valorização da escola, da criança, do bem público, da

honestidade, da pontualidade, do hábito de ler e escrever; b) respeito ao idoso, às

religiões, ao próximo, aos espaços públicos, às diferenças individuais, a horários, a

direitos, ao patrimônio histórico; c) combate ao desperdício (de energia, de alimentos,

dinheiro, recursos), à fome, à violência, às desigualdades sociais; d) compromisso com a

educação, com os direitos e deveres do cidadão/trabalhador; e) cultivo das raízes

culturais, dos processos democráticos de autodeterminação política e cultural e de

organização comunitária.

A metodologia para o programa Telecurso 2000 foi construída a partir

desses quatro princípios básicos: educação para o trabalho, ensino contextualizado,

aprendizagem de habilidades básicas e construção da cidadania.

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85

A proposta pedagogia do Programa Telecurso 2000 segue a linha

cognitivista e construtivista. A teoria cognitivista, cujo principal teórica é Jean Piaget,

aborda o desenvolvimento mental do ser humano no campo do pensamento, da

linguagem e da afetividade. O desenvolvimento cognitivo se realiza em estágios.

Nestes, a natureza e as características da inteligência mudam com o tempo.

O desenvolvimento cognitivo ocorre a partir de quatro conceitos básicos:

a) Esquemas – São estruturas com que os indivíduos intelectualmente se adaptam e

organizam o ambiente; b) Assimilação – É o processo cognitivo de colocar novos

objetos em esquemas já existentes; c) Acomodação – Envolve a modificação dos

esquemas para corresponderem aos objetos da realidade; d) Equilíbrio – É um processo

ativo pelo qual uma pessoa reage a distúrbios ocorridos em sua maneira comum de

pensar, através de um sistema de compensações, que resulta em equilíbrio. Este

processo não ocorre só na infância, mas acompanham toda a vida do indivíduo.

Para Piaget, esta teoria é uma importante fonte de análise na escola.

A escola precisa reconhecer a evolução mental

do indivíduo, considerando os interesses e necessidades de

cada período. Os métodos desempenham um papel decisivo

no desenvolvimento do espírito. Podem aumentar o

rendimento dos alunos e mesmo acelerar seu crescimento

espiritual, sem prejudicar sua solidez. (PIAGET, 1962,

p.177).

A segunda base teórica do Programa Telecurso 2000 é o Construtivismo.

O Construtivismo é resultado da busca pela compreensão de como o indivíduo constrói

o conhecimento e das mudanças qualitativas no desenvolvimento intelectual. O

Construtivismo teve como teóricos Jean Piaget, Emília Ferreiro, Ana Teberosky,

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Vigostsky e outros. Para Piaget (1986) todo ser vivo se adapta ao ambiente e é

organizado de um modo que possibilita a adaptação. A mente e o corpo não funcionam

independentemente um do outro e a atividade mental se submete às mesmas leis que,

em geral, governam a atividade biológica. A inteligência está ligada à Biologia no

sentido em que herdamos estruturas anatômicas, bem como o modo de funcionamento

mental. Sobre esta base biológica, o homem constrói o conhecimento.

Em 1999, com o projeto de energia em andamento, buscou-se apoio do

Sesi para implantação do Telecurso 2000 no Projeto de Assentamento Colibri. Até

então, neste lugar, havia apenas uma pequena escola, há seis quilômetros dali, que

atendia de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental, com uma sala multisseriada, a Escola

Santa Lúcia.

A implantação de uma tele-sala na comunidade foi viável devido à

instalação de placas solares, que possibilitava o uso da TV e vídeo cassete para as tele-

aulas. Com a implantação da primeira turma, o SESI ofereceu aos professores que

atuariam na tele-sala um Curso de Capacitação de Multiplicadores. A aula inaugural foi

um evento memorável para a comunidade. Técnicos do SESI fizeram uma avaliação de

desempenho da turma, que serviria como diagnóstico para a ação pedagógica.

No início do primeiro módulo, as três primeiras avaliações de

aprendizagem foram realizadas pela equipe da UFAC, sendo estas, gradativamente,

deixadas a critério dos professores locais.

O acompanhamento pedagógico foi feito pelo próprio SESI, através de

uma equipe técnica. O SESI forneceu à tele-sala implantada, vídeos e material didático

de apoio. As aulas foram enumeradas e acompanhadas através de uma ficha de

avaliação, que era examinada pela equipe técnica.

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Há cada dez aulas, o professor fazia uma avaliação de aprendizagem. Se

a disciplina tivesse duração de 90 horas, o professor deveria fazer nove provas, cujas

notas seriam somadas e divididas pela quantidade de provas e se extraia a média final.

Ao iniciar o módulo, o professor recebia do SESI o conteúdo

programático. A partir do conteúdo, este elaborava suas aulas, apresentava vídeos do

TC 2000 e fazia avaliações. Enquanto atuava no Assentamento Colibri, o SESI utilizava

fichas de acompanhamento do aluno, que davam conta apenas do ponto de vista do

ensino. No entanto, eram providenciados mensalmente encontros pedagógicos, onde os

professores tinham a oportunidade de discutir seus problemas, tirar dúvidas e receber

sugestões.

O SESI, através da Coordenação de Educação do Trabalhador, em

parceria com a UFAC, SEMEC e SENAR, desenvolveu atividades no Projeto de

Assentamento Colibri por três anos. Sua primeira meta era formar uma turma de jovens

e adultos trabalhadores rurais com o Ensino Fundamental. A partir do sucesso da

primeira turma, com excelentes índices de rendimento (dos 23 alunos matriculados, 22

concluíram o curso), uma outra turma foi criada, abrangendo inclusive alunos mais

jovens com baixa defasagem de idade em relação asérie (não havia o segundo ciclo do

Ensino Fundamental ali). No entanto, após 18 meses, essa segunda turma foi

descontinuada por falta de entendimento entre as secretarias de Educação estadual e

municipal na liberação de recursos para este fim.

Até o momento da produção dessa dissertação, as aulas do Telecurso

2000 ainda não haviam sido retomadas no Projeto de Assentamento Colibri.

