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Cristiana Alexandra Silva Pereira Educar para Reparar Programa de Justiça Restaurativa no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira: uma visão dos reclusos e dos profissionais envolvidos Universidade Fernando Pessoa Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Psicologia Jurídica Porto, Janeiro de 2016

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Cristiana Alexandra Silva Pereira

Educar para Reparar

Programa de Justiça Restaurativa no Estabelecimento Prisional de Paços

de Ferreira: uma visão dos reclusos e dos profissionais envolvidos

Universidade Fernando Pessoa

Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

Psicologia Jurídica

Porto, Janeiro de 2016

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Cristiana Alexandra Silva Pereira

Assinatura:___________________________________________________

Educar para Reparar

Programa de Justiça Restaurativa no Estabelecimento Prisional de Paços

de Ferreira: uma visão dos reclusos e dos profissionais envolvidos

Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de

Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando

Pessoa, por Cristiana Alexandra Silva Pereira, como

parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre

em Psicologia Jurídica, sob orientação da Professora

Doutora Glória Jólluskin.

Universidade Fernando Pessoa

Porto, Janeiro de 2016

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“Entre o crime e o regresso à virtude, a prisão constitui um

espaço entre dois mundos.”

Foucault (1987)

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Agradecimentos

Ao meu pai, por ser a maior base da minha vida, por nunca me deixar desistir

dos meus sonhos e por todos sacrifícios que faz para que se realizem, por seres o meu

melhor cúmplice e confidente, por nunca me deixares só e caminhares ao meu lado. O

nosso amor não tem fim. És o melhor do mundo!

À minha mãe, por ser uma guerreira e que apesar de todas as batalhas duras que

enfrenta não deixa de caminhar ao meu lado, me apoiar e fazer o possível e o impossível

para me ver bem. Sabes que vamos estar sempre juntas, o nosso amor é infinito!

À melhor família do mundo: a minha. Para vocês não tenho palavras, obrigado

por tudo aquilo que fazem por mim!

À Nelinha, por todo carinho, preocupação, dedicação, empenho, ajuda, partilha

e pelos bons momentos de humor que partilhamos, sempre…és fundamental na minha

vida, e sabes o quanto o foste ao longo desta etapa.

Ao meu irmão do coração. Pelo carinho, amizade, ajuda e por toda a proteção.

Obrigado por me alegrares sempre. És um dos meus portos seguros.

Às minhas amigas da universidade e para a vida, por caminharem sempre comigo

e me apoiarem nos momentos mais difíceis, pelo companheirismo e partilha…foram das

melhores coisas que a vida académica me trouxe. É bom estar ao vosso lado! Obrigado

por estarem sempre comigo, acreditarem em mim e me incentivarem.

Aos amigos de mestrado, ao Luís, ao Ricardo por serem pessoas fantásticas! À

Juliana e à Cátia por fazermos esta caminhada juntas, e nos ajudarmos sempre, até ao

último segundo. Continuaremos juntas.

A todos os amigos dos mais variados contextos, por todo o apoio ao longo desta

etapa e por todo o incentivo. São muito importantes para mim!

À professora Doutora Glória Jólluskin por todo o apoio dado ao longo desta dura

etapa, pelos ensinamentos e incentivos.

À professora Doutora Ana Sani por toda a disponibilidade demonstrada.

Não poderei esquecer aqueles que fizeram parte duma das melhores fases da

minha vida e contribuíram para este trabalho:

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À Doutora Lídia, pelo que me ensinou, pelas oportunidades e votos de confiança

concedidos, pela forma com que me acolheu e incentivou, sempre.

À Doutora Cecília, que me acompanhou na implementação do programa, pelos

incentivos, ajuda e confiança depositada.

Aos reclusos que contribuíram para a realização deste estudo que cada um à sua

maneira me marcou e contribui para o meu crescimento e formação ao longo desta etapa.

Obrigado por me deixarem entrar na vossa vida, por todas as partilhas e pelo

reconhecimento. Eu acredito na mudança de cada um de vocês!

“Sempre que à medida que fores crescendo tiveres vontade de converter as coisas

erradas em coisas certas, lembra-te que a primeira revolução a fazer é dentro de nós

próprios, a primeira e a mais importante.” Susana Tamaro

Muitas coisas bonitas não podem ser vistas ou tocadas mas sim sentidas. E eu

agradeço do fundo do meu coração. Obrigado!

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Resumo

O presente trabalho consistiu no estudo do programa “Educar para reparar:

iniciação às práticas restaurativas em contexto prisional” implementado no

Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira (EPPF) em 2014 e 2015. O primordial

objetivo deste programa é funcionar como promotor para evitar a reincidência.

Perante a escassez de estudos nesta área e por se tratar de uma recente e promissora

intervenção em contexto prisional, revelou-se pertinente contribuir para o estudo desta

prática através da presente investigação. Para isso, definiu-se como principais objetivos

estudar as crenças restaurativas dos reclusos que participaram no programa e

compreender a experiências dos mesmos e dos técnicos que o implementaram.

Para o alcance destes objetivos, os reclusos que frequentaram este mesmo

programa nestes dois períodos e os técnicos superiores de reeducação responsáveis pela

sua implementação, constituíram-se como a amostra do estudo. Os reclusos que

frequentaram o programa em 2015 e 2014 foram avaliados através de duas escalas de pós-

teste administradas, sendo que estes últimos responderam também uma entrevista

semiestruturada com um guião específico para este grupo. Aos técnicos optou-se por

aplicar também uma entrevista semiestruturada em que o guião foi construído

especificamente para este fim.

Após a recolha dos dados, estes foram submetidos a dois tipos de análise

diferentes. As escalas de pós-teste foram submetidas a uma análise estatística e as

entrevistas foram alvo de uma análise de conteúdo.

Os resultados do estudo permitiram compreender que o programa tem um impacto

significativamente positivo na vida dos reclusos, onde são capazes de adquirir diversas

aptidões que irão ajudar na sua reinserção na sociedade. A criação de empatia com as

vítimas, o reconhecimento das mesmas, desenvolvimento pessoal, relacionamento

interpessoal, consciencialização e responsabilização pelo crime, mudanças familiares e

comportamentais, desejo de reparação do dano, são as principais competências

desenvolvidas. Podemos também concluir que os reclusos que frequentaram o programa

apresentam crenças mais próximas do polo restaurativo.

Palavras-chave: Justiça Restaurativa, prisão, reclusos

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Abstract

The present work consists in the study of the program ““Educar para reparar:

iniciação às práticas restaurativas em contexto prisional” implemented in Paços de

Ferreira Prision between 2014 and 2015. The primary objective of this program is to act

as promoter to prevent a recurrence.

Due to the lack of studies performed in this area and because this is a new and

promising intervention in the prisional scenario, it was shown a great interest to contribute

for the study of this practice through the present investigation. In order to do it, it was

defined as main objectives the study of the restorative beliefs of the prisoners who have

participated in the program and it was assessed their experiences and the ones from the

people who implemented the program.

To achieve the objectives indicated before, the prisoners who have realized the

program in the dates mentioned as well as the education expert team elements responsible

for the program implementation, were considered the study sample. The prisoners were

evaluated using two post test scales in the end of the program and by using a semi-

structured interview specially created for this purpose.

After data collection, two types of analysis were performed. The data from the

post test scales were statically analysed and for the interviews was performed a content

analysis.

The results from this study allow the understanding about the significant and

positive impacts in the prisoners life after the program and to verify that they have gained

a set of different skills that are going to help them in the rehabilitation into society. It

should be mentioned that the creation of a certain kind of empathy with the victims and

their recognition, personal development, interpersonal relationship, awareness and

liability about the crimes, behavioural and familiar changes, desire of damage repair can

be pointed as the main skills developed by the prisoners after the program. We can also

conclude that prisoners who attended the program have closer to the restorative polo

beliefs.

Key words: Restorative justice, prison, prisoners

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Índice geral

Introdução ......................................................................................................................... 1

PARTE I- Enquadramento teórico ............................................................................... 4

Capítulo I. Sistema de justiça criminal e Justiça Restaurativa: conceitos e definições .... 4

Capitulo II. Justiça Restaurativa em contexto prisional……………………………....…8

2.1. Alguns modelos de Justiça Restaurativa em contexto prisional .......................... 10

2.1.1. Modelos: JRC (Justice Research Consortium), CONNECT E REMEDI ..... 10

2.1.2. Projeto Sycamore Tree .................................................................................. 12

2.1.3. Mediação vítima infrator e conferências nas prisões .................................... 14

2.1.4. Projeto Prisão Restaurativa ........................................................................... 15

2.1.5. Aplicação da Justiça Restaurativa nas infrações em meio prisional ............. 17

2.2. O potencial da Justiça Restaurativa nas prisões ................................................... 18

2.3. Limitações do uso da Justiça Restaurativa nas prisões ........................................ 19

Capítulo III. O programa Educar para Reparar: iniciação às práticas restaurativas em

contexto prisional ........................................................................................................... 20

3.1. Justificação para a aplicação do programa........................................................... 20

3.2. Enquadramento do programa ............................................................................... 21

3.3. Estrutura do programa ......................................................................................... 22

3.4. Objetivos .............................................................................................................. 25

3.5. Grupo alvo e seleção dos participantes ................................................................ 25

3.6.Duração do programa ............................................................................................ 26

3.7. Aplicadores .......................................................................................................... 26

3.8. Avaliação dos participantes ................................................................................. 27

3.9. Avaliação das sessões do programa 2015 ............................................................ 27

PARTE II-Estudo empírico ......................................................................................... 38

Capítulo IV. O estudo empírico ...................................................................................... 38

4.1. Estudo 1: Crenças restaurativas na visão dos reclusos….……….....……………39

4.1.1. Objetivos ....................................................................................................... 39

4.1.2. Caracterização dos participantes ................................................................... 39

4.1.3. Metodologia .................................................................................................. 41

4.1.4. Instrumentos .................................................................................................. 41

4.1.5. Procedimentos ............................................................................................... 43

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4.1.6. Apresentação de resultados ........................................................................... 44

4.2. Estudo 2: O programa na visão dos reclusos e dos Técnicos Superiores de

Reeducação ................................................................................................................. 45

4.2.1. Objetivos ....................................................................................................... 45

4.2.2. Caracterização dos participantes ................................................................... 45

4.2.3. Metodologia .................................................................................................. 46

4.2.4. Instrumentos .................................................................................................. 47

4.2.5.Procedimentos ................................................................................................ 49

4.2.6. Apresentação dos resultados………...............................................................50

4.2.6.1. Perceções dos reclusos ............................................................................... 50

A. Perspetiva histórica de vida ................................................................................ 50

B. Impacto do programa .......................................................................................... 55

C. Experiência dos reclusos no programa ............................................................... 67

4.2.6.2. Perceções dos Técnicos Superiores de Reeducação ................................... 73

A. Caracterização dos reclusos................................................................................ 73

B. Impacto do programa nos reclusos ..................................................................... 77

C. Resultados do programa ..................................................................................... 81

D. Avaliação do programa ...................................................................................... 81

E. Experiência dos técnicos no programa ............................................................... 86

4.3. Discussão dos resultados ......................................................................................... 89

Conclusão e Reflexão Geral ........................................................................................... 96

Referências ..................................................................................................................... 99

Anexos .......................................................................................................................... 103

Anexo A- Escala de pós-teste

Anexo B- Declaração de consentimento informado

Anexo C- Guião de entrevista dirigido aos reclusos

Anexo D- Guião de entrevista dirigido aos Técnicos Superiores de Reeducação

Anexo E- Pedido e autorização para a realização do estudo à Direção Geral dos

Serviços Prisionais

Anexo F- Consentimento da Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa

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Índice de figuras

Figura 1.Tipologia das práticas restaurativas (McCold & Watchel, 2003)

Figura 2.Representação das categorias e subcategorias da perspetiva histórica dos

reclusos

Figura 3.Representação das categorias e subcategorias do impacto do programa

Figura 4.Representação das categorias e subcategorias da experiência dos reclusos no

programa

Figura 5.Representação das categorias e subcategorias da caracterização dos reclusos

Figura 6.Representação das categorias e subcategorias do impacto do programa nos

reclusos

Figura 7.Representação das categorias e subcategorias da avaliação do programa

Figura 8.Representação das categorias e subcategorias da experiência dos técnicos no

programa

Índice de tabelas

Tabela 1. Distribuição da amostra segundo a faixa etária

Tabela 2. Distribuição da amostra de acordo com o número de crimes praticados

Tabela 3. Distribuição da amostra por tipologia de crime

Tabela 4. Agrupamento dos itens da escala por dimensão

Tabela 5. Médias de resposta para cada dimensão da escala

Índice de siglas

EP-Estabelecimento Prisional

EPPF- Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira

SEE- Serviços de educação e ensino

DGSP- Direção Geral dos Serviços Prisionais

CCIGP- Centro de competências para a implementação e gestão de programas

TSR- Técnico Superior de Reeducação

CEP- Código de execução de penas e medidas privativas da liberdade

JR- Justiça Restaurativa

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Introdução

Na nossa sociedade, seria expectável que a aplicação de sanções penais a quem

comete delitos e é autor de condutas reprováveis servisse como uma punição para que o

ato não se voltasse a repetir, uma vez que o infrator já estava ciente que iria sofrer

consequências legais. É possível observar que a punição mais comum ditada pelo Estado,

para os infratores é a privação da liberdade, medida esta que ainda não se mostrou

eficiente para evitar o aumento da criminalidade, verificando-se assim elevadas taxas de

reincidência, pondo-se assim em causa o propósito e a finalidade das medidas punitivas

(Pinheiro & Chaves, 2013).

A medida privativa da liberdade é cumprida num estabelecimento prisional (EP)

construído para o efeito. Porém, a função da prisão pode ser percebida em termos

negativos (Pinheiro & Chaves, 2013). Estas são vistas como locais que servem para isolar

e conter as pessoas que não se deseja que permaneçam na sociedade, quer por considerá-

las incomodativas ou perigosas, ou porque achamos o seu comportamento passado

reprovável (Johnstone, 2006).

No entanto, a sociedade sente-se insatisfeita com o uso de prisões meramente para

fins de contenção. Para alguns, a prática da pena de prisão deve servir para dissuadir as

pessoas fora da prisão, que têm a oportunidade e inclinação para cometer crimes, de agir

sobre essas inclinações. Assim, eles têm-se preocupado em fazer da prisão uma

experiência dolorosa e degradante e, fundamentalmente, para garantir que ele é visto

dessa forma pelos potenciais criminosos. Porém, outros têm insistido que uma importante

função da prisão é transformar e melhorar aqueles que estão contidos nelas, tornando-os

capazes de viver em sociedade (Johnstone, 2006).

Assim, desde o século XIX, pelo menos, a ideia de reabilitação, tem ocupado uma

posição-chave no discurso através do qual se busca dar sentido ao propósito e justificação

para a prisão e fazê-lo parecer significativa (Garland, 1990 citado por Johnstone, 2014).

No discurso da política e das práticas penais, a ideia de que a prisão deve ser também

sobre a reabilitação e proteção da sociedade com vista a prevenção da reincidência tornou-

se, também, um fator importante (Johnstone, 2014).

A Justiça Restaurativa (JR) incita-nos a repensar sob a forma como lidamos,

abordamos e experienciamos o crime bem como os seus efeitos nas vítimas, nos infratores

e na comunidade (Marques,2011). O crime gera consequências negativas para a

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Justiça Restaurativa no EPPF

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sociedade, primeiro pelas vidas perdidas, pelos gastos no sistema de saúde, na segurança

e o aparato judicial para além dos sentimentos de insegurança, medo, terror, deterioração

da qualidade de vida, aspetos estes não mensuráveis, mas com um custo incalculável

(Pinheiro & Chaves, 2013).

Neste sentido, surge o processo restaurativo que deve ter como objetivo reparar

os danos à vítima, prestar serviços à comunidade e solucionar os problemas causados pelo

crime tanto para a vítima como na comunidade e reintegrar a vítima e o autor do crime

(Pinto,n.d.).

Os programas de JR podem e devem ser postos em prática antes e durante a ação

penal e também depois da sentença condenatória (Pinto, n.d.), sendo passível de ser

aplicado aos infratores recluídos (Albrecth, 2011).

De salientar, tal como indica o artigo 47º do Código de execução de penas e

medidas privativas da liberdade (CEP), que a execução das medidas privativas da

liberdade integram a frequência em programas específicos a fim de permitir a aquisição

ou o reforço de competências pessoais e sociais de forma a promover a convivência

ordenada no EP, e facilitar a adoção de comportamentos socialmente responsáveis por

parte dos reclusos. Sendo assim, prevê-se a frequência dos mesmos, nos programas

implementados nos Estabelecimento prisionais para os quais são previamente

selecionados.

Na sequência do contacto com uma população prisional específica no âmbito do

estágio académico, no EPPF, e havendo a possibilidade de integrar uma equipa

responsável pela implementação de um programa neste local, surgiu o interesse em se

estudar a utilidade e pertinência do mesmo. Trata-se de um programa promissor e

relativamente recente em contexto prisional, sendo um dos mais extensos neste meio.

Para além disso, depois de uma exaustiva revisão bibliográfica do tema foi possível

verificar a escassez desta no contexto português e, desta forma, revelou-se pertinente e

adequado este estudo que para além de contar com os dados recolhidos pelo investigador

contou também com a sua participação no terreno.

O presente estudo, aborda um programa implementado no contexto prisional

português, denominado de “Educar para reparar: iniciação às práticas em contexto

prisional”, programa este da autoria da Direção Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) em

parceria com o Centro de Competências para Implementação e Gestão de Programas

(CCIGP).

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Assim, neste trabalho pretende-se estudar as crenças restaurativas dos

participantes depois de terem frequentado o programa bem como avaliar a experiência

dos mesmos e dos técnicos superiores de reeducação (TSR) decorrentes da participação

e implementação do mesmo, no EPPF em 2014 e 2015.

De forma a alcançar os objetivos propostos optou-se por utilizar uma metodologia

mista, em que o primeiro estudo de carácter quantitativo contou com a participação de 18

reclusos que participaram no programa, aos quais foi administrada e posteriormente

analisada uma escala de pós-teste, através do cálculo de médias para cada dimensão da

escala. Este grupo é dividido em dois subgrupos: 8 reclusos que participaram no programa

em 2014 e 10 reclusos que participaram no programa em 2015. No segundo estudo de

carácter qualitativo, participaram três técnicos responsáveis pela implementação do

programa no EP, e os 8 reclusos que participaram no programa em 2014. Estes,

responderam a um guião de entrevista previamente elaborado pelo investigador e,

posteriormente as respostas dadas foram analisadas através de uma análise de conteúdo,

que permitiu dissecar os dados analisados evidenciando os aspetos mais relevantes para

o estudo.

O presente trabalho encontra-se organizado em duas partes, sendo que a primeira

parte procura essencialmente enquadrar teoricamente um conjunto de conceitos que

alicerçam a análise empírica a que se propõe fazer uma referência breve à JR no seu

contexto geral, seguindo para a JR no contexto prisional onde se abordam alguns modelos

desta prática utilizados noutros países terminando com um capítulo sobre o programa aqui

estudado e que foi implementado no EPPF. A segunda parte, procura explanar o estudo

empírico realizado e está dividida em duas partes (correspondente aos dois estudos), onde

se descreve os objetivos da investigação, a caracterização da amostra, o método, os

instrumentos utilizados e os procedimentos, seguido da apresentação dos resultados e

posterior discussão dos mesmos.

Para finalizar, é apresentada a conclusão onde se fará uma reflexão geral do

trabalho bem como dos resultados alcançados com o mesmo.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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PARTE I- Enquadramento teórico

Capítulo I. Sistema de justiça criminal e Justiça Restaurativa: conceitos

e definições

A privação da liberdade surgiu no século XVIII, como uma alternativa aos

castigos corporais e à pena de morte, para aqueles que cometiam crimes. No entanto, este

modo de operar do Estado tido como único parece não ser capaz de cumprir com as

funções da Justiça Criminal (Cruz, 2013). O CEP, no seu artigo 2º diz-nos que a finalidade

da execução das penas privativas da liberdade visa a reinserção do individuo na

sociedade, dotando-o de ferramentas para conduzir a sua vida de modo socialmente

responsável, sem cometer crimes, proteger os bens jurídicos e defender a sociedade.

Os estabelecimentos prisionais não garantem a restauração do ofensor nem a

segurança da vítima, sendo que o primeiro fica afastado da sociedade e impedido de

restaurar e se reinserir na comunidade e será sempre visto como merecedor de todo o

sofrimento. Perante isto, não se propicia uma reflexão por parte dos envolvidos sobre os

motivos geradores do conflito de forma a garantir que este não volte a ocorrer,

aumentando a probabilidade do infrator ver a prática criminal como uma única saída, pois

em nenhuma parte do processo os seus valores humanos foram tidos em conta (Pinheiro

& Chaves, 2013), fortalecendo neles o sentimento que eles próprios são vítimas e a

sensação de alienação em relação à sociedade (Neto, n.d.).

Neste sentido, de forma a fazer face às lacunas do sistema criminal, há cerca de

40 anos, surge o uso da JR nas áreas da Criminologia e Vitimologia como uma forma de

resolução do conflito que pode ser paralela ao direito penal, a fim de se procurar uma

resolução do conflito mais humanizada (Pinheiro & Chaves, 2013) em que os principais

interessados (vítimas e infratores) participam de forma efetiva, na resolução de cada

situação concreta (Marques, 2011), sendo que a atenção é focada no ato danoso, nos

prejuízos causados e nas possíveis soluções para o conflito (Cruz, 2013). Surgem assim,

resultados mais significativos capazes de reduzir as consequências negativas sentidas na

sociedade, dado se tratar de um paradigma que enaltece a humanização das relações

conflituosas (Pinheiro & Chaves, 2013).

Para Marques (2011), este novo paradigma surge, pois as questões colocadas no

sistema de justiça criminal diferenciam-se das colocadas no sistema de JR. Na primeira

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Justiça Restaurativa no EPPF

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abordagem existe a necessidade de se saber quem praticou o ato criminoso, qual o

dispositivo normativo que foi violado e como se deve punir ou tratar o transgressor. Na

nova abordagem de Justiça estas questões vão no sentido de se saber qual é a natureza

dos danos resultantes do crime, o que é necessário para os reparar e quem é o responsável

por isso (Marques, 2011).

Nesta resolução, salienta-se o processo de comunicação entre as partes, em que a

vítima é capaz de transmitir ao infrator todo o sofrimento que este lhe causou, e o infrator

terá a possibilidade de se responsabilizar pelo dano causado e oferecer a respetiva

reparação para o mesmo (Marques, 2011), formando-se assim um discurso equilibrado

onde as partes se podem ouvir mutuamente (Cruz, 2013), havendo uma compreensão da

componente emocional do conflito e percebe-se da dinâmica da sua transformação (Neto,

n.d.).

De acordo com Pinheiro e Chaves (2013), a JR pode-se definir como um sistema

punitivo mais humano, capaz de garantir a harmonia entre as pessoas envolvidas no

conflito de forma direta ou indireta, tendo como enfoque principal compreender os

motivos que determinaram o mesmo, entender a história de vida e as motivações das

partes envolvidas garantindo assim uma justiça livre das violações dos direitos e não

exclusivamente direcionada para o infrator, mas sim para as relações humanas.

No XIII Congresso Mundial de Criminologia, Maccold e Watchel (2003)

apresentaram um novo paradigma caracterizando-o como uma nova forma de abordagem

da justiça penal, que tem como objetivo não punir os transgressores, mas sim reparar os

danos que são causados às pessoas e aos relacionamentos. Nos anos 70, a JR originou-se

como uma mediação entre os agressores e vitimas sendo que nos anos 90 este conceito

foi ampliado para incluir comunidades de assistência que inclui amigos das vítimas,

famílias e agressores.

Esta prática baseia-se num princípio único que defende que o crime é causador de

danos nos indivíduos e nos relacionamentos e que o papel da justiça é reduzir o dano

causado o máximo possível. A sua essência é a resolução de problemas que deverá ser

feita de uma forma colaborativa a fim restaurar o trauma emocional, reduzir o impacto

dos crimes e diminuir a criminalidade (Maccold & Watchel, 2003).

Marshall, Boyack e Bowen (2005) referem que este é um termo utilizados para

diversas abordagens do delito que pretendem ir além da punição e abordar as

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Justiça Restaurativa no EPPF

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consequências das transgressões de forma a promover justiça, a responsabilidade e a cura.

Estas consequências traduzem-se em termos pessoais e/ou de relacionamentos sociais.

A JR está baseada no princípio de que as respostas mais eficazes para a

delinquência são aquelas que fazem com que os delinquentes corrijam as suas condutas

de forma a os reintegrar na sociedade ao invés de aumentar o seu isolamento e estigma

para com esta. O objetivo é ajudar os delinquentes a entender as consequências das suas

ações e arranjar formas de reparar o dano causado na comunidade (Oficina de las

Naciones Unidas contra la droga y el delito (UNODC), 2013).

Nesta prática restaurativa estuda-se a melhor forma de atender os principais

afetados pelo crime (Cruz, 2013), promove-se a participação das vitimas, dos infratores

e da comunidade permitindo que as primeiras se expressem acerca dos sentimentos

experienciados, das consequências que decorreram do ato criminal e das suas

necessidades para ultrapassar os efeitos causados pelo crime. Por sua vez, os infratores

têm a oportunidade de perceber efetivamente qual o impacto que o crime que praticaram

teve na vítima e assumirem a responsabilidade por este e oferecerem reparação pelo mal

causado e possibilitar à comunidade a chamada “paz social” (Marques, 2011;Albrecht,

2011).

O encontro restaurativo só terá lugar quando todas as partes envolvidas e,

principalmente a vítima tiverem dispostas a reunirem e experimentarem um acordo

restaurativo (Pinto, n.d.). Os mediadores e facilitadores deste mecanismo devem ser

capacitados para exercer tais funções tais como psicólogos e/ou assistentes sociais ou

então pessoas pertencentes à comunidade com o perfil adequado para o efeito (Pinto,

2008). Devem conhecer, também, os hábitos da comunidade envolvida, ter discernimento

e capacidades interpessoais que os torne capazes de conduzir o processo restaurativo

(Neto, n.d.). Este encontro deve ocorrer num ambiente informal, tranquilo e seguro sendo

que os mediadores ou facilitadores devem estar atentos a algum tipo de tensão sentida

pelas partes envolvidas, que justifiquem a suspensão da atuação restaurativa ou a qualquer

ocorrência psicológica de modo a evitar a revitimização do ofendido ou a vitimização do

ofensor (Pinto,2008), tendo sempre em conta a necessidade e os desejos das partes,

garantindo e respeitando a dignidade e o respeito dos mesmos (Neto, n.d.).

Para Zehr (1997), um dos principais pioneiros das práticas restaurativas refere-

nos que estas se postulam em 10 mandamentos:

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Justiça Restaurativa no EPPF

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I. Os danos que devem ser tidos como prioritários em relação às regras formais que foram

infringidas;

II. Preocupação que deve existir em envolver-se as vitimas com os infractores;

III. O objetivo central do trabalho deve ser reparar os danos, apoiar as vítimas, as famílias

e a comunidade de acordo com as suas necessidades;

IV. O apoio deve ser dado aos infratores para os estimular, compreender, aceitar e cumprir

as suas obrigações;

V. Perceber que as tarefas impostas aos infratores não devem ser consideradas impossíveis

nem vistas como causadoras de prejuízo ou sofrimento;

VI. Dar prioridade ao diálogo direto ou indireto entre as partes;

VII. Envolver as comunidades num processo judicial e dar-lhes oportunidade de

reconhecerem e enfrentarem os conflitos;

VIII. Estimular a colaboração e reintegração em lugares de isolamento;

IX. Consequências indesejáveis das ações e projetos que devem ser concebidos com as

melhores intenções;

X. Ao respeito que deve envolver todas as partes: vitimas, infratores e todos os que

integram a justiça.

Os modelos mais comuns para pôr em prática esta forma de Justiça são as

conferências de grupos familiares e a mediação de vitima-infrator, reunião de grupo e os

círculos decisórios.

Estes últimos não são utilizados só com o fim restaurador podendo também ser

utilizado em problemas da comunidade, suporte e apoio para vitimas e reintegração na

comunidade de reclusos. A decisão pode ser proferida na forma de sentença, e pode ser

aplicada em todas as fases do processo restaurativo sempre que se admita que a

implementação pré e pós sentencial tenha um carácter restaurador (Martins & Dias, n.d;

Belfort, Fernandes, Frazílio & Vilela, 2012).

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Capítulo II. Justiça Restaurativa no contexto prisional

Para além de se considerar que a JR possa surgir como alternativa ao julgamento

penal ou civil, pensa-se que a mesma também pode ser aplicada aos infratores que estão

atualmente recluídos (Albrecht, 2011). No entanto, Johnstone (2006) e Coyle (2008)

consideram que o uso da JR nas prisões coloca em causa uma crença central subjacente à

prática da pena de prisão o que levanta dúvidas sobre a validade desta prática que deveria

ser usada como alternativa à pena de prisão.

Percebe-se assim que alguns defensores da JR são contra a prática da pena de

prisão e admitem que os que por lá passam, vêm a sua vida agravada por esta experiência

(Coyle, 2008; Johnstone, 2014). No entanto, argumentam que o movimento de JR tem

tido pouco sucesso nos seus esforços para encorajar o uso de intervenções restaurativas

como alternativas à prisão (Johnstone, 2006).

Por outro lado, alguns defensores desta prática alegam que, enquanto a JR é

desenvolvida apenas em ambientes comunitários, fora da prisão, ele será considerado

como adequado para menores infratores e as suas vítimas, mas não para os adultos

infratores e as suas vítimas (Edgar e Newell, 2006).

