Egito Antigo- Sophie Desplancques

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INTRODUÇÃO

I.OsegípciosesuahistóriaA ideologia egípcia tende a apresentar a história da sua

civilização, que se estende por mais de três milênios, noquadro de uma continuidade bastante fixa. A história écontada de modo a apagar acontecimentos que poderiam serinterpretados como rupturas. Assim, a inscrição de um altofuncionário chamado Més menciona o ano 59 de Horemheb(cerca de 1290 a.C.), embora esse faraó não tenha mais que29 ou 30 anos de reinado. Não se trata de um erro, mas deum ato voluntário. Na verdade, foi acrescentado aos anos dereinado efetivo do rei o intervalo de tempo que o separa deAmenhotep III (cerca de 1385 a 1345 a.C.); os reinados deAkhenaton/Amenhotep IV e de seus sucessores foramexcluídos dessa história reconstruída pela ideologia egípcia.Na apresentação da sua história, os egípcios não buscamdestacar as particularidades dos acontecimentos uns emrelação aos outros. Ao contrário, desejam mostrar essesacontecimentos como a repetição ininterrupta do que existedesde os tempos da criação e durante o reinado dos deusesna terra. Jean Leclant1 definia assim a civilização egípcia em1969: “Civilização da pedra, voltada obstinadamente para osresultados do seu início, buscando repeti-los”. A história,segundo os egípcios antigos, define-se como a busca de umpassado que possa fornecer modelos para o presente.Contudo, a afirmação da identidade e da personalidadeegípcias, que são elementos significativos de um indivíduo ede uma época, ocupa igualmente um lugar importante nessaideologia. Ao narrarem os seus atos, os egípcios procuramultrapassar os que vieram antes: os anais eram consultadospara verificar o caráter excepcional do faraó. Essacompetição, porém, não significa uma ruptura. Nesse mesmoespírito, o conceito de intervenção divina é frequentemente

utilizado para explicar acontecimentos singulares. Devemoster em mente essas concepções quando nos propomosestudar a história do Egito Antigo.

II.AsfasesdahistóriaegípciaO Egito Antigo conhece três grandes fases históricas: a pré-

dinástica, a época faraônica e o período greco-romano. Oinício e o fim da época faraônica se inscrevem em contextosparticulares. A época tinita2 é marcada pela criação dosprincipais elementos que vão caracterizar o Egito durantemais de três milênios. A sociedade da Baixa Época,fortemente marcada por influências estrangeiras, enquadra-senum contexto de profunda mudança das mentalidades evalores egípcios. A civilização egípcia se desenvolve sob trêsgrandes impérios: o Antigo Império, o Médio Império e o NovoImpério. Cada época de final de império desembocou emperíodos de perturbações, qualificados de PeríodosIntermediários. Estes se caracterizam principalmente pelorompimento da unidade política e territorial do Egito após umdecréscimo da autoridade do poder real. Esse poderenfraquecido pode então ser substituído, conforme osperíodos considerados, por dinastias locais que partilham opoder ou por dinastias estrangeiras. Os PeríodosIntermediários ainda hoje são mal conhecidos e difíceis decircunscrever com precisão. Por outro lado, os faraós egípciossão agrupados em dinastias numeradas de um a trinta,segundo uma classificação da Aegyptiaca de Maneton, umsacerdote do começo do século III a.C. (ver adiante, p. 24). Deaproximadamente 3000 a 332 a.C., ao longo dessas trintadinastias, a civilização egípcia se desenvolve e deixa suamarca no mundo. Assim, pode-se perceber quão vasta é atarefa de escrever uma História do Egito Antigo, para a qualnos limitaremos a apresentar as linhas gerais, indicandoalgumas pistas a explorar.

1. Jean Leclant é um renomado orientalista e egiptólogo francês, especialista na história da civilizaçãofaraônica.(N.E.)2.RelativoàcidadedeTínis,queseráacapitaldasduasprincipaisdinastiasdoAntigoImpério.(N.T.)

CAPÍTULO I

O MEIO AMBIENTE

I.OpaísesuageografiaOEgitositua-senumquadrogeográficoparticular.Éumalongafaixadeterra

fértilquesósealarganasproximidadesdoMediterrâneoeconstituiumaespéciedeenclavenumavastazonaárida,quenãoésenãooprolongamentoorientaldoSaara. Sua diversidade geográfica e cultural foi especialmente destacada pelasrecentespesquisasrealizadasnaregiãodoDelta.ODeltaeoVale,assimcomoaszonasdesérticas,sãofacetasdeummesmopaísedeumamesmacivilização.

1.Asgrandesregiões–OEgitodivide-seem trêsgrandes regiões:oAlto

Egito, o Médio Egito e o Baixo Egito. Contudo, os egípcios daAntiguidadedistinguiamapenasduasdelas: oAltoEgito (Alto eMédioEgito chamadosTashemau) e oBaixoEgito (Tamehu ). Essa divisão sematerializa, ao longo doperíodohistórico,nasduascoroasusadaspelofaraó:acoroabranca(AltoEgito)e a coroa vermelha (Baixo Egito). Após a unificação do país, os egípciosperpetuamessavisãodualistadoseuterritório.ElesnuncadeixarãodedefiniroEgitocomoum“duplopaís”.NagestãodoEgitoprevaleceu,domesmomodo,umsistemadeorganizaçãobilateral.ParadesignarodepartamentodoTesouro,aexpressão mais corrente desde as origens é “dupla casa do dinheiro”. Duasgrandes entidades naturais são igualmente mencionadas nos textos: a “terranegra” (kemet), que corresponde ao vale plano aluvial do Nilo, e a “terravermelha”(desheret), que se refere ao imensoSaara ao redor.OAltoEgito secompõe de uma formação de arenito em sua parte sul atéEsna, onde o vale égeralmentemuitoestreito,edeumaformaçãodecalcárioemsuapartenorteatéoDelta,ondeovalesealarga,semnoentantoexcederunsvintequilômetros.Essaregiãopodeserqualificadadeberçodacivilizaçãoegípcia.Éláqueasculturaspré-dinásticas se desenvolveram,nos sítios deBadari e deNagada.Domesmomodo,aunificaçãodopaís seefetuou tambémapartirdevárias localidadesdoAlto Egito e por meio de príncipes originários dessa região. Dois sítiosimportantesmarcaramessaépocadeprofundasmudanças:Hieracômpolis,capitaldaunificação,eAbidos,sítiofuneráriodossoberanosda1ªdinastia.Alémdisso,apresençaegípcianessaregiãoéatestadaaolongodetodaahistóriafaraônicaatéa época greco-romana. Sua situação geográfica a protege das incursõesestrangeiras,principalmenteasdomundomediterrâneoedoOrientePróximo.O

AltoEgitopermanece,assim,aolongodetodaahistóriaegípcia,muitoligadoàstradições faraônicas. Durante períodos de perturbações políticas, era lá que seorganizava a retomada do controle do país. Essa vontade de reunificaçãogeralmentepartiadeTebas,queconheceuseuapogeunoNovoImpérioeimpôsseudeus,Amon,comodeusdinástico.

OMédioEgitoseestendedosarredoresdeAssiutatéapontameridionaldoDelta. Durante muito tempo foi o lugar de residência dos faraós e a sede dogoverno. Mênfis, primeira capital do país unificado, detém essa função até ametadedoNovoImpério.NoMédioImpério,Licht,queconservaovestígiodealgumas das pirâmides dessa época, torna-se por algum tempo, a partir deAmenemhat I (cerca de 1525 a.C.), a capital doEgito.A presença de grandessítios funerários dinásticos e particulares da realeza, como Gizé, Dachur eSaqqara, atesta o papel predominante dessaparte doEgito desde as origensdasuahistória.Osvestígiosencontradosnessaregiãonãoselimitamaosrelativosàrealeza e ao governo, pois ela abriga igualmente uma das grandes necrópolesprovinciais do Médio Império, a de Beni Hassan. A presença de um braçosecundáriodoNilo,oBharYussef,conferetambémaessapartedoEgitoumadesuasprincipaiscaracterísticas.OescoamentodesuaságuasemdireçãoaFaiumdotaessabacianaturaldeumpapeleconômicoconsiderável.

OterritóriodoBaixoEgito,emterrasparticularmentepantanosas,seestendedos arredores deMênfis até omarMediterrâneo. Essa zona de contato com omundomediterrâneoecomoOrientePróximoserá,duranteahistóriafaraônica,muitoafetadaporinvasõeseinfluênciasestrangeiras.Apartirda19ªdinastia,elaadquire uma posição de primeiro plano. É ali queRamsés II funda Pi-Ramsés(atualQantir),anovacapitaldoEgito.OssoberanosdaBaixaÉpocaorigináriosdessaregiãovãotambémseinstalarali,nascidadesdeTânis(aTebasdoNorte)edeSaís.

DoisdesertosbordejamovaledoNilo:odesertolíbico,aoeste,eodesertoarábicoeoSinai,aleste.Essesambienteshostissãoexploradoseconomicamentedesde a época pré-dinástica.Odeserto líbico é uma região bastante plana e deextrema aridez.No entanto, algunsoásis foramali colonizadosdesdeoAntigoImpério, como Bahariya, Farafra, Dakhla e Kharga. Além disso, o desertoocidental constitui uma via de comunicação desde a época pré-dinástica. Odeserto arábico e o Sinai, por sua vez, formam uma região montanhosa cujabarreiraaprotegeudoexterior.Essaregiãodesempenha,desdeaépocaarcaica,um papel econômico importante, pois seu deserto contém a maior parte dosrecursosmineraisexploráveisemterritórioegípcio(porexemplo,a turquesaeocobrenoSinaieoourodouadi3Hammamat).

2 .O Nilo – Os egípcios se adaptaram tanto às exigências quanto aos

benefícios trazidos por esse rio de mais de 6.700 km de extensão sem buscardominá-lo.Assim, as fundações dos grandes templos se encontram a uma boadistância do lençol freático. A sociedade egípcia é uma sociedademajoritariamente agrícola.A cheia do Nilo traz a fertilidade ao Egito não sóatravés das águas,mas também depositando nasmargens o lodo fértil. Porém,doisperigosameaçavamoEgito:porumlado,quandoacheiaeramaisfortequeo normal, por outro, quando eramais baixa.Com isso, desde a época tinita, oEstado procurou controlar e registrar as variações anuais do Nilo através demediçõesdoseunível.Estaseramarquivadasnosanais(aPedradePalermo4)ouemalgunsmonumentosreais(acapelabrancadeSesóstrisI,cercade1960a.C.).As variações do curso do Nilo influenciaram também a escolha das espéciescultivadas.Assim,olinhoeracultivadonasterrasabundantementeinundadas,eavinha nas partesmenos úmidas. No que diz respeito aos cereais, o trigo eraplantadonosanosemqueainundaçãoeranormal,eacevada,quandoaquelaeraparticularmente abundante. Por outro lado, a divisão do ano civil egípcio sebaseavanaobservaçãodasmudançashidráulicasdorio.Oanoeradivididoemtrêsestações:ainundação(Akhet),o“inverno”(péret)eo“verão”(chemu).Noquartomilênio,osegípciosfixaramocomeçodoanotomandoporreferênciaumaobservação astronômica que não era senão uma coincidência: o aparecimentohelíaco5deumaestrelachamadaSothiseotransbordamentodorio.ONiloeratambémoprincipaleixodecomunicaçãoentreosuleonortedopaís.Ocaudaldo rio permitia apenas uma circulação do sul para o norte, e isso somente emcertos períodosdo ano (de agosto a outubro, o que corresponde aoperíododainundação).Asviagensnesselongorionãoseefetuavamsemescala.Osoberanoe os enviados reais paravam em “desembarcadouros” onde encontravamprovisões e acomodações que lhes asseguravam um certo conforto. Essasinstalaçõessãoatestadas,na18ªdinastia,nosreinadosdeTutmósis(ouTutmés)IIIedeHoremhebnodecretoditodeHoremheb.ParaospovosqueameaçavamoEgito,oNilofoiàsvezesumaviadeinvasãoaosuleaonorte.Longedeserumafronteiranatural,oNiloésobretudoumtraçodeuniãonãoapenasentresulenorte,mastambémentresuasmargenslesteeoeste.AirrigaçãonoEgitopareceter-selimitadoàaberturadecanaisqueserviamtambémparaotransporte(omaisantigo testemunho se acha gravado na cabeça do bastão do rei Escorpião, nachamada“dinastia0”).Aocontráriodehoje,osistemade irrigaçãoeraanualenãoperene.

3 .As subdivisões administrativas – Quando o Egito foi unificado, o

governo real dividiu o “duplo país” em províncias ousépat. Os historiadoresmodernos as chamamdenomos, termo tomadoda línguagregaeutilizadopelaprimeiravezsobadinastiadoslagidas(cercade330a30a.C.).Onúmerodessesnomosvariouaolongodotempode38a39,duranteoAntigoImpério,até42,no Novo Império. As origens dessas unidades administrativas com vocaçãoeconômicaefiscalsãoimprecisas.Algumastinhamumarealidadegeográficaouculturalantiga,sendoasherdeirasdiretasdospequenosprincipadosexistentesnoEgitopré-dinástico.Colocadosobaautoridadedeumoficialdelegadopelopodercentral, o nomarca, o poder político dessesnomos era real. O nomarca eraencarregado da coleta dos impostos e da segurança interna donomo, e exerciatanto funções jurídicas como a supervisão de obras. Essas funções civis eramacompanhadasdeumasériedeencargossacerdotaisrelacionadosàadministraçãodo templo e ao exercício do culto. Em algumas regiões, por exemplo, no 15ºnomodoAltoEgito,pode-seobservarumacontinuidadegenealógicadesdea9ªdinastia até o reinado de Sesóstris III. Umamesma família governou a região,primeirodeformaindependentenoPrimeiroPeríodoIntermediário,depoissobaautoridade do rei, durante mais de trezentos anos. Após uma reformaadministrativa no reinado de Sesóstris III, o cargo de nomarca se extinguiuprogressivamente. Os nomarcas foram substituídos por funcionários maisnumerosos, e com poder mais limitado, submetidos à autoridade do vizir eadministrando unidades geográficas mais restritas (niut, “cidade”). Osnomoscontinuaram,porém,amarcaradivisãodo território.Suacapital eradesignada,deumlado,porumemblemaquefaziareferênciaaanimais,árvores,símbolosoudivindades e, de outro, por um hieróglifo. Esse emblema era o testemunho deculturas ditas primitivas e que remontavam à época pré-dinástica. Emcontrapartida,ohieróglifocorrespondenteanomoéumprodutodaunificaçãodopaís:elerepresentaumterrenodesenhadoporcanaisdeirrigaçãoetemavercomaorganizaçãoestataldaagricultura.

Durante três milênios, o número, as capitais, os limites e a denominaçãooficialdasprovínciasvariaramemfunçãodaestruturasociopolítica,dosavançoserecuosdavalorizaçãodosoloedocrescimentooudeclíniodascidades.

4 .As fronteiras – As fronteiras naturais do Egito são determinadas pela

cataratadeAssuã,pelasbordasdesérticasepelafrentemarítimadoDelta.Umasériedeobrasmilitaresseocupavadoacessoaessasfronteiras,desdeofortedailhadeElefantinaatéas“fortalezasdomar”.Quantoàsfronteiraspolíticas,elasvariaramaosabordasconquistasaolongodetodaahistóriaegípcia.Aosul,porexemplo,ainfluênciaegípciaseestendeuatéaquartacataratadoNilonocomeçodoNovoImpério.Asúnicasfronteirasvulneráveisdopaísforamasdosul,onde

seestendemas terrasdaNúbia6e asdonordeste, onde se achamos caminhosquelevamaoOrientePróximo.AmpliarasfronteiraseprotegeroEgitodeseusvizinhos eram uma das pedras angulares das funções do faraó. Se quisesse terplena legitimidade, o soberano, a fim de garantir a ordem, devia conservar ouestender os limites da sua zona de influência.Nessas zonas de contato, os reisconstruíram importantes fortalezas e cidades fortificadas. Os soberanos da 12ªdinastia estabeleceramna segundacatarataumanova fronteiravigiadaporumaredecomplexadefortalezassubmetidasaumcomandoúnicosituadoemBuhen.Mais tardiamente, a fronteira noroeste também precisou ser protegida (Pelusa,Tellel-Herr).Nadapodiaatravessarafronteirasemtersidoregistradoporescrito.Todos os que passavam pelo posto fronteiriço deTcharu eram rigorosamenteregistrados no diário da fortaleza.A polícia que vigiava essas fronteiras tinhacertamente a funçãodeprotegeropaís contra incursões estrangeiras,mas tinhatambém uma função alfandegária, administrativa e comercial. Pois, se asfronteirasdevemserdefendidas contra eventuais invasores, elasnãodeixamdeserviasdepenetraçãocomercial.

5.OEgitoeomundo–OEgitoestásituadonocantonordestedaÁfrica,na

extremidade oriental do Saara, abrindo-se ao norte ao Mediterrâneo,comunicando-se com a África negra ao sul e com o Oriente Próximo a leste.Desde as épocas mais remotas, o país manteve relações diversas com seusvizinhos.Fossemelaseconômicas,comerciais,políticas,diplomáticasoumovidaspela curiosidade, essas relações mostram que os egípcios conheciam bem ageografia de sua região e de terras próximas e longínquas. Prova disso são aslistas topográficas gravadas nosmonumentos egípcios. Estudos realizados paralocalizar suasantigas regiõesprogridemacadadia.Contudo,algumasquestõescontinuamsemresposta,comoalocalizaçãodaregiãodePunt.Deacordocomostextos, o acesso a essa terra de substâncias aromáticas se fazia por barco.Asprimeiras menções conhecidas feitas a Punt datam da 5ª dinastia, e as maisrecentes,da25ªdinastia.Duashipótesesresultamdaspesquisasatuais.Parauns,PuntdeveriaserbuscadanosuldoEgito,nacostasudanesameridionalenonortedaEritreia;paraoutros,essaterraexóticasesituariaaleste,naArábia.Segundoostextosegípcios,oUniversoépovoadopelosegípcios,responsáveispelaordemdomundo(aMaât),eorestodaspopulaçõesrepresentaocaos,ouniversohostil.Portanto,o“inimigo”éoestrangeiro.Porserdiferente,eledeveserdestruídoetotalmente subjugado.Essavitória sobreoestrangeiroaparecena representaçãodosNoveArcos(veradiante,p.77),emquehácenasdemassacredeinimigosetambémcenasdebatalhaedecaça.Emsuasrelaçõescomoestrangeiro,oEgito

manifesta uma predileção pelo Sul desde as mais antigas épocas. Durante asprimeirasdinastias,açõesmilitaressãoempreendidasemdireçãoàBaixaNúbia.No entanto, essas relações com o estrangeiro são ambivalentes. Se os egípciosbuscamseprotegerdomundoexteriorquerepresentaumperigo,ooutrotambémfascina por sua estranheza.Os territórios estrangeiros atraem por seus recursosnaturaisepelamãodeobrabaratafornecidapelaspopulaçõeslocais.Aomesmotempo, a egipcianização é necessária para que cada elemento esteja de acordocomaordemdomundo.Assim,asdivindadesestrangeiras,osmodosdevidaeoshomens são adotados após terem recebidoumnomeegípcio, ou após teremsidoeducadosnoKep(geralmentetraduzidopor“infantárioreal”),quedependedopaláciodorei.Naverdade,osfilhosdepaisestrangeirospodiamserconfiadosvoluntariamente ou de maneira menos pacífica aoKep, onde recebiam umaformação idêntica (línguas, religião, manejo das armas etc.) à dos filhos darealeza.Essaaculturaçãoconheceuumúltimodesenvolvimentocomasubidaaotrono de uma dinastia núbia (25ª dinastia) cujos soberanos perpetuaram astradições egípcias. O Egito sempre exerceu uma grande atração sobre seusvizinhos.

II.OEgitoesuahistória1.A escrita – Quando aparece a escrita hieroglífica? A tradição egípcia

atribuiaMenés,primeirofaraómíticodoEgitounificado,ainvençãodaescrita.Os egiptólogos há muito indicam que a invenção da escrita coincide com ocomeçoda1ªdinastia.RecentesdescobertasnatumbaU-jdocemitériodeUmmel-Qaab, emAbidos, trouxeram à luz um ricomaterial epigráfico que atesta aexistência de uma escrita no sentido próprio do termo antes da unificação doEgito(aproximadamente3150a.C.).Noseucomeço,aescritahieroglíficasóseverificanumarelaçãodiretacomafunçãoreal.Somenteapartirda1ªdinastiaéqueaescritapassaaserutilizadaemmonumentosprivados.Assim,umaligaçãodireta pode ser estabelecida entre o nascimento da escrita e a afirmação darealeza. Os signos hieroglíficos são pictogramas cujo desenho descreve umarealidadeconcretadomeioambienteegípcio:afauna,aflora,asconstruções,asferramentas,omobiliário,ossereshumanoseasdivindades.Aescritahieroglíficaassocia o ideograma, o fonograma e o determinativo. O ideograma permiteregistrarumapalavracompletacomoauxíliodeapenasumsigno.Ofonogramaéutilizado por seu valor fonético independentemente do que ele representa. Odeterminativoindicaouprecisaosentidodamaiorpartedaspalavras.Originadasdeumamesma língua, duas escritas (hieroglífica e hierática) são correntementeutilizadasduranteoperíodofaraônico.Aescritahieroglíficaécomumnostextosmonumentais que ornam os templos e os túmulos, enquanto a escrita cursiva

(hierática) é empregada em papiros ou em óstracos (lascas de calcário oufragmentos de cerâmica usados pelos egípcios para escrever ou desenhar commenos dificuldade) para registrar os acontecimentos da vida cotidiana(documentosadministrativose jurídicos,cartase testamentos).Émuitoevidenteque,duranteahistóriadoEgito,alínguaconheceudiferentesevoluções(houve,porexemplo,omédioegípcioeoneoegípcio).Apartirda26ªdinastia,umanovaescritacursiva,odemótico,fazsuaapariçãonoBaixoEgitoparadepoisestender-seprogressivamentea todoovaledoNilo.Comoohierático,odemóticoserveprincipalmenteparaescrevertextosdapráticacotidiana.Odemóticoepigráfico7permaneceumaexceção.Comotempo,ousoeoconhecimentodosmecanismosda língua egípcia vão desaparecer; só serão redescobertos em 1822 por Jean-FrançoisChampolliongraçasaseuperfeitoconhecimentodalínguacopta.