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88

4.3 PR0JETO DE ENERGIA SOLAR E BIOGIGESTÃO

O projeto de energia solar e biodigestão, denominado Projeto de

instalação de uma unidade de demonstração com energia solar e biodigestão na

Associação de Produtores Rurais do Projeto de Assentamento Colibri, no município de

Rio Branco, executado pela Universidade Federal do Acre, através da Pró-Reitoria de

Pesquisa e Pós-Graduação, teve seu início em 1997, com a liberação da primeira parcela

de recursos financiados pelo PTU/CNPq e Prodeem/MME, sendo que a execução física

iniciou-se em 1998 e foi concluída em dezembro de 200045.

Em 1997, o Estado do Acre encontrava-se entre os Estados Brasileiros

que apresentam um dos menores índices de eletrificação rural, inferior a 5%. Aspectos

geográficos referentes a extensão territorial e a pouca densidade demográfica

representaram obstáculos para o suprimento de energia elétrica. As poucas perspectivas

em relação aos benefícios sociais que podem ser alcançados com a energia elétrica vêm

contribuindo para a migração de famílias e jovens de comunidades isoladas para as

periferias urbanas.

Assim, visando suprir a carência social e econômica de uma comunidade,

como um projeto-piloto, o Projeto de Energia e Biodigestão46 foi desenvolvido numa

comunidade em fase de mudanças, o Assentamento Colibri. A execução do projeto

contou com a participação de profissionais dos Departamentos de Ciências da Natureza

(DCN), Engenharia Civil (DEC), Superintendência do Campus e outros profissionais

das instituições e entidades parceiras.

45 Informações extraídas do Relatório Técnico Científico Final do Projeto de Instalação de Uma Unidade de Demonstração com Energia Solar e Biodigestão em uma Associação de Produtores Rurais no Município de rio Branco, UFAC/CNPq, março de 2002. 46 O processo de biodigestão ocorre com o uso de um equipamento (biodigestor) onde se realiza, controladamente, a fermentação anaeróbica de biomassa, a fim de obter biogás.

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Para implementação do projeto foi necessário estruturar o laboratório de

energia solar do Campus da UFAC e também desmembrar, com o apoio da Associação

de Produtores Rurais, uma área de terra com 2.500 m², para abrigar as instalações físicas

que foram construídas com os recursos alocados pelo CNPq e pelas entidades parceiras.

O objetivo primário do projeto era a instalação de uma unidade de

demonstração como fonte alternativa de energia, contemplando a utilização de energia

solar e biodigestão. Concomitante com a instalação desses instrumentos seriam

desenvolvidas ações integradas nas áreas de ensino, saúde e produção, visando o

fortalecimento do associativismo na zona rural. A partir desse projeto, seria possível

acontecer trabalhos de pesquisa e extensão na área de abrangência do projeto.

O projeto tinha como metas a instalação de painéis fotovoltaicos,

construção de um biodigestor, construção de uma microcozinha industrial, instalação de

secadores solares para grãos e desidratação de frutos e estruturação de um laboratório de

energia solar.

As metas alcançadas foram:

- Um sistema fotovoltaico (900W) que atende o suprimento de energia da

escola com iluminação e funcionamento do Telecurso 2000 (TV e vídeo). Isto favoreceu

a programas de alfabetização em horário noturno e a programas educativos com auxílio

de tecnologia (foto 2);

- Um sistema fotovoltaico (1800W) que atende o sistema de

bombeamento de água, a cozinha industrial e um freezer para conservação dos

alimentos;

- Instalação física de um biodigestor, projetado para operar com esterco

bovino, com capacidade para armazenar 8m³ de biogás e 30m³ de biofertilizante. Fez-se

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90

também a capacitação dos trabalhadores rurais para operacionalização desses

instrumentos (foto 3);

A construção da cozinha industrial foi equipada para atender a produção

industrial em pequena escala de leite, frutas e outros produtos agrícolas da comunidade.

Em parceria com o SENAR, a comunidade foi atendida com cursos de fabricação de

queijo, doces, compotas e outros para utilização dessa cozinha;

- Foi construída uma revenda (18 m²) para apoiar a comercialização dos

produtos oriundos da cozinha industrial. Os trabalhadores rurais tiveram cursos de

empreendedorismo e negócios, para estimular a comercialização dos produtos;

- Foi construída uma unidade de beneficiamento da mandioca (144 m²)

para a produção da farinha de mandioca, a goma e o caldo do tucupi. Boa parte dos

trabalhadores da região plantava mandioca e perdia sua colheita por não conseguir

escoar sua produção. Com a “casa de farinha” (como é chamada essa instalação na

região), foi agregado ao seu produto maior valor econômico. Para melhor

aproveitamento dessa instalação, a Emater levou cursos de industrialização da mandioca

e cooperativismo. Assim, os produtores puderam trabalhar em regime de parceria;

- Foi construída uma unidade de beneficiamento do arroz (15m²),

também acompanhado de capacitação dos assentados rurais;

- Através de parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SEMEC)

foi possível construir a Escola Municipal Sebastião Pedrosa de Carvalho em madeira

(160m²), com capacidade para tender 80 alunos por turno. A escola foi construída

próxima aos outros aparelhos sociais, na parte central do assentamento. Essa escola não

apenas atende aos alunos da comunidade, como se tornou o espaço para reuniões da

Associação de Produtores Rurais do Colibri e do Grupo de Escoteiros.

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91

O Projeto de Energia e Biodigestão teve, como metodologia, todas as

atividades desenvolvidas a partir de ações integradas de diversos órgãos, como

Universidade Federal do Acre - UFAC, Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária - INCRA, Secretaria Executiva Assistência Técnica e Extensão Rural -

SEATER, Serviço Social da Indústria - SESI, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

- SENAR, Eletronorte, Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e

Municípios do Ministério de Minas e Energia - Prodeem/MME e Comissão Estadual de

Energia. Nesta parceria, o componente Energia atua como elo agregador, sendo o

componente Educação o elo de sustentação para as ações de médio e longo prazo.

Assim, foi montado um conselho, com representantes de diversos

segmentos e da comunidade, para a implementação da tecnologia. Todas as demais

ações voltadas para a comunidade tiveram como coordenação a estrutura do centro de

integração, evitando assim, ações paralelas. O gerenciamento da unidade de

demonstração contou com a participação majoritária dos membros da comunidade e da

associação de produtores rurais. A temática energia permeou todas as ações do projeto.