Para Albrecth (2011), o objetivo da JR nas prisões é ajudar na reabilitação do

recluso e na reintegração na sociedade. Esta prática, procura compreender as

circunstâncias que causaram o crime, a fim de prevenir a reincidência quando o agressor

for libertado sendo este um dos argumentos mais fortes para a aplicação desta prática que

também procura reparar os danos causados pelo crime nas relações entre agressor-vítima

e agressor-comunidade (United Nations Office on drugs and crime, (UNODC) 2006)

Mais especificamente, a JR ajuda os reclusos a assumirem a responsabilidade pela

sua conduta de uma maneira significativa, refletir sobre as causas do seu comportamento

e o modo como afeta todos os envolvidos, corrigir a sua conduta e desistir da prática dos

delitos e ser aceite de volta na sua comunidade, reduzindo a probabilidade de ocorrer

novamente a conduta delituosa. O pleno reconhecimento dos danos causados à

comunidade e às vítimas afigura-se muito importante para a reintegração com êxito do

delinquente (UNODC, 2013).

Um exemplo é a política do Departamento de Correções do Estado do Minnesota,

em que os prisioneiros são incentivados e ajudados a escrever cartas de desculpas às suas

vítimas, que em seguida, são colocadas num “'banco de cartas de desculpas às vítimas”

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Justiça Restaurativa no EPPF

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para leitura por essas vítimas que estejam dispostas a fazê-lo (Umbreit et al. 2005 citado

por Johnstone, 2006).

O movimento da JR na prática das prisões tem várias implicações tais como o

facto de que os ofensores merecem dor mas esta prática carece de validade e por outro

lado, sugere que a prática da pena de prisão pode ser reformada de modo a que tenha

funções restauradoras, em vez de funções punitivas. Dado que, no futuro previsível, a

criminalidade grave continuará a ser atendida com penas de prisão, o movimento desta

prática tenta experimentar e aplicar os princípios da JR nos enquadramentos da prisão

(Johnstone, 2006).

Em 2013, Bernardi (n.d), teve a oportunidade de integrar um sistema prisional no

Brasil participando no grupo de estudos de JR (criado em 2011) que tem reuniões

mensais, abertas à participação dos servidores e a pessoas da comunidade interessadas no

tema. Sentiu a necessidade de realizar um estudo sobre o uso da JR como forma de

resolver conflitos tendo em conta que o processo de reintegração social dos reclusos

poderá ser prejudicado se não tiverem referências extramuros, a nível familiar que se

considera ser a maior potência para ajudar no combate à reincidência. Focalizou o seu

trabalho, no restabelecimento de vínculos familiares do recluso e não na relação vítima-

ofensor e as práticas instauradas têm sido orientadas pelos princípios da JR (Bernardi,

n.d.).

Coyle (2008), defende uma visão muito prática e específica para a implementação

da JR nas prisões. Para ele, um regime verdadeiramente restaurativo numa prisão seria

feito, num trabalho contínuo e diário em que se apresenta aos prisioneiros uma série de

funções, desafios e oportunidades de aprendizagem. Deste modo, os prisioneiros

sentiram-se capazes de assumir a responsabilidade por tarefas que executam, enfrentar os

desafios e valorizarem as oportunidades de aprendizagem. Nas prisões, o trabalho dos

seus funcionários em todos os níveis e departamentos seria identificar as competências,

orientação e apoio que os reclusos precisam para restaurar as suas vidas, dotando-os para

uma nova cidadania e uma vida longe do crime.

O objetivo primordial destas práticas é aumentar a possibilidade de prisioneiros

em meio livre se tornarem membros bem integrados nas suas comunidades com uma

grande dose de contribuição para a mesma, ao invés de estarem vulneráveis ao

cometimento de novos crimes e à adoção de uma vida dedicada ao comportamento

delituoso (Coyle, 2008; Johnstone, 2014).

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Justiça Restaurativa no EPPF

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2.1. Alguns modelos de Justiça Restaurativa em contexto prisional

Na prática, a JR em regimes prisionais variam consideravelmente em termos de

objetivos, métodos, participantes, papel de vítimas, alinhamento com atividades no

sistema prisional e de justiça criminal, aspirações e ideais subjacentes (Johnstone, 2014).

Segundo Shapland (2008), nos últimos anos (22 aproximadamente) têm-se visto

um conjunto de iniciativas referentes a práticas restaurativas em contexto prisional, que

envolvem vítimas e ofensores (Shapland, 2008; Johnstone, 2014).

2.1.1. Modelos: JRC (Justice Research Consortium), CONNECT E REMEDI

Os mecanismos de justiça estudados por Shapland (2008), incluem criminosos

adultos com infrações graves e a JR é aplicada em diferentes estádios da justiça criminal.

Este tipo de justiça só poderá ocorrer depois de o ofensor assumir a culpa do ato e

participação do mesmo e da vítima tem de ser voluntária.

Este autor estudou o JRC, um modelo dirigido por Sherman e Strang que usavam como

práticas as conferências em que se reuniam com o mediador as vítimas os ofensores, e os

seus apoios. Numa fase pré sentencial os adultos e os jovens infratores eram mediados

por facilitadores da polícia e as sentenças comunitárias nas fases pré-sentencial que eram

lideradas pelo oficial de justiça, por um funcionário da prisão ou por facilitadores que

pertencessem à comunidade. As conferências na fase pré-sentencial foram feitas

maioritariamente por crimes de roubo em que os infratores estavam em prisão preventiva,

na área de Londres.

O regime CONNECT, que utilizava mediações entre vítima e ofensor numa

conferência com grupos de controlo, era aplicada na fase pré-sentencial ou durante

sentença para adulto. Este programa executava mediações entre vítima e ofensor a pedido

das vítimas e em alguns casos com crimes graves e fazia as mediações na fase de pré-

sentença nas prisões de Londres (Shapland 2008).

Por fim o regime REMEDI, um serviço de mediação do setor voluntário utilizou

as mediações entre vítima e ofensores combinados com grupo de controlo, sentenças

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comunitárias e prisões para adultos e a justiça adaptada a jovens ofensores na área de

South Yorkhire (Shapland, 2008).

Na aplicação destes regimes os objetivos eram o de diminuir a reincidência dos

ofensores e atender às necessidades das vítimas. Através da comparação com os grupos

que passaram por processos de JR com os grupos de controlo, conclui-se que existiu uma

diminuição significativa de condenações do mesmo infrator, ao longo dos dois anos

seguintes. A probabilidade de reincidência também diminui mas não foi reduzida numa

extensão estatisticamente significativa (Shapland, 2008).

Relativamente ao custo beneficio destes regimes, só se poderia concluir sobre esta

dimensão caso o custo do funcionamento fosse compensado pela diminuição da

reincidência e pelos benefícios para as vítimas em termos emocionais diminuindo os

efeitos dos danos. Contudo, ainda não é possível calcular este custo (Shapland, 2008).

As vítimas que passaram por um processo de JR, recomendam esta prática a

pessoas que passem por situações semelhantes e valorizaram bastante a oportunidade para

comunicarem (colocar perguntas sobre o crime, expressar os danos sofridos), a

oportunidade de puderem estar com os infratores na presença de mediadores nas

conferências, para evitar que o ofensor volte a cometer crimes e pelo facto de que nestas

conferências eram acordadas e assinadas medidas concretas para o ofensor realizar. As

vítimas valorizavam o pedido de desculpas dos infratores ao invés de estarem interessadas

nas compensações financeiras ou formas de reparação direta que estes lhes podiam

oferecer (Shapland, 2008).

Shapland (2008), defende também que quando as vítimas de um crime

expressarem vontade de se encontrar com o agressor e este estiver a cumprir uma medida

privativa da liberdade, este encontro deveria acontecer desde que as partes envolvidas

estejam de acordo. Este trabalho implicaria facilitadores no terreno capacitado para estas

funções e a participação do EP.

Pelo exposto, o autor enfatiza a importância de se aplicar a JR no sistema legal em

Inglaterra com adultos e não só com os jovens infratores. O regime JCR é visto como o

mais adequado para a implementação desta prática para os indivíduos que desejam

desistir do crime e perspetivar uma vida diferente, tendo a oportunidade nas conferências

de contar com o apoio de seus familiares e terem consciência do impacto que a sua

conduta teve na vítima a fim de iniciar mudanças na sua vida.

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2.1.2. Projeto Sycamore Tree

Uma das abordagens estudadas por Johnstone (2014), designa-se por cursos de

aceitação de consciência e responsabilidade para com a vítima. Nesta abordagem os

reclusos frequentam cursos que lhes permite entender melhor o impacto do crime sobre

as suas vítimas o que os leva a assumir a responsabilidade das suas ações (Coyle, 2008;

Johnstone, 2014).

O Projeto Sycamore Tree é um dos programas mais conhecidos e desenvolvidos

neste âmbito (Coyle, 2008; Johnstone, 2014). Este é desenvolvido por uma organização

não-governamental constituído por membros cristãos apoiados por uma equipa de

funcionários que apoiam o trabalho com um maior número de voluntários. A sua missão

é envolver a comunidade cristã, em busca da justiça e da resposta ao crime. Este projeto

já é implementado em 125 países com organizações nacionais sendo associado a outros

programas (Johnstone, 2014).

Um Projeto de Sycamore Tree é executado numa prisão por voluntários treinados

e facilitadores de pequenos grupos. Um curso consiste tipicamente em 6-8 sessões de 2-

3 horas. Os objetivos do curso são para atender às necessidades dos reclusos e das vítimas,

de acordo com a criminalidade em que participam (Johnstone, 2014).

No que diz respeito aos reclusos, as metas incluem: encorajá-los a assumir a

responsabilidade pelas suas ações, permitir experimentar a confissão, o arrependimento,

o perdão, a reconciliação a respeito dos seus crimes (Johnstone, 2014) e para ajudá-los a

fazer as pazes com a participação em atos de restituição simbólica (Marshall, 2005).

No que diz respeito às vítimas, os objetivos incluem ajuda na resolução de

questões em torno da infração cometida contra elas ajudando-as a tornar-se mais bem

informadas sobre o crime, os infratores e a JR. É lhes dada permissão para verem os

infratores a assumir a responsabilidade dos atos e ajudá-los a ganhar um senso de

encerramento, perdão e paz (Johnstone, 2014; Feasy & Williams, 2009).

O projeto reúne um grupo de prisioneiros com um grupo de vítimas que não são

as vítimas diretas dos crimes. O ideal é ter um número igual de infratores e vítimas, apesar

das restrições impostas pelas autoridades da prisão em alguns países que pode levar a

modificações. O número de presos participantes varia de cerca de seis (na Nova Zelândia)

a cerca de dezanove na Inglaterra (Johnstone, 2014).

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O Sycamore Tree consiste em discussões em grupo, dramatizações, diálogos

vítima-infrator, e leituras. Uma parte fundamental do curso envolve vítimas contando

suas histórias de como os crimes cometidos contra eles afetaram as suas vidas. Na sessão

final, os presos podem fazer a restituição simbólica, que pode variar de uma carta na qual

se diz arrependido através da criação de peças de arte, peças de artesanato e poemas

através dos quais possam expressar o seu arrependimento (Johnstone, 2014; Feasy &

Williams, 2009).

A forma de recrutar os reclusos para este programa é feita de uma das duas

maneiras possíveis. Eles podem se inscrever no curso depois de verem cartazes ou

folhetos distribuídos pela prisão ou podem ser selecionados pelos oficiais e especialistas

comportamentais de forma a lhe ser dada uma oportunidade de participarem (Johnstone,

2014).

Existem duas formas de recrutar as vítimas: alguns ouvem a divulgação do curso

através de boletins informativos e noticiários e de seguida abordam a prisão e existe

também um recrutamento destas por parte dos voluntários da irmandade (Johnstone,

2014; Feasy & Williams, 2009).

As vítimas têm um papel crucial a desempenhar e são cuidadosamente

selecionadas e preparadas para esse papel. Como uma "pessoa real ao vivo", as vítimas

podem ajudar criminosos a entender como o seu comportamento ilícito realmente afeta

pessoas reais, o impacto que o comportamento delituoso tem sobre a sua vida diária,

trabalho, saúde, sono da vítima e assim por diante, e como ela afeta também outros

membros da família da vítima (Johnstone, 2014).

Assim, os infratores percebem que as suas ofensas terão prejudicado as pessoas

de maneira que nunca tinham imaginado, e que o dano se estende para além da vítima

direta. Ao mesmo tempo, os criminosos também percebem que nem todas as vítimas têm

sentimentos de vingança o que os ajuda a criar empatia com as suas vítimas. As vítimas

esperam que os criminosos reflitam sobre o dano que causaram de forma a encontrarem

formas de reparar o mesmo e esperam que não voltem a cometer tal ato danoso

(Johnstone, 2014; Feasy & Williams, 2009).

Embora faça menos parte da função oficial, a participação neste programa também

tende a beneficiar as vítimas que muitas das vezes pensam já ter recuperado. Contudo, de

acordo com os organizadores do curso, as vítimas tendem a relatar que contar a sua

história tem efeitos terapêuticos e ao verem as reações dos prisioneiros ajuda-as a

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perceber o que aconteceu. Desta forma, as vítimas também têm benefícios pelo facto de

começarem a entender que os agressores também sofreram muitos problemas, e ainda são

capazes de sentir remorso e empatia (Johnstone, 2014; Feasy & Williams, 2009).

O Projeto Sycamore Tree é organizado por agências de fora da administração

penitenciária. Para o executar, os organizadores precisam de uma permissão para os

facilitadores voluntários, tutores e vítimas entrarem na prisão e precisam de uma sala

apropriada onde possam realizar o programa e ter alguma cooperação por parte das

autoridades prisionais de forma a assegurarem a ordem e segurança (Johnstone, 2014).

2.1.3. Mediação vítima infrator e conferências nas prisões

Este modelo, foi estudado por Johnstone (2014), e também tem o objetivo de os

reclusos repararem moralmente os danos causados às suas vítimas, à sociedade em geral

e a si mesmos.

Quando a mediação ou a conferência tem lugar dentro das prisões, deve ser

organizada de uma das duas maneiras. Por um lado, as agências governamentais e não-

governamentais (ou voluntárias do setor) e pessoas que prestem serviços de mediação e

de conferência em ambientes comunitários têm de alargar o seu trabalho em ambientes

prisionais, com o acordo das autoridades prisionais (Liebman, 2011). Por outro, as

agências que trabalham nos serviços prisionais, muitas das vezes com experiência de

mediação e conferência de trabalho anterior iniciam na prisão, um regime conhecido por

eles (Johnstone, 2014). O objetivo básico de tais sistemas é conseguir algum grau de

reconciliação entre o infrator preso e as suas vítimas reais (Barrabás e Felligi, 2012 citado

por Johnstone, 2014).

Esta atuação é considerada benéfica para ambas as partes envolvidas. Os infratores

têm uma necessidade de resolver o que aconteceu entre eles e a vítima (ou a família da

vítima no caso de homicídio). Eles podem querer expressar seu arrependimento mas ainda

não terem tido oportunidade para o fazer e podem ter uma necessidade de saber qual a

atitude da vítima para com eles. Um processo de mediação pode ser uma maneira de

atender estas necessidades (Johnstone, 2014; Liebman, 2011).

As vítimas, por outro lado, têm uma série de necessidades que devem ser

satisfeitas para que possam recuperar do trauma de sua vitimização. Os defensores da JR

tendem a identificar quatro conjuntos de necessidades que devem ser satisfeitas se as

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vítimas estão a recuperar: a necessidade de respostas a perguntas sobre o que aconteceu

(algumas das quais só podem ser respondidas pelo autor do crime); a necessidade de

expressar e validaram os seus sentimentos sobre o que aconteceu; a necessidade de

capacitação e a necessidade de confiança sobre a sua segurança futura (Strang, 2002

citado por Johnstone, 2014). Posto isto, as vítimas cujos infratores estão presos para

obterem resposta às suas necessidades precisam desta prestação de serviços em meios

prisionais (Johnstone, 2014).

Estes regimes podem ser entendidos como um complemento ao que o sistema de

justiça criminal faz normalmente, e são projetados para atender às necessidades de

infratores e vítimas que a justiça criminal, na sua forma atual não encontram (Johnstone,

2014; Liebman, 2011).

2.1.4. Projeto Prisão Restaurativa

O estudo deste modelo foi realizado pelo Centro de Estudos Penitenciários no

nordeste de Inglaterra. Aqui, os princípios da JR são usados como um guia para a reforma

das prisões tendo como objetivo final criar uma prisão restaurativa (Johnstone, 2006;

Anne Mace, 2002).

O centro de estudos penitenciários inglês, no desenvolvimento do seu papel deve

de assumir quatro elementos fundamentais neste projeto. Em primeiro lugar, deverão

conseguir criar um vínculo entre a prisão e a comunidade pedindo a esta última para se

envolver e saber mais sobre a prisão. Deve também incentivar os presos a fazer o trabalho

para o benefício dos outros, que é público e reconhecido, permitindo assim que os

prisioneiros sejam altruístas. Em terceira ordem, deverão estimular uma maior

participação das vítimas e sensibilização entre os reclusos sobre os sofrimentos destas e

devem ainda criar um modelo alternativo de resolução de litígios e reclamações dentro

das prisões (Coyle, 2008).

O projeto centrou-se em torno de três prisões piloto: uma grande prisão local, que

tinha um amplo leque de reclusos preventivos e condenados, outra prisão de baixo nível

de segurança que preparava os prisioneiros para a libertação e a terceira era uma prisão

para jovens infratores (Coyle, 2008; Mace, 2002).

Um elemento importante do trabalho foi o que ficou conhecido como o Projeto

Albert Park. Depois da aprovação para a renovação do parque em Middlesbrough, em

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2000, foram estabelecidos alguns contactos no sentido de o projeto prisão restaurativa

começar a fazer contribuições significativas para a remodelação do parque. Os resultados

obtidos foram satisfatórios uma vez que os reclusos da primeira prisão remodelaram as

grades de metal ao redor do lago e áreas de lazer, trabalharam no mobiliário e nos

acessórios para o centro de visitantes. Os jovens delinquentes fizeram barcos e reboques

de barco para uso no lago e os prisioneiros da prisão de baixa segurança trabalharam na

exposição de obras de arte no centro de visitantes (Coyle, 2008; Mace, 2002).

Foi realizado um estudo com os reclusos em que estes, nas entrevistas dadas

suscitaram comentários como "eu tenho dado algo de volta à comunidade" ou " isto só

me faz sentir melhor ". Os membros da comunidade local também foram entrevistados e

proferiram: "Nós fomos surpreendidos com a quantidade de trabalho que os prisioneiros

têm feito "; "Os presos deveriam estar fazendo mais como isto na comunidade" " Vai dar-

lhes um incentivo para seguir em frente. " (Coyle, 2008). Isto comprova os resultados

satisfatórios que surgem para as partes envolvidas no projeto.

Foram também enviadas cartas de agradecimento aos prisioneiros, fotografias

para a exposição nas prisões, cobertura da comunicação social, e reconhecimento do

trabalho. As famílias dos presos estão cientes do envolvimento dos seus familiares e

expressam o seu orgulho perante a contribuição dos mesmos (Mace, 2002).

Este projeto continua a ser realizado em outras prisões reconhecendo-se que a JR

é um exemplo de um projeto restaurador que permite que os infratores, estando dentro da

prisão devem uma contribuição real para a comunidade que foi afetada pelo seu crime

(Coyle, 2008; Mace, 2002).

Um modelo idêntico, descrito por Johnstone (2014), iria no sentido de incentivar

os reclusos a ter uma responsabilização ativa dos seus atos. Para tal, deveriam usar o seu

tempo na prisão para reparar a ofensa deles de forma mais ativa, sendo incentivados e

ajudados a pensar sobre como eles poderiam reparar os danos que causaram às suas

vítimas e para a sociedade em geral e garantirem que estariam menos propensos a

reincidir. Os reclusos poderão trabalhar nas prisões, de forma a reduzir os custos para a

sociedade e deverão adquirir bons hábitos de trabalho na prisão, para combater os maus

hábitos de trabalho que muitas vezes são um fator que contribui para seu estilo de vida

criminal.

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Contudo, o trabalho teria de assumir também uma função mais reparadora, como

uma oportunidade de os presos de fazerem algo positivo para as suas vítimas e a sociedade

os aceitar melhor (Johnstone, 2014; Mace, 2002).

2.1.5. Aplicação da Justiça Restaurativa nas infrações em meio prisional

O quarto modelo designado de abordagens restaurativas para os conflitos e crimes

dentro da prisão, é tal como o próprio nome indica uma forma de abordar os conflitos

internos que ocorrem na prisão (Johnstone, 2014).

Nesta abordagem, os processos de JR são utilizados, não para promover a

reparação moral dos danos causados pela infração pela qual o recluso está recluído, mas

para lidar com crimes que acontecem dentro da prisão. Aqui, a JR é usado como uma

alternativa para processos mais convencionais utilizados para lidar com esses delitos. As

infrações são geralmente tratadas através do próprio sistema disciplinar da prisão em que

os acusados de delitos internos comparecem perante o diretor da prisão que faz um

julgamento e, se a pessoa acusada for considerado culpado, ordena-se a pena. A

característica distintiva deste uso interno da JR é que ela tende a ser exercida e dirigida

pelas autoridades que trabalham na prisão. Assim, a decisão de a usar para lidar com

crimes e conflitos internos será feito em última instância pelo diretor (Johnstone, 2014).

Uma vez tomada a decisão de usar a JR, existem outras questões práticas a serem

abordadas, tais como o tipo de processo restaurativo a usar. Na Hungria, o método

utilizado como parte do programa MEREPS (Mediação e JR em Ambientes Prisionais) e

a conferência foi o método preferido. Estas conferências foram presenciadas pelos

funcionários da prisão que tinham levado a cabo uma formação de mediação. Os métodos,

os participantes envolvidos e o papel das vítimas vão depender da prática utilizada

(Johnstone, 2014).

Podem existir algumas razões puramente pragmáticas para usar processos

restaurativos como uma alternativa ou complemento a procedimentos disciplinares

habituais da prisão, tais como: os casos que são considerados menos graves pode ser

desviado para um processo informal rápido e menos intensivo de recursos, como por

exemplo a mediação; o uso de processos restaurativos pode ser mais eficaz do que os

processos disciplinares tradicionais na prevenção da escalada de conflitos ou a repetição

das ofensas (Johnstone, 2014).

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Edgar e Newell (2006), uns dos principais defensores da JR nas prisões, fornecem

uma base racional que é muito mais profunda do que essas considerações pragmáticas.

Defendem que uma das principais vantagens de um processo restaurativo sobre

procedimentos disciplinares tradicionais é que o primeiro incentiva e capacita autores de

danos e conflitos a assumirem a responsabilidade significativa pelas suas ações e para

apreciar que eles têm uma participação na criação de um ambiente prisional seguro e

ordenado.

Se, os crimes e conflitos que são manipulados através de processos disciplinares

formais forem desviados para uma JR, os perpetadores vão-se tornar muito mais

conscientes de como a sua conduta não é apenas uma violação das regras, mas sim uma

violação para com as outras pessoas, que podem ter efeitos muito traumáticos. Ao mesmo

tempo, o diálogo restaurador também permite que o agressor veja as suas vítimas de um

ponto de vista diferente a ponto de criar empatia com elas e tendencialmente começam a

reavaliar o seu comportamento (Johnstone, 2014; Edgar e Newell, 2006).

2.2. O potencial da Justiça Restaurativa nas prisões

As discussões sobre a utilização da JR em prisões e consequentes reflexões sobre

experiências existentes sugerem que há muitos benefícios no uso desta.

Os reclusos podem obter insights importantes sobre os efeitos do seu

comportamento ofensivo e desenvolver a empatia com as suas vítimas. Ao mesmo tempo,

eles podem ganhar uma valiosa oportunidade para de alguma forma compensar o mal

feito através de atos simbólicos de restituição e reparação. Assim, para os reclusos que

estão inclinados a recorrer a ela, a disponibilidade de JR nas prisões pode proporcionar

uma oportunidade para eles começarem a reparar os danos que causaram a outras pessoas

e, portanto, ajudar a reconstruir suas relações com a comunidade (Johnstone, 2014).

Os reclusos quando envolvidos em projetos restaurativos adquirem conhecimento

e habilidades, melhoram a autoestima e têm melhores atitudes em relação à

responsabilidade que têm perante a comunidade. Por outro lado, as prisões demonstram

a perceção de que o tempo dos prisioneiros é usado de forma positiva (Mace, 2002).

Além disso, os defensores da JR nas prisões argumentam, que há muitos exemplos

de trabalho da justiça reparadora nos reclusos que, apesar das tensões e obstáculos, têm

bons efeitos (Johnstone, 2014).

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Justiça Restaurativa no EPPF

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2.3. Limitações do uso da Justiça Restaurativa nas prisões

A prisão torna-se como um obstáculo à justiça, pois cria obstáculos psicológicos

aos infratores que consideram que as suas penas de prisão são suficientes para reparar os

danos causados pelos crimes cometidos, tentando assim desresponsabilizarem-se na

contribuição para a reparação dos mesmos. Por conseguinte, mesmo que estes se

responsabilizassem, a prisão funciona como um entrave para reparar o dano, pois para

além de estarem impedidos de trabalhar estão privados da liberdade o que os coloca numa

posição desfavorável e incapacitante para realizar a reparação (Johnstone, 2006), e a

doença mental entre esta população também pode funcionar como um entrave (Albrecth,

2011).

Acresce-se também o facto de que a organização dos encontros de mediação são

difíceis mesmo quando ambas as partes envolvidas se encontram em meio livre. Estando

uma das partes presa, as dificuldades agravam-se não se criando assim uma oportunidade

para que os criminosos se tornem conscientes dos danos que causaram através do

desenvolvimento da empatia, nem as vitimas têm oportunidade de expressar e validar os

sentimentos sobre o sucedido (Johnstone, 2006).

Em vez de prisões transformadas em conformidade com os princípios da JR, o

resultado mais provável da aplicação desta prática é a adoção temporária de aspetos

limitados da JR, que são então usados para adicionar legitimidade a uma instituição que

permanece essencialmente punitiva (Guidoni 2003 citado por Johnstone, 2014).

Segundo o autor supracitado, o sonho de JR de resolução de conflitos não-coerciva

é extremamente difícil nas prisões, pois há incentivos para participar em esquemas de JR

sem fazer qualquer compromisso com os objetivos da JR, a ideia de capacitar os

prisioneiros, que é central para a JR é difícil para muitos profissionais do sistema prisional

e as dificuldades que a maioria dos prisioneiros agora experiencia são tão graves que

qualquer esquema que envolve a obtenção de reclusos para se concentrar sobre a situação

dos outros é irrealista.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Capítulo III. O programa Educar para Reparar: iniciação às práticas

restaurativas em contexto prisional

3.1. Justificação para a aplicação do programa

As práticas restaurativas em contexto prisional surgem como uma prática

complementar e enriquecedora da intervenção penal pois são geradoras de novas

aprendizagens para os participantes. Geralmente, os reclusos não são confrontados com

os efeitos dos seus crimes, contudo, sabe-se que uma reinserção social eficaz passa pelo

desenvolvimento do sentido crítico relativamente aos atos cometidos e pela compreensão

do impacto que os mesmos tiveram nas suas vítimas e na comunidade (Direção Geral dos

Serviços Prisionais (DGSP) e Centro de Competências para a Implementação e Gestão

de Programas (CCIGP), n.d.).

Os reclusos, quando estão a cumprir pena, e quebram as regras do estabelecimento

prisional são punidos mas nunca são levados a assumir a responsabilidade pelos seus atos.

Ou seja, perante a infração aplica-se uma sanção e para além do cumprimento desta o

recluso não tem que se confrontar com o efeito do seu ato nas vítimas, ou refletir sobre

uma forma de reparar o dano. Erguendo-se a necessidade de o recluso se confrontar com

o efeito que os seus crimes tiveram nas vítimas ou pensar numa forma de reparar o dano

ao invés de cumprir só a sua pena, surgiu as práticas restaurativas em contexto prisional

(DGSP & CCIGP, n.d.).

Importa salientar que, o CEP, Lei 115/09 de 12 de Outubro menciona a

possibilidade de se recorrer à mediação com infrações de menor gravidade trazendo assim

as práticas restaurativas para o tratamento penitenciário e as práticas de mediação entre

vítima e ofensor (DGSP & CCIGP, n.d.).

O artigo 5º do CEP informa que o tratamento prisional consiste num conjunto de

atividades e programas de reinserção social que visam a preparação do recluso para a

liberdade, através do desenvolvimentos das responsabilidades e aquisição de

competências que lhe permita ter um modo de vida responsável e prover as suas

necessidades após a libertação.

A JR pode ser aplicada em vários contextos e, na prisão poderá ajudar o recluso a

tomar consciência das suas responsabilidades, sendo deste modo uma forma de

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impulsionar mudanças no contexto de crescimento pessoal importantes para a sua futura

reintegração social (DGSP & CCIGP, n.d.).

Apesar de este ser um programa dirigido exclusivamente para ofensores, é

importante salientar os efeitos multiplicativos que poderão surgir em termos de mudança

de atitudes. Sendo a prisão, uma instituição com uma função nobre de reeducação, é de

extrema pertinência encorajar estas práticas que fomentam o desenvolvimento das

relações interpessoais (DGSP & CCIGP, n.d.).

3.2. Enquadramento do programa

Este programa, surge então da necessidade de inovar o tratamento penitenciário e

o seu conteúdo resulta do desenvolvimento de um outro programa existente “O meu guia

para a liberdade”, que foi pioneiro em introduzir o tema no contexto prisional português.

