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FERNANDO HALINSKI DA SILVA EDUCAÇÃO SETORIAL PARA FORMAÇÃO DE COMPETÊNCIAS BÁSICAS INDIVIDUAIS: O CASO DA PARCERIA DO GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO COM O SESI/SENAI PARA ATENDER ÀS DEMANDAS DAS INDÚSTRIAS NO COMPLEXO DE SUAPE RECIFE 2008 Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Administração da Faculdade Boa Viagem, área de concentração Gestão de Pessoas e Organizações, como requisito complementar para obtenção do grau de Mestre em Administração. Orientadora: Profª Lúcia Maria Barbosa de Oliveira, Ph.D.

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FERNANDO HALINSKI DA SILVA

EDUCAÇÃO SETORIAL PARA FORMAÇÃO DE COMPETÊNCIAS BÁSICAS INDIVIDUAIS: O CASO DA PARCERIA DO

GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO COM O SESI/SENAI PARA ATENDER ÀS DEMANDAS DAS

INDÚSTRIAS NO COMPLEXO DE SUAPE

RECIFE 2008

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Administração da Faculdade Boa Viagem, área de concentração Gestão de Pessoas e Organizações, como requisito complementar para obtenção do grau de Mestre em Administração. Orientadora: Profª Lúcia Maria Barbosa de Oliveira, Ph.D.

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Silva, Fernando Halinski da

Educação Setorial para Formação de Competências Básicas Individuais: o caso da parceria do Governo do Estado de Pernambuco com o SESI/SENAI para atender às demandas das indústrias no complexo de Suape / Fernando Halinski da Silva . –Recife: O Autor, 2008.

106 folhas ; quadros ; abreviaturas

Dissertação (mestrado) – Faculdade Boa Viagem. Administração, 2008.

Inclui bibliografia, apêndices e anexos .

1. RECURSOS HUMANOS – Capacitação profissional.

Competência profissional 2. Educação Setorial 3. Andragogia (Educação) I. Título

CDU

658.3

S586e FBV

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Faculdade Boa Viagem Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA

Mestrado Em Administração

Educação Setorial para formação de competências básicas individuais: o caso da parceria do Governo do Estado de

Pernambuco com o SESI/SENAI para atender às demandas das indústrias no complexo de Suape

Fernando Halinski da Silva

Dissertação submetida ao corpo docente do Mestrado em Administração do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração (CPPA) da

Faculdade Boa Viagem e aprovada em 29 de julho de 2008.

Banca Examinadora: Lúcia Maria Barbosa de Oliveira, Ph.D., Faculdade Boa Viagem (Orientadora) Mônica Maria Barbosa Gueiros, Doutora, Universidade Federal de Pernambuco (Examinadora Externa) Hélder Pontes Régis, Doutor, Faculdade Boa Viagem (Examinador Interno)

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Dedico este trabalho a minha esposa, que

durante minha pesquisa assumiu carga

muitas vezes maior que a minha.

Sei que cada momento de carinho, apoio,

silêncio, preocupação, oração e vibração que

recebi foram vividos por ti intensamente,

enquanto eu retribuía apenas estudando.

Obrigado, meu amor.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus colegas de mestrado que, com suas palavras de incentivo e

críticas bem fundamentadas, me apoiaram nesta realização.

Em especial agradeço a Paulo Lyra, Gerente do SESI, que foi um apoiador de

primeira hora, abrindo as portas de sua Unidade para a execução desta pesquisa.

Agradeço à Mônica Menezes, Professora de Língua Portuguesa do SESI, que

superou todas as expectativas (minhas e de seus alunos).

Agradeço às colegas Mônica Carvalho e Lucy Barbosa, também do SESI, pela

participação ativa nos pré-testes, além das horas de lazer que foram

transformadas em revisões ortográficas e sintáticas.

Meus agradecimentos especiais aos Professores Mônica Gueiros (UFPE), Hélder

Régis e André Leão (FBV), pelas suas significativas contribuições e permanente

postura construtiva.

E agradeço, principalmente, à Professora Lúcia Barbosa, da FBV, pela sua luz e

confiança ao longo do processo de orientação.

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RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo compreender a percepção dos stakeholders envolvidos no

trabalho de educação setorial ‘reforço de escolaridade’ quanto ao resultado desta ação de

suporte às demandas das indústrias do complexo de Suape-PE. A pesquisa foi conduzida em

quatro etapas: entrevistas com quatro stakeholders demandantes, entrevistas com oito

stakeholders executores, entrevistas com seis stakeholders participantes e grupo focal com

oito stakeholders participantes. A metodologia utilizada foi a análise de conteúdo, conforme

procedimentos de Bardin (2006) . Os resultados do estudo sugerem que, embora não houvesse

expectativa inicial dos demandantes do trabalho quanto ao desenvolvimento de competências

básicas individuais, sua capacidade interna de articulação e o conhecimento técnico dos

executores realinharam o caso em questão e foram percebidos pelo público-alvo como

transformador. Ao atuar na base pessoal das competências profissionais, estima-se que foi

instaurado um processo de crescimento, que tende a refletir-se futuramente na economia do

Estado de Pernambuco.

Palavras-chave: Competência. Educação Setorial. Andragogia.

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ABSTRACT

This research aimed to understand the perception of stakeholders involved in the job of

sectorial education ‘lifting of schooling’ as the result of this action to support the demands of

the industries of the complex of Suape-PE. The research was conducted in four stages:

interviews with four applicants stakeholders, interviews with eight stakeholders executors,

interviews with six stakeholders participants and focus group with eight stakeholders

participants. The methodology used was the content analysis, as procedures for Bardin (2006).

The results suggest that although there was initial expectation of applicants on the

development of basic individual skills, their internal capacity of articulation and the technical

knowledge of the executors was realigned the case and were perceived by the target as

provocateur of change. By acting on the basis of personal professional skills, it is estimated

that was initiated a process of growth, which tends to reflect itself in the future economy of

the state of Pernambuco.

Keywords: Skill. Sectorial Education. Andragogy.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - organização dos objetivos de estudo ............................................................ 16

Quadro 2 - árvore de análise de conteúdo .................................................................... 43

Quadro 3 - dimensões e categorias – demandantes ......................................................... 46

Quadro 4 - categorias e subcategorias – demandantes ...................................................... 47

Quadro 5 - categorias e subcategorias – demandantes – primeira dimensão .............................. 48

Quadro 6 - categorias e subcategorias – demandantes – segunda dimensão .............................. 50

Quadro 7 - categorias e subcategorias – demandantes – terceira dimensão ............................... 52

Quadro 8 - dimensões e categorias – executores ............................................................ 54

Quadro 9 - categorias e subcategorias – executores – terceira dimensão .................................. 55

Quadro 10 - dimensões e categorias – trabalhadores ....................................................... 60

Quadro 11 - categorias e subcategorias - trabalhadores – primeira dimensão ............................ 60

Quadro 12 - categorias e subcategorias – trabalhadores – segunda dimensão ............................ 60

Quadro 13 - categorias e subcategorias – trabalhadores – terceira dimensão ............................. 68

Quadro 14 – quadro-resumo da análise – expectativas de competências a desenvolver ................. 71

Quadro 15 – quadro-resumo da análise – planejamento do trabalho ...................................... 72

Quadro 16 – quadro-resumo da análise – visão de futuro .................................................. 73

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CHA – Conhecimento, Habilidade, Atitude

CIET – Centro Integrado de Emprego, Trabalho e Renda

DN – Departamento Nacional

FIEPE – Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco

NBR – Normas Brasileiras

ONG – Organização Não-Governamental

PAC – Programa de Aceleração do Crescimento

PAE – Programa de Aceleração da Escolaridade

pg – Página

PNQP – Programa Nacional de Qualidade e Produtividade

PROMINP – Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás

Natural

RH – Recursos Humanos

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa

SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SESI – Serviço Social da Indústria

T&D – Treinamento e Desenvolvimento

UNISESI – Universidade Corporativa do SESI

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 10

1.1 Contextualização ....................................................................................................... 10

1.2 Objetivos geral e específicos ..................................................................................... 15

1.3 Justificativas teóricas ................................................................................................. 17

1.4 Justificativas práticas ................................................................................................. 17

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................ 19

2.1 Aprendizagem e educação nas organizações ............................................................. 19

2.1.1 Andragogia: a educação de adultos ............................................................................. 21

2.1.2 Educação corporativa ................................................................................................. 23

2.1.3 Educação setorial: educação corporativa com responsabilidade social ..................... 25

2.2 A gestão mediada pelas competências ........................................................................ 30

2.2.1 A formação de competências básicas e individuais ................................................... 33

3 METODOLOGIA DE PESQUISA ................................................................................ 36

3.1 O tipo de pesquisa ...................................................................................................... 36

3.2 A coleta de dados ....................................................................................................... 38

3.2.1 Entrevistas semi-estruturadas com stakeholders ........................................................ 38

3.2.2 Grupo focal com alunos-trabalhadores ....................................................................... 41

3.3 A análise dos dados .................................................................................................... 42

3.3.1 A percepção do entrevistado: mediadora na análise dos resultados da pesquisa ....... 44

3.4 Limites e limitação ..................................................................................................... 45

4 ANÁLISE DE RESULTADOS ..................................................................................... 47

4.1 Análise do primeiro objetivo específico ...................................................................... 47

4.2 Análise do segundo objetivo específico ....................................................................... 55

4.3 Análise do terceiro objetivo específico ........................................................................ 60

5 CONCLUSÕES E SUGESTÕES ................................................................................... 74

5.1 Conclusões ................................................................................................................... 74

5.3 Sugestões ...................................................................................................................... 79

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 82

APÊNDICES ..................................................................................................................... 88

ANEXOS ............................................................................................................................ 93

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1 INTRODUÇÃO

1.1 Contextualização

A evolução das ciências sociais aplicadas permite às organizações um aumento geométrico de

seu potencial de geração e concentração de riqueza; contudo, graças ao principal fundamento

deste mesmo grupo de ciências – as pessoas em um contexto social, aumenta na mesma

proporção o impacto de suas interferências no ambiente externo. A atenção aos interesses

econômicos dos stakeholders continua sendo um objetivo primordial das empresas;

entretanto, Ulrich e Brockbanck (2005) sustentam que uma visão mais ampla antecipa a

tendência de explicar a sustentabilidade das organizações através da gestão de pessoas.

O reflexo externo da operação das empresas, bem como sua responsabilidade com tais

conseqüências, é citado por Fischer (2002) como tema polêmico desde o início da revolução

industrial. A interatividade do atual modelo competitivo de mercado, por sua vez, torna

irreversível o aprofundamento da discussão: encontra-se já incorporada às práticas gerenciais

a função social da administração. Segundo a autora, o que regula suas ações tem mais a ver

com a compreensão do que seja efetivamente responsabilidade social, e cada vez menos tem

relação com o simples aceite da importância da relação empresa-ambiente social.

Sobre sustentabilidade há uma quantidade razoável de estudos e crescente interesse dos

executivos; em contrapartida, as inúmeras visões possíveis permitem diversos entendimentos

e confundem a aplicação prática das ações que visam à sustentação econômica, social e

ambiental das organizações. Karkotli (2006) remonta que o início mais tradicional de grande

parte das ‘fundações’, por exemplo, está ligado aos valores e crenças da empresa;

normalmente, nestes casos, as ações sociais estão de tal forma desvinculadas da missão e das

estratégias da empresa que necessitam de um gerenciamento paralelo.

Para Porter e Kramer (2006) “a única sustentabilidade real é a duradoura”. Demonstrando

outro tipo de visão sobre o assunto, o autor considera que deve existir, nas empresas com

preocupações e atividades de enfoque social, uma integração de tais anseios com a filosofia

organizacional. Vincular a estratégia às ações equilibra a relação entre a sobrevivência da

empresa (lucro através da venda de seus produtos) e sua sustentabilidade futura (estratégias

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que contemplem o mercado, stakeholders e mudanças no triple botton line), sinalizando uma

gestão que se complementa através da responsabilidade social, evitando que o contrário

aconteça e, por conseqüência, seja maléfico à empresa, à economia e à sociedade.

Em contraponto a essa linha, Friedman (1989) presume que a geração de emprego e renda é a

contrapartida justa do capitalismo à sociedade. O autor argumenta que a empresa, ao adotar

práticas diferentes de sua missão, pode comunicar ao mercado falta de foco estratégico e

fragilidade da competência empresarial. Retornando a Porter e Kramer (2006), estes lembram

que enquanto nas economias de primeiro mundo encontra-se maior eficiência do Estado do

bem-estar (pleno emprego, economia forte, altos índices de inclusão social) contrapõem-se a

esta realidade as economias em desenvolvimento.

Já para Ashley (2001) as organizações decididas a assumir suas responsabilidades sociais

defrontam-se, principalmente, com o problema de como determinar e avaliar o seu

desempenho social, seja para efeitos de diagnóstico, seja para acompanhamento das atividades

ou para avaliação de resultados. De tal forma, a autora considera como visão limitada a

restrição da ‘responsabilidade social’ a uma ação de uma empresa na comunidade do seu

entorno ou em um grupo carente de atenção do governo. Por outro lado, Karkotli (2006)

lembra que a educação é uma das preferências das ações privadas na esfera social. Ele

considera que a importância social da educação do entorno pode ser razoável, considerando a

proporcionalidade do impacto nesta comunidade (desenvolvimento, emprego e renda),

mediada pela sua importância estratégica na organização.

A educação corporativa reforça esta função pública assumida pela empresa com fins de

complementar o aprendizado, de acordo com os interesses organizacionais. Eboli (2004)

considera que, muito mais do que um mero complemento de escolaridade, a educação

assumida pela empresa permite diagnosticar, tratar e direcionar a gestão do conhecimento,

que servirá de matéria-prima nos processos internos da empresa.

A educação corporativa começou a ganhar espaço a partir da década de 80, com a

internacionalização da economia e, por conseqüência, a ampliação da competitividade das

empresas. Aumentou a necessidade das empresas contarem com colaboradores que reúnam

competências mais desenvolvidas do que as do cenário daquele momento. A “sociedade do

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conhecimento” passou a exigir, segundo Meister (1999), competências pessoais que

atendessem às necessidades da empresa quanto ao aprendizado, solução de problemas,

trabalho em equipe, liderança, domínio da tecnologia e visão de negócios em um mercado

globalizado.

No caso do desenvolvimento de competências dos colaboradores nas empresas brasileiras,

Marcondes (2007) percebe uma migração de ações da tradicional área de ‘Treinamento e

Desenvolvimento’ para a elaboração interna e aplicada de aprendizado que explore questões e

demandas reais da empresa, com menor ênfase para objetivos específicos. Segundo o autor,

tal aprendizagem continuada passou a ser considerada assunto estratégico na empresa, à

medida em se considera como vantagem competitiva o desenvolvimento de competências.

Um dos motivos desta migração da função de recursos humanos é tratado por Marcondes

(2007) como de origem estrutural: a relação de poder hierárquico à qual a área de

‘treinamento e desenvolvimento’ está sujeita (como apêndice do departamento de recursos

humanos) reduz sua visão estratégica e sistêmica.

Tal limitação é combatida por Ulrich e Brockbanck (2005), que sugerem uma nova

proposição de valor para o departamento de recursos humanos, mais alinhado às estratégias da

empresa e com uma postura proativa quanto ao desenvolvimento de pessoas. Nesta

perspectiva, a área de ‘treinamento e desenvolvimento’ deveria ser menos reativa

(contribuindo apenas quando convocada) e mais sistêmica, entendendo as potencialidades da

empresa e adaptando sua oferta de trabalho à concretização da visão, atuando local e

operacionalmente para a execução dos planos gerais e estratégicos. Neste sentido, a mudança

de ótica quanto ao departamento de recursos humanos, e treinamento e desenvolvimento em

especial, deixaria de encará-los como custo para vislumbrar fontes de negócios e vantagens

competitivas. Entretanto, segundo Marcondes (2007), apesar de aparentemente a discussão

tratar de treinamento e desenvolvimento, é a educação corporativa que avança neste terreno,

por ter um posicionamento mais definido e sem um ranço histórico que deturpe sua proposta.

Além da educação corporativa tradicional, que trata de competências de níveis tático e

estratégico, Bonamino (2005) alerta que os ensinos fundamental e médio merecem tratamento

específico. Segundo a autora, as formas mais flexíveis do modelo de trabalho pós-taylorista

tornam a empresa cada vez mais dependente da participação do trabalhador e do

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desenvolvimento de habilidades cognitivas e comunicativas, em grande medida propiciado

por uma educação básica completa.

Perrenoud (1999) sustenta que o desenvolvimento de competências individuais do homem

moderno passa por suas ações, vontade e por alguns conhecimentos profundos, tais como:

analisar um texto e constituir as intenções do autor, argumentar com a finalidade de convencer

alguém cético ou um oponente, construir uma hipótese e verificá-la, detectar uma falha no

raciocínio de um interlocutor, negociar e conduzir um projeto coletivo. Por mais óbvias que

pareçam tais competências, elas são a base dos sofisticados modelos de aprendizado

estratégico e formação de redes de competências organizacionais. Ao decorrer da atual

pesquisa a citada lista de competências individuais básicas será considerada como a

norteadora da profundidade deste estudo.

No caso do Brasil, vincular educação e trabalho significa assumir papel ativo em um histórico

social repleto de sinais desencontrados. Romanelli (1982) descreve que, desde os primeiros

tempos da República, existe a distinção entre raciocínio e mão-de-obra. Com as restrições às

importações durante o período da grande guerra, na década de 40, o sistema de ensino vigente

demonstrou ser incapaz de prover a formação profissional necessária ao novo modelo

produtivo; montou-se, então, um sistema de ensino paralelo, organizado em convênio com a

indústria e o comércio, e constituído pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

(SENAI) e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Surgiram também,

naquela época, as primeiras experiências de preparação de mão-de-obra no próprio ambiente

fabril.

Bonamino (2005) conta que, no início dos anos 60, houve uma grande onda de falências de

pequenas empresas, derivadas do referido momento sócio-econômico-político. O fechamento

deste tradicional canal de ascensão social da classe média elevou a busca pelo ensino superior,

movimento que foi contido com a reforma do ensino superior em 1968. Com isto, a educação

profissional e a educação técnica mantiveram-se restritas a poucas iniciativas, reforçando as

escolas técnicas federais e o sistema SENAI-SENAC.

Segundo Bonamino (2005), o desemprego retroalimenta-se da ignorância. A autora apresenta

a consideração do Banco Mundial que, como não há recursos nem postos de trabalho para

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todos, a obrigação do governo com a educação restringe-se à conclusão do ensino

fundamental, no qual a rentabilidade do investimento na redução da pobreza é mais alta. Tais

medidas procuram evitar o desperdício de recursos escassos nas modalidades educacionais

mais caras, como a formação profissional e o ensino superior, que devem ser deixadas nas

mãos da iniciativa individual do consumidor que possa pagar por elas e do fornecedor privado

interessado nesse tipo de investimento (BANCO MUNDIAL, 1995).

Eboli (2004) entende que, atentas a tal descompasso, as organizações que descobriram

vantagem competitiva através de suas pessoas optaram por realizar um trabalho social

vinculado com suas estratégias de educação corporativa. Mesmo quando qualificam

profissionais que brevemente farão parte das estatísticas de rotatividade em diversas

empresas, determinados setores da economia acabam sendo beneficiados ao envolverem seus

stakeholders em ações similares, com o mesmo foco sistêmico. Esta variação da educação

corporativa recebeu de tal autora o nome de ‘educação setorial’, a qual permite resgatar

competências básicas que foram mal exploradas quando do momento da escola formal, além

de completar as habilidades necessárias para o perfil do profissional de determinados

segmentos de mercado. Por tratar-se de assunto razoavelmente novo, a própria Eboli (2004)

comenta que não existe extensa literatura a respeito desta nova modalidade de educação

corporativa.

É neste contexto que se pretende estudar um trabalho específico de educação setorial em

competências básicas, envolvendo planejamento, recrutamento e qualificação de cerca de

5.400 pessoas, possibilitando-as receber treinamento técnico e concorrer a emprego na região

do distrito industrial de Suape, região situada no litoral sul de Pernambuco. De acordo com o

‘Fórum Regional 2007’ do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás

Natural (PROMINP), os potenciais investimentos de organizações expressivas como

Petrobrás, Estaleiro Atlântico Sul, Tintas Iquine e Raymundo da Fonte (Brilux), bem como

das Construtoras Queiroz Galvão, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez (consórcio para

duplicação da BR101-Sul), além de incrementar a economia do Estado, servirão de canteiro

de obras para o desenvolvimento profissional de uma grande massa de trabalhadores pouco

qualificados e atualmente subempregados.

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O arranjo produtivo metal-mecânico que está sendo formado em Suape, fortalecido pela

futura instalação de uma usina siderúrgica, assim como outras redes de negócio que se

constituirão ao redor das principais indústrias da região, também precisarão de mão-de-obra

qualificada. Tal exercício de montar uma verdadeira ‘universidade setorial’ (nomeada pela

expressão ‘reforço de escolaridade’) foi terceirizado pelo governo do Estado ao Serviço

Social da Indústria (SESI) e SENAI, entidades com experiência em atividades correlatas de

educação básica e profissional.

Será a partir desta situação específica em Suape que a atual pesquisa irá buscar fundamentos

nas teorias de educação setorial e desenvolvimento de competências individuais básicas.