Esta foi um fator motivador, tanto na geração de renda como na melhoria da qualidade

de vida. A temática educação, tão valorizada quanto a energia no projeto, permitiu a

assimilação e consolidação da tecnologia, além da promoção de valores culturais e o

exercício da cidadania.

Como resultados quantitativos, houve a ampliação da oferta de vagas,

elevação da escolaridade na comunidade, formação de grupo de escoteiros e formação

de monitores para atuação na alfabetização de adultos (oito ex-alunos do Telecurso

2000, formados na comunidade, passaram a atuar monitores do Pronera), capacitação de

adultos através da extensão rural (foram oferecidos 25 cursos as moradores do

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92

Assentamento Colibri), fortalecimento do associativismo (cooperativismo, legislação

ambiental, crédito rural, mecanização agrícola, entre outros, foram temas de palestras na

comunidade) e infra-estrutura na área de colonização (abertura e melhoramento de

ramais, construção de barragens e aragem e gradagem de solo).

Como resultados qualitativos, houve a elevação da oferta e da qualidade

das ações educativas, articulação e integração das ações entre os parceiros, ampliação

do nível de cooperação interinstitucional, ampliação do intercâmbio entre os

profissionais das instituições parceiras e a comunidade e elevação da consciência da

comunidade sobre a importância da preservação ambiental.

Graças ao projeto-piloto de Energia, foi possível firmar um Acordo de

Cooperação Técnica entre o Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e

Municípios (PRODEEM/MME) e Eletronorte para instalação de 120 sistemas

fotoválticos destinados a escolas rurais e postos de saúde nos municípios acreanos.

Apesar do Projeto de Energia ter sido concluído em 2000, as ações

iniciadas com o projeto ainda continuam. A UFAC, através do Laboratório de Energia,

continua fazendo a manutenção dos aparelhos construídos na comunidade e auxiliando a

Associação de Produtores Rurais quando solicitados47.

47 Duarte, A. F. e Santos, F. E. A. Implementação do uso de fontes alternativas de energia em comunidades rurais do Estado do Acre, Anais do VIII Congresso Brasileiro de Energia (CBE), Dezembro de 1999, pp. 1431 a 1438.

Page 93: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

93

3.4 PROJETO LUMIAR

O projeto Lumiar foi desenvolvido pela Coopeagro (Cooperativa de

Assistência Técnica, Extensão Rural e Consultoria Agropecuária Ltda.) em 1999. A

Cooperagro fez um levantamento das potencialidades e limitações do Assentamento

Colibri. Após esse levantamento, estabeleceu linhas de ações em diversos setores, como

educação, economia, produção, saúde, infra-estrutura, política social e etc48.

Quanto à educação, o Projeto Lumiar estabeleceu como prioridade

alocação de recursos para construção de uma nova escola e compra de recursos

didáticos, construção de áreas destinadas à realização de práticas esportivas,

formalização de parcerias, realização de cursos voltados para o associativismo e

realização de mutirões.

48 Informações adicionais podem ser encontradas no documento Diagnóstico da Realidade Atual do Projeto de AssentamentoColibri. Cooperagro, Rio Branco, janeiro de 1999.

Placas de Energia Solar

Biodigestor

Fonte: arquivo pessoal

Fonte: arquivo pessoal

Foto: 02

Foto: 03

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94

3.5 OS PROGRAMAS E A COMUNIDADE

Em todas as ações dos programas, a educação foi considerada fator

fundamental para a incorporação das mudanças propostas e o uso de tecnologias no

trabalho rural. Além da orientação dos técnicos quanto ao cultivo, construção de

instalações adequadas, melhoria da qualidade dos produtos, o Projeto Lumiar realizou

cursos sobre fruticultura, ampliação de viveiro de mudas, realização o controle

fotossanitário, monitoramento de praga e análise e correção do solo.

A partir do Projeto Lumiar foi possível diagnosticar as potencialidades

econômicas da comunidade do Projeto de Assentamento Colibri e, a partir da integração

com outros projetos, a comunidade pode ser beneficiada.

Os programas citados nesse capítulo não foram os únicos desenvolvidos

no Projeto de Assentamento Colibri. Outros programas também foram atuantes, tais

como o MOVA (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos), SESI Educa e

SENAR (Serviço Nacional de aprendizagem rural). No entanto, estes não estavam em

funcionamento no momento da pesquisa.

Os programas investigados, independentes de suas especificidades e

concepções político-pedagógicas, foram significativos na sua contribuição pela

valorização e o resgate da cidadania do homem do campo.

O Pronera tem como pressuposto teórico a Pedagogia Libertadora. No

entanto, o programa não previu em seu cronograma um levantamento das necessidades

e interesses da comunidade, isto é, um conhecimento da realidade em seus múltiplos

aspectos econômico, cultural e social, bem como dimensionamento da demanda efetiva

de serviços oferecidos e das condições de viabilizar a propostas. O programa não previa

Page 95: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

95

tempo para formulação de material pedagógico e consolidação das parcerias. Às

pressas, o material didático foi construído no interior da Universidade Federal do Acre

(UFAC) e não foi bem aceito pelos alunos dos assentamentos. Posteriormente, o

material didático sofreu alterações e foi mais bem aceito.

O Telecurso 2000 foi o programa educacional mais elogiado pela

comunidade, muito embora tenha havido algumas críticas ao seu funcionamento. O

Telecurso 2000 levou a perspectiva de maiores graus de escolaridade na comunidade.

Até antes da sua implantação, os alunos estudavam até a 4ª série do Ensino

Fundamental e muitos vinham para a cidade continuar seus estudos ou paravam de

estudar. Assim, com este programa, os produtores puderam manter seus filhos consigo

no assentamento e proporcionar uma educação que, em sua maioria, não tiveram na

juventude.

Page 96: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

96

CAPÍTULO V

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Antes da estruturação dos roteiros de entrevista, foram feitas várias

incursões na comunidade para participação de reuniões com os moradores, conversas

informais e observação das ações dos projetos para seleção das perguntas relevantes que

levariam às respostas das questões levantadas na pesquisa. Foi construído um primeiro

roteiro de entrevista que, após aplicação, verificou-se a necessidade de modificações.

