ELABORAÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS...

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ELABORAÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS: ABORDAGEM HISTÓRICO- CULTURAL DAMAZIO, Ademir – UNESC - [email protected] GT: Educação Matemática/ n° 19 Agência Financiadora: UNESC Em um estudo anterior, tratamos da mesma problemática, o processo de elaboração do conceito de potenciação com extensão às primeiras noções do conceito de exponencial e logaritmo, porém foi realizado em condições diferentes e com a participação de outros alunos. Naquela oportunidade, foram envolvidos alunos de quarta série que nunca haviam entrado em contato com tema e as atividades foram desenvolvidas fora do ambiente escolar. A conclusão extraída foi de que havia uma série de aspectos característicos tanto de ordem pedagógica como epistemológica, peculiares à elaboração do sistema conceitual em foco que precisariam ser investigados à medida que os alunos avançam nas séries escolares. Por isso, o presente estudo, continuou com o tema geral a educação matemática; o objeto de estudo o processo de elaboração conceitual dos alunos do ensino fundamental, tendo como princípio a idéia de sistema conceitual e a relação lógico-histórico/lógico matemático. O problema investigado foi definido como as possibilidades e limitações de atividades de ensino-aprendizagem, subjacentes as quais estão significações produzidas historicamente sobre o sistema conceitual de potenciação, para a elaboração de idéias e procedimentos, pelos alunos do ensino fundamental. Envolveu alunos de 5ª série, em situação regular de ensino, de uma escola pública municipal. Nas inserções prévias no ambiente escolar, recebemos um desenho, por parte dos professores e pessoal técnico administrativo, que acenavam para expectativas pouco alentadoras dos alunos no que dizia respeito aos seus interesses nas aulas, atenção, concentração e possibilidades cognitivas. Por isso, estávamos conscientes das multiplicidades de fatores sociais e culturais escolares que poderiam colocar em jogo o esperado envolvimento dos alunos ao desenvolverem as atividades que proporíamos para o processo de elaboração do sistema conceitual de potenciação. Fomos alertados pelo professor de Matemática e constatado, em presença precedente na sala de aula, que precisávamos estar atentos para auxiliar os alunos em atitudes básicas como: cooperação, perseverança, atenção, responsabilidade, iniciativa e

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ELABORAÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS: ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL DAMAZIO, Ademir – UNESC - [email protected] GT: Educação Matemática/ n° 19 Agência Financiadora: UNESC

Em um estudo anterior, tratamos da mesma problemática, o processo de elaboração

do conceito de potenciação com extensão às primeiras noções do conceito de exponencial e

logaritmo, porém foi realizado em condições diferentes e com a participação de outros

alunos. Naquela oportunidade, foram envolvidos alunos de quarta série que nunca haviam

entrado em contato com tema e as atividades foram desenvolvidas fora do ambiente escolar.

A conclusão extraída foi de que havia uma série de aspectos característicos tanto de

ordem pedagógica como epistemológica, peculiares à elaboração do sistema conceitual em

foco que precisariam ser investigados à medida que os alunos avançam nas séries escolares.

Por isso, o presente estudo, continuou com o tema geral a educação matemática; o

objeto de estudo o processo de elaboração conceitual dos alunos do ensino fundamental,

tendo como princípio a idéia de sistema conceitual e a relação lógico-histórico/lógico

matemático.

O problema investigado foi definido como as possibilidades e limitações de

atividades de ensino-aprendizagem, subjacentes as quais estão significações produzidas

historicamente sobre o sistema conceitual de potenciação, para a elaboração de idéias e

procedimentos, pelos alunos do ensino fundamental. Envolveu alunos de 5ª série, em

situação regular de ensino, de uma escola pública municipal.

Nas inserções prévias no ambiente escolar, recebemos um desenho, por parte dos

professores e pessoal técnico administrativo, que acenavam para expectativas pouco

alentadoras dos alunos no que dizia respeito aos seus interesses nas aulas, atenção,

concentração e possibilidades cognitivas.

Por isso, estávamos conscientes das multiplicidades de fatores sociais e culturais

escolares que poderiam colocar em jogo o esperado envolvimento dos alunos ao

desenvolverem as atividades que proporíamos para o processo de elaboração do sistema

conceitual de potenciação. Fomos alertados pelo professor de Matemática e constatado, em

presença precedente na sala de aula, que precisávamos estar atentos para auxiliar os alunos

em atitudes básicas como: cooperação, perseverança, atenção, responsabilidade, iniciativa e

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solidariedade. O relacionamento entre eles, com raríssimas exceções, era marcado por

reações bruscas ou de indiferença.

Pressupostos teóricos: abordagem histórico-cultural

O foco da presente pesquisa foi o processo de elaboração conceitual, ou seja, a

aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento matemático. Vigotski (2001) diz que o

desenvolvimento dos conceitos se apresenta em três estágios, cada um deles com várias

fases. O primeiro estágio, conceito sincrético, se caracteriza quando a criança percebe e

forma uma única imagem que, em seu entendimento, não pode ser desmembrada.