Dutra (2008) considera que além das competências individuais outras variáveis intervenientes

podem ter influência no atendimento às demandas do mercado, tais como a experiência

anterior, a formação e as habilidades pessoais. Contudo, será feito o aprofundamento de

apenas uma destas variáveis, considerando a relevância da questão que resume o problema de

pesquisa: qual a percepção dos stakeholders diretamente envolvidos no trabalho de educação

setorial ‘reforço de escolaridade’ quanto ao resultado desta ação de suporte às demandas das

indústrias do complexo de Suape?

Na próxima seção tal problema de pesquisa será tratado como o objetivo geral deste trabalho,

sendo este subdividido em três objetivos específicos.

1.2 Objetivos Geral e Específicos

Objetivo Geral:

Compreender a percepção dos stakeholders diretamente envolvidos no trabalho de educação

setorial ‘reforço de escolaridade’ quanto ao resultado desta ação de suporte às demandas das

indústrias do complexo de Suape.

Objetivos Específicos:

Compreender a percepção dos demandantes do trabalho de educação setorial ‘reforço de

escolaridade’ quanto à necessidade de desenvolvimento de competências básicas individuais

dos trabalhadores para as indústrias do complexo de Suape.

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Compreender a percepção dos executores do trabalho de educação setorial ‘reforço de

escolaridade’ quanto à necessidade de desenvolvimento de competências básicas individuais

dos trabalhadores para as indústrias do complexo de Suape.

Compreender a percepção dos alunos participantes do trabalho de educação setorial ‘reforço

de escolaridade’ quanto ao desenvolvimento de suas competências básicas individuais

(conforme teoria de Perrenoud).

O seguinte Quadro 1 demonstra a organização dos objetivos do estudo, salientando algumas

variáveis que, apesar de sua influência, não serão consideradas:

Quadro 1: organização dos objetivos de estudo (autoria própria).

Nas duas próximas seções serão apresentadas justificativas que demonstrarão a relevância

desta pesquisa, seja como referência e estímulo para novos trabalhos, bem como para

aumentar o conhecimento a respeito das teorias tratadas na fundamentação.

demandas das indústrias Suape

SESI

SENAI

Reforço de Escolaridade:

Percepção executores Percepção

demandantes

Percepção alunos

ALUNOS

Variáveis intervenientes (experiência, habilidades, ambiência, formação, etc. )

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1.3 Justificativas Teóricas

O termo ‘educação setorial’ foi publicado pela primeira vez em 2002, através de pesquisas da

professora Marisa Eboli, que comenta serem poucos os estudos teóricos a respeito. Esta

pesquisa se propõe a contribuir no aumento do entendimento da teoria, suscitando futuras

pesquisas e aprofundamento teórico sobre a educação corporativa setorial.

Eboli (2004) salienta, ao longo das citações no referencial teórico, que “pedagogia é teoria;

educação é prática”. O vínculo do tema educação setorial com a experimentação prática

pressupõe que se aproveitem oportunidades singulares - como o caso recente de aporte de

investimentos industriais na região de Suape - para que possam ser evidenciadas similaridades

e diferenças teóricas com o conhecimento corrente de educação corporativa.

Outra razão que torna relevante este trabalho para a academia é o fato de ainda ser pequena a

quantidade de trabalhos científicos em administração que tenham como foco o complexo de

Suape. Nome indígena que representa a região litorânea da mata sul de Pernambuco, Suape é

a principal rota de investimentos privados no nordeste, neste início de século. Com potencial

para tornar-se o principal pólo industrial do Estado, Suape necessita, também em grande

medida, de aportes de conhecimento científico sobre seus domínios, com vistas a garantir

vantagem competitiva.

1.4 Justificativas Práticas

A região de Suape, através de sua infra-estrutura portuária e do distrito industrial, está

atraindo relevantes investimentos privados. Para concretizar a instalação de diversas

indústrias está sendo dada atenção a um participante na cadeia de desenvolvimento da região

que tem importância fundamental: o futuro trabalhador de tais empresas.

Considerando que o movimento de formação de mão-de-obra que se instala em Suape tenderá

a fortalecer economicamente a mata sul do Estado de Pernambuco, é possível também antever

que tal aumento de capacidade profissional representará um significativo desenvolvimento

social local. De tal forma, a atual pesquisa propõe-se a contribuir na seara de gestão de

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pessoas, de evidente carência atual, mas de potencial relevância estratégica para o Estado de

Pernambuco.

Nesta pesquisa serão mapeadas e contrapostas expectativas e percepções de resultados quanto

ao trabalho desenvolvido pela parceria do governo estadual com a dupla SESI-SENAI,

chamado de ‘reforço de escolaridade’. Esta dissertação pretende contribuir com reflexões e

sugestões que permitam representar um potencial redirecionamento das práticas usuais de

educação setorial, bem como propor novas percepções que possam estimular soluções às

demandas empresariais da região de Suape.

Na próxima seção será apresentada a fundamentação teórica que embasa esta pesquisa.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TÉORICA

A busca em atingir os objetivos desta pesquisa exige, inicialmente, que sejam aprofundados

os temas ‘aprendizagem’ e ‘educação corporativa’. O entendimento teórico destes dois

assuntos servirá como fundamento para a compreensão dos conceitos de ‘competência’ sob o

enfoque organizacional.

O desenvolvimento do estudo sobre aprendizagem e educação na empresa conduz,

naturalmente, à prática da andragogia, que significa ‘educação para adultos’: este é o tema da

primeira seção deste item.

Em seguida será apresentada a ‘educação corporativa setorial’, termo relativamente novo que

retrata o trabalho de aprendizagem e educação corporativa ofertado em comum por um grupo

de empresas que visam, além do ganho de escala, a homogeneização do tratamento social

dado à determinada classe de trabalhadores.

As últimas três seções abordarão o tema ‘competências’, tratando primeiro de sua influência

junto à ‘gestão’, para logo após considerar a ‘competência na educação corporativa’ e, por

fim, chegar ao ‘processo de desenvolvimento individual’.

2.1 Aprendizagem e Educação nas Organizações

Para Fleury e Fleury (2006) a aprendizagem é um processo de mudança, oriundo de

experiência anterior, que não necessariamente pode ser observado pela alteração do

comportamento. De tal forma, apesar de respeitar a linha behaviorista, onde a aprendizagem

organizacional é comprovada a partir de novos comportamentos, os autores citados reforçam

que a solução de problemas é uma manifestação cognitiva da aprendizagem. Esta é uma das

formas encontradas para classificar aprendizagem: comportamental ou cognitiva. Elkjaer

(2001) identifica aprendizagem como cognição individual que encara as organizações como

sistemas; por outro lado, a autora sugere uma perspectiva social da aprendizagem, envolvendo

tanto a qualidade de ser membro de uma equipe ou comunidade, quanto o aperfeiçoamento

das habilidades de seus membros. Esta perspectiva interacionista das organizações amplia

ainda mais o espectro onde possa se situar o aprendizado.

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A visão da autora serve de exemplo para demonstrar como aparentemente tais tipos de

aprendizagem podem ser eminentemente individuais, contudo explicam também a

aprendizagem organizacional. Considerando que uma empresa funciona como um organismo

baseado em pessoas, Senge (2006) explica que as empresas que aprendem estabelecem redes

de aprendizagens individuais que se expandem e formam redes de aprendizado coletivo. Para

tanto, em termos de aprendizagem organizacional, é fundamental partir do individual para

obter respostas do grupo. Para este autor, as organizações devem desenvolver cinco

disciplinas fundamentais para garantir o processo de aprendizagem: domínio pessoal

(autodimensionamento em busca de objetivos pessoais), modelos mentais (imagens

profundas que representam uma visão de mundo), pensamento sistêmico (visão intuitiva do

mundo subjacente), visões compartilhadas (reflexo dos valores num futuro comum) e

aprendizagem em equipe (diálogo que permita pensar em conjunto).

Fleury e Fleury (2006), por sua vez, comentam a proposta de Garvin (1993) quanto aos cinco

caminhos de ocorrência da aprendizagem organizacional: resolução sistemática de

problemas (ferramentas da qualidade), experimentação (focar novos horizontes, e não

dificuldades), experiências passadas (aprender com sucessos e fracassos), circulação de

conhecimento (compartilhamento de novas idéias) e experiências realizadas por outros

(benchmarking).

No caso da capacitação tecnológica para países de industrialização tardia, Brasil incluído,

Fleury e Fleury (2006) apresentam alguns mecanismos que sustentam o processo de

aprendizagem e capacitação: aprender ao operar (passivamente, se espera mais consciência

com a prática), aprender ao mudar (experimentação e melhoria contínua), aprender pela

análise do desempenho (indicadores criam memória de experiências passadas), aprender ao

treinar (compartilhamento de novas idéias), aprender por contratação (benchmarking),

aprender por busca (transferência de tecnologia).

Como pode ser visto acima, há várias maneiras de dizer coisas parecidas, adaptadas a

situações específicas. Esta pesquisa optou por posicionar-se, perante tais teorias, pelo viés

cognitivo, preocupando-se em compreender se, no caso em questão, as pessoas envolvidas

estão efetivamente aprendendo ao confrontarem suas experiências com novos conhecimentos,

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e se estão sendo estimuladas a mudarem do patamar atual para uma nova condição pessoal e

profissional.

Este interesse pelo duplo resultado da ação de desenvolvimento de competências é

comungado por Kirkpatrick (2006), que em seu artigo deixa uma incômoda dúvida ao leitor: a

seu ver, o trabalho de qualificação profissional tem dois objetivos: melhorar o desempenho

tanto do comportamento quanto dos resultados. Pela sua experiência, muitas poucas

organizações conseguem integrar os dois conceitos.

A seguir o tema educação nas organizações será tratado de forma prática, considerando que as

organizações são ocupadas por adultos e para estes existe um tratamento pedagógico

específico. Além disso, a educação a distância e a educação corporativa são assuntos díspares,

mas que se complementam dentro do contexto de aprendizagem e educação nas organizações.

2.1.1 Andragogia: a educação de adultos

Quando Perrenoud (2001) cita a pedagogia da aprendizagem, está se referindo a uma vertente

da educação que prioriza a formação e o desenvolvimento de competências individuais tanto

para o aluno quanto para o professor.

Segundo Eboli (2004), pedagogia é a reflexão sistemática sobre modelos, métodos e técnicas

de ensino – é a ciência da educação; andragogia, por sua vez, é a ciência de educar adultos,

diferenciando-se da primeira, em essência, somente na estratégia metodológica. Ou seja,

enquanto pedagogia e andragogia são teorias: pensamento e ideal a ser vivido, educação é

prática: experiência e realidade vivida.

Educação, ainda segundo Eboli (2004), é o processo de desenvolvimento e realização do

potencial intelectual, físico, espiritual, estético e afetivo existente em cada ser humano. A

autora complementa que educação é o processo de transmissão da herança cultural às novas

gerações, de modo intencional e sistemático, exercendo influência na formação e

desenvolvimento a fim de conservar e transmitir a existência coletiva.

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Para Luckesi (1999) existem três entendimentos filosóficos sobre a educação na sociedade:

educação redentora: busca integrar os elementos à margem da sociedade que apresentem

baixo grau de alinhamento cultural; educação reprodutora: reforça os condicionantes

econômicos, sociais e políticos; educação transformadora: entende os condicionantes e age

estrategicamente para transformar a sociedade, mediante um projeto social.

No âmbito da educação profissional, durante a década de 1980, questionava-se a pertinência

do modelo taylorista e tecnicista vigente em face das transformações científico-tecnológicas,

políticas, econômicas, sociais e culturais em curso no Brasil e em nível mundial

(BONAMINO e PINHEIRO, 1998).

Para Bonamino (2005), embora persistam discussões quanto ao grau e à intensidade de

difusão de inovações tecnológicas e organizacionais no Brasil, emerge um novo modelo

produtivo, onde formas mais flexíveis de trabalho substituem a organização taylorista-

fordista. As empresas contemporâneas cada vez mais estão dependentes de trabalhadores com

competências e estruturas cognitivas que garantam a capacidade de aprender, de criar, de

resolver problemas e de se relacionar.

Fleury e Fleury (2006), ao fazerem um contraponto com o modelo taylorista-fordista de

gestão do conhecimento, lembram que hoje as empresas precisam implementar uma certa

reversão ao modelo clássico: o que era fragmentado e isolado precisa ser integrado, não

apenas em nível de indivíduos, como também organizacional. Para os autores, o que antes

tinha um caráter estático hoje precisa ter uma natureza dinâmica: não basta integrar o

conhecimento, e sim estabelecer um sistema contínuo de aprendizagem. A educação na

empresa precisa encontrar nova postura, que é a de aprender a aprender, para mudar sempre.

No caso de uma aprendizagem que envolva tanto conhecimento técnico quanto conduta

pessoal, e se tais conceitos forem novos e “revolucionários” (porque permitem a mudança de

postura e de relacionamento profissional, social e econômico), vale a indicação de Berger e

Luckmann (2004) quanto à importância futura de tal aprendizado. Na medida em que o adulto

consegue unir sua experiência com novos conhecimentos, aplicando tal aprendizado na sua

rotina e obtendo novos resultados/aprendizados, este conjunto de novos significados de

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realidade terá reflexos, quando da formação da nova geração: seus filhos partirão em suas

jornadas carregando esta formação institucional, para agregarem aprendizados futuros.

Como o aprendizado organizacional demanda técnicas que permitem a ocorrência de tal

processo, na próxima seção serão tratados conceitos e princípios da ‘educação corporativa’, os

quais pretendem demonstrar ser possível a tomada de medidas objetivas que estimulem a

postura de aprendizagem organizacional dentro de um sistema contínuo de aperfeiçoamento

dirigido aos interesses das organizações.

2.1.2 Educação corporativa

Educação corporativa começou a ganhar espaço a partir da década de 80, com a

internacionalização da economia e, por conseqüência, a ampliação da competitividade das

empresas. Aumentou a necessidade das empresas contarem com colaboradores com

competências mais desenvolvidas do que as do cenário daquele momento. A “sociedade do

conhecimento” passou a exigir, segundo Meister (1999), competências pessoais que

atendessem às necessidades da empresa quanto ao aprendizado, solução de problemas,

trabalho em equipe, liderança, domínio da tecnologia, comunicação e colaboração,

autogerenciamento da carreira e visão de negócios em um mercado globalizado.

A partir do comprometimento da empresa com a educação e o desenvolvimento dos

funcionários, Meister (1999) apresenta cinco forças-tendências que sustentam o aparecimento

do fenômeno das universidades corporativas: organizações flexíveis - com capacidade de dar

respostas rápidas ao ambiente empresarial; era do conhecimento - nova base para o ciclo de

formação de riqueza (individual, empresarial e nacional); rápida obsolescência do

conhecimento - urgência na renovação das informações que constituam vantagem

competitiva; empregabilidade – carreira através de várias organizações; educação para a

estratégia global - mercados constituídos de pessoas com visão global.

Para Eboli (2002) a universidade corporativa é um sistema de desenvolvimento de pessoas

pautado pela gestão por competências. As universidades corporativas estão para o conceito de

competência assim como os tradicionais centros de treinamento e desenvolvimento estiveram

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para o conceito de cargo. A mesma autora comenta que, apesar de conceitualmente terem

sutis diferenças, comumente é aceito equivaler os termos educação corporativa e universidade

corporativa. O primeiro, contudo, serve também para os centros de treinamento e

desenvolvimento que têm um enfoque continuado, mais voltado para o desenvolvimento das

competências, enquanto o segundo trata de um formato rompedor que historicamente

estabeleceu a diferença entre a educação por cargo e por competência. Gomes e Starec (2006)

complementam esta definição, ao afirmarem que a educação corporativa tem o objetivo

promover a cultura e os valores da empresa. Os autores entendem que, não tendo este foco, a

educação corporativa tende a reduzir o prazo de validade do conhecimento, pois este tende a

tornar-se desatualizado se desprovido de valores mais perenes, quando voltado à aplicação em

uma empresa específica.

Para Eboli (2002) um projeto bem sucedido de universidade corporativa corresponde à

implantação de aspectos como: a definição dos conhecimentos críticos para o sucesso da

empresa; o diagnóstico das competências críticas (individuais e organizacionais); o foco no

aprendizado organizacional, inovação e mudança constante; a educação inclusiva,

contemplando todos os elementos da cadeia de valor; a orientação para as necessidades dos

negócios e a venda de serviços, tornando-se gerador de receita para a organização. Um

exemplo deste resultado é apresentado por Mundim (2002). A autora relata que um programa

de educação corporativa pode englobar, além das técnicas de gestão do conhecimento e novas

formas de capacitação, um mapeamento de competências necessárias para a eficiente

execução do planejamento e desenvolvimento de produtos, identificando os conhecimentos

que serão englobados em um currículo voltado para desempenhar tal função na organização.

Outro exemplo de aplicação ampliada da educação corporativa é apresentado por Harrison,

Leitch e Chia (2007), que tratam da quebra de paradigmas durante o trabalho de

desenvolvimento de competências através da universidade corporativa. Os autores sugerem

que programas de desenvolvimentos de executivos devam tratar, além de metas e

problemáticas, de questionamentos quanto às suas aspirações pessoais e à estrutura da

organização, por exemplo. Eles entendem que devem ser explorados os insights sobre

assuntos básicos das pessoas, e, considerando a influência do ambiente corporativo em suas

vidas, chegam a afirmar que há casos em que apenas a universidade corporativa tem

condições de ir tão fundo na realidade e nos valores dos participantes. Pela visão dos autores,

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um novo patamar de universidade corporativa emerge, muito mais amplo e profundo do que

originalmente concebido.

Considerando as diferentes escolhas possíveis para aplicação da educação corporativa, Eboli

(2004) definiu sete princípios de um sistema de sucesso. O primeiro princípio é o da

Competitividade, voltado para transformar o capital humano da empresa em diferencial

competitivo; o segundo princípio é o da Perpetuidade, onde a cultura da organização é

reforçada em cada processo de desenvolvimento; Conectividade: privilegia a interação, o

relacionamento e a construção social; Disponibilidade: fácil acesso, disponibilizando

aprendizagem a qualquer hora e em qualquer lugar; Cidadania: forma sujeitos capazes de

refletir, construir e modificar a realidade organizacional; Parceria: a complexidade da

formação de competências envolve tanto parceiros internos quanto externos;

Sustentabilidade: ser um centro que agregue valor e gere resultados para a empresa.

Na próxima seção será apresentado um modelo de educação corporativa que atenda aos

aspectos acima e que seja factível com a realidade brasileira, onde as micro e pequenas

empresas são a maioria e não dispõem de condições de montar sua própria universidade

corporativa. Além desta modalidade de empresa, as grandes também se beneficiam da

educação setorial, já que podem se unir e reduzir custos formando uma universidade focada

para sua realidade local.

2.1.3 Educação Setorial: educação corporativa com responsabilidade social

Segundo a Teoria dos Stakeholders, descrita por Freeman (1984), o conceito de relação fiduciária

da empresa com o conjunto de partes interessadas substitui a antiga idéia de que as empresas não

possuem responsabilidades senão em relação aos acionistas. De tal forma, o resultado final da

atividade de cada organização empresarial deve levar em consideração os retornos que

aperfeiçoam os resultados de todos os stakeholders envolvidos, e não apenas os resultados dos

acionistas. A complexidade da gestão organizacional demonstra que existem visões paralelas

da mesma empresa por muitos stakeholders. Entender e atender suas expectativas é um

desafio complexo.

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Na visão de Mariotti (2007) sobre as investigações de Bertalanffy, a teoria sistêmica consiste

no estudo transdisciplinar da organização abstrata dos fenômenos, analisando os princípios

comuns a todas as entidades complexas e os modelos que podem ser usados para descrevê-las,

com o objetivo de chegar a uma visão da totalidade por meio de um viés abrangente, oposto

ao mecanicismo cartesiano. Para o autor, os seres vivos são sistemas abertos e, portanto,

autônomos e auto-sustentáveis, mas dependem das trocas que fazem com o ambiente para

manter esta autonomia. Mariotti (2007), ao estudar Morin (2000), diz que esta condição de

sermos ao mesmo tempo autônomos e dependentes foi tratada como um paradoxo de

autonomia dependente, que constitui por excelência a característica dos sistemas complexos.

A expressão “realismo ingênuo”, criada por Galbraith (2004), representa um modo de pensar

produzido pela lógica linear predominante de nossa cultura, que dificulta a compreensão da

complexidade do mundo e as relações causais de suas transformações. Em contraponto a esta

maneira de pensar, Mariotti (2007) sugere a busca da essência da expressão ‘competitividade’

para a compreensão da possibilidade de desenvolvimento de sistemas econômicos

sustentáveis. Para este autor, o sentido original da expressão remete à competição ligada a

uma economia que não exclui sua dimensão social, podendo ser expressa pela seguinte

fórmula:

Competitividade = Competição ↔ Cooperação

Para Mariotti (2007) tal equação demonstra que a competição se beneficia do trabalho

conjunto, cooperativo, o qual por sua vez retroage sobre ela, moderando-a e impedindo-a de

ignorar o fato de que entre os objetivos do processo econômico está o de promover o bem-

estar social. Caso seja eliminado um dos componentes desta equação, a idéia de

competitividade ficará distorcida e o processo se tornará insustentável.

Considerando que toda fórmula é redutora, deve ser levado em conta o que se pode ampliar da

equação acima demonstrada, no tocante às responsabilidades dos stakeholders enquanto

membros da sociedade. Por exemplo: no século XVIII, Adam Smith (2000) utilizou a

metáfora da “mão invisível” da auto-regulação como moderadora da competição original do

capitalismo puro. Tal visão sugere que, já na origem da codificação do capitalismo a

competição desenfreada era vista como perigosa, considerando a possibilidade de extinguir a

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concorrência, ferindo o princípio básico da própria competitividade. O egoísmo, na sua

essência, era defendido pelo autor como uma característica humana propulsora da busca da

melhoria contínua, tão forte quanto o altruísmo e com o mesmo potencial mobilizador social.

