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EFEITO LOLITA: A SEXUALIZAÇÃO E OBJETIFICAÇÃO FEMININA POR
MEIO DA MÍDIA, EM UMA ANÁLISE DA FANPAGE DA CAPRICHO NO
Pâmela Rocha Vieira1
Resumo
Este estudo analisa o conteúdo da fanpage da Capricho no Facebook, por meio da coleta de
postagens realizadas entre agosto e setembro de 2015. As informações foram interpretadas e
aqui expostas com base na teoria do Efeito Lolita, sistematizada pela autora Meenakshi Gigi
Durham (2009) e discorre sobre o papel da mídia na sexualização precoce e objetificação
feminina. A abordagem do tema leva em conta o contexto de sociedade midiatizada e de
consumo, problematizando o papel social da mulher e relações de gênero na
contemporaneidade, com ênfase na adolescência e as relações dessa fase da vida com os
padrões de beleza, consumo e comportamento.
Palavras-chave: mulher, machismo, mídia, consumo e padrão de beleza.
Partindo do pressuposto de que os meios de comunicação são grandes responsáveis
pela construção da visão de mundo, especialmente nos tempos atuais de sociedade
midiatizada (Sodré, 1996) e considerando que a mídia forja padrões de beleza e
comportamento, coloca-se uma interrogação acerca do papel dos meios de comunicação na
questão dos gêneros. Aqui, nosso olhar está focado para a raiz da questão: as meninas, na fase
da adolescência.
A professora e pesquisadora em Comunicação Meenaskhi Gigi Durham, da
Universidade de Iowa, realizou estudos pioneiros sobre como os meios de comunicação de
massa afetam a formação das meninas, concluindo que temos como efeito uma sexualização
precoce. A partir daí, cunhou o termo Efeito Lolita2. Na obra “The Lolita Effect: the media
1 Aluna do mestrado no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Territorialidades da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Email: [email protected] 2 Referência à personagem principal do romance Lolita, de Vladimir Nabokov, que conta a história de uma jovem adolescente de 12 anos que seduz um poderoso homem mais velho.
sexualization of young girls and what we can do about it”, Durham expõe sua pesquisa
sobre a temática.
A Capricho foi escolhida para este estudo pela longa trajetória de diálogo com o
público adolescente feminino, desde o ano de 1952. O site oficial da revista traz como
definição do produto “os serviços mais relevantes para as meninas de 13 a 17 anos”. A
relevância desse conteúdo é contestada vez ou outra. Em agosto de 2013, numa das mais
recentes polêmicas protagonizadas pela Capricho, a revista recebeu uma avalanche de críticas
e acusações de machismo por um texto publicado em seu site. O texto separava as meninas
entre adequadas para namorar e adequadas para “ficar”, estas sendo úteis apenas para diversão
de uma noite.
A frequente publicação de conteúdos a respeito de beleza também é questionável
como um serviço relevante para adolescentes. O reforço dos padrões de beleza e a vinculação
excessiva do universo feminino com o mundo da moda produz uma visão estereotipada do
papel social da mulher. De toda sorte, a audiência e a longevidade dos veículos são mostras
do seu sucesso na “conversa” com o público adolescente.
O estudo do Efeito Lolita aborda a sexualização feminina em idade precoce e de
maneira inadequada, incentivada pelos meios de comunicação de massa. Ao tratar do tema,
Durham (2009) deixa clara a preocupação com a vivência de uma sexualidade saudável,
formada em um ambiente seguro e com amplas possibilidades de debate. Dessa forma, parte –
se da premissa de que o sexo e a sexualidade são coisas normais e naturais e as meninas
devem ser educadas com a liberdade de desfrutá-los ao máximo. Nesse ponto, grande parte
dos veículos de comunicação presta um desserviço ao público, uma vez que reforçam a
repressão e controle sobre a sexualidade das garotas, muitas vezes travestidos sob uma falsa
libertação.
A autoria batizou de Efeito Lolita o conjunto de mitos sobre a sexualidade das garotas,
com ampla circulação em nossa cultura e que tem o intuito de limitar, minar e restringir o
progresso sexual de crianças e adolescentes do sexo feminino. Para funcionar, o Efeito Lolita
se apoia em cinco mitos: “se você tem, exiba”; “anatomia de uma deusa do sexo”; “as garotas
bonitas”; “ser violento é sexy” e “do que os rapazes gostam”.