2 .Os calendários e a cronologia – A difícil questão do calendário, ou

melhor, dos calendários, é fundamental para tentar estabelecer uma cronologiaabsoluta do Egito Antigo. Antes do aparecimento da escrita, os egípciosdispunham de meios rudimentares para contabilizar o tempo. Utilizavam, porexemplo,umafolhadepalmeiranaqualincisõessucessivaspermitiamregistraranoçãodosdiasoumesmodosanospassados.Aliás,éessapalmaque,naescrita,servedeideogramaparasignificar“ano”(renepet).Oanocorrentementeutilizadopelosegípciosnosdocumentosadministrativoséoanodito“civil”,compostodetrêsestações (derivadasdas lunações)dequatromesescadauma,ouseja,dozemeses de trinta dias, aos quais se acrescentam cinco dias suplementares.Demasiadamentecurtoem relaçãoaoano real,oano“civil” egípcio sofreumadefasagemmuitorápidadasestaçõesdequaseummêsacada120anos.Masesseanode365diasprevaleceuao longode toda ahistória egípcia.O fenômenoéaindamais surpreendentenamedidaemqueumano fixo, relacionadoàestrelaSothis8,eraconhecido.Éaassociaçãodetrêsfenômenossimultâneosquemarcao início do ano: o nascer do sol, o nascer helíaco de Sírius e o começo dainundação.Eésomenteapós1.460anosqueoNovoAnoeasestaçõesnaturaisvoltama coincidir.Evidentemente,os escribas egípciospercebiamadefasagemcada vezmaior entre o nascer da estrela Sothis e o início do ano fixado pelocalendário.Hátextosquenotificamessasobservaçõesfeitaspelosescribas.Elassãoimportantes,poispermitemquesedisponhadedatasdecontrole.Éassimqueasdatasdealguns reinadospodemserestabelecidascomalgumacerteza:asdeSesóstris III (soberano da 12ª dinastia) e as deAmenhotep I e deTutmósis III(soberanos da 18ª dinastia). Quanto ao calendário lunar (354 dias), ele erautilizadoparaestabelecerocalendáriodasfestas.Osegípciosnuncausaramuma

era contínua para as suas datações. Muito cedo se habituaram a decompor otempodeacordocomosanosdereinadodofaraónopoder. Infelizmente,nemtodos os textos são datados. Os que o são começam por uma data inscrita daseguinteforma:omêsXdetalestação,nodiaX,noanoXsobamajestadedetalfaraó.Quandoofaraómorria,acontagemdosanosrecomeçavanoano1doseusucessor.NoNovoImpério,aaplicaçãodenovasregrasnacontagemdosanosnão elimina a confusão reinante na cronologia. O cômputo dos anos do novosoberano começa com a morte do seu predecessor. Assim, se o soberanomorressenofinaldoano,oano1donovosoberanopodiadurarapenasalgunsmeses.Essanovapráticaobrigaospesquisadoresaconhecercomprecisãoadatadamorte de cada faraó reinante, o que evidentemente está longe de acontecer.Parasesituaremcomcerteza,eles teriamtambémqueconhecer todosos faraósquereinaram,eissoigualmentenãoacontece–osegiptólogosaindadescobremalgunsregularmente.Alémdomais,paraalgunsperíodos,háreinadosparaleloscom um registro dos anos distinto. Nessas condições, uma cronologia exata édifícil de estabelecer. Não obstante, os astrônomos modernos são capazes dedeterminarquaiseramosnascimentoshelíacosdaestrelaquecoincidiamcomoinício domês de julho (começo domês da inundação) no paralelo deMênfis,obtendocomissodatasprecisasdoiníciodacontagemdosanospelosegípcios.Ofenômenoocorreutrêsvezesduranteoscincomilêniosqueprecedemaeracristã:em 1325/1322 a.C., sob a 19ª dinastia (os escribas da época registraram aocorrência); em 2785/2782 a.C., por volta do final da época tinita; e em4245/4242a.C.,duranteoperíodopré-histórico.

Assim,seacronologiaegípciadispõedepontosdereferência,elapermaneceemmuitosaspectossujeitaavariaçõesmaisoumenosimportantes.Éarazãopelaqual as datas que aparecem neste livro são indicativas e de modo nenhumabsolutas.

3 .As fontes e a sucessão dos reinados –A necessidade de conservar a

lembrançadosreisedesuasaçõeséconstanteentreosantigosegípcios.Osanais(gnut), geralmente redigidos muito tempo depois dos reinados em questão,atestam a passagem do tempo através da exposição dos fatos marcantes dosreinados(recenseamentos,cheiasdoNilo,construçõesoficiais,guerra,fabricaçãodeestátuasreaisoudivinas).ListasecontagensdaPedradePalermo,datadasda5ª dinastia, descrevem a sucessão dos reis desde as origens (3300 a.C.) até ametadeda5ªdinastia(2400a.C.).Recentementedecifrados,osanaisdaPedradeSaqqara-Suldatamda6ªdinastia.Documentosmais tardioscomooCânonedeTurim,únicaverdadeiralistareal,informamsobreaduraçãodosreinados.EstesseagrupamemconjuntosqueManeton,sacerdoteegípcioqueescreveuemgrego

uma história do Egito (Aegyptiaca) no tempo de Ptolomeu II, chamou de“dinastias”.Essas“dinastias”nãoparecemcorrespondera linhagensde sangue.Provavelmente, trata-se mais de um agrupamento segundo a localização daresidência real e a identidade do deus-padroeiro. Entretanto, essa classificaçãonãoexclui,emmuitoscasos,queosmonarcassejamaparentados.Parailustrarosparadoxosquepodemsemanifestarnessadocumentação,oexemplodoCânonedeTurim é significativo: os nomes dos soberanos das primeiras dinastias estãoinscritos, por cuidado de uniformização, em cartuchos9, enquanto nosdocumentoscontemporâneosdessesreinadosonomedofaraóestáinseridonumserekh(sinalquerepresentaumafachadadepalácio).Oiníciodessalistaenumeraosdeusespredecessoresdosreisqueimpõemanoçãodemitofundador,osseresintermediários, os seguidores de Hórus (isto é, os homens que governaram oEgitoantesdaunificação)e,paraterminar,alistadosfaraósdoEgitoquecomeçaporMenés.Todavia,oCânonedeTurimpermanecemudosobreoconteúdodosreinados. A sucessão dos reis egípcios é também registrada em documentosreligiososouprivadosdoAntigo,doMédio edoNovo Impériopertencentes adiversastradições,sejamelasabidiana(listadeSétiIemseutemplodeAbidos;listadeRamsésIIemseutemplodeAbidos),menfita(listadeSaqqara, listadeElefantina) ou tebana (sequência dos reis da 11ª dinastia em Tôd e diferenteslistas de reis nos túmulos privados da 18ª e 19ª dinastias). Essas enumerações,porém, sãomais seletivas. Por exemplo, a lista inscrita por Ramsés II em seutemplo de Abidos conta 78 cartuchos, entre os quais não figuram os faraósamarnianos[deTellel-Amarna].ÉsomentenoNovoImpério(1550a1060a.C.)queaparecemoutrasformasdecompilações,comoosdiáriosadministrativos(porexemplo, o diário da Instituição do Túmulo encarregada da construção dostúmulos reais noVale dosReis) ou os diários de campanhas (por exemplo, osanaisdeTutmósisIIIouosdiferentesdocumentosrelativosàbatalhadeQadeshconduzidaporRamsésII)querelatamosacontecimentosdegrandescampanhasmilitares. Nesse tipo de documentação, os acontecimentos ou séries deacontecimentos,registradospordata,serelacionamàscondiçõesastronômicasemeteorológicas,àchegadaeàpartidadefuncionáriosemensageirosenvolvidoscomassuntosoficiaisecomarecepçãoeadistribuiçãodeprodutosrelacionadosàsinstituiçõesemquestão.Nessadocumentaçãoconstamigualmentedeclaraçõesverbais ou cópias de correspondências oficiais. Os acontecimentos relatadosnesses diários dizem respeito, evidentemente, às atividades particulares de umgrupo,deumescritóriooudeumainstituição.Paraasépocas tardias,dispomostambémdecrônicasreais(crônicademótica).SeguindoumadivisãosimilaràdoCânone de Turim, aAegyptiaca de Maneton tem registrados os nomes dos

primeiros soberanos da época persa. Essa obra, conhecida através de versõesresumidas,fazalgunscomentáriossobreosreinados.

4.Ofaraó–O termo“faraó”vemdeuma expressão egípcia que significa

“grandecasa”.É somenteapartirdoNovo Impérioqueelepassaadesignar apessoa do rei. A ideologia egípcia faz do soberano o defensor dos valoresfundamentaisedaMaât(princípiodaharmoniauniversal).OEstadoexisteparaqueaMaâtsejarealizada.Domesmomodo,aMaâtdeveserrealizadaparaqueomundosejahabitável.Mesmosobasdominaçõesestrangeiras,anoçãodefaraófoi mantida. Algumas dinastias estrangeiras foram inclusive protetoras de taisvaloresmonárquicos.Noentanto,anoçãodefaraóevoluiucomotempo.

A origem divina do faraó é expressa na maior parte dos documentos darealeza.Ofaraóérepresentadoaoladodosdeuses.Contudo,ofaraónãoéumdeus; é o representante de deus na terra. Em seus títulos, o faraó é aomesmotempoaencarnaçãodeHóruseofilhododeussolarRá.Oaspectosolardofaraócomeçouaserdestacadoprincipalmenteapartirda4ªdinastia.Na5ªdinastia,umconto do papiroWestcar oferece uma versão fantástica do parentesco divino esolardosfaraósdaépoca.Aserviçodoshomens,ofaraódevecumprirumcertonúmerodefunções:proveralimentos,aplicaraleiepreparar-separaaguerra.Osoberano deve zelar pelo abastecimento dos seus súditos. Os egípcios nuncaconsideraramqueo soberano tivessepoderes sobrenaturaisque lhepermitissemcontrolaraságuasdoNilo.Noentanto,asubidadaságuaséumdomconcedidopelosdeusesaorei.ÉassimqueoreinúbioTaharqa(soberanoda25ªdinastia)obtémdeAmon uma cheia excepcional no ano 6 do seu reinado.Cabe ao reiredistribuir os benefícios trazidospela cheia à suapopulação.As evocaçõesdeépocasdefomerelacionadasàvariaçãodascheiasocupamumlugarimportantenasfontesescritasefiguradas,conformeasdevastaçõesproduzidasemterritórioegípcio.Osnomarcas doPrimeiroPeríodo Intermediário, que se arrogaramumcerto número de prerrogativas reais, já se orgulhavam de fornecer alimentossuficientesaseusgovernadosnessasépocas.

Dentro do mesmo espírito, cabe ao faraó explorar as riquezas do subsoloegípcio e dos territórios estrangeiros. Ao longo de toda a história egípcia, aexploraçãodeminasepedreiras,queenvolviaonerosasexpedições, sempre foiuma prerrogativa real. Essas expedições são confiadas à autoridade de um altorepresentante diretamente nomeado pelo faraó e de sua confiança.A retomadadasatividadesnasminasepedreirasécomfrequênciaoíndicedeumaretomadado poder. Foi o que aconteceu no início doMédio Império, sob o reinado doreunificador doEgitoMontuhotep II, com uma expedição aouadiHammamat.Essas expedições foram necessárias sobretudo para permitir a construção dos

numerosos monumentos reais e divinos. Tanto nos fatos como nas crenças, osoberanoéafontedetodososbenefícios.

O exercício da justiça e o estabelecimento das leis são também grandesprerrogativas reais. O deus lembra à rainha Hatchepsut (rainha-faraó da 18ªdinastia)osdevereseasprerrogativasdopoder real:“Tuestabelecesas leis, tureprimesasdesordens, tuvencesoestadodeguerracivil.Governasosvivos,eelesobedecemàstuasordens”.Assimosfaraósegípciospodembaixardecretosreaisquefazem,evidentemente,notificarporescrito.Éocaso,emparticular,dodecretoditodeHoremheb(últimosoberanoda18ªdinastia).Aaplicaçãodessasdecisõesreaisétarefadaadministraçãoegípcia.

O faraóéograndechefedoexércitoedeveconduzir suas tropasàvitória.Esse princípio é particularmente importante noNovo Império. Para tanto, o reideve ser um esportista. E suas qualidades de caçador são indicadas emmuitostextoserepresentaçõesdarealeza.Aexaltaçãodaforçafísicadorei,relacionadaaovigoranimal,éumaconstantedopoderfaraônico.Umadasgrandesfestasquemarcamoreinadodofaraó,afestaSed,consistenumacorridaquepõeàprovaaforçafísicadoreiparatrazer-lheumanovavitalidade.Aeducaçãoesportivadospríncipesébemconhecida.

Aextensãodasfronteirasdeveigualmenteserumadasgrandespreocupaçõesdo soberano.Além disso, as atividades de construção são parte integrante dovigordeumreinado,quersetratedeobrasemproveitodoreioudemonumentoserigidosaosdeusesdopanteãoegípcio.Cabeaofaraónãosóconstruir,restaurare ampliar os templos dos deuses doEgito,mas também zelar por seu culto.Alegitimidadedofaraó,fundadanumaascendênciadivina,transmite-segeralmentedepaiparafilhooudeirmãopara irmão.Porém,àsvezes,aolongodahistóriaegípcia, a ausência de herdeiro masculino fez subir ao trono uma mulher dafamília real. Esta raramente é detentora consagrada da realeza, sendo antes adepositáriada funçãoque transmitiráa seguiraumdescendentemasculino.Noentanto,alegitimidademonárquicasetransmiteigualmenteatravésdocasamentocomumamulherdesanguereal.

5.Ogovernoegípcio–Ofaraó,evidentemente,équemcomandaogoverno.

Comorepresentantedivino,eleéosenhordasterras,dosbensedoshomens.Aadministraçãocivildopaísécolocadasobaautoridadedeumvizire,apartirdoreinado deAmenhotep II (soberano da 18ª dinastia), sob a autoridade de doisvizires que dividemas respectivas responsabilidades do norte e do sul do país.Esse vizir supervisiona as atividades de diversos setores – principalmenteeconômicos, como o “duplo celeiro” e o “duplo Tesouro” (a denominação“duplo” para algumas instituições é provavelmente utilizada para lembrar a

dualidadedoEgito,dualidadequeosegípciosmantiveramaolongodetodaasuahistória).Outrasgrandesunidades tiveram,conformeasépocas,maisoumenosimportância na paisagem institucional. O exército, que recebeu um impulsoparticular durante oNovo Império, épocamarcada pelas grandes conquistas, édirigido por um grande general que pode ser o filho do rei. Como vimos, oherdeiro ao trono deve mostrar suas qualidades combatentes desde jovem. Ogovernoreligioso,especialmenteodeAmon,quesedesenvolvedesdeoMédioImpério,estásobaautoridadedeumahierarquiadeprofetasformadaporquatrosacerdotes.Osdomínios reaisdiretamente ligadosaosoberano têm tambémsuahierarquia. Entretanto, a separação entre administração central e administraçãoregional não é tão nítida quanto poderia supor um especialista em instituiçõesegípcias. De fato, se tomarmos o exemplo da instituição do Tesouro, é difícildeterminar, através da documentação, se os administradores presentes naprovínciasãoenviadospelaadministraçãocentralparaefetuaroperaçõespontuaisousepertencemàadministraçãoregional.Muitaspesquisassobreasinstituiçõesainda restamser feitasantesquesepossaproporuma imagemfieldosserviçoscentrais.

3.Cursod’águaintermitente.(N.T.)4.A Pedra de Palermo é um fragmento de basalto no qual eram gravados os nomes dos reis egípcios eacontecimentosrelacionadosaosseusreinados.(N.E.)5.Quecoincidecomonascerouopôrdosol.(N.T.)6.NoatualSudão.(N.E.)7.Inscriçõesemmonumentos.(N.T.)8.Sírius.(N.T.)9.Molduraque,naescritahieroglífica,contémonomedosoberano.(N.T.)

CAPÍTULO II

DA PRÉ-HISTÓRIA À HISTÓRIA

AtéofinaldoséculoXIX,ospesquisadorespuseramemdúvidaaexistênciade um período paleolítico no Egito. Foram dois grandes egiptólogos, FlindersPetrieeJacquesdeMorgan,queforneceramosprimeiroselementosnecessáriosaumestudodapré-história doEgito.Osprimeiros traçosde culturas paleolíticasremontariam a 300.000 a.C., ou seja, bem mais tardiamente que no OrientePróximo.Desde os anos 1980, os estudos sobre a pré-história do Egito foramfortemente renovados sobretudo graças à multiplicação das escavações. Ospesquisadorestentaramresponderaumaquestãofundamental:“Dequemaneira,porquaisfenômenoseatravésdequaisprocessossedeuapassagem,emmenosde dois milênios, de populações de caçadores-pescadores-coletores a um dosprimeirosEstadosdomundo?”

I.Dopaleolíticoaoneolítico:doscaçadores-coletoresaoaparecimentodaagricultura

Entre18.000e16.000a.C.,aspopulaçõespaleolíticassãoconhecidasatravésde várias comunidades de caçadores-coletores instaladas nouadiKubanieh.Asescavaçõesefetuadasnesseuadipossibilitaramummelhorconhecimentodosseusmeios de subsistência.Nesse período, oNilo eramenor emais estreito do quehoje, com um fluxo mais lento. Ele arrastava importantes quantidades desedimentosqueaumentavamgradualmenteoníveldaplanície inundável,aosuldo cotovelo de Qena. As populações se alimentavam daquilo que as cheias(peixes,mastambémboisselvagens,porexemplo)easvazantes(asplantas)dorio lhes traziam. Esse fenômeno, denominado “adaptação nilótica” pelosespecialistas, caracteriza-se por umamobilidade imposta pela hidrologia do rio,masnointeriordeumterritóriorestrito.O“Niloselvagem”,entreosanos12.000e 10.000 a.C., constitui um episódio importante que marcou a criação dapaisagemedahistóriadoshomens.Nofinaldaúltimaglaciação,arecrudescênciadas precipitações na África central provocou o aumento do caudal do Nilobranco. O regime do rio aumentou, e o depósito sedimentar diminuiu. Esseambiente mais hostil, marcado sucessivamente por cheias devastadoras ouinsuficientes, impeliu as populações instaladas nas bordas do Nilo para asmargens desérticas doEgito.A situaçãomelhorou por volta de 10.000 a.C.ONilovoltouasermaisregular,eacampamentosdecaçadores-coletores,instaladosentre7300e6400a.C.emsítiosdeElkab,passaramaexplorarsazonalmentea

ecozonaàmaneiradospaleolíticosdeKubanieh.Apassagemdeumaeconomiapredatória (característica do paleolítico) a uma economia de produção(característicadoneolítico)noEgitofoimaistardia(depoisde5000a.C.)doque,por exemplo, em seu vizinhomesopotâmio (8000 a.C.) e relativamente rápida.Porqueesseatraso?TalvezapresençadoNiloe a adaptaçãoà suahidrologiaparticularpossamexplicaressamudança tardia (umexemplosãoaspopulaçõesdoKubanieh, já habituadas a um semissedentarismo).O cultivo de plantas e adomesticação de animais foram inicialmente utilizados como complemento desegurançafrenteaosrecursoshabituaisealeatóriosdoscaçadores-coletores.Erammais um meio de melhorar o sistema dos homens do paleolítico superior,diversificando-o, do que de substituí-lo. Nessas condições, por volta de 6000a.C.,aagriculturaeadomesticaçãodasespéciesfazemsuaapariçãonovaledoNilo.Alémdisso,umamodificaçãoclimáticaocasionouofimdoperíodoúmido,levando pouco a pouco as populações para o vale do Nilo. As primeirascomunidadesagrícolassurgiramnonortedoEgito(amaisantiga,cercade5200a.C. em Faium) e foi só aproximadamente ummilênio mais tarde que aldeiasagrícolas se estabeleceram na partemeridional do território. Todavia, os dadossobreasprimeirascomunidadesagrícolassãomuitodispersos(eossítios,muitasvezesinacessíveis)paraseempreenderatualmentepesquisasaprofundadassobreasrazõesdapassagemàagricultura.OspesquisadoresapontamtradicionalmenteoLevante10eosudoestedaÁsiacomolocaisdeorigemdaspráticasagrícolasnoEgito. No entanto, o Saara oriental e a África do Norte foram igualmenteconsiderados como territórios originais da agricultura egípcia. Essa últimahipótesesebaseianadescobertadegadoeplantas(comoosorgo)quejáseriamdomesticados na região de Nabta Playa - Bir Kiseiba (sudoeste do Egito) porvoltade7000a.C.HámuitosesabedasidasevindasentreovaledoNiloeoSaara oriental, mas seus impactos foram diversamente avaliados. SegundoMidant-Reynes,“oneolíticonoEgitonãoéumfenômenodepuraimportação”.OsprimeirossítiosneolíticosdovalesãoCartum,Núbia,MerimdéBenisalame,Faium, El-Omari, El-Tarif. Essas primeiras populações neolíticas praticavam aagriculturaeacriaçãodegado(bois,carneirosecabras).Algumasjáproduziamartefatosparaosmortos.Foramdescobertastumbasdoneolítico,emCartumporexemplo,providasdeabundantesoferendas.

II.Opré-dinásticoAhistóriadacivilizaçãoegípciaconheceumaaceleraçãoprogressiva(apartir

de4300a.C.)quevairesultarnafundaçãodoEstadofaraônico.Essaevoluçãoseconcretizaao longodosdiferentesperíodospré-dinásticos:obadariano (4300a

3800a.C.),operíododeNagadaIouamratiano(3800a3500a.C.),odeNagadaIIoudeGerzéen(3500a3200a.C.)edepoisodeNagadaIIIouprotodinástico(3200 a 3000 a.C.).A cultura badariana é essencialmente conhecida por seuscemitérios, embora uns quarenta setores de habitat também tenham sidodescobertos.Elaparecesurgirnofinaldoquintomilêniosemquenadaaanuncie.Os badarianos trazem consigo as aquisições do neolítico, assim como umconhecimento do cobre certamente originado do Sinai e do deserto oriental.Aquestãodasuaorigemcontinuasendodebatida.SeuscemitériosjáprefiguramoqueseráomundodosmortosdoEgitofaraônico.Hámenosinformaçõessobreasestruturasdehabitatesobreaeconomiadessapopulação.Noentanto,trêspontoschamaram a atenção dos pesquisadores: predominância das espécies vegetaisselvagens em relação às espécies cultivadas (por exemplo, o trigo e a cevada);provisõesguardadasemfossas,comoerafeitononeolíticoemFaium;ehabitatsque parecem relativamente móveis. Assim, a cultura badariana, instaladaprincipalmente no Médio Egito, praticava um modo de subsistência misto, noqual a economia de predação desempenhava ainda um papel importante. Osbadarianosfrequentavamasestradasformadaspelosuadisentre oNilo e omarVermelho. Provavelmente traziam dessas expedições numerosas conchasmarinhas,encontradasnostúmulos,bemcomoamalaquitaeapedradebekhendequeeramfeitasasprimeiraspaletasdepintura.Nasescavaçõesentreasaldeiasde Deir Tasa e Mostaggeda, G. Brunton11 descobriu cerca de cinquentasepulturas que apresentavam artefatos particulares. Esse grupo foi nomeadotasianoporseudescobridor.Pormuitotempofoiconsideradocomoumsimplesaspectolocaldogrupobadariano.Contudo,essepontodevistageralmenteaceitofoi questionadoporW.Kaiser, que considera o conjunto tasiano uma entidadeseparada do badariano, pela qual as influências do Baixo Egito teriam sidofiltradasparaazonanagadiana.Entretanto,aexistênciadeumaentidadeculturaldistinta não pode ser deduzida, como sublinha Midant-Reynes, de um únicoartefato particular encontrado num contexto funerário enquanto as informaçõessobreohabitatcontinuareminexistentes.