Garantir o equilíbrio entre estas duas forças naturais das pessoas seria a base do capitalismo,

na visão deste teórico. A “mão invisível” do Estado deveria moderar os excessos tanto da

dimensão egoísta quanto da altruísta: sem monopólio nem assistencialismo, por exemplo.

Mariotti (2007) considera que, nos dias atuais, as Organizações Não-Governamentais (ONGs)

cumprem, de certa forma, esta missão de ser a “mão invisível” no aspecto executivo,

implementando projetos, definindo critérios de gestão, certificando ou, em alguns casos

especiais, propriamente exercendo o “poder de polícia” que outrora era particularidade

exclusiva do poder formal.

Ao tratar da complexidade desta realidade, especificamente no Brasil, Eboli (2004) aponta um

problema. Ela comenta que as micro e pequenas empresas, assim como certas categorias

profissionais, não têm condições de montar uma estrutura de educação corporativa,

principalmente onde a escolaridade formal não atendeu às demandas de educação necessária.

Apesar desta dificuldade, o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa -

SEBRAE (2002) avalia que as cadeias produtivas precisam se aprimorar para continuarem

competitivas, em muitos casos através da própria união entre concorrentes, com o objetivo de

formar profissionais com o perfil demandado pelo setor. No entendimento do Programa de

Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (PROMINP, 2007), para reduzir

a dimensão de tais problemas existe a possibilidade da orientação de esforços específicos de

educação setorial. Através de associações, sindicatos e organizações não-governamentais são

realizadas parcerias com o objetivo de formar profissionais com o perfil de competências

necessário ao setor e promover a gestão do conhecimento setorial, possibilitando a geração de

emprego e renda e reduzindo os problemas sociais no entorno das organizações.

A educação continuada, considerada por Eboli (2004) como o quarto grau de evolução da

universidade corporativa, tem como pressuposto a consciência da empresa de que educação

gera competência, que reflete em qualidade, promove competitividade e retorna como lucro.

Para tal visão sistêmica é necessária uma percepção mais apurada da posição da empresa na

cadeia produtiva, nos arranjos locais e suas responsabilidades no ambiente sócio-econômico.

Formar profissionais que no futuro possam estar servindo outras empresas pode ter um

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reflexo importante no próprio desempenho da empresa, caso esta participe de um cluster ou

região geográfica privilegiada.

Nesta situação, Eboli (2004) aponta que o ganho de escala da união de empresas, permite a

formação e atualização contínua dos empregados de setores de atividades específicas, bem

como a superação de carências regionais de determinadas categorias profissionais. Este novo

tipo de organização virtual é nomeado pela autora como ‘Universidade Setorial’. Eboli (2004)

diz que, na maior parte das vezes, tal trabalho de educação é terceirizado para entidades

especialistas que se agrupam na formação de profissionais com o perfil de competências

exigido pelo setor, criando em conjunto programas de educação que desenvolvam as

competências necessárias para uma determinada indústria ou setor produtivo.

As experiências realizadas no Brasil com este tipo de educação setorial têm demonstrado

objetivos comuns, conforme preconizado por Eboli (2004), tais como o desenvolvimento de

competências críticas para aumentar o padrão de desempenho do setor de atividade, montar

um pólo de irradiação de conhecimentos e formação de profissionais para o setor, propagar

crenças e valores (cultura setorial) do setor de atividade, aumentar o valor de mercado das

categorias profissionais envolvidas e, o que será objeto deste estudo, formar categorias de

profissionais competentes para gerar o sucesso do setor e das empresas componentes de toda a

sua cadeia produtiva.

Para Souza (2006) com a universidade setorial o que é feito pela empresa em termos de

educação deixa de ser apenas reprodução para tornar-se criação. Incluir o trabalhador no

processo de construção do conhecimento tem menos amarras quando a educação corporativa

não está vinculada a apenas uma empresa. Por mais positivo que seja o fato da propagação da

cultura de uma organização, ao mesmo tempo existe uma relação limitante. Quando se trata

de setor a educação ganha mais amplitude, pois apesar das missões das empresas envolvidas

estarem fragmentadas, costumeiramente a visão tem pontos em comum.

Costa Filho (2007), por sua vez, lembra que as ações de educação setorial constituem espaços

de diálogo entre seus atores (comunidade acadêmica, governo e setor produtivo), voltados

para a análise, discussão e consenso quanto a gargalos, oportunidades e desafios de cada uma

das cadeias produtivas em questão. Para o autor, os Fóruns de Competitividade são o

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ambiente propício para a articulação de parcerias setoriais, já que é proposta básica deles a

discussão em torno de problemas comuns, o compartilhamento de soluções e ações em

benefício da cadeia produtiva.

Por outro lado, Bonamino (2005) lembra que mesmo na educação corporativa existe uma

distância enorme entre o que se ensina e a vivência dos alunos: a grande maioria dos

professores e tutores pauta seu trabalho em realidades distanciadas dos alunos e apresenta

materiais produzidos em e para outros contextos. Considerando a importância, na formação

das competências, da realidade sócio-econômica vivida, Vygostky (1987) evidencia a

interdependência entre o pensamento humano e seus sistemas de representações simbólicas,

mediados pelas tecnologias da comunicação.

Hoje, são necessários poucos segundos para a disseminação de fatos ocorridos em qualquer

lugar do mundo. Apesar de consciente de que esse acesso não está disponível para todas as

pessoas, Bonamino (2005) entende que tal universalização da educação depende quase

exclusivamente de fatores econômicos e políticos, e não tecnológicos. Há algumas décadas

McLuhan (1964), ao dizer que “o meio é a mensagem”, provocou discussões entre os teóricos

a respeito da primazia entre as ideologias e os meios. Bonamino (2005) entende que essa

discussão histórica, entretanto, não considerou a relação dialética entre forma e conteúdo,

entre meio e mensagem, que são partes de um todo, não existem isoladamente e, em

conseqüência, não se separam.

Como os suportes de comunicação presentes nos processos de ensino-aprendizagem das

escolas tradicionais não acompanham o ritmo dessas transformações, em muitos casos a

empresa se vê na obrigação de assumir esta tarefa, tendo em vista estar mais bem aparelhada

tecnologicamente e suas necessidades exigirem atitudes com maior celeridade. No caso da

educação setorial, a discussão dialética do parágrafo acima se repete: a empresa está inserida

num cluster e na comunidade; da mesma maneira e ao mesmo tempo, as pessoas estão dentro

e fora da empresa, o que confirma Fleury e Fleury (2001): assumir o gerenciamento do

conhecimento, de modo estratégico, é vantagem competitiva e fator de sobrevivência das

organizações.

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A partir da próxima seção será tratado o segundo grupo de assuntos relevantes desta pesquisa.

Complementando a fundamentação teórica sobre aprendizagem, andragogia, educação

corporativa e educação setorial, será necessário o entendimento sobre competências e sua

influência na gestão dos assuntos há pouco citados.

2.2 A gestão mediada pelas competências

Para Fleury (2002) o tradicional modelo americano de competências, ‘taylorista-fordista’,

sustenta que o conceito de qualificação técnica é suficiente para definir os requisitos

necessários para o trabalhador exercer suas funções; já o modelo francês privilegia o “saber

agir”, estabelecendo uma relação entre saberes e competências, ou seja, diploma e emprego.

Assim sendo, pode ser dito que o conceito de competência vai além da simples qualificação

técnica (conhecimento formal). Mesmo para o desempenho de atividades relativamente

simples, que exigem alguma qualificação técnica, é necessário o aprimoramento do raciocínio

espacial e aritmético, por exemplo. Considerando o modelo formal de ensino-aprendizagem

aplicado no Brasil, Bonamino (2005) percebe falhas no tocante a tais fundamentos de

desenvolvimento de raciocínio, podendo comprometer as competências futuras do

profissional que será qualificado tecnicamente.

Eboli (2004) explica que, de modo simplificado, o entendimento de competência é resultante

de três fatores básicos, que formam a sigla ‘CHA’: Conhecimentos: relacionam-se aos

conceitos e técnicas (o saber fazer); Habilidades: representam aptidão e capacidade de

realizar, relacionadas à experiência e ao aprimoramento progressivo (o poder fazer);

Atitudes: apresentam a postura e o modo pelo qual as pessoas agem e procedem (o querer

fazer). Já Dutra (2008) aperfeiçoa tal explicação, ampliando a visão de competências para

além de um “estoque” de conhecimentos, habilidades e atitudes, chegando à entrega de valor

mediante o uso consciente das competências. Para o autor, de pouco adiantar “ter” as

competências; para a organização, o que realmente importa é o resultado oriundo da aplicação

prática destas competências, agregando valor e contribuindo efetivamente para as vantagens

competitivas da empresa. Uma maneira encontrada por Dutra (2008) para explicar a diferença

entre “ter” o CHA e agregar valor “através” do CHA é diferenciar dificuldade e

complexidade, em relação à execução de atividades. Uma tarefa difícil exige ter

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conhecimento, habilidades e tomar atitudes para resolvê-la. Já uma atividade complexa

necessita uma grande capacidade de lidar com diversas variáveis, integrando seus

“componentes” de CHA e tendo que articular novas soluções para as quais ele talvez não

tivesse se programado. Essa maior aplicação cognitiva e foco na entrega de valor extrapolam

o simples conceito de se “acumular” competências. Para cumprir tal papel, o desenvolvimento

pessoal é de fundamental importância dentro das atividades de gestão de pessoas.

Eboli (2004) entende que, com a gestão do conhecimento é possível construir as competências

críticas (aquelas que irão diferenciar a empresa estrategicamente). Para a autora, implantar um

sistema de educação corporativa significa aumentar a inteligência da empresa através da

implementação de um modelo de gestão de pessoas e da gestão do conhecimento. Ela sustenta

que, para tanto, é essencial a criação de um ambiente e uma cultura empresarial cujos

princípios e valores disseminados sejam propícios ao processo de aprendizagem ativa e

contínua, que desperte nas pessoas a postura do autodesenvolvimento e favoreça a formação e

a atuação de lideranças educadoras.

Enquanto a gestão do conhecimento corresponde a um modelo gerencial adotado pela

empresa, a aprendizagem organizacional pode ser considerada como uma das metodologias a

ser aplicada. Seguindo este neologismo de Fleury (2001), as competências podem ser

consideradas como a matéria-prima a ser beneficiada. A competência pode ser baseada em

diferentes estâncias de compreensão: pessoal (competências do indivíduo), organizacional

ou essencial (core competences) e nacional (sistemas educacionais e formação de redes de

competências).

Considerando que as competências individuais serão tratadas com maior detalhe a seguir, e

que as ditas competências nacionais fogem do escopo desta pesquisa, permanece necessário

um maior aprofundamento quanto ao entendimento sobre as competências essenciais. De

acordo com Cerqueira (2006) tais competências tratam da abordagem estratégica da empresa,

e não de recursos humanos. São as competências da organização, também chamadas de

competências de gestão ou core competences, termo este cunhado por Prahalad e Hamel

(2005). Para estes autores, a competência essencial resulta da combinação de três fatores:

recursos, capacidades e competências. Como recursos entende-se tanto os tangíveis

(patrimoniais) quanto os intangíveis (processos e conhecimentos técnicos e gerenciais). Como

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capacidade entende-se a habilidade da organização de ocupar, utilizar e explorar tais recursos.

Cerqueira (2006) afirma que as competências essenciais devem atender a três requisitos:

ofertar benefícios efetivos aos clientes, serem difíceis de imitar e prover acesso a diferentes

mercados.

Dutra (2008) recorda que até poucas décadas atrás o termo competência era discutido

principalmente por psicólogos e educadores; atualmente, faz parte também de discussões

acadêmicas e empresariais.

A linha seguida por psicólogos e educadores, segundo Charlier (2001), sustenta que as

competências profissionais na educação constituem um conjunto com três elementos

indissociáveis: o tríptico “projetos-atos-competências”. Como ‘projetos’ entende-se os

objetivos estabelecidos para a ação; ‘atos’ são as condutas apresentadas, enquanto

‘competências’ são os saberes, as representações, as teorias pessoais e os esquemas de ação

mobilizados para resolver problemas em situação de trabalho. Para a autora, as competências

são significativas apenas quando se traduzem em atos e quando tais atos orientam-se de

acordo com os projetos assumidos.

O texto de Dutra (2008) vem em complemento ao comentário de Charlier (2001), supra

citado: competências ao mesmo tempo podem ser pessoais e organizacionais, que por sua vez

ratifica o texto anterior de Fleury. Dutra (2008) dedicou-se a levantar dados sobre a evolução

do conceito de competência, identificando que David McClelland, em 1973, foi o primeiro a

propor de forma estruturada que competência era um conjunto de conhecimentos e

habilidades acumulados em uma pessoa, fator importante no processo de seleção em uma

organização. Boyatzis, em 1982, expandiu o entendimento sobre o conceito de competências,

a partir da caracterização da demanda de cargos, procurou fixar ações ou comportamentos

efetivos esperados. Foi a partir de Le Boterf (1994) e Zarifian (1996) que o conceito de

competência foi explorado associado à idéia de agregação de valor a partir da pessoa,

independente do cargo, articulando estratégia empresarial com competências individuais.

A junção dos assuntos já abordados na atual fundamentação teórica terá espaço nas próximas

duas seções. Será visto o que a aprendizagem, a educação corporativa e as competências têm

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em comum: todos estes processos se iniciam e têm por fim a própria individualidade do

trabalhador.

Conforme Lei et al. (2001) as características setoriais influenciam diretamente as estratégias

empresariais, resultando na modelagem desta última, quando bem alinhada às suas forças e às

oportunidades do ambiente competitivo. Contudo, estes autores chamam a atenção para uma

importante fonte interna de influência estratégica: a aprendizagem e a acumulação de ativos

intangíveis. A explicação desta nova força causal concentra-se na potencial habilidade das

pessoas de desenvolver novos produtos e processos.

A maneira com que a empresa gerencia tal potencial pode tornar-se importante vantagem

competitiva; segundo tais autores, caracteriza-se como competência essencial de uma empresa

o seu conjunto central de insights de definição e solução de problemas, desenvolvido através

de um peculiar processo idiossincrático de aprendizagem. Segundo Lei et al. (2001), enquanto

Argyris e Schön (1978) lideram uma corrente teórica que prega a aprendizagem como

estrutural e não diretamente associada com a estratégia consciente da empresa, outros

teóricos, tais como Prahalad e Hamel (2005) sustentam o contrário: a estratégia deve estar

orientada para a aprendizagem. Seguindo tal linha de pensamento, Lei et al. (2001) sugerem

que o desenvolvimento consciente e orientado de competências individuais constrói as

competências essenciais da organização.

A próxima seção vai tratar de um necessário aprofundamento sobre o tema competências, que

são as competências básicas e individuais, assunto que compõe este objeto de estudo.

2.2.1 A formação de competências básicas e individuais

Perrenoud (1999, pg 7) ensina que, dos múltiplos significados dados para ‘competência’, sua

preferência é defini-la como sendo “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado

tipo de situação, apoiada em conhecimento, mas sem limitar-se a eles”. Contrapondo esta

definição às linhas teóricas descritas no item anterior, pode ser observado que, aqui, as

competências tratadas são estritamente as individuais, e não as da organização. Para este autor

os conhecimentos fazem parte dos vários recursos cognitivos utilizados pelas pessoas para

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que possam enfrentar as situações. Eles são representações da realidade, construídas e

armazenadas conforme a formação e experiência individual.

Perrenoud (1999, pg 8) ainda defende que “uma competência nunca é a implementação

‘racional’, pura e simples de conhecimentos, de modelos de ação, de procedimentos”. A

apropriação de conhecimentos somente se completa como competência quando permite sua

mobilização em situações de ação. O pensamento de Paulo Freire (2005) complementa esta

visão, ao considerar que, apesar do conhecimento formal ser básico, até o mais simples dos

homens tem condições de reconhecer-se como condicionado e não como determinado: ao

aplicar sua experiência e problematizar a própria vida (e não torná-la inexorável), a

competência individual se desenvolve.

Voltando a Perrenoud (1999), este entende que outrora as empresas se apropriaram da noção

de “competência” e a equivaleram à “qualificação”. As transformações de trabalho, lembra o

autor, flexibilizando procedimentos e delegando aos funcionários a solução de problemas da

empresa tornaram insuficiente a simples alocação de indivíduos com as qualificações-padrão

para determinado cargo. O teórico considera que é preciso gerenciar competências, no sentido

mais amplo, original e profundo da expressão, para que as ações de preparação deste

desenvolvimento sejam estruturadas da base para o alto, partindo da experiência pessoal e da

apreensão da realidade individual. Como descrito na seção Introdução, para Perrenoud (1999)

é fundamental que o indivíduo moderno, independente de sua qualificação, domine suas

competências básicas, que são analisar um texto e constituir as intenções do autor, argumentar

com a finalidade de convencer alguém cético ou um oponente, construir uma hipótese e

verificá-la, detectar uma falha no raciocínio de um interlocutor, negociar e conduzir um

projeto coletivo.

Dutra (2008) ressalta que, para se compreender a realidade da gestão de pessoas na empresa

moderna é necessário considerar a complexidade da entrega como um conceito importante, já

que requer alguns desdobramentos a serem ponderados: a análise das pessoas a partir da sua

individualidade, a análise das deficiências individuais, a análise da efetividade das ações de

desenvolvimento e a adequação destas ações.

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O autor exemplifica cada um destes desdobramentos: a não-entrega por parte de uma pessoa

teoricamente competente para tal pode ter sido motivada tanto por deficiências da organização

quanto por deficiências individuais – o modo de sanar as deficiências, portanto, requer uma

análise anterior de suas causas; quando individuais, estas podem se apresentar como de falha

de formação básica, inabilidade inata ou falta de experiência, por exemplo. A elaboração em

conjunto de um plano de desenvolvimento pode criar uma cumplicidade entre pessoas e

organização, aumentando o mútuo comprometimento e as chances do trabalho ser bem

planejado e devidamente cumprido; uma orientação que Dutra (2008) dá quanto à elaboração

de um plano de desenvolvimento é a análise da individualidade com o foco em explorar os

pontos fortes da pessoa: o autor sugere que o crescimento, nestes casos, se dá de forma mais

elaborada e sofisticada.

Para Zarifian (2001) no desenvolvimento de pessoas o conjunto de conhecimentos e

habilidades acumuladas não é o mais importante; a riqueza está na evolução do nível de

complexidade que ela consegue articular. Dutra (2008) salienta que decorre daí a prática de

promoções laterais, onde um profissional pode transferir-se para outra atividade, às vezes até

tecnicamente desconhecida, mas com o mesmo nível de complexidade a que ele está apto a

entregar valor à empresa.

A ampliação da compreensão de competências proposta por Dutra (2008) - como o conjunto

‘CHA’ que entrega valor; a sugestão de Zarifian (2001) sobre a articulação na complexidade

como fator de desenvolvimento, além da ponderação de Perrenoud (1999), reforçada por

Freire (2005), de que as competências são representações da realidade, construídas,

armazenadas e libertadoras, são algumas das perspectivas sobre competências propostas nesta

fundamentação teórica.

Na próxima seção será apresentada a verificação científica do caso em estudo, descrita em

pormenores nos itens da metodologia de pesquisa que trataram da estratégia adotada e da

técnica utilizada para a análise dos dados levantados, bem como dos limites e limitações deste

estudo.

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36

3 METODOLOGIA DE PESQUISA

A metodologia adotada para este estudo teve como referência a busca da resposta à questão de

pesquisa: qual a percepção dos stakeholders diretamente envolvidos no trabalho de educação

setorial ‘reforço de escolaridade’ quanto ao resultado desta ação de suporte às demandas das

indústrias do complexo de Suape?

Para direcionar os rumos da pesquisa foram consideradas as seguintes questões norteadoras:

a) Qual a percepção dos demandantes do trabalho de educação setorial ‘reforço de

escolaridade’ quanto à necessidade de desenvolvimento de competências básicas individuais

dos trabalhadores para as indústrias do complexo de Suape?

b) Qual a percepção dos executores do trabalho de educação setorial ‘reforço de escolaridade’

quanto à necessidade de desenvolvimento de competências básicas individuais dos

trabalhadores para as indústrias do complexo de Suape?

c) Qual a percepção dos alunos participantes do trabalho de educação setorial ‘reforço de

escolaridade’ quanto ao desenvolvimento de suas competências básicas individuais (conforme

teoria de Perrenoud)?

É importante ressaltar que tanto a pergunta de pesquisa quanto as perguntas norteadoras

guardam relação direta com os objetivos geral e específicos apresentados em seção anterior.

Na próxima seção segue a apresentação relativa ao tipo de pesquisa que será aplicada.

3.1 O tipo de pesquisa

Para responder às questões norteadoras, o tipo de pesquisa utilizado foi o estudo de caso, com

caráter exploratório e qualitativo. Entendeu-se que a teoria de educação setorial poderia gerar

melhor entendimento sendo explorada em um caso específico, já que existem poucos estudos

neste campo. Como os objetivos pretendem compreender a percepção dos stakeholders

envolvidos, mediante entrevistas, o enfoque qualitativo é o que melhor se presta para

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subsidiar uma análise de seus conteúdos, já que, segundo Mattos (2006), muitos problemas

que permeiam as organizações escapam ao pesquisador quando expressos em números. Para

este autor, a entrevista qualitativa torna-se rica ao incrementar a reflexão sobre o conteúdo

pela análise pragmática da conversação.