Transportando para a matemática, esse estágio corresponde ao que Vigotski (1993)

denomina de pensamento aritmético natural em que o ser humano não faz relações dos

traços essenciais que caracterizam um conceito.

O segundo estágio - conceito por complexos – tem como características: a

formação de vínculos entre objetos; estabelecimento de relações entre diferentes impressões

concretas; direcionamento à unificação e à generalização de objetos particulares, como

também ao ordenamento e sistematização de toda experiência da criança. Esse nível de

pensamento apresenta-se em diversas fases, ou seja, complexo: associativo, coleção, em

cadeia, difuso, pseudoconceito.

Nesse estágio, a criança concebe o significado da palavra relacionado aos objetos, o

que torna possível o entendimento entre ela e o adulto. Entretanto, percebe a mesma coisa

de modo diferente, por outro meio e outras operações intelectuais. Em relação ao

desenvolvimento de conceitos matemáticos, o pensamento em complexo corresponde à fase

que Vigotski denomina de “aritmética mediada” , tendo como característica o

estabelecimento de relações e comparações com base empírica.

Por fim, o estágio dos conceitos propr iamente ditos, em que o ser humano

desenvolve o pensamento pela análise/abstração e a síntese/generalização. Numa primeira

fase, a criança, por exemplo, agrupa objetos por um único traço (genuíno) com a

especificação do mesmo. Na segunda fase, conceitos potenciais, a criança destaca um grupo

de objetos e generaliza depois de reunidos segundo um atributo comum. Finalmente, a

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terceira fase, conceitos verdadeiros, a palavra tem um papel decisivo, sendo usada e

aplicada com significações bem definidas. Para Vigotski (2001, p. 226):

O conceito surge quando uma série de atributos abstraídos torna a sintetizar-se, e quando a síntese abstrata assim obtida se torna forma basilar de pensamento com o qual a criança percebe e toma conhecimento da realidade que a cerca.

Segundo Vigotski, os conceitos podem ser definidos como conceitos cotidianos e

conceitos científicos. Estão inter-relacionados, porém seguem caminhos diferentes em sua

dinâmica e desenvolvimento. O conceito científico é um sistema de relações que o homem

já estabeleceu e que chegou ao nível de abstração com base em leis, princípios e teorias,

apresentando propriedades próprias. Desenvolvem-se pela linguagem e reflexão (um

processo de análise e síntese), o que exige atenção intencional e voluntária. É independente

do contexto e são aprendidos pelos alunos em situação formal de educação.

Os conceitos cotidianos são desenvolvidos na convivência diária com experiências

imediatas e noções intuitivas. São assistemáticos e estão vinculados a uma situação de

contexto. De acordo com Vygotski (1993, p.253) o conceito cotidiano:

cria uma série de estruturas necessárias para que surjam as propriedades inferiores e elementares dos conceitos. Por sua vez, o conceito científico, depois de ter percorrido de cima para baixo certo fragmento de seu caminho, abre espaço para o desenvolvimento dos conceitos cotidianos, preparando de antemão uma série de formações estruturais necessárias para dominar as propriedades superiores do conceito.

Os conceitos cotidianos se desenvolvem de forma ascendente, de baixo para cima,

em direção aos conceitos científicos. Estes, por sua vez, se desenvolvem de forma

descendente, de cima para baixo, em direção aos conceitos cotidianos. Nas palavras de

Vygotski (1993, p.252):

o conceito cotidiano se desenvolve de baixo para cima em direção a propriedades superiores a partir de outras mais elementares e inferiores e os conceitos científicos se desenvolvem de cima para baixo, a partir de propriedades mais complexas e superiores em direção a outras mais elementares e inferiores.

O conceito científico descende se o aluno recorre às suas significações para explicar

de forma consciente o real da vida cotidiana. Entretanto, o caráter consciente do conceito

científico não é garantido pela mera indicação de suas características essenciais tais como

seus atributos e sua definição. É preciso que os sujeitos recorram a eles para solucionar

problemas. Só assim, os conceitos científicos cumprirão um dos seus papéis que é colocar

em cheque as limitações e as fragilidades do conceito cotidiano.

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Entretanto, um conceito nunca está solto, mas está reciprocamente relacionado com

outros já conhecidos determinando “um sistema conceitual” Vygotski (1996). O autor diz

que a relação recíproca e a pertinência interna dos conceitos de um sistema convertem o

conceito em um meio fundamental para sistematizar e conhecer a realidade exterior, como

também “compreender como se assimila adequadamente a experiência social da

humanidade historicamente formada” (1996, p. 72).

Na pesquisa desenvolvida, buscamos as raízes históricas da constituição do sistema

conceitual de potenciação e seu entrelaçamento com os conceitos de numeração, adição,

multiplicação, logaritmo e exponencial. Sua base teórica de interligação é a idéia de

seqüência, especificamente, uma progressão geométrica - indicadora das potências - e uma

progressão aritmética - identificadora dos expoentes. Portanto, a potenciação deixa de ser

um conceito caracterizado de única significação, multiplicação de mesmo fator, como é

apresentado pelos livros didáticos.

