Eis Porque Abandonei o “Neoconstitucionalismo”

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SENSO INCOMUM

13 de março de 2014, 8h00

Por Lenio Luiz Streck

A coluna de hoje é um tanto quanto hermética. Entretanto,ela trata de uma questão que diz com a cotidianidade daspráticas jurídicas no Brasil (inclusive com um pequena notasobre o mensalão). Com efeito, tenho pesquisado algodenominado neoconstitucionalismo (e suas derivações psico-axiologistas). Penso que o termo pode nos ter levado aequívocos. Como no romance de John Steinbeck, prometeu-se fartura de vinhas, mas o que resultou fora as Vinhas daIra. Em linhas gerais, é possível afirmar que, em nome deteses como a do neoconstitucionalismo[1], percorremos umcaminho que levou à jurisprudência da valoração e suas derivaçõesaxiologistas, temperada por elementos analítico-conceituais provenientes daponderação alexyana (ou a sua vulgata). Tenho criticado fortemente o ovo daserpente que as teses axiologistas (onde se inclui a jurisprudência dos valores)representam para o direito de terrae brasilis. Se lermos bem Roberto LyraFilho, lá encontraremos — nos anos 70 e 80 — as suas críticas aquilo que elechamava de “positivismo psicologista”. Encaixa como uma luva!

Pois as diversas manifestações ativistas exsurgem exatamente dessebehaviorismo interpretativo (espécie de psicologização do direito). Portanto,para esclarecer os não iniciados, ativismo não é apenas quando o Judiciário“passa por cima” (ou pelo “lado”) da lei, mas, sim, ocorre também toda vez queo julgador se substitui aos legislador (juízos morais, éticos). Há farta literaturasobre isso, mas parece que há uma barreira ideológica que impede que parcelada comunidade se dê conta disso (e é nisso que entra a diferença entreativismo e judicialização). Outra coisa: criticar o axiologismo (e seusderivações genéricas que falam dessa coisa chamada “valores”) não quer dizerque exista apenas o seu contraponto — o não-axiologismo (espécie deexegetismo?). Enfim, despiciendo discutir isso, porque fica no plano da

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pequena-gnosiologia jurídica. Como diz Shakespeare em A Megera Domada,Ato V, “quem tem vertigens pensa que o mundo roda...”!

Recado dado, sigo. Pois esse belo epíteto — cunhado por um grupo deconstitucionalistas espanhóis e italianos —, embora tenha representado umimportante passo para afirmação da força normativa da Constituição naEuropa Continental, no Brasil acabou por incentivar uma recepção acrítica dajurisprudência dos valores, da teoria da argumentação de Robert Alexy (quecunhou o procedimento da ponderação com instrumento pretensamenteracionalizador da decisão judicial) e do ativismo judicial norte-americano(explico isso já no início de Verdade e Consenso).

Falando-se em Alexy, por sinal, cabem algumas considerações aos desavisadosque querem importar uma teoria, mas esquecem sua origem. E, não raro, semsequer conhecer, também, seus fundamentos, ocasionando um reducionismosimplista que desrespeita inclusive a tese de Alexy. Digo isso porque sob opretexto da ponderação de princípios também tem havido mero exercício dearbítrio, de vontade de poder. Um ex-orientando meu, inclusive, citou um casoilustrativo. Ao travar um diálogo com um amigo magistrado acerca daconcessão ou não do direito de apelar em liberdade, o colega lhe explicou quequando-queria-soltar-ou-prender fazia sempre uma ponderação de princípios,elegendo aqueles em “conflito” (sic) e os sopesando (sic), de modo a dar maiorpeso ao que achava ser o mais adequado ao seu “pensar”, pois, segundo ele, oque importaria seria fazer “justiça”. Ah, a Justiça — esse significante tão vago aponto de ter sido utilizado trinta e sete vezes por Hitler no seu Mein Kampf.Pois é para os “fazedores” de “justiça” que a ponderação serve. E os princípiosponderados são vistos, comumente, como se valores fossem, o que nem Alexyautoriza porque os princípios são deontológicos. Cabe destacar que Alexy falaa partir de uma matriz teórica alicerçada no racionalismo discursivo eanalítico. Sua obra é repleta de fórmulas matemáticas. Que tal essa? GPi-nC =IPiC * GPiA/ WPjC * GPjA+ …WPnC * GPnA. Mas o que comumente faz oneoconstitucionalista? Desvirtua a ponderação alexyana (advertindo que elatambém não consegue resolver a questão da vontade de poder), simplesmenteescolhendo o “valor” que lhe interessa, relegando o outro, ou outros. Ora, umjuiz não pode impor aos jurisdicionados os seus próprios valores, não podeconstruir sua decisão com base em argumentos de política. Isso não é serdemocrático. O campo de atuação do juiz deve ser o normativo.