O primeiro mito analisado é o “se você tem, exiba”. Examinando essa construção,
Durham (2009) analisa os incentivos da indústria midiática para que as garotas exibam o
corpo com roupas curtas e fotos provocantes em redes sociais. Esses incentivos são baseados
na premissa de ser hot, o que também significa ser sexy. À primeira vista, isso parece
libertador e exitoso, visto que o modo como as mulheres se vestem ainda é alvo de tabus. No
entanto, o encorajamento para a exibição do corpo é bastante direcionado: o corpo a ser
exibido deve ser magro, definido, com tônus muscular, sem nenhum tipo de deficiência física
e preferencialmente branco.
A mídia dirigida às adolescentes capitaliza os incentivos à sensualidade feminina. Não
faltam dicas de roupas, cosméticos e outras formas de consumo voltados à aparência feminina
e que reforçam a construção do corpo feminino atraente, que chama a atenção. Por outro lado,
ofensas como “galinha” e “vadia” ainda são ouvidas por inúmeras mulheres, especialmente de
acordo com o modo como se vestem ou se maquiam. Isso confirma o espectro conservador e
retrógrado que ainda marca a sexualidade feminina, mesmo quando o discurso parece
libertador.
O segundo mito que constitui o Efeito Lolita é o “anatomia da deusa do sexo” e
reflete sobre o padrão de beleza reforçado pela mídia, comparado com o corpo da boneca
Barbie. Convertendo as medidas da boneca para uma “escala humana”, a Barbie seria uma
mulher de 1,75 m, com 45 cm de cintura, 91 cm de seios, 83 cm de quadris e pesaria 50 kg.
Ela seria incapaz de ficar de pé e os órgãos internos não teriam espaço de acomodação. 3
Algumas campanhas do tipo “ame o seu corpo” são endossadas vez ou outra por
veículos de público alvo feminino. No entanto, mesmo nessas ocasiões, os corpos exibidos
variam dentro de um padrão bastante restrito. Não há representações de mulheres realmente
obesas e quando há, estão ligadas ao fracasso, anunciando alguma dieta e outras formas de
perder peso. Assim, a mensagem do “ame o seu corpo” é ofuscada pela constante celebração
visual e discursiva do corpo esbelto e bem definido. Mas a mensagem transmitida aos leitores
(e principalmente às leitoras) é que basta esforço, empenho e comprometimento para
conseguir o corpo desejado. Essa lógica está inserida nos hábitos contemporâneos de consumo
3 Experimento realizado pelo site estadunidense Rehabs, que reúne instituições de reabilitação para usuários de álcool e outras drogas, além de transtornos como a bulimia.
excessivo, numa realidade em que todos os indivíduos compartilham um espaço social em
comum: o mercado. (Bauman, 2008).
O terceiro mito é denominado “garotas bonitas” e trata da juventude como um
objetivo de beleza ideal, que se encaixa no padrão. Durham (2009) considera essa associação
da beleza com juventude como uma insinuação ao fruto proibido. Para corroborar essa
hipótese, a autora cita exemplos do uso de fantasias colegiais como roupas sensuais, em
posturas apelativas, tal qual no clipe Baby One More Time, da cantora Britney Spears.
No Brasil, um bom exemplo disso é a escolha de atrizes cada vez mais jovens em
novelas, contracenando com atores que já eram galãs há anos e, portanto são bem mais velhos
que as atrizes. O objetivo dessa observação, inclusive publicada no blog Socialista Morena4,
não é criticar os relacionamentos entre pessoas de idades diferentes, mas sim chamar a
atenção para o fato de que a juventude como uma condição de beleza recai sobre a mulher.
Outra observação interessante é a de utilizar atrizes/modelos mais velhas e
desempenhando papéis mais jovens, com auxílio de maquiagem, roupas e estilo específico.
“A sexualidade feminina ideal é jovem, ou mesmo infantil” (DURHAM, 2009, p.121). Essa
associação, entre juventude feminina e sensualidade, reforça os traços de infantilização de
mulher, colocando a figura feminina como indefesa, frágil e incapaz, o que reflete uma
construção evidentemente machista. Um agravante disso é a ideia de que as garotas são
cúmplices dessa construção cultural, como se elas escolhessem estar preocupadas com a
beleza desde muito jovens e também como se a preocupação em perpetuar a aparência jovem
fosse uma livre escolha.