Boyer, Eves, Struik, Ifrah e Rinbnikov não dedicam um texto exclusivo referente ao

processo de desenvolvimento histórico do conceito de potenciação. Porém, inferimos que

suas primeiras idéias e representações surgem no processo de formação dos sistemas

numéricos. Outra noção é a simplificação da escrita de números que se torna proeza desde a

Antiguidade. Em problemas históricos, o conceito de potenciação traz implicitamente a

idéia de seqüência (aritmética, indicando o expoente e geométrica, indicando a potência) e

relação/função exponencial. Isso pode ser visto em Ifrah (1997) num problema envolvendo

o jogo de xadrez e, em Lauand (1986), no problema de constituição de um exército. A partir

de Neper a idéia característica da teorização do conceito de potenciação, com vinculação ao

logaritmo, é a progressão. Idéia que se traduziu nos fundamentos das atividades que os

alunos desenvolveram durante a presente pesquisa.

Pressupostos metodológicos

A teoria histórico-cultural advoga por uma abordagem metodológica com ênfase aos

aspectos qualitativos em detrimento dos quantitativos, preocupando-se em ir além da

simples descrição da realidade estudada. O interesse é para o modo de manifestação do

problema e, ao mesmo o tempo, numa ação dialética, priorizar: a transformação

quantidade/qualidade, a interligação todo/partes, explicação/compreensão e análise/síntese.

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São três os princípios básicos do método de investigação do processo de

formação/apropriação de conceitos proposto por Vygotsky (2001): análise do processo em

que ocorre o fenômeno em estudo e não o objeto em si; ênfase na explicação, em vez da

descrição do fenômeno em estudo; o problema da conduta fossilizada, isto é, os processos

que passam por um longo período de desenvolvimento histórico tendem a se automatizar e

escondem a aparência original.

A análise teve como referência o desenvolvimento, pelos alunos, de atividades de

ensino-aprendizagem. Todas as ações, procedimentos e expressões dos alunos foram

registradas num diário de pesquisa e observadas na filmagem. Na elaboração dessas

atividades levamos em consideração:

-os princípios e as noções lógico-matemáticas que caracterizam o conceito;

-a inseparabilidade das significações aritméticas/geométricas/algébricas;

-o teor: visual-imaginativo e lógico-verbal;

-a possibilidade de formação de uma seqüência com duplo significado numérico em

cada termo: expoente – seqüência aritmética, potência – seqüência geométrica;

-a possibilidade de iniciar pela contagem e sua tradução para adição (mesma

parcela), multiplicação de dois fatores, multiplicação de dois fatores iguais, multiplicação

de dois ou mais fatores iguais;

- a evidência de um princípio (padrão) gerador da seqüência;

-a unidade como termo inicial da seqüência, a partir dai o surgimento da idéia

multiplicativa, ou seja, cada elemento da seqüência é tantas vezes o elemento anterior. Essa

“tantas vezes” é definidora da base;

-a possibilidade de estabelecer relação entre duas grandezas ou variáveis e, por meio

da análise/abstração, atingir a síntese/generalização algébrica.

A unidade como desencadeadora da seqüência se constituiu num princípio

fundamental por se tratar da noção básica do conceito de potenciação. É ela a geradora da

lógica que leva a síntese histórica: “todo número elevado a zero é igual a 1”, em vez da

informação simplista dada pelos livros didáticos “por convenção”.

A análise dos dados foi realizada levando em consideração alguns aspectos que

contribuíram para que não dispersássemos nossa atenção do objeto do estudo e, ao mesmo

tempo, fornecessem subsídios para acreditarmos que os sujeitos da pesquisa estavam em

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processo de elaboração conceitual, como conseqüência das atividades que eles

desenvolviam. Esses aspectos foram: idéias e procedimentos adotados pelos alunos;

identificação do que era comum entre uma atividade e outra (imitação/

transferência/generalização interna); relação entre o nível de complexidade das atividades

propostas.

O desenvolvimento do sistema conceitual em sala de aula

Apresentamos, a seguir, algumas atividades desenvolvidas com e pelos alunos

envolvidos, bem como a análise de todo o processo referente à elaboração do sistema

conceitual de potenciação. A primeira – colagem - consiste em realizar uma seqüência com

recortes de papel - de superfície quadrada - que seriam colados pelos alunos em uma folha

ofício. O critério para elaboração da atividade foi que a seqüência tinha a unidade como

elemento inicial e o termo seguinte teria tantas unidades quantas vezes solicitássemos.

Inicialmente, os alunos colaram um quadradinho e, a partir daí, foram formando a

seqüência tomando como princípio que cada termo tivesse sempre três vezes a quantidade

de quadradinhos do termo imediatamente anterior. Empregamos palavra “ monte” para

significar os termos a serem formados. Dessa forma, a seqüência tinha como ponto de

partida a unidade; a partir deste, o primeiro monte a ser formado teria três quadradinhos; o

segundo, resultaria em nove quadradinhos; o terceiro vinte e sete e, assim por diante.