ÉnoAltoEgitoquesedesenvolvemascivilizaçõesnagadianas.Aprimeiraépoca de Nagada (Nagada I ou período amratiano) engloba e desenvolve aculturabadariana.Ohabitatcrescedemaneirasubstancial.NosítioamratianodeHemamieh,osrestosdenoveestruturascircularesdeterraforamexumados.Osestudos sobre esse local também sugerem ocupações prolongadas por váriasgerações. Os restos vegetais são abundantese essencialmente originados deespécies cultivadas. Do mesmo modo, restos de animais domésticos são maisnumerosos. A continuidade entre o período badariano e o nagadiano está

principalmentenaspráticasfunerárias,emboracomalgunselementosespecíficosda época nagadiana. A indústria da pedra inicia seu extraordináriodesenvolvimento através, por exemplo, da fabricação das paletas de pintura.Oprocesso de diferenciação social através dos túmulos, já iniciado no períodobadariano,seacentuanasnecrópolesamratianas,assimcomoentreosdiferentescemitériosnagadianosque jáprefiguramaemergênciadecentrosde irradiação,comoNagada,HieracômpoliseAbidos.

Nesse mesmo período, o Baixo Egito possui uma cultura própria que sedesenvolveapartirdoseucentro,Buto,cidadepróximadolitoralmediterrâneo,entre 3900 e 3400 a.C. Foi só recentemente, nos anos 1970-1980, que ospesquisadores revelaram a existência do conjunto denominado “Maadi-Buto”.Aquiasestruturasdehabitatsdominam,enquantoasnecrópolessãomais raras.O estudo do material descoberto no sítio de Maadi (atualmente situado naperiferia do Cairo) demonstra uma influência vinda do mundo levantino. Osmaadianoseramagricultorescriadoresdegado.Asorigenspré-dinásticasdeButosóforamevidenciadasnosanos1980peloInstitutoAlemãodeArqueologiasobreosítiodeTellel-Fara’in.Seteníveisdeocupação,quepermitemacompanharasetapasdessaépocadeformação,foramdescobertossemdescontinuidadedopré-dinástico ao Antigo Império. Influências mesopotâmicas são visíveis desde ocomeço.OssítiosdeButoedeMaadimostramtambém,atravésdeseusmateriaiscerâmicos, que as populações mantinham contato com as culturas que sedesenvolviamnessaépocanoAltoEgito.

ÉnoBaixoEgitoquea economiadeproduçãoprovavelmente foi adotada,adaptada e difundida para oAlto Egito; a época badariana servindo talvez deintermediária.A produção agrícola era muito mais importante nas culturas doBaixoEgitodoquenoAltoEgitodamesmaépoca.Alémdisso,ascomunidadesdoBaixoEgitonãoapresentavamumafortehierarquia.UmdosfatosmarcantesdoperíodoNagadaIIéaextensãodaculturanagadianaaoconjuntodovale,emdireçãoaonorteatéoDeltaeemdireçãoaosulatédepoisdaprimeiracatarata.Nessaépoca,oEgitoconheceuumaunidadecultural.FoiprecisoesperarofimdasegundafasedeNagadaparaque,noconjuntodovaledoNilo,aeconomiaasestruturas sociais dependessem quase exclusivamente do ciclo agrícola. Aindústria da pedra continuou sua evolução até culminar na arte da estatuáriafaraônica.Aspopulaçõespassaramasedentarizar-sejuntoàplaníciealuvial,afimde aproveitar melhor os benefícios da cheia do Nilo. O fenômeno dehierarquização também se acentuou, fazendo surgir elites que buscavamdistinguir-se através da acumulação e daostentação, visíveis nas necrópoles.Aconcentração de tumbas da elite ocorre noAlto Egito emAbidos, Nagada eHieracômpolis, atestando a emergência de centros de poder que a seguir

desempenhariamumpapelnonascimentodoEstadofaraônico.

III.Operíodoprotodinásticoeaquestãodaunificaçãopolítica

Apartirde3300a.C.aproximadamente,oconjuntodosfenômenosreveladosdesde o início do período pré-dinástico se acelerou. Sinais dessa mudança semanifestamatravésdodesaparecimentodeváriostiposdeobjetoscaracterísticosda pré-história e também pelo aparecimento e o desenvolvimento de diferentescategoriasdeprodução.Assim,soboimpulsodasrelaçõescomomundooriental,desenvolve-seaglíptica(estudodosselosoulacresedagravaçãodessesselos).Étambém nesse período que aparecem os primeiros sinais de escrita. Asmanifestações de hierarquização são cada vez mais visíveis. Em Nagada,Hieracômpolis,ElkabeAbidos,pode-seobservarapresençanãomaisdesimplestumbas,masdeverdadeiroscemitériosdaelite.SituadanamargemoestedoNilo,defronteàfozdouadiHammamat,Nagadaobtinhasuasriquezaseseuesplendorprincipalmentedasminasde cobre e deourododeserto oriental.Desdeopré-dinástico,Hieracômpolis rivalizou comNagada.Comoesta última, ela tambémtinhaacessoaosrecursosdasminasdodesertooriental,mas,voltadaparaosul,foi buscar as riquezas africanas da Baixa Núbia que eram controladas pelaspopulações do grupoA (ver adiante, p. 55).Abidos, mais ao norte, apresentavestígiosdecemitériosedealdeias.ParecequeAbidosfoi,desdeNagadaI,umlugarprivilegiadoondeeraminumadosgrandespersonagens.Posteriormente,emNagadaIIeIII,sãoindivíduosconfirmadosnopoderquesãoenterradosali.ÉnocemitériodeUmmel-QaabqueseachamastumbasdosprimeirosreisdoEgito.Buto, no Delta, apresentava nesse período fortes influências culturaisprovenientes do Alto Egito, embora a cidade fosse um importante centro depoder.

Segundoumatradição,certamenteconcebidanocomeçodoNovoImpério,olegendárioreiMenésteriacriadooEstadoegípcioaofazerseusexércitosdoAltoEgitoatacaremoreinodoBaixoEgito,instalandosuacapital,apósavitória,emMênfis.Conformeostrabalhosdosegiptólogos,essefaraóéouidentificadoaumrei existente (Narmer ouAha), ou a umpersonagemmítico. Porém, émais oumenoscertoqueaunidadedoEgitonãosefezsoboreinadodeumúnicoreiequeosfundamentosdessaunidadedevemserbuscadosbemantes.Aunificaçãodas duas regiões é progressiva. Ela se efetuou entre as grandes cidades do sul(Hieracômpolis,NagadaouTínis)eacaboubeneficiandoospríncipesorigináriosdeTínis.Asrazõesdaemergênciadessadinastiatinitapermanecemobscuras.Amaior parte dos documentos desse período de transição provém deHieracômpolis, cidade que conheceu um grande desenvolvimento antes da

unificação.A passagem da pré-história à história se deu de forma pacífica ouatravés de uma guerra? É de guerra que fala um dos primeiros documentosescritos da história egípcia – a paleta de Narmer –, que mostra o rei do Sulesmagando o Norte. No entanto, esse caráter violento não é corroborado peladocumentaçãoarqueológica.Aesserespeito,aanálisedadocumentaçãogravada(paletas, cabos de facas) que caracteriza Nagada III é incontornável. Segundoessa documentação, dois grupos que se seguem cronologicamente podem serformados: no primeiro, os elementos das cenas não apresentam nenhumadiferença de tamanho; no segundo, o espaço é estruturado e as distinçõeshierárquicasseimpõem.OuniversogravadonaúltimaépocadeNagadaexprimeum aumento progressivo da violência e a ascensão de uma elite.A unificaçãoaparecemenoscomoumaconquistadoquecomoumaassimilaçãodoNortepeloSul, em cujo processo a guerra é uma das modalidades. Escavações feitas nocemitério de Umm el-Qaab (Tínis) trouxeram à luz um novo aspecto desseperíododetransição.Iry-Hor,KaeEscorpiãosãoalgunsdosreisanterioresà1ªdinastia cujos nomes chegaram até nós, embora, para alguns deles, hajahesitaçõesquanto à leitura de seusnomes.Os egiptólogos agrupamgeralmenteesses soberanos sob a denominação de “dinastia 0”.A cabeça do cetro do reiEscorpiãodescobertaemHieracômpolis,naqualosoberanoaparececomacoroabranca(símbolodoAltoEgito)nacabeça,sugerequeelegovernavaapenasumaparte do país. Narmer é o primeiro soberano a portar sucessivamente a coroabrancaeacoroavermelha.

Assim, a unificação política do Egito se efetuou progressivamente duranteváriosséculos.Contudo,nãoexisteatéhojeumconsensosobreadataçãodeumpoder unificado sob a autoridade de um único rei. Os reis da “dinastia 0”governavamumaparteouoconjuntodoEgito?

IV.Ocomeçodoperíodohistórico:asdinastiastinitas

AsduasprimeirasdinastiasdoEgitosãoqualificadas“tinitas”emfunçãodoseu suposto lugar de origem:This ouTínis. Essa cidade não é localizada comprecisão, mas os egiptólogos a situam nas proximidades de Abidos. O quesabemosdessaépocasebaseiaexclusivamentenasinformaçõesfornecidaspelosanaisdaPedradePalermo,bemcomopelassepulturasdescobertasemSaqqaraeAbidos e pelo material que elas contêm (os cilindros e suas gravações). Emrelaçãoàprimeiradinastia,pequenasplacasdemarfimcontendogranderiquezadeinformaçõesforamdescobertasnostúmulosreais.Demaneirageral,apareceminscritos os títulos reais e informações relativas à administração. Os grandesacontecimentos do reinado também são registrados, sejam eles religiosos,

políticosoueconômicos.Quantoaoresto,estandoousodaescritaaindaemseucomeço, a documentação tinita pouco informa. É durante esse período que acivilização egípcia adquire suas características definitivas. As relacionadas aosoberanosãoasmaisclaramente identificáveis.A identificaçãodeumsoberanoaparecesobretudonaleituradasuatitulatura,formadaporumconjuntodenomes,títulos e epítetos que definem aomesmo tempo o soberano e seu programa dereinado.Emsuaformadefinitiva,atitulaturarealcompõe-sedecinconomes:umrecebidononascimento eoutrosquatro, de funções adquiridasnomomentodapromoçãosagrada.Desdea1ªdinastiatrêsnomessãoempregadosparanomearofaraó:onomedeHórus inseridonumserekh,umtítulodito“dasduassenhoras(ounebty)”, pelo qual o soberano é colocado sob a proteção da deusa abutreNekbet,deElkab,noAltoEgito,eonomedadeusaserpenteUadjet,deButo,noBaixoEgito, lembrandoadualidadedopaís.Sobreaépoca tinita,dispomosdepoucas informações acerca do princípio de sucessão ao trono.Trata-se de umasucessãodepaiparafilhooudeumasucessãoentreirmãos?Oslaçosfamiliaresque unem os soberanos das duas primeiras dinastias permanecem obscuros.Entretanto,desdeocomeçodahistóriaegípcia,arainha,seéfilhaderei,parecejá desempenhar umpapel fundamental na transmissãodopoder.Oito faraós sesucederamdurantea1ªdinastia.OreinadodeAdjib,sextofaraóda1ªdinastia,éomenosconhecido.Segundoadocumentação,a2ªdinastiasecompõedenoveaonzesoberanos,masasinformaçõessobreessadinastiasãobemmaisescassas.Amaiorpartedassepulturasdossoberanosqueacompõemdesapareceuounãofoiencontrada.Domesmomodo,ousodeplacasrecapitulativasdosacontecimentosdo reinadonão se verifica na 2ª dinastia.Dessa cronologia incerta, somente osnomes e a ordem de sucessão dos quatro primeiros faraós (Hotepsekhemui,Nebrê,Nineter eUneg) são seguros.As informações fornecidaspelos anaisdaPedradePalermosereferemapenasaumapequenapartedoreinadodeNineter.

Os locais de residência e de inumação dos soberanos da 1ª dinastia sãoincertos. Duas mastabas12 puderam ser identificadas para cada faraó da 1ªdinastia(comexceçãodeSemerkhet,quetemapenasumasepulturaemSaqqara),umaemSaqqara(aonorte,nasproximidadesdeMênfis)eaoutraemAbidos(aosul,nasproximidadesdeTínis).Duashipótesesprincipaisforampropostaspelospesquisadores. As tumbas de Saqqara seriam as verdadeiras sepulturas da 1ªdinastia;asdeAbidosseriamapenascenotáfios,erguidosemsuamemóriacomofaraósdoAltoEgito.Naoutrahipótese,astumbasdeAbidosseriamrealmenteasdosfaraósda1ªdinastia,easdeSaqqarapertenceriamafuncionáriosdeelevadograu, certamente parentes próximos do soberano. Ainda hoje a questãopermaneceaberta.

Desde a época tinita, o papel damulher da corte real deve ser sublinhado.TomemosoexemploúnicodarainhaMerneith,quepossui,comoosfaraósda1ªdinastia, duas sepulturas, uma em Saqqara e outra emAbidos.A riqueza domobiliário e as dimensões dos seus túmulos demonstram a importância de seupapelnoseiodarealeza.Emgravaçõesdeselos-cilindros,elaéapresentadacomoa mãe do rei Den. Uma parte do seu nome aparece igualmente na Pedra dePalermocomomãedeDen.Seupapeldemãerealparece,assim,atestado.Esseconjunto de indicações levanta umainterrogação sobre os limites de suasprerrogativasreais.Foielaapenasregente,fatogeralmenteadmitido,ouexerceuafunçãodefaraó?W.B.EmerysupõequearainhaMerneithfoiaterceirafaraóda1ªdinastia.Seessarainhaefetivamentereinou,issodemonstrariaqueoexercíciodo poder por uma mulher foi possível já no começo da história egípcia. Adescoberta de duas estelas funerárias na mastaba da rainha Merneith levantatambémaperguntasobreseupapelnoseioda realeza.Acomposiçãodaestelafuneráriaqueseconservouébastantesemelhanteàdosreistinitas,comaúnicadiferença de que o nome real não está encerrado numserekh nem é encimadopelo falcãoHórus. Isso reforçaa ideiadequea rainhaMerneith teveumpapelatípiconarealezatinita.Mesmosendoevidentequeelatenhaocupadoumlugar“foradocomum”,aausênciade títuloparadefini-la,excetoodemãereal,nãopermite determinar qual era sua verdadeira função.Um elemento perturbador,pelomenos,éaexistênciacomprovadadefuncionáriosespecificamenteligadosàrainha e diferentes dos empregados de seu filho. A rainha, portanto, foi nomínimo regente. Qual é então a razão da mudança de administradores sob oreinadodeDen?Quiselesedistanciardoreinadoprecedente?E,nessecaso,porquê?Umaoutra rainha é tambémconsideradapelos egiptólogos como regente:Neithotep,mulherdeAha.

Osatosdeconfirmaçãodopoderrealdevemigualmenteseranalisados.Djer,terceiro soberano da 1ª dinastia, dava uma grande importância às ações queconfirmavamaunificaçãodoEgitoeocaráterduplodamonarquia.Entreoutrascoisas,elecelebroucerimôniasde“purificaçãodasduas terras”.Parece tersidoum dos primeiros a organizar uma festa Sed (ou jubilar). Essa cerimônia,celebrada após trinta anos de reinado, permite reafirmar o poder do soberanosimulando sua morte e seu renascimento. A existência conjunta de umamonarquia abrangendo todo o território egípcio e de umaorganização estatal éfacilmenteidentificáveldesdeoreinadodeNarmer.Sãodatadosdaépocatinitaosprimeirosregistrosderecenseamentosdegado,deterras,daspopulaçõesedosmetais,osquais seefetuavamacadadoisanos.Osdocumentosdaépoca tinitaatestamque,pelomenosdesdeofinalda1ªdinastia,impostoseramregularmentearrecadadosduranteafestachamada“oserviçodeHórus”.Assim,aorganização

administrativa já estava instalada no final da época tinita. Desde o reinado deAha,ofaraó–quedoravantereinasobreoconjuntodoEgito–empreendeumapolítica de guerra contra seus vizinhos núbios e líbios e mantém ligaçõescomerciais com o estrangeiro. Os anais da Pedra de Palermo mencionam emparticularbarcosdecedrovindosdaSírio-Palestina.Noano23doseureinado,Djerobteveumavitóriasobreos“asiáticos”,queele“massacrou”.Umainscriçãorupestre do gebel13 Sheik Suliman (ao norte da segunda catarata) prova que,desde a 1ª dinastia, o exército egípcio era capaz de fazer incursões emprofundidadeatéaAltaNúbiaequeoEgitopodiacontrolaraBaixaNúbiadesdeElefantinaatéoqueseriaembreveBuhen.Pórem,seosegípciostraziambutinseprisioneiros da Núbia, a exploração econômica do país não parece estruturadanessaépoca.Trata-semaisdeaçõespontuaisparapacificararegiãoetercontrolesobrealgunsgrandescentrosdecomércio.Poroutrolado,oreiDen(quintofaraóda 1ª dinastia) empreende várias campanhas militares fora do vale contra osasiáticos e os nômades do Sinai. No final da época tinita, os fundamentos dacivilizaçãoegípciaestãoassentados.OAntigoImpériodesenvolveráefortaleceráessesprincípios.

10.CostaorientaldoMediterrâneo.(N.T.)11.GuyBrunton(1878-1948)foiumarqueólogoinglês,pesquisouaculturapré-históricadoEgitoedirigiuoMuseudoCairo.(N.E.)12.Túmuloemformadepirâmidetruncadacomcapelaparaoferendasecâmarasubterrâneaparaomobiliárioeosarcófago.(N.T.)13.Monte.(N.T.)

CAPÍTULO III

DAS PRIMEIRAS PIRÂMIDES AOS HICSOS

Depoisdaépocatinita,abriu-seumperíododeprosperidadeparaoEgito:oAntigoImpério.NãoexisterupturapolíticaentreofimdaépocatinitaeoiníciodoAntigo Império. Parece haver ligações, cuja natureza não conhecemos, queunemoúltimofaraóda2ªdinastiaeoprimeiroda3ª.Oesplendordesseperíodoégeralmente associado à realização das três grandes pirâmides de Gizé, quepertencem respectivamente a três soberanos da 4ª dinastia: Quéops, Quéfren eMiquerinos.Foitambémaépocadenumerosasinovaçõestécnicas,cujoexemplomais flagrante seja talvez a construção da pirâmide em degraus de Djeser,soberano da 3ª dinastia, pelo arquiteto Imhotep.O final doAntigo Império foimarcado pela perda de influência do podermonárquico.A subida ao trono deumarainha,Nitócris,ilustraoquãodifícilfoiofimdadinastia.AseguiroEgitoconheceuseuPrimeiroPeríodo Intermediário, caracterizadoporumadivisãodepoder entre várias dinastias paralelas. Esse Primeiro Período Intermediáriomarcou profundamente as mentalidades egípcias. O fenômeno se manifestaparticularmente através do surgimento de um novo estilo literário que osespecialistaschamamde“literaturapessimista”eque sedesenvolvenocomeçodoNovoImpério.Pode-secitaroDiálogododesesperado,datadoporvezesdoPrimeiro Período Intermediário, e outras da 12ª dinastia. O autor se interrogasobre a oportunidade de viver numa sociedade tal como ela se transformou,sentindo saudade dos tempos antigos em que o Egito estava no auge da suagrandeza.Atravésdessanarrativa,sepercebeoefeitodosanosdeguerraciviledafome,consecutivosdadegradaçãodosvaloresfaraônicos.OMédioImpério,quecomeçacoma reunificaçãodopaís, foi assimmarcadopeloperíodoqueoprecedeuequeviuaedificaçãodeumamonarquiaqueperduroudurantecercadeum milênio. Ele retomou a herança doAntigo Império, mas adaptando-a aosensinamentos dos tempos de crise.O final doMédio Império émais difícil dedatar.Segundoosautores,a18ªdinastiaéclassificadaoranoMédioImpério,orano Segundo Período Intermediário. Este último foimarcado, como o primeiro,pela divisão do poder, mas dessa vez causada pela incursão de populaçõesestrangeiras em território egípcio. O Egito foi então governado por dinastiasparalelas, com uma população vinda da Ásia (os hicsos) desempenhando umimportantepapel.

I.OAntigoImpério

OAntigoImpériofoiumperíododeestabilidade,consideradopelosprópriosegípciosantigoscomoumaidadedeourodasuacivilização.Elesvãosereferircommuitafrequência,aseguir,aosvaloresdessaépocadeprosperidade.Duranteesse período, o Egito conheceu uma relativa paz interna, pontuada unicamentepor algumas campanhas militares. O Antigo Império dividiu-se em quatrodinastias(da3ªà6ª)cujaresidênciarealeasededogovernoforamemMênfis,situadaacercadevintequilômetrosdoatualCairo.Suaposiçãoprivilegiadanahistóriaegípciasedeveàsualocalizaçãoestratégica,nadivisadoAltoedoBaixoEgito.Segundoatradição,Mênfisteriasidofundadapeloprimeirofaraóegípcio,Menés.Mênfiseratambémumgrandecentroreligiosonoqualeracelebrado,emparticular,ocultoaPtah14.

1.Ossoberanos–A3ªdinastiaéaindapoucoconhecida.Aidentidadeea

sucessão dos soberanos sãomuitas vezes divergentes oumesmo contraditórias.DjesereImhotepsãoaspersonalidadesmaisconhecidas,principalmenteatravésdadocumentação tardia.Comoos anais doAntigo Impérionão conservaramalembrançadossoberanosda3ªdinastia,édifícilreconstituiraordemdesucessãoao trono de seus reis. A questão da identidade do fundador da dinastia, porexemplo,aindahojenãoestáresolvida.Combasenadocumentaçãoepigráficaearqueológica,pesquisasrecentesparecemdemonstrarqueDjeseréoprimeiroreida dinastia, e não Nebka, que os arquivos do Novo Império indicam comofundador da dinastia. Deve-se notar que Djeser, nome frequente na tradiçãoegípcia, não aparece com esse nome na documentação contemporânea da 3ªdinastia, naqual eleparece ser identificadoao reiNetjerikhet.AdescobertadegravaçõesdeseloscomonomedeNetjerikhetnotúmulodoúltimosoberanoda2ª dinastia é um dos argumentos que levam a identificar o faraó Djeser comofundadorda3ªdinastia.Osfaraósdessa3ªdinastiareinaramapartirdeMênfiseconsolidaram as fundações da civilização egípcia clássica. As fontescontemporâneasdiretasprovêmquaseessencialmentedoscomplexos funeráriosreais,queentãosedesenvolverameadquiriramnovaimportância.

