EFEITOS COORDENADOS EM ATOS DE CONCENTRAÇÃO: … · RESUMO Um ato de concentração possui...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA CAMILA CABRAL PIRES ALVES DISSERTAÇÃO EFEITOS COORDENADOS EM ATOS DE CONCENTRAÇÃO: Análise Teórica e Estudos de Caso Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA

CAMILA CABRAL PIRES ALVES

DISSERTAÇÃO

EFEITOS COORDENADOS EM ATOS DE CONCENTRAÇÃO:

Análise Teórica e Estudos de Caso

Rio de Janeiro 2006

EFEITOS COORDENADOS EM ATOS DE CONCENTRAÇÃO: Análise Teórica e Estudos de Caso

Camila Cabral Pires Alves

Dissertação submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Economia

Orientador: Prof. João Luiz Pondé

Janeiro/2006

EFEITOS COORDENADOS EM ATOS DE CONCENTRAÇÃO: Análise Teórica e Estudos de Caso

Camila Cabral Pires Alves

Dissertação submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Economia

Aprovada por:

________________________________________________________________

Prof. Dr. João Luiz Simas P. de Souza Pondé (UFRJ - orientador)

________________________________________________________________

Profa. Dra. Lucia Helena Salgado (UERJ)

________________________________________________________________

Prof. Dr. Ronaldo Fiani (UFRJ)

Rio de Janeiro, janeiro de 2006

A meus pais e minha irmã

A Jean Caris

AGRADECIMENTOS

Gostaria de registrar os meus sinceros agradecimentos a algumas pessoas cujo

convívio foi essencial para a realização desta dissertação.

Em especial, agradeço ao meu orientador, João Luiz Pondé, por ter compartilhado do

meu desafio com tanta dedicação e zelo. Teria sido impossível superar esta etapa sem a

precisão de sua orientação.

Aos colegas e professores do Instituto de Economia, agradeço os muitos momentos de

troca gerados em nosso agradável convívio. São esses momentos tão especiais que hoje me

dão a certeza de estar trilhando o caminho correto.

Agradeço aos queridos Honório Kume, Guida Piani, Lucia Helena Salgado e Ronaldo

Fiani as inúmeras conversas e conselhos que muito me incentivaram e guiaram nestes últimos

anos.

Muito obrigada aos meus amigos, pelas palavras de incentivo e demonstrações de

carinho e preocupação. A Jean Caris, pelo companheirismo e pela superação de tanta

ausência.

Aos meus pais, Fernando e Juliana, e à minha irmã, Thaís, pelo apoio e força de todo

dia.

RESUMO

Um ato de concentração possui efeitos coordenados caso aumente a probabilidade de que as firmas remanescentes do mercado em questão atuem coordenadamente, de forma tácita ou explícita. O objetivo desta dissertação é abordar os efeitos coordenados, tanto sob a perspectiva da teoria econômica, quanto da prática antitruste, avaliando os principais instrumentos analíticos e a sua aplicação pelas autoridades norte-americana e européia. Para tal, examina dois estudos de caso: as concentrações entre as empresas Heinz e BeechNut, nos Estados Unidos, e entre a AirTours e First Choice, na União Européia. Conclui que os instrumentos utilizados acompanham o entendimento teórico e exigem a realização de uma análise caso a caso, que investigue detalhadamente as peculiaridades das formas de competição e de interação entre as empresas. Com relação às experiências norte-americana e européia, defende que a convergência atual, após a distinção verificada durante a década de 90, parece ser a tentativa de encontrar o melhor caminho metodológico, sendo este a realização de análises com argumentos econômicos bem fundamentados, mas sempre dotadas de relativa flexibilidade. Palavras-chave: Defesa da Concorrência, Efeitos Coordenados e Atos de Concentração.

ABSTRACT

A merger has coordinated effects when it increases the probability that remaining firms in the market will act in a coordinated way, tacitly or explicitly. The purpose of this study is to discuss the coordinated effects, vis-à-vis economic theory and antitrust practices, considering the main analytical instruments and their application by American and European authorities. To this end, it examines two merger cases between: Heinz and BeechNut, in the United States, and Airtours and First Choice, in the European Union. The work argues that the instruments used follow the theoretical framework and require a case-by-case analysis that closely investigates the peculiarities of the forms of competition and interaction between companies. With respect to the American and European experiences, it concludes that the actual convergence, after the distinction observed during the 90’s, seems to be an attempt to find the best methodological approach, which is the execution of analyses with well grounded economic arguments, but always under relative flexibility. Keywords: Antitrust, Coordinated Effects and Mergers

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................7 CAPÍTULO I - COORDENAÇÃO OLIGOPOLÍSTICA E A TEORIA DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL..................................................................................10

I.1 Visão estruturalista: o paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho .................10 I.2 Teoria do Oligopólio: condições para a coordenação e algumas características facilitadoras ............................................................................................................17

I.2.1 Formas de colusão......................................................................................18 I.2.2 Condições para a existência de colusão .....................................................19

I.3 A Teoria dos Jogos e as condições para uma colusão estável .........................30

I.3.1 Colusão em jogos de repetição infinita........................................................31 I.3.2 Colusão em jogos de repetição finita...........................................................35 I.3.3 Crítica aos modelos de jogos infinitos .........................................................36

CAPÍTULO II – EFEITOS COORDENADOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA..........................................................................38

II.1 Efeitos unilaterais e coordenados no controle de atos de concentração..........38 II.2 Elementos de análise na avaliação dos efeitos coordenados ..........................40

II.2.1 Check List (Lista de Verificação) ................................................................41 II.2.2 Histórico de colusão ...................................................................................52 II.2.3 Redução do número de firmas ...................................................................54 II.2.4 Mavericks ...................................................................................................55 II.2.5 Check List estendida ..................................................................................58

II.3 Efeitos coordenados nos Estados Unidos e União Européia ...........................60

CAPÍTULO III – EFEITOS COORDENADOS E ESTUDOS DE CASO.....................67

III.1 Caso FTC – Heinz e BeechNut .......................................................................70 III.2 Caso CEC – Airtours e First Choice ................................................................77 III.3 Os estudos de caso e algumas considerações finais ......................................88

CONCLUSÃO............................................................................................................95 REFERÊNCIAS.......................................................................................................100

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INTRODUÇÃO

Atualmente, a política antitruste (ou de defesa da concorrência) já está presente na

maioria dos países dotados de uma economia de mercado. As últimas décadas foram

essenciais para o aprimoramento e uniformização deste importante instrumento regulatório,

cujos papéis fundamentais consistem na promoção da concorrência e da eficiência econômica,

exercidos por meio de controles preventivos de atos de concentração e repressivos contra

condutas anticompetitivas.

Esta dissertação possui como seu principal objetivo abordar os efeitos coordenados em

atos de concentração, ou seja, o aumento de probabilidade de coordenação derivado da

alteração estrutural em um determinado mercado, sob a perspectiva tanto da teoria econômica

como da prática antitruste.

A coordenação no mercado, a que se refere o conceito de efeitos coordenados,

corresponde freqüentemente a uma manifestação de abuso de poder de mercado, e, assim,

constitui em fonte de preocupação legítima segundo os princípios da política de defesa da

concorrência. De acordo, portanto, com a definição de coordenação utilizada, o poder de

mercado é exercido por um conjunto de firmas, através do estabelecimento coordenado dos

preços e quantidades praticados em um determinado mercado. Esta coordenação, também

chamada de colusão, por sua vez, pode se dar da forma explícita, quando existe um acordo

formal ou alguma comunicação entre as firmas para a fixação de preços, ou tácita, quando é

realizada sem o auxílio destes procedimentos1.

1 O termo coordenação será utilizado nesta dissertação como tendo o mesmo significado do conceito de colusão. Nota-se que, quando necessária, será feita distinção entre colusão do tipo tácita ou explícita.

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Uma justificativa para a abordagem deste tema e assunto está na sua menor difusão,

relativamente aos efeitos unilaterais (i.e, abuso de poder econômico a ser exercido apenas pela

firma de forma independente), entre as autoridades antitrustes da maior parte das jurisdições,

incluindo a brasileira. Na verdade, os efeitos unilaterais, por serem menos complexos,

possuem aplicação amplamente difundida e de forma bastante homogênea, o que não se

verifica para o caso da avaliação dos efeitos coordenados.

Outro ponto a favor da escolha do tema consiste na percepção de que este tem sido

foco de debate recente em países (ou regiões) em que a legislação está bastante desenvolvida

e consolidada, como nos Estados Unidos e União Européia.

Por fim, e não menos importante, como fonte de motivação mais teórica, ressalta-se a

importância que a colusão representa como ação estratégica em se tratando de estruturas de

mercado oligopolísticas, como é amplamente reconhecido na literatura. Portanto, como a

coordenação é uma forma recorrente de interação em oligopólios e sendo esta a estrutura mais

comum em mercados contemporâneos, nada mais justo do que considerá-la devidamente nas

análises antitrustes.

De modo a cumprir com os objetivos expostos acima, a dissertação será composta por

três capítulos, além desta introdução e da apresentação final das suas principais conclusões.

O primeiro capítulo tratará da contribuição da teoria econômica para a compreensão da

relação existente entre oligopólio e coordenação entre as firmas que o compõem. Busca-se

apresentar, prioritariamente, as respostas teóricas que justificam o impedimento de

concentrações que venham a tornar o mercado mais propenso à coordenação, bem como

ajudam a identificar as condições necessárias e características que facilitam situações

colusivas. Para analisar estas questões, serão consideradas as concepções derivadas da visão

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estruturalista e o paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho, da teoria tradicional do

oligopólio e o paradigma Consenso-Detecção-Punição e, ainda, da Teoria dos Jogos.

Em seguida, ao Capítulo II caberá expor os instrumentos analíticos normalmente

utilizados para avaliação de efeitos coordenados pela política antitruste. Em especial, serão

abordados, entre outros, os fatores da lista de verificação (Check List), intimamente ligada

com a Teoria do Oligopólio, a existência de firmas maverick e a importância de argumentos

como a evidência de histórico de colusão no mercado. Pretende-se, ainda, neste capítulo,

tratar das principais diferenças nas formas como são analisados esses fatores e da importância

relativa atribuída a cada um destes nas análises de efeitos coordenados realizadas pelas mais

importantes autoridades antitrustes, o Federal Trade Commission (FTC) e o Department of

Justice (DoJ), nos Estados Unidos, e a Commission of the European Communities (CEC), na

União Européia. A comparação entre estas experiências será desenvolvida com base em um

breve histórico da análise e consideração dos efeitos coordenados em cada uma destas

jurisdições, levando em conta a discussão sobre o tema encontrada na literatura pesquisada.

Já o terceiro capítulo, a título ilustrativo daquilo que será discutido nos anteriores,

apresentará dois estudos de caso representativos das experiências norte-americana e européia

recentes. Será, primeiramente, apresentada a metodologia e razões para a escolha dos casos,

seguida de uma descrição da análise empreendida pelas agências de defesa da concorrência

para cada um destes. Por fim, ainda neste mesmo capítulo, algumas considerações finais serão

delineadas de maneira a se verificar e discutir criticamente os critérios utilizados,

relacionando-os não só com a revisão da teoria exposta no primeiro capítulo, mas também

com o desenho de aplicação e as diferenças metodológicas apontadas no segundo.

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CAPÍTULO I - COORDENAÇÃO OLIGOPOLÍSTICA E A TEORIA DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL

A preocupação com a propensão à coordenação em oligopólios é derivada do fato de

que existe um consenso, entre os estudiosos da organização industrial, de que esta constitui

uma forma de interação bastante recorrente neste tipo de estrutura, sendo, na verdade, uma

decorrência esperada da interdependência estratégica entre as condutas das firmas neste tipo

de mercado. Ao mesmo tempo, a suposição de que oligopólios pouco competitivos não geram

resultados eficientes e desejáveis chama a atenção para o questionamento de se a coordenação

pode ser evitada, desestimulada ou, ainda, se existem características que a tornam menos ou

mais provável.

Sob este pano de fundo, o presente capítulo apresentará uma resenha das principais

conclusões teóricas que dizem respeito à possibilidade e probabilidade de existência de

coordenação ou colusão em oligopólios, destacando os principais fatores que a limitam e

condicionam. Para tal, se fará uso das contribuições da visão estruturalista e o paradigma

Estrutura-Conduta-Desempenho, da teoria tradicional do oligopólio e o paradigma Consenso-

Detecção-Punição e, finalmente, da Teoria dos Jogos.

I.1 Visão estruturalista: o paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho

A visão estruturalista contribuiu profundamente para a avaliação e percepção, pela

Teoria da Organização Industrial, dos fatores que atuam sobre o processo de concorrência e

que influenciam as ações das firmas em mercados oligopolísticos. Os autores adeptos deste

enfoque estrutural, cuja origem está nas contribuições de J. Bain (1951 e 1956) e Sylos-Labini

(1956), têm como hipótese central a noção de que as estruturas possuem papel principal na

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determinação do tipo de concorrência, bem como na formação de preço pelas firmas atuantes

em um determinado mercado2.

Nesta linha, o modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD), criado por Edward S.

Manson (1939) e posteriormente testado e incrementado por diversos outros autores3, foi o

que com maior sucesso conseguiu descrever e identificar as variáveis que afetam a

performance econômica das empresas.

Como o próprio nome sugere, o paradigma ECD estabelece que o desempenho de um

determinado mercado é decorrência das condutas das firmas que o compõem, sendo que tais

condutas são fortemente influenciadas pela estrutura do mercado em que atuam, ou seja, pelos

parâmetros estruturais do ambiente competitivo em que tais firmas se inserem4. A principal

virtude do modelo ECD baseia-se na capacidade deste estabelecer relações de causalidade

entre as variáveis destes três níveis, colocando os elementos da estrutura do mercado como o

ponto de partida destas relações5.

A exposição das variáveis que compõem o ECD pode ser realizada brevemente, sem

grandes perdas descritivas6. Os fatores normalmente utilizados para descrever uma estrutura

de mercado compreendem: o número de empresas; o grau de concentração, expresso em

diversos indicadores da distribuição das vendas ou compras; o grau de

2 Quanto à obra de Bain (1956), segundo Possas (1990, p.90), seu grande feito foi trazer as barreiras à entrada para primeiro plano da análise de estrutura de mercado e de formação de preços. A preocupação fundamental do autor foi mostrar o papel e a natureza das barreiras à entrada na sua formulação da teoria dos preços-limites. Já Sylos-Labini (1956) seguiu na mesma linha de Bain (1956) com a exposição de um modelo simplificado, cujas hipóteses incluíam um mercado em oligopólio, com produto homogêneo, tecnologia acessível, economias de escala significativas, entre outras. Para maiores detalhes, ver Possas (1990), cap. 3. 3 Posteriormente ao trabalho pioneiro de Bain (1951), outros autores se preocuparam em examinar empiricamente a hipótese estruturalista básica de associação entre a lucratividade média e o nível de concentração do mercado. 4 O caráter estrutural de tais parâmetros decorre, basicamente, destes não poderem ser facilmente alterados pelas estratégias das próprias firmas. Entretanto, isso não quer dizer que tais parâmetros sejam imutáveis ao longo do tempo. 5 Deve-se ressaltar, todavia, que estas relações foram alvo de críticas pertinentes, como as formuladas pela teoria evolucionária/neo-schumpeteriana. Ver Dosi (1984) e Nelson & Winter (2002). 6 Para uma apresentação destas variáveis, ver: Scherer & Ross (1990), Shepherd (1996) e Possas (1990).

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homogeneidade/diferenciação (substituição) de produtos; e as condições de entrada de novas

empresas7.

As condições para a entrada de empresas no mercado envolvem a existência ou não de

desvantagens das entrantes potenciais frentes às já estabelecidas, configurando as barreiras à

entrada, que incluem tanto restrições legais e impedimentos econômicos mais gerais, quanto

ações restritivas exercidas pelas próprias empresas incumbentes.

É possível classificar as barreiras como endógenas ou exógenas, sendo exemplos deste

último tipo, a exigência de escala significativa ou de alto investimento em diferenciação, que

definiriam o porte da entrante e o montante de gastos necessários para a entrada ser efetiva. Já

as barreiras endógenas são aquelas derivadas dos entraves causados pelas empresas

incumbentes para dificultar, ou até mesmo impedir, a entrada de novas empresas8.

Quanto às condutas dos vendedores ou compradores de um mercado em particular,

estas são usualmente classificadas de acordo com a variável de desempenho do mercado que

se pretende explicar. Dada a tradicional preocupação teórica e empírica com os níveis de

preços e margens de lucro vigentes em mercados de oligopólio, as políticas de fixação de

preços têm importância destacada, incluindo a possibilidade da existência de colusão tácita ou

explícita. Há, ainda, outros tipos de conduta, tais como o investimento em propaganda, a

realização de pesquisa & desenvolvimento, entre outras.

Finalmente, o desempenho ou performance do mercado configura o resultado das

condutas da firmas, sendo este avaliado de acordo com o grau em que são alcançados

determinados níveis de eficiência produtiva e alocativa, de progresso técnico, de pleno

emprego e de eqüidade na distribuição. Uma visão mais restrita, como a utilizada por Geroski 7 Outras características podem ser igualmente consideradas, como as estruturas de custo e os graus de integração vertical e diversificação (conglomeração) das firmas (SCHERER & ROSS,1990). 8 Ou seja, as barreiras endógenas são afetadas por estratégias de detenção de entrada das empresas incumbentes.

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(1988, p.167), toma como medida de desempenho os preços praticados comparados com o

custo marginal das firmas. Outra possibilidade análoga discutida por este autor é o uso da

lucratividade observada no mercado.

A questão principal que se coloca a esta dissertação, entretanto, está ligada ao uso

teórico do paradigma ECD para explicar os condicionantes para a existência ou não de

interação colusiva (tácita ou explícita) entre as firmas. Nesse contexto, cabe ressaltar que este

paradigma, como dito anteriormente, está preocupado com o papel das condições estruturais e

exógenas. Segundo Geroski (1988, p.167), a noção básica da visão estruturalista incorporada

nesta temática é a de que quanto menor o número de firmas operando em determinado

mercado ou quanto mais expressivas são as poucas líderes, mais provável será a colusão tácita

ou explícita em preço ou em outra variável de escolha9.

Seguindo a linha empírica inicialmente desenvolvida por Bain (1951), diversos autores

tentaram encontrar um valor crítico para a concentração, utilizando razões de concentração

como medida10, que fosse suficiente para separar os mercados pelo seu nível de

lucratividade11. Assim, haveriam dois grupos, formados pelos mercados com maior e menor

grau de concentração que o definido pelo nível crítico, com diferenças significativas de

lucratividade. Este tipo de conclusão gerou a possibilidade de criação de uma regra, embora

demasiadamente simplista, de que, de uma certa maneira, é possível classificar um

determinado mercado como cooperativo ou competitivo, por meio da comparação entre a

9 A relação teórica entre número de empresas e propensão à colusão será mais bem abordada nas demais seções deste capítulo. 10 São inúmeras as medidas de concentração industrial. Entre as mais utilizadas estão as razões de concentração (Cn), calculadas a partir da soma da participação nas vendas das primeiras n empresas do mercado, ordenadas em ordem decrescente. 11 Para um resumo dos principais trabalhos que utilizaram esta idéia de valor crítico para a concentração, ver Geroski (1988, p. 170-171).

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medida de concentração observada e o nível crítico estipulado12 (GEROSKI, 1988, p. 170-

171).

A noção básica entre concentração e propensão à colusão, embora em parte

verdadeira, pode (e deve) ser complementada por outros elementos estruturais, sem fugir da

proposta do ECD. A este respeito, Hay & Morris (1979, p. 201-202) apontam a necessidade

de serem analisados, além da concentração e/ou o número de firmas, os graus de

diferenciação dos produtos do mercado, assim como a existência de fidelidade à marca e de

economias de escala significativas.

Deste modo, segundo os autores (HAY & MORRIS, 1979, p. 201-202), os graus de

concentração e de diferenciação do produto seriam determinantes por afetarem a

probabilidade de competição em preço ou em margens entre as firmas instaladas no mercado.

A presença de importante fidelidade à marca e de economias de escala, por sua vez, alteraria a

probabilidade de uma nova entrada ou da ação das firmas instaladas contra o estabelecimento

de entrantes. Sob este ponto de vista, a estrutura não só interfere no preço limite (máximo)

praticado pelas firmas para impedir o estabelecimento de entrantes, mas também influencia a

propensão à coordenação ou colusão entre as já instaladas, com o objetivo de evitar que a

competição entre estas torne o preço praticado inferior ao limite tolerado.

Assim, ressaltam Hay & Morris (1979, p. 224) que “[...] a concentração conduz à

percepção de interdependência oligopolística, à fuga [avoidance] da competição e à

disposição de agir em conjunto, mesmo na ausência de colusão formal”.

O papel principal da concentração é, portanto, o de constituir um ponto de partida para

a existência de colusão, no sentido de que esta permite às firmas explorarem vantagens de

12 Esta idéia foi amplamente incorporada pela política antitruste no controle de atos de concentrações, conforme será apresentado nos capítulos seguintes.

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lucro proporcionadas pela existência de barreiras à entrada. Portanto, os preços seriam

aumentados por meio de interação coordenada (tácita ou explícita) viabilizada pela existência

de concentração, embora em magnitude contida pelo preço-limite. Na ausência de barreiras à

entrada em suas diversas formas e intensidades, o resultado do preço colusivo seria revertido

pela entrada de empresas, na hipótese de que estas não estariam dispostas a fazer parte do

conluio e que não seriam temerosas em iniciar uma guerra de preços13.