Nesse sentido, torna-se necessário afirmar que a adoção do nomen juris“neoconstitucionalismo” certamente é motivo de ambiguidades teóricas e até(ou sobremodo) de mal-entendidos. Em um primeiro momento, foi de

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importância estratégica a importação do termo e de algumas das propostastrabalhadas pelos autores da Europa Ibérica. Isto porque o Brasil — assimcomo a América Latina — ingressou tardiamente nesse “novo mundoconstitucional”, fator que, aliás, é similar ao da realidade europeia, que, antesda segunda metade do século XX, não conhecia o conceito de constituiçãonormativa. Portanto, em países como o Brasil, falar de neoconstitucionalismoimplicava ir além de um constitucionalismo de feições liberais — que, noBrasil, sempre foi um simulacro em anos intercalados por regimes autoritários— na direção de um constitucionalismo compromissório que possibilitasse, emtodos os níveis, a efetivação de um regime democrático.

Destarte, passadas mais de duas décadas da Constituição de 1988 e levando emconta as especificidades do direito brasileiro, é necessário reconhecer que ascaracterísticas desse neoconstitucionalismo acabaram por provocar condiçõespatológicas que acabam por contribuir para a corrupção do próprio texto daConstituição. Aqui, refiro que, se, em um primeiro momento, apoiei a teseneoconstitucionalista, em um segundo momento, ao constatar a sua inexorávelfiliação às posturas voluntaristas, passei a colocá-la entre parênteses ou entreaspas, a partir da ressalva bem explícita, verbis: “entendo oneoconstitucionalismo como o constitucionalismo compromissório do segundopós-guerra” e “longe de ativismos e práticas discricionárias”. Finalmente, apartir da 4ª edição de Verdade e Consenso (Saraiva, 2011 – vem aí a 5ª Edição)definitivamente abandonei a tese, passando a chamar o constitucionalismo dopós-Segunda Guerra de Constitucionalismo Contemporâneo.

Ora, sob a bandeira neoconstitucionalista (mas não só dele, porque o pontocentral é a “moralização do direito” e o discricionarismo) vem sendodefendido, ao mesmo tempo, um direito constitucional da efetividade, umdireito assombrado pela ponderação de valores, uma concretização ad hoc daConstituição e uma pretensa constitucionalização do ordenamento (porexemplo, constitucionalização do direito civil,[2] espécie de imperialismo dapublicização do direito), a partir de jargões vazios de conteúdo e quereproduzem o prefixo neo em diversas ocasiões, tais como: neoprocessualismo(sic) e neopositivismo (sic). Tudo porque, ao fim e ao cabo, acreditou-se ser ajurisdição responsável pela incorporação dos “verdadeiros valores” quedefinem o direito justo (vide, a este respeito, as posturas decorrentes doinstrumentalismo processual, a que denomino de “fator Oskar Bülow”). Nessesentido, já de pronto é necessário indagar: de que modo se pode falar em“valores” em sociedades complexas (“pós-tradicionais”, como se refereHabermas) como as nossas? Não há como defender um “método deponderação”, porque ele supõe valores intersubjetivamente compartilhados.

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O que é interessante sobre esta “adoção acrítica” (e entusiasta!) dajurisprudência dos valores germânica é que, lá, ela sofre duras críticas, feitas,por exemplo, por Habermas, a partir, inclusive, de constitucionalistas ejusteóricos como Denninger, Müller, Grimm e Böckenförde, bem comoIngeborg Maus, que fala do mal que se abateu sobre o Judiciário de seu paísdesde o final da II Guerra, dizendo que o mesmo assumiu o “superego de umasociedade órfã”.[3] Bingo, Senhora Maus! Bingo!