A 4ª dinastia apresenta basicamente as mesmas características. É o seufundador, Snefru, que conhecemos melhor. Evidentemente, devem ser citadostambémosproprietáriosdastrêsgrandespirâmidesdeGizé(Quéops,QuefréneMiquerinos),quedeixaramvestígiosmonumentais.Mudanças já iniciadasna4ªdinastiaganhammaioramplitudena5ª.Aorigemdessadinastiaéoobjetodeumrelato fantástico escrito no Médio Império e compilado no chamado papiroWestcar.UmdoscontosdessacoletâneadiscorresobreaprevisãodeummagodequealinhagemdoreiQuéopsaotronodoEgitoseriaextintaemproveitoda

descendênciadeumsacerdotedeRá.Aesposadesteúltimoteriaconcebidocomodeussolartrêsfilhos(Userkaf–fundadordadinastia–,SahurêeNeferirkarê),destinadosareinarsucessivamentenopaís.Apesardesserelato,a5ªdinastianãoparece ter tido uma origem plebeia, e a ordem de sua sucessão não apresentamaioresproblemas.

Aorigemda6ªdinastiaedeseufundador,Téti,édesconhecida.Esseperíodofoimarcadoporlongosreinados,odePépiI(cinquentaanos)eodePépiII(64anos), e caracterizou-se, como os anteriores, pela expansão das instituiçõesmonárquicas.Contudo, é no final dessa dinastia que oEstado egípcio conhecesua primeira crise grave. Nenhuma crise parece perturbar a sucessão dinásticaantesdofinaldoreinadodePépiII.A6ªdinastiaterminacomoreinadodeumamulher,Nitócris,sinaldeumaépocaperturbada.NadaseconhecedeNitócrispordocumentoscontemporâneos,apenasportradiçõestardias.

A ação dos soberanos do começo do Antigo Império é conhecidaprincipalmente através dos testemunhos monumentais visíveis ainda hoje. Odesenvolvimento da documentação privada ocorreu sobretudo a partir da 5ªdinastia. Nesse período, os testemunhos passam a incluir também relatosedificantes sobre a ação de funcionários valorosos. Convém sublinhar adesigualdadedonúmerodefontesentreocomeçodoAntigoImpérioeofinaldoperíodo. Esse fenômeno não se explica obrigatoriamente por uma falta deatividadedossoberanosdocomeçodoAntigoImpério,mastalvezpeloacasodasdescobertasepelamultiplicaçãodasfontesdeinformações.

2 .A política interna – Construir é uma atividade fundamental para o

soberanoegípcio.UmdosatosiniciaisdoprimeiroanodereinadodeDjeserfoicomeçar as obras do seu túmulo. Por sua inovação técnica e ideológica, aconstruçãodapirâmideemdegrausemSaqqara foioelementoemblemáticodeum período que traduz uma mudança de escala na representação do podermonárquico. Essa obra de dimensões sem precedentes é característica dageneralizaçãoda construçãoempedra, reservadaantes a elementos isolados.Opapel da sepultura real no fortalecimento do poder monárquico unificado sedesenvolveuemgrandesproporçõescomoreinadodeDjesergraçasàpirâmidemonumental que se tornou o símbolo da divindade do faraó. Seis projetossucessivosforamestudadosnomomentodaedificaçãodapirâmidedeDjeser.Apartir do quarto projeto, o arquiteto abandonou o modelo da mastaba (formaclássica da sepultura real na época tinita) e teve a ideia de construir ummonumentocomdegrausembancada.Entretanto,foinoreinadodeSnefruquea“verdadeira”pirâmidefoiconstruída.Váriasetapasforamnecessáriasparachegaraessaedificação.

Trêspirâmidessãoatribuídasaessesoberano:ummonumentocomdegrausemMeidum,umapirâmidedita“romboidal”emDachursuleapirâmideperfeitadeDarchurnorte.Oconstrutor responsávelpelocomplexo funeráriodeDjeser,Imhotep, é conhecido sobretudo por documentos posteriores, mas seu nomeaparecenabasedeumaestátuadeDjeserquedatada2ªdinastia.Apopularidadedessegrande arquiteto fez comque ele fossedivinizado a partir da época saíta(26ª dinastia).Amaior parte dosmonumentos desse complexo era um cenáriodestinado à vida eterna do rei morto. O tema da festaSed para perpetuar sualembrançaestápresentenãoapenasnoscomponentesarquitetônicos,mastambémemalgunsrelevosdaedificação.Épossívelreconstituirasetapasmarcantesdessacerimônia a partir das representações de que dispomos. O faraó partia emprocissãoaoencontrodasefígiesdos“filhosreais”,vestidocomummantocurto,vestuárioespecíficodesseritual.Aseguir,oreisecolocavaentreosdoisladosdopavilhão jubilar, sucessivamente comorei doAlto Egito e rei doBaixo Egito,sublinhandoassimadualidadedopaís.Alirecebiaahomenagemdosdignitáriosedopovo.Nessemomentodacerimônia,ofaraócontemplavaodesfiledastribospreparado para essa ocasião.A fim de demonstrar sua força física, o soberanoefetuavaumacorrida ritualvestindouma tanga. Idealmente, essa celebraçãodojubileumarcava um ciclo de trinta anos de reinado. No entanto, o prazo nemsempre é respeitado.Após a celebração dessa primeira festaSed, uma outra sereproduziaalgunsanosdepois,destavezdeformamaisregular.Evidentemente,apreparação de uma festaSedmonopolizavamuitos homens e recursos do país.Durante seudestinono além,o faraódevia tambémpoder continuar a celebraresse ritual.Assim, as construções feitas no recinto da pirâmide em degraus deDjeser buscavam assegurar ao rei a possibilidade de festejar seus jubileus noalém. Sob a 5ª dinastia, deUserkaf aMenkauhor, seis reis sucessivos fizeramerigirtemplossolaresnasproximidadesdoseutemplofunerário.Esseslugaresdeculto, quase inteiramente a céu aberto, eram dominados por um obeliscomonumental. Foi sob a 5ª dinastia queo rei passou a ter, de fato, uma filiaçãocom o deus Rá. O templo solar é a materialização arquitetônica disso. Essetemplo estava em íntima relação com o templo funerário e abrigava oferendasapós suas consagrações. Arquivos foram descobertos no templo funerário deNeferirkarê.Compõem-sebasicamentedequadrosdeserviços,deinventários,decontabilidades e de listas de funcionários. Esses arquivos fornecem elementossólidos sobre a função dos complexos funerários reais, bem como sobre asinstituições relacionadas. Eles atestam sobretudo entregas feitas no templofunerário provenientes do templo solar do faraó. Os quadros de serviços e ascontabilidadesindicamumtransportedevíverescotidianoentreotemplosolareotemplo funerário.Sobo reinadodeUnas (últimosoberanoda5ªdinastia),uma

mudançaseoperanoscomplexosfuneráriosreais:énapirâmidedoreiUnasqueencontramos a mais antiga versão dos textos das pirâmides, fórmulas cujarecitaçãopermiteaoreimortoescapardosperigosechegaraocéu.

NoiníciodoAntigoImpério,desenvolveram-seasestruturasadministrativasherdadasdaépoca tinita.Comisso,osescribaspassarama interviremtodososníveis da administração, testemunhando uma vontade crescente de controle, deregistro e de arquivamento. A mais alta função do Estado, o vizirato, não éconhecida antes da 2ª dinastia e se desenvolveu sobretudo a partir doAntigoImpério.AinstituiçãodoCeleiro,quecentralizavaasproduçõesagrícolasobtidasdo tributo, não apareceu antes da 3ª dinastia e indica talvez umamudança novolumedosprodutosarrecadados.OdepartamentomaisestruturadonocomeçodoAntigoImpériopareceseroTesouro,jáatestadonoiníciodaépocatinita.Osgrandes setores da administração central foram em sua maior parte criados nocomeçodoAntigoImpério.Quantoàadministraçãoprovincial,elaseestruturouapartirda3ªdinastia.Asinstituiçõesprovinciaisdependiamdiretamentedosmeiosgovernamentais.Ésomentena6ªdinastiaqueostítulosdealtosfuncionáriossãoatestados na província.A exploração econômica dos desertos foi confiada aosnomarcas,transformadosemagentesdosoberanonessasregiõesdistantes.Entrea4ªea6ªdinastia,odesenvolvimentodopaísfazcomqueomeiogovernamentalrestrito, concentrado nas mãos dos membros da família real, dê lugar a umaorganização estatal mais complexa, multiplicando funções que daí em diantepassamàsmãosdefamíliasegrupossociaisdiversos.

3 .Apolítica externa–Durante oAntigo Império, oEgito semantém em

relação, pacífica ou conflitante, comosEstados imediatamentevizinhosdo seuterritório,sejamastribosreunidassobaautoridadedepríncipesindígenas,comona Líbia ou na Núbia, sejam cidades-Estados como Biblos e Ebla. Os textosmostramo interesse constante doEgito pelaBaixaNúbia desde a época tinita.Depois do desaparecimento das populações do chamado grupo A (talvezprovocado pelas campanhas militares empreendidas pelos soberanos da épocatinita),osegípciosassumemocontroledasfontesdematérias-primasedasrotascomerciais.ApolíticanúbiadoEgito semodificano começoda4ª dinastia.Ainstalação permanente dos egípcios naNúbia, atestada até Buhen e a segundacatarata doNilo, parece ter sucedido às campanhas de Snefru. Fundador da 4ªdinastia, Snefru dirigiu uma campanha militar que penetrou profundamente naNúbia, capturando 7.000 prisioneiros e 200mil cabeças de gado.A atividadeegípcianaNúbiafoiparticularmenteintensadurantea4ªea5ªdinastias.Buhen,acolôniamaisimportantedaépoca,talvezjátivesseafunçãodecidade-feitoria,papelquedesempenhounoMédioImpério.AclassificaçãodasculturasdaBaixa

Núbia, estabelecida no início do séculoXX, atesta a existência consecutiva naregião de dois grupos de populações entre a 1ª dinastia e o final doAntigoImpério.OgrupoApareceocupar aBaixaNúbia até a1ª dinastia.Quanto aogrupoC,elesurgena6ªdinastiaounofinalda5ª.Pormuitotempoprevaleceuaideia de que os soberanos do começo doAntigo Império haviam se instaladonumaregiãovaziacompopulaçãoautóctone.Contudo,adocumentaçãoegípciaestáemcontradiçãocomosdadosarqueológicosnúbios.Ostextosegípciosdãoaimagem de um país povoado, conforme dados contidos na Pedra de Palermoreferentes à campanha militar de Snefru. Assim, os textos da 4ª dinastiasubentendemumaocupaçãodensadasmargensdorio.

Poroutrolado,apartirda3ªdinastia,oEgitoassumeocontroledasminasdecobreedeturquesadouadiMaghara(Sinai),ondeinstalouumaaldeia.NoSinai,no sítio de Serabit el-Khadim, os soberanos só intervinham sob a forma deexpediçõestemporárias.DuranteoAntigoImpério,asrelaçõescomerciaisentreoEgitoeaSíriatambémsãoatestadasapartirdoreinadodeSnefru,paraoqualaPedra de Palermo registra um fornecimento considerável de madeira deconstrução.RelaçõescomerciaiscomBibloseEblasãoigualmenteindicadasnadocumentação do Antigo Império. Nesse período, ações militares se dirigemcontra aNúbia, aLíbia eprovavelmente cidades asiáticas, emborahajapoucostestemunhosdiretosdessesataquesaoestrangeiro.NocomplexofuneráriodoreiSahurê,emAbusir,baixos-relevoscomemoramaderrotadeinimigos,masnãohárelato.Emalgumasdessas inscrições, pode-se reconhecer comdificuldadeumaexpedição à Ásia que provavelmente corresponde à mencionada na Pedra dePalermo.Essa correspondência poderia confirmar uma atividademilitar real noreinadodeSahurê.

Em geral, o motivo do deslocamento dos egípcios ao estrangeiro erasobretudodeordemeconômica.Astropasmilitaresengajadasnessasexpediçõessó intervinham pontualmente para manter a ordem no país em questão. NanecrópoledeQubbetel-Haua,nasproximidadesdeAssuã,afachadadotúmulode Hirkhuf é coberta de uma longa inscrição.Ali são relatadas as expediçõesmilitaresecomerciaisdirigidasporesseenviadodofaraóaosuldoEgito.Essasviagens de Hirkhuf foram empreendidas por ordem do soberano Merenrê (6ªdinastia).Além de indicar a presença de nomarcas nas expedições, esse textofornece informações valiosas sobre a Núbia e suas relações comerciais com oEgito durante o Antigo Império. Em sua primeira viagem, Hirkhuf procuroudescobrirocaminhoaopaísdeYam(provavelmenteaosuldaNúbia),paratrazerdeláprodutospreciososmuitocobiçadospelossoberanosdoAntigoImpério.Nasegunda viagem,Hirkhuf penetroumais fundo naNúbia e trouxe uma grandequantidade de produtos. Na terceira, entrou em contato com o governador de

Yam,queestavaemguerracontraumaoutratribonúbia.Dessaterceiraviagem,Hirkhuf trouxeuma sériedeprodutos característicosdaNúbia: incenso, ébano,peles de panteras, presas de elefantes e bumerangues. O enviado do faraó seorgulhava de sua intervenção no conflito, tendo se aliado ao príncipe deYampara enfrentar a coalizão formada pelos príncipes de Irtjet, Zatju e Uauat, queacabouvencida.Todavia,oAntigoImpérioéumperíododuranteoqualpoucasaçõesmilitaressãoregistradas.

II.OPrimeiroPeríodoIntermediárioApós ummilênio de formação e de desenvolvimento, a civilização egípcia

parece perder, em pouco tempo, sua unidade e o controle do norte do país,especialmente de sua “capital”, Mênfis. A transição entre o final do AntigoImpério,queconheceumrelativodinamismo,eoPrimeiroPeríodoIntermediáriofoibastantebrutal.Oprocessoqueconduziuaessamudançaédifícildeexplicar;as razões são provavelmente múltiplas e complexas. O período que osegiptólogos chamam de Primeiro Período Intermediário contou com quatrodinastias (da 7ª à 10ª). O início da 11ª deve igualmente ser colocado nesseperíodo até o reinado deMontuhotep II, reunificador do Egito e fundador doMédio Império.A cronologia desse Primeiro Período Intermediário também ébastante incerta, pois as sucessões e durações de reinados são difíceis de seestabelecer.

OPrimeiroPeríodo Intermediáriopode serdividido emduaspartes: 7ª e8ªdinastiaspertencentesàtradiçãomenfita,seguidasdeumadivisãodopoderentre,aonorte,oreinodeHeracliópolis(9ªe10ªdinastias)e,aosul,nomarcasmaisoumenos independentes, especialmente os do reino tebano (11ª dinastia). Não sesabe, porém, se a tomada de poder dos tebanos foi simultânea à da dinastiaheracliopolitana. As diferentes versões de Maneton e a documentaçãocontemporânea se contradizem, às vezes de forma desconcertante. Essadocumentação, relativamente abundante, é com frequência difícil de datar comprecisão. Osmonumentos raramente trazem a indicação do faraó reinante. Noentanto, conhecem-se alguns nomes de faraós atestados pela documentaçãocontemporânea,comoItyeImhotep,cujosnomesfigurameminscriçõesdouadiHammamat. Iby também deixou uma pirâmide inacabada em Saqqara. Essadocumentação foi encontrada principalmente na província, e seu corpus éformadoemgrandepartepormonumentosfuneráriosprivados.

Os acontecimentos históricos do Primeiro Período Intermediário sãoconhecidosatravésde trêsfontes:oensinamentodeMerikarê,obra literáriadosúltimos reis heracliopolitanos; as autobiografias dos nomarcas de Assiut eMo’alla;e,finalmente,documentosprivadosprovenientesdediversoscemitérios

dovale.Ascircunstânciasexatasdorompimentodaintegridadeterritorialsósãoconhecidas através de textos posteriores. O desmembramento da unidadeterritorial parece terocorridoapósum lento enfraquecimentodopoder real quefavoreceuaemergênciadepodereslocais,reforçadospelatransmissãohereditáriadafunçãodenomarca.Essesnomarcasseassociaramentresieformaramaliançasqueevoluíramcomotempo.NofinaldoPrimeiroPeríodoIntermediário,ostrêsnomosmaismeridionais defendiam os interesses deHeracliópolis, enquanto osquatronomos situados ao norte deTebas (deCoptos aAbidos) estavam sob aautoridade dessa cidade. Dois poderes se enfrentavam: a monarquiaheracliopolitana,quese inspiravanomodelomenfita,eaaliançadosnomos aosul do país em tornodeTebas.Oúnico personagemque teve umaposição desoberano no Egito durante o Primeiro Período Intermediário foi o rei deHeracliópolis.OCânonedeTurimnosforneceosnomesdedezesseteoudezoitosoberanosheracliopolitanos.Assim, para a tradição egípcia, esses soberanosdeHeracliópolis foram considerados os representantes legítimos da monarquia doEgitonesseperíodo.Asduascidadesentãoemconfronto,HeracliópoliseTebas,poucohaviamsedestacadoatéentão.DuranteoAntigoImpério,Tebaseraumvilarejoobscuroquenãosesobressaíaemrelaçãoaosoutros.Comavitóriadospríncipes locais tebanos,começaoapogeudeTebas,cujopodernãocessoudecresceratéofinaldoNovoImpério.Nessaépoca,reinouumcertocaosnoEgito.Oriscodefomenopaísexigiuumaorganizaçãorigorosadaagricultura.Comacoesão rompida, a fome se espalhou. A ausência de poder central tambémfavoreceuaextensãodealgumaspráticasreligiosasaoscidadãos,instaurando-sedesdeentãoumarelaçãodiretaentreoindivíduoedeus.

OsAntef,influentefamíliatebana,semquesepossadeterminarcomprecisãoseeramnomarcas,chegaramàrealezanosuldopaíscomAntefIIeseufilhoesucessorAntefIII.AntefII,cujoreinadofoi longo,foiprovavelmenteogranderival dos príncipes heracliopolitanos. Seu poder se estendia sobre umaconsiderável região ao sul do Egito (de Elefantina a Tínis). Seu reinado foimarcadoporumasériedeaçõespolíticasemilitares(descritasnaesteladita“aoscães”, encontrada em seu túmulo),mas tambémpor atividades arquitetônicas ereligiosasquetestemunhamumaretomadadecontroledafunçãoreal,pelomenosno sul do país. Os reinados dos Antef abriram o caminho a Montuhotep II,reunificadordoEgitoefundadordoMédioImpério.

1 .OMédio Império–Após a ruptura do Primeiro Período Intermediário,

começa uma era de restauração de um poder centralizado que dura ao todoquinhentosanos.ComooAntigoImpério,elacomportaumafaseascendente(11ªdinastia),umapogeu(12ªdinastia)eumafasemenosgloriosamasbastantelonga

(13ª dinastia), que termina novamente pela invasão de uma parte do territórioegípcio.OMédio Império émarcado aomesmo tempo pela lembrança de umpassadogloriosoepelosensinamentostrazidosporumperíododecrise.Avitóriadospríncipestebanosestánaorigemdeumapredominânciareligiosa,culturalepolíticadeTebassobreoEgito.EssaascensãotebanasócessounofinaldoNovoImpério.Asdificuldadesdohistoriadordiantedesseperíodo,tãoricoquefoidito“clássico”,sãoapobrezadasfontesarquitetônicaseepigráficaseofatodenossasinformaçõessobreoMédioImpérioprocederememgeraldefontesposteriores.

2.Ossoberanos–AligaçãodeparentescoentreAntefIIIeMontuhotepIIé

indubitável, assim como a continuidade monárquica entre osAntef e o novosoberano que desde então governa o conjunto do Egito. É possível queMontuhotep não governasse, em seu advento, o Egito inteiro, mas não restadúvida de que ele foi o reunificador do país. Esse papel lhe confere um lugarimportante na história egípcia. Ele foi particularmente honrado por seussucessores, como o foramMenés eAmósis (fundador doNovo Império). Seufilho e sucessor, Montuhotep III, está muito próximo dele. Já o reinado deMontuhotep IV, último soberano da 11ª dinastia, é menos conhecido. Muitoprovavelmente,seuvizirosucedeusobonomedeAmenemhatIefundoua12ªdinastia. Entretanto, as condições dessa subida ao trono permanecemobscuras.Elas são conhecidas quase unicamente através de uma obra literária de caráterpolítico,A profecia de Neferty, que descreve uma situação desastrosa, mas demaneira tão imprecisa, que é impossível relacioná-la com acontecimentosconcretos.Emtodocaso,elaservedejustificativaparaoanúnciodeumsalvadorque não pertence à linhagem real originária de Tebas. Esse personagem éapresentado como quem vai restaurar as tradições monárquicas a fim derestabelecer aMaât (princípiodeordemedeharmonia).A12ªdinastiaéadosAmenemhatedosSesóstris.Trêsreinadosemparticularmarcaramessadinastia:osdeSesóstris I,Sesóstris IIIeAmenemhat III.Essessoberanossedestacaramporafirmaruma independênciaemrelaçãoaospredecessores, especialmenteaopromoverememTebasumdeusdinástico,Amon,votadoaumprodigiosofuturo.Tambémcriaramumanova capital,Licht, nonorte dopaís.Contudo, nemporisso esqueceram seu passado, não deixando de homenagear seus ilustrespredecessores,osMontuhotep.

A13ªdinastia,geralmentecolocadapeloshistoriadoresnoSegundoPeríodoIntermediário, apresenta uma continuidade política e administrativa com a 12ª(porexemplo,seussoberanosconservamseulugarderesidênciaemLichtatéofinal da dinastia).No entanto, ela se distingue doMédio Império pelo elevadonúmero (aproximadamente sessenta) de soberanos que a compuseram e pela

brevidadedessesreinados.Osistemamonárquicoaplicadosoba13ªdinastiaeradiferente.Aoqueparece,osmaisvariadoscandidatosforamaceitosparasubiraotrono.Porém, asmulheres continuaramadesempenharumpapel importantenatransmissãodopoder.NenhumamúmiadesoberanodoMédio Impériochegouaténós;assim,nãodispomosdeinformaçõescomplementaresparadeterminaraduraçãodosreinadosdoperíodo.