Finalmente, com respeito à relação entre este tipo de resultado e o desempenho do

mercado, representando o último elo do paradigma ECD, a ligação é imediata, uma vez que a

motivação da interação é a obtenção de lucratividade superior à obtida em situação de

competição. Assim, é razoável supor que a performance de um mercado seja alterada por uma

determinada conduta, se o objetivo da firma ao agir desta maneira é melhorar sua

performance. Neste sentido, conforme aponta Viscusi et al. (1996, p. 58), “[...] a performance

(eficiência, progresso técnico) do mercado é simplesmente uma avaliação dos resultados da

conduta”.

Em linhas gerais, estas foram as principais contribuições do enfoque estruturalista e do

paradigma ECD para a compreensão dos condicionantes de situações colusivas em

oligopólios. Os argumentos expostos acima incluem tanto a contribuição do primeiro trabalho

de Bain (1951), representada pelo papel da concentração na influência da performance dos

mercados, como também as noções de preço-limite deste mesmo autor e de Sylos-Labini

(1951), conforme salientado anteriormente.

É importante sublinhar o fato de que os adeptos das idéias estruturais não tomam a

estrutura como a única variável a influenciar a conduta. Ao contrário, como salienta Shepherd

13 Veremos no próximo capítulo que a concentração do mercado e a existência de barreiras à entrada são igualmente consideradas pela prática antitruste como ponto de partida para a avaliação de aumento de probabilidade de colusão derivado de um ato de concentração.

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(1996, p. 6), “[...] as firmas são organizações de pessoas, com espaço para variedade,

mudança histórica e motivações contrárias”. Deste modo, ainda que inseridas em um mesmo

ambiente, as firmas podem apresentar uma grande diversidade de estratégias e

comportamentos.

A não consideração desta diversidade de estratégias e de outras variáveis não-

relacionadas com a estrutura constitui uma das limitações da visão estruturalista,

principalmente quando estas são relevantes para explicar o comportamento do mercado.

Outras limitações estão ligadas ao argumento de que a direção de causalidade representada

pelo paradigma ECD, i.e da estrutura para a conduta e da conduta para a performance, não

pode ser rígida. Como exemplo desta última linha de discussão, o enfoque neo-

schumpeteriano atribui maior importância ao sentido contrário àquele proposto pelo ECD

(conduta – estrutura), devido aos efeitos do processo inovativo realizado pelas firmas14.

Apesar de suas limitações, em especial derivadas da atenção excessiva aos elementos

estruturais, o enfoque estruturalista e suas principais conclusões foram – e, em grande medida,

ainda são - de extrema importância para os estudos de Economia Industrial, incluindo

aplicações que envolvem a discussão de questões normativas e de política. A ênfase na

estrutura pode ser tomada como uma qualidade, dada a maior facilidade quanto à observação

das características estruturais e decisivas, já que estas são estáveis e – em certo grau -

independentes das ações das firmas15. De certa maneira, o foco no “ambiente” ao invés da

observância dos fatores internos à firma contribuiu para o sucesso deste tipo de enfoque

quanto à sua aceitação tanto pelo meio acadêmico, com considerável produção de resultados

14 Ver Dosi (1984). A análise de como as condutas das firmas podem influenciar a estrutura do mercado também é desenvolvida por autores que discutem as “estratégias de detenção de entrada”. Para as diversas formas possíveis deste tipo de estratégia, ver Scherer & Ross (1990, p. 354-410). 15 Com exceção dos mercados em que a dimensão da inovação tecnológica da concorrência seja determinante.

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empíricos, quanto para a inclusão de seus argumentos nas agendas de políticas, em especial,

de defesa da concorrência.

Por fim, quanto às contribuições posteriores da teoria relativas à interação colusiva e

coordenada em oligopólio, estas não deixaram de considerar a influência da estrutura, mas

também estiveram preocupadas com as características internas ao mercado e do próprio

processo competitivo. Além disso, procurou-se, a partir de trabalhos como o de George J.

Stigler (1964) e de outros influenciados pela Teoria dos Jogos, reconhecer os elementos que

fazem da colusão uma estratégia não só possível, mas também provável e estável, em

oligopólios. Estes desdobramentos serão explorados nas duas seções que aqui se seguem.

I.2 Teoria do Oligopólio: condições para a coordenação e algumas características facilitadoras

Uma das principais questões que a teoria procurou tratar, a partir das hipóteses

desenvolvidas pela visão estruturalista, foi a de se a presença de concentração de mercado e

de barreiras à entrada significativas seriam elementos suficientes para que um comportamento

colusivo fosse possível e provável, ou se outros fatores condicionantes deveriam também ser

verificados.

Como visto na seção anterior, a teoria estruturalista indica que quanto mais

concentrado um mercado e quanto menor o número de firmas que neste atuam, maior a

propensão à emergência de condutas coordenadas e colusivas. As barreiras à entrada seriam

essenciais para definir o preço máximo a ser praticado (preço-limite) e, assim, permitiria

inferir se a coordenação é suficientemente lucrativa e, portanto, desejável.

Entretanto, outras condições devem ser consideradas, o que sugere uma linha de

investigação teórica que esteja fundamentalmente orientada pela compreensão das

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dificuldades e desafios que são impostos às empresas concorrentes para que uma situação de

colusão se concretize. Esta linha preocupa-se em identificar os fatores que, a despeito da

existência de oligopólio, podem fazer com que a colusão acabe se tornando pouco provável.

Antes de entrar neste mérito, cabe apresentar as formas de interação entre firmas que a

teoria se refere quando usa o termo colusão, para, em seguida, entender os desafios impostos

às firmas para a sua realização.

I.2.1 Formas de colusão

Uma colusão pode ser tácita ou explícita. A diferença entre as duas formas está na

ocorrência ou não de acordos ou contratos entre as firmas. Sendo assim, uma situação

colusiva explícita, ao contrário da tácita, exige a existência de comunicação entre as firmas,

seja através de reuniões ou por intermédio de terceiros, para a definição dos termos e

mecanismos utilizados para garantir o seu funcionamento. Já a tácita, dispensa estes tipos de

procedimentos.

De acordo com Shepherd (1996, p. 264-270), são formas possíveis de colusão, da mais

forte a mais fraca, o estabelecimento de: cartéis; controles de entrada ou de áreas de mercado;

acordos de fixação de preço e; finalmente, colusão tácita16. Com exceção da última, as

categorias listadas tratam-se de formas explícitas de colusão, ou seja, para a sua concretização

exigem comunicação entre as empresas.

16 Jacquemin & Slade (1989) apontam, ainda, como exemplos de colusão (explícita), a realização de fusões e de joint ventures. Estes casos, porém, não serão abordados aqui como atuação coordenada por duas razões principais: i) constituem em formas de concentração e a idéia principal da colusão é a interação de empresas ditas concorrentes; ii) são formas de associações legais e estáveis, no sentido de que as condições para o seu estabelecimento não estão ligadas às que serão tratadas aqui e sim a questões relacionadas com o custo-benefício e oportunidades de negócio para as empresas envolvidas em sua realização.

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Os cartéis podem ser implementados em várias formas, que, tipicamente, envolvem

regras e penalidades para os seus participantes. Além disso, muitas vezes as empresas

comprometidas com o cartel recrutam uma organização cuja responsabilidade é a de verificar

se as regras estabelecidas estão sendo cumpridas.

Com relação aos controles, os mais comuns são os que condicionam a entrada, isto é,

que estipulam padrões a serem seguidos pelas empresas que desejarem entrar em determinado

mercado. Este tipo de controle pode ser exercido tanto pelas firmas envolvidas quanto por

instituições reguladoras ligadas ao governo (SHEPHERD, 1996, p. 265).

Já os acordos para a fixação de preços, com estruturas menos formais do que as dos

cartéis, podem se dar de diversas maneiras e intensidade e, ainda, serem reforçados por

alguma divisão de mercado ou outras formas de controle.

Enfim, a colusão tácita17 é estabelecida por meio de sinais indiretos ou do

reconhecimento de uma posição de liderança, pelos quais as empresas convivem com uma

atuação conjunta às de suas concorrentes.

I.2.2 Condições para a existência de colusão

Foi Stigler (1964), em seu artigo chamado “A Theory of Oligopoly”, o primeiro autor a

chamar a atenção para o fato de que a colusão não é uma situação inescapável em mercados

oligopolísticos. De uma maneira geral, o que a teoria sugere é que para uma situação colusiva

ser estável é preciso que as firmas sejam capazes de: (i) atingir um consenso quanto ao tipo da

coordenação e sobre o preço ou quantidade a ser praticada; (ii) detectar as situações de

desvios, ou seja, quando alguma firma não cumprir com o consenso obtido e, finalmente; (iii)

17 Incluindo-se neste conceito os chamados: paralelismo consciente (conscious parallelism), “shared monopolism”, sinalização em preço, colusão indireta, preços administrados e “parallel princing” (SHEPHERD, 1996, p. 267).

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aplicar ou estipular um esquema de punição que seja suficiente e crível, uma vez que o desvio

é detectado. Os fundamentos para cada uma das exigências serão abordados a seguir18:

(i) Consenso e capacidade de coordenação

A situação de colusão é derivada, em primeiro lugar, da percepção pelas firmas da

interdependência de suas ações e de que este tipo de interação gera resultados mais lucrativos

do que o competitivo.

Entretanto, apesar de ser necessária para que ocorram estratégias colusivas, esta

percepção constitui apenas um primeiro passo. É preciso, além disso, chegar a um consenso

sobre o nível de lucro, preços ou quantidades a serem atingidos com a coordenação. As

empresas precisam concordar, portanto, não apenas com as vantagens de realizar a

coordenação, mas também com o resultado a ser obtido com esta.

De acordo com o modelo exposto em Jacquemin & Slade (1989, p. 418), quando as

firmas são simétricas, o consenso pode ser alcançado com relativa facilidade. Para o caso de

duas firmas que escolhem um nível de quantidade, a solução ótima de colusão deve estar na

fronteira de possibilidade de lucro, correspondendo aos pontos ),( *2*1 qq , que resolvem o

seguinte problema:

[ ]M

qqqqqq Π∈−(+ ,0),),(),(max

22212211

, 21πππλπ (1.1)

Sendo, iq : quantidade produzida por cada firma i;

18 Trataremos aqui essencialmente sobre a coordenação em preços ou quantidade. Ainda que se reconheça que existem outras variáveis passíveis de coordenação (como investimento em P&D e em propaganda, capacidade produtiva, qualidade do produto), estas duas são as mais incorporadas pelas abordagens teóricas sobre o tema. Com respeito à direção da coordenação, será enfatizada a realizada entre firmas vendedoras (upstream), ou seja, que visam à fixação de preços e quantidades de venda, embora seja reconhecida a importância da coordenação entre firmas compradoras (downstream) para a determinação, em detrimento dos fornecedores, dos preços de suas compras.

-21-

),( 21 qqiπ : lucro obtido por cada firma i;

MΠ : lucro de monopólio.

Para este caso particular as quantidades que maximizam o lucro conjunto das firmas

(quando a soma dos lucros individuais é igual ao lucro de monopólio) são iguais para cada

uma destas, o que facilita a obtenção de um acordo19. Isto porque, neste caso, as funções lucro

são idênticas porque também o são as funções de demanda inversa e as funções custo.

Entretanto, para os demais casos em que as firmas não são simétricas, a maximização pode

não ser viável, pelo simples fato de que chegar a um consenso não é uma tarefa trivial.

A situação mais freqüente é a de mercados com firmas heterogêneas (assimétricas) em

produto, em custo ou até mesmo em suas preferências (JACQUEMIN & SLADE, 1989, p.

418). A heterogeneidade em produto implica preços distintos e quantidades medidas em

diferentes unidades. Neste tipo de situação, a coordenação envolve um leque de preços (ou

quantidades) a serem acordados ou simplesmente seguidos pelas firmas, aumentando os

pontos de possíveis discordâncias.

Já a heterogeneidade de custos entre as firmas acarreta uma maior dificuldade na

divisão dos lucros. Uma vez que a maximização é dada pela equação RMg (Q*) = CMg (Q*),

se o custo marginal é distinto para as firmas envolvidas no acordo, as quantidades a serem

produzidas para uma maximização conjunta (onde a quantidade total do mercado é igual a

Q*) serão diferentes, assim como o lucro obtido por cada empresa.

19 Como as quantidades são iguais, os lucros obtidos também são iguais. Assim, cada firma obterá metade do lucro de monopólio.

-22-

De acordo com Jacquemin & Slade (1989, p. 418-19), é possível lidar com estas

dificuldades através da realização de side payments20. Alternativamente, o problema de

geração de consenso produzido pela heterogeneidade de custo pode ser resolvido pela divisão

de mercado por consumidores ou por região. Todavia, estas soluções nem sempre são

possíveis e freqüentemente são passíveis de punição pela lei de defesa da concorrência.

Uma terceira fonte de dificuldade para as firmas atingirem um consenso é a existência

de diferenças nas preferências das empresas. É possível que as firmas divirjam quanto à taxa

de desconto considerada, ou seja, quanto ao peso atribuído para os resultados presentes e

futuros. Situações deste tipo tornariam distintos os preços que cada empresa desejaria praticar

em cada período.

Finalmente, outro problema é derivado da possibilidade de desentendimento quanto às

formas de colusão. Uma empresa, por exemplo, pode estar disposta a correr maiores riscos e

preferir meios ilegais e explícitos, e, portanto, menos suscetíveis a falhas, para atingir seu

objetivo do que as demais.

Todos esses problemas são ainda reforçados quando as informações não são

plenamente conhecidas pelas firmas, ou seja, quando há presença de incerteza, ou quando as

condições do mercado são instáveis21. Nestes cenários, o desafio do consenso é maior, porque

os termos do acordo devem ser revistos com maior freqüência e aumenta a probabilidade de

possíveis divergências quanto à previsão das firmas sobre o futuro.

20 Este esquema permite que os ganhos sejam redistribuídos após a maximização conjunta, de modo que nenhuma firma fique prejudicada. 21 Isto inclui também os mercados em que as inovações tecnológicas são relevantes, o que gera incerteza quanto à direção dos esforços inovativos.

-23-

No que concerne ao nível de preços resultante do consenso, este irá depender

essencialmente, como sugere a corrente estruturalista, das condições de entrada, bem como

das elasticidades-preço da demanda22.

Por fim, com respeito às limitações específicas à forma tácita de colusão, podem ser

destacados dois pontos principais. Em primeiro lugar, a colusão tácita envolve desafios

relacionados principalmente à percepção prévia quanto aos incentivos, ou seja, de que os

ganhos de cooperação superam os de desvio. Em segundo lugar, a Teoria dos Jogos sugere

que há possibilidade de equilíbrios múltiplos, o que dificulta a definição do preço/quantidade

a ser estabelecido na ausência de acordos explícitos. Algumas formas facilitadoras como

sinalização em preços, trocas de informação ou outras práticas comerciais podem ser

utilizadas para lidar com este problema. Ademais, a noção de pontos focais pode ser

introduzida para a redução do conjunto de equilíbrios possíveis23.

(ii) Detecção de desvios

Uma vez obtido o consenso, as dificuldades adicionais da colusão estão diretamente

relacionadas com a oportunidade de desvio, já que a efetiva implementação da coordenação

das condutas das empresas pressupõe que estas estejam aptas a detectar estratégias de desvio e

punir aquelas empresas que as adotaram.

O desvio consiste em uma ameaça crucial para as interações colusivas. Dado que o

preço ou a estrutura de preços (ou quantidade) foi acordado através de um consenso e

implementado pelas firmas engajadas na colusão, a firma que reduzir o preço “secretamente”

conseguirá lucros maiores do que se permanecer no acordo. Isto ocorre porque, no ponto de

atuação após o acordo, a receita marginal é superior ao custo marginal e o preço é maior do 22 Também em Stigler (1964, p. 45-46). 23 A seção I.1.3 abordará mais amplamente o que a Teoria dos Jogos tem a dizer sobre os desafios e condições para uma colusão tácita bem sucedida.

-24-

que o competitivo, o que já suscita um incentivo a priori para as firmas reduzirem o preço e

aumentarem a quantidade das vendas (STIGLER, 1964, p.46).

Conforme Stigler (1964, p. 46) a melhor forma de evitar o desvio é fixar as

participações de mercado das firmas, pois, feita esta restrição, não há como lucrar com cortes

nos preços movendo-se sobre a curva de demanda, uma vez que as quantidades ou preços

praticados são aqueles que maximizam o lucro. Este método, se bem inspecionado e com uma

boa divisão de quotas24, seria suficiente, na ausência de custos muito elevados, para garantir

que as empresas não desviassem do acordo. Apesar disto, o maior impedimento para a

realização deste esquema facilitador da colusão é que é relativamente fácil de as autoridades

antitrustes detectarem evidências do acordo por meio da observação da evolução de séries de

dados sobre as vendas do mercado.

Outra forma possível de lidar, ainda segundo Stigler (1964), com o problema do

desvio é por meio de divisão do mercado em segmentos a serem explorados por cada firma, já

que, sendo esta exercida para todas as firmas e seus consumidores, não haverá incentivo para

cortes de preço no curto-prazo. Entretanto, uma dificuldade surge quando os demandantes são

firmas que competem entre si em um mercado a downstream. Caso isto ocorra, a redução de

preço acarretaria um aumento futuro da demanda da empresa que desviou, em virtude de um

aumento da parcela de mercado de seus demandantes. Dessa forma, a curva de demanda da

firma que desviou do acordo se tornaria mais elástica do que as das demais empresas do

mercado. O ponto de Stigler é que, sob este cenário, uma redução no preço de longo-prazo

será uma alternativa atraente para mercados cujas vendas representem parcela significativa do

gasto de seus compradores.

24 Incluindo mecanismos para redistribuir eventuais perdas e ganhos futuros em relação ao que foi definido quando do estabelecimento inicial das quotas.

-25-

Ainda com relação aos incentivos para o desvio, existem diferenças de oportunidades

para a realização deste, explicadas fundamentalmente por elasticidades-preço da demanda

distintas para cada firma. É normal que as vendas de uma empresa sejam mais ou menos

sensíveis à redução dos preços do que as de suas concorrentes, variando de acordo com a

elasticidade do mercado como um todo e do número e distribuição de tamanho das firmas.

Sendo assim, firmas com demanda mais elástica possuem um maior incentivo para trair o

acordo do que as demais (JACQUEMIN & SLADE, 1989, p. 421).

O incentivo para o desvio também é afetado por questões relacionadas à eficácia e

credibilidade da punição aplicada contra a firma “traidora”. Mas antes de punir, as firmas

devem ser capazes de detectar a traição de forma efetiva e rápida.

Com respeito às colaborações teóricas sobre a possibilidade de detecção, o artigo já

citado de George J. Stigler (1964) foi o primeiro a dar destaque à importância desta para a

sustentabilidade de coordenação. Neste artigo, Stigler enunciou três “implicações empíricas”

de sua teoria. A primeira destas é a de que a colusão é mais efetiva contra compradores de

pequeno porte. A lógica deste argumento está na idéia de que, se a firma que desviar do

acordo possuir apenas pequenos compradores, para que o corte de preço empreendido seja

lucrativo deverá atingir as vendas de muitos dos compradores. Uma redução de preços neste

molde, porém, irá acarretar numa detecção mais rápida por suas rivais. Sendo assim, do ponto

de vista da detecção, os compradores de menor porte serão mais suscetíveis a preços colusivos

do que os de maior porte.

A segunda implicação empírica de Stigler (1964, p. 48) refere-se ao fato de que

colusão será mais provável contra consumidores como o governo, que informam

“corretamente e completamente” os preços, quantidades e procedências das compras,

inviabilizando cortes secretos e retirando qualquer dificuldade de detecção.

-26-

Enfim, a terceira implicação consiste na percepção de que a colusão é severamente

limitada quando os compradores mais significantes mudam constantemente de identidade,

porque torna quase impossível a detecção de desvios.

Em poucas palavras, Stigler estava preocupado não só em mostrar que a boa realização

de detecção pelas firmas era essencial para o sucesso da colusão, mas também que este é

condicionado por inúmeras características específicas aos mercados.

Outras características, além das apontadas por Stigler, podem ser identificadas. O

número de empresas, o acesso a informações sobre o comportamento das rivais e a freqüência

das vendas também interferem na capacidade do mercado de detectar os desvios

(JACQUEMIN & SLADE, 1989, p. 421-22).

O número de empresas se faz importante quando o preço não é observável. Neste caso,

as firmas poderão sentir um desvio apenas pela alteração (diminuição) de suas próprias

vendas. Quando são poucas as empresas em um mercado espera-se que a redução das vendas

causadas pelo corte de preço de uma das rivais seja considerável para as outras empresas.

Portanto, quanto menor o número de empresas, melhor a detecção e mais provável a colusão.

A influência da boa disponibilidade de informações sobre o mercado é evidente, pois

torna mais reduzidos os esforços necessários para a detecção de desvios, sendo comum a

utilização de associações e sindicatos para a reunião de informações e de dados sobre as

empresas de um determinado mercado.

Já a freqüência nas vendas facilita a detecção porque a repetição de um evento casual

torna menos provável deste ser aleatório, ou seja, um padrão das vendas é muito mais

revelador do que as informações obtidas pelo registro de uma única ocorrência.

-27-

Portanto, a idéia básica que permeia os pontos abordados por Jacquemin e Slade

(1989) é a de que a transparência do mercado deve ser a melhor possível, mas na presença de

fatores que a impeçam ou dificultem, é vital que as empresas consigam perceber os desvios

por suas próprias vendas. Diversas condições no mercado tornam o mercado mais

transparente, como a homogeneidade do produto, que facilita a comparação entre estes e seus

preços. Quando não há transparência, fatores como a existência de firmas simétricas (para este

caso estruturas de custo similares) e demandas estáveis atuam no sentido de permitir uma boa

percepção de alterações nas vendas em função de desvios das rivais (EUROPE

ECONOMICS, 2001).

(iii) Punição de desvios para obediência ao acordo

Apenas detectar os desvios não é suficiente para detê-los ou desencorajá-los. São

ainda necessários esquemas de punição suficientes e críveis de forma a evitar a percepção

pelas firmas de que o desvio é lucrativo e impune.