Para Yin (2005) a escolha do estudo de caso como estratégia de pesquisa está condicionada ao

tipo de questão de pesquisa proposta, à extensão de controle que o pesquisador tem sobre

eventos comportamentais atuais e ao grau de controle em acontecimentos contemporâneos,

em oposição a acontecimentos históricos. Partindo do pressuposto que o objeto de estudo

desta pesquisa focaliza acontecimentos contemporâneos, não exige controle sobre eventos

comportamentais e a questão de pesquisa não utiliza a série “quem, o que, onde, como e por

que”, a definição de Yin (2005) sugere ser o estudo de caso a estratégia adequada.

Quanto ao conceito de estudo de caso, tanto Yin (2005) quanto Stake (1994) têm a mesma

abordagem, retratando que não é apenas uma escolha metodológica, e sim uma escolha do

objeto específico a ser estudado, sem a intenção de generalização. O que pode ser replicado a

partir de um estudo de caso é a teoria, e não a inferência obtida dos dados.

Contudo, Yin (2005) chama a atenção da importância de não confundir ‘estudo de caso’ com

‘pesquisa qualitativa’, pois esta última pode fazer parte de uma pesquisa etnográfica, cujo

interesse está na descrição da cultura de um grupo social, por exemplo, o que difere do

interesse do estudo de caso. Ainda existem outros entendimentos sobre o assunto: André

(2005), seguidora de Stake, tem uma visão diferente de Yin quanto a estudo de caso, tanto que

na sua concepção trabalha com “estudo de caso de tipo etnográfico”.

A atual pesquisa, contudo, será qualitativa e utilizará a estratégia do estudo de caso de caráter

exploratório, seguindo os preceitos da teoria de Yin (2005).

Para Gil (2007) o delineamento da pesquisa através de estudo de caso é a análise exploratória

contextual profunda de um ou poucos fatos, e é utilizado principalmente quando os limites

não estão claramente definidos. Este estudo empírico enfatiza os detalhes e fornece

importantes informações para a solução de problemas. Para o autor, as pesquisas exploratórias

têm como principal finalidade esclarecer ou modificar idéias. São desenvolvidas com o

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objetivo de proporcionar visão geral sobre determinado fato, que normalmente envolve tema

pouco explorado e difícil de formular hipóteses precisas e operacionalizáveis.

Para Cooper e Schindler (2003) o estudo exploratório é útil quando não se tem uma idéia clara

dos problemas que serão enfrentados durante o estudo, principalmente quando a área

explorada é nova ou vaga, pois variáveis importantes podem não estar claramente definidas.

Por fim, os mesmos autores consideram que a pesquisa qualitativa – que será o caráter desta

pesquisa, é o tipo que melhor se adapta ao estudo exploratório.

Sendo assim, considerando os autores supra citados, para um estudo de caso de educação

setorial na região de Suape, o estudo exploratório está adequado.

Na seção a seguir serão apresentadas as ações utilizadas nesta pesquisa para a coleta de dados.

3.2 A coleta de dados

Seguem abaixo os três momentos distintos e não-sequenciais em que a pesquisa foi realizada:

3.2.1 Entrevistas semi-estruturadas com representantes dos stakeholders sobre suas

percepções quanto às expectativas de desenvolvimento de competências básicas dos

potenciais trabalhadores das empresas do complexo de Suape. Todas as entrevistas sofreram

uma rodada de pré-teste, foram gravadas digitalmente e posteriormente transcritas.

Quanto ao formato, os roteiros das entrevistas encontram fundamentação teórica em Gil

(2007): foi traçado um planejamento minucioso quanto à duração, ao ambiente, a disposição

física do entrevistador e do entrevistado, a clareza nas perguntas, respostas não implícitas,

perguntas elaboradas para evitar recusa em responder, questões feitas diretamente ao

entrevistado, ordenamento das perguntas visando o interesse do respondente. Os roteiros das

entrevistas com os stakeholders demandantes, executores e participantes encontram-se

respectivamente nos Apêndices A, B e C, no final deste estudo.

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Em relação ao conteúdo dos roteiros de entrevista, a base teórica utilizada foi Dutra (2008),

no tocante aos entendimentos sobre ‘competência’ e Perrenoud (1999) em relação às

competências básicas e individuais.

No total foram dezoito entrevistados, assim distribuídos:

Quatro representantes dos stakeholders demandantes:

a) Presidente da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco – FIEPE;

b) Ex-Diretor de RH do Estaleiro Atlântico Sul;

c) Secretário de Educação do município de Ipojuca;

d) Secretário Executivo do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e

Gás Natural (PROMINP-PE).

Tais entrevistados foram escolhidos por serem os únicos demandantes que se envolveram

diretamente com o trabalho de ‘reforço de escolaridade’, sendo, portanto, as pessoas com

mais condições de expressar a percepção dos demandantes. O Presidente da FIEPE representa

os empresários industriais; o Diretor de RH de uma indústria (na época da demanda do

trabalho) envolveu-se pessoalmente nas discussões e formulações da demanda. O Secretário

de Educação de Ipojuca representa a classe política, demandante direta deste trabalho que foi

gerado e colhido em Ipojuca. Por fim, o Secretário Executivo do PROMINP-PE foi o

articulador entre governo, empresas e executantes quando das negociações de demanda.

Oito representantes dos stakeholders executores, escolhidos pelo seu envolvimento com o

programa ‘reforço de escolaridade’ nos seus diversos níveis, seja articulando a operação,

gerenciando os executores ou executando propriamente dito o trabalho.

• Coordenadora Nacional da Universidade Corporativa do SESI – UNISESI;

• Superintendente do SESI-PE;

• Diretora de Operações do SESI-PE;

• Gerente da Unidade de Negócios do SESI - Cabo de Santo Agostinho;

• Diretor Técnico do SENAI-PE;

• Professores de matemática que lecionaram pelo programa (duas pessoas);

• Professora de português que lecionou pelo programa.

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Tanto no grupo de executivos quanto no grupo de professores, o limite para as entrevistas foi

um misto de conveniência (a lista de stakeholders demandantes ficou satisfatória) com

saturação de conteúdo. A Diretora de Operações, por motivos de agenda, foi a última a ser

entrevistada, mas antes dela as percepções já estavam se repetindo, o que tornou a ocorrer

com suas respostas. O mesmo ocorreu quanto aos professores: a professora de português foi a

última a ser entrevistada e, mesmo com toda sua riqueza de percepções, o principal do

conteúdo já havia sido discorrido anteriormente por seus colegas, professores de matemática.

Seis representantes dos stakeholders participantes:

• três alunos-trabalhadores que tiveram notas altas no curso,

• três alunos-trabalhadores que tiveram notas baixas no curso.

Tais participantes foram escolhidos aleatoriamente dentre os alunos-trabalhadores com

melhores e piores notas do primeiro grupo de 300 pessoas que receberam o ‘reforço de

escolaridade’. Foi considerado importante ouvir trabalhadores com desempenhos diferentes

para reduzir o risco de o desempenho viciar as percepções para apenas um tipo de visão. A

quantidade de seis alunos-trabalhadores deu-se por conveniência, considerando que os

mesmos fizeram parte do grupo focal.

Para Gil (2007) a entrevista pode ser considerada a técnica por excelência na investigação

social. Ele avalia a entrevista focalizada como de tipo livre, mas razoavelmente estruturada,

considerando que deve abranger um foco bem específico. O entrevistador faz algumas

perguntas diretas e deixa o entrevistado falar livremente, desde que seguindo a uma restrita

pauta (o pesquisador deve cortar se o assunto sair do foco). A partir da memória, anotações e

gravações, o pesquisador após a entrevista terá condições de reconstruí-la de forma mais

estruturada, possibilitando uma análise mais objetiva da mesma.

Godoi e Mattos (2006) notam que a condução da entrevista através de sutis “trilhas” não torna

previsível a conversação, já que a mesma deve continuar seguindo o sentido do raciocínio do

entrevistado, mesmo que redundante. Cabe ao entrevistador procurar interagir para não deixar

lacunas vazias, sem, contudo, induzir as respostas. Os autores consideram que o centramento

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da entrevista sobre um tema específico é fundamental para o aprofundamento da investigação,

neste tipo de entrevista.

Um outro tipo de coleta de dados foi feito, além das entrevistas supra citadas, através da

realização de um grupo focal, como melhor descrito na próxima seção.

3.2.2 Grupo focal com alunos-trabalhadores.

Foi realizado um grupo focal com a participação de oito pessoas, escolhidas aleatoriamente

dentre os alunos-trabalhadores que já concluíram o curso de reforço de escolaridade. A

duração da reunião do grupo focal foi de uma hora e trinta minutos, tendo sido utilizado um

gravador digital para posterior transcrição dos dados. O pesquisador foi o moderador.

Cooper e Schindler (2003) sugerem que o moderador utilize dinâmicas de grupo na troca de

idéias, sentimentos e experiências em um tópico específico. Foi entregue individualmente aos

participantes uma cópia de notícia de jornal veiculada naquele dia, tratando de um tema do

contexto dos participantes: a greve dos motoristas de ônibus (ver Anexo A). Foi pedido que

todos lessem individualmente o texto, e logo após o moderador conduziu um debate,

questionando individualmente a compreensão do texto lido e as intenções do autor do texto.

Posteriormente, foi realizada uma discussão sobre o ponto de vista de cada um a respeito do

tema, técnica esta complementada por simulações de negociação entre patrões e empregados.

O moderador conduziu as discussões para que todos os aspectos importantes a serem

observados fossem tratados, o que efetivamente aconteceu.

No decorrer da dinâmica foi observado o desempenho de cada participante do grupo, com o

intuito de investigar o estágio de desenvolvimento das cinco competências básicas individuais

apresentadas por Perrenoud (1999), ou seja, analisar um texto e constituir as intenções do

autor, argumentar com a finalidade de convencer alguém cético ou um oponente, construir

uma hipótese e verificá-la, detectar uma falha no raciocínio de um interlocutor, negociar e

conduzir um projeto coletivo.

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Oliveira e Freitas (2006) recomendam o grupo focal quando é necessário, dentre outras

situações, o fornecimento de interpretações dos resultados dos participantes em decorrência

de estudos iniciais. Os autores consideram que, atualmente, as duas principais técnicas de

coleta de dados qualitativos são as entrevistas individuais e a observação participante em

grupos. O grupo focal combina estas duas técnicas, tendo em vista que algumas das

competências que se procura desvelar são decorrentes de ações (argumentação e negociação).

A homogeneidade do grupo relacionada ao assunto em questão é fator importante para o

sucesso do grupo focal, lembram Cooper e Schindler (2003): o fato dos escolhidos terem feito

parte do mesmo grupo inicial dos 300 alunos-trabalhadores mais bem classificados na região

de Suape demonstra que este requisito foi devidamente atendido.

Ao todo, compondo um montante de 7 horas e 5 minutos de entrevistas, foram entrevistadas

vinte diferentes pessoas, considerando que seis das oito pessoas do grupo focal também foram

entrevistadas individualmente.

A próxima seção tratará da metodologia escolhida para análise dos dados.

3.3 A análise dos dados Na etapa da análise dos dados foram utilizados os procedimentos de Bardin (2006) quanto à

técnica de ‘análise de conteúdo’ como método de interpretação dos dados pesquisados. Todas

as entrevistas foram gravadas digitalmente, transcritas e classificadas, visando facilitar a

hermenêutica.

Para Bardin (2006, pg 33) a análise de conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise das

comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo

das mensagens”. É um instrumento marcado por grande quantidade de formas de aplicação,

tendo em vista a amplitude de seu objeto principal: a comunicação. A autora considera este

método empírico e dependente do tipo de fala a que se dedica, bem como do tipo de

interpretação que se pretende como objetivo.

Para Bardin (2006) a primeira etapa é a descrição analítica. O processo começa com o

tratamento descritivo, depois a fragmentação em categorias, a definição de unidades de

contexto e a classificação em registros. A autora orienta que a segunda etapa deve ser a

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inferência, onde se utiliza a dedução lógica para entender as causas e as conseqüências dos

enunciados classificados por categorias. Esta etapa intermediária deve considerar o contexto

em que foi gerado o dado, bem como as características do emissor e do destinatário da

informação. A terceira etapa é a interpretação, que procura o significado das características

encontradas anteriormente.

O desenvolvimento da análise de dados da pesquisa seguiu minuciosamente as

recomendações acima, construindo a seguinte arquitetura de etapas:

Escolha de um dos objetivos secundários >> Leitura de todas as entrevistas >> Registro dos

primeiros critérios >> Releitura das entrevistas >> Seleção e recorte de mensagens

significativas >> Classificação das mensagens por subcategorias >> Classificação das

subcategorias em categorias >> Classificação das categorias em dimensões >> Organização

das dimensões mediante cada um dos objetivos secundários.

Cabe salientar que em algumas destas etapas foi necessário retornar mais de uma vez às

transcrições das entrevistas para confirmar o entendimento da fala e garantir a coerência da

classificação dos dados, como demonstrado abaixo no Quadro 2.

Quadro 2: árvore de análise de conteúdo (autoria própria).

X

X

Dimensões Categorias

X

X

X

X

X

X

X

X

X

Objet ivo Especí f ico

X X

X X

X X

X X

X X

X X

Subcategorias

X X

X X

X X

X X

X X

X X

Descrição Analítica

Codifi cação

Árvore de Análise de Conteúdo

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Bardin (2006) afirma que o processo de análise de conteúdo é simples, porém trabalhoso, caso

seja feito manualmente. Ela expressa, porém, que a recente multiplicação de softwares pode

ser uma armadilha, já que conduz a uma redução da quantidade de leitura pelo pesquisador, e

conseqüentemente restringe as chances de insights a respeito do conjunto palavra-imagem-

som-gestual, somente capturáveis na íntegra pela mente humana. Atento a captar todas as

informações necessárias, o pesquisador optou por ser artesanal: foi também o moderador do

grupo focal e o realizador de todas as entrevistas. Além disso, o registro e a organização dos

dados foram realizados manualmente, utilizando como apoio o software Microsoft Office

Excel 2003. A única ajuda externa solicitada foi a terceirização da transcrição das gravações.

3.3.1 A percepção do entrevistado: mediadora na análise dos resultados da pesquisa

Todas as entrevistas foram conduzidas pretendendo capturar a declaração de percepção dos

entrevistados. Para tanto, o condutor deste trabalho de pesquisa precisou identificar a

importância e o tipo de percepção de cada público.

No caso dos alunos-trabalhadores, tratados como stakeholders participantes, foi considerado

como referência teórica o entendimento de Skinner sobre percepção. Sobre esta linha de

pensamento Lopes e Abib (2002) destacam que tradicionalmente toda a percepção da

realidade tem como resultado uma “representação mental” do mundo percebido, baseada na

teoria de reforço de condicionamento de Skinner. Para esta linha teórica, quando uma pessoa

tem um problema significa que ela está diante de uma situação onde uma resposta apresenta

uma certa probabilidade de ser emitida, dependendo da existência de uma estimulação

externa. No caso específico da pesquisa em questão, uma possível nova percepção da

realidade por parte dos alunos-trabalhadores pode ser considerada mediante o reforço externo

do trabalho de educação setorial a que foram submetidos. Segundo os autores, ao serem

expostos a novos paradigmas de mundo, os alunos-trabalhadores podem formar novas

“cópias” de realidade, mediadas pelo estímulo em questão. Esta consideração foi levada em

conta pelo entrevistador no momento da pesquisa e, posteriormente, da avaliação dos

resultados.

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Condicionados pela retórica construtivista dos professores, os alunos-trabalhadores puderam

abrir novas janelas cognitivas e vislumbrar outras opções de mundo. Contudo, como

decorrência do trabalho comportamental mediador de ‘reforço de escolaridade’, é possível

identificar insights nas falas que demonstram auto-descobertas reveladoras, tanto de formação

de novos horizontes de vida quanto de consciência social.

Por outro lado, os entrevistados que foram agrupados como stakeholders demandantes e

executores, em decorrência de sua evidente diferenciação social, tiveram suas percepções

consideradas mediante uma linha de pensamento fenomenológica. Merleau-Ponty (1994)

considera incompleto o esquema comportamentalista de estímulo-resposta proposto por Lopes

e Abib (2002), já que um novo conceito de sentido e de ação é necessário. O autor propõe que

a consciência perceptiva dos agentes, pois além do condicionamento do comportamento

mediante visões de “representações da realidade” a vivência aperfeiçoa e orienta a percepção

de mundo. Segundo o autor, o reducionismo é permitido sob condução da experimentação da

consciência. Desta forma, quando os stakeholders mais experientes em relação a formatos de

entendimento da realidade avaliam de forma reduzida o comportamento resultante dos alunos-

trabalhadores após o ‘reforço de escolaridade’. A redução desta avaliação deve-se, segundo o

autor, à necessidade do entrevistado a delimitar a “cópia da realidade” dos alunos como algo

menor e incluso em sua visão mais ampla do que é real.

A sutileza da linguagem dos stakeholders demandantes e executores contrapõe-se à

espontaneidade dos stakeholders participantes, de modo mais do que proporcional à

escolaridade de cada grupo de entrevistados. Quem vislumbra pela primeira vez uma nova

realidade expressa tal fenômeno de modo mais contundente do que as pessoas que já tiveram

esta e outras novas visões do que considera real. Apreende-se, por fim, que a experiência de

optar por diversas alternativas de vida interfere no comportamento de modo a causar tanto

impacto quanto os condicionamentos reforçados por essa mesma realidade.

3.4 Limites e Limitação

Dos 5400 alunos-trabalhadores que receberam o ‘reforço de escolaridade’, os 300 mais bem

classificados fazem parte da primeira turma. Focar apenas nos primeiros 300 é uma

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delimitação assumida como escopo da pesquisa, por questões de conveniência e

acessibilidade, já que as outras turmas serão formadas após a conclusão deste estudo.

Outro limite da pesquisa foi a opção de ser feito um recorte da percepção dos entrevistados; se

a mesma tivesse um enfoque longitudinal é possível que as respostas tivessem um amplitude

temporal que apresentasse diferentes contribuições ao estudo.

Como limitação é possível apontar a influência da subjetividade nas percepções dos

entrevistados, permitindo que aspectos estranhos ao assunto pesquisado, tais como os estados

emocional e físico dos entrevistados, além de sua própria escolaridade, possivelmente estejam

refletidos no resultado das entrevistas.

No projeto original estava prevista a realização de três grupos focais, porém a dificuldade de

agendar com os alunos-trabalhadores, já que estudam e trabalham no Cabo e moram na zona

rural de Ipojuca, possibilitou somente a montagem de um grupo focal, limitando o resultado

da pesquisa.

Apesar das limitações este estudo contribuiu para o aumento do entendimento acerca da

interferência de um trabalho técnico, o “reforço de escolaridade”, na ampliação de visão de

mundo dos participantes e nas implicações desta evolução no desempenho de suas funções

profissionais.

A próxima seção tratará da análise dos resultados encontrados nas entrevistas realizadas com

os representantes dos stakeholders envolvidos com o ‘reforço de escolaridade’.

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47

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Para a análise de dados primários, decorrentes de entrevistas e grupo focal, foram necessário

organizar os dados em 9 dimensões, 23 categorias, 49 subcategorias, 71 descrições analíticas

e 184 codificações (recortes de trechos de falas). A partir da próxima seção serão apresentadas

em pormenores tais análises, inferências e interpretações, distribuídas por objetivos

específicos.

4.1 Análise do primeiro objetivo específico

O primeiro objetivo específico trata da percepção dos demandantes. Com a análise das

entrevistas foram identificadas três dimensões de percepção dos demandantes, assim

denominadas: ‘tipo de qualificação esperada’, ‘resultado esperado da qualificação’ e

‘amplitude da visão quanto às pessoas’. Cada uma destas dimensões está baseada em uma

série de categorias, como consta no Quadro 3:

Quadro 3: dimensões e categorias - demandantes (autoria própria).

Entendimento de competência

Modelo Americano

Planejamento

Expectativa

Tempo

Projeto querido

Tipo de Qualificação Esperada

Resultado Esperado da Qualificação

Amplitude da Visão Quanto às

Pessoas

Modelo Francês

Projeto renegado

Dimensões Categorias

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Tais categorias, por sua vez, são agrupamentos de subcategorias que representam os

elementos de mensagem obtidos na análise de conteúdo das entrevistas. Antes de aprofundar

o entendimento sobre cada uma destas mensagens, o Quadro 4 apresenta esta síntese:

Quadro 4: categorias e subcategorias - demandantes (autoria própria).

A primeira dimensão foi chamada de ‘tipo de qualificação esperada’ pela razão de ser

necessário um nivelamento inicial quanto ao entendimento dos entrevistados sobre os tipos

eficazes de qualificação para atender às demandas de contratação. Neste sentido, foram

identificadas três categorias que representam o pensamento deste grupo de pessoas. A

primeira categoria trata dos diversos entendimentos da expressão ‘competência’, largamente

utilizada nas entrevistas (tanto perguntas quanto respostas). Tais entendimentos estão

organizados em três subcategorias, nomeadas por ‘conceito competência’, ‘competências

básicas’, ‘competência visão ampla’. A segunda e a terceira categorias agrupam expectativas

que demonstram a linha seguida pelos entrevistados, no tocante ao seu entendimento sobre

desenvolvimento de competências. Enquanto a segunda categoria reúne subcategorias de

mensagens com aspectos similares à escola americana, a terceira categoria contém elementos

que remetem à escola francesa. O Quadro 5 é uma representação gráfica desta hierarquia de

dados:

Entendimento de competência

Modelo Americano

Planejamento

Expectativa

Tempo

Projeto querido

Modelo Francês

Projeto renegado

Conceito de Competência Competências Básicas

Domínio da Tecnologia Absorção

Contextualização Empreendedorismo

Atendimento às demandas Educação Corporativa

Inclusão Horizontes

Emergência Carga horária

Melhoria da educação Eficiência Infraestrutura

Papel do Estado

Categorias Subcategorias

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49

Quadro 5: categorias e subcategorias – demandantes – primeira dimensão (autoria própria).