Princípio, ergo sum!Aliás, a referência reiterada aos “valores” demonstra bem que o rançoneokantiano permeia o imaginário até mesmo daqueles que pretendem fazeruma dogmática crítica. Desse ranço já falei em outras colunas.

A própria formação da cultura é algo muito mais ligado à linguagem e àconstituição de contextos significativos, do que propriamente ao problema daformação e transformação deste enigma chamado “valores”. Isso fica bemrepresentado na formulação daquilo que Ernildo Stein denomina “paradoxode Humbolt”: nós possuímos linguagem porque temos cultura ou temoscultura porque possuímos linguagem?

Portanto, o discurso axiológico no interior do direito deveria ter sucumbidojunto com o paradigma filosófico que o sustentava. A despeito disso, continua-se a falar — acriticamente, por certo — em “valores”, sem levar em conta a suaconhecida e problemática origem filosófica. Aqui também é possível dizer quea palavra “valores” assumiu uma dimensão “performativa”, bastando que se ainvoque para que as portas da “crítica” do direito se abram...! E o pior pareceestar no jargão “princípios são valores”. Logo, por ele o jurista corrige omundo “insignificante” das regras...! Claro que o faz de acordo com os “seus”valores... Princípio, ergo sum!

A expressão “neoconstitucionalismo” não faz mais sentidoAssim, reconheço que — para os propósitos daquilo que denomino de CríticaHermenêutica do Direito — não faz mais sentido continuar a usar a expressãoneoconstitucionalismo para mencionar aquilo que venho querendo apontarem minhas obras: a construção de um direito democraticamente produzido,sob o signo de uma constituição normativa e da integridade da jurisdição, emque o direito possui DNA e seja reduzido ao máximo o grau dediscricionariedade. É preferível chamar o constitucionalismo instituído apartir do segundo pós-guerra de Constitucionalismo Contemporâneo (CC), paraevitar os mal-entendidos que permeiam o termo neoconstitucionalismo.

Nessa medida, pode-se dizer que o CC representa um redimensionamento na

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práxis político-jurídica, que se dá em dois níveis: no plano na teoria do Estadoe da Constituição, com o advento do Estado Democrático de Direito; e no planoda Teoria do Direito, no interior da qual se dá a reformulação da teoria dasfontes (a supremacia da lei cede lugar à onipresença da Constituição); na teoriada norma (devido à normatividade dos princípios — atenção: princípios nãocomo valores e, sim, operando no código lícito-ilícito), na teoria dainterpretação, que, nos termos que proponho, representa uma blindagem àsdiscricionariedades e ativismos, a partir da construção de uma teoria dadecisão judicial e em uma teoria da decisão, que complementa a teoria dainterpretação.

Todas essas conquistas devem ser pensadas, num primeiro momento, comocontinuadoras do processo histórico através do qual se desenvolve oconstitucionalismo. Assim, se, por um lado, há esse processo de agregação comrelação ao primeiro constitucionalismo, por outro, há uma nítida ruptura comos postulados hermenêuticos vigentes desde o final do século XIX e que teráseu apogeu durante a primeira metade do século XX.

Resumindo: o neoconstitucionalismo — no modo como vem sendo entendidoem terrae brasilis — vem sendo apenas (um)a superação do paleo-juspositivismo (exegetismo). A exceção (correndo o risco de cometer injustiças)fica com Ecio Oto, que, a partir de sua tese de doutorado orientada porMartonio Barreto Lima e por mim,[4] deixa claro que a perspectiva deneoconstitucionalismo que propugna é a de ser antipositivista.[5] De registrarque, já antes, em obra em conjunto com Susanna Pozzolo,[6] Oto mostrava, emcaráter inovador, as características desse fenômeno (para ele, são onze),deixando claro que a perspectiva de neoconstitucionalismo que propugna é ade ser antipositivista, avançando, desse modo, para além dosneoconstitucionalistas de terrae brasilis. Esse me parece ser um ponto defundamental importância: dar-se conta das incongruência do(s) positivismo(s)e seus malefícios para a democracia.

O busílis, pois, é que o neoconstitucionalismo, ao apostar na ponderação e nopoder discricionário, não supera a outra forma de positivismo que se segue aoexegético. Afinal, existem vários positivismos, pois não? Mas osneoconstitucionalistas acham que supera.