Normalmente, a punição não é desejável para as empresas que a aplicam, pois

acarretam prejuízos não só para a firma que traiu, mas também para as rivais. Sendo assim, a

credibilidade de uma ameaça de punição está relacionada com o incentivo das firmas em

cumprirem com esta. Ou seja, as ameaças podem ser de todo tipo, mas sua eficácia depende

de serem críveis e, portanto, do tamanho do prejuízo a ser provocado. Deve ser explícito que

as firmas irão preferir retaliar a acomodar um desvio, com o que a simples ameaça de punição

deve ser suficiente para inibi-lo.

Aplicações da Teoria dos Jogos a este contexto oferecem um tratamento analítico de

inúmeras estratégias de punição. O objetivo comum destas estratégias é que estas tornem o

ganho de desvio no curto-prazo menor do que as perdas futuras derivadas da aplicação da

-28-

punição. Quanto maior a distância temporal (do ponto de vista do fluxo de vendas) entre a

punição (e detecção) e o desvio, maior o ganho deste e menos provável é a colusão. Esta

teoria contribuiu para a percepção de que o tempo é uma variável chave para a interação

oligopolística, como será visto na próxima seção.

Diversas estratégias de punição podem ser consideradas. Estas incorporam

principalmente variações quanto às formas possíveis de ameaças de volta a uma competição

mais agressiva no período seguinte ao desvio25.

Além das estratégias, é possível que cláusulas contratuais de longo-prazo sejam

eficazes em desincentivar os desvios (JACQUEMIN & SLADE, 1989, p. 422-423). As

cláusulas do tipo “most favored costumer”26 (consumidor preferencial) asseguram que o

consumidor coberto por estas pagará sempre o menor preço dentre aqueles cobrados para os

demais clientes. Este tipo de cláusula é uma forma de “autopunição”, onde as próprias

empresas, através de sua relação com seus consumidores, forçam uma situação em que o

desvio não é desejável.

Outra forma de solução contratual é a cláusula “meet or release” (cobertura ou

rescisão). A empresa, neste caso, obriga-se a sempre cobrir a oferta de seus rivais ou liberar o

consumidor para que este possa negociar com outra empresa que ofereça melhores preços.

Esta cláusula incentiva os compradores a informarem redução de preços das rivais. Quando a

cláusula é apenas do tipo “cobrimos qualquer oferta” ("meet competition”) constitui um

instrumento de punição a ser aplicado pela empresa contra as que cortarem seus preços.

Algumas características do mercado podem tornar a punição mais crível, como a

estabilidade nas condições de demanda, em particular, baixos níveis de inovação em produto.

25 Ver seção I.3 para uma abordagem das estratégias mais conhecidas sob o enfoque da Teoria dos Jogos. 26 Ou most favored nation, como em Tirole (1988, p. 241).

-29-

Com alto nível tecnológico, os ciclos de produto e as condições de mercado mudam tão

rápido que as estratégias de punições, baseadas no cenário em que o acordo foi selado, podem

se tornar demasiadamente ultrapassadas e insuficientes.

Do ponto de vista da capacidade de punição, pode-se dizer que o excesso de

capacidade é positivo, pois aumenta o poder de retaliação das firmas, enquanto a simetria

entre as firmas implica uma capacidade de punição similar e tornam o resultado cooperativo

mais estável (EUROPE ECONOMICS, 2001). O poder de retaliação é mais significativo

quando há excesso de capacidade em um determinado mercado, porque é maior a quantidade

que as firmas são capazes de ofertar a mais, com vistas a provocar uma redução no preço

suficientemente grande para punir a desviante. A simetria entre as firmas garante estruturas de

custo e tamanhos similares. Sendo assim, o incentivo para a punição é igual para todas as

firmas, tornando-a, não só viável, mas também crível como uma estratégia coletiva.

Por fim, vale dizer que as limitações da análise estática do oligopólio se tornaram mais

evidentes após o texto clássico de Stigler (1964) e com o desenvolvimento da tríade consenso-

detecção-punição (CDP). Como destaca Shapiro (1989, p. 356-57), a principal ponte do CDP

para uma teoria dinâmica do oligopólio está na sua preocupação com fatores como

defasagem, aprendizagem, informação, credibilidade, entre outros.

A partir de Stigler, inúmeros outros autores tiveram como objetivo desenvolver não

somente estes pontos, mas também uma teoria para a colusão tácita, preocupados, em

especial, com a sustentabilidade desta através de negociações repetidas, utilizando como

principais instrumentos aqueles fornecidos pela Teoria dos Jogos. Em especial, vale dizer que

muitas das questões cruciais à coordenação apontadas pelo paradigma CDP, como a rapidez

de detecção e a efetividade de esquemas de punição, são derivados da Teoria dos Jogos e da

análise dinâmica empreendida por esta. Algumas destas contribuições serão discutidas na

-30-

próxima seção que será dedicada principalmente ao tratamento da Teoria dos Jogos e suas

principais conclusões quanto à estabilidade de equilíbrios colusivos em jogos repetidos, uma

vez que as questões do CDP já foram tratadas na presente seção.

I.3 A Teoria dos Jogos e as condições para uma colusão estável

Desde a década de 80, a Teoria dos Jogos se tornou a principal ferramenta para

modelar o comportamento oligopolístico. Complementada pelas idéias da teoria tradicional de

oligopólio quanto às condições e características que favorecem a coordenação, a metodologia

utilizada pela Teoria dos Jogos teve como principal contribuição um enfoque sistematizado

das interações das firmas em oligopólio, bem como dos fatores que propiciam a estabilidade

de uma interação coordenada, em especial, de uma colusão tácita.

Ao modelar a interação oligopolista como um “jogo”, esta ferramenta analítica implica

descrever tal interação como envolvendo um certo número de jogadores, a freqüência de

interação entre estes, os payoffs (resultados) obtidos, as estratégias e informações disponíveis

para estes e, por fim, suas percepções quanto à reação dos demais.

Tal jogo pode, como se sabe, ser representado na forma normal ou extensiva. A forma

extensiva especifica a ordem da jogada, as escolhas disponíveis para o jogador quando da sua

vez de jogar e os payoffs para cada jogador como uma função das jogadas escolhidas. Já a

forma normal resume as informações disponibilizadas pela extensiva através da exposição

apenas dos conjuntos de jogadores, as possíveis estratégias de cada um deles e o payoff para

suas estratégias (FUDENBERG & TIROLE, 1989, p. 261-65).

A estrutura de um jogo, por sua vez, pode ser estática (sem repetição ou de estágio

único) ou dinâmica (com repetição). Além disso, os jogos variam quanto ao número de

jogadas a serem realizadas pelos jogadores e quanto à disponibilidade de informação. Sendo

-31-

assim, respectivamente, é possível classificar um jogo como sendo de repetição finita ou

infinita e de informação perfeita ou imperfeita. Como será visto nesta seção, estas últimas

classificações são fundamentais para explicar a estabilidade de um comportamento colusivo

em mercados de oligopólio por meio de modelos propostos pela Teoria dos Jogos.

I.3.1 Colusão em jogos de repetição infinita

Um modelo de colusão em jogos repetidos presume que as firmas decidem

sistematicamente, em etapas consecutivas, as quantidades ou preços a serem praticados no

mercado, respondendo às ações de suas rivais realizadas nos períodos anteriores. Cada tomada

de decisão corresponde a um estágio, compreendendo num jogo de repetição infinita ou

superjogos (supergames) aqueles que possuem estágios infinitos.

A questão principal de modelos com repetição é a focalização nas reações, ou seja, o

efeito das ações passadas das rivais nas decisões presentes das firmas (SHAPIRO, 1989, p.

357). Entretanto, como em cada estágio há a repetição dos jogos com as mesmas

características do primeiro, não há ligação entre as jogadas passadas e as presentes, a não ser

pela geração de uma história a ser percebida pelas empresas ao tomarem uma decisão.

Friedman (1971)27 foi o primeiro a trabalhar com a questão da estabilidade do

equilíbrio colusivo em um horizonte infinito de jogadas. No modelo de Friedman, as jogadas

possíveis são as mesmas em cada rodada e as variáveis de decisão podem ser tanto a

quantidade, para produtos homogêneos, como o preço, para os diferenciados. De acordo com

este, as firmas no primeiro estágio escolhem a quantidade referente à situação Pareto-eficiente

e, portanto, que proporcione os lucros derivados da situação colusiva. Nos períodos

subseqüentes as firmas continuam a manter o acordo, se em todos os outros anteriores não

27 A síntese apresentada aqui para o modelo de Friedman foi retirada de Phlips (1995, p. 94-98).

-32-

haja desvio. Caso isto não ocorra, todas as firmas mudam suas quantidades/preços para aquela

correspondente à situação de concorrência ou o equilíbrio estático de Cournot-Nash28, agindo

dessa forma infinitamente e acionando, assim, o que a literatura chama de estratégia de

gatilho.

Seguindo o modelo de Friedman, para decidir entre desviar ou não da colusão, a firma

compara o ganho da coordenação, representado pelo valor presente dos payoffs resultantes da

cooperação (�m) em todos os períodos, descontados a uma taxa de desconto (�)29, com os

ganhos de desviar, levando em conta o esquema de punição de gatilho. Este último, portanto,

é representado pela soma, descontada por �, dos resultados de cooperar nos primeiros t

períodos (�m), de desviar no período t +1 (�d) e de retornar à competição nos seguintes (soma

infinita descontada de �c).

Os ganhos do desvio são, portanto, representados por:

...... 2112 + Π+ Π+ Π+Π++ Π + Π + Π ++−c

tc

td

tm

tmmm δδδδδδ (1.3)

A comparação do valor das duas opções (cooperar ou trair) é que define se a colusão

será ou não sustentável, ou seja, a firma opta por aquela que proporcionar o maior ganho

esperado, descontados pela taxa � . Na forma reduzida do problema, a solução de comparação

é:

cd

md

Π−ΠΠ−Π>δ (1.4)

28 A idéia de estrutura do jogo estático é similar a de um jogo do tipo Dilema do Prisioneiro. Sendo assim, a situação de equilíbrio de Nash é aquela em que os dois jogadores não cooperam. A solução de Pareto é obtida quando os jogadores cooperam, já que ambos estariam melhores do que na situação de concorrência e as demais ações possíveis (apenas um não coopera), que caracterizam o desvio, proporcionam um resultado melhor para o desviante e pior para os demais. 29 A equação que ilustra este cenário é:

δδδδ

−Π=+Π + Π+ Π +Π

1...32 m

mmmm (1.2)

-33-

De acordo com a expressão acima, cada firma avalia a proporção da diferença entre o

payoff obtido no desvio com o da cooperação (ganho por trair) na redução do payoff

acarretada pela punição (perda por trair), comparando-a com a taxa de desconto. Haverá

colusão se esta razão for menor que a taxa de desconto da firma para cada uma das firmas.

Isto significa dizer que quando a taxa de desconto é suficientemente alta30, i.e se as

firmas atribuem um peso significativo para os payoffs futuros, estas não vão ter incentivo em

desviar do acordo.

Sendo assim, Friedman mostrou que qualquer resultado mais lucrativo do que o

equilíbrio de Nash do jogo estático pode ser um equilíbrio sustentado31 de um jogo repetido,

desde que as firmas não descontem muito o futuro. Este resultado não é exclusivo do autor,

uma vez que consiste na intuição básica do Folk Theorem, que, em sua forma clássica,

estabelece que qualquer resultado que dominar, do ponto de vista do equilíbrio paretiano, o

ponto de “minimax”32 pode constituir um equilíbrio de Nash em um jogo de repetição infinita,

quando a taxa de desconto é próxima do valor unitário ou as firmas são suficientemente

pacientes.

Mais especificamente, conforme lembram Fudenberg e Tirole (1989, p. 280), é correto

dizer que o modelo proposto por Friedman é uma versão mais fraca do Folk Theorem, porque

“[...] requer que todos os jogadores estejam melhores do que no equilíbrio estático”, enquanto

que esta condição não é necessária para o Folk Theorem33.

30 Segue-se que � deve estar necessariamente entre 0 e 1. Sendo assim, dizer que uma taxa de desconto é suficientemente alta significa que está próxima de 1. 31 Equilíbrio perfeito em subjogos. 32 Estratégia que minimiza o máximo de perda possível, que corresponde à situação em que as duas empresas estão em concorrência e corresponde ao equilíbrio de Nash em um jogo estático do tipo Dilema do Prisioneiro (PINDYCK & RUBINFELD, 1999, p. 522). 33 Uma versão mais geral do Folk Theorem, como a de Fudenberg e Maskin (1986) mostra que para taxas de desconto iguais a 1, qualquer payoff racional e factível pode ser sustentado por um equilíbrio perfeito. Para uma descrição deste modelo, bem como de outras versões do Folk Theorem, ver Tirole (1988, p. 268-270), Fudenberg

-34-

De qualquer maneira, inúmeras outras formulações a partir da de Friedman (1971)

para o Folk Theorem foram desenvolvidas, variando especialmente com respeito aos

esquemas de punição empregados. Entre as estratégias mais conhecidas34, portanto, está a de

gatilho formulada por Friedman, já descrita acima. Uma variante desta é a aplicação da ação

em competição apenas temporariamente, ao invés de infinitamente, voltando as firmas a

agirem coordenadamente depois de certo tempo, como em Porter (1983) e Green e Porter

(1984). Para incentivar as rivais a retaliarem prováveis desvios, as estratégias do tipo stick-

and-carrot, permitem, após uma punição mais severa e com menor duração do que a proposta

por Green e Porter, a recompensa com a volta à situação de colusão, mas com a condição de

que as firmas não tenham desviado da retaliação. Outro tipo de estratégia consiste na

denominada como “tit-for-tat”, em que os jogadores sempre acompanham a ação dos rivais

desempenhada no período anterior.

O retorno à forma competitiva dá a dimensão punitiva aos esquemas apresentados,

embora dependam ainda de um certo grau de credibilidade. Isso sugere uma relação

contraditória entre competição e colusão, que Shapiro (1989, p. 357) chama de princípio

topsy-turvy (bagunçado, “de pernas para o ar”) da colusão tácita, já que “[...] qualquer coisa

(como capacidade ilimitada) que faz com que o comportamento competitivo seja mais

plausível ou crível na verdade estimula a colusão”.

Além da credibilidade, a seção anterior sugeriu ainda que existe o problema da

transparência das informações. Os modelos até aqui apresentados assumem mercados com

perfeita informação, de maneira que as firmas observam o desvio das demais no estágio

imediatamente após este ter ocorrido. Ou seja, supõe-se que as firmas possuem a capacidade

e Tirole (1989, p. 279-281) e Phlips (1995, p. 99-101). 34 Para maiores detalhes, ver Martin (2002).

-35-

de observar instantaneamente as variáveis que descrevem as ações das suas rivais. Mas este é

um pressuposto claramente irrealista.

As flutuações cotidianas na demanda, por exemplo, tendem a provocar dificuldades na

percepção de desvios. Modelos mais realistas de jogos infinitos de interação repetida tentaram

incorporar este tipo de dificuldade35, apresentando ainda a guerra de preços como

disciplinadora da colusão, que pode ser iniciada tanto por desvio quanto por alterações na

demanda. Sendo assim, as principais conclusões são as de que a informação imperfeita limita

o nível de colusão tácita do mercado. O mercado sob incerteza e falta de informação

engendram guerras de preço constantemente, fazendo com que a colusão (tácita) perfeita (ou

monopólio) não seja sustentável, embora não seja impossível (TIROLE, 1988).

I.3.2 Colusão em jogos de repetição finita

Do ponto de vista teórico, a interpretação geral é a de que os jogos com repetição

finita não suportam resultados colusivos, uma vez que não há como haver punição para os

desvios praticados no último estágio. Como é sabido, em cada jogada individual há o

incentivo de desviar do acordo. Por indução retroativa, não haverá colusão em nenhum dos

períodos, porque as firmas sempre optarão por desviar, ao preverem que haverá desvio no

estágio seguinte.

Alguns autores mostraram que esta conclusão pode ser revertida pela inclusão de

incerteza em relação ao período em que o jogo terminará ou, ainda, de questões relativas aos

35 Destacam-se na literatura Green e Porter (1984), Abreu, Pearce e Stacchetti (1986), Fudenberg and Maskin (1986). Para uma revisão, ver Fudenberg e Tirole (1989) e Tirole (1988).

-36-

efeitos da reputação, como a percepção das firmas quanto à agressividade das rivais (ou

disposição para coordenar)36.

I.3.3 Crítica aos modelos de jogos infinitos

Entre as principais limitações da Teoria dos Jogos como pilar da teoria do oligopólio

está a possibilidade de múltiplos equilíbrios sob esquemas de repetição infinita. Conforme

Shapiro (1989, p. 379), “[...] a teoria dos jogos não consegue antecipar um resultado colusivo;

esta simplesmente indica que um dado resultado é suportável como um equilíbrio não-

cooperativo”. A situação de Pareto não é única, podendo ser representada por inúmeros

payoffs, que, para o caso simples, precisa apenas proporcionar às firmas ganhos maiores do

que na situação de competição ou Nash-Cournot37.

Sendo assim, o problema principal é a dificuldade de aplicação e predição dos

modelos teóricos propostos, uma vez que estes geram inúmeros equilíbrios possíveis e não

explicam como as firmas conseguem escolher ou alcançar um destes.

Este problema foi citado anteriormente na apresentação do desafio para se obter um

consenso. Aqui, a abordagem se refere principalmente, como dito, à dificuldade teórico-

preditiva do modelo. Sendo assim, a existência de inúmeros equilíbrios possíveis leva a

dificuldade de cunho prático para as firmas exercerem colusão tácita, tendo em vista que,

neste caso, as firmas não usam de acordos explícitos.

Algumas formas de convívio podem ser apontadas como tentativas de se lidar com

esta limitação. Um exemplo é a fixação de um ponto focal como uma solução mais evidente

entre as demais possíveis, seja pela interação entre as firmas, pela história ou por instituições

36 Ver Fudenberg e Tirole (1989). 37 Como em Friedman (1971).

-37-

do mercado. Ou ainda, é possível a utilização de práticas facilitadoras como anúncio de

preços, trocas de informação através de sindicatos, entre outras.

Outra questão que surge da teoria aqui exposta é que esta apenas desenvolve e

comprova as condições necessárias, mas não consegue prover características suficientes para

a existência de colusão em um dado mercado. As firmas podem não conseguir se coordenar,

mesmo com todas as características favoráveis para atingirem um consenso e não serem

capazes de detectar desvios com rapidez e clareza ou de implementarem esquemas de punição

críveis.

Apesar destas limitações de aplicação, as conclusões derivadas tanto da Teoria dos

Jogos como das demais contribuições são de uso essencial na aplicação normativa da teoria

microeconômica e, principalmente, na política antitruste. O desenvolvimento da Teoria do

Oligopólio no decorrer do tempo mostrou, portanto, não só que a colusão ou a coordenação,

ainda que não como resultado de uma negociação explícita, é um resultado bastante provável

em oligopólios, mas também que, por existirem condições e fatores limitadores à sua

execução, esta não ocorre necessariamente e pode ser evitada.

-38-

CAPÍTULO II – EFEITOS COORDENADOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

A discussão realizada no capítulo anterior aponta que o conhecimento gerado pela

teoria econômica identifica a colusão como um mal possível, provável, mas não inevitável,

em estruturas oligopolísticas. A política de defesa da concorrência faz uso deste entendimento

através do controle de concentrações, visando evitar justamente o aumento de probabilidade

de coordenação. Explorar de que maneira essa concepção é incorporada na prática por esta

política é o objetivo do presente capítulo, que apresenta os principais argumentos e elementos

de análise, bem como as formas possíveis de aplicação, de acordo com as experiências dos

Estados Unidos e da União Européia durante a última década.

II.1 Efeitos unilaterais e coordenados no controle de atos de concentração

A função da política de defesa da concorrência consiste em “[...] garantir a existência

de condições de competição, preservando ou estimulando a formação de ambientes

competitivos, com vistas a induzir, se possível, maior eficiência econômica como resultado do

funcionamento dos mercados” (MELLO, 2002, p. 485). Para cumprir tal finalidade, a política

de defesa da concorrência deve reprimir o exercício abusivo de poder de mercado por

empresas que já o detêm e prevenir a criação ou reforço deste poder pelo surgimento de

mercados concentrados.

Com relação à primeira atribuição, destaca-se o assim chamado controle de condutas,

através de uma ação repressiva das autoridades de defesa da concorrência, no sentido de punir

aquelas condutas que a aplicação da legislação em vigor permite caracterizar como

-39-

anticompetitivas38. Já a segunda, refere-se ao controle preventivo das mudanças estruturais no

mercado cujos efeitos sejam caracterizados como nocivos à concorrência, sejam tais

mudanças os resultados de movimentos de concentração vertical ou concentração horizontal

de empresas, através de fusões, aquisições, incorporações, joint-ventures, etc39.

A questão que se põe a este segundo caso é, portanto, a não autorização ou imposição

de medidas restritivas (remedies) aos atos de concentração que possam vir a comprometer a

concorrência no mercado em que as empresas envolvidas atuam, por aumentar a

probabilidade do exercício abusivo de poder de mercado.

Os efeitos anticompetitivos de um ato de concentração consistem, assim, no exercício

abusivo de poder de mercado, que pode se dar pela ação unilateral da empresa adquirente ou

fusionada, ou pela ação coordenada das empresas atuantes no mercado, como resultado dos

impactos do ato no ambiente competitivo em que estas se inserem. Estas duas classes de

efeitos compreendem o que se chama na Teoria Antitruste de efeitos unilaterais e coordenados

de um ato de concentração, respectivamente.