As representações hiperssexuais de garotas jovens levam a questionar o motivo disso.
Uma possível resposta é que se trata de “um movimento de resistência patriarcal contra o
feminismo” (DURHAM, 2009, p.130). Diante da incapacidade machista em lidar com as
conquistas sociais e políticas das mulheres, alguns homens veem nas jovens garotas uma
possibilidade mais simples de adaptação ao molde convencional da sexualidade feminina. É
como se elas fossem uma ameaça menor que as mulheres adultas, representando uma
sexualidade submissa e dócil.
4 Endereço: http://www.socialistamorena.com.br/o-estranho-fenomeno-do-gala/ Acesso em 28/08/2015.
Outra possível resposta para o interesse na hiperssexualização infanto-juvenil é a
motivação comercial. Indústrias de cosméticos, roupas e outros produtos têm buscado
fidelizar seus consumidores desde a infância, especialmente para os produtos de beleza
antienvelhecimento (Durham, 2009). No cenário atual, da “sociedade de consumidores”
(BAUMAN, 2008, p.70), os indivíduos – especialmente os mais jovens, são permanentemente
acometidos pelo medo da inadequação e as indústrias tiram proveito desse medo para lucrar,
independentemente da real necessidade de consumo daquele produto.
O quarto mito do Efeito Lolita é o “Ser violento é sexy”. Observa-se a construção de
um discurso que identifica o prazer sexual masculino com a violência, enquanto a sexualidade
feminina é vitimizada. A sexualidade masculina fica associada ao agente do sadismo e cabe à
mulher ser passiva na situação. O mais recente e famoso exemplo do sadismo protagonizado
por um homem é a história da trilogia literária Cinquenta Tons de Cinza, também adaptada
para o cinema.
Nessa narrativa, o poderoso magnata Christian Grey se envolve com a jovem virgem e
recatada Anastasia Steele. Grey revela suas práticas sadomasoquistas para a moça, que se
torna seu objeto de submissão. O termo “submissa” é originalmente usado na obra para
designar o papel que Anastasia passa a desempenhar. Cinquenta Tons de Cinza conquistou fãs
e também vorazes críticas feministas. Para este estudo, não cabe o aprofundamento do tema,
mas é válido levantar a seguinte questão: seria igualmente aceitável pela audiência que um
homem fosse sexualmente “submisso” a uma mulher?
O que Durham (2009) defende na análise do quarto mito é, de certa forma, uma
resposta para essa questão, ou seja: a associação entre a sexualidade masculina e uma postura
violenta e agressiva é tomada como natural. Ao ser legitimada pela mídia, essa postura
enfatiza e perpetua um sistema de misoginia, brutalidade e submissão feminina, reafirmando a
ideia de fragilidade da mulher diante da figura masculina.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública5, o Brasil registrou 50.320 casos
de estupro no ano de 2014 e estima-se que apenas 35% dos casos sejam relatados às
autoridades policiais. Assim, fica clara a relação entre a violência e a sexualidade,
5 Endereço: http://www.forumseguranca.org.br/ Acesso em 29/08/2015.
especialmente como uma forma de dominação sobre a mulher. Afinal, como defendido pela
autora feminista Brownmiller (1975), o estupro não é apenas um crime sexual, mas se refere a
uma relação de poder abusiva, na qual os homens buscam manter as mulheres num estado de
medo permanente.
Finalmente, o quinto mito trata da heterossexualidade tradicional. Intitulado como “do
que os rapazes gostam”, Durham (2009) analisa a autoridade discursiva do homem sobre a
mulher e como isso se apresenta nos meios de comunicação. É como se os rapazes
impusessem os critérios e, a partir daí, as meninas tivessem que buscar a adequação para
agradá-los. Essa prerrogativa reforça a autoridade do discurso masculino até mesmo nas
publicações voltadas para mulheres, ou seja: as vozes dos rapazes exercem enorme autoridade
sobre as temáticas que as revistas e publicações adolescentes categorizam como de interesse
das garotas nessa faixa-etária.