É um programa educativo, que visa o treino de competências restaurativas em meio

prisional (DGSP & CCIGP, n.d.).

Para o planeamento de um programa que se pretende que seja eficaz neste

contexto, é importante avaliar quais as necessidades dos intervenientes. Neste sentido,

podemos pensar nas vítimas e perceber o que elas precisam para voltar a sentir-se inteiras,

na comunidade sobre a forma como esta se sentiu atingida, como pode investir numa saída

positiva para ambas as partes, nos agressores de modo a perceber porque é que escolheram

praticar o ato e o que os irá fazer mudar no futuro (DGSP & CCIGP, n.d.).

Para classificar o programa, tornam-se pertinentes as considerações de Mccold e

Watchel (2003), que dizem que as práticas restaurativas podem ser agrupadas em três

grupos (cf. fig. 1), de acordo com o grau de envolvimento de cada interveniente do

processo. Desta forma, pode-se classificar as práticas em “totalmente restaurativas”,

quando envolvem todos os intervenientes, “ na maior parte restaurativas”, quando

envolve quase todos os intervenientes e “parcialmente restaurativas” quando envolvem

apenas alguns intervenientes.

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Figura 1. Tipologia das práticas restaurativas (McCold &Watchel, 2003)

O presente programa poderá ser classificado de “parcialmente restaurativo”, uma

vez que o foco do trabalho é o ofensor/recluso e a vítima é colocada de forma virtual não

havendo uma mediação (DGSP & CCIGP, n.d.).

Para a aplicação deste programa definiram-se três regras fundamentais: a

voluntariedade de cada participante, em que se deve ter em conta que a sua participação

que não deve ser coagida, deverá ser incentivada e motivado; a neutralidade que define

que os facilitadores deverão manter uma posição neutra em relação aos participantes e

aos seus atos, estabelecendo um papel de ajuda e compreensão; a confidencialidade em

que as informações de cada participante que sejam evocadas durante as sessões ou fora

delas devem ser sigilosas por parte de todos (DGSP & CCIGP, n.d.).

3.3. Estrutura do programa

O presente programa encontra-se dividido em dois grandes blocos de sessões,

sendo que poderão considerar-se como dois módulos. Os conteúdos que fazem parte da

composição do programa resultam dos pressupostos das práticas restaurativas e das

competências que deverão estar na base do desenvolvimento destas por parte dos

indivíduos (DGSP & CCIGP, n.d.).

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O primeiro grande bloco, até à sessão 14, engloba o conjunto “gestão de

conflitos” e o segundo grande conjunto diz respeito ao tema “competências restaurativas”

e corresponde da sessão 15 à sessão 30 do programa (DGSP & CCIGP, n.d.).

O primeiro grande tema, “gestão de conflitos”, abarca uma série de competências

que se julga ser bastante pertinentes para a inclusão no programa. Estas podem-se dividir

em 8 e são:

I. Comunicação - é uma competência transversal e de grande relevância para a

facilitação de mudanças noutras competências. Pretende-se que os participantes

percebam que na comunicação existem dificuldades e enviesamentos que importa

ter em conta na interpretação de mensagens (DGSP & CCIGP, n.d.).

II. Descentração Social - pois para se conseguir responsabilizar pelos seus atos, o

indivíduo deverá de ser capaz de reconhecer o outro e a posição que ocupam. Esta

capacidade adquire-se na socialização e trata-se da capacidade de cada indivíduo se

ver através dos outros. Quando as trocas e reflexões sociais favorecem a visão e

reflexão das situações sob diferentes prismas permitem que o indivíduo se perceba

num grupo e perceba o grupo através dos outros elementos. Esta competência é

incluída neste programa no sentido de promover nos indivíduos uma maior

capacidade de saírem da sua visão do mundo e conseguirem ver o mundo através

dos olhos de outrem. É considerado como um dos passos do caminho para o

reconhecimento da vítima e das suas necessidades, sentimentos (DGSP & CCIGP,

n.d.).

III. Reconhecer Emoções - pois a nossa população apresenta de forma frequente e

acentuada, dificuldades de reconhecer e expressar emoções. O desenvolvimento da

capacidade de reconhecer emoções em si e nos outros é um suporte para o início do

processo de desenvolvimento da empatia. Este é outro dos passos do caminho

percorrido pelo programa para o seu objetivo central, que se traduz no

reconhecimento da vítima e dos seus sentimentos sobre os atos praticados (DGSP

& CCIGP, n.d.).

IV. Resolução de Problemas - pois é possível verificar a existência de conflitos que

derivam de défices nos indivíduos no desenvolvimento destas capacidades. Abordar

novas formas de resolver conflitos, também é treinar formas eficazes de resolver

problemas (DGSP & CCIGP, n.d.).

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V. Gestão de Conflitos - que é tido como o tema central deste bloco. Nesta

competência, pretende-se treinar nos indivíduos a capacidade de reconhecer o lado

positivo de um conflito bem como formas pensar formas eficientes para resolver os

mesmos. É importante que os participantes percebam que o conflito, não tem de ser

um fator necessariamente negativo, fazendo-os entender que se a cooperação fizer

parte deste processo o conflito torna-se em algo construtivo e necessário ao

desenvolvimento dos indivíduos, grupos ou comunidades. Desta forma, é

importante dotar os participantes de competências de resolução de conflitos, sendo

que esta é tida como uma questão primordial para a reparação de danos e para o

estabelecimento de relacionamento sociais mais pacíficos e gratificantes (DGSP &

CCIGP, n.d.).

VI. Bullying - pois no contexto prisional à semelhança de outros contextos de

convivência prolongada entre pares, desenvolvem-se diariamente agressões

sistemáticas a indivíduos ou grupos de indivíduos, por parte de outros. Existem

indivíduos que constantemente são vítimas de outros, e tendem a expressar

sentimentos negativos e problemas de estabilidade emocional. Treinar

competências de resolução de conflitos também é promover a diminuição do

fenómeno de bullying, uma vez que podem existir participantes do programa que

poderão ser vítimas de bullying ou perpetadores destes atos. Desta forma, aborda-

se o assunto com o objetivo de os sensibilizar para o fenómeno e sofrimento das

vítimas, alertá-los para o facto das instituições estarem atentas ao problema e

desenvolver nos participantes competências de eliminação e gestão do problema e

das suas consequências. Tratando-se este fenómeno de uma agressão, viabiliza-se

importante para o treino de reparação (DGSP & CCIGP, n.d.).

VII. Cultura de Grupo e Respeito Mútuo - porque saber respeitar as diferenças dos

outros é um dos caminhos de uma melhor gestão de conflitos (DGSP & CCIGP,

n.d.).

Ao fim das 14 sessões, termina aqui, o primeiro bloco do programa que prepara

os indivíduos para a segunda parte totalmente direcionada para o treino de práticas

restaurativas (DGSP & CCIGP, n.d.).

O segundo bloco é composto pelos seguintes temas:

I. Desenvolvimento do Raciocínio Moral - porque a educação moral afigura-se como

um dos valores fundamentais da JR, pelo que a sua inclusão neste programa revela-

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se pertinente. (DGSP & CCIGP, n.d.).O raciocínio moral é a capacidade do

indivíduo desenvolver uma moral cada vez mais avançada de respeito pela justiça,

que se desenvolve na interação do sujeito com o meio, atuando por estádios

hierarquizados. O desenvolvimento moral, segundo Piaget (1977) seria um atributo

que é desenvolvido de acordo com as experiências do indivíduo e que pode sempre

ser promovido e estimulado. Kohlberg (1973) defende que a promoção do

desenvolvimento moral é a única forma eticamente aceitável de educação moral ou

uma educação para a justiça.

II. Conceito de Dano - em que se pretende trabalhar no indivíduo a capacidade de

compreender o que é um dano e que danos causou com os seus atos (DGSP &

CCIGP, n.d.).

III. Conceito de Vítima - em que se pretende que os participantes percebam o que são

vítimas, o que sentem e ainda que vítimas fizeram com a prática do seu crime

(DGSP & CCIGP, n.d.).

IV. Conceito de Reparação - para que os participantes percebam que existe um

caminho alternativo ao do dano, o caminho da reparação (DGSP & CCIGP, n.d.).

3.4. Objetivos

Este programa, no seu objetivo geral pretende ser promotor para evitar a

reincidência. No entanto, os objetivos específicos são a assunção da responsabilidade

pelos seus crimes por parte dos participantes, o alcance de maior consciencialização dos

efeitos que os seus crimes tiveram nas vítimas, reavaliar o seu comportamento futuro com

base no novo conhecimento e adquirir a capacidade para pedir desculpa e/ou oferecer

reparação apropriada para o sucedido (DGSP & CCIGP, n.d.).

3.5. Grupo alvo e seleção dos participantes

Os critérios de seleção dos participantes explanam-se da seguinte forma:

reclusos condenados com assunção dos crimes, idades não muito dispersas, nível

cognitivo médio, não se prever libertação no prazo de duração do programa e estar numa

fase estável de execução da pena (DGSP & CCIGP, n.d.).

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Se o recluso for portador de uma psicopatologia do tipo psicótico e/ou estar em

fase de adição, estes constituem-se como critérios de exclusão. No programa piloto

(primeiro programa), os reclusos condenados por homicídio não poderão integrar o

programa (DGSP & CCIGP, n.d.).

Os reclusos são selecionados pelos TSR que fazem uma avaliação do individuo

e apreciam a pertinência do recluso integrar o programa. É depois comunicado ao recluso

numa situação de atendimento a sua seleção para o programa, em que se explica as

vantagens da sua participação e este é livre de fazer a sua escolha para participar ou não.

3.6.Duração do programa

Este programa é um dos mais extensos aplicados em meio prisional, contando

com 30 sessões com a duração de 90 minutos cada. As sessões podem ser semanais, ou

bissemanais de acordo com a disponibilidade e recursos existentes em cada EP (DGSP &

CCIGP, n.d.).

3.7. Aplicadores

Os aplicadores têm de ser dois TSR, para um apoio e complementaridade

necessários em que pelo menos um deles, tenha formação específica do programa dada

pela DGSP. Contudo, ambos devem dominar em pleno o programa (DGSP & CCIGP,

n.d.).

Necessitam de estar preparados para um programa exigente que conta com a

mudança de atitudes e comportamentos, onde há uma exposição profunda por parte dos

participantes e por isso, deverão contar com situações de maior ativação emocional. Estas

situações devem ser geridas com calma, e com o bom senso característico destes

momentos. Os mesmos devem estar inteiramente envolvidos no programa, de modo a

saber interpretar as diferentes atitudes dos reclusos em cada momento de forma a

adaptarem as suas intervenções (DGSP & CCIGP, n.d.).

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3.8. Avaliação dos participantes

A avaliação do programa faz-se com recurso aos seguintes instrumentos: um

questionário em pré-teste e pós-teste que é respondido pelos participantes, e uma

avaliação de algumas dimensões da sua participação que é realizada pelos facilitadores

do programa. As primeiras são designadas de medidas de autorrelato, em que se avaliam

as respostas como mais próximas ou afastadas do polo restaurativo através das dimensões

pré-estabelecidas. As últimas dizem respeito à assiduidade, motivação e envolvimento no

trabalho que se pode classificar em baixo, médio e alto (DGSP & CCIGP, n.d.).

No que respeita à assiduidade, o importante é perceber se os resultados finais

estão relacionados com as faltas ou não. A motivação avalia-se de acordo com a vontade

que o participante demonstrou em prosseguir, fazer aprendizagens e com a obtenção de

mudanças comportamentais. Para se verificarem mudanças, é preciso mais do que

unicamente frequentar as sessões de forma assídua, é importante envolver-se no trabalho

para que as mudanças não estejam comprometidas (DGSP & CCIGP, n.d.).

3.9. Avaliação das sessões do programa 2015

Revela-se importante mencionar a avaliação das sessões de 2015, de modo a se

perceber as mudanças, comportamentos e atitudes observadas no decorrer das mesmas.

Desta forma é possível analisar estes aspetos comparativamente aos resultados obtidos

nas entrevistas realizadas com os reclusos de 2014, facto este que parece pertinente ser

abordado.

As sessões decorreram entre Março a Junho, às terças e quintas-feiras, das 14h30

às 16h. A calendarização das sessões prolongou-se mais do que previsto, inicialmente,

devido a greve e período de férias dos profissionais.

Todas as sessões encontram-se divididas por fases (momentos), sendo

estruturadas com uma ordem lógica e sequencial de acontecimentos. Cada sessão para

além de numerada é intitulada e possui objetivos específicos, estes têm também uma

ordem sequencial lógica, havendo algumas sessões em que os objetivos são iguais aos da

sessão anterior, pois trata-se de uma aprendizagem longitudinal e evolutiva, sendo muitas

das vezes abordada de diferentes formas com vista a desenvolver esta aprendizagem em

diferentes níveis.

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Como em qualquer trabalho com grupos, as sessões iniciavam-se sempre com um

quebra-gelo que permitia que todos partilhassem com o grupo o seu estado de espírito no

momento. De seguida, falava-se um pouco da sessão anterior e eram explicados os

objetivos da presente sessão e dava-se início às atividades. As atividades poderiam ser

em grupo ou individuais e a metodologia usada eram jogos, exercícios escritos e de

reflexão, visionamento de filmes, entre outros. Para finalizar cada sessão, reforçava-se

positivamente o trabalho desenvolvido por todos os participantes de forma a motivá-los

para continuarem a apostar no seu desenvolvimento.

As primeiras 14 sessões do programa revelaram-se importantes para promover a

coesão grupal, realizar aprendizagens relativas a formas de trabalhar em grupo e iniciar o

processo de desenvolvimento de empatia.

Na segunda parte do programa, algumas sessões despertaram mais a parte

emocional dos participantes, o que já era esperado pois a estrutura do programa revela-se

propicia para que isto aconteça. Foi também nesta fase, que se revelaram as maiores

mudanças e começou a verificar-se alguns efeitos do programa nos participantes.

O investigador, ao longo de todas as sessões para além de participar na orientação

das mesmas, foi tirando sempre anotações dos comportamentos observados, do conteúdo

das discussões das atividades realizadas, principais ideias e de todos outros aspetos que

se revelassem pertinentes com o objetivo de fazer uma posterior avaliação da forma como

estas decorreram. Na impossibilidade de, algumas vezes este processo ser feito

exclusivamente no decorrer das sessões, toda a informação era anotada no fim destas de

modo a evitar a perda da mesma. Posto isto, importa salientar que a informação que se

segue é referida com base nestes processos.

A descrição individualizada de cada sessão será apresentada de forma mais

detalhada (cf. anexo G).

Através de uma avaliação feita pelo investigador, baseada na observação da

discussão do tema comunicação, conclui-se que os participantes revelaram ter

consciência da importância desta temática para se viver em sociedade, reconhecendo esta

forma como uma boa alternativa para resolver conflitos e, muitas das vezes evitar os

mesmos. Neste mesmo debate, foram capazes de refletir e equacionar estratégias para

evitar os conflitos e intencionaram o uso deste meio nas suas ações futuras reconhecendo

que em algumas situações se tivessem usado o diálogo poderiam evitar males maiores,

tais como o cometimento de alguns crimes.

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Na sequência de observações feitas pelo investigador e em conversas com os

reclusos durante as sessões, foi percetível que o cumprimento da pena de prisão tornou

os participantes mais ponderados, sendo que estes conseguem reagir de forma mais

cautelosa e prudente em várias situações do seu quotidiano, de forma a não serem

prejudicados e consequentemente punidos. Dois participantes, alvo de várias medidas

disciplinares referiram que com o tempo, estes aspetos têm sido apurados com o objetivo

de evitar punições.

Relativamente às emoções sentidas, estas foram muitas e diversificadas durante o

programa. Através das verbalizações dos reclusos, que foram debatidas com o

investigador foi possível perceber que as emoções negativas verbalizadas reportavam-se

ao contexto prisional, indeferimento das saídas jurisdicionais, e ainda aspetos

relacionadas com o programa tais como a criação de empatia com a vítima, ao sofrimento

causado a estas e ao momento do cometimento do crime.

As emoções positivas, reportam-se para questões externas tais como visitas,

telefonemas, concessão de saídas jurisdicionais e troca de correspondência que lhes

permite estar mais próximos dos filhos e sentem que podem exercer o papel de pais de

uma forma mais próxima e eficiente, tentando compensar a ausência física. O papel de

pais é tido pelos participantes, como uma fonte de motivação para continuarem a lutar

pelo alcance dos objetivos, sempre em busca da liberdade tencionando adotar

comportamentos socialmente aceites e estarem próximos dos seus filhos, tal como os

participantes verbalizam.

Relativamente às mudanças de pensamento e atitudes para não voltarem a cometer

mais crimes, através de debates ao longo das sessões os participantes identificam que a

força de vontade é a maior base de suporte no processo de mudança. Com a discussão

desta temática em grupo, que foi orientada pelos monitores todos os participantes

perceberam a existência de fatores dinâmicos, estáticos, de risco e protetores que são

capazes de influenciar a sua conduta. Assim, reconhecem que existem fatores que não

podem ser alterados ao passo que outros podem e reconhecem que os fatores de risco são

preponderantes para que haja um desvio na conduta ao invés dos fatores protetores que

evitam que este ocorra.

Os participantes afirmam que geralmente no meio prisional as suas mudanças

positivas não são reconhecidas mas, no entanto, quando sofrem algum tipo de recaída são

apontados e conotados negativamente. Revelaram ainda, a dificuldade que sentem em

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adotar certas atitudes tidas como socialmente aceites no contexto prisional, pois, muitas

das vezes dizem ser mal interpretados o que lhes acarreta consequências negativas como

no caso de denunciar situações de bullyng, por exemplo. Estas conclusões são aferidas de

acordo com as verbalizações dos participantes ao longo das sessões.

Os reclusos ao longo do programa e de uma forma gradual foram capazes de

identificar as suas vítimas diretas e indiretas bem como os danos que causaram às

mesmas. Inicialmente, para todos eles foi difícil pensar sobre estes factos, pois tal como

alguns verbalizaram nunca tinham pensado nisso. Apenas dois participantes inicialmente

revelaram ter mais facilidade em pensar sobre o assunto, dizendo que já o tinham feito

antes de entrar no programa.

Em todos os casos, as vítimas diretas reconhecidas pelos participantes diziam

respeito às pessoas a quem roubaram, mataram e burlaram. Têm como vítimas indiretas

os familiares das suas vítimas diretas e os seus próprios familiares que consideram que

são vítimas pela sua reclusão. Todas estas conclusões decorrem da observação da

discussão das atividades ao longo do programa, em que existiram vários exercícios

escritos que posteriormente foram debatidos em grupo alusivos a estas temáticas, onde o

investigador esteve presente e tomou anotações.

Os danos que consideram ter causado têm a ver com o facto de as pessoas ficarem

sem objetos importantes da sua vida, perderem a vida e as vítimas indiretas perderem os

familiares. As suas famílias têm uma perda física enquanto estão privados da liberdade,

e têm consciência dos danos que isso lhes causa. Os danos diretos prendiam-se

diretamente com as vítimas do crime tendo sido referidos danos psicológicos, materiais,

morais, físicos e económicos. Os danos indiretos relacionavam-se com os familiares das

vítimas e com o próprio recluso. Os participantes reconhecem que independentemente do

crime cometido, tanto a família direta como os familiares da mesma sofreram danos. Os

danos causados à família dos reclusos, tal como definido pelos mesmos, dizem respeito à

vergonha que estes sentem pelos atos praticados e pela dificuldade que é, ver o seu

familiar em situação de reclusão, constituindo-se este tempo como um luto pela perda

física do familiar. Estas conclusões resultam da discussão das diferentes atividades

alusivas ao tema em que o investigador esteve presente e tomou apontamentos.

Apesar de no início, se ter revelado bastante difícil a criação de empatia com as

vítimas ao longo das sessões, houve uma evolução e os participantes de modo gradual

foram capazes de criar empatia com as vítimas, tendo sido este tema explorado em várias

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sessões das mais diversas formas, através de diferentes atividades. Daí, a importância de

diferentes sessões abordarem conteúdos idênticos de uma forma evolutiva com o objetivo

de se realizar uma aprendizagem gradual, nestas questões que parecem ser mais emotivas

para os participantes. Esta conclusão é retirada pelo investigador, pois foi-lhe possível

observar que na primeira sessão em que se abordou o tema de empatia com as vítimas,

poucos reclusos foram capazes de o fazer. Contudo, nas sessões posteriores foi possível

observar uma evolução positiva no sentido de Conseguirem criar empatia com as mesmas.

Já numa reta final do programa, mais precisamente na 23ª sessão foi possível

verificar que os participantes têm pensado bastante sobre o que tem sido abordado durante

as sessões e, em alguns casos têm havido mudanças de pensamento e de atitudes o que

concerne num desenvolvimento pessoal a vários níveis. Esta sessão revelou-se bastante

densa, no sentido em que houve uma grande reatividade emocional por parte dos

participantes constituindo-se como a sessão mais difícil ao nível da gestão das emoções

onde os reclusos tiveram de falar como se as suas vítimas (diretas e/ou indiretas)

estivessem à sua frente, verbalizando o que achavam que lhes diziam. Os discursos foram

variados, salientando-se que em primeiro lugar todos os participantes referiram que

teriam de conseguir perdoar a si próprios e depois pediriam desculpas às vítimas. Alguns

tentariam reparar de forma monetária aquilo que roubaram, mas não obstante reconhecem

que o dinheiro não iria reparar totalmente o mal feito pois para além da perda económica

levantam-se outros problemas, no seu entender mais graves tais como os traumas

psicológicos que causaram nas suas vítimas.

Na sessão a seguir a esta os participantes de forma espontânea verbalizaram que

a sessão anterior tinha sido bastante complicada, no sentido em que lhes trouxe muitas

emoções e que ficaram durante algum tempo a refletir sobre tudo que tinham feito.

Reconhecem que esta fase do programa está a ser mais intensa e que em alguns casos,

está a provocar mudanças.

Por tudo isto, esta sessão foi tida para os monitores do programa e pelo

investigador como o ponto alto do programa, onde foi percetível que o programa está a

surtir efeitos ao nível da responsabilização pelo crime e necessidade de reparação dos

danos causados. A partir daqui, começou a existir ainda uma maior abertura por parte dos

participantes ao longo das sessões, facto este não evidenciado por todos mas pela larga

maioria.

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Os participantes ao longo do programa foram capazes de refletir e expor ao grupo

os motivos que os levaram à prática do crime, apresentando alternativas para caso se

deparem com situações idênticas, contornar o problema de forma a não reincidirem. Este

constitui-se como um aspeto importante para a avaliação da reincidência acrescentando

ainda que, os participantes verbalizaram que já estiverem expostos a situações em que

puseram a sua liberdade em causa para salvar outras pessoas, mas que atualmente não o

fariam, pois não querem passar novamente pela experiência de reclusão. Sentem-se

bastante angustiados porque apesar de estarem a sofrer nesta fase da sua vida fazem

também sofrer as pessoas de quem gostam. Estas verbalizações decorreram durante as

sessões do programa, onde o investigador esteve presente e foi ouvindo as mesmas.

No início do programa, os participantes acharam que a JR não pode ser aplicada

em crimes de homicídio. No entanto, tendo neste grupo reclusos condenados por este

mesmo crime foi percetível através das verbalizações dos reclusos que apesar de julgarem

que havia danos causados irreparáveis, ao longo das sessões foram capazes de reconhecer

que poderia haver formas de minimizar estes mesmos danos. Contudo, verbalizaram ter

consciência que nestes casos a JR não pode ser aplicada de forma passiva e que nunca

poderão devolver a vida às suas vitimas diretas, reconhecendo que a reparação do dano é

muito difícil e/ou impossível neste sentido.

Num dada sessão, em que se abordou as formas de reparação do dano, pelo facto

de os participantes estarem privados da sua liberdade e pelo medo da reação das vitimas

diretas e/ou indiretas, declararam que por estes motivos não têm condições para se

aproximar das mesmas.

Contudo, três dos participantes verbalizaram que já tentaram minimizar os danos

causados efetuando um pedido de desculpas por escrito (carta) considerando que esta é

uma forma mais fácil para iniciar o processo. Um outro participante para além deste

pedido de desculpas devolveu o dinheiro que tinha furtado às vítimas.

A partilha de histórias de iniciativas de reparação foram uma constante ao longo

das sessões. Um participante, partilhou com o grupo que numa sessão de julgamento ficou

sensibilizado quando uma das vítimas entrou e saiu a chorar não conseguindo sequer falar.

Refere, que atualmente ainda pensa nisso e que esta situação fê-lo ter uma maior

consciência do dano que causou e que gostava de pedir desculpa às vítimas. Outro recluso

verbalizou que já adotou algumas formas de reparação para com as vitimas, reconhecendo

que para ele, foi mais fácil reparar as suas vitimas diretas do que as indiretas.

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Justiça Restaurativa no EPPF

33

Dois reclusos referiram também, que o exercício de falar com algumas das vitimas

já o conseguiu fazer nas visitas que teve com os seus familiares, começando por iniciar

um processo de reparação. Existe vontade por parte de um recluso, tal como verbalizado

pelo mesmo, de falar com os pais da vitima que matou e um outro diz que já foi ver ao

seu processo o nome da vítima do seu crime, com quem quer falar.

Relativamente às formas de reparação, todos os participantes admitiram que em

primeiro lugar pediriam desculpa às vítimas. Consideram que para dar início a este

processo, têm de se sentir arrependidos para desta forma conseguirem conduzir melhor

esta situação.

Um dos participantes referiu que antes da sua reclusão, já devolveu grande parte

daquilo que tinha roubado e na sequência disto, alguns participantes (ainda que em

minoria), admitiam que com a devolução do que foi roubado, já conseguiam reparar

totalmente o problema. A maioria não concordou e admitiu que este processo não é assim

tão linear e, que muitas das vezes, os danos psicológicos e morais são muito mais graves

que os monetários e materiais e consequentemente muito mais difíceis e reparar ou

mesmo irreparáveis.

O tentar estabelecer laços com os familiares das vítimas, para deste modo lhe

poder proporcionar um melhor apoio afigura-se um passo importante para os

participantes, tal como referiram.

O grupo na discussão deste tema, concluiu que este processo de tentar reparar ou

minimizar o dano do crime que cometeram tem de ser bem analisado no sentido de

esquematizar a melhor forma de o fazer e pensar nas consequências (boas e más) que isso

lhes poderá trazer.

Por tudo isto, através das verbalizações ditas pelos participantes e pelas atitudes

dos mesmos que foram observadas pelo investigador, poder-se-á concluir que a maior

parte dos reclusos se encontram mais preparados para iniciar um processo de reparação,

apesar de sentirem que têm de ter apoio por parte de alguém para que isto se concretize.

Reconhecem os seus medos mas mostraram-se capazes de identificar estratégias para os

ultrapassar de forma a alcançar o objetivo. Contudo, ainda não há nenhum projeto efetivo

de reparação para nenhum deles, só uma abordagem superficial do assunto, exceto um

recluso que diz já ter devolvido o que roubou e efetuou pedido de desculpa.

Ao longo das sessões, através da observação das atitudes mas essencialmente

pelas conversas desenvolvidas com o grupo, foi percetível que o programa teve um

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Justiça Restaurativa no EPPF

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impacto significativo no desenvolvimento dos participantes a nível pessoal, interpessoal,

na criação de empatia com as vítimas, reconhecimento das mesmas, consciencialização e

responsabilização pelo crime bem como da necessidade de reparação de danos.

Um dos participantes referiu “comecei a pensar nisto a partir de uma dada altura

em que falamos aqui no programa” (referindo-se às vitimas e danos causados) e outro

“antes do programa tentava-me desresponsabilizar pelo crime que cometi agora não”.

Um dos participantes referiu também que, no seu entender, este tipo de programas

pecam por ser tardios na vida do recluso, pois é um programa que propicia a que se reflita

sobre muitos aspetos da sua vida e permite “desabafar” o que os atormenta.

Todos os participantes mencionaram que, este programa foi capaz de mexer em

coisas que estavam “escondidas”, algo que pensavam que tinham resolvido no passado e

com o decorrer das sessões foram-se apercebendo que, afinal ainda existe muitas coisas

que mexem com eles. Referem também que, o programa lhes fez sentir a necessidade de

fazer algo mais (principalmente pelas vitimas), sem ser exclusivamente cumprir a pena

de prisão. Com as oportunidades que tiveram para refletir sobre todos os danos que tinham

causado, acham que este será o momento certo para iniciar alguma forma de reparação

pois consideram que estão numa fase crucial de aprendizagem, logo será mais fácil de pôr

em prática.

Verbalizaram que, em nenhuma altura do cumprimento da sua pena tinham

pensado em reparar em vítimas nem mesmo refletido sobre os danos que haviam causado

às mesmas, sendo que agora o fazem com frequência e sentem necessidade de alterar e

iniciar certas condutas.

O grupo partilhou que existem muitos danos que não podem reparar, que já

tentaram mas não conseguiram. Sentem que podem amenizar o dano, mas em muitos

casos numa proporção muito diminuta. Referem ainda, que muitas das vezes sentem a

necessidade de ter ajuda de terceiros (mediadores, técnicos e família) para iniciarem o

processo de reparação do dano.

Como forma de refletir sobre a melhor forma de proceder à restauração de danos

os participantes referiram que EP, não existe forma de aplicar esta justiça, indicando a

falta de mediadores para o efeito.

Reconhecem que para que ocorra uma reparação efetiva, para além de outras

coisas é necessário haver uma enorme força vontade para o fazer, acompanhada de muita

persistência, para em nenhum momento desistirem.