Os efeitos unilaterais referem-se a situações em que a firma constituída a partir da

operação possui a habilidade de aumentar preços (reduzir quantidade) lucrativamente e

unilateralmente, ou seja, não há perda nas vendas suficientes para tornar o aumento de preço

não lucrativo. Os efeitos são atribuídos, neste caso, somente ao poder de mercado da firma

criado pela concentração (COLEMAN, MEYER, SCHEFFMAN, 2003; COLEMAN &

SCHEFFMAN, 2003). Sendo assim, qualquer aumento nos preços ou redução da quantidade

se dá pelo ajuste das firmas (a resultante da concentração e as concorrentes) frente à nova

38 Dentre estas, são exemplos clássicos: cartelização, acordos de exclusividade, recusa de venda, fixação de preços de revenda, venda casada, entre outros. 39 O termo concentração diz respeito à união contratual entre empresas. Por definição, uma concentração horizontal envolve dois ou mais concorrentes, enquanto uma concentração vertical, ou integração vertical, fornecedores e compradores. Ao longo do texto, o termo “atos de concentrações” referir-se-á, indistintamente, a estes diversos tipos de relações contratuais.

-40-

estrutura de mercado criada. As firmas agem, portanto, independentemente da ação de suas

rivais na direção estratégica que maximize seu lucro (EUROPE ECONOMICS, 2001).

Já os efeitos coordenados se verificam na medida em que a concentração aumenta a

probabilidade de que as firmas remanescentes reduzam a competição no mercado, pela sua

atuação coordenada ou colusiva, de forma explícita ou tácita. Portanto, os efeitos

anticompetitivos resultam de uma alteração dos incentivos para a colusão entre as firmas

daquele mercado (COLEMAN, MEYER, SCHEFFMAN, 2003). Ou seja, neste caso, ao

contrário dos efeitos unilaterais, a firma só é capaz de aumentar preços se suas rivais a

acompanharem e, claro, se tal alternativa se configurar numa estratégia lucrativa e possível,

tendo em vista as condições para que a coordenação (tácita ou não) ocorra (EUROPE

ECONOMICS, 2001).

II.2 Elementos de análise na avaliação dos efeitos coordenados

Nesta seção, serão apresentados os elementos que normalmente são considerados por

autoridades antitrustes para a avaliação de atos de concentração quanto à sua capacidade em

aumentar ou não o potencial colusivo de um determinado mercado, ou seja, quanto à

existência e intensidade de efeitos coordenados.

A teoria sugere, como mostrou o capítulo anterior, condições e características para que

um equilíbrio colusivo seja factível em um determinado mercado. Dos enfoques expostos, é

possível se chegar a três condições necessárias para a existência de colusão40:

40 Europe Economics (2001) lista além destas condições, outras três como sendo necessárias para a realização de colusão tácita, sendo estas: a existência de poucas firmas, de barreiras à entrada e de interação repetida entre as firmas do mercado. Entretanto, estes itens serão apenas incluídos aqui na listagem de elementos facilitadores para a colusão. Acredita-se não ser razoável colocar estas características com o status de “condições necessárias”, uma vez que se entende ser razoável supor a ocorrência de colusão em mercados com um número razoável de firmas ou sem interação repetida. Uma outra razão para não ser feita qualquer distinção neste sentido é a de que a avaliação de efeitos coordenados comporta tanto a colusão do tipo tácito quanto do tipo explícito.

-41-

1. Capacidade de obtenção de consenso e de coordenação;

2. Capacidade de detecção de desvios e monitoramento;

3. Capacidade de fazer cumprir o acordo.

Esta intuição teórica é devidamente incorporada nas avaliações de concentrações entre

empresas por autoridades antitrustes, uma vez que, para a conclusão de que os efeitos

coordenados serão significativos, é necessário que, primeiramente, a colusão seja

demonstrada como uma alternativa possível. A tarefa seguinte para a autoridade seria a de

explicar por que, após a concentração, as firmas estarão mais propensas a atuar

coordenadamente (COLEMAN & SCHEFFMAN, 2003, p. 9).

II.2.1 Check List (Lista de Verificação)

O método mais utilizado nas várias jurisdições é a utilização de uma lista de

verificação (Check List)41, que aponta as características usualmente levantadas pela teoria

(como em Stigler (1964) ou ainda derivadas das conclusões da Teoria dos Jogos), por estarem

relacionadas às três condições (CDP) mencionadas acima.

Sendo assim, pela avaliação da Check List, observa-se, simplesmente, se há ou não a

presença das seguintes características no mercado relevante42: a concentração/ número

pequeno de firmas, barreiras à entrada, interação repetida, ordens freqüentes e pequenas, Apesar desta observação, é importante notar que as referidas características são importantes na verificação e investigação, e se não necessárias, devem receber devida atenção e destaque na análise das autoridades antitrustes. 41 Entre as jurisdições que utilizam este método para a análise de efeitos coordenados encontram-se a Austrália, o Canadá, a Alemanha e a União Européia (EUROPE ECONOMICS, 2001). 42 De acordo com o Horizontal Merger Guidelines norte-americano, o mercado é definido “como um produto ou grupo de produtos e uma área geográfica em que são produzidos ou vendidos de tal forma que uma firma hipotética e maximizadora de lucros [...] que seja a única atual e futura produtora ou vendedora destes produtos naquela área, provavelmente imporia pelo menos um ‘pequeno mas significante e não-transitório’ aumento de preços […]. O mercado relevante é um grupo de produtos e uma área geográfica não maior que a necessária para satisfazer o teste acima, chamado de “teste do monopolista hipotético” (DoJ/FTC, 1997, p.4).

-42-

contatos em vários mercados, firmas simétricas, homogeneidade dos produtos, excesso de

capacidade, condições estáveis de demanda, elasticidade da demanda e, finalmente, poder de

mercado do comprador43.

1. Concentração/número pequeno de firmas

A idéia geral aqui, correspondente a uma hipótese que acompanha o desenvolvimento

da Teoria da Organização Industrial pelo menos desde os anos 50, é que a concentração de

grande parcela do mercado detida por poucas firmas torna mais provável a coordenação, o que

se daria por meio de quatro vias. Primeiramente, quanto menor o número de firmas, mais

facilmente as firmas chegarão a um consenso quanto aos termos do acordo. Intuitivamente,

isto ocorre porque à medida que há mais firmas no mercado, maior a probabilidade de que

existam divergências quanto ao equilíbrio escolhido e assimetrias de preferências.

Um segundo efeito está ligado ao incentivo para a realização da colusão e do desvio.

Neste sentido, quanto menor o número de firmas, maior a interdependência entre as firmas de

um determinado mercado e, portanto, maiores os ganhos obtidos individualmente por estas

(uma vez que o ganho total é divido em poucas partes).

Em terceiro lugar, o reduzido número de firmas propicia maior facilidade de colusão

sob o ponto de vista da facilidade e efetividade da detecção do desvio e do monitoramento.

Em um mercado concentrado e composto por poucas firmas, a ação de uma firma individual

possui um maior impacto nos parâmetros do mercado agregado, e, portanto, torna o desvio

mais observável pelas rivais.

43 Na verdade, não existe uma Check List pré-definida, mas uma série de fatores a serem considerados, citados tanto na literatura, quanto nos próprios Guidelines das autoridades, como veremos para os Estados Unidos e União Européia. Para detalhes, consultar as referências: Europe Economics (2001), Anderson (2001), Matsumura e Mello (2005).

-43-

Por fim, um mercado com poucas firmas proporciona maior possibilidade de

reconhecimento da identidade da firma desviante, o que é importante para o sucesso de

esquemas de punição que dependam disto para serem exercidos.

2. Barreiras à entrada

As condições de entrada influenciam a disposição das firmas em agirem

coordenadamente. A ameaça de entrada interfere no preço máximo acordado pelas empresas.

Sendo assim, quanto mais significativas são as barreiras à entrada, maior o preço cobrado no

mercado e maior o incentivo para a colusão.

Ademais, a entrada efetiva é negativa para uma situação colusiva, uma vez que

desestabiliza a coordenação. As entrantes podem não estar de acordo com a colusão e se

manter aparte, agindo agressivamente. Ainda que a entrante optasse por fazer parte do

conluio, estar-se-ia aumentando o número de firmas participantes e, portanto, como exposto

no item anterior, tornando a colusão um objetivo mais difícil de ser alcançado.

3. Interação repetida

A interação repetida é vital para a existência de colusão, dado que, caso a interação

entre as firmas seja esporádica, os incentivos para o desvio serão muito fortes, tanto pela

ausência de expectativas de ganhos futuros, quanto pela clareza dos benefícios decorrentes de

um corte de preço no curto-prazo. Além disso, as interações repetidas facilitam a colusão uma

vez que proporcionam situações de aprendizado para as firmas envolvidas. Estas tendem a se

tornar capazes de reconhecer o que proporciona comportamentos mais cooperativos ou mais

agressivos em suas rivais e, assim, de chegar a um ponto de equilíbrio sem a necessidade de

acordos explícitos.

-44-

As interações freqüentes promovem também esquemas de monitoramento e punição

mais eficazes, já que possibilitam menores defasagens, tanto para a detecção do desvio,

quanto para o início de aplicação da punição estipulada. No entanto, no que se refere aos

custos de detecção dos eventuais desvios, o efeito é ambíguo, pois a maior freqüência de

interação entre as firmas exige atenção para as ações das firmas em mais períodos.

4. Ordens freqüentes e pequenas

A existência de ordens freqüentes e pequenas como característica da relação entre

vendedores e compradores em determinado mercado torna mais provável a colusão por razões

próximas às expostas para o item acima. Interações deste tipo não só desestimulam o desvio,

mas aumentam a efetividade de monitoramento e dos esquemas de punição, dado que as

grandes defasagens são menos prováveis.

5. Firmas simétricas

O grau de similaridade entre as firmas inclui-se entre as características que favorecem

a coordenação do mercado por fortalecer todas as três condições necessárias, ou seja, o CDP.

A obtenção de consenso e capacidade de coordenação é beneficiada porque se as firmas são

similares, com simetria em custo, tamanho e preferência, a divergência na percepção quanto

aos termos da colusão é menos provável, tornando os incentivos de cada uma destas, tanto

para a colusão quanto para o desvio, mais parecidos. Igualmente, a simetria entre firmas cria

maior possibilidade de estas atuarem coordenadamente sem a necessidade de acordos

explícitos (colusão tácita).

Já a detecção é mais bem exercida quando as firmas são simétricas, pois os desvios se

tornam mais perceptíveis por cada firma a partir de seus próprios dados. A redução não

esperada no lucro, ou seja, não provocada por alterações de custos ou por quedas na demanda

-45-

total (supondo simetria total entre as firmas), seria interpretada como resultado de redução dos

preços pelas rivais.

Com relação à credibilidade de punição, entre firmas simétricas, a capacidade de

punição é idêntica, o que incentiva e torna crível a retaliação de eventuais desvios.

6. Contatos em vários mercados (multimarket contact)

Supondo que as firmas são concorrentes em vários mercados, se alguma desviar do

acordo pode sofrer uma punição não só no mercado em questão, mas como em todos os

demais44. Além disso, como aumenta a freqüência de interação entre as empresas, há a

ocorrência dos incentivos destacados no item anterior.

Esta característica se faz mais importante para a estabilidade da colusão, quando as

firmas possuem tamanhos distintos em cada um dos diferentes mercados. Se as firmas que

possuem menor participação em um mercado são as líderes em outro e vice-versa, os

incentivos para a colusão são reforçados. Isto porque haveria uma redução das assimetrias

(quanto às vendas) entre as firmas se estas se engajassem numa coordenação que considerasse

os mercados em que atuam como um todo. As firmas estariam dispostas, neste caso, a aceitar

acordos de não-concorrência nos mercados em que não são líderes em troca do mesmo para

suas rivais.

7. Homogeneidade dos produtos

A homogeneidade dos produtos possui, teoricamente, um efeito ambíguo para a

probabilidade de colusão em um determinado mercado. Por um lado, um alto grau de

homogeneidade permite às firmas focarem em apenas uma dimensão (preço), para determinar 44 Ainda que se possa usar do argumento de que a chance de traição pode ser maior entre firmas que atuam em vários mercados simultaneamente, é mais fácil aceitar que o medo de uma guerra de preços geral seja preponderante.

-46-

os termos do acordo, podendo deixar de lado outros atributos, como a qualidade, propaganda,

etc., diminuindo, assim, os desafios para atingir um ponto de consenso e para monitorar os

possíveis desvios45. Além disso, firmas que produzem diversos produtos diferenciados em um

mesmo mercado relevante podem ter maior dificuldade para se coordenarem, uma vez que

seria necessária a combinação de um cardápio de preços46.

No entanto, uma maior homogeneidade dos produtos enfraquece – ou mesmo elimina -

a fidelidade dos consumidores às marcas, aumentando os incentivos para o desvio, uma vez

que, sob este aspecto, não haveria limites para que uma redução nos preços não fosse refletida

em aumento das vendas (o que pressupõe a mudança de clientes das rivais para a firma que

traiu). Em contrapartida, o alto grau de homogeneidade torna a punição em preço mais

efetiva, dada a importância de alterações desta variável, tendo um maior efeito do que para

mercados com produtos heterogêneos.

Um último ponto a ser destacado é o de que, embora a diferenciação de produto possa

vir a ter efeitos negativos para a coordenação, os esforços de diferenciação exercidos pelas

empresas (como gastos em propaganda, investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento, etc.)

têm como resultados e desejos principais a diminuição da concorrência entre as firmas e a

maior independência entre estas na definição de preço, com a criação, no limite, de um

monopólio.

8. Excesso de capacidade

Novamente o efeito aqui é ambíguo. A existência de excesso de capacidade (ou

capacidade ociosa) estimula a colusão, por poder ser utilizada como barreira à entrada e por

45 Similarmente, as firmas não seriam capazes de desviar do acordo por outras formas que não a redução do preço. 46 Este argumento pode ser contradito pelo fato de que é possível que firmas, com esta característica, coordenem em outras dimensões que não o preço de seus produtos.

-47-

proporcionar maior efetividade e credibilidade para a aplicação de punição. O outro lado,

negativo para a coordenação, seria o maior incentivo para trair o acordo, embora este segundo

efeito seja, em geral, considerado menos relevante do que o primeiro.

9. Condições estáveis de demanda

Condições instáveis de demanda tornam o ambiente competitivo incerto, prejudicando

a coordenação entre as empresas. Obviamente, flutuações na demanda são especialmente

problemáticas, quando há assimetria de informações, para o monitoramento de desvios.

Além disso, os incentivos para a coordenação ou para o desvio são influenciados pela

flutuação da demanda porque esta altera as expectativas de ganhos futuros de ambas as

situações. Existem dois argumentos distintos. Um primeiro seria o de que quedas repentinas e

não esperadas na demanda pudessem suscitar a desconfiança de algum desvio no mercado,

provocando a aplicação da punição e acarretando guerras de preço. Outra possibilidade é a de

que, em períodos de demanda mais alta, ocorra uma maior competição, dado o aumento do

incentivo para o desvio neste período – a firma desviante não só irá capturar a demanda já

conquistada pelas rivais, como também o crescimento verificado – e a menor efetividade da

punição quando a demanda estiver mais baixa e as condições mais desfavoráveis47. De

qualquer forma, flutuações na demanda parecem tornar mais instável a coordenação entre as

empresas.

10. Elasticidade da demanda

O efeito para a estabilidade de um acordo colusivo neste caso é ambíguo: alta elasticidade

da demanda gera maior incentivo para desvio, entretanto torna punição mais eficaz, uma vez

que reflete a sensibilidade das vendas às alterações nos preços. Sob o ponto de vista do 47 Este último argumento é contestável se considerarmos que as empresas podem tentar compensar condições de demanda desfavoráveis com desvios a fim de evitarem reduções nas vendas.

-48-

incentivo ao conluio, quanto menor a elasticidade-preço da demanda, mais provável é a

colusão, porque maiores são os ganhos de coordenação (o aumento de preços não é

compensado totalmente com a redução na quantidade).

11. Poder de mercado do comprador (buyer power)

Um resultado imediato da presença de compradores com poder de mercado

significativo seria o maior incentivo para o desvio, tornando-o mais fácil (a redução do preço

pode ser praticada para um número menor de compradores) e mais lucrativo (grande

quantidade de demanda deslocada).

O poder de mercado do comprador pode desestabilizar, ainda, a coordenação,

induzindo ao desvio, pelo uso deste em situações de barganha. Como a coordenação é

prejudicial para os consumidores, os mais representativos seriam capazes de, através de

ameaça de troca de fornecedor, por exemplo, produzir uma maior competição entre as firmas.

Outra forma do comprador induzir ao desvio seria pelo estabelecimento de contratos de

longo-prazo, com vistas a reduzir a freqüência de compras. Por fim, seria possível que

grandes compradores viessem a entrar no mercado upstream, seja pela aquisição de empresas,

pelo patrocínio de entrantes, pelo investimento direto, ou, ainda, pelo incentivo à entrada por

meio de garantia de compra e pactuação de contratos bilaterais.

Além destas 11 características do mercado relevante que compõem o Check List,

existem outras mais gerais que podem ser analisadas por autoridades antitrustes para a

avaliação do potencial colusivo do mercado, como os graus de transparência e de maturidade

do mercado48. A transparência – definida como uma facilidade de acompanhamento pelas

firmas das variações nos preços e quantidades dos produtos vendidos, bem como nos custos 48 Para um exemplo de incorporação do grau de transparência na Check List como uma característica em si, ver Europe Economics (2001). Já Anderson (2001) inclui o nível de maturidade do mercado na lista de características a serem investigadas.

-49-

incorridos por suas rivais - não pode ser tida como uma característica por si só, porque agrega

muitas das mencionadas acima, embora favoreça tanto a obtenção de equilíbrio, quanto o

monitoramento e a detecção. Por exemplo, itens como a estabilidade da demanda,

homogeneidade do produto, número e conduta dos compradores e número de empresas, entre

outros, permitem uma maior transparência no mercado. Já a maturidade – definida como uma

relativa estabilidade tecnológica e uma taxa reduzida de introdução de inovações - não pode

ser avaliada simplesmente pela situação atual do mercado, sendo importante notar a natureza

competitiva deste, bem como a história de concorrência do mercado. Quanto mais maduro o

mercado, maiores as facilidades para a obtenção de acordos e para a detecção e punição de

eventuais desvios.

Adicionalmente, vale dizer que a presença de complicadores, ou seja, de fatores que

tornam o mercado menos propensos à colusão, pode ser contornada pelas próprias firmas ou

por instrumentos normais e particulares ao mercado, por meio de práticas facilitadoras ou

links estruturais49. Ao contrário destes últimos, com vistas a permitir a solução dos problemas

de CDP, as práticas facilitadoras são utilizadas de modo que as firmas permaneçam sob um

comportamento não-cooperativo, no sentido de independência (EUROPE ECONOMICS,

2001).

Como exemplos de práticas facilitadoras estão a realização de anúncios públicos,

fórmulas de precificação (inclusive regional), trocas de informações, práticas comerciais

(como as cláusulas contratuais referidas no Capítulo I), entre outras. Entre links estruturais

possíveis de serem empreendidos estão as relações cruzadas nas participações no capital entre

49 Práticas facilitadoras consistem naquelas exercidas pelas empresas com vistas a reduzir problemas para o estabelecimento de uma colusão, aumentando a probabilidade de detecção de desvios e a efetividade e rapidez de aplicação de punições. Já os links estruturais são acordos formais que levam as empresas a cooperarem de alguma forma, mas sem chegar a representar uma concentração de fato (Economics, 2001).

-50-

as empresas, diretores ou conselheiros com atuação em mais de uma firma, alianças

estratégicas, formação de joint-ventures, cooperação em P&D, entre outras.

O quadro abaixo resume os efeitos de cada uma das características ou itens do Check

List apresentados:

Quadro I – Itens da Check List e seus efeitos para a colusão

Fatores Efeitos* Concentração/número pequeno de firmas +

Barreiras à entrada +

Interação repetida +

Ordens freqüentes e pequenas +

Contatos em vários mercados +/-

Firmas simétricas +

Homogeneidade dos produtos +/-

Excesso de capacidade +/-

Condições estáveis de demanda +

Elasticidade da demanda +/-

Poder de mercado do comprador + Fonte: Elaboração própria *Legenda: “ + ”: favorável; “ - ”: desfavorável; “ +/- ”: ambíguo.

O esforço da autoridade antitruste até aqui seria o de identificar a existência de

características do mercado relevante que possam definir se existem facilitadores ou não para a

coordenação ser desejável, estável e possível, associando a estas condições as estipuladas pela

teoria. Uma tarefa complementar a esta verificação consiste na avaliação de alterações destas

características provocadas pela realização do ato de concentração em análise.

Sendo assim, como foi possível perceber, os itens da Check List estão fortemente

ligados ao paradigma consenso-detecção-punição. Entretanto, não é uma regra entre as

jurisdições, como apresentará a seção seguinte, que a análise faça referência direta ao CDP,

embora este fosse de alguma maneira o procedimento mais desejável. É comum, portanto, que

-51-

a verificação quanto à existência de cada um dos facilitadores seja avaliada com base em um

resultado geral, i.e ser propenso ou não à coordenação, e menos pautada nas questões e

desafios impostos ao mercado para cada uma das três etapas necessárias.

Outras questões são vitais para a aplicação deste tipo de metodologia em avaliações de

efeitos coordenados de concentrações por órgãos antitrustes, tornando menos desejável uma

análise pautada apenas na simples verificação da lista. Neste sentido, é importante avaliar

quais fatores são considerados mais importantes, se há potencialização por interação entre

aqueles verificados e, ainda, analisar qual seria a conclusão mais acertada em casos em que

algumas características favoráveis coexistam com outras desfavoráveis ou ambíguas.

De acordo com Europe Economics (2001), as jurisdições parecem estar de acordo em

relação à dificuldade, se não impossibilidade, de se elencar os fatores seguindo alguma ordem

de relevância, seja do ponto de vista da aplicação ou embasando-se em conclusões teóricas.