Em agosto de 2013, a Capricho protagonizou uma polêmica6 que corrobora o exposto
neste mito. Na ocasião, um colunista online da revista publicou um texto em que categorizava
as mulheres entre “garotas para ficar” e “garotas para namorar”. Segundo o critério do
colunista, as “garotas para ficar” são aquelas adequadas para proporcionar a diversão por uma
noite, que são bonitas mas não têm outros atributos importantes, como uma conversa
interessante. Já as “garotas para namorar” são as que sabem se comportar, apoiam o garoto
incondicionalmente e têm maturidade nas decisões.
Esse tipo de categorização também reafirma a associação do prazer sexual masculino
com a violência e o poder, como aquele que decide sozinho sobre sexo e relacionamento,
enquanto a mulher ocupa o lugar da sujeição. “É como se o sexo para as garotas tivesse de
significar uma experiência infeliz” (DURHAM, 2009, p.166). Diante disso, as jovens não
encontram espaço para decisões seguras e proativas a respeito da própria vida sexual e
chegam à vida adulta com a ideia consolidada de que as experiências afetivas e sexuais têm o
objetivo de garantir a satisfação do homem.
6 O texto foi retirado da página, mas ainda pode ser lido em: http://www.cientistaqueviroumae.com.br/2013/08/menina-pra-ficar-ou-pra-namorar-como.html. Acesso em 01/09/2015.
A falta de representação das diversas experiências sexuais possíveis também é outro
traço da autoridade do discurso machista nas publicações adolescentes. O sexo é tratado como
uma prática exclusivamente heterossexual, com pouco espaço para representações
homoafetivas. Isso é grave à medida que demonstra a omissão da mídia em questões de
relevância social, como casos de homofobia e intolerância que resultam em atos violentos,
especialmente entre os jovens.
Novamente, Durham (2009) frisa o papel do leitor masculino imaginário, ou seja: as
mulheres olham para si mesmas com a suposição de que o expectador ideal é masculino e que
a imagem da mulher deve estar de acordo com as preferências desse expectador imaginário,
mas que reflete o homem conceituado pelos meios de comunicação de massa: heterossexual,
viril, conquistador, exigente e provedor. Essa construção não é recente: o crítico de arte John
Berger identificou o que ele chamou de “o olhar masculino” em obras de arte do nu frontal
feminino. Essas obras foram concebidas para o puro deleite masculino e, ao longo da história
da arte no Ocidente, as mulheres são retratadas de forma passiva, plástica e desumanizada.
(Berger, 1972).
Ao tomar a indústria midiática como uma produtora de verdades, é interessante pensar
no interesse que a motiva: o lucro. A mídia fomenta objetivos de corpo e comportamento
ideais, que poderão ser atingidos mediante o consumo de determinados produtos, mas a
satisfação prometida é suplantada por novos desejos e objetivos, alimentando a indústria de
maneira ininterrupta. Independente do ideal que o consumidor consiga atingir, é certo que a
satisfação terá curta duração de tempo (Bauman, 2008).
A construção da identidade feminina, levando em conta as contingências de uma
sociedade machista, também está profundamente ligada ao campo discursivo do corpo e, nas
publicações da Capricho, é moldada e reforçada por uma lógica de padronização e
homogeneização da estética dos corpos, comportamentos e hábitos. Utilizando-se de seu
poder pedagógico, a Capricho emite orientações comportamentais que “educam” sobre o
corpo, por meio do que Foucault (1988) chamou de tecnologia política do corpo. A Capricho
se utiliza dessas tecnologias por meio do tom de aconselhamento, aprovação/reprovação em
suas publicações. Nas palavras da pesquisadora feminista Susan Bordo:
por meio de disciplinas rigorosas e reguladoras sobre a dieta, a maquiagem e
o vestuário - princípios organizadores centrais do tempo e espaço nos dias de
muitas mulheres - somos convertidas em pessoas menos orientadas para o
social e centradas na automodificação. Induzidas por essas disciplinas,
continuamos a memorizar em nossos corpos e sentimentos a convicção de
carência e insuficiência e achar que nunca somos suficientemente boas
(BORDO, 1997, p. 20).