Os olhares e gestos dos alunos acenavam a necessidade de orientação, não

significando uma demonstração incondicional de realização da atividade, mas a revelação

de possibilidades, desde que fossem auxiliados. Portanto, o cenário indicava as condições

de constituição de “zona de desenvolvimento proximal” e, como tal, a necessária disposição

de nossa parte para auxiliá-los. Como diz Vigotski (2001), é nessa ambiência propícia que

devemos ajudar os alunos a fim de que eles possam adquirir sua independência intelectual

para estarem fazendo sozinhos as atividades que antes não tinham condições de realizá-las.

Nosso diálogo de ajuda e orientação passou ser uma constante. Durante o

desenvolvimento, era questionado: “Qual o próximo monte?” Alguns alunos responderam:

“quatro”; outros, “cinco” ; uns, ainda, disseram: “seis”. Em tais respostas estavam as

evidências de idéias aditivas, pois eles somavam a quantidade de um monte com a do

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monte seguinte. Ou seja, acrescentavam três, “3 + 3”, quando o solicitado era “três vezes o

de antes”.

Antes da colagem do próximo termo, perguntamos: Quantas unidades teriam o

monte seguinte? Uma aluna respondeu: “Nove! Pois, 3x1 é 3 e 3x3 seria o 9”. Depois de

manifestar a forma multiplicativa, essa mesma aluna perguntou: “Mais duas vezes?”. No

seu questionamento, estava se referindo as duas vezes em que o monte de três unidades

aumentou, pois apesar de ter feito a multiplicação de 3x3 = 9, não fez relação com a

representação na figura.

Nas falas dos alunos se desenhava o caminho que estava sendo percorrido no

processo de formação do conceito. A atividade, em desenvolvimento, propiciava a

manifestação de dois pensamentos matemáticos: o aditivo, predominante, e a antecipação,

por parte de alguns alunos, do pensamento multiplicativo de dois fatores.

Ao lançarmos novamente a pergunta norteadora da atividade: Qual a quantidade de

quadradinhos do segundo monte. Uma aluna diz: “É preciso multiplicar por três” . A zona

de possibilidade proximal estava se constituindo para pensamentos que superassem a visão

aditiva e o desenvolvimento de dois tipos de idéias: seqüência e a multiplicativa, que a

referida aluna já havia manifestado.

Com a colagem do monte de 27 quadradinhos, repetimos a questão diretriz e um

aluno respondeu: -Três vezes o de antes! Três vezes o vinte e sete. Concomitantemente,

outras: “87, 72, 81” . Os resultados, 87e 72, chamaram a atenção de alguns alunos que

disseram estar incorreto, afirmando que o produto seria 81.

Seguindo aos pressupostos levantados na elaboração das atividades, foi iniciada a

representação aritmética da seqüência, seguida do registro multiplicativo. O monte inicial,

que se referia à unidade, não teria como representar de forma multiplicativa por se tratar da

referência para, a partir dela, constituir os demais termos, permanecendo o algarismo 1, ou

seja, nenhum grupo de três ainda fora construído. O monte seguinte, o primeiro a ser

formado, também não foi possível representar de forma multiplicativa, por ser o

determinador da base, isto é, o definidor da “regra de jogo três vezes o de antes”. Por isso,

aparecer somente o 3, ou seja, a primeira vez que aparece o agrupamento de três. Para o

segundo monte, com 9 unidades, os alunos identificaram como sendo 3 x 3. O mesmo

ocorreu para a representação dos próximos termos 3 x 9 e 3 x 27.

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A representação seguinte seria escrever cada termo usando o três como único

fator, o que significa uma nova característica para a multiplicação: fatores iguais.

As respostas dos alunos, neste momento, eram mais freqüentes, demonstrando

elaboração da lógica da seqüência definidora do sistema conceitual de potenciação. Isso

fica evidente ao indicarem que o quinto termo teria 243 unidades e uma aluna,

espontaneamente, escreve no quadro: 3x81 é 3x3x3x3x3.

Em seguida, fizemos observar a interpretação e notação exponencial:

1, nenhum grupo de três, então, representa-se por 1 = 30

3, a primeira vez que aparece o grupo de três, então, 3 = 31

9, é a segunda vez que aprece o agrupamento de três, logo, 9=3 x 3 = 32

27, é a terceira que se tem o agrupamento de três, 27 = 3 x 3 x 3 = 3³.

Assim, sucessivamente.

Figura 1 – Atividade, base três, desenvolvida por um aluno.

A unidade como elemento de referência, entendida que nenhum grupo de três

ainda havia se formado, contribuiu efetivamente para que alguns alunos superassem a

percepção imprecisa de que três elevado a zero é zero. Para outros, mesmo com a colagem

mostrando a unidade, a dificuldade estava na representação escrita que continha o zero

como expoente. Tal equívoco tem suas origens nos primeiros anos escolares e no ambiente

cotidiano quando é enfatizado que o zero significa “nada” e é transferido quando aparece

no expoente. Contribui ainda o fato de que, na seqüência formada, a operação síntese é a

multiplicação que em séries escolares anteriores foi enfatizado a propriedade que o produto

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é zero quando um dos fatores é o zero. Superar tais idéias exige a produção do novo

significado para o zero e da própria noção de expoente não como um fator da operação,

mas o indicativo da quantidade de vezes que o fator será multiplicado.