A primeira inferência que se faz desta análise é que os stakeholders demandantes não têm

claramente definido o conceito de ‘competência’ conforme apresentado na fundamentação

teórica por Eboli (2004), quando tal termo é usado num contexto de desenvolvimento humano

na organização. Desta forma, o ‘fazer bem feito’ é evocado como ‘competência’ por todos os

entrevistados representantes de empresários ou governo. Tal limitação no entendimento é

esperada, tendo em vista o termo em questão ser mais socializado no meio acadêmico ou nas

áreas de recursos humanos das empresas, mas contém em si uma demonstração da qualidade

da demanda apresentada aos stakeholders executores. A fala do ex-diretor de recursos

humanos de uma das empresas demandantes confirma esta interpretação:

“se você falar em recursos humanos hoje, falar em habilidade e competência, muita

gente vai saber de fato o que é, tá legal? Mas, é... Esse meio é um pouco mais

complicado. Vão entender pelo lado de ser competente ou não” (Demandante B)

Questionados a elaborar uma reflexão mais profunda quanto às competências básicas

individuais necessárias para o atendimento das demandas das empresas do complexo de

Suape, os entrevistados foram unânimes em apontar a ‘capacidade de analisar um texto e

constituir as intenções do autor’ (Perrenoud, 1999) como a mais importante, como se

confirma através da fala de um representante das indústrias:

“é você pegar o manual do equipamento de uma máquina, ler ali e começar a

trabalhar com ela” (Demandante A)

Entendimento de competência

Modelo Americano

Modelo Francês

Conceito de Competência Competências Básicas

Domínio da Tecnologia Absorção

Contextualização Empreendedorismo

Tipo de Qualificação Esperada

Dimensão Categorias Subcategorias

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Com menos ênfase do que esta competência foi citada, também, a ‘capacidade de negociar e

conduzir um projeto coletivo’ (Perrenoud, 1999). Vale salientar que tal resposta surgiu

somente após o estímulo dirigido da conceituação de competência e da apresentação da lista

de competências básicas individuais de Perrenoud. Mesmo assim, pode ser inferido que existe

a perspectiva de trabalho em equipe, apesar da solidão no desempenho das funções de

montagem e solda (que será o destino das primeiras centenas de alunos-trabalhadores que

receberam a qualificação em estudo).

Em contraponto ao fato dos demandantes não esperarem que haja discussão ou argumentação

quanto aos manuais de equipamentos, aproveitando o exemplo citado na última fala, ficou

transparente no conteúdo dos entrevistados que serão considerados naturais encontros

informais de trabalhadores, antes ou depois da execução das tarefas de montagem e solda,

onde deverão ser freqüentes conversas sobre melhores práticas e aperfeiçoamento de

processo. Neste contexto, passa a ser mais bem delineada a rotina da ação dos trabalhadores,

ampliando-se a visão dos stakeholders demandantes quanto ao trabalho que possa extrapolar

os limites da tarefa esperada.

Considerando na fundamentação teórica que, para Dutra (2008), o estudo de competências

diferencia as escolas francesa e americana, foram mantidas as mesmas expressões na

categorização dos diferentes entendimentos dos stakeholders entrevistados, que demonstraram

mais afinidade com a visão americana. Uma inferência que pode ser deduzida das diversas

falas é que a competência mais desejada por este grupo de entrevistados é a correta aplicação

do conhecimento técnico: a eficiência no cumprimento da tarefa foi ratificada como o

esperado. Com reduzida expectativa pela busca pessoal de inovação, revisão de processos ou

solução de problemas sistêmicos, a seguinte mensagem de um representante dos demandantes

sintetiza a idéia de que o desenvolvimento básico do indivíduo deve estar restrito a uma visão

“taylorista digital”:

“antigamente, uma moto niveladora ela... Você funcionava com oito a dez

alavancas. Hoje, é joystick, você trabalha com GPS, tem que entender de

trigonometria" (Demandante D)

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Diferente da uniformidade do conteúdo das entrevistas destes primeiros stakeholders, uma

visão mais ampla sobre o assunto foi apresentada pelo representante do PROMINP. Este, por

sinal, em todos os momentos das entrevistas, demonstrou que sua função no projeto de

reforço de escolaridade foi de ligação técnica entre os demandantes e os executores. Como

evidência pôde ser observado que, ao longo da entrevista o conteúdo de sua fala transita entre

estas duas linhas de diferente raciocínio. Tal articulação voltará a ser citada no decorrer da

apresentação de resultados da pesquisa.

A segunda dimensão foi chamada de ‘resultado esperado da qualificação’, representando tal

expectativa. Neste sentido foram identificadas duas categorias que representam o pensamento

deste grupo de pessoas. A primeira categoria trata da expectativa formada em decorrência do

‘planejamento’ do próprio trabalho de qualificação; quem se envolveu nesta etapa acabou

influindo e delineando sua expectativa mediante a própria experiência de participar do

processo - mesmo que tal participação tenha sido apenas de definir as demandas iniciais. A

segunda categoria é a ‘expectativa’ declarada, que pode ou não ter similaridade com as

demonstrações anteriores de resultado esperado. Tal demonstração de expectativa, por vezes,

representa apenas intenções aparentes, razão esta que torna importante evidenciar a categoria.

Abaixo o Quadro 6, que representa graficamente tal agrupamento de critérios vinculados à

segunda dimensão:

Quadro 6: categorias e subcategorias – demandantes – segunda dimensão (autoria própria).

A visão pragmática esperada dos profissionais entrevistados que representam os stakeholders

demandantes (empresários e políticos) é confirmada de modo curioso: todos demonstram

interesse restrito no cumprimento do projeto acertado com os executores, não havendo espaço

para nenhum questionamento sobre a possibilidade de serem atingidos outros resultados além

da demanda contratada. A descrição analítica feita a partir das falas (visão técnica: além da

demanda original) resumiu uma série de “nãos”. A assumida visão de curto prazo restringiu a

Planejamento

Expectativa

Atender às demandas Educação Corporativa

Inclusão Horizontes

Resultado Esperado da Qualificação

Dimensão Categorias Subcategorias

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expectativa de ganhos percebidos posteriormente. Contudo, ao serem questionados quanto à

expectativa de demanda futura, há uma contagiante empolgação com seu potencial, conforme

fala secretário executivo do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás

Natural (PROMINP):

"porque veja é um efeito desencadeador e multiplicador imenso, o efeito

multiplicador de uma refinaria efeito direto e indireto, efeito... São duzentos e trinta

mil empregos em diversas fases" (Demandante D)

"quer dizer, precisa ter uma atualização sistemática, porque o nível de

diversificação do desenvolvimento de Pernambuco é grande e passa da área de

petróleo e gás, farmoquímico, alimentício, e... siderúrgico" (Demandante D)

"ampliando pra mais nove (sic) municípios que nós já nominamos municípios de

área de abrangência dos empreendimentos. Considerando Recife, Olinda, Paulista,

Igarassu, São Lourenço da Mata, Camaragibe e Sirinhaém e Barreiros"

(Demandante D)

Ratificando a visão objetiva deste grupo de entrevistados, sua percepção unânime de enormes

oportunidades permite antever um delineamento de solução futura para a constância do

desenvolvimento da mão-de-obra local; similar a um esforço consciente para a construção de

uma universidade corporativa setorial, os entrevistados demonstram que estão negociando

futuras ações que reforçam a idéia de um movimento novo e concentrado para subsidiar

determinados focos de crescimento. As próximas citações encontram eco em cada um dos

entrevistados deste grupo de stakeholders demandantes:

"a academia, nós tamos fazendo uma ação junto com a PROMINP (...) nós temos o

núcleo de informática da Universidade Federal de Pernambuco (...) nosso desafio é

discutir a parte de estruturação de simuladores para máquina pesadas internacional"

(Demandante D)

"Centro Brasileiro de Energia Eólica, da Universidade Federal e que nós estamos

fazendo um pólo de desenvolvimento na área de componentes de energia eólica em

Pernambuco" (Demandante D)

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"os docentes, porque eles estão defasados, também, tecnologicamente na fase desse

novo empreendimento (...) , já tem um projeto lá pro nivelamento básico, para o

ensino a distância... Tem que reciclar os docentes, tem que colocar eles, também, na

rota do desenvolvimento, porque se não..." (Demandante D)

"eles vão ter uma condição muito grande de estar preparado para as demais

empresas da região, tem muita empresa chegando. Nós temos hoje oitenta e uma

empresas na região e têm outras chegando, a própria refinaria (...) Tem a prestação

de serviço..." (Demandante B)

"teve, acredito, 60% dos pernambucanos e 40% dos outros Estados, nós

conseguimos sensibilizar a Petrobrás de que isso não precisaria ser feito na

universidade corporativa, inclusive, já que a refinaria está aqui prestigiando as

instituições locais " (Demandante D)

A terceira dimensão procura tratar da ‘amplitude da visão quanto às pessoas’. Ao contrário

das duas dimensões anteriores, que buscam identificar os limites da percepção dos

entrevistados, esta nova dimensão pretende entender como são previstas conseqüências

externas do trabalho, bem como esclarecer as dificuldades internas que porventura possam vir

a ser obstáculos futuros a novos trabalhos como o que está em estudo. A categorização desta

dimensão trata do ‘tempo’, assunto recorrente durante boa parte de todas as entrevistas, além

de fazer referências ao próprio caso em estudo, que divide opiniões quanto a ser um ‘projeto

querido’ e ao mesmo tempo um ‘projeto renegado’. O Quadro 7 demonstra tal organização:

Quadro 7: categorias e subcategorias – demandantes – terceira dimensão (autoria própria).

Tempo

Projeto querido

Projeto renegado

Emergência Carga horária

Melhoria da educação Eficiência Infraestrutura

Papel do Estado

Amplitude da Visão Quanto às Pessoas

Dimensão Categorias Subcategorias

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Uma aparente contradição pode ser entendida quando se faz a análise de conteúdo desta

dimensão. A percepção de sucesso na execução do projeto e seus ganhos para a sociedade e

economia são acompanhados pelo sentimento de tempo perdido, no que se refere ao

retrabalho que se configura uma ação de reforço de escolaridade. Como foi citado na

introdução desta pesquisa, ações de responsabilidade social empresarial podem resultar em

uma eventual substituição de atividades públicas pela emergência dos interesses

organizacionais. Apesar de Porter e Kramer (2006) considerarem usualmente fora do foco

estratégico de uma organização, um projeto de desenvolvimento de competências básicas

individuais no entorno das indústrias pode vir a evitar um futuro desperdício de demandas

lucrativas, a ponto do representante das indústrias de Pernambuco considerar a capacitação da

mão-de-obra como um sinalizador de infra-estrutura, perante investidores externos:

"essas empresas que aqui se instalarão são de altíssima tecnologia (...) Então, nós

temos que efetivamente ter uma mão-de-obra preparada, até porque... é ... Um

elemento que você pode captar investimento para o Estado em função disso" (...)

"Exatamente, é uma infra-estrutura, o conhecimento hoje é infra-estrutura"

(Demandante A)

A relação da ação privada em comparação com a política pública é novamente evidenciada

quando se compara o potencial de novas ações de educação setorial com o PAC (Programa de

Aceleração do Crescimento) do governo federal, conforme fala do secretário executivo

PROMINP:

"eu acho que vou lançar isso até pro secretário e vou dizer: Pernambuco é o nosso

PAE, Plano de Aceleração Educacional focado no investimento" (Demandante D)

A próxima seção trata da análise do segundo objetivo específico desta pesquisa, que é

compreender a percepção dos executores do trabalho de educação setorial ‘reforço de

escolaridade’ quanto à necessidade de desenvolvimento de competências básicas individuais

dos trabalhadores para as indústrias do complexo de Suape.

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55

4.2 Análise do segundo objetivo específico

O Quadro 8, a seguir, demonstra as dimensões e categorias relacionadas ao segundo objetivo

específico desta pesquisa. A percepção dos executores foi estudada utilizando os mesmos

instrumentos de coleta de dados, método e agrupamentos de análise dos demandantes.

Portanto, como pode ser observado, a demonstração gráfica inicial desta organização analítica

é idêntica à demonstrada no Quadro 3:

Quadro 8: dimensões e categorias - executores (autoria própria).

Já a demonstração gráfica da rede de análise de conteúdo do segundo grupo de stakeholders

tem uma particularidade que difere do quadro de categorias e subcategorias dos demandantes:

não foram identificados elementos que justificassem a subcategoria ‘melhoria da educação’,

vinculada à categoria ‘projeto querido’ e à dimensão ‘amplitude da visão quanto às pessoas’.

Em contrapartida, foi acrescentada uma nova subcategoria (‘competência – visão ampla’)

dentro da categoria ‘entendimento de competência’. Segue na próxima página o Quadro 9,

que representa esta organização, similar ao Quadro 4 do primeiro grupo de stakeholders,

contendo apenas estas duas alterações:

Entendimento de competência

Modelo Americano

Planejamento

Expectativa

Tempo

Projeto querido

Tipo de Qualificação Esperada

Resultado Esperado da Qualificação

Amplitude da Visão Quanto às

Pessoas

Modelo Francês

Projeto renegado

Dimensões Categorias

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Quadro 9: categorias e subcategorias – executores – terceira dimensão (autoria própria).

O grupo de stakeholders executores contou, dentre os entrevistados, com uma autora citada na

seção de fundamentação teórica: Joana D´Arc Machado Cerqueira, coordenadora nacional da

Universidade Corporativa do SESI - UNISESI. Apesar de não ter atuado diretamente na

formatação ou execução do projeto em estudo nesta pesquisa, seu modelo conceitual teve

importância na formulação teórica deste trabalho de educação corporativa setorial.

Diferente do grupo de demandantes, os executores trataram o termo ‘competência’

envolvendo conceitos mais profundos de educação e gestão. Tanto que a subcategoria

‘competências básicas’, uma das dezesseis relativas a este objetivo específico, responde por

35% de todas as mensagens recortadas para codificação. Das seis descrições analíticas que

procuraram explicar esta subcategoria, o ‘pensamento estruturado pelo raciocínio lógico’

consiste na mais relevante. Diretamente compatível com as expectativas demonstradas pelos

stakeholders demandantes, ‘saber pensar’ é uma competência básica aparentemente óbvia,

mas pouco presente no público em questão, caso seja feita uma rigorosa análise orientada

pelas demandas das organizações competitivas. Como o desenvolvimento primário do

pensamento analítico e lógico pode ser estimulado com uma constância de ações de

condicionamento cerebral (Pinker, 1999), esta demanda das empresas encontra respaldo direto

pelo estudo de disciplinas como matemática e lógica. De acordo com Freire (2005), a opção

pelo modelo pedagógico de contextualização permite extrair da ambiência e da experiência o

Entendimento de competência

Modelo Americano

Planejamento

Expectativa

Tempo

Projeto querido

Modelo Francês

Projeto renegado

Conceito Competência Competências Básicas Competência Visão Ampla

Domínio da Tecnologia Absorção

Contextualização Empreendedorismo

Atendimento às demandas Educação Corporativa

Inclusão Horizontes

Emergência Carga horária

Eficiência Infraestrutura

Papel do Estado

Categorias Subcategorias

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57

desenvolvimento de uma pessoa mais completa. Abaixo algumas frases cortadas das

entrevistas, tomado o cuidado de não citar nenhum dos três professores que também foram

entrevistados neste grupo de stakeholders:

"o que eu quero é alguém que solde com perfeição, com perfeição... Corte a chapa

com perfeição e não me interessa a escolaridade formal. A formal interessa pouco,

mas interessa que ele domina amplamente os manuais, a leitura e a lógica e a

matemática” (Executor D)

"eu acho que essa questão do raciocínio lógico e relações interpessoais são

competências pra esse público que a gente tá querendo... Fundamentais, porque tem

que fazer com que o pessoal pense, não só fique robotizado" (Executor E)

"você precisa exercer competências básicas no respeito a competências de

linguagem, competências de raciocínio lógico, é... competências relacionadas a sua

possibilidade de lidar com as ações do mundo, de raciocínio" (Executor C)

Ainda na categoria ‘competências básicas’, um segundo grupo de descrições analíticas trata

de assunto não abordado nas demandas contratadas: ‘desenvolvimento cognitivo’. Após as

respostas às entrevistas, quando foi apresentado aos stakeholders demandantes o assunto

‘amadurecimento baseado em experiência e raciocínio’, foi unânime a importância dada ao

fato desta visão não constar do contrato inicial. Apesar de não demandado, para os executores

o desenvolvimento deste tipo de competência individual era tão básico que sua ausência não

foi questionada. Foi o secretário executivo do PROMINP o articulador de uma revisão da

demanda, garantindo a formalização da expectativa de competências básicas. Ainda nas

entrevistas realizadas com os stakeholders demandantes permanece evidente uma

compreensão superficial sobre o assunto. A seguinte fala, relativa à entrevista de uma

professora do reforço de escolaridade, é um bom exemplo da amplitude do tratamento dado,

notadamente além da simples qualificação técnica profissional:

"um suporte de exercício de cidadania, a visão ética, a responsabilidade, o respeito,

o compromisso e também as relações interpessoais que seriam: a postura

profissional, a elevação de auto-estima e também a valorização da cultura

pernambucana" (Executor H)

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Abaixo segue outro extrato das falas de dois professores que, apesar de entrevistados

separadamente, demonstram a clareza do entendimento quanto às competências que deveriam

ser trabalhadas:

"hoje, trabalhando com matemática, você pode usar o erro, você pode errar e

trabalhar com o erro e acertar com o erro e aprender com o erro" (Executor F)

“aprender com o erro? É importante errar. É lógico que a gente recomenda que

sempre acerte, mas só não erra quem não tenta, quem não faz, não é?" (Executor B)

A frase abaixo corresponde à entrevista concedida pela gestora nacional de educação

corporativa do SESI; demonstrando alinhamento quanto ao entendimento da expectativa e do

modo de realizá-la:

"o indivíduo pode sair com conhecimento técnico sobre uma determinada área de

conhecimento, pode sair com a parte técnica formada, mas não necessariamente

com competências" (Executor C)

Abaixo, a mesma entrevistada fala sobre a abrangência que pode ter o trabalho de

desenvolvimento de competências básicas individuais:

"se você capacitou uma pessoa em competências básicas, aquela pessoa foi

trabalhar numa indústria prestadora de serviços na região, numa borracharia (...) No

comercio local, numa prestação de serviços, aquele elemento ajuda a dinamizar o

processo produtivo local, porque você coloca pessoas mais capacitadas em outros

segmentos (...) Outra empresa pequena, de um ramo diferente daquele do porto de

Suape que se instale nas imediações, pode utilizar essa competência que você

formou" (Executor C)

Além da contextualização, a transversalidade interdisciplinar é outra opção pedagógica

adotada que não constava da demanda original. Como o tempo era restrito, além de grande a

quantidade de pessoas a serem educadas, tornou-se importante o encaixe de todos os temas

tratados em sala de aula, mesmo que em diferentes disciplinas. Seguindo as orientações

pedagógicas de Freire (2005), a idéia foi utilizar a experiência como matéria-prima dos novos

conhecimentos, mas não apenas a carga de vivências, como também o que foi trabalhado em

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dentro da sala de aula. Como exemplos práticos de como a contextualização e a

transversalidade foram tratados no ‘reforço de escolaridade’, foram selecionadas algumas

páginas das apostilas de língua portuguesa e matemática, disponíveis no Anexo B deste

estudo.

Conscientes de que estavam construindo uma das etapas mais importantes da história de boa

parte dos alunos-trabalhadores, os professores demonstraram nas entrevistas que se

comunicavam entre si e com os professores do SENAI, onde futuramente aqueles alunos-

trabalhadores iriam continuar seu aprendizado. Mesmo tratando, nesta etapa futura, apenas de

conhecimentos técnicos, a carga experimentada no reforço de escolaridade continuará

surtindo efeito por um bom tempo, em decorrência desta transversalidade dos ensinamentos.