Entre os itens considerados como mais importantes e, de certa maneira, decisivos, estão altos

níveis de concentração, atrelados à existência de poucas firmas no mercado, e a presença de

elevadas barreiras à entrada50. A combinação destes com homogeneidade de produto,

maturidade e transparência do mercado, ou com situações em que haja estabilidade no

mercado e baixos graus de incerteza, não traria dúvidas, quanto à possibilidade de

aproveitamento dos altos ganhos de conluio, sem haver grandes obstáculos para a detecção e

esquemas de punição.

Assim, a utilização da Check List deve ser cuidadosa, considerando a interação dos

fatores caso a caso. Mesmo a ausência/presença de fatores relevantes para a probabilidade de

um resultado colusivo (ou de complicadores importantes), não deve ser tomada como fonte de

conclusão final para a investigação. Outras características do mercado devem ser analisadas: a

50 Ver item II.2.3.

-52-

investigação de práticas facilitadoras e links estruturais, para o caso de existirem alguns

complicadores, e a presença de firmas mavericks ou de grande rivalidade, na presença de

facilitadores relevantes.

II.2.2 Histórico de colusão

O registro de histórico de práticas coordenadas, envolvendo o mesmo mercado ou

algum outro com características semelhantes, pode ser utilizado, como complemento à Check

List, para a verificação das condições favoráveis à existência de colusão. A evidência de

colusão realizada anteriormente ao ato de concentração é uma forma eficiente, se criteriosa,

de resolver situações em que o exame dos itens da Check List não é satisfatório em descrever

o potencial colusivo do mercado relevante em questão.

As práticas coordenadas a serem consideradas envolvem uma variedade de tipos,

como fixação de preço, colusão tácita, liderança em preço, outras formas de cooperação e

acordos explícitos. Além disso, as evidências podem surgir tanto de investigação empírica de

dados do desempenho do mercado - vendas, preços praticados, etc. -, que são úteis na

avaliação do grau de concorrência entre as firmas, bem como de condenações prévias de

cartel ou de qualquer outro acordo ilícito.

O que deve ser enfatizado é que, a partir de uma evidência de coordenação anterior,

não se sabe por que esta era possível e o que fez as firmas serem capazes de sustentá-las.

Entretanto, a grande valia de informações deste tipo é fornecer à autoridade um ponto de

partida para reflexão quanto à possibilidade da coordenação se repetir e, mais ainda, de que o

ato de concentração possa tornar as firmas mais capazes de se coordenarem do que

anteriormente (DoJ/FTC, 2004, p. 175).

-53-

A razão teórica para a consideração, ainda que nada definitiva, de que evidências no

passado podem tornar a colusão mais sustentável, está ligada aos argumentos de que quanto

maior a interação entre as empresas, maior o aprendizado51, reduzindo a incerteza. Esta

interpretação está atrelada às propostas da Teoria dos Jogos e, neste sentido, numa espécie de

intuição de que quanto mais vezes os jogadores se enfrentarem, mais preparados estarão para

uma “partida final”.

Porém, existem desafios e preocupações que devem limitar e tornar cuidadosa a

incorporação do argumento de histórico de coordenação como um fator relevante para a

decisão final do órgão antitruste. Mesmo que a conclusão seja apenas a de que o mercado

possui grande potencial colusivo, conforme o próprio Horizontal Merger Guidelines (1997)

assume, é essencial que “[...] as características consideráveis do mercado não tenham mudado

significativamente desde o mais recente incidente [i.e., da ocorrência da coordenação sob

evidência]”. A atenção deve ser redobrada para os casos em que houve alteração da dimensão

geográfica do mercado relevante, entrada significativa de empresas, criação de poder de

mercados para os compradores, bem como de qualquer um dos fatores listados na Check List.

Sendo assim, a verificação de histórico de coordenação pode ser entendida como

sendo mais um fator a ser investigado e sua importância para a aprovação de um ato de

concentração deve levar em conta questionamentos relativos às mudanças sofridas pelo

mercado desde então e, ainda, àquelas resultantes da operação.

51 Quanto às condições e reações de suas rivais (custos, taxas de desconto) e ao comportamento do mercado em geral.

-54-

II.2.3 Redução do número de firmas

As subseções anteriores abordaram, mesmo que não somente, a investigação quanto à

possibilidade de que as firmas, que compõem o mercado a que se refere o ato de

concentração, sejam ou não capazes de se coordenarem. É claro que a metodologia de análise

da Check List oferece uma base para algum questionamento com relação à capacidade do ato

de concentração em alterar as características do mercado, tornando a coordenação mais

provável. Uma contribuição para tal avaliação também pode resultar da consideração do

histórico de estratégias colusivas no mercado em questão.

Entretanto, é notável que neste esforço de investigação e análise por parte das

autoridades, um dos argumentos de maior peso na identificação de efeitos coordenados está

na redução do número de firmas, em casos que envolvam mercados formados por poucos

competidores cujas participações nas vendas sejam significativas.

Uma dificuldade atrelada a este argumento é representada pelo fato de que determinar

quantas são “poucas firmas” pode parecer, e de certo modo muitas vezes o é, arbitrário52.

Neste contexto, conforme apontam Coleman e Scheffman (2003, p. 5-6), não há

controvérsias, tanto entre os economistas quanto na arena antitruste, que a redução do número

de empresas é um fator decisivo em mercados protegidos por barreiras à entrada e que, após a

concentração, se tornarão monopólios ou duopólios (i.e. reduções de duas para uma ou de três

para duas firmas). Assim, atos de concentração com estas características são unanimemente

considerados como problemáticos.

52 A teoria possui um papel fundamental em resolver parte destas indefinições que percorrem a sua aplicação. A relação entre número de empresas e coordenação foi objeto de diversos estudos, entre estes o modelo de Fouraker e Siegel (1963), que demonstra ser mais provável a colusão em mercados com duas do que com três firmas e a análise de Selten (1973), que conclui que o conluio explícito seria o equilíbrio de um jogo cooperativo em mercados compostos por quatro e não por seis empresas.

-55-

II.2.4 Mavericks

O questionamento e verificação quanto à existência de uma firma maverick no

mercado também se põe como uma das ferramentas importantes para avaliação da

possibilidade de colusão, quando a maverick não está envolvida no ato de concentração, e do

aumento de probabilidade de colusão resultante da operação, caso contrário.

Este tipo de firma possui papel importante para a inibição de estratégias colusivas no

mercado em que atua. Uma firma maverick consiste naquela cujo comportamento se mostra

mais agressivo em relação às suas rivais, seja por reduzir preços ou aumentar capacidade,

iniciar guerra de preços, ou simplesmente por se recusar a seguir as estratégias de seus

concorrentes (não é necessariamente uma price-cutter) (BAKER, 2002; SCHEFFMAN &

COLEMAN, 2003; KOLASKY, 2002). Normalmente, a firma maverick é mais significativa

do ponto de vista do grau de rivalidade e competição do que aparentemente indica a

magnitude de sua participação no mercado.

A existência de uma firma com tais características no mercado leva, assim, a uma

maior competição e pode impedir a coordenação entre firmas. Portanto, é evidente a

importância de se analisar, para o âmbito de efeitos coordenados de um ato de concentração,

se há ou não a eliminação de uma firma maverick (BAKER, 2002; SCHEFFMAN &

COLEMAN, 2003).

Em especial, segundo Baker (2002), um ponto a destacar é que, relativamente aos

resultados que seriam produzidos em uma situação de monopólio, a coordenação

oligopolística pode ser imperfeita e incompleta. Isto é, os preços resultantes da coordenação

neste caso são maiores do que o nível competitivo, porém menores do que aquele que satisfaz

a maximização conjunta de preços. De acordo com o autor, entre outras razões para esse tipo

-56-

de resultado, é possível ressaltar: (i) as firmas podem não ser capazes de punir aquelas que

desviam do acordo tão fortemente quanto o necessário para a colusão completa em preço; (ii)

podem ocorrer dificuldades de alocação dos ganhos monopolísticos alcançados de maneira

satisfatória entre os participantes, por não ser possível compensar cada um diretamente - ou

seja, pode haver um desentendimento entre as firmas em acordarem o preço ou quantidade

praticada; (iii) as firmas podem ter dificuldade na detecção de desvios, p.e. em mercados com

excessiva flutuação nos preços, e não saberem ao certo as estratégias de suas rivais; e, por

fim, (iv) quando os preços a serem acertados se referem a um conjunto variado de produtos ou

mercados, é possível que ocorra maior dificuldade pelas firmas em identificarem o lucro

máximo conjunto.

De acordo com Baker (2002), não é necessariamente impossível a coordenação em

mercados em que as dificuldades acima são presentes. Ao contrário, estas podem levar a

guerras de preços ocasionais ou, como dito anteriormente, a preços praticados inferiores ao

que maximiza os lucros conjuntos. O ponto de Baker, entretanto, é que essas dificuldades

tornam provável que a coordenação incompleta seja limitada pela atuação de uma firma

maverick no mercado. Se os problemas para se atingir o consenso e as dificuldades de punição

são incorrigíveis, algumas firmas podem desistir da coordenação antes que suas rivais

consigam, o que caracterizaria o aparecimento de uma maverick. Ou seja, em mercados com

firmas diferentes entre si, a existência de alguma que seja indiferente entre a coordenação e o

desvio irá restringir os esforços de suas rivais para a coordenação mais efetiva. Daí a

importância da firma maverick como limitadora de efeitos coordenados.

Sendo assim, um ato de concentração que elimine do mercado uma firma maverick é

considerado problemático do ponto de vista da avaliação de efeitos coordenados. Quando não

-57-

há eliminação, a presença da maverick pode ser incorporada entre os itens da Check List que

tornam a colusão menos factível.

A tarefa inicial, nada trivial, da autoridade antitruste é reconhecer uma firma maverick

entre as que compõem o mercado relevante. Coleman e Scheffman (2003, p. 13) chamam a

atenção para a necessidade de se avaliar certos dados do mercado para a realização desta

tarefa. Quando as firmas não fornecem para todos os consumidores ou em toda a região

delimitados pelo mercado, é possível comparar os preços e ver se, para aqueles em que as

possíveis mavericks atuam, estes são inferiores. Outra forma, segundo os autores, seria, por

meio da análise do comportamento da participação de mercado das potenciais mavericks,

observar se a firma tem sido mais agressiva para obter maior participação. Ainda, é

importante olhar para as respostas deste tipo de empresas frente a anúncios de variação de

preços e a direção dos movimentos de preços e capacidade – ou seja, se estas acompanham ou

não as estratégias de suas rivais –, em relação ao resto do mercado.

Além de verificar se há uma firma maverick e identificá-la, a autoridade necessitará,

para a análise dos efeitos coordenados de um ato de concentração, entender os motivos pelos

quais a firma se comporta como tal, de modo a poder avaliar a probabilidade de uma reversão

do seu comportamento após a alteração da estrutura do mercado. As mavericks podem ter seu

comportamento determinado por combinarem baixa participação de mercado e habilidade de

expansão da produção com custo reduzido. Assim, concentrações entre uma maverick e uma

empresa com alta participação e substancial poder de mercado têm grande probabilidade de

alterar os incentivos da firma e modificar a sua conduta. Para uma conclusão com relação aos

efeitos coordenados é importante saber se existem outras firmas no mercado que substituirão

o papel da adquirida, mantendo o mercado competitivo.

-58-

II.2.5 Check List estendida

Coleman e Scheffman (2003) propuseram a adoção de um método de análise dos

efeitos coordenados, tendo em vista não apenas uma lista de verificação de fatores

condicionantes, mas também a percepção e investigação quanto à natureza concorrencial do

mercado e à forma de interação entre as firmas, especialmente pela observação de séries

quantitativas do mercado.

De acordo com os autores, o método Check List deve ser reconhecido muito mais

como um ponto de partida, enquanto a análise quantitativa pode ser mais informativa quanto à

possibilidade de efeitos coordenados. Sendo assim, a proposta seria a utilização nas análises

do que pode se chamar de uma Check List estendida53.

Na verdade, a questão é a necessidade de que a investigação empírica e quantitativa54

acompanhe não só a Check List, mas também os demais itens abordados acima (histórico,

mavericks, número de firmas), para que se possa chegar a uma conclusão segura de que um

ato de concentração terá efeitos coordenados significativos. A investigação quantitativa é

importante inclusive para a escolha de qual destes argumentos será o mais relevante para a

investigação do caso em questão.

A sugestão de Coleman e Scheffman (2003) para a análise quantitativa é que esta se

preocupe primeiramente com a avaliação da complexidade e da transparência do mercado,

pela observação de padrões sistemáticos na formulação de preços, comparação dos preços de

tabela e os de transação, impacto nas vendas pela introdução de novos produtos, entre outras.

Em seguida, é necessário que se entenda o grau de concorrência atual do mercado, verificando

a existência de alguma forma de liderança em preço, coordenação de capacidade e divisão de

53 Para uma síntese esquematizada da proposta de abordagem dos autores, ver Matsumura e Mello (2005). 54 Isto é, informações obtidas em entrevistas, depoimentos, documentos e análise quantitativa.

-59-

mercado. Por fim, analisa-se o impacto do ato de concentração para a probabilidade de

coordenação. Para este último desafio é necessário entender: (i) se a redução do número de

concorrentes será vital; (ii) caso existam mavericks, se a concentração amenizará o

comportamento agressivo destas, e ainda; (iii) se a realização do ato de concentração alterará

as características que proporcionam consenso, detecção e punição em condições desejáveis.

Esta seção mostrou como a análise de efeitos coordenados em atos de concentração

consiste em tarefa extremamente delicada, não sendo viável uma mera aplicação de regras

gerais. Isso pode gerar uma tendência das autoridades de, reconhecendo as singularidades

envolvidas, procurar evitar empreender uma análise destes efeitos. Porém, este não é o caso

das autoridades antitrustes norte-americanas e européia, que assumem as dificuldades a serem

enfrentadas, mas não deixam de tratar o assunto com a devida atenção. As agências norte-

americanas, por exemplo, estipulam em seu Guidelines que:

Ao analisar os efeitos coordenados de um determinado ato de concentração, a Agência deve estar atenta às dificuldades de se predizer, de forma desejável, o comportamento futuro com base nos tipos de informações incompletas e, algumas vezes, contraditórias, que são tipicamente geradas durante as investigações (DoJ/FTC, 1997, p. 14).

De que maneira a Federal Trade Commission (FTC) e o Department of Justice (DoJ),

nos Estados Unidos, e a Commission of the European Communities (CEC), na União

Européia, lidam com estas dificuldades é sobre o que tratará a próxima seção.

-60-

II.3 Efeitos coordenados nos Estados Unidos e União Européia

As agências de defesa da concorrência nos Estados Unidos e na União Européia são as

que mais contribuem para o debate acerca dos efeitos coordenados em atos de concentração. É

interessante notar que ambas as jurisdições percorreram pontos de partida e caminhos

distintos até o momento atual, que apresenta uma relativa convergência da metodologia

utilizada e do espaço reservado para a verificação dos efeitos coordenados em suas análises.

Nesta linha, Rill e Rosenblatt (2005) apresentaram a história da aplicação de efeitos

coordenados para as duas jurisdições. No caso da européia, o conceito inicial que guiava as

ações das agências na década de 70 era o de prevenir abusos de posições dominantes, mas

condicionado à existência destas antes do ato de concentração e, portanto, sem criar

instrumentos para evitar a criação destas. Nos anos 80, uma alteração da legislação que

possibilitava a proibição de acordos anticompetitivos foi uma das primeiras ações que

forneceram instrumentos legais para a condenação de condutas, embora não fosse diretamente

aplicável ao controle de concentrações. Em 1989, a Europa, enfim, definiu uma regulação

específica para este controle, sem ainda substituir o conceito de dominância, mas abrindo

espaço para a proibição de concentrações que a criassem.

Assim, o enfoque inicial da agência européia era o de combater a possibilidade de que

a firma envolvida na concentração viesse a exercer sua posição de dominância de maneira que

fosse prejudicial ao mercado, o que nos Estados Unidos, chamar-se-ia de prevenção dos

efeitos unilaterais. Porém, desde 1990, a jurisprudência européia vem desenvolvendo o

conceito de dominância coletiva (collective dominance), correspondente ao de efeitos

coordenados nos EUA55, sendo o primeiro caso em que houve sugestão de restrições o

55 Os enfoques podem ser divididos em duas frentes com respeito aos efeitos coordenados, sendo justificados

-61-

Nestlé/Perrier, em 199256. A primeira proibição, entretanto, só foi realizada no final da década

com o caso Gencor/Lonhro57, com decisão datada de 1999.

No ano de 2002 foram revertidas três proibições de concentrações, promulgadas pela

CEC, pela chamada European Court of Fist Instance (CFI)58, o que levou a uma proposta de

reforma dos métodos de avaliação de fusão, culminando na criação do primeiro, e atual,

Guidelines para concentrações horizontais59. Este, inspirado em muitos itens no Guia norte-

americano de 199260, retirou a ênfase na dominância, abordando-a apenas como um exemplo

de empecilho à concorrência e apoiou-se em conceitos e argumentos mais econômicos61.

Com relação ao enfoque relativo aos efeitos coordenados, o atual Guia europeu trouxe

argumentos ligados às condições de consenso, detecção e punição, apontando as condições

favoráveis e as práticas facilitadoras para que a coordenação fosse bem-sucedida no mercado.

Além disso, o Guia menciona fatores como a evidência passada de coordenação, bem como os

problemas prováveis de aquisições de firmas mavericks.

Ainda de acordo com o exposto em Rill e Rosenblatt (2005), nos Estados Unidos o

processo foi distinto. Ao contrário do verificado para a União Européia, a primeira lei de

concorrência norte-americana, o Sherman Act de 1890, já citava a proibição de arranjos que

limitassem a concorrência e era com base nesta que eram proibidas as concentrações, ainda

pela preocupação e prevenção quanto a possíveis “danos substancial à competição”, característico dos Estados Unidos, ou “criação ou acirramento de dominância”, próprio da União Européia. “Collective Dominance” é um termo baseado no princípio de que a colusão em oligopólio pode levar ao exercício conjunto de dominância (ICN, 2004, p.4-6). 56 Caso IV/M. 190, 22 de julho de 1992. 57 Caso IV/M. 619, 24 de abril 1996. 58 Caso IV/M.1524 Airtours/First Choice, 22 setembro de 1999 (ver Cap. III), Caso T-310/01 Schneider Electric v Commission, [2002] ECR II-4071 e Caso T-5/02, Tetra Laval v Commission, [2002] ECR II-4381. 59 “Guidelines on the assessment of horizontal mergers under the Council Regulation on the control of concentrations between undertakings” (2004/C 31/03). (EUROPEAN UNION, 2004) 60 O Guia Europeu possui bastante semelhança, com respeito aos efeitos coordenados, em relação ao norte-americano, o que demonstra um alinhamento, em parte pela cooperação e amplo debate anterior (2001-2004), entre a visão das duas jurisdições. 61 Aproximando-se, portanto, do enfoque norte-americano de “prevenção de danos substanciais à concorrência” (ICN, 2001).

-62-

que não tratasse especificamente deste tipo de contrato62. A seção 7 do Clayton Act, de 1914,

com emenda de 1950, forneceu o instrumento legal que faltava para que as concentrações

fossem tratadas como tal e que as decisões para a proibição daquelas que causassem danos à

competição fossem resguardadas diretamente pela lei.

Sendo assim, os argumentos quanto às ameaças de coordenação63 eram antigos para a

legislação norte-americana e estas eram estimadas, principalmente, com base nos índices de

concentração. A partir da publicação de Stigler (1964), os outros condicionantes, que

envolviam a capacidade de consenso, detecção e punição, foram reconhecidos, sendo,

consequentemente, listados como facilitadores para a criação de ameaça anticompetitiva a

partir de interações coordenadas. O guia norte-americano de 1984 já incorporava esta visão.

A análise de efeitos coordenados foi ainda aprofundada pelo Guia de concentrações de

1992, que ressaltou a importância da presença e exclusão das firmas mavericks, além dos

fatores condicionantes e práticas facilitadoras64. Contudo, a variedade de fatores a serem

analisados, assim como o fato de que muitas vezes estes não possibilitavam chegar a uma

conclusão final, levou as agências a se fixarem mais nos efeitos unilaterais, em virtude

também da maior facilidade de inferências quantitativas, com o auxílio da econometria65. O

maior enfoque nos efeitos unilaterais seguiu a incorporação destes no Guia norte-americano

62 Outra observação refere-se que, nos Estados Unidos, ao contrário do ocorrido na Comunidade Européia (onde se exigia a comprovação de pré-existência de condição dominante), era possível a proibição de um ato sem que fosse necessário provar que a concentração teria efeitos anticompetitivos e, sim, que esta os tornaria mais prováveis. 63 De acordo com Kwoka (2004, p. 2), a preocupação com efeitos coordenados é mais antiga do que os efeitos unilaterais nos Estados Unidos. Segundo o autor, o Guia de Concentrações de 1968 “[...] foi escrito com cooperação e possivelmente colusão explícita em mente”. 64 Conforme explícita o Guidelines norte-americano (1997, p. 13,14), os seguintes fatores podem ser relevantes: “[...] disponibilidade de informações chave quanto às condições do mercado, transações e competidores, grau de heterogeneidade da firma e do produto, práticas de precificação e comercialização tipicamente empregada pelas firmas no mercado, as características de compradores e vendedores, e as características das transações típicas”. 65 Incluindo, por exemplo, a estimações de graus de substituição para melhor definição das dimensões produto e geográfica dos mercados, e, até mesmo, de provável efeito nos preços com o aumento de poder de mercado da nova firma criada com o ato.

-63-

de 1992, que de acordo com Kwoka (2004, p.4), “[...] elevou este para um status semelhante

[ao de efeitos coordenados]”.