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Justiça Restaurativa no EPPF

35

Em jeito de sugestão, os participantes verbalizaram que seria benéfico para eles e

para todos os reclusos, existir um programa com mediadores no exterior, aquando a sua

saída para a liberdade. Este programa faz-lhes sentido, pois para além de outros aspetos

sentem que quem tiver vontade em reparar as vitimas, poderá fazê-lo com a ajuda de

terceiros e nesta posição sentem-se muito mais seguros, confortáveis e capazes de o fazer.

Dada a falta de mediadores, que os participantes dizem ter para conseguirem pôr

em prática as suas formas de reparação, surgiu a opinião de que os técnicos de reeducação

podem e devem servir para este efeito. O papel do técnico de Reeducação é acompanhar

o recluso durante o cumprimento da sua pena, em todos os aspetos que ele precisar tendo

em conta o seu bem-estar físico e psíquico, com vista à melhor reinserção possível, na

sociedade. Os advogados também se afiguram como elementos importantes no processo

de mediação.

Numa discussão sobre a aplicação da JR nos diferentes contextos, os participantes

referiram que as medidas disciplinares no EP deveriam ir no sentido da aplicação desta

prática e não no regime punitivo, que em muitos casos não surte efeito.

As dificuldades que os monitores do programa sentiram que os reclusos tiveram

ao longo das sessões foi o transpor para o papel os seus sentimentos, as suas histórias de

vida pois fazia-os relembrar de muitas situações controversas da sua vida e colocar-se no

lugar das vítimas.

As maiores dificuldades sentidas pelas monitoras do programa durante as sessões

relacionavam-se com o estado de espirito dos reclusos que se encontravam bastantes

vezes tensos, devido a problemas do seu quotidiano prisional o que tornava mais difícil a

orientação das sessões para cumprirem os seus objetivos. Contudo, conseguiu-se sempre

contornar a situação, havendo espaço para os participantes “desabafarem” e para

realizarem todas as atividades propostas, cumprindo-se assim os objetivos das sessões.

Para manter a motivação dos reclusos, tornou-se necessário adotar estratégias, tais

como a escolha de mais filmes, adaptação de algumas sessões bem como o planeamento

de novas atividades dado que o grupo não aceitou realizar as sessões abertas incluídas no

programa. Estas atividades, foram sempre pensadas de acordo com os conteúdos do

programa numa tentativa de continuar com a sedimentação de conhecimentos e novas

aprendizagens, tendo sido igualmente os objetivos destas sessões alcançados. De forma,

a dotar os reclusos de material de apoio, o investigador elaborou alguns documentos

alusivos à definição de conceitos presentes nas sessões.

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Justiça Restaurativa no EPPF

36

Existe a perceção de que, este programa foi importante para os reclusos, durante

o cumprimento da sua pena. Tiveram a possibilidade de refletir sobre os crimes que

cometeram, os efeitos que estes tiveram nas suas vítimas e na sociedade, e trabalhou-se a

capacidade de se descentralizarem e se colocarem no lugar do outro, coisas que admitirem

que nunca fariam sozinhos.

Para além disso, o facto de conseguirem abordar temas que anteriormente não

conseguiam e “desabafar” é um facto muito importante na vida dos participantes, pois

pode ajudá-los a alcançar alguma estabilidade emocional constituindo-se este um fator

importante para iniciar o processo de mudança do recluso.

Relativamente à motivação foi notória a vontade de todos os elementos do grupo

em prosseguir, fazer aprendizagens e obter mudanças comportamentais o que levou a um

envolvimento elevado por parte dos reclusos em todas as atividades durante o programa.

Só houve uma desistência durante o programa por motivos de saúde justificáveis.

Houve dois reclusos que registaram um maior número de faltas do que os outros

participantes mas a avaliação feita pelos monitores é de que as suas aprendizagens não

foram afetadas por este motivo.

A avaliação do comportamento futuro é um aspeto dependente de vários fatores

dinâmicos e estáticos pelo que se afigura difícil a sua avaliação. Contudo, ao longo do

programa foram vários os momentos em que os reclusos verbalizaram a sua intenção de

não voltar a cometer crimes, pela experiência que tiveram de reclusão e tudo o que a

envolve, bem como por todas as aprendizagens feitas ao longo do programa.

Através de uma análise de todas as sessões poderá dizer-se que houveram

resultados positivos e que os principais objetivos do programa foram atingidos, apesar

que não foram todos no mesmo nível. Contudo, admite-se que as principais questões

foram trabalhadas durante as sessões e é notório algumas mudanças dos participantes a

nível comportamental e do pensamento.

O objetivo mais difícil de avaliar, é o da previsão do comportamento futuro dos

participantes, dado que os crimes estão dependentes de inúmeros fatores externos que não

são controláveis. Para além dos participantes se mostrarem muito perturbados com a

reclusão e verbalizarem não quererem voltar a experienciar esta situação contam com o

apoio dos familiares, que constituem como um suporte fundamental durante e após a

reclusão, que se poderão constituir como um bom apoio para evitar a reincidência.

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37

Os participantes na reta final do programa, em várias sessões, mostraram-se muito

gratos pela oportunidade que lhes foi dada em participar no grupo terapêutico, pelos

momentos que lhes foram proporcionados, pelos ensinamentos e mostraram interesse em

participar em programas idênticos no futuro.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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PARTE II-Estudo empírico

Capítulo IV. O estudo empírico

Tendo em conta, o número restrito de estudos que existem sobre os programas

implementados em contexto prisional, considerou-se importante estudar este fenómeno,

mais concretamente um programa relativamente recente neste meio designado “Educar

para Reparar-iniciação às práticas restaurativas em contexto prisional”.

A aplicação deste programa no EPPF, em 2015, fez parte integrante do estágio do

investigador, contando com a sua participação em todas as sessões do mesmo.

Este mesmo programa foi também aplicado em 2014 no EPPF, por uma outra

equipa, sendo que a recolha de dados para a presente investigação integrou também os

participantes deste programa.

Esta investigação, segue um desenho exploratório e descritivo na medida em que

permite explorar conceitos e descrever a experiência dos reclusos e dos técnicos

relativamente ao programa.

Caracteriza-se como um estudo transversal tendo em consideração que as análises

são realizadas num único momento, não se verificando um seguimento dos indivíduos ao

longo do tempo.

A pesquisa empírica realizada para esta investigação assenta numa metodologia

mista, combinando dois métodos: o quantitativo e o qualitativo. O método quantitativo,

empregando a quantificação, que nos irá permitir avaliar a escala de um ponto de vista

global através do cálculo das médias de cada dimensão, fará parte do primeiro estudo. O

segundo estudo, desenvolvido através do método qualitativo irá abranger informação que

nos permita perceber a perceção dos reclusos e dos TSR que participaram e

implementaram o programa, respetivamente.

A combinação destes dois métodos dá-nos a possibilidade de triangular e

complementar a informação obtida. Permitirá ainda comprovar, confirmar e clarificar a

informação (Lessard-Hébert, Goyette, & Boutin, 2005).

Nesta segunda parte do trabalho, irá se apresentar os objetivos de cada estudo, a

caracterização dos participantes, o método, os instrumentos, os procedimento e, por

último, a apresentação, análise e discussão dos resultados obtidos.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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4.1. Estudo 1: Crenças restaurativas na visão dos reclusos

4.1.1. Objetivos

Para iniciar o processo de investigação foi necessário delinear os objetivos deste

primeiro estudo. Sendo assim, este consistiu em estudar as crenças restaurativas que os

participantes detêm depois de frequentarem o programa.

4.1.2. Caracterização dos participantes

Neste estudo participou um grupo de 18 reclusos do sexo masculino que

frequentaram o programa. Este grupo é dividido da seguinte forma: 8 reclusos que

participaram no programa em 2014 e 10 que participaram no programa em 2015.

Para a escolha dos reclusos que frequentaram o programa em 2015 teve-se em

conta o facto de estes serem reclusos condenados, com assunção de crimes, nível

cognitivo médio, não previsão de libertação no prazo de duração do programa e estarem

numa fase estável da execução da pena. Estes mesmos critérios foram utilizados na

seleção dos participantes para o programa que vigorou em 2014, acrescentando-se ainda

o facto de que neste programa os reclusos condenados pelo crime de homicídio não

poderiam integrá-lo.

Para efeitos da caracterização da amostra, recolheram-se alguns dados que

permitirão sumarizar alguns aspetos relativos à sua composição com enfoque nas

variáveis faixa etária, número de crimes praticados e a tipologia do crime pelo qual está

condenado e a cumprir pena.

Tabela 1. Distribuição da amostra, segundo a faixa etária;

Faixa etária Grupo 2014 Grupo 2015 Total

20-30 1 2 3

30-40 4 4 8

40-50 2 2 4

50-60 1 2 3

Total 18

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Tabela 2. Distribuição da amostra de acordo com o número de crimes praticados

Tipologia de crime Grupo 2014 Grupo 2015 Total

Crimes contra a autodeterminação sexual 1 0 1

Crimes contra a propriedade 4 4 8

Crimes contra o património em geral 2 1 3

Crimes de falsificação 1 1 2

Crimes de violação de providências públicas 1 0 1

Crimes contra as pessoas 1 5 6

Crimes rodoviários 0 2 2

Crimes relativos a estupefacientes 3 1 4

Crimes relativos a armas e munições 0 1 1

Total 28

Tabela 3. Distribuição da amostra por tipologia de crime

Pode-se verificar que a maior parte dos reclusos se situam entre os 30 e os 40 anos

(8 participantes), a tipologia do crime mais comum é o crime contra a propriedade (8

participantes) e estão condenados maioritariamente por um único crime (11

participantes).

No grupo que participou no programa em 2015, predomina a tipologia do crime

contra as pessoas, pois foram admitidos no grupo reclusos condenados por homicídio.

Ressalta-se que o número de crimes praticados nos dois grupos é superior ao

número de sujeitos da amostra, pelo facto de uma certa percentagem dos participantes ter

praticado mais do que um crime.

Nº de crimes praticados Grupo 2014 Grupo 2015 Total

1 5 6 11

2 2 3 10

3 0 1 3

4 1 0 4

Total 28

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Justiça Restaurativa no EPPF

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4.1.3. Metodologia

De uma forma sucinta, a fim de se alcançar os objetivos supramencionados este

estudo concretizou-se, em dois momentos diferentes com dois subgrupos de reclusos, que

constituem um único grupo perfazendo um total de 18 indivíduos.

Relativamente aos reclusos que frequentaram o programa em 2015, estes

preencheram uma escala de pós-teste (na última sessão do mesmo) que faz parte

integrante do programa a fim de se avaliar as suas crenças restaurativas através das

dimensões pré-estabelecidas pelos autores do programa, tendo sido aplicados dez

exemplares da escala.

Quanto aos reclusos que participaram no programa em 2014, para além da

entrevista (que irá ser abordada no estudo 2), preencheram a escala de pós-teste que faz

parte integrante do programa, igual à que os reclusos de 2015 preencheram, tendo sido

aplicados 8 exemplares.

Para analisar as escalas, através de uma abordagem quantitativa, optou-se por

avaliar estas de acordo com as dimensões definidas (cf. tabela 4) pelos autores do

programa sendo que este processo foi feito de acordo com as instruções de cotação que

os mesmos dão. Sendo assim, para fazer os cálculos invertia-se sempre a cotação de um

dos itens da dimensão (itens menos restaurativos), uma vez em cada uma destas um item

apresenta-se num polo mais restaurativo e o outro num polo menos restaurativo. De

seguida, calculou-se a média para cada dimensão e avaliou-se se esta se encontrava mais

próxima ou mais afastada do polo restaurativo numa escala de 0 a 10 (0- Nada

restaurativo, 10-Muito restaurativo).

4.1.4. Instrumentos

Neste estudo utilizou-se a Pré-Escala de Avaliação da Evolução das Crenças

Restaurativas em Recluso que frequentam o Programa: Pós-teste (cf. anexo A)

instrumento que faz parte integrante do programa, construído pelos autores do mesmo

(DGSP/CCIGP), neste pretende-se fazer uma avaliação das várias facetas tocadas pelo

programa: dano, vítima e reparação, ideias gerais abrangidas pela perspetiva da JR e sobre

crenças mais comuns no que diz respeito às práticas restaurativas.

É constituído por 14 afirmações perante as quais os sujeitos devem situar-se numa

escala de opinião, que varia entre 0 (nada) e 10 (muitíssimo), em que 0 expressa a menor

concordância com a afirmação e 10 a máxima concordância com a mesma.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Esta escala é uma abordagem consequente da prática com a população reclusa que

aborda as crenças mais frequentes sobre a matéria em contexto prisional, não se tratando

assim, de um instrumento científico.

Para se analisar a escala de pós-teste, os autores do programa agruparam dois itens

em cada dimensão. Relativamente às sete dimensões que se pretendeu avaliar (cf. tabela

4) cada dimensão é constituída por uma frase mais restaurativa e outra menos restaurativa,

ou seja uma está construída de acordo com os princípios da JR e a outra menos

concordante com estes mesmos princípios. Foram definidas as seguintes dimensões:

vivência pacífica em grupo, assunção da responsabilidade, crença da função da justiça

como agregador da sociedade, consciência dos efeitos dos crimes nas vítimas, JR vs

Justiça criminal, reavaliar comportamento futuro e capacidade de pedir e oferecer

reparação.

Agrupamento das afirmações por dimensão

Dimensão Afirmações

Vivência pacífica em grupo

1.Os outros querem sempre prejudicar-nos

6. Só com os outros atingimos a nossa plena felicidade

Assunção da responsabilidade

2.Cumprir um castigo chega para compensar o erro feito

11. O castigo por si só em nada resolve o problema de quem foi vítima de um

dano

Crença da função da justiça

como agregador da sociedade

3. A justiça serve para punir quem errou

12. A justiça serve acima de tudo para ajudar as pessoas e viver em grupo de

forma harmoniosa

Consciência dos efeitos dos

crimes nas vítimas

4. Ouvir uma vítima e ter noção das suas percas é a mais rica maneira de entender

o que ela sofreu

5. Não preciso de falar com uma vítima para entender que ela sofreu

Justiça Restaurativa vs Justiça

Criminal

7. A forma suprema de fazer justiça é as partes encontrarem um consenso sem

recorrerem aos tribunais

9. O tribunal é o sítio certo para se resolverem os conflitos

Reavaliar o comportamento

futuro

8. Nada justifica o erro depois de feito

14. Entender os porquês reais que me levaram a errar, ajuda-me a aprender a

identificar sinais que me façam parar e não percorrer esse caminho outra vez

Capacidade de pedir desculpa e

oferecer reparação

10. Uma vez o mal feito nada mais se pode fazer

13. Há sempre forma, em todas as situações, de reparar, de alguma forma, o dano

realizado

As afirmações consideradas mais restaurativas, ou seja, cuja concordância situa o sujeito mais próximo do polo

restaurativo na forma de ver os conflitos são: 4,6,7,11,12,13 e 14Por outro lado as afirmações menos restaurativas, cuja

concordância situam a opinião do sujeito menos próxima da visão restaurativa dos conflitos são: 1, 2,3,5,8,9 e 10.

Tabela 4. Agrupamento dos itens por dimensão

Para a obtenção da autorização do uso dos dados, utilizou-se também o

consentimento informado da UFP (cf. anexo B), que inclui a designação do estudo,

salvaguardando que todas as dúvidas foram esclarecidas, a confidencialidade e anonimato

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Justiça Restaurativa no EPPF

43

dos dados bem como o conhecimento do objetivo e do método de estudo e que a

desistência de participação no estudo não lhe traria nenhum prejuízo.

4.1.5. Procedimentos

No final de Maio de 2015, iniciou-se o contacto com os reclusos que participaram

no programa em 2014, que foram chamados a um gabinete de atendimento do SEE, a fim

de se fazer a apresentação pessoal e académica do investigador e explicar o estudo, os

objetivos do mesmo e em que consistia a recolha de dados. Abordou-se o interesse do

recluso participar ou não, e em caso afirmativo, agendou-se o momento para se proceder

à realização das entrevistas (estudo 2) e preenchimento das escalas de pós-teste (estudo

1). Apenas um recluso abordado não mostrou interesse em participar sendo que todos os

outros mostraram-se prontamente interessados, e desempenharam o seu papel de forma

bastante colaborativa.

Os agendamentos para o momento da recolha de dados, nem sempre foram fáceis

de realizar dado existirem muitas restrições neste meio. As principais dificuldades

relacionavam-se com os horários dos reclusos, a participação noutras atividades, a

ocupação laboral, as saídas para os julgamentos, o regime de visitas e alguns aspetos do

quotidiano prisional. Contudo, conseguiu-se articular da melhor forma possível, não

ficando os participantes prejudicados em nenhum aspeto tendo sido salvaguardados todos

os seus direitos.

A aplicação das escalas, com este grupo foi realizada durante o mês de Junho de

2015, coincidindo com o momento da entrevista.

Com os participantes do programa de 2015, na última sessão do mesmo (fim de

Junho), solicitou-se o preenchimento das escalas de pós-teste e, pediu-se a autorização do

uso das mesmas para fins de investigação académica.

Em ambos os casos, no caso de terem aceite participar voluntariamente no estudo,

foram adicionalmente informados dos seus direitos, natureza do estudo e dos dados

recolhidos, confidencialidade e carácter voluntário da participação. De forma a obter a

autorização para o uso dos dados, o investigador serviu-se da declaração de

consentimento informado (cf. anexo B), que foi assinada pelos participantes e pelo

investigador e entregue antes do preenchimento das escalas. A todos os participantes foi

esclarecido que a sua participação não lhes traria qualquer benefício e o facto de não

participarem também não lhes iria trazer nenhum prejuízo.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Durante o preenchimento das escalas, que foi feito pelos participantes, foram

esclarecidas todas as dúvidas que surgiram. Estas estavam relacionadas,

maioritariamente, com a dificuldade em entender a escala atribuída para a cotação (0 a

10) e também pela dificuldade em perceber o significado de alguns dos itens.

4.1.6. Apresentação de resultados

Tabela 5. Média de respostas para cada dimensão da escala de pós-teste

*Média calculada com a eliminação de um item da dimensão devido à falta de resposta do participante

Nenhuma das médias se situa abaixo do ponto média da escala, o que significa

que as crenças dos participantes não vão de encontro com o polo menos restaurativo em

nenhuma das dimensões.

De uma forma geral, todas médias situam-se mais próximas do polo restaurativo,

apesar de existirem duas médias situadas no ponto médio da escala (posição neutra). Estas

médias que se situam no ponto neutro, dizem respeito à dimensão da função da justiça

como agregador da sociedade e ao conceito de Justiça Restaurativa vs Justiça Criminal.

Sendo assim, relativamente a estas dimensões poderá aferir-se que os participantes depois

de terem frequentado o programa não têm muito clara a ideia de que a justiça serve para

ajudar as pessoas a viver em grupo e que a melhor forma de se fazer justiça é as partes

encontrarem um consenso ente si.

Por outro lado, pode-se verificar que depois da implementação do programa, os

reclusos que o frequentaram apresentam respostas mais próximas do polo restaurativo.

Esta proximidade é mais significativa na dimensão relativa à consciência dos efeitos do

Dimensão da escala Média (M)

Vivência pacífica em grupo (1) 5.78*

Assunção da responsabilidade (2) 6.55*

Crença da função da justiça como agregador da sociedade (3) 5.28

Consciência dos efeitos do crime na vítima (4) 7.09

Justiça Restaurativa vs Justiça Criminal (5) 4.94

Reavaliar o comportamento futuro (6) 7.11

Capacidade de pedir desculpa e oferecer reparação (7) 6.29*

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Justiça Restaurativa no EPPF

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crime nas vítimas (M=7,09) e na reavaliação do comportamento futuro (M=7,11). Logo

a seguir, com médias próximas apresenta-se a dimensão da assunção da responsabilidade

(M=6,55) e da capacidade de pedir desculpa e oferecer reparação (M=6,29). Poderá

concluir-se, que os reclusos depois de terem frequentado o programa são capazes de

avaliar os efeitos que os seus crimes tiveram nas vítimas, tendo a crença de que ao falar

com as mesmas estão mais capacitados para entender o que ela sofreu.

Relativamente à reavaliação do comportamento futuro, poderá aferir-se que

depois de terminado o programa os participantes têm uma maior capacidade em adotar

estratégias para evitar a reincidência, estando mais conscientes dos motivos que os levou

à prática do crime.

No que toca à assunção da responsabilidade, os reclusos que frequentaram o

programa entendem que a punição de que são alvo, não é suficiente para resolver o

problema de quem foi vítima de um dano.

O grupo que frequentou o programa tem presente a crença de que existe sempre

forma em todas as situações de reparar o dano realizado.

4.2. Estudo 2: O programa na visão dos reclusos e dos Técnicos

Superiores De Reeducação

4.2.1. Objetivos

De forma a se iniciar este estudo, foi necessário delinear os objetivos do mesmo.

Sendo assim, compreender a experiência e perceção dos reclusos e dos TSR, que

participaram e implementaram o programa respetivamente, constitui-se como o principal

objetivo deste estudo.

4.2.2. Caracterização dos participantes

Neste estudo, participaram dois grupos distintos: o grupo de reclusos que

frequentou o programa em 2014 (que participaram também no estudo 1) e o grupo que

foi constituído por TSR responsáveis pela implementação deste programa no EP.

O grupo dos TSR é constituído por 3 elementos do sexo feminino, com idades

compreendidas entre os 30 e os 65 anos, sendo que dois destes elementos já

implementaram o programa duas vezes e um apenas uma vez. A formação superior destes

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Justiça Restaurativa no EPPF

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técnicos é distinta, pelo que um elemento tem formação na área da Psicologia, outro em

Serviço Social e um outro em Ação Social. Dois destes elementos frequentaram a

formação dada pela DGSP, para a implementação do programa.

Para a escolha destes elementos a condição imposta era que estes já tivessem

implementado ou estivessem a implementar o programa, revelando-se importante os

momentos de contacto com a equipa de técnicos de reeducação do EP para esta seleção.

Para a escolha da amostra relativa aos técnicos, teve-se em conta o facto de se

tratarem de testemunhas privilegiadas pela sua posição, ação e responsabilidade sendo

que possuem um conhecimento aprofundado do tema em estudo (Quivy & Campenhoudt,

1998).

4.2.3. Metodologia

De certa forma, para enriquecer o estudo foram realizadas duas entrevistas

semiestruturadas referentes ao programa, em dois grupos diferentes.

A fim de se tentar perceber qual a experiência dos reclusos e dos técnicos no

programa, foram elaborados e posteriormente aplicados dois guiões de entrevista (um

para os reclusos e outro para os técnicos), realizando-se assim oito entrevistas com os

reclusos e três com os técnicos.

Para a análise das entrevistas procedeu-se a uma análise de conteúdo que se

organizou em redor de um processo de categorização. As categorias são grupos que

abarcam um grupo de elementos sob um título genérico, sendo que estes se agrupam de

acordo com as características comuns de cada elemento (Bardin, 2011). Para este mesmo

autor, a categorização tem como objetivo principal fornecer uma versão simplificada dos

dados em bruto, não introduzindo desvios no material dando a conhecer índices ocultos

destes mesmos dados. O processo de categorização deve ter em conta as qualidades que

um conjunto de boas categorias deve apresentar, tal como nos diz Bardin (2011). Estas

qualidades assentam na exclusão mútua em que cada elemento deverá pertencer a uma só

categoria; na homogeneidade sendo que o mesmo conjunto de categorias só pode

funcionar com um registo e com uma dimensão da análise; na pertinência entendendo-se

assim que a categoria deverá estar adaptada ao material de análise escolhido e deve refletir

as intenções da investigação, as questões dos analistas e corresponder às características

das mensagens; a objetividade e a fidelidade que garantem que o material foi todo

codificado da mesma forma, sendo que as partes do mesmo material em que se aplica a

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Justiça Restaurativa no EPPF

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mesma grelha categorial devem ser codificadas da mesma maneira mesmo quando

submetidas a várias análises; e a produtividade que nos diz que um conjunto de categorias

é produtivo se produzir resultados férteis para a investigação.

O objetivo da análise de conteúdo é a manipulação das mensagens de forma a

evidenciar indicadores que permitam inferir sobre uma realidade que não a da mensagem

e, a análise categorial temática é uma das técnicas deste tipo de análise (Bardin, 2011).

Para a análise das entrevistas optou-se pela análise temática e categorial,

realizando-se a divisão do texto em unidades e em categorias segundo agrupamentos

similares (Bardin, 2011). Desta forma, tornou-se possível a classificação destes elementos

que constituem a mensagem (Bardin, 2011), tendo-se em conta que o objetivo deste tipo

de análise é revelar representações sociais ou as crenças dos locutores através da análise

de vários elementos que constituem o discurso (Quivy & Campenhoudt, 1998).

Para a análise e constituição do corpus teve-se em atenção a exaustividade sendo

que todos os elementos foram integrados não tendo sido excluídos nenhuns a não ser por

uma razão justificável; a não seletividade incluindo todos os elementos referentes ao

tema; a pertinência sendo que esta técnica se revelou adequada para os objetivos da

investigação; a representatividade em que a análise foi feita com uma amostra

representativa do universo existente e a homogeneidade em que as entrevistas se referem

exatamente ao mesmo tema e foram realizadas por técnicas idênticas pelo mesmo

elemento (Bardin, 2011).

4.2.4. Instrumentos

Como já referido, usaram-se dois guiões de entrevista semiestruturados que foram

previamente elaborados pelo investigador, um deles dirigido aos reclusos (cf. anexo C)

que frequentaram o programa em 2014 e um outro aos TSR (cf. anexo D) responsáveis

pela implementação do programa no EP. Além disso, para a obtenção da autorização do

uso dos dados, fizeram parte do estudo as declarações de consentimento informado (cf.

anexo B), já descrito no estudo 1.

Os guiões de entrevista foram elaborados, de forma a se tentar perceber o máximo

de informação possível relativamente à experiência da amostra, no programa.

A estrutura do guião para os participantes do programa em 2014, foi pensada de

acordo com algumas características da população reclusa, sabendo-se à priori que

geralmente são pessoas com baixa escolaridade, que estão a passar uma fase conturbada

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Justiça Restaurativa no EPPF

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da sua vida e nem sempre a abordagem de outras pessoas é bem vista aos seus olhos. Por

isso, nas questões iniciais teve-se especial cuidado para não confrontar o participante com

nada que pudesse despertar em si sentimentos negativos, focando-se esta parte em aspetos

mais circulares também com o objetivo de ir estabelecendo uma relação de confiança

entre o recluso e o investigador.

Na elaboração deste guião teve-se especial cuidado em usar uma linguagem

simples, de fácil compreensão para todos os participantes, assim como a atenção na forma

como se iriam expor as perguntas. Isto é, em algumas questões em que se abordava o

crime de uma forma mais direta, que iria exigir uma maior exposição do recluso perante

o investigador, tentou-se “suavizar” a forma como se colocou a pergunta permitindo na

mesma alcançar o objetivo a que o investigador se propunha.

As seis perguntas iniciais deste guião focaram-se mais nas expetativas do

programa, a forma como este se desenvolveu, os momentos marcantes, as mudanças

pessoais e sociais que poderiam ter sentido e só a partir da sétima questão é que se

começou a abordar os conteúdos mais específicos do programa e tidos como mais

“custosos “para os participantes. Estes referem-se à abordagem ao crime, às vítimas, aos

danos causados, às formas de reparação, que se subentende que irá trazer diversas

memórias negativas aos reclusos. Para finalizar o guião e de modo a amenizar a

reatividade emocional que poderia ser sentida no decorrer da entrevista focou-se as

perguntas na previsão de um comportamento futuro, explorando-se a possibilidade de

projetos e identificação de alternativas para prevenir reincidência, bem como na aplicação

das aprendizagens feitas ao longo do programa.

As questões iniciais do guião dirigido aos TSR reportam-se ao programa

(avaliação, sugestões de mudança, dificuldades sentidas, cumprimento de objetivos entre

outros aspetos) e as questões superficiais relacionadas com os reclusos que o frequentam

(motivação, caracterização, necessidades, entre outros), passando para questões mais

específicas relacionadas com as possíveis mudanças comportamentais dos reclusos. Para

finalizar, abordou-se questões com o intuito a serem respondidas com um contributo mais

pessoal e profissional, alicerçadas nas suas opiniões e experiências.

Para a elaboração dos guiões, teve-se em consideração a possibilidade de se puder

colocar questões mais abrangentes, uma vez que seriam pessoas inteiradas no tema, com

experiência no programa e com um elevado grau de qualificação.

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Justiça Restaurativa no EPPF

49

Afigura-se importante ressaltar que em ambos os guiões, existia uma questão

final, para dar espaço aos entrevistados de falarem sobre alguma coisa que achariam

pertinente abordar e não tiveram oportunidade de o fazer no decorrer da entrevista.

Mais uma vez neste estudo, todos os participantes assinaram a declaração de

consentimento informado (cf. anexo B), antes de se iniciar a entrevista.

4.2.5. Procedimentos

Após a autorização para a realização do estudo por parte da DGSP (cf. anexo E) e

da Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa (cf. anexo F), procedeu-se ao

pedido de gravação das entrevistas, em formato áudio, à Direção do EPPF, tendo sido

este indeferido.

A forma como os reclusos que frequentaram o programa em 2014 foram

abordados, está descrita no estudo um.

Os técnicos foram abordados em momentos de flexibilidade laboral, uma vez que

o investigador tinha oportunidade de lidar com eles diariamente, tendo assim maior

facilidade de acesso aos mesmos. Quando contactados, foram esclarecidos quanto ao

estudo, os objetivos do mesmo e caso aceitassem agendou-se o momento para se realizar

as entrevistas. De salientar, que com este grupo o agendamento não foi difícil uma vez

que havia uma maior facilidade de acesso ao grupo e não havia as exigentes restrições,

como acontecia com os reclusos.