Em seguida, para a pesquisa de campo foram elaborados dois roteiros de

entrevista: um destinado aos técnicos, coordenadores e instrutores dos programas

implantados no Projeto de Assentamento Colibri; e o outro roteiro de entrevista foi

aplicado aos moradores da comunidade assistidos por esses programas. Algumas

questões foram genéricas tendo em vista as peculiaridades dos diferentes programas e

das condições de atendimento e operacionalização na comunidade. O foco dos roteiros

de entrevista foi na definição do perfil dos entrevistados, no envolvimento destes com a

comunidade, na percepção dos entrevistados em relação aos programas e no

aproveitamento dos conhecimentos aprendidos.

O roteiro de entrevista dirigido aos professores do Pronera foi aplicado

durante um curso de capacitação que ocorreu no mês de dezembro de 2002. Antes da

entrevista, fez-se uma reunião com esses professores, onde foram informados quanto ao

objetivo da pesquisa e, a seguir, foram entrevistados. As demais entrevistas foram

dirigidas aos técnicos dos Programas Telecurso 2000, Lumiar e de Energia nas sedes de

operação, sendo respectivamente no SESI, Cooperagro e UFAC, em horário combinado

para as entrevistas.

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97

Basicamente, nas respostas dos roteiros de entrevistas aplicados aos

técnicos e professores dos programas educacionais implementados no Assentamento

Colibri, fez-se dois tipos de tabulações: tabulação simples e tabulação com respostas

múltiplas. A amostra foi de 13 entrevistados.

Quanto ao segundo roteiro de entrevista, destinado à comunidade

atendida pelos programas, houve dificuldades na sua aplicação. No mês de dezembro,

os programas educacionais entraram em recesso e isso representou uma dificuldade na

localização desses alunos. Mesmo assim, fez-se um esforço de encontrá-los em suas

propriedades rurais, e isso demandou mais tempo do que o previsto.

Outra dificuldade na entrevista com os alunos foi a estação chuvosa. No

mês de dezembro é período chuvoso, o que dificulta o acesso aos moradores do

Assentamento Colibri. Em dias de chuva, alguns trechos do Ramal do Limoeiro49 ficam

totalmente interditados. Há ainda o fato de que muitos vão para a cidade até que passem

as chuvas e as atividades do assentamento recomecem, como o plantio, a colheita, a

produção de farinha, o escoamento da produção, entre outras. Assim, foram necessárias

oito visitas à comunidade, percorrendo longos trechos a pé em ramais, para as

entrevistas. A amostra foi de 34 entrevistados.

5.1. Apresentação e Análise de Dados – Roteiro de Entrevista 1 5.1.1. Perfil dos sujeitos de pesquisa.

Segundo dados coletados, a maioria dos entrevistados é composta por

mulheres, cerca de 10 dos 13 entrevistados. Este fenômeno é comum no Brasil, onde há

predominância de mulheres nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Segundo Kurek

(2000), quando a mulher conquistou o direito à educação, em 1827, foi vedado a elas o 49 Ramal é um termo regional que indica estrada de chão que dá acesso a propriedades rurais.

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98

ensino superior, com exceção das escolas normais. A feminização da educação

aconteceu a partir do momento em que os homens abandonaram o magistério em busca

de novas oportunidades de trabalho surgidas com a industrialização e urbanização,

restando às mulheres assumirem o magistério.

A faixa etária da maioria dos entrevistados, sete dos 13, está entre 20 e

30 anos. Esse dado pode ser explicado pelo fato de o Pronera atuar com um quadro de

acadêmicos de diversas Licenciaturas, além de jovens com maior instrução indicados

pela própria comunidade para atuarem em salas de alfabetização. Os demais

entrevistados encontram-se nas faixas etárias entre 30 a 40 anos (cinco entrevistados) e

40 e 50 anos (um entrevistado).

Quase metade dos entrevistados reside na comunidade (46%). Os demais

viviam na cidade de Rio Branco, e se deslocavam para a comunidade para atuarem nos

projetos (54%). A presença de moradores da comunidade entre professores e técnicos se

dá pelo fato de que alguns programas tinham como meta a participação da comunidade

na sua implementação. O Pronera recrutou moradores da comunidade com maior

instrução e os capacitou para atuar no programa e o Telecurso 2000 aproveitou alguns

professores que lecionavam nas séries iniciais da escola Sebastião Pedrosa de Carvalho

para assumir a tele-sala implantada ali.

Dos seis que vivem na comunidade, dois terços, isto é, quatro

professores recebem apoio financeiro para a produção. Isto indica que, além de

participarem dos programas como professores, estes são produtores rurais ativos.

Quanto à formação, quatro entrevistados possuem o Ensino

Fundamental, cinco possuem o Ensino Médio (neste grupo se incluem acadêmicos da

UFAC e os com Magistério), e quatro possuem Ensino Superior. A existência de

Page 99: Educação rural no projeto de assentamento colibri em Rio Branco ...

99

professores atuando apenas com o Ensino Fundamental se deu pelo fato de o Pronera ter

adotado como requisito mínimo a escolaridade a Nível Fundamental para professores

alfabetizadores. Alguns destes professores foram ex-alunos do Telecurso 2000 da

primeira turma implantada na comunidade pelo SESI.

É importante ressaltar que esse número não é simular à média do Estado

do Acre que, nos últimos cinco anos, tem adotado uma política de formação de

professores através de programas como o Proformação, para formação de professores no

o Magistério, e ProSaber, para a formação de professores com o Curso de Pedagogia e

outras licenciaturas.

5.1.2. Atuação dos entrevistados na comunidade

Dos 13 entrevistados, nove atuaram como professores ou instrutores e

quatro como coordenadores. Do total, oito professores tinham alguma ligação com a

Associação de Produtores Rurais do Assentamento Colibri, alguns como liderança,

outros como membros ou colaboradores. A pesquisa aponta ainda a participação desses

profissionais em outras instancias sociais da comunidade, como as igrejas locais,

cooperativa e grupo de escoteiros50. No Assentamento Colibri existem apenas duas

igrejas: a Igreja Assembléia de Deus, localizada no centro da comunidade, e a Igreja

Católica. Segundo relatório do INCRA (2002), há a predominância de evangélicos no

assentamento (60%).