Portanto, Ferrajoli tem razão quando critica a ponderação e sua ligação com oneoconstitucionalismo. Ele, inclusive, se declara um antineoconstitucionalista.Sim, sei que há vários neoconstitucionalismos, tanto é que o próprio livro quelança o termo possui um “s” atrás do nome. Mas há algo que é comum a todosos tipos, que é a aposta na ponderação (problemática que é abandonada por

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Ecio Oto, como já referi).

Despiciendo acrescentar que compartilho da tese antiponderativa de Ferrajoli.Minhas diferenças com o mestre fiorentino se localizam em outros pontos,conforme explicitado no debate que com ele travei em Garantismo,Hermenêutica e Neoconstitucionalismo[7], para onde me permito remeter osleitores. Mas isso é assunto para outra(s) coluna(s). Por ora, apenas registro aminha saída do barco do neoconstitucionalismo. Na verdade, stricto sensu,nunca havia embarcado mesmo... Já que os (a maioria dos)neoconstitucionalistas não abrem mão da ponderação (para ficar apenas nessedefeito da tese), peço que “me incluam fora dessa”.

Numa palavra: “tudo isso” e a relação com o mensalão!Em seguimento, uma nota acerca da razões pelas quais não preciso fazer umacoluna específica para o affair mensalão. O julgamento do mensalão e tudo-o-mais em terrae brasilis está inserido nesse imaginário que venho criticando.Quero que os leitores entendam isso. Assim, podemos evitar de nos cansarmosna discussão sobre se no caso Donadon a pena de dois anos e três meses para ocrime de quadrilha foi tão discrepante da aplicação no caso da Ação Penal (AP)470. No caso Donadon, dois anos e três meses. Para José Dirceu e Valério, doisanos e seis meses. Portanto, não houve nada de novo na aplicação da pena docrime de quadrilha na AP 470. O que há/houve de novo foi a mudança deplacar proporcionado pelos dois novos ministros, que não estavamcomprometidos com o critério adotado pelo Supremo Tribunal Federal no casoDonadon. E nem é preciso fazer juízo de valor sobre isso. De velho, apenas airritação e o voluntarismo do presidente, ministro Joaquim Barbosa.

O que quero dizer é que o julgamento resultou demasiadamente — e registre-se meu eufemismo — dependente das posições pessoais-subjetivas dosministros. Este é o ponto fulcral do qual falei na coluna da semana passada(clique aqui para ler). De todo modo: no caso Donadon, presentes apenas oitoministros, somente Peluso e Gilmar não votaram pela pena de dois anos e trêsmeses no crime de quadrilha. Já na AP 470, inicialmente votaram peloreconhecimento da quadrilha, Barbosa, Fux, Gilmar, Marco Aurélio, Celso deMello e Ayres Brito. Ainda no primeiro julgamento, Rosa Weber, CármenLúcia, Lewandowski e Toffoli votaram pela absolvição do crime de quadrilha.No segundo julgamento, pós-embargos infringentes, votaram pela absolviçãoem razão da não configuração de quadrilha: Rosa, Toffoli, Lewandowski,Zavascki, Carmen Lúcia e Barroso. Desses entenderam pela prescrição emrazão da dosimetria, mesmo que não utilizando-a como fundamento de suadecisão, os dois novos ministros (Barroso e Zavascki). No caso Donadon, em

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circunstâncias menos desfavoráveis para o réu, os mesmos Toffoli, CarmenLúcia e Lewandowski votaram pela condenação em dois anos e três meses.Menos desfavoráveis, pois os elementos da quadrilha eram cambiantes,especialmente o receptador dos valores desviados do erário. Barroso eZavascki não votaram no caso Donadon, é verdade. No caso dos quecondenaram, a fixação das penas foi dois anos e três meses para a maioria dosréus (Cristiano, Delúbio, Salgado, Genoíno, Kátia e Hollerbach) e dois anos eseis meses para Dirceu e Valério. Vê-se, assim, que, em relação ao casoDonadon, utilizado como paradigma pelo voto do próprio Barroso parajustificar a aludida "discrepância", o incremento da pena-base foi de 65%, aopasso que no mensalão o incremento para Dirceu e Valério foi de 75%.