Segundo os autores, esta tendência só foi revertida em 2001, com a percepção das

agências norte-americanas de que poderia estar havendo um equívoco em focalizar as ações

apenas com vistas a evitar o surgimento de ameaças anticompetitivas provenientes das ações

das partes envolvidas, deixando de avaliar o impacto no mercado como um todo (RILL &

ROSENBLATT, 2005, p. 142).

Em resumo, de acordo com uma visão geral quanto ao desenvolvimento dos

argumentos e análises em torno dos efeitos coordenados no controle de atos de concentração,

as agências norte-americanas e a européia estão caminhando para um ponto de maior

convergência, de certa forma, comprovado pela semelhança dos Guias nas respectivas

seções66. A convergência não estava presente, entretanto, desde o início da implementação de

controle de concentrações. Ao contrário, como visto, os efeitos unilaterais eram inicialmente

mais relevantes na União Européia do que nos Estados Unidos, ocorrendo o inverso com o

passar do tempo.

Dado que, como enfatizado, a convergência entre as duas jurisdições no tratamento

dos efeitos coordenados é bastante recente, diferenças de enfoque são identificadas por

estudos que avaliam a implementação do controle de atos de concentração nos EUA e na

Europa, a partir de casos que foram julgados quando ainda não havia se consumado o recente

processo de convergência. É o caso do estudo desenvolvido pelo Europe Economics,

intitulado “Study on Assessment Criteria for Distinguishing between Competitive and

Dominant Oligopolies in Merger Control”, que levantou as operações em que houve análise

66 Como dito os guias incorporam os argumentos herdados do enfoque proposto por Stigler (subseção II.2.1), aqueles envolvendo a existência de mavericks (subseção II.2.4) e a evidência de histórico de colusão (subseção II.2.2).

-64-

de efeitos coordenados (ainda que não extensivamente), realizadas na União Européia e nos

Estados Unidos durante a década de 90.

De acordo com este estudo, os casos que envolveram análise de efeitos coordenados

na União Européia67 tiveram uma análise empreendida em, basicamente, três passos: (i)

exame e identificação de condições de oferta (número de competidores, mercado relevante);

(ii) levantamento de características estruturais para verificar se o mercado é propenso à

coordenação, e; (iii) análise do impacto da operação para a alteração desta propensão.

Com relação à metodologia utilizada pela autoridade, a maioria dos casos levantados

pelo estudo mostrou que esta permaneceu preocupada em questionar e investigar as presenças

dos fatores que compõem a Check List68, sendo que, apenas para os casos mais recentes

(Airtours/First Choice e Exxon/Mobil69), houve a preocupação em relacioná-los com as três

condições (CDP) necessárias para a coordenação. Na abordagem destes fatores não houve

qualquer hierarquia ou ordem seguida pela CEC, com exceção de alguma ênfase no número

de firmas significantes (combinando o número com a participação de mercado), como

primeiro teste da análise, e na simetria entre firmas como elemento de importância destacada.

Não foi dispensada, segundo o estudo, a atenção necessária às condições de entrada ou

mesmo à evidência de colusão no passado.

Da experiência norte-americana, observada com a descrição dos casos listados pelo

estudo, pôde-se concluir que tanto o DOJ quanto o FTC enfatizaram mais os efeitos

unilaterais do que os coordenados nos casos levantados, refletindo a alteração de enfoque

após a publicação do Guideline de 1992, conforme exposto acima. Esta maior preocupação

67 Foram 25 casos explorados pelo estudo, com decisões obtidas entre os anos de 1991 e 2000 (EUROPE ECONOMICS, 2001). 68 Conforme aponta Europe Economics (2001, p. 72) as características observadas pela CEC são: transparência do mercado; baixa taxa de inovação de produto ou processo; maturidade do mercado; elasticidade-preço da demanda; simetria de custos; simetria de participação de mercado; links estruturais; e multimarket contacts. 69 IV/M. 1383, 29 de setembro de 1999.

-65-

deve ser enfatizada pela facilidade de adequação às ferramentas quantitativas, especialmente,

pela viabilidade de estimação dos efeitos da concentração sobre os preços, principal

preocupação das agências norte-americanas. É importante notar que a maior atenção aos

efeitos unilaterais não quer dizer que os efeitos coordenados tenham sido abandonados, tendo

este sido alegados ou investigados em alguns casos durante a década de 9070.

Além disso, de acordo com o estudo, embora o Guia norte-americano liste em detalhes

os elementos que condicionam e aumentam a efetividade e a viabilidade de comportamentos

colusivos, as agências os “[...] enxergam não mais do que uma check list útil ou uma estrutura

de pensamento” (EUROPE ECONOMICS, 2001, p. 94). Não existe, portanto, uma Check List

padrão. Neste sentido, ressalta o documento:

As agências enfatizam que nem todos os fatores identificados no Guia precisam estar presentes, entretanto, alguns como o número e o tamanho relativo das firmas, as informações disponíveis aos participantes do mercado e a estabilidade das condições do mercado provavelmente serão sempre importantes (EUROPE ECONOMICS, 2001, p. 94).

Os elementos e características do mercado incorporados na Check List são analisados

complementarmente a outros, que muitas vezes constituem em pontos de destaque na

conclusão da agência norte-americana. Entres estes estão a aquisição de firmas mavericks,

assim como a evidência ou histórico de colusão passada. Para as autoridades norte-

americanas, o histórico de coordenação possui um peso considerável para as decisões,

apresentando-se menos necessário apenas para casos em que haveria a redução de três para

dois concorrentes no mercado.

A relevância destes argumentos (histórico de colusão, redução de três para duas,

utilização de análises quantitativas) está provavelmente ligada à necessidade, segundo o

70 O documento discutiu 14 casos norte-americanos cujas datas de decisão citadas estiveram entre o período de 1994 a 2000 (EUROPE ECONOMIC, 2001).

-66-

regime norte-americano, de convencimento da corte para que a concentração seja impedida. A

evidência histórica, por exemplo, constitui um importante elemento de convencimento, uma

vez que torna mais factual e sólida a desconfiança de que a operação acarretará em maior

probabilidade de colusão (EUROPE ECONOMICS, 2001).

Assim, conforme exposto acima, apesar de terem partido de pontos de partida

distintos, existe uma convergência atual no que diz respeito à importância atribuída e à

metodologia de análise de efeitos coordenados nas duas jurisdições, comprovada tanto pelas

semelhanças dos respectivos guias, quanto pelas discussões geradas por esse processo de

convergência. Entretanto, a experiência verificada ao longo da década de 90 revelou formas

diferentes de tratar este efeito. Sob este respeito, foi visto que na União Européia as

autoridades procuravam basear as análises no método da Check List. Já as agências norte-

americanas utilizavam-se deste método de forma pouco rígida, fornecendo maior destaque

para argumentos como histórico de colusão passada, aquisição de firmas maverick ou criação

de duopólios (redução de 3 para 2 firmas no mercado).

-67-

CAPÍTULO III – EFEITOS COORDENADOS E ESTUDOS DE CASO

O capítulo II procurou apresentar os principais argumentos utilizados na avaliação de

efeitos coordenados, no contexto da implementação de políticas de defesa da concorrência.

Além disso, a análise das experiências norte-americana e européia permitiu expor uma breve

história da evolução da abordagem deste tema nessas jurisdições, ressaltando suas

características particulares, bem como sua recente convergência.

Neste contexto, pode-se dizer que existiam – antes do referido processo de

convergência - dois modelos possíveis para a aplicação da análise de efeitos coordenados. A

abordagem das autoridades antitrustes norte-americanas fornece uma possibilidade de análise

mais direta e flexível, uma vez que não se detém à Check List, preocupando-se mais com

elementos que tornam a decisão relativa aos efeitos coordenados menos duvidosa ou

subjetiva. Já a experiência européia, caracteriza-se por colocar em prática uma investigação

detalhada envolvendo, de certa forma, todos os elementos abordados no capítulo anterior.

Ao presente capítulo caberá ilustrar as conclusões obtidas nos demais, com a

apresentação de dois estudos de caso, um para cada jurisdição. Para a escolha destes casos,

buscou-se, dentre os mencionados pela literatura pesquisada71, aqueles que preenchessem

alguns critérios definidos preliminarmente. Era, portanto, desejável que os casos escolhidos:

(i) possuíssem análise de efeitos coordenados no mínimo tão extensa e importante quanto à de

efeitos unilaterais; (ii) possibilitassem uma visão das diferentes formas de avaliação de efeitos

71 Destaca-se o estudo realizado pela Europe Economics (2001), que listou as operações em que houveram análises de efeitos coordenados, realizadas na União Européia e nos Estados Unidos. Apesar de os autores assumirem que o levantamento dos casos não foi completo, este estudo, dentre a literatura pesquisada, foi o que mais próximo chegou de uma listagem da totalidade dos casos. Como, por princípio, os casos mais relevantes seriam mencionados, optou-se por aceitar o levantamento como referência.

-68-

coordenados em atos de concentração; (iii) demonstrassem, ainda que superficialmente, a

diferença de metodologia de análise entre as duas jurisdições; (iv) tratassem de mercados

relevantes em setores distintos; (v) abordassem a maioria dos fatores considerados para a

probabilidade de efeitos coordenados, e, por fim; (vi) tivessem sido citados com freqüência na

literatura pesquisada, o que representaria um indicador de sua relevância para discussões mais

gerais.

Após esta primeira filtragem, os casos que apareceram como boas alternativas de

estudo, na medida em que satisfizeram os critérios estabelecidos, foram os atos de

concentração envolvendo as empresas Heinz e a BeechNut, nos Estados Unidos, e Airtours e

a First Choice, na União Européia.

A análise de efeitos coordenados da operação entre as empresas Airtours e First

Choice, compreendeu o mercado relevante de oferta, por operadoras de turismo, de pacotes de

viagens de curta distância, com destinos internacionais (short-haul foreign package holidays),

no Reino Unido. Neste caso, os efeitos coordenados foram tratados como principal ameaça

anticompetitiva derivada da aquisição, cuja aprovação foi negada pela CEC72. De acordo com

o Europe Economics (2001, p. 71), isto só havia acontecido em duas investigações (incluindo

a Airtours/First Choice) desde 1992, data do primeiro caso em que houve investigação de

efeitos coordenados, até 2001. A decisão da CEC neste caso tornou a análise de efeitos

coordenados (collective dominance na época) um foco de amplo debate, tanto teórico quanto

aplicado, na União Européia73. De acordo com Scheffman et al. (2003), o caso é um bom

exemplo de análise do paradigma consenso-detecção-punição.

72 A decisão da CEC foi duramente criticada e posteriormente revertida em tribunal (THE COURT OF FIRST INSTANCE, 2002). 73 Fiebig (2002), Hardbord (1999) e Motta (1999).

-69-

De fato, como será apresentado a seguir, a metodologia de análise utilizada pela

autoridade européia se baseia na identificação dos elementos que fazem da colusão uma

solução competitiva possível, desejável e estável, tendo sido abordados grande parte dos

fatores que constituem o método da Check List, descrito no capítulo anterior. Assim,

confirmou-se a operação Airtours/First Choice como sendo um caso representativo para a

exemplificação do modo europeu de tratar a análise de efeitos coordenados74.

Com respeito ao caso escolhido nos Estados Unidos, este envolveu o mercado

relevante norte-americano de comida para bebês em conserva (jarred babyfood). Apesar da

operação, anunciada em 2000, não ter sido levada adiante pelas empresas envolvidas (H. J.

Heinz Co. e Beech-Nut Nutritional Co.), o FTC emitiu parecer em favor de uma preliminary

injuction (próxima ao instrumento de medida cautelar no Brasil), que recomendava a cessação

do ato de concentração75.

Este caso se mostrou especial, como será percebido com a descrição da metodologia

utilizada, por retratar de forma satisfatória o pragmatismo e a flexibilidade das autoridades

norte-americanas na avaliação de efeitos coordenados, baseando-se em argumentos mais

concretos (evidência de colusão passada, criação de duopólio, eliminação de uma firma

maverick), mas sem deixar de analisar as especificidades concorrenciais do mercado.

Conforme Kolasky (2002, p.13), o Heinz/BeechNut é um dos casos mais interessantes, por

mostrar a importância de outros elementos que não só o aumento de concentração.

Apresentadas as razões para a escolha dos casos que serão discutidos a seguir, vale

ressaltar que, para ambos, as fontes de informação utilizadas foram os documentos

74 Ou pelo menos, suficiente para retratar a experiência européia durante a década de 90. 75 A corte aceitou apenas em segunda instância a decisão do FTC, e, com isso, as empresas desistiram de realizar a operação em questão.

-70-

disponíveis no sitio das duas jurisdições e outras informações relevantes retiradas na literatura

sobre efeitos coordenados 76.

III.1 Caso FTC – Heinz e BeechNut

A operação em questão consistiu na aquisição da Milnot Holding Company

(“Milnot”), proprietária da Beech-Nut Nutrition Corporation (“BeechNut”), pela H.J. Heinz

Company (“Heinz”), tendo sido anunciada em fevereiro de 2000. O Federal Trade

Commission (FTC) foi a agência responsável pela análise do ato de concentração, realizada

no decorrer do mesmo ano.

Considera-se mercado relevante, o mercado em que se observa a concentração

horizontal, incorporando a possibilidade de substituição por produtos de outra região

(dimensão geográfica), bem como outros tipos de produtos que sejam substitutos

razoavelmente próximos (dimensão produto). Neste caso, a dimensão produto definida foi a

comida para bebês em conserva (jarred baby food), considerando-se baixo ou inexistente o

grau de substituição por comida caseira ou por comidas para crianças de outras idades. Já a

dimensão geográfica foi definida como sendo o mercado norte-americano ou diversas áreas

metropolitanas menores, levando-se em conta a abrangência nacional das empresas, mas não

deixando de lado a competição e a diferença de preços e estratégias entre regiões específicas.

Este mercado existe, nos Estados Unidos, desde o início da década de 30. Segundo os

relatórios do FTC, o mercado norte-americano em 2000 era composto, do ponto de vista da

demanda, por mais de mais de 4 milhões de consumidores, que consumiam algo em torno de

US$ 865 milhões a US$ 1 bilhão em comidas em conserva por ano (USDC, 2000, p. 2). A

76 A descrição do caso norte-americano considerou os diversos documentos disponibilizados pelo FTC sobre o caso em questão: FTC (2000a; 2000b; 2000c; 2000d; 2000e; 2000f; 2000g; 2000h; 2000i) e United States District Court for the District of Columbia – USDC (2000). Para o caso europeu, utilizou-se, preferencialmente, o no parecer da CEC (1999).

-71-

distribuição do produto, para o atendimento a estes consumidores, era preferencialmente

realizada através de grandes redes varejistas, em especial, os supermercados.

Conforme descrito pela agência, a estrutura da oferta deste mercado era formada por

basicamente três empresas: a empresa líder, Gerber detinha, em 2000, 65% do mercado,

enquanto a Heinz e a BeechNut possuíam 17,4% e 15,4%, respectivamente77 (USDC, 2000,

p.2).

Com respeito às particularidades dos produtos de cada uma das empresas, a BeechNut,

assim como a Gerber, ofertavam no mercado produtos do tipo premium, com qualidade e

preço semelhantes, porém superiores aos oferecidos pela Heinz. Enquanto a Heinz apostava

em um produto de menor custo e preço, a BeechNut e a Gerber preocupavam-se com produtos

de maior qualidade e realizavam gastos significativos em inovação.

Com respeito à inovação, para as duas empresas envolvidas no ato, esta foi

considerada pela agência uma importante dimensão competitiva, tendo sido registrados

diversos esforços inovativos em embalagens e patentes em aditivos de valor nutritivo, entre

outros78. Assim, o FTC entendeu que as firmas neste mercado, em particular as duas

envolvidas, competiam com base em preços, qualidade e inovação.

Uma outra característica apontada para o mercado de comidas para bebês em

conserva, que em parte deriva das especificidades acima, foi a existência de significativas

barreiras à entrada. Como fatores apontados como limitadores para a entrada de empresas

neste mercado, foram identificados: os altos gastos em propaganda (marca e imagem); os

gastos em promoções e outros para assegurar espaço nos varejistas; a escala de operações 77 Os 2% restantes eram atendidos por outras empresas menores, que não foram nem citadas nos documentos do caso. 78 A BeechNut foi a primeira a utilizar embalagem de metal, a usar estágios com base nas idades dos bebês, a remover sal do produto e desnecessários açúcares e amidos e, ainda, a única a ofertar comidas especiais para comemorações judaicas.

-72-

significativa para competir com as empresas de grande porte, e, ainda; o fato de que o

mercado encontrava-se em declínio79. Como evidência desta dificuldade, foi destacada a

inexistência de entrada significativa no mercado nacional nos 60 anos anteriores à data da

operação. Nesse sentido, a agência caracterizou como sendo difícil a entrada efetiva e

substancial no mercado.

Uma dimensão da concorrência do mercado norte-americano de comida para bebês,

ressaltada pelo FTC, consistia no que esta agência denominou como uma “competição por

lugar nas prateleiras” (FTC, 2000b). De acordo com os diversos relatórios do órgão, os

supermercados normalmente disponibilizavam apenas duas marcas de comida para bebês e,

uma vez que a Gerber era a líder e estava presente em todos os supermercados, existia uma

competição entre a BeechNut e a Heinz pelo segundo lugar nas prateleiras. O resultado desta

interação, que, conforme descrito pela agência, vinha sendo agressiva e recorrente, foram

preços menores e maiores taxas de inovação, resultando em maiores benefícios para os

consumidores.

Neste cenário, a realização da operação resultaria, já de início, no controle de 98% do

mercado por apenas duas empresas, tornando-o ainda mais concentrado. A principal medida

de concentração utilizada - seguindo o Guidelines norte-americano - era, e ainda o é, o Índice

Herfindahl-Hirschman (IHH). A agência calculou o impacto derivado do ato de concentração

para o IHH, que seria alterado de aproximadamente 5.400 para 5.700 pontos (FTC, 2000b,

p.12)80.

79 Este último fator limitador da entrada está relacionado com as oportunidades de vendas que o mercado oferece à entrante. Se o mercado está em declínio, isto significa que a nova empresa deverá atuar de modo a tomar parte do mercado das incumbentes. 80 Podendo este aumento poder ainda ser potencializado por alguma coordenação entre as empresas após a concretização do ato de concentração,

-73-

De acordo com o Guia norte-americano (FTC/DoJ, 1997), para valores a partir de

1.800 pontos, o IHH caracteriza um mercado com nível de concentração elevado. Para estes

casos, se aceita, conforme o entendimento do Guia, variações de no máximo 100 pontos. Caso

contrário, presume-se que a operação poderá “[...] criar ou aumentar o poder de mercado ou

facilitar o exercício deste” (FTC, 2000b, p. 9). Assim, o ato, inevitavelmente, acarretaria num

aumento substancial de concentração em um mercado já bastante concentrado.

A questão central endereçada ao FTC era, portanto, se um duopólio (duas firmas

controlando 98% do mercado), seria mais – ou, pelo menos, igualmente - competitivo do que

a então estrutura de três grandes firmas, que foi considerada como sendo “altamente

competitiva” (FTC, 2000d, p.1). Ainda quanto a este aspecto, pontuou o órgão, com base na

jurisprudência norte-americana: “nenhuma corte alguma vez permitiu uma fusão com níveis

de concentração e barreiras à entrada como os existentes neste caso” (FTC, 2000d, p. 2).

Tendo em vista estes argumentos, a agência apontou a propriedade de efetuar análises

tanto de efeitos coordenados quanto de efeitos unilaterais, mas afirmou ser o primeiro tipo a

maior fonte de preocupação causada pela operação. Com relação à avaliação de efeitos

coordenados, os documentos gerados na investigação pelo FTC demonstraram maior

preocupação e destaque no que concerne à: (i) redução do número de competidores de 3 para

2; (ii) eliminação da competição por espaço nas prateleiras; e (iii) evidência de coordenação

pré-existente, todos sempre aliados à existência de altas barreiras à entrada.

Em especial, destacou a agência que “o mais importante determinante da possibilidade

de coordenação é o número de participantes no mercado”. Ainda, a este respeito afirmou que,

“por causa do aumento da probabilidade de comportamento anticompetitivo, nenhuma corte

tem permitido uma ‘merger-to-duopoly’ a não ser que seja clara a evidência de que será

provável uma nova entrada no mercado” (FTC, 2000b, p. 12). Ou ainda, “nenhum ambiente

-74-

poderia ser mais condutor à interação coordenada do que o duopólio” e “por causa das

barreiras à entrada substanciais, este será sem dúvida um duopólio para sempre” (FTC, 2000d,

p. 4).

Outro elemento de destaque na posição do FTC, como dito, estava relacionado ao

argumento da redução (ou eliminação) da “competição nas prateleiras”. Esta ocorreria porque,

caso fosse concretizada a operação, não haveria disputa entre as duas empresas remanescentes

(Gerber e Heinz/BeechNut), levando em conta a evidência empírica disponível de que os

supermercados não são inclinados a fornecer mais que duas marcas para os seus

consumidores. Este argumento foi chamado de competição “tudo ou nada” ou “winner-take-

all” pela agência. Neste caso, as disputas eram feitas com base em promoções, como

descontos ou outros benefícios para consumidores, e pelo preço no atacado. Para a agência, a

competição existente entre as duas firmas era o que, até então, detinha a coordenação no

mercado e sem esta não haveria razão que impedisse a Heinz de aumentar seus preços

coordenadamente com a líder Gerber.

O FTC usou, ainda, de argumentos ligados às evidências comportamentais das

empresas para fortalecer este argumento. Como uma firma dominante, a Gerber era

geralmente a primeira empresa no mercado a aumentar os preços. A Heinz tendia a seguir o

aumento, embora, praticando preços sempre abaixo da concorrente. Além disso, constatou-se

que a Gerber não tinha expressado qualquer desejo em competir em preço com a Heinz,

deixando os consumidores que preferiam produtos de qualidade inferior e preços mais baixos

para a concorrente. Em conclusão, o FTC sublinhou que: “a evidência de que a liderança em

preço já está sendo exercida com três participantes no mercado confirma o senso comum de

que a redução do mercado para dois jogadores irá tornar a situação pior” (FTC, 2000i, p. 38).