50 O Grupo de Escoteiros foi atuante no ano de 2000, com a presença de adolescentes na escola Sebastião Pedrosa de Carvalho. Além de atividades lúdicas, foram trabalhados princípios de moral, respeito mútuo e outros valores sociais.

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100

5.1.3. A prática educacional dos entrevistados

Os dados apontam que sete entrevistados participavam pela primeira vez

na educação em comunidades rurais, quatro dos entrevistados haviam tido experiências

curtas de até um ano e três tinham mais de ano de experiência.

5.1.4. Motivos que levaram a participar do programa

Dos 13 entrevistados, nove afirmaram que foram movidos pela vontade

de ajudar a comunidade e ver a comunidade crescer. As demais respostas (questão

aberta) tiveram certa similaridade: dois entrevistados afirmaram se identificar com o

programa, três participaram do projeto por haver necessidades de professores no

assentamento e um foi indicado pela comunidade e quis corresponder a confiança

depositada nele. Assim, percebe-se nas respostas um espírito de solidariedade e

compromisso com a educação da comunidade investigada.

5.1.5. Metas dos programas (questão aberta).

As respostas foram variadas: três afirmaram que a meta principal do

programa seria a melhoria da qualidade de vida, três afirmaram que seria a conclusão de

uma turma de Ensino Fundamental, três apontaram a elevação da escolaridade como

meta, dois afirmaram que seria a erradicação do analfabetismo entre os agricultores do

assentamento e dois não souberam responder. As respostas foram variadas tendo em

vista a diversidade e a natureza dos programas investigados.

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101

5.1.6 Diretrizes metodológicas do programa (questão aberta).

Esta foi a questão mais polêmica, pois muitos não tinham formação

pedagógica e nem mesmo experiências com programas educacionais. As respostas

foram confusas e contraditórias, no que se refere a temas como planejamento, técnicas

de ensino, utilização de recursos e avaliação da aprendizagem. Isto revelou uma

fragilidade na execução da proposta oficial dos programas. Muitos desconheciam a

propostas do programas, mesmo estando a serviço deste.

As respostas à questão seguinte, que se refere às contribuições que os

entrevistados fizeram ao programa, indicaram que 85% dos entrevistados fizeram

modificações no programa. Quando questionados quanto a essas contribuições, as

respostas foram variadas, tais como utilização de outras técnicas de ensino, de

conhecimentos e recursos locais, acréscimo de mais informações (os universitários

afirmaram utilizar conhecimentos adquiridos na academia), construção de recursos

didáticos e conhecimento prático.

5.1.7. Fatores favoráveis à implantação dos programas (questão de múltipla

escolha)

A opção mais indicada como favorável à implantação do programas foi a

organização da comunidade (11 respostas). As demais respostas foram a existência de

outros programas na comunidade (07 respostas), a agregação do projeto à atividade

econômica (05 respostas), o apoio estatal (01 resposta) e a existência de infra-estrutura

(01 resposta). Os 13 entrevistados emitiram 20 resposta, com uma média de 1,5 resposta

por entrevistado. As respostas mais indicadas têm uma relação intrínseca. A

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102

comunidade foi receptiva a novos programas devido a existência de programas que

satisfizeram suas expectativas com relação à produção e melhor economia. Esses

projetos impulsionaram a uma conscientização pela necessidade da educação como

forma de melhoria de vida e retorno econômico. A educação, para esta comunidade,

teve um sentido emancipatório, o que motivou a ansiarem por uma educação de

qualidade e acessível a estes.

5.1.8. Fatores desfavoráveis à implantação dos programas (questão de múltipla

escolha)

Os principais obstáculos na implantação dos programas, segundo os

entrevistados, foi a resistência da comunidade (06 respostas), a baixa-estima dos alunos

(05 respostas), recursos limitados (04 respostas) e despreparo dos professores (03

respostas). Os 13 entrevistados forneceram 18 respostas, numa média de 1,4 resposta

por entrevistado.

O item mais indicado nesta questão foi a resistência da comunidade.

Aparentemente parece contraditório em relação à questão anterior. O fato é que a

resistência não foi ao programa, mas ao material didático utilizado. Isto foi

especialmente notório no Programa Pronera, cujas apostilas foram desenvolvidas por

professores da universidade nas áreas específicas do currículo longe do contexto em que

seria utilizado. Com a rejeição inicial, o material didático foi reformulado e os alunos

atendidos ficaram satisfeitos.

O segundo fator que dificultou a implantação dos projetos, conforme

respostas dos entrevistados, foi a baixa-estima. Isto é comum entre pessoas que já por

muitos anos se sentem excluídas da sociedade por terem baixa ou nenhuma

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103

escolaridade. O sentimento de insegurança e vergonha de sua condição teve de ser

trabalhado através de palestras, visitas domiciliares e campanhas, para que percebessem

que poderiam resgatar sua cidadania e serem mais autônomos com os com a utilização

dos conhecimentos adquiridos.

5.1.9 Impactos dos programas na comunidade (questão de múltipla escolha)

Os entrevistados destacaram como principais resultados: a satisfação da

comunidade (09 respostas), melhor rendimento escolar (05 respostas), aplicabilidade

dos conhecimentos aprendidos no dia-a-dia (04 respostas) e maior facilidade no trabalho

pedagógico (04 respostas). Houve 21 respostas, numa média de 1,6 resposta por

entrevistado.

5.1.10 Contribuições dos programas no Assentamento Colibri (questão de múltipla

escolha)

A questão se referia aos setores em que houveram maiores contribuições

dos programas. Os setores apontados foram: a qualidade de vida (10 respostas), maior

produção (05 respostas), maior sociabilidade dos assentados rurais (04 respostas), e

saúde (02 respostas). Foram emitidas 21 respostas pelos 13 entrevistados, numa média

de 1,6 resposta por entrevistado.

Para uma maior compreensão dessas respostas, foi pedido que dessem

exemplos dessas contribuições. As principais respostas foram: o aumento da renda e

melhores oportunidades de negócio e trabalho (06 respostas), assinatura do próprio

nome (04 respostas), habilidades de cálculos (04 respostas), capacidade de organização

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104

social (04 respostas) e de cooperação mútua (03 respostas). Apontaram, ainda, a

prevenção de doenças (01 resposta) e a aquisição de documentos (01 resposta).