Abaixo o relato da professora de português que assumiu, também, a tarefa de estimular os

alunos-trabalhadores a se desenvolver no relacionamento interpessoal:

"é o teu momento de estudo, mas sabendo que a partir dali vai ser um pulo, um

passo para o mercado de trabalho (...) Aí tão dizendo que eu já não estou levando

mais a área de educação, tô levando mais pro lado de empresa, isso até me

incomoda. Mas, é... Tem que ser o real. É a realidade, né? É a realidade vivenciada

no dia-a-dia, é isso que eu tenho que passar pra eles (..) Que não tinha

conhecimento e, a partir do momento que ele se dedica, lê e aprende coisas novas, é

um conhecimento que ele vai levar para o resto da vida" (Executor H)

A segunda dimensão que foi pesquisada junto aos executores foi o ‘resultado esperado da

qualificação’. Retorna um assunto tratado pelo grupo de demandantes: a educação

corporativa, agora no depoimento de um executor. É importante complementar as falas

anteriormente citadas da entrevista do diretor técnico do SENAI sobre sua impressão quanto

ao potencial de novas ações de educação corporativa:

"as top de linha, elas são capazes de fazer sua própria formação profissional, mas

não é papel dela fazer ensino médio, não é papel delas manter uma faculdade. Ouvi

do estaleiro (..): nós precisamos de engenheiro naval, engenheiro de planejamento

naval, engenheiro de estrutura naval, engenheiro de segurança com especialidade

em naval e engenheiros de instrumentação. Cinco engenheiros nós precisamos, me

entregue isso de qualquer forma, engenheiro me entregue de qualquer forma que

aqui a gente complementa" (Executor D)

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A terceira dimensão ‘amplitude da visão quanto às pessoas’ utiliza a mesma estrutura

categórica do primeiro objetivo específico. É consenso entre todos os executores que a

urgência com que foi executado o projeto interferiu de modo negativo no aproveitamento de

seu potencial. O preparo dos professores, a entrega do material didático e a própria execução

das aulas poderia ter garantido um melhor resultado, caso os prazos fossem maiores. O

interessante é que o assunto “tempo” também foi relevante para os demandantes, no sentido

da emergência com que surgiu a demanda e a pressa para preparar os trabalhadores e dispô-

los ao mercado.

A próxima seção trata da análise do terceiro objetivo específico desta pesquisa, que é

compreender a percepção dos trabalhadores do trabalho de educação setorial ‘reforço de

escolaridade’ quanto à necessidade de desenvolvimento de competências básicas individuais

para as indústrias do complexo de Suape.

4.3 Análise do terceiro objetivo específico

O trabalho de coleta de dados para atender ao terceiro objetivo específico desta pesquisa

utilizou dois instrumentos diferentes, cujo resultado será apresentado a seguir. Se comparado

com os quadros anteriores, é possível observar que o Quadro 10, apresentado na próxima

página, demonstra novas dimensões e categorias de dados. A primeira e a segunda dimensões

foram obtidas através da análise do conteúdo das entrevistas feitas com os trabalhadores,

tendo como objetivo identificar sua percepção quanto ao desenvolvimento de competências

básicas individuais, em decorrência do caso em estudo. Já a terceira dimensão é fruto do

grupo focal realizado com alguns alunos-trabalhadores, com categorias e subcategorias

específicas.

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Quadro 10: dimensões e categorias - trabalhadores (autoria própria).

A seguir serão apresentados os Quadros 11 e 12, que representam as duas primeiras

dimensões observadas na busca de atingir o terceiro objetivo específico desta pesquisa. Os

quadros serão apresentados em seqüência para que possa ser percebida a pequena diferença de

agrupamentos entre tais dimensões:

Quadro 11: categorias e subcategorias - trabalhadores – primeira dimensão (autoria própria).

Quadro 12: categorias e subcategorias – trabalhadores – segunda dimensão (autoria própria).

Pessoal

Mundo Exterior

Pessoal

Mundo Exterior

Conhecimento Fundamentado

Criatividade Fundamentada

Expectativa

Percepção de Auto-

desenvolvimento

Observação

Interpretação Inadequada

Dimensões Categorias

Pessoal

Mundo Exterior

Auto-estima Frustração

Horizontes Abertura Organização

Expectativa

Dimensão Categorias Subcategorias

Pessoal

Mundo Exterior

Auto-estima Frustração

Horizontes Volta ao estudo Abertura Relacionamento

Expectativa

Dimensão Categorias Subcategorias

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A primeira dimensão representa as expectativas dos trabalhadores e sua percepção quanto às

intenções do projeto do qual eles participaram. A primeira categoria que surgiu de suas falas

foi a ‘pessoal’, organizando as subcategorias ‘auto-estima’ e ‘frustração’. Pelos conteúdos das

entrevistas é possível deduzir que o reforço de escolaridade causou severo impacto pessoal em

todos os participantes. Aparentemente uma nova dimensão de mundo se abriu para eles,

abertura esta conduzida de modo a permitir que a grande maioria dos participantes pudesse

assumir o controle das conseqüências deste insight que, em alguns casos, será a maior

oportunidade de suas vidas.

No início da entrevista foi recorrente o uso de palavras como valor, interesse, abertura,

despertar, recomeçar, futuro, esperança, oportunidade e crescimento. A descrição analítica é

representada pela expressão ‘valorização da pessoa’, cuja mensagem diz que é possível se

desenvolver, ser útil e progredir na vida.

Tal necessidade de acreditar que se tem valor suficiente para melhorar de situação contrapõe-

se com sua própria ‘história de fracassos’, expressão utilizada para representar a descrição

analítica da subcategoria frustração. Acostumado a ter mais dissabores do que alegrias, o

público entrevistado demonstra algum receio de que algo fora de seu controle saia errado e

desmanche este momento especial de esperança no próprio potencial. A auto-estima e o medo

do fracasso andam juntos no imaginário destas pessoas, provavelmente reforçado pelo choque

cultural a que foram expostos, e pela insegurança de ainda não terem completado o ciclo de

qualificação profissional pelo SENAI. Mesmo que vários dos entrevistados já sejam

funcionários “de carteira assinada” de alguma empresa de Suape, a inexperiência com a

sensação de segurança profissional é expressa no conteúdo de suas entrevistas.

Os horizontes, contudo, são tão prósperos que mesmo os mais receosos se rendem às fórmulas

que acabaram de aprender, como se fosse um caminho infalível para progredir na vida. A

maioria dos entrevistados assegura que pretende continuar estudando, estimulados pelo

recente reforço de escolaridade. Entusiasmados e com a auto-estima reforçada, eles afirmam

que sua concepção de futuro mudou à medida que tomaram consciência do retorno de seus

esforços. Via de regra, tais pessoas encontram-se em situação financeira muito delicada, e o

esforço de continuar estudando permite-lhes antever um diferencial considerável na renda em

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médio prazo. A influência positiva desta nova visão de “mundo possível” normalmente

contagia ao menos mais uma pessoa na família, seja companheiro, irmão, filho ou amigo

próximo; foi afirmado que muitas pessoas que não participaram do reforço de escolaridade

passaram a acreditar mais em si mesmo e confiar na melhoria do futuro, caso haja um esforço

adicional e o retorno aos estudos.

A esperança declarada nas entrevistas foi classificada na categoria ‘horizontes’, e contém três

descrições analíticas distintas dispostas com freqüência similar. Alguns tratam esta visão de

futuro com uma ‘esperança emocional’, acreditando nas promessas, no governo e nos que

“comandam”. Tal comportamento passivo pode ser observado nas seguintes falas:

"estaria acreditando porque o governo não investiu o dinheiro dele à toa e o custo

disso é muito alto. E o rapaz foi bem claro: vai chamar todo mundo"

(Participante E)

"fui criado em engenho, meus pais trabalhadores rurais, mas foram as pessoas que

sempre me deram uma boa educação (...) fico até emocionado (...) mas tem

esperança, né? Porque tanto faz velho, como novo, não faz diferença"

(Participante F)

"não, isso aí, ele vai ter que esperar porque vão ser chamados (...) nessa palestra, o

rapaz que é bem claro, ele disse que todos vão ser chamados (...) Os que tiraram

melhores notas, iam ser chamados primeiros, porque ele explicou...(...) Embora que

eu seja a última, mas eu vou tá esperando. Torcendo pra ser chamada"

(Participante A)

O segundo grupo de percepções foi representado pela descrição analítica ‘esperança racional’,

que mantém suas expectativas mediante as notícias de investimentos na região. Esta postura,

ainda que representada por um comportamento um tanto passivo, ao menos fundamenta sua

crença em fatos e dados, embora não tenha controle algum sobre eles nem procure validá-los.

Algumas falas exprimem bem as percepções classificadas por este critério:

"então, se ele deu a palavra que iria chamar, então a gente tem que aguardar,

esperar que vai ser chamado. Se não for aproveitado para o Estaleiro, mas tem a

Refinaria aí" (Participante E)

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"porque eles nos explicaram muito bem que não era só pro estaleiro, era pra

refinaria, pra empresas que tá chegando" (Participante B)

O terceiro grupo que representa a subcategoria ‘horizontes’ é representado pela descrição

analítica nomeada de ‘esperança ativa’. É mantida viva a expectativa de que as promessas de

emprego se solidifiquem, mas o próprio reforço na escolaridade permite procurar outros

empregos, visando aumentar segurança. A confiança continua, mas de maneira ativa. Duas

frases representam esta postura:

"então, acho que não deve se desesperar e também não deve parar, deve procurar

outro meio, também não vai ficar só esperando, vamos procurar outro meio, né?"

(Participante A)

“bom, eu esperaria ser chamado e tentaria procurar algum emprego enquanto o

chamado não chegava" (Participante D)

Continuando a explorar a categoria ‘mundo exterior’, iniciada pelo estudo acima da

subcategoria ‘horizontes’, é apresentada agora a subcategoria ‘abertura’. De contexto mais

social do que o anterior, de cunho econômico, a abertura aqui tratada representa três

descrições analíticas, elaboradas na tentativa de explicar diversas falas agrupadas pela

similaridade de sentido do seu conteúdo. A primeira destas descrições traduz a ‘descoberta

pessoal’ que muitos dos trabalhadores sofreram nos últimos meses. A fala de uma das

entrevistadas foi de uma sinceridade e tão direta que tem condições de representar esta

mensagem, repetida por outras pessoas:

"foi pra abrir a mente de muitas pessoas, como a minha mesma já estava totalmente

fechada" (Participante A)

Esta classificação naturalmente remete para duas novas descrições analíticas, talvez as mais

fortes e veementes de todas as 71 descrições levantadas nesta pesquisa: a ‘inclusão cultural’ e

a ‘inclusão social’. A primeira trata de algo aparentemente singelo, mas inovador para aquelas

pessoas: ver televisão, entender o que está sendo falado e ter interesse em saber mais sobre

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tais assuntos. Abaixo será transcrita a frase de um professor, que foi entrevistado no grupo de

stakeholders executores, mas cujo depoimento representa bem a sutileza do avanço:

"notação científica, falam lá no diário, que é o jornal, 2,3 milhões de brasileiros...

Eles não sabem o que significa isso" (Executor B)

Ao demonstrar a amplitude que tomou sua vida, sem nenhuma revolução aparente, uma aluna

fez comentário que reforça as palavras supra citadas do professor:

"alertar as pessoas pra estudar mais, melhorar o conhecimento, passar a conviver,

ah... Ler mais jornal, revista, assistir mais” (Participante D)

Por fim, o terceiro agrupamento de percepções sobre o tema ‘abertura’ não trata de sua

experiência pessoal, nem de seu interesse pelas coisas do mundo, mas sim de sua descoberta

da importância das outras pessoas. O trabalho específico de relacionamento interpessoal

ajudou as pessoas a expandirem sua consciência sobre a dependência de outras pessoas, bem

como da conseqüência de suas atitudes para outros. Os entrevistados destacaram uma sensível

melhoria no relacionamento, alcançado simplesmente pela descoberta da importância “do

outro”. Novamente será apresentada a frase de uma professora, mesmo que esta tenha sido

entrevistada para atender a outro objetivo específico. Contudo, o depoimento da professora de

português permite compreender a direção que foi dada no momento da orientação da

disciplina. Imediatamente após esta frase será destacada a fala de um aluno-trabalhador que

salienta sua percepção prática desta mesma descoberta:

"a preocupação de como fazer uma entrevista em determinada empresa, seja em

Suape, seja em uma farmácia, em um supermercado... Como ter o comportamento...

(...) de como ele fazer uma entrevista, como ele se expressar, usar a oralidade, o

tom de voz, usar as três (sic) palavras mágicas, que é um boa noite, um bom dia e

um boa tarde, um por favor, um obrigada, um com licença... " (Executor H)

"como é que você vai se comportar dentro de uma empresa" (Participante E)

Completando a análise do conteúdo apreendido nas entrevistas com os trabalhadores, dentro

da categoria ‘mundo exterior’, foram organizadas algumas falas mediante a subcategoria

‘organização’, representada pela expressão analítica ‘exigir seus direitos’. Instigados a criticar

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o projeto de reforço de escolaridade, os trabalhadores citaram uma série de melhorias

passíveis de serem colocadas em prática em uma próxima versão deste trabalho.

A segunda dimensão da pesquisa que visa atender o terceiro objetivo específico, assim como a

primeira dimensão, está agrupada pelas categorias ‘mundo exterior’ e ‘pessoal’. Contudo,

enquanto a primeira dimensão procurou organizar as expectativas, a segunda tentou dispor as

percepções do auto-desenvolvimento propriamente dito.

Sendo assim, o primeiro subgrupo de percepções trata da ‘empregabilidade’. Diferente do

cenário de Pernambuco de alguns anos atrás, no entendimento deste grupo de trabalhadores,

agora há empregos e pessoas qualificadas para disputá-los. As duas frases selecionadas a

seguir representam esta “nova fase”. Merece destaque o fato de uma delas tratar não apenas

do seu emprego, mas também do interesse em saber do emprego dos colegas:

"ser uma pessoa capacitada, que nunca tive essa oportunidade que agora eu tô

tendo" (Participante F)

"até o ponto de que, hoje, os meus companheiros que acompanharam as aulas

comigo, tiveram as aulas, eles foram... Estão, hoje, no Estaleiro, né?"

(Participante F)

A segunda descrição analítica tem relação com esta primeira citada. Para além da

empregabilidade, os trabalhadores estão pela primeira vez pensando em uma ‘carreira

profissional’, fato que confirma o conjunto da análise demonstrada até então. As falas da

entrevista de um mesmo trabalhador espelham esta preocupação também demonstrada por

outros entrevistados:

"sou soldador, me fez sonhar em ser... Dar mais um pulo que é ser inspetor de

solda" (Participante E)

"quem sabe no futuro, fazer uma faculdade e se Deus quiser, eu vou chegar lá"

(Participante E)

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É provável não ser por acaso que justamente esta dimensão e categoria tenham o maior

número de subcategorias. O mundo exterior na percepção do auto-desenvolvimento une

pragmaticamente a mudança interna com as oportunidades externas. Sendo assim é possível

entender o contexto que confere importância para a subcategoria ‘volta ao estudo’, que é

analisada em dois pontos de vista antagônicos mas que convivem nas mesmas pessoas: voltar

a estudar é, ao mesmo tempo, ‘investimento no futuro’ e ‘resgate do passado’. A educação

será o fundamento de novas conquistas, mediante a superação dos obstáculos que

anteriormente afastaram o sujeito do estudo. As três frases citadas abaixo, ditas

separadamente por diferentes entrevistados, contêm, na sua simplicidade, um encadeamento

lógico que permite deduzir como as duas subcategorias acima podem conviver na mente de

uma mesma pessoa:

"mudou muito meu modo de pensar de estudo" (Participante B)

"a perspectiva, agora, é de não deixar de estudar" (Participante E)

"me interessar melhor pelos meus filhos" (Participante A)

O auto-desenvolvimento foi sistematicamente comentado pelos entrevistados, mesmo que não

inquiridos a este respeito. Quando se tratou de averiguar diretamente a percepção dos

trabalhadores, formaram-se três descrições analíticas sobre a subcategoria ‘abertura’. As

mesmas expressões que foram tratadas na dimensão expectativa voltaram a ser necessárias

para agrupar as percepções demonstradas como respostas às entrevistas: ‘descoberta pessoal’,

inclusão social’ e ‘inclusão cultural’. Para evitar repetir os significados já tratados

anteriormente, serão dispostas a seguir algumas frases, carregadas de significados sobre as

percepções quanto à relação do auto-desenvolvimento com a abertura ao mundo:

"eu aprendi ser uma pessoa mais interesseira (sic), antigamente, eu não tinha esse

interesse e agora eu tô tendo" (Participante F)

"melhorou meu aprendizado do dia-a-dia com as pessoas" (Participante D)

"agora tô mais aberta. Passei a falar mais um pouco" (Participante D)

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"eu passei a ler jornal, eu não gostava, né? Revista... De vez em quando, eu assisto

televisão... Jornal... É uma coisa que eu não fazia antes. Eu passei a desenvolver

mais..." (Participante D)

"não foram só professores, como amigos e pais (...) eu acredito que quando nós

estivermos lá no Estaleiro, nós vamos lembrar deles, porque através deles, segundo

eles, foi quem nos ensinou como é que deve-se andar" (Participante F)

No âmbito ‘pessoal’ - nome da categoria que pretende averiguar a percepção de auto-

desenvolvimento dos trabalhadores entrevistados, muita coisa se repete, em relação ao que já

foi posto. Contudo, a confiança na própria capacidade e o fato das pessoas se considerarem

importantes, orgulhosas, são indícios de mudanças na estrutura psicológica e emocional. A

valorização do investimento feito em cada um deles, para usufruto dos próprios, sem a

desconfiança de que estão sendo explorados, teve um impacto acima das expectativas

originais dos demandantes. Neste sentido, três frases recortadas de dois entrevistados

diferentes são emblemáticas no seu significado (o sublinhado em uma delas representa a

entonação mais forte e emocionada no momento da fala):

"fiz na tora, naquela época não tinha curso, nem nada. Então, foi na bruta sorte, tora

mesmo, porque não tinha curso e hoje... (...) Hoje eu me sinto um cara preparado"

(Participante E)

"foi uma coisa que resgatou muita, pelo menos minha, resgatou muita coisa que eu

não conhecia da minha da nossa cultura, principalmente, da minha cultura

pernambucana, que eu sou Pernambucano ! " (Participante E)

"assim, eu sou uma pessoa muito inexperiente com essas coisas de entrevista (...)

Da próxima eu me expresso melhor porque eu nunca fui entrevistada, é a primeira

vez que eu tô começando. É, sinal que eu estou podendo, né?" (Participante A)

Chama-se ‘observação’ a última dimensão que pretende compreender a percepção dos

stakeholders alunos-trabalhadores quanto ao desenvolvimento de suas competências básicas

individuais. O nome desta dimensão decorre do fato das mensagens que foram estudadas

serem decorrentes da observação de um grupo focal. Seguindo a mesma metodologia de

análise de conteúdo, as declarações foram gravadas e transcritas, suas mensagens registradas e

agrupadas em descrições analíticas, subcategorias e categorias, demonstradas no Quadro 13:

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Quadro 13: categorias e subcategorias – trabalhadores – terceira dimensão (autoria própria).

O grupo focal foi observado ao tratar de um tema comum: uma notícia do jornal do dia sobre

a greve dos motoristas de ônibus. Inquiridos a assumirem posturas extremas acerca do assunto

(alguns representaram os donos das empresas de ônibus, enquanto outros simularam ser os

grevistas), notou-se que para todas as pessoas a negociação fluiu mediante argumentações

baseadas nos fatos e dados do texto fornecido. A busca de soluções, inclusive, permitiu a

formulação e discussão de hipóteses. Apesar de o tema ter sido escolhido propositalmente

para despertar emoções, as discussões foram conduzidas racionalmente. As emoções

esperadas afloraram, mas foram bem administradas pelos debatedores. A empatia foi utilizada

de maneira adequada, favorecendo a clareza de idéias dos participantes. Esta investigação

sobre a ação teve como objetivo específico deduzir o quanto o reforço de escolaridade

interferiu positivamente para a segurança, desinibição e raciocínio analítico, confirmando a

contribuição de algumas das competências básicas listadas por Perrenoud (1999): argumentar

visando convencer alguém, construir uma hipótese e negociar um projeto coletivo. Algumas

falas foram pinçadas do material codificado para ilustrar a análise; o linguajar peculiar, ao

contrário de atrapalhar o entendimento, de certa forma enriquece ainda mais o que foi dito.

"Se o empresário vai a justiça, que a justiça já é feita. Por que eles fizeram a greve?

Porque eles tem direito. Então, todo ser humano tem direito e que o direito já é

feito, tá entendendo?" (Participante A – Grupo Focal)

"Porque o salário que a gente tá ganhando não tá sendo adequado aquilo que a

gente tá trabalhado (...) Segundo, nós estamos ganhando um salário de miséria (...)

terceiro que nós temos que fazer uma advertência" (Participante F – Grupo Focal)

"É por isso que eu falei ceder, né? A metade, em ambas as partes, porque ele

também tá sendo prejudicado, não é só o motorista" (Participante C – Grupo Focal)

Notação científica Experiência Citação articulada

Argumentação Hipótese

Observação

Dimensão Categorias Subcategorias

Interferência externa

Conhecimento Fundamentado

Criatividade Fundamentada

Interpretação Inadequada

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A ‘criatividade fundamentada’, nome da categoria que expressa o processo acima

demonstrado de argumentação e negociação relaciona-se diretamente com a próxima

categoria que vai ser analisada: ‘conhecimento fundamentado’. A atitude do trabalhador ao ler

o texto, fazer suas conclusões, além de procurar entender as entrelinhas, permite-lhe supor

algo como “eu sei do que estou falando”. Isto é confirmado com a utilização de fatos e dados

do texto no momento da apresentação de suas idéias e da defesa de seu ponto de vista. Outra

forma de demonstrar fundamentação no conhecimento, principalmente no caso de adultos, é

através do aprendizado pela experiência, quando o próprio sujeito valida a nova informação

dentro de uma contextualização pessoal, repleta de associações e significados relacionados

entre si. As duas frases abaixo, utilizadas no processo de discussão, tiveram o efeito de selar

aspectos que estavam sendo debatidos, tornando quase impossível a continuidade da

argumentação adversária.