A realização das entrevistas, com os TSR e com os reclusos, decorreu durante o

mês de Junho de 2015 e procurou-se adotar um ambiente agradável dentro das

possibilidades dadas.

Antes de se iniciar as questões da entrevista, clarificou-se novamente os objetivos

do estudo, formalizou-se o consentimento informado de participação (cf. anexo B)

abordando-se e enfatizando-se o anonimato e a confidencialidade dos dados, bem como

o carácter voluntário da participação. A todos os participantes foi esclarecido que a sua

participação não lhes traria qualquer benefício e o facto de não participarem também não

lhes iria trazer nenhum prejuízo.

Nas entrevistas com os reclusos, houve especial cuidado na formulação das

perguntas tendo em conta a individualidade de cada um. Procurou-se adotar estratégias

adequadas a cada elemento e foram prestados todos os esclarecimentos às dúvidas que

surgiram.

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Justiça Restaurativa no EPPF

50

Nas entrevistas foram colocadas todas as questões previamente designadas,

havendo sempre espaço para a colocação de outras que se revelassem pertinentes e

adequadas ao contexto. No final de cada entrevista agradeceu-se a colaboração

4.2.6. Apresentação dos resultados

4.2.6.1. Perceções dos reclusos

A. Perspetiva histórica de vida

Ao longo da entrevista, foi possível que os reclusos fizessem uma perspetiva

histórica da sua vida, tendo também em consideração o presente e futuro. Neste sentido,

foram capazes de reconhecer os fatores que os levaram à prática de crime, sendo que

apontaram a influência de terceiros, as dificuldades económicas, os vícios e a facilidade

em obter dinheiro como as razões principais para cometerem tais atos.

Com o intuito de não voltarem a vivenciar a experiência da reclusão, tal como

verbaliza, se constitui como uma experiência traumática para eles, os participantes

pensaram sobre estratégias de prevenção da reincidência e analisaram perspetivas futuras

para a sua vida. Relativamente às primeiras, identificaram a necessidade de um

acompanhamento especializado e mencionaram várias alternativas de acordo com o seu

caso, em particular para não reincidirem. Como perspetivas futuras, concretizaram estas

a dois níveis: profissional e pessoal, uma vez que consideram ser os campos essenciais da

sua vida.

Deste modo, tendo em conta as verbalizações dos reclusos foram identificadas três

categorias principais no que respeita à perspetiva histórica de vida. Elas são:

Reconhecimento dos fatores que levaram à prática de crime, estratégias de prevenção da

reincidência e perspetivas futuras. Na figura apresentada, a seguir (cf. fig. 2), expõe-se

as diversas categorias e subcategorias encontradas, bem como a frequência das mesmas.

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Reconhecimento dos fatores -Influência de terceiros (1) que levaram à prática de crime -Dificuldades económicas (1)

-Vícios (13)

-Facilidade em obter dinheiro (9)

Perspetiva histórica

de vida

Estratégias de prevenção -Necessidade de acompanhamento especializado (1)

de reincidência

- Identificação de alternativas (7)

Perspetivas futuras -Nível profissional (5)

-Nível pessoal (6)

Figura 2. Representação das categorias e subcategorias da perspetiva histórica de vida dos reclusos

As principais razões que fundamentam e explicam o comportamento dos

indivíduos serem reincidentes, segundo Lykken (1995), devem centrar-se em três

variáveis: os fatores individuais internos e externos, tendo como base o meio ambiente, o

comportamento e o cérebro. No decurso das entrevistas, um recluso reincidente justificou

este facto pela influência de terceiros.

“(…)Reincidi porque fui influenciado, os meus colegas influenciaram-me…”(rA)

As dificuldades económicas e o facto de se constituírem o sustento da família foi

outro dos motivos dados para a prática do crime de roubo.

“Roubei por necessidade. Eu vendia artigos contrafeitos….e fiquei sem nada. Tinha uma filha e

decidi roubar. Foi mesmo por necessidade.” (rB)

A facilidade em obter dinheiro, recorrendo à prática do crime, foi um dos aspetos

mais mencionados pelos reclusos como justificação para o sucedido. Um, pelo facto de

ter dívidas e agora precisar de as liquidar e dois outros exclusivamente pela obtenção de

forma fácil de dinheiro que se constituía como uma boa forma de sustento, sendo este

dinheiro obtido de uma forma rápida e com pouco trabalho.

“Foi a razão do dinheiro. Ilusão. Nunca consumi. Não há outra justificação é o dinheiro fácil. As pessoas

iludem-se querem ter tudo sem fazer nada.”(rH)

“A ilusão do dinheiro fez-me perder as melhores coisas da vida... Nunca pensei vir preso.”(rH)

“Eu era contra, a minha esposa dava-se bem naquilo, ganhava-se tanto dinheiro e eu deixei de trabalhar.

No final fui eu que ganhei problemas. Não pensava ter outro emprego porque ganhava muito dinheiro

neste.”(rF)

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Justiça Restaurativa no EPPF

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“Numa rusga fecharam-me aquilo. Ganhei muito dinheiro, havia muita inveja, tentaram de tudo para me

fechar a casa.”(rF)

“Apareceu-me dívidas, e eu para não mexer noutro dinheiro optei por este caminho…cheguei ao dinheiro

mais rápido(…)”(rA)

“…o meu crime é tráfico e meti-me no crime porque tinha dívidas e escolhi o caminho mais fácil.”(rA)

Por último, e com um maior número de exemplos apresenta-se o facto de os

participantes terem o vício do jogo e da droga como uma justificação para a prática de

crime. Neste sentido, o facto de serem toxicodependentes constitui-se para muitos deles,

como um fator exclusivo e de grande relevância para o facto de cometerem crimes.

Verbalizam que precisavam de dinheiro, para comprar a droga e isto era tido como

essencial na sua vida, motivo pelo qual não olhavam a meios para alcançar os fins e

reconhecem a sua parte emocional deteriorada por este mesmo motivo.

“Era incapaz de manter laços afetivos, pelo vício da droga… e cometi crimes por isto mesmo.”(rG)

“Conheci a minha mulher, continuei a consumir. Separamo-nos, voltei ao consumo, comecei a traficar,

falsificar, roubar(…)Tudo o que poderia ter era para o consumo.”(rG)

“Estava numa fase de vida toxicodependente, não havia sentimentos, era tudo material(…)”rG

“(…) o mais importante era ter dinheiro para consumir , não me interessavam o que estão a sentir.”(rG)

“(…) fumei um charro, depois comecei com drogas pesadas e comecei no mundo do crime.”(rC)

Por outro lado, existem ainda os reclusos que roubavam sob o efeito das drogas e

salientam que por se encontrarem em estados alterados de consciência é que foram

capazes de cometer o crime.

“…roubava sob o efeito da droga.”(rG)

“Fiz muitos assaltos sob efeito de drogas e álcool. Eu nunca me imaginei a roubar, a droga levou-me a ter

a capacidade para fazer isso...”(rC)

“Foi muito complicado, a droga fez-me sentir as coisas mais absurdas e levou-me ao crime…”(rC)

“A droga para mim foi uma etapa da minha vida, levou-me ao crime… sinto que fiz tudo absurdo, fora do

normal.”(rG)

“Pelo efeito das drogas. Passei muitas dificuldades quando era pequeno, passei fome, não me vou justificar

com isto, mas ajudou…Tinha muita mazela, tudo misturado ajudou. Este tipo de drogas foi um escape para

mim(…)Quando despertei para a vida já estava em Custóias …A mim não me acontece e vim preso… como

se fosse… que infantilidade»”(rC)

Como já referido, o vício do jogo, também se constitui como um motivo para a

prática de crimes, por parte de um recluso que comparou este vício ao da droga, referindo

que os efeitos são os mesmos e que a obtenção de dinheiro era igualmente a prioridade

para satisfazer o seu vício.

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“Por causa do vício do jogo. Jogava em casinos e era jogador profissional. O mal foi ter entrado, ganhei

e viciei-me, como não tinha dinheiro comecei a fazer burlas…”(rE)

“O que tou a dizer aqui, já disse à juíza. Eu era viciado no jogo e precisava de dinheiro, tal como os

drogados para a droga.”(rE)

De forma a evitar que a prática de crimes volte a ocorrer, um recluso apresentou

a necessidade de ter um acompanhamento especializado de forma a ter um apoio para não

reincidir. Porém, este foi o único a referenciar este aspeto.

“Nunca posso dizer não, mas preciso de um apoio psicológico para não reincidir. Acho que todos deveriam

ter.”(rA)

Por outro lado, foram capazes de identificar alternativas para contornarem as

situações de crime a que possam estar expostos no seu regresso à liberdade. O pedir ajuda

a identidades estatais de, foi uma das alternativas apresentadas por um recluso.

“Não ia reagir desta maneira. Ia à Segurança Social, pedia ajuda. Roubar?! Nunca mais venho preso,

nunca mais vou roubar… nada que me traga para aqui, eu não venho. (…)Vir aqui para não compensa,

nem que tivesse roubado muitos biliões.”(rB)

O contacto com pessoas e com os locais que os possam influenciar foi tido como

um comportamento a evitar de modo a não ficarem vulneráveis ao cometimento de atos

ilícitos. O facto de se confrontarem com a realidade que os levou ao crime, parece se

expressar como uma boa forma de testarem os seus limites e terem a capacidade de se

desviar das tentações.

“Já virei costas aos amigos …”(rC)

“Não ia… saía da beira deles. Já fujo do ambiente. Mal a conversa começar desviava, não voltava a fazer

o mesmo. Vou ter a capacidade de não voltar a cometer crimes.”(rC)

“Já fiz o teste de ir ao casino com dinheiro e não joguei. Vou evitar ao máximo ir, mas já não me diz nada,

já tive em ausência ilegítima e por isso agora não tenho precárias...”(rE)

“Não vendia. Não lhes vendo. És novo tens um futuro pela frente, pensa bem nisto, isto só te leva ao

cemitério. Por exemplo agora, “eu pedi-lhe 500€ e ele dava-me 1000€ não quero. Não vendia.” Não quero

ver mais droga à minha frente.”rH

O facto de não consumirem drogas e o desejo de mudar de vida revela-se como

um bom presságio, para evitarem a reincidência, uma vez que para alguns elementos este

é tido como o principal motivo para o cometimento dos crimes.

“Foi um tempo de aprendizagem, nunca mais consumo. Não me vejo em mais nenhuma situação de

roubo.”(rG)

“Não consumo mais, não fico nervoso…Olho para aquilo… não é a vida que eu quero…”(rG)

Para traçarem alguns objetivos no seu projeto de vida aquando a liberdade, alguns

participantes mostraram ter alguns projetos profissionais que se constituem como um bom

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Justiça Restaurativa no EPPF

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aliado para não voltarem a experienciar a reclusão. O mundo dos negócios revela-se para

alguns como uma boa saída profissional.

Um participante menciona que gostaria de ar uso aos seus bens imobiliários e

dessa forma estes poderiam servir como um espaço para montar um negócio.

“Tou com ideia de abrir uma casa de idosos(…). Não quero vir mais para a cadeia.”(rF)

“Quero abrir uma casa de idosos. Quero abrir uma casa de bailes para os idosos. Eu tenho muitos espaços.

Não continuava o negócio com mulheres(…)”(rF)

Curiosamente, e de modo a ajudar os outros que possam estar numa situação igual

ao que o participante se encontrava antes da reclusão, um participante mostrou interesse

em abrir uma associação de apoio a toxicodependentes.

“Mas o que penso é em abrir uma associação para toxicodependentes. Acho que era uma maneira de

ajudar….já falei com os meus familiares sobre isto.”(rA)

Nestes dois exemplos, os significados destes projetos são diferentes para os

reclusos, uma vez que no primeiro a ideia é rentabilizar os espaços que possui e, no

segundo, o projeto apresenta-se como uma forma de ajudar outras pessoas que têm o

mesmo problema que ele.

De forma a continuar com o seu projeto profissional que tinha antes de ser

recluído, um participante revelou que iria adotar estratégias de modo a não ser

prejudicado de novo.

“Trabalhava muito, 16horas por dia(…)vou ser extremamente frio no mundo dos negócios. Não

vai ser fácil negociar nem falar comigo, vou ser mais objetivo e concreto, sem facilitismos.”(rD)

Em termos pessoais, foi frequentemente mencionado o desejo de alterar condutas

e comportamentos, de forma a por em prática aprendizagens feitas ressaltando o facto de

que não cometerão os mesmos erros do passado.

“Quero pôr em prática o que aprendi, não volto a fazer o mesmo (…)”(rG)

“Nunca mais me meto no tráfico(…)”(rH)

“(…)Quero uma vida sossegada(…)Quero reconstruir a minha vida.”(rB)

“Quero esquecer. Esquecer nunca se esquece. Quero fazer a minha vida. Quero esquecer o tráfico, nem

pensar em ir para o tráfico… quero pôr uma pedra.”(rH)

“Nunca mais quero envolver-me no tráfico. Nem a traficar nem a consumir.”(rH)

Por outro lado, um participante expressa o desejo de passar mais tempo junto da

família, dado antes da reclusão passar mais tempo a trabalhar do que se dedicar à sua vida

pessoal.

“Trabalhava muitas horas seguidas …Eu perante a minha família vou-lhes dar mais tempo…”(rD)

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Os reclusos entrevistados, foram capazes de equacionar a sua perspetiva histórica

de vida, uma vez que mostram ter plena consciência dos atos cometidos e indicar o motivo

que os levou a cometer os mesmos, foram capazes de refletir sobre estratégias de

prevenção da reincidência e perspetivaram o seu futuro. Contudo, importa salientar que

nem todos os participantes foram capazes de corresponder neste sentido, mas um número

significativo de sujeitos foi capaz de o fazer.

O motivo mais apresentado para justificar a prática de crimes é o facto de terem

vícios e as alternativas apresentadas para prevenir a reincidência relaciona-se com o

cessamento dos mesmos bem como o distanciamento de pessoas capazes de os influenciar

negativamente. A nível profissional, são vários os projetos apresentados pelos

participantes, aquando a sua saída para a liberdade e maioritariamente são centrados nos

negócios.

Para Albrecht (2011), um dos objetivos da JR é compreender os motivos que

causaram o crime, facto este que ocorreu com este grupo de reclusos. O facto de os

reclusos terem tido a capacidade de identificar estratégias para evitarem a reincidência

vai de encontro com uns dos objetivos desta prática tal como nos diz UNODC (2013).

B. Impacto do programa

A forma como os reclusos experienciaram o programa foi uma partilha constante

durante toda a entrevista. Assim, foi possível perceber qual o impacto que este teve nos

participantes a vários níveis.

O facto de durante o programa ser abordado a temática das vítimas e dos danos

causados às mesmas contribui para que os participantes fossem capazes de criar empatia

com elas e reconhecerem quem estas foram. Relativamente aos danos causados,

perceberam a importância da reparação destes e expressaram várias vezes o desejo de

realizar este ato. Contudo, ainda quem em menor número identificaram limitações para o

facto de isto acontecer, acabando por em alguns casos terem a perceção de que não podem

reparar o dano.

Os reclusos relataram que as aprendizagens realizadas no programa culminaram

num desenvolvimento pessoal para si, tendo sido várias as situações descritas pelos

mesmos nesta vertente, parecendo pertinente salientar a importância do fenómeno.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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De acordo com o referido pelos reclusos, durante as sessões, criaram-se várias

oportunidades de relacionamento interpessoal entre todos os presentes tendo sido este

facto relatado pelos reclusos e tido como importante para os mesmos.

Os participantes mencionaram que ao longo do programa, existiram várias

mudanças da sua parte nomeadamente a nível familiar e comportamental destacando-se

esta última, tendo em conta a frequência das verbalizações referenciadas.

Para os entrevistados, e de acordo com o relatado pelos mesmos a frequência do

programa trouxe-lhes uma maior consciencialização e responsabilização pelo crime que

praticaram.

Assim, a partir da análise das entrevistas pode-se identificar 8 categorias

principais relativas ao impacto do programa: criação de empatia com as vítimas,

reconhecimento das vítimas, desenvolvimento pessoal, relacionamento interpessoal,

consciencialização e responsabilização pelo crime, mudanças familiares, mudanças

comportamentais e reparação do dano.

Na figura apresentada, a seguir (cf. fig. 3), expõe-se as diversas categorias e

subcategorias encontradas, bem como a frequência das mesmas.

- Criação de empatia com as vítimas (24)

- Reconhecimento das vítimas (4)

- Desenvolvimento pessoal (43)

- Relacionamento interpessoal (20)

- Consciencialização e responsabilização pelo crime (8)

Impacto do programa

-Mudanças familiares (3)

- Mudanças comportamentais (10)

-Desejo de reparação (15)

- Reparação do dano

-Perceção da impossibilidade de reparação (5)

Figura. 3 Representação das categorias e subcategorias do impacto do programa

Foram bastas as vezes em que os reclusos relataram momentos de criação de

empatia com as vítimas durante o programa, mostrando assim a capacidade destes se

colocarem no lugar daqueles a quem causaram danos.

“Nunca tinha tido oportunidade de me colocar no lugar da vítima(…)Ajudou-me a pensar, a pôr-

me no lugar do outro.”(rB)

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Justiça Restaurativa no EPPF

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“Aproveitei a oportunidade de me por no lugar das vítimas.”(rC)

“Quando me falam em JR ponho-me sempre no lugar da vítima.”(rD)

“(…)consegui pensar nas vítimas.”(rH)

“Consegui refletir principalmente nas vítimas. Nunca tinha passado nisso. Pus-me a pensar na família

das vítimas(…)”(rH)

“(..)e pensar mais na vítima.”(rD)

“Não pensava nos outros, a quem roubei, no programa pensei…. Pensar no dinheiro que roubei, que as

pessoas trabalharam uma vida inteira para ter algo e depois eu fui-lhes roubar.”(rB)

“Tive oportunidade de pensar nas vítimas… Sabendo que já estava a fazer o mal, não tinha

verdadeiramente consciência, agora tenho. Na altura pensava no mal, mas continuava sempre a fazer.

Antes de vir preso já pensava nisso, agora que estou preso tenho mais consciência do que fiz. Lidamos

mais diretamente com a situação e no programa também.”(rC)

“Tenho perfeita consciência do mal que fiz às pessoas, a mim e à minha família…penso nas minhas

vitimas.”(rE)

“Sou de burlas, mas nunca tive feedback das vítimas. Não tenho retorno direto. Sei que burlei a fábrica e

se calhar os empregados ficaram sem salários(…) Sei que prejudiquei muita gente e penso nelas…tento

me por no lugar delas….”(rE)

“Já tinha consciência, mas depois da formação tive ainda mais, vive-se o momento. Pus-me no lugar da

vítima. Levou-me a refletir muito, muito mais aprofundado (…)”(rC)

“Prejudiquei muita gente a nível familiar. Sempre tive consciência disto antes, durante e após do

programa. Eu era político de esquerda e ensinaram a ter autocrítica, e sempre fiz isto. Não tenho perceção

de quem objetivamente prejudiquei, mas sei que prejudiquei muita gente(…)e pus-me no lugar das pessoas

prejudicadas…”(rE)

“Tive consciência. Nasci, cresci numa família normal. As pessoas a quem fiz mal eram como eu mas na

altura não pensava no mal(…) Quando entrei aqui, começou a florescer, consigo pôr-me no lugar das

outras pessoas. Sempre tive a noção…foi fácil pôr-me no lugar das vítimas(…)Nunca tinha batido numa

mulher…penso muito nela(…)” (rG)

“Já me pus no lugar das vítimas, é muito complicado. Cheguei a pôr-me no lugar das vítimas e do

agressor(…)”(rH)

Alguns participantes foram capazes de reconhecer a forma como se sentiam caso

estivessem no lugar das vítimas, identificado a revolta e a injustiça como aspeto principal.

Refletem ainda sobre o mal que fizeram bem como o desejo de que se estivessem do outro

lado, ver a pessoa condenada, tal como eles estão.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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“No momento pensamos, não vendia diretamente ao consumidor. Se tivesse no lugar deles estava revoltado

…Mas ninguém os obriga a comprar. Como eu não lidava com eles não refletia tanto. Mas penso nos

crimes que cometeram para ter dinheiro para a droga… Mas também causou danos à minha família,

dependo muito deles.”(rA)

“Se tivesse no lugar das vitimas sentia-me revoltado, injustiçado (…)”(rA)

“Sentia-me muito mal no lugar delas. Pedia para o agressor nunca mais sair da cadeia(…) foram todos

roubados, mas todos sentiram de maneira diferente. Porque muitos bens eram dispensáveis, outros era o

pão da boca. É uma situação muito complicada.”(rB)

“No lugar das vítimas estava Mal. Revoltado. Injustiçado. Procurava um psicólogo e queria ver a pessoa

a ser condenada.”(rC)

“No lugar das vítimas sentia-me frustrado, revoltado, zangado.”(rE)

“No lugar delas sentia-me triste e abandonado…”(rF)

Para além disso, mostraram também entender o quanto as fizeram sofrer,

principalmente a nível psicológico e mostram-se arrependidos por isso.

“(…)Penso muito nisso, nas vítimas…. tenho uma filha, penso de noite “Meu Deus, como fiz isto?” não

queria passar por isto…fiz carjacking a um carro onde estava uma menina lá dentro e nem me

apercebi.”(rG)

“Pus-me no lugar da vítima e se tiver um bocado de consciência isto põe-nos doentes…Muitas vítimas

choraram, nunca bati em ninguém fisicamente, mas agora sinto que as matei psicologicamente. Pus-me no

lugar das vítimas, não as conhecia mas fi-las sofrer muito(…) Penso muito nas vítimas agora. Estou ser

sincero quando digo que estou arrependido, estou arrependido de coração…”(rB)

“Não gostaria de estar no papel das vítimas. Eu fazia furtos…ver tudo revirado, as pessoas a trabalharem

para ter isto e depois perdem tudo(…) é duro…consegui pôr-me do outro lado.”(rG)

“Claro que sim. Tenho refletido mesmo(…) Sei que fiz mal(…) mas até sinto que estão mais afetadas

psicologicamente(…)”(rB)

Torna-se importante referir, o facto de que, os participantes têm a perceção de que

existem dois tipos de vítimas: diretas e indiretas, Indo de encontro com uma das ideias

defendidas poe Johnstone (2014), Feasy e Williams (2009). Têm como vítimas indiretas

a sua família, e as pessoas com quem lidavam diariamente no trabalho.

“A minha família, vejo todas as vezes, foram sempre as minhas vítimas.”(rG)

“A minha ex-mulher foi vítima, quando casou não estava à espera disto….ela nunca pensou que estava a

casar com um tipo que vinha para a prisão.”(rE)

“As moças viraram vitimas…”(rF)

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Justiça Restaurativa no EPPF

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“… os meus filhos também foram vítimas.”(rC)

“(…)quando pensava em vitimas pensava em mim, na minha mulher e nas mulheres que ficaram sem

emprego.”(rF)

Ao nível do desenvolvimento pessoal, foram muitos os momentos em que os

reclusos no decorrer da entrevista verbalizaram situações que podem ser interpretadas

como uma evolução a este nível. De facto, o programa tem um impacto significativo nesta

área, motivo pelo qual os reclusos avaliam o programa como vantajoso para eles.

Alguns dos participantes, verbalizaram que durante o programa tiveram várias

oportunidades para desabafar, opinar e refletir sobre variadas coisas, sentindo-se assim

mais aliviados e mais ponderados.

“Desabafei muito. Senti-me aliviado(…).”(rC)

“Fez-nos refletir muito(…)Penso muito no que dei no programa.”(rH)

“Espaço para eu dar a minha opinião sem nenhum tipo de pressão ou agressão.”(rG)

“(…)Eu já sabia, mas não refletia, agora reflito mais e pondero.”(rG)

“Fez-me repensar as coisas(…)”(rA)

“(…)reavalio mais(…)”(rA)

“(…)aprendi mais e reflito ainda mais sobre as coisas do que o que já refletia.”rA

“Penso antes de agir. Não cometer erros. Fez de mim outra pessoa(…)”(rH)

“Já apliquei. Gosto de aprender e estou sempre a aprender. Sei ouvir um não, tento perceber o porquê,

reflito muito, repenso e sei avaliar os meus erros(…)”(rA)

A sua forma de pensar, em alguns casos também evoluiu e reconhecem que o facto

de frequentarem o programa contribuiu para esta evolução.

“ A minha forma de pensar está diferente, agora vou reconhecendo isso, não foi automático, foi com o

tempo.”(rB)

“Foi muito construtivo. Já não sou tão fechado(...) Vejo as coisas de maneira diferente.”(rB)

“Agora penso diferente. Hoje vejo que fiz mal, era crime e não voltarei a fazer mesmo.”(rF)

“Mudou a forma de pensar. Agora penso mais, tento planear tudo. Penso muito no futuro. Nas alas, penso

muito no como hei-de reagir.”(rH)

“Faz pensar no viver daqui para a frente.”(rH)

“(…), abri mais um bocado a mente mas foi muito de encontra àquilo que sou.”(rD)

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Tendo em consideração as verbalizações dos reclusos, o programa revelou-se

como um espaço onde realizaram várias aprendizagens e consequentemente as mudanças

surgiram, em alguns casos.

“(…)É muito proveitoso, aprendi muita coisa nova, estou sempre a aprender.”(rA)

“Se eu não tivesse ido continuava o mesmo, assim foi uma mais valia. Aprendi muito e mudei

muito(…)”(rB)

“A doutora disse que conseguia por em prática no dia-a-dia as coisas que aprendi no programa.”(rG)

“Já tive preso antes e nunca aprendi nada. Agora aprendi. Não quero mais voltar aqui. Não há

próxima.”(rG)

“No dia-a-dia, vou-me tentar lembrar do que se passou(…)”(rE)

”Vou agarrar isto para não voltar a cair…”(rC)

“(…)Já era cauteloso mas agora ainda sou mais,”(rA)

“Aprendi mas foi no sentido de alargar a mente em termos de vitimização(…)”(rD)

“É sempre bom ser educado, neste caso reeducado.”(rA)

“Foi fundamental para o meu percurso prisional. Foi bom para o programa poder evoluir…tamos sempre

de aprender e não ocupa espaço. Foi importante para mim pessoalmente.”(rC)

“Útil, porque fez-me sentir mais cauteloso(…) reparar as coisas e pensar mais nos outros. Já pensava

nisso mas no momento fez-me refletir(…)O tráfico é um crime que destrói a sociedade, e outras pessoas

para terem droga fazem outros crimes (assaltos, homicídios).Eu já tinha consciência mas agora tenho

mais.”(rA)

“A parte da reparação foi muito importante….até aqui não tinha a noção, cresci a este nível também.”(rH)

“O programa deu-me alento para me portar melhor na cadeia(…)”(rG)

“(…)falam de muitas coisas. No falar no mal que fiz foi bom, para evoluir, para corrigir, para mudar para

não voltar a cair no mesmo erro. Foi muito importante mesmo.”(rC)

Um participante, mencionou a importância do programa para si, pois acha que este

lhe trouxe alguma estabilidade emocional, fazendo dele uma pessoa mais equilibrada.

“Agora não tenho picos, sinto que estou mais estável a nível emocional, a nível familiar(…)”(rG)

“Há males que vêm por bem. Foi a cadeia que me ajudou. Hoje sinto-me uma pessoa equilibrada.”(rG)

Em alguns casos, os participantes revelaram que a frequência do programa

proporcionou um autoconhecimento sobre si mesmos, facto este que se revela ser

motivador para a mudança e despertar a consciência para o mal causado nalguns casos.

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“ Consegui refinar. (…)reconheci-me em algumas situações.”(rD)

“Aquele dia de chegar lá fora… isto é um pesadelo… quero reconquistar tudo o que perdi… quando vou

de precária sinto que estou diferente.”(rC)

“Este programa deu para eu no fundo usar a minha psicologia e explicar algumas situações controversas

relativas a mim mesmo e até para testar os meus colegas.”(rD)

“Trouxe mais conhecimento sobre mim mesmo. Falei coisas que antes não falava, falei porque me sentia

à vontade com o grupo(…)”(rE)

“(…)Caí na essência hoje sinto-me mais “eu”. Consigo manter a minha opinião, na rua perdi a

credibilidade porque era toxicodependente e o programa ajudou-me a ganhar.”(rG)

“Aprendi a ser frontal. Vou por todos os dias em prática isso…foi um descobrir a mim mesmo.”(rG)

“Relembrar-me, valorizar-me, muitas coisas(…)”(rG)

“(…)Só para eu ter consciência do mal que fiz e o arrependimento que me fez sentir, já valeu o programa

todo. Todos os pontos foram importantes, mas para mim este foi muito bom.”(rB)

“Não necessito cometer mais este crime por termos de dinheiro, mas ajuda-me a pensar em tudo o que fiz

errado.”(rH)

De forma a complementar tudo isto, as verbalizações culminam num misto de

emoções, em que um dos participantes revela que o programa foi capaz de mexer com ele

e outro assume que, o programa foi uma etapa da sua vida que o preparou para o futuro.

“(…)Mas nunca pensei que o programa fosse mexer tanto comigo.”(rB)

“O programa fez-me muito bem, foi a minha ponte de lançamento.”(rG)

“O programa ajudou-me, mas o meu bom senso, o arrependimento também me ajudou… os meus filhos…

tanta coisa…Não quero mais isto para mim… está-me a custar tanto… é tanto ano aqui dentro…”(rC)

A par disto, os participantes mencionam que o programa trouxe também um

melhor relacionamento interpessoal, onde houve capacidade de abertura com o grupo

envolvido, vendo neste contexto uma possibilidade para desabafarem e socializarem com

o grupo.