5.2. Apresentação e Análise de Dados – Roteiro de Entrevista 2

O segundo roteiro de entrevista foi aplicado aos participantes dos

programas como alunos. Foram entrevistados 34 alunos que, na maioria, participou de

mais de um programa na comunidade. É importante ressaltar que, apesar de a escola

Sebastião Pedrosa de Carvalho atender a crianças em idade escolar nas séries iniciais, o

público alvo da pesquisa foram adultos que participavam dos programas voltados para a

Educação de Jovens e Adultos.

5.2.1. Perfil dos sujeitos de pesquisa.

Do total de entrevistados, 59% eram homens e 41% eram mulheres. Este

número de mulheres participando dos cursos e dos projetos é bastante significativo, num

contexto em que as mulheres se dedicam à criação de filhos e a produção.

Não foram entrevistadas crianças. Todos os entrevistados tinha idade

acima de 14 anos, idade prevista para a inserção em Programas de Educação de Jovens e

Adultos e público alvo dos programas implantados no Assentamento Colibri.

A idade dos entrevistados variou entre os até 20 anos (23%), os entre 20

e 30 anos (12%), os entre 30 anos e 50 anos (38%) e os acima de 50 anos (27%). A

presença de mais de um quarto da população ser idosa, com idade acima de 50 anos, se

deu nos programas de alfabetização do Pronera. A população de entrevistados mais

jovens possuía maior escolaridade, sendo atendida em sua maioria pelo Telecurso 2000.

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105

Os entrevistados eram oriundos, em sua maioria (71%), dos municípios

do Acre, e os demais dos Estados do Amazonas (17,6%) e Ceará (11,4%). A migração

de cearenses para o Acre ocorreu em conseqüência dos ciclos de extração da borracha51.

Os produtores rurais assentados no Colibri não vieram de acampamentos

de MST. Antes de serem assentados, um grande número dos entrevistados já vivia ali

por muitos anos como posseiros (44%). Outros haviam sido colonos (20%), seringueiros

(17,6%), trabalhadores em fazendas (6%), ribeirinhos (3%) ou moravam na cidade

(9%).

O tempo de residência dos entrevistados na comunidade variou entre os

que viviam até cinco anos (17%), os entre 06 a 10 anos (32%), os entre 11 a 15 anos

(23%) e os com mais de 15 anos de residência (29%). Todos os entrevistados já tinham

uma vida estável no lugar (antigo Seringal Bagaço) antes de serem assentados pelo

INCRA.

A atividade predominante dos produtores entrevistados é a agricultura

(91%). Muitos desenvolvem outras atividades, mas com menor intensidade, tais como a

pesca, a piscicultura e a pecuária.

5.2.2. Participação nas instâncias sociais.

Dos 34 entrevistados, 65% são filiados à Associação de Produtores

Rurais do Assentamento Colibri, 70% participam das igrejas locais, 35% participam da

cooperativa, e 20% do grupo de escoteiros. Apenas dois entrevistados não participavam

de nenhuma das instâncias acima mencionadas. A maioria participava de mais de um 51 OLIVEIRA, Luiz Antonio Pinto de. O Sertanejo, o Brabo e o Posseiro (Os cem anos de andanças na população acreana). Belo Horizonte, UFMG, 1982.

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106

agrupamento. Houve 68 respostas, numa média de duas respostas por entrevistados. Dos

entrevistados, 20% assumiam posição de liderança entre os grupos e os demais eram

associados.

Para reconhecer o nível de discussão nessas instâncias sociais, os

entrevistados foram questionados sobre que assuntos eram pautas nas reuniões dos

produtores rurais. As respostas variaram em temas como produção, infra-estrutura do

assentamento, financiamento rural, projetos sociais, educação e saúde. Através das

respostas, pode-se constatar que a comunidade era bastante politizada e que muitas

conquistas da comunidade foram frutos dessa atuação. Freqüentemente, autoridades

eram convidadas a visitar o Projeto de Assentamento e a discutir diretamente com os

produtores rurais as políticas de atendimento ao homem do campo.

5.2.3. Participação em cursos (promovidos pelos Projetos de Energia e Lumiar)

Dos entrevistados, 47% fizeram três ou mais cursos, 18% fizeram um

curso, 12% fizeram dois cursos e 23% não fizeram cursos. Os cursos mais freqüentados

foram os de produção de farinha, criação de peixes, castração e vacinação de animais,

produção de doces e queijos, artesanatos, courismo, embutidos e defumados, enxertia de

plantas, produção de biogás e tratorista.

5.2.4. Aproveitamento dos cursos (uso dos conhecimentos)

Os entrevistados foram questionados sobre o uso que fizeram dos

conhecimentos aprendidos. Do total, 17 afirmaram que conseguiram gerar renda (50%).

Outros 14 entrevistados (40%) aproveitaram apenas para uso doméstico e três disseram

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107

não ter utilizado esses conhecimentos. Como o Assentamento Colibri é considerado

uma “bacia leiteira”, muitos produzem queijos e comercializam na cidade. Na cozinha

industrial, muitos produzem doces e armazenam poupa de frutas. Através dos cursos, os

produtores passaram a aproveitar melhor dois dos principais produtos cultivados, a

banana e a mandioca. Esta última, na produção da farinha, da goma, do caldo utilizado

em comidas típicas como tacacá e rabada no tucupi.

5.2.5. Experiências anteriores de aprendizagem

Dos 34 entrevistados, 14 estavam estudando pela primeira vez, 03 já

tinham participado de turmas de alfabetização de adultos e os demais tinham cursado

algumas das séries iniciais do Ensino Fundamental.

A maior parte alegou ter interrompido ou nem iniciado os estudos devido

a ausência de escolas onde moravam (61%), outros precisaram trabalhar muito cedo

(20%), ou outros motivos como casamento, mudança de endereço, proibição dos pais,

reprovação ou falta de interesse. Todos os entrevistados apresentaram defasagem de

idade em relação a série em que cursavam.

5.2.6. Participação nos programas de educação formal

Dos 34 entrevistados, 23 eram pertencentes ao Pronera (68%) e 11 ao

Telecurso 2000 (32%). Não foi possível entrevistar mais alunos do Telecurso 2000

devido o programa ter se encerrado e alguns não foram localizados na comunidade.