"ano passado, vamos supor, a gente fez uma greve que a gente pedia vinte e quatro

vírgula oito por cento... Oitenta e sete por cento, aí vocês propôs cinco vírgula vinte

e três por cento" (Participante D – Grupo Focal)

"meu marido, agora, só vai trabalha oito horas. Quer dizer, ele passou a ganhar

menos e a gente tá vivendo, eu acostumada a ganhar mais...(...) Continua

empregado e tamos vivendo aquele menos. Aquele menos, tá dando pra viver. Vai

fazer o quê?" (Participante C – Grupo Focal)

O grupo focal foi formado por três alunos-trabalhadores com notas altas, outros três alunos de

notas baixas e dois com notas intermediárias. O interessante é que não foi unânime o

entendimento dos assuntos tratados: dois dos três alunos-trabalhadores de notas baixas

demonstraram dificuldades na interpretação do texto, fato observado pelas suas falas ao

utilizarem dados influenciados por expressões e exemplos complementares de outras pessoas,

mas sem fundamentação nos dados dispostos no texto. A amostra não tem representatividade

suficiente para confirmar a justiça das notas baixas para estes alunos, mas também não

desconfirmou o veredicto das notas. As duas frases apresentadas na próxima página servem

de exemplo, pois não têm sustentação no material utilizado (disponível no anexo A desta

pesquisa):

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"Acho que ele escreveu com a intenção de alertar os motoristas (...) estavam

correndo muito perigo, isso não só com assalto, mas buraco na pista"

(Participante H – Grupo Focal)

"A população foram pra rua brigar pelos direitos dos motoristas, dos cobradores"

(Participante G – Grupo Focal)

Com o objetivo de organizar as diversas informações e análises desta seção, serão

apresentados a seguir três quadros-resumo que expressam os resultados dos achados junto aos

stakeholders entrevistados.

O Quadro 14 apresenta o resumo da análise dos três grupos em relação às expectativas de

competências a desenvolver. Poderá ser observado que o único ponto convergente entre os

stakeholders demandantes e os executores trata-se da importância da função da articulação

realizada pelo representante do PROMINP. As percepções dos participantes, por sua vez,

ratificam, com maior ênfase, a ótica dos executores.

Expectativas de competências a desenvolver

Percepção dos demandantes Percepção dos executores Percepção dos participantes

Os stakeholders demandantes não têm claramente definido o conceito de ‘competência’

Os executores trataram o termo ‘competência’ envolvendo conceitos mais profundos de educação

e gestão

Unânimes em apontar a ‘capacidade de analisar um texto e constituir as intenções do autor’ como

a mais importante

O ‘pensamento estruturado pelo raciocínio lógico’ consiste na descrição analítica mais relevante

A necessidade de acreditar que se tem valor suficiente para melhorar de situação contrapõe-

se com sua própria ‘história de fracassos’

Existe a perspectiva de trabalho em equipe, apesar da solidão no desempenho das funções de

montagem e solda

‘Saber pensar’ é uma competência básica aparentemente óbvia, mas pouco presente no

público em questão, caso seja feita uma rigorosa análise orientada pelas demandas das organizações

competitivas

O trabalho específico de relacionamento interpessoal ajudou as pessoas a expandirem sua

consciência sobre a dependência de outras pessoas, bem como da conseqüência de suas

atitudes para outros

Não esperam que haja discussão ou argumentação quanto aos manuais de

equipamentos

Quando foi apresentado aos stakeholders demandantes o assunto ‘amadurecimento baseado

em experiência e raciocínio’, foi unânime a importância dada ao fato desta visão não constar

do contrato inicial

A confiança na própria capacidade e o fato das pessoas se considerarem importantes,

orgulhosas, são indícios de mudanças na estrutura psicológica e emocional

A função do representante do PROMINP no projeto de reforço de escolaridade foi de ligação técnica entre os demandantes e os executores

Foi o secretário executivo do PROMINP o articulador de uma revisão da demanda, garantindo

a formalização da expectativa de competências básicas

Quadro 14: quadro-resumo da análise – expectativas de competências a desenvolver (autoria própria).

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O Quadro 15 é uma representação do resumo das análises dos conteúdos dos três grupos de

stakeholders que tratou de assuntos pertinentes ao planejamento e execução do trabalho. A

primeira linha permite observar uma divergência de percepções entre os demandantes e os

executores, sendo esta ratificada com ênfase pelos participantes. Os demais itens citados

como percepções demonstram, por sua vez, uma convergência de entendimentos de como foi

e como deveria ter sido planejado e executado o trabalho.

Planejamento do trabalho

Percepção dos demandantes Percepção dos executores Percepção dos participantes

Todos demonstram interesse restrito no cumprimento do projeto acertado com os

executores, não havendo espaço para nenhum questionamento sobre a possibilidade de serem atingidos outros resultados além da demanda

contratada

Além da contextualização, a transversalidade interdisciplinar é outra opção pedagógica adotada

que não constava da demanda original

A valorização do investimento feito em cada um deles, para usufruto dos próprios teve um impacto acima das expectativas originais dos demandantes

É consenso entre todos os executores que a urgência com que foi executado o projeto interferiu

de modo negativo no aproveitamento de seu potencial

A percepção de sucesso na execução do projeto e seus ganhos para a sociedade e economia são

acompanhados pelo sentimento de tempo perdido O assunto “tempo” também foi relevante para os demandantes, no sentido da emergência com que

surgiu a demanda e a pressa para preparar os trabalhadores e dispô-los ao mercado

Quadro 15: quadro-resumo da análise – planejamento do trabalho (autoria própria).

O Quadro 16, apresentado a seguir, completa a série de resumos das análises, demonstrando

uma convergência de percepções quanto à visão de futuro de Pernambuco, no que tange à

capacitação de profissionais para o atendimento às potenciais demandas. Apesar da

expectativa e do planejamento da execução conter divergências entre as percepções dos

diversos stakeholders, parece que finalmente há consenso quando se fala das oportunidades e

desafios do futuro.

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Visão de futuro

Percepção dos demandantes Percepção dos executores Percepção dos participantes

A assumida visão de curto prazo restringiu a expectativa de ganhos percebidos posteriormente

Para além da empregabilidade, os trabalhadores estão pela primeira vez pensando em uma

‘carreira profissional’ A carga experimentada no reforço de escolaridade continuará surtindo efeito por um bom tempo, em

decorrência desta transversalidade dos ensinamentos

A maioria dos entrevistados assegura que pretende continuar estudando, estimulados pelo

recente reforço de escolaridade Contudo, ao serem questionados quanto à expectativa de demanda futura, há uma

contagiante empolgação com seu potencial Diferente do cenário de Pernambuco de alguns

anos atrás, no entendimento deste grupo de trabalhadores, agora há empregos e pessoas

qualificadas para disputá-los

O representante das indústrias de Pernambuco considera a capacitação da mão-de-obra como um

sinalizador de infra-estrutura

Retorna um assunto tratado pelo grupo de demandantes: a educação corporativa, agora no

depoimento de um executor Entusiasmados e com a auto-estima reforçada, eles afirmam que sua concepção de futuro

mudou à medida que tomaram consciência do retorno de seus esforços

Quadro 16: quadro-resumo da análise – visão de futuro (autoria própria).

Na próxima seção serão apresentadas as conclusões e sugestões oriundas da análise dos

resultados da pesquisa, confrontados com a fundamentação teórica.

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5 CONCLUSÕES E SUGESTÕES

5.1 Conclusões

Porter e Kramer (2006) foram citados na primeira página da Introdução desta dissertação;

nada mais justo que sejam evocados em seu final, para que voltem a afirmar que “a única

sustentabilidade real é a duradoura”. Para que a sustentabilidade de Pernambuco e de suas

empresas possa se tornar duradoura, faz-se necessário tomar uma série de providências. E

uma delas é investir na preparação das pessoas, potencialmente a principal vantagem

competitiva pernambucana dos próximos tempos.

A presente dissertação procurou tratar deste assunto com o cuidado de quem tem nas mãos

algo de muito valor. Afinal, o ‘reforço de escolaridade’ foi a primeira ação de grande porte

envolvendo os trabalhadores da região de Suape, e ocorreu justamente no momento em que

começaram as obras de infra-estrutura que vão dar condições à instalação de grandes

empresas que deverão incrementar a renda de todo o Estado.

Como problematizado, o objetivo geral deste estudo foi compreender a percepção dos

stakeholders diretamente envolvidos no trabalho de educação setorial ‘reforço de

escolaridade’ quanto ao resultado desta ação de suporte às demandas das indústrias do

complexo de Suape. Não que haja dúvidas quanto à relevância conferida ao trabalho, contudo

mediante a compreensão da percepção de diversos pontos de vista talvez seja possível

desvendar ainda mais riquezas além das que usualmente são divulgadas.

Para tanto, na primeira etapa desta pesquisa acadêmica foi necessário entender a base teórica

relativa aos conhecimentos colocados em prática no caso de ‘reforço de escolaridade’. Neste

sentido foram estudados alguns fundamentos de responsabilidade social, desenvolvimento de

competências, aprendizagem e educação corporativa. Partindo para a coleta de dados, foram

inquiridos vinte representantes dos stakeholders que tiveram envolvimento direto com o caso

em estudo. O conteúdo de suas entrevistas foi trabalhado mediante metodologia científica, e o

resultado permite compreender um pouco mais as percepções dos envolvidos neste trabalho. É

evidente que tais percepções não podem ser generalizadas como se fossem idênticas para

todos os pares dos entrevistados: o objetivo, quando utilizada esta metodologia, é outro. A

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profundidade do que foi exposto permite capturar parte das percepções de alguns dos

principais stakeholders deste e de outros trabalhos similares que eventualmente serão

desenvolvidos no futuro. O importante, no fundo, é a possibilidade de ampliar a visão em

relação à facetas das teorias, mediante o exemplo de um caso em estudo, fato que dificilmente

ocorreria em um exercício apenas teórico.

A pesquisa foi norteada pela busca de percepções de três diferentes grupos de pessoas, em

relação ao mesmo assunto. Por observarem ou atuarem a partir de diversas posições, era

esperado que sutilezas ganhassem forma e, juntas, formassem um novo corpo.

Na pesquisa referente ao primeiro objetivo específico, que tentou compreender a percepção

dos stakeholders demandantes do trabalho de reforço de escolaridade em relação ao

desenvolvimento de competências básicas individuais dos participantes, a discussão dos

dados resultou na compreensão de que este grupo de pessoas demonstra uma dificuldade

inicial em encarar a mão-de-obra como ‘sujeitos’. Orientados pela formação técnica (comum

a todos), e acostumados a tomar decisões sem emoções, tais stakeholders demonstram

‘objetivar’ as pessoas. Pelas suas falas, as pessoas são recursos econômicos (fazem parte da

infra-estrutura).

Além disso, foi identificado um caráter de emergência para realização do ‘reforço de

escolaridade’ que sugere servir de desculpa para a superficialidade das ações; por trás de tal

pressa encontra-se a idéia de que devem ser tratados com celeridade os assuntos de aparente

menor importância.

Contudo, tais stakeholders acreditam que capacitar é um processo simples e totalmente

mecânico, algo como: “é só empurrar conhecimento por um lado da máquina para produzir

profissionais, saindo pelo outro lado”. Esta metáfora demonstra que a partir daí a “frieza

racional” dá lugar a certo tipo de ignorância. É certo que não se espera que tais executivos

sejam especialistas em comportamento humano, contudo por falta de conhecimento aspectos

importantes deixam de ser considerados, o que pode influenciar negativamente no resultado

dos negócios. A visão linear em sua expectativa de resultados mediante a capacitação permite

reduzir sua capacidade de perceber a rede de influências e conseqüências que pode ser nutrida

por decisões lógicas - e ao mesmo tempo superficiais, quando o assunto é gestão de pessoas.

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A situação na qual a grande quantidade dos participantes hoje se encontra favorece tal visão

linear. Em considerável parcela dos trabalhadores participantes do ‘reforço de escolaridade’, a

situação é de exclusão social. Contudo, diferente do que se costuma imaginar, a imaturidade

cognitiva demonstra ser mais severa e excludente do que a carência econômica. Decorre

naturalmente destes dois aspectos uma terceira causa excludente: a falta de horizontes. Sem

dinheiro, sem futuro e sem entender o que se passa: o relato dos trabalhadores entrevistados

demonstra uma exclusão fora das previsões dos executivos demandantes do ‘reforço de

escolaridade’, com exceção do Secretário Executivo do PROMINP, cuja missão foi de

transformar esta realidade em códigos que tenham significado na mente dos demandantes, e

retroagir aumentando a objetividade dos stakeholders executores.

Outro grupo de pessoas foi entrevistado com a intenção de atender o segundo objetivo

específico desta pesquisa, que é compreender a percepção dos stakeholders executores, no

que se refere ao desenvolvimento de competências básicas individuais para atender às

demandas das indústrias de Suape.

Comparando este grupo com o primeiro é possível inferir que os executores têm visão

diferente dos demandantes em relação à expectativa de capacitação. Apesar de não ter sido

explicitado, tão logo os executores foram chamados a planejar o trabalho elegeram a

contextualização como método de ensino. Também diferente dos demandantes, de pronto foi

identificada a oportunidade de inclusão social de parte dos participantes do curso. Tal

disparidade deve-se, em boa parte, também à formação acadêmica dos executores (todos da

área de humanas e sociais). Um detalhe sutil, mas significativo, foi a baixa ênfase no

desenvolvimento econômico e tecnológico na visão dos stakeholders executantes desta ação

setorial. Por sinal, tais profissionais somente conseguiram compreender a ênfase setorial

quando a explicação envolvia região geográfica; os interesses do setor econômico que se

tornou o distrito industrial de Suape foram pouco absorvidos por eles.

Como elemento aglutinador do “sonho” deste grupo com o pragmatismo do primeiro existe a

expectativa de perfeição do trabalho de solda naval – é um trabalho onde o erro deve ser zero.

O processo longo de qualificação e certificação deste tipo de atividade exigirá do profissional

anterior trabalho comportamental. Além da inevitável habilidade manual detalhista, o

profissional apto a desempenhar tal função, com a qualidade exigida, deve ter traços

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comportamentais específicos, como comprometimento, paciência e exigência, por exemplo.

Como nesta função os dois grupos de stakeholders concordaram desde o início, o

representante do PROMINP conseguiu engenhosamente articular os contrapontos necessários

para as reais necessidades dos participantes serem atendidas, dentro do limite máximo de

eficiência possível. É por tal motivo que o trabalho acabou sendo executado além das

expectativas dos demandantes, mas dentro de sua expectativa urgente de tempo. Não foi nada

surpreendente, portanto, que a principal reclamação dos executores tenha sido a escassez de

tempo: a velocidade de realização do ‘reforço de escolaridade’ foi impetrada pelos

demandantes, especialistas em pressionar para que o mínimo de recurso seja consumido.

O terceiro objetivo específico que norteou a pesquisa foi compreender a percepção dos

stakeholders participantes do ‘reforço de escolaridade’ em relação às competências básicas

individuais desenvolvidas.

O resultado obtido pelas entrevistas foi de profunda percepção de desenvolvimento de suas

próprias competências básicas. Nem todos, contudo, entendem como tal “despertar” poderá

ser útil no ambiente profissional, já que aparentemente os ganhos foram mais pessoais do que

de conhecimento técnico. Como a intenção era exatamente esta, o resultado sugere que o

trabalho teve o resultado esperado. O fato do entrevistado não ter consciência das

competências que lhe serão exigidas impede-lhe de vincular os ganhos aparentemente só

pessoais com a melhoria de relacionamento interpessoal, entendimento de informações

secundárias, consciência ambiental e desenvolvimento de raciocínio lógico e espacial. É

possível que apenas a melhora do raciocínio numérico possa ser percebida pelo trabalhador

como algo que possa ser útil no seu trabalho.

Como o projeto ‘reforço de escolaridade’ tem como fundamento a educação setorial, a

expectativa de aproveitamento do empregado vai além das primeiras empresas contratantes,

neste início de obras estruturadoras em Suape. Despertado o interesse em continuar

estudando, a tendência de melhoria da escolaridade já é fato, o que sugere desenvolvimento

intelectual e econômico da massa trabalhadora da região nos próximos anos, já que todos os

entrevistados alegaram que desdobraram sua visão de futuro junto a seus familiares: o aluno-

trabalhador passou a ser agente multiplicador do desenvolvimento individual.

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Um aspecto tão importante quanto a melhoria de condições de empregabilidade é a descoberta

das próprias potencialidades, o aumento de auto-estima e de consciência social. Tais

características foram demonstradas como percebidas nas respostas às entrevistas e,

principalmente, observadas nas dinâmicas do grupo focal.

Os resultados com o ‘reforço de escolaridade’ sugerem que, além da expectativa dos

demandantes de garantir o entendimento mínimo da população carente da região para os

cursos de qualificação profissional ministrados pelo SENAI, foram também atingidos as

expectativas dos executores, em relação à inclusão social. Quanto aos stakeholders

participantes, na verdade suas expectativas eram modestas; as carências, contudo, enormes.

Sua percepção é de superação das expectativas, alguma consciência das carências e uma

melhoria razoável nas suas condições de redução de problemas sociais e econômicos em um

futuro de médio prazo.

Os stakeholders que demonstraram maior satisfação, contudo, foram os vinculados com os

poderes públicos. Nem tanto pelo resultado imediato deste trabalho, mas principalmente pela

confirmação do instrumental necessário para alavancar grandes quantidades de pessoas

carentes em direção a uma melhor qualidade de vida: a educação. Como este é um trabalho de

longo prazo, o alento complementar é a influência positiva dos pais participantes do ‘reforço

de escolaridade’ em relação ao aumento do interesse nos estudos de seus filhos.

Atendidos os objetivos específicos, e por conseqüência o objetivo geral, é possível agrupar e

resumir as principais conclusões:

A primeira delas é que as discussões dos dados sugerem que a visão estratégica linear dos

demandantes foi retificada pela correta escolha dos agentes terceirizados – SESI e SENAI,

representantes patronais com experiência em educação.

Outra conclusão é que efetivamente o governo do Estado agiu com visão de educação setorial.

Também se conclui que é viável ser trabalhado o desenvolvimento de competências básicas

individuais dentro de um contexto profissionalizante.

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Nova conclusão é que as organizações não aparentaram perceber seus recursos humanos

como estratégicos, o que sugere uma oportunidade de melhoria.

E, por fim, sugere-se uma especulação baseada nas respostas obtidas: é possível que a cultura

secular de exploração da região tenha sido a causa da não consideração dos recursos humanos

como potencial vantagem competitiva (e, por conseqüência, o Estado ter uma “infra-estrutura

humana” pouco atraente).

A próxima seção vai tratar das sugestões de melhoria para novas versões do ‘reforço de

escolaridade’, bem como de proposições para novas pesquisas.

5.3 Sugestões

Algumas sugestões podem ser feitas, como decorrência do que foi estudado nas teorias e na

pesquisa de campo:

Sugere-se que a comunidade acadêmica se aproxime mais do complexo de Suape, pois o

momento estruturado requer o desenvolvimento de novas pesquisas complementares sobre os

assuntos tratados nesta dissertação, em especial educação setorial.

Além disso, a região demonstra que será grande demandante de gestores qualificados; sugere-

se que os alunos-trabalhadores sejam estimulados desde os cursos médio, de graduação e pós-

graduação a realizarem pesquisas regulares sobre inovação tecnológica, desenvolvimento de

produtos, soluções de logística, arranjos produtivos locais, estudos de viabilidade de

investimentos e gestão de projetos focados na região de Suape.

Quanto às novas turmas de reforço de escolaridade, sugere-se um cuidado especial quanto ao

planejamento logístico, além de incluir no conteúdo temas que estimulem e fundamentem o

empreendedorismo, já que nem todos precisam ser empregados em Suape.

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Aos alunos-trabalhadores que concluíram o curso de ‘reforço de escolaridade’ poderiam ser

desenvolvidos novos trabalhos em seqüência a este, enfocando a educação continuada em

cursos de menor duração para aplicação profissional.

Aproveitando o universo dos atuais alunos sugere-se uma pesquisa que aprofunde um

importante aspecto que chamou a atenção: o desenvolvimento da auto-estima dos

participantes mediante sua inclusão social.

Considerando a grande quantidade de pessoas que ainda necessitam de elevação de

escolaridade, sugere-se avaliar a possibilidade deste trabalho ser realizado utilizando a

tecnologia de educação a distância.

Como proposta de pesquisa futura sugere-se investigar os mesmos alunos-trabalhadores em

um outro momento profissional, acerca do desenvolvimento de suas competências básicas

individuais, permitindo uma futura visão longitudinal, considerando o presente estudo.

Um outro tema importante para estudo futuro seria analisar o efeito multiplicador das ações

do ‘reforço de escolaridade’ em aspectos de ordem social.

Pernambuco vive um momento especial; contudo, em um dado momento, o ‘futuro’ vai

transformar-se em ‘hoje’. Importa acertar nas ações agora para que, neste futuro, todos os

investimentos feitos não tenham sido em vão.

Para além da visão econômica do desenvolvimento do Estado, é interessante ajustar o foco na

necessidade do desenvolvimento das pessoas. Seja considerando a ótica de profissionais

representando a infra-estrutura pernambucana, ou a partir da preocupação com o nivelamento

por cima do padrão de vida do povo mais humilde, é importante um acréscimo nos estudos

aplicados do desenvolvimento desta parcela da sociedade. Sublimar a cultura de exploração,

elemento integrante das raízes históricas desta região do Brasil, urge que ocorra de forma

planejada e sustentável. A eminente migração dos cortadores de cana para o ambiente fabril

em Suape é um exemplo arrebatador da gritante necessidade de se repensar a relação

empresa-empregado; mais do que isso, a inclusão destas pessoas na rede cultural e econômica

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representa a ampliação da intensidade desta espiral de desenvolvimento que os investimentos

privados representarão no PIB do Estado.