“Eu sou um bocado bipolar, sou extrovertido mas tenho problemas em falar de mim. O programa fez-me

falar uma série de coisas que falava com a psicóloga.”(rE)

“(…)acabou por ser um escape(…)O trabalho que fiz com a psicóloga em Alcoentre acabou por ser

complementar neste programa. Comecei a falar de mim em grupo, o que dantes não fazia.”(rE)

“Possibilidade de desabafar, interagir com os outros…”(rE)

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“Sempre fiz parte de grupos e custava-me falar de mim… agora falo.”(rE)

“Para colegas meus foi bom, são tímidos, têm medo de falar com outros e agora falam muito mais,

socializam mais, sentem-se mais à vontade. A formação foi boa para isso.”(rA)

“Foi muito bom, convivemos com outros reclusos, com a Dra. X e com a Dra. Y. Estava sempre à espera

das quintas-feiras para o programa.”(rF)

“Só tenho um grupo de 3, 4 elementos que desabafo mais. Comecei a falar no grupo mas desabafo mais

com três. Trabalho na biblioteca e isto ocupa-me muito e muitos reclusos não têm conversas de interesse.

Não gosto de falar com drogados, “matei não sei quem…”(rE)

“Foi pertinente, gosto de interagir com o pessoal, com os técnicos(…)”(rA)

Através da análise das verbalizações dos reclusos, pode-se verificar uma evolução

na forma como os participantes convivem com os outros, facto este que se mantem até

aos dias de hoje exceto num caso, em que o participante mencionou que apesar de durante

o programa se relacionar com todos agora isto não acontece. Deste modo, concluem que

o programa criou oportunidades para interagirem entre si de forma harmoniosa,

proporcionando um maior conhecimento e comunicação entre todos, situação esta que se

prolongou até ao momento, na maior parte dos casos.

“Agora sou mais sociável, falo mais com os outros. Sou mais comunicativo(…)” (rB)

“(…)também falamos de homossexualidade, eu tinha muito preconceito, mas agora já os

cumprimento.”(rB)

“Começamos por nos cumprimentar, aqui somos todos iguais(…)”(rF)

“Mudei a minha relação com os outros, já não digo só bom dia, já faço um bocadinho de conversa. Já

consigo ter conversas normais.”(rB)

“Aprendi a conviver mais com os outros, sinto que consigo conversar melhor com os outros. Agora

cumprimentamo-nos a todos quando nos vemos.”(rF)

“O grupo era bom, havia dois elementos com quem não falava antes e agora não falo mas durante o

programa falei-lhes sem problema.”(rE)

“(…)falo com três ou quatro pessoas aqui, é complicado encontrar alguém de confiança…”(rF)

Os reclusos verbalizaram que, este facto também se constitui como motivador para

os participantes poderem ajudar os outros, incentivá-los a terem comportamentos

adequados e um dos participantes reconhece que já sentiu mudanças na forma como os

outros o vêm.

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“Disseram “dás-te bem com todos em geral, consegues ser frontal com todos”(…) Tenho as visitas e o

programa ajuda-me até nos contactos telefónicos a gerir a família lá fora.”(rG)

“(…)toda a gente diz que estou mais calmo.”(rB)

“(…)tenho menos conflitos que os outros e ajudo-os mais. Ajudo no que puder, no que tiver ao meu

alcance.”(rA)

“Não gosto de bullying com os reclusos nem de discussões com os guardas e vim a fazer ainda mais. Sou

capaz de chamar alguns reclusos a atenção. Eu tento sempre mudar e aprender com os meus erros(…)”(

rA)

Ainda, não que respeita à melhoria da relação com os outros, um participante

referiu que agora é capaz de pedir desculpas aos outros, caso reconheça estar errado.

“(…)e peço desculpa, seja a quem for se achar que estou errado.”(rA)

Ao longo do programa, os reclusos manifestaram que tiveram oportunidade de

refletir sobre o crime causado, de forma a estarem conscientes da responsabilidade que

tiveram neste, e das consequências que isto lhes acarreta. Desta forma, sabem que têm de

cumprir uma medida privativa da liberdade, mas o facto de estarem conscientes do ato

que praticaram e a sua participação no programa ajuda-os a aceitar melhor esta sanção.

“Quando recebi cúmulo jurídico, fiquei “Meu Deus”… e entrei no programa e fui aceitando melhor isto

(cúmulo).”(rG)

“Não é fácil, a condenação que tenho é grande (16 anos), mas visto bem não é muito, porque as vítimas

vão ficar com um trauma para a vida. Tenho de pagar pelo que fiz(…)”(rB)

“(…)Não faz sentido desresponsabilizar-me…”(rC)

“A medida de culpa fez-me refletir, conseguir refletir em relação às vítimas para ter mais

consciencialização. Tou aqui para cumprir a minha pena.”(rD)

Desta forma, verbalizaram que foram capazes de refletir sobre o sofrimento

causado o que lhes provocou sentimentos de culpa e arrependimento.

“Cometemos erros que nunca imaginei os danos que causei às pessoas, às famílias. Eu sou do tráfico,

ninguém pensa nos consumidores. As famílias dos consumidores sofrem mais.”(rH)

“Arrependi-me muito.”(rC)

No entanto um dos participantes, diz que não se sente responsável pelo crime pelo

qual está condenado, sentindo-se assim prejudicado por uma coisa que não fez culpando

terceiros pela sua reclusão.

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“Fizeram-me uma armadilha…desresponsabilizo-me.”(rD)

“Refleti sobre a medida de culpa em relação à minha pena(…)”(rD)

As mudanças a nível familiar, foi também um aspeto tocado durante a entrevista

por dois dos participantes. A melhoria da comunicação entre eles e a sua família é tida

como um fator importante, aspeto este que dizem se ter intensificado na sequência da sua

participação no programa. O desejo de acompanhar mais de perto os mesmos afigura-se

também importante, com a perspetiva de que estes não percorram o mesmo caminho do

crime que eles, tal como verbalizaram.

“Família, houve mudanças(…) ouço melhor os outros e aceitos mais, antes tinha de ter sempre razão.”(rG)

“(…)até consigo falar melhor com a minha esposa.”(rH)

“(…)pensei no meu filho. Ainda agora penso. Agora, tento acompanhar o meu filho para não acontecer

o mesmo que aconteceu a mim. Não quero que ele se meta naquilo que me meti.”(rH)

Outra das mudanças mencionadas pelos participantes referem-se a mudanças

comportamentais. Neste aspeto, é possível verificar que estas refletem-se bastante no seu

quotidiano prisional e na interação com os colegas, tornando esta mais saudável

permitindo em alguns casos estabelecer relações de interajuda.

“Eu queria mudar e o programa fez-me mudar. Os meus colegas não se queixaram mais por causa do

barulho. Tinha a mentalidade de não partilhar nada com ninguém, ser arrogante e o programa fez-me

mudar isto.”(rB)

“(…)ajudo os outros, mas agora ajudo mais. Já paguei a um advogado para um amigo meu.”(rA)

“(…)Nunca mais pus música alta, comecei a pensar no mal dos outros.”(rB)

“Sim, houve muitas mudanças. Mudei comportamentos errados. Agora consigo libertar-me mais, sou

mais sociável, falo mais com os outros(…)”(rB)

“(…)fiquei mais calmo, consegui desabafar mais durante o programa.”(rF)

“Sim houve tantas mudanças(…)brincava com a situação agora não brinco. Há situações que não devia

rir e ria-me, agora não.”(rC)

“(…)Eu passava sempre à frente na fila, depois nunca mais passei.”(rB)

“Eu já tenho aplicado. No meu comportamento, na minha forma de falar, eu era explosivo e agora penso

duas vezes(…)mudei comportamentos.”(rB)

“Nunca me vou esquecer(…)Aprendi a valorizar as pessoas coisa que não fazia. Antes da formação, só

pensava na pessoa que roubei e nas vítimas indiretas.”(rC)

“Fui sempre humilde, não mudei muito as minhas relações…contudo agora ajudo mais os meus

colegas.”(rC)

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Ao longo do programa, tal como é esperado devido aos conteúdos explorados no

mesmo, os participantes mencionaram que tiveram a perceção de que para além de

cumprirem a sua pena deveriam fazer algo mais de forma a repararem os danos causados

às suas vítimas. Deste modo, dizem que tiveram a oportunidade de refletir sobre os

mesmos e durante as entrevistas foram várias as vezes em que expressaram o desejo de

reparar as suas vítimas, quanto mais não fosse conversar com elas e/ou pedir-lhes

desculpa. O medo de chegar até às vítimas, também é um facto constatado por dois

reclusos que expressaram este receio.

“(…)Pensei em saber quem elas seriam mas também tenho medo. Como ia ser a reação do outro lado?

Podem-me receber mal. Se tivesse oportunidade falava com a vítima, falava com ela e tinha capacidade de

pedir perdão.”(rC)

“Se pudesse pedia desculpa às vítimas.”(rC)

“(…)gostaria de falar com ela(…)Senti vontade de falar com ela no tribunal, mas não tentei. Tinha fumado

charros e não tava muito aí…”(rG)

“(…)não posso tomar atitude de falar com eles, mas gostava de falar com eles.”(rH)

“Gostava de falar com elas. Elas sabem que eu não as obrigava, mas gostava de falar com os familiares

delas. Pedia desculpa, mas explicava que ninguém as obrigava(…)”(rA)

“(…)Mas acho que não tinha muita coragem de os enfrentar, mas se fosse um local seguro, por exemplo,

tribunal, para não estragar mais a minha vida nem a dos outros eu fazia. Pedia desculpas e explicava-lhes

porque tinha feito aquilo. Espero que elas me perdoassem.”(rB)

“Esse dano que eu fiz é irreparável(…) Conversar com a pessoa, não confrontar de repente, começando

devagar. Contar o que sinto, tenho uma filha, explicar-lhe o meu o percurso de droga, ser sincero com

ela.”(rG)

“Já. Aos meus irmãos, à minha filha peço quase sempre perdão… às vítimas diretas que nunca consegui

estar com elas. Antes do programa nem pensava em reparar, agora penso mas tenho medo de chegar às

vítimas...”(rB)

“Já e na formação desejei reparar. Nunca tive oportunidade, não as conheço. Mas gostava, algumas mais

que outras.”(rC)

“(…)Se um dia tiver oportunidade, se me encontrar com as vítimas vou pedir desculpa.”(rC)

“ Se me cruzar comas vitimas falo-lhes… peço desculpa.”(rH)

“…Quando chegar lá fora sinto-me capaz de falar com elas e gostava de falar com elas…”(rG)

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Outros, entendem que para além de pedir perdão arriscariam ir mais longe e

poderiam tentar reparar monetariamente as suas vítimas, caso tivessem possibilidades

para isso.

“(…) se houvesse uma oportunidade de as restituir, restituía. Não sei é como(…). Se me dissessem “faz

isto para elas ficarem bem” eu fazia.”(rB)

“Eu se pudesse pedia perdão, se pudesse dava-lhe o dinheiro que lhes roubei. Tentava pagar

monetariamente se pudesse.”(rC)

“Se tivesse dinheiro dava-lhe o dinheiro(…)”(rB)

“Se me aparecesse aqui uma vítima e que eu pudesse fazer alguma coisa…mas continuava com o mesmo

discurso. Não tenho dinheiro para lhes dar. Com a cadeia também estou a pagar mas não pago as dívidas

que fiz.”(rE)

Por outro lado, embora que com um menor número de exemplos, alguns

participantes expressam a sua perceção de que é impossível reparar os danos. Vêm o facto

de estarem recluídos como um obstáculo e o facto de não poderem restituir o que retiraram

ou não saberem a forma de o fazer também se constituem como um entrave.

“Não, não… Estou preso não posso fazer nada, não posso ir ter com elas…”(rH)

“Aqui dentro não temos forma de comunicar com quem fazemos o dano. Há muita segurança, não nos dão

hipótese..”(rG)

“(…)Nunca falei com as vítimas, não tenho oportunidades aqui dentro ”(rA)

“(…)não tomei nenhuma atitude, não tenho a(rG)umentos, não lhes posso pagar o que levei.”(rE)

“Não tenho nada para fazer às moças.(…) Não consigo reparar as moças….”(rF)

Tendo em conta uma das limitações apontadas por Johnstone (2006), em que

reconhece que o encontro entre as vítimas e infrator é mais complexa quando uma parte

se encontra recluída, no contexto prisional estudado isto também se verifica uma vez que

alguns reclusos dizem que não têm acesso à vítima pelo facto de estarem presos.

Os reclusos foram capazes de se tornarem conscientes e responsabilizados pelo

crime e expressaram desejo de reparação, comprova-se um dos objetivos do uso desta

prática evidenciada por Albrecth (2011), Marques (2011) e Cruz (2013).

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C. Experiência dos reclusos no programa

Relativamente à forma como decorreu o programa, foram vários os aspetos

abordados no decorrer das entrevistas. No que concerne às expetativas, de acordo com as

verbalizações dos reclusos estas podem-se agrupar em positivas e negativas, sendo que

as primeiras têm um maior destaque devido ao maior número de exemplos.

Foi percetível que, os reclusos experienciaram cada sessão do programa de uma

forma diferente sendo diversificados os momentos que mais os marcaram de uma forma

individual e particular no decorrer destas. Destacam-se as situações de exposição sobre a

família em que os participantes tiveram de falar sobre os seus entes queridos,

constituindo-se este como um dos momentos mais relevantes para os reclusos. De seguida

apresentam-se as situações em que tiveram de refletir sobre as vítimas e

consequentemente criar empatia com as mesmas, que são avaliadas pelos participantes

como momentos dolorosos ao longo das sessões. Ainda neste sentido, as situações de

conflito com os colegas e a exposição de recordações de infância, também se constitui

como um momento marcante ao longo das sessões.

Assim, a partir da análise das entrevistas identificaram-se 4 categorias principais

relativas à experiência dos reclusos no programa: Exposição sobre a família, exposição

de recordações da infância, reflexão sobre as vítimas, e situações de conflito com os

colegas.

Na figura apresentada, a seguir (cf. fig. 4), expõe-se as diversas categorias e

subcategorias encontradas, bem como a frequência das mesmas.

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-Positivas (9)

Expetativas relativas ao programa

-Negativas (2)

-Exposição sobre a família (6)

Experiência dos reclusos -Exposição de recordações da infância (2)

no programa Momentos marcantes das sessões - Reflexão sobre as vítimas (5)

-Situações de conflito com os colegas (3)

- Dinamização (3)

- Conteúdos (3)

Avaliação do programa - Relação com o grupo (4)

-Apreciação (19)

- Sugestões de melhoria (7)

Figura 4. Representação das categorias e subcategorias da experiência dos reclusos no programa

Os participantes quando questionados sobre as expetativas que tiveram quando

foram selecionados para o programa, foram capazes de identificar as mesmas sendo que

quase todos ficaram expectantes e curiosos e com uma perceção positiva daquilo que

poderia vir a ser benéfico para eles, em vários aspetos, tais como o facto de serem

reeducados, o facto de ser um bom incentivo para mudarem comportamentos e realizaram

aprendizagens.

“Achei ótimo, tenho mente aberta e não tenho problemas em discutir nenhum tema. É sempre bom ser

educado, neste caso reeducado…e eu achei logo que ia ser reeducado.”(rA)

“Quando me falaram do programa eu pensei logo: quero aprender e modificar o meu

comportamento(…)”(rB)

“Vou levar isto como um ensino. A prisão prejudicou-me a vida, mas já que aqui estou vou mudar e

aprender as coisas. Vou aprender coisas novas, mas afinal o que vai ser… já que estou aqui quero

aprender. Quero reconstruir a minha vida.”(rB)

“Fiquei curioso, interessado qual o objetivo, qual o conteúdo. Aceitei o desafio, foi mais uma

experiência.”(rC)

“Inicialmente, pensei que ia ser um programa mais profundo(…)”(rD)

“Achei muito interessante, porque ia ocupar o meu tempo(…)ia aprender”(rE)

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“Fiquei interessado e enstusiasmado(…)”(rG)

“O que será isto? Aceitei, pareceu-me bom…”(rH)

“Pensei logo que há sempre uma mais-valia. Faço questão de participar neste tipo de programas e aceitei

de imediato, achei qe ia ser bom…”(rD)

No que concerne às expetativas negativas, estas não foram consideráveis pois só

um participante mencionou alguns aspetos neste sentido. A experiência prévia de outros

programas noutras cadeias fez com que ficasse um pouco apreensivo, mas no entanto este

mesmo recluso também mencionou uma expetativa positiva, já referida em cima.

“(…)apesar do no início estar de pé atrás à espera de saber como era o grupo.”(rE)

“A experiência que tinha tido noutras cadeias do programa tinha ideia que os reclusos iam para lá falar

das precárias etc… se fosse assim eu não ia, disse à doutora que ia desistir.”(rE)

Ao longo do programa, foram vários os momentos que se destacaram no decorrer

das sessões, tendo sido os mesmos relembrados até ao momento da entrevista onde os

participantes foram capazes de relatar os mesmos. Desta forma, as situações de exposição

sobre a família constituíram-se como um destes fatores, em que os participantes se

lembraram das pessoas significativas para si e o facto de estarem longe delas ou as

perderem, em condição de reclusão é tido como ainda mais frustrante para os mesmos.

“Foi quando tive de falar da minha filha. Dos 6 meses até ao primeiro ano e meio não tinha contato com

ela, agora já tenho. Tínhamos de falar do dano, do que nos custa mais. Quando me falam da minha família,

parece que algo se rasga cá dentro, senti tipo uma aflição. Ela foi criada com os avós e com a mãe, mas

falta-lhe o carinho do pai.”(rB)

“Falar da minha filha. Se tivesse oportunidade de voltar atrás… mexeu muito comigo…”(rG)

“Foi quando tivemos a falar de nós, das perdas. Desde que estou preso já perdi muita gente (filho, pai,

tio), e estou em vista de perder a minha avó. Custou-me a sair, a sentir a dor. A perda de um filho é um

pedaço que nos é arrancado do peito, que não volta a sarar. E houve alguns elementos que não perceberam

isto, disseram “quando tás preso tens de estar preparado para perder um filho”, isto não é assim, ninguém

tá preparado. O meu pai, eu estava preparado mas o meu filho não…”(rE)

O facto de as pessoas próximas experienciarem situações traumáticas, constitui-

se também para um dos reclusos como um momento marcante sempre que se recordava

das mesmas.

“Foi quando fiquei sozinho com as educadoras. Não falei na frente do grupo, a minha irmã foi violada.

Na sessão estávamos a falar da família e eu tenho é raiva do meu pai por ele ter violado a minha irmã.”(rF)

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Justiça Restaurativa no EPPF

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“Fiquei muito em baixo com o que aconteceu à minha irmã. Também pensava nela durante o

programa…foi um momento duro.”(rF)

O momento de verem os seus colegas emocionados, ao relatarem acontecimentos

familiares que os marcaram revelou-se também para um participante uma situação

marcante.

“Foi quando um senhor disse que não gostava da mãe e emocionou-se. Ele foi abandonado, ele ficou muito

chocado. Conseguiu por cá fora o que o atormentava, isso marcou-me muito…ele chorou”. (rA)

Um dos reclusos mencionou a exposição de recordações de infância também como

um momento relevante para si, pois recordou situações passadas que lhes trouxeram

emoções negativas.

“Escrever a carta sobre infância, recordou-me momentos maus até aos 15 anos…foi difícil falar disto.”

(rH)

“Foi doloroso falar da infância, fui criado pela minha avó. Recordei o passado(…)”(rH)

Um outro momento marcante, relatado por alguns participantes foi as situações

em que tiveram de refletir sobre as vítimas dos seus crimes. Esta experiência despoletou

neles nervosismo e emoções negativas, pelo que para além de outros momentos também

se constitui uma situação relevante.

“Foi quando falei com as vítimas. Estava tão nervoso. Estávamos em rodinha, quando chegou a minha vez

fiquei tão ansioso, foi complicado não é fácil. Suei muito… Estavam todos muito irrequietos, suados…

ficamos atrapalhados no meio dos colegas e das doutoras. No início não me senti à vontade com os

colegas.”rC

“Estar sentado na cadeira e falar para a vítima. Foi muito complicado, até vieram as lágrimas aos olhos.

Disseram-me coisas más, foi doloroso. “Tu roubaste tudo”… fiz assaltos para comer.”(rH)

“Foi complicado, falar sobre o crime, das vítimas de nós mesmos.”(rH)

“(…)E pôr-me no lugar das vítimas foi muito doloroso, foi a pior fase.”(rH)

“A parte que me envolveu mais e mais custou foi a parte da vitimização.”(rD)

Por último, relataram situações de conflito com os colegas como um momento

relevante durante o programa, onde foram debatidas ideias diferentes e por outro lado,

não achavam correto certas formas dos colegas expressaram no grupo.

“Foi um colega meu. Criamos um conflito onde debatemos a indeminização à vítima. Enquanto tiver de

cumprir pena não tinha que a indemnizar. Houve um debate em torno desta questão. Foi a parte que mais

me marcou com a experiência que tive, os anos e a cadeia acho que não devia ter ido por aí.”(rD)

“Criaram-se alguns conflitos, pelas opiniões diferentes….isso marcou-me.”(rD)

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Justiça Restaurativa no EPPF

71

O facto dos reclusos mencionarem assuntos não relacionados diretamente com o

programa, também se constitui um momento relevante para um dos participantes que

revelou que não achava estas atitudes corretas.

“O que me chateou mais eram os colegas misturarem as coisas. Eles falavam das precárias, do

funcionamento das cadeias, não acho correto.”(rG)

Ao longo das entrevistas, os participantes em diferentes momentos foram tecendo

vários comentários relativos ao programa, comentários estes interpretados à luz de uma

avaliação do mesmo. Desta forma, foram vários os aspetos mencionados sendo um deles

alusivo à forma com as sessões foram dinamizadas tendo sido estas avaliadas de uma

forma positiva no que concerne ao trabalho das monitoras.

“Nunca pensei que fosse tão bom. Gostei muito da dinamizadora.”(rH)

“(…)As doutoras fizeram tudo bem.” (rC)

“Foi bem conduzido e tive oportunidade de dizer às doutoras.”(rD)

Relativamente aos conteúdos, os participantes mostraram-se agradados com o que

foi dado, enfatizando a ideia que lhes trouxe aprendizagens.

“Os temas foram bem desenvolvidos.”(rA)

“O programa foi tão natural, tão bom não mudava, os conteúdos foram bons.”(rB )

“Nem todos os dias estive com a mesma disposição mas trabalhei sempre(... ) Todos os temas foram

importantes, só aprendi…”(rC)

Tal como dois dos entrevistados mencionam, no que respeita à relação com o

grupo, é possível perceber que se entendiam bem no grupo. Daqui, pode-se destacar a

importância que é dada a uma boa coesão grupal e respeito entre todos para que todos

fiquem beneficiados de forma a possibilitar uma boa aprendizagem aos envolvidos.

“ O programa foi útil…houve integração no ambiente. Era o único que tinha este tipo de negócios.”(rF)

“Correu tudo muito bem(…) Se o grupo estiver motivado corre bem, gostei trabalhar com todos... Eu fui

de pé atrás mas dei outro para a frente.”(rE)

“Correu tudo bem, entendíamo-nos nos grupos. Ninguém se achava mais que o outro.”(rF)

“(…)O grupo era muito bom, foi bom trabalhar com eles(…)”(rE)

No que respeita às apreciações feitas ao programa, estas destacam-se de uma

forma positiva dado que os participantes teceram vários elogios ao mesmo, à forma como

este decorreu, as vantagens que lhes trouxe e avaliam este como benéfico para eles.

“O projeto era piloto, e correu muito bem.”(rB)

“(…)se tivesse de dar nota de 1 a 10 dava 8,5.”(rD)

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Justiça Restaurativa no EPPF

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“(…)estava de pé atrás mas pelo contrário, surpreendi-me durante o programa.”(rE)

“Depois de entrar gostei muito.”(rH)

“Acho que não devia ser nada mudado, correu tudo bem.”(rE)

“Correram bem. Gostei muito. Foi muito bem feito. Teve alturas que brincamos, outras foram sérias(…)

“Foi muito bom(…)não mudava nada..”(rH)

“O programa foi bom(…)”(rF)

“Foi bom, gostei de ter participado(…)”(rF)

“O programa foi uma mais valia(…)”(rE)

“Foi muito proveitoso.”(rG)

“Foi muito útil. Aprendi muito(…)”(rH)

“Achei o programa proveitoso. Em todos os sentidos…”(rG)

“O programa foi muito positivo…”(rE)

“Houve um ou outro colega meu que não tiraram proveito, mas muitos tiraram…foi muito bom…”(rG)

“O programa correspondeu demais às minhas expetativas.”(rH)

“Foi muito bom(…) Correu tudo muito bem.”(rE)

“Acho que tudo devia acontecer exatamente igual como aconteceu.”(rB)

“Até para a primeira vez acho que correu muito bem. Todos trabalhamos com vontade.”(rC)

“O título do programa não tava em acordo com o que foi dado, apesar de ter sido bem dado. É um bom

programa, tornou-se muito vantajoso.”(rD)

Por fim, os participantes foram capazes de mencionar o que poderia ser feito para

que exista uma melhoria em alguns aspetos do programa. Sendo assim, um deles sugeriu

um debate mais diversificado de temas centrado no contexto prisional e a abertura que

poderia existir para os reclusos realizarem sessões de acordo com aquilo que achariam

pertinente para eles.

“…podíamos debater mais temas, acrescentado temas atuais que tem a ver com o contexto prisional. A

sociedade sabe pouco o que é o meio prisional. Devíamos desenvolver sessões de programa, por nossa

consciência.”(rA)

Para dois participantes, o programa poderia se prolongar mais no tempo e ser dado

de uma forma mais exaustiva.

“Acho que podia ser mais longo. Podia ter sido mais intensivo(…)”(rD)

“Achei o programa curto, deveria ser mais longo(…)”(rA)

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Justiça Restaurativa no EPPF

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“(…) Se se prolongasse mais não havia problema, era importante.”(rB)

A pertinência de todos os reclusos frequentarem o programa, foi um aspeto

revelado pelos participantes, que mencionaram que seria vantajoso a participação de

todos os seus colegas no programa, bem como a integração de reclusos condenados por

homicídio.

“Recomendava a todos os reclusos a passar por lá…”(rB)

“Acho que toda a gente deveria frequentar…acho que era algo para melhorar.”(rC)

“Acho pertinente este programa para homicídios, gostava de ter tido neste grupo…”(rF)

A experiência dos reclusos no programa, pode ser avaliada de um ponto de vista

positivo, uma vez que estes consideram que o programa tenha corrido muito bem e foi

muito bom para eles.

4.2.6.2. Perceções dos Técnicos Superiores de Reeducação

A. Caracterização dos reclusos

No decorrer da entrevista, de acordo com as verbalizações dos técnicos foi

possível aferir informação que nos permite fazer uma caracterização dos reclusos.

Esta caracterização assenta nos critérios de seleção que estão na base da escolha

dos reclusos para integrar o programa, assumindo a responsabilidade, a estabilidade

emocional, a capacidade cognitiva e a capacidade de interação grupal como os principais

alvos avaliados nesta escolha, para além da avaliação dos critérios de seleção que o

programa exige.

A motivação dos reclusos para frequentar este programa, é vista de diferentes e

completares formas entre os técnicos. O relacionamento interpessoal, a possibilidade de

obtenção de benefícios e o interesse pelas sessões ao longo do programa, é visto como os

fatores principais que motivam os reclusos a integrar e frequentar o programa.

Na avaliação dos participantes tendo em vista a seleção dos mesmos, têm em

consideração o momento da pena em que estes se encontram, sendo que apenas para um

técnico este facto não é relevante na sua decisão.

Os técnicos, quando questionados sobre o que achariam do comportamento futuro

dos participantes, tiveram uma certa dificuldade em se posicionar, mas contudo deram a

sua opinião constituindo-se esta categoria como parte integrante na caracterização dos

reclusos.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Assim, a partir da análise das entrevistas identificou-se 4 categorias principais

relativas à caracterização dos reclusos: critérios de seleção, motivação, momento ideal

para integrarem o programa e comportamento futuro.

Na figura apresentada, a seguir (cf. fig. 5), expõe-se as diversas categorias e

subcategorias encontradas, bem como a frequência das mesmas.

- Responsabilidade (1)

Critérios de seleção - Estabilidade emocional (1)

- Capacidade cognitiva (4)

- Capacidade de interação grupal (2)

Caracterização

dos reclusos

- Relacionamento interpessoal (2)

Motivação - Possibilidade de obtenção de benefícios (4)

- Interesse pelas sessões (1)

Momento ideal para integrarem o programa (3)

Comportamento futuro (3)

Figura 5. Representação das categorias e subcategorias da caracterização dos reclusos

De forma, a complementar os critérios de seleção dos participantes exigidos no

programa, os técnicos baseiam-se ainda noutros critérios, que consideram ser importantes

para avaliarem se o recluso reúne ou não condições para integrar o programa.

Posto isto, um dos técnicos afirma que a responsabilidade é um dos critérios que

usa, e considera importante para si, elucidando a relevância da assiduidade.

“(…)sentido de responsabilidade, nomeadamente, assiduidade ao programa(…)”(tA)

A estabilidade emocional afigura-se também um fator importante, para um dos

técnicos na escolha dos reclusos, com o objetivo de verificar se o recluso é capaz de

responder positivamente às exigências emocionais que o programa acarreta.