A apropriação e a elaboração do novo significado do zero, como expoente que

indica a potência um, não seria efetivada com apenas um esclarecimento ainda na primeira

atividade. A nossa expectativa, naquele momento, era de que ocorreria com as atividades

subseqüentes. Foram distribuídas uma folha com uma seqüência de base quatro. O objetivo

era que os alunos identificassem a regularidade entre os grupos/termos, “a regra do jogo” e

em relação à atividade anterior. De início, perguntamos: - Qual a seqüência dessa

atividade? Os alunos analisaram os grupos dados, identificando como “quatro vezes o de

antes” . Passaram a contar e expressar a quantidade de unidade de cada monte.

Destaca-se a contagem da aluna S que analisou o último grupo, verificando que

havia quatro quadrados do anterior e disse: “4x16”. Fez a contagem de todos os

quadradinhos do monte, chegando à resposta de 64 unidades. Para os outros montes/termos

formadores da seqüência, apenas contou as unidades dizendo 16, 4, e 1. Após a análise dos

alunos sobre a relação entre um termo e outro foi formada a seqüência numérica, nos

níveis: contagem e registro das unidades, multiplicação de dois fatores, multiplicação de

fatores iguais e a transformação para a forma de potência. Alguns alunos anteciparam a

representação e a leitura da forma exponencial: 40, 4¹, 4², 4³.

A explicitação, por parte desses alunos, da identificação da lógica da estrutura da

seqüência definidora do conceito de potenciação e da sua representação numérica,

proporcionou nossa intervenção no sentido de extrapolar a ordem seqüencial, solicitando o

valor de 45. Houve resposta de 4x5 e 4x4x4x4x4. A idéia aditiva da multiplicação é muito

presente em alguns alunos. Isso pode ser notado não só na expressão 4 x 5 como também

no resultado dado por uma aluna para 4x4x4x4x4=20. Foi necessário um diálogo, não só

com a aluna em referência, como também com outros colegas, para que adotassem a

multiplicação e chegassem à resposta de 1024.

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Figura 2 – Atividade, base 4, desenvolvida por um aluno.

Apresentamos 2³ com a intenção de extrapolar para outra base, evitando a

memorização mecânica e, ao mesmo tempo, uma forma de levar à generalização e à síntese,

não para uma base, mas para potenciação como todo. Um aluno demonstrou da seguinte

forma: 2³ = 2x2x2 = 8. As respostas equivocadas de alguns alunos, como 3²? = 3x2, foram

alertadoras para que evidenciássemos a relação multiplicativa entre expoente e base não do

produto de ambos. Para tal, foi apresentada a seqüência, no quadro de giz:

| | | | | | | | | | | | | | | ...

1 2 4 8

A quantidade de traços de cada monte/termo foi representada por uma aluna. Em

se tratando de contagem, os alunos não apresentaram dificuldades, embora a maioria deles

conta uma a uma a unidade de referência. Vale salientar que iniciar a sistematização pela

contagem foi uma estratégia que pré-estabelecemos. Tínhamos como pressuposto de que o

verdadeiro diálogo mediador, no processo de apropriação de significações conceituais, só

se estabelece quando o ponto de partida é dado com algo que se sabe, conhece ou é

familiar. O aprofundamento para aquilo que o aluno não sabe – conhecimento científico -

deve ser propiciado pelas mediações e interações estabelecidas na atividade de ensino-

aprendizagem. A propósito, perguntamos aos alunos:

- Quantos traços teriam no próximo monte, posterior ao de 8?

As respostas foram variadas: 10, 12, 16. Um dos alunos que falou 16, acrescenta:

seria 2 x 2 x 2 x 2. A demonstração da apropriação da lógica da potenciação, por parte

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desse aluno, fez com que adotássemos sua fala como referência para continuarmos a

discussão e dirigir questionamentos. A não alusão às demais respostas foi proposital para

não trazermos à tona raciocínio que não dizia respeito ao conceito em formação. A ênfase

na idéia multiplicativa extraída de 16, fora referência para os demais alunos do raciocínio a

ser elaborado.

Nas discussões e efetivação da atividade, tínhamos o prenúncio de apropriações e

desenvolvimento de raciocínio, pelos alunos, concernentes ao conceito em formação.

Alguns deles no estágio mais desenvolvido com entendimento do significado de expoente

zero e um, como também, de multiplicação de fatores iguais para expoentes maiores ou

iguais a dois e até antecipar a leitura exponencial: 2 na 4! . Outros, ainda em fase um pouco

dúbia, solicitavam auxílio e faziam a representação numérica por imitação sem uma segura

elaboração. Essa imitação, à primeira vista, dava a impressão de ser uma operação

executada de modo automático, mecânico e como hábito carente de sentido. Entretanto,

uma análise mais apurada nos levava a crer que se tratava de uma operação e hábito

conscientes. Conforme Vygotski (1993:241), ela só ocorre graças à colaboração entre pares,

por isso, “ é fonte de todas as propriedades, especialmente humanas, da consciência” .