Crescer sustentavelmente representa mais do que uma política de governo, ou o

aproveitamento das potenciais oportunidades que se apresentam; crescer sustentavelmente

significa atuar conscientemente da base para o topo da pirâmide social, considerando o

entorno do desenvolvimento e as relações encadeadas deste arranjo produtivo. Fortalecidos

pelos ideais da responsabilidade social, mas acima destes pela necessidade estratégica de

agregar valor, a consciência empresarial no desenvolvimento de sua mão-de-obra potencial

preenche as lacunas sociais que as próprias desigualdades de poder econômico provocaram,

ao longo das últimas décadas.

Assim sendo, desenvolver as competências básicas significa garantir o necessário salto

coletivo de pessoas esquecidas para um novo patamar de consciência e participação social. Os

ganhos desta ação continuarão sendo percebidos após um melhor aprendizado

profissionalizante: uma sociedade mais equânime, justa e participativa.

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APÊNDICES

Apêndice A - Roteiro de entrevista - demandantes

Objetivos Específicos: Compreender a percepção dos demandantes do trabalho de educação

setorial em Suape quanto à necessidade de desenvolvimento de competências básicas

individuais dos trabalhadores para as indústrias do complexo de Suape.

a) Caso alguém comentasse sobre o trabalho de reforço de escolaridade que está sendo feito

junto ao público da região de Suape e utilizasse a expressão “competência”, qual seria o seu

entendimento sobre este termo?

b) Em sua opinião o trabalho de reforço de escolaridade deveria ter o objetivo de desenvolver

competências individuais? Se sim, cite algumas.

c) No seu entendimento o governo do Estado (e potencialmente alguma empresa de Suape)

expressou alguma expectativa quanto ao desenvolvimento de competências individuais

relativas aos alunos classificados para receber o reforço de escolaridade? Se sim, cite algumas

destas competências desejadas por estes patrocinadores.

d) No seu entendimento houve algum tipo de preparação especial para que tais competências

individuais pudessem ser desenvolvidas através do trabalho de reforço de escolaridade? Se

sim, qual?

e) Caso nem todos os alunos sejam empregados pelas empresas do complexo de Suape, que

competências individuais continuariam sendo importantes para sua participação na cadeia

produtiva da região?

f) Na lista de competências básicas individuais abaixo, cite qual (ou quais) seria a mais

importante para ser desenvolvida junto ao público que hoje estuda no reforço de escolaridade:

• analisar um texto e constituir as intenções do autor,

• argumentar com a finalidade de convencer alguém cético ou um oponente,

• construir uma hipótese e verificá-la,

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• detectar uma falha no raciocínio de um interlocutor,

• negociar e conduzir um projeto coletivo.

g) Qual a sua percepção quanto ao trabalho de reforço de escolaridade realizado pelo

SESI/SENAI?

h) Se uma nova versão pudesse ser colocada em prática, o que poderia ser melhorado?

As intenções destas duas perguntas são evidentes a partir da análise de seu próprio enunciado.

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Apêndice B - Roteiro de entrevista - executores

Objetivos Específicos: Compreender a percepção dos executores do trabalho de educação

setorial em Suape quanto à necessidade de desenvolvimento de competências básicas

individuais dos trabalhadores para as indústrias do complexo de Suape.

a) Caso alguém comentasse sobre o trabalho de reforço de escolaridade que está sendo feito

junto ao público da região de Suape e utilizasse a expressão “competência”, qual seria o seu

entendimento sobre este termo?

b) Em sua opinião o trabalho de reforço de escolaridade deveria ter o objetivo de desenvolver

competências individuais? Se sim, cite algumas.

c) No seu entendimento o governo do Estado (e potencialmente alguma empresa de Suape)

expressou alguma expectativa quanto ao desenvolvimento de competências individuais

relativas aos alunos classificados para receber o reforço de escolaridade? Se sim, cite algumas

destas competências desejadas por estes patrocinadores.

d) No seu entendimento houve algum tipo de preparação especial para que tais competências

individuais pudessem ser desenvolvidas através do trabalho de reforço de escolaridade? Se

sim, qual?

e) Caso nem todos os alunos sejam empregados pelas empresas do complexo de Suape, que

competências individuais continuariam sendo importantes para sua participação na cadeia

produtiva da região?

f) Na lista de competências básicas individuais abaixo, cite qual (ou quais) seria a mais

importante para ser desenvolvida junto ao público que hoje estuda no reforço de escolaridade:

• analisar um texto e constituir as intenções do autor,

• argumentar com a finalidade de convencer alguém cético ou um oponente,

• construir uma hipótese e verificá-la,

• detectar uma falha no raciocínio de um interlocutor,

• negociar e conduzir um projeto coletivo.

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g) Qual a sua percepção quanto ao trabalho de reforço de escolaridade realizado pelo

SESI/SENAI?

h) Se uma nova versão pudesse ser colocada em prática, o que poderia ser melhorado?

As intenções destas duas perguntas são evidentes a partir da análise de seu próprio enunciado.

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Apêndice – C - Roteiro de entrevista – alunos-trabalhadores

Objetivo: Compreender a percepção dos alunos participantes do trabalho de educação setorial

em Suape quanto ao desenvolvimento de suas competências básicas individuais (conforme

teoria de Perrenoud).

a) Depois de sua participação neste trabalho de reforço de escolaridade, qual a sua percepção

quanto ao seu desenvolvimento pessoal e profissional? Algo mudou? O quê?

b) Em sua opinião quem planejou este reforço de escolaridade tinha que tipo de expectativas?

c) Até que ponto você considera que atingiu estas expectativas?

d) Pense nos seus colegas de curso que continuam desempregados. Se você estivesse no lugar

deles, o que estaria pensando sobre sua participação no reforço de escolaridade?

e) Qual a sua percepção quanto ao trabalho de reforço de escolaridade realizado pelo

SESI/SENAI?

f) Se uma nova versão pudesse ser colocada em prática, o que poderia ser melhorado?

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ANEXOS

Anexo A – Texto para Grupo Focal

Fonte: Jornal do Commercio, 26/06/2008.

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Material Didático de Matemática

Recife, 2007

Anexo B – Páginas das Apostilas

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Sumário

1. NÚMEROS, PARA QUE TE QUERO? .................................................................... 3 2. QUAL É O PROBLEMA? ........................................................................................ 7 3. ONDE ESTOU? PARA ONDE VOU? ...................................................................... 8 4. 100 PROBLEMAS! .................................................................................................. 12 5. EM SEQÜÊNCIA ..................................................................................................... 15 6. CRESCER PARA EMPREGAR .............................................................................. 19 7. COMPOSTO OU DECOMPOSTO? ........................................................................ 21 8. 100 PROBLEMAS! ................................................................................................... 24 9. PONTO DE VISTA ................................................................................................... 27 10. QUAL É O PROBLEMA? ......................................................................................... 31 11. CABE OU NÃO CABE? ............................................................................................ 32 12. INCLUSÃO DIGITAL................................................................................................ 36 13. QUEM SOU EU? ...................................................................................................... 38 14. 100 PROBLEMAS! .................................................................................................. 40 15. PEQUENAS GRANDEZAS, GRANDES MEDIDAS ............................................. 43 16. QUAL É O PROBLEMA? ........................................................................................ 46 17. POR QUEM? POR CEM! ......................................................................................... 46 18. AGRONEGÓCIO....................................................................................................... 48 19. ARTE COM SIMETRIA............................................................................................ 49 20. 100 PROBLEMAS! ................................................................................................... 53 21. QUEM PARTE E REPARTE..................................................................................... 56 22. QUAL É O PROBLEMA? ......................................................................................... 58 23. POSSÍVEL POSSIBILIDADE .................................................................................. 59 24. ÁGUA: ESCASSEZ E DESIGUALDADE ............................................................. 62 25. DESCE BEM? DECIMAIS! ..................................................................................... 64 26. 100 PROBLEMAS! ................................................................................................... 66

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1) Observe o cupom fiscal abaixo.

a) O que significam os números indicados pela letra A?

b) E os indicados pela letra B?

c) Qual o 2º produto registrado no caixa? E o 3º?

d) O que significam os números indicados pela letra C? e) Em que dia e hora foi emitido esse cupom?

1. NÚMEROS, PARA QUE TE QUERO?

A

B

C

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f) Quanto o cliente poderia ter dado ao caixa, para facilitar o troco e receber 10

reais? 2) Xurupita das Couves fez uma compra no valor de 134 reais nas Casas Mania e

vai realizar o pagamento em cheque. Preencha o cheque de Xurupita. 3) O quadro abaixo mostra o comprimento total de alguns rios. Represente esse comprimento em algarismos.

Rio Comprimento em quilômetros Em algarismos Rone oitocentos e doze Danúbio dois mil oitocentos e cinqüenta Amazonas sete mil e vinte e cinco Sena setecentos e setenta e seis Mississipi três mil setecentos e oitenta Nilo seis mil e setecentos Yang Tse Kiang cinco mil e quinhentos a) Qual o rio mais comprido? b) Quantos quilômetros o rio Amazonas tem a mais do que o rio Nilo? 4) Um sistema bastante prático para representar números é o utilizado pelas calculadoras. A partir de uma forma básica, é possível representar qualquer algarismo. Por exemplo, ao lado representamos o número 13.

Banco

999 Agência

1234 Conta

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Usando esse sistema, represente os números indicados abaixo.

a) quarenta e sete

b) três mil e sessenta e oito c) duzentos e cinco

5) A Refinaria Abreu e Lima, que está sendo construída em Suape, vai aumentar a capacidade de refino no país em 0,8 milhões de barris de petróleo por dia, gerando 1,5 mil empregos diretos, e permitindo a arrecadação de 2,05 bilhões de reais por ano, em impostos. No quadro abaixo, represente esses números em algarismos e por extenso.

Número Em algarismos Por extenso 0,8 milhões 1,5 mil 2,05 bilhões 6) Associe cada um dos números abaixo à sua representação em algarismos.

23,4 milhões 2 340

2,34 mil 23 400

2,34 milhões 2 340 000

23,4 mil 23 400 000 7) Uma outra maneira de representar grandes números é usando a notação científica. Por exemplo, um milhão e oitocentos mil pode ser representado por 1,8 x 106. O quadro abaixo mostra as distâncias aproximadas que separam o sol dos planetas de nosso sistema. Represente cada um desses números em notação científica.

Planeta Distância em quilômetros Em notação científica Terra Cento e cinqüenta milhões Júpiter Setecentos e setenta e oito milhões Vênus Cento e oito milhões Saturno Um bilhão quatrocentos e vinte e sete milhões Netuno Quatro bilhões quinhentos e cinco milhões Mercúrio Cinqüenta e oito milhões Plutão Cinco bilhões novecentos e treze milhões Urano Dois bilhões oitocentos e sessenta e nove milhões Marte Duzentos e vinte e oito milhões

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2. QUAL É O PROBLEMA? Qual é o problema que José Ricardo precisa resolver?

Crie problemas para a situação acima. NA CABEÇA

Calcule mentalmente:

19 – 12 = 9 – 2 = 29 – 22 = 139 – 132 = 21 – 7 = 22 – 8 = 23 – 9 = 24 – 10 = 40 + 60 + 3 = 50 + 7 + 30 = 10 + 4 + 9 = 8 + 20 + 6 =

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LÍNGUA PORTUGUESA COLETÂNEA DE TEXTOS

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ÍNDICE

MÓDULO UNIDADE TEXTOS

Textos 1 e 2 - Calunga e Reisado (Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo) – verbetes Texto 3 – Mapa de praias de Pernambuco - mapa

UNIDADE 1 Pernambuco é o lugar!

Texto 4 - O Litoral Pernambucano – texto expositivo Texto 1 - A chegada dos europeus (Antônio Paulo Rezende) - texto expositivo

Texto 2 - A cobiça flamenga (Antônio Paulo Rezende) - texto expositivo

UNIDADE 2 Recife: um lugar de muitas histórias...

Texto 3 - O boi não bateu asas, mas voou – matéria da revista Ciência Hoje

Texto 1 – Leão do Norte (Lenine e Paulo César Pinheiro) – letra de música UNIDADE 3

Caldeirão de cultura pernambucana Texto 2 – Meu signo de artista (Antônio Nóbrega)

Texto 1 – Economia de Pernambuco (Wikipédia) - verbete de enciclopédia virtual

MÓD. 1 P E R N A M B U C O

UNIDADE 4 Economia em Pernambuco:

mudanças à vista Texto 2 – PIB de Pernambuco entre 1994 e 2004 (Wikipédia) - gráfico

Texto 1 - Revolução Industrial UNIDADE 1 O que é trabalho? O que é emprego?

Texto 2 – O trabalho e o emprego

Texto 1 - Rosalba exalta trabalho voluntário da Liga Norte Riograndense Contra o Câncer - notícia Texto 2 - Voluntariado em alta – notícia Texto 3 - IAP cadastra voluntários para trabalhar em parques estaduais durante o feriado - notícia Texto 4 - Asilo São Vicente de Paulo parabeniza voluntários no Dia Nacional do Voluntariado - notícia

UNIDADE 2 Diversas formas de

trabalho

Texto 5 - Companhia Agrícola Harmonia: um caso de autogestão de empresa pelos trabalhadores - notícia

Texto 1 - A crise no mundo do trabalho (Glória Kok) – texto didático UNIDADE 3

Trabalho e (des)emprego

Texto 2 - Falta pessoal qualificado para refinaria Abreu e Lima – notícia

Texto 1 – 10 minutos para você - folheto informativo

MÓD. 2 T R A B A L H O

UNIDADE 4 Saúde e Trabalho Textos 2 e 3 - Torne seu ambiente de trabalho

confortável a você (Quadra Virtual) - dicas

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Textos 1 e 2 – Manguezal (Roger Mello) – texto expositivo e Os manguezais, de norte a sul – texto expositivo.

UNIDADE 1 Manguezais e meio

ambiente Texto 3 – Manguetown (Nação Zumbi) – letra de música Texto 1 – Como acontece o efeito estufa (revista Nova Escola) - infográfico Textos 2 – O que o aquecimento global pode causar ao Brasil? (Luiz Iria Sattu e Vilmar Oliveira) - infográfico

UNIDADE 2 Aquecimento global

Texto 3 – Na terra onde as crianças não andam (Silva Bessa) - reportagem Texto 1 – Responsabilidade social e meio ambiente (Flavio Valsani) – artigo de opinião Texto 2 - Sustentabilidade da Economia Florestal (Instituto Ethos) – texto expositivo Texto 3 - Responsabilidade Frente às Gerações Futuras (Instituto Ethos) – texto expositivo

MÓD. 3 M E I O A M B I E N T E

UNIDADE 3 Preservar o meio ambiente: quem é responsável?

Texto 4 - Dicas para um consumo responsável (WWF-Brasil) – dicas

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5) O mapa ao lado mostra um pedaço do litoral sul de Pernambuco.

Escala

1 : 5000 000 a) Quantos quilômetros

percorre uma pessoa que sai do Porto de Suape e chega em Nossa Senhora do Ó, passando pelas rodovias PE-060 e PE-038?

b) Rui e Rogério combinaram

de se encontrar no Cabo de Santo Agostinho. Rui saiu do centro de Recife e pegou a BR-101, que está duplicada, até chegar no centro do Cabo. Rogério saiu de Candeias, mas preferiu ir por Ponte dos Carvalhos, apesar dos buracos na pista, até o centro do Cabo. Qual dos dois percorreu a maior quilometragem? Quantos quilômetros a mais?

c) Um Ultraleve decolou de

Candeias e, voando sempre em linha reta, sobrevoou Gaibu e depois Porto de Galinhas, até pousar em Serrambi. Supondo que ele tenha feito essa viagem a uma velocidade de 50 km/h, e sabendo que ele decolou de Candeias às 9 horas, a que horas ele pousou em Serrambi?

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O boi não bateu asas, mas voou

Conheça a incrível história do animal que passeou pelos céus de Recife no século 17!

E então: você acreditaria se alguém lhe contasse que boi voa? Brincadeira ou não, no tempo em que os holandeses invadiram o Recife, um boi voou nos céus da cidade. Essa história, que pode parecer sem pé nem cabeça, começa assim...

Você já deve ter ouvido falar que, para explorar as riquezas naturais do Brasil, veio gente de toda parte. Entre 1580 e 1640, os reinos de Portugal e Espanha dividiam o domínio de nosso território. Nessa história, havia também os holandeses, antigos parceiros dos portugueses na produção de açúcar e responsáveis por sua distribuição no mundo, mas inimigos dos espanhóis. E aí, tudo começa.

Proibidos pelos espanhóis de continuar no Brasil, os holandeses, a partir de 1630, invadiram e dominaram boa parte do Nordeste. Até 1654, fizeram a sede do governo Brasil Holandês em Pernambuco. Entre seus principais feitos está a fundação da cidade de Maurícia, na Ilha chamada Antonio Vaz, atual Recife. O nome da cidade foi uma homenagem ao governante mais famoso nas conquistas holandesas no nordeste brasileiro: o Conde Maurício de Nassau. Ele governou o chamado Brasil holandês entre os anos de 1636 e 1644, e foi o responsável pelo inesperado vôo do tal boi.

Um dia, um boi, uma ponte

No dia 28 de fevereiro de 1644, um domingo, seria inaugurada uma ponte de madeira que o Conde de Nassau havia construído em Recife. Para a ocasião, o nobre holandês organizou um grande espetáculo de comemoração que marcaria também o dia de sua partida do Brasil em retorno à Holanda. Ele queria muita gente e, para isso, conclamou toda a população para assistir a um fato inusitado: ele faria “um boi voar” sobre sua ponte. A ponte sobre o rio Capibaribe separava Recife, sede do governo, da ilha de Antonio Vaz, onde o Conde morava. Era uma obra grandiosa. A ponte possuía uma parte levadiça, permitindo a passagem de grandes embarcações. E o boi, como havia prometido o governante, iria voar sobre ela.

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Ninguém conseguia imaginar de que forma um animal pesado e terrestre como um boi poderia voar. Nassau, por sua vez, aproveitaria a curiosidade geral para ganhar dinheiro e recuperar os gastos com as obras de construção. Todos que quisessem assistir ao espetáculo teriam de pagar uma quantia em dinheiro.

No finzinho da tarde do domingo, o Conde colocou um boi empalhado pendurado numa corda que estava amarrada entre as duas torres do Palácio Friburgo, sede de seu governo, pagando sua dívida com a sociedade. Como assim? Embora parecesse mágica ou algo inexplicável, Maurício de Nassau nada mais fez do que usar sua engenhosidade e seus conhecimentos básicos de ciência. Primeiro, escolheu o animal que participaria do espetáculo. Deveria ser um boi manso, que se mantivesse parado durante todo dia, para ser observado por todos. Escolheu então o "boi do Melchior", um animal de pêlo amarelado, famoso na cidade por entrar nas casas e subir escadas. Enquanto o povo observava de dia, no chão, o boi que iria voar à noite, o Conde ordenou que se arranjasse um bom pedaço de couro, do tamanho mesmo de um boi de verdade. Empalhado, o pedaço de couro foi inflado como um balão. Aí, foi amarrado em cordas bem finas, que não pudessem ser vistas pelo público, que lotava as praias e os barcos. Preso por roldanas, o falso boi foi controlado por alguns marinheiros que o faziam dar muitas cambalhotas em pleno ar para o delírio de todos que pagaram para assistir ao grandioso espetáculo! A apresentação aconteceu com a presença de muitas pessoas, certamente de queixo caído ao ver algo tão inesperado e maravilhoso. O conde foi muito aplaudido pela sua peripécia. Maurício de Nassau cumpriu a promessa de fazer um boi voar, ficando muito conhecido e admirado por todas aquelas pessoas pela sua criatividade e astúcia.

A inauguração da ponte com boi voador fez tanto sucesso que entrou para a história dos holandeses em Pernambuco. E mais, os cofres da Coroa holandesa faturaram uma boa cifra com a cobrança de ingressos, recuperando quase todos os gastos com a construção da ponte. Por causa desta peripécia, de outras tantas e de suas grandes obras, o conde se tornou um personagem lembrado ainda hoje pelos pernambucanos. A história do boi voador atravessa os tempos. Já virou letra de música e até tema de Escola de Samba!

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TEXTO 1 Leão do Norte (Lenine e Paulo César Pinheiro)

Sou o coração do folclore nordestino Eu sou Mateus e Bastião do Boi Bumbá Sou o boneco do Mestre Vitalino Dançando uma ciranda em Itamaracá Eu sou um verso de Carlos Pena Filho Num frevo de Capiba Ao som da Orquestra Armorial Sou Capibaribe Num livro de João Cabral Sou mamulengo de São Bento do Una Vindo no baque solto de maracatu Eu sou um auto de Ariano Suassuna No meio da feira de Caruaru Sou Frei Caneca do Pastoril do Faceta Levando a Flor da Lira Pra nova Jerusalém Sou Luis Gonzaga E eu sou mangue também Eu sou mameluco Sou de Casa Forte Sou de Pernambuco Sou o Leão do Norte Sou Macambira de Joaquim Cardoso Banda de Pifo no meio do Carnaval Na noite dos tambores silenciosos Sou a calunga revelando o Carnaval Sou a folia que desce lá de Olinda O Homem da Meia-Noite Puxando esse cordão Sou jangadeiro Na festa de Jaboatão Eu sou mameluco... (Gravadora Trama)

Para saber mais sobre Lenine, acesse os sites http://www.sobrecarga.com.br/node/view/6004. http://www.lenine.com.br/

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