3 .A política interna – A atividade arquitetônica dos soberanos da 11ª

dinastiafoiefetuadaprincipalmenteemseupróprioproveito,masnoquadrodosrespectivosdomíniosdosdeusesdoEgito.MontuhotepII,emparticular,fezcomque erigissem um templo funerário em Deir el-Bahari. Esse monumento degrandesdimensõesfoiconstruídonodomíniodadeusaHathor,emTebas.Antesdele, os Antef, certamente limitados em suas prerrogativas reais, não haviamdeixado vestígio de cultos monárquicos em seu proveito. O templo deMontuhotepIIapresentaalgumascaracterísticasoriginais.Eleintegraotúmulodosoberano,queconteriaumaestátuadoreisentadocomumtrajedafestaSed,bemcomoumsantuárioconsagradoaosoberano.OsrelevosfragmentáriossereferemclaramenteàfestaSeddorei.

Amanifestaçãomaisusualinvocadacomosinalvisíveldeumacorregênciaéa justaposição,nummesmodocumento,dedoisanosde reinadopertencentesadois soberanos consecutivos. Essa corregência teria ocorrido entre os doisprimeiros soberanos da 12ª dinastia,Amenemhat I e Sesóstris I. É geralmenteadmitidoque,noano21doseureinado,AmenemhatIelevouseufilhoSesóstrisàrealeza,inaugurandoumacorregênciaqueteriaduradodezanos.Essateoriasebaseia na leitura de duas datas consecutivas que figuramno documento de umalto funcionário chamado Antef. Todavia, a interpretação do texto foiquestionada.Provavelmentenãosetratadeduasdatas,masdeduasduraçõesdefunçõesdeAntef,ouseja,trintaanossobAmenemhatIedezanossobSesóstrisI.Assim,a ideiadeumacorregênciaentreosdoissoberanosdeveserafastada,mesmoseopríncipeherdeirojádesempenhasseumpapelcomochefemilitarnoreinadodopai.Acasodasdescobertasoureflexodaépoca,ofatoéquetambémosprimeirosviziresdoMédioImpériosãoconhecidosnoreinadodeMontuhotepII.

Coma11ªdinastiasepodeobservarumaretomadaprogressivadasestruturasadministrativas, embora às vezes hesitante. De fato, há o registro de títulosparticularesnãomaisencontradosaseguir.Essasituaçãoécertamenteoreflexode uma tarefa pesada para a qual esses soberanos talvez não estivessempreparados. A maioria dos vizires da 12ª dinastia é atestada no reinado deSesóstris I. Entretanto, não parece ter havido mais de um vizir em função ao

mesmo tempo. A maior parte dos setores administrativos do Antigo Impérioperdura,àsvezessedesenvolvendo,noMédioImpério.OTesouro,porexemplo,diversificasuasatividades.AinstituiçãoestámuitoligadaàexploraçãodasminasedaspedreirasdoEgito.Adireçãodessas expedições égeralmente confiada aaltos funcionários em atividade na administração do Tesouro.A administraçãoregional,porsuavez,é indissociáveldasestruturasgovernamentais.UmestudorecentesobreosnomarcasdoreinadodeSesóstrisImostraqueasrelaçõesentreos responsáveis locais e esse soberano estavam fundadas na reciprocidade.SesóstrisIseapoiavaemlinhagensdinásticasestabelecidasemalgumasregiõespelo menos desde o Primeiro Período Intermediário. Com isso ele garantia alealdade dos chefes locais e tornava possível o bom funcionamento dasinstituiçõesmonárquicasnoníveldasregiões.Emcontrapartida,osnomarcasdoreinado de Sesóstris I usufruíram um status elevado, que lhes permitiumandarconstruir, em seus nomes, suntuosos monumentos onde eram registrados seusmétodosdegestãodonomo, suas ligações como rei e a autoridade sobre seuscontemporâneos, por exemplo.Atribui-se a Sesóstris III uma série de reformasadministrativas.Asunidadesadministrativasdeixamdeserosnomos:ascidades,as antigas metrópoles dos nomos, tornam-se as novas unidades territoriais dereferência.

4 .A política externa – A reconquista do território foi evidentemente a

prioridade dos soberanos da 11ª dinastia. As cartas de Heqanakht atestam areorganização do país, especialmente a fim de assegurar o abastecimento dapopulação e o reforço da monarquia. Desde o reinado de Montuhotep III,recomeçamasexpediçõesemdireçãoàsminasepedreiras,sinaldeumaretomadadoterritório.Noano8deMontuhotepIII,umaestelacomemoraumaexpediçãoàregiãodePuntconduzidapelo“diretordoTesouro”,Henenu.Noreinadodoseusucessor,MontuhotepIV,outrasexpediçõesigualmenteocorrem.AatividadenasminasepedreirasdoEgitoseintensificanosreinadosdeSesóstrisI,SesóstrisIII,AmenemhatIIIeAmenemhatIV.NumerosasexpediçõesàsminasdeturquesadeSerabit el-Khadim (Sinai) são atestadas no reinado deAmenemhat III. Na 13ªdinastia,ossoberanosenviavamepisodicamenteexpediçõesàsminasepedreirasdodesertoorientaledoSinai,bemcomoàsminasdegalena15domonteZeit.Apolítica estrangeira do Médio Império tinha vários objetivos: a defesa dasfronteiras, a ampliação do território nacional e a obtenção, essencial para aeconomiadopaís,degênerosalimentíciosemãodeobra.OEgitodependedeseusvizinhosparaoabastecimentodemadeiraeparatodosostiposdeprodutospreciosos.Nesseponto,ainovaçãodoMédioImpérioconsistiuprincipalmentena

coerência da política e na amplitude dos esforços empregados. Desde a 11ªdinastia, a Núbia estava integrada ao território egípcio. Sesóstris I foi quemdesenvolveuumapolíticadecontroledosprodutosdessazonameridional.Deve-se a ele, assim como a Sesóstris III, a construção de várias fortalezas junto àsegunda catarata (Buhen, Mirgissa e Semna, por exemplo). Essas fortalezasabrigavamimensosdepósitosqueprovavelmentepermitiamcontrolarocomérciocomosreinosdosul.Poroutrolado,tratava-setambémdeumalinhadefensiva.As fortalezas instaladasnasegundacataratapossuíam,cadaqual,característicasespecíficasquerevelamseurespectivopapel.EmBuhenficavamaresidênciadocomandanteeosalojamentosdosfuncionários,bemcomonumerososdepósitosqueadesignamcomosededaadministraçãocentraleimportanteeloeconômico.BuheneMirgissaeramasmaioresfortalezasdasegundacatarata.EstaúltimaseencontraatualmentesobaságuasdolagoNasser,oqueimpedeosarqueólogosdedispordenovosdadossobreesseconjuntodefortalezasquenãoeramapenasunidadesadministrativaseeconômicas,masfaziampartedeumimensocomplexoestratégico.Mirgissa,emparticular,possuíaumacidadela,umacidadefortificadae abrigos portuários.A presença de uma cidade e de uma necrópole atesta ainstalaçãoprogressivade famíliasdecolonos, sobretudoapartirdo finalda12ªdinastia.

OssoberanosdoMédioImpérioparecemterpostoumaenergiaparticularemdominarosuldoEgito.ÉsoboreinadodeSesóstrisIquesãodesignadaspelaprimeiravezaspopulaçõesdoreinonúbiodeKush.AsguerrasdeconquistaemterritórionúbioforamempreendidasprincipalmenteporSesóstrisIeSesóstrisIII.EsteúltimoestabeleceumafronteiraemSemnaeemKumna,afimdeconteraspopulaçõesdogrupoCinstaladasnaBaixaNúbiaedeseprotegerdapressãodoreinodeKermanaAltaNúbia.

AnaturezaexatadasrelaçõesentreoEgitodoMédioImpérioeosdiversosEstados da baciamediterrânea oriental permanecemuito controvertida. Sabe-seda existência de uma diplomacia ativa entre os soberanos egípcios e seushomólogosestrangeirosdaSíria,PalestinaeCreta.Apolítica“internacional”deAmenemhatIIsebaseiaeminformações,cujovaloréhojefortementecontestado,fornecidaspelotesourodeTôd.NasfundaçõesdotemplodeTôd,foiencontradoumtesourocompostodeobjetosemmetaispreciosos,ouroeprata,algunsdelesdo tipo egeu. Isso indica que o soberano egípciomantinha relações comPunt,comaSírio-PalestinaemesmocomChipre.

III.OSegundoPeríodoIntermediárioNo Segundo Período Intermediário, o Egito conhece um novo período de

perturbaçãoederupturadaintegridadeterritorialdopaís.Porém,dessavezatores

estrangeirosdesempenharamumpapelimportantefrenteaumpoderegípcioquesofriaemparteaconcorrência,noDelta,deoutrasformasdegoverno.OvaledoNiloapresentaumasituaçãobastantecomplexadurantetodooSegundoPeríodoIntermediário,cujacronologiaabsolutaaindanãofoiassentada.Noestadoatualdas pesquisas, podemos resumir assim a situação: o Segundo PeríodoIntermediáriosecaracterizapelapresençadeestrangeirosnoterritórioegípcio,oshicsos.Otermo“hicsos”éderivadodoegípcioheqakhasut(“príncipedospaísesestrangeiros”).A expressão já é utilizada nos textos doAntigo Império e nãodeterminaolugardeorigemdessapopulação.Contudo,deacordocomasegundaesteladeKamoséeatravésdevestígiosqueoshicsosdeixaramemváriossítiosdo Delta oriental, pode-se deduzir uma origem oriental. Trata-se talvez denômades vindos da região sírio-palestina. Convém distinguir o período queprecede o coroamento em Mênfis do primeiro rei hicso, Salítis, daquele quecorrespondeàmetadeda17ªdinastia.Duranteumtempo,háumaconcorrênciadepoderentrea13ªea14ªdinastias.Estaúltimacompõe-sededuasmonarquiasparalelasquedividemopodernoBaixoEgito.Deum lado, os faraósdeXoís(cidadedoDelta),dosquaispoucacoisasesabe.Deoutro,umreinofundadonoDeltaocidentalporNehesy,tendoporcapitalAvaris.Aliás,éainscriçãodeumaestátuadessereiqueforneceamaisantigamençãoàcidadedeAvaris(atualTellel-Dab’a).Trata-sedeumamonarquiaegípcia instaladanumterritóriocomumagrandepopulaçãoasiática.OstrabalhosdoInstitutodeArqueologiaAustríacoemTell el-Dab’a revelaram, nas proximidades do palácio dos reis egípcios docomeçoda13ªdinastia,apresençadeumavastaaglomeraçãoprovidadetemplosenecrópoles,habitadaporumapopulaçãomistadeegípciosesírio-palestinos.Adinastia desapareceu provavelmente em consequência da invasão dos hicsos.Avaristornou-seacapitaldoreinohicso.Entretanto,édifícildeterminaradatadeinvasão (a14ªdinastiaprovavelmente seextingueantesdo finalda13ª).A17ªdinastia parece suceder diretamente no tempo à 13ª dinastia. Ela controlavaapenas oAlto Egito e uma parte doMédio Egito. Paralela à 15ª dinastia, doshicsos,essa17ªdinastiaédeorigemtebanaeseusúltimossoberanos,SeqenenrêTaaeKamosé,vãoparticipardareunificaçãodopaís.Osnomesdosreishicsossãoomitidosdaslistasdereis,anãosernoCânonedeTurimque, infelizmentenessapassagem,estámuitomalconservado.Osoberanomaisconhecidoda15ªdinastiaéApófis (5ºsoberanodadinastia).Seunomeécitadonosdocumentosque relatam os combates empreendidos por Kamosé precisamente contra essepríncipe hicso.A tradição egípcia refere-se à invasão dos hicsos como amaisgraveocupaçãodeterritórioqueoEgitoconheceu.Noentanto,deacordocomadocumentação, convém matizar essa visão. Os soberanos da 15ª dinastiapraticaram a escrita hieroglífica, adotaram nomese muitos costumes egípcios,

inclusiveadministrativos.Kamosé,personagemmisteriosoeconsideradoumreiimportantepelosegípcios,foiquemdirigiuaprimeiraguerradelibertaçãocontraoshicsos.AocontráriodeSeqenenrêTaa,Kamosédeixousobresuasguerrasumrelato prolixo do qual restam dois testemunhos principais (as duas estelas deKamosé), completados por uma cópia do texto numa placa de Carnavon. Aprimeiraestelaédatadadoano3doreinadodeKamosé.Estelamenta,diantedosmembrosdoseuConselho,apresençadoshicsosnonortedopaís.Oreidecideentão ir àguerrae relatá-la,descrevendocomprecisãoos locaiseasmanobrastáticas.Elerecuperaemparticularumacidadenonortedopaís.Aseguiroreifalada interceptação de umamensagem que o príncipe hicso envia ao príncipe deKush16 para pedir seu apoio. Os reis de Kerma eram os interlocutores maisregulares dos soberanos egípcios, enquanto fornecedores de mão de obra,rebanhos,matérias preciosas e produtos de luxo.A descoberta recente de umainscriçãobiográficanatumbadogovernadorSobeknakhtemElkabpareceatestarum ataque ao Egito pelo reino de Kerma e seus aliados. A tumba dessegovernadorpôdeserdatadada17ªdinastia.Nadanospermitesaberseopedidodealiança feitopelo reihicso teria sidoaceitopor seuhomólogodeKush seamissiva não tivesse sido interceptada pelos egípcios. Foi somente durante oreinadodeAmósisqueHeliópolis foi retomada.SeahistoriografiaegípcianãodeterminaqueoNovoImpériocomeçaporKamosé,éporqueelenãoconseguiulibertar totalmenteoEgito.ÉAmósisquepermanecerácomoo reunificadordopaís.

O Segundo Período Intermediário provocou profundas mudanças nacivilização egípcia. O Novo Império tornou-se o receptáculo das inovaçõesintroduzidas progressivamente pelas influências asiáticas. Contudo, os contatosmantidoscomaÁsiaduranteoNovoImpériotrouxeramtambémmudançasnãodiretamenterelacionadasaoepisódiohicso.

14.DeuscriadoreprotetordacidadedeMênfis.(N.E.)15.Minériodechumbo.(N.T.)16.NaNúbia.(N.T.)

CAPÍTULO IV

O IMPÉRIO EGÍPCIO

OfinaldoSegundoPeríodoIntermediárioabre-separaoNovoImpério,queéoúnicoperíododahistóriaegípciaemqueoEgitoconheceaconstituiçãodeumimpério.Emtodososdomínios,amassadadocumentaçãoaumentaetorna-semuitasvezessuperabundante.ONovoImpérioéumaépocaemqueossoberanosseexprimemamplamentesobreosmatizesquesuapolíticaadquirenoâmbitodeseus respectivos reinados. De fato, desde Amósis, reunificador do Egito efundador do Novo Império, os reis tiveram o cuidado de informar bastanteexplicitamentesobreseusprincipaisfeitoseposturas.Osegiptólogosescreverambastante sobre oNovo Império,masmuitas questões ainda são hoje objeto devivosdebates.Assim,adataemquearainhaHatchepsut iniciouseureinado,alocalizaçãodePunteaquestãoeventualdeumacorregênciaentreAmenhotepIIIeAmenhotepIVsãoalgumasdasquestõescujas respostaspermanecemabertasno momento atual. Por outro lado, a época amarniana17 inspirou muito maiscomentáriosdoquequalqueroutroperíododahistória,semnoentantoapresentaruma visão consensual desse período particular. O Novo Império é igualmenteumaépocaemqueosfaraóslevamemcontaummundomaisvasto,adaptandoaos poucos as instituições egípcias conforme entram em contato com outrospovos. Esses novos dados provocaram também muitas pesquisas sobre ostopônimos estrangeiros e suas localizações atuais nomundoque cercaoEgito.Tebas, símbolo da vitória, conhecerá um desenvolvimento particularmenteimportantenoNovoImpério,favorecendo,assim,aascensãodoclerodeAmon.AssociadoaRádesdeoMédioImpério,Amoné“Amon-Rá,reidosdeuses”emtodoopaís.

I.Ossoberanosdocomeçoda18ªdinastiaeosgrandesconquistadores

Éoúltimodosreistebanosda17ªdinastia,Amósis,quefundaa18ª.Nãoháruptura entre as duas dinastias, que, no entanto, apresentam situações bemdiferentes.Amósis impôssuaautoridadesobrea totalidadedoterritórioegípcio.A sucessão dos acontecimentos que marcam seu reinado permanece obscura.Amenhotep I, filho e sucessor deAmósis, reina sobre um território unificado.Massuasobrasarquitetônicasparecemconcentrar-semaisnosuldopaís.Elefoium dos primeiros soberanos da 18ª dinastia a mostrar a vontade de seguir os

modelosarquitetônicosda12ªdinastia.AmenhotepIesuamãeAhmésNefertariforamoobjetodeumcultomuitoduradouronaépocadosRamsés.Amenhotepera mesmo considerado pelo clero tebano e pelos funcionários reais como overdadeiro fundador do Novo Império. Ignora-se a natureza dos direitos deTutmósis I à sucessão do trono do Egito. Esse novo soberano é o primeiro aafirmar claramente uma política imperialista. Entre as construções do faraó emKarnak,oTesouro edificadoaonortedo recintodeAmonéoúnico exemplarconservado desse tipo de monumento. Ele apresenta um plano assimétrico etripartite formadopor dois retângulos separadospor umpátio comcolunas.Naparteoesteháedificaçõesdecaráter religiosodispostassegundoumeixonorte-sul, assim como o repositório da barca18 e o santuário, que são construçõesanteriores ao reinado de Tutmósis I. O conjunto dos depósitos é o elementocaracterísticodoTesouro.Ocuidadocomqueforamconstruídoseasuaampladecoração indicam que não eram locais puramente utilitários. Como seupredecessor, Tutmósis I inspirou-se em modelos arquitetônicos do reinado deSesóstrisI.OreinadodofilhodeTutmósisI,TutmósisII,foirelativamentebreve.É com a subida ao trono do Egito do filho ainda muito jovem deste último,TutmósisIII,queoEgitoconhecesuaprimeiracorregênciacomprovada.Durantea juventude do novo faraó, a regência foi assumida por Hatchepsut (sua tia emadrasta), o que nada temde surpreendente, já que o rei não tinha idade paraexercer as funções reais. Entretanto, essa regência se transformouprogressivamente em corregência, durante a qual a rainha adquiriu todos osatributos de um soberano. Os especialistas ainda discutem se Hatchepsut foiapenascorregente(eadataapartirdaqualteriaassumidoafunção)ousehouveusurpaçãodopoderemseuproveito.NofinaldoMédioImpérioedoSegundoPeríodo Intermediário,mulheres, rainhas e esposas reais já haviam contribuídoparamanteramonarquiaedesempenhadoumpapelimportante,emborainabitual.Porém, Hatchepsut vai mais longe, construindo monumentos (como é o casoparticular da Capela Vermelha) que depois, em sua maior parte, foramdesmembradosereempregadosemconstruçõesanteriores.SeutemplofunerárioedificadoemDeirel-Bahariconstituiamarcadaconcepçãoarquitetônicaoriginaldo reinado (templo em terraços). Os historiadores discutem as razões dessadestruiçãodamemóriadarainha-faraó.Buscaramosegípciosapagarumperíododahistória quenão correspondia à sua ideologia, comomais tarde foi feito emrelaçãoao reinadodeAkhenaton?Aoque tudo indica, essasdestruições foramordenadasporTutmósisIII;masquaiseramsuasmotivações?NãoécertoqueelebuscasseapagaronomedeHatchepsut; talvezquisesseapenas tomarparasiosmonumentosquearainhaedificou.

Nesse momento do Novo Império, começam os reinados dos reisconquistadores.OsmaioreschefesdeguerradahistóriaegípciaforamTutmósisIII,AmenhotepIIeTutmósisIV.Noqueserefereaoprimeiro,éàsvezesdifícildissociarosatoscontemporâneosdacorregênciadosatosdeTutmósisIIIquandoé ele o único soberano do Egito.Mas emmuitos casos a distinção é possível.Assim, em Karnak, Tutmósis III fez erigir uma parede diante das salas deHatchepsut,nelainscrevendoanaisquerelatamunicamentesuasconquistasesuapolítica econômica. O Akhmenu (em Karnak), monumento de celebraçãomonárquica, pode igualmente ser atribuído apenas à glória de Tutmósis III.TutmósisIVfoiumdossoberanosmenosconhecidosda18ªdinastia,nãoporquenão teve um papel importante,mas porque seu reinado foi bastante curto. Pormuitotempoprevaleceuaopiniãodequeoreinãoeraoherdeirolegítimoequesó subiu ao trono após ter afastado os rivais. Essa hipótese se baseiaprincipalmentenaleituraenainterpretaçãodaesteladitado“Sonho”.ComoseupredecessorAmenhotepII,éporumaestela(nocaso,ado“Sonho”)queonovosoberanorevelaaseuscontemporâneosorelatodeumepisódioextraordináriodesuavidaqueodesignoucomooeleitodosdeuses:ojovempríncipe,adormecidoaos pés da Esfinge de Gizé, tem um sonho no qual a Esfinge lhe promete arealeza se elemandar restaurar e tirar a areia da estátua. Hoje, Tutmósis IV éconsiderado o sucessor legítimo do seu pai, Amenhotep II. O reinado deAmenhotepIIIprecedeuecontémalgunssinaisdeumdosgrandesepisódiosdahistória egípcia, o período amarniano, de que falaremos adiante. Seu reinado,particularmentelongo,correspondeaumperíododeprosperidadeedepaz.Entresuas grandes construções, a do templo de Luxor é ainda uma das maisimportantes.

II.AfunçãodevizireogovernoNoNovo Império, a emergência da administraçãododeusdinásticoAmon

tendeamodificarapaisageminstitucional.Poroutrolado,oNovoImpériofoiumperíodo em que as inúmeras conquistas proporcionaram uma quantidadeinigualável de produtos e de objetos preciosos, obtidos como tributo ou comobutim. O império também favoreceu os contatos com outros Estados,especialmenteos dabaciamediterrânea.A adaptaçãodas instituições, portanto,deve ter levado em conta omundo que cercava o Egito.NoNovo Império, afunção de vizir foi dividida entre Tebas e Mênfis. Provavelmente foram osimperativos econômicos e as responsabilidades cada vez maiores geradas peloimpério que tornaram necessária a divisão dos encargos nomais alto nível doEstado.Embora o vizirato seja atestado desde a criação doEstado egípcio, foipreciso esperar o reinado de Tutmósis III para que um texto enumerasse a

totalidade das prerrogativas que pertencem a esse elevado cargo. O textochamado“Osdeveresdovizir”éumafontedeinformaçõesfundamental.Antes,somente os estudos prosopográficos (estudos das diferentes funções ocupadaspelos administradores durante suas carreiras) permitiam compreender aorganização dos serviços centrais. O texto dos deveres do vizir é conhecidoprincipalmentepelagrandeinscriçãodotúmulo(TT100)dovizirRekhmirê,emGurna.OvizirtematribuiçõescivisereligiosasligadasaodeusdinásticoAmon,comoorecolhimentodeimpostosetributostrazidospelosresponsáveisdetodooImpério e depois guardados no tesouro do templo deAmon em Karnak. Osinúmerosencargosdovizirpodemseragrupadosemtrêsconjuntos:assistênciaaoreieaoexecutivo,gestãododomíniorealeadministraçãocivildopaís.Éele,emparticular, que nomeia e controla os funcionários que exercem as mais altasresponsabilidades.Para exercer suas funções, ovizir conta comumaequipedesuaconfiança.