Como ato consciente, a imitação não pode ser simplesmente um conjunto de

repetições mecânicas e à revelia de idéias subjacentes a um conceito. A imitação passou a

ser entendida como uma forma de diálogo mediador entre professor e aluno, tendo como

conteúdo principal as características essenciais do conceito e do sistema conceitual. Uma

operação que possibilita o aluno a fazer sozinho o que antes não conseguia. Enfim, a

tornou-se um elemento caracterizador de uma zona de desenvolvimento proximal. Como

diz Vygotski (1993, p.242), a possibilidade de aprendizagem só existe onde há a imitação.

Depois da discussão das potências de base 2, foi solicitado que os alunos

criassem sua própria seqüência. A análise/abstração constante em todas as atividades se

articulavam com síntese/generalização peculiar ao sistema conceitual traduzida, por

exemplo, na manifestação de uma aluna: “Na base 5, fica 5 vezes o de antes; a base 10, dez

vezes o de antes e 1000, mil vezes o de antes”. A maioria optou pela construção de

seqüência de base 3, 5 e 6.

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Figura 3 – Atividade do aluno, base cinco.

A cada base apresentada, exigia que o aluno realizasse as múltiplas relações

existentes entre os conceitos que se articulam ao conceito de potenciação. Uma dessas

relações é a ‘ transferência’ de uma generalização interna de uma atividade para outra. Por

exemplo, levar as generalizações internas à base dois para as demais é imprescindível e

requer que extrapole um vínculo interno e estenda para novas situações.

Da mesma forma, no processo de elaboração do sistema conceitual de potenciação

o aluno se apropria da idéia de seqüência e, partir dela, transfere o raciocínio multiplicativo

que surge somente no segundo agrupamento. A multiplicação, nesse caso, tem a

característica peculiar de envolver somente fatores iguais. Para os alunos, a multiplicação

de fatores iguais - exigida pela potenciação - é algo que está na zona real. Ou seja, a sua

realidade objetiva não lhe dá elementos para operar voluntariamente com essa

peculiaridade do conceito. Para tal, novas atividades e novas mediações foram necessárias

para que os alunos desenvolvessem o raciocínio esperado. Naquele momento delineava-se,

pois, um longo caminho a ser percorrido no processo de aprendizagem, mesmo com um

grupo significativo de alunos conseguindo escrever a seqüência nas suas diversas formas de

representação pictórica até a forma de potência.

Outra atividade foi a apresentação de lâminas, no retro-projetor, traduzindo uma

seqüência de figuras triangulares que se incluíam formando uma seqüência de base quatro.

Na primeira lâmina, aparecia um triângulo que representava a unidade. A segunda

apresentava a construção de um novo triângulo cujos pontos médios de seus lados

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tangenciavam os vértices dos ângulos do triângulo unidade. A questão diretriz geradora das

falas matemáticas referentes à potenciação exigia que os alunos indicassem o número de

triângulo unidade em cada lâmina e a relação multiplicativa entre uma e outra quantidade.

De início, os alunos ficaram atentos à figura, pensamento visual-imaginativo, por

estarem preocupados em quantos triângulos cada figura mostraria e não com a seqüência

em termos de pensamento lógico-verbal. O predomínio do visual-imaginativo implica num

certo desvio de atenção aos aspectos conceituais abstratos, isto é, ao raciocínio

independente. Porém, não queremos dizer que o uso de materiais não se faz necessário

como elemento mediador para o processo de análise e síntese de formação conceitual. A

preocupação é com seu uso abusivo sem as devidas precauções das suas limitações. Não é o

material em si que contribui para aprendizagem, mas as mediações que com ele são

realizadas. Kalmykova (1991) sugere que, para uma boa formação de conceitos

matemáticos, o professor recorra ao uso adequado de uma diversidade de situações

didáticas de análise, sem exageros com experiência sensorial, pondo em destaque por

formulação verbal as características fundamentais e essenciais das noções conceituais. O

autor diz que a análise e a síntese não se dão isoladamente; pelo contrário, elas estão

dialeticamente interligadas. Uma síntese, criadora de uma nova realidade, é sempre

submetida a uma nova análise, criando assim novas relações entre fatos anteriores e aqueles

em processo de síntese.

Nesse contexto de diálogo com a situação de análise/síntese que uma aluna

representou no quadro as representações numéricas das seqüências:

4º 4¹ 4² 4³ 44

1 4 16 64 256

1 4 4x4 4x4x4 4x4x4x4

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Figura 7 – Atividade com triângulo, base quatro.

A desenvoltura da aluna foi uma demonstração de transitava livremente por todas

as etapas do processo de formação do conceito. Observa-se que ela faz o caminho inverso

daquilo que foi enfocado nas atividades anteriores, parte da representação na forma de

potência, apresenta a potência respectiva de cada termo para, posteriormente, a

multiplicação de fatores iguais.