A formação da subjetividade se dá de maneira inseparável aos hábitos de consumo,
desde a infância. Conforme pertinente esclarecimento de Bauman (2008), o sentimento de
pertença com um grupo ou um estilo de vida não se limita ao consumo de produtos, mas passa
pela “identificação metomínica” (Bauman, 2008, p.108). Por isso é tão expressivo o uso de
celebridades em anúncios e publicações de marcas adolescentes, como a Capricho. Além
disso, a associação da liberdade com o consumo faz recair sobre os indivíduos a
responsabilidade plena pela satisfação de seus desejos, atrelando essa liberdade ao poder
aquisitivo. No caso do público-alvo da Capricho, essa responsabilidade se estende à
autodisciplina necessária – e veiculada como saudável – para alcançar corpos dentro dos
padrões estéticos, o que resulta em um automonitoramento do estilo de vida dessas garotas,
privando-as de simples diversões e descontrações que sejam avessas ao emagrecimento, à
moda, ao gosto masculino e outras exigências.
Para a confecção deste artigo, foram coletadas manualmente 76 postagens na fanpage
oficial da Capricho no Facebook7, entre os dias 17 de agosto e 27 de setembro de 2015, por
meio da metodologia semana falsa – na primeira semana, coletou-se publicações da segunda-
feira; na segunda semana, publicações da terça-feira e assim sucessivamente, até a sétima
semana, com a coleta dos dados de domingo (27 de setembro). Os dados foram extraídos por
meio da tecla print screen, que permite uma reprodução digital do que aparece na tela do
computador.
As 76 postagens foram divididas nas seguintes categorias: Teste , Celebridade,
Beleza, Moda, Comportamento e Entretenimento. Essa categorização foi feita de acordo com
a temática principal de cada postagem. No caso de postagens que falavam sobre o tipo de
roupa de uma celebridade, por exemplo, optou-se pela categorização tanto em Celebridade
7 https://www.facebook.com/capricho/. Último acesso em 11/11/2015
quanto em Moda. O objetivo principal da categorização é elucidar a pouca diversidade
temática das publicações e mostrar como todas as categorias contemplam clichês relacionados
ao universo feminino.
A categoria com maior número de posts foi a Celebridade, totalizando 36 publicações.
Os conteúdos sobre celebridades costumam contemplar personalidades da música pop
estadunidense e na maioria das vezes estão acompanhados de juízos de valor como
“lacradora”, “diva” e “musa”. A Figura 1 – Celebridade mostra uma postagem do dia 10 de
setembro, sobre o lançamento da nova música da cantora pop Selena Gomez. A publicação
especula que o teor da música tem o objetivo atingir algumas pessoas da convivência da
cantora, por meio de indiretas. Essa interpretação leva a inferir que a Capricho e sua audiência
estão inteirados da vida de Selena Gomez, afinal, um desavisado que ouvir sua música pela
primeira vez certamente não perceberá nenhuma das indiretas. A foto exibe a cantora em uma
pose destemida, confiante, vestida elegantemente de acordo com os padrões e sem deixar de
exibir o corpo. A mensagem dessa publicação valoriza os ideais de autenticidade, o tão
evocado “seja você mesma”, que a mídia vende em um discurso contraditório, pois estimula a
libertação limitada pelos padrões vigentes.
A celebração visual do corpo esbelto vem à rebote do culto às celebridades. Num
cenário de entretenimento pop de pouca diversidade, hegemonicamente constituído por
mulheres brancas, magras, de corpos torneados e com roupas que seguem a moda, o ideal de
corpo feminino na cultura da mídia contemporânea contraria todas as mensagens do tipo “ame
seu corpo” (Durham, 2009). Assim, conforme descrito pelo Efeito Lolita em seu Segundo
Mito: “A anatomia de uma deusa do sexo”. Mensagens de sucesso são atreladas a jovens
famosos, ricos e dentro de um padrão que exclui os corpos obesos e a diversidade étnica.
Figura 1 – Selena Gomez
Periodicamente, a Capricho posta conteúdos da série It Girls, na qual meninas que
formam a audiência da Capricho são escolhidas pelo corpo editorial para mostrar algumas de
suas roupas e falar sobre seu estilo. Esses conteúdos mesclam as categorias de Moda, Beleza e
Comportamento, legitimando a padronização do estilo de vestimentas das meninas e as
implicações mercadológicas disso. Na Figura 2 – It Girl Caroline Macedo, uma usuária do
Facebook e que acompanha a fanpage da Capricho demonstrou por meio de comentário a sua
impressão diante do post: “Um dia eu vou ser que nem ela, só falta o dinheiro”. O incentivo à
magreza também é percebido pelo público de maneira clara. O comentário de outra usuária do
Facebook expressou o desejo por ser “linda assim” (como a It Girl) algum dia, mas, por
enquanto, prefere continuar comendo – encarando a privação de comida como uma forma
plausível de emagrecimento.