Os esforços de guerra dos reis, no começo da 18ª dinastia, favoreceram acriaçãodeumexércitoprofissionalcompostodeinfantariaecarrosdecombate.Militares de alto nível, particularmente escolhidos pelo rei, podiam recebermissões junto a príncipes estrangeiros, cujas terras longínquas eles conheciambem.DuranteoNovoImpério,naNúbia,todaaregiãocompreendidaentreElkabeasproximidadesdaquartacatarataestavasobaautoridadeegípcia.Essevastodomíniodoimpério,administradoporumvice-reihonradocomotítulode“filhorealdeKush”,estavadivididoemduaszonas:UauataonorteeKushaosul.Ovice-reiseocupavaaomesmotempodemanteraordemedezelarpelaextraçãodo ouro. Supervisionava também a arrecadação de tributos pelos governadoresdascidadesepeloschefesnúbios.Algunsdosmaisbelos túmulosdoValedosNobresrepresentamdesfilesdetributosqueprovinhamdasdiferentesprovínciasdoimpério.

III.AatividademilitarOespíritodelutadosoberanoévalorizadodesdeocomeçoda18ªdinastia.O

novo tema ideológico da apropriação domundopassa pelo controle do espaçoegípcio,mastambémpelaextensãodasfronteiras.Essaapropriaçãosematerializaespecialmente na decoração dos templos, onde encontramos tanto imagens domassacre de inimigos quanto a inscrição de listas de países e cidadesconquistadas. O tema dos Nove Arcos (isto é, o conjunto das populaçõessubmetidasaospoderesdosreis)vaiadquirirumaimportânciaparticularnoNovoImpério,especialmentenatitulaturadossoberanosdaépoca.ONovoImpérioéaépocaemqueoEgitoconhecesuasfronteirasmaislargas:aonorte,umaestela-fronteiraseencontranoEufrates;aosul,umaoutraestela-fronteirafoicolocada

junto à quarta catarata doNilo.As grandes campanhasmilitares desse períodoforamfeitasemnomeeemproveitodograndedeusdinásticoAmon.Asguerrasque os soberanos do começoda 18ª dinastia empreenderam emdireção àÁsiadecorriam provavelmente de considerações políticas e comerciais. Os exércitosegípcios asseguraram a salvaguarda dos interesses comerciais do paísrestabelecendo sua influência emBiblos e reconquistando o controle das rotascomerciais terrestresnaPalestina,naSíriaenoMitani.19Tutmósis IIIadotouapolítica mais sistemática no Oriente Próximo. Seu principal adversário foi osoberano deMitani, mas o jogo das alianças levou o faraó a enfrentar forçasdistribuídasdesdeocorredorsírio-palestinoatéoEufrates.OsanaisdeTutmósisIIIqueapresentamorelatodasconquistasdosoberanodividem-seemdezessetecapítulos, nos quais figuram cinco relatos de conquistas.As outras operaçõesdescritassãobrevesedestinadasaprevenirouareprimirrevoltas.OsdoisúltimoscapítulosapresentaminventáriosdeprisioneirosedobutimtrazidosparaodeusAmon.AscampanhasdeTutmósisIIIparecemtercomeçadonoano22doseureinado;aúltimasendoatestadanoano39.OfilhoesucessordeTutmósis III,AmenhotepII,foiaparentementeodignoherdeirodoimpério.Eleconduziutrêscampanhas importantes naÁsia para esmagar várias insurreições.Os interessesegípcios na Núbia foram igualmente o objeto de campanhas de conquistas eexpandiram a fronteira até a quarta catarata. Essa expansão provocou odesaparecimento do poderoso reino de Kerma. Antes de Amenhotep II,Hatchepsutjáseorgulhavadeter“redescoberto”opaísdePunt,poisarotaquelevavaaessaterralongínquaedegrandesriquezaspareciaestarperdidadesdeoAntigoImpério.Arainha-faraónãoqueriamaisdependerdeintermediáriosparaobterosprodutosdePunt.UmagranderepresentaçãonasparedesdotemplodeDeir el-Bahari mostra, em particular, o encontro dos enviados reais com a“rainha” do país de Punt. Hatchepsut também inaugurou a prática da consultaoracular aAmon: antes da expedição a Punt, foi a Karnak a fim de consultarAmonpor intermédio de umoráculo.Todos os benefícios da expedição foramreservadosaosdeuses.No reinadodeAmenhotep III,nãohá sinaisdeconflitoentreoEgitoeaÁsia.Nessaépoca,osmitanianosjáeramaliadosfiéisdoEgito.Mas, no Oriente Próximo, o equilíbrio de forças parece se modificar com aascensãodoshititas20.MesmonãohavendoconflitonaÁsiaduranteo reinadodeAmenhotepIII,esteempreendeumaintensapolíticadiplomática.Depoisdasgrandesconquistas,oEgitoestabeleceumprotetoradogarantidoporguarniçõesegípcias em locais estratégicos e reforçado por sutis jogos diplomáticos(casamentos e reféns).Nesse sentido,os soberanos egípcios tentaramcriarumapolíticadeaculturação.DesdeoreinadodeTutmósisIV,casamentosligavamas

cortesdoEgitoedeMitani.AmenhotepIIIdesposoupelomenosduasprincesasmitanianaseumababilônica.Asdeclaraçõesdeamizadeeastrocasdepresentesentre as cortes, apoiadas ou não sobre tais alianças, parecem ser os temasprincipaisdacorrespondênciadiplomáticaentreossoberanos.OdossiêdascartasdeAmarnaconstituiumconjuntoextremamenteprecioso.Amaiorpartedessascartasprovémdecortesestrangeiras;somentealgumassãocópiasdasmensagensegípcias. Todas foram redigidas entre os reinados de Amenhotep III e deAkhenaton.

IV.AépocaamarnianaAtransiçãoentreoreinadodeAmenhotepIIIedeseufilhoAmenhotepIVé

marcada por um debate, ainda atual, sobre a existência de um período decorregênciaentreosdoissoberanos.Acomunidadecientíficase dividesobreessaquestãofundamentaldacronologiadoNovoImpério.Amaisantigacorregênciaabsolutamente certificada é a de Hatchepsut e Tutmósis III. No entanto, nosistema egípcio, a corregência não é uma prática de governo estabelecida esistemática. Já em 1899,W.M.F. Petrie lançou a hipótese de uma partilha dopoder entre os dois reis. Tal questão ganhou um novo impulso com asdescobertas de el-Amarna. Diversos documentos encontrados pareciam serargumentos em favor da presença de Amenhotep III nesse lugar. ComoAmenhotep IV só fundou sua nova “capital” no ano 5 do seu reinado (eprovavelmente não a habitou antes do ano 6), pôde-se supor que o pai haviavivido ainda nos seis primeiros anos do reinado do filho.A duração máximapropostapelospartidáriosdacorregênciaédeonzeanos.Hámuitosindíciosdeuma corregência,mas nenhum de natureza indiscutível para encerrar o debate.TomemosoexemplodeumafiguraçãoencontradaemAssuã:acenafoicriadapordoischefesescultores,MeneBak,respectivamenteemfunçãonosreinadosdeAmenhotepIIIedeAmenhotepIV.Arepresentaçãomostraosdoissoberanoscomo se estivessem vivos. Mas nada nos permite afirmar queAmenhotep IIIaparece ali a título póstumo, o que não é raro na documentação egípcia. Osargumentosemfavordaausênciadeumacorregênciasãoigualmentenumerosos.Em três cartas encontradas nos arquivos de el-Amarna, fica claro para os doissoberanosestrangeirosqueasescreveramqueAmenhotepIVsósubiuaotronoapósodesaparecimentodeAmenhotepIII.Emtodocaso,seAmenhotepIVfoiassociadoaotronoenquantoopaiaindavivia,elenãopareceestarimplicadonacondução da política exterior, o que é bastante surpreendente.Assim, o debatecontinua aberto à espera de uma nova documentação indiscutível em favor deumaoudeoutrateoria.

Nada se sabe de Amenhotep IV antes do seu advento. Os elementos

marcantesdoseureinadosãoprincipalmenteamudançadacapital,fundadanumaterra virgem, e a transferência da administração para el-Amarna; uma estruturados templos até então inédita, com a utilização dostalatats21; a introdução dadivindade solar sob a forma deAton e o debate relativo à primeira forma demonoteísmo; e, por fim, uma mudança na arte da representação que osespecialistasqualificamde“realista”.

Apesar da abundância da documentação, esse período comporta maisenigmasdoquequalqueroutro.OreinadodeAmenhotepIV–quenoano6doseu reinadomuda a titulatura e passa a usar o nomedeAkhenaton – pode serdividido em dois períodos: o período tebano (do ano 1 ao 6) e o períodoamarniano, a partir do qual o faraó muda de nome. Nefertiti foi uma figuraessencialdoreinado.AmenhotepIVcasoucomelaprovavelmenteantesdesubirao trono, mas não temos nenhuma informação sobre suas origens. Antes damudançadacapital,quandoocasalestáaindaemTebas,Nefertiti já tinhaumagrande importância namonarquia. É às vezes representadamassacrando “umainimiga”,erguendoamaçacomoumrei.EmboraNefertitiocupasseumaposiçãoprivilegiada no reinado de Amenhotep IV, este praticou uma política decasamento diplomático como seus predecessores, especialmente com umaprincesamitaniana.Nocomeçodoreinado,apolíticadeAmenhotepIVnãosedistinguedas anteriores.Operíodo tebanodesse faraódura apenas cinco anos,provavelmentemarcadoporconstruçõesnoEgitoenaNúbia.Masamaiorpartedessasconstruçõesforamdemolidas,dandolugaraedificaçõesmaisrecentes.

Énoano2doseureinadoqueAmenhotepIVconfereaAton(quenãoéumnovodeusnopanteãoegípcio,aparecendojácitadonostextosdaspirâmidesdoAntigo Império) o lugar que ocupava Amon-Rá. Todavia, não se sabeexatamentequandoapareceramasprimeirasmanifestaçõesdareligiãodeAton.Éconhecida a localização de várias obras construídas no estilo novo inauguradopelosoberano(ostalatats).AdecisãodedeixarTebascorrespondeaumaviradafundamentalnopensamentodo rei,poisaomesmo tempoelemudadenomeemodificaprofundamente toda a sua titulatura.Segundoa tradição, a escolhadeum local totalmente inabitado foi guiada pelo próprio deus.No entanto, outrasconsideraçõesnãoexpressaspodemtambémtermotivadoaescolhadosoberanode deixar Tebas, como a situação relativamente protegida de el-Amarna. Esselocal,parcialmentecobertopelasculturaseporváriasaldeiasmodernas,destruídopelos homens e pela erosão, foi resgatado muito incompletamente. Nenhumamuralhafoiprevistaparaacidade,jáqueolugarénaturalmenteprotegidopelasfalésiasemvolta.OcentropossuíaemparticulardoistemplosdedicadosaAton,dois palácios, imensos setores domésticos e prédios administrativos. As

representaçõesnasparedesdostúmulosamarnianospermitemcompletaravisãodealgunssetoresdacidade.Comonoreinadoprecedente,osaltosfuncionáriosdeAmenhotep IV estão diretamente colocados sob a autoridade do rei ou dosmembrosdafamíliareal,enãosobadasgrandesentidadesinstitucionais(palácio,residênciaetc.).NoqueserefereàpolíticaexteriordoEgito,asintervençõesdofaraónaNúbiasãoraras,limitadasaocomeçodoreinadoelocalizadasaosuldasegunda catarata. Há informaçõesmais importantes sobre seus contatos com aÁsia.

V.Ossoberanosdofinalda18ªdinastiaedaépocaraméssida

Adocumentação imediatamente após amorte deAkhenaton é tão ambíguaquedeuensejoanumerosasreconstituições.Comoessedossiêaindaestásendoestudado, nos limitaremos a resumirmuitobrevemente a situação.Uma rainha-faraóteriareinadonoEgito.AlgunspropuseramahipótesedequepodetersidoNefertiti, a esposa deAkhenaton, mas essa hipótese ainda é objeto de muitascontrovérsias,eoutrosnomesforampropostos.Umsegundosoberanoaparecenadocumentação,denomemasculino;portanto,distintododarainha-faraó.Assim,doisfaraóstalveztenhamreinadoparalelamentenessaépoca.

Acerca de Tutankhamon, sua identidade permanece obscura. Nenhumdocumentofornecequalquerindicaçãosobreseupaiousuamãe,aindaqueessesoberano busque se aproximar da linhagem dos Tutmósis. Nada permite hojedeslindar essa questão. Os sucessores de Tutankhamon, Ay e Horemheb, játinham uma longa história antes de chegarem ao trono do Egito e não tinhamsanguereal.Oreinadodo“paidivino”,Ay,foibreve.NoreinadodeAkhenaton,Ayjápareciaocuparumaelevadaposição.NodeTutankhamon,eleseencontraigualmentepróximoaorei.Ayéumafiguradifícildeseentender:trata-sedeumprotetordojovemreioudeumhomemambiciosoquesoubesecolocar?Detodomodo,segundoadocumentação,onovosoberanobuscoulevaradianteaobradojovemfaraó.ComoaúltimatentativademanteradinastiafracassacomoreinadodeAy,mortosemdescendênciamasculina,umoutroaltofuncionário,Horemheb,sobeaotrono.Oreinadodele,noqueserefereàideologia,estámaispróximoda19ª dinastia. O culto que os reis raméssidas22 prestaram a Horemheb éprovavelmente o sinal de que ele fundou uma nova dinastia.Assim, a rupturadinástica parece situar-se no reinado de Horemheb, e não depois. Horemhebtambém teve uma longa carreira antes de subir ao trono. É possível que tenhainiciado sua carreira militar ainda no reinado deAkhenaton, embora não hajatestemunhos disso. Não sendo filho de rei, Horemheb explicou, no texto da

“coroação”, sua subida aopoder e amaneira comoumalto funcionárioplebeupodeserreconhecidocomofilhoeherdeirodosdeuses.Nãotendotidoherdeiromasculino, nem ao menos um que lhe sobrevivesse, Horemheb transmitiu arealezaaumoutromilitar,umgeneralorigináriodoDeltaquefundouumanovadinastia, a dos Ramsés. Na escolha de Ramsés I havia ummotivo sucessório:este, ao subir ao trono, já tinha um filho e um neto.Após seu breve reinado,RamsésIfoisucedidoporseufilhoSétiI,quejádesempenharaumpapelativoduranteoreinadodopai,semqueissosignificasseumacorregência.

Embora não tenha sido o fundador da 19ª dinastia, Ramsés II, que reinoudurante66anos,éconsideradoafiguraemblemáticadesseperíodo.Comamortedo seu sucessor, Merenptah, começa um período de conflitos familiares quemarcarãoahistóriadoEgitoatéofinaldoNovoImpério.Desdeoiníciodoseureinado,Merenptah havia designado como sucessor seu filho, o futuro Séti II,cujoreinadoserácurtoesofreráumainterrupção.Noano2deSétiII,Amenmés,umpretendentemaisdoqueumusurpador,apresenta-secomorivaldoherdeirolegítimo. Pouco se sabe sobre a identidade desse personagem e o direito quepossuía para reivindicar o trono. Talvez pertencesse a uma das numerosaslinhagens paralelas da progenitura de Ramsés II. Talvez houvesse um laço deparentesco entre Amenmés e Séti II. Algumas indicações fazem supor queAmenmés começou seu reinado no sul, na Núbia, região que gozava de umacertaautonomiaemfunçãodoafastamentodaresidênciareal(situadanessaépocaemPi-Ramsés, noDelta).Séti II, quedevia serumhomemmadurooumesmoidosoao tornar-se rei, teria tidovárias esposas.Amais conhecida é certamenteTausert, que sobreviveuaSéti II e subiu ao tronono final dadinastia.ApósodesaparecimentodeAmenmés,SétiII,queserefugiouduranteoreinadodorival,voltaaopoderporumacurtaduração(umoudoisanos).Siptah,osucessordeSéti II,morreumuito joveme foi o objeto demuitas intrigas.Comamorte deSiptah,asambiçõesdarainhaTausertalevaramaotronodoEgito.Aotomaropoder,arainha-faraócontabilizaseusanosdereinadoapartirdamortedeSétiIIcomo se ela fosse seu sucessordireto.A reconstituiçãodo final da19ªdinastiaaindahojeéobjetodedúvidas,maselamostrabemoambienteaofimdadinastia.

A 20ª dinastia foi marcada principalmente pela personalidade e a obra deRamsésIII.OreinadodeSethnakht,seupai,foimuitocurtoeagitadopelascrisesde sucessão às quais ele pôs fim. Depois de Ramsés III, que teve um longoreinado(cercadetrintaanos),oitooutrosRamséssãoatestados(deRamsésIVaRamsésXI)numperíododeaproximadamentesetentaanos.Essasucessãomuitorápida deixou pouco tempo a cada um dos soberanos para estabelecer umapolítica pessoal. Entre o final do reinado de Ramsés III e o de Ramsés XI,inúmerascrisessociaisfavorecemafortalecimentodasprerrogativasdodomínio

deAmon. Nesse período, não há campanhasmilitares no estrangeiro antes doreinado de Ramsés XI. O que não é necessariamente o sinal de uma situaçãoserena,ajulgarpelosnumerososconflitosqueossoberanosdoperíodoseguintetiveram de enfrentar,mas sim de uma incapacidade de controlar a situação doimpério,talcomoforareconstituídopelosprimeirosraméssidas.

1.Apolítica interna–O reinadodeHoremheb foiprofícuoem iniciativas

importantesparaopaíseparaarealeza.ÉodecretodeHoremheb,inscritonumaestela diante da porta doX pilar deKarnak, que nos oferece o exemplomaiscomprobatório.Juntamentecomosdeveresdovizir,comorelatodeumprocessoconservadonasparedesdatumbadeMés(umlitígiosobreterrasagrícolascujasmúltiplas peripécias se estendemdo reinado deAkhenaton ao deRamsés II) ecomopapiroWilbur(quedataprovavelmentedeRamsésIV),essedecretoéumdos quatro documentos administrativos do Novo Império que temos à nossadisposição. Nada subsiste, na estela, da titulatura do rei que o promulgou.Contudo, na ausência de novos dados que permitam resolver definitivamente aquestão, o decreto foi atribuído a Horemheb. Esse decreto punha ordem numcerto número de disposições abusivas, suprimindo impostos, taxas e corveias,protegendo bens e pessoas ligadas a diversas instituições. Ele é instrutivosobretudonoqueserefereàreformadajustiça,queoreiquisgratuita,íntegraeincorruptível.Oscasosjurídicoseramprimeiramentesubmetidosàcortesuperior,que,apóspronunciarseuveredito,delegavaumdeseusmembrospararesolver,deacordocomotribunallocal,asquestõesdedetalhe.

EntretantoacolocaçãoemordemdopaísnãoéaúnicapreocupaçãodosreisdoNovoImpério.Aolongodetodaahistóriaegípcia,aexploraçãodeminasepedreirasmotivou importantesexpedições financiadaspelopróprio soberano.Oouro,provenientesobretudodasminasdaNúbia,eraumadasgrandes riquezasdo Egito, sendo explorado principalmente a partir dos veios de quartzo. Essaexploração monopolizava uma parte da administração egípcia.A partir da 19ªdinastia,adocumentaçãomostraadificuldadecrescentedeabastecercomáguaasequipesque trabalhamnasminasdeouro;aproduçãoestavaemdeclínionessemomento,declínioquenãocessoudeseacentuaratéofimdoNovoImpério.Umdocumento(opapiroHarris)do reinadodeRamsés III,últimograndesoberanodo Novo Império, atesta a riqueza dos templos, em particular do templo deAmon. No mesmo período, o Estado parece descuidar-se do bem-estar dostrabalhadoresdeDeirel-Medineh,encarregadosdemontaredecorarassepulturasreaisnovaledosreis.

O principal beneficiário das disposições tomadas no papiro Harris foi otemplodemilhõesdeanosdopróprioRamsés III:MedinetHabu.Esse tipode

templo, construído para homenagear o faraó e concretizar sua união com odivino, era destinado antes de tudo ao culto real. Embora o culto funerário sótivesse realmente efeito nomomento damorte do faraó, o templo já estava ematividade enquanto elevivia, paraglorificaros atosdo soberanoeo atodivinoqueoengendrou.NoiníciodoNovoImpério,osfaraósconstruíramumtemplode milhões de anos cujos trabalhos começaram provavelmente junto com seureinado.A arquitetura, desde o começo do Estado faraônico, era consideradapelos soberanos como um dos modos de expressão do seu poder. Ramsés IIcostumaservistocomoumgrandeconstrutoregípcio,emboranãosejaoúnicoraméssidaaempreenderumprogramaarquitetônicodeenvergadura.Pode-seleronomedeRamsésinscritoemmuitasobrasdequasetodososlugaresdoEgito.Convém distinguir, porém, as obras pessoais do rei dos monumentos que eleconcluiu, decorou, aumentou ou “usurpou”.Os monumentos que pertenceminteiramente ao rei são sobretudo os sete templos que ele mandou edificar naNúbia.NoEgito,ostemplosseguramentefundadoseconstruídosporRamsésIIsãoprincipalmenteoRamesseumeoseutemplodeAbidos.RamsésIIedificoutambémumanovacapitale,apartirdoseureinado,aresidênciarealseinstalouemPi-Ramsés, noDelta egípcio.No entanto,Mênfis eTebas conservaram, naépoca raméssida, um papel preeminente na vida política do império. Convémsublinharqueanoçãode“capital”é inadequadaparaoEgito faraônico,poisaresidência real e a sede do governo podem estar associadas ou separadas.Nosanos1970,Pi-RamsésfoilocalizadanaaldeiaatualdeQantir.Odeslocamentodaresidência real para o Delta facilitou a política estrangeira dos soberanosraméssidas, voltada em grande parte para o Oriente Próximo. Além disso, acidade permite controlar as duas principais vias de comunicação, marítima eterrestre,entreoEgitoeoOrientePróximo.OsmonumentosdePi-Ramsésforaminteiramente desmontados para serem reutilizados, durante o Terceiro PeríodoIntermediário,naconstruçãodeTânis,anovaresidênciareal.