O desempenho da aluna serve de orientação aos demais colegas que passam a

escrever na folha de atividade. Com isso, propomos atividades aleatórias como forma de

avaliar o raciocínio dos alunos desenvolvido, até então. Foi solicitado que determinassem

várias potências, em diferentes bases, como: 3², 42 , 5², 3º e 5º, apresentadas no quadro de

giz que os alunos desenvolveram na folha de atividades

Nesse momento, foram apresentadas a nomenclatura base e expoente. A apropriação

de significações conceituais implica no uso não só de signos, mas também da palavra. Isso

exige a diferenciação e, ao mesmo tempo, a articulação entre o objeto matemático, sua

representação numérica/algébrica/geométrica e sua representação escrita por palavras da

língua materna. Passar de uma representação numérica para uma palavra é um ato de

profunda abstração. Requer a internalização do significado conceitual traduzido na palavra.

A palavra “expoente” tem um conteúdo matemático indicador da quantidade de um fator –

a base - a ser multiplicado, mas não o indica. Essa relação expoente/base não é tão simples

de ser compreendida e se constitui em generalização consciente. Isso porque mudar de uma

forma de representação para outra não é apenas mudar o modo de tratamento da atividade

de aprendizagem, mas trazer à tona, além da explicitação das idéias, noções e propriedades

do conceito, a articulação com a palavra.

Tomamos uma folha de papel e passamos a dobrá-la, para que os alunos

estabelecessem a relação entre a quantidade de dobra e a quantidade de partes que se

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formavam. Antes de procedermos a quarta dobra, os alunos, sem contar, falaram: 16.

Perguntamos: E se continuasse dobrando, seria quanto na quinta dobra?

Alunos: – É 32.

E na sexta dobra?

Alunos, imediatamente: - 64.

Ainda estávamos desenvolvendo as atividades em nível de pensamento aritmético.

A desenvoltura dos alunos propiciou a inserção em ações que levassem ao pensamento

algébrico.

Dobra

Partes

Potência

Forma multiplicativa

0 1 2º 1

1 2 21 2

2 4 2² 2 x 2

3 8 2³ 2 x 2 x 2

4 16 24 2x2x2x2

5 32 25 2x2x2x2x2

: : :

D P 2D

Com base na tabela, construíram o gráfico de pontos na relação dobras/partes e

introduzidas questões para chegar às noções iniciais de logaritmo:

- Quantas partes têm na 2ª dobra?

Alunos: 4.

- E na 3ª?

Alunos: 8.

Prosseguimos até a sexta dobra. Para introduzir a noção de logaritmo, foi invertida

a pergunta, pois dessa forma, os alunos ao responderem estariam se referindo ao logaritmo

daquele número.

- Qual a dobra que tem 8 partes?

Alunos: - É a terceira.

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Deslocamos a atenção dos alunos para a tabela construída, anteriormente, a fim de

observarem a relação dobras/partes, continuando com questionamentos:

- Que base é essa? Qual a regra do jogo aqui?

Alunos: - É dois.

Os alunos repetiram, em voz alta, as duas seqüências da tabela.

Assim, introduzimos a linguagem de logaritmo: - Em matemática, a pergunta que

foi feita é escrita por “ log” que é o logaritmo. Então, o log de 8 na base 2 é três e se escreve

assim: 8log2 = 3.

Novas perguntas foram lançadas: - Qual a dobra que tem 16 partes?

Alunos: - É 4.

- Em matemática como se escreve essa pergunta?.

Um aluno respondeu: - É log de 16 na base 2 que é 4.

- Qual é o log de 4 na base 2?

As respostas foram diversas. Por isso, lançamos a pergunta: - Qual é o expoente na

base 2 que dá 4?

Aluno: É dois.

- Qual é a dobra que tem 4 partes?

Alunos: É dois.

- Qual o log de 9 na base 3?

Uma aluna respondeu: - É o 3 com expoente 2, 3 2 , então é o 2.

Passamos a propor, verbalmente, a determinação de logaritmos de números em

diversas bases. Foram poucos os alunos que não conseguiam, instantaneamente,

determiná-los.

As crianças desenvolveram três níveis de estratégias para o cálculo do logaritmo de

um número. Uma delas é a reprodução seqüencial das potências de uma determinada base.

Por exemplo, para achar o logaritmo de oitenta e um na base três, elas recorriam à

seqüência da potenciação: “Três na zero é um, três na primeira é três, três na segunda é

nove, três na terceira é vinte e sete, três na quarta é oitenta e um” , então o logaritmo é 4.

Num segundo procedimento, transformavam o logaritmando em multiplicação de fatores

iguais e, posteriormente, contavam a quantidade de fatores que indicaria o logaritmo.

Assim, log216 = log22x2x2x2 = 4. Uma terceira estratégia é apresentada pelos alunos que

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haviam estabelecido a relação entre expoente e base e, imediatamente, identificam o

logaritmo. Ou seja, numa forma simplificada da igualdade do tipo log10100 = 10.

Vale dizer que não era pretensão, nessa pesquisa, de desencadear um processo

exaustivo de desenvolvimento do conceito de logaritmo, por isso a limitação às primeiras

noções. Temos consciência da complexidade do processo de elaboração de um pensamento

conceitual por implicar em apropriação, quando entendida como o movimento em que os

sujeitos humanos apreendem as significações ou algo que está constituído na esfera da

intersubjetividade.