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108

5.2.7. Aspectos facilitadores da aprendizagem

Quando indagados sobre o que mais contribuía para facilitar a

aprendizagem, as respostas mais freqüentes foram o desempenho do professor (73%) e

o interesse pessoal (44%). Outras respostas menos freqüentes foram a qualidade do

material didático e o apoio dos colegas. Ao todo, houve 48 respostas, numa média de

1,4 resposta por entrevistado.

As atividades que mais gostavam, segundo suas respostas, eram a leitura

e a escrita (44%), os cálculos matemáticos, as experiências de ciências, as tele-aulas,

atividade artísticas, entre outras.

5.2.8. Aceitação dos programas

Segundo dados coletados, os entrevistados sentiram a contribuição do

programa na melhoria da qualidade de vida (70%) e na produção agrícola (15%). As

demais respostas variaram entre sociabilidade e prevenção de doenças. Para melhor

compreensão da resposta, foi pedido que exemplificassem essas contribuições. As

principais respostas foram: a facilidade na compra e venda de mercadorias através da

habilidade com cálculos, a alfabetização, assinatura do nome, leitura da Bíblia, maior

independência e autonomia, melhora na convivência familiar e em grupo, elevação da

auto-estima, descoberta do gosto pelo estudo, entre outras respostas. Com os programas,

os produtores passaram a ter um relacionamento mais próximo, passaram a trabalhar de

forma consorciada e a trocar experiência sobre sua produção em seus lotes. Isto

dinamizou o trabalho e aumentou a produção.

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109

5.2.8. Sugestões para melhoria dos programas (questão aberta)

Foi indagado aos entrevistados sobre que sugestões dariam para tornar os

programas mais satisfatórios. As respostas mais freqüentes foram: a continuidade dos

programas (29%), participação de professores mais qualificados (18%) e maior

participação da comunidade (15%). Outras sugestões foram: os programas acontecerem

no período de estiagem de chuvas, aplicação de mais recursos nos programas, maior

organização administrativa, fornecimento de óculos (para os alunos com dificuldade na

visão), e melhoria do material didático.

5.2.9. Perspectivas de Aprendizagem

À exceção de um, os demais entrevistados manifestaram o desejo de

continuar estudando, seja para a conclusão do Ensino Fundamental (32%), para a

conclusão do Ensino Médio (23%), ou como educação continuada (segundo alguns, até

enquanto puderem).

Quando indagados sobre os motivos de quererem continuar estudando,

56% estão em busca de mais conhecimentos, 23% buscam melhor emprego ou renda.

As demais respostas variaram entre querer cursar uma faculdade, adquirir mais

autonomia, gostam de estudar, tentar a vida na cidade e leitura da Bíblia.

Avaliando essas respostas, pôde-se perceber claramente que os alunos

participantes dos programas implantados no Projeto de Assentamento Colibri interagem

com as ações da comunidade, têm uma economia ativa e mostraram-se satisfeitos com

os programas.

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110

Isto vai de encontro às Diretrizes para Educação de Jovens e Adultos,

que propõem uma educação que envolve “o questionamento das relações que

engendram a sociedade e a da instrumentalização para exercer a atividade laboral”

(GADOTTI & ROMÃO, 2001, p.122).

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111

CAPÍTULO VI

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao abordar as práticas didáticas e pedagógicas relacionadas aos

programas de educação formal e não formal, desenvolvidas no Projeto de Assentamento

Colibri, pode-se considerar que é possível e necessária uma educação comprometida

com o desenvolvimento das comunidades rurais, que produza resultados positivos no

grupo em que se insere.

Tais ações possibilitam a todos nelas envolvidos, em diferentes graus, a

aprendizagem sobre: os processos de organização social e o mundo do trabalho; o

contexto histórico cultural, portanto também político, das práticas sociais de agricultores

e ribeirinhos, membros das associações de produtores rurais; a postura crítica diante do

conhecimento e das condições sociais de existência e de formação das múltiplas

dimensões humanas.

Com a pesquisa, pôde-se verificar que os técnicos e professores

envolvidos nos programas implantados no Projeto de Assentamento Colibri pertenciam

basicamente a três grupos: produtores rurais eleitos pela comunidade para serem

alfabetizadores, estudantes de diversas Licenciaturas da UFAC e técnicos ligados às

instituições parceiras dos programas.

Quase metade dos entrevistados residia na comunidade e a maioria

participava da Associação de Produtores Rurais, entidade de maior representatividade

na comunidade. Isto significa que, além do programa a que estavam envolvidos, os

professores entrevistados se inseriam no cotidiano da comunidade, compartilhando os

problemas e buscando soluções conjuntamente. Desta forma, os professores passaram a

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112

conhecer intimamente a comunidade a qual atendiam, com suas limitações e

potencialidades, e puderam mais habilmente corresponder às suas expectativas.

Essa participação ativa no cotidiano da comunidade superou o fato de

quase metade dos envolvidos não haver tido experiências anteriores com programas de

atendimento ao trabalhador rural. No entanto, pôde-se perceber, nas respostas dos

entrevistados, uma fragilidade didática, seja na condução da ação educativa, seja na

avaliação da ação e dos resultados obtidos no processo de ensino e aprendizagem. O que

ficou notório, tanto nas respostas dos professores como dos alunos, foi um espírito

empreendedor e solidário e um otimismo pela educação. Ambos, professores e alunos

estavam comprometidos com a educação e isso influiu significativamente nos resultados

dos programas.

Outro fator constatado na pesquisa foi o estabelecimento de uma relação

próxima entre educação e produção; entre conhecimento e qualidade de vida. O

primeiro programa implantado foi o Projeto de Energia, que impulsionou a produção e o

trabalho cooperativo. Os resultados desse projeto foram percebidos em curto prazo. Isso

favoreceu a receptividade a novos programas. Na pesquisa, pôde-se perceber que os

alunos entrevistados estavam envolvidos ativamente no cotidiano na comunidade, como

igreja e associação, e que haviam participado de diversos cursos promovidos pelo

Projeto de Energia e Lumiar. Os cursos permitiram a utilização diversificada dos

recursos naturais que os alunos dispunham. O trabalho intensivo dos participantes dos

projetos favoreceu a organização da comunidade e melhorou as condições de vida dos

assentados.