Figura 2 – It Girl Caroline Macedo
A exaltação da beleza afastada da diversidade, como um único molde possível a ser
perseguido, além de fomentar a busca pela magreza a qualquer custo e a baixo autoestima de
garotas dissonantes do padrão está inserida nas lógicas de consumo contemporâneas, nas
quais o mercado é um espaço social do qual todos os indivíduos compartilham, mas não de
forma igualitária (Bauman, 2008). Conforme esclarecido por Durham (2009) na abordagem
do Efeito Lolita, a fidelização de consumidores desde a infância opera em consonância com
os interesses das grandes corporações empresariais e grande parte dessas estratégias de
consumo envolvem a mídia. É como se todos fossem obrigados a ser magros, bonitos e
estilosos – com ênfase recaindo sobre as mulheres, mas quem não for assim naturalmente
pode comprar esses atributos e “resolver o problema”.
A magreza é colocada em um patamar tão incontestável que mesmo quando o texto da
publicação levanta algum questionamento em torno do tema, algumas leitoras manifestam
insatisfação, alegando que os manequins magros estão alinhados com a realidade e dando a
entender que o preconceito contra as meninas gordas acontece na mesma proporção que o
preconceito contra as magras. Essa ideia de reverter o discurso cultural dominante mostra-se
falaciosa, especialmente no contexto midiático que exibe uma profusão de mulheres magras e
praticamente não mostra mulheres obesas. A Figura 3 – Manequim excessivamente magra
retrata a situação descrita.
Figura 3 – Manequim excessivamente magra
Em um comentário com quase 3 mil curtidas, uma usuária do Facebook diz não ver
“problema nenhum em manequim magro”. E completa dizendo que as manifestações contra a
magreza excessiva são, na verdade, “um exagero”. Vale questionar se as meninas obesas, alvo
da opressão diárias pelos corpos magros e torneados compartilham da mesma opinião,
sofrendo na pele o preconceito. Em uma outra postagem, mostrada na Figura 5 – Gordofobia,
o uso do termo “gordofobia” desperta uma reação que também se vale da lógica de
preconceito reverso, na qual uma menina defende o uso do termo “magrofobia”. O padrão do
corpo perfeito e a negação permanente de que exista um preconceito contra quem não segue
esses padrões – dando a impressão de que a beleza natural deve ser valorizada – já estão
enraizados de tal forma na sociedade que nenhum gancho de discussão parece ter efeito. A
falta de empatia com os relatos das meninas que sofrem de gordofobia também revela um
traço cruel do machismo na sociedade: a disseminação da ideia de que as mulheres competem
entre si e alimentam rivalidades, enquanto os homens são amigos e companheiros.
Figura 4 – Gordofobia
A quantidade considerável de postagens sobre moda e beleza deixa claro o espectro de
objetificação feminina, em consonância com o que é defendido pelo Efeito Lolita. A
reincidência da abordagem de temas como produtos de beleza, cortes de cabelo e estilos de
roupas constroem o entendimento de que esses assuntos são prioritários e acaba por ignorar
muitos outros aspectos que poderiam ser proveitosos para a vida das adolescentes. Essa
homogeneização temática empobrece toda a concepção de conceitos como “universo
feminino” e “feminilidade”, colocando à margem mulheres que não se interessem por
maquiagem ou moda, por exemplo. Neste estudo, das 76 postagens coletadas, 21 foram
categorizadas como Moda e Beleza. Notícia sobre lançamentos de produtos, dicas para a
combinação de roupas e discussões sobre as roupas de celebridades trazem à tona as opiniões
e inseguranças das meninas. Na Figura 6 – Dica de look, a Capricho se posiciona como amiga
íntima da leitora, dando uma dica valiosa sobre como driblar os protocolos da Moda e
combinar determinadas peças de roupa. As modelos que aparecem na foto são magras,
brancas e de cabelo liso. A foto é tão parecida com as outras que costumam ser divulgadas na
fanpage que, se viesse desacompanhada do texto, certamente não seria associada a uma
quebra de padrões.