Algumas considerações conclusivas

As diferentes atividades, com enfoque na idéia de seqüência, foram fundamentais

para expandir o raciocínio de contagem, aditivo e multiplicativo de fatores diferentes para a

multiplicação de mesmo fator, significações que dão base ao conceito de potenciação. Tem

seu auge ao propiciar o estabelecimento de relações entre grandezas variáveis, atingindo o

pensamento algébrico de exponencial e as noções iniciais aritméticas do conceito de

logaritmo. Os alunos chegam a estes pensamentos não de forma linear, mas por um

processo de avanços e equívocos, exigindo proposição de novas situações de análise que

não só apresentam aspectos intersectivos das noções e princípios conceituais, como também

apresentem novos elementos que contribuam para a extensão das apropriações.

A razão para o equívoco de multiplicar base e expoente é que potenciação se

apresenta como um conceito novo para os alunos, após quatro anos de estudo da adição,

subtração, multiplicação e divisão. Essas operações têm suas especificidades e significações

próprias sendo inter-relacionadas entre si com a noção de inversão: adição-subtração,

multiplicação-divisão. Os alunos trazem a idéia de multiplicação com a significação de

tabuada ou adição de parcelas iguais.

Outra suposição levantada para que a dificuldade em foco ocorra é a forte

ligação entre a potenciação e a multiplicação. A potenciação é, para a maioria dos alunos, a

primeira operação que tem suas noções básicas oriundas de uma outra operação. Ou seja,

quando o expoente é maior que 2 passa a exigir uma particularidade da multiplicação –

fatores iguais. A idéia seqüencial já no terceiro termo do tipo a2, a3, ... exige o predomínio

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do raciocínio multiplicativo, o que leva os alunos recorrer ao pensamento aditivo de mesma

parcela e, conseqüentemente, usa-o de forma falaz para a potenciação. Vale dizer que tal

equívoco só ocorre quando o expoente é maior ou igual a dois. A generalização que todo

número elevado a zero é igual a 1 e todo número elevado a 1 tem como potência o próprio,

é realizada por quase todos alunos. Justificam, respectivamente, pela idéia da seqüência

iniciar pela unidade e o primeiro agrupamento indica a base do expoente 1.

Inicialmente, na formação das seqüências os alunos tiveram que contar a

quantidade de unidade (desenhar, objetos, etc.) para indicar cada termo. Nessa contagem o

pensamento aditivo/multiplicativo se explicitava. Na representação escrita dos termos, não

propomos a etapa adição de parcelas iguais, em vez disso, sugeríamos diretamente a

multiplicação. Mesmo assim, quando pensávamos que os alunos já haviam apropriado a

idéia multiplicativa da potenciação, alguns deles ainda manifestavam o pensamento aditivo.

No processo de formação da generalização da forma escrita da potenciação

foram percebidos dois procedimentos adotados.

a) Pela decomposição: os alunos transformavam cada termo em fatores iguais,

anotando na forma: a0 = 1, a1 =a, a2 =a x a, a3 = a x a x a, ... an = a x a x a ... Contavam,

em cada termo, a quantidade de a fatores e a colocavam como expoente.

b) Por inferência: alguns alunos adotam o seguinte raciocínio: unidade, nenhum

a; um a, igual a1, dois a, igual a2;..., n a = an. Isso se traduz na fala de uma aluna: “Não

precisa fazer nada. É só olhar, nenhum número 3 é 1, 30. Um número três é três na primeira.

Se a gente tem 4 números 3, já sabe que depois vem 35, que é 5 três que se faz vezes ele

mesmo.”

No sistema conceitual de potenciação - que para nós, inclui exponencial e

logaritmo - deve ser desenvolvida a idéia de relação entre duas grandezas ou variáveis. De

forma implícita, esse raciocínio se apresenta desde a primeira atividade

apresentada/discutida com alunos, embora não tenhamos, em sua primeira apresentação, a

sistematização na forma exponencial. Tal exigência foi ocorrendo à medida que

percebíamos evidências de condições para tal, em momentos posteriores, mais

especificamente na atividade de dobradura.

Quanto às primeiras noções de logaritmo, a estratégia dos alunos de decompor o

logaritmando em fatores para determinar o logaritmo foi fundamental para que os alunos

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percebessem que na estrutura da potenciação estava uma significação de logaritmo, qual

seja: o expoente. A referida estratégia foi substituída no momento em que eles reconheciam

a potência e seu respectivo expoente. Por exemplo, 32 é a potência de 2 elevado ao

expoente 5. Portanto, o log2 32 é 5. Isso significa uma síntese que caracteriza a adoção da

própria definição de logaritmo.

De acordo com Vigotski (2001, p.367) as definições expressam “a lei de

equivalência de conceitos dominante em uma determinada fase do desenvolvimento dos

significados”. Assim, podemos dizer que os alunos conviveram num processo de

aprendizagem que levara à “consciência” e “aprenderem” por articularem idéias, princípios

e significações do conceito de potenciação, expandindo para as noções fundamentais de

exponencial e logaritmo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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