Em geral, o que dificultou um melhor aproveitamento dos programas foi

o despreparo dos professores e a baixa auto-estima dos alunos. Segundo a pesquisa, a

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maioria dos alunos estava com idade acima de 30 anos e era oriunda de seringais e do

próprio assentamento como posseiros, onde até pouco tempo não havia escola. Assim,

havia na comunidade um índice elevado de analfabetismo. Essas pessoas, ao serem

trazidas para a sala de aula, eram tomadas por sentimentos de insegurança, de

incapacidade e baixa-estima, devido ao preconceito quanto à educação de adultos. Nesta

região, é comum o dito popular “papagaio velho não aprende a falar”. Este dito popular

reforça o mito de que o saber é privilégio de uma determinada faixa etária. Assim, foi

necessário um trabalho de conscientização da sua condição de explorados e da sua

capacidade de superação dessas dificuldades.52

A participação da comunidade e da universidade do Acre (UFAC) na luta

em prol da educação resultou na construção de uma unidade escolar, na oferta do

Ensino Fundamental para os alunos em idade regular, e implantação de programas de

Educação de Jovens e Adultos para atender a demanda de alunos com defasagem de

idade em relação a série e os que não tiveram acesso à educação.

Para esses últimos, que pela primeira vez tiveram a oportunidade de

freqüentar uma escola, a aquisição da leitura e da escrita foi fator fundamental de

inclusão social. A participação no “mundo letrado” elevou a auto-estima dos

participantes; promoveu a autonomia destes, pois a partir de então não dependeriam de

outros para compreender a informações escritas e nem de “uma esponja para marcar

com o polegar” onde agora assinam seus nomes; desmistificou a ideologia de que um

adulto não pode aprender; e despertou um senso de responsabilidade quanto ao

conhecimento aprendido, isto é, houve uma valorização coletiva da educação à medida

que foram percebendo os resultados positivos. 52 O diálogo para a conscientização dos envolvidos no processo de aprendizagem e a busca da superação de seus limites faz parte da pedagogia proposta por Paulo Freire, no livro Pedagogia do Oprimido (1999), editora Paz e Terra.

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A maioria manifestou o desejo de houvesse continuidade dos programas

e que mais pessoas da comunidade participassem e se beneficiassem.

Apesar dos resultados positivos, quase sempre os projetos têm

terminalidade, os recursos cessam, o grupo de trabalho se desfaz e a comunidade fica

entregue ao acaso à espera de novos projetos, muitas vezes retornando ao estágio

anterior. Em muitos casos, novos programas se apóiam a programas anteriores,

contribuindo com mudanças.

Os resultados dos programas desenvolvidos foram satisfatórios, porém

alguns foram descontinuados. Muitas das ações implementadas tiveram continuidade,

tais como o funcionamento da escola Sebastião Pedrosa de Carvalho, sob o

acompanhamento da SEMEC; a geração de energia solar, ainda sob a assistência técnica

da UFAC, através do Laboratório de Energia; o funcionamento da cooperativa, tendo

em vista que a comunidade compreendeu que trabalhando em conjunto consegue maior

produção e lucros; o Pronera está na sua terceira etapa na educação continuada, com

oferta do 3° e 4° ciclo do Ensino Fundamental.

É importante ressaltar que nem todas as metas dos projetos foram

atingidas, como a participação de todos os assentados nos programas, a erradicação do

analfabetismo e a continuidade de projetos de formação para o Ensino Fundamental de

5ª a 8ª série. No entanto, os projetos deram um passo significativo na melhoria da

qualidade de vida dos assentados no Colibri. De fato, há ainda muitas coisas a serem

conquistadas, como a efetiva sustentabilidade da comunidade, uma educação de

qualidade permanente para os residentes ali, possibilidades de acesso a níveis mais

elevados de ensino, entre outras.

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Assim sendo, pode-se afirmar que quando, na implementação de um

programa educacional, são respeitados os interesses e as necessidades da comunidade

atendida, o programa tem mais possibilidades de obter resultados positivos.

A busca de unir o querer e o fazer na ação humana pode ser entendida

como um exercício de liberdade, pois segundo Chauí:

A liberdade é a consciência simultânea das

circunstâncias existentes e das ações que, suscitadas por tais

circunstâncias, nos permite ultrapassá-las. A liberdade é a

capacidade para perceber tais possibilidades e o poder para

realizar aquelas ações que mudam o curso das coisas, dando-

lhe outra direção ou outro sentido. (CHAUI, 1996, p. 362).

A questão da Educação Rural ainda é um sério problema a ser resolvido

no Brasil e principalmente no Estado do Acre, cujo território é em sua maior parte

composto de florestas. É preciso investimentos em infra-estrutura (escolas, transporte

escolar, etc), quadro de professores qualificados, currículos e programas adaptados às

peculiaridades locais.

A pesquisa não deu conta de abordar todas as especificidades do Ensino

Rural. Há ainda muitas questões que precisam ser investigadas, tais como: as razões de

sucesso ou fracasso dos programas educacionais em outros contextos, o significados dos

programas educacionais para populações tradicionais da floresta; as representações

sócias da escola no campo; as inter-relações dos atores do processo educativo; as novas

competências para a formação do homem do campo, o uso de tecnologias educacionais

em comunidades rurais como recursos para apropriação do conhecimento, entre outras

questões.

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Não há aqui uma idéia fechada sobre a educação necessária para o

homem do campo. Conforme Leite (1999, p. 114), o que de fato há é um consenso

quanto ao valor inesgotável da educação para todas as classes sociais. “A escola

evidencia a existência humana, a vida de todos os homens num processo contínuo de

aprimoramento e transformações, de buscas, de novas orientações, de compromissos e

críticas”.

Enfim, segundo Paulo Freire, é importante levar em conta a vivência

humana e a transformação da realidade em qualquer ação educativa:

Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é

modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta

problematizando aos sujeitos pronunciantes, e exige deles

novo pronunciamento. (...) Não é no silêncio que os homens

se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.

(FREIRE, 1979, P. 92).

Assim, a Educação Rural, num contexto de lutas e conquistas, se

consolida como propiciadora do diálogo, da percepção crítica do mundo, na superação

da ingenuidade, da tomada de ação na busca de mudanças. O conhecimento, de fato, é a

maior conquista do homem.

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