No final do Novo Império, irrompeu uma crise social que já vinha semanifestando desde o reinado de Ramsés III. A documentação atesta umaescassezprincipalmenteemDeirel-Medineh,masnão foi somentenessaaldeiaque houve fome. Há documentação abundante sobre Deir el-Medineh. Alémdisso,suapopulaçãoeratalvezmaiscultaqueadorestodopaís;portanto,menosinclinada a se resignar. Parece que as desordens se devem sobretudo à máadministração da região e à incompetência de alguns responsáveis. Ostrabalhadores abandonarama aldeia com suasmulheres e filhos.A revolta nãoconsistiunecessariamenteemabandonarolugardetrabalho,massimolugarderesidência: deslocando-se para junto dos templos da região (por exemplo, otemplodeMedinetHabu),ostrabalhadorespodiamencontraralialimento,águae

tambémpessoasaquemexprimirsuasqueixas.Osdistúrbiossurgidosnoano29deRamsésIIIforamprovisoriamenteacalmadosporumadistribuiçãodevíveres,bebidas e roupas, mas a agitação recomeçou no mês seguinte pelas mesmasrazões. Os serviços centrais pareciam se mostrar ausentes na resolução doconflito, eovizir responsávelpeloAltoEgito foi acusadodedesviar as raçõesdestinadas aos trabalhadores. A corrupção é frequentemente denunciada nadocumentaçãopapirológicadofinalda20ªdinastia.UmpapirodatadodeRamsésV revela um escândalo em Elefantina, mostrando a que ponto haviam seespalhadoacorrupçãoeadesonestidade.Oresponsávelporesseescândaloeraum sacerdote do templo de Khnum em Elefantina, cujas prevaricaçõescomeçaramsobRamsésIIIeprosseguiramsemobstáculosatéoano4deRamsésV.

Osreinadosdosúltimosfaraósforamtambémmarcadosporpilhagensnovaledosreis.Nosanos16e17deRamsésIX,ovizirKhaemuasetdirigeinquéritossobreviolações feitas tantonos túmulos reaisquantonovaledas rainhas enostúmulos dos nobres. No final do Novo Império, observa-se uma autonomiacrescentedostemplosemrelaçãoàautoridadecivildovizir.

2 .Apolítica externa–No final da 18ª dinastia, o equilíbrio de forças no

Oriente Próximo havia se transformado radicalmente, a partir da época dostratadosassinadosentreoMitanieoEgitonocomeçodoNovoImpério.OpoderhititasereconstituíraporiniciativadosoberanoSupiluliumaI,enquantooimpériomitanianoseachavadivididoentreumMitaniocidental sobprotetoradohititaeumMitaniorientaldependentedaAssíria.Essamudançamodificouas relaçõesde força no Oriente Próximo, e a monarquia hitita tornou-se o principalinterlocutorerivaldoEgito,sobretudoparaadominaçãodascidadessírias.

Desdeo inícioda19ªdinastia,dificuldades se fazemsentirnaÁsiaparaossoberanos egípcios. Séti I é obrigado a ir àPalestina e àSíria para reafirmar aautoridadeegípciasobreessasregiões.OsproblemasnãoselimitamaessapartedoImpério,poisosnúbios,porexemplo,tambémobrigamosoberanoaentraremguerra. Na sala hipostilo do templo de Amon em Karnak, o rei é mostradopercorrendo em seu carro de combate a estrada que acompanha o litoralmediterrâneodoSinaiatéaPalestinaeaSíria.NaÁsia, eleconquistarápraçasfortesinimigas.

O engajamentomilitar deRamsés II e de seus filhos se baseou igualmentenuma política exterior ativa.No entanto, desse longo reinado restam sobretudotestemunhosdeumapazsólida,comexceçãodacélebrebatalhadeQadeshqueopôs Ramsés II, no ano 5 do seu reinado, ao soberano hititaMutawali e aosaliadosdeste,Mitani,Arwaza,AnatóliaeSíria.Porém,abatalhanadaresolveu,e

aregiãocontinuounasmãosdoshititas.UmtratadodepazentreHatusili III,osoberanohitita,eRamsés II foiassinadonoano21do reinadodesteúltimo.AassinaturadessetratadoseinscrevenumcontextodemudançadapolíticageralnoOrientePróximo.Oessencialdoacordoconsistianumcompromissorecíprocodenãoagressãoedeapoioemcasodeataqueexterior.SoboreinadodosucessordeRamsésII,Merenptah,oequilíbrioobtidosedesfeztantonolestequantonooesteenosul.MerenptahdirigiuumacampanhanaÁsiaduranteaqualatacouváriascidadespalestinaseumgrupochamado“Israel” (éamaisantigamençãodessetermo).Atravésdovice-reideKush,umarepressão tambémfoi feitanaNúbia.Todavia, a verdadeira ameaça era a que os líbios faziam pesar sobre o Deltaocidental, tendo por objetivo final a conquista de Mênfis. Embora o exércitoegípcio tenhaconseguidocontrolarasituação,aameaçapersistiu,poisos líbiosvencidos se instalaram no local. Houve problemas também com uma outrapopulação, designada globalmente como “os povos do mar”, mas o perigo seconcretizou sobretudo durante o reinado deRamsés III. Este parece ter sido oúltimofaraósoboqualumacertapresençaegípciaéasseguradanaÁsia.

Soba20ªdinastia,aocupaçãodaNúbianãofoiconstante.SomenteRamsésIII,RamsésIVeRamsésIXtêmsuapresençaatestadanossítiosnúbios.Nessaregião,osvice-reisdeKushnãoerammaisescolhidos,comosoba18ªdinastia,no meio tebano do domínio de Amon, mas entre os quadros superiores doexército. O rei era o chefe supremo do exército. Desde crianças, os príncipeseramtreinadosnaartedacaçaenomanejodasarmas,sendoaseguirengajadoscomogeneraisdoexércitoreal.FoiassimqueojovempríncipeRamsés(ofuturoRamsésII)participoudascampanhasmilitaresdoseupai,SétiI.Nofinalda18ªdinastia,osefetivosdoexércitoaumentaramconsideravelmente,reforçadospeloingresso de muitos mercenários. Geralmente eram prisioneiros, núbios sírio-palestinos, beduínos, líbios e “povos domar” alistados à força.No reinado deRamsésII,oexércitoeraconstituídopordoisterçosdemercenárioseumterçodeegípcios.Atéofinalda18ªdinastia,oexércitoterádoiscorposcomguarniçãonoAlto Egito (divisão de Amon) e no Baixo Egito (divisão de Rá). Com ocrescimento da ameaça hitita, Séti I criou um terceiro corpo colocado sob aproteçãodeSeth(divisãodeSeth).RamsésII,porsuavez,criouumnovogrupodeelite(divisãodePtah).ComacriaçãodoImpério,oexércitoeseusmembrospassarama ter cadavezmais importância navida civil e política doEgito.Aolongo da 20ª dinastia, assiste-se a uma subdivisão progressiva dasresponsabilidades, assumidas, esparsamente, por pessoas inicialmente nãoqualificadasparaexercê-las.SoboreinadoRamsésXI,porexemplo,éoescribadoTúmuloquedevearrecadarnas aldeiasos impostosdestinados, entreoutrascoisas,apagarossaláriosdeseushomens.

Amultiplicação dos distúrbios e dos escândalos provocou uma degradaçãoirreversíveldosvaloresmaisprofundosdasociedadeegípcia.ONovoImpériofoimarcado pela expansão imperialista. Num primeiro momento, essa expansãofavoreceu um afluxo de homens, técnicas e crenças novas, provocando umaampla abertura da civilização faraônica às culturas estrangeiras. Num segundomomento,oafluxodasriquezasajudouaprosperarumapartedopaís.Contudo,no fim da época raméssida, o Egito passa por uma crise econômica,provavelmente por ter perdido o controle do Oriente Próximo, pois eram ostributoseastaxassobrematériasbrutasoumanufaturadasdospaísesdessaregiãoquecontribuíamatéentãoparaariquezaegípcia.

17.RelacionadaàcidadedeTellel-Amarna.(N.T.)18.TambémconhecidocomoaCapelaBrancadeSesóstrisI.(N.T.)19.ReinodaAltaMesopotâmia.(N.T.)20.PovodaAntiguidadequehabitouaÁsiaMenoremcercade1900a.C.(N.E.)21.Blocosdepedraquepodemsertransportadosporumsóhomem.(N.T.)22.OsRamsés.(N.T.)

CAPÍTULO V

AS DOMINAÇÕES ESTRANGEIRAS

Nosúltimos séculosde suahistória antiga,oEgito sevêoradivididoentrepoderesrivais(egípciosedeorigemlíbia),orareunidosobadominaçãodeumreinadonativo,ora,ainda,sobainfluênciadeváriasdominaçõesestrangeirasqueprocurarammanterastradiçõesegípcias.

I.Umperíododetransição:a21ªdinastiaOfinalda20ªdinastiafoiumperíodoagitado,masnotavelmentelongo(cerca

de27anos):odeRamsésXI.O reinadodesse faraósedividiuemduaspartesdistintas:umacompreendeosdezoitoprimeirosanos,duranteosquaisaanarquiaparece ter reinadonoAltoEgito; a outra, a partir do ano 19, consiste emumaretomada de controle dessa região por iniciativa do rei e sob o comando doprimeiro profeta de Amon, Herihor. A diferença desse segundo período emcomparaçãoaoprimeirofoitãograndequeacontagemdosanosdoreinadofoiabandonadaecriou-seumanovaera,chamada“renovaçãodosanos”.No finaldoNovoImpério,opoderdosgrandessacerdotesdeAmonaumentouaomesmotempoemqueosserviçoscentraissemostravamcadavezmaisausentes.Assim,Herihor acumulou, entre outras, as funções de vizir, de vice-rei de Kush e dechefe dos exércitos. Senhor dos recursos do sul, ele comandou o exército e ogoverno civil. Um outro exemplo do papel cada vez mais preponderantedosmembrosdocleronaadministraçãodopaíséodeslocamentodasmúmias reaisno reinado de Pinedjem I.A fim de proteger os restos mortais de alguns dossoberanos doNovo Império das inúmeras pilhagens da época, osmembros doclerodecidiramreuni-losnasepulturadeAmenhotepIInovaledosreis.

Embora não tenha chegado a ser rei doEgito,Herihor foi umpersonagemfundamentalcujapolíticaconduziuospontíficesdeAmonaotrono.PinedjemI,pontíficetebano,éoprimeirograndesacerdotedeAmonqueacumulaasfunçõesdo pontificado e da realeza. No Baixo Egito, um contemporâneo de Herihorassumiuopoder,Smendés,fundadorda21ªdinastiatanita.OrelatodeUnamonmostra-o instaladoemTânis, deonde administraoBaixoEgito e faz comérciocom aÁsia.Herihor e Smendés parecem termantido laços de cooperação emmatéria de obras arquitetônicas e de relações comerciais; Smendés teriaempreendidoobrasnostemplosdeKarnakedeLuxor.Daípordiante,opoderseachadivididoentreosreis-sacerdotesdoNorteeosreis-sacerdotesdoSul.A21ªdinastiaégeralmentecolocadanochamadoTerceiroPeríodoIntermediário,mas

ela não pode ser dissociada da anterior nem cronologicamente nemideologicamente,mesmotendopropostofórmulasnovas.Épossívelaexistênciade eventuais relações familiares entre o último dos raméssidas e o primeirosoberanotanita.SmendésdeslocouaresidênciarealdePi-RamsésparaTânisnamesma região doDelta.As razões dessamudança são diversas.A principal éprovavelmenteacriaçãodeumnovodomíniodeAmon,odeAmondeTânis,progressivamenteedificadopelossoberanosda21ªe22ªdinastias.Daípordiante,osnovossoberanostanitaspassaramaserenterradosemTânis,anova“TebasdoNorte”,nasproximidadesdonovodomíniodeAmon.Adistribuiçãodasfunçõesmonárquicas entre pontificados tebanos e reinados tanitas ainda é relativamenteincerta e pode ter variado ao longodo tempo.Opesodosnovosdirigentes doEgitosereduziumuitoforadesuasfronteiras,quersetratedosterritóriosnúbiosou das antigas possessões noOriente Próximo.Mesmo assim, continuam a serenviadasmissõesaoestrangeiro,comomostraaviagemdeUnamon,encarregadodebuscarnoLíbanoamadeiraparaafabricaçãodeumanovabarcauserhat deAmon. Siamon foi um dos raros soberanos da 21ª dinastia que nos deixouregistradoumacontecimentodesuapolíticaexterna(transmitidopelaBíblia):elecasou uma de suas filhas como rei de Jerusalém, Salomão, e lhe ofereceu emdote a cidade de Gezer na costa sírio-palestina, que recentemente haviaconquistado.

II.OTerceiroPeríodoIntermediárioA identidade, o número, a ordem de sucessão e os laços familiares dos

soberanossãoaindaimperfeitamenteconhecidos,edescobertasnessesdomíniossãofrequentes.OTerceiroPeríodoIntermediário,comoosoutrosperíodosditos“intermediários” da história egípcia, caracteriza-se por uma fragmentação dopoder, dividido entre várias dinastias paralelas. Simultaneamente à 21ª dinastia,umadinastiadechefeslíbiossedesenvolveunoDeltaegípcio.ONovoImpério,a partir das primeiras vitórias dos seus faraós, havia trazido um afluxo deestrangeiros ao Egito, desde prisioneiros a embaixadores. Razões para quehouvesse estrangeiros de todos os países nas margens do Nilo não faltam.Conformeocaso,elesseagrupavamemcolôniasouseintegravamàpopulação.NoNovoImpério,sobAmósis,emigradosempregadosemobrasdeconstruçãotrabalham nas pedreiras de Tura. Encontramos em diferentes contextostrabalhadoresnúbioseasiáticos.RamsésIIIhaviainstaladoemBubastoamaiorparte dos prisioneiros capturados em suas campanhas líbias, a fim de resolverdefinitivamente os problemas que essa população apresentava. Os textosraméssidas citam duas etnias líbias: oslibu e osmechuech. Os líderes dessasantigastriboslíbiasconservaramotítuloqueosegípcioslhesderamantesdesua

integração, o de “grande rei dos Ma”. Assim, embora essas populaçõesestivessem instaladas desde aproximadamente um século no Egito, elascontinuavam regidas por tradições líbias ainda muito vivas.A mais poderosadessas tribos se achavaemBubasto.Chechonq I, fundadorda22ªdinastia, eraoriginário dessa tribo e se comportou como sucessor dos raméssidas. Emparticular,mandouconstruirváriostemplosdemilhõesdeanos.ReireconhecidoemtodooEgito,ChechonqIdesenvolveuumaverdadeirapolíticaestrangeiradecombate. Tentou restabelecer contatos com os aliados tradicionais do Egito:Biblos eNúbia.Tambémse envolveunas questões internas do reinode Israel.Seus sucessoresimediatos mantiveram a mesma linha política. Osorkon I eOsorkon II empreenderam vastos programas arquitetônicos, especialmente nointeriordotemplodadeusaBastet,emBubasto.Essa22ªdinastia,atéChechonqIII,continuouareinaremTânis,comoossoberanostanistasda21ªdinastia.Mas,apartirdoreinadodeChechonqIII,umanovadinastia,damesmaorigemquea22ª, veio fazer concorrência a esta última e agravar a confusão que reinava narepartição do poder no Egito. Pedubastis I fundou uma nova linhagem realparalela, a 23ª dinastia, em Leontópolis. Essa divisão do poder no Delta e noMédio Egito foi acompanhada de uma nova linhagem de pontífices tebanos,oriundadaantigafamíliacompoderemTebas.Assim,adivisãodopodernãoeramais apenas entre o norte e o sul, mas também no próprio Delta. É o que oshistoriadores chamam a “anarquia líbia”. Durante o reinado de Osorkon III,soberanoda23ªdinastia,asituaçãoevoluiunoDeltaocidental.Noano767a.C.,constituiu-seemSaísumachefiaMaqueestendeuseupoderemdetrimentodosoutros chefes líbios. Sob Osorkon IV, a cidade de Saís era governada porTefnakht. É a intervençãomilitar de um conquistador kushita23, Piyé, que vaidefinirmelhoressasituação.Tefnakht,adversárioprincipaldoskushitas,agrupaasforçasdoDeltaesetornaolíderdaresistêncialíbia.Aameaçavindadosul,portanto,permiteessaaparenteuniãopolíticaefortaleceopoderascendentedossaítas (26ª dinastia). Foi esse fortalecimento que provavelmente autorizouBocóris, filho e sucessor de Tefnakht, a constituir uma efêmera mas real 24ªdinastia.Piyé,porsuavez,tendosetornadoreideNapata24,decidiuconquistarovaleegípcio.Noano21doseureinado,obteveumavitóriaqueérelatadaemsuaestela triunfal, escrita em egípcio e erigida emNapata, na qual afirma ter sidoinstado,pelosresponsáveislocaisdoSuledaResidência,aintervirparaprotegê-los e a opor-se ao avanço de Tefnakht. São mencionadas batalhas emHeracliópolis e em Hermópolis.Após a tomada de algumas cidades egípcias,Tefnakht teria enviado a Piyé umamensagem de paz. Esse compromisso teriafeito Piyé retornar à cidade de Napata, deixando o campo livre à 24ª dinastia

saíta.

III.Oskushitas,osassírioseossaítasApós o retraimento da administração egípcia no fim do Novo Império, a

Núbia tornou-se progressivamente um reino poderoso e unificado sob adominação da família real deNapata.Os séculos que separam o fim doNovoImpério do surgimento da 25ª dinastia kushita ainda são pouco conhecidos.Acidade núbia de Napata foi até o momento apenas parcialmente explorada.Ignora-secomoessadinastiachegouàdignidadereal.ComoreinadodeKashta,os soberanosdeNapata transformam-se em faraós tradicionais doEgito que aslistasdeManetonidentificamcomoa25ªdinastia(adinastiados“faraósnegros”).Desde a intervenção militar de Piyé, a aculturação dos soberanos do Egito éindiscutível, seja qual for sua origem.A realeza de Napata foi dominada pelapresença do oráculo de Amon do monte Barkal (Napata), onde os “faraósnegros” prosseguem em grande escala os trabalhos iniciados na região pelosegípcios setecentos anos antes (Novo Império). Entretanto, esses soberanosdissociaramoAmondeNapata,deuscompetenteparareinarsobreosterritóriossituados fora doEgito, doAmon tebano, aquele que concede o poder sobre oEgito. Kashta reconhece a importância da função de Divina Adoradora emKarnakaofazersuafilhaadotaressafunção.AinstituiçãodaDivinaAdoradoradeAmon, iniciadaporAhmésNefertari, esposadeAmósis,vai sedesenvolveraté o Terceiro Período Intermediário. O título de “esposa do deus” Amon,inicialmenteusadopelasrainhasefilhasdosfaraós,tornou-se,coma21ªdinastia,privilégiodasfilhasdosgrandessacerdotesdeAmon.NoreinadodePinedjemI,aesposadeAmon,dotadadeumcartuchonasinscriçõeshieroglíficas,permanecesolteiraavida inteira.Asucessãosefazporadoção.Aomesmotempoemquesua presença como sacerdotisa era necessária ao cumprimento de ritosparticulares, a DivinaAdoradora deAmon tinha poder político, econômico ereligioso.Essa instituiçãopermitiuaos faraóskushitas terumpodernodomíniodeAmon(apráticafoiinauguradaporOsorkonIII).ComoessessoberanosnãopodiamcontinuamenteestaremTebas,elesatribuíamtalpapelaumamulherdasua família que ocupava a função deDivinaAdoradora deAmon. Foi precisoesperarosreinadosdeChabakaeseussucessoresparaverossoberanoskushitasseconduziremcomoreisdoEgitodeformaregular,deixandonopaísostraçosdeumapolíticapessoal.SegundoManeton,Chabakafoiofundadorda25ªdinastia.

OEgito,mesmoenfraquecido,interessanãoapenasaosnúbios,mastambémaos assírios. Durante a 25ª dinastia, a autoridade dos reis kushitas foiconstantemente desafiada ou pelos oponentes do Norte, ou pelos soberanosassírios. No reinado de Taharqa, o soberano kushita disputou com os assírios

Assarhaddon e depois Assurbanipal o território egípcio. Até então, tanto osprimeirosprofetasdeAmoncomoaDivinaAdoradoraeramoriundosdafamíliareal kushita. No entanto, no reinado de Taharqa, um governador de Tebas equartoprofetadeAmon,Montuemhat,adquireopodersobreoterritórioqueseestendedeElefantinaaHermópolis,conseguindomantersuaautoridadeduranteaocupaçãoassíria.Comoprovado seupoder,Montuemhat inicia, no interiordoseudomínio,programasmonumentaisdignosdeumrei.Em674a.C.,Taharqaconseguerechaçarumatentativadeinvasãoassíria.Numsegundomomento,eleéforçado a retroceder a Napata, ondemorre em 664 a.C. Seu filho e sucessor,Tanutamon,lançaumanovaofensivaemMênfis,aqual,apesardevitoriosa,durapouco,poisoexércitoassíriointervémnovamentenoconflito.

DuranteoreinadodeTaharqaedeTanutamon,NekauIgovernouacidadedeSaís.Temospoucas informações sobre esse personagem,mas ele parece terassumido todas as prerrogativas de um faraó. Sob o reinado do seu filho esucessor, Psamatik I, o Egito reencontrou a unidade.De fato, após séculos de“anarquialíbia”ededominaçãokushita,oEgitorecuperou,coma26ªdinastia,suaindependênciapolíticaeseubrilhocultural.A26ªdinastia,origináriadeSaíscomo a 24ª, da qual assumiu a herança, exerceu inicialmente sua autoridadeapenas sobreoDeltaocidental.Psamatik Inão foio fundadordadinastia,masseureinadomarcouumarupturamaterializadaporumaextensãodainfluênciadamonarquiasaíta.DepoisdavitóriadeAssurbanipaledafugadeTanutamonparaa Núbia, Psamatik I foi reconhecido pelo soberano assírio, em troca de suasubmissão,comoquemdaípordiantedeviagovernaronortedoEgito.Onovosoberanosaítalançouentãoumapolíticaaudaciosaafimdeampliarsuazonadeinfluência, tentando tirar proveito das dificuldades assírias com o Elam.25 AsintervençõessucessivasdossenhoresdoimpérioassírionoEgitonadativeramaver comas invasões precedentes efetuadas por estrangeiros.Os assírios tinhampouco contato com os egípcios no passado e se inquietavam somente quandoestes faziam intervenções fora do seu território. Foi o que aconteceu quandoChechonqIinterveionapolíticainternadeIsrael,ouquandooEgitoeBiblos,noreinadodeOsorkonII,enviaram1.500soldadosparaapoiarumarebeliãosírio-palestinacontraastentativasdeanexaçãoassíria.