Portanto, a diferença mesmo — e que fez a diferença — consistiu na mudançada composição da corte. Isso se prova ao observar o placar do primeirojulgamento, que ficou em 6x4 para a condenação, ao passo que no segundo oplacar foi de 6x5 para a absolvição. A diferença? Saiu Carlos Ayres (quecondenou) e entraram Zavascki e Barroso (com o que a votação ganha o placarfinal de 6x5 para a absolvição). Simples, pois!

Para o bem e para o mal, chamemos as coisas pelo nome. Ou seja, a taldiscrepância é um argumento circunstancial. Para um hermeneuta, basta veralgumas frases proferidas no caso Donadon (nem vou falar dos enunciadosproferidos no mensalão, como “julgamentos conforme o sentimento pessoal”,etc): Lewandowski (que condenou Donadon em dois anos e três meses porformação de quadrilha, falou em discricionariedade e prudente arbítrio;Marco Aurélio: "não estamos no campo da legalidade estrita, mas da justiça",Toffoli falou "do prudente arbítrio".

Pronto. É por isso que não faço uma coluna específica sobre a polêmica daabsolvição do crime de quadrilha. Basta-me discutir o problema de fundo, qualseja, a-insistência-dos-juristas-no-protagonismo-judicial e em julgamentos“conforme a subjetividade de cada um”.

Aguardemos os próximos julgamentos do STF. De minha parte, continuodizendo: direito possui DNA; os julgamentos não devem ser feitos a partir dasapreciações subjetivas (valorativas, ideológicas, etc) dos julgadores. Eis o cernede minha chatice epistêmica, que me faz voltar a esse assunto tãoseguidamente. Também... a cada dia esse fenômeno do solipsismo ganha maisforça. Eis porque volto à carga. E eis também porque abandonei oneoconstitucionalismo, porque ele contribuiu para o estado de fragmentaçãodas decisões em terrae brasilis. Não é por nada que o próprio establishmentdecidiu colocar barreiras contra si mesmo, mediante a criação de súmulas

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vinculantes, repercussão geral e jurisprudência defensiva. Não é por nada...

Numa palavra: aquilo que hoje lhe agrada, amanhã pode lhe desagradar. Daíminha pergunta que não quer calar: é melhor confiar no direito (naquilo quevenho explicitando de há muito, não uma simples estrutura formal, é claro) ouno subjetivismo dos julgadores? Cartas para a coluna!

[1] O neoconstitucionalismo tem sido teorizado sob os mais diferentesenfoques. No Brasil, Ecio Oto Ramos Duarte, em obra em conjunto comSusanna Pozzolo (Neoconstitucionalismo e Positivismo jurídico: as faces daTeoria do Direito em tempos de interpretação moral da Constituição. SãoPaulo: Landy, 2010), faz uma descrição – de caráter original –desse fenômeno.Também as obras de Luis R. Barroso, Daniel Sarmento, Eduardo Moreira,Antonio Maia, Eduardo Cambi, entre outros livros importantes.[2] Remeto o leitor, para esse tipo de crítica, às impagáveis Colunas de OtávioLuis Rodrigues Jr, aqui do Conjur. Otávio vai à raiz do problema que sempreesteve aí, mas pouquíssimos se deram conta.[3] Cf. Maus, Ingeborg. Judiciário como Superego da Sociedade: o papel daatividade jurisprudencial na “sociedade órfã”. Novos Estudos CEBRAP, SãoPaulo, n. 58, pp. 183-202, 2000.[4] O prefácio do livro de Ecio Oto, no prelo, que se chamaráConstitucionalismo Global ou Pluriversalismo Internacional? Oneoconstitucionalismo na perspectiva da teoria e da filosofia políticascontemporâneas é de Gilberto Bercovici.[5] Positivismo não é apenas o exegético, por óbvio. Remeto o leitor para o meuHermeneutica Juridica e(m) Crise, 11ª. Ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado,2013.[6] Cf. Neoconstitucionalismo e Positivismo jurídico: as faces da Teoria doDireito em tempos de interpretação moral da Constituição. São Paulo: Landy,2010.[7] Cf. Garantismo, Hermenêutica e Neoconstitucionalismo(s). 2ª. Ed. PortoAlegre, Livraria do Advogado, 2013.Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2014, 8h00