“(…)Estáveis emocionalmente(…),é preciso ter cuidado na seleção porque a parte emocional deles pode

ficar deteriorada…”(tB)

Para este técnico a capacidade de interação grupal, também se revela importante,

uma vez que o programa exige trabalho em grupo.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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“(…) com competências grupais(…)”(tB)

“(…)capacidade de comunicação em grupo…”(tB)

A capacidade cognitiva do individuo, é um fator de escolha preponderante

transversal a todos os técnicos, aspeto este que é importante durante o decorrer do

programa, dado pressupor a concretização de várias aprendizagens.

“(…)com algum QI(…)”(tB)

“(…)têm de ter alguma capacidade cognitiva(…)”(tC)

“(…)minimamente elaborados(…)”(tB)

“(…) e capacidade de interiorização de maiores valores ético-jurídicos.”(tA)

No que respeita à motivação dos reclusos para participarem no programa esta é

vista em diferentes aspetos. Por um lado, o facto de frequentarem o programa possibilita

um estabelecimento de relações de maior proximidade com os reclusos e com os técnicos

existindo assim uma maior abertura para exteriorizarem questões internas e se darem a

conhecer aos mesmos. A quebra da rotina institucional e o interesse dos trabalhos em

grupo é também um dos motivos que leva os reclusos a frequentar o programa, tal como

mencionam os técnicos traduzindo-se assim num interesse a nível do relacionamento

interpessoal.

“Quebrar a rotina institucional, ter maior oportunidade para exteriorizar questões endógenas (internas)

e maior proximidade e oportunidade de se darem a conhecer aos técnicos.”(tA)

“Alguns gostam de terapias grupais, de participar nas coisas do E.P(...)”(tB)

Por outro lado, a possibilidade de obtenção de benefícios é um dos fatores

principais apontados para a motivação dos reclusos. Neste sentido o alcance de medidas

de flexibilização, os benefícios do sistema, sentido de pertença, o alcance de objetivos e

o facto de haver uma avaliação positiva no percurso prisional do recluso, é tido para os

técnicos como fatores motivadores para os participantes.

“(…)outros porque pretendem medidas de flexibilização da pena. Tive indivíduos que disseram que só

participavam se achassem aquilo bom para eles.”(tB)

“Saberem que é uma mais valia, na avaliação do percurso prisional.”(tA)

“Inicialmente acho que tem sempre a ver com tirar algum benefício do sistema.”(tC)

“Não é sempre algo extrínseco(…)Outros por alcançarem objetivos até começam a ter maior motivação

até por pertencerem a um grupo.”(tB)

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Na visão de um técnico, o gosto pelas sessões ao longo do programa pode-se

revelar ainda como um elemento fundamental para que os participantes se sintam

motivados para frequentar o mesmo, vendo neste contexto um espaço onde podem fazer

coisas diferentes do habitual.

“Posteriormente, isto embora esteja presente eles acabam por gostar muito das sessões, sentem que é um

espaço que os podem ajudar e podem fazer algo diferente daquilo que estão habituados no meio em que

estão inseridos.”(tC)

Dois dos técnicos entrevistados mencionam a importância que a fase do

cumprimento da pena em que os reclusos integram o programa deverá ter. Para eles, os

participantes devem estar numa fase mais estável da pena, onde grande parte desta esteja

cumprida de forma a que eles estejam completamente integrados no sistema. Um deles,

especifica mais, achando que ¼ da pena cumprida é a fase ideal para integrar o programa,

fase esta que poderá levar a pensar em alcançar medidas de flexibilização.

“Não no início, primeiro deixá-los integrar e perceberem a privação da liberdade. Mais ou menos um

quarto da pena cumprida é a fase em que também começam a pensar em alcançar as medidas de

flexibilização da pena(…)” (tA)

“(…)Numa fase mais estável, em que tenham cumprido grande parte da pena, estejam completamente

inseridos no sistema, estejam quebrados.”(tC)

Por outro lado, um dos técnicos apesar de achar que o recluso deverá só ser

integrado numa fase em que esteja condenado, revela que para si é indiferente a fase da

pena em que se encontra.

“(…)e no cumprimento efetivo (condenado)(…)Acho indiferente a fase em que cumpre.”(tB)

No que respeita à antevisão do comportamento futuro os técnicos mencionam que

é difícil fazer esta previsão. Por um lado, existem muitos fatores externos que podem

influenciar negativamente o comportamento dos reclusos. Por outro, consideram

importante dotar os reclusos de ferramentas para evitar a reincidência mas não podem

relacionar possíveis mudanças com a frequência do programa. Contudo, um técnico

admite que as aprendizagens feitas no programa se poderão refletir aquando a liberdade

do recluso.

“(…)Depois da liberdade, o que programa os fez mudar vai-se refletir em meio livre. A pressão de

sociedade não os ajuda, o perfil da família e outros fatores. Se os colocasse num centro comunitário, estava

tudo controlado mas há fatores externos no meio e na família que podem influenciar negativamente.”(tA)

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“Não faco ideia como eles se irão comportar. É importante darmos-lhes ferramentas mas condições de

vida alteram. Não podemos relacionar que a alteração de comportamentos teve diretamente a ver com o

programa. “(tB)

A possibilidade de reincidirem é, para um dos técnicos, uma hipótese possível

pois apesar de no programa se trabalhar a reparação de danos, não há uma aprendizagem

efetiva no que respeita à moldagem para o não cometimento de crimes.

“Não temos feedback destas situações. Sinto que alguns são capazes de reincidir. Eles podem ficar com

vontade de reparar, mas isto não os molda na atitude para não cometerem mais crimes.”(tC)

Posto isto, pode-se verificar que a previsão do comportamento futuro dos reclusos

é uma incógnita para os técnicos que por um lado acham importante a frequência do

programa neste sentido, mas por outro sentem que o programa de forma isolada não é

capaz de evitar a reincidência.

B. Impacto do programa nos reclusos

Relativamente ao impacto do programa nos reclusos foram vários os momentos

em que os técnicos mencionaram aspetos positivos neste sentido.

Por um lado, mencionam que os reclusos desenvolvem diversas competências e é

possível também observar mudanças nos mesmos, a diferentes níveis.

A interiorização e responsabilização pelo crime, a ativação emocional, o

desenvolvimento pessoal e a criação de empatia com as vítimas afiguram-se como as

principais competências desenvolvidas pelos reclusos ao longo do programa, na visão dos

técnicos.

Os mesmos, verbalizaram, o treino de autocontrolo, as mudanças interpessoais e

pessoais, como as mudanças verificadas, dando destaque a esta última.

Assim, a partir da análise das entrevistas identificou-se 2 categorias principais

respeitantes ao impacto do programa nos reclusos: competências desenvolvidas e

mudanças verificadas.

Na figura apresentada, a seguir (cf. fig. 6), expõe-se as diversas categorias e

subcategorias encontradas, bem como a frequência das mesmas.

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- Interiorização e responsabilização pelo crime (16)

Competências desenvolvidas -Ativação emocional (4)

-Desenvolvimento pessoal (4)

- Criação de empatia com as vítimas (8)

Impacto do programa

nos reclusos

-Autocontrolo (1)

Mudanças verificadas -Mudanças interpessoais (1)

- Mudanças pessoais (4)

Figura 6. Representação das categorias e subcategorias do impacto do programa nos reclusos

Para os técnicos, o impacto do programa nos reclusos, é significativamente

positivo. Desta forma, são várias as competências que mencionam que os reclusos

desenvolvem em diferentes níveis salientando a interiorização e responsabilização pelo

crime bem como a criação de empatia com as vítimas.

Relativamente à primeira, são vários os exemplos em que mencionam que o

programa fá-los refletir sobre o crime de forma a eles ficaram conscientes dos atos

cometidos e responsabilizados pelos mesmos.

“(…)é uma oportunidade para eles interiorizarem os atos criminais cometidos” (tA)

“(…)várias competências, assunção do crime e responsabilização por este.” (tB)

“(…)Assunção do crime e responsabilização”(tB)

“(…)trabalha não a culpa mas a responsabilização pelo crime.”(tB)

“(…)Temos de trabalhar muitas competências, nomeadamente a assunção de responsabilidade(…)”(tB)

“(…)e vai-se verificando que ao longo das sessões eles têm mais consciência dos efeitos dos crimes.”(tC)

“(…)no sentido de terem crítica e censura sobre a gravidade dos mesmos(…)”(tA)

“(…)a terem perceção do impacto que os comportamentos deles tiveram nas vítimas(…)”(tB)

“Por outro lado, procura-se interiorizar no recluso a necessidade de reparar de alguma forma o dano

causado.” (tA)

“(…)assumem o crime, de algum modo se responsabilizam, têm sentido crítico(…)”(tC)

“Sim, trabalha-se de forma direta e objetiva a responsabilização do crime(…)”(tB)

“Elevada, faz parte. Temos de trabalhar muitas competências, assunção de responsabilidade, consciência

crítica(…)”(tB)

“Acho que os alertas para a necessidade que caso seja viável, tentarem a reparação dos danos causados

e responsabiliza-os pelos crimes(…)”(tA)

“Insight que produz nos indivíduos ao nível da responsabilização pelo ato cometido(…)”(tB)

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“(…)fá-los pensar sobre o crime…interiorização pelo mesmo e eles aderem com muita facilidade” (tC)

“Ficam muito mais conscientes dos danos causados, do crime cometido (…) demonstração de

remorsos(…)”(tC)

No que respeita à criação de empatia com as vítimas, mencionam a ocorrência

destes momentos salientando a importância dos mesmos, de forma a serem capazes de se

colocar no lugar das suas vítimas e perceberem o mal que lhes causaram.

“(…)assim como conseguirem-se descentrar-se e colocar-se no lugar do outro/vítimas.”(tA)

“(…) criam situações de empatia com as vítimas(…)”(tB)

(…)e este programa vai ajudá-los a pensar ainda mais nas vítimas.”(tC)

“Reflexão crítica sobre as vítimas(…)”(tC)

“Capacidade empática de forma a terem perceção do impacto que os comportamentos deles tiveram nas

vítimas.”(tB)

“Explora-se a capacidade de analisarem em particular os prejuízos e consequências para as vítimas”(tA)

“(…)e serem confrontados com o lado das vítimas e o sofrimento destas.”(tA)

“(…)e atitude empática com a vítima. Acho que são estas questões que mais se trabalham(…)”(tB)

O desenvolvimento pessoal é também uma competência analisada pelos técnicos

relativamente ao impacto do programa nos reclusos. Desta forma, revelam a importância

da frequência no programa que poderá dotá-los de ferramentas que os poderá ajudar a

controlar as suas ações, desenvolverem competências a vários níveis e realizarem

aprendizagens estruturantes.

“Segundo o desenvolvimento de maiores competências pessoais, formativas e sociais é importante eles

participarem no programa(…)”(tA)

“(…).treinarem auto controlo, contrariando a impulsividade e o cometimento de atos ilícitos(…)”(tA)

“(...) desenvolvem consciência crítica, e uma estabilidade ao nível da pena (…)”(tB)

“Extremamente importante porque tempo não lhes falta e é uma forma de ocuparem o pensamento com

algo que os pode estruturar.”(tC)

Durante o programa, são vários os momentos que despertam a parte emocional

dos participantes, constituindo-se este facto como uma competência importante

desenvolvida na visão dos técnicos.

“Mexe muito emocionalmente com eles(…) e é importante esta ativação…”(tC)

“Programa com grande ativação emocional que se revela importante(…)”(tB)

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“(…)Acho que o programa trabalha muito mais a emoção do que os comportamentos…e é benéfico

trablhar emoções” (tB)

“(…)puderem exteriorizar sentimentos e emoções de forma individual e sigilosa(…) existe uma grande

ativação emocional nos indivíduos.”(tB)

No que respeita às mudanças verificadas nos reclusos, um dos técnicos aponta

para mudanças a níveis do autocontrolo que são importantes na vida dos participantes, de

modo a evitar atitudes impulsivas.

“(…)ajuda a mudar algumas características nomeadamente mais impulsivas, primeira vez que

desencadeia algum treino de auto controlo e estas mudanças refletem-se na sua vida (…)”(tA)

De acordo com as verbalizações dos técnicos, os reclusos registaram mudanças

interpessoais, ao nível das relações e atitudes com os colegas, bem como ao nível da

interação com os técnicos.

“Um deles deixou de passar à frente da fila (…)”(tB)

“(…)e os reclusos ficam com mais facilidade de interação com os técnicos.”(tC)

A nível pessoal, são também ilustrativos os exemplos apresentados pelos técnicos,

em que verificaram mudanças nos reclusos a nível cognitivo e comportamental.

“Há reclusos que eu tenho a perceção que interiorizaram o programa mais o programa que outros, mas

não tenho dúvidas que o programa mexeu com todos e alterou alguma coisa em termos pessoais o que os

fará pensar melhor na atitude e conduta futura(…).”(tA)

“(…)existe mudanças a nível do discurso de cada um e a nível de mudança de objetivos pessoais.”(tB)

“(…)também se verificam mudanças na capacidade de ponderação nas atitudes a tomar.”(tA)

“(…)outro deitava os sacos plásticos na sanita e deixou de o fazer (…)” (tB)

De acordo com as informações dadas pelos técnicos e tal como percebido pelos

mesmos, é possível verificar o impacto positivo que a frequência do programa tem nos

reclusos, em diversos aspetos.

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C. Resultados do programa

Relativamente à resposta que o programa dá às necessidades dos reclusos, os

técnicos avaliam esta como ineficaz.

Relativamente a esta questão, um técnico elucidou, que na sua opinião este

programa surge não como resposta à necessidade dos reclusos mas sim às necessidades

da sociedade. Para isto, refere que se trabalha o sujeito com o objetivo deste alterar a sua

conduta.

“Não sei se o programa serve para completar necessidades nos reclusos, muitas vezes

não têm crítica dessas necessidades. O programa surge para suprir necessidades da

sociedade, trabalhar o sujeito e alteração de comportamental e de conduta.”(tB)

Um outro técnico, apesar de achar que o programa dá algum tipo de resposta às

necessidades dos reclusos sente que a mesma não é eficaz.

“Acho que consegue dar uma resposta mas não sei se esta resposta é eficaz(…)”(tC)

D. Avaliação do programa

Ao longo da entrevista, houveram várias oportunidades para os técnicos se

expressarem relativamente à avaliação do programa, em diversos aspetos.

Estes revelaram perceber as limitações do mesmo, os potenciais e a crítica

estruturante foi também um fator predominante no discurso.

Na forma como avaliaram as sessões, delimitaram a avaliação destas no que

concerne aos conteúdos, aos objetivos e à dinamização. As apreciações feitas ao programa

foram positivas, no entanto expressaram ideias, que no seu entender podem ser vistas

como sugestões de melhoria para tornar o programa mais eficaz e eficiente.

Assim, a partir da análise das entrevistas identificaram-se 5 categorias principais

relativas à avaliação do programa: conteúdos, objetivos, dinamização, apreciação e

sugestões de melhoria ao nível da reparação de danos, ao nível da resposta à necessidade

dos reclusos e ao nível do projeto.

Na figura apresentada, a seguir (cf. fig. 7), expõe-se as diversas categorias e

subcategorias encontradas, bem como a frequência das mesmas.

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Conteúdos (9)

Objetivos (3)

Dinamização (1)

Apreciação (4)

A nível da reparação -Mediação (1)

de danos

-Aplicação da JR em contexto prisional (3)

Avaliação do programa

A nível da resposta

Sugestões às necessidades -Criação de espaços para manutenção dos resultados (2) de melhoria dos reclusos

-Formação técnica dos monitores (1)

A nível do projeto -Aumento do material de apoio (2)

- Revisão de matérias (1)

Figura 7. Representação das categorias e subcategorias da avaliação do programa

Na avaliação referente aos conteúdos, os técnicos mostrarem ter uma certa critica

perante os mesmos fruto da sua experiência no programa. Existem sessões em que os

conteúdos são muito parecidos tornando estas repetitivas, pelo que destacam a

possibilidade do programa poder ter outros conteúdos. Apontam também a falta de

material teórico de apoio como uma falha do programa.

“Há sessões que (…)são repetitivas, infantilizadas.”(tA)

“Achei algumas sessões repetitivas e tive de adotar estratégias.”(tB)

“(…)o programa podia ter outros conteúdos.”(tA)

“Falta de memória descritiva no programa e documentação de suporte ao mesmo, uma vez que algumas

sessões são repetitivas (…)”(tA)

“Existe falta de conteúdos teóricos e de apoio(…)”(tA)

Existem sessões, onde se trabalham dilemas iguais aos de outros programas

existentes no EP. Deste modo, os técnicos apontam este facto como um aspeto negativo

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Justiça Restaurativa no EPPF

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pois existem reclusos que já participaram noutros programas e conhecem os dilemas, o

que torna mais uma vez os conteúdos repetitivos e desmotivantes para os reclusos.

“Aspeto negativo pela estrutura do programa (…)nomeadamente repetição dos mesmos dilemas em

programas diferentes(…)”(tA)

“Aspetos negativos: repetição de dilemas de outros programas(…)”(tC)

A forma como alguns temas são abordado, também não é do agrado de um dos

técnicos entrevistados, pelo que reconhece a importância do tema mas não concorda com

a metodologia usada para trabalhar o mesmo.

“Bullying deve ser trabalhado, mas não gostei muito como foi abordado no programa(…).”(tA)

Outro técnico, reconhece a importância de passar filmes contudo avalia estes

como pouco atrativos para os participantes.

“(…)filmes pouco atrativos.”(tC)

Por fim, o conteúdo das últimas três sessões do programa em que é suposto se

fazer uma apresentação pública do trabalho é visto como um aspeto negativo para um dos

técnicos, pois os participantes não aceitam realizar a tarefa estando salvaguardados pelo

sigilo.

“As três últimas sessões de abertura ao público, não fazem sentido porque tudo o que se faz lá dentro é

sigiloso. Os reclusos não aceitam, não querem apresentar-se ao público(…)”(tC)

Relativamente aos objetivos das sessões, todos os técnicos concordam com o facto

de que conseguem cumprir os objetivos das mesmas.

“Acho, que conseguimos orientar as sessões sobre os objetivos(…)” (tA)

“Sim, os objetivos das sessões são cumpridos(...)”(tC)

“(…)Mas as sessões correm bem, cumprem os objetivos.”(tB)

Um técnico fala da dinamização das sessões, que parece ser um outro aspeto que

é realizado com êxito sendo esta adequada às características do grupo e concretiza o

cumprimento das normas.

“Forma positiva, nomeadamente no que concerne aos reclusos, conseguir-se dinamizar as sessões tendo

presente a individualidade e as características de cada um. Dentro do que tínhamos de respeitar, não

podíamos alterar muita coisa(…)”(tA)

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Justiça Restaurativa no EPPF

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As apreciações feitas pelos técnicos ao programa revelam-se positivas, no sentido

que destacam a importância deste no contexto prisional e fazem uma avaliação otimista

da forma como este decorreu.

“Correu muito bem, de uma forma muito positiva.”(tC)

“(…) a ideia é ver as dificuldades e ir acertando(…) mas o programa é bom.”(tB)

“Programa imprescindível, trabalha-se JR(…)”(tB)

“Dos melhores programas da Direção Geral (…)” (tC)

Relativamente às sugestões de melhoria verbalizadas pelos técnicos, estas tocaram

diferentes e importantes aspetos. No que respeita à reparação de danos- tema que é

trabalhado durante o programa- reconhecem a falta de meios e incentivos que existem

para pôr em prática as aprendizagens realizadas a este nível. Neste sentido, apontam a

mediação como um aspeto a ser considerado na aplicação da JR, indicando um trabalho

de equipa como uma possível solução para que possa efetivamente haver uma reparação

de danos, ou pelo menos avaliar a possibilidade disto ocorrer na realidade.

“Há casos em que sim, uns mais outros menos. Através de mediadores de família e amigos. Outros, a

situação será para um futuro quando em meio livre. Acresce-se para acesso ao Técnico Superior de

Reeducação e de acompanhamento, poderá funcionar eventualmente como mediador de algum contato,

com a articulação com as equipas de Reinserção Social, para aproximação às vítimas e eventual contato

para avaliar a possibilidade de reparação de danos.”(tA)

Com a frequência do programa, muitos dos participantes revelam o desejo de por

em prática a reparação de danos para com as suas vítimas, de modo a expressarem o seu

arrependimento e pedir-lhes desculpas. A mediação é vista por Johnstone (2014) e

Liebaman (2011), um boa forma para que isto aconteça. Também na opinião dos técnicos

entrevistados isto se verifica, e sugerem que se criem espaços para fazer manutenção dos

resultados e de mediação entre as partes.

De forma, a que os reclusos percebam de forma prática e eficiente a reparação de

danos, é sugerido por um técnico que se aplique a JR no meio prisional, nomeadamente

nas penalizações das infrações internas. O objetivo é criar mais condições e incentivos

para que os reclusos possam concretizar as aprendizagens feitas no programa e possam

de certa forma ser reeducados.

“(…)Não existem as ferramentas, quase não existem. A JR carece de outros meios, outras valências,

nomeadamente a Direção do EP na penalização das infrações. Nunca ninguém se lembrou de fazer a JR

para isto. Ele roubou, devolveu, etc(…)”(tC)

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Justiça Restaurativa no EPPF

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“(…)Mas acho importante que a direção de cada estabelecimento se debruçasse sobre a JR e a tentasse

aplicar nos conflitos internos dentro do EP. São sempre as mesmas punições, e não restauram o dano que

fizeram. Não há forma de compensar. Podia alguns momentos humilhá-los mas surtir efeito. É pedagógico,

eu acho.”(tC)

“A punição no EP não os reeduca, a aplicação da JR seria mais vantajosa e educativa.”(tC)

Como forma de satisfazer as necessidades dos reclusos, nomeadamente na

manutenção dos resultados obtidos no programa, sugerem a criação de espaços que

promovam os mesmos enaltecendo a importância da existência destes.

“(…)mas eles precisavam muito mais. Outros espaços, outros encontros, outros eventos. Têm mais

necessidades do que aquelas que são trabalhadas no programa. Trabalham agora, mas depois precisam

do género de manutenção. Criar-se espaços para relembrar, workshops, por exemplo, uma avaliação.”(tC)

“(…)questão delicada e muito particular de acordo com cada situação uma vez que não se pretende criar

situações de riscos mas reparar danos causados. É preciso criar outros espaços para manter os resultados,

é uma necessidade para eles…”(tA)

Por fim, no que concerne às melhorias no programa propriamente dito, um dos

técnicos salienta a importância da formação técnica que os monitores devem ter, de forma

a estrem preparados para a implementação do mesmo.

“Era importante termos mais formação técnica específica e contínua para cada programa, e depois iam-

se adaptando os programas.”(tA)

Este aspeto já é feito no contexto prisional estudado, no entanto entende-se a

importância de todos os monitores terem e não apenas um.

O escasso material de apoio, já mencionado pelos técnicos deve ser outro aspeto

a melhorar no programa no entender dos mesmos, salientando as alternativas que

deveriam existir quando as sessões não podem ser realizadas nos parâmetros descritos e

na escolha dos filmes que na opinião do técnico deveriam ser mais atrativos.

“(…)acho que o programa devia de dar outras alternativas perante a recusa dos participantes em realizar

a sessão aberta.”(tC)

“(…)É importante passar mais filmes, é uma coisa que eles interiorizam…o programa deveria ter mais

filmes.” (tA)

A revisão dos conteúdos de algumas sessões também é apresentado por um técnico

como uma sugestão de melhoria no programa.

“Há sessões que devem ser revistas(…) os conteúdos e os temas devem ser revistos.”(tA)

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Estas sugestões dadas pelos técnicos parecem ser pertinentes para uma possível

melhoria do programa, uma vez que estes técnicos têm experiência no terreno e deste

modo estão mais capazes de perceber quais as fragilidades do mesmo em vários aspetos.

E. Experiência dos técnicos no programa

De acordo com as verbalizações dos técnicos foi possível perceber qual a

experiência dos mesmos no programa.

Para os técnicos existem benefícios em implementar o programa nomeadamente

na possibilidade de terem uma proximidade com os reclusos, desenvolverem

competências culminando numa realização pessoal uma vez que fazem efetivamente o

que gostam.

Porém, reconhecem as dificuldades que sentem durante a implementação do

programa que se traduzem na complexidade em manter a motivação do grupo e, num

outro aspeto de carácter pessoal relativamente à forma como as suas características

poderão afetar o seu desempenho.

Com a experiência no programa foram capazes de perceber durante as sessões,

quais as atitudes que os reclusos já tiveram para efetuar uma reparação de danos antes do

programa ser implementado, e num caso durante o mesmo.

Assim, a partir da análise das entrevistas identificaram-se 3 categorias principais

respeitantes à experiência dos técnicos no programa: benefícios da implementação,

dificuldades sentidas e conhecimento das atitudes tomadas pelos reclusos para efetuar

reparação de danos. Na figura apresentada, a seguir (cf. fig. 8), expõe-se as diversas

categorias e subcategorias encontradas, bem como a frequência das mesmas.

-Proximidade com os reclusos (3)

Benefícios da implementação - Desenvolvimento de competências (2)

- Realização pessoal (3)

Experiência dos -Manter a motivação do grupo (2)

técnicos no programa

Dificuldades sentidas

- Lidar com características pessoais (2)

-Limitação no tempo (1)

Conhecimento das atitudes tomadas pelos reclusos para efetuar a reparação de danos (2)

Figura 8. Representação das categorias e subcategorias da experiência dos técnicos no programa

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A proximidade com os reclusos, é um aspeto importante para os técnicos que

implementam os programas, tal como estes referem. Neste contexto, têm oportunidade de

os conhecerem melhor e se darem a conhecer, podem abordar questões que nos

atendimentos não são passiveis de abordar de forma direta e estas questões podem ajudá-

los no exercício das suas funções enquanto TSR.

“É nestes programas que tenho maior interação, maior proximidade com os reclusos (…)”(tC)

“Muito importante conhecermos melhor os reclusos(…)…Por outro lado, eles têm a oportunidade de se

expor mais sem tantas estratégias de comportamento, e passamos a conhecê-los melhor, em particular. Se

for um recluso que nós acompanhamos e necessitamos avaliar para a assessoria técnica aos tribunais é

bom para nós.”(tA)

“Abordamos o crime de forma direta, porque nos atendimentos aborda-se mas não de forma tão

direta, estamos mais próximos dos reclusos e isso é bom para o nosso trabalho…”(tB)

Durante a implementação do programa, os técnicos dizem desenvolver

competências profissionais em que podem trabalhar efetivamente fatores no individuo,

bem como aprofundar conhecimentos em termos de perfis criminais.

“Nós também desenvolvemos melhores competências profissionais, nomeadamente em termos de perfis

criminais.”(tA)

“(…)poder investir efetivamente na mudança de atitudes e comportamos podendo trabalhar fatores no

indivíduo(…) com isto desenvolvemos competências profissionais…”(tA)

Tudo isto culmina numa realização pessoal para duas técnicas, que se dizem

realizadas ao exercerem a sua profissão, mais concretamente na implementação do

programa.

“Para mim é muito importante e enquanto pessoa também (…) a questão humana está mais presente. Não

há o trabalho burocrático, faz-se, efetivamente, o que se gosta.”(tC)

“(…)somos um todo, tudo o que me acontece a nível profissional realiza-me a nível pessoal(…)”(tB)

“(…)a história de vida deles toca-me e trabalhar tudo isso é importante para mim.”(tB)

Porém, existem alguns aspetos durante o programa que acarretam algumas

dificuldades para o técnico, nomeadamente em manter a motivação do grupo talvez pela

extensão do mesmo.

“(…)e é dificil manter a motivação do grupo.”( tA)

“Como este programa é longo, trinta sessões sensivelmente, a meio do programa sente-se alguma quebra

mas não desistência, sendo importante, por parte das técnicas reforçar a motivação dos reclusos.“(tA)

Por outro lado, os profissionais destacam as suas características pessoais como um

entrave para lidarem com certas situações decorrentes das sessões.

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“Algumas sessões são mais difíceis de ser operacionalizadas, também têm a ver comigo, que me sinto mais

ou menos à vontade, são mais prazerosas ou menos prazerosas.”(tB)

“Tenho mais dificuldades em lidar com a parte emocional(…)”(tC)

A limitação no tempo é também uma dificuldade sentida por um dos técnicos, que

diz que para proceder à desativação emocional e realizar o seu trabalho de forma correta

deveria ter mais tempo para estar com os reclusos individualmente.

“Para proceder à desativação emocional e depois não há tempo para estar com eles individualmente.

Ativação é feita em grupo, mas a desativação deve ser individual…deveria ter mais tempo para isso.”(tC)

Com o decorrer das sessões através do contacto com os reclusos, os técnicos

tiveram a oportunidade de saber quais as atitudes que os reclusos possam ter tido antes

do programa, numa tentativa de reparação de danos. O pedido de desculpas em

julgamento, a devolução do dinheiro e o pagamento de indemnização são exemplos dados

pelos técnicos como os mais recorrentes. Torna-se ainda importante e interessante referir

que, houve um pedido de ajuda por parte de um recluso aos serviços de educação e ensino

(SEE) no sentido de puderem mediar uma possível reparação de danos.

“Um dos reclusos, já tinha feito na altura do julgamento e temos outro recluso que pediu ajuda aos SEE,

para conseguirmos chegar às vítimas para uma possível reparação de danos. Outro recluso efetuou pedido

de desculpas no julgamento. Outro também reparou alguns danos económicos (devolução de dinheiro).”