VoltandoaPsamatikI:eleseaproveitaentãodasdificuldadesassíriascomoElameselibertaprogressivamentedoseuprotetorassírio.Empoucosanos,todosos centros do Delta passam para o controle da administração saíta. Porém, asituação não era a mesma no sul do Egito, que foi muito mais marcado peladominaçãokushita.MontuemhatcontinuavaagovernaremTebas.NãosesabeprecisamentecomoPsamatikIseimpôsnosuldopaís,masparecenãoterhavido

conflitoaberto.OacontecimentomaismarcantefoicertamenteoenviodafilhadePsamatik I,Nitócris,paraseranovaDivinaAdoradoradeAmon,noano9doseureinado.Nemtodososespecialistas,porém,admitemqueesseatomarqueocomeçodadominaçãosaítanosuldoEgito.Paraalguns,ésomenteapósamortedeMontuemhat, no ano16dePsamatik I, que este últimodomina realmente aregiãotebana.AunidadedoEgitorefeitaporPsamatikIcontoutambémcomaajudademercenáriosgregos(jôniosecários)engajadospelonovosoberanonomomento de seu confronto com os assírios e depois colocados nos confins deuma rede defensiva.A utilização desses contingentes estrangeiros no exércitoocorria desde a época raméssida, mas não conhecemos a organização de suasguarniçõesantesdoreinadodePsamatikI,quandoháumaverdadeiraintegraçãodemercenários.

Apolíticaarquitetônicadessesoberanofoimuitodinâmica;contudo,nenhumdosmonumentosqueeleedificouresistiuatéhoje.OnovosoberanodesenvolveurelaçõescomerciaiscomosgregoseinstalousoldadosgregosnoDelta.OportodeNáucratistornou-seumativocentrodetrocas.AinfluênciadePsamatikInoEgitoestendeu-seatéooásisdeDakhlanodesertolíbico.Tantoelecomoosseussucessores também voltaram a desempenhar um papel na Ásia, diante daascensãodaBabilônia.

Apriés,filhodeNekauII,interveiosobretudonaFenícia,dandoseuapoioàrevolta da região contra a Babilônia. Todavia, o soberano babilônioNabucodonosorsaiuvencedordesseconflito.Apriésémenosconhecido,atravésdosmonumentos e das tradições, que seu sucessor,Amásis. Por volta de 560a.C.,Amásis enfrenta com êxito a agressão babilônia e reafirma a dominaçãopolítica e comercial doEgito naSíria-Palestina.Os anos seguintes, no entanto,forammarcadospelaemergênciadeumnovoregimeexpansionista:ospersas.

Os êxitos da dinastia saíta, que consegue aliar tradição e novidade, foramreconhecidospelatradiçãoposterior,queselembradesseperíodocomoumaerade paz e prosperidade. Um dos fatos marcantes dessa dinastia saíta é odesenvolvimentodeumaculturaarcaizantequetemsuasraízesnosmodelosdoAntigo e do Novo Império. Em particular, os soberanos empreendem vastosprogramas de restauração de monumentos.A reestruturação administrativa foitambém marcada pela influência do passado, reaparecendo na titulatura dosfuncionários uma terminologia de tempos anteriores. Entretanto, embora aterminologia sejaantiga,oconteúdodas funçõesparece serdiferente.Assim,ovizirnãoémaiso“primeiro-ministro”,masdevesuaautoridadeessencialmenteàssuasfunçõessacerdotais.Daípordiante,opoderestavarepartidoprincipalmenteentreoexércitoeostemplos.

OsucessordePsamatikI,NekauII,parece ter tidoumapolíticaestrangeira

bastanteativa.EnvioucontingentesarmadosaoEufratesafimdetentarconteroavanço dos babilônios naAssíria e na Síria. Durante o seu reinado, o Egitodominou por três anos a Palestina, a Fenícia e a Síria, mas seu exército foivencidopelo soberanobabilônioNabucodonosor,queestendeuseu impérioatéasfronteirasdoEgito.SegundoHeródoto26,essefaraósaítatambémempreendeua construção de um canal ligando o Nilo ao Mar Vermelho, cujas obras nãoforamconcluídas.SuavontadeeraligaroEgitoaomundoexterior.

O reinado de Psamatik II, seu sucessor, foi particularmente breve. Eleempreendeu uma guerra contra o reino etíope deNapata. Em consequência desuaintervenção,acidadedeNapatafoidestruída,edoravanteéemMéroe,maisao sul, que um reino se estabelece.Apriés, o filho de Nekau II, interveio naFenícia, como dissemos. Segundo a tradição, seu reinado parece ter sidosuplantadopelodeseusucessor,Amásis.OreinadodeAmásisilustraossucessose as tensões doEgito saíta. Foramos gregos e os cários implantados noEgitodesdeasvitóriasdePsamatikIquelevaramaotronoessegeneral.Elesevoltouentão para as cidades gregas, aliando-se com Cirene e enviando presentes aDelfoseaSamos.NaÁsia,Amásispreferiunãointervir.Nomesmomomento,Ciro da Pérsia anexava a Anatólia e a seguir a Babilônia. Os documentosrelativos ao seu reinado atestam o seu papel de legislador em matéria deregulamentação fiscal e alfandegária. A personalidade de Amásis tornou-selegendária sobretudo através dos contos demóticos. Seu filho, Psamatik III,combateuainvasãopersa.

IV.AdominaçãopersaDurante dois séculos, a partir de 545 a.C., a vida política e econômica do

Egito foi dominadapelos invasores persas.OEgito conheceudois períodosdedominação persa: o primeiro durou 120 anos. Os soberanos persas sãorepresentados no Egito por um sátrapa (governador de província do impériopersa),masmesmoassimeles formamumanovadinastia,a27ª.Depoisdesualibertação,oEgitoconheceráumasegundadominação,queduroupoucotempo.Dispondo de meios para isso, os soberanos procuravam cada vez menos seenvolveremassuntosdereinosmuitoafastadosdosdeles.Ossaítas,porsuavez,estavam convencidos da utilidade de contatos ou de uma intervenção a longadistância.

Noano525a.C.,emPelusa,Cambises,filhodeCiro,enfrentouevenceuofaraóPsamatikIII.OrelatodeHeródotonosdáinformaçõessobreessabatalha.Cambises, que parece ter penetrado no Egito pelo norte do Sinai, esmagaPsamatikIIIemPelusa,juntoaoNilo,etomaacidadedeMênfis.Novosenhor

doEgito,Cambisesfundaa27ªdinastia.ContandocomasubmissãodaLíbiaedaCirenaicalogoapósaderrotaegípcia,eleavançatambématéaNúbiaeooásisdeKharga.AbandonaoEgitotrêsanosdepois,deixandonocomandodopaísumsátrapa,estabelecidoemMênfis,queusurpouopoderemseuproveito.OspersasvãoincluirasatrapiadoEgitoemseuimpériodurante140anos.Aolongodessasduas dominações, o Egito mudou de estatuto. Até então, o país sempreconservara,mesmosobpoderesestrangeiros,umaidentidademonárquicaherdadado seu passado longínquo. Com a chegada dos persas, o Egito se torna umasimples parte do império aquemênida27. A administração adota a hierarquiaaquemênida, e os documentos oficiais passam a ser redigidos em aramaico.Contudo,asestruturastradicionaisegípciastambémeramutilizadas.NaépocadeDarioI,aadministraçãoeofiscoforamorganizados,eumacompilaçãode leisegípciasfoiredigidaporordemdessesoberano.DarioIbuscoumanteracultura,a religião, as leis e a economia do Egito, ainda que sua obra não impedisse aperdadeumapartedaidentidadeegípciasobadominaçãopersa.

Dario I reabriu as pedreiras douadiHammamat e retomou as obras deumcanalentreosdoismares,abandonadasnoreinadodeNekauII.ComoDarioI,Cambisestambémprocurou,antesdele,perpetuarastradiçõesegípcias,adotandoumatitulaturacompletaeempreendendoobrasemnumerosostemplosdoEgito.EnterroudoistourosÁpisnascatacumbasdoSerapeum,emSaqqara.Ahistóriadessapráticaémuitoantiga.OtouroÁpiseraadoradoemMênfis,eseuenterroeraoobjetodeumacerimônia ritual.Umavezmorto,o tourosagrado renasciasobumnovoinvólucrocorporal.

Nosreinadosseguinteseduranteasegundadominaçãopersa,ointeressedossoberanospersasemfavordastradiçõesegípciasparecediminuir.AchegadadeCambises fora relativamente bem acolhida pelas camadas mais altas dapopulação, mas com o tempo os egípcios se cansaram da ocupação persa.Quandoos persas entraram em luta contra os gregos, os egípcios aproveitarampara se insurgir contra seupoder.Umaprimeira revolta irrompeuem486a.C.,mas foi reprimidaporXerxes, o sucessor deDario I.Após suavitória,Xerxescolocou seu próprio irmão no comando de uma satrapia do Egito.As derrotaspersas frente aos gregos continuaram sob o reinado de Xerxes. Quando estemorreemSalamina,háumnovolevanteegípcionomomentoemqueArtaxerxesI sobe ao trono aquemênida, em 465 a.C. Desta vez a revolta é mais séria.Comandadoporumpríncipe líbio, Ianos,eummembrodaantiga família saíta,Amirteu, o levante recebe o importante apoio dos gregos. Mas, após dezoitomesesdeconflitos,ospersasconseguemseimpor.UmacordodepazentreeleseosgregoscolocaoEgitoemsituaçãodeinferioridade.Ésomentenoreinadode

Dario II que uma revolta decisiva restitui ao país sua independência durantealgumtempo.

V.Asduasúltimasdinastiasnativas:a29ªea30ªUm príncipe saíta, Amirteu II, filho daquele que já havia combatido

Artaxerxes I, sublevou-se contra os últimos soberanos persas e fundou a 28ªdinastia, da qual foi o único soberano.Após sua coroação, adotou o nome dePsamatikV.SuaobradereconquistanacionalfoilevadaacaboporNeferitesI,príncipedeMendes,quefundou,depoisdamortedeAmirteuII,a29ªdinastia.MasasrivalidadescontinuavamaprovocardesordensnoDeltae,apósuma29ªdinastiabastantecurta,ofilhodeumgeneraldeSebenitos,NectaneboI,tomouopoder e inaugurou a última dinastia nativa do Egito, que desaparecerá sob apressãodospersas,devoltaaopaísdosfaraós.Essasucessãoagitadaerápidadeoitoreinadosem61anosfoirelatadanumacomposiçãoliteráriapseudoproféticachamadaCrônicademótica.

Durante o reinado de Dario II, os gregos e particularmente Espartaencorajaram o principal foco de rebelião que se instalara em Saís.Amirteu IIrevoltou-se abertamente em 404 a.C. e combateu durante mais de seis anos opoderpersa.ApósamortedeDarioII,fez-secoroarreieestendeuseupoderatéAssuã. Porém, temos poucas informações sobre seu reinado. O desfecho felizdessaúltimarevoltaegípciaseexplicaprincipalmentepelasituaçãoque reinavanoseiodafamília realpersa,pois,comamortedeDario II, irrompeuuma lutaporsucessãoentreArtaxerxeseCiroII.

AmirteuII,o iniciadorda reconquistado territórioegípcio frenteao invasorpersa, éoúnico representanteda28ªdinastia.Não seconhecemexatamenteascircunstâncias que prevaleceram no momento da sucessão entreAmirteu II eNeferites I, fundador da 29ª dinastia. Essa dinastia, originária deMendes, teriachegado ao trono através de um golpe de Estado. Mendes, cidade do Deltaoriental, situada num ramo secundário do Nilo, é atestada desde o AntigoImpério. Durante a “anarquia líbia”, ela abrigava um vigoroso principado, deimportânciacrescenteatéafundaçãoda29ªdinastia.ComoAmirteuII,Neferitesinvocouseuilustreantepassadoda26ªdinastia,PsamatikI.NotemplodeAmon-Rá em Karnak, atribuem-lhe o início da construção de um local de oferendassituado ao sul do lago sagrado.Após a morte do fundador da 29ª dinastia, aCrônica demótica registra rivalidades de sucessão. Um usurpador, Psamontis,subiuaotronodoEgitoduranteapenasumano.Aseguir,opoderfoiretomadoporumherdeirolegítimo,Achóris,que,nacontagemdosseusanosdecomando,fezdesapareceroreinadodoseupredecessor.Achórisfezquestãodeafirmarsuasrelaçõescomofundadordadinastia,NeferitesI,eseufilhoesucessortomariao

nomedeNeferitesII.NectaneboI,ofundadorda30ªdinastia,tambéminvocouaherança de Neferites I. Mas é difícil determinar a sucessão entre essas duasdinastias.

Durante seu reinado, Achóris precisou combater um novo avanço dosexércitos persas (de 385 a 383 a.C.).A última dinastia nativa começa com oreinadodeNectaneboI,tendooEgitoescapadodeumanovainvasão.Ospersassó voltarão ao Egito, para uma segunda dominação, em 343 a.C., depois queNectaneboII,oúltimosoberanoda30ªdinastia,entrouemconflitocomonovosoberano persa,Artaxerxes III. Este já havia tentado reconquistar o Egito.Asituação interior do império persa evoluíra rapidamente com sua chegada aotrono, e, em352 a.C., ele quase conseguiu reconstituir o antigo poderio persa,faltando-lheapenasdominaroEgito,entãorelativamenteisolado.

Asegundadominaçãopersa,emboramaisbreve,foimuitomaisodiadaqueaprecedente.Apesardainstabilidadepolíticaquereinounasduasúltimasdinastiasnativas,opaísconheceraumacertaprosperidade.Defato,observa-searetomada,no vale do Nilo, de programas arquitetônicos de grande envergadura,principalmente em homenagem aos deuses, numa atividade digna dos maioresmonumentos da história egípcia. No reinado deAchóris, por exemplo, foramrealizadasobrasnostemplosdeLuxor,Karnak,MedinetHabueElkab.Tambémforam retomados trabalhos no templo de Íbis, em Kharga. Os últimos faraósnativos procuraram reconstituir as formas mais ortodoxas da realeza egípcia,emboraadaptando-asaseu tempo.Aexploraçãodasgrandespedreiras tambémfoiretomadanesseperíodo.

AderrotaeafugadeNectaneboIImarcamofimdaindependênciaegípcia.ArtaxerxesIIIconseguereduzirnovamenteoEgitoasatrapiaem342a.C.ApósamortedeArtaxerxes (338a.C.),umfaraónativo,Kababach, liderauma revoltacontra o invasor e impõe-se por um breve momento, antes de cair diante dosucessor deArtaxerxes III,Arses. Este último terá a mesma sorte que o pai,morrendo envenenado. Dario III Codomano toma então o poder. Ele reinarácomofaraósobreoEgitoatéofinaldoimpérioaquemênida.

Em332a.C.,ochoqueentreaMacedôniaeoimpériopersalevaosexércitosdeAlexandreMagnoaoEgito.Osgregossubstituirãoospersas,eseudomíniomudará profundamente a face do país. Alexandre se apresenta à populaçãoegípcia como um libertador. Ele adora os deuses egípcios emHeliópolis e emMênfis.Em331a.C.,AlexandreentraemMênfiscomoherói.DepoisvaiàfozdoNilo junto aCanopo e fundaAlexandria.Ele chega tambématé o oásis deSiwa, onde se faz designar como faraó pelo oráculo deAmon.Assim comoCambises,ochefeguerreiromacedôniofoireconhecidopeloEgitocomoseureilegítimo.OsprópriosegípciospediramaajudadeAlexandreMagno,poishavia

muito tempo que mantinham relações com os gregos.Assim, estes não eramvistoscomoinvasorespotenciais.

O último período da história do Egito faraônico (Terceiro PeríodoIntermediárioeBaixaÉpoca)émarcadopornumerosasdominaçõesestrangeiras(núbias,assíriasepersas).Mesmoasdinastiasconsideradascomonativassãodeorigem líbia ou se apoiam em forças militares gregas ou assírias. Essesestrangeiros,porém,buscarammuitasvezesrestaurarepreservarastradiçõesdoEgito,cujacivilizaçãonãocessoudefascinaraspopulaçõesaoseuredor.

23.DoreinonúbiodeKush.(N.T.)24.Núbia.(N.T.)25.AntigoEstadovizinhodaCaldeiaqueapoiouseguidamenteaBabilôniacontraosassírios.(N.T.)26.HeródotofoiumhistoriadorgregonascidonoséculoVa.C.,consideradoo“paidahistória”.(N.E.)27.AdinastiaAcmênidagovernouaPérsiaatéaconquistadoterritórioporAlexandre,oGrande,em330a.C.(N.E.)

CONCLUSÃO

Achegadadosmacedôniosmarcao fimdaautonomiapolíticadoEgito.Opaísforagovernadováriasvezesporpoderesestrangeiros,massomenteospersastiraramdosfaraóssuaindependência.Osoutrosinvasoresrecuperaramparaseuproveitoas tradiçõesmonárquicasealgunsvaloresegípcios.Aparentemente,osPtolomeuseosimperadoresromanostambémbuscarampreservaressastradições.No entanto, eles adotaramuma atitude variável frente à cultura do país, dandomaisoumenosimportânciaaseuspróprioscostumesouassociando-osapráticasegípciasconformeascircunstâncias.

OimpactorealdoEgitosobreaculturadospovosestrangeiros,quebuscaramassimilarumapartedesuaspráticas,édifícildeavaliar.Comacristianizaçãodoimpério romano, a partir do séculoV da nossa era, tudo o que caracterizava acultura egípcia tornou-se desde então incompreensível. Certamente os textosgregos e latinos perpetuaram a lembrança da história desse povo, mas atransmissão do conhecimento do Egito deve ser distinguida das informaçõestransmitidaspeladocumentaçãoegípciacontemporânea.JánaobradeHeródoto,que visitou oEgito no ano 450 a.C., algumas passagens nem sempre parecemexatas,aindaqueolivrodo“paidaHistória”continuesendoparaosegiptólogosumafonteessencialdeinformações.

Há trechos inteiros da história faraônica que ainda não conhecemos e quetalvez nunca chegaremos a compreender em profundidade. Embora muitosmuseus domundo conservemmagníficas peças que testemunham a história dacivilizaçãoegípcia,asfontessãopouconumerosas.Essapenúriaimpedeàsvezesque se possa propor uma imagem contínua da história egípcia para todas asépocasdasuaevolução.

QUADRO CRONOLÓGICO

Épocatinita 1ªdinastia(3150a2952a.C.):Narmer,Aha,Djer,Uadji,Den,Adjib,Semerkhet,Ka.

2ª dinastia (2925 a 2700 a.C.): Hotepsekhemui, Nebrê, Nineter, Uneg, Senedj, Peribsen,Khasekhemui.

AntigoImpério 3ªdinastia(2700a2625a.C.):Nebka,Djeser,Khaba,Sekhemkhet,Neferkarê,Ouni.

4ªdinastia(2625a2510a.C.):Snefru,Quéops,Djedefrê,Quéfren,Miquerinos,Quepseskaf.

5ª dinastia (2510 a 2460 a.C.):Userkaf, Sahurê,Neferrirkarê,Kakaí,Quepseskarê,Reneferef,Niuserrê,Menkauhor,Djedkarê-Isesi,Unas.

6ªdinastia(2460a2200a.C.):Téti,Userkarê,PépiI,MerenrêI,PépiII,MerenrêII,Nitócris.PrimeiroPeríodoIntermediário

7ª-8ªdinastias(2200acercade2160a.C.).

9ª-10ªdinastias(2160acercade2040a.C.).

11ªdinastia(2160a1991a.C.):MontuhotepI,AntefI,AntefII,AntefIII.MédioImpério 11ªdinastia(continuação):MontuhotepII,MontuhotepIII,MontuhotepIV.

12ªdinastia(1991a1785a.C.):AmenemhatI,SesóstrisI,AmenemhatII,SesóstrisII,SesóstrisIII,AmenemhatIII,AmenemhatIV.

SegundoPeríodoIntermediário

13ª-14ªdinastias(1785a1633a.C.).

15ª-16ªdinastias(1730acercade1530a.C.).

17ª dinastia (1650 a cerca de 1552 a.C.): Rahotep, Antef V, Sobekemsat II, Djehuty,MontuhotepVII,NebiryuI,AntefVII,Kamosé.

NovoImpério18ª dinastia (1552 a 1314 ou 1295 a.C.): Amósis, Amenhotep I, Tutmósis I, Tutmósis II,Hatchepsut, Tutmósis III, Amenhotep II, Tutmósis IV, Amenhotep III, AmenhotepIV/Akhenaton,Smenkharê,Tutankhamon,Ay,Horemheb.

19ªdinastia(1295a1118a.C.):RamsésI,SétiI,RamsésII,Merenptah,SétiII,Siptah,Tausert.

20ª dinastia (1186 a 1069 a.C.): Sethnakht, Ramsés III, Ramsés IV, Ramsés V, Ramsés VI,RamsésVII,RamsésVIII,RamsésIX,RamsésX,RamsésXI.

TerceiroPeríodoIntermediário

21ª dinastia (reis tanitas) (1069 a 945 a.C.): Smendés, Psusenés I,Amenemopé, Osorkon oantigo,Siamon,PsusenésII.

22ª dinastia (945 a 715 a.C.): Chechonq I, Osorkon I, Chechonq II, Takelot I, Harsiésis,OsorkonII,TakelotII,ChechonqIII,Pimay,ChechonqV,OsorkonIV.

23ªdinastia(818a715a.C.):PetubastisI,OsorkonIII,TakelotIII,Rudamon,IuputII.

24ªdinastia(727a715a.C.):[Tefnakht],Bocóris.

25ªdinastia(cercade747a656a.C.):[Piankhy],Chabaka,Chabataka,Taharqa,Tanutamon.

BaixaÉpoca 26ª dinastia (672 a 525 a.C.): Nekau I, Psamatik I, Nekau II, Psamatik II,Apriés,Amásis,PsamatikIII.

27ªdinastia(525a404a.C.):Cambises,DarioI,Xerxes,Artaxerxes,DarioII,ArtaxerxesII.

28ªdinastia(404a399a.C.):AmirteuIII.

29ªdinastia(399a380a.C.):NeferitesI,Psamuthis,Achóris,NeferitesII.

30ªdinastia(380a343a.C.):NectaneboI,Takos,NectaneboII.

Segundadominaçãopersa(343a332a.C.):ArtaxerxesIII,Arses,DarioIII. 332a.C.:Alexandre.

ConformeN.Grimal,Histoiredel’Égypteancienne,Paris,1988,p.591-606.