-75-

Neste sentido, a coordenação só estaria sendo contida pela disputa entre a Heinz e a

BeechNut. Ambas as empresas demonstraram um desejo de tornar o ambiente menos

competitivo, entretanto, sempre sendo detidas pela existência da disputa pelo espaço para

colocar seus produtos juntos aos distribuidores varejistas. Por ter adquirido a marca que

poderia, por reputação, praticar preços próximos ou logo abaixo da Gerber, a Heinz não teria

outro objetivo que não o de aumentar seus preços até pelo menos ao anteriormente praticado

pela BeechNut. Com a presença da BeechNut no mercado, a Heinz não poderia dar garantias à

Gerber de que não reduziria, em algum momento, seus preços. A BeechNut, portanto,

fornecia à Heinz, uma razão ou uma desculpa para trair um acordo, atrapalhando a

possibilidade de alcance de um consenso. Nestas condições, qualquer esforço da Heinz e da

Gerber para coordenação em preço seria frustrado, dada a existência da BeechNut como uma

empresa independente.

Assim, a agência concluiu que a competição entre a BeechNut e a Heinz era o que

mantinha o mercado livre da coordenação. A redução do número de firmas alteraria

drasticamente este contexto, fazendo com que, após a realização do ato de concentração, a

competição entre as duas firmas remanescentes se tornasse um jogo similar a “uma dança das

cadeiras em que existem duas cadeiras para dois jogadores” (FTC, 2000i, p.39). Ou seja, não

haveria mais a condição estrutural que garantia a presença de intensa competição no mercado.

Além disso, ressaltou o FTC:

Dobrando sua participação através da aquisição, a Heinz pode muito bem decidir que a cooperação é mais lucrativa. Assim como, a Gerber irá achar mais lucrativo coordenar do que manter sua participação de mercado por meio de cortes de preços (FTC, 2000e, p. 20).

Além da redução de competidores de 3 para 2 e da extinção competição “tudo ou

nada” por um lugar nas prateleiras, outros impactos potenciais do ato de concentração foram

-76-

mencionados pela autoridade antitruste, ainda que tendo importância secundária na sua

decisão. A este respeito, foi citado como fator a tornar mais provável a colusão, o aumento de

homogeneidade tanto de produto, como de custo, assim como a ampliação das parcelas de

mercado das empresas e a redução de excesso de capacidade, provocados pela concentração

entre as duas.

A redução da diferenciação entre os produtos era clara, já que o produto da nova

empresa se posicionaria como do tipo premium, portanto, mais próximo ao ofertado pela

Gerber. Esta semelhança de qualidade implicaria também em custos de produção próximos

incorridos pelas duas empresas e, ainda, a soma das parcelas de mercado da Heinz e da

BeechNut, tornaria o mercado mais equilibrado, na medida em que a Heinz se aproximaria,

em tamanho, da Gerber. Assim, entrar em consenso e monitorar o acordo seriam mais fáceis.

Com muito pouco destaque, algumas características facilitadoras para a colusão foram

ainda enumeradas: (i) a presença de uma demanda inelástica; (ii) a disponibilidade de

informações sobre o mercado, regularmente coletadas pelas empresas; e (iii) a ocorrência de

transações pequenas e numerosas.

Por fim, com relação ao argumento de que as eficiências geradas pela concentração

tornariam possível a criação de uma firma maverick, este não foi aceito pelo órgão. De acordo

com o FTC, a empresa Heinz/BeechNut não teria incentivo para agir como uma maverick. Ao

contrário: a estratégia de maximização muito provavelmente seria a de aumentar o preço,

mesmo que todas as economias de custo geradas pelo ato de concentração fossem de fato

executadas81.

81 O FTC também entendeu que as eficiências alegadas eram especulativas e poderiam ser obtidas sem a realização da concentração entre as empresas.

-77-

III.2 Caso CEC – Airtours e First Choice

A operação, que será aqui tratada, consistiu na aquisição, pela Airtours, da First

Choice, tendo sido a investigação iniciada pela Commission of the European Communities

(CEC) em junho de 1999.

Ambas as empresas atuavam como operadoras de turismo no Reino Unido e na

Irlanda, ofertando pacotes turísticos e outros produtos para a época de férias. Além disso, as

duas empresas eram verticalmente integradas upstream, com a oferta de assentos em vôos

fretados e downstream, com a distribuição dos respectivos pacotes por agências de viagens

próprias. A preocupação anticompetitiva deste caso foi quanto aos efeitos coordenados no

mercado relevante de oferta de pacotes de viagens (ou turístico) de curta distância e destinos

internacionais no Reino Unido.

É possível resumir os principais argumentos utilizados pela CEC para justificar a

opção por uma definição tão restritiva do mercado relevante. Primeiramente, entendeu-se ser

baixa a substituição por viagens independentes, por razões óbvias de custo, pelo lado da

oferta, e de comodidade e necessidade de planejamento antecedente, pelo lado da demanda,

sendo o mercado apenas referente à oferta de pacotes para época de férias.

Em segundo lugar, foi ignorada a possibilidade de substituição dos pacotes com

destinos internacionais por aqueles com destinos domésticos, em caso de elevação de preços,

pelo entendimento de que o consumidor faz uma opção inicial por uma viagem ao exterior,

levando em conta uma preferência cultural ou climática. Entretanto, a CEC achou por bem

separar os mercados em pacotes de destinos de longa e curta distância, pois envolvem

escolhas distintas quanto à duração da viagem, época do ano e preços. O mercado então

-78-

compreendia o tipo de férias “sol e praia”, consumidos no verão, tendo como destino toda a

Europa e o Norte da África82.

A estrutura do mercado, no verão de 1998, era assim composta: a Airtours detinha

19,4% do volume total de vendas, a First Choice 15% (total conjunto de 34,4%), a Thomson

30,7% e a Thomas Cook 20,4%, sendo que estas consistiam nas quatro empresas deste

mercado que atuavam de forma integrada. Além destas, existiam mais três outras empresas

não-integradas, com participação conjunta de apenas 6%. O mercado possuía, ainda, algumas

outras centenas de operadoras de turismo de pequeno porte, cujo percentual conjunto do

mercado era de 8% das vendas (individualmente, nenhuma possuía mais 1%) (CEC, 1999,

p.5).

Os demais mercados definidos na investigação eram referentes às integrações verticais

e foram utilizados como agravantes para a preocupação quanto à probabilidade de efeitos

coordenados. As agências de viagens de propriedade das operadoras atuavam como

distribuidores dos pacotes de viagens próprios e de outras empresas, oferecendo também ao

consumidor vários outros serviços, como o agendamento de vôos e acomodações, aluguel de

carros, câmbio de moedas, etc. A parcela de mercado conjunta das agências da Airtours e

First Choice era de 15% das vendas, não havendo maiores preocupações competitivas com

relação à concentração horizontal neste mercado relevante.

Com relação à oferta de assentos em aviões fretados, as duas empresas também

possuíam suas linhas próprias, cuja maioria dos assentos era destinada para seus próprios

pacotes de turismo, mas também compravam assentos em outras companhias aéreas. Os vôos

fretados existiam basicamente para servir às operadoras de turismo, que compravam blocos de

82 A participação das empresas no mercado de oferta de pacotes domésticos ou de longa distância era muito baixa, não consistindo em preocupação para a autoridade.

-79-

assentos nas épocas de férias ou feriados. Para a CEC, não havia uma relação de

substitutibilidade forte entre os vôos fretados e os comuns. Estes últimos não atendiam às

necessidades de preço, tempo, quantidades e destinos, estando menos preocupados com

destinos turísticos e com a demanda específica e sazonal.

Com relação à avaliação dos efeitos coordenados (ou mais especificamente, collective

dominance), como já indicado, a preocupação foi com respeito ao mercado de pacotes de

viagens de curta distância, com destinos internacionais, no Reino Unido. A coordenação seria

exercida pelas empresas líderes do mercado (Airtours, First Choice, Thomson Travel e

Thomas Cook).

Para a avaliação desta ameaça, a agência teve o cuidado de descrever o funcionamento

deste mercado, ressaltando como suas características peculiares, além da integração vertical

das empresas líderes, a ampla ligação comercial (interdependência e transparência) entre estas

e o limitado espaço para o ajuste da oferta, no curto-prazo, às flutuações na demanda.

Um ponto essencial para entender como se dava a concorrência entre as empresas era a

necessidade existente, para garantir a lucratividade das operadoras de turismo, de uma

operação com alta utilização da capacidade, expressa em vôos e acomodações contratadas. A

lógica da lucratividade destas empresas estava, segundo o relatório da CEC, ligada à

possibilidade de fazer vendas de pacotes em larga escala e com custos inferiores. Os pacotes

de turismo eram considerados como serviços “perecíveis” porque perdiam todo o valor caso

não fossem comercializados antes da data de partida, que era estipulada quando as operadoras

estabeleciam os contratos com seus fornecedores (hotéis, companhias aéreas, etc.). Uma

característica peculiar apontada foi a de que estes contratos eram estabelecidos, de acordo

com a agência, com uma antecedência de não menos que 12 meses antes da partida. Outro

-80-

agravante era que, depois de agendados e assinados os contratos, existia muita pouca

flexibilidade para mudanças.

A necessidade de alta utilização da capacidade, portanto, implicava o objetivo de que a

totalidade de assentos em vôos, quartos em hotéis, bem como outros serviços contratados para

a concretização do pacote turístico oferecido, fosse plenamente consumida. O ajuste que

restava às operadoras, dada a rigidez da oferta, era realizado por meio de alterações nos

preços de seus pacotes, na tentativa de encorajar agendamentos de consumidores o mais cedo

possível, mediante ao pagamento de parte do valor do pacote, diminuindo, assim, o risco da

operadora. Outra maneira de lidar com o problema seria pela concessão de descontos sempre

que se tornava claro, para a operadora, que as vendas seriam inferiores aos pacotes já

contratados.

Como conseqüência desta rigidez, existia uma importante dependência estratégica

entre as operadoras. Ou seja, qualquer decisão de aumento de capacidade por uma operadora

para aumentar sua participação no mercado resultaria em queda nos preços, a menos que as

demais reduzissem sua participação no mesmo montante que o aumento da rival.

Além da interdependência descrita acima, as operadoras de turismo possuíam uma alta

comunicação, derivada das ligações verticais existentes. Como ambas as companhias

ofertavam assentos de seus aviões fretados para as operadoras concorrentes (realizando

freqüentemente swaps para aumentar a eficiência), bem como ofereciam pacotes de suas

rivais em suas agências, a integração - tanto upstream quanto downstream - gerava diversas

formas de comunicação e de relações comerciais constantes entre as empresas83.

83 Os desdobramentos deste fato serão desenvolvidos a seguir.

-81-

Como última peculiaridade concorrencial do mercado, a CEC sublinhou a estrutura

deste, sendo esta então formada por apenas três grandes empresas integrada, uma de porte

intermediário (First Choice) e inúmeras outras não-integradas de pequeno porte (constituindo

a franja do mercado). Assim, o ato de concentração não só reduziria o número das maiores

empresas. A remoção da First Choice, em especial, se mostrava como um fator importante,

segundo a CEC, porque aumentaria a distância entre as três maiores e a franja do mercado. O

resultado, de acordo com a autoridade, seria uma marginalização das empresas menores no

processo de concorrência, que acabariam por atuar em nichos específicos (esqui na neve,

navegação, visitas a palácios, etc.), não conseguindo obter as escalas e as vantagens de custo

das maiores. Sendo assim, a oferta do mercado era definida prioritariamente pelas quatro

maiores empresas do mercado.

A Commission européia, para a análise de efeitos coordenados, abordou, uma por uma,

as características do mercado que condicionariam a possibilidade de coordenação entre as

empresas. Foram as características exploradas: a homogeneidade de produto, o baixo

crescimento da demanda, a baixa sensibilidade dos preços, as estruturas de custos similares,

as barreiras à entrada e o poder de mercado dos compradores. A seguir estão resumidos os

argumentos expostos pela instituição:

- Homogeneidade do produto

De acordo com a CEC, os pacotes de curta duração seguiam alguma padronização,

atribuída à exigência de escala, e os consumidores eram influenciados principalmente pelos

preços para a escolha de qual pacote consumir, não havendo significativa fidelidade a marcas.

Foi assumida alguma diferenciação em categorias de classe, como a hospedagem em hotéis de

cinco estrelas, etc. Entretanto, a CEC argumentou que a maioria dos pacotes oferecidos era de

classe intermediária, como hotéis de três estrelas e sem refeições.

-82-

O órgão assumiu que a diferenciação existente não era capaz de impedir a

coordenação, até porque, dadas as características da concorrência entre as empresas, o foco de

uma possível coordenação não seria os preços. Como a capacidade era pré-definida (com um

ano de antecedência) e fixa, as empresas não conseguiriam aumentar a oferta para atender à

maior demanda causada pela redução de preço em detrimento das demais, não fazendo

sentido a concorrência em preços. Assim, o foco da coordenação seria, na verdade, monitorar

a capacidade (número de viagens) oferecida por cada uma das operadoras de turismo.

- Baixo crescimento da demanda

A CEC estimou um baixo crescimento da demanda para os anos seguintes à operação,

ressaltando, porém, que isto não seria capaz de provocar um estímulo para a concorrência e,

além disso, qualquer crescimento obtido seria incorporado pelas maiores empresas em

detrimento das menores.

Com respeito à flutuação da demanda, esta era altamente correlacionada com as

variações no nível de atividade, taxa de câmbio e índices de confiança do consumidor. Esta

volatilidade, segundo a CEC, não seria um fator a impossibilitar a coordenação, levando em

conta que todas as operadoras a incorporavam na elaboração de cenários e estavam expostas

às mesmas condições, sendo bastante provável que tivessem visões parecidas quanto ao

desenvolvimento futuro do mercado.

- Baixa sensibilidade da demanda aos preços

Segundo a CEC, a demanda por pacotes de viagens de curta duração para o exterior

era muito pouco sensível ao preço, dada a disposição dos consumidores em gastar mais um

pouco com as suas férias. A lucratividade deste mercado, entretanto, estaria relacionada

-83-

basicamente a uma correspondência entre as quantidades ofertadas e demandadas. Dada a

fixação ex ante da quantidade ofertada, seria sempre melhor que os descontos fossem os

menores possíveis para a obtenção desta correspondência, tornando os preços médios maiores

neste caso. A baixa sensibilidade ao aumento dos preços permitiria preços médios maiores

sem causar excesso de capacidade oferecida, em decorrência de uma diminuição da demanda.

Como a lucratividade dependia do atendimento completo da oferta, preços médios maiores

neste mercado poderiam ser obtidos através de uma coordenação para a redução da

capacidade do mercado como um todo, aumentando os lucros das empresas.

- Estruturas de custo semelhantes

Tanto para as operadoras de turismo, quanto para a operação de vôos fretados, as

economias de escala foram consideradas bastante significativas, tomados o aproveitamento

ideal dos aviões e a distribuição e comercialização eficientes (custos promocionais, etc.),

respectivamente. De acordo com a CEC, as quatro empresas integradas possuíam estruturas

de custo bastante semelhantes (voavam para os mesmos destinos, contratavam os mesmos

hotéis, etc.) e ambas atingiam as economias de escala necessárias nestes dois segmentos.

- Transparência, interdependência e ligações comerciais

A CEC tratou este item considerando dois momentos distintos, o do planejamento e

definição da capacidade e o das vendas dos pacotes para os consumidores finais. No período

de planejamento e definição da capacidade a ser ofertada, de acordo com a Commission,

existia um alto grau de transparência entre as ações das quatro empresas integradas. As

empresas definiam suas capacidades com base na demanda do ano anterior e mais alguma

previsão de alteração na demanda para o ano seguinte. As empresas sabiam, de acordo com as

experiências anteriores, qual seria a oferta de pacotes oferecida por cada operadora. As

-84-

alterações podiam ser, ainda, percebidas nas negociações com os hotéis, bem como nas

informações de disponibilidade e necessidades de assentos em vôos fretados pelas rivais.

Sendo assim, era praticamente impossível que alguma das empresas integradas praticasse

qualquer alteração na oferta em segredo e, deste modo, devia-se concluir que o

monitoramento dos comportamentos dos rivais era relativamente fácil entre estas operadoras

de turismo.

Durante o período de vendas, o importante era vender a capacidade planejada e

contratada pelo maior preço possível. Para isso, as empresas contavam com sistemas

informatizados para gerenciar seus lucros, que consideravam os preços, disponibilidades de

produtos, horários de vôos e destinos dos maiores operadores. Tais informações eram

monitoradas diariamente, levando a variações de preços sempre que necessário.

Era plenamente possível às rivais, portanto, o conhecimento da quantidade de pacotes

que as empresas esperavam vender pelo número de vôos e hotéis já agendados, que eram

divulgados normalmente por catálogos. Mais do que isso, a maioria das agências de viagem

utilizava um sistema de agendamento comum, o “VIEWDATA”, que exibia em tempo real a

disponibilidade e preços de pacotes turísticos ofertados pelas operadoras (todas as maiores e

alguma das empresas da franja).

Os preços podiam ser, portanto, instantaneamente ajustados pelas operadoras, diante

de qualquer alteração de preços por suas rivais. Entretanto, a CEC afirmou que, como dito,

dada a rigidez de capacidade, o objetivo era vender os pacotes pelo maior preço possível84. A

conseqüência da transparência era que a percepção quanto a um possível excesso de oferta no

mercado era rápida e o oferecimento de descontos por todas as operadoras inevitável. A

84 O objetivo de descontos ou promoções era o de vender os “estoques” de pacotes de viagens antes da data de partida. Os ajustes de preços, portanto, dependiam muito mais da quantidade de vendas em curso em um dado período do que dos preços oferecidos pelos competidores

-85-

detecção era exercida rapidamente e os esquemas de punição passíveis de aplicação

automática. Sendo assim, a importância da transparência estava no fato de que esta tornaria

mais desejável e provável que as empresas optassem por atuar em um nível de oferta inferior

àquele que se igualaria à demanda ao nível de preços competitivo, permitindo a cobrança de

preços mais elevados e aumentando os lucros auferidos.

- Barreiras à entrada

As barreiras à entrada neste segmento foram consideradas altas, na medida em que,

para ser suficiente e remover a ameaça de efeitos anticompetitivos, a entrante deveria fornecer

em escala compatível e ser integrada, para competir igualmente com as maiores empresas.

Além disso, a CEC considerou improvável o crescimento suficiente de alguma das empresas

na franja, que poderiam ter dificuldade de acesso aos vôos fretados e de disponibilização de

seus pacotes pelas operadoras integradas concorrentes. Segundo a CEC, para contestar algum

poder de mercado, seria necessário atingir uma parcela superior a 5% das vendas. Finalmente,

ainda que o crescimento das firmas de menor porte fosse possível, poderia acarretar a

aquisição destas por uma das maiores.

- Poder de mercado dos compradores

Os consumidores individuais, obviamente, não possuíam poder de mercado para se

contrapor às operadoras. Além disso, as agências de turismo de propriedade das operadoras

comercializavam a maioria dos pacotes ofertados. Ainda, a preferência aos pacotes da

operadora proprietária nas agências integradas, somada a outras assimetrias de informações

entre clientes e agências, impedia que os consumidores conseguissem comparar perfeitamente

os pacotes oferecidos. Sendo assim, não havia existência de restrições, pelo lado da demanda,

aos efeitos coordenados neste mercado.

-86-

A conclusão da CEC, com base na investigação das características expostas acima, foi

a de que o mercado possuía características que tornavam possível a coordenação e

incentivavam a restrição coordenada de capacidade pelas empresas integradas.

O histórico do mercado acompanhou esta conclusão. Primeiramente, a agência

identificou um processo de consolidação, comprovado pelo fato de que as empresas

integradas já haviam adquirido, desde o final de 1997, 21 operadoras. Outro ponto ressaltado

foi a evidência de que havia um reconhecimento no mercado de que o excesso de capacidade

era indesejável. Segundo a CEC, após uma declaração da Thomsom de que iria agir para

manter sua parcela de mercado, o preço de suas ações caíram imediatamente cerca de 9%, o

que resultou em pressão dos acionistas para que a empresa declarasse que se tratava de um

mal-entendido (CEC, 1999, p. 36-38).

O efeito disciplinador dos acionistas era ainda potencializado sob o ponto de vista da

coordenação, uma vez que, segundo a CEC, 40% das ações da First Choice, Airtours e

Thomson era de controle do mesmo grupo de investidores. Sendo assim, concluiu a agência

“há evidência de que já existe uma tendência em direção à collective dominance no mercado

neste momento (especialmente, com respeito à definição da capacidade)” (CEC, 1999, p. 39).

Os impactos específicos do ato de concentração, em termos da elevação da

probabilidade de coordenação, foram assim estabelecidos: aumento da concentração, perda da

First Choice como um ofertante e aumento da transparência e interdependência no mercado.

O aumento da concentração era evidente. Segundo os dados fornecidos pela agência e

os cálculos feitos por esta, o IHH estimado em 1.700 pontos, após o ato de concentração,

aumentaria 450 pontos, atingindo 2.150 pontos. Assim, concluiu a CEC, que o ato elevaria a

concentração para um nível excessivamente alto (CEC, 1999, p. 39-40).

-87-

Já a eliminação da First Choice como uma das operadoras representaria a perda da

possibilidade do surgimento de mais uma cadeia de agências com grande abrangência85. Isto

causaria uma maior dependência das empresas de menor porte com as agências de viagem de

propriedade das três operadoras integradas restantes. Além disso, haveria um agravante

representado pelo fato de que a First Choice seria a única operadora com o potencial de criar

uma rede extensa de agências num período curto de tempo.