Figura 5 – Dica de look
A importância à opinião masculina em uma revista de público alvo feminino tem
ligação clara com o interlocutor masculino imaginário que Durham (2009) descreve no Efeito
Lolita. Nos casos da postagem analisadas neste estudo, é interessante observar que além do
reforço dos padrões de beleza femininos, conteúdos que falam sobre relacionamentos
amorosos também deixam o homem em posição favorável. Na Figura 7 – Selena Gomez e
Justin Bieber, a Capricho divulga uma entrevista na qual a cantora pop Selena Gomez fala
sobre o fim do namoro com outra estrela do mundo teen, o cantor Justin Bieber. Nos
comentários, as leitoras manifestam-se de maneira irônica sobre as declarações de Selena,
dando a entender que o fim do namoro beneficiou Justin Bieber e que com o término ele ficou
muito “melhor, mais gato, gostoso, mais homem e sobra pra nós...”. Além de toda a avaliação
unilateral, deixando subentendido que Selena Gomez era um obstáculo para o máximo
desempenho de Justin Bieber, o emprego do termo “mais homem” chama atenção. O conceito
de masculinidade refletido nessa opinião parece ligar-se, inevitavelmente, ao comportamento
“caçador” do homem solteiro, sem uma mulher ciumenta e limitadora por perto para
atrapalhar.
Figura 6 – Selena Gomez e Justin Bieber
No universo das 76 postagens coletadas por este estudo, essas seis figuras dão conta de
retratar quais são os temas mais abordados pelas publicações da Capricho. A escolha por
termos que sugerem a urgência de ficar por dentro da vida das celebridades, a opção por fotos
de meninas inseridas nos padrões de beleza, a preocupação com o discurso de empoderamento
feminino, ainda que ambíguo e cercado de contradições, levam à constatação de que a
Capricho trabalha reforçando o campo simbólico de um universo feminino estereotipado, de
acordo com a construção subjetiva de uma sociedade machista.
A homogeneização das temáticas e a postura negligente quanto à diversidade confirma
os resultados do Efeito Lolita. Este estudo percebeu a predominância por fotos de
celebridades magras, de músculos rijos e torneados e brancas. A associação do tema de
celebridades com assuntos de moda e beleza e celebridades e seus relacionamentos amorosos
limitam a construção discursiva da adolescente brasileira a uma menina curiosa sobre a vida
íntima de astros pop, preocupada em ser magra e vestir os looks da moda, bem como usar o
corte adequado de cabelo e as maquiagens e esmaltes que mais a favoreçam. Em sua
construção discursiva, a Capricho estabelece jogos de verdade (Foucault, 1994) excludentes e
homogeneizadores, reforçando a concepção estereotipada do que é ser uma menina
adolescente, construindo uma identidade feminina tolhida por regras mercadológicas. Pode
parecer piada, mas talvez valha a reflexão: se um extraterrestre pudesse acessar o Facebook e
a fanpage da Capricho, que opinião formaria sobre as adolescentes brasileiras? Certamente,
não conheceria as negras, gordas, lésbicas e que gostem de outro estilo musical que não seja o
pop.
O senso comum em torno da libertinagem masculina também é reforçado pela
Capricho, o que contribui para a construção limitada da sexualidade feminina, cercada de
medos e estereótipos. No Efeito Lolita, Durham (2009) descreve uma postura de resignação
dos meios de comunicação diante da violência masculina, inclusive glamourizando o
comportamento do homem “pegador” e deixando claro que o homem está sempre pronto para
o sexo, por isso a menina deve saber e escolher cuidadosamente até onde deve se guardar,
para não sofrer a experiência traumática de ser abandonada no dia seguinte. Além disso, a
palavra final sobre o sexo pertence ao homem, no sentido de espalhar boatos e difamações
contra a garota. “Ter fama de piranha”, por exemplo, é uma expressão pejorativa sem um
equivalente no gênero masculino. Dessa maneira, concluímos que a Capricho se insere no
contexto brasileiro de reafirmação dos mitos descritos pelo Efeito Lolita, operando como um
reforço à objetificação feminina precoce.
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