(tA)

“Tive conhecimento de uma reparação de apenas pagar indeminização (…)” (tB)

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Justiça Restaurativa no EPPF

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4.3. Discussão dos resultados

O cumprimento das medidas privativas da liberdade nos estabelecimentos

prisionais, não proporcionam uma reflexão aos reclusos sobre os atos cometidos de forma

a estes ficarem menos vulneráveis ao cometimento de crimes, e onde não vêm os seus

valores humanos enaltecidos (Pinheiro & Chaves, 2013; Cruz, 2013). Com este mesmo

pensamento e fazendo-se sentir a necessidade de alterar esta ideia, surgiu então este

programa no contexto prisional português da autoria da DGSP/CCIGP que pretende que

os reclusos reflitam sobre os atos cometidos, os prejuízos causados e que sejam vistos

como capazes de reparar tais danos (UNODC, 2013) estando assim o seu valor humano

engrandecido. Neste sentido, parece haver uma evolução ao nível da aposta em satisfazer

as necessidades dos reclusos de forma a tornar a sua reinserção social mais eficaz, que

faz com que os delinquentes corrijam as suas condutas ao invés de aumentar seu

isolamento (UNODC, 2013).

De forma a evidenciar ainda mais a utilidade desta prática nas prisões, temos a

ideia trazida por Edgar e Newell (2006), que aponta para o uso desta em infratores graves,

que só poderão estar a cumprir pena nas prisões, daí a importância da aplicação deste

programa neste contexto.

Um dos objetivos da JR é compreender os motivos que causaram o crime e

arranjar forma de reparar os danos causados pelos mesmos (Albrecht, 2011). No

programa estudado, os reclusos mostraram-se capazes de identificar quais os motivos que

os levaram à prática do crime e o desejo de reparar os danos causados às suas vítimas, foi

também notório. Neste sentido, evidenciaram o desejo de estar com a vítima de modo a

expressarem o seu arrependimento e pedir-lhes desculpa. A mediação é vista por

Johnstone (2014) e Liebaman (2011), como uma boa forma para que isto aconteça e na

opinião dos técnicos entrevistados isto também se verifica, e estes sugerem a criação de

espaços para fazer manutenção dos resultados e de mediação entre as partes.

Sendo assim, o trabalho realizado durante o programa parece traduzir-se numa

forma dos reclusos serem incentivados e ajudados na forma de reparar as suas vítimas e

a sociedade, tornando-os menos propensos a reincidir e serem melhor reintegrados após

a libertação, ideias estas que vão de encontro ao estudos de Johnstone (20114) e Anne

Mace (2002).

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Johnstone (2014) defende que a prisão deve ter funções reparadoras em vez de

punitivas e o presente programa parece ser uma boa forma de introduzir práticas

restauradoras neste meio.

A inclusão da família neste processo de aplicação da JR, parece-nos ser também

um bom preditor para evitar a reincidência do reclusos, uma vez que esta se constitui

como um bom suporte aquando a sua libertação, tal como nos diz Bernardi (2013) e como

é possível verificar nos grupos que fazem parte deste estudo. Isto não acontece em

Portugal, mas talvez pudesse ser pertinente estudar a sua inclusão, apesar de estarmos

cientes das dificuldades que isto acarreta.

O Projeto Sycamore tem como objetivo encorajar os reclusos a assumir a

responsabilidade por suas ações, experimentar a confissão e o arrependimento (Johnstone,

2014), e no programa implementado podemos verificar que isto também acontece.

Ainda neste projeto, existe um encontro com vítimas sendo que estas não são

necessariamente as vítimas do crime, e nestes encontros fazem-se diálogos e

dramatizações entre as partes e na última sessão faz-se uma restituição simbólica às

vítimas, como uma carta por exemplo (Johnstone, 2014; Feasy & Williams, 2009). No

programa aqui investigado, criam-se situações em que os reclusos têm de falar como se

estivessem na presença das suas vítimas (mas na realidade não estão), de forma a terem

consciência do mal causado às mesmas. Percebe-se, assim, que existe uma diferença no

que respeita ao processo mas, contudo, são desenvolvidas várias atividades ao longo das

sessões que permitem que os participantes reflitam sobre os atos cometidos.

Como referido, o programa de JR aqui estudado não inclui o envolvimento das

vítimas, mas parece-nos pertinente que no futuro esta possibilidade venha a ser estudada

uma vez que noutros países onde estas são incluídas os resultados mostram-se altamente

positivos. As vítimas valorizam bastante a oportunidade de comunicarem com os

agressores, poderem estar com eles na presença de mediadores e são acordadas medidas

concretas para o ofensor realizar. Porém, o pedido de desculpas por parte dos ofensores

parece ser muito mais gratificante para as vítimas do que a reparação financeira

(Shapland, 2008) e, uma vez que é possível concluir que os reclusos envolvidos neste

estudo expressam vontade de o fazer, seria uma boa forma de por em prática os seus

desejos ficando assim ambas as partes beneficiadas. Esta mesma ideia é também

defendida por Johnstone, (2014), Feasy e Williams, (2009). Contudo, reconhece-se mais

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Justiça Restaurativa no EPPF

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uma vez as dificuldades de atuar nestes parâmetros, de incluir vítimas no contexto

prisional.

Tendo em conta uma das limitações apontadas por Johnstone (2006) para o uso

desta prática, que reconhece que o encontro entre as vítimas e infrator é difícil quando

uma parte se encontra recluída, a mesma é constatada na presente investigação. Todavia,

apesar do encontro não ser realizado, a hipótese de não revelar empatia com as vítimas

defendida por Johnstone (2006) é contrariada pelo presente estudo em que foi possível

verificar várias situações de criação de empatia com as vítimas, relatadas pelos reclusos

e pelos técnicos.

Ao analisar um estudo feito por Umbreit (2005), percebe-se que os infratores eram

incentivados a escrever cartas de desculpas às suas vítimas ideia esta que vai de encontro

com as verbalizações de alguns reclusos que frequentaram o programa em 2015 que

dizem já o ter feito por iniciativa própria. Apesar de no contexto português, que seja do

nosso conhecimento, não há um forte incentivo para tal parece-nos pertinente que uma

iniciativa de reparação de danos possa começar desta forma.

No Projeto Sycamore, os reclusos são selecionados de forma voluntária onde

podem se inscrever desde que estejam interessados, ou então são selecionados pelos

técnicos especializados (Johnstone, 2014). No presente programa, os reclusos são

também selecionados com base numa avaliação feita pelos TSR, em que para além dos

critérios de seleção exigidos pelo programa têm em conta outros aspetos que consideram

pertinentes tais como interação grupal, capacidade cognitiva, estabilidade emocional e

responsabilidade.

Para facilitar a reinserção do recluso na comunidade, parece-nos ainda importante

ressaltar o Projeto Prisão Restaurativa realizado em Inglaterra, que não é realizado no

contexto prisional português mas a sua aplicação afigura-se ser uma mais-valia. Neste

projeto, os reclusos trabalham em prol da comunidade, sendo que esta passa a vê-los como

pessoas capacitadas e que têm algo mais a dar à sociedade, e os reclusos sentem que

poderão melhorar suas condutas e dão uma contribuição real para a comunidade afetada

pelo crime (Coyle, 2008; Anne Mace, 2002).

Tendo em conta os resultados evidenciados através da análise das entrevistas em

que os reclusos foram capazes de se tornarem conscientes e responsabilizados pelo crime

e expressaram desejo de reparação, comprova-se um dos objetivos do uso desta prática

evidenciada por Albrecth (2011), Marques (2011), Cruz (2013), Shapland (2008).

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O facto de os reclusos terem tido a capacidade de se responsabilizarem pelos

danos causados, e identificarem estratégias para evitarem a reincidência vai de encontro

com uns dos objetivos desta prática tal como nos diz UNODC (2013).

Durante o programa, são feitos esforços para levar os infratores presos a adquirir

uma maior consciência dos danos causados e de se coibirem de praticar atos mais

prejudiciais no futuro quer dentro da prisão quer na sua libertação, indo de encontro com

as ideias expressas por Johnstone (2006).

Com base nas análises das entrevistas dos reclusos, foram várias as sugestões dos

mesmos em que disseram que achariam pertinente alargar o leque de participantes, aspeto

este que se poderá ter em conta no futuro.

Uma vez que o programa surgiu também com o intuito dos reclusos serem

confrontados com os efeitos dos seus crimes, poderá afirmar-se que esta mesma premissa

verifica-se ao longo do programa, de modo a inferir a pertinência do programa cumprindo

assim com parte dos seus objetivos.

Como os autores do programa reiteram, este poderia surtir efeitos em vários níveis

e em termos de mudanças de atitudes. Mais uma vez, comprova-se esta ideia sendo que

se constatou que se verificaram mudanças familiares, pessoais, interpessoais e

comportamentais culminados numa reeducação do ofensor, que é uma das funções dos

Estabelecimentos prisionais. Estas mudanças culminam num desenvolvimento pessoal,

tal como se pode verificar pelos resultados obtidos, facto este que se anuncia importante

para a reintegração social do recluso.

Relativamente aos conteúdos do programa parece-nos importante destacar alguns,

de modo a que se perceba a sua importância.

A descentração social, um dos temas desenvolvidos no programa foi capaz de

promover nos indivíduos uma maior capacidade de verem as coisas noutra perspetiva

considerando-se ser um grande passo para o reconhecimento das vítimas e suas

necessidades. O reconhecimento de emoções foi também um aspeto destacável ao longo

das sessões, uma vez que os participantes mostraram-se capazes de perceber como as suas

vítimas se sentem. A abordagem à gestão de conflitos proporcionou uma boa forma de os

reclusos serem capazes de pensar na reparação de danos. A cultura e respeito mútuo, teve

também destaque pois em muitos casos houveram mudanças ao nível das relações com

os outros, facto este importante a nível pessoal e interpessoal.

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O conceito de dano, de vítima e de reparação parecem ser conteúdos importantes

para os participantes realizaram aprendizagens. Os mesmos percebem o seu significado e

indicam a sua importância no seu processo de aprendizagem.

Torna-se interessante referenciar a perspetiva histórica de vida que os reclusos

conseguiram fazer tendo reconhecido os fatores que os levaram ao crime, pensar sobre

estratégias de prevenção de reincidência e planear perspetivas futuras. Considera-se que,

o programa os ajudou a terem uma maior consciência dos atos, que os torna capazes de

pensar alternativas para mudarem o seu estilo de vida, sendo também estes uns dos

objetivos da aplicação de tal prática (UNODC, 2013).

Tendo em conta que o investigador teve a possibilidade de entrevistar os reclusos

que frequentaram o programa em 2014 e ainda participar na implementação do mesmo

em 2015, revela-se interessante e pertinente referir que vários dos efeitos e situações,

foram experienciados pelos dois grupos de forma semelhante e ainda comprovados pelos

técnicos.

Neste sentido, o facto de os reclusos refletirem mais e serem mais ponderados

reflete-se nos dois grupos. Os momentos marcantes das sessões em 2015 foi a criação de

empatia com as vítimas, exposição de sentimentos e partilha de histórias de vida e no

programa 2014, um deles também foi, apesar de existirem outros.

A previsão do comportamento futuro discutida no grupo 2015, vai muito de

encontro com a perceção das técnicas que reconhecem que existem vários fatores que

podem alterar as condutas e que se torna difícil avaliar a reincidência.

Torna-se curioso também remeter para a forma de reparação de danos que em

ambos os grupos, revelam o desejo de iniciar a mesma com um pedido de desculpas,

contudo não há nenhum plano efetivo em nenhum dos grupos. A dificuldade sentida em

se aproximar das vítimas é também um ponto transversal aos dois grupos de participantes

a nível prático e pessoal.

Tal como aconteceu com os reclusos que frequentaram o programa em 2014, os

reclusos que participaram no programa em 2015, durante as sessões revelaram-se capazes

de conhecer os fatores que os levaram à prática do crime e apresentar alternativas para

não reincidirem.

Apesar de que, para os reclusos do programa de 2015 ainda nos parecer prematuro

inferir tais hipóteses parece-nos que poderá surgir um impacto significativo no

desenvolvimento a nível pessoal, interpessoal. A criação de empatia com as vítimas,

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reconhecimento das mesmas, consciencialização e responsabilização pelo crime e

necessidade de reparação de danos, foi um aspeto transversal aos dois grupos.

Os reclusos que frequentaram o programa em 2015 dizem sentir necessidade de

ajuda de terceiros, como mediadores por exemplo para puderem por em prática as

aprendizagens feitas sobre JR. Os técnicos concordam com este facto, em que elucidam

a falta de meios para o fazerem, entendem esta necessidade e apresentam sugestões de

melhoria para esta situação.

De forma a complementar a ideia acima mencionada, os reclusos do programa de

2015 sugerem que os TSR podem servir como mediador e os técnicos concordam

reportando para situações de que poderiam articular com os serviços de reinserção social

caso existisse abertura para isso.

A dificuldade em fazer uma previsão do comportamento futuro, é um facto

transversal a todos os técnicos, pois reconhecem que há diversos fatores que podem

influenciar o comportamento do individuo. Este facto é também reconhecido pelos

reclusos que participaram no programa em 2014 e vão de encontro com ideias defendidas

por Shapland (2008).

No programa de 2015 um participante referiu que este tipo de programas peca por

ser tardio na vida do recluso, pois propicia que se reflita em muitos aspetos da sua vida.

Isto é complementado por algumas verbalizações dos reclusos do programa 2014 que

dizem eu todos os seus colegas deveriam frequentar. Em ambos os grupos reconhecem

que o programa mexeu com eles, em coisas que achavam que estavam resolvidas e afinal

não estavam, culminando num desenvolvimento em vários sentidos.

Ainda nesta linha de pensamento, os participantes de 2015 mostraram-se gratos

pela oportunidade que lhes foi dada para frequentarem o programa, por tudo que

aprenderam e acreditam que seja impulsionador parar mudarem certas condutas. Através

da análise das entrevistas percebe-se que os reclusos, que frequentaram o programa em

2014, sentem o mesmo, realçando que o programa foi muito bom para eles em vários

aspetos.

Importa ainda referenciar uma outra sugestão de melhoria, que poderá ser aplicada

no contexto prisional português, como forma de implementar a JR. No EP, quando os

reclusos violam as regras internas da instituição, são sancionados com medidas

disciplinares ditadas pelo diretor do estabelecimento que faz um julgamento e, se a pessoa

acusada for considerado culpado, ordena-se a pena (Artigo 110º, CEP; Johnstone, 2014).

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Confrontado este facto com a literatura, com os resultados obtidos na análise das

entrevistas e com as avaliações feitas do programa de 2015, parece-nos pertinente refletir

sobre tais medidas que, muitas das vezes, parecem não surtir um efeito educativo naqueles

que por lá passam, sendo vários os casos de reincidência neste contexto. As sugestões vão

na direção de adaptar a JR às infrações dentro do meio prisional, e Edgar e Newell (2006)

defendem uma das principais vantagens de um processo restaurativo, neste sentido.

Sendo assim, reconhecem que esta aplicação incentiva e capacita autores dos

danos e conflitos a assumir responsabilidade significativa por suas ações, e apreciam que

eles têm uma participação na criação de um ambiente prisional seguro e ordenado. Por

outro lado, os perpetadores vão-se tornar muito mais conscientes de como a sua conduta

não é apenas uma violação das regras, mas sim uma violação para com as outras pessoas,

que podem ter efeitos muito traumáticos. Ao mesmo tempo, o diálogo restaurador

também permite que o agressor veja as suas vítimas de um ponto de vista diferente a

ponto de criar empatia com elas e tendencialmente começam a reavaliar o seu

comportamento, e tornarem-se mais responsáveis no futuro (Johnstone, 2014).

Posto isto, e tendo em conta as sugestões de um dos técnicos entrevistados, bem

como dos reclusos que integraram o programa em 2015, parece-nos pertinente estudar a

hipótese da aplicação deste modelo no contexto prisional português, no que respeita à

penalização das infrações. Por um lado, para que os reclusos possam concretizar as

aprendizagens feitas no programa relativas à reparação de danos, perceberem os efeitos

do seu comportamento e por outro, serem reeducados e não voltarem a cometer tais atos.

Tendo em conta os resultados obtidos, é possível perceber a experiência e

perceções dos reclusos e dos técnicos envolvidos no programa relativamente ao mesmo

e, porém foi ainda possível perceber outros aspetos, já mencionados que nos parecem

pertinentes relacionados com o programa.

Relativamente aos resultados obtidos através das escalas, pode-se afirmar que

depois de os reclusos terminarem o programa apresentam crenças mais próximas do polo

restaurativo, evidenciando valores mais próximos no que respeita à consciência dos

efeitos dos seus crimes, reavaliação do comportamento futuro, assunção da

responsabilidade e capacidade de pedir desculpa. Estes dados vão de encontro, aos

resultados obtidos na entrevista, e defendidos por diversos autores.

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Conclusão e Reflexão Geral

O presente trabalho pretendeu contribuir para o estudo do programa implementado

no EPPF referente à JR, programa que também é aplicado noutros estabelecimentos

prisionais portugueses.

Na sociedade moderna, os reclusos são vistos como alguém que fez algo de errado

mas por outro lado, merecem ser reintegrados ao invés de serem excluídos da sociedade.

Acrescenta-se a isto, o facto de que a sociedade se tem interessado com a situação das

vítimas de criminalidade preocupando-se assim com a satisfação das suas necessidades,

que deve ser garantida pelo sistema de justiça criminal. Portanto, há uma necessidade

crescente de uma ideologia que trabalha para a prisão e a JR tem algum potencial para

atender a essa necessidade (Johnstone, 2014), factos estes comprovados pelo presente

estudo.

Para Belfort, Fernandes Frazílio e Vilela, (2012) a JR não deve ser encarada como

uma alternativa para a justiça criminal, mas sim como uma forma de atuação paralela e

complementar em que se deve ter em conta os interesses de todas as partes envolvidas

para a resolução do problema. Desta forma, parece-nos de extrema pertinência a inclusão

deste programa em meio prisional, uma vez que os reclusos de grave criminalidade se

encontram recluídos, (Edgar & Newell, 2006), e de outra forma não se poderia trabalhar

com os mesmos.

No contexto prisional português, o programa de JR não tem como objetivo direto

colocar o infrator juntamente com a vítima a fim de estas dialogarem, nem são criadas

condições para que isso aconteça. Portanto, estes tipos de práticas não se verificam neste

contexto, apesar de num futuro próximo se revelar interessante e proveitoso a adaptação

destas para o contexto prisional português. O que existe, por vezes, e de acordo com a

experiência por mim vivenciada é que os infratores procuram através de mediadores

chegarem até às vítimas com o intuito de iniciar um processo de reparação, decorrente da

sua participação no programa.

De acordo com os objetivos expostos foi possível perceber quais as crenças

restaurativas que os reclusos têm depois de frequentarem o programa estando estas

maioritariamente próximas do polo restaurativo. Este parece ser um bom indicador de que

o programa poderá aproximar os reclusos de ideias mais restaurativas, ficando

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Justiça Restaurativa no EPPF

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conscientes do dano causado, do sofrimento das suas vítimas, necessidade de oferecer

reparação às mesmas e admitem ainda a responsabilidade que têm no seu crime.

Os resultados do estudo evidenciam que são várias as competências desenvolvidas

pelos reclusos, com a frequência do programa tal como interiorização e responsabilização

pelo crime, desenvolvimento pessoal, criação de empatia com as vítimas, mudanças

interpessoais e mudanças comportamentais. As mesmas são identificadas pelos reclusos

e pelos técnicos, facto este que nos mostra ainda uma maior evidência do impacto positivo

do programa, bem como a experiência positiva decorrente da implementação e frequência

do mesmo. Os objetivos da instauração desta prática defendida por diversos autores, são

atingidos no presente programa, apesar de ainda haver algumas limitações.

Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas na

interpretação dos resultados. Em primeiro lugar, é um estudo transversal em que os

reclusos foram avaliados em dois momentos, e os técnicos apenas num, sendo que se

tornaria pertinente no futuro um estudo longitudinal com uma amostra significativamente

maior que permitisse uma avaliação continua ao longo do tempo.

A impossibilidade de gravar as entrevistas em formato áudio, apresenta-se

também como uma limitação ao estudo pelo facto de que durante a entrevista teve de se

considerar como prioritário o estabelecimento de uma relação de confiança com os

participantes, em detrimento de estar constantemente a tomar nota de tudo que era dito.

Contudo, neste propósito, foi feito um esforço para no fim da entrevista registar o

essencial, completando sempre que possível, as informações em falta. Salienta-se ainda

que os estudos nesta área em Portugal são particamente nulos.

Como recomendação para um próximo estudo, seria pertinente uma avaliação da

eficácia do programa, de forma a se perceber o cumprimento efetivo dos objetivos. Para

isto, para além de outros métodos, parece pertinente a aplicação da escala de pós-teste,

em pré-teste para que seja possível comparar as duas, a fim de se perceber a evolução das

crenças restaurativas dos participantes ao longo do programa. Relativamente ao formato

da escala, esta poderá ser alvo de alguns ajustes nomeadamente na escala de cotação

(escala de 10 pontos), que parece se revelar confusa para os reclusos se posicionarem para

além de que deveria ser mais precisa para facilitar a interpretação dos resultados.

Dado o objetivo principal do programa que é funcionar como promotor para evitar

a reincidência, tornar-se-ia pertinente e útil estudar até que ponto os reclusos que

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Justiça Restaurativa no EPPF

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participam neste programa são capazes de reincidir, não descurando o facto de que este

ponto poderá não estar diretamente relacionado com a frequência do programa.

O estudo feito para além de comprovar o impacto positivo que o programa tem no

contexto prisional, poderá ainda servir como promotor para que haja uma melhoria do

programa em diferentes níveis através da análise das sugestões de melhoria dadas pelos

participantes.

Acredita-se que ainda há muito a fazer-se e a melhorar no que respeita à JR em

contexto prisional, tanto a nível do programa quer com a inserção de outras componentes

como por exemplo alargar o processo de atuação de forma a incluir vítimas. Contudo, e

dado que este projeto destina-se exclusivamente ao trabalho com ofensores parece-nos

que é promissor naquilo a que pretende trabalhar e poderá funcionar como um bom

promotor para evitar a reincidência.

Dado que todos os projetos têm de se iniciar de alguma forma, este programa

parece-nos muito útil como uma tentativa de introduzir a JR no contexto prisional. São

notórias as aprendizagens, as mudanças e o impacto positivo que o programa tem nos

reclusos, facto este reconhecido pelos mesmos e pelos técnicos.

O programa aparenta carecer ainda de alguns ajustes, que poderão ser melhorados

gradualmente, através da identificação das possíveis falhas.

“With a little imagination and a lot of courage, prisons could become a natural

setting for Restorative Justice” Kimmett Edgar

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Anexos

Anexo A

Escala de pós-teste: Pré-escala da evolução das crenças restaurativas em reclusos

que frequentam o programa

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Anexo B

Declaração de consentimento informado

DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO INFORMADO

Designação do Estudo (em português):

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Eu, abaixo-assinado, (nome completo do participante no estudo) ------------------------------------------------

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------, compreendi a

explicação que me foi fornecida acerca da participação na investigação que se tenciona realizar, bem como

do estudo em que serei incluído. Foi-me dada oportunidade de fazer as perguntas que julguei necessárias,

e de todas obtive resposta satisfatória.

Tomei conhecimento de que a informação ou explicação que me foi prestada versou os objectivos e os

métodos. Além disso, foi-me afirmado que tenho o direito de recusar a todo o tempo a minha participação

no estudo, sem que isso possa ter como efeito qualquer prejuízo pessoal.

Foi-me ainda assegurado que os registos em suporte papel e/ou digital (sonoro e de imagem) serão

confidenciais e utilizados única e exclusivamente para o estudo em causa, sendo guardados em local

seguro durante a pesquisa e destruídos após a sua conclusão.

Por isso, consinto em participar no estudo em causa.

Data: _____/_____________/ 20__

Assinatura do participante no projeto:___________________________________________

O Investigador responsável:

Nome:

Assinatura:

Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa

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Justiça Restaurativa no EPPF

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Anexo C

Guião de entrevista dirigido aos reclusos que participaram no programa “Educar

para reparar” em 2014

1- Quando iniciou o programa qual era a sua expetativa relativamente ao mesmo?

2- O programa foi de encontro às suas necessidades?

3- Como acha que correram as sessões do programa? Acham que foram bem

desenvolvidas? Se acha que não, o que poderia ser mudado?

4- De que forma é que a sua participação neste programa se revelou pertinente ou não,

durante o cumprimento da sua pena?

5- Qual a situação que mais o marcou durante o programa? Porquê? (Comentar)

6- O facto de frequentar este programa, trouxe mudanças à sua vida? Se sim, em que

sentido? Quais as mudanças que sentiu? De que forma isso se refletiu na sua vida social?

7- De que forma é que o programa se revelou útil para pensar nos efeitos dos crimes que

cometeu?

8- Qual foi o seu papel no crime pelo qual está condenado?

Porque é que acha que aconteceu assim?

9- Quais acha que foram os efeitos nas vítimas do crime que cometeu? Durante o programa

e após o término deste, conseguiu ter uma maior consciencialização dos efeitos que os

seus crimes tiveram nas vítimas? Se sim, tomou alguma atitude?

10- Como acha que se sentia, caso estivesse no lugar da (s) vítima (s) do (s) crime (s) que

cometeu ou de outras partes envolvidas no processo? Qual acha que era a atitude mais

adequada a ter com elas? Quais as estratégias que acha que poderá adotar para reparar

os danos causados às mesmas?

11- Já pediu desculpas ou adotou alguma forma de reparação às vítimas? Se sim, o que fez?

12- Se agora voltássemos ao momento em que aconteceu o crime, o seu comportamento seria

diferente? Como acha que iria reagir?

A sua pena vai terminar daqui a …como acha que vai ser o seu comportamento lá fora?

13- Como vai aplicar na sua vida as aprendizagens que realizou ao longo do programa?

14- O que achou da sua participação neste programa?

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Anexo D

Guião de entrevista dirigido aos Técnicos Superiores de Reeducação

1- Qual a sua opinião relativamente à implementação do programa “Educar para reparar” nos

Estabelecimentos Prisionais? Justifique.

2- Como caracteriza os reclusos que frequentaram este programa?

3- Qual acha que é, a motivação dos reclusos para frequentarem o programa? Como avalia a

evolução da motivação ao longo das sessões?

4- Quais os aspetos em que sentiu maior dificuldade, durante a implementação do programa?

(lidar com determinados crimes, lidar com reclusos, parte emocional, etc)

5- Para si, quais os aspetos positivos do programa que se vão revelando ao longo das sessões?

E quais os aspetos negativos?

6- Como avalia as sessões do programa, que implementou? O que acha que deveria ser mudado?

7- Acha que o programa consegue dar uma resposta eficaz às necessidades sentidas pelos

participantes?

8- Na sua opinião, pensa que os objetivos propostos pelo programa são cumpridos? Sente que

existem todas as ferramentas necessárias para os reclusos, para estes poderem por em prática,

aquilo que vão aprendendo ao longo das sessões?

9- É possível verificar mudanças comportamentais dos reclusos durante as sessões, ou no fim

da implementação do programa? Se sim, quais?

10- Tomou conhecimento de algum episódio, em que algum recluso tenha efetuado um pedido

de desculpas à vítima (caso seja possível) ou de ter arranjado forma de oferecer reparação

pelo dano causado?

11- Qual acha que é a importância da implementação do programa, durante o cumprimento da

pena do recluso? Em que fase do cumprimento da pena, acha que este programa deve ser

aplicado?

12- Na sua opinião, e de acordo com a experiência profissional como pensa que será o

comportamento dos participantes do programa num futuro próximo? E depois de saírem para

a liberdade?

13- De que forma a implementação destes programas é importante na sua vida profissional

enquanto técnico de Reeducação? E enquanto pessoa?

14- Há algo mais sobre o programa que queira falar?

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Anexo E

Pedido de autorização para a realização do estudo à Direção Geral dos Serviços

Prisionais

Exmo Sr. Diretor da Direção Geral da Reinserção e Serviços Prisionais,

Eu, Cristiana Alexandra Silva Pereira estou a realizar o meu estágio curricular no

Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, na área dos Serviços de Educação e Ensino, com

a supervisão da Drª Lídia Alves.

O estágio curricular está a decorrer no âmbito do meu mestrado em Psicologia Jurídica

da Universidade Fernando Pessoa, que tem como orientadora a Prof. Drª Glória Jólluskin.

Posteriormente ao estágio irei elaborar uma dissertação de mestrado, motivo pelo qual a

minha recolha de dados passaria por entrevistar/avaliar aproximadamente 25 reclusos afetos a

este Estabelecimento Prisional. Para complementar esta recolha de dados, também está planeado

realizar uma entrevista a dois Técnicos Superiores de Reeducação.

Deste modo, queria proceder à respetiva autorização para a recolha de dados e a possibilidade

de puder gravar as entrevistas em formato áudio. Queria também, se possível, que me fosse

autorizada a utilização das escalas de pré-teste e pós-teste que estão incorporadas no programa

“Educar para reparar: iniciação às práticas restaurativas”. Em todos os procedimentos, está

salvaguardado o anonimato e confidencialidade. Os dados serão utilizados exclusivamente para

fins de investigação académica.

Mais informo, que envio juntamente com esta carta o meu projeto de investigação, de uma

forma detalhada que está a ser avaliado pela comissão de ética da Universidade Fernando Pessoa

e uma declaração da minha orientadora de estágio e dissertação de mestrado.

Agradeço uma resposta, o mais breve possível, por escrito e/ou através do e-mail

[email protected].

Sem outro assunto de momento, subescrevo-me.

Porto, 18 de Fevereiro de 2015

A estagiária,

__________________________________

Cristiana Pereira

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Autorização da Direção Geral dos Serviços Prisionais para a realização do estudo

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Anexo F

Consentimento para a realização do estudo da Comissão de Ética da Universidade

Fernando Pessoa