Por fim, com a concretização da operação, haveria um aumento da transparência e da

interdependência resultante da redução do número dos maiores competidores de quatro para

três e de relações possíveis entre estas empresas de seis para três86. Sendo assim, o ato de

concentração tornaria a interdependência entre as empresas ainda maior, aumentando o

incentivo para restringir a capacidade. Além disso, tornaria mais claro para as empresas o

risco de tentativas de competição por uma maior parcela do mercado. Já o aumento da

transparência atuaria como um reforço neste sentido, sendo mais fácil a detecção de

estratégias deste tipo. Ainda, aumentaria a possibilidade de retaliação, tornando, de forma

mais instantânea, a transformação de qualquer estratégia individual de aumento de capacidade

em coletiva.

Sendo assim, a conclusão da CEC com respeito ao ato de concentração, no que diz

respeito ao mercado de pacotes de viagem de turismo de curta distância, com destinos

internacionais, era o de que haveria um maior incentivo para a redução de competição, pela

redução tanto da capacidade competitiva das empresas menores, quanto da concorrência entre

as firmas de maior porte, que evitariam competir por maiores parcelas do mercado. Haveria,

85 De acordo com a CEC, a First Choice já atuava neste setor, mas estava num momento de expansão. A concentração teria o efeito de amenizar esta expansão, uma vez que somaria as 200-300 lojas da First Choice às 700 de propriedade da Airtours (CEC, 1999, p. 40). 86 Ou seja, n!/(2!n-2!) para n igual a 4 e a 3, respectivamente.

-88-

portanto, o reforço de uma sustentável posição de dominância a ser exercida pelas três

maiores empresas do mercado.

III.3 Os estudos de caso e algumas considerações finais

A análise dos casos realizada acima remete a algumas considerações relevantes com

respeito à metodologia utilizada, bem como aos argumentos econômicos que fundamentaram

as decisões positivas quanto à existência de ameaça de efeitos coordenados.

Podem ser reconhecidas, em ambas as decisões, a utilização de argumentos

econômicos estreitamente ligados com a base teórica apresentada no primeiro capítulo desta

dissertação. Na decisão do FTC para o caso Heinz/BeechNut, por exemplo, mostraram-se

como argumentos de peso a redução do número de empresas e o aumento de concentração,

além de ter sido dada uma atenção especial ao papel das elevadas barreiras à entrada como

fator que torna mais provável a colusão no mercado. Ou seja, não só o FTC deixou clara a

preocupação com o aumento da concentração, como também ponderou que a presença de

barreiras à entrada era um fator relevante para que este aumento fosse por si só um problema.

Como foi possível notar, os argumentos estritamente associados ao paradigma

consenso-detecção-punição (CDP) pouco foram enfatizados nos documentos elaborados pela

agência norte-americana para este caso. É rara ou mesmo inexistente uma relação clara entre

os principais argumentos utilizados pelo órgão e a facilidade de detecção e efetividade de

esquemas de punição. Alguma atenção, neste sentido, foi dedicada especificamente à redução

de homogeneidade de custo, tamanho e produto, assim como de excesso de capacidade – mas

estes elementos foram considerados não apenas pela sua presença como facilitadores para a

colusão, mas sim por sua alteração como resultado do ato de concentração.

-89-

Na decisão da Airtours/First Choice, entretanto, é mais perceptível a influência da

argumentação teórica sobre condicionantes da coordenação, especialmente no que se refere

aos fatores que afetam a facilidade de CDP. Problemas no desenvolvimento de algumas das

características, porém, podem ser destacados. A questão da volatilidade da demanda, por

exemplo, não é convincente o suficiente para a interpretação de que esta dificultaria ou não a

coordenação87.

Apesar destes problemas, a autoridade foi mais eficaz na abordagem de outros pontos,

como o caso da transparência e interdependência entre as firmas ou a forma com que a

concentração e o número de firmas foram avaliados. A relação entre estes através do número

de relações bilaterais possíveis está fielmente retratada no artigo de Stigler (1964).

Com respeito ao número de firmas, é muito interessante a atenção da CEC em avaliar

a relação entre apenas as quatro empresas maiores, ao invés de tratar das centenas de

empresas que compõem o mercado, mostrando a necessidade de confrontação do número de

empresas e o poder de mercado de cada uma destas. A separação da franja foi uma decisão

vital e acertada da agência em sua abordagem. Considerar a possibilidade de coordenação no

mercado como um todo resultaria certamente em conclusões precipitadas. Desta perspectiva, a

diferenciação entre as empresas integradas e não integradas e por porte, por exemplo, para a

caracterização de se a entrada além de fácil seria efetiva, foi correta do ponto de vista

econômico.

Quanto à metodologia utilizada, nas duas decisões, a diferença de enfoque ficou

bastante evidente. A abordagem norte-americana visivelmente não seguiu de forma

87 O argumento da CEC foi o de que existia no mercado uma certa volatilidade, mas esta não seria importante porque atingiria as firmas da mesma forma.

-90-

sistemática a Check List para investigar a presença de características que pudessem

determinar se a coordenação seria possível ou não no mercado. Esta questão ficou, de fato,

muito mais apoiada nas evidências de que a competição já não era intensa entre a Gerber e a

Heinz e de que havia uma liderança em preço sendo exercida pela Gerber. Sendo assim, ao

contrário da análise feita pela CEC, é explícita a maior preocupação em mostrar que a

operação em si aumentaria a probabilidade de colusão e a menor atenção às características do

mercado que fazem da coordenação uma interação factível.

Em relação especificamente às alterações provenientes do ato de concentração para a

maior probabilidade de coordenação, ressalta-se o peso atribuído pelo FTC, na decisão do

caso Heinz/BeechNut, a dois fatores: a redução do número de competidores de 3 para 2 e a

eliminação da competição por espaço nas prateleiras dos supermercados. A agência norte-

americana se mostrou bastante preocupada com a natureza concorrencial do mercado,

investigando o perfil competitivo de cada uma das empresas, bem como a relação entre estas.

É marcante, assim, tanto na investigação do FTC quanto na da CEC, a importância da

análise das peculiaridades concorrenciais do mercado relevante da operação, para as

conclusões obtidas quanto aos efeitos coordenados. As duas decisões poderiam ser

completamente distintas, se a CEC não percebesse a rigidez da oferta e o papel da integração

no mercado e, no caso do FTC, se este não considerasse a disputa peculiar por uma das duas

vagas nas prateleiras dos varejistas no mercado de comida para bebês.

Este ponto, em especial, deve ser ressaltado aqui, não apenas por ser um aspecto de

semelhança entre as duas jurisdições, mas também por acompanhar as conclusões retiradas

das contribuições teóricas sobre o problema da coordenação em oligopólios. Como visto, a

teoria econômica não é capaz de fornecer condições suficientes para a possibilidade (ou para

o aumento de probabilidade) de coordenação em um determinado mercado. Ao contrário, são

-91-

fornecidos diversos argumentos facilitadores ou complicadores, que devem ser analisados

caso a caso, para que seja possível chegar a uma conclusão final adequada. Portanto, a análise

dos casos parece comprovar que tanto a CEC quanto o FTC reconhecem a importância de

uma investigação detalhada das formas e padrões de concorrência dos mercados para a

avaliação dos efeitos coordenados de um ato de concentração.

A análise européia do caso Airtours/First Choice, por sua vez, consistiu numa forma

de olhar a investigação de efeitos coordenados distinta da experiência norte-americana, pelo

simples fato de seguir o método Check List como base de argumentação. Mesmo as análises

das especificidades da relação e interação entre as operadoras – integração vertical, rigidez da

capacidade e interdependência estratégica – foram utilizadas, principalmente, para demonstrar

a racionalidade da existência de coordenação no mercado e por que esta se daria em

capacidade e não em preço. Além disso, a evidência de que a competição por parcela do

mercado já não era bem vista no mercado foi apenas complementar aos esforços que levaram

à conclusão de que o mercado era propenso a uma restrição concertada da capacidade.

O enfoque na Check List, todavia, ainda que acompanhe o raciocínio econômico, gera,

como dito no Capítulo II, dois problemas importantes: o desconforto de ter que lidar com

características do mercado ambíguas ou até mesmo contrárias à intuição da autoridade88 e a

dificuldade de mensuração do efeito da concentração em si para a maior probabilidade de

coordenação resultante do ato de concentração.

Para o caso da Airtours/First Choice, especificamente, o primeiro problema não foi

relevante, nem mesmo observado. Contudo, o segundo, cuja solução é recorrentemente

requisitada pelos tribunais, parece ter sido o maior desafio. Os argumentos utilizados pela

88 Retomando os termos do Capítulo II, a análise dos itens da Check List se torna mais problemática quando co-existem características que são favoráveis, desfavoráveis ou ambíguas para a execução desejável das três condições necessárias para a coordenação (o consenso, a detecção e a punição).

-92-

CEC relacionados com este último ponto, como pode ser notado pela descrição do caso,

consistiram na percepção de que a operação acarretaria um aumento dos níveis de

concentração, de transparência e de interdependência entre as firmas do mercado, devido à

eliminação de uma das quatro empresas integradas. Apesar destes níveis já se encontrarem

elevados anteriormente à operação, é verdade, e neste sentido a CEC tem razão, que esta

situação seria agravada com a realização do ato.

De uma certa forma, a experiência norte-americana procura lidar com toda esta

problemática, ao buscar por argumentos mais diretos, como a eliminação de uma firma

maverick, a redução do número de firmas no mercado de três para duas e a evidência de

colusão ou de pouca rivalidade pré-existente, conforme destacado no Capítulo II. Os dois

primeiros, portanto, são formas de resolver a dificuldade de se demonstrar a relação de

causalidade entre o ato de concentração e o aumento de probabilidade de colusão, enquanto o

último pode retirar dúvidas provenientes da investigação da Check List em dizer se a colusão

é ou não possível e desejável no mercado relevante.

A operação entre a Heinz e a BeechNut permitiu ao FTC utilizar-se destes três

elementos em sua análise. Neste exemplo, apenas a existência da maverick não foi observada,

porém o argumento da eliminação da competição nas prateleiras com a aquisição da

BeechNut possui um papel semelhante na decisão, na medida em que discute a remoção do

único fator que até então impedia a coordenação no mercado.

Entretanto, estes argumentos, embora mais diretos, nem sempre estão presentes nas

operações em que os efeitos coordenados surgem como principal ameaça anticompetitiva.

Nestes casos, como foi o exemplo europeu aqui abordado, as autoridades têm de lidar com a

dificuldade e, de alguma maneira, subjetividade gerada pelos diversos argumentos

estritamente econômicos relacionados com a alteração das características que favorecem ou

-93-

não a capacidade de coordenação - ou seja, ligadas ao paradigma CDP - e dos incentivos

provenientes das expectativas de ganhos no longo prazo - derivados da Teoria dos Jogos. Uma

questão fundamental para estes casos, conforme também pôde ser notado com a investigação

da CEC, é que a resposta para avaliar os efeitos coordenados pode estar na análise de como se

dá o funcionamento do mercado relevante, destacando as formas de competição e de interação

entre as empresas.

Sendo assim, é natural que os tribunais – e a sociedade como um todo - esperem

decisões sólidas por parte das autoridades antitrustes, seguindo procedimentos padronizados e

com argumentos fortes o bastante para que uma operação entre empresas venha a ser anulada.

Se a estratégia norte-americana, adotada durante a última década, de basear-se na verificação

dos pontos abordados acima (criação de um duopólio, eliminação de uma firma maverick,

evidência de colusão pré-existente) torna a decisão mais confiável aos olhos dos tribunais, é

um ponto a se pensar. De fato, a decisão do FTC para o caso em questão, ao contrário da

Airtours/First Choice, foi aceita pela corte.

No entanto, resumir a análise de efeitos coordenados à verificação destes argumentos

não faz muito sentido, nem sob o ponto de vista da teoria econômica, quanto menos aos

objetivos da prática antitruste. O ato de concentração entre a Airtours e a First Choice foi um

exemplo importante de que efeitos coordenados significantes podem ser comprovados,

mesmo na ausência destes tipos de argumentos, com base em uma investigação minuciosa das

formas de concorrência entre as empresas e das características relevantes do mercado.

O movimento de convergência entre estas duas importantes jurisdições compreende

esforços mútuos de resolver este impasse. A resposta obtida aqui foi a de que mais razoável é

perseguir uma relativa flexibilidade acompanhada sempre de argumentos econômicos sólidos.

De uma certa maneira, a percepção de que a análise de efeitos coordenados exige atenção

-94-

redobrada com as especificidades concorrenciais do mercado, bem como a de que não há uma

regra geral a ser aplicada, já estava incorporada na prática das autoridades norte-americanas e

européia mesmo antes do processo de convergência. Sendo assim, ao que parece, é o sentido

que sugere a teoria econômica aquele que a prática antitruste aponta percorrer.

-95-

CONCLUSÃO

A dissertação que aqui se encerra pretendeu tratar dos efeitos coordenados em atos de

concentração - ou seja, o aumento da probabilidade de que firmas de um determinado

mercado optem por atuar coordenadamente para a fixação de preço ou quantidade –

abordando tanto os fundamentos teóricos quanto sua aplicação nas políticas de defesa da

concorrência em diferentes países.

A preocupação com relação à ocorrência deste tipo de efeito em mercados de

oligopólios é consistente, como visto, do ponto de vista da teoria econômica. Esta não só

assume que a coordenação consiste em forma recorrente de interação neste tipo de estrutura,

mas também que existem características que a tornam mais ou menos provável ou, ainda, que

interferem na sua possibilidade e estabilidade.

Conclui-se, portanto, que existe uma justificativa teórica, mais precisamente

econômica, para a tomada de ações restritivas, por meio da política antitruste, contra

concentrações cujos efeitos coordenados sejam significativos, uma vez que a colusão não

constitui um mal inevitável ao oligopólio e, mais ainda, pode ser facilitada por mudanças

estruturais no mercado.

Neste sentido, as contribuições da visão estruturalista foram importantes por fornecer

um primeiro tratamento teórico dos papéis da concentração e do número de empresas, aliados

à presença de barreiras à entrada, na alteração da propensão à coordenação do mercado. Este

entendimento não foi abandonado pela teoria desenvolvida posteriormente. Ao contrário, a

questão proposta por Stigler (1964) era a de identificar, com base nos desafios impostos às

firmas que optassem por uma prática coordenada, as condições exigidas para que esta fosse de

-96-

fato possível. Sendo assim, conforme a visão deste autor, destacou-se, como condições para a

existência de colusão, a necessidade de que as firmas fossem capazes de: (i) estabelecer um

consenso sob a forma e os termos da colusão; (ii) detectar prontamente os possíveis desvios; e

(iii) aplicar um esquema de punição crível e eficaz – condições estas identificadas e

analisadas pelo paradigma Consenso-Detecção-Punição (CDP).

Outra fonte de instrumentos teóricos para a análise da propensão à colusão pode ser

encontrada nas contribuições baseadas na Teoria dos Jogos. Estas se caracterizam, conforme

observado, por conceber a interação coordenada como um jogo de estágios repetidos

infinitamente, investigando as condições que garantem a viabilidade da colusão tácita como

um equilíbrio estável. Esta teoria sustenta não só o principio da interação repetida, mas

também a relevância de argumentos como aprendizagem e considerações sobre o futuro, para

a garantia de sustentabilidade e para a avaliação dos incentivos à colusão e ao desvio.

Sendo assim, a teoria econômica indica que a apreciação ou não de um ato de

concentração, sob a perspectiva de seus efeitos coordenados, deve procurar identificar as

características no mercado que facilitam o cumprimento das três condições estipuladas pelo

CDP, bem como as identificadas pela Teoria dos Jogos. Estas condições facilitadoras são

vitais para responder a primeira questão que deve ser posta à autoridade antitruste: a de se a

colusão é de fato uma ameaça possível e desejável pelas empresas. De acordo com o exposto,

o instrumento mais utilizado para este objetivo consiste na chamada Check List, podendo

ainda ser complementado pelo uso de argumentos ligados ao histórico de colusão no mercado.

Como uma segunda questão a ser respondida pela autoridade antitruste, está a

identificação da ligação de causalidade entre o ato de concentração e o aumento da

probabilidade de colusão. Para este fim, como visto, é recorrente o uso de argumentos como a

redução do número de empresas em mercados em que estas já eram poucas e a aquisição de

-97-

firmas mavericks. A alteração em alguma característica que compõe a Check List também é

frequentemente mencionada. Além disso, para responder ambas as questões, foi notada a

importância de se investigar exaustivamente as especificidades e a natureza concorrencial do

mercado envolvido.

A partir do estudo dos instrumentos e argumentos mencionados acima, concluiu-se

que sua aplicação – principalmente no caso dos vários itens da Check List – leva,

constantemente, a avaliações contraditórias e a necessidade de uma ponderação entre fatores

facilitadores ou limitadores para a coordenação, que fica a critério da sensibilidade da

autoridade antitruste. A interpretação da agência é normalmente feita com base em uma

análise que impede a padronização ou a utilização de regras gerais. Sendo assim, a avaliação

de efeitos coordenados necessariamente é realizada caso a caso, de forma que a agência

consiga reforçar os principais elementos, que variam de mercado para mercado, de acordo

com a percepção gerada por uma detalhada investigação, capaz de apontar as particularidades

dos padrões de concorrência dos mercados em foco.

As autoridades de diferentes jurisdições encontraram várias formas possíveis de lidar

com esta tarefa. Em especial, as experiências dos Estados Unidos e União Européia são dois

exemplos de aplicações distintas dos instrumentos e argumentos associados à avaliação de

efeitos coordenados, embora haja atualmente uma convergência metodológica entre tais

jurisdições. A divergência, ocorrida durante a década de 90, dizia respeito tanto à importância

atribuída aos efeitos coordenados quanto à metodologia aplicada. Portanto, foi notada,

relativamente aos efeitos coordenados, uma maior ênfase aos efeitos unilaterais, nos Estados

Unidos, e o oposto, na União Européia. Além disso, a metodologia norte-americana, ao

contrário da européia, não compreendia a verificação exaustiva da Check List e baseava-se

-98-

primordialmente em argumentos como a evidência de colusão passada, a redução do número

de firmas de três para duas e, ainda, a aquisição de uma firma maverick.

Finalmente, os casos estudados para as duas jurisdições foram bem sucedidos em

demonstrar a diferença metodológica e as dificuldades e limitações de cada uma destas. Com

relação às limitações, enquanto uma metodologia baseada na Check List pode tornar uma

decisão imprecisa ou subjetiva, aquela apoiada apenas em argumentos mais fortes (como

existência de histórico colusivo, criação de duopólio ou eliminação de uma maverick) pode

estar permitindo concentrações que, do ponto de vista econômico, possuam efeitos

anticompetitivos indesejáveis. Como uma semelhança percebida na abordagem dos dois

casos, constatou-se a importância atribuída à investigação detalhada das formas e padrões de

concorrência dos mercados relevantes para as conclusões quantos aos efeitos coordenados.

Apesar destas diferenças entre as duas jurisdições, a discussão realizada ao longo da

dissertação permite concluir que as metodologias e os argumentos já disponíveis, para a

utilização da política antitruste na avaliação de efeitos coordenados, acompanham

perfeitamente os desenvolvimentos teóricos revisados no primeiro capítulo. Todavia, construir

argumentos econômicos bem fundamentados, capazes de sustentar a decisão de não autorizar

a realização de um ato de concentração, ainda constitui um dos maiores desafios para a

aplicação das políticas de defesa da concorrência.

As duas principais agências no debate recente sobre este tema parecem estar de acordo

que nenhum dos extremos da década de 90 se apresenta como o mais adequado para atender

os objetivos da política antitruste. Mais ainda, a convergência atual mostra não só a atenção

conferida aos efeitos coordenados, mas também que a solução encontrada deve permitir tanto

o uso de argumentos econômicos sólidos como uma relativa flexibilidade analítica. Ou seja,

as autoridades norte-americanas e européia parecem estar convencidas de que é fundamental

-99-

uma análise caso a caso, que considere as particularidades dos mercados envolvidos, e de que

devem perseguir um meio termo entre os dois enfoques destacados acima. O resultado

desejável deste processo de convergência deve ser, portanto, uma metodologia flexível capaz

de comprovar satisfatoriamente se a coordenação se tornará ou não mais provável após a

operação, sem deixar de avaliar e impedir os atos de concentração que possuam efeitos

coordenados significativos.

Se o melhor caminho será realmente percorrido pelas autoridades norte-americanas e

européia é uma questão que, para ser respondida, exige um maior tempo de maturação das

mudanças já realizadas. As discussões mais atuais em torno do tema permitem a intuir que o

sentido das mudanças parece ser o apontado aqui, cuja validade é apoiada pelas contribuições

teóricas apresentadas. Certamente, a capacidade de cumprir com esta sugestão, seja pelas

agências estudadas ou pelas demais, depende tanto de certo grau de flexibilidade permitida às

análises, quanto de leis que possibilitem e guias que orientem a reprovação de concentrações

quando necessária.

No Brasil, em particular, apesar do guia para concentrações horizontais89 mencionar

alguns dos fatores da Check List, mesmo que somente de forma superficial, não existe uma

aplicação sistematizada de avaliação de efeitos coordenados. Ao contrário, após quatro anos

da data de publicação do documento, não há registro de alguma investigação que tenha

avaliado significativamente o aumento de probabilidade de coordenação causado por um ato

de concentração. Sendo assim, um debate sobre a importância de se avaliar este tipo de efeito

anticompetitivo e as formas possíveis de aplicação pelo Sistema Brasileiro de Defesa da

Concorrência deve ser iniciado. O sistema brasileiro precisa progredir neste sentido e,

seguramente, já se encontra preparado para este novo avanço.

89 Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal, expedido pela Secretaria de Acompanhamento Econômico e pela Secretaria de Direito Econômico, em 1° de agosto de 2001 (p. 15-16).

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